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BAKHTIN/VOLOCHÍNOV E A FILOSOFIA DA LINGUAGEM RESSIGNIFICAÇÕES

Livro Marxismo e Filosofia da Linguagem

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Bakhtin/VolochínoVe a filosofia da linguagem

ressignificações

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Bakhtin/VolochínoV e a FilosoFia da linguagem RessigniFicações

Recife2011

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Copyright © by Maria de Fátima Almeida (org.)

Comissão EditorialEliete Correia dos SantosFrancisco de Freitas Leite

Hélcia Macedo de Carvalho Diniz e SilvaMaria de Fátima Almeida

Rivaldete Maria Oliveira da Silva

Revisão FinalEliete Correia dos SantosFrancisco de Freitas Leite

Projeto gráfico e diagramação:Daiane de Sousa

Produção Gráfica:Edições Bagaço

Rua dos Arcos, 150 • Poço da PanelaRecife/PE • CEP 52061-180

Telefax: (81) 3205.0132 / 3205.0133email: [email protected]

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Impresso no Brasil - 2011

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SUMÁRIO

PREFÁCIO ................................................................................ 7Prof. Dr. Adail

INTRODUÇÃO ..................................................................... 13Maria de Fátima Almeida

O SIGNO IDEOLÓGICO NA FILOSOFIAMARXISTA DA LINGUAGEM ........................................... 21Rivaldete Maria Oliveira da Silva

A INTERAÇÃO VERBAL: UMA LEITURA DE MARXISMO E FILOSOFIA DA LINGUAGEM DE MIKHAIL BAKHTIN/VOLOCHÍNOV ..................................................................... 37Telma Cristina Gomes da SilvaGregório Pereira de VasconcelosDanyelle Sousa Morais

CONCEPÇÕES BAKHTINIANAS DE LÍNGUA, FALA E ENUNCIAÇÃO .................................................................... 53Danielly Vieira Inô EspíndulaClecio de Araújo Ferreira

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PSICOLOGIA DO CORPO SOCIAL : SIGNOIDEOLOGIA E CONSCIÊNCIA .......................................... 73Rebecca TavaresRosilândia Flávia de Lima Ramos

CRÍTICA DE BAKHTIN/ VOLOCHÍNOV À TRADIÇÃO SUBJETIVISTA E OBJETIVISTA DA LINGUAGEM ........ 85Adriano Carlos de MouraHélcia Macedo de Carvalho Diniz e Silva

BAKHTIN/VOLOCHÍNOV E OS PROBLEMAS DA CONS-TRUÇÃO DO SENTIDO .................................................... 105Francisco de Freitas LeiteMaria Verônica A. da Silveira Edmundson

A PALAVRA DE OUTREM: AS FRONTEIRAS DO FENÔ-MENO SOCIAL DA INTERAÇÃO VERBAL .................. 123Eliete Correia dos Santos

TECENDO MAIS UMA MANHÃ: UMA PONTINHA DE PROSA SOBRE DIALOGISMO ......................................... 141Clécida Maria Bezerra BessaMárcia Ozinete de Alcântra Pinho

SOBRE OS AUTORES ......................................................... 159

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PREFÁCIO

Prof. Dr. Adail Sobral(UCPEL)

Um prefácio é um diálogo específico com uma coleti-vidade escritora e leitora e, de modo mais imediato, com o autor ou autores prefaciados e, eventualmente, com o orga-nizado de uma obra coletiva, seu apresentador ou o autor de sua introdução, e, mediatamente, com um possível lei-tor, um interlocutor presumido, mas inalcançável em sua integridade, uma vez que, apesar das pistas que os escritos prefaciados oferecem e que o prefácio tenta apreender, os leitores não são tomados em seu aspecto de sujeitos empí-ricos, mas de sujeitos concretos transfigurados em seres de discurso – o que de resto acontece em toda interlocução.

Sendo “pré”, o prefácio realiza a função enunciativa, ou interlocutiva, de indicar ao leitor o valor que os escritos prefaciados têm do ponto de vista do prefaciador, situado, como todos os pontos de vista, e, por isso mesmo, válido, mas não verdadeiro universalmente. O prefaciador tem atribuída a si a autoridade de, por assim dizer, conduzir o leitor a aceitar um dado ponto de vista acerca de algo que ele ainda não leu, a partir da avaliação feita pelo prefaciador dos escritos prefaciados. Pode discordar de, ou concordar

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com, tudo, assim como pode destacar o que acha merecer a atenção do leitor e omitir eventuais aspectos que julgue deficientes. Se normalmente não se espera que o prefacia-dor avalie negativamente aquilo que prefacia, também não se espera que ele não tenha uma perspectiva crítica com relação ao que prefacia. Um prefácio, portanto, ressignifica aquilo que aborda de uma maneira específica, segundo as “regras” do gênero, relativamente estáveis, portanto. E, ao falar disso aqui, já iniciei o comentário avaliativo do livro, uma vez que ele me levou a refletir sobre o prefácio em termos da própria obra, que toca de leve na questão do gê-nero, mas estabelece princípios de estudo desse objeto.

Os escritos que aqui se leem abordam uma única obra, Marxismo e Filosofia da Linguagem, de (Bakhtin)/Voloshi-nov, naturalmente recorrendo a outras e com elas estabele-cendo diálogos. São precedidos de uma introdução crítica e deveras esclarecedora sobre certas valorações que têm cercado esta obra, no Brasil e no mundo. São escritos opor-tunos num momento em que circulam ataques à pessoa de Bakhtin, e que pretendem reduzir o valor de suas formula-ções ao considerá-lo, para resumir um enorme debate, aé-tico, plagiário. Oportunos ainda porque estudiosos sérios, entre os quais se inclui o prefaciador, pretendem neste mo-mento resgatar a contribuição específica do linguista Vo-loshinov às propostas do Círculo e, assim, verificar a com-patibilidade entre a perspectiva de Voloshinov e a filosofia da linguagem e a filosofia moral de Bakhtin. Voloshinov, como o mostrou Gonçalves (1981), propôs o que se poderia chamar de análise sintática discursiva, ou análise enuncia-tiva de formas de citação do discurso de outrem.

Como se sabe, essa obra de Voloshinov abarca um amplo espectro de elementos relativos a uma maneira ma-terialista dialética de pensar a linguagem. Tal como estão organizados, os capítulos oferecem uma visão integrada

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da concepção de Voloshinov nela exposta, cada qual abor-dando mais concentradamente um dado aspecto dela. Há capítulos sobre a concepção de signo ideológico (que res-significa a proposta de Saussure); a concepção de interação verbal (bem mais ampla que outras concepções circulan-tes); a questão da definição de, e das inter-relações entre, língua, fala e enunciação (que também reformula propostas de Saussure e propõe um – então – novo objeto de estudo, a enunciação); as relações entre signo (não saussuriano), ide-ologia (para além do marxismo vulgar) e consciência (não psicofisiológica nem estritamente psicológica).

São abordadas ainda a crítica de Voloshinov às con-cepções que veem no código ou no falante o locus da lin-guagem (crítica que, não anulando sua validade do ponto de vista de quem as propôs, mostra a parcialidade de ver a língua como sistema ou o sujeito como agente enquanto a instância decisiva do sentido, perdendo de vista que: (1) língua e sujeito existem como partes do processo mais am-plo da linguagem e (2) esse processo cria sentidos nas situa-ções de uso, situadas, contextuais, tomando as significações da língua como um de seus componentes); a questão mais ampla da produção – ou instauração – de sentidos (que engloba as propostas antes aludidas); questões vinculadas com a identificação, em atuações verbais (ou atos verbais situados), das fronteiras entre parceiros da interação (no sentido amplo que o termo tem para o Círculo); e a concep-ção dialógica em geral (concepção radical, uma vez que vai além do formalmente observável e toca a rede infinita da instauração de sentidos jamais realizados).

Destaco que este livro constitui uma excelente obra di-dática (em vez de um mero comentário erudito ou de espe-culações sutis sem lastro no concreto), uma obra que pode ser usada para promover leituras sistemáticas em busca de uma melhor compreensão de Marxismo e Filosofia da Lin-

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guagem e, a partir disso, de suas relações com outras obras do Círculo. Hoje, tanto em cursos de graduação como de pós--graduação lato sensu e em mestrados e doutorados, quem estuda a linguagem não pode prescindir do conhecimento das propostas do que Bénédicte Vauthier (2010) denominou “CÍRCULO B.M.V. – BAKHTIN, MEDVEDEV, VOLOSHI-NOV”. Da junção entre as propostas desses três teóricos (que vimos buscando; cf., por exemplo, SOBRAL, 2006, 2009) pode nascer uma nova maneira de compreender a concepção dia-lógica de linguagem e sua radicalidade. Não digo com isso que as leituras aqui apresentadas sejam normativas, mas que constituem pontos de partida instigantes para uma explora-ção da radicalidade da concepção dialógica.

Outra característica relevante desses capítulos é que eles nem são isolados nem se pretendem fundados numa grada-ção do mais simples para o mais complexo. Estão organiza-dos segundo os três eixos propostos por Voloshinov na obra abordada e, como bem diz a organizadora, buscam mostrar de que maneiras os respectivos autores aprofundam sua compreensão da obra e, com isso, contribuem para mostrar, a quem se interessa pela análise dialógica do discurso, novas possibilidade de leitura, promovendo assim outros aprofun-damentos, outras ressignificações, que permitam perceber que o Círculo revela já em suas obras aquilo que pretende propor como sua concepção de linguagem e de discurso.

Para designar aquilo que se pode considerar o cerne de todo ato de instauração de sentidos em chave bakhtiniana, numerosos estudiosos usam o termo ressignificação. Para Bakhtin, Voloshinov e Medvedev, entre outros autores rus-sos que vieram a ser considerados membros do chamado “Círculo de Bakhtin” (um círculo que não pertencia a Mi-khail Mikhailovich, mas de que ele foi membro), todo ato de linguagem ressignifica, de um dado ponto de vista, sem-pre valorativo, palavras alheias, palavras de outros, tanto já

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ditas como presumíveis a partir do confronto entre pontos de vista, ou valorações. Assim, todo ato de linguagem res-significa, de acordo com a posição valorativa de seu agente, algo que não foi dito necessariamente por ele, mas que as-sume um acento de valor dependente tanto da “soma” de suas relações sociais como da relação interativa particular em que esse ato é realizado.

Este livro propõe um conjunto de ressignificações que nos impelem a produzir palavras e contrapalavras, propõe leituras situadas de uma dada obra que levaram este pre-fácio a propor uma dada leitura dessas leituras que nasceu do contato com os textos e não de algum presumido antece-dente. Temos aqui um conjunto de textos que constituem (e aqui ressignifico a expressão computação em nuvem) uma nuvem em que cada componente remete a todos os outros, num mosaico “hipertextual” (e não será o dialogismo uma descrição avant la lettre da hipertextualidade?) que ajuda-mos a compor neste nosso prefácio ao remeter, também nós, não apenas a cada um deles, mas igualmente ao que fizeram ressoar em nossa leitura prefaciadora.

Pelotas, 07 de agosto de 2011.

Referências

GONÇALVES, M. S. Elementos para a proposição da noção de interlocutor como categoria linguística. Dissertação de Mestra-do. Campinas, IEL – UNICAMP, 1981.

SOBRAL, A. Elementos sobre a formação de gêneros discursivos: a fase “parasitária” de uma vertente do gênero de auto-ajuda. Tese de Doutorado. São Paulo: LAEL/PUC-SP, 2006.

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______. Do dialogismo ao gênero: as bases do pensamento do Círculo de Bakhtin. Campinas: Mercado de Letras, 2009.

VAUTHIER, B. Auctoridade e tornar-se-autor: nas origens da obra do “Círculo B. M. V.” (Bakhtin, Medvedev, Volo-chinov). In: PAULA, L. de e STAFUZZA, G. (Org). Círculo de Bakhtin – teoria inclassificável. Campinas: Mercado de Letras, 2010.

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INTRODUÇÃO

Polêmica autoria, autorias polêmicas

Maria de Fátima Almeida (UFPB/PROLING)[email protected]

Este livro versa sobre questionamentos e discussões do Marxismo e Filosofia da Linguagem, com o objetivo de explorar possibilidades de leitura dos principais concei-tos com que Bakhtin/Volochínov apresenta a difícil pro-blemática filosófica da linguagem humana. Nessa obra, esse filósofo associa o seu pensamento à dialética e alia--se a um mundo sempre em processo, não se submetendo a uma forma fixa e imutável. Reler, compreender, ques-tionar o texto é retomar a discussão bakhtiniana sobre a linguagem e a sua contribuição para a Linguística. As concepções da filosofia da linguagem bakhtiniana (e do círculo) não só continuam atuais, mas ainda circulam en-tre os estudiosos de diferentes áreas do conhecimento.

A organização metodológica não segue a sequência dos capítulos do livro Marxismo e Filosofia da Linguagem, mas uma lógica temática, mostrando mais uma vez o inacabamento e a liberdade em que os autores destes artigos se pautam e buscam, fundamentalmente, compreender a linguagem humana. Em cada texto, encontraremos uma reflexão, fruto das inquietações da

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leitura ou da contrapalavra dos leitores no processo de interlocução.

O tom e o tema abordados nas três partes do Marxismo e Filosofia da Linguagem, na visão desses leitores, estão distribuídos de modo a se compreender a discussão do signo ideológico como elemento refratário da realidade que se mantém na história e transforma-se no processo interativo verbo-social. As reflexões deixam entrever as inquietações dos autores sobre a importância da definição de uma psicologia objetiva do corpo social para a linguística com base na natureza do signo ideológico.

Nas considerações sobre o pensamento filosófico-linguístico, surgem os questionamentos a partir de duas tendências da tradição da linguística, enquanto ciência, o subjetivismo idealista de Humboldt e Vossler e o objetivismo abstrato de Saussure com base nas orientações do pensamento marxista da linguagem. A interação verbal e a enunciação são as grandes contribuições de Bakhtin/Volochínov para os estudos linguísticos e renovam os acentos apreciativos que ressignificam as leituras realizadas.

Enfim, em Marxismo e Filosofia da Linguagem, são lançados os fundamentos “Para uma história das formas da enunciação nas construções sintáticas: tentativa de aplicação do método sociológico aos problemas sintáticos. Bakhtin/Volochínov esboça uma orientação sociológica em linguística, para tratar do fenômeno de transmissão da palavra de outrem, delimitando como fronteira o fenômeno social da interação verbal em seu todo, realizada por meio das enunciações.

Optamos recortar para esta introdução o que ainda é motivo de polêmica entre os pesquisadores e estudiosos de Bakhtin e de seu Círculo, que é a autoria da obra em questão. Apontamos algumas discussões que permitem visualizar uma tomada de posição pelos interlocutores.

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A polêmica da autoria de Marxismo e Filosofia da Linguagem e de outros trabalhos do Círculo

Em entrevista concedida ao estudioso de literatura da Universidade de Moscou, Viktor Duvakin, no ano de 1973, num determinado momento da conversa e sem nem mes-mo ser interpelado exatamente sobre a questão, o próprio Bakhtin diz: “Volochinov... é autor do livro Marxismo e Fi-losofia da Linguagem, livro que, digamos, atribuem a mim” (BAKHTIN e DUVAKIN, [1973] 2008, p. 80). Entretanto, não se pode dizer que essa afirmação na ocasião dessa con-versa resolva definitivamente a questão do autor efetivo de Marxismo e Filosofia da Linguagem, pois os próprios organi-zadores das notas explicativas dessa entrevista anotam so-bre a questão que “a participação de Bakhtin como autor destes trabalhos [falando também de O freudismo e de uma série de ensaios assinados por Volochínov] é confirmada por muitos testemunhos e pode ser reconhecida sem dú-vida, mas permanece aberta a questão da forma e do nível dessa participação” (Idem, p. 290). Sabe-se que Bakhtin não era uma pessoa ambiciosa e, mesmo enfermo, mantinha ati-va produção intelectual. Em Clark e Holquist (2008, p, 174) lemos que “a explicação que deu a Iudina sobre o motivo pelo qual publicara aqueles textos sob o nome de seus ami-gos incluiu a afirmação: ‘Nós éramos amigos. Discutíamos coisas. Mas eles tinham empregos, enquanto eu tinha tem-po para escrever’”.

Em edição argentina, por exemplo, Marxismo e Filosofia da Linguagem recebeu o título de El signo ideológico y la filo-sofia del lenguaje (VOLOSHINOV, [1929] 1976), aparecendo como autor somente Valentín N. Voloshinov. No Brasil, a autoria de Marxismo e filosofia da linguagem aparece como sendo de Bakhtin, mas entre parênteses – à semelhança de um pseudônimo ou de um heterônimo – o nome de Vo-

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lochínov. Todavia, nesta introdução, queremos deixar cla-ro – independentemente de não se ter um posicionamento ainda resolvido acerca da questão da autoria individual ou conjunta de Marxismo e Filosofia da Linguagem (de 1929) e também de O freudismo (de 1927), bem como de outros en-saios, tal como Discurso na vida e discurso na arte (de 1926) – não restar dúvida que: (I) essas obras sejam do primeiro Círculo de Bakhtin (do período desde os anos 20, sobretudo, em Leningrado. Primeiro Círculo este que reunia Bakhtin, Volochínov, Medvedev, Iudina, Pumpianski e Kanaev, en-tre outros); (II) possuem “indubitável participação [...] por parte de Bakhtin” (BAKHTIN e DUVAKIN, [1973] 2008, p. 290), e isso é o que nos interessa mais.

Não nos é dada a condição de responder definitiva-mente acerca das reais razões que levaram Bakhtin a não assinar esses trabalhos, apesar da sua clara participação neles como autor ou colaborador. Entretanto, no prefácio da edição brasileira de Marxismo e Filosofia da Linguagem, o grande linguista russo Roman Jakobson apresenta sua ex-plicação dizendo que “Bakhtin recusava-se a fazer conces-sões à fraseologia da época e a certos dogmas impostos aos autores” (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, [1929] 2009, p. 9). As perseguições políticas, condenação e exílio a que Bakhtin foi submetido na União Soviética desde os anos 20 – por supostamente ser “membro ‘de uma organização ilegal antissoviética de intelectuais de direita’, que teria existido por alguns anos em Leningrado sob o nome de ‘Voskrese-nie’ [Ressurreição]” (BAKHTIN e DUVAKIN, [1973] 2008, p. 292) – podem sim ter também contribuído para seu si-lenciamento/esquecimento por vários anos na Rússia, bem como podem ter sido parte do motivo pelo qual seu nome não apareceu como autor de alguns trabalhos do Círcu-lo, ainda conforme Jakobson (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, [1929] 2009, p. 9). Marina Yaguello, na introdução de Mar-

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xismo e Filosofia da Linguagem da edição brasileira – lem-brando também a obra O método formalista aplicado à crítica literária: introdução crítica à poética sociológica (ainda não tra-duzido para o português), publicada em 1928 e assinada por Medvedev, mas sendo muito provavelmente de autoria de Bakhtin –, cogita ainda que “outra ordem de motivos seria mais pessoal e ligada ao caráter de Bakhtin, ao seu gosto pela máscara e pelo desdobramento e também, pare-ce, à sua profunda modéstia científica. Ele teria professado que um pensamento verdadeiramente inovador não tem necessidade, para assegurar sua duração, de ser assinado por seu autor” (BAKHTIN /VOLOCHÍNOV, [1929] 2009, p. 12). Quando, enfim, nos artigos deste livro, falando da au-toria de Marxismo e Filosofia da Linguagem, citarmos apenas Bakhtin, não é por descrédito a Volochínov ou aos outros integrantes do Círculo, mas pela simples referência à auto-ria anotada na edição brasileira.

Mais do que as querelas acerca da autoria, interessam--nos as ideias ainda atuais e pertinentes (e sem dúvida ne-nhuma marcadamente bakhtinianas) de Marxismo e Filosofia da Linguagem, ou, como diz Cunha (2011, p. 117), “o desafio é ir além do já-dito e mostrar o caráter heurístico das pro-postas de Bakhtin e Volochínov”.

A questão da tradução de Marxismo e Filosofia da Linguagem e de outros trabalhos do Círculo

Para aqueles que querem desvalorizar ou desmoralizar as traduções das obras do Círculo de Bakhtin, responde-mos – com um certo tom rabelaisiano – que o russo não é o indoeuropeu, nem a Rússia é o território dos arianos, nem o século XX é a pré-história... ou seja, existem sim boas e confiáveis traduções, assim como excelentes pesquisas e

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estudos sobre o Marxismo e Filosofia da Linguagem, sobre ou-tras obras do Círculo e também sobre o contexto em que foram produzidas.

Alguns comentários dos críticos e dos avessos a Bakhtin e/ou às obras do Círculo citam o fato de algumas traduções terem sido feitas primeiramente do russo para o inglês, francês ou alemão e destas para o português, que-rendo com isso desqualificar esses trabalhos. Contra isso, gostaríamos de lembrar as cuidadosas traduções diretas do russo que já existem (por exemplo, as de Paulo Bezerra) e a própria vantagem de se ter várias traduções em línguas diferentes, que possibilitam comparar e ampliar as discus-sões acerca de acepções e sentidos que alguns termos e/ou conceitos ganham em outras línguas.

A questão do título e do subtítulo de Marxismo e Filosofia da Linguagem e da sua relação com outras obras do Círculo

O título Marxismo e Filosofia da Linguagem e o subtítulo Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da lin-guagem podem sugerir a apressada e reducionista filiação de Bakhtin a um marxismo partidarista ou mesmo a uma filosofia política. Entretanto, essas questões devem ser le-vadas em conta observando que a filosofia da linguagem do Círculo de Bakhtin não é restritamente reduzida a Mar-xismo e Filosofia da Linguagem, que, aliás, vai bem mais além de uma temática exclusivamente marxista, pois concebe a filosofia da linguagem como filosofia do signo ideológi-co, mas também “aborda, ao mesmo tempo, praticamente todos os domínios das ciências humanas, por exemplo, a psicologia cognitiva, a etnologia, a pedagogia das línguas, a comunicação, a estilística, a crítica literária e coloca, de

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passagem, os fundamentos da semiologia moderna”, como lembra Marina Yaguello (BAKHTIN (VOLOCHÍNOV), [1929] 2009, p. 13).

Além disso, a filosofia da linguagem do Círculo de Bakhtin está dispersa em toda sua produção ao longo dos anos, ela não se reduz a um livro. Também deve ser leva-da em conta que um estudo mais aprofundado da vida e da produção de Bakhtin revela que ele próprio não se inte-ressar tanto por marxismo, e que muitas vezes deparamos com um Bakhtin, para muitos, desconhecido: um pensador, amante da poesia e interessado por espiritualidade.

Algumas questões apresentadas e/ou discutidas em Marxismo e Filosofia da Linguagem aparecem também tra-tadas em outras obras do Círculo. É o caso dos temas da consciência, do psiquismo e da ideologia, que são mais de-talhados em O freudismo: um esboço crítico; é o caso do tema dos gêneros e da alteridade, tratado com mais demora em Estética da criação verbal; é o caso do tema da entoação tam-bém detalhada em Discurso na vida e discurso na arte; é o caso dos conceitos de dialogismo e polifonia, tão bem abordados em Problemas da poética de Dostoiévski, etc. Na verdade, ne-nhum assunto será definitivamente desenvolvido e conclu-ído num só livro: em Bakhtin – parece que intencionalmen-te – somente no diálogo e na interação entre as várias vozes dos textos do Círculo é que os conceitos e as concepções vão se mostrando e se construindo: nada estará didaticamente apresentado ou separado.

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REFERÊNCIAS

BAKHTIN, M. M./VOLOCHÍNOV, V. N. [1929]. Marxismo e filosofia da linguagem. 13. ed. Trad. M. Lahud e Y. F. Vieira. São Paulo: Hucitec, 2009.

BAKHTIN, M. M. e DUVAKIN, Viktor. [Original de 1973]. Mikhail Bakhtin em diálogo – conversas de 1973 com Viktor Duvakin. São Carlos: Pedro e João Editores, 2008.

CLARK, Katerina; HOLQUIST, Michael. [1984]. Mikhail Bakhtin. Tradução J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 2008.

CUNHA, D. A. C. Formas de presença do outro na circulação dos discursos. Bakhtiniana, São Paulo, v. 1, n.5, 1º semestre 2011 p. 116-132.

VOLOSHINOV, Valentín N. [1929]. El signo ideológico y la filosofia del lenguaje. Traducción del ruso de Ladislav Ma-tieyka e I. R. Titunik; traducción del inglés de Rosa María Rússovich. Buenos Aires: Nueva Visión, 1976.

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O SIGNO IDEOLÓGICO NA FILOSOFIAMARXISTA DA LINGUAGEM

Rivaldete Maria Oliveira da Silva (UFPB/PROLING/UNIPÊ)[email protected]

Introdução

A concepção de linguagem fundamentada nas bases marxistas, proposta por Bakhtin/Volochínov (2009), tem sido objeto de estudo dos que se debruçam sobre a sua obra, buscando diretrizes metodológicas para compreen-são do signo ideológico, enquanto elemento constitutivo da consciência humana, instrumento de interação verbal que se realiza pelos sentidos do discurso e pelas suas formas de produção.

Com o objetivo de realizar uma abordagem investigati-va sobre a concepção de signo ideológico determinado pe-las estruturas sociais, presente na teoria marxista da lingua-gem, torna-se necessário discorrer sobre alguns elementos determinantes para construção desse signo, enquanto re-alidade da língua, como consciência, palavra, ideologia e psicologia do corpo social.

Este fenômeno do mundo exterior, o signo ideológico, de ve ser concebido a partir de um sujeito, que se constitui na e pela linguagem, num processo de interação determi-nado pelo momento sócio-histórico formador de condutas

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humanas. Esta visão do signo veiculada à consciência in-dividual desconstrói a ideia do sujeito idealista, que tem como realidade da língua a enunciação monológica e refuta os princípios do objetivismo abstrato, que entende a língua como um sistema abstrato de normas linguísticas determi-nadas.

Desse modo, o autor define as relações sociais como o eixo de seus pressupostos teóricos e evidencia que o signo e a situação social estão indissoluvelmente interligados. Essa reflexão determina que toda palavra implica ideologia, segue os atos de compreensão e interpretação da vida hu-mana, preenche qualquer função ideológica, seja de ordem estética, científica ou moral, permitindo ao homem consti-tuir-se em permanente relação com o outro, ser visto como um ser inacabado, estabelecido no processo dialógico.

Situando este signo ideológico como elo contínuo da passagem entre a organização socioeconômica (infraestru-tura) e os sistemas ideológicos (superestruturas), são perti-nentes as reflexões de Miotello (2010) e de Stella (2010) para um questionamento do termo tomado, neste estudo, como elemento que reflete e refrata toda realidade social.

Esta pesquisa, ao analisar a noção de signo para os do-mínios de uma filosofia da linguagem, fundamentando-se nos capítulos iniciais de Marxismo e filosofia da linguagem, tem a preocupação de relacionar aspectos teóricos já estabeleci-dos em fontes bibliográficas, a fim de aprofundar, de forma mais específica, a filosofia do signo ideológico na perspectiva interacionista da linguagem, estimulando novas investidas, para que outros questionamentos sejam encontrados.

1. Por uma filosofia do signo

A proposta para a criação de uma filosofia marxista da linguagem coloca o signo como um instrumento ideológico

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exterior à consciência individual, discute o lugar da lingua-gem na relação entre as infraestruturas e as superestruturas e busca uma síntese dialética para estes fenômenos situa-dos em planos diferentes por meio dos atos enunciativos nos mais diversos domínios da organização social.

Visando a estabelecer um paralelo entre a evolução da sociedade e a evolução do signo numa perspectiva semi-ótica, Bakhtin/Volochínov (2009) procura estabelecer uma definição para a realidade dos fenômenos ideológicos de forma diferenciada das teorias da época, afirmando que todo fenômeno funciona como signo ideológico por meio de uma encarnação material, seja como um som, massa físi-ca, cor, movimento ou outra materialidade qualquer.

Com isso, o autor quebra a linha de pensamento de al-guns teóricos, inclusive marxistas tradicionais que vêem a infraestrutura sufocada pela ideologia dominante e insere a questão numa discussão filosófica de caráter dialético, fun-damentada na consciência, constituída de signos, em opo-sição ao idealismo e ao psicologismo cultural, que não situ-am o fato da compreensão como uma resposta a um signo por meio de outro signo, antes apontam a ideologia como um fato de consciência.

Nas considerações de Miotello (2010, p. 167),

A queixa inicial era de que a produção teórica marxista, até aquele momento, não havia colocado o problema do estu-do da ideologia no lugar certo, e o tinha tratado de forma mecanicista, ou seja, [...] os teóricos marxistas procuravam estabelecer uma ligação direta entre acontecimentos nas es-truturas socioeconômicas e sua repercussão nas superestru-turas ideológicas.

Dessa forma, a proposta filosófica da época esquecia que, ao lado de todo instrumento de produção e dos produ-tos de consumo, existe um outro universo, o universo dos sig-

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nos, instalados na enunciação concreta da linguagem. Dada essa particularidade, todo corpo físico que passa a ter um significado exterior à sua natureza, tem a função de signo ideológico, não só por refletir uma realidade material, mas também por refratar essa ou outra realidade.

A consciência, neste contexto, “adquire forma e existên-cia nos signos criados por um grupo organizado no curso de suas relações sociais” (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2009, p. 36). Ela não se compõe de substância pura ou transcen-dental, situada acima da existência, mas de um conteúdo ideológico, o signo, única matéria de seu desenvolvimento.

Na consciência, não reside uma alma, personalidade, organismo biológico ou ideologia, instalam-se signos cons-truídos a partir da linguagem, dotados de ideologia, mate-rializados na comunicação ideológica, na interação semiótica (discursiva) de um grupo social. “Assim, a consciência não é o ponto de partida, mas sim pontos de estadas momen-tâneas, incessante e ativamente instabilizadas pela ação res-ponsável (Geraldi, 2010, p 289).” Ação de um sujeito ativo, respondente, datado, constituído na comunicação verbal.

Por este ângulo, a consciência deve ser entendida como uma realidade que se estabelece no contexto ideológico, na palavra, no ato responsável do dizer. Tudo nela se dispõe à interpretação, mesmo que esteja revestida do discurso in-terior. Suas origens provêm das relações de produção e da estrutura sócio-política, constituindo-se a partir de grupos socialmente organizados. Qualquer mudança nesses gru-pos provoca deslocamentos, interfere no meio onde reside a consciência, suscita uma mudança de signo.

A ideologia não é algo exterior ao semiótico, mas intrín-seco a ele. Em todo domínio da comunicação onde o signo se encontra, coincide também um domínio ideológico. As relações sociais determinam a compreensão por meio de uma cadeia ideológica onde os sujeitos se inter-relacionam

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deslocando-se de um signo a um novo signo, constituin-do um elo permanente, sem interrupção, que se estende de uma consciência individual a outra consciência individual, impregnando-as de conteúdo ideológico. Por esta perspec-tiva, só se pode entender essa consciência individual como um fato sócio-ideológico, como um processo de diálogo per-manente entre os homens.

Refletindo as condições da vida material da socieda-de e os interesses de uma ou outra classe, a ideologia, por sua vez, trata do desenvolvimento social. Este processo de desenvolvimento precede de estratos da infraestrutura e toma forma nas superestruturas, movimento que não pode ser esclarecido senão pelo estudo do material verbal, pelas relações sígnicas, dentro de uma realidade em transforma-ção, que usa a palavra em todas as suas possibilidades sig-nificativas. Só dessa maneira, os procedimentos linguísticos dão conta da completude da enunciação.

Debruçando-se sobre esta questão, Bakhtin/Volochí-nov (2009, p. 42-43) assevera que

o que chamamos de psicologia do corpo social e que consti-tui, segundo a teoria de Plekhánov e da maioria dos marxis-tas, uma espécie de elo de ligação entre a estrutura sócio-po-lítica e a ideologia no sentido estrito do termo (ciência, arte etc.), realiza-se, materializa-se, sob a forma de interação ver-bal. Se considerada fora deste processo real de comunicação e de interação verbal (ou, mais genericamente, semiótica), a psicologia do corpo social se transforma num conceito me-tafísico ou mítico (a ‘alma coletiva’, ‘o inconsciente coletivo’, ‘o espírito do povo’ etc.).

Cria-se, assim, a diretriz epistemológica dos estudos bakhtinianos para o sentido dialógico da linguagem, fun-dada na análise dialética das relações entre a ideologia ofi-cial e a ideologia do cotidiano. Esta postura do autor parte

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do conceito da ideologia marxista, no entanto distancia-se da sua forma mecânica de relacionamento, onde qualquer mudança em uma base se reflete imediatamente em outra. Para ele, toda mudança só se realiza na interação verbal.

Nessa inter-relação, o signo mantém-se na história, transforma-se na interação verbal e carrega todos os modos de interpretar a realidade. De um lado, ele se constitui da oficialidade dos sistemas organizados e, de outro, transpor-ta em si a necessidade de reorganização a partir do contato com outros signos nas relações sociais.

Todas as relações humanas sofrem as influências ideo-lógicas de um determinado contexto social, seja ele de estra-to superior ou inferior. Neste jogo múltiplo e ininterrupto, o que torna o signo ideológico vivo e dinâmico faz também dele um instrumento de refração e de deformação do ser. A força ideologizante presente no signo serve de arma para interesses específicos desta ou daquela classe social.

Nesta perspectiva, o interesse metodológico desse pro-cesso centraliza-se no socioideológico e determina a ideolo-gia do cotidiano ou psicologia social, como espaço da comuni-cação da vida cotidiana que, pela sua intensa mobilidade, promove a instabilidade na ideologia oficial e torna-se a base de toda construção ideológica.

A psicologia social não se encontra no interior, na indi-vidualidade, mas no exterior, no ato, no gesto, na imagem, nas situações, na palavra, nos mais diversos aspectos da enunciação. Em outros termos, o que realmente se impõe é a importância do signo como alimento da consciência, como instrumento da comunicação ideológica expressa num ma-terial semiótico.

Depreende-se desta questão, a necessidade de “[...] pesquisar as formas materiais precisas da expressão da psi-cologia do corpo social” (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2009, p. 44) de dar fundamento a suas diferentes manifestações

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vez que a sua materialização acontece na palavra, onde se engenham o conteúdo temático e a forma verbal materiali-zada, ou seja a organização do discurso.

Assim, os temas e as formas da criação ideológica cres-cem juntos e constituem no fundo as duas facetas de uma e só mesma coisa. Este processo de integração da realida-de na ideologia, o nascimento dos temas e das formas, se tornam mais facilmente observáveis no plano da palavra (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2009, p. 47).

Estudar a tipologia destas formas representa o ponto--chave da teoria marxista da linguagem para que se com-preenda a relação recíproca entre a infraestrutura e a supe-restrutura pelos atos concretos da língua.

2. A palavra como signo ideológico

Preocupada com uma visão de sujeito consciente, situ-ado na interação verbal, a concepção linguístico-filosófica bakhtiniana toma a palavra como recurso maior e material primeiro da comunicação discursiva. Este sujeito, vivencia-do no diálogo do eu com o outro, tece uma realidade viva, abrangente e multifacetada, abrindo caminhos em todos os domínios das relações sociais e engenhando novas formas de enunciação.

O diálogo contínuo, presente em todos os dizeres pos-síveis, situa a palavra, em primeiro lugar, numa pequena temporalidade, onde a comunicação se realiza em uma situação determinada, num momento imediato, próximo às posturas teóricas atuais ou, em segundo plano, numa grande temporalidade, em que as palavras constroem um grande diálogo sem limites, dentro e fora, antes e depois de qualquer teorização, sem passado e de futuro ilimita-do, formando um tecido em permanente movimento, que

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retoma cada signo rememorado e renascido na cadeia da comunicação.

Por esta dimensão, a palavra apresenta particularida-des que são fundamentais para a sua compreensão de uso no plano das ideologias. Bakhtin/Volochínov (2009) discor-re sobre tais instrumentos, definindo-os como pureza semi-ótica, neutralidade ideológica, implicação na comunicação humana ordinária, possibilidade de interiorização e, final-mente, presença obrigatória, como fenômeno acompanhan-te em todo ato consciente.

Em Estética da criação verbal (2000) a questão do termo palavra é retomada na enunciação. Isto significa que as pa-lavras emitidas, no discurso, organizam-se dentro de um gênero selecionado pelo locutor, de forma que atenda às suas necessidades comunicativas.

Reafirmando essas posições teóricas, verifica-se que a palavra em sua pureza semiótica adquire a capacidade de circular como signo ideológico. Esta capacidade decorre de seus traços mais ou menos efetivos de significação, dos possíveis sentidos dicionarizados e das possibilidades de se fazer circular em várias esferas ideológicas. São tão diver-sas as variações de uso de uma determinada palavra que se torna quase impossível precisar seu funcionamento. Sua concretização só ocorre com a inclusão no contexto social real. O sentido da palavra é determinado pelo seu contexto.

Os contextos possíveis de uma única palavra são fre-quentemente opostos. Dessa forma, todo contexto põe o lo-cutor e interlocutor frente a frente com o mundo tal qual idealizado e construído por eles, quer seja nos seus aspec-tos perversos ou estigmatizados, quer seja na sua dimensão crítica e transformadora da ordem estabelecida.

Em sua possibilidade de interiorização, a palavra repre-senta o único meio de o sujeito se relacionar com o interior (consciência) e o exterior, pois ambos são constituídos por

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palavras. Para compreender o mundo, esse sujeito confron-ta as palavras da sua consciência com as que circulam no mundo real.

Nos questionamentos de Sobral (2010, p. 24), “O Círcu-lo destaca o sujeito não como um fantoche das relações so-ciais, mas como um agente, um organizador de discursos, responsável por seus atos e responsivo ao outro.” Este enfo-que se centra entre o signo internamente já estabelecido e as variações de sentido que pode adquirir, conforme as ento-ações valorativas determinadas pelo locutor. É o princípio dialógico e constitutivo de todos os dizeres possíveis,

Nesse processo, o locutor trabalha a palavra em seu discurso, levando-a à participação de um ato consciente, de uma escolha negociada dentro de uma realidade comuni-cativa, objetivando entre tantas uma forma de dizer. “O processo de interiorização se dá no embate entre o signo internamente circulante e o externo” (STELLA, 2010, p. 187). Pela consciência, o ser fixa os possíveis significados do signo e transforma-os em produto novo. Este produto só emerge no processo de relação entre indivíduos.

Assim, a palavra se confronta entre os significados já conhecidos e os construídos pela intenção comunicativa do locutor. Por meio dela, o locutor propõe uma compreensão de mundo que já foi incorporada pela consciência e que se concretiza numa experiência exterior. Todas as manifesta-ções de comunicação (pintura, música, rituais do compor-tamento social) passam pela consciência individual para serem compreendidas. Nesta perspectiva, o mundo interior e o mundo exterior encontram-se por meio dos signos cons-tituídos socialmente.

Quanto à sua neutralidade, se todo contexto metodoló-gico se firma numa posição social, ideológica e histórica, a palavra só pode ser neutra, ou a partir de uma possível ambiguidade de tradução, já que o termo, em russo, entre

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outras acepções, possui o sentido de “meio,” “médio,” “co-mum,” funcionando também como advérbio de lugar: “no meio de,” ou referir-se aos estudos formais da linguística, to-mando-a como signo abstrato, instrumento técnico que, ao se reconstituir no ato enunciativo, adquire um valor ideológico.

Diante deste problema de tradução, enfrentam-se con-sequências para a identificação dos conceitos pela forma assistemática como os textos foram traduzidos para o por-tuguês, às vezes não mais do russo, mas do francês ou in-glês, surgindo variações de alguns termos de um livro para outro ou, então, pela dispersão das definições desses ter-mos que se espalham ou evoluem pelos estudos realizados sobre o Círculo.

No caso do vocábulo palavra:

Esse termo possui um duplo significado em sua língua ori-ginal. Ou seja, em russo, o termo palavra não somente tem uma correspondência direta com o termo palavra em portu-guês, mas também possui correspondência com outro termo que é discurso (STELLA, 2010, p. 183).

Na perspectiva deste autor, a palavra pode representar tanto o nível gramatical e linguístico do termo quanto seu nível discursivo, que assume vários sentidos e enfoques, conforme as atividades de estudo da ciência da linguagem. Cabe, nesse contexto, conceber palavra como signos ideoló-gicos absorvidos pela consciência humana, transformados e reconstituídos no circuito da interação verbal.

A neutralidade, assim entendida, é palavra vista de for-ma descontextualizada, desprovida da noção de ideologia, mas que pode assumir qualquer função ideológica a partir de seu uso, a partir do momento que recebe, no enuncia-do, uma nova carga significativa. Portanto, na condição de signo neutro, toda palavra representa formas ideológicas específicas dos domínios já emitidos.

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O sentido da palavra só se completa, na medida em que a compreensão se faz ativamente, em forma de réplica ao que foi dito. Essa atitude responsiva representa a pos-sibilidade de compreensão, a via em que se coloca o locu-tor diante de uma forma de diálogo, opondo sua palavra a uma contrapalavra. Isto garante a multiplicidade de sen-tidos da palavra e evidencia esta questão da compreensão na ininterrupta cadeia da comunicação verbal, que traz em seus elos – os enunciados – a voz do outro, a voz de outrem como constitutiva da voz de cada locutor. Essa relação con-tínua leva em conta como se assimilam as palavras alheias, como são criadas constitutivamente as respostas contextu-ais e como as práticas sociais influenciam nossos modos de interação, pois

tanto é verdade que a palavra penetra literalmente em to-das as relações entre indivíduos, nas relações de colabora-ção, nas de base ideológica, nos encontros fortuitos da vida cotidiana, nas relações de caráter político, etc. As palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos os do-mínios (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2009, p. 42).

Dialógica por natureza, a palavra segue os atos de com-preensão e interpretação da vida humana. Concretiza-se como signo ideológico no fluxo da interação verbal, ganha diferentes significados de acordo com o contexto em que está inserida e revela um espaço em que os valores funda-mentais de uma dada sociedade se explicitam e se confron-tam. A realidade (infraestrutura) determina a ideologia. É o ser se refletindo e se refratando no ideológico pelos inte-resses sociais.

Em sociedades complexas que vivem constantes mu-danças, que trazem, na sua história, severos conflitos, al-gumas palavras, por sua prática semiótica, carregam fortes

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traços ideológicos. Aqui, faz-se necessário lembrar algumas situações conflituosas do cenário brasileiro em que deter-minadas posturas políticas levam o homem a interiorizar termos como regime, liberdade, exílio de uma forma muito mais ampla em sua significação.

A partir desta ligação estreita entre a compreensão situa-da na atividade mental e a situação social, cada signo passa a ser utilizado, levando-se em consideração sua história e suas diferentes orientações ideológicas. É desse processo que se tem a sua sobrevivência como signo vinculado à ideologia do cotidiano, inserido nas diversas esferas de comunicação.

Por este vínculo advém a capacidade da palavra de sig-nificar, de constituir-se na enunciação. “A realidade toda da palavra é absorvida por sua função de signo. A palavra não comporta nada que não esteja ligado a essa função, nada que não tenha sido gerado por ela. A palavra é o modo mais puro e sensível de relação social” (BAKHTIN/VOLOCHÍ-NOV, 2009, p. 36).

Nesse sentido, o signo é tido como um fragmento mate-rial da realidade que a refrata, como veículo da ideologia e, principalmente, como causa e efeito dos confrontos sociais. A consciência constitui-se de signos que entrelaçam signos sem interrupção, formando uma rede ideológica estabiliza-da nas formas de compreensão da realidade sócio-histórica.

Para o mestre russo, a orientação do pensamento filo-sófico-linguístico não está nem no subjetivismo idealista ro-mântico nem no objetivismo abstrato estruturalista, já que o primeiro se fundamenta na enunciação monológica da língua, no ato puramente individual como uma expressão da consciência, enquanto o outro, pensado por Saussure, considera a língua como um sistema abstrato de formas lin-guísticas, um produto acabado, existente na coletividade, pronto para ser usado por cada indivíduo, mas não pode ser modificado por um único indivíduo conscientemente.

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A partir desta crítica epistemológica, surge o método sociológico marxista, pensa-se a apreensão da linguagem em sua realidade viva, empregando à língua um caráter verdadeiramente social, carregado de ideologia, história e vivências cotidianas. Isso significa que a linguagem não é um dom inato, uma expressão do pensamento nem um meio, um instrumento capaz de transmitir ao destinatário uma mensagem, mas uma forma de interação social, de diálogo interpessoal, de trabalho coletivo que se realiza dentro das práticas sociais, nos mais diferentes grupos, nos mais diversos e infinitos momentos, em todas as formas de comunicação.

A relação dialógica pressupõe uma língua, mas não existe no interior do sistema linguístico. Assim, não são as palavras, nem as orações – como unidades de língua – as responsáveis pelo significado do enunciado. Este, sempre orientado pela interação social dos participantes da enuncia-ção, compreende tanto a parte verbal quanto a não-verbal de uma dada situação de comunicação concreta e imediata.

Os indivíduos não recebem a língua pronta para ser usada, mas a organiza na enunciação que é de natureza social. Em se tratando de língua estrangeira, ao adquiri-la, a consciência, graças à língua materna, confronta-se com uma língua toda pronta que só lhe resta assimilar. O centro organizador de toda enunciação, de toda expressão não é interior, mas exterior. Está no meio social que envolve o in-divíduo. Desse modo, a enunciação é um puro produto da interação verbal, enquanto a situação social ou o contexto em que se realiza esse processo interativo determina não só o discurso bem como o tema, o estilo e a comunicação.

A linguagem determina a atividade mental, tornando o signo e a enunciação de natureza social, na medida em que a ideologia determina a linguagem. Tudo que é ide-ológico possui um significado. Desse modo, compreender

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um signo consiste em aproximar este signo apreendido de outros já conhecidos, pois “não é a atividade mental que organiza a expressão, mas, ao contrário, é a expressão que organiza a atividade mental, que a modela e determina sua orientação” (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2009, p. 116). Esta é a singularidade da enunciação concreta, inteiramente de-terminada pelas relações sociais.

Em todo ato da fala, a atividade mental subjetiva se dissolve no fato objetivo da enunciação realizada; a pa-lavra enunciada se subjetiva no ato de decodificação. Ela se revela como o produto da interação viva das forças so-ciais. O essencial da tarefa de compreensão não consis-te em reconhecer a forma utilizada, mas compreendê-la num contexto preciso, que é compreender sua significação numa enunciação.

3. Considerações finais

Dessa leitura, entende-se que o autor, pelos seus múl-tiplos interesses, coloca a linguagem no centro da teoria das relações dialógicas para desconstruir a ideia de sujei-to idealista, defender a natureza social do signo e mostrar que todo sujeito responde constitutivamente às condições contextuais de forma que o eu não existe sem o outro nem o outro sem o eu em qualquer situação de comunicação. Todo diálogo presume pelo menos dois falantes, mesmo num monólogo. O locutor tem sempre diante de si um interlocu-tor, ainda que seja um outro eu constituído.

Deduz-se também que o signo veicula ideologia, car-rega volumoso teor histórico e expressa os mais complexos conceitos sociais, ao representar crenças e valores absor-vidos pelas classes dominantes. Essa postura vislumbra a concepção inovadora de que linguagem não é neutra, constitui o fundamento da interação social, representa o campo dos múltiplos sentidos, da polifonia, dos encontros

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e desencontros, de conflitos diversos, enfim a linguagem é constitutiva dos sujeitos sociais em permanente interação verbo-social.

Continuando um ininterrupto debate, infere-se que o signo, na proposta bakhtiniana, representa o eixo principal de uma sociologia do discurso, onde cada interlocutor se apresenta de forma irrestrita e completa na interação ver-bal, bem como oferece amplas possibilidades de sentido para a compreensão do homem e do contexto social.

Referências

BAKHTIN, M.M./ V. N.Volochínov. Marxismo e filosofia da linguagem. Trad. Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 13. ed. São Paulo: Hucitec, 2009.

BAKHTIN, M. M. Os gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. Trad. Maria Ermantina Galvão Gomes Perei-ra. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 276-326.

GERALDI, J. W. Sobre a questão do sujeito. In: PAULA Lu-ciane de; STAFUZZA, Grenissa. (Orgs.). Círculo de Bakhtin: teoria inclassificável. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2010. p. 279-292.

MIOTELLO, Valdemir. Ideologia. In: BRAIT, Beth. (Org.). Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2010. p. 167-176.

SOBRAL, Adail. Ato/atividade e evento. In: BRAIT, Beth. (Org.). Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2010. p. 11-36.

STELLA. Paulo Rogério. Palavra. In: BRAIT, Beth. (Org.). Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2010. p. 177-190.

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A INTERAÇÃO VERBAL: UMA LEITURA DE MARXISMO E FILOSOFIA DA LINGUAGEM DE MIKHAIL BAKHTIN/VOLOCHÍNOV

Telma Cristina Gomes da Silva (UFPB) [email protected] Gregório Pereira de Vasconcelos (UFPB) [email protected]

Danyelle Sousa Morais (UFPB) [email protected]

Introdução

Para Bakhtin/Volochínov a comunicação é um proces-so interativo mais amplo do que a simples transmissão de informações. Isso porque o filosofo concebe a linguagem como interação social. Diante disso, o sujeito, ao produzir um texto, oral ou escrito, deixa nesse texto marcas de sua identidade – sociedade, núcleo familiar, experiências, etc. – como também pistas ao seu interlocutor considerando um determinado contexto social (SOERENSES, 2011).

Isso remete para o nosso objeto de estudo: a interação verbal, cuja concepção por Mikhail Bakhtin e seu Círculo, no início do século XX, em oposição, sobretudo, ao estru-turalismo e à estilística, resultou no que conhecemos hoje, na área dos estudos linguísticos, como a teoria da interação verbal.

Para tratar da construção dessa teoria, este artigo se propõe a discutir sobre as bases dos estudos bakhtiniano a

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fim de compreender o caminho que o filósofo russo per-correu para forma seu pensamento sobre a elocução na linguagem, como também mostrar o quão relevante ainda esse pensamento é para os estudos sobre a linguagem no século XXI.

Assim nos deteremos no capítulo sexto de Marxismo e a Filosofia da Linguagem, no qual é trabalhada a elocução na linguagem. Nesse capítulo Bakhtin/Volochínov ([1929] 2002) contesta as duas orientações teóricas metodológicas que antecedem a sua teoria: o subjetivismo individualista e o objetivismo abstrato. É a partir da crítica a essas orientações que o filósofo caracteriza a chamada interação verbal.

1. A crítica à teoria da expressão do subjetivismo in-dividualista

Em Marxismo e a Filosofia da Linguagem, Bakhtin/Volo-chínov postula as principais hipóteses nas quais as suas obras se baseiam, pois ele trata dos signos nas Ciências Humanas e também do processo de elocução na linguagem. As discussões em torno da elocução na linguagem dão origem à noção de interação, que fora importante para a compreensão das contingências e vicissitudes do debate internalismo x externalismo no campo da Linguística. De acordo com Morato (2004), essas discussões colaboraram para o estabelecimento de uma epistemologia das relações entre a linguagem e a exterioridade.

Essa epistemologia das relações entre a linguagem e a exterioridade é resultante da crítica bakhtiniana às duas orientações do pensamento filosófico da linguagem: a pri-meira orientação, denominada subjetivismo individualista, está ligada ao Romantismo, que representou “uma reação contra a palavra estrangeira e o domínio que ela exerceu sobre as categorias de pensamento” (BAKHTIN/VOLO-

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CHÍNOV, [1929] 2002, p. 110); já a segunda orientação, de-nominada objetivismo abstrato, está ligada ao Racionalismo e ao Neoclassicismo e considera o sistema linguístico um fato objetivo externo à consciência individual e indepen-dente desta. Ao criticar essas duas orientações, conforme cita Morato (2004), o autor russo forjou um construto teó-rico resultante da dicotomia entre o interno (a cognição, a consciência, a vida mental) e o externo (ato de expressão, a enunciação).

Segundo Bakhtin/Volochínov ([1929] 2002, p. 110), os filólogos românticos procuraram reorganizar o debate em linguística sobre a importância da atividade mental em língua materna como meio de desenvolvimento da cons-ciência e do pensamento. Esses desejavam reestruturar a forma de pensar sobre a língua e também que essa forma se mantivesse durante os séculos, porém estava além deles reestruturar a maneira de pensar a língua, por outro lado eles conseguiram introduzir em suas reflexões novas cate-gorias, essas é que caracterizaram a primeira orientação.

Mas, para o estudioso russo, há um problema nes-sa primeira orientação, pois o subjetivismo individualis-ta apoia-se sobre a enunciação monológica – aquela que se apresenta como um ato puramente individual, expressão da consciência individual, gestos, intenções etc. – como ponto de partida de sua reflexão sobre a língua. É certo que essa considera a pessoa que fala na perspectiva da expres-são; por outro lado, também considera que o pensamen-to é estruturado do interior para o exterior quando, para Bakhtin/Volochínov ([1929] 2002), é o exterior que organi-za o que o sujeito social produz, ou melhor, utilizando o termo empregado pelo autor, o que o sujeito expressa. Em outros termos, o autor diz que essa categoria de expressão é uma categoria geral, de nível superior, que engloba o ato de fala, isto é, a própria enunciação, ou seja, é

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tudo aquilo que, tendo se formado e determinado de algu-ma maneira no psiquismo do indivíduo, exterioriza-se ob-jetivamente para outrem com a ajuda de algum código de signos exteriores.A expressão comporta, portanto, duas facetas: o conteúdo (interior) e sua objetivação exterior para outrem (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, [1929] 2002, p.111).

Isso significa que a teoria da expressão está relacio-nada a um dualismo entre o que é exterior, ou seja, a tudo aquilo que é explícito do conteúdo interior – psiquismo individual –, pois como dissemos acima, para os român-ticos todo o ato de expressão procede do interior para o exterior. Eis, aí o que é contestado por Bakhtin/Volochínov ([1929] 2002), porque, essa primeira orientação considera que “tudo que é essencial é interior, o que é exterior só se torna essencial a título de receptáculo do conteúdo inte-rior, de meio de expressão do espírito” (ibidem, 111). En-tão, para os filólogos românticos o exterior constitui ape-nas o material passivo que recebe o que está no interior do individuo e esse, por sua vez, não sofreria nenhuma intervenção do social.

Diante do exposto, Bakhtin/Volochínov ([1929] 2002, p. 112) afirma que a teoria da expressão que fundamenta a “primeira orientação do pensamento filosófico-linguístico é radicalmente falsa”, porque o conteúdo a ser expresso e sua materialização são criados a partir de um único e mesmo material. Em outras palavras, não existe atividade mental sem expressão semiótica, sem a objetivação do que é inte-rior. Consequentemente, o filósofo diz ser “preciso elimi-nar de saída o princípio de uma distinção qualitativa entre o conteúdo interior e a expressão exterior” (idem, ibidem), pois, como diz Morato (2004, p. 323), “a interação é a base da construção do conhecimento e da dupla natureza da lin-guagem (cognitiva e social)”. Ela é a expressão, ou melhor,

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a materialização da atividade mental que modela e deter-mina a sua orientação e não o contrário.

Isso significa que “qualquer que seja o aspecto da ex-pressão-enunciação considerado, ele será determinado pe-las condições reais da enunciação em questão, isto é, antes de tudo pela situação social mais imediata” (BAKHTIN/ VOLOCHÍNOV, [1929] 2002, p.112). Logo, a linguagem é a própria ação, é o ato de incorporar o discurso do outro em circunstâncias concretas de interação social considerando seus elementos constitutivos (MORATO 2004, p. 340).

Daí, segundo os estudiosos da linguagem do Círculo bakhtiniano,

a enunciação é o produto da interação de dois indivíduos socialmente organizados e, mesmo que não haja um inter-locutor real, este pode ser substituído pelo representante médio do grupo social ao qual pertence o locutor. A pala-vra dirige-se a um interlocutor: ela é função da pessoa desse interlocutor: variará se se tratar de uma pessoa do mesmo grupo social ou não, se esta for interior ou superior na hie-rarquia social, se estiver ligada ao locutor por laços sociais mais ou menos estreitos (pai, mãe, marido, etc.). Não pode haver interlocutor abstrato; não teríamos linguagem comum com tal interlocutor, nem no sentido próprio nem no figura-do (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, [1929] 2002, p.112. Itálicos do autor e negritos nossos).

Diante disso, “o interlocutor ideal não pode ultrapassar as fronteiras de uma classe e de uma época bem definidas” (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, [1929] 2002, p. 113). Em outros termos, a palavra é determinada pelo fato de proceder de alguém e ser dirigida a outro alguém. Ela é o produto da in-teração entre o Eu, locutor, e o Outro, interlocutor/ouvinte. Por isso, Bakhtin/Volochínov afirma que toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro. É através dela que

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o eu se constrói e se define em relação ao seu interlocutor. Dessa perspectiva surgiu a metáfora da ponte bakhtiniana, na qual a palavra é vista como uma ponte entre o eu e o(s) outro(s), sendo ela considerada o lugar comum ao locutor e ao interlocutor. Por esse motivo, o autor diz que “a situação e os participantes mais imediatos determinam a forma e o estilo ocasionais da enunciação” (ibidem. p. 114), ou seja, o lo-cutor escolherá os gêneros de acordo com a situação (formal ou informal) e o interlocutor (formal ou informal/íntimo).

Após o exposto podemos ver que o conhecimento não é algo isolado, pelo contrário, o conhecimento é produto das interações sociais e não de uma mente isolada e individual. Daí resulta uma nova teoria bakhtiniana que considera além da teoria linguística também a teoria social e a teoria cogniti-va, pois, as interações, e consequentemente a construção do conhecimento não se dá fora de um contexto social e históri-co mais amplo, visto que o sujeito é um ser social e, por sua vez, a linguagem também se constitui socialmente.

2. A atividade mental e a ideologia do cotidiano

Partindo do pressuposto de que o sujeito e a lingua-gem são sociais, percebemos que, para Bakhtin/Volochínov ([1929] 2002), tanto a tomada da consciência quanto a ela-boração ideológica realizam-se através da atividade mental do eu e da atividade mental do nós.

A primeira modalidade aproxima-se da reação fisioló-gica do animal e, quando está isolada, demonstra uma falta de elo com o aspecto social. Já a outra modalidade de ativi-dade mental é baseada no aspecto coletivo, pois apropria--se de marcas do instituído social.

A partir dessa interação com a coletividade, Bakhtin/Volochínov ([1929] 2002) destaca que surgem certos níveis ou graus de consciência, como podemos observar:

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A diferenciação ideológica, o crescimento do grau de cons-ciência são diretamente proporcionais à firmeza e à estabi-lidade da orientação social. Quanto mais forte, mais bem--organizada e diferenciada for a coletividade no interior da qual o indivíduo se orienta, mais distinto e complexo será o seu mundo interior (BAKHTIN/ VOLOCHÍNOV, [1929] 2002, p.115).

Nesse momento do capítulo Interação Verbal, o autor re-aliza uma metáfora com a fome, abordando a temática na qual todos os tipos de atividade mental geram modelos e formas de enunciações correspondentes. Supõe-se o posi-cionamento de um homem faminto a partir de diferentes classes sociais, sendo o primeiro caso de alguém faminto que está “sem classe” social definida no meio de uma multidão heteróclita de pessoas igualmente famintas; este tenderá ao protesto individualista ou à resignação mística. No segundo caso, encontramos um homem faminto que pertence a uma coletividade, porém os membros desta coletividade estão materialmente isolados (ex.: camponeses), consequentemen-te predominará uma consciência da fome feita de resigna-ção, cada um suporta isoladamente sua fome sem apresentar sentimento de vergonha ou de humilhação. Por fim, o último caso trata-se de um faminto dentro de um contexto de coleti-vidade unida por vínculos materiais objetivos (ex.: soldados, operários etc.), este não dará lugar a resignação, antes partirá para o protesto ativo e seguro de si mesmo.

A conclusão a que chegamos é que, de acordo com o seu grau de consciência, o sujeito tenderá a determinadas reações que determinarão as suas escolhas, de acordo com a sua socialização.

Como ilustração, podemos citar que na sociedade pa-raibana, atualmente, destaca-se um exemplo prático e que repercutiu nacionalmente em trinta de maio do corrente ano, que foi a greve dos professores. O movimento, que

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reivindicava o pagamento do piso nacional, ganhou força diante de um corte salarial após paralisação de trinta e um dias. Os grevistas revoltados com o impasse estabelecido invadiram a sede do governo, na capital João Pessoa, po-rém o movimento foi suspenso por determinação do Minis-tério Público do Estado, que decretou o movimento como sendo ilegal.

Cabe salientar o que realmente nos chama a atenção nesse exemplo: uma mesma categoria (professores) está subdividida em pelo menos outras duas: professores efetivos e professores prestadores de serviço e que, segundo o seu grau de consciência e sua situação social, fizeram escolhas dife-renciadas, as quais determinaram as suas reações. Podemos perceber durante o processo que aqueles que não possuem vínculo empregatício com o Estado – ou seja, professores prestadores de serviços – não se envolveram totalmente com o protesto por medo de perder o seu “emprego”.

Com tal exemplificação, voltamos ao discurso bakhti-niano de que cada indivíduo, dependendo de seu grau de consciência, optará por uma atividade mental específica que determinará suas escolhas e consequentemente reações.

Bakhtin/Volochínov ([1929] 2002, p.116-117) classifica ainda, à parte, a atividade mental para si. Essa

atividade mental individualista é perfeitamente diferen-ciada e definida. O individualismo é uma forma ideológica particular da atividade mental do nós da classe burguesa (...). A atividade mental de tipo individualista caractetiza-se por uma orientação social solida e afirmada. Não é do inte-rior, do mais profundo da personalidade que se tira a con-fiança individualista em si, a consciência do próprio valor, mas do exterior; trata-se da explicitação ideológica do meu status social, da defesa pela lei e por toda a estrutura as so-ciedades de um bastião objetivo, a minha posição econômi-ca individual. A personalidade individual é tão socialmente

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estruturada como a atividade mental de tipo coletiva; a ex-plicitação ideológica de uma situação econômica complexa e estável projeta-se na alma individual.

Essa é uma atividade mental do nós, nela percebemos uma ação conjunta entre o indivíduo e o seu mundo, daí a importância da consciência sobre o cotidiano. Unindo-se à consciência, temos a expressão, que é o produto da intera-ção e, consequentemente, ideologia do cotidiano. Assim, se-gundo o pensamento bakhtiniano, o nosso mundo interior se adapta às possibilidades de nossa expressão, pois

os sistemas ideológicos constituídos da moral social, da ci-ência da arte e da religião cristalizam-se a partir da ideologia do cotidiano, exercem por sua vez sobre esta, em retorno, uma forte influência e dão assim normalmente o tom a essa ideologia (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, [1929] 2002, p. 119).

Analisando o capítulo em questão, vemos que o pensa-mento bakhtiniano apresenta dois níveis para a ideologia do cotidiano, que são: 1º) Inferiores (espaço, tempo, etc); 2º) Superiores (Tema). Para Bakhtin/Volochínov ([1929] 2002), o segundo nível está voltado aos sistemas ideológicos, ten-do um caráter de responsabilidade e de criatividade.

Desse modo, voltando às questões iniciais, percebemos que para o autor “o centro organizador de toda enunciação, de toda expressão, não é interior, mas exterior: está situa-do no meio social que envolve o indivíduo” (BAKHTIN/ VOLOCHÍNOV, [1929] 2002, p. 121). A partir dessa análise, compreenderemos como se dá o diálogo e a enunciação.

3. Evolução da língua e enunciação

Como visto, ao criticar o subjetivismo individualista que considerava a enunciação como algo inerente ao mun-

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do interior do interlocutor e deduzia o conteúdo ideológico a partir do psicologismo individual, Bakhtin/Volochínov ([1929] 2002) esclarece que a estrutura mental do sujeito e a enunciação são de origem social, bem como os processos interativos que constituem toda a cadeia verbal.

Nesse sentido, é importante expor que, como diz Mo-rato (2004, p. 333),

a concepção de interação como constitutiva da natureza dia-lógica da linguagem associa-se a uma ideia de “outro” como interlocutor e como (inter)discurso. (...) o sujeito é interpela-do e reconhecido socialmente por meio dos outros, por meio do discurso dos outros, por meio de discursos outros que constituem seu próprio discurso.

Portanto, percebe-se que o dialogismo, como aspec-to constitutivo do sujeito, possui grande força nas teorias atuais sobre discurso, tendo em vista a heterogeneidade da própria realidade na qual o sujeito se relaciona com o pen-samento e a ideologia dos outros.

A partir desses pressupostos, torna-se evidente a ne-cessidade de abandonar qualquer ideia que considere a for-mação discursiva do sujeito como um processo puramente homogêneo, pois diversos processos dialógicos ocorrem durante a constituição do sujeito.

No entanto, é importante salientar que o sujeito bakhti-niano não é totalmente dominado pelos discursos sociais, haja vista que as inter-relações estabelecidas na interação verbal contribuem para a própria incompletude do ser; o sujeito é considerado, ao mesmo tempo, social e individual. Se não o fosse, teríamos uma negação do próprio conceito de constituição heterogênea discursiva.

Assim, seguindo a visão bakhtiniana, devemos con-siderar o diálogo não apenas como a interação face a face entre indivíduos, mas como algo mais amplo que concerne

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todo tipo de comunicação verbal; porque todo enunciado é dialógico e possui orientação social, já que sempre precede de alguém e se dirige para alguém.

Na esfera das relações sociais, vale ressaltar que texto e enunciado são conceitos independentes, pois, conforme Fiorin (2008, p. 52):

texto é um todo de sentido, marcado pelo acabamento, dado pela possibilidade de admitir uma réplica. Ele tem uma na-tureza dialógica. O enunciado é uma posição assumida por um enunciador, é um sentido. O texto é a manifestação do enunciado, é uma realidade imediata, dotada de materiali-dade, que advém do fato de ser um conjunto de signos.

Com base nessas ideias, vamos refletir sobre como o fenômeno da interação verbal se manifesta no nosso coti-diano. Para tanto, utilizaremos alguns exemplos para ilus-trarmos nossas considerações. Tomemos, inicialmente, o gênero aula para desenvolvermos nossos pensamentos so-bre o referido aspecto. Afinal, como o dialogismo procede na sala de aula?

O diálogo estabelecido entre professor(a) e aluno(a) durante a exposição de algum conteúdo abrange apenas uma das formas da interação verbal. Tomando como base o conceito mais profundo de dialogismo, considera-se que to-dos os argumentos docentes estão relacionados com enun-ciados precedentes sobre o mesmo assunto, a exemplo dos que são apresentados nos livros didáticos ou outros objetos de aprendizagem utilizados para estudo.

Tais enunciados se relacionam, ainda, com os que serão apresentados de forma subsequente pelos alunos, seja du-rante o próprio diálogo com o(a) professor(a) ou durante a realização de exercícios e atividades avaliativas, por exem-plo. Daí a complexidade inerente ao processo interativo em sala de aula: o ponto de chegada nem sempre é definido

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pelo ponto de partida, tendo em vista a amplitude dos pro-cessos dialógicos que ocorrem na constituição discursiva do sujeito.

Observemos, agora, o exemplo apresentado a seguir. Que tipo de texto é esse? Quando o texto foi produzido? Qual o objetivo do autor(a)?

FONTE: FotopticaFigura 1 – Armação

Ao analisarmos as diversas formas de expressão que o texto possui – verbal, imagética, gestual, entre outras –, considerando a constituição dialógica do enunciado e as relações possíveis entre o sentido e a enunciação, é possível interpretar que a palavra ARMAÇÃO se refere ao produto oferecido pela loja de óculos e, ao mesmo tempo, reflete o próprio contexto sócio-político brasileiro vivenciado na época em que o enunciado foi produzido: a manifestação dos “caras pintadas” e o impeachment do Presidente Collor, nos anos 90.

Na obra O Marxismo e Filosofia da Linguagem, Bakhtin/Volochínov ([1929] 2002) afirma que graças a esse vínculo

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concreto com a situação, a comunicação verbal é sempre acompanhada por atos sociais de caráter não verbal, dos quais ela é muitas vezes apenas o complemento, desempenhando um papel meramente auxiliar. Por isso a necessidade de um olhar multimodal durante a leitura de textos.

Assim, o autor em discussão argumenta que a evolução da língua ocorre durante a própria situação verbal (interação). Com isso, ele propõe que as línguas devem ser estudadas por uma metodologia que contemple, inicialmente, as condições em que se realizam as formas e os tipos de interação verbal. Em seguida, propõe a investigação da ligação entre as formas das enunciações e os elementos que as constituem. Por fim, o filósofo diz ser preciso estudar as formas da língua a partir das situações concretas de utilização.

Ele afirma, ainda, que é nessa mesma ordem que decorre a evolução real da língua, tendo em vista que ela não representa um sistema estático, pois tem o papel de atender às diversas necessidades comunicativas dos falantes/usuários nos respectivos contextos sócio-históricos de interação.

Desse modo, Bakhtin/Volochínov ([1929] 2002) argumenta que falta uma abordagem da enunciação em si na linguística contemporânea da sua época, considerando que ela representa a unidade real da cadeia de comunicação verbal, cujas dimensões e estilo são determinados pelo contexto social mais amplo e pelo auditório – sujeitos envolvidos na interação verbal.

Ademais, não é possível analisar as formas da enunciação sem considerar a categoria da expressão como algo social, ao contrário do que defendia o subjetivismo individualista.

4. Considerações finais

Diante do exposto, podemos deduzir que o conheci-mento não se constitui a partir de um pensamento indi-vidual, pois é fruto das interações sociais. Assim surge a

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teoria sociointeracionista que engloba os estudos lin-guísticos, a teoria social e a teoria da cognição, já que as interações e a construção do conhecimento ocorrem em um contexto sócio-histórico mais amplo, considerando a natureza social que constitui o sujeito e a linguagem.

Nessa linha de pensamento, Bakhtin/Volochínov ([1929] 2002) contesta o subjetivismo individualista, pois esse pensamento não dá conta do processo de cons-trução do conhecimento. Até o lado considerado mais individual do sujeito é constituído por meio das inter--relações com outrem.

Para o autor russo, a língua evolui durante o mo-mento de interação verbal. Por esse motivo, segundo ele, o estudo das línguas deve ser contemplado por uma metodologia que considere as condições em que se re-alizam as formas e os tipos de interação verbal a partir de situações concretas de utilização.

É com essa concepção de língua/linguagem que o teórico argumenta em favor da inserção de uma aborda-gem da enunciação na linguística contemporânea à sua época, considerando que ela representa a unidade real da cadeia de comunicação verbal, cujas dimensões e es-tilo são determinados pelo contexto social mais amplo e pelos sujeitos envolvidos na elocução verbal.

Por fim, vale salientar que o discurso “se constrói entre pelo menos dois interlocutores que, por sua vez, são seres sociais; não é individual porque se constrói como um ‘dialogo entre discursos’, ou seja, porque mantém relações com outros discursos” (BARROS, 1996, p. 33). Por isso, Bakhtin/Volochínov ([1929] 2002) concebe o discurso como produto de uma enunciação, isto é, como fruto de um contexto histórico, social, cul-tural etc. e o dialogismo como aspecto constitutivo da linguagem.

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Desse modo, a presente discussão tornou-se impor-tante para refletirmos sobre o pensamento bakhtiniano e suas contribuições para o estudo de situações concretas de comunicação na sociedade atual.

5. Referências

BAKHTIN, M. M. (VOLOCHÍNOV). [1929]. Marxismo e filo-sofia da linguagem. 10. ed. São Paulo: Hucitec, 2002.

BARROS, D. L. P. Contribuição de Bakhtin às teorias do texto e do discurso. In: FARACO, C. A. (org.) Diálogos com Bakhtin. Curitiba: Editora da UFPR, 1996. p. 21-41.

FIORIN, José L. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática, 2008.

MORATO, E. M. O Interacionismo no campo linguístico. In: MUSSALIM, F.; BENTES, A. C. (orgs.) Introdução à lin-guística: fundamentos epistemológicos, vol. 3. São Paulo: Cortez, 2004. p. 31-351.

SOERENSEN, C. A profusão temática em Mikhail Bakhtin: dia-logismo, polifonia e carnavalização. Disponível em: <http://www.unioeste.br/prppg/mestrados/letras/revistas/traves-sias/ed_005/artigos/linguagem/pdfs/A%20PROFUS%C3O.pdf> Acesso em 28/04/2011.

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CONCEPÇÕES BAKHTINIANAS DE LÍNGUA, FALA E ENUNCIAÇÃO

Danielly Vieira Inô Espíndula (UEPB / PROLING-UFPB),[email protected]

Clecio de Araújo Ferreira, (UVA/UNAVIDA / PROLING-UFPB), [email protected]

Introdução

Objetivamos retomar algumas críticas feitas por Bakhtin/Volochínov ao que ele denominou como obje-tivismo abstrato, cujo representante maior é Ferdinand Saussure. Tais críticas se encontram no capítulo 5 do livro Marxismo e Filosofia da Linguagem, de Bakhtin/Volochínov, intitulado “Língua, Fala e Enunciação”.

O objetivismo abstrato foi fortemente criticado por Bakhtin/Volochínov, por encontrar falhas nas famosas dicotomias lín-gua/fala e sincronia/diacronia, uma vez que esse teórico russo valoriza o ato de fala (a enunciação) como algo indissoluvel-mente ligado às condições de comunicação e suas estruturas so-ciais; além de conceber o signo não como algo imutável, neutro, mas, por natureza, vivo, móvel e plurivalente.

Para uma melhor explanação a respeito de tais críticas, partiremos, em um primeiro momento, para uma breve re-tomada das principais dicotomias saussurianas, enfatizan-do os conceitos de língua, fala e signo linguístico.

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1 Breve retomada dos principais conceitos saussurianos

Segundo Wilson e Martelotta (2010), a tentativa de des-vendar a linguagem e seus mistérios não é nada recente, uma vez que isso já vem sendo realizado há milhares de anos. Os antigos hindus, por motivos religiosos, foram le-vados a estudar a sua língua sagrada (o sânscrito), buscan-do o valor e o emprego das palavras, constituindo assim os primeiros passos para a elaboração de uma gramática comparativa. Os gregos e latinos também demonstraram tal preocupação em estudar a linguagem, mas na tentativa de compreender não somente a sua estrutura, mas a sua relação com o mundo, isto é, as relações entre os objetos e os seus nomes.

Até o século XV, aproximadamente, os estudos grama-ticais “do certo e do errado” marcadamente greco-latinos imperavam, mas começou a perder sua importância a par-tir do surgimento de outras concepções de gramática, tais como a orientação lógica da Gramática Geral de Port-Royal e a orientação histórico-comparativa que caracterizou os es-tudos linguísticos do século XIX.

Mas, é no século seguinte, com o Estruturalismo, que a Linguística ganha seu status de ciência, tendo como marco inicial a publicação do Curso de Linguística Geral, de Fer-dinand Saussure, em 1916. Sobre o Estruturalismo linguís-tico, Costa (2010, p.114) explica:

O desenvolvimento da linguística estrutural representa um dos acontecimentos mais significativos do pensamento científico do século XX. Não poderíamos compreender os incontestáveis progressos verificados no quadro das ciên-cias humanas sem compreendermos a elaboração do concei-to de estrutura desenvolvido a partir das investigações do fenômeno da linguagem. Toda geração de pensadores, entre os quais Jacques Lacan, Claude Lévi-Strauss, Louis Althus-

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ser, Roland Barthes, evidencia em suas obras a contribuição pioneira de Ferdinand Saussure relacionada à organização estrutural da linguagem.

Deixando de lado os estudos dos fenômenos linguísti-cos a partir de um ponto de vista histórico, Saussure busca entender o funcionamento das propriedades internas da linguagem (aceita como um conjunto de manifestações que entram em jogo na comunicação linguística) enfatizando seus elementos constitutivos: a língua (entendida como sis-tema de formas) e a fala (o ato da enunciação individual).

Conforme o mestre suíço, a linguagem não pode ser objeto da Linguística porque lhe falta unidade interna e leis independentes e autônomas. A linguagem, desse modo, é multiforme, heterogênea e participa de diversos domínios.

Para Saussure, entretanto, a linguagem deve ser tomada como um objeto duplo, uma vez que o fenômeno linguístico apresenta perpetuamente duas faces que se correspondem e das quais uma não vale senão pela outra. Assim sendo, a lin-guagem tem um lado social, a língua (ou langue, nos termos saussureanos), e um lado individual, a fala (ou parole, nos termos saussureanos), sendo impossível conceber um sem o outro (COSTA, 2010, p. 116).

Para melhor explicar a linguagem como um sistema ar-ticulado, Saussure faz uma analogia ao jogo de xadrez em que o valor de cada peça é instituído no interior do jogo por relações e oposições entre as unidades e não por sua materialidade. As peças podem ser de madeira, plástico, marfim ou de qualquer outro material, isso em nada afeta-rá o sistema e as regras do jogo, basta que cada peça possua seu valor, com suas possibilidades de movimento, como elas se organizam e se distribuem. “A possibilidade de dar-mos andamento ao jogo depende exclusivamente de nossa

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compreensão de como as peças se relacionam entre si, das regras que as governam, da função estabelecida para cada uma delas e em relação às demais” (COSTA, 2010, p. 114).

A partir dessa analogia, Saussure explica que todo in-divíduo falante estabelece comunicação com outro indiví-duo porque conhece as regras que regem o funcionamento de uma determinada língua. A respeito dessas regras, não se tratam de regras normativas, mas de um conhecimento adquirido no social que é internalizado através da relação que mantemos com um grupo de falantes do qual fazemos parte e que começa a se manifestar na fase de aquisição da linguagem. É esse conhecimento adquirido no social que regula o funcionamento das peças que compõem o sistema linguístico.

Ao buscar definir, então, qual seria o objeto da Linguís-tica, Saussure busca distinguir língua (langue) de fala (paro-le), o que nos remete à primeira dicotomia relacionada ao pensamento deste linguista suíço.

1.1 Língua / Fala

Como vimos anteriormente, para Saussure a linguagem é constituída por um lado social (língua) e por um lado indi-vidual (fala) que não podem ser concebidos um sem o outro.

Saussure, em sua teorização, busca distinguir língua de fala. Para ele, a língua é um sistema supraindividual utili-zado como meio de comunicação entre os membros de uma determinada comunidade. Esse sistema de valores que se opõem uns aos outros está depositado como produto so-cial na mente de cada falante de uma comunidade e possui homogeneidade, por isso é o objeto da linguística propria-mente dita. Costa (2010, p.116) explica que, no entendimen-to saussuriano, a língua corresponde à parte essencial da linguagem e constitui um sistema gramatical que é inter-

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nalizado pelos membros de uma comunidade linguística através de um contrato social implícito. Daí decorre a sua natureza social.

A língua, por ser o produto social da linguagem e um conjunto de convenções necessárias para se garantir a co-municação verbal, traz consigo toda experiência histórica acumulada por um povo durante a sua existência. Dessa forma, mesmo estando depositada nos cérebros de um con-junto de indivíduos pertencentes a uma mesma comuni-dade, o indivíduo, por si só, não pode nem criá-la e nem modificá-la.

A fala, em contraposição à língua, é o lado individual da linguagem. Constitui o uso individual do sistema que caracteriza a língua (COSTA, 2010, p.116). É o ato indivi-dual de vontade e de inteligência. Por se constituir de atos individuais, torna-se múltipla, imprevisível, irredutível a uma pauta sistemática, uma vez que corresponde às com-binações feitas por um falante entre os elementos constitu-tivos da língua, visando exprimir seu pensamento, como também se trata de um mecanismo psicofísico.

Trata-se, portanto, da utilização prática e concreta de um có-digo de língua por um determinado falante num momento preciso de comunicação. Em outras palavras, é a maneira pessoal de atualizar esse código. Daí seu caráter individual. De acordo com Saussure, a língua é a condição da fala, uma vez que, quando falamos, estamos submetidos ao sistema estabelecido de regras que corresponde à língua (COSTA, 2010, p. 116).

Feita tal distinção, Saussure concebe a língua como objeto de estudo da Linguística, já que é no lado social da linguagem que se encontra a essência da atividade comuni-cativa (conhecimento comum a todos), e não no ato indivi-dual, como explica Martelotta (2010, p. 54):

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Para ele (Saussure), os atos comunicativos individuais são assistemáticos e ilimitados, e uma ciência só pode estudar aquilo que é recorrente e sistemático. No caso da lingua-gem, a sistematicidade e a recorrência estão na langue, que se mantém subjacente aos atos individuais.

Nas abordagens dadas para estudar os fenômenos ine-rentes à língua, Saussure exclui toda preocupação extralin-guística, porque um dos princípios constitutivos do Estru-turalismo é estudar a língua em si mesma e por si mesma, isto é, o funcionamento da língua deve ser descrito apenas a partir de suas relações internas, sendo excluída qualquer relação que não esteja relacionada com a organização dos elementos que constituem o sistema linguístico, ou seja, não são consideradas as relações entre língua, sociedade e cultura. Ao definir isso, o teórico suíço adota no seu mé-todo de investigação o estudo sincrônico em oposição aos estudos diacrônicos que eram vigentes no século XIX.

1.2 Sincronia / Diacronia

No século XIX, os pesquisadores utilizavam um méto-do de investigação que foi marcadamente de caráter histó-rico, uma vez que esses pesquisadores perceberam algumas semelhanças encontradas em determinadas línguas, o que os levou a acreditar na existência de parentesco entre elas. Dessa forma, empregando um método chamado histórico--comparativo, tais pesquisadores se preocuparam em agru-par essas línguas em famílias.

A partir desses estudos, foi possível observar que as línguas sofrem mudanças no decorrer do tempo e essas mudanças possuem uma regularidade própria, não são mudanças decorrentes da mera vontade dos homens. Costa (2010, p.117) explica que, com esse objetivo, os neogramá-

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ticos desenvolveram uma teoria das transformações lin-guísticas baseada em um método científico que afasta as especulações vagas e subjetivas que marcaram as aborda-gens do século XIX, mas, ainda assim, não pode ser consi-derada uma ciência, porque estudar as transformações das línguas em busca de explicações e formulações de regras de um “vir-a-ser” dessas línguas somente representaria uma constatação de um fato.

Saussure, buscando definir uma investigação linguís-tica que seja, de fato, ciência, distingue a investigação sin-crônica da investigação diacrônica, o que remete a uma linguística estática e linguística evolutiva, respectivamente. Enquanto a sincronia está no eixo das simultaneidades, a diacronia está no eixo das sucessividades, isto é,

enquanto o estudo sincrônico de uma língua tem como fina-lidade a descrição de um determinado estado dessa língua em um determinado momento no tempo, o estudo diacrô-nico (através do tempo) busca estabelecer uma comparação entre dois momentos da evolução histórica de uma determi-nada língua (COSTA, 2010, p. 117).

Nos estudos saussurianos, foi adotada a investigação sincrônica, uma vez que, segundo o mestre suíço, o objetivo da linguística estrutural é observar como se configuram as relações internas do sistema articulatório de uma língua em um determinado momento do tempo. Para isso, os seguido-res desse estudo descartam as informações acerca da história da língua, já que a sua realidade é o seu estado sincrônico.

2.3 Significante / Significado

Conforme explicitado no início deste trabalho, ficou compreendido que para Saussure a língua é de caráter so-

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cial, pois sua existência decorre de uma espécie de contrato implícito estabelecido entre os membros de uma comuni-dade, enquanto que a fala (parole) é de caráter individual, pois se refere à maneira pessoal de atualizar o código da língua, através da sua utilização prática e concreta por um determinado falante em um momento preciso de comu-nicação – um ato individual de vontade e de inteligência. Definindo esses dois conceitos, Saussure consagra a língua como um sistema sincrônico e homogêneo e rejeita as suas manifestações individuais – a fala.

Dessa forma, centrando-se apenas na língua como um sistema de signos, sendo este, portanto, a unidade cons-tituinte do sistema linguístico, Saussure explica que cada signo linguístico é formado por duas partes absolutamen-te inseparáveis: um significante (imagem acústica, forma) e um significado (conceito, expressão). Conforme Wilson e Martelotta (2010, p. 74):

Aqui é importante ressaltar que o significante não é o som material, mas seu correlato psíquico, ou seja, uma estrutura sonora que reconhecemos a partir do conhecimento que te-mos de nossa língua, relacionando-a, então, a um determi-nado conceito. Do mesmo modo, o significado não é o objeto real a que a palavra faz referência, mas um conceito, ou seja, um elemento de natureza mental. Desse modo, tanto o sig-nificante como significado são caracterizados por Saussure como entidades psíquicas.

Os signos linguísticos possuem, então, duas faces: apre-endido pelos sentidos (significante) e uma face não-material, que é estritamente mental (o significado) – e que não existe uma relação necessária, natural, entre a imagem acústica e o sentido a que ela nos remete. Isso significa dizer que o signo linguístico, para Saussure, não é motivado, e sim arbitrário e convencional, uma vez que resulta do acordo implícito rea-

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lizado entre os membros de uma determinada comunidade. Saussure observa que o princípio de arbitrariedade do signo linguístico não implica a compreensão de que o significado dependa da livre escolha do falante.

Mesmo assumindo que a relação significante–signifi-cado seja arbitrária, Saussure não descarta a possibilidade de existir uma arbitrariedade relativa que é caracterizada como casos de motivação, que pode ter uma natureza so-nora (que se relaciona com os casos de onomatopéia), mor-fológica (se refere aos processos de formação de palavras) ou semântica (relacionada aos processos analógicos asso-ciados aos sentidos das palavras). Entretanto, ressalta Wil-son e Martelotta (2010, p.76), “esses casos de motivação são considerados arbitrários por Saussure e seus seguidores”.

2. As críticas bakhtinianas ao objetivismo abstrato

Após essa breve retomada dos principais conceitos saussurianos, contra os quais Bakhtin/Volochínov ([1929] 1995) se posiciona, passamos agora a discutir as principais críticas formuladas por este teórico ao objetivismo abstrato. Os fundamentos dessas críticas encontram-se nos seguintes questionamentos:

Mas o que é que se revela como o verdadeiro núcleo da re-alidade linguística? O ato individual da fala – a enunciação – ou o sistema da língua? E qual é, pois, o modo de exis-tência da realidade linguística? Evolução criadora ininter-rupta ou imutabilidade de normas idênticas a si mesmas? (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, [1929] 1995, p. 89).

Assim, o principal objetivo de Bakhtin/Volochínov é discutir as respostas oferecidas pelo objetivismo abstrato à questão central sobre a língua: qual é de fato, a realidade

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da língua? Conforme vimos anteriormente, a posição saus-suriana a respeito da língua privilegia a forma linguística e seu caráter de estabilidade e homogeneidade dentro do sistema, sem considerar a dinamicidade do seu uso pelos falantes nas situações de interação. Segundo Bakhtin/Vo-lochínov, isso se dá, entre outras razões, por uma escolha epistemológica que tem suas bases na influência dos es-tudos filológicos no modo de algumas correntes teóricas abordarem a língua materna: “[...] A linguística elaborou seus métodos e categorias trabalhando com monólogos mortos, ou melhor, com um corpus de enunciações desse tipo, cujo único ponto comum é o uso da mesma língua [...]” (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, [1929] 1995, p. 98).

Sabemos que, durante muitos anos (mais precisamen-te, por volta do séc. XVIII, antes mesmo de a linguística se constituir como uma ciência com método e objetos defi-nidos), os estudos linguísticos se voltavam para a língua morta-escrita-estrangeira (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, [1929] 1995, p. 99), sem considerar, portanto, o falante em ação e o contexto real em que a palavra aparece. Mesmo quando, no início do século XX, Saussure estabelece o objeto e o méto-do da ciência linguística, ele o faz optando pela exclusão da fala; é apenas nos anos 1960 que esta (com toda sua hetero-geneidade e forma particular de organização) será adotada como objeto de estudo de correntes linguísticas, tais como a Sociolinguística e, posteriormente, a Análise da Conversa-ção. Como consequência dessa escolha do objeto científico da linguística, ao se voltarem para as línguas vernáculas, os linguistas acabaram por transferir, para o estudo da língua materna, as reflexões relativas ao domínio de uma língua estrangeira. Aquela, então, começou a ser estudada não a partir da realidade cotidiana do falante, mas como uma lín-gua estrangeira, ou seja, como algo que não pertence à sua vida e cujas formas lhes são completamente alheias.

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Sem dúvida, no início do aprendizado de uma língua estrangeira, o deciframento da língua enquanto forma tor-na-se parte central no processo. Mas essa mesma língua, ao ser ensinada para um falante nativo, precisa ser abordada como algo que já lhe pertence, porque, segundo Bakhtin/Volochínov, a forma só é percebida quando se estuda uma língua estrangeira, mas “a palavra da língua nativa é per-cebida de modo totalmente diverso. […] A palavra nativa é percebida como um irmão, como uma roupa familiar, ou melhor, como a atmosfera na qual habitualmente se vive e se respira. […]” (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, [1929] 1995, p. 100). É bastante comum, inclusive, que o falante use as palavras de sua língua materna em diferentes situações, consiga identificar em que contextos ela pode aparecer, mas não seja capaz de formular uma definição ou dizer o que essa palavra significa dentro do sistema da língua, o que reforça a ideia bakhtiniana de que o falante, ao usar a língua, não reflete sempre sobre a forma linguística e o seu significado dentro do sistema. É o que as duas tirinhas abaixo ilustram:

Figura 1 (Quino, Toda Mafalda, 2000, p. 85)

Figura 2 (Quino, Toda Mafalda, 2000, p. 85)Fonte: Tirinhas do Quino

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Na primeira tirinha, Mafalda usa uma palavra que Ma-nolito não sabe o que significa, mas contra a qual ele reage por reconhecer que, no contexto em que ela foi empregada, deveria tratar-se de um xingamento. Na segunda tirinha, descobrimos que Mafalda, que havia usado a palavra piram-baba, não sabe o que ela significa, mas isso não a impede de tê-la usado e de ter com isso provocado a reação de Manoli-to. Além disso, Filipe se vê forçado a reconhecer que, embora não saibamos explicar o significado de muitas palavras no sistema linguístico, somos capazes de usá-las, exatamente porque, ao fazermos uso delas, compreendemos o seu sen-tido naquela enunciação e transferimos essa compreensão para outras situações semelhantes. Segundo Bakhtin/Volo-chínov ([1929] 1995, p. 95), “[...] para o falante nativo, a pala-vra não se apresenta como um item de dicionário, mas como parte das mais diversas enunciações dos locutores A, B ou C de sua comunidade e das múltiplas enunciações de sua própria prática linguística.” No caso das tirinhas, Mafalda usa pirambaba em sentido depreciativo, Manolito compreen-de e reage a isso. Filipe, por sua vez, mantém esse sentido no enunciado “Estou me sentindo um reles pirambaba”.

É evidente que, assim como ocorre na língua materna ao nos depararmos com palavras desconhecidas, a relação entre forma e significado é o que primeiro ocupa o estudan-te de língua estrangeira. Assim, para um estudante de espa-nhol como língua estrangeira, por exemplo, palavras como césped, cuchillo, tenedor e cubiertos causarão um estranha-mento inicial e a relação entre forma e significado da pala-vra na língua alvo será uma das primeiras preocupações do aprendiz. Contudo, para o falante nativo, a forma lhe é fa-miliar, não lhe causa estranhamento e, por essa razão, deixa de ser central na relação desse falante com a língua. Além disso, mesmo considerando o estudante de espanhol-LE, para que as palavras passem a fazer parte do seu vocabu-

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lário nessa nova língua, é preciso que ele não apenas saiba qual o significado das palavras naquele sistema linguístico, mas, sobretudo, compreenda como se usa cada uma delas, ou seja, entenda em que diferentes situações elas podem aparecer e que sentidos têm em cada uma dessas enuncia-ções. Dessa maneira, esse método de estudar a língua sem considerar o seu uso (privilegiando o estudo da forma, iso-lada de sua enunciação por um falante) é uma das críticas feitas por Bakhtin/Volochínov ao objetivismo abstrato.

Essa discussão formulada por Bakhtin/Volochínov, so-bre a centralidade da forma linguística na explicação da lín-gua, é reforçada pela distinção entre signo e sinal: “para o locutor, a forma linguística não tem importância enquanto sinal estável e sempre igual a si mesmo, mas somente en-quanto signo sempre variável e flexível. [...]” (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, [1929] 1995, p. 93). Para Bakhtin/Volochí-nov, só o signo pode ser interpretado, tendo em vista que, por natureza, seu significado só poder ser apreendido na sua relação com o contexto ideológico; já o sinal é identifi-cado, como algo estranho, pois ele não tem qualquer rela-ção com a ideologia.

Percebe-se, então, que para este autor a palavra não significa em si mesma, mas significa dentro de um contexto e de um horizonte discursivo dado, de maneira que a mes-ma palavra pode assumir significados até mesmo opostos, a depender de sua relação com o contexto:

Na realidade, o locutor serve-se da língua para suas neces-sidades enunciativas concretas (para o locutor, a construção da língua está orientada no sentido da enunciação da fala). Trata-se, para ele, de utilizar as formas normativas […] num dado contexto concreto. Para ele, o centro de gravidade da língua não reside na conformidade à norma da forma utili-zada, mas na nova significação que essa forma adquire no contexto (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, [1929] 1995, p. 92).

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Sendo a ideologia e o sujeito sociais (posto que não há consciência individual sem ideologia, e que é nas situações sociais que o eu interage com o outro), então o seu dizer será delineado/orientado por essa situação social. É a situ-ação que definirá o como dizer, a depender de sobre o quê se fala e a quem se fala. Assim, a enunciação não pode ser entendida como mera apropriação de formas linguísticas prontas e acabadas, mas como um processo de colocar a língua em uso orientado pelas condições sociais e históricas da situação de interação nas quais os falantes estão envol-vidos.

Para exemplificar, consideremos a palavra portuguesa sopa: seu significado no sistema linguístico é o de “caldo de carnes, legumes, massas, etc.”. No entanto, na charge abaixo, não é a palavra sopa enquanto sinal, sempre estável e igual a si mesmo, que entra em jogo na construção dos sentidos, mas sua relação com o contexto sócio-histórico no qual esta palavra é enunciada, ou seja, seu valor enquanto signo. Nas eleições estaduais de 2010, o candidato pesso-ense “Toinho da Sopa”, que recebeu esse apelido devido ao seu trabalho social de distribuição de sopa para a popu-lação carente e que era até então desconhecido no cenário político da Paraíba, obteve ampla votação e ultrapassou in-clusive candidatos com grande tradição. Após o resultado, o chargista Régis Soares produziu o seguinte texto:

Figura 3- SOARES, Regis. Disponível em www. chargesnarua.com

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No caso dessa charge, a ocorrência da palavra sopa no enunciado “Pra mim foi uma sopa”, claramente ultrapassa o significado dicionarizado da palavra sopa, pois permite o diálogo com o contexto sócio-histórico de sua enuncia-ção, recuperado anteriormente. O mesmo ocorre na tirinha abaixo:

Figura 4 (Quino, Toda Mafalda, 2000, p. 35)

Na Figura 4, acima, a palavra sopa usada na tirinha as-sume um sentido completamente diferente daquele cons-truído na Figura 3. É evidente, contudo, que nos dois casos o significado da palavra sopa no sistema não é negado ou ignorado pelos personagens e pelos autores desses textos, mas o que está em jogo para a construção do sentido desses enunciados nos quais essa palavra parece extrapolar seu valor enquanto forma ou sinal dentro do sistema da língua portuguesa. É como signo que os personagens, represen-tando falantes, e os autores da charge e da tirinha reconhe-cem a palavra sopa.

A partir dessas noções fica claro então que, segundo o pensamento bakhtiniano, nenhuma enunciação pode ser analisada parcial ou isoladamente, mas deve ser analisada pelo todo social, histórico e cultural que a compõe; ou seja, a enunciação é resultado de uma construção duplamen-te social, no sentido de que é produto da interação entre dois sujeitos (igualmente sociais) e de que se estabelece em relação a outras vozes já ditas. Por outro lado, é histórica

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porque mantém relações com um dado momento histórico, com suas especificidades ideológicas, que dialogam com os momentos históricos precedentes; e é cultural porque é produzida segundo os valores de uma dada cultura, na qual o sujeito está inserido e cujos valores lhe são intrínse-cos, ainda que este não tenha consciência do fato.

Assim, para Bakhtin/Volochínov, o signo é ideológi-co por natureza, pois “a língua, no seu uso prático, é in-separável de seu conteúdo ideológico ou relativo à vida” (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, [1929] 1995, p. 96), afinal,

não são palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas verdades ou mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis, et. A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideoló-gico ou vivencial. É assim que compreendemos as palavras e somente reagimos àquelas que despertam em nós resso-nâncias ideológicas ou concernentes à vida (BAKHTIN/VO-LOCHÍNOV, [1929] 1995, p. 95).

Por essa razão, Bakhtin/Volochínov afirma que separar a língua de seu conteúdo ideológico, como faz o objetivis-mo abstrato, “constitui um dos erros mais grosseiros” (p. 96) dessa corrente de estudos.

Vimos até aqui duas críticas feitas por Bakhtin/Volo-chínov de como o objetivismo abstrato explica a língua: a ênfase na forma linguística e a separação entre língua e con-teúdo ideológico. Por fim, a ênfase no caráter normativo e sistemático da língua é outro aspecto defendido pelo obje-tivismo abstrato, contra o qual Bakhtin/Volochínov assim se posiciona:

Dizer que a língua, como sistema de normas imutáveis e in-contestáveis, possui uma existência objetiva é cometer um grave erro. Mas exprime-se uma relação perfeitamente ob-

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jetiva quando se diz que a língua constitui, relativamente à consciência individual, um sistema de normas imutáveis, que este é o modo de existência da língua para todo mem-bro de uma comunidade linguística dada (BAKHTIN/VO-LOCHÍNOV, [1929] 1995, p. 91).

Em outras palavras, o autor se opõe à abordagem sin-crônica como justificativa para a homogeneidade e imuta-bilidade da língua. Como discutido na primeira parte deste artigo, Saussure, ao definir o método de estudo da linguís-tica, opta pela abordagem sincrônica, por acreditar que ao fazer um recorte no tempo seria possível encontrar um es-tado de língua estável e invariável. Contudo, a sincronia não corresponde, para Bakhtin/Volochínov, a esse sistema de normas imutáveis: “se fizermos abstração da consciência individual subjetiva e lançarmos sobre a língua um olhar verdadeiramente objetivo [...], não encontraremos nenhum indício de normas imutáveis. Pelo contrário, deparare-mos com a evolução ininterrupta das normas da língua” (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, [1929] 1995, p. 90).

Assim, de acordo com este autor, ao observar a língua que o falante usa em um determinado momento, esse fa-lante tem a ilusão de que ela é imutável, porque sua per-cepção sobre ela é sincrônica; mas a realidade da língua é dinâmica e, neste mesmo momento em que ele vê a língua a partir dessa ilusão, diversos processos de variação e mu-dança linguística podem estar em curso sem que o sujeito tenha consciência disso. A esse respeito, Labov (1982, apud LUCCHESI, 2004, p. 178) afirma que “os estágios iniciais da mudança estão abaixo do nível de consciência social. Nin-guém na comunidade se refere à mudança, e é difícil tomar consciência dela. (...) às vezes ela só é descoberta, num pri-meiro momento, por análises instrumentais.”

No caso do português brasileiro, temos alguns exem-plos que podem ilustrar essa afirmação. Um deles é a mu-

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dança no sistema pronominal do português, o qual prati-camente teve o pronome vós excluído do seu quadro. Este pronome ficou restrito a gêneros bastante formais (como alguns da esfera jurídica) ou gêneros pertencentes à esfe-ra religiosa (na Bíblia dos católicos e em algumas orações também). Outro exemplo é a alteração no sistema flexional dos verbos, que deixam de ter uma flexão para cada pessoa (totalizando seis, conforme prevê a gramática normativa) e passam a ter apenas três: eu amo; tu/você ama; ele, a gente/nós ama; vocês, eles amam. Essas alterações, como muitas outras que ocorrem no sistema da língua, são, na maioria das vezes, imperceptíveis à consciência individual do fa-lante, exceto nos casos de variação que geram usos mais estigmatizados pela sociedade. Além disso, são casos mais frequentes na oralidade e na escrita usadas em situações menos monitoradas, de maneira que a oralidade e a escrita mais formais, produzidas em situações mais monitoradas, costumam ser mais conservadoras. O que se verifica, por-tanto, é a coexistência desses usos em uma determinada lín-gua. Dessa forma, a realidade da língua, mesmo conside-rando-se um recorte no tempo, é a heterogeneidade e não a adequação a normas sistemáticas e imutáveis.

3. Conclusões

As críticas bakhtinianas à abordagem proposta pelo objetivismo abstrato têm suas bases nas diferenças existen-tes na maneira de conceber a língua e a enunciação, bem como ao papel atribuído à fala. Fica claro que Bakhtin/Volo-chínov orienta sua definição de língua para a diversidade e para a heterogeneidade, características perceptíveis apenas quando se estuda a língua em uso. Dessa forma, Bakhtin/Volochínov entende língua como interação verbal. Por ou-tro lado, ao considerar a língua em uso, este autor acrescen-

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ta a enunciação à sua explicação do funcionamento da lín-gua, o que os adeptos do objetivismo abstrato optaram por excluir dos estudos linguísticos. É importante dizer que sua maneira de conceber a enunciação extrapola a perspectiva de Benveniste ([1966] 1995), pois este se dedicava à enun-ciação entre os sujeitos considerando apenas o contexto mais imediato das relações entre o eu e o tu, mas sem consi-derar os aspectos sociais e históricos nela envolvidos, o que Bakhtin/Volochínov incluirá no seu modo de entender o processo enunciativo. Por fim, o papel atribuído por este te-órico russo à fala também contribui para as diferenças entre seu modo de explicar a língua e a proposta do objetivismo abstrato. Conforme já discutido, os adeptos desta corrente precisaram fazer uma escolha epistemológica a fim de de-finir a linguística como ciência e, nesta escolha, excluíram a fala de suas pesquisas por acreditarem que, contrariamen-te à língua, ela era assistemática, heterogênea, individual, etc. Contudo, para Bakhtin/Volochínov ([1929] 1995), não apenas a realidade da língua também é a heterogeneidade e a flexibilidade, como o que importa é estudar a língua em uso pelos falantes. Além disso, a fala, como produto de uma interação social, é também ela de caráter social e não individual. Quando falamos, entramos na cadeia dos atos de fala (p. 98) e dialogamos com os já-ditos e com as reações ativas dos nossos interlocutores (reais ou potenciais), o que transforma a nossa fala de um ato individual e monológico (conforme compreendia Saussure) a um ato social e dialó-gico (conforme entendido por Bakhtin/Volochínov).

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Referências

BAKHTIN, Mikhail (VOLOCHÍNOV). [1929]. Marxismo e Filosofia da Linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 7. ed. São Paulo: Hu-citec, 1995.

BENVENISTE, E. [1966]. Problemas de Linguística Geral I. 4. ed. Campinas-SP: Pontes, 1995.

COSTA, M. A. Estruturalismo. In: MARTELOTTA, Mário Eduardo (org.). Manual de Linguística. São Paulo: Contexto, 2010. p. 113-126.

FLORES, V. do N. et alii (orgs.). Dicionário de Linguística da Enunciação. São Paulo: Contexto, 2009.

LUCCHESI, D. Sistema, Mudança e Linguagem: um percur-so na história da linguística moderna. São Paulo: Parábola Editorial, 2004.

MARTELOTTA, Mário Eduardo (org.). Manual de Linguísti-ca. São Paulo: Contexto, 2010.

QUINO, J. L. Toda Mafalda. Rio de Janeiro, Martins Fontes Editora, 2000.

WILSON, V. & MARTELOTTA, M. E. Arbitrariedade e Ico-nicidade. In: MARTELOTTA, Mário Eduardo (org.). Manu-al de Linguística. São Paulo: Contexto, 2010. p. 71-85.

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PSICOLOGIA DO CORPO SOCIAL : SIGNO,IDEOLOGIA E CONSCIÊNCIA

Rebecca Tavares (UFPB/PROLING) [email protected]ândia Flávia de Lima Ramos (UFPB/PROLING)

[email protected]

Introdução

Esta é uma reflexão sobre o problema dos fundamen-tos de uma psicologia objetiva com base na concepção de signo ideológico para a filosofia marxista da linguagem. Nos postulados da obra Marxismo e Filosofia da linguagem, o pensador russo Mikhail Bakhtin/ Volochínov, discute a relação entre tais concepções, asseverando que só uma psicologia do corpo social pode orientar e dar suporte à linguística, à filosofia e à própria psicologia, buscando os diálogos e as delimitações entre estas esferas do conheci-mento humano.

No entanto, nosso interesse recai sobre um determi-nado aspecto de sua obra, a questão da noção de signo, da consciência e da constituição de uma psicologia objetiva. Assim, nos deteremos mais precisamente no capítulo três, que trata deste assunto. Este estudo não pretende, de for-ma alguma, fechar as discussões sobre o tema abordado, mas propor um diálogo outro que contribua para as pes-quisas realizadas na área dos estudos bakhtinianos.

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Bakhtin/ Volochínov, ao iniciar o capítulo Filosofia da Linguagem e Psicologia Objetiva, afirma que a constituição de uma psicologia verdadeiramente objetiva é uma das tarefas mais urgentes do marxismo. Qual o motivo dessa urgência? Adiante, os autores comentam que os fundamen-tos dessa psicologia não são fisiológicos nem biológicos, mas sociológicos. Por quê? Que aspectos então diferenciam estes fundamentos e em que medida eles podem formar uma psicologia objetiva? Antes, o que vem a ser uma psi-cologia verdadeiramente objetiva? Para respondermos tais questões, devemos nos debruçar sobre as noções de signo e de consciência discutidas por Bakhtin/ Volochínov, (2006) para, a partir daí, encontrarmos os traços de uma psicolo-gia objetiva, perpassando, porém, por suas críticas feitas às teorias psicológicas da sua época.

1. A consciência como um acontecimento socioideo-lógico

Conforme Freitas (2007) entre a variedade de temas tra-balhados por Bakhtin/ Volochínov, há um destaque específi-co, despertado pelo interesse de estabelecer princípios para uma psicologia do corpo social. Com essa noção de cons-ciência fundamentada na concepção de signo ideológico, Bakhtin/ Volochínov investiga a fenomenologia do signo. Delinearemos, pois, um breve percurso sobre esta questão dada sua importância para a definição de uma consciência que se queira ideológica.

O signo não é apenas a materialidade da palavra, mas a materialidade da palavra embebida de seu significado ide-ológico. Assim,

todo signo está sujeito aos critérios de avaliação ideológi-ca (isto é, se é verdadeiro, falso, correto, justificado, bom,

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etc.). O domínio do ideológico coincide com o domínio dos signos: são mutuamente correspondentes. Ali onde o signo se encontra, encontra-se também o ideológico. Tudo que é ideológico possui valor semiótico. (BAKHTIN/ VOLOCHÍ-NOV, 2006 p. 32- 33)

O signo não é apenas uma representação da realidade, ele também é parte, é fragmento material dessa realidade. Qualquer acontecimento que funcione como signo ideoló-gico tem realidade material, daí sua existência ser inteira-mente objetiva. Dessa forma, o estudo do signo está sujeito a uma metodologia unitária e objetiva, própria do fenôme-no social.

Em Bakhtin/ Volochínov, (2006, p. 33), “a ideologia é um fato de consciência e que o aspecto exterior do signo é sim-plesmente um revestimento, um meio técnico de realização do efeito interior, isto é, da compreensão”. Entretanto, os es-tudos das ideologias não consideram o signo em seu caráter social. Por esta posição, o autor critica a filosofia idealista e a visão psicologista, ao assegurarem que a compreensão, “não pode manifestar-se senão através de um material semiótico” (BAKHTIN/ VOLOCHÍNOV, 2006, p. 33).

Tanto a filosofia idealista quanto o psicologismo co-metem o mesmo equívoco. Ambas situam a ideologia na consciência, limitando o estudo das ideologias ao estudo do psiquismo interior. Para o idealismo, a consciência está acima da existência, determinando-a. Para o psicologismo, ela representa um todo de reações psicofisiológicas. A cons-ciência não se limita nem ao universo transcendental nem aos fenômenos de ordem fisiológica ou biológica, mas se ca-racteriza como um fato socioideológico. Por isso, Bakhtin/ Volochínov rejeita as duas vertentes – uma de ordem filosó-fica e outra de ordem psicológica, por considerarem a cons-ciência como acontecimento interior, a partir do qual surge o universo da ideologia.

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Bakhtin/ Volochínov não admite que a consciência seja a origem da ideologia ou que a ideologia seja um produto da consciência. Na verdade, ele transpõe as contribuições das correntes contemporâneas de seu tempo e defende que apenas uma filosofia do signo é capaz de constituir uma consciência. Esta é a sua mais significativa contribuição à questão. O signo ideológico como elemento que constitui a consciência. O signo é de caráter social e histórico. O signo é ideológico. Portanto, a realidade da consciência é sócio--histórica, sendo impossível restringir seu funcionamento a determinados processos desenvolvidos no interior de um organismo vivo.

A noção de consciência de Bakhtin/ Volochínov é re-presentada por uma cadeia de signos que atraem signos, sem quebra, sem interrupções:

Essa cadeia ideológica estende-se de consciência individual em consciência individual, ligando umas às outras. Os sig-nos só emergem, decididamente, do processo de interação entre uma consciência individual e uma outra. E a própria consciência individual está repleta de signos. A consciência só se torna consciência quando se impregna de conteúdo ideológico (semiótico) e, consequentemente, somente no processo de interação social. (BAKHTIN/ VOLOCHÍNOV, 2006, p. 34)

Na sua crítica ao idealismo e ao psicologismo, torna-se fundamental compreender as noções de signo, de consciên-cia e de ideologia. A consciência se concretiza por meio da encarnação material em signos, através de uma cadeia ide-ológica que se realiza na interação social. A ideologia habita os signos e faz surgir a consciência. Esta se apresenta como discurso interior na forma de realidade semiótica. Essa re-alidade não é fixa, não é imutável, ao contrário, ela está em constante deslocamento e se renova na interação social, no

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meio exterior. Portanto, a consciência é de ordem exterior e se materializa na forma de signos.

Na visão de Clark e Holquist (2008, p. 99), “este modo dualista de conceber o laço entre a consciência e o mundo é a fonte de outras díades que vão especificando a relação mente/mundo.” Dessa maneira, o estudo da consciência é o estudo da ideologia, pois não é possível se estabelecer o sentido de um contexto sem uma transformação ideológica toda atividade mental do homem.

A consciência situa-se no mundo das interações sociais e não no mundo dos fenômenos fisiológicos e biológicos. O que fundamenta a consciência é o signo, impregnado de ideologia. Para Bakhtin/ Volochínov, o estudo da cons-ciência deve recusar os argumentos da filosofia idealista e da visão psicologista da ideologia e seguir uma orienta-ção marxista do fenômeno ideológico, pois a consciência constitui um fato socioideológico. Dessa maneira, nem a biologia nem a fisiologia podem dar conta da construção da consciência. A consciência acontece no momento da in-teração entre os sujeitos e o meio social, na vida concreta, por isso, só pode ser analisada por uma psicologia objeti-va e não por métodos tomados de empréstimo da biologia ou da fisiologia.

A consciência não faz sentido sem a ideologia e não existe sem a matéria semiótica. A consciência, constituída pelo signo ideológico, sobrevive das lutas diárias entre os sujeitos e os acontecimentos sociais, históricos, econômi-cos. Entre signo e consciência existe uma relação dialética da qual, obviamente, faz parte o discurso interior, ou seja, a palavra, que é o próprio signo ideológico. A palavra se constitui fora do individuo, nas relações interpessoais e volta, num movimento dialético, a renovar a consciência, através de movimentos sígnicos, ou seja, de significações outras, de ideologias outras atribuídas ao signo.

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Sendo assim, a consciência é o signo interior e exterior e, como signo, é social e se realiza fora do individuo, na vida concreta, objetiva.

2. Os fundamentos de uma psicologia objetiva

Bakhtin/ Volochínov inicia o capítulo três Filosofia da Linguagem e Psicologia Objetiva fazendo uma crítica ao psi-quismo subjetivo do homem que é analisado pelos métodos da introspecção, alegando que “é impossível reduzir o fun-cionamento da consciência a alguns processos que se de-senvolvam no interior do campo fechado de um organismo vivo” (BAKHTINH/ VOLOCHÍNOV, 2006, p. 49). Por ou-tro lado, fala que uma das tarefas essenciais do marxismo é estabelecer uma psicologia verdadeiramente objetiva e assevera que os fundamentos desta não se encontram nem no universo da fisiologia nem no universo da biologia, mas seus fundamentos são de caráter sociológico.

Ao escolher a introspecção como forma de se ter aces-so à vida psíquica, o psiquismo subjetivo vai de encontro dos preceitos metodológicos marxistas que pedem uma abordagem objetiva. A psicologia objetiva, assim, funda-mentada em princípios sociológicos, e não fisiológicos ou biológicos, é capaz de compreender o psiquismo subjetivo humano como um fator não interno ao organismo, mas si-tuado fora dele, no social.

Desse modo, toda a análise feita por Bakhtin/ Volochí-nov acerca da psicologia é permeada por uma perspectiva social. O ser humano existe dentro de uma sociedade, nas relações estabelecidas no grupo social do qual faz parte. Fora desse grupo, dessa sociedade ou destas relações ele não tem existência concreta. O homem é um ser social que se constitui e é, ao mesmo tempo, constituído nas relações com o outro e é partindo deste pressuposto que Bakhtin/

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Volochínov elabora sua concepção de consciência e defen-de uma abordagem objetiva dos acontecimentos psíquicos.

A psicologia objetiva recusa a noção de consciência como fenômeno interno ao indivíduo e defende seu caráter socioideológico, dessa forma, compreende que a consciên-cia se forma fora do indivíduo. Esta questão foi de encon-tro às teorias da época e provocou algumas inquietações. O psiquismo interior, aqui, será estudado como signo. Consi-derando que o signo ideológico é a ponte que une o univer-so interior e o universo exterior numa relação dialética, po-demos dizer que a consciência, alimentada pelo signo, não se constitui nem no interior do organismo nem no exterior, mas no confronto, no embate, na luta, na dialética do signo embebido das ideologias.

De acordo com Bakhtin/ Volochínov (2006, p. 33) “onde o signo se encontra, encontra-se também o ideológico. Tudo que é ideológico possui um valor semiótico”. É, pois, este valor semiótico que põe os acontecimentos ideológicos sob a mesma definição. O homem reflete a realidade usando os signos. Estes agem como mediadores na relação do homem com sua realidade, constituindo o material da consciência. Para Bakhtin/ Volochínov (2006, p.49)

a consciência constitui um fato socioideológico, não acessível a métodos tomados de empréstimo à fisiologia ou às ciências naturais. É impossível reduzir o funcionamento da consci-ência a alguns processos que se desenvolvem no interior do campo fechado de um organismo vivo. Os processos que, no essencial, determinam o conteúdo psíquico, desenvolvem-se não no organismo, mas fora dele, ainda que o organismo in-dividual participe deles. O psiquismo subjetivo do homem não constitui um objeto de análise para as ciências naturais, como se se tratasse de uma coisa ou de processo natural. O psiquismo subjetivo é o objeto de uma analise ideológica, de onde se depreende uma interpretação socioideológica.

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Sendo assim, Bakhtin/ Volochínov defende a necessida-de de uma psicologia objetiva que possa abarcar os fatores psíquicos e os fatores sociais da vida humana. O psiquismo subjetivo, sendo um processo interno, não consegue perce-ber o homem na sua totalidade, na sua relação com o que lhe é exterior, como ser histórico e mutável. O autor defen-de que

a atividade psíquica constitui a expressão semiótica do con-tato entre o organismo e o meio exterior. Eis por que o psi-quismo interior não deve ser analisado como coisa; ele não pode ser compreendido e analisado senão como um signo. (BAKHTIN/ VOLOCHÍNOV, 2006, p. 50)

Dessa forma, a atividade mental se expressa através do signo. E este é de natureza social. O signo é ideológico e promove o diálogo entre o homem e a sua realidade, constituindo-se no material da consciência. Sendo a cons-ciência uma construção de signos, não pode existir fora da relação com o meio exterior. Segundo Bakhtin/ Volochí-nov (2006, p. 35),

os signos só podem aparecer em um terreno que não pode ser chamado de “natural” no sentido usual da palavra: não basta colocar face a face dois homo sapiens quaisquer para que os signos se constituam. É fundamental que esses dois indivíduos estejam socialmente organizados, que formem um grupo (uma unidade social): só assim um sistema de signos pode constituir-se. A consciência individual não só nada pode explicar, mas, ao contrário, deve ela própria ser explicada a partir do meio ideológico e social.

A consciência é, portanto, ideológica e os signos, or-ganizados e socialmente situados, são o alimento dela. O psiquismo subjetivo, ao se prender aos fatores internos da consciência, torna-se vazio de significação e, ao analisar um

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individuo isolado de sua relação com o meio social, não tem capacidade para descrever os processos psíquicos em sua totalidade:

A lógica da consciência é a lógica da comunicação ideológi-ca, da interação semiótica de um grupo social. Se privarmos a consciência de seu conteúdo semiótico e ideológico, não sobra nada. A imagem, a palavra, o gesto significante, etc. constituem seu único abrigo. Fora desse material, há ape-nas o simples ato fisiológico, não esclarecido pela consci-ência, desprovido do sentido que os signos lhe conferem. (BAKHTIN/ VOLOCHÍNOV, 2006, P. 36)

Logo, para que exista consciência, o organismo deve unir-se com o mundo exterior no signo. A realidade do psi-quismo interior é a do signo e este é social, como assevera Bakhtin/ Volochínov (2006, p.49):

o psiquismo subjetivo é o objeto de uma análise ideológica, de onde se depreende uma interpretação socioideológica. O fenômeno psíquico, uma vez compreendido e interpretado, é explicável exclusivamente por fatores sociais, que deter-minam a vida concreta de um dado individuo, nas condi-ções do meio social.

O psiquismo subjetivo encontra-se na fronteira entre o mundo exterior e o mundo interior e essa fronteira é representada pelo signo. “A atividade psíquica constitui a expressão semiótica do contato entre o organismo e o mundo exterior” (Bakhtin/ Volochínov, 2006, p.50). O psi-quismo interior, portanto, não pode ser considerado senão como um signo.

Assim, já não se pode admitir uma análise dos pro-cessos psíquicos como algo que exista fora do social, do contexto de produção de homens sociohistóricos e ideolo-gicamente situados. Daí a necessidade de uma psicologia

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verdadeiramente objetiva, capaz de colocar no centro de sua análise o signo ideologicamente marcado.

Encontrar uma abordagem objetiva, flexível e refinada do psiquismo subjetivo só pode ser possível se compreen-dermos que o território desse psiquismo é o signo ideoló-gico, marcado por seu caráter sociológico, concreto, signi-ficante. A questão, porém, não é tão simples, pois há uma correlação entre o individual e o social de onde se compre-ende que o psiquismo é individual e a ideologia é social. Essa compreensão é equivocada. De acordo com Bakhtin/ Volochínov (2006, p. 59),

o indivíduo enquanto detentor dos conteúdos de sua cons-ciência, enquanto autor dos seus pensamentos, enquanto personalidade responsável por seus pensamentos e por seus desejos, apresenta-se como um fenômeno puramente socio-ideológico. Esta é a razão por que o conteúdo do psiquismo “individual” é, por natureza, tão social quanto a ideologia e, por sua vez, a própria etapa em que o individuo se conscien-tiza de sua individualidade e dos direitos que lhe pertencem é ideológica, histórica, e internamente condicionada por fa-tores sociológicos. Todo signo é social por natureza, tanto o exterior quanto o interior.

Assim como o psiquismo individual tem valor social, também as manifestações ideológicas têm valor individual, constituindo uma relação dialética. A ideologia é marcada pela individualidade do sujeito, mas essa marca é social. Nos diálogos estabelecidos entre o individual e o social não encon-tramos limites que os distinguem. Podemos, então, afirmar que não há diferença entre o psíquico e o ideológico? Sobre essa questão, Bakhtin/ Volochínov (2006, p.60) comenta que

todo pensamento de caráter cognitivo materializa-se em minha consciência, em meu psiquismo, apoiando-se no sis-tema ideológico de conhecimento que lhe for apropriado.

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Nesse sentido, meu pensamento, desde a origem, pertence ao sistema ideológico e é subordinado a suas leis. Mas, ao mesmo tempo ele também pertence a um outro sistema úni-co, e igualmente possuidor de suas próprias leis especificas, o sistema do meu psiquismo. O caráter único desse sistema não é determinado somente pela unicidade de meu orga-nismo biológico, mas pela totalidade das condições vitais e sociais em que esse organismo se encontra colocado.

Por um lado, se o psiquismo individual é social, as re-presentações ideológicas são individuais, estabelecendo uma relação dialógica. Segundo Bakhtin/ Volochínov (2006, p.60),

todo produto da ideologia leva consigo o selo da individua-lidade do seu ou dos seus criadores, mas este próprio selo é tão individual quanto todas as outras particularidades e sig-nos distintivos das manifestações ideológicas. Assim, todo signo, inclusive o da individualidade, é social.

Dessa forma, podemos nos questionar se não existe, então, uma diferença entre o psíquico e o ideológico. Caso exista, o que delimita tal diferença? A consciência apóia--se no sistema ideológico. O sistema ideológico, compos-to por signos, alimenta a consciência. O signo ganha vida na medida em que se realiza no psiquismo, dialeticamen-te, as manifestações psíquicas alimentam-se do signo, ou seja, “psiquismo e ideologia se impregnam mutuamente no processo único e objetivo das relações sociais” (BAKHTIN/ VOLOCHÍNOV, 2006, p. 67).

3. Considerações finais

Dessa reflexão, fica claro que a fonte do trabalho da psicologia é de natureza social. É na interação verbal, na

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vida concreta dos sujeitos que se fundamentará um a psico-logia verdadeiramente objetiva. Uma psicologia que se fun-da na investigação do signo, pois esse abriga os confrontos ideológicos que constituem a consciência; uma psicologia que tenha como objetivo o estudo da consciência enquanto acontecimento social, semiótico. A psicologia objetiva, des-sa forma, pode superar uma visão psicologista ou idealista dos fenômenos da consciência e encontrar um caminho que recupere a dialética entre o interno e o externo, estabelecen-do, assim, a interação verbal.

A finalidade deste estudo, que segue os passos do au-tor em suas reflexões acerca da constituição de uma psi-cologia objetiva, questiona as noções de signo ideológico e de consciência como fundamentos da psicologia social. Os resultados, embora embrionários, almejam contribuir com futuras investigações sobre o tema abordado.

Referências

BAKHTIN, Mikhail/ VOLOCHINOV, Valentin Niko-laiévitch. Marxismo e Filosofia da Linguagem: problemas fun-damentais do método sociológico na ciência da linguagem. 10. ed. São Paulo: Hucitec, 2006.

CLARK, Katerina; HOLQUIST. Mikhail Bakhtin. Trad. de J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 2008.

FREITAS, Maria Teresa de Assunção. Bakhtin e a psico-logia. In: Diálogos com Bakhtin. 4. ed. Curitiba: Editora da UFPR, 2007.

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CRÍTICA DE BAKHTIN/ VOLOCHÍNOV ÀTRADIÇÃO SUBJETIVISTA E OBJETIVISTA DA LINGUAGEM

Adriano Carlos de Moura (IFPE) [email protected] Hélcia Macedo de Carvalho Diniz e Silva

(UNIPÊ/UFPB VIRTUAL) [email protected]

Considerações Introdutórias

Discutiremos a crítica de Mikhail Bakhtin/Volochínov às duas teorias da tradição da linguística, enquanto ciên-cia, a saber, o subjetivismo idealista de Humboldt e o ob-jetivismo abstrato de Saussure. Analisamos, mais especi-ficamente, o quarto capítulo do livro Marxismo e Filosofia da Linguagem ao realizar uma investigação cuidadosa para apresentação um estudo minucioso, de fundamento filo-sófico, com base nas orientações do pensamento marxista bakhtiniano.

Ocorre que, ao nos depararmos com a crítica a estas tendências, aportamos no conceito de dialogismo. Assim, não poderíamos deixar de discorrer sobre os pressupostos de Bakhtin/Volochínov (1999), que, ao discutir as tendên-cias idealista e abstrata, chega à conclusão de que, embora elas não deem conta da noção de linguagem enquanto inte-ração dialógica, têm imensa importância para o desenvolvi-

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mento dos estudos linguísticos. Nessa visão, a plasticidade da palavra em contextos diversos é o que permite a comu-nicação entre sujeitos falantes.

Estas contribuições se reforçam com os questionamen-tos de Brait (1997) e de Faraco (2001) para que seja refle-tido de forma mais específica o princípio dialógico da responsividade entre os interlocutores na interação ver-bo-social.

O uso da linguagem com fins comunicativos carrega a ideia da linguagem como interação verbal. A dinâmica so-cial linguístico-filosófica do autor tece críticas à concepção de língua, enquanto instrumento de comunicação, apresen-tando como objetivo uma investigação de base teórica sobre o uso da linguagem concreta. Dessa maneira, apresentamos o resultado de agradáveis tardes de leitura, discussão de ideias e vivência efetiva do processo sócio-histórico intera-cionista. No decorrer da leitura, encontramos, na filosofia da linguagem na teoria bakhtiniana, uma seção que versa sobre a crítica de Bakhtin ao subjetivismo e por último ao objetivismo da linguagem.

1. A filosofia da linguagem na teoria bakhtiniana

Como objeto de estudo da filosofia da linguagem a fonética experimental é vista por Bakhtin/Volochínov (1999, p. 69) como algo: “sem nenhum vínculo com a na-tureza real da linguagem enquanto código ideológico”, uma vez que é uma questão superficial. O som, propria-mente dito não é objeto de estudo da linguística, mas da física. Não estamos lidando com linguagem mesmo se considerarmos a ligação entre o processo físico-fisioló-gico de emissão de determinado som da língua com a atividade mental realizada pelo locutor e pelo ouvinte, pois ele explica que:

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se associarmos a atividade mental do locutor e do ouvinte, estaremos em presença de dois processos psicofísicos ocor-rendo em sujeitos psicofisiologicamente diferentes e de um único complexo sonoro físico realizando-se na natureza se-gundo as leis físicas. A linguagem como objeto específico, ainda não a teremos encontrado. (...) mas este complexo é privado de alma, seus diferentes elementos estão alinha-dos ao invés de estarem unidos por um conjunto de regras internas que lhe atribuiria vida e faria dele justamente um fato linguístico. (Bakhtin/Volochínov, 1999, p.71)

Com isso, o complexo das relações sociais é o que molda o uso que fazemos da língua. O filósofo russo defende que é preciso inseri-lo na esfera única da relação social organizada, que o engloba. Situar o sujeito, emissor e receptor de som, bem como o próprio som para observar o fenômeno linguís-tico é uma peça chave na observação do processo linguístico. Nessa ótica, os interlocutores devem pertencer a uma mes-ma comunidade linguística, socialmente organizada, isso é indispensável para que neste terreno haja possibilidades de os processos de interação linguística ocorrerem e se realiza-rem com sucesso. Ademais, os indivíduos devem estar inte-grados na unicidade situacional imediata e socialmente rela-cionados, pessoa para pessoa, em um terreno bem definido.

Somente neste terreno, constitutivamente organizado e situado, torna-se possível a troca linguística entre os sujeitos de uma mesma comunidade. No terreno de acordo ocasio-nal, mesmo que haja comunhão entre as pessoas, nem todos elementos desse meio social se prestam para a interação en-tre elas, porque o meio social organizado apresenta compli-cações próprias a partir das relações de diversas naturezas e múltiplas facetas. Estas relações são de caráter diverso, nem todas são elementos constitutivos da linguagem, não sendo, portanto, necessárias à compreensão dos fatos linguísticos. Como afirma Bakhtin/Volochínov (1999, p. 72):

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A unicidade do meio social e a do contexto social imediato são con-dições absolutamente indispensáveis para que o complexo físico-psíquico-fisiológico que definimos possa ser vincula-do à língua, à fala, possa tornar-se um fato de linguagem. Dois organismos biológicos, postos em presença num meio puramente natural, não produzirão um ato de fala.

Assim, a inserção do complexo físico-psíquico-fisio-lógico no meio social traz complicações à delimitação do objeto de estudo da filosofia da linguagem e que, por conta dessa limitação, as suas linhas devem reunir-se num centro único. Decorre dessa necessidade de construir um vínculo contínuo entre o meio social e o seu contexto imediato, essa discussão sobre a linguagem em bases da crítica de Bakhtin ao subjetivismo e objetivismo tradicional, divididas em duas seções, a saber, subjetivismo idealista e em outra, ob-jetivismo abstrato.

2. A crítica bakhtiniana às leis da psicologia indivi-dual

A teoria de Wilhelm Humboldt, o subjetivismo idea-lista, considera o ato de enunciação como puramente in-dividual, posição criticada nas orientações do pensamento filosófico-linguístico de Marxismo e Filosofia da Linguagem. Sobre o posicionamento do círculo bakhtiniano a respeito dessa corrente dos estudos linguísticos representada por Humboldt, Sobral (2005, p. 128), afirma que “ele é mencio-nado a propósito da proposta, que é refutada, da unidade dos seres humanos numa natureza humana que apaga as diferenças”.

A tendência que vê a língua por meio do psiquismo, re-presentada por Humboldt estabeleceu fundamentos, con-forme aponta Bakhtin/Volochínov (1999, p. 73):

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O psiquismo individual constitui a fonte da língua. As leis da criação linguística – sendo a língua uma evolução inin-terrupta, uma criação contínua – são as leis da psicologia individual, e são elas que devem ser estudadas pelo linguista e pelo filósofo da linguagem.

Na teoria subjetivista da linguagem, a enunciação é a expressão da consciência individual. Justamente um dos pontos da crítica de Bakhtin/Volochínov (1999), que rejeita completamente este entendimento.

O subjetivismo idealista defende que a língua seja análoga às outras manifestações ideológicas como as do domínio da arte e da estética. Nesse sentido, o psiquismo individual constitui a fonte da língua, as leis da criação lin-guística. A crítica se fundamenta no que entende os subje-tivistas sobre o uso da linguagem, a saber, uma psicologia individual que considera a língua uma evolução autônoma e ilimitada, uma criação contínua, onde a linguagem fun-ciona como um espelho, onde expressão e pensamento se refletem.

Os fundamentos essenciais dessa corrente linguística são assim apresentados:

1. A língua é uma atividade, um processo criativo ininter-rupto de construção (“energia”), que se materializa sob a forma de atos individuais de fala.2. As leis da criação linguística são essencialmente as leis da psicologia individual.3. A criação linguística é uma criação significativa, análoga à criação artística.4. A língua, enquanto produto acabado (“ergon”), enquan-to sistema estável (léxico, gramática, fonética), apresenta-se como um depósito inerte, tal como a lava fria da criação lin-guística, abstratamente construída. (BAKHTIN/VOLOCHÍ-NOV, 1999, p. 73)

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Coloca, portanto, a criação linguística no mesmo patamar da criação artística, isto é, um processo interior que resulta na expressão da consciência individual, onde a capacidade da pessoa se expressar bem está ligada diretamente à sua capaci-dade de pensar.

Ter um pensamento lógico é indispensável para aquele que desejar se expressar verbalmente ou escrever de forma in-teligível ao seu interlocutor, pois, nessa concepção. A crítica direciona-se à visão da linguagem como tradução daquilo que ocorre no interior da mente, o “espelho” do pensamento. O fenômeno linguístico fica reduzido a um ato racional, ou como afirma Travaglia (1997, p. 21) “a um ato monológico, individu-al, que não é afetado pelo outro nem pelas circunstâncias que constituem a situação social em que a enunciação acontece”.

A Gramática normativa reforça a ideia do “certo” e do “errado”, noção que serve principalmente para privilegiar al-gumas variantes linguísticas em detrimento de outras. Privi-légio este que é bem perceptível nas palavras de Franchi (1991, p. 48), pois para ele a gramática normativa é “o conjunto siste-mático de normas para bem falar e escrever, estabelecidas pe-los especialistas, com base no uso da língua consagrado pelos bons escritores.” O que serve para atestar que, para aqueles que defendem o uso da gramática tradicional, só quem fala e escreve segundo as normas desta gramática, é capaz de orga-nizar logicamente o seu pensamento.

Para os normativos, a língua é um sistema de normas acabado, fechado, abstrato e sem interferência social. Por con-seguinte, ignoram toda possibilidade de estudar a língua em uso e não levam em conta também nenhuma outra variante da língua, senão a intitulada culta ou padrão.

Com a concepção da relação entre linguagem e pensa-mento orientada pelos subjetivistas, a dificuldade de expres-são e os desvios das regras da gramática normativa são tidos como incapacidade de pensar e raciocinar logicamente.

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Para Koch (2002, p.13), “à concepção de língua como representação do pensamento corresponde a de sujeito psi-cológico, individual, dono de sua vontade e de suas ações”. Complementando, ela ainda afirma que:

o texto é visto como um produto — lógico — do pensamen-to (...) do autor, nada mais cabendo ao leitor/ouvinte senão “captar” essa representação mental, juntamente com as in-tenções (psicológicas) do produtor, exercendo, pois, um pa-pel essencialmente passivo (KOCH, 2002, p. 16).

A crítica de Bakhtin/Volochínov (1999), assumindo uma postura oposta à tendência idealista, dá-se ao conside-rar o ato individual da fala, a enunciação, como núcleo da realidade linguística. Basicamente, o subjetivismo idealista adota o dualismo entre o interior (consciência) e o exterior (ato de expressão), onde o conteúdo interior sobrepõe o ex-terior, essa é a concepção posta por Humboldt.

O subjetivismo desenvolve-se calcado no idealismo, defende a ideia de que todo ato de expressão origina-se no interior. Dessa forma, a função expressiva da linguagem é evidenciada e a função comunicativa não é considerada, é uma tendência centrada no locutor, como princípio e fim da linguagem. Bakhtin/Volochínov critica essa tendência por-que despreza o processo de interação verbal.

Nesse processo, considera-se o ouvinte como auxilia-dor do locutor em toda ação comunicativa, não são apenas ouvintes, mas interlocutores no diálogo vivo, dotados de uma atitude responsiva em relação ao ato da enunciação.

Segundo Faraco (2001, p. 121):

para Bakhtin, o que constitui a realidade fundamental da linguagem é essa atividade sociossemiótica – que se dá não entre indivíduos isolados que apenas atualizariam um sis-tema objetivo ou apenas expressariam uma subjetividade

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dada a priori, mas entre indivíduos socialmente organiza-dos, isto é, constituídos e imersos nas relações sociais his-toricamente dadas e das quais participam de forma ativa e responsiva.

No princípio dialógico da responsividade, locutor e ou-vinte estão em um mesmo plano. Assumem a postura de par-ceria na comunicação. O discurso do locutor é apreendido pelo ouvinte no processo dialógico de confrontação entre as palavras ditas e elaboradas pelo sujeito. Ao ser enunciada, a palavra provoca uma réplica, assim, compreender é oferecer respostas. A resposta pode ser ou não ser imediata. De qual-quer forma, de um jeito ou de outro sempre são dadas, afinal estamos produzindo uma resposta ao passo que participamos efetivamente de um diálogo.

As respostas a que se refere Bakhtin/Volochínov (1999) são as seguintes: respostas verbais ou ações derivadas do enun-ciado pronunciado. A este comportamento ativo adotado pelo ouvinte, ele denominou de atitude responsiva. Faria (2002, p. 27) explica: “o aspecto ativo manifesta-se também como ajuda ao locutor. É certo, diz Bakhtin/Volochínov, que o falante tem seus direitos inalienáveis em relação à palavra, mas o ouvinte também está presente de algum modo.” Ela conclui dizendo que o “eu”, sozinho, não constrói o enunciado.

O locutor e interlocutor recebem importância equiva-lente, pois ambos são influentes na determinação e compo-sição de um enunciado, já que o auxilio mútuo relaciona o receptor, através de sua atitude responsiva, ao emissor na atividade enunciativa.

A crítica bakhtiniana aos idealistas está fundamentada na parte do uso da linguagem pelos locutores no mundo. Vejamos:

O próprio locutor como tal é, em certo grau, um responden-te, pois não é o primeiro locutor, que rompe pela primeira

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vez o eterno silêncio do mundo mudo, e pressupõe não só a existência do sistema da língua que utiliza, mas, também a existência dos enunciados anteriores – emanantes deles mesmos ou do outro – aos quais seu próprio enunciado está vinculado por algum tipo de relação (fundamenta-se neles, polemiza com eles), pura e simplesmente ele já os supõe co-nhecidos do ouvinte (BAKHTIN, 2000, p. 291).

O caráter histórico da linguagem ocupa um lugar de evidência nas relações. Dessa forma, nega-se qualquer ten-tativa de sistematização teórica que não vincule os enuncia-dos às relações social e histórica no pensamento da intera-ção verbal de Bakhtin. Conforme Faraco (2001, p. 122):

Pela primeira vez, descortina-se a possibilidade de conectar o agir do homem – na sua condição de ser sócio-histórico, criador, transformador e em permanente devir – com uma linguagem fundamentalmente plástica, isto é, adaptável à abertura, ao movimento, à heterogeneidade da vida humana.

Observa-se, a partir dessa dimensão, que o caráter só-cio-histórico-ideológico da linguagem deve estar no cerne da discussão dos processos de interação social.

Há divergências claras desse caráter dialógico para o conceito humboldtiano da linguagem como produto ideo-lógico. Em O círculo de Bakhtin e o marxismo soviético: uma “aliança ambivalente”, Tchougounnikov (2011) explica a ideia de linguagem autônoma e ilimitada, todo locutor re-cria, de forma integral, a linguagem no momento em que fala. É um processo de refazimento do trabalho executado antes dele por gerações que o antecederam.

A obra Marxismo e Filosofia da Linguagem estende sua crítica feita aos subjetivistas e ao objetivismo abstrato, prin-cipalmente no que concerne ao conceito de língua como sistema organizado de sinais estabelecidos por Saussure

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(1969). Na próxima seção, portanto, apresentamos a lingua-gem como sistema que auxilia na comunicação entre os in-divíduos.

2. A crítica ao objetivismo abstrato

A língua, de acordo com a concepção objetivista é es-trutural, isto é, um sistema organizado de sinais que ser-vem como instrumento de comunicação entre os indivídu-os, que segundo Saussure (1969), principal representante dessa corrente, é um conjunto de “signos”, que combinados através de regras, possibilitam ao “emissor” transmitir de-terminada mensagem ao “receptor.”

Vejamos o que registra Bakhtin/Volochínov (1999, p. 76):

É claro que o sistema linguístico, no sentido acima defini-do, é completamente independente de todo ato de criação individual, de toda intenção ou desígnio. Do ponto de vista da segunda orientação, não se poderia falar de uma criação refletida da língua pelo sujeito falante. A língua opõe-se ao indivíduo enquanto norma indestrutível, peremptória, que o indivíduo só pode aceitar como tal.

A lógica do objetivismo abstrato é uma comunicação concretizada por meio de um código, cuja utilização pelo “emissor” e “receptor” obedece à convenção das normas. Nesse sentido, Bakhtin/Volochínov (1999, p. 75) critica a teoria saussuriana veementemente dizendo:

Enquanto que, para a primeira orientação, a língua constitui um fluxo ininterrupto de atos de fala, onde nada permane-ce estável, nada conserva sua identidade, para a segunda orientação a língua é um arco-íris imóvel que domina este fluxo.

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O autor discorda das tendências subjetivista e objetivis-ta, ao afirmar que nem a primeira nem a segunda orientação dão conta da linguagem enquanto tal, pois desde sempre a língua serve como instrumento de comunicação. O sistema linguístico que pode ser acabado teoricamente, em suas for-mas gramaticais, lexicais e fonéticas predefinidas não garan-tem que todos os falantes e ouvintes se relacionem, o que permite e garante a comunicação entre as pessoas é a capaci-dade interativa verbalmente dos falantes e as diferentes for-mas como estes inovam na utilização da língua.

O Curso de Linguística Geral de Ferdinand de Saussu-re aborda a língua como um sistema abstrato, homogêneo, geral, virtual, um fato social, “um sistema de signos que exprimem ideias” (SAUSSURE, 1969, p. 24). A língua é con-siderada por ele como uma instituição social “exterior ao indivíduo, que por si só, não pode nem criá-la nem mo-dificá-la” (Ibidem, p. 22). Ela serve como um elemento de organização social, cabendo à linguística estudar a língua de forma sistemática, excluindo a fala de tais estudos, pelo fato de ela ser constituída de atos individuais. Também não se faz presente nos trabalhos realizados por Saussure qual-quer estudo diacrônico da língua.

O processo pelo qual as línguas se modificam não é levado em consideração. O que importa nos trabalhos de Saussure é entender como as línguas funcionam num dado momento, ou seja, é feita apenas uma descrição sincrônica da língua, como meio de comunicação entre seus falantes, partindo de sua análise estrutural e configuração formal. Sobre o objetivismo abstrato afirma o filósofo:

Para esta segunda orientação do pensamento filosófico-lin-guístico, o fato mais significativo é o fosso que separa a his-tória do sistema linguístico em questão da abordagem não histórica, sincrônica. (...) Na verdade, as formas que consti-tuem o sistema linguístico são mutuamente dependentes e

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completam-se como elementos de uma só e mesma fórmula matemática. A mudança de um dos elementos do sistema cria um novo sistema, assim como a mudança de um dos elementos da fórmula cria uma nova fórmula. (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 1999, p. 77-78).

Ressaltamos que a concepção objetivista faz um recor-te diacrônico, não considerando nenhuma relação entre os vários momentos da evolução ou mudança da língua. Es-ses postulados metodológicos estruturalistas serviram para que a linguística progredisse como ciência. Delimitado seu objeto de estudo, Saussure estabeleceu os procedimentos metodológicos e teóricos a serem empregados. Bakhtin/Vo-lochínov (1999) critica outro ponto na teoria de Saussure: o fato de considerar a língua como um produto coletivo, uma instituição social e, portanto, livre da influência criativa dos falantes, sendo que para o indivíduo as leis linguísticas são arbitrárias, isto é, privadas de uma justificação natural ou ideológica.

De acordo com Saussure (1969), a relação entre o signi-ficado e o significante é arbitrária, pois a imagem acústica do signo não tem conexão natural com o significado deste. Eis as noções de signo, significado e significante à luz de Saussure (1969, p. 79-80):

Os termos implicados no signo linguístico são ambos psí-quicos e estão unidos, em nosso cérebro, por um vínculo de associação. (...) O signo linguístico une não uma coisa e um palavra, mas um conceito e uma imagem acústica. Esta não é o som material, coisa puramente física, mas a impressão psíquica desse som, a representação que dele nos dá o testemunho de nossos sentidos. (...) O signo linguístico é, pois, uma entidade psíquica de duas faces (...). Esses dois elementos estão intimamente unidos e um reclama o outro.

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A noção de signo inerte, imutável, aleatório que precei-tua o objetivismo abstrato, recebe a crítica sob a fundamen-tação de que todo signo é ideológico e são das estruturas sociais que provém a ideologia. Nesse sentido, a variação é inerente à língua e, “obedece a leis internas (reconstrução analógica, economia), ela é, sobretudo, regida por leis ex-ternas, de natureza social.” Bakhtin/Volochínov (1999).

Na crítica, Bakhtin/Volochínov (1999) propõe o estudo da linguagem como objeto da translinguística, enquanto a noção de língua dos estruturalistas, metodologicamente, trabalha com línguas mortas, como alega Bakhtin/Volochí-nov (1999, p. 108):

A língua, como sistema de formas que remetem a uma nor-ma, não passa de uma abstração, que só pode ser demons-trada no plano teórico do ponto de vista do deciframento de uma língua morta e do seu ensino. Esse sistema não pode servir de base para a compreensão e a explicação dos fatos linguísticos enquanto fatos vivos e em evolução (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 1999, p. 108).

Na perspectiva dos estruturalistas, como vimos, o conjunto de formas da língua é visto como imutável, uma vez que não considera as mudanças históricas e sociais. É uma visão que desliga a língua e seu conjunto de formas dos sujeitos falantes e das relações linguísticas existentes entre eles. A crítica é justamente no ponto em que ele en-tende que não se concebe a desvinculação da linguagem do sujeito, o elo que os une lhe confere uma realidade con-creta e ideológica.

Contrariamente aos estruturalistas, que privilegiam a forma abstrata da língua com suas características formais estáveis constitutivas do sistema, Bakhtin/Volochínov (1999), na opinião de Faria (2002, p. 28), enfatiza a situação concreta e toda a diversidade da fala, “teoriza sobre o dis-

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curso numa perspectiva que o considera na realidade viva do dia-a-dia”.

A linguagem é ideológica porque, ao emitirmos enun-ciados, não estamos pronunciando meras palavras, e sim “verdades ou mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis” (BAKHTIN/VO-LOCHÍNOV, 1999, p. 95), no sentido da comunicação dos falantes.

Em relação a este caráter histórico-social da linguagem defendido por Bakhtin, Miotello (2005, p. 170) afirma que:

O ponto de vista, o lugar valorativo e a situação são sempre determinados sócio-historicamente. E seu lugar de consti-tuição e materialização é na comunicação incessante que se dá nos grupos organizados ao redor de todas as esferas das atividades humanas. E o campo privilegiado de comuni-cação contínua se dá na interação verbal, o que constitui a linguagem como o lugar mais claro e completo da materiali-zação do fenômeno ideológico.

Em outras palavras, podemos dizer que o importante é o propósito ideológico impregnado no conteúdo pronun-ciado. Diferentemente dos estruturalistas, Bakhtin/Volochí-nov (1999) considera não só o estudo do sistema da forma e sua norma; conjuntamente a isso está o conteúdo ideo-lógico subjacente ao enunciado. A separação, mesmo num plano teórico, acarreta uma perda irreparável no entendi-mento da essência de um estudo, que tem como objeto a linguagem.

A partir da crítica de Bakhtin/Volochínov (1999) ao subjetivismo e ao objetivismo ele propõe a polissemia da palavra. Esta adquire sentido bastante diferente do que de-fendeu Humboldt e Saussure, ela está em função da situa-ção em que foi enunciada. O sujeito falante usa as formas da língua concretamente, a fim de comunicar algo e para

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conseguir essa comunicação efetiva, ele age interagindo verbalmente com outras sujeitos falantes, defende Bakhtin/Volochínov (1999, p. 123):

A verdadeira substância da língua não é constituída de for-mas linguísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua.

Com esta afirmação fica claro que não é a forma da lín-gua a unidade fundamental, e sim o diálogo com toda a sua complexidade. O termo diálogo nessa concepção não deve ser entendido em sentido restrito, mas extensivo à comuni-cação verbal em toda a sua totalidade.

Para Brait (1997, p. 98), a noção bakhtiniana de dialogis-mo pode ser interpretada de duas diferentes maneiras:

Por um lado, o dialogismo diz respeito ao permanente di-álogo, nem sempre simétrico e harmonioso, existente entre os diferentes discursos que configuram uma comunidade, uma cultura, uma sociedade. (...) Por um outro lado, o dia-logismo diz respeito às relações que se estabelecem entre eu e o outro nos processos discursivos instaurados histori-camente pelos sujeitos, que, por sua vez, instauram-se são instaurados por esses discursos.

Com efeito, a concepção de Bakhtin/Volochínov vista por este prisma coloca no discurso um caráter dialógico da linguagem e instaura uma perspectiva múltipla de sentidos. Na opinião de Faraco (2001, p. 122), é só a partir de Bakhtin que se ultrapassa uma concepção dicotômica de linguagem:

Pela primeira vez, parece possível pensar as questões do sig-no para além da campânula dos sistemas formais, dos códi-

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gos que tudo prevêem, tudo definem e que, por necessidade das opções teóricas de base, estabelecem uma relação fixa entre o significante e o significado. Pela primeira vez, parece possível entender os processos de significação como ao mes-mo tempo relativamente estáveis e sempre abertos, porque percebidos como ações de natureza social, dependentes de relações sociais.

Assim, Bakhtin/Volochínov nega o estudo da lingua-gem a partir do paradigma estruturalista. Em substituição, o autor lança a interação verbal como objeto de estudo da translinguística, por considerar o diálogo, ou seja, a língua em sua autêntica realização. Para o pensador russo, nosso objeto de investigação é a enunciação em situação de co-municação particular, não mais o estudo da frase abstrata, retirada do contexto enunciativo.

O discurso permeia todas as relações existentes no seio de uma comunidade. Na verdade, é ele que constitui tais relações, bem como os sujeitos que interagem a partir dele. Ou, como diria Faraco (2001, p. 118): “Trata-se de apreender o homem como um ser que se constitui na e pela interação, isto é, em meio à complexa e intrincada rede de relações sociais de que participa permanentemente”.

4. Considerações finais

Bakhtin/Volochínov (1999) tece críticas contundentes ao subjetivismo e ao objetivismo, duas tendências dos es-tudos tradicionais da linguagem. O subjetivismo idealista de Humboldt, que teorizou a língua em seu sentido ide-ológico transcendental, leva em consideração uma lingua-gem psicologicamente individual; e o objetivismo abstrato de Saussure defende o estruturalismo linguista com toda a sua forma e estrutura pré-fixada.

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Porém, essas críticas não são feitas visando a destruir o aparato teórico destes pensadores importantes da tradi-ção. Sua perspectiva é de construção, conforme ele afirma, por exemplo, sobre o pensamento saussuriano Bakhtin/Volochínov (1999, p. 133): “as pesquisas metalinguísticas, evidentemente, não podem ignorar a linguística e devem aplicar os seus resultados [...] devem completar-se mutua-mente não fundir-se”.

Sendo assim, essa proposta é a complementação entre a ordem da langue e o desvio necessário da parole. O impor-tante é observar o autor da fala, seus atos de fala realizados nas diferentes situações e compreender o funcionamento eficaz da linguagem.

Com Marxismo e Filosofia da Linguagem surge uma nova concepção de linguagem. As análises linguísticas introduzi-das pelos interacionistas trazem para o estudo conceitos de sociedade e de história, dantes descartados por Humboldt no subjetivismo idealista e pela linguística saussuriana na subtra-ção dos sujeitos falantes, ao defender o objetivismo abstrato.

A tentativa de qualquer descrição da língua que exclua as outras semiologias constitutivas da produção de senti-do será inócua e ineficiente na concepção do interacionis-mo bakhtiniano, a palavra, por sua vez, não é monológica, nem tampouco neutra. Ela, assim como o discurso, assume sentidos historicamente constitutivos, recebe dos discursos socialmente sustentados uma multiplicidade de sentidos.

Desse modo, toda a enunciação, por ser interativa, é dialógica. Ela é determinada por um conjunto previamen-te definido de acontecimentos e apresentada mediante seu objetivo maior, que é comunicar ao outro. O dialogismo, por-tanto, revela-se na interatividade da linguagem como pro-duto da investigação bakhtiniana sobre a linguagem na tra-dição linguística. Por conseguinte, para descrever a língua devem-se observar as manifestações linguísticas produzidas

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por sujeitos reais em situações comunicativas particulares. Esse entendimento transformou o modo de ver a linguagem, tanto para linguistas como para filósofos, uma vez que no estudo da linguagem há uma linha tênue que divide estas duas importantes áreas do conhecimento humano.

Para que possamos entender que este assunto não tem um posicionamento definitivo, ficam as seguintes questões: há possibilidades de a concepção de linguagem conhecida como objetivismo abstrato responder a questões filosóficas? Se o psiquismo individual como ato significativo esclarece o fenômeno linguístico, será que a plasticidade da lingua-gem é encontrada na objetividade ou subjetividade dos su-jeitos falantes? Como procedemos, depois de tomar conhe-cimento da interação verbal construída sociologicamente com a presença histórica e marcas culturais, em um mundo fortemente marcado pelo produto pronto? Eis alguns ques-tionamentos que podem nortear pesquisadores dispostos a contribuir com a pesquisa em filosofia da linguagem.

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BAKHTIN/VOLOCHÍNOV E OS PROBLEMAS DA CONSTRUÇÃO DO SENTIDO

Francisco de Freitas Leite (URCA/PROLING-UFPB)[email protected]

Maria Verônica A. da Silveira Edmundson(IFET-PB/PROLING-UFPB) [email protected]

Palavras introdutórias

Em fins dos anos 20 do século XX, quando Marxismo e filosofia da linguagem foi escrito, tendências formalistas do-minavam a linguística de modo que a obsessão imanentista de resolver as questões de língua em si e por si empurrava as teorizações a um rigor formal tão metodologicamente estabelecido – sobretudo nos trabalhos dos estruturalis-tas –, que terminavam por isolar a linguística, naquilo que Bakhtin/Volochínov ([1929] 2009, p. 133) chamou de “soli-lóquio”.

Os ganhos academicistas que o status de ciência-piloto, entre as ciências humanas, trouxe à linguística estruturalis-ta, por exemplo, consequentemente cobravam uma reclu-são, um monólogo intralinguístico, uma quase que ojeriza a trazer as questões sociais, históricas e enunciativas ao âm-bito mesmo das considerações linguísticas, que levavam a linguística a considerar a linguagem de forma mutilada, ou seja, restrita apenas à langue, ao sistema virtual.

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Com o advento do Curso de linguística geral de Saussu-re, publicado em 1916, estabeleceu-se um certo temor de impureza na linguística (Saussure criticava que antes dele os linguistas nunca tinham se preocupado em estabelecer um objeto para a linguística, adentrando os domínios de outras ciências, tais como da sociologia, da psicologia, da teoria literária etc.) que se concretizava em evitar-se nos es-tudos linguísticos a fronteira com outras ciências ou mes-mo a se trabalhar elementos extralinguísticos. Desde essa época, outro temor estabelecido, digamos assim, era o de associar as questões de língua à história, o que poderia pa-recer um retroagir ao modo de se fazer linguística do século XIX, que Saussure denominou de Diacronia.

Nessa atmosfera em que a ciência da linguagem estava imersa, as questões relativas às significações e aos sentidos, basicamente, ou se reduziam às concepções do objetivis-mo abstrato, tais como as da teoria do signo linguístico de Saussure, ou eram tratadas como sendo do âmbito da esti-lística, ao modo do subjetivismo idealista de Vossler ou de Humboldt, segundo críticas do próprio Bakhtin/Volochí-nov ([1929] 2009). Ou seja, nessa atmosfera reducionista em que a ciência da linguagem estava imersa, tratar de ques-tões como as da significação, que carecem necessariamente de serem levadas em conta elementos tais como o contexto social, a ideologia, o momento da enunciação, os sujeitos, a história etc., ou seja, elementos constitutivos da produção de sentido, mas exteriores à língua enquanto sistema abs-trato, era simplesmente impraticável. Ficavam essas ques-tões, portanto, sempre como interesses secundários dos tra-balhos linguísticos.

Nesse ínterim, até mesmo pela falta de trabalhos ante-riores em que se apoiasse, justifica-se Bakhtin/Volochínov ([1929] 2009, passim) dizer que iria se limitar, falando da sig-nificação, “a um exame breve e superficial dessa questão”

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(p. 133), mas talvez isso mesmo é que acentue o caráter pre-cursor em tratar esse problema numa perspectiva dialética e enunciativa, numa época em que ainda eram predomi-nantes as abordagens formalistas da questão.

Podemos dizer que uma problemática posta na época para Bakhtin/Volochínov era a seguinte: como “abordar os fundamentos e as características essenciais da significação linguística”? (p. 133). Neste artigo apresentamos um estudo do capítulo 7 de Marxismo e filosofia da linguagem – “Tema e significação na língua” – com base nessa problemática.

1. O problema da significação

No entender de Bakhtin/Volochínov ([1929] 2009, pas-sim), resolver o problema da significação dentro do “soliló-quio da ciência linguística” (p. 133) e com as considerações imanentistas não era viável, nem sequer com os meios da compreensão passiva típica dos filólogos.

A maneira mais viável de abordar a questão deveria ser por meio da dialética estabelecida entre a significação linguística e repetível e o tema contextual e irrepetível, que passa também pelo exame da compreensão ativa do tema (sentido próprio de cada enunciação), bem como pela con-sideração do acento apreciativo e da entoação expressiva.

Seja por uma questão de tradução ou por uma questão mesma de que o sentido de qualquer palavra muda con-forme o contexto em que se enuncia, a palavra significação aparece no texto de Marxismo e filosofia da linguagem em um sentido largo e em um sentido estreito, como didaticamen-te denominamos e explicamos abaixo.

Chamaremos de “significação lato sensu” ao que Bakhtin/Volochínov (p. 133) deixa entender como sendo a parte da linguagem referente aos significados e aos senti-

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dos, mais ou menos ao que se poderia chamar também de semântica.

Chamaremos “significação stricto sensu” ao que Bakhtin/Volochínov entende como “a palavra isolada de seu contexto” (p. 98) ou “elemento abstrato igual a si mes-mo” (p. 141), ou mesmo o que Saussure chama de signo (significante + significado), ou seja, signo imanente. Mas, apesar de uma palavra isolada poder operar “como uma enunciação global” (p. 135-136), a significação (stricto sensu) não se refere somente a uma palavra isolada, ela correspon-de também ao conjunto dos significados das palavras, às relações morfossintáticas, às entonações (interrogativa, ex-clamativa...), etc. que compõem a estrutura da enunciação (p. 134). O que denominamos aqui de “significação stricto sensu” poderia também ser denominado de “significado”, como vemos na tradução argentina em Voloshinov ([1929] 1976, p. 125-133).

Como se percebe, significação (stricto sensu) para Bakhtin/Volochínov também pode equivaler a signo para Saussure, mas o pensador russo vai além do estudo do sig-no linguístico saussuriano, pois acrescenta a noção de sen-tido (tema), de acento apreciativo (valor socioideológico) e de entoação expressiva (emotiva e afetiva), elementos a que Saussure não se deteve, justamente porque o interesse de Saussure era o sistema abstrato (a língua ideal) e não os usos reais que necessariamente levam em conta a exteriori-dade na qual se banham as palavras (os signos).

O que Bakhtin/Volochínov ([1929] 2009, passim) chama de significação (stricto sensu) podemos explicar como sendo uma espécie de sensus latens, um sentido latente, como uma semente de sentido que, estando adormecida, só germinará no ambiente propício da enunciação, do ato, da interação; caso contrário continuará quieta, guardada, armazenada nas suas potencialidades de um livro ou de uma inscrição,

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por exemplo, à espera do momento favorável (entenda-se aqui momento de enunciação) à sua germinação na forma de sentido real, concreto e vivo: um sensus factus.

Essa metáfora da semente adormecida e da semente germinada em ambiente propício corresponde à perspec-tiva dialética como a questão foi tratada por Bakhtin/Vo-lochínov, visto que para ele as distinções entre o sentido usual e ocasional, entre sentido denotativo e conotativo, ou entre sentido central e lateral “são fundamentalmente insa-tisfatórias” (p. 136).

Distinguir e compreender as relações entre o tema e a significação constitui o primeiro passo para se entender o problema do sentido na linguagem. Significação e tema estão definidos e diferenciados ao longo do capítulo 7 de Marxismo e filosofia da linguagem de Bakhtin/Volochínov ([1929] 2009, passim) da maneira que apresentamos a seguir:

SIGNIFICAÇÃO TEMA• Além do tema, ou, mais exata-

mente, no interior dele, a enunci-ação é igualmente dotada de uma significação (p. 134).

• Significação (...): elementos da enunciação que são reiteráveis e idênticos cada vez que são repeti-dos (p. 134)

• Esses elementos são abstratos: fun-dados sobre uma convenção, eles não têm existência concreta inde-pendente, o que não os impede de formar uma parte inalienável, indispensável, da enunciação (p. 134).

• A significação da enunciação, ao contrário [do tema], pode ser ana-lisada em um conjunto de signifi-cações ligadas aos elementos lin-guísticos que a compõem (p. 134).

• Um sentido definido e único, uma significação unitária, é uma propriedade que pertence a cada enunciação como um todo (p. 133).

• O sentido da enunciação completa [é] o seu tema (p. 133).

• Individual e não reiterável [como a enunciação] (p. 133).

• Ele se apresenta como a expressão de uma situação histórica concreta que deu origem à enunciação (p. 133).

• O tema da enunciação é determina-do não só pelas formas linguísticas que entram na composição (as pa-lavras, as formas morfológicas ou sintáticas, os sons, as entoações), mas igualmente pelos elementos não verbais da situação (p. 133).

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SIGNIFICAÇÃO TEMA• A significação da enunciação:

“Que horas são?” é idêntica em to-das as instâncias históricas em que é pronunciada; ela se compõe das significações de todas as palavras que fazem parte dela, das formas de suas relações morfológicas e sintáticas, da entoação interroga-tiva etc. (p. 134)

• A significação é um aparato téc-nico para a realização do tema (p. 134).

• É impossível traçar uma fronteira mecânica absoluta entre a signifi-cação e o tema (p. 134).

• Não há tema sem significação, e vice-versa (p. 134).

• É impossível designar a signifi-cação de uma palavra isolada (por exemplo, no processo de ensinar uma língua estrangeira) sem fazer dela o elemento de um tema, isto é, sem construir uma enunciação, “um exemplo” (p. 134).

• A significação é um estágio infe-rior da capacidade de significar. A significação não quer dizer nada em si mesma, ela é apenas um potencial, uma possibilidade de significar no interior de um tema concreto. (p. 136).

• A investigação da significação de um ou outro elemento linguístico [...] pode tender para o estágio inferior, o da significação: nesse caso, será a investigação da sig-nificação da palavra no sistema da língua, ou em outros termos a investigação da palavra dicionari-zada (p. 136).

• Caráter não reiterável e historica-mente único de cada enunciação concreta (p. 134).

• O tema da enunciação é concreto (p. 134).

• O tema da enunciação é na essên-cia irredutível a análise (p. 134).

• O tema da enunciação: “Que horas são?”, tomado em ligação indis-solúvel com a situação histórica concreta, não pode ser segmen-tado (p. 134).

• O tema é um sistema de signos dinâmico e complexo, que procu-ra adaptar-se adequadamente às condições de um dado momento da evolução (p. 134).

• O tema é uma reação da consciên-cia em devir ao ser em devir1 (p. 134).

• O tema deve apoiar-se sobre uma certa estabilidade da significação; caso contrário, ele perderia seu elo com que precede e o que se segue, ou seja, em suma, o seu sentido (p. 134).

• O tema constitui o estágio supe-rior real da capacidade linguística de significar. De fato, apenas o tema significa de maneira deter-minada (p. 136).

• A investigação da significação de um ou outro elemento linguístico pode [...] orientar-se [...] para o es-tágio superior, o tema; nesse caso, tratar-se-ia da investigação da sig-nificação contextual de uma dada palavra nas condições de uma enunciação concreta (p. 136).

1 Como a tradução brasileira usou a palavra “devir”, que possui acepções (ou significações) desde as mais comuns em usos prosaicos, como o “vir-a-ser” (FERREIRA, 1986, p. 582), até aquelas mais comuns em usos filosóficos, tais

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A questão é, pois, entendida da seguinte forma: sig-nificação + contexto (enunciação) à tema (sentido). Toda enunciação se dá num contexto e num momento histórico único e jamais repetível, sendo também contextual, histó-rico e irrepetível o seu tema (ou o sentido da enunciação), entretanto os elementos que compõem a forma linguística (a estrutura) dessa enunciação são duradouros.

Cereja (2007, p. 202) distingue significação e tema fa-zendo a seguinte analogia: “se a significação está para o signo – ambos virtualidades de construção de sentido da língua –, o tema está para o signo ideológico, resultado da enunciação concreta e da compreensão ativa, o que traz para o primeiro plano as relações concretas entre sujeitos”.

Ilustremos a questão com o seguinte exemplo: um agri-cultor do sertão, que depende da chuva para cultivar a sua roça, escuta no rádio durante o horário das previsões me-teorológicas a enunciação: Vai chover. Num outro contexto, um turista que, estando numa praia do litoral nordestino, esperando um dia de sol para melhor aproveitar um raro final de semana para descansar e se bronzear, escuta na TV durante o horário das previsões meteorológicas a enuncia-ção: Vai chover. O tema (ou sentido) da enunciação no pri-meiro contexto não é o mesmo produzido no segundo con-texto, apesar de a significação (stricto sensu) ser a mesma.

No primeiro contexto enunciativo, o tema da enun-ciação Vai chover gira em torno do sentido de: agora a roça poderá ser cultivada, haverá condições de produzir, haverá safra, haverá lucro etc. Outras enunciações que têm sentidos apro-

como: “transformação incessante e permanente pela qual as coisas se constro-em e se dissolvem noutras coisas” (Idem, ibidem), entendemos que apresen-tando também aqui a tradução argentina, que em vez de “devir” (ou “devenir” em castelhano) usou “proceso generativo” (que pode ser traduzido para o por-tuguês como “processo gerador” ou mesmo “evolução”), poderíamos lançar uma luz sobre essa definição aqui dada ao tema. Eis como este trecho aparece em Voloshinov ([1929] 1976, p. 126): “El tema es la reacción de la conciencia en su proceso generativo al proceso generativo de la existencia”.

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ximados ao tema desta enunciação são, por exemplo, aque-las tipicamente encontradas nos discursos dos sertanejos em relação à chuva: Ô tempo bom! ou O tempo tá bonito pra chover!.

No segundo contexto enunciativo, o tema da enuncia-ção Vai chover, apesar das formas linguísticas repetidas em outras enunciações, gira em torno do sentido de: agora a praia não estará em condições de lazer, o final de semana com sol e praia ficará perdido, não será possível o bronzeamento natural etc. Outras enunciações que têm sentidos aproximados ao tema desta enunciação, por exemplo, em relação à chuva, são aquelas tipicamente encontradas nos discursos dos tu-ristas que vão à praia: O tempo está ruim! ou Tempo feio!

É preciso notar que para o agricultor do sertão os senti-dos das enunciações produzidas em discurso sobre a chuva estão normalmente associados a coisas boas, bonitas, agra-dáveis, enquanto que os sentidos das enunciações produzi-das por turistas nas praias em discurso sobre a chuva estão normalmente associados a tempo ruim, feio, fechado.

Esse exemplo mostra que o sentido de uma palavra (de um enunciado qualquer) só poderá ser compreendido se forem considerados, além da significação (enquanto estru-tura morfossintática, lexical etc.), também os elementos ex-tralinguísticos (sujeitos, contexto socioideológico, histórico etc.), que são indispensavelmente constitutivos dos proces-sos de construção do sentido.

2. O problema da compreensão

Ao fazer também a distinção entre compreensão ativa e compreensão passiva, Bakhtin/Volochínov ([1929] 2009, p. 136-137) esmiúça e esclarece ainda mais a sua concepção que distingue significação e tema.

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Uma tradição filológica que ainda perdurava nos es-tudos linguísticos, quando foi escrito Marxismo e filosofia da linguagem, tendia a se trabalhar a questão do sentido ao modo de um estudo histórico e etimológico, numa espécie de obsessão por se estabelecer (à semelhança de uma esca-vação paleontológica) o sentido primeiro em que uma de-terminada palavra foi usada, ou o seu sentido num deter-minado período da história da língua, ou ainda, pasmem, seu sentido “verdadeiro”.

Essa maneira típica de o filólogo de tratar o sentido de uma palavra (ou, enfim, de qualquer enunciado) foi, critica-mente, chamada por Bakhtin/Volochínov de compreensão passiva, uma vez que desconsidera completamente a situa-ção enunciativa em que uma palavra ocorra e, pior, relacio-na às palavras tão somente acepções, ou seja, significações.

Um filólogo, trabalhando com uma palavra, “exclui a priori qualquer resposta”, como diz Bakhtin/Volochínov ([1929] 2009, p. 136). Ou seja, não entende o filólogo que uma palavra (um enunciado) não tem sentido isoladamen-te, pois ela ocorre sempre numa enunciação cuja comple-tude extrapola a forma linguística e está necessariamente ligada aos elementos da situação (sujeitos, sociedade, his-tória, ideologia etc.) e ligada dialogicamente às palavras (enunciados) anteriores e às posteriores, estas que, na for-ma de compreensão ativa, lhe confere o caráter responsivo, de palavra e de contrapalavra.

O exemplo abaixo ilustra a compreensão passiva como os filólogos tipicamente abordam as palavras:

De articulo, diminutivo de artus, articulação, viera regular-mente do 1º período de formação do romance português artelho, segundo as mesmas leis que transformaram ovicu-la, auricula, apicula, em ovelha, orelha, abelha. Artelho signifi-ca materialmente tornozelo, e em outras línguas designa o dedo maior do pé. Mais tarde os legistas, os gramáticos e os

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teólogos, tiraram novamente articulo do tesouro latino, com o sentido gramatical e outros sentidos que lhe conhecemos (VASCONCELOS, [Original de 1911-1913] 19–, p. 31).

Observemos que enunciados como “significa material-mente”, “designa”, “sentido gramatical” e “outros sentidos que lhe conhecemos” – considerado o todo dessa enuncia-ção em que figuram – reduzem a ideia de sentido e de sig-nificar ao que Bakhtin/Volochínov chamou de significação (stricto sensu). O que é “significar materialmente” e o que é o “sentido gramatical” de uma palavra ou de uma enun-ciação? Entendemos que, considerada a enunciação, a auto-ra fala de acepção dicionarizada, isto é, nada mais que da palavra descontextualizada e compreendida passivamente como um sinal inerte, ou seja, considerando-se apenas o seu significado abstrato, ao modo saussuriano. Dessa forma, a filóloga tratou as palavras estudadas, como diria Bakhtin/Volochínov ([1929] 2009, p. 136), apenas em seu “estágio inferior da capacidade de significar”.

Já numa compreensão ativa, os sujeitos interlocutores são parceiros, eles interagem entre si em movimentos dia-lógicos. Toda compreensão de um enunciado, seja em um discurso falado ou escrito, implica responsividade, répli-cas, consequentemente uma atividade dialógica. Para en-tender como se dá a compreensão ativa, faz-se necessário, também, entender a concepção dialógica bakhtiniana, cujo principio básico refere-se ao fato de que toda enunciação (toda palavra) dirige-se a alguém, de modo que seu sentido (tema) só se completa quando a compreensão se realiza ati-vamente, no processo de compreensão ativa e responsiva, em forma de réplica ao que foi dito, na interação verbal. Para Bakhtin a única compreensão que tem valor é a atitu-de responsiva que gera esta compreensão ativa, na qual o sentido é construído pelos sujeitos participantes da enun-ciação, sendo o resultado da interpretação dos interlocu-

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tores envolvidos nesse processo. Para Bakhtin/Volochínov ([1929] 2009, p. 136-137):

qualquer tipo genuíno de compreensão deve ser ativo deve conter já o germe de uma resposta. Só a compreensão ativa nos permite apreender o tema, pois a evolução não pode ser apreendida senão com a ajuda de um outro processo evolu-tivo. Compreender a enunciação de outrem significa orien-tar-se em relação a ela, encontrar o seu lugar adequado no contexto correspondente. A cada palavra da enunciação que estamos em processo de compreender, fazemos correspon-der uma série de palavras nossas, formando uma réplica. Quanto mais numerosas e substanciais forem, mais profun-da e real é a nossa compreensão. [...] A compreensão é uma forma de diálogo.

Em Bakhtin ([1979] 2010, p. 271), também se encontra essa ideia de que o interlocutor ao compreender o signifi-cado do discurso ocupa ao mesmo tempo em relação a ele uma ativa posição responsiva, isso porque esse sujeito pode apreciar, aceitar e ou refutar o discurso (parcial ou total), ainda pode aplicá-lo, completá-lo. Essa posição responsiva se constrói ao longo de todo o processo da interação seja na leitura ou na fala, desde seu início, desde a primeira pala-vra. Assim,

toda compreensão da fala viva, do enunciado vivo é de na-tureza ativamente responsiva (embora o grau desse ativis-mo seja bastante diverso); toda compreensão é prenhe de resposta, e nessa ou naquela forma a gera obrigatoriamente: o ouvinte se torna falante (BAKHTIN, [1979] 2010, p. 271).

Dessa forma, para que haja a compreensão ativa não se pode analisar a palavra descontextualizada. O contexto é quem determina o sentido da palavra, porém sem que esta deixe de ser una, ou seja, ela não perde sua unicida-

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de. A cada novo contexto, novo tema é criado, mostrando a dinamicidade da língua. Por isso, não se pode compreen-der ativamente a palavra descontextualizada. Como afirma Sobral (2009, p. 76), “a própria significação, o núcleo básico essencial da língua, se altera a partir dos contextos em que é mobilizada por vários temas em vários contextos possíveis”.

Outro elemento fundamental a se abordar na com-preensão ativa é a acentuação valorativa presente em toda enunciação. Tratemos, então, a seguir, com mais detalhes, dessa questão da apreciação na construção de sentido.

3. O problema da inter-relação entre a apreciação e a significação

“Sem acento apreciativo não há palavra”, assim se ex-pressa Bakhtin/Volochínov ([1929] 2009, p. 137) tratando de uma característica de “toda palavra usada na fala real” (Idem, ibidem), que vai além de significação e tema – conteu-disticamente pensando – e que passa às apreciações (valo-res sociais) e às entoações expressivas (envolvimentos emo-tivos e afetivos).

A palavra, dessa forma como Bakhtin/Volochínov ([1929] 2009) a entende, é um signo ideológico, que é sem-pre carregado de tons e apreciações só percebidos na enun-ciação concreta em que ele ocorra. Considerar uma palavra sem levar em conta o acento apreciativo é compreendê--la passivamente, é reduzi-la a um sinal, imóvel e sempre preso ao dicionário. Só a palavra em potencial, na inércia do sistema ou do léxico, é desprovida de acento (ou valor) apreciativo e de entoação expressiva, porque sempre que for usada concretamente, ela será orientada por um com-plexo contexto socioideológico apreciativo.

Sobre isso, Stella (2007, p. 178) diz:

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As entoações são valores atribuídos e/ou agregados àquilo dito pelo locutor. Esses valores correspondem a uma ava-liação da situação pelo locutor posicionado historicamente frente a seu interlocutor. O falante, ao dar vida à palavra com sua entoação, dialoga diretamente com os valores da sociedade, expressando seu ponto de vista em relação a es-ses valores. São esses valores que devem ser entendidos, apreendidos e confirmados ou não pelo interlocutor. A pa-lavra dita, expressa, enunciada, constitui-se como produto ideológico, resultado de um processo de interação na reali-dade viva.

O próprio fato de escolher uma palavra e não outra para se referir a determinado ser já revela o interesse e o afeto, um acento de valor. Isso pode ser lido também em Bakhtin ([1920-1924] 2010, p. 85):

A palavra não somente denota um objeto como objeto de algum modo presente, mas expressa também com a sua en-tonação (uma palavra realmente pronunciada não pode evi-tar de ser entoada, a entoação é inerente ao fato mesmo de ser pronunciada) a minha atitude avaliativa em relação ao objeto – o que nele é desejável e não desejável.

Dessa forma, entendemos que a seleção das palavras que o sujeito faz para tratar de um ser revela a sua atitude axiológica acerca desse ser (objeto).

Quando uma palavra qualquer (um enunciado) ocorre num discurso de um sujeito, ela foi por ele escolhida con-forme a apreciação social que fez do horizonte social dos seus interlocutores e da situação enunciativa: Seus interlo-cutores eram crianças ou adultos? Quais os seus graus de escolaridades? Quais as apreciações desses interlocutores em relação a ele, o sujeito enunciador? E, se quisermos ana-lisar nessa palavra uma entoação de irritação ou de alegria etc., só poderemos fazer isso levando em conta a enuncia-

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ção, pois só a palavra concretamente enunciada é dotada de acento apreciativo e de entoação expressiva. Isolada, uma palavra é identificada como um sinal, ou seja, como um mero “instrumento técnico para significar”, como diz Bakhtin/Volochínov ([1929] 2009, p. 96), deixando claro também que, quando compreendida ativamente, a palavra é um signo e está, pois, no domínio da ideologia: um signo, sendo integrante da vida real dos sujeitos, é sempre car-regado de valor ideológico. No dizer de Tchougounnikov (2011, p. 1): “O signo ideológico encontra uma manifesta-ção natural na entoação como expressão de valor ou atitude ideológica”.

Em Bakhtin/Volochínov ([1929] 2009, passim) vemos que a entoação expressiva transmite “o nível mais óbvio, que é ao mesmo tempo o mais superficial da apreciação so-cial contida na palavra” (p. 137-138). Nas interações verbais reais – assim como acontece também no exemplo apresen-tado por Bakhtin/Volochínov a partir de um texto de uma publicação periódica, de 1877, o Diário de um Escritor, de Dostoiévski, em que seis operários se comunicam e se com-preendem perfeitamente usando sempre a mesma palavra, mas em cada enunciação com uma entoação diferente, ten-do, portanto, sentido (tema) diferente em cada enunciação – fica claro perceber como é que as “entoações [...] expri-mem as apreciações dos interlocutores” (p. 139).

Assim, quando alguém, por exemplo, diz: Caramba! pode-se perceber, considerado todo o contexto enunciati-vo, uma entoação de espanto ou de admiração (ou outra qualquer) e isso exprimirá a apreciação do sujeito locu-tor em relação à situação enunciativa como um todo (em relação a seu interlocutor, a seu horizonte social, às suas expectativas etc.), mas tudo isso só será percebido e com-preendido por interlocutores perfeitamente envolvidos na situação social imediata.

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Mas o acento apreciativo não se reduz a um uso em uma conversa íntima ou familiar, em qualquer que seja a situação viva de enunciação (oral ou escrita), “cada elemen-to contém ao mesmo tempo um sentido e uma apreciação” (p. 140), ou seja, toda palavra, todo enunciado (na verdade, qualquer elemento linguístico que seja), além de um sen-tido único e irreiterável, possui sempre juízos de valor só perceptíveis quando consideradas a(s) sua(s) entoação(ões) em enunciações vivas.

Além dessa, outra característica importante da língua está também associada à apreciação. As entoações carre-gam valores, que podem ser reavaliados toda vez que uma palavra passa de um contexto avaliativo (apreciativo) para outro diferente. Sobre isso, diz Cunha (2009, p. 27):

A passagem do tema por muitas e diferentes vozes é a ca-racterística da comunicação humana. Nessa circulação in-cessante, por meio de procedimentos que vão desde a lite-ralidade direta na transmissão até a deformação paródica premeditada da palavra de outrem e a sua deturpação, os discursos são inevitavelmente reacentuados nos novos con-textos.

A apreciação envolve tanto o horizonte imediato como o horizonte social mais amplo ao qual pertencem os inter-locutores. Para Bakhtin/Volochínov ([1929] 2009, p. 140) “é à apreciação que se deve o papel criativo nas mudanças de significação. A mudança de significação é sempre, no final das contas, uma reavaliação: o deslocamento de uma pala-vra determinada de um contexto apreciativo para outro”, pois afinal as mudanças na sociedade acarretam também mudanças semânticas, sendo que, nos processos de rea-valiações, “uma nova significação se descobre na antiga e através da antiga, mas a fim de entrar em contradição com ela e de reconstruí-la.” (Idem, p. 141).

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4. Intentando conclusões

Para finalizar, queremos lembrar que a exterioridade (noção tão cara não só à filosofia da linguagem do Círculo de Bakhtin, mas também, por exemplo, à Análise do Discur-so francesa) é um elemento constitutivo/integrante (e não acessório ou opcional) do sentido de uma palavra ou de um enunciado. Os pensadores do Círculo, como se é possível ler em vários trabalhos deles, sempre estão relembrando esse fundamento, como se vê, por exemplo, quando falam da relação entre situação extraverbal e enunciado: a situa-ção se integra ao enunciado como uma parte constitutiva essen-cial da estrutura da significação (VOLOSHINOV e BAKHTIN [1926], 2011, p. 6).

Desprezada a exterioridade e tudo que a ela se relacio-na, como as ideologias, os sujeitos, a história, a memória, a enunciação, o ato, a apreciação social etc., não se pode aí mais falar em sentido (nem em palavra/signo), nesse caso tem-se tão somente a significação (ou um sinal); tem-se, en-fim, não mais que um simulacro de língua.

É evidente a importância de se compreender a questão da produção de sentido a partir da dialética estabelecida entre significação e tema, passando também pela compre-ensão ativa e responsiva. Mas há lugar em sala de aula para se trabalhar essa questão? Nesse sentido, um questiona-mento é colocado: como esses e outros conceitos do Círculo de Bakhtin podem ser levados à prática didática em sala de aula para a formação de sujeitos capazes de dialogar, por exemplo, com o texto, posicionando-se, replicando-o, aceitando-o, refutando-o?

Finalmente, é preciso que se saliente a atualidade e a pertinência dessas contribuições aqui abordadas a partir da obra Marxismo e filosofia da linguagem, – que também se en-contram em outros trabalhos do Círculo – para todos aque-

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les que queiram trabalhar questões de linguagem conside-rando-a, sem mutilações, na interação verbal, na realidade viva da língua através das enunciações.

Referências

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A PALAVRA DE OUTREM: AS FRONTEIRAS DO FENÔMENO SOCIAL DA INTERAÇÃO VERBAL

Eliete Correia dos Santos (UEPB/UFPB/PROLING)[email protected]

Introdução

Historicamente, as gramáticas normativas e/ou tradi-cionais restringem a noção de discurso citado ao nível mor-fológico e sintático, em detrimento de diferentes modos de funcionamento dialógico, os efeitos de sentido produzidos por esta diversidade, a inter-relação dinâmica que se esta-belece entre contexto narrativo e discurso citado.

O presente estudo consiste em uma reflexão acerca de relações possíveis entre os objetos linguístico e discursivo, a partir de investigações feitas na obra Marxismo e filosofia da linguagem, em especial a terceira parte “Para uma história das formas da enunciação nas construções sintáticas: tentativa de aplicação do método sociológico aos problemas sintáticos” em que Bakhtin/Volochínov ([1929] 2009) esboça uma orienta-ção sociológica em linguística, para tratar o fenômeno de transmissão da palavra de outrem, delimitando como fron-teira o fenômeno social da interação verbal em seu todo, realizada por meio das enunciações.

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Bakhtin/Volochínov ([1929] 2009) concebe a comunica-ção como um processo interativo, muito mais amplo do que a mera transmissão de informações, já que a linguagem é inte-ração social. O sujeito, ao falar ou escrever, deixa em seu texto marcas profundas de sua sociedade, seu núcleo familiar, suas experiências, além de pressuposições sobre o que o interlocu-tor gostaria ou não de ouvir ou ler, tendo em vista também seu contexto social. A verdadeira substância da língua não é cons-tituída por um “sistema abstrato de formas linguísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato fisiológi-co de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua.” (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, [1929] 2009, p. 123).

No movimento de interação social, os sujeitos consti-tuem os seus discursos por meio das palavras alheias de outros sujeitos (e não da língua, isto é, já ideologizadas), as quais ganham significação no seu discurso interior e, ao mesmo tempo, geram as réplicas ao dizer do outro, que por sua vez vão mobilizar o discurso desse outro, e assim por diante. A noção de interação verbal via discurso é gerada pelo efeito de sentidos originado pela sequência verbal, pela situação, pelo contexto histórico social, pelas condições de produção e também pelos papéis sociais desempenhados pelos interlocutores. Ou seja, além dos aspectos linguísticos as condições de produção do discurso são definitivas para compô-lo; e isso não se aplica somente à interação verbal face a face, mas adentra o discurso romanesco.

1. Tentativa de aplicação do método sociológico aos problemas sintáticos

A terceira parte da obra trata de uma reflexão sobre a história das formas da enunciação nas construções sintáti-

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cas em que os autores buscam elaborar uma tentativa de aplicação do método sociológico aos problemas sintáticos, já que as questões acerca da sintaxe eram tratadas da mes-ma maneira que os fenômenos morfológicos por meio de princípios e métodos tradicionais da linguística, em espe-cial os do objetivismo abstrato.

Bakhtin/Volochínov ([1929] 2009) considera que as construções sintáticas são de enorme relevância para se compreender a língua e seu processo de evolução, pois, dentre as formas linguísticas (fonéticas, morfológicas e sintáticas), as sintáticas são as que mais se aproximam da enunciação, isto é, das condições reais da fala. Assim sendo, esse autor acentua que o estudo da sintaxe só é viável no bojo de uma teoria da enunciação e a elucidação dos pro-blemas mais elementares da sintaxe só é possível também sobre a base da comunicação verbal.

Entre os problemas sintáticos, o autor especifica o dis-curso citado (discurso direto, indireto e indireto livre), as modificações desses esquemas e as variantes dessas mo-dificações que encontram na língua como um fenômeno “nodal” e produtivo, pois a composição desse fenômeno serve para a transmissão das enunciações de outrem e para a integração dessas enunciações, enquanto enunciações de outrem, num contexto monológico coerente. Segundo Bakhtin/Volochínov ([1929] 2009, p. 150), o discurso citado “é o discurso no discurso, a enunciação na enunciação, mas é, ao mesmo tempo, um discurso sobre o discurso, uma enunciação sobre a enunciação”. Mesmo que a citação seja tema em relação ao que se enuncia, no discurso citado, in-tegra-se à sintaxe do discurso que cita.

Assim, o tema penetra no discurso conservando as suas características estruturais e semânticas, assim como aquelas do discurso que o absorve. A autonomia, ou o cará-ter autônomo do discurso de outrem se relaciona ao fato de

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o discurso citado ter o conteúdo conservado, assim como sua “integridade linguística” e sua “autonomia estrutural primitiva” ([1929] 2009, p. 150-151).

O autor ressalta que, nas línguas modernas, o discurso indireto, em particular o discurso indireto livre apresenta uma tendência de transferir a enunciação citada do domínio da construção linguística ao plano temático, de conteúdo, embora a diluição da palavra citada no contexto narrativo não se efetua completamente, pois o conteúdo semântico e a estrutura da enunciação citada permanecem relativamen-te estáveis. Assim nas formas de transmissão do discurso de outrem, “uma relação ativa de uma enunciação a outra, e isso não no plano temático, mas através de construções estáveis da própria língua.” (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, [1929] 2009, p. 151).

Desse modo, esse pensador enfatiza que esse fenôme-no “da reação da palavra à palavra” ([1929] 2009, p. 151), precisa ser mais investigado, pois essas formas refletem tendências básicas e constantes da recepção ativa do dis-curso de outrem ao se manifestarem nas formas linguís-ticas. As escolhas gramaticais do discurso de outrem são baseadas na sociedade, apenas os “elementos de apreen-são ativa, apreciativa, da enunciação de outrem que são socialmente pertinentes e constantes e que, por consequ-ência, têm seu fundamento na existência econômica de uma comunidade linguística dada” (BAKHTIN/VOLO-CHÍNOV, [1929] 2009, p. 152).

Para esse autor russo, aquele que apreende a enun-ciação de outrem não é um ser mudo, mas um ser cheio de palavras interiores, ou seja, “a palavra vai à palavra” (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, [1929] 2009, p. 154). Para efeti-var esse processo, ele expõe duas operações: a réplica inte-rior e o comentário efetivo, estes são organicamente ligados na unidade da apreensão ativa e não são isoláveis. Esse au-

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tor afirma que essas duas operações de apreensão se reali-zam no discurso citado que engloba o contexto narrativo. Estes se fundem por meio de relações dinâmicas, comple-xas e tensas.

Nesses termos, o autor critica o caráter estático das pesquisas nessa área e enfatiza que o erro de muitos pes-quisadores é ter separado do discurso de outrem o contex-to narrativo, pois tanto as formas de apreensão quanto de verbalização do discurso do outro são construídas em meio a tendências sociais estáveis, segundo formas padroniza-das para sua introdução, o que insinua ser a avaliação de sua adequação e sua valoração estética são essencialmente sociais. Esse teórico marca duas grandes tendências em re-lação à introdução do discurso citado: ou há o isolamento do discurso citado, para marcar sua autonomia, ou há in-tegração desse discurso, de modo que a voz do autor se confunde com a do que é citado. Essas tendências são fruto das práticas sociais: há práticas em que se valoriza, em rela-ção a esse recurso, o que é dito e não como se diz. “Noutros termos, há práticas discursivas em que, do ponto de vista da adequação no uso e da valoração estética, mais impor-tante do que anunciar que um outro diz o que se retoma, valoriza-se o que o outro diz, sem que sua enunciação por outrem seja tematizada” (MATÊNCIO, 2005, p. 2-3).

Acreditamos que o eixo principal, nessa questão, é a di-nâmica da interação entre o discurso de outrem e o contexto

no qual ele aparece, para compreender as posições dos su-jeitos, que podem ser aliados ideologicamente, adversários, portadores de verdade, de erro, etc. A análise da tensão en-tre contexto introdutor da citação e formas de representação de outro discurso vai além de uma classificação da citação com base em critérios tipográficos e linguísticos (CUNHA, 2002, p. 169, grifo da autora).

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2. Alguns pontos sobre termos e conceitos que se re-ferem a “discurso de outrem”

Nas pesquisas linguísticas, o discurso de outrem é bastante atual e há uma variedade de objetos, de questionamentos e de abordagens teóricas dentro da literatura linguística sob diver-sos nomes: “discurso citado, heterogeneidade mostrada e constituti-va, interdiscurso, polifonia, intertextualidade manifesta e a intertextu-alidade constitutiva, dialogismo mostrado e constitutivo”, cada um implicando algum viés específico (cf. CUNHA, 2004). Nesta seção, não temos a intenção de aprofundar esses conceitos, mas apenas destacar alguns pontos específicos já que causam dúvi-das ou confundem suas origens; depois nos deteremos a uma releitura da obra objeto de estudo desse artigo.

Para Charaudeau e Maingueneau (2004, p. 172), o dis-curso citado compreende os diversos modos de retomar, no discurso, falas atribuídas a outras instâncias diferentes do locutor; assim o estudo tradicional do discurso direto, indi-reto e indireto livre parece ser limitado uma vez que com-preende também fenômenos linguísticos como as formas híbridas, a colocação entre aspas e o itálico, a modalização por remissão a um outro discurso, as diversas formas de alusão a discursos já-ditos.

Há múltiplas formas de discurso citado, diferentes maneiras de citar o discurso de origem. Esses autores as reagrupam em quatro conjuntos: discurso citado, discur-so integrado, discurso narrativizado, discurso evocado (cf. CHARAUDEAU, 1992 apud CHARAUDEAU; MAINGUE-NEAU, 2004), podendo ser assim compreendido:

Discurso citado – o discurso de origem é relatado (mais ou menos integralmente e autônomo) em uma construção que o reproduz tal como foi enunciado. Esse tipo de discur-so equivale àquele que a gramática tradicional chama de “estilo direto” ou discurso direto.

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Discurso integrado – o discurso de origem é relatado quando faz parte de uma construção que o integra par-cialmente ao dizer daquele que narra, o que ocasiona uma transformação no enunciado que passa a ser narrado na 3ª pessoa (os pronomes e os tempos verbais). Nesse caso, a gramática tradicional fala de “estilo indireto” e “estilo in-direto livre” ou discurso indireto e discurso indireto livre.

Discurso narrativizado – o discurso de origem é repor-tado de tal forma que se integra completamente ao discurso citante e quase desaparece no dizer de quem reporta. O locu-tor de origem torna-se agente de um ato de dizer. Nesse caso, o discurso de origem passa por uma transformação morfoló-gica aparecendo, em geral, em forma nominalizada.

Discurso evocado – esse discurso é utilizado para pro-var ou tornar mais verdadeiro o enunciado do locutor rela-tor. É um tipo de discurso geralmente configurado por uma palavra ou um grupo de palavras entre aspas, travessões ou parênteses, correspondendo a um “Como se diz”, “Como você diz”, “Como ele diz”, ao “é comum”. As citações de máximas e de provérbios são exemplos de discurso evoca-do, pois fazem alusão ao saber popular, em que se recorre ao conhecimento de mundo do leitor para o entendimento da citação.

Para Bakhtin, todo discurso é um processo heterogêneo (conjunção de discursos entre eu e o outro), por isso não é uma obra fechada e acabada de apenas um indivíduo. “Nos-sas palavras não são ‘nossas’ apenas; elas nascem, vivem e morrem na fronteira do nosso mundo e do mundo alheio; elas são respostas explícitas ou implícitas às palavras do ou-tro, elas só se iluminam no poderoso pano de fundo das mil vozes que nos rodeiam” (TEZZA, 1988, p. 55).

Inspirada pelos princípios bakhtinianos, Authier-Re-vuz (1990) elaborou uma distinção entre heterogeneidade mostrada e heterogeneidade constitutiva e propõe uma descri-

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ção da heterogeneidade mostrada como formas linguísticas de representação de diferentes modos de negociação do su-jeito falante com a heterogeneidade constitutiva do seu dis-curso. Assim, discurso direto, aspas, itálicos, incisos de glo-sas servem para mostrar o lugar do outro de forma unívoca.

De acordo com Authier-Revuz (1990, p. 32), “hete-rogeneidade constitutiva do discurso e heterogeneidade mostrada no discurso representam duas ordens de reali-dade diferentes: a dos processos reais de constituição dum discurso e a dos processos não menos reais, de representa-ção num discurso, de sua constituição”. São as formas não marcadas onde o outro é dado a reconhecer sem marcação unívoca, como o discurso indireto livre, ironia, pastiche, imitação etc. Quanto à heterogeneidade constitutiva, esta é inerente à linguagem, pois todo discurso se constrói a par-tir de outros sobre o mesmo tema, sendo, assim, constituído por diversas vozes não mostradas explicitamente no texto.

Outro ponto que merece ressaltar é o conceito de poli-fonia. A palavra “polifonia” foi cedida da arte musical e é entendida como “o efeito obtido pela sobreposição de vá-rias linhas melódicas independentes, mas harmonicamen-te relacionadas. Bakhtin emprega-a ao analisar a obra de Dostoiévski, considerada por ele como um novo gênero romanesco – o romance polifônico” (TEZZA, 1988, p. 90). Revela-se, dessa forma, que o discurso é perpassado por outros discursos compondo as várias linhas melódicas.

Bezerra (2005, p 191), no texto “Polifonia”, aponta duas modalidades do romance contidas nos estudos de Bakhtin: monológico e o polifônico. “À categoria do mo-nológico estão associados os conceitos de monologismo, autoritarismo, acabamento; à categoria de polifônico, os conceitos de realidade em formação, inconclusibilidade, não acabamento, dialogismo, polifonia”. Ele acrescenta que, segundo Bakhtin,

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no monologismo o autor concentra em si mesmo todo o pro-cesso de criação, é o único centro irradiador da consciência, das vozes, imagens e pontos de vista do romance: “coisifica” tudo, tudo é objeto mudo desse centro irradiador. O modelo monológico não admite a existência da consciência respon-siva e isônoma do outro; para ele não existe “eu” isônomo do outro, o “tu” (BEZERRA, 2005, p.192).

Bezerra (2005) afirma que, para a representação literá-ria, a passagem do monologismo para o dialogismo, que tem na polifonia sua forma suprema, equivale à libertação do indivíduo, que de escravo mudo da consciência do autor se torna sujeito de sua própria consciência. No enfoque po-lifônico, a autoconsciência da personagem é o traço domi-nante na construção de sua imagem, e isso pressupõe uma posição radicalmente nova do autor na representação da personagem.

A respeito de polifonia, o autor assegura que a polifo-nia é caracterizada

pela posição do autor como regente do grande coro de vo-zes que participam do processo dialógico. Mas esse regen-te é dotado de um ativismo especial, rege vozes que ele cria ou recria, mas deixa que se manifestem com autonomia e revelem no homem um outro “eu para si” infinito e ina-cabável. Trata-se de uma mudança radical da posição do autor em relação às pessoas representadas, que de pessoas coisificadas se transformam em individualidades (BEZER-RA, 2005, p.194).

Outro termo que merece destaque é o discurso repor-tado, considerado por Cunha (2005) um tema de extrema relevância no uso, no ensino-aprendizagem da língua e da literatura e das Ciências Humanas em geral, uma vez que revela a relação ao discurso do outro e, por conseguinte, ao outro. A autora afirma que

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discurso reportado (DR) é o termo genérico que engloba as três formas de citação: discursos direto (DD), indireto (DI) e indireto livre (DIL) [...] o DR é um conteúdo tradicionalmen-te apresentado nas gramáticas e livros didáticos, do ensino fundamental à educação superior, seja como estilo, seja como discurso direto, indireto e indireto livre (CUNHA , 2005, p. 102).

Cunha (2004) acrescenta ainda que a retomada é um fenômeno aberto e dinâmico, ligado às múltiplas manei-ras como os sujeitos falantes recebem e reorientam a fala alheia. Portanto, inspirada em Bakhtin/Volochínov, Cunha (1992, p. 115) expõe que:

1. não existem formas de discurso reportado, mas esquemas, configurações de retomadas da fala do outro, com tendên-cias para o discurso direto, indireto ou indireto livre; 2. há uma posição especial do locutor ao interagir com o dis-curso de outrem. No processo de retomada-modificação de um discurso, o locutor se auto-introduz como autor da reto-mada por meio de descrições, tematizações, etc.; 3. os esquemas são estratégias discursivas elaboradas como uma nova enunciação dialógica.

Ainda, de acordo com Cunha (2004, p. 242), pesquisas apontam que tanto em gêneros primários e secundários há diversos modos de relação à fala de outrem, tais como: “de um lado há a citação, do outro há a paráfrase, retomada não marcada do discurso de outrem que se funde com o discurso próprio”.

Como alertamos no início da seção, apenas apontamos alguns conceitos e/ou termos que, muitas vezes, não colo-cados lado a lado como similares, no entanto enfatizamos que as sutilezas e que atenuam as diferenças na maneira de empregá-los ou a incoerência ao usá-lo em uma área que não compreende um ou outro princípio que sustenta uma teoria ou área específica do conhecimento.

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Baseando-se em questões propostas por Bakhtin/Volo-chínov ([1929] 2009), as quais retomam a relação dinâmica do discurso de outrem e o contexto narrativo, na próxima seção, levantamos alguns trabalhos que contribuem para visualizar na prática essa questão.

3. O discurso de outrem na contemporaneidade

Inúmeros são os trabalhos que investigam o discurso de outrem, baseando-se na obra Marxismo e Filosofia da linguagem. Em sua maioria, buscam investigar o outro nas Ciências Humanas e Sociais, seja o profissional em pes-quisa ou em prática. Nesta seção, ressaltamos quatro pes-quisadoras (MATÊNCIO, 2005; AMORIM 2004; CUNHA, 2011; ZANDWAIS, 2011), que contribuem de forma efetiva para a discussão dessa temática como alternativa tanto para abordagens positivistas e objetivas quanto ao rela-tivismo e subjetivismo das abordagens contemporâneas.

O trabalho de Matêncio (2005) trata sobre investiga-ção da relação entre os discursos que se engendram para constituir os saberes sobre a língua/linguagem através da análise de atividades de retextualização, de textos acadê-micos para novos gêneros textuais que também circulam na universidade. A pesquisa parte do princípio de que a atividade de retextualização é uma das estratégias mais frequentes na formação de professores e que, idealmente, envolve tanto a apropriação e sistematização dos saberes científicos quanto a construção de conhecimento. A autora reporta-se à abordagem bakhtiniana, remete, também, a trabalho de Boch & Grossman (2002) para analisar os me-canismos enunciativos aos quais recorre o aluno – tanto por meio da introdução do discurso do outro quanto por meio da manifestação do intertexto, quando traz para sua

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retextualização a voz dos discursos sociais sobre os con-ceitos com os quais opera.

Em relação ao recurso do discurso do outro efetivado nos textos, a estudiosa levanta a hipótese de que, oriundos de uma prática escolar que, sistematicamente, têm valori-zado um padrão em que se privilegia o dito (o “conteúdo informacional”, poder-se-ia dizer), em detrimento do jogo enunciativo de marcar pontos de vista (de quem é lido, da-queles com os quais se dialoga e do próprio escrevente), os alunos não conseguem identificar, de imediato, funções precisas para as diferentes formas de manifestação do dis-curso reportado. Ela acrescenta ainda que, articulando es-ses mecanismos enunciativos aos movimentos identitários que os cercam, por sua vez, a pesquisa revela que, embora o almejado pelo formador fosse que o aluno se projetasse como professor em formação – como leitor que está cons-truindo sua autonomia para ler e refletir sobre a leitura especializada –, o que ocorre é o apagamento dessa cena enunciativa, para que se sobreponha outra, construída nos moldes do discurso didático, a cena em que dialogam tão--somente formador/aluno, em que prevalece a importância do dito, não a relevância da conjunção entre dito e dizer.

Zandwais (2011) busca caracterizar o fato de que o componente sintático da língua torna-se insuficiente para demarcar as fronteiras entre discursos direto e indireto, sendo necessário, portanto, repensar as relações entre lín-gua e discurso, a fim de que se possa compreender que para tratar das formas por meio das quais as enunciações se imbricam, configurando a função responsiva que cons-titui todo dizer, é preciso ultrapassar os limites/fronteiras que separam os aspectos formais e semióticos. A autora tece reflexões produzidas por uma gramática “não-tradicional”, de base semântico-sintática, a fim de iniciar um contrapon-to entre as empirias da língua e do discurso, com base em

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questões propostas por Bakhtin/Volochínov ([1929] 2009), as quais retomam algumas relações entre língua, estilo discursivo, subjetividade e sentido, tendo como ponto de ancoragem os conceitos sobre discurso direto e indireto. Assim, a estudiosa analisa conceitos de discurso direto e indireto produzidos em A University Grammar of English e ilustra tais conceitos a partir de enunciados produzidos no cotidiano, propondo a problematizar a dialética entre lín-gua e discurso.

Vale ressaltar o texto de Amorim (2004) – O pesqui-sador e seu outro – que se baseando no princípio dialógi-co da obra bakhtiniana – reflete sobre a problemática das Ciências Humanas incluindo a questão da alteridade, no entanto busca aprofundar e detalhar “De que outro esta-mos falando?” (AMORIM, 2004, p. 20). O profissional em Ciências Humanas está sempre às voltas com um outro (o aluno para o pedagogo ou linguista, o informante para o antropólogo, o paciente para o clínico). A obra procura es-clarecer o que acontece quando o profissional deve escrever e publicar sua experiência com esse outro. Assim, a autora enfatiza que, no processo de escrita, o diálogo vivido em campo se transforma, ganha novos sentidos e incorpora no-vas vozes, pois muitos outros habitam o texto e é no interior dessa multiplicidade que se produzem, ao mesmo tempo, um conhecimento do objeto e uma singularidade de autor.

A alteridade sob a forma do diálogo e da citação é o traço fundamental da linguagem. De acordo com Amorim (2004, p. 97), “não há linguagem sem que haja um outro a quem eu falo e que é ele próprio falante/respondente; tam-bém não há linguagem sem a possibilidade de falar do que um outro disse”, sendo as figuras do diálogo e da citação centro da problemática do texto de pesquisa. Vale dizer que a citação é própria do ser humano. Contar ou reproduzir a um terceiro o que me disseram e que eu mesma não vi é

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uma atividade estruturante de minha humanidade. Sendo assim, “o conjunto de pessoas eu,tu/ele não é homogêneo. Eu e tu são, a cada enunciação, pessoas únicas, singulares. O ele, ao contrário, é a possibilidade de expressão da não--pessoa” (idem, p. 98). Ela acrescenta também que entre o eu e o tu há uma relação de inversibilidade. O tu pode sempre se tornar um eu que então designará o outro como tu. O ele não é inversível porque está ausente da enunciação tal como ela foi formulada.

A autora busca revelar o modo como o conhecimento se tece, identificando a rede de fios enunciativos que o com-põem. Assim, Amorim (2004, p. 207) apresenta dois princí-pios para quem se volta para o objeto:

1. A recusa de um subjetivismo relativista onde o objeto se-ria inteiramente reduzido ao modo como dele se fala; dito de outra maneira, o pólo lógico-monológico da análise que fazemos supõe a aposta de que o objeto existe independen-temente de mim, antes e depois de mim. A alteridade radi-cal do objeto é o que tensiona a análise em direção a uma busca de verdade.2. A recusa da ilusão positivista ou do pressuposto fenome-nológico de que é possível falar das coisas “tal como elas são”. Objeto das Ciências Humanas não é dado de modo imediato; é sempre construído, recolhido e transmitido em discurso, o que lhe confere seu caráter caleidoscópico. Ele é o próprio discurso e, enquanto tal, não há transparência possível.

A proposta de análise dessa autora não se situa nem no nível linguístico nem no nível do discurso e da pragmática, mas que pretende antes se constituir no domínio do gênero tal como o concebe Bakhtin. Por isso, a psicóloga enfatiza que o exercício de leitura2

2 Capítulo da obra que apresenta a proposta de análise.

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reivindica a dupla condição que é própria de toda presença do concreto e do singular no interior de uma pesquisa: a condição que dá forma ao debate e que, ao mesmo tempo o mantém aberto e inacabado. Pois se o estudo de um caso real deve permitir verificar o que dele pode se inscrever e se escrever em nosso campo teórico, deve também produzir silêncios e barulhos – rastros da alteridade radical que toda realidade traz para a teoria (AMORIM, 2004, p. 210).

Com relação ao trabalho de Cunha, entre os vários que discutem o discurso de outrem, selecionamos aqui o publi-cado na revista Bakhtiniana no primeiro semestre do corren-te ano. Cunha (2011) analisa formas de alteridade em car-tas de leitores, fundamentada na análise/teoria dialógica do discurso e retoma discussões recentes sobre as diversas in-terpretações da obra de Bakhtin, sobre a questão da autoria vinculada aos fundamentos epistemológicos do pensamento de Bakhtin e de Volochínov, os quais explicam as diferentes descrições do discurso de outrem nas obras dos dois autores.

A discussão esclarece porque as abordagens do discurso alheio são diferentes em Marxismo e filosofia da linguagem e em Problemas da poética de Dostoiévski, publicados no mesmo ano, e no Discurso romanesco. Volochínov classifica formas e variantes dos esquemas de transmissão do discurso alheio. Bakhtin classifica e se interessa especialmente pelo discurso bivocal no primeiro, e pelas formas híbridas, no segundo (CUNHA, 2011, p. 129).

Com relação à análise, Cunha (2011) mostra a inter--relação das formas de presença do outro com o gênero, o ponto de vista e a argumentação. Para a autora, as formas de retomada não seguem os esquemas sintáticos descritos por Volochínov, mas assemelham-se ao discurso outro assi-milado e disperso no discurso atual analisado por Bakhtin e acrescenta que o discurso outro funciona como heteroge-

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neidade e movimento. No caso analisado – a carta de leitor – o discurso-fonte é integrado por meio da nominalização e da alusão, que trazem como fatos a doxa, discursos circulan-tes, ilações e reminiscências, o que permite apagar todos os elementos contextuais do discurso retomado. “Este gênero tem características da réplica de um diálogo e do comentá-rio, porque os leitores têm o propósito de expor um ponto de vista para leitores que partilham um saber comum sobre o tema do momento discursivo” (idem, p. 129).

O que chama atenção nesses quatro trabalhos é a ques-tão de como o discurso de outrem e o seu contexto enun-ciativo são determinantes para que se possa compreender o sentido por ele elaborado. Assim, parece-nos evidente que o único princípio que pode ser transposto e proposto para outras eventuais leituras é a nossa problemática da relação com o outro na construção do saber.

4. Considerações Finais

A partir da proposta inicial desse texto e dos diálogos com outros estudiosos que retomam a obra de Bakhtin/Vo-lochínov ([1929] 2009), refletir sobre a palavra de outrem nos leva a considerar as diferentes situações discursivas e as condições de enunciação em que tais pesquisas foram de-senvolvidas, para assim sintetizarmos (cf. Amorim, 2004):

1. a alternância dos sujeitos falantes ou locutores é o que define as fronteiras de um enunciado; 2. inacabamento de sentido é entendido como inacabamento da obra; 3. o acabamento do enunciado e a possibilidade de resposta determinam-se por três fatores: a exaustividade do objeto de sentido; o desejo discursivo ou querer dizer do locutor tal como o entendemos; as formas tipo de estruturação do gênero.

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Dependendo das intenções, dos gêneros (jurídico, cientí-fico, fictício, etc.), lançamos algumas questões que buscam re-fletir essa fronteira entre o discurso citado e do citante, entre a voz ouvida e a voz silenciada, entre a polifonia e a monofonia:

• Como definir o ponto de articulação do discurso de outrem?

• Como formular a problemática e o objeto que estão nos diversos gêneros, considerando essa dinâmica do dis-curso de outrem e seu contexto narrativo?

Acreditamos que responder a essas questões inevita-velmente convém considerar o jogo de linguagem como uma forma particular e radical de dialogismo que evoca a expressão bakhtiniana: a palavra se dirige. Sendo assim, nas formas habituais de dialogismo, a resposta efetiva do outro é um dos elementos, entre outros, de construção de sentido; a representação e a antecipação da resposta suposta do ou-tro devem integrar a própria estrutura do enunciado, sem o que ele não pode se formular e permanece ininteligível.

Referências

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BAKHTIN, Mikhail (VOLOCHÍNOV, Valentin Nikolaiévi-tch). [1929]. Marxismo e Filosofia da Linguagem. Trad. Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 13. ed. São Paulo: Hucitec, 2009.

BEZERRA, Paulo. Polifonia. In: BRAIT, Beth (org). Bakhtin: conceitos-chave São Paulo: Contexto, 2005. p.191 – 200

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CUNHA, Dóris de Arruda Carneiro da. Uma leitura da abor-dagem bakhtiniana do discurso reportado. In: Investigações -Linguística e Teoria Literária, Recife: UFPE, v. 2, p. 105-117. 1992.

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MATÊNCIO, Maria de Lourdes Meirelles. O recurso ao discur-so do outro em textos de alunos de Letras. Revista Intercâmbio. v. 14. 2005. p. 1-10. Disponível em <http://revistas.pucsp.br/index.php/intercambio/article/viewFile/3934/2584>. Acesso em 20 de maio de 2011.

TEZZA, Cristovão. Discurso poético e discurso romanesco na teoria de Bakhtin. In: FARACO et al. Uma introdução a Bakhtin. Curitiba: Hatier, 1988. p. 55-93.

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TECENDO MAIS UMA MANHÃ: UMAPONTINHA DE PROSA SOBRE DIALOGISMO

Clécida Maria Bezerra Bessa (UFERSA – UFPB/PROLING)[email protected]

Márcia Ozinete de Alcântra Pinho (UFPB/PROLING)[email protected]

Introdução

Com o intuito de acionar reflexões sobre a concep-ção do dialogismo bakhtiniano, partiu-se das questões: O que caracteriza o dialogismo na perspectiva bakhti-niana? Quais as contribuições desse dialogismo para as enunciações situacionais? Para isso, buscamos explica-ções em obras do próprio autor como também em outros estudiosos, tais como Bakhtin/Volochínov ([1929] 1995), Bakhtin ( 1997, 1998), Faraco (2001, 2003), Fiorin (2006), Souza(2003), dentre outros.

A fim de tentar apontas alguns caminhos seguros para o esclarecimento das questões levantadas sobre o dialogismo bakhtiniano, assunto remanescente na litera-tura linguístico-filosófica discutimos aqui sobre os seguin-tes temas: enunciações, crítica às funções comunicativas da linguagem, palavra x enunciado, auditório, locutor x interlocutor.

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1. O que caracteriza a enunciação?

O movimento dialógico da enunciação, apresentado por Bakhtin/Volochínov ([1929] 1995), delineia uma noção de recepção/compreensão instituída pela palavra. “A pa-lavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os ou-tros. Se ela se apóia sobre mim numa extremidade, na outra apóia-se sobre o meu interlocutor. A palavra é o território comum do locutor e do interlocutor” (BAKHTIN/VOLO-CHÍNOV, 1995, p. 113). Assim, é possível compreender que a caracterização dos sentidos da enunciação não pode ser amparada nem na palavra, nem no locutor, nem nos inter-locutores. O que caracteriza, então, os sentidos da enuncia-ção é o efeito da interação entre o locutor e o interlocutor determinado pelos signos linguísticos. Conforme nos apre-senta Bakhtin/Volochínov ([1929] 1995, p. 123),

a verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas, nem pela enuncia-ção monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação ver-bal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua.

Devido a esse entendimento, é importante salientar que uma das maiores críticas feitas por Bakhtin (1997) diz respeito aos estudos linguísticos sobre as funções comuni-cativas da linguagem em que apenas o papel ativo do locu-tor e o papel passivo do interlocutor eram considerados. A crítica recai sobre o fato de o autor entender que esse mo-delo representa apenas algumas das situações reais de uso da linguagem, porém não contempla a complexidade de todas as situações reais possíveis. Além disso, a preocupa-ção de Bakhtin pode ser compreendida ao esclarecer a sua

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compreensão sobre o papel ativo do outro no processo de comunicação. O autor considera que na medida em que esse outro recebe e compreende a informação dada no processo comunicativo, ele simultaneamente formula uma resposta, ou seja, “[...] toda compreensão é prenhe de resposta e, de uma forma ou de outra, forçosamente a produz: o ouvinte torna-se locutor” (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 1995, p. 291).

Ao tratar do uso da palavra, nos processos de comu-nicação verbal, Bakhtin/Volochínov (1995) recomenda que a palavra é continuamente demarcada pelos seus aspectos individuais e contextuais. Para o autor:

[...] a palavra existe para o locutor sob três aspectos: como palavra neutra da língua e que não pertence a ninguém; como palavra do outro pertencente aos outros e que preenche os ecos dos enunciados alheios; e, finalmente, como palavra minha, pois, na medida em que uso essa palavra numa de-terminada situação, com uma intenção discursiva, ela já se impregnou de minha expressividade (BAKHTIN, 1997, p. 313 – Grifos do autor).

Esse posicionamento do autor acerca das características da palavra vem confirmar a existência tanto do aspecto da neutralidade da palavra, como da expressividade contextu-al e ideológica. A existência da neutralidade da palavra só persiste até o momento em que não é posta em movimento por meio do uso no contexto, com sujeitos e situações re-ais. Ao passo que acolhemos a ideia que a palavra tem a capacidade de adquirir um caráter ideológico, admitimos a possibilidade de que a palavra ao ser usada pelos sujeitos carrega consigo, as crenças, concepções, valores e posturas dos sujeitos. Sob o aspecto da palavra do outro, é interes-sante destacarmos que a experiência de interação verbal do sujeito só ganha forma e significado por intermédio do pro-cesso da interação sucessiva e constante com os outros, que

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também interagem por meio de enunciados que assumem formas e características próprias do seu contexto.

Diante disso, é possível reconhecer que as palavras não pertencem a nenhuma pessoa, mas só as vivenciamos por intermédio de enunciados, em situações de enunciações, que expressam uma situação individualizada, em função de um contexto único e imutável de um dado enunciado; só as vivenciamos por intermédio da existência do outro.

Consideramos interessante explicar o que caracteriza tal interação. Recorremos a Souza para esclarecer que “[...] a noção de interação pela linguagem de que fala Bakhtin é bem mais complexa que as observadas comumente em circulação” (2003, p. 39). Assim como Souza, buscamos em Faraco uma definição, que nos parece interessante, para a interação verbal proposta por Bakhtin:

Não a interação, o diálogo como mera forma composicional; nem a interação como mero evento fortuito entre pessoas isoladas que se encontram por acaso [...] Mas a interação que se tece sempre num certo quadro de relações sociais, culturais, históricas. A interação, portanto, entre seres situa-dos, inscritos social e historicamente (FARACO, 2001, p. 04).

Em face ao exposto, podemos observar que o fator de-terminante das enunciações são relações sociais, noutras palavras, o que define uma enunciação é a interação entre seres socialmente organizados, marcados por acontecimen-tos históricos, culturais, ideológicos, políticos, isto é, mar-cado por seres de linguagem, de pensamento. “A situação social mais imediata e o meio social mais amplo determi-nam completamente e, por assim dizer, a partir do seu pró-prio interior, a estrutura da enunciação” (BAKHTIN/VO-LOCHÍNOV ([1929] 1995), p. 113).

Assim, é possível destacar que a língua se converte na base das relações humanas por meio dessa perspectiva de

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interação, pois ao ser posta em ação, a língua, rodeia-se de um caráter ideológico, o que leva a analisar que a enuncia-ção não existe no exterior de uma ocorrência sócio-ideológi-ca, na qual todo locutor contém o seu horizonte social bem delimitado. Assim sendo, qualquer enunciação procede de alguma pessoa e se destina a outra pessoa; toda enunciação provoca uma resposta, objetiva uma reação, propõe concor-dâncias ou discordâncias.

É essa interação social que caracteriza o ato enunciação e que se dá em processos múltiplos. Ao enunciar, o locutor estabelece um diálogo com os discursos alheios, com vários enunciados que circulam na sociedade e, também, com um auditório social definido, ou seja, com o outro, com um inter-locutor para quem o seu discurso é dirigido numa situação concreta imediata (SOUZA, 2003, p. 40 – Grifos do autor).

Esses processos múltiplos da enunciação aparecem de-marcados pelo intercâmbio com outros discursos, com enun-ciados dos outros, que assumem formas variáveis capazes de demarcar o caráter da heterogeneidade discursiva da lingua-gem. De acordo com Bakhtin, isso acontece porque:

Um enunciado concreto é um elo na cadeia da comunicação verbal de uma dada esfera. [...] O enunciado está repleto de ecos e lembranças de outros enunciados, aos quais está vin-culado no interior de uma esfera comum de comunicação verbal. O enunciado deve ser considerado acima de tudo como uma resposta a enunciados anteriores dentro de uma dada esfera (a palavra “resposta” é empregada aqui no sen-tido lato): refuta-os, confirma-os, completa-os, baseia-se ne-les, supõe-nos conhecidos e, de um modo ou de outro conta com eles (1997, p. 316).

Assim, o discurso tanto funda, como é fundado no cer-ne das práticas discursivas, o que permite os atos de refletir,

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até mesmo as mais sutis e insignificantes alterações das experiências sociais e refratar a realidade social em pro-cesso de transformação. Por isso, podemos observar que é nas situações de enunciações que os discursos se con-vertem em movimentos dialógicos que acontecem sem-pre em determinados contextos ideológicos.

Nesses movimentos, os discursos ocorrem, podendo ser aprovados, contestados, transformados, construídos e reconstruídos. Nesse sentido, o sujeito, ao elaborar o seu discurso sofre as influências discursivas do outro e assim passa a considerar o interlocutor, tanto na consti-tuição do seu discurso, como nos processos de constru-ção das enunciações. É esse caráter dialógico da lingua-gem tão enfatizado por Bakhtin (1997) na constituição de sua teoria que o fez afirmar que o locutor não é o adão bíblico, perante objetos virgens ainda identificados, os quais é o primeiro a batizar. Isso leva a ver que o interlo-cutor não pode e nem deve jamais ser considerado com um ser inerte, mas sim como um sujeito ativo, responsivo e reflexivo que também produz discursos e é social, his-tórico e ideologicamente demarcado. É por essa razão, que fazemos empréstimo das palavras de Souza (2003, p. 42), para afirmar que:

pensar em dialogismo é pensar em descentralização do sujeito, do falante, ao mesmo tempo em que pensamos em sua historicização, em sua constituição axiológica. O sujeito do discurso se constitui, portanto, no e pelo discur-so, nas práticas sociais, no diálogo social que trava com os outros discursos e com os seus possíveis interlocutores.

Ao praticar o uso da palavra através da enuncia-ção, o locutor “reflete e refrata” o seu movimento histó-rico-social delimitado ideologicamente pelas diversas e múltiplas práticas discursivas; institui um diálogo com

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discursos dos outros, com os vários enunciados que cir-culam nos diferentes âmbitos sociais, com o outro/audi-tório social bem definido, para o qual o discurso é des-tinado numa imediata e real ocasião. “É na enunciação que os discursos, os movimentos dialógicos acontecem; eles são confirmados, refutados, modificados, mas sem-pre usados” (SOUZA, 2003, p. 40).

Ainda em se tratando da enunciação, enfatizamos as reflexões de Bakhtin/Volochínov ([1929] 1995) de que toda enunciação completa é constituída por significação e tema ou sentido. É exatamente o adensamento da signi-ficação e do tema ou sentido que vai ocasionar o processo de compreensão, o qual só é plausível através das ações de interação. Por essa razão, é interessante ressaltar as particularidades desses dois elementos. O que define a significação é o componente tanto comum, como abstrato da palavra, isto é, são os conceitos dicionarizados que tem a função de fazer com que haja a compreensão entre os falantes; é um processo de insulamento da palavra de todo e qualquer contexto, de consolidação de sua defi-nição fora do âmago do contexto das situações de enun-ciações. Noutras palavras, os elementos semelhantes da enunciação na medida em que são reproduzidos em situ-ações autênticas dão origem a significação - aspecto téc-nico da enunciação que estabelece a construção do tema/sentido. Já o tema/sentido é o elemento responsável pela conexão existente entre os interlocutores e a enunciação, é construído no processo de compreensão funcional, ou seja, é integralmente assentado nas diversas situações contextuais, o que permite ao tema/sentido um caráter de exclusividade, pautado em situações únicas e jamais renováveis e revivíeis na integra, uma vez que anuncia a situação social, histórica e ideológica do momento de uma dada enunciação.

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2. Enfatizando a importância do outro na interação: uma preocupação de Bakhtin

Qual é, então, a importância do outro no processo de in-teração verbal? Sobre essa questão, Bakhtin diz que “os ou-tros, para os quais meu pensamento se torna, pela primeira vez, um pensamento real, não são ouvintes passivos, mas participantes ativos da comunicação verbal” (BAKHTIN, 1997, p. 321).

A existência do outro numa situação de interação ver-bal para a realização do diálogo é vital para a concretização de uso efetivo da língua, de atos de enunciação. Essa exis-tência do outro gera o que Bakhtin denominou de orienta-ção dialógica como um fenômeno próprio a todo discurso. “Trata-se da orientação de qualquer discurso vivo. Em to-dos os seus caminhos até o objeto, em todas as direções, o discurso se encontra com o discurso de outrem e não pode deixar de participar, com ele de uma interação viva e tensa” (1998, p. 88).

Ao nos reportarmos ao uso da linguagem sempre nos reportamos a presença do outro, pois o discurso só se mate-rializa pela presença real ou fictícia de outrem. No momen-to de uma dada enunciação, sempre o locutor vai organizar e enunciar sua fala, levando em consideração a existência de um possível interlocutor. O outro constitui o nosso audi-tório social. Para Bakhtin,

o mundo interior e reflexão de cada indivíduo têm um audi-tório social próprio estabelecido, em cuja atmosfera se cons-troem suas deduções interiores, suas motivações, apreciações etc. Quanto mais aculturado for o indivíduo, mais o auditó-rio em questão[...] se aproximará da criação ideológica, mas em todo o caso o interlocutor ideal não pode ultrapassar as fronteiras de uma classe e época bem definidas(BAKHTIN/VOLOCHÍNOV ([1929] 1995, p. 112-3).

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Para que haja uma compreensão acerca do dialogismo como processo intrínseco a linguagem se faz recorrente aderir ao conceito de auditório. Para o locutor e o interlo-cutor/auditório apresentam a mesma importância, uma vez que todo enunciado tanto pode ser uma possível resposta a uma situação de enunciação referente ao passado, como pode ser uma réplica referente a situações vindouras. De uma forma ou de outra, sempre o locutor considera o seu auditório como um parceiro ativo, que colabora ou não com o discurso, mas que se faz sempre presente para que a enunciação de fato exista. Sobre essa especificidade do auditório, se recorre a Souza (2003, p. 41 – Grifos do autor), que afirma:

O auditório social, para Bakhtin, público alvo ao qual nos dirigimos, é sempre bem definido, delimitado; ele é cons-truído pelo “mundo interior e [pela] reflexão de cada indivi-duo”, mesmo sendo um aculturado, não demarcado cultu-ralmente pelo enunciador, pois recebe influências de várias culturas, ele se configura como um auditório médio, “cujo interlocutor ideal não pode ultrapassar as fronteiras de uma classe e de uma esfera bem definida” ; pois o interlocutor nunca é passivo, ao contrário, por ser histórico e ideologi-camente marcado, ele interfere no próprio discurso, num diálogo com o sujeito enunciador, que também é múltiplo e socialmente construído.

Dessa forma, uma interação verbal, onde o locutor e o seu auditório participam do discurso de forma ativa só é arquitetada, caso haja uma compreensão acerca dos sujei-tos da enunciação partindo da ideia do “deslocamento do conceito de sujeito” (BARROS, 1994, p. 04), pois o locutor continuamente espera e exige do auditório uma maneira de agir que prime por atitudes dialógicas de réplicas. Qual-quer ação de enunciação expressiva continuamente indica

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uma resposta oportuna: seja de desacordo ou aceitação. Assim, Bakhtin/Volochínov ([1929] 1995) convida o

leitor a refletir sobre as relações de interação ao assegurar que o enunciado já contém em si a essência de uma réplica. Quando alguém enuncia já está prenunciando, oferecen-do ao interlocutor pistas e respostas anunciadas na dire-ção do seu discurso que está sendo proferido. A fala que é enunciada pelo locutor instiga o auditório a se direcionar tanto a quem está proclamando o discurso, como a pauta do discurso. Existe sucessivamente um alvo na produção de enunciados e este intuito se relaciona a uma determi-nada direção, que gera interpretação, pois nas palavras do próprio filosofo russo: “[...] o mundo interior e a reflexão de cada indivíduo tem um auditório social próprio bem es-tabelecido, em cuja atmosfera se constroem suas deduções interiores, suas motivações, apreciações, etc” (Bakhtin/Vo-lochínov ([1929] 1995, p. 122-123 – Grifos do autor).

Além de definir o diálogo com o auditório, o locu-tor estabelece também uma conexão dialógica com outros enunciados, com outras situações de enunciação, pois o que comporta a compreensão da enunciação é exatamente o fato de pormos no movimento dialógico dos enunciados, situações de confronto dos dizeres de outrem com os nos-sos. Dizeres esses, sempre demarcados ideologicamente, por trazem no seu núcleo as crenças, valores e posturas de quem produz o discurso. Nesse contexto, concorda-se com Souza (2003, p.42):

Pensar em dialogismo é pensar em descentralização do su-jeito, do falante, ao mesmo tempo em que pensamos em sua historicização, em sua constituição axiológica. O sujeito do discurso se constitui, portanto, no e pelo discurso, nas prá-ticas sociais, no diálogo social que trava com os outros dis-cursos e com seus possíveis interlocutores.Nessa passagem, é fácil perceber que há um reforço no

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entendimento que todo enunciado é elaborado a fim de ser compreendido. Quando se faz uso da linguagem, o faz para atingir algum propósito, estabelecer comunicação com o outro, levando em consideração regras sociais que regulam e modelam os enunciados que circulam na sociedade. Nou-tras palavras, quando se usa a linguagem, a utiliza para in-teragir socialmente com o outro.

Por esse motivo, avaliar o que motiva a produção de determinado enunciado e em que contexto social esse enun-ciado é produzido podem ser considerados de grande valor para os que estão envolvidos nos estudos sobre dialogismo. Bakhtin/Volochínov ([1929] 1995, p. 121) afirma que “[...] o centro organizador de toda enunciação, de toda expressão, não é interior, mas exterior: está situado no meio social que envolve o indivíduo”, logo é importante compreender não apenas que os significados dos enunciados são dados atra-vés da situacionalidade em que eles estão inseridos, mas também que o contexto de produção dos enunciados de-sempenha um papel fundamental para a compreensão dos mesmos.

Além disso, a preocupação de Bakhtin/Volochínov ([1929] 1995, p. 98) em relação ao papel ativo do outro no processo de produção de enunciados pode também ser vis-ta em:

Toda enunciação, mesmo na forma imobilizada da escrita, é uma resposta a alguma coisa e é construída como tal. Não passa de um elo da cadeia dos atos de fala. Toda inscrição prolonga aquelas que a precederam, trava uma polêmica com elas, conta com as reações ativas da compreensão, an-tecipa-as.

Com isso, fica ainda mais claro que o estudo sobre dia-logismo constitui-se em sua maior parte por estudos sobre enunciações produzidas em situações reais de uso da lin-

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guagem e a maneira pela qual eles são produzidos e cir-culam entre os indivíduos. Repensar a expectativa de res-posta ao enunciado produzido e a participação do outro no processo de interação representam uma nova postura em relação à compreensão do uso real da linguagem. Julgamos ser necessário enfatizar essa postura uma vez que pode auxiliar os indivíduos a compreender como a linguagem é usada e como ela representa o mundo que os cercam.

3. Dialogismo em três conceitos

Nessa seção, recorremos a Fiorin (2006) com o objetivo de apresentar suas principais considerações sobre três con-ceitos relacionados ao dialogismo bakhtiniano.

O primeiro conceito de dialogismo pode ser entendido de acordo com o seu aspecto constitutivo do enunciado, isto é, “todo enunciado constitui-se a partir de outro enunciado, é uma réplica a outro enunciado. Portanto, nele ouvem-se sempre, ao menos, duas vozes. Mesmo que elas não se ma-nifestem no fio do discurso, estão aí presentes” (2006, p.24).

Ao pensar sobre dialogismo constitutivo, deve-se levar em consideração a dinâmica da construção dos enunciados. Com relação a esse primeiro conceito, é vital compreender que as relações dialógicas que permeiam os enunciados po-dem ser de aceitação ou de contradição sobre o que é co-municado, sendo possível perceber que os enunciados são construídos a fim de apoiar favoravelmente outros enun-ciados, ou então, refutá-los.

Vale ressaltar que as vozes que são detectadas nas re-lações dialógicas são tanto individuais quanto sociais. Com isso, é possível averiguar as relações dialógicas presentes, por exemplo, tanto em um diálogo entre amigos quanto em teses que defendem diferentes linhas de pesquisa no meio acadêmico, tanto em um registro de um diário pes-

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soal quanto em discursos de líderes político-partidários. Resumidamente, pode-se concluir que a ideia central desse primeiro conceito é que “[...] um enunciado se constitui em relação aos enunciados que o precedem e que o sucedem na cadeia de comunicação” (FIORIN, 2006, p. 32).

No que diz respeito ao segundo conceito de dialogis-mo, enfatiza-se a necessidade de refletir sobre o princípio de funcionamento real da linguagem, uma vez que Bakhtin considera que esse funcionamento acontece através da assi-milação do discurso do outro no próprio enunciado.

No caso desse segundo conceito, este pode ser enten-dido de acordo com o seu aspecto composicional, ou seja, “[...] são maneiras externas e visíveis de mostrar outras vozes no discurso” (FIORIN, 2006, p. 32). O autor ainda esclarece que a inserção do discurso do outro no enuncia-do pode acontecer de duas maneiras, a saber, (a) quando o discurso do outro é citado separadamente do enunciado citante e (b) quando o discurso do outro não se encontra nitidamente demarcado. Para exemplificar a primeira situ-ação, podemos elencar: o discurso direto e o uso de aspas. Em Assis (1992, p. 28), há o seguinte fragmento que pode ser usado como ilustração:

De repente, ouvi bradar uma voz de dentro da casa ao pé:- Capitu!E no quintal:- Mamãe!E outra vez na casa:- Vem cá!Não me pude ter. As pernas desceram-me os três degraus que davam para a chácara, e caminharam para o quintal vi-zinho.

No fragmento acima, podemos claramente observar que o discurso do outro é citado de forma separada através

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do uso dos travessões, representando o discurso direto das personagens.

Já para citar alguns exemplos de discursos em que não há uma separação nítida entre o discurso do citante e do citado, temos: a paródia e o discurso indireto livre. Obser-vemos a seguinte ilustração onde um texto de Drummond de Andrade é parodiado:

Texto-Base:No Meio do Caminho

Carlos Drummond de Andrade No meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra. Nunca esquecerei desse acon-tecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas Nunca me esquecerei desse acontecimento que no meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho no meio do caminho tinha uma pedra

Paródia:No Meio do Caminho

Deise Konhardt Ribeeiro No meio do caminho tinha um fuquinha tinha um fuquinha no meio do caminho tinha um fuquinha no meio do caminho tinha um fuquinha. Nunca me esquecerei desse acontecimento na ida de minhas noitadas tão agitadas. Nunca me esquecerei que no meio do caminho tinha um fuquinha tinha um fuquinha no meio do caminho no meio do caminho tinha um fuquinha.

Fonte: In: http://www.pucrs.br/gpt/parodia.php

Finalmente, o terceiro conceito de dialogismo refere-se ao aspecto de constituição do indivíduo e o seu princípio de ação. O enfoque desse terceiro conceito é entendido com base no princípio geral do agir, “[...] o sujeito age em relação

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aos outros; o indivíduo constitui-se em relação aos outros” (FIORIN, 2006, p. 55). Para melhor compreendê-lo, deve-se considerar que os indivíduos tomam consciência do mundo por meio da comunicação social, ou ainda, analisando que “[..] a apreensão do mundo é sempre situada historicamente, porque o sujeito está sempre em relação com outro (s)” (ibi-dem, 2006, p. 55). Isso significa que a constituição discursiva do indivíduo acontece por meio da apreensão de vozes so-ciais que representam a realidade e suas relações dialógicas.

Tratar a respeito da concepção de inacabamento do su-jeito pode ser igualmente considerado um dos pontos-cha-ves dentro desse terceiro conceito. O autor lembra que a constituição do indivíduo está sempre em relação ao outro, portanto o conteúdo dos enunciados do outro que o consti-tui é passível de constantes mudanças. Corroborando com esse pensamento, Fiorin (2006, p. 58) ainda acrescenta que:

O mundo interior é a dialogização da heterogeneidade de vozes sociais. Os enunciados, construídos pelos sujeitos, são constitutivamente ideológicos, pois são uma resposta ativa às vozes interiorizadas. [...] Mas, ao mesmo tempo, o sujeito não é completamente assujeitado, pois ele participa do diá-logo de vozes de uma forma particular, porque a história da constituição de sua consciência é singular. O sujeito é inte-gralmente social e integralmente singular.

Por esta razão, pode-se visualizar a constituição do su-jeito acontecendo por meio da dinamicidade de diferentes enunciados cujos conteúdos exercem variados níveis de in-fluência em relação a sua consciência de mundo.

Com o objetivo de representar de maneira sucinta as concepções que permeiam esses três diferentes e comple-mentares conceitos de dialogismo, buscamos as palavras de Faraco (2001, p. 167) para concluir o que se tem discuti-do até aqui:

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Por ser sempre resposta no diálogo social, todo enuncia-do instaura a possibilidade de se tornar ele mesmo alvo de respostas. Por isso, os enunciados tendo seus interlocuto-res presumidos no horizonte, constroem-se direcionados, entre outros fatores pela antecipação de algumas possíveis respostas. É nesse complexo caldo heteroglótico e dialógico que nasce e se constitui o falante.

E por falar em “complexo caldo heteroglótico e dialógi-co que nasce e se constitui o falante”, abrimos o espaço para convidar o leitor a apreciar a poesia “Tecendo a manhã”, de João Cabral de Melo Neto, que tão bem ilustra o princípio do dialogismo, para complementar esta pontinha de prosa:

Tecendo a manhã

Um galo sozinho não tece uma manhã: ele precisará sempre de outros galos. De um que apanhe esse grito que ele

e o lance a outro; de um outro galo que apanhe o grito que um galo antes

e o lance a outro; e de outros galos que com muitos outros galos se cruzem

os fios de sol de seus gritos de galo, para que a manhã, desde uma teia tênue,

se vá tecendo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos, se erguendo tenda, onde entrem todos, se entretendendo para todos, no toldo (a manhã) que plana livre de armação. A manhã, toldo de um tecido tão aéreo

que, tecido, se eleva por si: luz balão.

João Cabral de Melo Neto

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O dialogismo se apresenta no espaço da enunciação, demarcado por muitas vozes de outrem, que aparecem de forma explicita ou não, mas sempre em menor ou maior grau, demarcadas pelas crenças e valores dos sujeitos – lo-cutor e interlocutor - da enunciação.

Em se tratando de dialogismo, não se versa somente acerca de reflexões sobre a linguagem, discute-se também sobre relações sociais e forças ideológicas. Estudar acerca do dialogismo significa assumir e reconhecer o caráter dia-lógico e ideológico da linguagem – produto das relações de interação social, indissociável das relações humanas histó-ricas, culturais, ideológicas e políticas.

O caráter de ubiquidade da língua e dos sujeitos se faz presente no dialogismo e mostra que as faculdades de linguagem (exclusividade do humano) se apresentam constantemente nos embates dialógicos, que retratam po-sicionamentos de sujeitos demarcados por acontecimentos contextuais de sua história.

Ressaltamos que as reflexões aqui apresentadas não se esgotam e encontram a espera de outras pontinhas de pro-sas que as complementem e as aperfeiçoem; outras prosas que podem, ou não, acontecer mediatizadas pelos mesmos sujeitos que instituíram esses movimentos dialógicos, mas que se constituirá sempre em novas e ubíquas enunciações.

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Referências

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

_____. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. São Paulo: Editora da UNESP e Hucitec, 1998.

BAKHTIN, Mikhail (VOLOCHÍNOV, Valentin Nikolaiévi-tch). [1929]. Marxismo e Filosofia da Linguagem. Trad. Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 13. ed. São Paulo: Hucitec, 1995.

FARACO, C. A. Bakhtin e a subversão do enunciado. Porto Ale-gre: 2001. [Conferência no Instituto de Letras da UFRGS, em 30/03/01]. Mimeo.

______. Linguagem e diálogo: as ideias linguísticas do Círculo de Bakhtin. Curitiba: Criar edições, 2003.

FIORIN, J. L. Introdução ao Pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática, 2006.

SOUZA, G. S. O Nordeste na Mídia: um (des)encontro de sentidos. Tese de Doutorado. Araraquara: UNESP, 2003.

http://www.pucrs.br/gpt/parodia.php Acessado em: 17/07/2011

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SOBRE OS AUTORES

POLÊMICA AUTORIA, AUTORIAS POLÊMICAS

Profa. Dra. Maria de Fátima Almeida é graduada em Letras Clássicas e Vernáculas pela Universidade Fe-deral da Paraíba (1979), em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal da Paraíba (1983), mestre em Letras pela Universidade Federal da Paraíba (1988) e doutora em Linguística pela Universidade Federal de Pernambuco (2004). É professora adjunta IV da Univer-sidade Federal da Paraíba - Campus I em João Pessoa. Participa do Programa de Pós-Graduação em Linguísti-ca - PROLING na área da Linguística e Práticas sociais na Linha de pesquisa Discurso e Sociedade com ênfase em Linguagem, Discurso, Interação e Sentido. É líder do Grupo de Pesquisa em Linguagem, Enunciação e So-ciointeracionismo – GPLEI. Atualmente, participa de Estágio Pós-doutoral na UnB com pesquisa sobre leitura e formação docente.

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Sobre os autores

1. O SIGNO IDEOLÓGICO NA FILOSOFIA MAR-XISTA DA LINGUAGEM

Professora Dnd. Rivaldete Maria Oliveira da Silva do

Centro Universitário de João Pessoa -UNIPÊ, doutoranda em Linguística pela UFPB/PROLING e pesquisadora do grupo de estudos em Linguagem, Enunciação e Socioin-teracionismo/GPLEI da UFPB. É licenciada em Letras pela Universidade Federal da Paraíba com habilitação em Portu-guês e Francês, especializada em Língua Portuguesa e mes-tra em Literatura Brasileira. Atualmente, exerce atividades de ensino e pesquisa em linguagem jurídica, discurso e in-teração.

2. A CONCEPÇÃO DE INTERAÇÃO VERBAL EM MARXISMO E FILOSOFIA DA LINGUAGEM

Profa. Dnd. Telma Cristina Gomes da Silva, doutoranda em Linguística na área de Linguística e Práticas Sociais pelo PROLING/UFPB. Mestre em Letras na área de Linguística e Língua Portuguesa pelo PPGL/UFPB. Licenciatura Plena em Letras/Português pela UFPB. É professora pesquisado-ra do GEHAETE/UFPB, investigando sobre o tema “Letra-mento digital e midiático”; e, pesquisadora doutoranda do GPLEI/UFPB, investigando sobre “Linguagem, interação e ensino: a construção de sentido do texto na escola”. Tem experiência na área de educação com ênfase nos seguintes temas: ensino e aprendizagem de língua portuguesa, pla-nejamento pedagógico, alfabetização, letramento digital e midiático, informática educativa, educação a distância, se-mântica e pragmática.

Prof. Gregório Pereira de Vasconcelos, mestrando em Linguística, na área de Linguística e Práticas Sociais, pelo

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Bakhtin/VolochínoV e a FilosoFia da linguagem RessigniFicações

PROLING/UFPB. Especialista em Língua Portuguesa pelo PROLING/UFPB. Graduado em Letras pela UFPB. Professor, tutor a distância e coordenador de tutoria do curso de Licen-ciatura Plena em Ciências Naturais na modalidade a distância da UAB/UFPB. Desenvolve trabalhos, estudos e pesquisas nas áreas de linguística, educação a distância e editoração.

Profa. Danyelle Sousa Morais, Especialista em Linguís-tica pela UFPB. Graduada em Letras pela UFPB. É profes-sora da Escola Cenecista João Régis Amorim e do Centro Profissionalizante Deputado Antônio Cabral. Também atua com professora tutora a distância no curso de Licenciatura Plena em Letras na modalidade a distância da UAB/UFPB.

3. CONCEPÇÕES BAKHTINIANAS DE LÍNGUA, FALA E ENUNCIAÇÃO

Profa. Dnd. Danielly Vieira Inô Espíndula da Universi-

dade Estadual da Paraíba (UEPB-Campus VI). Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Linguística (PROLING/UFPB). Mestrado em Letras – UFPB. Atualmente é profes-sora de Linguística do Departamento de Letras da Univer-sidade Estadual da Paraíba (Campus VI). Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Linguagem e Ensino, atu-ando principalmente nos seguintes temas: produção textu-al, leitura e ensino.

Prof. Ms. Clécio de Araújo Ferreira da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA / UNAVIDA-PB). Mestre em Linguagem e Ensino (UFCG). Aluno regular do Programa de Pós-graduação em Linguística (PROLING/UFPB). Mem-bro do grupo de pesquisa: Estudos Semânticos-argumen-tativos de Gêneros do Discurso: redação escolar e gêneros formulaicos - ESAGD da UFPB. Atua na linha de pesquisa: Linguagem, Sentido e Cognição.

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Sobre os autores

4. PSICOLOGIA DO CORPO SOCIAL: SIGNO, IDE-OLOGIA E CONSCIÊNCIA

Profa. Rebecca Tavares tutora da UFPB/Virtual. Gradua-da em Letras Clássicas e Vernáculas (UFPB) e Psicologia pelo Centro Universitário de João Pessoa. Mestranda em Linguís-tica (PROLING/ UFPB). Membro do Grupo de Estudos Lin-guagem, Enunciação e Sociointeracionismo/GPLEI da UFPB.

Profa. Dnd. Rosilândia Flávia de Lima Ramos do De-

partamento de Metodologia da Educação, Centro de Edu-cação/UFPB e Tutora a distância da UFPB/Virtual. Gradua-da em Letras Clássicas e Vernáculas, Mestre e Doutoranda em Linguística (PROLING/UFPB). Membro do Grupo de Estudos Linguagem, Enunciação e Sociointeracionismo/GPLEI da UFPB.

5. CRÍTICA DE BAKHTIN À TRADIÇÃO SUBJETI-VISTA E OBJETIVISTA DA LINGUAGEM

Prof. Ms. Adriano Carlos de Moura do Instituto Fe-deral de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco (IFPE). Graduado em Letras e Mestre em Língua Portugue-sa (PPGL/UFPB).

Profa. Dnd. Hélcia Macedo de Carvalho Diniz e Silva da UFPB/Virtual e do Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ). Graduada em Filosofia com dois mestrados: Fi-losofia (PPGFIL) e Letras (PPGL), ambos pela UFPB. Espe-cialista em Design Instrucional para Cursos Virtuais (UNI-FEI/Itajubá/MG). Doutoranda em Linguística (PROLING/UFPB). Pesquisa sobre Teorias da Linguagem para o Ensino de Filosofia (TLEF), Raízes filosóficas em Bakhtin e Teoria dos Atos de Fala.

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Bakhtin/VolochínoV e a FilosoFia da linguagem RessigniFicações

6. BAKHTIN/VOLOCHÍNOV E OS PROBLEMAS DA CONSTRUÇÃO DO SENTIDO

Prof. Dnd. Francisco de Freitas Leite é professor da Uni-versidade Regional do Cariri. Graduado em Letras (1998) e especialista em Ensino de Língua Portuguesa (1999), ambos pela URCA. Mestre em Linguística (2009) e doutorando em Linguística, ambos pelo PROLING (UFPB). Desenvolve pes-quisa sobre a filosofia da linguagem do Círculo de Bakhtin.

Profa. Ms. Maria Verônica A. da Silveira Edmundson do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnológica da Pa-raíba. Graduada em Letras (Licenciatura Plena) e Especialis-ta em Língua Inglesa e Literatura Norte-Americana, ambas pela UFPB. Mestre em Letras e Linguística (PPGLL/UFPE).

7. A PALAVRA DE OUTREM: AS FRONTEIRAS DO FENÔMENO SOCIAL DA INTERAÇÃO VERBAL

Profa. Dnd. Eliete Correia dos Santos da Universidade Estadual da Paraíba. Doutoranda em Linguística (PROLING/UFPB) e Mestre em Linguagem e Ensino (UFCG). Tem experi-ência em Oficina de Texto, Redação Publicitária e Jornalística. Membro dos grupos de pesquisa: Arquivologia e Sociedade, Estudos em Arquivologia e Sociedade – GEAAS, na Univer-sidade Estadual da Paraíba e do Grupo de Pesquisas em Lin-guagem, Enunciação e Sociointeracionismo/GPLEI da UFPB e atua na linha de pesquisa: Discurso e Sociedade (UFPB).

8. TECENDO MAIS UMA MANHÃ: UMA PONTI-NHA DE PROSA SOBRE DIALOGISMO

Profa. Dnd.Clécida Maria Bezerra Bessa da Universi-dade Federal Rural do Semiárido – UFERSA. Doutoranda

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Sobre os autores

em Linguística pelo Programa de Pós-Graduação em Lin-guística/PROLING, da Universidade Federal da Paraíba/UFPB.

Profa. Dnd. Márcia Ozinete de Alcântra Pinho da Uni-versidade Federal Rural do Semiárido – UFERSA. Douto-randa em Linguística pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística/PROLING, da Universidade Federal da Paraí-ba/UFPB.