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JUSTIÇA RESTAURATIVA & SINASE Marli M. Moraes da Costa Rodrigo Cristiano Diehl Rosane T. Carvalho Porto INOVAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI 12.594/12 ENQUANTO POLÍTICA PÚBLICA SOCIOEDUCATIVA A ADOLESCENTES AUTORES DE ATOS INFRACIONAIS ISBN 978-85-8443-039-0

Livro Justiça Restaurativa & Sinase: Inovações trazidas pela Lei 12.594/12 enquanto política pública socioeducativa a adolescentes autores de atos infracionais

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O livro propõe realizar um estudo sobre a relação entre Justiça Restaurativa e a Lei do Sinase (12.594/12) enquanto política pública socioeducativa a adolescentes autores de atos infracionais. Autores: Marli Marlene Moraes da Costa; Rodrigo Cristiano Diehl; Rosane Teresinha Carvalho Porto.

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JUSTIÇARESTAURATIVA & SINASE

Marli M. Moraes da CostaRodrigo Cristiano Diehl

Rosane T. Carvalho Porto

INOVAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI 12.594/12 ENQUANTO POLÍTICA

PÚBLICA SOCIOEDUCATIVA A ADOLESCENTES AUTORES DE ATOS INFRACIONAIS

ISBN 978-85-8443-039-0

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Multideia Editora Ltda.Rua Desembargador Otávio do Amaral, 1.55380710-620 - Curitiba – PR+55(41) [email protected]

Conselho EditorialAndré Viana Custódio (Unisc)

Salete Oro Boff (Unisc/IESA/IMED)Carlos Lunelli (UCS)

Liton Lanes Pilau (Univalli)Danielle Annoni (UFSC)

Luiz Otávio Pimentel (UFSC)

Orides Mezzaroba (UFSC)Sandra Negro (UBA/Argentina)Nuria Belloso Martín (Burgos/Espanha)Denise Fincato (PUC/RS)Wilson Engelmann (Unisinos)Neuro José Zambam (IMED)

Coordenação editorial e revisão: Fátima BeghettoProjeto gráfico e diagramação: Bruno Santiago Di Mônaco RabeloCapa: Sônia Maria BorbaImagem da capa: [Hackman] / Depositphotos.com

CPI-BRASIL. Catalogação na fonte

C837 Justiça Restaurativa e Sinase: Inovações trazidas pela Lei 12.594/12 enquanto política pública socioeducativa a adolescentes autores de atos infracionais. / Marli M. Moraes da Costa, Rodrigo Cristiano Diehl e Rosane T. Carvalho Porto – Curitiba: Multideia, 2015.

114p.; 21cm[recurso eletrônico]ISBN 978-85-8443-039-0

1. Justiça restaurativa. 2. Adolescentes. 2. Políticas Públicas. 3. Atos infracio-nais. I. Diehl, Rodrigo Cristiano. II. Por to, Rosane T. Carvalho. III. Título.

CDD 342 (22. ed.)CDU 342

Autorizamos a reprodução parcial dos textos, desde que citada a fonte.Respeite os direitos autorais – Lei 9.610/98.

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Marli M. Moraes da CostaRodrigo Cristiano Diehl

Rosane T. Carvalho Porto

Justiça RestauRativa & sinase

INOVAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI 12.594/12 ENQUANTO POLÍTICA PÚBLICA SOCIOEDUCATIVA A ADOLESCENTES

AUTORES DE ATOS INFRACIONAIS

Curitiba

2015

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PREFÁCIO

O sucesso de uma medida socioeducativa aplicada a um adolescente depende, em boa parte, da capacida-de de envolver e comprometer toda a máquina pú-blica e as forças sociais representativas na execução dessa medida, já que os adolescentes precisam encon-trar respostas concretas para as suas necessidades. (Vera Vanin)

Senti-me honrado com convite para prefaciar esta obra Justiça Restaurativa & Sinase: inovações trazidas pela Lei 12.594/12 enquanto política pública socioeducativa a adolescentes, dos colegas pesquisadores Marli Marlene Moraes da Costa; Rodrigo Cristiano Diehl e Rosane Teresinha Carvalho Porto.

A pós-doutora Marli Marlene Moraes da Costa tem ao longo de muitos anos desenvolvido o protagonismo em pesquisas sobre políticas públicas de inclusão social no Programa de Pós-Gradua-ção em Direito – Mestrado e Doutorado, da Universidade de Santa Cruz do Sul, em efusiva colaboração com a doutoranda Rosane Te-resinha de Carvalho Porto, referência na área de justiça restaurati-va, que agora, com a colaboração do acadêmico Rodrigo Cristiano Diehl, lançam esta primordial obra para os estudos na área.

A inovação trazida por este trabalho está na apresentação da articulação dos processos das práticas restaurativas e as polí-ticas públicas de atendimento socioeducativo conforme previsão da atual lei que institui do Sistema Nacional de Atendimento So-cioeducativo.

O Sistema de Atendimento Socioeducativo estabelece um conjunto de regras e princípios sobre competências compartilha-das entre União, estados e municípios na formulação, execução e controle das políticas públicas socioeducativas, determinando a elaboração de Planos de Atendimento e organizando os Progra-mas de Atendimento, com estratégias de avaliação a acompanha-mento da gestão, destacando medidas de responsabilização de gestores, operadores e entidades de atendimento.

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Além disso, estabelece critérios para a definição de priori-dades e financiamento das políticas públicas e critérios comple-mentares ao Direito da Criança e do Adolescente para a execução das medidas socioeducativas; também define procedimentos, amplia a garantia dos direitos individuais do adolescente, exige a elaboração de Planos Individuais de Atendimento e estratégias de articulação intersetorial para a garantia da atenção integral à saúde do adolescente em cumprimento de medida socioeducativa.

É neste contexto que os autores apresentam aqui o inovador tema da justiça restaurativa, mediante a instituição de práticas res-taurativas no sistema de justiça e nas políticas públicas de atendi-mento enquanto caminhos de pacificação de conflitos que, segundo os autores, encontram-se nos seus dizeres “o fazer diferente”.

Importa reproduzir a essência desta obra, que reflete sobre uma nova percepção no âmbito das medidas socioeducativas, ou seja, que “nas práticas restaurativas configuram-se um novo olhar na esfera judiciária, nas relações familiares e comunitárias, abrindo um horizonte de participação e autonomia, ao construir espaços es-pecíficos que possibilitam o diálogo pacífico entre as partes envolvi-das em um conflito. Por conta disso, é importante conhecer a respei-to da Comunicação Não Violenta, enquanto técnica de abordagem pacificadora” (ZEHR, 2012, p. 15).

Por fim, o conteúdo ora presentado é de grande relevân-cia, em especial aos atores do sistema de garantias de direitos da criança e do adolescente, os quais poderão usufruir deste belo tra-balho, haja vista que os estados e os municípios brasileiros apro-varam no fim de 2014 seus planos de atendimento socioeduca-tivo, possibilitando, portanto, um novo olhar na implementação de ações que reconheçam os adolescentes e suas famílias em seu contexto social.

Ismael Francisco de SouzaDoutorando em Direito – PPGD/UNISC

Professor de Direito da Criança e do Adolescente – UNESCPesquisador do Núcleo de Estudos em Estado, Política e Direito – UNESC

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SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS ..........................................................................................9

CAPÍTULO 1

1 ARCABOUÇO TEÓRICO DA JUSTIÇA RESTAURATIVA E ALGUMAS QUESTÕES EM SEU REDOR ..................................................................................131.1 A crise da jurisdição estatal e

as novas formas de pacificação de conflitos ................................................131.2 Conceitos-chave de Justiça Restaurativa .....................................................181.3 A linguagem da Comunicação Não Violenta ...............................................251.4 Visão geral e estrutural dos círculos de construção de paz .........................32

CAPÍTULO 2

2 POLÍTICAS PÚBLICAS DE JUSTIÇA PARA O SISTEMA DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO A ADOLESCENTES ...................................................................392.1 Política pública: uma construção complexa e desafiadora

na efetivação de direitos fundamentais .......................................................402.2 A possibilidade da implementação da Justiça Restaurativa

a partir da política de cooperação ...............................................................522.3 Adolescentes autores de ato infracional: uma análise breve ......................56

CAPÍTULO 3

3 INOVAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI 12.594/12 – SINASE (SISTEMA NACIONAL DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO) ..............................693.1 Política pública voltada aos socioeducandos ...............................................703.2 Da execução das medidas socioeducativas ..................................................773.3 A aplicação da Justiça Restaurativa na Lei do Sinase ...................................833.4 O papel da comunidade na consolidação de políticas públicas

pacificadoras de conflitos ............................................................................86

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...........................................................................................99

REFERÊNCIAS ..........................................................................................................103

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Nos últimos anos, tem-se discutido sobre a justiça restaurati-va, nos seus mais diversos enfoques, portanto, multidimensional, e a partir das experiências e modelos internacionais tem-se desenha-do e implementado esse projeto em alguns casos concretos, dentro da área da infância e da juventude, no Juizado Civil e Criminal, nas escolas e nas comunidades. As iniciativas são louváveis, mas restam ainda alguns questionamentos, pautados da seguinte maneira: Qual o arcabouço teórico da justiça restaurativa? Há clareza com relação a isso, de maneira a distingui-la das práticas judiciais? Quais são efe-tivamente as práticas restaurativas brasileiras? Efetivamente tem-se bem delineado e claro esse assunto, para que a essência da justiça restaurativa não se perca em meio à juridicidade?

Secundariamente, questiona-se: É possível efetivar as prá-ticas restaurativas na execução das medidas socioeducativas pelos adolescentes autores de ato infracional a partir da Lei 12.594/12 (SINASE) e do Estatuto da Criança e do Adolescente?

No intento de responder a esses e a outros questionamentos, o presente estudo traz os postulados e os fundamentos teóricos da justiça restaurativa, a partir de um marco de desnecessidade de esferas burocratizadas e estatais para a consecução da principal finalidade, a reconstrução dos laços que se viram desfeitos pelo rompimento produzido pela relação conflituosa.

Sabe-se que a linguagem é uma ferramenta de socialização e que os seres humanos dependem necessariamente dela para se co-municar, porém, em decorrência de um processo de aprendizagem precário, no sentido de labutar melhor o emocional, as pessoas não conseguem externar com clareza o que realmente desejam, e

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muito menos compreendem a posição do outro no momento da comunicação. Nessas relações de comunicação, verifica-se que as pessoas se valem de inúmeras estratégias, de maneira a não se sentirem freadas, intimidadas ou impedidas no que tange a alcan-çar determinado objetivo. E isto dificulta a clareza na compreen-são do pedido, gerando diversos conflitos, conforme o contexto que os sujeitos estão envolvidos, interessados e interligados.

O que se tem buscado é a justiça restaurativa enquanto me-canismo alternativo extrajudicial para enfrentar estes conflitos, que na maioria das vezes esbarram no próprio Judiciário. A opção por utilizar meios voluntários de resolução de conflito, de certa forma, demonstra o recuo da comunidade e da sociedade civil em enfrentar estas questões por meio do sistema judiciário tradicio-nal, valendo-se então de caminhos criativos de pacificação e en-frentamento aos conflitos criados por si.

Então, preliminarmente, o que se quer apresentar ao leitor não é uma teoria, mas outro caminho de pacificação de conflitos, partindo da aproximação conceitual e aberta do sentido de justiça restaurativa, que, absorvidas pela comunidade, realmente poderá significar um “fazer diferente”.

Ao travar discussões ferrenhas a respeito de justiça, não dá para deixar de contextualizar acerca da cultura e sua ressignifica-ção enquanto categoria marcante que transpõe a convivência das pessoas. A sua interferência nas relações sociais é efetivamente marcante, porque as coisas que se têm incorporadas são deter-minantes de atitudes, e mais do que a informar nas atitudes dos seres humanos, elas moldam as próprias instituições, são absorvi-das e vividas, no mais das vezes, de forma inconsciente.

Nesse cenário paradoxal, ter-se-á no primeiro capítulo desta obra o arcabouço teórico da justiça restaurativa e algumas ques-tões em seu redor, transitando pela crise estatal e as novas for-mas de pacificação de conflitos, enfatizando as metodologias de linguagem empática: a comunicação não violenta e os círculos de construção de paz. No segundo capítulo, abordar-se-á de maneira

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mais contextual a respeito das políticas públicas de justiça, des-tacando a importância da Lei do Sinase, Lei 12.594/12, enquanto uma política pública socioeducativa para adolescentes que cum-prem a medida em entidades de atendimento no âmbito munici-pal e estadual.

No último capítulo, tratar-se-á das inovações trazidas pela Lei do Sinase, observando a execução das medidas socioeduca-tivas, a aplicação das práticas restaurativas e o papel da comu-nidade na consolidação das políticas públicas pacificadoras de conflitos.

É mais que notória a necessidade de rever o sistema socio-educativo aplicado no Brasil, em que os adolescentes, ou também denominados socioeducandos, ingressam em um sistema, o qual, em termos de efetividade e caráter sociopedagógico, está longe de tais ideários. Nessa seara o legislador inova, apontando para uma possibilidade de enfrentamento das mazelas difundidas dentro da execução das medidas socioeducativas (Lei 12.594/12 - Lei do Sinase). Muito embora a legislação estatutária trate dos direitos e responsabilidades dos adolescentes, da comunida-de e do poder público, ainda assim não contemplava algumas questões, como a execução da medida imposta aos maiores de 18 anos que cometem crime durante o cumprimento da medida socioeducativa, bem como não trazia entre os seus princípios as práticas restaurativas. Sendo assim, as inovações trazidas pela legislação do Sinase são significativas, e representam o preen-chimento de uma lacuna no Direito, no pertinente à execução de medidas socioeducativas.

Dentro dessa órbita, trabalhar-se-á com a ideia de política pública voltada aos socioeducandos, da execução das medidas so-cioeducativas, a aplicação da justiça restaurativa na Lei do Sinase o papel da comunidade na consolidação de políticas públicas paci-ficadoras de conflitos.

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1 ARCABOUÇO TEÓRICO DA JUSTIÇA RESTAURATIVA E ALGUMAS QUESTÕES EM SEU REDOR

1.1 A CRISE DA JURISDIÇÃO ESTATAL E AS NOVAS FORMAS DE PACIFICAÇÃO DE CONFLITOS

A figura estatal perde poder perante a complexidade do mundo atual, em particular em sua prerrogativa de dizer o Direito (o que abre espaço a novas modalidades para pacificar os confli-tos). Com o surgimento do Estado moderno e da nação soberana, e dentro desse contexto ele centraliza diversas funções, inclusive detendo o monopólio do uso da força e da distribuição do sentido de justiça (BEDIN; BEDIN; FISCHER, 2013).

Entretanto, vê-se nos tempos atuais uma crise do conceito de Estado e soberania, pois uma das perspectivas que apontam para isso está no paradigma da supremacia da lei, pois, sendo cri-tério único para valoração do comportamento humano e restando ineficiente para dar respostas às demandas que se apresentam, culmina numa dissociação entre a legislação e a realidade social (SPENGLER, 2010).

De outro lado, é possível perceber que o Estado como sobe-rano encontra-se em crise pela transferência de suas funções para entidades supraestatais ou extraestatais, ou seja, organizações nacionais e internacionais que vinculam sua atuação. Ademais, o desenvolvimento da comunicação interacional prejudica o desem-penho satisfatório das funções de unificação nacional e pacifica-

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ção interna, notadamente no que diz com a busca por identidade, causando desagregação (FERRAJOLI, 2007).

Nesse cenário, é visível a fragilização/diluição de antigos paradigmas consistentes em formulações ortodoxas dos concei-tos sobre Estado e soberania. Isto é, “tem-se um cenário de pós--exclusividade do Estado e de relativização da soberania, o que se acentua pelo fenômeno da globalização e da crescente interdepen-dência que influenciam diretamente na conformação desse novo mundo” (BEDIN; BEDIN; FISCHER, 2013, p. 18).

No mesmo entendimento, Bedin (2001) assegura que o processo de globalização reflete a crescente complexidade das relações internacionais, gerando cada vez mais tanto a interde-pendência quanto a cooperação. Reforça-se a ideia, consequente-mente, de um mundo único, onde os problemas e os interesses transcendem a própria esfera local e passam a representar tam-bém debates globais.

Nesse contexto, as relações globais são intensificadas e complexificadas, expondo um cenário no qual a indeterminação e a desordem estão presentes, fazendo com que seja indispensá-vel repensar as formas rígidas e tradicionais, sobretudo no âm-bito institucional. Dessa maneira, de acordo com Bauman (1999, p. 67), “o significado mais profundo transmitido pela ideia de glo-balização é o do caráter indeterminado, indisciplinado e de auto-propulsão dos assuntos mundiais”, caracterizando uma nova ideia de desordem mundial.

Diante dessa situação, conforme as barreiras geográficas são relativizadas pelo processo da globalização, a força da juris-dição é igualmente diminuída, uma vez que não se mostra capaz de acompanhar a celeridade e a complexidade dos litígios que se apresentam. Tais conflitos não podem depender da burocratizada e lenta estrutura do Poder Judiciário, o qual foi construído sob o rito de códigos estanques, inconciliáveis com a multiplicidade de procedimentos decisórios exigidos pela sociedade atual, sobretu-do pela economia globalizada (MORAIS; SPENGLER, 2012).

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Essa diferença de conflitos torna a jurisdição tradicional ex-tremamente assoberbada e ineficiente, haja vista que não foram criadas as transformações qualitativas necessárias para adaptá-la às novas formas de conflito que deve enfrentar, restringindo a sua estrutura e qualificação aos litígios, que podem ser denominados de clássicos (BEDIN; BEDIN; FISCHER, 2013).

De forma semelhante, o Poder Judiciário, por conseguinte, permaneceu imóvel diante de todas as transformações sociais que ocorreram e que estão ocorrendo, “como se o tempo tivesse escoa- do muito lentamente e as condições de vida de hoje fossem quase as mesmas do início do século” (DALLARI, 1996, p. 6).

Neste sentido, classificam-se as crises visualizadas pela juris-dição tradicional em quatro grupos distintos, quais sejam, a crise estrutural, a objetiva ou pragmática, a crise subjetiva ou tecnológi-ca e, por fim, a paradigmática. É possível assegurar, portanto, que o modelo tradicional de jurisdição está em crise, e diante disso são cada vez mais aceitos e difundidos novos métodos de pacificação de conflitos, como a arbitragem, a mediação, a conciliação e a negocia-ção, os quais se apresentam como instrumentos denominados de jurisconstrução ou autocomposição (MORAIS; SPENGLER, 2012).

As novas estratégias ao Sistema de Justiça têm origem nos EUA e surgiram sob o nome de Alternative Dispute Resolution (ADR). Essa nomenclatura é utilizada para designar todos os pro-cedimentos de pacificação de conflitos sem a intervenção direta de uma autoridade judicial. A utilização destes métodos se mostra importantíssima, já que apresentam inúmeros pontos positivos, como aliviar o congestionamento do Judiciário, diminuir os custos e a demora no trâmite dos casos, proporcionar um maior acesso à Justiça e, por consequência, garantir direito fundamental, incenti-var o desenvolvimento da comunidade na pacificação de conflitos e disputas, além de possibilitar uma gestão qualitativamente me-lhor dos conflitos (SPENGLER, 2010).

Tem-se, por consequência, que a justiça restaurativa se apre-senta de forma dessemelhante à jurisdição tradicional, onde um

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terceiro desinteressado e externo a este conflito declara o direito e se posiciona de forma “equidistante” dos envolvidos. Deste modo, tem-se que, em razão da crise instalada sobre a jurisdição tradi-cional, as novas estratégias de pacificação de conflitos se mostram métodos hábeis e plenamente capazes de dirimir quaisquer lití-gios, por mais complexos e sofisticados que possam se apresentar (BEDIN, 2010).

Contemporaneamente, têm-se assistido, em diversas loca-lidades do Brasil, à instalação de programas, projetos dos mais variados em práticas restaurativas. O receio está no impacto que pode causar na própria justiça restaurativa, que, em tese, significa uma justiça voltada “para” a comunidade, promovendo o redire-cionamento da corresponsabilização dos sujeitos e do senso cívico e crítico de comunidade. Em virtude da cultura jurídica brasileira, o imediatismo e a ideia de positivar com leis, como uma espécie de aprisionamento jurídico, podem acabar com a principiologia restaurativa, que na sua essência foca a condição humana, melhor dizendo, a essência humana.

Nesse ínterim, rememora-se a reflexão: qual o sentido de justiça na justiça restaurativa? Em meio a tudo isso, permeia a he-rança cultural jurídica portuguesa, a diversidade cultural das et-nias e raças, que se retroalimentam e ao mesmo tempo se repelem enquanto arranjos que coabitam um espaço público também sob os efeitos nefastos da globalização. Sendo assim, maiores são as probabilidades de importar as experiências sociais restaurativas, sem uma melhor análise daquilo que é possível e viável à socieda-de brasileira. O risco da colonização da linguagem e de instalação nos mesmos espaços precários e viciosos é imenso.

Nesse contexto, enquanto contributo de reflexão a respeito do sentido de justiça, mostram-se interessantes as três aborda-gens da justiça elaboradas por Michel Sandel (2012, p. 28): “para saber se uma sociedade é justa, basta perguntar como ela distribui as coisas que valoriza – renda e riqueza, deveres e direitos, pode-res e oportunidades, cargos e honrarias”.

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Uma sociedade justa distribui esses bens da maneira corre-ta; ela dá a cada indivíduo o que lhe é devido. As perguntas difíceis iniciam no momento em que indagamos o que é devido às pessoas e o seu motivo. Diante disso, inúmeras dificuldades começam quando se identificam três formas de abordar a distribuição de bens: “a primeira que leva em conta o bem-estar, a segunda que trata a questão pelo enfoque da liberdade, e a última que se baseia no conceito de virtude” (SANDEL, 2012, p. 28). Assim sendo, cada uma dessas perspectivas apresentam tanto pontos fortes quanto fracos e sugerem uma maneira distinta de pensar sobre o real sen-tido de justiça.

Uma das maneiras de começar é observando como a refle-xão moral aflora naturalmente quando se está diante de uma di-fícil questão de natureza moral. Começa-se com uma opinião, ou convicção, sobre a coisa certa a fazer: desviar o bonde para o outro trilho. Então, a reflexão é sobre a razão da convicção e a procura pelo princípio no qual se baseia.

É melhor sacrificar uma vida para evitar a perda de mui-tas. Então, diante de uma situação que põe em questão esse princípio, ficamos confusos: Eu achava que era sempre certo salvar o máximo possível de vidas, mas ainda assim parece errado empurrar o homem da ponte (ou matar os pastores de cabras desarmados). Sentir a força dessa con-fusão e a pressão para resolvê-la é o que nos impulsiona a filosofar. (SANDEL, 2012, p. 37)

Acerca dessa perspectiva, poder-se-ia ir além, quando na tá-bula principiológica, ou de diretrizes galgadas e conquistadas pelo homem, está antes de se buscar um sentido de justiça enquanto valor ou princípio, em refletir sobre quais são as possibilidades de restauração da razão humana, captando a comunicação, a emanci-pação e o empoderamento dos sujeitos.

É possível acreditar no ressuscitamento da razão humana, sendo esta o maior legado da modernidade, pois, para Habermas,

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citado por Leal (2013) as promessas da modernidade não se es-gotaram. Logo, o que vem a ser essa razão humana? Que o ser hu-mano é capaz de reger a vida como base no seu entendimento, assentado em valores e princípios que são: a vida, a igualdade, a fraternidade, o bem, a justiça. Valores esses, universais. Por conta disso, mister tornar a ação comum: ação comunicativa, no sentido de partilha, de gestão compartida em um universo de valores e princípios. Essa ação precisa de mecanismos, de nível de entendi-mento entre os envolvidos, por isso a administração dela se vale da emancipação humana, tendo que se dar pela validade ou jus-tificação de seus argumentos. Sendo assim, acredita-se na razão humana como meio de emancipação, responsabilidade de valores e diretrizes.

Oportuno ainda é comentar sobre o outro eixo de discussão que complementa o primeiro, tratando da muldimensionalidade da justiça e do seu flexionamento um tanto abissal com a adminis-tração da razão humana como via de emancipação. Esse, por sua vez, segundo Costa e Porto (2014) remonta ou remete para a epis-temologia enquanto um dos desafios de superação para a consoli-dação da justiça social como um princípio efetivo da comunidade, que incita acreditar na razão humana também como mecanismo de emancipação social. Nessa linha, é interessante rememorar os conceitos-chave sobre a justiça restaurativa.

1.2 CONCEITOS-CHAVE DE JUSTIÇA RESTAURATIVA

A justiça restaurativa originou-se nas sociedades comunais que privilegiavam as práticas de regulamentação social em que os interesses coletivos eram priorizados em face dos interesses in-dividuais, visando ao restabelecimento dos laços do grupo social. Todavia, com o surgimento do Estado e a centralização do poder, reduziram-se as formas de justiça negociada, mas não se fizeram desaparecer por completo. Nas palavras de Konzen (2007, p. 164)

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“as ideias relacionadas à solução dialogal dos conflitos não perten-cem, pelo visto, exclusivamente ao tempo anterior ao nascimento do Estado e do contrato social que o justifica”. Podem inclusive de-rivar da crise que existe na plataforma de valores da sociedade na modernidade, do mesmo modo do colapso das ideologias com que vem sendo encarada a criminalidade, “[...] unicamente de na-tureza retributiva, tanto pelo modelo dissuasório ou repressivo, cuja centralidade retributiva encontra sustentação nas correntes conservadoras da Lei e Ordem ou da Defesa Social”.

Na década de 1990, emergiu a justiça restaurativa como mo-vimento social de reforma da justiça criminal, implementada nos Estados Unidos, Canadá, Nova Zelândia, Austrália, Peru, Kuwait, Omán, Argentina, Chile, Colômbia, Brasil, África do Sul, entre ou-tros países (PORTO, 2008).

Registra-se que, em 24 de julho de 2002, a Organização das Nações Unidas (ONU) expediu a Resolução 2002/12, do Conselho Econômico e Social, intitulando princípios básicos para a utiliza-ção de programas de justiça restaurativa em matéria criminal, e propondo a implementação das práticas restaurativas por todos os Estados-membros.

Diante deste ponto, segundo Zehr (2008), para a justiça res-taurativa o crime não se refere a uma violação contra o Estado, mas às pessoas e aos relacionamentos, que envolvem a vítima, o agressor, a família e a comunidade. Logo, esses vínculos que foram afetados pela violência precisam ser reparados por meio da corre-ção dos erros, mediante a reconciliação. Diferentemente da justiça punitiva, a justiça restaurativa visa promover a aproximação e o diálogo entre os afetados diretamente e indiretamente pelo dano, visando à recuperação e à reintegração de uma situação perdida.

Em consonância com Renato Pinto (2005, p. 20), “trata-se de um processo estritamente voluntário, relativamente informal, a ter lugar preferencialmente em espaços comunitários, sem o peso e o ritual solene da arquitetura do cenário judiciário”, oca-sião em que se propõe obter um acordo que supra as necessida-

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des tanto individuais quanto coletivas dos envolvidos, bem como a reintegração da vítima e do infrator ao meio social de forma digna e pacífica.

Desta forma, dentre as práticas com características restau-rativas aplicadas internacionalmente, se revela a mediação entre a vítima e o infrator, as câmaras restaurativas e os círculos restaura-tivos. Enquanto a primeira prática promove o encontro entre víti-ma e infrator, intermediado por um mediador que tem como obje-tivo firmar um acordo, as duas últimas promovem a participação da comunidade na busca da restauração do conflito. As câmaras restaurativas, além de possibilitarem o encontro entre a vítima e o infrator, permitem que familiares de ambos e integrantes da co-munidade possam participar ativamente na busca da reparação do dano, evitando a repetição do erro. Já os círculos restaurativos vão “além no envolvimento da comunidade na resolução de problemas de conduta [...] em que todos podem intervir sem precisar ater-se ao tema central ou problema em tela” (SCURO NETO, online).

É neste contexto a aplicação da justiça restaurativa nos ca-sos de adolescentes em conflito com a lei, pois existe a possibilida-de de restaurar o dano utilizando-se da estratégia do diálogo e da pacificação do conflito em uma relação que já está há muito tempo abalada. Neste sentido, Zehr (2008) esclarece que, para a vítima saber o motivo da violência e ter respostas para suas indagações, é importante restaurar a ordem e curar as feridas para deixar de ser vítima e começar a ser sobrevivente.

Nos casos de conflito, a abordagem restaurativa proporcio-na a oportunidade de falar a verdade sobre o que lhes aconteceu, inclusive seu sofrimento. Necessitam ser ouvidos e receber con-firmação. É propiciado o momento de o agressor tomar conheci-mento e compreender as consequências do ato que causou, das feridas que ainda não foram cicatrizadas. Para isso, é importante a participação da família no processo restaurativo, pois a transfor-mação do conflito para a restauração dos danos abrange todos os envolvidos.

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Logo, para possuir a efetividade esperada, o programa res-taurativo deverá atuar em conjunto com as redes de apoio, sejam elas governamentais ou não, como explica Renato Pinto (2005, p. 261), onde “os núcleos de Justiça Restaurativa deverão atuar em íntima conexão com a rede social de assistência, com apoio dos ór-gãos governamentais [...]”, e também não governamentais, operan-do em rede com a finalidade de dar o encaminhamento tanto para as vítimas quanto aos infratores, aos programas indicados para as medidas acordadas no plano traçado no acordo restaurativo.

Nesse mesmo sentido, Melo (2005, p. 66) expressa que o modelo restaurativo deve ter o envolvimento comunitário para sua “resolução e da intervenção efetiva de uma rede de atendi-mento fundada em políticas públicas voltadas a todos, que dê amparo às necessidades outras que entrem em questão naquele primeiro momento”.

Da mesma forma, Costa e Porto (2011) afirmam ser neces-sário criar ações que formem uma rede social interativa com fins de implementação de políticas públicas de prevenção da violência adolescente de gênero, sendo que o uso das práticas restaurativas não tem o fito de restabelecer o vínculo conjugal, mas sim restau-rar a relação, promovendo um relacionamento positivo entre víti-ma e agressor que favoreça o resgate da cidadania e equilíbrio das relações de gênero.

Todavia, para ocorrerem tais transformações, Bourdieu (1999) ressalta a necessidade da participação da mulher por meio de uma mobilização de política de resistência, orientada para re-formas jurídicas e políticas, no sentido de quebrar o círculo de dominação. Neste caso, a adoção das práticas restaurativas repre-senta a oportunidade de romper com o silêncio e com o estigma da vitimização da mulher, possibilitando o seu empoderamento pela participação e atuação conjunta na criação de pacificação do conflito.

Nesta senda, Andrade (2003, p. 85) afirma que “há também segmentos do movimento feminista que, como já referi, susten-

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tam a necessidade de questionar o recurso ao sistema penal”, bem como a necessidade de se buscar meios alternativos e comunitá-rios diretamente ligados com os objetivos feministas dos quais o sistema penal está bastante alheio.

Para tanto, há necessidade de a mulher desprender-se do papel de vítima para exigir transformações e para lutar pela sua liberdade e dignidade humana, assim como os demais direitos conquistados ao longo dos tempos.

Brancher (online) explica que a justifica restaurativa é forma de pacificação complementar da justiça penal tradicional, pois de-pende do consenso das partes em participar do programa. Todavia, os resultados não têm como intuito único a sanção do infrator, mas sim ouvir todos os afetados pelo dano e, ao final, buscar uma de-cisão compartilhada, reconstrutiva e principalmente humanizada.

Nos casos de violência de gênero, ocorrida no âmbito do-méstico, todos os integrantes da família são atingidos, mesmo que indiretamente, pois, além de presenciar, eles passam a vivenciar a violência e os seus reflexos como o medo, a submissão, a dor e a raiva. Nas práticas restaurativas, não há uma relação de domina-dor/dominado, na verticalidade, mas uma relação de horizontali-dade em que todos são ouvidos e têm a oportunidade de romper com o silêncio.

Por fim, a justiça restaurativa torna-se um instrumento ca-paz de restaurar os vínculos afetivos, outrora perdidos, de forma humanizada por meio da escuta e do diálogo, promovendo o em-poderamento das vítimas.

Das definições consideradas mais importantes de justiça restaurativa está a do advogado norte-americano Howard Zehr, considerado um dos fundadores e principais teóricos sobre esse melo de justiça no mundo. Ele desenvolveu um estudo detalhado a respeito das concepções fundamentais das práticas restaurati-vas, destacando os seguintes aspetos: o crime é fundamentalmen-te uma violação de pessoas e relações interpessoais; as violações

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criam obrigações e responsabilidades; e a justiça restaurativa bus-ca curar e corrigir injustiças (COSTA; PORTO, 2005, p. 158).

De qualquer sorte, as dificuldades em conceituá-la podem ser vistas sob uma lógica positiva, no que tange à reflexão de sua flexibilidade e adaptabilidade às práticas restaurativas que dela provêm e podem ser trabalhadas. Uma das principais caracterís-ticas da justiça restaurativa é a sua multiplicidade, por se estar diante de um conceito aberto, ou ainda, nos dizeres de Sica (2007, p. 10), de um “conjunto de práticas em busca de uma teoria”.

A multiplicidade da justiça restaurativa não se delimita às suas definições, por ser complexa, dispondo de no mínimo três concepções: encontro, reparação e transformação. A justiça res-taurativa é um processo comunitário, não somente jurídico. Nele, as pessoas envolvidas em uma situação de violência ou conflito - vítima, ofensor, familiares, comunidade - participam de um círculo restaurativo, coordenado por um facilitador, no qual é proporcio-nado um espaço de diálogo, onde as pessoas abordam os proble-mas, identificam suas necessidades não atendidas e buscam cons-truir soluções para o futuro, procurando restaurar, na medida do possível, a harmonia e o equilíbrio entre todos os envolvidos no litígio (JUSTIÇA PARA O SÉCULO 21, online).

No campo da chamada ‘Resolução Apropriada de Disputas’ (RADs), a justiça restaurativa pode ser incluída, mesmo não po-dendo ser definida como prática mediativa, mas que possui im-portante papel de prevenção de conflitos; também tendo como nomenclatura genérica de práticas autocompositivas inominadas. É nesse terreno prático que a justiça restaurativa se desenvolve, de maneira a subsidiar as necessidades humanas das pessoas en-volvidas pelo conflito. Por isso, a mediação, a conciliação, a arbi-tragem e a negociação são práticas restaurativas.

As práticas restaurativas propriamente ditas se valem da comunicação não violenta e dos círculos de construção da paz (mais adiante serão trabalhados), e priorizam a harmonia e o

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(r)estabelecimento da comunicação e das relações sociais entre os cidadãos. A partir disso, rompe-se com paradoxos punitivos e retributivos que voltam-se apenas para o autor do fato delituoso, visto que “apenas essa punição não é suficiente para garantir os direitos humanos e fundamentais dos indivíduos atingidos pelo dano” (COSTA, 2010, p. 3.180).

Por esse viés, para alguns, a justiça restaurativa é um processo de encontro, um método de lidar com o crime e a in-justiça, que inclui os interessados na decisão sobre o que efe-tivamente deve ser feito. Para outros, significa uma mudança na concepção de justiça, que pretende ignorar o dano causado pelo delito e prefere a reparação à imposição de uma pena. Ou-tros ainda entendem que se trata de um rol de valores cen-trados na cooperação e na resolução do conflito, forma de concepção reparativa. “Por fim, há quem diga que busca uma trans-formação nas estruturas da sociedade e na forma de interação entre os seres humanos e destes com o meio ambiente” (PALLA-MOLLA, 2009, p. 59).

Trata-se de uma aproximação que pretende enfrentar o fe-nômeno da criminalidade, privilegiando “toda forma de ação, in-dividual ou coletiva, visando corrigir as consequências vivencia-das por ocasião de uma infração, a resolução de um conflito ou a reconciliação das partes ligadas a um conflito” (ACHUTTI, 2009, p. 71). Surge, portanto, como alternativa à falência estrutural do modelo tradicional de sistema criminal, tendo como desafio retra-balhar os dogmas da justiça criminal, a fim de restaurar o máximo possível o status quo anterior ao delito.

As práticas restaurativas têm sua origem nos modelos de or-ganização das sociedades comunais pré-estatais europeias e nas coletividades nativas, que por sua vez exerciam a regulamentação social embasadas na manutenção da coesão do grupo, privilegian-do os interesses coletivos em detrimento dos individuais. Nessas comunidades, a transgressão de uma norma implicava o restabe-lecimento do equilíbrio quebrado, buscando encontrar uma solu-

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ção para o problema causado. Nas sociedades ocidentais, a justiça restaurativa é implementada utilizando os modelos de tradições indígenas do Canadá, dos Estados Unidos e da Nova Zelândia. Cor-robora-se que a Irlanda foi o primeiro país a empregar práticas restaurativas, especialmente na pacificação de conflitos envolven-do adolescentes (CUSTÓDIO; COSTA; PORTO, 2010, p. 53).

Com o advento da Lei 12.594/12 – SINASE, no seu artigo 35, as práticas restaurativas passaram em meio a um universo principiológico para serem recepcionadas pelo legislador pátrio. Independentemente de a previsão legal estar em uma legislação especial que contempla interesses voltados à área da infância e da juventude, no que versa sobre assegurar direitos e propor a cor-responsabilização, isso representa uma avanço jurídico que pode-rá se estender às mais diversas áreas ou demandas jurisdicionais, assunto que será tratado mais adiante em outro capítulo.

Corrobora-se que a instituição de práticas restaurativas configura-se um novo olhar na esfera judiciária, nas relações fami-liares e comunitárias, abrindo um horizonte de participação e au-tonomia, ao construir espaços específicos que possibilitam o diá- logo pacífico entre as partes envolvidas em um conflito. Por conta disso, é importante conhecer a respeito da Comunicação Não Vio-lenta, enquanto técnica de abordagem pacificadora.

1.3 A LINGUAGEM DA COMUNICAÇÃO NÃO VIOLENTA

A capacidade de contribuir com o bem-estar do outro e rece-bê-lo com compaixão está na essência da natureza humana, assim como a solidariedade é a essência do comportamento compassivo, sendo, portanto, competências a serem exploradas na busca pela harmonia nas relações interpessoais. Neste sentido, investiga-se o que leva as pessoas a se desconectarem da sua natureza com-passiva, levando-as a se comportar de maneira violenta. Assim, por compassivo, entende-se a capacidade de estabelecer relações

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interpessoais de maneira que possam fluir entre todas as partes envolvidas, mediante mútua colaboração (CAPELLARI; MAIERON, 2009).

Dentro dessa perspectiva, interessa que

[...] enquanto estudava os fatores que afetam nossa capaci-dade de nos mantermos compassivos, fiquei impressiona-do com o papel crucial da linguagem e do uso das palavras. Desde então, identifiquei uma abordagem específica da co-municação – falar e ouvir – que nos leva a nos entregarmos de coração, ligando-nos a nós mesmos e aos outros de ma-neira tal que permite que nossa compaixão natural flores-ça. (ROSENBERG, 2006, p. 21)

Essa abordagem comunicação não violenta, usando o ter-mo não violência na mesma acepção que lhe atribuía Gandhi – referindo-se ao estado compassivo natural do indivíduo quando a violência houver se afastado do coração. Embora se possa não considerar violenta a maneira de falar, “não raro induzem à mágoa e à dor, seja para os outros, seja para nós mesmos. Em algumas co-munidades, o processo que estou descrevendo é conhecido como comunicação compassiva” (ROSENBERG, 2006, p. 10).

Ao utilizarem a linguagem adequada nas interações sociais, os protagonistas da fala se colocam em estado compassivo na-tural, sendo que a habilidade de manter tal estado depende pri-mordialmente do uso que se faz das palavras, considerando que a violência nas interações humanas deriva, essencialmente, do uso inadequado da linguagem, assim como a conexão emocional apa-rece com o uso eficaz das expressões da linguagem, que nos leva à entrega de coração, ligando-nos a nós mesmos e aos outros, per-mitindo que floresça a compaixão natural. Trata-se, portanto, de uma abordagem que se aplica de maneira eficaz a todos os níveis de comunicação e a diversas situações (ROSENBERG, 2006).

Por esse prisma, é importante o destaque que Pelizzoli (on-line) faz ao grande ensinamento da Comunicação Não Violenta: é

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preciso aprender a ouvir e a dar de si, tendo em mente que, para ouvir não basta estar com os ouvidos abertos, é preciso mobilizar a obediência e a disposição do coração. A incapacidade para o diá- logo diz muito da incapacidade para ouvir. Por vezes, ouvir o outro e acolher é quase toda solução. Somos carentes de alguém que nos ouça. Ouvir verdadeiramente é raro, sem julgar previamente, com-preendendo a fragilidade humana, que é sempre a minha também.

Tratando da Comunicação Não Violenta como uma das técni-cas do proceder pela restauratividade, Konzen (2007, p. 86) para-fraseia Rosenberg (2006) ao explicar que é uma virada linguística que pretende levar em consideração a forma como as pessoas ob-servam umas as outras, como expressam seus sentimentos e ne-cessidades. Destaca ainda que a experiência de ouvir e ser ouvido permite que soluções sejam debatidas com flexibilidade.

O uso da comunicação não violenta implica a troca infor-macional que ocorre entre pessoas, produzindo como resultado o aparecimento da harmonia, o entendimento, a solidariedade, a parceria e a compaixão. Com o aflorar de tais qualidades, os seres humanos são capazes de solucionar os seus conflitos, com base numa linguagem que não sentencia, nem pune, mas possibilita a união e, consequentemente, a conexão entre eles. Prossegue o au-tor explanando que o uso inadequado das palavras pode incitar o conflito. Em contraponto, a proposta da linguagem não violen-ta evidencia que os interlocutores ficam mais propensos a ouvir quando a pessoa fala dos sentimentos negativos que lhe pertur-bam, como a raiva e a irritação, ao invés de simplesmente expres-sá-la fazendo uso de palavras iradas ou ações físicas violentas. Elas também se mostrarão ainda mais inclinadas a ouvir se forem relatados com sinceridade e clareza os sentimentos de mágoa, tristeza ou decepção, do que se estes fossem expressos mediante julgamentos e censuras a respeito de um comportamento repro-vado (CAPPELLARI; MAIERON, 2009).

Nesse contexto, evidencia-se que a comunicação é o alicerce das relações interpessoais. Quando ocorre de forma violenta ou

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unilateral, denota que não teve espaço para o diálogo, ou seja, foi relegada ao segundo plano. Em não havendo espaço dialógico, a linguagem pode ser lesiva aos relacionamentos (BOHN, 2005).

Uma compreensão mais apurada acerca do sentido da co-municação não violenta traz benefício a todos os envolvidos, con-soante demonstra Rosenberg (2006), à medida que a CNV subs-titui antigos padrões de defesa, recuo ou até mesmo de ataque perante julgamentos e críticas; vai-se percebendo a nós e aos ou-tros, bem como intenções e relacionamentos, por uma abordagem nova. A resistência, a postura defensiva e as reações violentas são minimizadas.

Quando nos concentramos em tornar mais claro o que o outro está observando, sentindo e necessitando em vez de diagnosticar e julgar, descobrimos a profundidade de nossa própria compaixão. Pela ênfase em escutar profundamente – a nós e aos outros –, a CNV promove o respeito, a aten-ção e a empatia e gera o mútuo desejo de nos entregarmos de coração. Embora eu me refira à CNV como processo de comunicação ou linguagem da compaixão, ela é mais que processo ou linguagem. Num nível mais profundo, ela é um lembrete permanente para mantermos nossa atenção con-centrada lá onde é mais provável acharmos o que procura-mos. (ROSENBERG, 2006, p. 23)

Desta forma, quando se prioriza o esclarecimento daquilo que se observa, sente-se realmente aquilo de que se necessita, ao invés de emitir meras críticas, mitigam-se as reações de oposição e violência. Diante desta atitude, o conflito se obscurece. Logo, o caminho do entendimento e da colaboração recíproca perpassa os quatro componentes do modelo de comunicação não violen-ta: observação, sentimento, necessidade e pedido (ROSENBERG, 2006).

Nessa ampla moldura, restam definidos os elementos bási-cos desta proposição de linguagem, trazendo como pano de fundo

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o domínio da observação das ações e reações – pessoais e do ou-tro. Tal atitude faz com que o indivíduo comece a ouvir e a se ex-pressar de forma mais consciente e cuidadosa, o que, indubitavel-mente, promove relações saudáveis, na medida em que se avança para o estágio da identificação dos sentimentos e necessidades subjacentes às expressões. Por fim, consciente das necessidades que permeiam uma ação ou reação, a etapa do pedido reflete a im-portância da clareza na linguagem, vez que uma linguagem trun-cada ou agressiva prejudica as interações.

Verifica-se, dessa forma, que a ideia da comunicação não violenta está na dinâmica que dá fundamento à cooperação – nós, seres humanos, agimos para atender necessidades, princípios e valores básicos e universais. Cientes desta constatação, passamos a enxergar a mensagem implícita nas palavras e ações dos outros, e de nós mesmos, independentemente de como são comunicadas. Assim, as críticas pessoais, rótulos e julgamentos, atos de violên-cia física, verbal ou social são revelados como expressões trágicas de necessidades não atendidas (ROSENBERG, 2006).

De acordo com Rosenberg (2006), quando tomados por tais emoções, nossa atenção se concentra em classificar, analisar e de-terminar níveis de erro, em vez de identificar o que nós e os outros necessitamos e não estamos obtendo. Filiando-se a esse entendi-mento, Barter (online) declara que a dinâmica da CNV objetiva a tradução da linguagem violenta e opressora como a expressão trá-gica de uma necessidade não atendida, que se frustra. Trágica tan-to por causa dos danos que causa, mas também pela pessoa que age desta forma, porque a violência é uma forma extremamente ineficaz de conseguir o que se quer.

Há de se considerar que as bases do desenvolvimento da co-municação não violenta advêm da observação de que a crescente violência é a nítida representação de uma lógica de ações e rela-ções divorciadas dos verdadeiros valores que deveriam nortear as relações humanas, suscitando ciclos de emoções dolorosas. Nesse espectro, Schuch (online) sinaliza que o método da CNV é apresen-

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tado como facilitador de mudanças estruturais no modo de enca-rar e organizar as relações humanas.

Por derradeiro, diante da pertinência do tema em tela, re-prisam-se os ensinamentos de Rosenberg (2006): para utilizar-mos a comunicação não violenta não há necessidade de as pessoas com quem estamos nos comunicando conhecê-la ou mesmo estar motivadas a se comunicar compassivamente conosco.

Como visto, é fecunda a perspectiva transformadora do uso da linguagem não violenta, haja vista que promove o diálogo, sen-sibilizando os sujeitos para o aprendizado da escuta empática e da alteridade. Neste viés, especulam-se as potencialidades da co-municação não violenta enquanto mecanismo de desjudicializa-ção dos conflitos, viabilizando alternativas para solver a lide de maneira pacífica e satisfatória.

Não se pode olvidar que todas as multifacetadas e fragmen-tadas relações sociais experimentam conflitos em determinado momento, sendo esta conflitualidade um traço contemporâneo que se expande nas esferas local e mundial, do mesmo modo que falar em conflito social se tornou um inevitável lugar-comum, es-pecialmente quando se verifica que a “sólida” resposta que se es-pera por parte do Judiciário esmaeceu, corroída pela incapacidade de dar conta de tamanha complexidade que perpassam as rela-ções sociais e as estratégias hegemônicas atuais (LUCAS; SPEN-GLER, 2011).

Desta forma, defende-se que a pacificação de conflitos co-meça quando são eliminados da linguagem julgamentos e acusa-ções, trazendo à baila a metodologia da comunicação não violenta como forma de restaurar as marcas de uma linguagem que sugere inculpação, rotulação e desumanização. Assim, redescobriram-se dinâmicas que os grandes sábios falam há milênios: o ser humano foi feito para viver em paz e as necessidades são comuns a todos. Essas são as ferramentas principais que a CNV oferece: capacida-de de se expressar claramente ao outro e de enxergá-lo, apesar das palavras e das ações que ele possa usar. Muitas vezes, a violên-

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cia é sutil, é um gesto, uma frase, a dominação que existe em todas as esferas de relacionamento, entretanto, quando as pessoas têm oportunidade de perceber a humanidade do outro, elas procuram soluções que atendam a todos, pois sabem que as decisões susten-táveis são aquelas que ambas as partes assumem voluntariamente (LUCAS; SPENGLER, 2011).

Assim, percebe-se que a CNV – enquanto procedimento da justiça restaurativa, ancorada nos princípios e valores advindos deste paradigma – é um processo essencialmente vivencial, eis que promove o entendimento e o trato das causas do conflito, le-vando em conta que o ser humano, enquanto reflexo do mundo em que vive, manifesta comportamentos mais agressivos ou pacifica-dores segundo suas aprendizagens de vida.

Igualmente, ajusta-se o foco sobre a promoção de uma cul-tura de paz nas relações interpessoais, que devem ser balizadas por comportamentos éticos que implicam, necessariamente, uma comunicação adequada, o que, por si só, já evita a propagação da violência. Logo, a ênfase das intervenções restaurativas está cen-trada sobre o resgate das relações afetadas pelo conflito. Desloca--se o foco da culpa para a responsabilidade, priorizando a reflexão das controvérsias em busca de uma solução recompensadora e apaziguadora para o caso específico, tomando como ponto de par-tida o conhecimento e o reconhecimento da situação de origem, oportunizando que cada um possa falar e ser ouvido, com o ob-jetivo de promover a compreensão mútua entre os sujeitos, num processo centrado essencialmente na comunicação.

Seguindo essa vertente, a comunicação não violenta ofere-ce valiosos instrumentos de ação no sentido de buscar o entendi-mento através da cooperação e do diálogo. O uso desta metodolo-gia, de acordo com Cappellari e Maieron (2009), no processo de pacificação dos conflitos, passa a ser feito por meio da expressão dos sentimentos e das necessidades, ocasião em que se declaram e se ouvem os valores que são importantes para todos os envolvidos no processo conflituoso.

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1.4 VISÃO GERAL E ESTRUTURAL DOS CÍRCULOS DE CONSTRUÇÃO DE PAZ

Os processos circulares são práticas que possibilitam o en-contro das pessoas em um local para dialogarem acerca de algo que lhes causou dano. A forma de círculo significa a conexão com o universo e principalmente com os outros que estão à volta. Para que ocorra a junção de ideias e os sentimentos entre os envol-vidos, precisa-se desejar fazer-se presente. Aceitar a proposta é participar pela rede de conversações. É fundamental que os agen-tes apropriem-se do ato, para que se estabeleçam no círculo um alicerce de valores e um espaço seguro de responsabilização. As vítimas são as que mais necessitam dos elementos fundamenta-dores da justiça restaurativa e, nesse sentido, o dano é contra a segurança da comunidade.

A intervenção da Justiça Restaurativa depende, contudo, de um conjunto variável de fatores, tais como: a natureza e a danosidade social da agressão verificada; a disponibilidade de processamento do tipo de ilícito cometido; o relaciona-mento entre a vítima e o agressor (ou as respectivas famí-lias e os corpos sociais em que os mesmos se insiram) e o grau de agregação pelos mesmos apresentado. A interven-ção restaurativa parte do pressuposto de que, antes mesmo de constituir uma violação à lei, a agressão se traduz, em termos individuais e psico-afetivos, na experiência emo-cional “de magoar ou ser magoado ou prejudicado” e num profundo desrespeito em relação à vítima como pessoa e à sua personalidade. (FERREIRA, 2006, p. 25)

A clareza disso representa a estrutura restaurativa, ou seja, o nível e o reconhecimento comunitário de também assumir a sua parcela de responsabilidade. Os facilitadores, pela realização de um círculo, precisam estabelecer uma comunicação respeitosa envolvendo questionamentos como: o que a vítima está sentindo, pensando sobre o acontecido; ou o que poderia ser feito para au-

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xiliar na cicatrização das feridas deixadas pelo trauma vivenciado. Nesse mesmo sentido, outras peculiaridades imprescindíveis e que precisam ser observadas são: voz alta para chamar atenção, sem sarcasmo, depois moderação na entonação; olhar neutro e respirar antes de falar. Muitos danos poderiam ser evitados com a respiração adequada. As pessoas precisam estar felizes, por esta-rem ali e se tratarem sensivelmente. A comunicação estabelecida é informal e a abordagem cuidadosa (PRANIS, 2010). Trata-se, pois, de um ato de amor, solidariedade e fraternidade.

Por conseguinte, para que se desenvolva o amor-próprio, é necessário ser amado por outras pessoas. O sentimento de “fazer a diferença” é fundamental, pois amar o próximo como a si mesmo faz com que se respeite o outro como singular (BAUMAN, 2004).

A partir disso, percebe-se a necessidade da efetivação das práticas restaurativas, que possam romper os paradoxos puniti-vos que estão estereotipados pela norma, quando esta, por sua vez, torna-se símbolo da retributividade presente no processo de conversações da comunidade. Portanto, a justiça restaurativa é o espaço de dialógico que, como recurso tecnológico, disponibiliza às pessoas que a exerçam pela práxis da cidadania.

Sabe-se que a Jurisdição é uma conquista constitucional, pois é o caminho que serve como garantia do processo, ao litigan-te (COSTA, 2012). Nesse viés, se está discorrendo sobre a justiça tradicional. Ao se visualizar um triângulo que tem na sua base os conflitos sociais, nota-se que pelo processo ocorre a artificialização do conflito social, quando os atores tornam-se o autor e o réu. Seus pedidos não são autônomos, necessitando de um advogado, pois a ele é dada a capacidade postulatória para requerer junto ao Estado (representado pela figura do juiz) a prestação de um serviço públi-co, ou seja, a resolução do conflito social em lide (MORAES, 2008).

Dos atos humanos, verificam-se a conduta e o sentido dado no hemisfério das ações, mesmo que omissivas. Quer se dizer com isso que, mesmo inconscientemente, as pessoas agem e de certa

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maneira contribuem para os resultados no espaço comunitário. Então, para que se possa desfrutar de uma convivência dentro da razoabilidade, a responsabilidade pela segurança, por exemplo, embora em um primeiro instante parta das autoridades policiais, também é fundamental que o cidadão atue como copartícipe nesse processo, ou seja, que adote uma postura ativa enquanto cidadão no exercício de seus direitos e responsabilidades. Então, a polícia, não se eximindo da sua atribuição fundamental e constitucional, qual seja, prestar segurança à sua comunidade, não pode deixar de considerar o seu outro papel também importante, enquanto agente social.

Os encontros de justiça restaurativa podem ser desenvol-vidos segundo diferentes metodologias, sendo recomendável um conjunto de alternativas metodológicas conforme o concreto. Para Pranis (2010, p. 19), o “processo do Círculo é um processo que se realiza através do contar histórias. Cada pessoa tem uma história, e cada história oferece uma lição”. No Círculo, as pessoas se apro-ximam umas das outras mediante a partilha de histórias significa-tivas para elas.

Repensar nos processos circulares e na comunicação não violenta para a pacificação dos mais diversos conflitos é imaginar e labutar pela transformação cultural de uma comunidade que se volta para a cooperação e para o diálogo, e refuta as relações in-dividuais. É interessante a concepção de comunidade de Etzioni (1999) sob o enfoque do comunitarismo: a comunidade pode ser definida como um conjunto de relações carregadas de laços de afeto e uma cota de compromisso com valores compartilhados e com cultura moral. Reconhece que a comunidade é a boa socieda-de, a qual fomenta tanto as virtudes sociais como os direitos indi-viduais. É a maximização da ordem e da autonomia, um equilíbrio cuidadosamente mantido entre um e outro.

É sabido que os Círculos de Construção de Paz reúnem a an-tiga sabedoria comunitária e o valor contemporâneo do respeito pelos dons, necessidades e diferenças individuais, num processo

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que: respeita a presença e dignidade de cada participante; valori-za as contribuições do todos os participantes; salienta a conexão entre todas as coisas; oferece apoio para a expressão emocional e espiritual; dá voz igual para todos. Nos Estados Unidos, os Cír-culos de Construção de Paz foram introduzidos com a filosofia da justiça restaurativa, que inclui “todos os envolvidos (as vítimas de um crime, os perpetradores, e a comunidade) num processo de compreensão dos danos e criação de estratégias para a reparação dos mesmos” (PRANIS, 2010, p. 21).

Partindo da metodologia circular, os objetivos do Círculo in-cluem desenvolver um sistema de apoio àqueles vitimados pelo crime, decidir a sentença a ser cumprida pelos ofensores, ajudá--los a cumprir as obrigações determinadas e fortalecer a comuni-dade a fim de evitar crimes futuros. Com relação ao significado do círculo, ele simboliza a liderança compartilhada, igualdade, cone-xão e inclusão. Também promove foco, responsabilidade e partici-pação de todos (PRANIS, 2010).

É no Círculo que se chega à conexão, momento de troca das histórias pessoais; em que a experiência vivida é mais valiosa do que a troca de conselhos. Seus integrantes partilham experiências pessoais de alegria e dor, luta e conquista, vulnerabilidade e força, a fim de compreenderem a questão que se apresenta. Partem do pressuposto de que existe um desejo humano universal de estar ligado uns aos outros de forma positiva. Significa dizer que os va-lores do Círculo advêm desse impulso humano básico; portanto, valores que nutrem e promovem vínculos benéficos com os outros são o fundamento do Círculo (PRANIS, 2010).

Ouvir e contar histórias, elementos fundamentais dos pro-cessos restaurativos, é importante para conferir poder e para es-tabelecer relações saudáveis. Ganhamos em senso de respeito e relacionamento ao contarmos nossas histórias e ao termos outros para escutá-las. Quando os indivíduos são poderosos, as pessoas escutam as suas histórias respeitosamente, assim, escutar as his-tórias dos outros é um modo de fortalecê-los. Sentir-se respeitado

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e conectado são necessidades básicas intrínsecas à autoestima de todos os seres humanos. A relação recíproca entre estas duas ne-cessidades, respeito e conexão com os outros, confere poder aos indivíduos para agirem no interesse do grupo e também em seu próprio interesse (MORRISON, 2005).

A comunicação, portanto, é o alicerce das relações interpes-soais; e quando ocorre de forma violenta ou unilateral, fragiliza e lesiona os relacionamentos, deixando claro que ali não teve espa-ço para o diálogo (BOHN, 2005). Destaca-se que, além dos círcu-los de construção de paz, o facilitador (o indivíduo responsável pelo encontro entre os envolvidos pelo dano) precisa adotar uma linguagem adequada e de conexão, de maneira que todos os en-volvidos ou interessados no processo circular sejam escutados e compreendidos.

Os princípios e as práticas de justiça restaurativa partem da crítica às premissas tradicionalmente vinculadas à justiça do sis-tema retributivo penal, perquirindo sua perda de foco quanto aos relacionamentos subjacentes ao conflito ou à infração, à sua desa-tenção para as necessidades da vítima, e à consequente desconsi-deração das possibilidades de reparação dos danos como forma de promover a pacificação social, fortalecer o senso de cidadania, os vínculos comunitários e a coesão social mediante a ocupação de espaços de autocomposição de conflitos inspirados num mode-lo de participação democrático e deliberativo (SALM; LEAL, 2012).

O conceito da justiça restaurativa fala da justiça como va-lor e não apenas como instituição, e tem o foco nas necessidades determinantes e emergentes do conflito, de forma a aproximar e corresponsabilizar todos os participantes, com um plano de ações que objetiva restaurar laços familiares e sociais, compensar danos e gerar compromissos futuros mais harmônicos e uma sociedade mais segura. Baseia-se numa ética de inclusão e de responsabili-dade social, no conceito de responsabilidade ativa. É essencial na aprendizagem da democracia participativa fortalecer indivíduos e comunidades para que assumam o papel de pacificadores de seus

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próprios conflitos, interrompendo as cadeias de reprodução da violência.

A justiça restaurativa, assim, não é só um conjunto de prá-ticas em busca de uma teoria; é também um aglomerado de con-cepções culturais desenvolvidas em contextos determinados que, com a implementação desse modelo de resolução de contendas, talvez esteja sendo implicitamente retrabalhado para se adequar às novas formas de relações interpessoais da modernidade.

Nesse sentido, a justiça restaurativa e suas práticas são com-preendidas como moldadas dentro de um arranjo cultural mais amplo, incorporando conceitos, valores e “visões de mundo” e, ao atuarem, ajudam a gerar e a manter essas formas culturais que adotaram. Contudo, assim como as práticas penais são modeladas pelo arranjo cultural no qual se desenvolvem, ao mesmo tempo que o reafirmam, sem, no entanto, serem as únicas responsáveis por ele, a justiça restaurativa, apesar de incorporar determinados valores e “visões de mundo”, não teria o condão de recriar, por si só, o meio cultural onde se desenvolveu. Assim, a justiça restaura-tiva implementada é o resultado de um processo de lutas, alianças e transformações de aspectos culturais anteriores à sua imple-mentação e aqueles por ela veiculados.

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2 POLÍTICAS PÚBLICAS DE JUSTIÇA PARA O SISTEMA DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO A ADOLESCENTES

Na atualidade, é notória a crise que o sistema de justiça tem apresentado nas suas mais diversas áreas, em destaque o da in-fância e juventude, no que tange ao acúmulo de processos e a mo-rosidade para a pacificação das demandas neles materializadas. Associado a isso, tem-se a descredibilidade em alguns aspectos com o trabalho realizado dentro do Judiciário. Por isso, o Conse-lho Nacional de Justiça no Brasil, por meio da Resolução 125/10, buscou alternativas de políticas que auxiliassem na melhora do atendimento ao cidadão, imprimindo qualidade na prestação de serviço jurisdicional.

A Resolução 125/10 do CNJ sugere aos Tribunais de Justi-ça dos respectivos estados que implementem núcleos de pacifi-cação de conflitos e cidadania, de maneira a se aproximar mais do cidadão e a diminuir os imensos números de processos que circulam durante anos. Seguem ainda propondo que se apliquem nesses núcleos as metodologias autocompositivas de pacificação de conflitos que são: a conciliação, a mediação, bem como a justiça restaurativa, citada pela doutrina como uma metodologia auto-compositiva inominada, sendo esta a que se comentou no capítulo anterior. Propositadamente, neste capítulo, por ser a justiça res-taurativa uma política pública em especial socioeducativa, serão feitos alguns entrelaçamentos com a própria Resolução 125/10, a Lei 12.594, de 18 de janeiro de 2012 - SINASE (Sistema Nacio-

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nal de Atendimento Socioeducativo) em combinação com a Lei 8.069/90, o Estatuto da Criança e do Adolescente.

De igual modo, reconhece-se que esses arcabouços jurídi-cos são políticas públicas transversais e intergeracionais (dada à dimensão histórica, etária e à identidade do sujeito), que direcio-nadas à pacificação de conflitos podem prevenir e romper com o ciclo do conflito materializado na violência. De imediato, abordar--se-á a aproximação conceitual e doutrinária de política pública.

2.1 POLÍTICA PÚBLICA: UMA CONSTRUÇÃO COMPLEXA E DESAFIADORA NA EFETIVAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

No Brasil, sob a vigência da Constituição da República de 1934 – influenciada pela Constituição de Weimar, têm-se as pri-meiras referências aos direitos sociais, a qual, reiterando o prin-cípio da igualdade, dedicou um título para a ordem econômica e social, estabelecida de modo que possibilitasse a todos uma exis-tência digna. Essa estrutura de os direitos sociais estarem dispos-tos dentro do título da ordem econômica e social perdurou nas Constituições posteriores, entretanto, com o ingresso da Consti-tuição da República de 1988, os direitos sociais foram erigidos para a categoria de direitos fundamentais com expressa previsão no segundo capítulo – Dos Direitos Sociais (DIEHL; COSTA, 2014).

Portanto, ao serem classificados os direitos sociais como direitos fundamentais, segundo Silva (2003, p. 178), o legislador constitucional os caracterizou como “situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive”; e são considerados fundamentais do homem, uma vez que “a todos, por igual, devem ser, não apenas formal-mente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados”.

Neste sentido, a Carta da República de 1988 representou o início da reforma estatal, ao colocar em prática a democratiza-ção do acesso a serviços e à participação cidadã. Assim, ocorreu

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nesse período um deslocamento para o foco das políticas públicas no Brasil, partindo para a produção de ferramentas que se desti-nassem a examinar as verdadeiras necessidades sociais, e, deste modo, a capacidade de elas acabarem afetando as estratégias dos gestores públicos na tomada de decisões (HOCHMAN et al., 2007).

Em razão dessa nova conjuntura, a compreensão de alguns conceitos que perfazem o universo das políticas públicas revela-se a chave-mestra para a promoção e efetivação de direitos e garan-tias sociais, especialmente no que se refere à efetivação da cida-dania na era da globalização. Ademais, o estudo sobre as políticas públicas deve ser feito de forma integrada com a compreensão do papel do Estado e da própria sociedade nos dias atuais. No cenário moderno, conforme ensina Schmidt (2008, p. 2.309), as políticas são o resultado da própria política, e devem ser compreendidas “à luz das instituições e dos processos políticos, os quais estão inti-mamente ligados às questões mais gerais da sociedade”.

Há determinadas razões que favorecem o interesse pelas políticas públicas e pelo seu devido estudo, impulsionado pela crescente intervenção do Estado e pela complexidade dos gover-nos atuais. Assim, as políticas públicas servem como fomentado-ras de uma sociedade formada por cidadão que desempenham papéis ativos, ou seja, atuantes diante da construção e desen-volvimento da nação. A possibilidade de desenvolver indivíduos preocupados com a melhora na sua qualidade de vida é o pas-so que precede o fortalecimento de uma rede de cidadãos que responderá com ações voltadas para toda a comunidade (DIEHL; COSTA, 2014, p. 118).

Assim, de forma geral, conceituar política pública é analisar o sistema jurídico, uma vez que é o Direito sua maneira de instru-mentalizá-la. Deste modo, caracteriza-se como uma comunicação, ou seja, é a coordenação dos meios que se encontram à disposição do Estado, para que este harmonize as atividades estatais e/ou privadas com o principal objetivo de estabelecer uma sociedade mais justa. Percebe-se nesse conceito que política pública possui

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uma caracterização ampla, pois envolve a seara normativa, regu-ladora e a de fomento, nas inúmeras áreas. E é com a plenitude desses instrumentos adicionados a uma concreta atuação estatal que se alcançará o que se deseja, tanto pela própria Constituição quanto pela sociedade (BITENCOURT, 2013).

Diante disso, de maneira objetiva, Schmidt (2008) destaca que o termo políticas públicas é utilizado com diferentes significa-dos, ora indicando uma determinada atividade, ora um propósito político, e em outras vezes um programa de ação ou os resultados obtidos por um programa. Assim, para entender as políticas pú-blicas, o autor, utilizando-se de conceitos clássicos, ensina que as políticas públicas são um conjunto de ações adotadas pelo gover-no, a fim de produzir efeitos específicos, ou, de modo mais claro, a soma de atividades do governo que acabam influenciando a vida dos cidadãos (DIEHL; COSTA, 2014).

Ao encontro de tais assertivas, de maneira mais abrangente, Cavalcanti (2009, p. 7) conceitua políticas públicas como sendo “o conjunto de ações coletivas que garantem direitos sociais, por meio das quais são distribuídos ou redistribuídos bens e recursos públicos, em resposta às diversas demandas da sociedade”. As po-líticas públicas são de caráter fundamental pelo direito coletivo, são de competência do Estado e abrangem relações de reciproci-dade e antagonismo entre o Estado e a sociedade civil.

Porém, mais do que compreender o que é uma política pú-blica, Schmitd (2008, p. 2.312) assevera que é muito importante nessa concepção a ideia que

[...] as políticas orientem a ação estatal, diminuindo os efei-tos dos problemas constitutivos do regime democrático: a descontinuidade administrativa, decorrente da renovação periódica dos governantes. No Brasil, tem havido um esfor-ço importante para reduzir a descontinuidade das políticas, através da legislação específica, como a Lei de Responsabi-lidade Fiscal, de um tratamento mais técnico das políticas

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e da participação de setores sociais na sua formulação, re-duzindo a possibilidade dos administradores públicos de reinventar os rumos das mesmas a cada mandato.

Complementando esse rol de conceituações, é oportuna a compreensão de que as políticas públicas, comumente, são distin-guidas por políticas sociais ou políticas econômicas ou macroeco-nômicas, todas com o objetivo de proporcionar o desenvolvimento econômico e social de determinada sociedade. As primeiras são tidas como aquelas responsáveis por garantir os direitos sociais consagrados pela Carta Magna, tais como saúde, educação, segu-rança, assistência social, habitação. Enquanto que as últimas refe-rem-se especificamente às políticas monetárias.

Neste contexto, a literatura em língua inglesa estabeleceu três diferentes conceitos para indicar distintas dimensões sobre as políticas públicas: polity, politics e policy, que designam respec-tivamente a dimensão institucional da política, a processual e a material.

A primeira, polity, pode ser designada como a ordem do sistema político, tracejado pelo sistema político administrativo. A análise das instituições políticas e de todas as questões que cer-cam a burocracia estatal pode ser compreendida neste termo. Consequentemente, pertencem a esta dimensão os aspectos refe-rentes às estruturas da política institucional, como a exemplo de sistemas de governo, o aparato burocrático e a estrutura e funcio-namento do Executivo, Judiciário e Legislativo (SCHMIDT, 2008).

A segunda, politics, abarca a dimensão dos processos que integram a dinâmica política e de competição pelo poder. A aná-lise desse processo procura captar o entrosamento dinâmico dos atores políticos, isto é, o embate travado entre a busca pelo poder e os recursos disponíveis pelo Estado, marcado tanto por conflitos quanto por cooperação entre forças políticas e sociais, que dependem dos assuntos e dos interesses em jogo. Pertencem

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a esta dimensão questões relacionadas aos poderes da República, o processo de decisão nos governos, as relações entre as nações, mercado e sociedade civil, entre outros (SCHMIDT, 2008).

E, por último, a dimensão denominada de policy compre-ende os conteúdos concretos da política, isto é, as políticas pú-blicas, que se enquadram como o Estado em ação, o resultado da política institucional e processual. “As políticas se materializam em diretrizes, programas, projetos e atividades que visam resol-ver problemas e demandas da sociedade. Pertencem à dimensão da policy as questões relativas às políticas de um modo geral: condicionantes, evolução, atores, processo decisório”, entre ou-tros (SCHMIDT, 2008, p. 2.311).

Desse modo, a policy, entendida com o seu conteúdo sólido, pode ser dividida em quatro formas – as políticas distributivas, as políticas redistributivas, as políticas regulatórias e as políticas constituídas, todas visando às áreas sociais, sejam elas a saúde, a educação, a habitação, a seguridade social, ou até mesmo a assis-tência social.

Assim, as políticas distributivas consistem na distribuição de recursos à sociedade, através da arrecadação de impostos, para regiões ou segmentos sociais específicos. “Não tem caráter de uni-versidade, mas em geral não geram a conflitividade comum das políticas redistributivas, pois os segmentos não beneficiados por elas não percebem prejuízos ou custos para si próprio.” (SCHMI-DT, 2008, p. 2.313) Exemplos desta atuação são as políticas de de-senvolvimento de uma determinada região, de pavimentação ou iluminação de ruas, e que carecem de um controle social atuante, podendo ser exercido por conselhos e espaços onde ocorra a par-ticipação popular (DIEHL; COSTA, 2014).

Ainda, de acordo com Bryner (2010, p. 320), esse tipo de po-lítica inclui determinados subsídios capazes de conferir proteção a certos interesses, assegurando determinados benefícios. As “de-cisões-chave”, ou seja, os critérios para definir quem deve receber o benefício e quando/quanto devem recebê-lo, ficam a cargo dos

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legisladores, que têm certo interesse em deixar claro aos recepto-res as origens dos benefícios concedidos.

Já as políticas redistributivas podem ser compreendidas como a redistribuição de renda, com o deslocamento de recur-sos das camadas sociais da sociedade mais abastadas para as ca-madas hipossuficientes economicamente. São conhecidas popu-larmente como políticas “Robin Hood” e pelo seu caráter social universal, a exemplo da seguridade social e o Programa Bolsa Fa-mília1 (SCHMIDT, 2008).

A terceira forma que as políticas públicas podem assumir é a regulatória, porque regulam e ordenam, mediante ordens, proi-bições e decretos, o funcionamento de serviços e instalações de equipamentos públicos. Podem tanto distribuir benefícios de for-ma equitativa entre grupos ou setores sociais como atender a inte-resses privados. Em geral, de acordo com Schmidt (2008, p. 2.314), “seus efeitos são de longo prazo, sendo por isso difícil conseguir a mobilização e a organização dos cidadãos no processo de formu-lação e implementação. Às vezes atingem interesses localizados, provocando reações”. São exemplos, políticas de circulação, elabo-ração da política de uso do solo, entre outros.

Bryner (2010, p. 321) ensina que essa modalidade de polí-tica tem por finalidade “alterar diretamente o comportamento in-

1 O Bolsa Família é um programa de transferência direta de renda que beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza em todo o País. O Bolsa Família integra o Plano Brasil Sem Miséria, que tem como foco de atuação os milhões de brasileiros com renda familiar per capita inferior a R$ 77 mensais e está baseado na garantia de renda, inclusão produtiva e no acesso aos serviços públicos. O Bolsa Família possui três eixos principais: a transferência de renda, que promove o alívio imediato da pobreza; as condicionalidades, que reforçam o acesso a direitos sociais básicos nas áreas de educação, saúde e assistência so-cial; e as ações e programas complementares, que objetivam o desenvolvimento das famílias, de modo que os beneficiários consigam superar a situação de vul-nerabilidade. Todos os meses, o governo federal deposita uma quantia para as famílias que fazem parte do programa. O saque é feito com cartão magnético, emitido preferencialmente em nome da mulher. O valor repassado depende do tamanho da família, da idade dos seus membros e da sua renda. Há benefícios específicos para famílias com crianças, jovens até 17 anos, gestantes e mães que amamentam. (BRASIL, <www.mds.gov.br>)

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dividual impondo padrões às atividades reguladas”, mas, em razão dessa característica é possível que gerem mais controvérsias. Nas palavras do autor, “ações reguladoras podem restringir significati-vamente interesses particulares e impor-lhes custos de aceitação”.

E a quarta e última são as políticas constitutivas ou estrutu-radas, responsáveis pelos procedimentos gerais das políticas, isto é, determinam as regras do jogo, as estruturas e os procedimen-tos políticos. As políticas estruturadas se referem à dimensão da polity, ou seja, a criação ou modificação das instituições políticas. Definição do sistema de governo a ser adotado, sistema eleitoral, reformas políticas e administrativas são alguns dos exemplos pos-síveis (SCHMIDT, 2008).

Torna-se evidente que as políticas são o meio de ação do Estado, visto que por meio delas a União, os estados e os muni-cípios conseguem concretizar direitos e garantias fundamentais. Por isso, saber diferenciar esses aspectos metodológicos é impres-cindível para a compreensão da dimensão e importância das fases que definem uma política, desde a sua criação até a avaliação de seus resultados (DIEHL; COSTA, 2014).

Nessa conjuntura, o processo de elaboração de uma política inicia-se com a “percepção e definição de problemas”. Sem essa ava-liação inicial a política não adquire nenhuma razão de existir.Con-forme destaca Schmidt (2008, p. 2.314), “não basta apenas o reco-nhecimento de uma dificuldade ou situação problemática, é preciso transformá-la em um problema político. É preciso também que tal questão desperte o interesse não só do governo, mas principalmen-te da sociedade”. Por conta disso, Bryner (2010, p. 317) garante que “o apoio político gerado (ou a falta dele) durante esse estágio inicial do processo pode ter um efeito importante sobre o desenvolvimen-to, a implementação e a avaliação das políticas públicas”.

Após a identificação do problema, faz-se necessária a inser-ção de sua demanda na agenda política. Isso significa que deter-minado assunto chama a atenção não só dos cidadãos como, espe-cialmente, do governo. Nas palavras de Schmidt (2008, p. 2.316),

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trata-se de um “rol das questões relevantes debatidas pelos agen-tes públicos e sociais, com forte repercussão na opinião pública”. A construção de uma agenda envolve discussão permanente e uma forte disputa política, vez que a influência política também adqui-re a capacidade de controlar a agenda de acordo com os interesses daqueles que a manipulam.

Entre os agentes que influenciam a construção da agenda governamental destacam-se os atores governamentais e não governamentais. Esses atores podem ser visíveis (po-líticos, mídia, partidos) ou invisíveis (pesquisadores, con-sultores, funcionários). São os guardiões da agenda pública (agenda setters), e outros não o sejam, bem como para que nela se mantenham ou não. (SCHMIDT, 2008, p. 2.318. Grifo do autor)

Em seguida, deve-se iniciar o processo de formulação da po-lítica pública. Nesse momento, define-se a maneira como o proble-ma será solucionado, quais os elementos e alternativas que serão adotadas. Trata-se de uma fase de negociações e conflitos entre os agentes públicos e os grupos sociais interessados. Segundo Schmidt (2008, p. 2.318), a formulação de uma política nunca é puramente técnica. “É sempre política, ou seja, orientada por in-teresses, valores e preferências, apenas parcialmente orientada por critérios técnicos. Cada um dos atores exibe sua preferência e recursos de poder”.

De modo sucinto, Bryner (2010, p. 318) explica esse pro-cesso, que “inclui a formulação de um programa para responder à demanda por ação, [...] a aprovação da legislação para autorizar a implementação do programa e a atribuição de fundos suficien-tes para implementação”. Nesse momento, é importante definir as diretrizes, os objetivos e principalmente a atribuição de responsa-bilidades, a fim de deixar claro quem são os responsáveis pela exe-cução das políticas. Assim elas tomam forma através dos planos ou programas, os quais, por sua vez, originam projetos e ações.

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A implementação compreende a quarta fase de uma políti-ca. Trata-se da concretização da formulação, é o momento de exe-cutar aquilo que foi planejado. Nesse instante, geralmente acabam acontecendo adaptações e adequações, por isso um elemento im-prescindível é a articulação entre o momento de formulação e de implantação de uma política. Os agentes responsáveis por essas duas fases devem estar entrosados, compartilhar informações e participar ativamente desses processos.

Assim, um dos fatores que influenciam diretamente no êxito ou no fracasso de uma política pública é a articulação e a ligação que ocorre entre a formulação e a sua implementação. Nas pala-vras de Schmidt (2008, p. 2.318), “o entendimento compartilhado dos objetivos e das metas das políticas depende em boa parte do entrosamento e do conhecimento comuns entre formuladores e implementadores [...]”, bem como a sua participação no momento da formulação.

De acordo com os estudiosos, a implementação é um pro-cesso difícil, pois muitas vezes essa fase não chega a alcançar seus objetivos em função da falta de vontade ou de acordo político. Do mesmo modo, Bryner (2010, p. 319) enfatiza que “a implemen-tação é a continuação da formulação de políticas, mas com novos atores, procedimentos e ambientes institucionais”.

Por último, e quem sabe a fase mais importante, tem-se a avaliação de uma política, pois não basta apenas criá-la, imple-mentá-la, sem se estar disposto a fazer uma análise minuciosa dos resultados obtidos, dos êxitos e das dificuldades apresentadas, do estudo de sua efetividade e eficiência. O ideal, nesse processo de avaliação, é justamente delinear se a política atingiu os objeti-vos ao qual se propôs, assim como determinar se é conveniente que determinada política se mantenha ou se modifique (COSTA; PORTO, 2012).

No Brasil, ainda é muito frágil o processo de avaliação de uma política. Geralmente esse momento se resume em massa de manobra para políticos utilizarem-se de pseudorresultados com o

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propósito de campanha para novas eleições, a fim de se manterem no poder. Por isso muitas vezes os processos avaliativos atuais acabam tendo pouca credibilidade junto à sociedade (COS-TA; PORTO, 2012). Ou, conforme o posicionamento de Schmidt (2008, p. 2.320) quando um “governante não tem mecanismos apropriados de acompanhamento das ações do seu governo, ca-pazes de detectar até que ponto o governo está conectado com as expectativas dos cidadãos [...]” e inclusive até que ponto a energia política e a sua intenção estão voltadas para a resolução dos pro-blemas importantes daquela sociedade.

Ainda nas palavras do estudioso, “a avaliação é um instru-mento democrático, que capacita o eleitorado a exercer o princí-pio do controle sobre a ação dos governantes” (SCHMIDT, 2008, p. 2.320). Por conta disso, é fundamental a conscientização da real importância que essa fase assume no processo de estudo e análise de uma política pública, vez que pode ocorrer, por ser avaliada de maneira equivoca, de determinadas políticas caírem em desuso ou no esquecimento.

Nessa perspectiva, as políticas públicas não devem ser en-tendidas como programas que se dividem por setores de acordo com as necessidades do Estado, ao contrário, elas devem estar constantemente interligadas e serem compreendidas a partir da própria construção e instituição de processos políticos, os quais estão intimamente interligados com todas as questões que regem uma sociedade. Por conta disso, e pelo fato de as políticas públicas constituírem temática oriunda da ciência políticas e da ciência da administração pública, significa também defini-las como campo de estudo jurídico, pelo movimento que faz parte de uma abertura do Direito para a interdisciplinaridade (BUCCI, 2006).

Nesse sentido, considera-se que a política pública é um flu-xo de decisões públicas, de estratégias desejadas pelo grupo que participa do processo decisório, constituindo orientação para as diversas ações que compõem determinada política (SARAVIA, 2006). Em outras palavras, “a formulação de políticas públicas

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constitui-se no estágio em que os governos democráticos tradu-zem seus propósitos e plataformas eleitorais em programas e ações que produzirão resultados ou mudanças no mundo real.” (SOUZA, 2006, p. 26). Por isso,

O formulador de políticas é um estrategista jogando um jogo. Assim, ele deve avaliar as possíveis reações dos “ad-versários” ou, de maneira mais geral, dos indivíduos e dos grupos afetados por suas decisões. Uma vez que não dispõe de toda a informação, ele estará frequentemente diante do dilema do prisioneiro, i.e., racionalmente constrangido a escolher uma alternativa sub-ótima. Nesse caso, ele será competente se conseguir ser capaz de aumentar o nível de informação; ou, quando a informação permanece insu-ficiente, se ele, não obstante, for capaz de combinar pru-dência com coragem e decidir com base em seu conheci-mento e sua experiência adquiridos em situações similares. (BRESSER-PEREIRA, 2003, p. 216)

Por sua vez, a “análise de políticas é a área de estudos que direciona suas pesquisas nos resultados das políticas [...]”, bus-cando resolver ou analisar os problemas apresentados, que “não pode ser feita de forma fragmentada nem isolada da análise mais geral sobre os rumos do Estado e da sociedade.” (SCHMIDT, 2008, p. 2.312). O pressuposto analítico que regeu a constituição e a consolidação dos estudos sobre políticas públicas é o de que, “em democracias estáveis, aquilo que o governo faz ou deixa de fazer é passível de ser (a) formulado cientificamente e (b) analisado por pesquisadores independentes.” (SOUZA, 2006, p. 34).

Neste cenário de análise das políticas públicas, é importante ressaltar que a Constituição, além de definir o norte para as ações governamentais, instituiu diretrizes mínimas para as garantias de direitos sociais e, por consequência, da cidadania. Diretrizes essas, deliberadas como objetivos fundamentais da República: “construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimen-to nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as

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desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. E as políticas públicas, deste modo, têm o objetivo central de intermediar a efetivação desses direitos, para a consolidação da cidadania (DIEHL; COSTA, 2014).

Para o alcance desses objetivos, poderá o Estado, em con-junto com a sociedade, implementar políticas públicas que pro-movam a igualdade. Igualdade esta que ultrapassa o conteúdo da isonomia, passando à exigência de tratamentos distintos para tornar os indivíduos iguais, ou ao menos oferecer-lhes acesso pro-porcional às oportunidades, para que possam, segundo seu méri-to, progredir dentro da sociedade – a exemplo, o Programa Univer-sidade para Todos – PROUNI2 (DIEHL; COSTA, 2014). A igualdade material acompanha a noção de discriminação positiva, ou a prestação positiva de políticas que efetivem essa igualdade. Ela é o critério mais elevado do sistema constitucional, e representa o critério maior contido na Constituição para a interpretação dos direitos sociais (BONAVIDES, 2003).

Essa concretização dos direitos sociais perpassa pela ideia da política a partir da dimensão da cultura, uma vez que a cultura política pode ser definida como o conjunto de ações e orientações políticas que os indivíduos possuam acerca de determinado siste-ma político. Deste modo, a tradição política é imprescindível tanto para a permanência quanto para a transformação do sistema po-lítico, e, por consequência, da sociedade. No ambiente democráti-

2 O Programa Universidade para Todos - Prouni tem como finalidade a concessão de bolsas de estudo integrais e parciais em cursos de graduação e sequenciais de formação específica, em instituições de ensino superior privadas. Dirigido aos es-tudantes egressos do ensino médio da rede pública ou da rede particular na con-dição de bolsistas integrais, com renda familiar per capita máxima de três salários mínimos, o Prouni conta com um sistema de seleção informatizado e impessoal, que confere transparência e segurança ao processo. Os candidatos são seleciona-dos pelas notas obtidas no Exame Nacional do Ensino Médio - Enem, conjugan-do-se, desse modo, inclusão à qualidade e mérito dos estudantes com melhores desempenhos acadêmicos. O Prouni já atendeu, desde sua criação até o processo seletivo do segundo semestre de 2013, mais de 1,2 milhão de estudantes, sendo 69% com bolsas integrais. (BRASIL, http://prouniportal.mec.gov.br)

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co, a presença de atitudes e valores de pluralismo, de respeito ao dissenso e à busca do consenso, de tolerância de relação às dife-renças, de igualdade econômica social, de respeito às instituições favorecem a consecução de processos abertos, transparentes e participativos de políticas. Sua ausência determina grandes difi-culdades para a qualidade democrática desse processo (SCHMIDT, 2008).

Desta forma, a democratização do Estado é outro requisito da sua revitalização, uma vez que se trata de avançar no terreno percorrido nas últimas décadas no sentido de incorporar os cida-dãos nas decisões dos assuntos públicos, conforme prevê a Cons-tituição de 1988. Além da utilização periódica da consulta aos ci-dadãos por plebiscitos e referendos, há necessidade de se criar mecanismos apropriados à participação popular direta ou semidi-reta, na busca pela efetivação da cidadania (SCHMIDT, 2007).

Portanto, a Constituição da República de 1988 trouxe consi-deráveis avanços sociais a favor dos menos favorecidos, por meio do incentivo e do estímulo de políticas públicas que visam garan-tir o mínimo de direitos – aqueles direitos fundamentais para a manutenção de uma vida digna. Logo, um dos grandes desafios do século XXI, consiste em viabilizar os meios para que todos, sem exceção, tenham acesso aos direitos fundamentais intermediados pelas políticas públicas concretizadoras da cooperação.

2.2 A POSSIBILIDADE DA IMPLEMENTAÇÃO DA JUSTIÇA RESTAURATIVA A PARTIR DA POLÍTICA DE COOPERAÇÃO

Mais coerente do que buscar soluções para melhorar o mo-delo convencional de justiça criminal, que, de fato, já está desman-telado, é encontrar algo diferente do que a institucionalização e meios alternativos à pena. E é nesse ímpeto que surge a justiça res-taurativa, apresentando uma abordagem diferenciada do sistema processual penal em vigor no ordenamento jurídico, ao pressupor

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o encontro das partes envolvidas em um conflito, oportunizando um espaço para o diálogo, para a expressão dos sentimentos e das emoções decorrentes de um ato infracional, objetivando construir um acordo que atenda satisfatoriamente às necessidades da víti-ma, do autor da infração e da comunidade, restaurando o máximo possível os danos causados, em detrimento da mera resposta pu-nitiva aos ofensores.

Nesse panorama, as práticas restaurativas buscam pacificar os conflitos por meio de uma comunicação não violenta, priori-zada pela harmonia e pelo (re)estabelecimento da comunicação e das relações sociais entre os cidadãos. A partir disso, rompe-se com paradoxos punitivos e retributivos que voltam-se apenas para o autor do fato delituoso, uma vez que esse tipo de punição não é suficiente para garantir os direitos humanos e fundamentais dos indivíduos atingidos pelo dano (COSTA, 2010).

Neste sentido, Brancher (online) destaca que a “justiça res-taurativa define uma nova abordagem para a questão do crime e das transgressões que possibilita um referencial paradigmático na humanização e pacificação das relações sociais envolvidas num conflito”. Para a implementação das práticas restaurativas é essen-cial a existência de democracia participativa, mecanismo capaz de fortalecer as relações entre indivíduos e comunidade, contribuin-do para que os próprios cidadãos assumam o papel de pacificado-res de seus próprios conflitos, atenuando os índices de violência.

Logo, percebe-se que há um reforço na interconexão entre os atores sociais, ao passo que a justiça restaurativa reconhece que todos os membros de uma comunidade, independentemente de serem vítimas ou infratores, estão unidos por meio de princí-pios comuns devido constituírem uma comunidade comparti-lhada. Por consequência, as infrações ocorridas no âmbito social também são de responsabilidade da comunidade local, que pode contribuir com a restauração dos danos causados à vítima, assim como com a reintegração do ofensor ao seio social (CUSTÓDIO; COSTA; PORTO, 2010).

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O enfrentamento de problemas sociais, entre eles a crimina-lidade, somente será efetivo se as iniciativas partirem das próprias comunidades em que vivem esses indivíduos em conflito com a lei. É no seio comunitário, com a participação da família, dos amigos e do Estado, que esses infratores poderão encontrar a reintegração e readquirir a sua cidadania. Afinal, o melhor lugar para se educar para o convívio social é na própria comunidade.

É preciso ter em mente que uma comunidade não deve ser concebida como um lugar de compreensão mútua, livre de proble-mas, onde as discussões são amigáveis e pacíficas e os interesses voltados em prol da coletividade. Embora a essência da palavra comunidade evoque todos esses pressupostos e suponha a concre-tização de um ambiente seguro, harmônico, em que haja confiança recíproca entre os cidadãos-membros, sabe-se que a realidade é outra, pois os conflitos são inerentes a qualquer comunidade e a criminalidade está presente em todos os lugares, tornando-se ob-jeto significativo de preocupações (BAUMAN, 2003).

Nesse diapasão, Sica (2007) traz à baila a problemática da dificuldade de fazer com que os cidadãos sintam-se membros e consequentemente ajam como se pertencessem a uma comuni-dade. Na correria diária em busca da satisfação de desejos mate-riais, especialmente nos grandes centros urbanos, são poucas as relações pessoais, o convívio nos espaços sociais, e o problema da delinquência acaba sendo delegado à responsabilidade exclusiva dos governantes. No entanto, os cidadãos esquecem que a crimi-nalidade não é problema apenas do Estado, mas se trata de um fenômeno complexo que deve ser combatido por todos.

Assim, as sociedades contemporâneas apresentam uma ca-rência urgente a ser suprida: o exercício do princípio da solidarie-dade e a valorização de práticas diferenciadas, tendo em vista que a fraternidade resgata a comunhão entre os indivíduos multiface-tados, sendo a união e a amizade instrumentos essenciais na vida social, de modo que a sua insuficiência na sustentação de relações espontâneas acarreta a necessidade da criação de leis, bem como

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a reverberação do senso comum punitivo e do etiquetamento dos sujeitos (COSTA, 2010).

O espaço público comunitário implica um local de trocas co-municativas e racionais, externalizadas a partir da linguagem e do diálogo, assim como a correlação entre Estado e sociedade civil, o que ocorre por meio do princípio da solidariedade. Esse contexto marcado por dissensos e tensões é impregnado de interesses pú-blicos e privados que, em benefício do bem comum, se interligam, complementando-se e constituindo um todo. Nessa esteira, os ato-res sociais, ao deliberarem acerca de políticas públicas que lhes são pertinentes, colocam em prática o princípio da democracia, permitindo que os cidadãos-membros da comunidade exercitem a sua cidadania ativa (COSTA, 2010).

Desse modo, a justiça restaurativa configura-se como uma possibilidade de expandir o espaço público mediante as redes de comunicação abertas, em que prevaleça a participação da comu-nidade de forma cooperativa, solidária e responsável, sendo in-dispensável o reconhecimento e o fortalecimento do capital social para instaurar uma nova cultura social.

Assim, nas comunidades em que o capital social é mais con-centrado, decorrendo o emponderamento social, há uma tendên-cia de maior participação dos cidadãos nos processos políticos decisórios, de modo que existe mais facilidade de levar até os go-vernantes propostas de políticas públicas que atendam às neces-sidades e aos anseios da comunidade, sobretudo no que concerne às ações preventivas à criminalidade.

No entanto, para se verificar tais ações no plano real, re-quer-se o emponderamento das comunidades, e formas de ação participativa, solidária e corresponsável com os seus membros, que fortaleça seu capital social constantemente, criando meca-nismos de comunicação junto aos governantes, a fim de se verem concretizadas políticas públicas que promovam a cidadania ativa dos sujeitos em conflito com a lei e o consequente bem-estar de toda a comunidade (DIEHL; DUPONT, 2014).

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Em outros termos, antes de se pensar na concretização de outra modalidade de tratamento de conflitos comunitário, é im-perioso ressignificar as próprias comunidades, observá-las com mais atenção e profundidade, sobretudo analisando qual o tipo de comunicação e interação seus agentes efetivam entre si e com o Estado, verificando qual o lugar ocupado pela política no espaço local. Até porque, uma comunidade é inconcebível sem o Direito e sem a política como mecanismos de prática social e intelectual. A justiça restaurativa, enquanto ruptura de paradigmas tradi-cionais no âmbito do Direito, se visualiza no momento em que a comunidade constrói sua própria identidade, bem como exerce a cidadania pela democracia (COSTA, 2010).

Para que as práticas restaurativas, enquanto meios alterna-tivos de pacificação de conflitos, possam ser inseridas no contexto de uma comunidade, é preciso que haja o seu reconhecimento pe-los membros do espaço social, de modo que, pelas ações super-venientes da reação-estímulo, estejam aptos a interagir de forma comunicativa com os demais. Pois, no momento em que os parti-cipantes resgatam procedimentos de diálogo, movidos por ações cognitivas e emocionais, evidencia-se o desejo de alcançar o en-tendimento e o consenso (COSTA, 2010).

A busca por formas alternativas de pacificação de conflitos não abandona as políticas públicas tradicionais, ao contrário, au-xilia na efetivação satisfatória de políticas públicas de proteção, promoção e justiça dos direitos humanos. Sendo assim, a justiça restaurativa passa a reconhecer a cidadania dos diversos atores sociais a partir do seu empoderamento, essencialmente dos ado-lescentes que se encontram em conflito com a lei.

2.3 ADOLESCENTES AUTORES DE ATO INFRACIONAL: UMA ANÁLISE BREVE

Como ponto de partida, retomam-se as transformações ocorridas sobre os direitos da criança e do adolescente no Brasil,

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dando especial atenção à adolescência. Note-se que “a sociabili-dade é a marca da adolescência, pois os jovens vivem em grupos, tribos e gangues; exercitam princípios e constroem valores, mas também acirram disputas e buscam se impor por meio de ações transgressivas, violentas ou delituosas” (PINTO, 2007, p. 3).

No atual cenário, percebe-se a dificuldade de se adolescer, pois a sociedade está em um ritmo desenfreado e de consumo que torna os adolescentes vulneráveis ao contexto sociocultural e sujeitos descartáveis, como se fossem lixos humanos quando não consomem. Desse modo, pode-se também considerar que a vio-lência é uma das formas utilizadas para se autoafirmar e sair da invisibilidade social produzida pela globalização com imposições acirradas de padrões sociais, que contaminam as relações sociais, tornando a maneira de ver o outro como um estranho, o que, por sua vez, rompe com os valores e princípios de cooperação, solida-riedade e entendimento mútuo (CANHONI, 2007).

Nesse cenário de reflexões e de construções teóricas, parte--se de um referencial teórico que contribui para situar, de imedia-to, as doutrinas anteriores ao direito da criança e do adolescente. Em que pese estar-se aqui tratando da Doutrina Penal do Menor e da Doutrina da Situação Irregular, ambos os períodos recepciona-dos por tais doutrinas deixaram evidenciada a negação de cidada-nia aos infantes, quando a preocupação central era crimininalizar atos de conduta, reduzir o sujeito à figura de estigma, rotulação e etiquetamento dada pela institucionalização. No avanço cons-titucional e estatutário alcançado pela influência das legislações internacionais, a Teoria da Proteção Integral, em substituição às demais, representa uma forma de garantir a cidadania e efetuar o princípio da não institucionalização (PORTO, 2008).

Importa lembrar que na Doutrina Penal do Menor e na Dou-trina da Situação Irregular, adotadas pelo revogado Código de Me-nores (Lei 6.697, de 10.10.1979), o direito de verificar a prática de um ato de delinquência partia do pressuposto de que a declaração de situação irregular ou patologia social somente poderia derivar

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de um desvio de conduta do infante ou da própria sociedade (SA-RAIVA, 2002). Logo, o estigma, a exclusão e a desigualdade social, especialmente com os infantes pobres, nesses períodos, acentua-ram de maneira exemplar a presença da razão instrumental, que se caracteriza nesse contexto pela negação de reconhecimento da criança e do adolescente como sujeitos de direitos, bem como pela sua relevância abarcada no objeto, ou seja, vendo-o como objeto ímpar do sistema penal retributivo.

As transformações históricas que marcaram o direito da criança e do adolescente no Brasil são cotejadas pela Doutrina do Direito do Menor, Doutrina da Situação Irregular e a Teoria da Proteção Integral. O que ficou evidenciado, nas delimitações construídas historicamente, é que aos infantes era negada a con-dição de sujeito de direitos, e, por sua vez, o reconhecimento da cidadania. Do mesmo modo, percebe-se a forte presença de ações não sociais instrumentais como estratégia de controle so-cial e/ou enfrentamento dos adolescentes em conflito com a lei (PORTO, 2008).

Além disso, o discurso dominante, que se iniciou no colonia-lismo, perpassando o imperialismo, é pautado no aniquilamento, banimento e exclusão daqueles considerados “problemáticos para a sociedade da época” (VOLPI, 1999, p. 21). Em outras palavras, a negação de direitos deu-se no Brasil de maneira discriminatória, seletiva e excludente como, por exemplo, o tratamento dado aos indígenas, depois, o período da escravidão dos negros, até o confi-namento arbitrário de meninos e meninas de ruas até 1988.

A adolescência representa o momento do desenvolvimento social e biológico do ser humano. No entanto, o social é o que mais descreve esse período, por estar também vinculado à cultura de cada civilização, que tem na sua situação peculiar os rituais dis-tintos, que delimitam bem essa passagem na vida de cada sujeito, o que repercute no recebimento de uma identidade social, como símbolo de reconhecimento pelos outros membros da sociedade (VEZZULA, 2004).

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A palavra “adolescência”, decompondo-a etimologicamen-te, origina-se do latim ad (para a frente) + dolescere (crescer, com dores), refere-se ao período de maturação, crise ou separação vivido pelo sujeito em um determinado período. Com relação a essa transformação, pode-se dizer que essa fase da vida abrange três níveis de maturação e desenvolvimento do ser humano em formação: tem-se a puberdade dos 12 aos 14 anos; a adolescência propriamente dita, que se estende dos 15 aos 17 anos, apresen-tando como principal característica as mudanças psicológicas; e, por fim, a adolescência tardia dos 18 aos 21 anos que, em especial, se caracteriza pela busca de identidade individual, grupal e social (ZIMERMAN; OSÓRIO, 1997).

Em um estudo divulgado pelo Fundo das Nações Unidas, a entrada na adolescência representa mais que um período cro-nológico, pois significa profundas mudanças de uma fase da vida de grandes expectativas e diversas oportunidades, por isso o re-conhecimento e a definição dados pelo Unicef, em 2002, da ado-lescência como “uma janela de oportunidades”. Destaca, ainda, a importância do Estatuto da Criança e do Adolescente como ins-trumento de garantias e possibilidades de se concretizar políticas públicas, que atentam para a condição peculiar desses infantes em formação (SUDBRACK; ALCÂNTARA, online).

Dentro desse cenário, no Brasil, essa janela está aberta para 21.249.557 adolescentes que representam 12,5% da população brasileira. São garotos e garotas com idade entre 12 e 18 incom-pletos que vivem um momento especial do seu desenvolvimen-to. Um tempo de crises e conflitos próprios, mas também de um imenso conjunto de possibilidades de mudanças e de questiona-mentos fundamentais para o desenvolvimento de toda a socieda-de (SUDBRACK; ALCÂNTARA, online).

A elaboração do relatório como incitação para a concretude de políticas públicas aos adolescentes não é uma tarefa fácil, pois a própria adolescência, por ser uma fase tão peculiar na vida do ser humano, apresenta desafios, exige disponibilidades e compe-

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tências específicas já delimitadas pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e pelo próprio ECA (SUDBRACK; AL-CÂNTARA, online).

Nesse sentido, um dos grandes desafios é o enfrentamento do que se define por adolescência, pois, como bem coloca Calligaris (2000), a adolescência também é idealizada e dentro de uma de-terminada sociedade sua construção se dá pela cultura, tornando-a ainda um enigma. Complementa ainda como sendo uma manifes-tação de mudanças hormonais, um processo natural.

Nesse caminho, a adolescência pode ser compreendida como a época de experimentações e crítica do desenvolvimento do sujeito por pautar-se pela vulnerabilidade emocional e exposição a situações de risco (PINTO, 2007). Ademais, o conceito de ado-lescência sofre influências dos avanços científicos, as transforma-ções de ordem psicológicas, educacionais e socioculturais, que se deram a partir do século XIX, pois, até então, não era reconhecida como período do desenvolvimento e nem como categoria social.

Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), o período da adolescência está situado entre 10 e 19 anos. Já o Estatuto da Criança e do Adolescente reconhece-a a partir dos 12 aos 18 anos (CAVALCANTI, 2007). Embora o Estatuto considere adolescen-te toda pessoa com idade entre 12 e 18 anos incompletos, pelas distintas realidades sociais que se apresentam no Brasil, também não há de descartar que existam várias adolescências. Tal asserti-va é oriunda da perda de rituais pelo sujeito e a complexidade da sociedade, que exige um amadurecimento mais individualizado e problemático.

Como explica ainda Ranña (2005, p. 44):

Nas sociedades modernas, o adolescer passou então a ser um processo vivenciado de forma individual, de acordo com os ideais de liberdade e singularidade reinantes. Assim, to-das as dificuldades que envolvem a passagem da infância para a vida adulta terão de ser vividas pelo jovem solita-

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riamente. Com as transformações físicas e psicológicas, o adolescente e quem compartilha de sua vida vêem-se mobi-lizados a criar formas de se estabelecer na vida adulta. Sem rituais, cada um vai viver esse processo de forma única.

Por outro lado, a adolescência jamais foi um período fácil de se compreender, de romper limites e de viver desregrado. Apesar de ser uma noção construída socialmente, não pode ser definida exclusivamente por critérios biológicos (como o adotado pela le-gislação brasileira ao considerar inimputáveis os menores de de-zoito anos) psicológicos, jurídicos ou sociológicos (GUERREIRO, 2005). Os seus limites mínimos e máximos variam em cada con-juntura histórica. Por que a importância dos limites? Como me-di-los? Quando a legislação especial, o Estatuto, considera que o adolescente transcendeu tais limites?

Preliminarmente, é possível concluir que os limites têm li-gação com a responsabilidade do adolescente em exercitar seus direitos, como, por exemplo, liberdade de ir e vir, sem desrespeitar a liberdade do outro indivíduo, ou seja, ser um cidadão responsá-vel. Porém, quando ele ultrapassa seu limite de espaço e se apro-pria do espaço alheio, está transgredindo, e isso fica mais evidente quando furta, rouba e mata. Então, o adolescente estará cometen-do, segundo o Estatuto, um ato infracional3.

Para conseguir responder às questões concernentes ao li-mites, observe-se a reflexão apresentada por Losacco (2004). Ao analisar a medida socioeducativa, ela utiliza-se do mito de Ícaro. Segundo a simbologia, Dédalo significa o pai, o educador, ou me-lhor, o detentor do saber, advindo do poder e dos conhecimentos durante a vida. Mesmo com a vasta bagagem de conhecimentos e do afeto paternal, sozinho, não conseguiu evitar a morte de seu único filho, que se chamava Ícaro.

3 De acordo com o artigo 103 do ECA, considera-se ato infracional toda conduta do adolescente, tipificada como crime ou contravenção penal. Tanto a criança como o adolescente poderão cometê-lo.

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O jovem Ícaro representa a juventude demarcada pela im-pulsividade, pela inexperiência, pela necessidade de autoafirma-ção e o prazer que se sobrepõe às regras, permitindo-lhe colocar a própria vida em risco. Ressalte-se, ainda, que as asas para o seu deslocamento é o símbolo da libertação; porém, elas não são ape-nas colocadas, há um preço no decorrer do processo de socializa-ção (PORTO, 2008).

No entanto, o comportamento de Ícaro, símbolo da hybris significa uma violência, descomedimento, uma ultrapassagem do métron, ou seja, da medida, pois, apesar da insistente recomenda-ção de seu pai, Dédalo, para que guardasse um meio-termo, “voa entre ambos”, na busca do centro entre as ondas do mar e os raios do sol, o jovem insensato ultrapassou o métron, “voando alto de-mais” (LOSACCO, 2004).

A medida é o eixo principal contido nas regras, nas normas e nas leis; assim, todo o adolescente que não tenha atingido a maio-ridade penal 18 anos, e que vier a cometer um ato infracional, será responsabilizado conforme o Estatuto. Nas palavras de Rosa (2007, p. 3), “o ato infracional pode ser o sintoma de que algo anda mal e propicia uma intervenção capaz de promover a atribuição de sentido”. Portanto, o que deve ser preocupante é como se cons-truirá o sentido socioeducativo, se atrelado ao seu cumprimento está o caráter negativo do estigma e a ausência de políticas públi-cas preventivas, que envolvam a família, a comunidade e o Estado (PORTO; COSTA, 2009).

A analogia utilizada é uma maneira de ilustrar o Ícaro pre-sente em cada adolescente, que pela sua natureza questionadora e rebelde, ao transgredir, estará rompendo com antigos paradig-mas da sociedade, questionando seus valores, a moral e a estru-tura. E alguns também utilizarão da violência para se fazer notar pelo sistema excludente. A lei impõe limites, substituindo o pa-pel do pai, Dédalo; porém, será na verdade uma madrasta, pois desconsidera o diferente, isola e não se sente responsável para socializar, cabendo este papel à família, à sociedade e também ao Estado (PORTO, 2008).

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Em síntese, os limites têm sua importância para estabelecer o respeito pelo espaço e liberdade do outro, de maneira que se consiga conviver harmoniosamente em sociedade e talvez medi--los seja complicado, contudo, cabe à lei estabelecê-lo. Nos dizeres de Rosa (2007, p. 7), “o importante é que o adolescente envolvido em atos infracionais deve ser considerado como sujeito em desen-volvimento e com autonomia, munido de garantias infracionais e processuais. Caso contrário, perdura a concepção tutelar”.

Nesse sentido, é possível contextualizar o problema do ato infracional para rumar ao desvelamento do discurso dominante que cerca essa questão, bem como buscar na construção da defi-nição de políticas públicas socioeducativas baseadas e justificadas na restauração, nesse caso, via jurisdição, moral e social dos ado-lescentes, justamente no momento que se formam seus valores. Logo, a justiça restaurativa é uma proposta de reconstrução do homem, enquanto é tempo (PORTO, 2008).

O Levantamento Nacional do Atendimento Socioeducativo ao Adolescente Autor de Ato Infracional, realizado pela Subsecre-taria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adoles-cente, ligada à Secretaria de Direitos Humanos, aponta que em “2009 havia 17,8 mil adolescentes cumprindo medida socioedu-cativa no Brasil. A grande maioria (16,2 mil) era do sexo mascu-lino, e entre as medidas socioeducativas prevalecia a internação, 11,9 mil” (UNICEF, 2011, p. 102).

Os estudos indicam que o adolescente autor de ato infracio-nal já teve alguma experiência com uso de drogas, vem de famílias de baixa renda e teve dificuldade de acesso às políticas públicas básicas, “como a educação e a saúde. Ou seja: são meninos e me-ninas com uma história de exclusão social e negação de direitos” (UNICEF, 2011, p. 103).

Além disso, tem-se que o predomínio do regime fechado in-dica que no Brasil ainda prevalece a cultura de institucionalização, sustentada em fundamentações extrajurídicas que, em geral, se contrapõem ao próprio ordenamento legal. Entretanto, os dados

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apontam que o regime de semiliberdade está conquistando espa-ço, “enquanto o ritmo de crescimento das internações e interna-ções provisórias está desacelerando. Ambos os fatos podem estar relacionados à implantação do Sinase” (UNICEF, 2011, p. 103).

Sendo assim, o Estado tem a responsabilidade, o dever de garantir os direitos de todos os seus cidadãos, todavia, no que se refere aos direitos dos adolescentes, a responsabilidade é ain-da maior, isso tudo em função da prioridade absoluta destinada a eles. Não obstante, o Estado compartilha essa responsabilida-de com os outros agentes sociais, como a família e a comunidade (DIEHL; REIS, 2014).

É notório, portanto, que se tratando de adolescentes, a res-ponsabilidade é do Estado, mas também da família e da sociedade, em assegurar as condições de sobrevivência digna e atendimento prioritário às suas necessidades. Dada a sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, não é possível crer que a emancipa-ção dependa fundamentalmente do seu interesse. Nesse sentido, maior é o compromisso do Estado em garantir-lhes a efetivação dos direitos (DIEHL; COSTA; AQUINO, 2012).

Do mesmo modo, a participação da família e da sociedade também é fundamental para esses propósitos. Não se trata de uma questão de divisão ou repasse de tarefas, mas sim de uma cooperação entre Estado, família e sociedade, os quais podem se organizar em forma de Conselhos, ONGs, Associações, ou seja, de modo a representar os mais variados segmentos e setores sociais. Quanto maior a representação, melhores serão as condições de detectar quais as políticas a serem estabelecidas e qual a melhor forma de operacionalizá-las. Assim como os entes federados tra-balham em regime de cooperação e complementaridade, o Esta-do e a sociedade organizada trabalharão conjuntamente (DIEHL; COSTA; AQUINO, 2012).

Nesse aspecto, espera-se o esforço tripartite desses agentes para a garantia dos direitos dos infantes, especialmente no que se refere à promoção da ressocialização dos adolescentes em conflito

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com a lei. Por oportuno, conforme já destacado, a participação da sociedade e da família é imprescindível nesse processo. Todavia, “a referência ao Estado permanece presente, há uma dimensão adicional que enfatiza a organização e o fortalecimento dos pró-prios atores da sociedade civil e da sua articulação”, o que exige o aprendizado de uma nova cultura de direitos (DAGNINO, 2002).

A partir dessa conjuntura, é mais fácil promover a integra-ção entre Estado e sociedade, nas comunidades locais, promoven-do-se um ambiente marcado pela espontaneidade e voluntarismo coletivo. Assim, os atores locais (tanto do governo quanto da so-ciedade) têm função estratégica na renovação do processo de cria-ção e formulação de políticas públicas locais. “A aplicação do prin-cípio participativo pode contribuir na construção da legitimidade do governo local, promover uma cultura mais democrática, tornar as decisões e a gestão em matéria de políticas públicas mais efica-zes” (MILANI, 2008, p. 574).

Por conseguinte, um dos maiores desafios do Estado, por in-termédio de seus órgãos e instituições, é promover a inserção dos cidadãos nos processos participativos, bem como fomentar a cria-ção de redes, de modo a atender as demandas locais, contribuin-do, assim, para a construção da cidadania, a fim de que aumente a confiança dos atores sociais e diminuam as incertezas (DIEHL; COSTA; AQUINO, 2012).

Torna-se necessário, para tanto, um engajamento dos atores sociais no sentido de reivindicarem a municipalização das princi-pais políticas públicas, o que deve ser garantido pelos instrumen-tos de controle externo das atividades administrativas e mesmo o controle de constitucionalidade das leis. Dessa forma, o Judiciário pode atuar no sentido de acolher pretensões voltadas à manuten-ção das competências municipais, especialmente o alargamento do conceito de interesse local, ampliando as matérias submetidas ao espaço municipal (DIEHL; COSTA; AQUINO, 2012).

Contudo, não é suficiente o alargamento das competências do poder local, traduzido institucionalmente no município, para

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que se construa um direito social que permita uma nova e quali-ficada relação entre o Poder Público e a sociedade. É preciso uma modificação estrutural nas próprias estratégias de gestão do mu-nicípio, com base igualmente na subsidiariedade, a fim de que uma nova interpretação da repartição de competências esteja agregada a um processo intramunicipal de democratização das decisões pú-blicas, evitando-se, com isso, que o espaço municipal seja apenas a repetição, em escala menor, dos processos de legitimação pró-prios da sociedade de massas, cujas críticas devem ser considera-das nesta (re)ordenação do espaço público (BECKER, 1999).

Perobelli e Schmidt (2011, p. 157), ao fazerem uso dos en-sinamentos de Etzioni, destacam que a comunidade é o caminho para a construção de uma boa sociedade, e que ela pode ser qual-quer grupo social identificado por laços de afeto e por uma cultu-ra compartilhada. Nesses termos, os autores aduzem que, para se alcançar uma boa sociedade, é fundamental o fortalecimento da comunidade. Nas palavras dos estudiosos, “não significa pensar apenas no que é coletivo, na dimensão comunal, mas buscar um equilíbrio entre a autonomia individual e o bem comum, entre di-reitos individuais e responsabilidades sociais”.

Por isso, o respeito aos direitos dos adolescentes deve ser uma das prioridades de uma determinada comunidade, tornan-do-se também premissa imprescindível para o progresso huma-no, seja ele econômico, social, moral, cultural. Ademais, o Estado, enquanto promotor de uma boa sociedade, deve tratar seus indi-víduos sempre como um fim em si mesmo e não como meio para alcançar finalidades externas a ela (PEROBELLI; SCHMIDT, 2011).

A formação e o fortalecimento de uma comunidade se dão pela existência de relações entorno da confiança, e o comprometi-mento no que versa à manutenção de um espaço comum de con-vivência equilibrada, dentro do possível (PEROBELLI; SCHMIDT, 2011).

Para que se alcance a boa sociedade, é preciso a constru-ção de uma realidade diferente da existente, hoje, na comunidade,

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pois inseridas em um mundo capitalista, vislumbram-se relações fundamentadas em interesses, em que os indivíduos são meios para se buscar fins econômicos. Na boa sociedade, as relações de-vem se estabelecer entre as pessoas, entre os cidadãos. O desafio, portanto, de acordo com Perobelli e Schmidt (2011), é a constru-ção de comunidades éticas, que verdadeiramente apoiem e deem segurança aos indivíduos.

Nesse viés, para alcançar seus objetivos, as políticas públi-cas de tratamento de conflitos devem direcionar suas ações para o espaço local, as possibilidades de atuação do governo devem ser condicionadas pela estrutura social, cultural e organização eco-nômica de cada localidade, vez que existe enorme diferenciação de cidade para cidade, em função, principalmente, do porte e da complexidade dos conflitos sociais de seus indivíduos (DOWBOR, 2002).

Desse modo, torna-se necessária a reinserção do princípio da solidariedade no contexto social, como um mecanismo viável para a implementação de um novo modelo de justiça, e também de uma nova cultura social local, considerando que cada indivíduo é capaz de envolver-se e participar em suas respectivas comunida-des, e de construir um processo inclusivo de satisfação de ideais que traduzam o conceito de cidadania. Nesse contexto, as relações humanas ganham força na mobilização de desejos e anseios cen-trados na organização e construção de um novo paradigma social, pautado pela participação do cidadão que ainda não esteja aliena-do socialmente, ou seja, um cidadão inteiro, com possibilidades de crescimento, com a sua comunidade e seus semelhantes (DIEHL; COSTA; AQUINO, 2012).

É necessário, portanto, o rompimento com o velho paradig-ma de rotulação ou etiquetamento dos adolescentes em conflito com a lei, para que um novo paradigma nasça com o espaço públi-co, visto como um local de trocas e a interligação do Estado e da sociedade civil, ocorrendo por meio do princípio da solidariedade. Essa esfera de tensões é constituída pelos interesses públicos e

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privados que, em prol do bem comum, se complementam e for-mam o todo (DIEHL; COSTA; AQUINO, 2012). Os atores sociais, ao articularem sobre as políticas de ressocialização dos adolescentes em conflito com a lei, devem elaborá-las e buscar sua efetivação de modo que se possibilite o exercício da cidadania e sejam promovi-dos os direitos e garantias desses jovens.

Nesse contexto, a criminalidade e a violência são problemas que atingem aos adolescentes, especialmente quando, além de ví-timas diretas, tornam-se indiretamente também vítimas de uma sociedade marcada por uma série de diferenças econômicas e so-ciais, e quando pertencentes às classes menos privilegiadas estão mais vulneráveis a se corromper pela via do crime e da drogadi-ção. Não obstante, a grande incidência de adolescentes em conflito com a lei é outro fator lastimável para a sociedade moderna.

Por essas razões, o Estado, enquanto agente promotor de direitos e garantias fundamentais é um dos responsáveis diretos pela promoção dos direitos de jovens e adolescentes, principal-mente quando já cometeram atos infracionais. Isso faz com que a atenção do Estado aumente, vez que as medidas socioeducativas, precipuamente, têm caráter educador e ressocializador.

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3 INOVAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI 12.594/12 – SINASE (SISTEMA NACIONAL DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO)

É mais que notória a necessidade de rever o sistema socio-educativo aplicado no Brasil, no qual adolescentes ou também de-nominados socioeducandos ingressam, pois, em termos de efetivi-dade e caráter sociopedagógico está longe de tais ideários. Nessa seara, mais uma vez o legislador desbrava apontando para a Lei 12.594/12 - Lei do Sinase, como uma possibilidade de enfrenta-mento às mazelas difundidas dentro da execução das medidas so-cioeducativas.

Muito embora a legislação estatutária trate dos direitos e responsabilidades dos adolescentes, da comunidade e do poder público, ainda assim não contemplava algumas questões, como a execução da medida para jovem com mais de 18 anos que comete crime durante o cumprimento da medida socioeducativa. Sendo assim, as inovações trazidas pela legislação do Sinase são signifi-cativas, bem como representam o preenchimento de uma lacuna no Direito, no que versa à execução dessas medidas.

Dentro dessa órbita, trabalhar-se-á com a ideia de política pública voltada aos socioeducandos, da execução das medidas so-cioeducativas, a aplicação da justiça restaurativa na Lei do Sinase e o papel da comunidade na consolidação de políticas públicas pa-cificadoras de conflitos.

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3.1 POLÍTICA PÚBLICA VOLTADA AOS SOCIOEDUCANDOS

Como nos processos em geral, existem três fases na aplica-ção da medida socioeducativa: o processo de conhecimento, o cau-telar e o de execução. O de conhecimento é representado pela ação socioeducativa. O processo cautelar, pela internação provisória. Já, a execução da medida socioeducativa não encontrou disciplina no Estatuto da Criança e do Adolescente. Por conta disso, a Lei 12.594/12 surgiu para solucionar, mesmo que parcialmente, essa lacuna (ISHIDA, 2014).

Nessa seara, tem-se a execução da medida como sendo um prolongamento da atuação do juiz, exercendo este, como no pro-cesso penal, a atividade jurisdicional. Possui uma natureza se-melhante a da execução penal, já que também existe uma parte administrativa por meio do controle exercido pelo dirigente da entidade de atendimento. Se fosse introduzido diretamente na legislação estatutária, o processo de execução deveria vir após a disciplina do processo do conhecimento do ato infracional, que finaliza após a intimação da sentença. É interessante referenciar que a denominação técnica do adolescente em cumprimento de medida socioeducativa, segundo o artigo 71, inciso III, do Sinase é socioeducando.

De acordo com o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, o Sistema Nacional de Atendimento Socioeduca-tivo “constitui-se de uma política pública destinada à inclusão do adolescente em conflito com a lei que se correlaciona e demanda iniciativas dos diferentes campos das políticas públicas e sociais” (CONANDA, 2006, p. 23). O processo democrático e estratégico de construção do Sinase concentrou-se em um tema importante para a sociedade brasileira: o que deve ser feito no enfrentamento da situação de violência que envolve adolescentes enquanto autores de ato infracional ou vítimas de violação de direitos no cumpri-mento de medidas socioeducativas (CONANDA, 2006).

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Ao encontro disso, a Resolução 119 transformou-se na Lei 12.594, de 18 de janeiro de 2012, denominada Lei do Sinase, reco-nhecendo-a enquanto uma política pública socioeducativa trans-versal, pois em sua formatação dispõe de objetivos e diretrizes para trabalhar com adolescentes autores de ato infracional, pre-vendo de maneira peculiar competências para o cumprimento de medidas socioeducativas, aos estados e municípios. O que o legis-lador objetivou, além do estabelecimento das medidas socioedu-cativas aos adolescentes autores de ato infracional, é que a sua execução se desse em corresponsabilização e com o espírito da materialização da teoria da proteção integral.

Com isso, deseja-se que os locais de execução dessas me-didas não sejam “pequenos presídios”, depósitos de adolescentes renegados e transformados em lixos humanos. Espera-se o resta-belecimento do possível, o respeito pelo outro, e que a aplicação da medida socioeducativa atinja a sua finalidade: que está na polí-tica de uma socioeducação do sujeito de direitos.

Na legislação estatutária, observaram-se algumas alte-rações trazidas pelo Sinase. A respeito das entidades de atendi-mento, no artigo 90 (art. 1º, § 5º, da Lei 12.594/12) reforçou-se a orientação de apoio às famílias, uma vez que suas vulnerabili-dades necessitam de acompanhamento personalizado, por meio do fortalecimento dos vínculos familiares e do desenvolvimento socioeconômico, a fim de promover a inclusão social da família e dos adolescentes (LAMENZA; MACHADO, 2012).

Também houve a fixação de parâmetros para que entida-des de atendimento (pessoas jurídicas de direito público ou pri-vado) possam executar igualmente a medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade, escolhendo orientadores para acompanhar de forma individual o cumprimento dessa me-dida (art. 13 e incisos). Por sua vez, a própria direção da entidade providenciará a seleção e o cadastramento de organizações assis-tenciais, escolas, hospitais e congêneres mais adequados ao perfil do adolescente, proporcionando-lhe o ambiente mais favorável

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possível para que preste os serviços comunitários, respeitando o cunho socioeducativo da medida (LAMENZA; MACHADO, 2012).

É importante articular um trabalho em rede com as enti-dades da comunidade onde o adolescente cumprirá a medida so-cioeducativa, de tal modo que a finalidade da medida não destoe da proposta pedagógica, no sentido de levar em consideração as habilidades do adolescente ou de sinalizar um caminho de opor-tunidades, que eventualmente podem ressignificar a sua vida ou suprir uma ausência axiológica de valores deixada de ser ocupada pelo papel da sua família.

Não se quer com isso afirmar na sua totalidade que a execu-ção da medida dentro dessa lógica seja a única vertente restabe-lecedora dos sujeitos que tiveram comprometida em algum mo-mento sua estrutura de valores; mas é a última tentativa enquanto política socioeducativa por parte do Poder Público de chamar o sujeito à razão, fazendo-o e reconhecer o desrespeito ao outro pelo desvio da lei.

Ainda sobre o cumprimento das medidas socioeducativas de liberdade assistida, semiliberdade e de internação, as entida-des de atendimento são responsáveis pelo cumprimento regular dessas medidas, pela avaliação técnica do grau de evolução do adolescente, pelo controle de frequência, pelas saídas externas do adolescente relativas à profissionalização e à escolarização, inde-pendentemente de autorização judicial (LAMENZA; MACHADO, 2012).

É necessário publicizar os limites de atuação, concedendo ao Conselho oportunidade de análise e verificação de adequação às premissas estabelecidas em lei para o atendimento das crian-ças e dos adolescentes. Essas entidades, que poderão ser gover-namentais ou não, deverão manter igualmente junto ao Conselho registro das alterações feitas no tocante às inscrições, que tam-bém realizará comunicação aos respectivos Conselhos Tutelares e autoridade judiciária. No tocante aos programas de atendimento socioeducativo, caso envolvam medidas em meio aberto, deverão

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ser inscritos pelos municípios junto aos respectivos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente, de acordo com o artigo 10 da Lei 12.594/12 (LAMENZA; MACHADO, 2012).

Embora a internação represente restrição à liberdade do adolescente, tal medida não significa que esteja ele obrigatoria-mente privado de realizar atividades externas. Se não houver or-dem escrita e fundamentada da autoridade judiciária em contrá-rio, e existir recomendação por parte da equipe interprofissional do internato, o jovem poderá, por exemplo, trabalhar fora da enti-dade, dedicando-se à sua profissionalização, assegurando o direi-to à convivência comunitária. Contudo, se o adolescente represen-tar risco para o meio circundante ou se suas atitudes indicarem clara intenção de fuga do internato, tal autorização não poderá ser concedida.

É certo que, caso haja mudança do quadro com o comporta-mento positivo do adolescente, a decisão judicial proibitiva poderá ser revista. Também será possível a saída monitorada do adoles-cente em caso de tratamento médico, doença grave ou falecimento (com comprovação cabal) de pai, mãe, filho, cônjuge, companheiro ou irmão, conforme artigo 50 da Lei 12.594/12, saída essa permi-tida pela direção do programa de execução da medida privativa de liberdade, comunicando-se imediatamente à autoridade judiciária competente, no caso, o magistrado da Vara da Infância e da Juven-tude (LAMENZA; MACHADO, 2012).

O texto legal é bastante claro a respeito da duração máxima da medida socioeducativa de internação: três anos. Não será pos-sível a prorrogação desse prazo, a não ser que haja o cometimento de outro ato infracional de natureza grave posterior à aplicação da medida (como na hipótese do adolescente que, internado por ou-tro ato, comete homicídio nas dependências do internato). Nesse caso, ao final da instrução processual, o magistrado poderá apli-car outra medida de internação. Se o adolescente recebe a medida de internação e uma nova é aplicada por ato(s) praticado(s) no passado, deverá ser realizada a unificação das medidas, conforme

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estabelecido no artigo 45 e parágrafos da Lei 12. 594/12. Note--se que, para o cômputo do tempo máximo de internação, deverá ser levado em conta o período de internação provisória (arts. 108, caput, e 183, ambos do ECA) (LAMENZA; MACHADO, 2012).

Nessa modalidade de internação, o prazo é determinável, não podendo ser superior a três meses. Não se admite sua prorro-gação em hipótese alguma. Findo o prazo para a internação-san-ção, o adolescente será liberado para retornar o cumprimento da medida anteriormente aplicada. Se houver novo desrespeito, de forma injustificada, outra vez a internação-sanção será imposta, como novo prazo, que também terá duração máxima de três me-ses, não se admitindo prorrogação sob qualquer justificativa.

Observe-se que pela redação dada pelo artigo 86 da Lei 12.594/12, a decretação da internação-sanção deve obedecer ao due processo of law, devendo ser dada ao adolescente a oportunida-de de se explicar em juízo a respeito de possível descumprimento da medida socioeducativa anteriormente aplicada. Somente após a oitiva do jovem em juízo (caso esteja em paradeiro conhecido) e apresentada sua defesa, com produção de provas eventualmente cabíveis e em respeito à justificativa alegada pela vislumbrada fa-lha no cumprimento da medida, é que a internação-sanção poderá ser decretada (LAMENZA; MACHADO, 2012).

Segundo reza o artigo 123 do ECA, os adolescentes interna-dos para cumprimento de medida socioeducativa serão separados por idade, sexo, compleição física e gravidade da infração, evitan-do-se um ambiente com risco de promiscuidade e de eventuais conflitos entre os mais velhos e os mais novos, bem como os mais fortes e os mais fracos etc. Também se evita o contato dos adoles-centes que praticaram atos mais graves com os demais internos, a fim de evitar a influência negativa daqueles sobre os que come-teram infrações mais brandas. Outro detalhe importante é trazido pelo artigo 16, § 1º, da Lei 12.549/12, que exige estrutura física da unidade de internação (ou semiliberdade) adequada aos padrões do Sinase, bem como veda a construção de unidades em espaços

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contíguos, anexos ou de qualquer forma integrados a estabeleci-mento penais. Dessa forma, busca o legislador evitar o contato in-desejado entre os adolescentes e os maiores imputáveis, os quais podem influenciar negativamente os adolescentes, perturbando ou até mesmo impedindo o processo de reeducação (LAMENZA; MACHADO, 2012, p. 213).

A Lei 12.594/12, no seu artigo 48, § 2º, veda a sanção dis-ciplinar de isolamento, exceto quando imprescindível para ga-rantir a segurança dos outros internos ou do próprio adolescen-te a quem seja imposta essa sanção. Nesses termos, a medida será adotada, com a obrigatoriedade de comunicação imediata do fato à defesa do adolescente e ao representante do Ministério Público para análise e, se for o caso, requerimento destinado a fazer cessar eventual ilegalidade da sanção (LAMENZA; MACHA-DO, 2012, p. 218).

Ademais, a referida legislação deve ser analisada em conso-nância com as disposições trazidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente relativas à prática de ato infracional, bem como aos direitos e garantias assegurados ao longo de todo o texto cons-titucional. A partir disso, vale ressaltar os objetivos das medidas socioeducativas, de acordo com o artigo 1º, § 2º, da Lei do Sinase:

I - a responsabilização do adolescente quanto às conse-quências lesivas do ato infracional, sempre que possível incentivando a sua reparação; II - a integração social do adolescente e a garantia de seus direitos individuais e so-ciais, por meio do cumprimento de seu plano individual de atendimento; e III - a desaprovação da conduta infracional, efetivando as disposições da sentença como parâmetro má-ximo de privação de liberdade ou restrição de direitos, ob-servados os limites previstos em lei.

Depois de elaborados, os planos de atendimento socioedu-cativo devem ser aprovados pelo Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente, órgão que também delibera sobre a implemen-

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tação e o controle de políticas públicas. Outro órgão também de grande relevância neste processo é o Conanda – Conselho Nacio-nal da Criança e do Adolescente, criado pela Lei Federal 8.242, de 12 de outubro de 1991, competindo-lhe editar normas gerais da política nacional de atendimento, fiscalizar as ações de execução, observadas as linhas de ação e as diretrizes estabelecidas pelo Es-tatuto. Deve também zelar pelo cumprimento da política nacional, e, entre outras atribuições, dar apoio aos Conselhos Estaduais e Municipais e entidades não governamentais, para que se tornem efetivos os princípios, as diretrizes e os direitos elencados nos mais diversos instrumentos jurídicos de proteção da criança e do adolescente (CARVALHO, 2000).

Além disso, o Plano Nacional de Atendimento Socioeduca-tivo, aprovado pela Resolução 160, de 18 de novembro de 2013, do CONANDA, prevê ações articuladas para os próximos dez anos, voltadas para as áreas de educação, saúde, assistência social, cul-tura, capacitação ao trabalho e esporte para adolescentes que se encontram em cumprimento de medidas socioeducativas, e apre-senta as diretrizes e o modelo de gestão do atendimento socioe-ducativo. Já os estados, o Distrito Federal e os municípios devem elaborar seus próprios planos decenais correspondentes, levando em consideração os princípios e as metas trazidos pelo Plano Na-cional (ROSSATO; LÉPORE; SANCHES, 2014).

Existe também a previsão de programas de atendimento, que correspondem, na organização e no funcionamento, por uni-dade, às condições necessárias para o cumprimento das medidas socioeducativas, e não podem ser confundidos com a entidade de atendimento em si. Neste sentido, os programas desenvolvidos pelos estados deverão ser inscritos nos Conselhos Estaduais e os programas desenvolvidos pelos municípios nos Conselhos Muni-cipais dos Direitos da Criança e do Adolescente (ROSSATO; LÉPO-RE; SANCHES, 2014).

Por fim, os municípios estão obrigados a criar e a manter programas de atendimento socioeducativo para os adolescentes

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em situação de cumprimento de medida em meio aberto. Uma vez que, antes da Lei 12.594/12, grande parte dos municípios acre-ditava que a responsabilidade pelo atendimento de adolescentes autores de ato infracional cabia ao estado e, devido a isto, somente alguns municípios de maior porte, que possuíam o CREAS (Centro de Referência Especializado em Assistência Social4), abriram es-paço para atender esses adolescentes.

Com base nisso, é importante realizar algumas considera-ções acerca da execução das medidas socioeducativas, assunto que será tratado a seguir.

3.2 DA EXECUÇÃO DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS

No Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), não há dispositivos que regulamentem a execução das medidas socioeducativas, mas, tão somente, o artigo 1525, pelo qual se apli-cava subsidiariamente a legislação processual pertinente, o que acabava gerando certa discricionariedade e arbítrio nas decisões. A Lei do Sinase veio suprir o vácuo legislativo existente, trazendo regras claras sobre a execução das medidas socioeducativas, enfa-tizando a garantia da ampla defesa e o contraditório aos acusados, considerando-se que ninguém pode ser condenado sem o devido processo legal, e sendo que até prova em contrário, a pessoa é ino-cente (ROSSATO; LÉPORE; SANCHES, 2014).

4 O CREAS é uma unidade pública e estatal, que oferece serviços especializados e contínuos a famílias e indivíduos em situação de ameaça ou violação de direi-tos. É responsável por atender pessoas de todas as faixas etárias em situação de vulnerabilidade social e não só adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto.

5 Art. 152. Aos procedimentos regulados nesta Lei aplicam-se subsidiariamente as normas gerais previstas na legislação processual pertinente. Parágrafo único. É assegurada, sob pena de responsabilidade, prioridade absoluta na tramitação dos processos e procedimentos previstos nesta Lei, assim como na execução dos atos e diligências judiciais a eles referentes.

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No caso do Estatuto, os procedimentos para apuração de ato infracional, por exemplo, seguem as regras e os princípios pró-prios, que estão voltados à prevenção e à proteção, e não à punição, como é a regra para os imputáveis. Além disso, o próprio Estatuto busca como objetivo primordial o princípio da proteção integral e da prioridade absoluta da criança e do adolescente, ou seja, frente à sua especialidade, seus artigos sempre serão aplicados diante de uma confrontação com as normas gerais. Logo, o alicerce do ECA se funda na busca por melhores resultados com relação à efeti-vação dos direitos e das garantias fundamentais da infância e da juventude, tendo em vista a condição peculiar de desenvolvimento dessa parcela da população (COSTA; PORTO, 2013).

Neste mesmo cenário, a Resolução 165/12 do Conselho Nacio-nal de Justiça dispõe sobre normas gerais para o atendimento, pelo Poder Judiciário, do adolescente em conflito com a lei no âmbito da internação provisória e no cumprimento das medidas socioeducati-vas, tendo como objetivo uniformizar o procedimento de execução. De acordo com o artigo 146 do ECA, a competência para a execução da medida socioeducativa é do Juiz da Infância e da Juventude, ou do juiz que exerce essa função, na forma da lei de organização judiciária lo-cal, sendo assegurada ainda a participação do Ministério Público e do Defensor no procedimento de execução, podendo cada qual inter-por os recursos pertinentes.

Os princípios que norteiam a aplicação e execução das me-didas socioeducativas estão relacionados nos incisos I a IX do arti-go 35 da Lei do Sinase e serão brevemente apontados. Junto a eles devem ser somados os princípios do artigo 100, parágrafo único, do Estatuto da Criança e do Adolescente. O princípio da legalidade preconiza que o adolescente não pode receber tratamento mais gravoso do que o conferido ao adulto.

A intervenção judicial e a imposição de medidas devem se dar de forma excepcional, favorecendo-se os meios de autocom-posição de conflitos. As situações de indisciplina que ocorrem no sistema de ensino, por exemplo, devem ser resolvidas preferen-

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cialmente mediante intervenções pedagógicas, evitando-se o en-volvimento da polícia e do Poder Judiciário.

Caso sejam aplicadas as medidas socioeducativas de adver-tência e obrigação de reparar o dano, ou, ainda, medidas de pro-teção, isoladamente, serão elas cumpridas no próprio processo de conhecimento. Trata-se, portanto, de hipótese de execução como fase incidental do processo, e não como processo autônomo. Não haverá, neste caso, necessidade de expedição de guia de execução, e o próprio juízo de conhecimento fiscalizará o seu cumprimento (ROSSATO; LÉPORE; SANCHES, 2014).

É obrigatória a instauração de autos próprios de execução nas medidas de prestação de serviço comunitário, liberdade assis-tida, semiliberdade e internação. E assim haverá um único auto de execução para o adolescente sentenciado por duas medidas de in-ternação, por exemplo. Se houver progressão de regime, esta terá validade para as duas medidas, pois o juiz não poderá progredir a medida em apenas um dos processos. No processo de execução das medidas de prestação de serviços à comunidade, semiliber-dade, liberdade assistida e internação, a entidade de atendimen-to responsável pelo acompanhamento da medida socioeducativa deve elaborar um plano individual de atendimento interdiscipli-nar, com a participação do adolescente e de sua família.

Diante disso, o plano individual de atendimento tem como finalidade, de acordo com Rossato, Lépore e Sanches (2014), pro-porcionar que a medida socioeducativa seja individualizada, ade-quando-se às necessidades socioeducativas do adolescente que se encontra em conflito com a lei, por meio de previsão, registro e gestão das atividades a serem, por ele, desenvolvidas.

Deste modo, de acordo com o artigo 42 da Lei do Sinase, as medidas socioeducativas de liberdade assistida, de semiliberdade e de internação não são aplicadas por prazo determinado, sendo imprescindível a sua reavaliação no máximo a cada seis meses, podendo a autoridade judiciária, se conveniente for, designar au-

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diência, no prazo máximo de dez dias, notificando o defensor, o Ministério Público, a direção do programa de atendimento, o ado-lescente e seus pais ou responsável.

Neste entendimento, vale ressaltar que a gravidade do ato infracional, os antecedentes e o tempo de duração da medida so-cioeducativa não podem ser considerados os únicos fatores que justifiquem a não substituição da medida por outra menos gra-vosa. Sendo assim, o juiz não pode se utilizar desses argumentos para manter a internação do adolescente e negar a progressão de regime, caso ela já tenha cumprido o seu plano individual de aten-dimento.

No que se refere ao prazo de cumprimento em medidas di-versas, o Estatuto não é claro na situação em que o adolescente responde por diferentes processos de apuração de ato infracional e ao término dos quais lhe são atribuídas medidas distintas de in-ternação. Com relação à questão, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que o prazo máximo de internação é contado em rela-ção a cada internação recebida pelo adolescente (COSTA; PORTO, 2013).

Como bem explica Barros (2009, p. 169), “Se o adolescente recebeu duas internações em processos distintos, por prática de atos infracionais diversos, é possível que venha a permanecer um prazo superior a três anos na entidade de internação”. Caso haja qualquer ilegalidade na apreensão do adolescente, poderá ser uti-lizado o habeas corpus, já que estará sendo violado o direito de liberdade do adolescente.

Segundo o artigo 45, § 1º, da Lei do Sinase, é vedado à auto-ridade judiciária determinar reinício de cumprimento de medida socioeducativa ou deixar de considerar os prazos máximos e de liberação compulsória previstos no Estatuto da Criança e do Ado-lescente, excetuada a hipótese de medida aplicada por ato infra-cional praticado durante a execução. Portanto, o adolescente só estará sujeito a outra medida se praticar um novo ato infracional durante ou após a execução da medida já imposta.

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Neste cenário, ao adolescente que pratica dois atos infracio-nais de furto em períodos próximos, são propostas pela autorida-de competente duas sanções distintas.

A primeira ação impõe prestação de serviços à comunida-de pelo prazo de 4 meses. Durante o cumprimento, vem a imposição da segunda ação, novamente 4 meses de presta-ção de serviços à comunidade. Nesse caso, no momento da unificação do cumprimento, deverá ser respeitado o prazo limite de 6 meses de prestação de serviços à comunidade previsto no Estatuto (art. 117). Os dois meses excedentes não podem ser cumpridos, em obediência ao § 1º do artigo 45 da Lei do Sinase. (BARROS, 2013, p. 354)

Na sequência, tem-se o § 2º do artigo 45 da Lei do Sinase que veda à autoridade judiciária aplicar nova medida de interna-ção, por atos infracionais praticados anteriormente, ao adolescen-te que já tenha concluído cumprimento de medida socioeducativa dessa natureza, ou que tenha sido transferido para cumprimento de medida menos rigorosa, sendo tais atos absorvidos por aqueles aos quais se impôs a medida socioeducativa extrema.

Nas palavras de Barros (2013), essa regra é admirável, uma vez que destaca claramente que o regime de cumprimen-to de medidas socioeducativas não tem um caráter puramente retributivo comparado ao sistema de execução penal. Se o ado-lescente progrediu de regime, significa que seu processo de res-socialização em curso está tendo êxito e não é mais necessária a internação. Disso resulta que seu progresso não pode ser inter-rompido em virtude de condenação decorrente de prática de ato infracional antigo.

Os incisos do artigo 46 revelam as hipóteses de extinção da medida socioeducativa, quais sejam, por morte do adolescente, pela realização de sua finalidade, pela aplicação de pena priva-tiva de liberdade, a ser cumprida em regime fechado ou semia-berto, em execução provisória ou definitiva, pela condição de do-

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ença grave e demais hipóteses previstas na legislação. Por outro lado, o § 1º do artigo 46 prevê que, no caso de o maior de 18 anos, em cumprimento de medida socioeducativa, estar respon-dendo a processo-crime, caberá à autoridade judiciária decidir sobre eventual extinção da execução, cientificando da decisão o juízo criminal competente.

Rossato, Lépore e Sanches (2014, p. 650) afirmam que essa situação trata-se da hipótese em que o indivíduo

[...] cumpre medida socioeducativa mesmo após completar dezoito anos de idade, porque praticou a conduta descrita em lei como crime ou contravenção quando ainda era ado-lescente (o que ocorre devido à adoção da teoria da ativi-dade pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, em que se considera praticado o ato infracional no momento da ação ou omissão) e nesse período de cumprimento acaba co-metendo um crime ou contravenção. Apesar de estar cum-prindo medida do Estatuto da Criança e do Adolescente, o indivíduo não é mais inimputável e, por isso, se submeterá ao sistema penal para apuração de nova conduta.

Para evitar apreensões indevidas, a Lei do Sinase estabe-leceu um prazo limite de seis meses de validade para o manda-do de busca e apreensão, a contar de sua expedição, contudo, se houver necessidade, poderá ser renovado de maneira funda-mentada (art. 47). Tratando-se assim de mais uma garantia ao adolescente contra apreensões injustas/ilegais, do mesmo modo que é possível que o juízo verifique, no momento de renovar o mandado, que ocorreu a prescrição. A exigência legal, portanto, é adequada. Lembrando que até os 21 anos é possível que o ado-lescente cumpra medida socioeducativa a ele imposta (BARROS, 2013).

Portanto, a utilização das medidas socioeducativas, além de demonstrarem ao adolescente que aquele ato praticado se encon-tra em discordância com os anseios da sociedade, busca ao mesmo

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tempo a sua responsabilização e a integração social deste adoles-cente e, a partir disso, acredita-se que a justiça restaurativa pode contribuir com este processo.

3.3 A APLICAÇÃO DA JUSTIÇA RESTAURATIVA NA LEI DO SINASE

Das alterações trazidas pela 12.594/12, interessa para este capítulo, com o fito de maior reflexão e associação ao que se está estudando até o momento, o texto inserido no inciso III do artigo 35, que inova dentro do sistema socioeducativo, ao contemplar a utilização da justiça restaurativa.

No inciso III do artigo 35 da Lei 12.594/12, um dos princí-pios inovadores diz respeito à priorização de práticas ou medidas que sejam restaurativas e, sempre que possível, atendam às neces-sidades das vítimas. Esse princípio representa um avanço legal e social sobre o ato de acolher e recepcionar no ordenamento jurí-dico brasileiro a justiça restaurativa.

O artigo 35 do Sinase, ao contemplar as práticas restaurati-vas, representou um avanço em termos principiológicos enquanto postulado normativo voltado à área da infância e da juventude, em especial ao adolescente autor de ato infracional. As práticas restaurativas da justiça restaurativa propriamente dita são meto-dologias de processo circular, que proporcionam, pelo diálogo, aos envolvidos pelo dano oriundo do ato infracional, serem escutados de maneira empática e respeitosa; labutando com esse procedi-mento a reparação do dano, na medida do possível; possibilitan-do ainda, às pessoas conectadas pelas narrativas de suas próprias histórias, sentirem-se importantes, empoderadas.

Leve-se em consideração ainda que além de ferramenta metodológica é circunscrita enquanto cânone ou princípio, pois tem entre seus postulados o respeito e a valorização dos sujeitos. Então, para a materialização desse princípio nas relações sociais, os círculos de construção da paz vêm ao encontro da efetivação

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do empoderamento e da responsabilização que compete a cada um dos envolvidos pelo dano. Por outro lado, a previsão das prá-ticas restaurativas no Sinase não muda muito o contexto, pois o legislador pecou ao situar como ela se dará dentro das entidades, mas não previu recursos para capacitação dos funcionários, de maneira que ela realmente seja adotada na gestão de conflitos. O que deixa mais uma vez evidente a atitude imatura do legislador ao propor essa prática dentro do sistema sem prever a estrutura, recursos humanos e financeiros para a sua concretude.

Não é possível pensar em adotar novas práticas de gestão de conflitos sem desconstruir as resistentes e velhas práticas di-cotômicas daqueles que insistem em fazer do sistema de justiça e execução um espaço de isolamento, seletivo e segregador de adolescentes indesejáveis e a sociedade que se retroalimenta do consumo e do esvaziamento de espaços saudáveis de valores de afeto com o outro. Assim, o outro passa cada vez mais a ser um estranho, um inimigo, portanto, indesejável ao convívio mútuo. É preciso parar de se eximir do papel social e de comprometimento com a infância. As mudanças sociais são urgentes e necessárias, para inclusive garantir a vida em coletividade.

O Brasil precisa deixar de ser uma fábrica de leis, de querer resolver problemas socioculturais e históricos com o direito pe-nal juvenil ou a criminalização de condutas ou comportamentos. Esse caminho é para ser o último meio e não o primeiro, como se tem observado na sociedade, quando, por exemplo, cria de ma-neira não efetiva o próprio Sinase, sem deixar claro seus objetivos e como irá concretizá-los. E ainda se poderia mencionar aqui, a título de outros exemplos, o crime hediondo de exploração sexual contra crianças e adolescente (Lei 12.978, de 21.05.2014) e a Lei da Palmada ou Lei Bernardo (Lei 13.010, de 26.06.2014).

Ainda nesse contexto, a reprodução de uma justiça contro-ladora e seletiva, pois o Brasil deixa na mão do sistema judiciário a forma de tratar e resolver os conflitos sociais, inclusive aqueles de natureza infracional. Por conta disso, existem muitos desafios

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para a efetivação do Sinase, sendo o principal a incorporação, por parte dos estados e municípios, dessa legislação nas suas políticas de atendimento aos adolescentes.

A Lei do Sinase trouxe novas perspectivas para a estrutu-ração, qualificação e funcionamento do Sistema Socioeducativo, porém, assim como a legislação estatutária, ainda não saiu do pa-pel. Uma das principais exigências do Sinase, senão a principal, é a elaboração dos Planos Decenais de Atendimento Socioeducativo por parte da União e, sucessivamente, estados, Distrito Federal e municípios, os quais deveriam ter sido submetidos à sua primeira avaliação em 2014, terceiro ano da vigência da lei.

Salienta-se que Plano significa “norte”, orientação, direcio-namento, que é o que se espera também de um Plano Decenal do Sinase. A missão desse Plano torna-se ainda mais desafiadora por-que se está falando de um Sistema, algo mais complexo do que falar de uma única organização e que envolve diferentes institui-ções, órgãos e áreas de atendimento, atuando de forma integrada e articulada (LIMA, 2014).

Também não fica claro quem são os reais responsáveis pela efetiva execução do que ali está proposto. Faltou principalmente o que é elemento essencial para a instalação e funcionamento de qualquer política pública com um mínimo de efetividade: o finan-ciamento. O Plano, ao afirmar em diferentes momentos as dificul-dades relativas ao financiamento ou cofinanciamento na execução das medidas socioeducativas, em nenhum momento tratou de res-ponder minimamente aos desafios desse tema.

Outras questões relevantes ficaram também esquecidas como: a Avaliação do Plano e o Sistema Nacional de Informação, duas exigências legais do Sinase. O Plano também não enfrentou com a profundidade que se exige problemas cruciais como a enor-me deficiência nas estruturas do Sistema Socioeducativo, a cons-tante perda de vidas de adolescentes dentro do Sistema, a fragili-dade na articulação da rede, o crescente número de adolescentes que ingressam no Sistema e tantas outras questões essenciais.

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Em outras palavras, pouco se avançou desde a aprovação da Lei do Sinase, pois, para a sua concretização enquanto política so-cioeducativa, carece de recurso público para que as suas deman-das realmente sejam enfrentadas.

A partir da revisitação a Lei do Sinase, observando suas principais inovações no que tange à execução das medidas socio-educativas, em especial a unificação de atos infracionais, deve ser observado o artigo 45, ou quando o adolescente está em cumpri-mento de uma medida socioeducativa e com 18 anos comete no percurso da execução um crime, saindo a sentença condenatória privativa de liberdade, o juiz da Vara da Infância e da Juventude deverá extinguir a medida socioeducativa e o jovem irá responder pelo crime no Juízo Criminal.

Outras novidades foram apontadas pela lei, mas o impor-tante é a corresponsabilização e a divisão de competências entre a União, estados e municípios no que versa à execução de tais me-didas. Por conta disso, e focando o município, trabalhar-se-á com o papel da comunidade com efeito na concretização da justiça res-taurativa também prevista no Sinase.

3.4 O PAPEL DA COMUNIDADE NA CONSOLIDAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PACIFICADORAS DE CONFLITOS

Os atuais discursos elevam e reconhecem o quanto a comu-nidade é fundamental para se consolidar políticas públicas pacifi-cadoras de conflitos, principalmente aqueles que são inerentes ou que dela são gerados. Assim, no capítulo anterior, foram analisa-dos alguns enfoques teóricos a respeito do conflito, de maneira a compreendê-lo enquanto fenômeno social, e/ou aqueles que são peculiares de determinada comunidade. Feito isso, se consegue também buscar como se dá o diálogo cultural em termos de justiça nessa comunidade para que as relações se estabeleçam e que, de tal modo, se possa realmente afirmar que a justiça restaurativa é uma justiça da comunidade e não do Judiciário.

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Neste contexto, tratando-se de política pública, esta inte-gra o conhecimento denominado policy science, que não agrega somente o Estado, mas sim toda a sociedade, uma vez que ela também exerce papel ativo e decisivo nas decisões correlatas a essa seara. Assim, entende-se por política pública uma ação pú-blica, na qual o Estado e a sociedade se fazem presentes, ganhan-do representatividade, poder de decisão e condições necessários para exercer o controle sobre a sua própria reprodução e sobre os atos e decisões emanados de um governo (BRESSER-PEREI-RA, 2009, p. 14).

No entanto, a existência da política pública implica a exis-tência de direitos sociais, pois, se a política deve atender às ne-cessidades dos cidadãos, é preciso saber quais são essas neces-sidades e declará-las em forma de lei. Porém, “assegurar direitos, implica ir além da legislação. As leis são as ferramentas de exigibi-lidade e, ao mesmo tempo, resultam da articulação e lutas sociais” (TEJADAS, 2007, p. 19). Assim, é possível definir que o Estado tem o papel de executar as políticas públicas, ou seja, de prestar um serviço à sociedade, e os cidadãos exercem a função de recomen-dá-las e acompanhá-las em sua construção, execução e avaliação.

Nesse sentido, para os estudiosos do Serviço Social, as ne-cessidades sociais são compreendidas como questão social, a qual é resultado do embate político entre capital e trabalho, originando assim contradições – necessidades sociais. Em outras palavras, “a questão social diz respeito ao conjunto das expressões das desi-gualdades sociais engendradas na sociedade capitalista madura, impensáveis sem a intermediação do Estado” (IAMAMOTO, 2001, p. 16). Nesses termos, a política pública exerce a importante fun-ção de defesa, proteção dos direitos sociais, tendo em vista a jus-tiça social.

Em 1990, designadamente em 13 de julho, é criado o Estatu-to da Criança e do Adolescente – ECA, o qual protege integralmente crianças até doze anos de idade incompletos, e adolescentes entre doze e dezoito anos. O ECA constitui uma política importante, por

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meio do qual a família, o governo e a sociedade tornam-se legal-mente responsáveis pela proteção dessa população abrangida por essa faixa etária de zero a dezoito anos, tendo o dever de assegu-rar-lhes seus direitos. Neste contexto, vale reportar à Constituição Federal de 1988, a qual, como eixo norteador das políticas públi-cas, é que primeiro veio a garantir os direitos das crianças e dos adolescentes. Contudo, a juventude em si, como faixa etária pró-pria e demandante, não estava sendo atendida nessas políticas.

Corroborando essa deficiência legal, Cury (2009) registra que até recentemente a juventude no Brasil era vista e analisada apenas como uma fase de transição entre a adolescência e a vida adulta. Inclusive o próprio Estatuto da Criança e Adolescente dis-ciplina políticas limitadas ao universo de adolescentes com idade até dezoito anos.

Se a maioridade (após completar 18 anos) significa “liber-dade”, para muitos adolescentes, não o é, pois, de fato, a prote-ção social e a garantia de direitos tendo como base o Estatuto da Criança e do Adolescente só amparam até essa idade, deixando a outra parcela da juventude à mercê da sociedade. Por outro lado, completar 18 anos para os jovens das gerações anteriores signi-ficava estar livre de “um período de privações, com pouca auto-nomia e constrangidos pelas convenções sociais” (ABAD, 2003, p. 25). As razões a estas mudanças de comportamentos e também a necessidade de colocar em pauta na agenda pública a faixa etária de jovens (15 a 29 anos) está atrelada às transformações sociais.

Neste sentido, em 05 de agosto de 2013, foi instituído, pela Lei 12.852, o Estatuto da Juventude, que basicamente passa a ser-vir como um norte para as políticas públicas de Juventude, pro-porcionando uma série de benefícios a jovens de 15 a 29 anos.

Sendo assim, para o pesquisador José Jair Ribeiro,

[...] a aprovação do Estatuto da Juventude é um passo muito importante para olhar as juventudes como sujeitos de di-reitos e não mais como problema, como portadora de uma

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pauta de políticas públicas próprias e não mais à mercê de decisões somente partidárias. Enfim, é um marco decisório para todas as juventudes do Brasil. (RIBEIRO, online)

A partir desta análise, verifica-se que existe uma deficiência das políticas públicas no Brasil, as quais decorrem desde a elabo-ração do Estatuto da Criança e do Adolescente, na medida em que durante esse período (1988 e 2000) pouco se discutiu sobre a im-portância da comunidade na prevenção da delinquência juvenil. Entretanto, mesmo deficiente diante das transformações sociais, fruto do fenômeno da globalização, da revolução tecnológica, etc. é imprescindível o debate objetivando a construção e a implemen-tação de políticas públicas, nas comunidades, realmente eficazes ao jovem deste Brasil contemporâneo.

Nesse contexto, e após a análise das políticas públicas e da tentativa de sanar a lacuna existente na seara das políticas públi-cas para a juventude, torna-se de extrema importância discutir a imprescindibilidade do envolvimento da comunidade na busca por uma melhor qualidade de vida de toda a população.

Assim, a comunidade pode ser apresentada como um con-ceito presente nas mais diversas religiões mundiais, como a exem-plo, no judaísmo, no cristianismo, no islamismo e no budismo, ou seja, em todos os grandes sistemas de pensamento. E, ao mesmo tempo, essa tradição milenar também está assegurada em todos os principais vocabulários: Kononía (grego), Communitas (latim), Kehilla [Kehillah] (hebraico), Umma ou Ummah (árabe), Sangha (Sânscrito), Shèqú (chinês), Samudãya (híndi), Komyuniti (japo-nês), Soobshchestvo (russo), Community (inglês), Communauté (francês), Gemeinschaft (alemão), Comunidad (espanhol) e Comu-nità (italiano), entre outras (SCHMIDT, 2012).

Assim, no pensamento social do Ocidente, o estudo da comu-nidade tem permeado grandes discursos. Um deles é o de Robert Nisbet, para quem a história da filosofia social é fundamentalmen-te a história das ideias e dos ideais humanos quanto à comunidade

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e à anticomunidade. O autor utiliza o termo comunidade no seu sentido mais antigo, definindo-a como relações entre indivíduos que são assinaladas por um determinado grau de familiaridade pessoal, de ligação social ou acordo moral e de continuidade no tempo. Considerando a família como o protótipo da comunidade, o autor sistematiza o pensamento de alguns filósofos sociais oci-dentes quanto às formas de comunidade mais utilizadas: política, militar, religiosa, revolucionária, ecológica e pluralista (SCHMIDT, 2012).

De acordo com Bauman (2003), há uma ilusão de que na comunidade as discussões são amigáveis e amenas, que os inte-resses são voltados à coletividade em prol da harmonia, embora a palavra comunidade evoque tudo aquilo de que se sente falta e de que se precise para viver seguro, confiante no mundo con-temporâneo.

Tudo isso, de uma forma ou de outra, aliado com a incerte-za da existência de uma comunidade organizada e consciente da sua estrutura e capacidade de potencialidade, fragiliza e também dificulta o exercício da cidadania participativa, pois não se sabe ao certo se as pessoas estão dispostas a responder pelo grupo e se realmente acreditam na integridade do sentimento comunitário.

Ainda assim, mesmo tendo dificuldades de identificar uma comunidade, acredita-se que o sentimento de pertencimento e so-lidariedade despertado nos indivíduos pode aproximá-los do bem comum, pois cada um, com seu ímpeto, tem necessidades básicas que por meio da comunicação poderão compartilhá-las e se co-nectá-las com as necessidades do outro (ROSENBERG, 2006).

Por isso, também são válidas as palavras de Manuel Castells (1999, p. 84):

As comunidades locais construídas por meio da ação cole-tiva, preservadas pela memória coletiva, constituem fontes específicas de identidades. Essas identidades, no entanto, consistem em reações defensivas contra as condições im-

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postas pela desordem global e pelas transformações incon-troláveis em ritmo acelerado. Elas constroem abrigos, mas não paraísos.

Portanto, a identidade de uma comunidade, no caso a lo-cal, pode ser uma característica favorável para desenvolver um processo de cidadania participativa; além disso, o fato de se es-tar sofrendo pelas imposições do mercado e da globalização pode despertar nessa mesma comunidade a necessidade de se unir e desenvolver o sentimento de solidariedade e pertencimento. Por conta disso, torna-se oportuno e necessário trabalhar dentro des-sa comunidade além do capital humano (educação, saúde, traba-lho, moradia), principalmente com o capital social, ou seja, explo-rar bem esse ponto, de maneira a solidificar a comunidade que por sua vez constituirá o município, seu espaço local.

A cooperação pode ser definida, sucintamente, como uma troca em que as partes se beneficiam. Essas trocas cooperativas manifestam-se de diversas formas e também podem estar asso-ciadas à competição. A busca de equilíbrio entre a cooperação e a competição requer que contemplemos nossa natureza de animais sociais. Segundo Sennert (2012, p. 158),

As grandes religiões monoteístas têm considerado o ho-mem em seu estado natural uma criatura falha, destruindo o pacífico reino do Éden; para filósofos pragmáticos como Thomas Hobbes, o Éden nunca existiu; o homem natural se engaja em uma competição mortal, de modo algum voltado para a cooperação. A moderna ciência etológica tem uma visão mais otimista: os animais sociais de fato alcançam um delicado equilíbrio entre a cooperação e a competição no trato recíproco.

O equilíbrio é frágil porque o ambiente natural está em constante mutação ou transformação, mas, independentemente disso, pode-se atingi-lo por intermédio de trocas. Nesse contex-

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to, tem-se que as formas de troca percorrem todo um espectro que vai do altruísmo aos encontros do tipo tudo-ao-vencedor; no meio desse espectro é que mais facilmente pode se dar o equilí-brio entre a cooperação e a competição. Por outro lado, o ritual é uma forma especial encontrada pelo ser humano para organizar as trocas equilibradas, rituais inventados, rituais impregnados de paixão quando se tornam performances habilidosas (SEN-NERT, 2012, p. 158).

A capacidade de agir conforme sua escolha autônoma é ine-rente a todo ser humano. Ela é, na verdade, uma parte essencial daquilo que define o ser humano como uma espécie distinta e um indivíduo autoconstituído (INGLEHART; WEZEL, 2009, p. 338).

Portanto, o exercício da cooperação na vida comunitária, além de ser uma virtude cívica, também é uma escolha humana autônoma:

A escolha humana autônoma é um critério antropologica-mente apropriado para a conceitualização do desenvolvi-mento humano, uma vez que agir segundo suas próprias escolhas autônomas é uma capacidade humana essencial e uma aspiração universal. […] as oportunidades para fazer escolhas autônomas estão estreitamente ligadas à felicidade humana. Esse fato se comprova, sistematicamente no âmbito das culturas, pois em todas as zonas culturais, as sociedades que oferecem aos seus cidadãos mais espaço para a escolha produzem níveis mais altos de satisfação geral com a vida e felicidade. […] A aspiração humana de escolha é seriamen-te restringida por normas culturais rígidas em muitos luga-res. Assim, as culturas foram bem-sucedidas, em diferentes graus, na imposição de restrições à escolha humana. Mas se “bem-sucedido” nesse sentido acarreta custos humanos, por esse “sucesso” reduz o bem-estar. A longo prazo, a redução do bem-estar humano impõe uma desvantagem evolutiva nas sociedades que restringem a escolha humana, uma vez que são menos capazes de mobilizar as motivações autôno-mas das pessoas, reduzindo sua criatividade e produtivida-de. (INGLEHART; WEZEL, 2009, p. 339)

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É imprescindível que os indivíduos da comunidade estejam comprometidos, e a partir disso poderão ser reconhecidas algu-mas formas de mensurar o comprometimento, que são: o altru-ísmo, o tempo e a confiabilidade. O altruísmo, o exemplo de vida de Joana D’Arc subindo à fogueira por suas convicções; o soldado morrendo em batalha para proteger os companheiros. No outro ponto da escala, o autossacrifício não aparece, e assim não sur-ge oportunidade para a avaliação. A troca ganhar-ganhar em um acerto de negócios requer que todos os envolvidos abram mão de determinados interesses em prol do bem comum; uma aliança po-lítica exige consenso semelhante. A troca diferenciada, o encontro esclarecedor, não envolve autossacrifício, e tão pouco implica le-var a melhor sobre outra pessoa, exigindo que abra mão de algo (SENNERT, 2012).

Resta dizer que a confiabilidade é a terceira maneira de se mensurar o comprometimento. Considera-se que este teste per-tence à esfera dos acontecimentos que podem ser previstos, pa-recendo preestabelecidas as maneiras de comportamento mais previsíveis; por exemplo, as abelhas não decidem dançar; isso está codificado nos seus genes. Para tanto, o comprometimento em uma comunidade incita do prazer em cooperar com o seu meio e com o outro, dando origem a um novo tipo de sociedade humanís-tica (SENNERT, 2012).

O surgimento da democracia reflete amplamente a sequên-cia de desenvolvimento humano e socioeconômico, promoven-do valores de autoexpressão e instituições democráticas. Nesse sentido, a democracia é o reflexo institucional das forças eman-cipadoras inerentes ao desenvolvimento humano, e os valores de autoexpressão são o melhor indicador disponível dessas forças. À luz dessa constatação, é de se surpreender que grande parte da li-teratura tenha omitido o aspecto mais importante da democracia: a emancipação humana (INGLEHART; WEZEL, 2009).

Por conseguinte, as medidas preventivas de desenvolvi-mento social em um suporte comunitário são de fundamental

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importância para o enfrentamento e a redução das desigualdades sociais. A situação social e situacional pode, pois, ser harmoniza-da por meio de programas de apoio às famílias mais fragilizadas econômica e socialmente, de conscientização das famílias, de ser-viço de apoio e intervenção nas crises. Nesse contexto, a escola também tem papel fundamental de caráter preventivo, mediante a identificação precoce de problemas de conduta ou familiares, que podem ser amenizados a partir dos programas sociais de apoio.

Nessa dimensão, é dever do Estado apoiar a família para que alcance a estabilidade, a qualidade de vida, a autonomia e o bem-estar, e que, por conseguinte, busque a eliminação dos obs-táculos ou das dificuldades que a afetam diretamente (NAVARRO, 2003). Mas o Estado sozinho não alcançará êxito, as comunidades também devem se organizar por meio de redes de cooperação en-tre os indivíduos de determinada comunidade6 (BAQUERO; PRÁ, 2007).

Atualmente, tudo indica que as estratégias preventivas es-tão apontando para programas de prevenção comunitária e com a participação do terceiro setor. Essa interação poderá trazer bene-fícios para a comunidade a partir das propostas de melhoria das condições de vida nos bairros residenciais, nas praças públicas, nas questões de saúde, na educação, na segurança. É importante também que se criem campanhas informativas para sensibilizar os cidadãos sobre a necessidade de responsabilizarem-se pelas medidas preventivas, assim como para modificar certos fatores da infraestrutura social que promovem ou podem promover situa-ções delitivas.

Trata-se de fomentar uma identidade coletiva, incutindo o sentimento de pertencimento a uma comunidade, e de visibilizar a importância do princípio da territorialidade e da reinserção do princípio da solidariedade no contexto social. Essa identidade for-talece o grupo, unindo seus membros em interesses comuns e em

6 O capital humano é o investimento nas áreas da educação, nutrição, saúde, en-tre outras.

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direitos e obrigações recíprocas. Esta revitalização da comunida-de, como instituição de integração e controle social, será exitosa no sentido de que todos poderão analisar, discutir e juntos montar estratégias que venham contribuir para a redução das desigualda-des sociais existentes no município.

As questões sociais demandam uma profunda reflexão e ação frente às suas diferentes necessidades. Evitar o acirramento das questões sociais é tarefa e desafio de todos os setores da socie-dade envolvidos na construção da democracia como um valor hu-mano de garantia universal de direitos sociais, políticos e jurídicos. Como exemplo de engajamento do ente federado e o município, há o consórcio de gestão na saúde, estabelecido pela Constituição da República Federal de 1988 e as leis específicas: Lei 8.080/90 e Lei 8.142/90 que definem que os consórcios intermunicipais podem integrar ao Sistema Único de Saúde (SUS) (BRASIL, 1997).

O consórcio favorece todas as partes envolvidas, pois essa união fortalece as ações, fazendo com que, por exemplo, o poder de barganha aumente, e com isso se consiga adquirir medicamen-tos, e todos os materiais necessários a preço melhor, pois a com-pra é feita “no atacado” visto o número de municípios. Contudo, se o consórcio não existisse, dificilmente haveria tais possibilidades vindas em favor dos municípios.

Utilizado como instrumento de estímulo ao planejamento local e regional em saúde, o consórcio possibilita, além dis-so, a viabilização financeira de investimentos e contribui para a superação de desafios locais no processo de imple-mentação do Sistema. Para o município de pequeno porte, representa a possibilidade de oferecer à sua população um atendimento de maior complexidade. A manutenção de um hospital, por mais básico que seja, requer equipamentos, um quadro permanente de profissionais e despesas de cus-teio que significam gastar, anualmente, o que foi investido na construção e em equipamentos. [...] Assim, a prestação de serviços de forma regionalizada pelos consórcios evita-rá a sobrecarga do município na construção de novas uni-

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dades, na aquisição de equipamentos de custos elevados e na contratação de recursos humanos especializados. (BRA-SIL, 1997, p. 10)

Entretanto, apesar da existência do consórcio, cada muni-cípio continua sendo autônomo, não podendo haver interferência do gestor estadual. As competências devem estar bem delimitadas, como suas funções já intituladas da saúde municipal, por exemplo: “de coordenação, articulação, negociação, planejamento, acompa-nhamento, controle, avaliação e auditoria”. O consórcio serve para desburocratizar a gestão. Deve, no entanto, dentro do consórcio, existir igualdade entre os participantes (BRASIL, 1997).

Os consórcios de saúde podem gerar mais contribuições para a gestão da Administração Pública, como ocorre com os Con-selhos de Municípios, Conselhos Fiscal, responsável pela condu-ção política do consórcio, Secretaria Executiva ou Coordenação, entre outros (BRASIL, 1997).

Assim, o município é o ente federado que possui as melhores condições de detectar quais são os maiores problemas e deficiên-cias que afligem a população, definindo as estratégias e ações mais urgentes e eficazes para a solução. É importante lembrar, todavia, que as suas ações locais não podem estar dissociadas dos progra-mas de alcance estadual e nacional, sob pena de se tornarem ações isoladas e de pouca ou até nenhuma eficácia.

Portanto, ao falar do município, Ladislau Dowbor (2002, p. 80) diz que, “ao definirmos a unidade básica de gestão social, em termos territoriais, estamos definindo o ponto onde as diversas iniciativas adquirem coerência de conjunto e onde podem ser ar-ticulados mecanismos participativos capilares da própria comu-nidade”.

Neste sentido, as iniciativas promovidas pelas comunida-des locais também são capazes de aumentar significativamente as ações que ocorrem no campo das políticas sociais, a partir de

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programas que sejam voltados ao desenvolvimento local, com projetos integrados e voltados a um determinado público, de tal maneira que seja possível focalizar uma determinada área de in-tervenção ou também uma segmentação da sociedade, com a prin-cipal finalidade de se formular políticas integrais, transpondo pro-blemas como o da setorialização e da fragmentação institucional (FARAH, 2001).

Um exemplo dessas iniciativas ocorre na área de habita-ção, onde há o envolvimento organizado da comunidade local, de modo que a participação dos próprios usuários no processo cons-trutivo tem o condão de viabilizar a redução de custos e o controle do uso dos recursos disponíveis, evitando desse modo os desvios ou o mal uso desses fundos (FARAH, 2001).

Ações voltadas para o espaço público local, que transcen-dem à esfera estatal, provocam autonomia e emancipação dos ato-res sociais, que, imbuídos nos pressupostos do empoderamento, buscam meios alternativos de resolução de seus próprios confli-tos, também com vistas a promover a diminuição dos índices de criminalidade ao proporcionarem a responsabilização mais hu-mana aos atores de crimes, redundando no fortalecimento dos laços sociais da comunidade local.

No que se refere à prisão, Michel Foucault já mencionava que dela se “conhecem todos os inconvenientes e sabe-se que é perigosa, quando não inútil. Entretanto, não vemos o que pôr em seu lugar. Ela é a detestável solução, de que não se pode abrir mão.” (FOUCAULT, 2004).

Em toda a história da criminologia, apesar dos discursos dissonantes, a responsabilização penal de indivíduos infratores possui caráter muito mais retributivo do que educativo. Com esse tipo de sistema penal, aos infratores nega-se o exercício de sua cidadania, e isso lhes acarreta dor, violência, revolta, rotulamento e estigmatização, tornando-se evidente a ofensa em relação às di-retrizes consubstanciadas pela dignidade da pessoa humana.

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Parece, então, inócuo e sem sentido persistir nesse padrão que não cumpre sua função de ressocializar e devolver para a so-ciedade uma pessoa melhor depois de ela ter cumprido uma san-ção penal. Torna-se ainda mais grave a situação quando se trata de adolescentes infratores. Sem o tratamento adequado de seus desvios de conduta, o Estado devolve para a sociedade indivíduos potencialmente mais lesivos, colocando em risco a segurança de todos. Investir na justiça restaurativa é o caminho, uma solução posta a serviço do Estado, da comunidade e da própria família. Basta para isso o comprometimento e as ações que levem à sua concretização.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

É sabido que, com a democratização do Brasil, por meio da Constituição da República de 1988, e com a imersão de mi-crossistemas como o Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/90, o olhar sobre a criança e o adolescente tornou-se outro. Pode-se até reafirmar que o acesso à justiça também ficou mais humanizado, com a abertura de alternativas pacificadoras de con-flitos, como a própria justiça restaurativa, em conformidade com a Resolução 125/10 e a Lei 12.594/2012 (Lei do Sinase).

Dentro do contexto de uma cultura híbrida brasileira, a jus-tiça restaurativa já foi implementada em alguns estados brasilei-ros, a exemplo do Rio Grande do Sul, nas cidades de Porto Alegre e Caxias do Sul, há menos de uma década, e apresenta experiências exitosas, mas que ainda requerem mais maturação, comprometi-mento social e político para sua efetividade. Considera-se a justi-ça restaurativa como sendo o encontro compassivo entre vítima, ofensor (adolescente autor de ato infracional), familiares de am-bos e comunidade.

Nesse encontro extrajudicial, espera-se que os envolvidos pelo dano empoderem-se do espaço de maneira respeitosa, com a finalidade de participarem voluntariamente do processo, assu-mindo a corresponsabilidade pelos atos presentes e futuros ad-vindos do acordo firmado na ocasião. As técnicas aplicadas pelo facilitador do diálogo entre os participantes utilizam a comunica-ção não violenta e/ou os círculos de construção da paz, mecanis-mos mencionados no primeiro capítulo desta obra.

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Um dos principais questionamentos levantados neste livro se refere ao arcabouço teórico da justiça restaurativa, constatando--se que sua sustentabilidade se deu a partir da Resolução 2.002/10, da Organização das Nações Unidas, da Resolução 125/10, do Con-selho Nacional de Justiça, e da Lei do Sinase, Lei 12.594/12, no entanto, requer maior profundidade, por sua aplicação ainda ser incipiente no Brasil.

Abrangendo outro questionamento secundário, percebeu--se que não há uma clareza no ordenamento jurídico sobre a dis-tinção entre justiça restaurativa e práticas restaurativas, assunto que merece ser tratado com mais profundidade em outro trabalho. De qualquer sorte, dá para adiantar que no Brasil são utilizadas práticas restaurativas que incluem círculos de construção de paz com adolescentes autores de ato infracional, a própria mediação e a conciliação, sendo que a justiça restaurativa contemplaria todas essas e outras alternativas pacificadoras de conflitos.

Ao refletir, no segundo capítulo, sobre políticas públicas de justiça para o sistema de atendimento socioeducativo a ado-lescentes, pensou-se na importância do Sinase, criado pela Lei 12.594/12, no que tange a fazer um enfrentamento direto sobre a execução das medidas socioeducativas não enfrentadas pelo Es-tatuto da Criança e do Adolescente, dada a existência de previsão das práticas restaurativas no artigo 35 da referida lei.

Ao encontro do que foi dito, e do que se trabalhou no ter-ceiro capítulo, buscou-se saber quais foram as principais inova-ções trazidas pelo Sinase no tocante à execução das medidas so-cioeducativas envolvendo adolescentes autores de ato infracional. Das inovações recepcionadas têm-se a repartição de competên-cias entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, bem como a obrigação de cada ente na elaboração do seu plano de atendimento socioeducativo, contemplando ações pedagógicas para os adolescentes que estão em cumprimento da medida nas unidades de atendimento.

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Outra inovação importante foi quanto à unificação das me-didas socioeducativas. O juiz não pode aplicar nova medida de internação ao adolescente por atos infracionais praticados ante-riormente, ainda que sobrevenha sentença de aplicação de nova medida de execução, pois deverá proceder à unificação das medi-das, conforme o artigo 45 do Sinase. No que versa ao adolescente de 18 anos que está cumprindo uma medida socioeducativa em virtude de o ato infracional ter sido cometido quando ele tinha menor idade, e que porventura ele venha cometer outro crime nesse interregno, após transitada em juízo a sentença condenató-ria, a autoridade judiciária deverá extinguir a medida socioeduca-tiva para que o adolescente responda à acusação no juízo criminal, de acordo com o artigo 46 da Lei do Sinase.

Além disso, a lei referenciada também prevê a possibilida-de de visita íntima para adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa, desde que casados ou vivam em união estável. A finalidade dessa medida está no fortalecimento dos vínculos fami-liares e afetivos.

Apesar dos avanços advindos com a Lei do Sinase, ainda há muito a ser feito para que se atinja a sua efetividade, a começar pela cooperação da comunidade e o comprometimento político no País.

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Justiça RestauRativa & sinase

INOVAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI 12.594/12 ENQUANTO POLÍTICA PÚBLICA SOCIOEDUCATIVA A ADOLESCENTES

AUTORES DE ATOS INFRACIONAIS

Marli M. Moraes da Costa Pós-Doutora em Direito pela Universidade de Burgos/Espanha, com Bolsa Capes. Doutora em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora da graduação e do Programa de Pós-Graduação em Direi-to – Mestrado e Doutorado na Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). Professora da Graduação em Direito na Fundação Educacional Machado de Assis de Santa Rosa (FEMA). Coordenadora do Grupo de Estudos “Direito, Cidadania e Políticas Públicas”, da Unisc. Psicóloga com especialização em Terapia Familiar – CRP n. 07/08955. Autora de livros e artigos em revistas

especializadas.

Rodrigo Cristiano Diehl Acadêmico do curso de Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). Integrante dos grupos de pesquisa “Direito, Cidadania e Políticas Públicas” (campus Santa Cruz do Sul – RS e campus Sobradinho – RS), coordenado pela Pós-Dra. Marli M. Moraes da Costa; “Direitos Humanos”, coordenado pelo Pós-Dr. Clovis Gorczevski; e “a Decisão Jurídica a partir do Normativismo e suas Interlocuções Críticas”, coordenado pela Dra. Caroline Bitencourt, am-bos do PPGD – Mestrado e Doutorado da Unisc e certificados pelo CNPq. Atualmente é bolsista de Iniciação Científica da FAPERGS. Autor de diversos

artigos científicos publicados em revistas, livros e eventos internacionais.

Rosane T. Carvalho Porto Doutoranda e Mestre em Direito, área de concentração: Políticas Públicas de Inclusão Social. Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Univer-sidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). Professora de Direito da Infância e da Juventude, na UNISC. Estuda temáticas voltadas à segurança pública, crian-ça e adolescente, criminologia, gênero e justiça restaurativa. Integrante do Grupo de Estudo “Direito, Cidadania e Políticas Públicas” coordenado pela

Pós-Doutora Marli M. Moraes da Costa. Policial Militar.

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O conteúdo ora presentado é de grande relevância, em especial aos ato-res do sistema de garantias de direitos da criança e do adolescente, os quais poderão usufruir deste belo trabalho, haja vista que os estados e os muni-cípios brasileiros aprovaram no fim de 2014 seus planos de atendimento socioeducativo, possibilitando, portanto, um novo olhar na implementação de ações que reconheçam os adolescentes e suas famílias em seu contexto social.

A inovação trazida por este trabalho está na apresentação da articulação dos processos das práticas restaurativas e as políticas públicas de atendi-mento socioeducativo conforme previsão da atual lei que institui do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE).

Esse sistema estabelece um conjunto de regras e princípios sobre com-petências compartilhadas entre União, estados e municípios na formulação, execução e controle das políticas públicas socioeducativas, bem como crité-rios para a definição de prioridades e financiamento das políticas públicas e para a execução das medidas socioeducativas; também define procedimen-tos, amplia a garantia dos direitos individuais do adolescente, exige a ela-boração de Planos Individuais de Atendimento e estratégias de articulação intersetorial para a garantia da atenção integral à saúde do adolescente em cumprimento de medida socioeducativa.

É neste contexto que os autores apresentam aqui o inovador tema da jus-tiça restaurativa, mediante a instituição de práticas restaurativas no sistema de justiça e nas políticas públicas de atendimento enquanto caminhos de pa-cificação de conflitos que, segundo os autores, encontram-se nos seus dizeres “o fazer diferente”.