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de Gênero

LIVRO OK COREL11 CORRETO€¦ · Capítulo 2 – Visita 2.1 Penitenciária Feminina Madre Pelletier.....158 Conclusões ... Seu colega de Senar, Eduardo Condorelli, listou uma série

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de Gênero

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MESA DIRETORA

Dep. CARLOS EDUARDO VIEIRA DA CUNHA (PDT)Presidente

Dep. JOÃO FISCHER (PP)1º Vice-Presidente

Dep. MANOEL MARIA (PTB)2º Vice-Presidente

Dep. LUIS FERNANDO SCHMIDT (PT)1º Secretário

Dep. MÁRCIO BIOLCHI (PMDB)2º Secretário

Dep. SANCHOTENE FELICE (PSDB)3º Secretário

Dep. CÉZAR BUSATTO (PPS)4º Secretário

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DEPUTADOS INTEGRANTES

FLORIZA DOS SANTOS - PDT (Relatora)

JUSSARA CONY - PC DO B

PAULO BRUM - PSDB

GERSON BURMANN - PDT

MARIA HELENA SARTORI - PMDB

LEILA FETTER - PP

FABIANO PEREIRA - PT

S u b c o m i s s ã o M i s t a d e

Assuntos de Gênero

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SUMÁRIO

Introdução ...............................................................................03

Capítulo 1- Seminários e Audiências Públicas realizadas

1.1 Seminário de Produtoras Rurais (10/09/2003) ....................................................................... ....06

1.2 Audiência Pública - Situação das Delegacias de MulheresRS(05/11/2003).........................................................09

1.3 Audiência Pública – Mulher er e Segurança (27/11/2003)............................................................................44

1.4 Seminário Mulher Contemporânea (11/03/2004) ..............72

1.5 Audiência Pública – Tráfico de Mulheres (13/05/2004) ...110

1.6 Audiência Pública – Mortalidade Materna (31/05/2004....134

Capítulo 2 – Visita

2.1 Penitenciária Feminina Madre Pelletier............................158

Conclusões...........................................................................164

Ficha Técnica ................................................................... ..168

Agradecimentos ..................................................................169

Anexos .................................................................................170

22

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INTRODUÇÃO

PEÇA TEATRAL MARCOU SOLENIDADE DE POSSE

A peça teatral Mulher, do Grupo Luz e Cena, recebeu intenso

aplauso do público presente à posse da Subcomissão Mista de Assuntos

de Gênero da Assembléia Legislativa, ocorrida no dia 27 de agosto de

2003, no Solar dos Câmara. Escolhida relatora, a deputada Floriza dos

Santos (PDT) foi empossada pelo colega deputado Raul Pont (PT) que

destacou a importância das subcomissões junto ao trabalho parlamentar.

Em seu discurso, o deputado Raul Pont ressaltou, ainda, que em

função da alta demanda, as comissões permanentes da Casa não

conseguem corresponder a temas específicos e pontuais, como é o caso

da luta das mulheres. A Subcomissão está subordinada às Comissões de

Cidadania e Direitos Humanos, Serviços Públicos e Saúde e Meio

Ambiente.

Já a relatora Floriza concentrou seu discurso de posse na

apresentação de números e argumentos que comprovam a necessidade

de um espaço para debater questões de gênero:

DEPUTADA FLORIZA DOS SANTOS RELATORA

33Deputada Floriza dos Santos

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“Ao longo da sua história, a Assembléia Legislativa do Rio

Grande do Sul tem impulsionado o progresso humano e econômico

deste Estado. Exemplos não faltam, e a história gaúcha está

sustentada pelo trabalho deste parlamento.

Porém, as necessidades do mundo moderno exigem desta

Casa mais um ato de vanguarda. Vivemos em um mundo cujas

diferenças de gênero são marcantes.As oportunidades, o

reconhecimento, as ações, enfim, indicam uma clara tendência de

sociedade masculinizada. Precisamos corrigir alguns preceitos. Afinal,

as mulheres representam mais da metade da população e precisam

oferecer ao mundo a sua contribuição.

Nós queremos e seremos protagonistas da nossa história.

Afinal, a humanidade precisa da visão feminina para a construção de

um mundo mais justo e solidário. Por isso, propus, e esta Casa acolheu,

a idéia de criação da Subcomissão Mista de Assuntos de Gênero.O

desafio começa agora. A problemática enfrentada precisa de um

levantamento minucioso. As soluções precisam ser buscadas e

levadas à prática com a máxima rapidez.

Pois os números mostram a relevância do trabalho que esta

Subcomissão terá pela frente. O Rio Grande do Sul continua sendo um

Estado com elevado número de mortes por câncer de mama e câncer

de útero. No campo da violência, somente no ano passado, foram

registradas mais de 50 mil ameaças contra mulheres gaúchas. O

número de estupros passou de 900. Também foram registrados 187

assassinatos e mais de 33 mil lesões corporais contra mulheres no Rio

Grande do Sul.

É muita violência. E sabemos que a realidade é ainda pior, já

que muitas mulheres não procuram os órgãos competentes para fazer

a denúncia. Infelizmente, hoje, no Rio Grande do Sul, temos apenas

cinco delegacias especializadas no combate à violência doméstica.

É papel fundamental dessa Subcomissão lutar

44

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pela ampliação do número de delegacias, assim como é papel

fundamental discutir outros temas. Mas a violência contra a mulher não

é um fenômeno apenas gaúcho ou brasileiro, apenas 44 países no

mundo possuem leis para proteger as mulheres.

Em países Islâmicos, por exemplo, mulher não pode participar

da política. A cada ano, cerca de dois milhões de mulheres são

vendidas, raptadas ou enganadas, aumentando o número de

prostitutas e vítimas de trabalho forçado.

Isso tudo precisa ser debatido. As mulheres precisam dizer o

que pensam e agir no sentido de pavimentar suas idéias. E não vamos

fazer isso por vaidade pessoal ou para fomentar uma disputa entre

sexos, mas vamos discutir isso porque o mundo necessita de todas

nós.

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CAPÍTULO 1

SEMINÁRIOS E AUDIÊNCIAS PÚBLICAS REALIZADAS

1.1 SEMINÁRIO DE PRODUTORAS RURAIS - 10/09/2003

SEMINÁRIO DE PRODUTORAS RURAIS ABRIU TRABALHOS

DA SUBCOMISSÃO DE GÊNERO

Um dia inteiro de debate, palestras e apresentações cênicas,

num evento realizado fora da Assembléia Legislativa e totalmente

voltado às produtoras rurais. Esse foi o pontapé inicial da Subcomissão

Mista de Assuntos de Gênero que, com apoio da Prefeitura Municipal de

Novo Hamburgo e Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural

(Emater) realizou um seminário no bairro rural de Lomba Grande, em

Novo Hamburgo.

Foram 230 inscrições de produtoras da região. Sob

coordenação da relatora e Deputada Estadual Floriza dos Santos

(PDT), entidades como a Federação dos Trabalhadores em Agricultura

(Fetag) e Federação da Agricultura no Rio Grande do Sul (Farsul)

debateram temas de interesse das produtoras rurais. O Serviço

Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) também teve a oportunidade

de mostrar sua linha de atuação e discutir formas de incentivar e

melhorar a vida no campo.

A mesa dos trabalhos foi composta pelo prefeito de Novo

Hamburgo, José Aírton dos Santos (PDT); secretário municipal de

Agricultura de NH, Hélio Bernardes; Eduardo Condorelli, do Senar;

Marli Büller, da Emater; Maria Helena Linhares, vice-presidente da

Comissão Permanente das Produtoras Rurais da Farsul; Helga Ranau,

tesoureira do Sindicato Rural de Novo Hamburgo e pela própria

deputada Floriza.

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PALESTRAS

A supervisora da Fetag, Lisiane Cunha, lembrou dos direitos

existentes às produtoras rurais, como aposentadoria aos 55 anos,

auxílio-maternidade, auxílio-doença, auxílio-reclusão e do atendimento

gratuito na rede do Sistema Único de Saúde (SUS).

O superintendente-geral do Senar, Gilmar Tiethböhl, fez uma

explanação divertida para mostrar a importância da solidariedade e da

organização nas comunidades rurais. Seu colega de Senar, Eduardo

Condorelli, listou uma série de trabalhos que podem gerar renda extra

para as famílias, como o reaproveitamento de alimentos e sucatas. Já a

extensionista de bem-estar social da Emater, Leonice Kreutz,

organizou um memorável desfile, denominado Papéis da Mulher na

Propriedade, no qual as próprias produtoras puderam mostrar seu

cotidiano rural, com muita alegria e informação.

A vice-presidente da Comissão de Produtoras

Rurais da Farsul, Maria Helena Linhares, falou sobre o trabalho da

entidade e sua preocupação com a saúde da mulher no campo. Ao final

do encontro, as participantes avaliaram e relacionaram uma série de

tópicos como resultado do seminário:

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- O grupo de produtoras rurais da cidade de Dois Irmãos

manifestou- se sobre o evento, dizendo que as colocações foram

muito elucidativas;

- A preocupação de representantes da comunidade rural de

Dois Irmãos é que só estão permanecendo no campo as pessoas mais

velhas, os jovens estão abandonando a colônia; as famílias possuem a

terra, mas não tem pessoal para trabalhar;

- Acreditam que se deve buscar alternativas para os jovens

permanecerem na agricultura, na produção primária;

- Sugeriram a retomada do ensino das técnicas agrícolas nas

escolas, nos ensinos fundamental, médio e técnico;- Foi colocado, por produtoras do interior de Nova Petrópolis, a

preocupação por pessoas estarem abandonando a colônia;

- Foi solicitado esclarecimentos sobre o pagamento de IPTU em

áreas produtivas, pois onde o técnico da prefeitura local analisar que se

trata de área produtiva em uso, esta é isenta de IPTU;

- Solicitaram mais informações por parte do Sindicato dos

Produtores Rurais, Emater, Secretaria de Agricultura, sobre cursos

gratuitos do Senar e outros;- Querem acesso ao conhecimento e créditos financeiros;

- Querem valorização da comercialização dos produtos

coloniais - Feira do Produtor;

- Sugeriram discussão em pequenos grupos, por comunidades,

para procurar dirimir dúvidas, obter informações sobre cursos, créditos,

etc.

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1.2 AUDIÊNCIA PÚBLICA - SITUAÇÃO DAS DELEGACIAS DE

MULHERES NO RS - 05/11/2003

ESTRUTURA DAS DELEGACIAS DA MULHER AINDA É PRECÁRIA

Em funcionamento há mais de 11 anos no Rio Grande do Sul, as

Delegacias da Mulher ainda encontram obstáculos para o trabalho que

realizam. Números insuficientes de policiais femininas, poucas viaturas

e falta de coletes à prova de bala e armas são algumas das deficiências

encontradas nestes órgãos. Essa foi a realidade exposta na audiência

pública que reuniu, pela primeira vez, todas as cinco delegadas titulares

no Estado.

O levantamento foi apresentado à Subcomissão Mista de

Assuntos de Gênero no dia 05 de novembro de 2003. Estiveram

presentes as policiais titulares das delegacias da mulher de Porto

Alegre, Caxias do Sul, Canoas, Santa Maria e Pelotas, além das

delegadas dos postos de atendimento de Novo Hamburgo, Lajeado,

Viamão e Sapucaia do Sul. O encontro também contou com a presença

de Eugênio Gonçalves Dias (Instituto Médico Legal do RS), Miguelina

Vecchio (Conselho Estadual da Mulher) e Maria Berenice Dias

(desembargadora do Tribunal de Justiça do Estado). A audiência

ocorreu na Assembléia Legislativa e foi coordenada pela relatora

deputada Floriza dos Santos (PDT).

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DEPUTADA FLORIZA DOS SANTOS RELATORA

“Esta é a primeira audiência pública da Subcomissão Mista de

Assuntos de Gênero. Com certeza tiraremos deste encontro grandes

sabedorias de mulheres e homens competentes que darão uma

direção à proposta desta Subcomissão.

Também agradeço à Chefia de Polícia do Rio Grande do Sul,

através do Sr. Delegado Antônio Leote; Diretor do Departamento de

Polícia Metropolitana, Sr. Delegado Paulo César Jardim; Diretor do

Departamento de Polícia do Interior, Sr. Delegado Pedro Carlos

Rodrigues, por terem prontamente aceito o nosso pedido para que as

delegadas pudessem estar aqui, hoje. Também agradecemos à Sra.

Beloni Turcatto, da Coordenadoria Estadual da Mulher.”

SÍLVIA REGINA CÓCCARO DE SOUZA DELEGADA EM PORTO ALEGRE

“Parabenizo a Deputada pela iniciativa. Há quase três anos

trabalhando na Delegacia da Mulher, é a primeira vez que participamos

de uma reunião com todas as Delegadas de Polícia do Estado para que

possam colocar suas dificuldades, problemas, estruturas e, também,

apresentar os índices de criminalidade.

Em primeiro lugar, dentro da estrutura das Delegacias de

Polícia do Estado, a Delegacia da Mulher é considerada especializada,

ou seja, se diferencia dos demais Distritos Policiais e Delegacias de

Polícia do interior.

Observamos que deveria haver uma seleção de funcionários

para atuarem nesse órgão especializado. O atendimento deve ser

diferenciado, pois requer não somente a técnica policial mas também o

apoio e a compreensão diante das situações que se apresentam –

geralmente problemas familiares.

Deveria ser atribuído maior poder legal às autoridades policiais

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das Delegacias da Mulher para que pudessem representar junto ao

Poder Judiciário, pelo afastamento do cônjuge do lar, em caso de

violência doméstica, conforme faculta o art. 69, parágrafo único, da Lei

n° 9.099.Isto se explica pelo fato de que a Lei veio banalizar a violência contra a

mulher, já que o procedimento policial realizado origina uma audiência

preliminar em juízo, onde será dada às vítimas a faculdade de

transacionarem com seus agressores, porém, elas vão à Delegacia

porque necessitam de medidas urgentes e mais enérgicas. Não podem

esperar que seja realizada uma audiência no Poder Judiciário e até lá

ficarem convivendo com seus agressores.

Há ausência de profissionais da área de psicologia e

assistência social para atendimento na Delegacia da Mulher. Em Porto

Alegre esse problema é maior, eis que não dispomos sequer de

estagiários destas áreas para fazerem o atendimento. Há carência de

material de expediente nas Delegacias, a despeito de todo o esforço

despendido pelas chefias, que procuram dar o máximo para qualificar o

atendimento. Deveriam ser realizados cursos com plantonistas das

Delegacias para reciclagem no atendimento à mulher vítima de

violência, uma vez que seria de vital importância que fossem orientados

sobre a melhor forma de atendimento, bem como novas legislações nos

principais delitos em que a mulher é vítima. Um exemplo das

deficiências das Delegacias de Polícia é o fato de Caxias do Sul e Porto

Alegre não possuírem fac-símile.

Agora enfocarei mais amiúde a estrutura e composição da

Delegacia da Mulher de Porto Alegre. Esta conta com uma equipe de 26

funcionárias policiais e duas administrativas distribuídas da seguinte

forma: plantão da DM de Porto Alegre, quatro equipes, com três

funcionárias em plantão de 24 horas; cartório, sete funcionárias

policiais; serviço de investigação, quatro funcionárias policiais;

secretaria, duas funcionárias policiais; gabinete, uma Delegada de

Polícia; recepção, duas funcionárias administrativas para

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encaminhamento aos órgãos.

A DM de Porto Alegre contava com três viaturas; uma baixou e a

outra foi solicitada pela Divisão. Agora contamos com uma viatura em

bom estado de conservação. Dispomos de cinco pistolas - calibre 40,

bem como coletes à prova de bala.

A estrutura física do prédio da Delegacia da Mulher de Porto

Alegre é pequena para as necessidades atuais. Acumulam-se várias

escrivãs em cartório para ouvir cada pessoa em particular. O mesmo se

dá no plantão, onde temos quatro funcionários atendendo e ouvindo as

pessoas que chegam.

Está sendo elaborado um projeto para a mudança de prédio da

Delegacia da Mulher e já houve aquiescência das chefias superiores.

Chegamos a um acordo de mencionar somente os dados estatísticos

de agosto e setembro, e as colegas que tiverem os últimos dados,

podem fornecê-los. Mas, como os mapas de Porto Alegre só fecham

nos dias 5 e 6 do mês em curso, temos as estatísticas do mês de

agosto: as lesões corporais já contam com 1.690 casos; as ameaças,

1.394. Os demais delitos são de menor monta como a calúnia, a injúria

e a difamação, 288 – isso não contando os meses de setembro e

outubro, em que o estupro conta com 62 ocorrências.

A Deputada solicitou que as delegadas se manifestassem,

então me manifesto tendo como base Porto Alegre, Caxias do Sul e

Pelotas, onde tivemos uma reunião sobre o que está sendo feito em

termos de prevenção e repressão à violência de gênero. As Delegacias

de Porto Alegre, Caxias do Sul e Pelotas, participam de eventos, feiras

e palestras sobre violência de gênero visando a uma maior

conscientização das mulheres mostrando-lhes como podem se

defender de agressões de todas as espécies por parte de seu cônjuge,

companheiro ou de quem quer que seja.

A Delegacia da Mulher de Caxias do Sul desenvolve palestras

semanais com crianças que apresentam desestrutura familiar com o

1212

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apoio de psicólogas da Universidade de Caxias do Sul e sua titular.Há, também, uma grande solicitação de mandados de busca e

apreensão de armas, o que previne situações de extrema violência.”

REJANE SANTOS TELLES DELEGADA EM CANOAS

Na Delegacia da Mulher da cidade de Canoas, são atendidos,

especificamente, delitos contra a mulher, lesões corporais quanto à

liberdade pessoal e quanto aos costumes.

Para tentar diminuir tais conflitos, além de ouvir a vítima,

contamos com a assessoria de uma psicóloga, pois o diálogo ajuda a

resolver tais problemas e a reduzir o número de incidentes.

Com a Delegacia especializada, foram viabilizadas uma grande

quantidade de denúncias de mulheres vítimas de maus tratos, que não

tinham coragem de levar o fato ao conhecimento da polícia.

A infra-estrutura para a Delegacia da Mulher de Canoas, em

termos de recursos humanos, é composta por cinco escrivães, seis

inspetores, dois investigadores e um auxiliar administrativo, que nos

presta serviço na secretaria. Temos três viaturas; dois rádios HT, cinco

coletes à prova de balas, três microcomputadores – um OCR – e rádio-

computador fixo.

Na estrutura física, temos plantão, cartório, serviço de

investigação e de psicologia. Os dados estatísticos registrados até o

momento são: ameaça, 958 ocorrências; lesão corporal, 410; atentado

violento ao pudor, 20; estupro, 29; perturbação da tranqüilidade, 55;

perfazendo um total de 3.232 ocorrências.

Encaminhamos as vítimas ao Navive – Núcleo de Atendimento

às Vítimas de Violência, após o registro de ocorrências e atendimento

psicológicos, que há na cidade – que visa prestar um atendimento

especializado às vítimas e ao seus familiares por meio de orientação

1313

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jurídica e assessoria psicológica e social – localizado no Fórum da

cidade. O posto de saúde mental presta atendimento psicológico,

psiquiátrico e neurológico.

O Centro Multiprofissional da Universidade Luterana do Brasil –

Ulbra – presta atendimento à criança, ao adolescente e ao adultos.

Dispõe de uma equipe especializada no atendimento à comunidade.

Este centro fica situado na Ulbra da cidade de Canoas.

DÉBORA APARECIDA DIAS DELEGADA EM SANTA MARIA

“A população de Santa Maria está em torno de 250 mil

habitantes. O posto policial para a mulher foi criada no ano de 1989. Os

trabalhos deste posto policial iniciaram com quatro funcionárias e um

delegado de polícia que respondia pelo expediente. Quando iniciou o

trabalho do posto no ano de 1989, havia quatro funcionários e um

delegado que não era titular, mas respondia pelo expediente. Isto é,

este delegado não ficava todos os dias para atender às vítimas na

Delegacia da Mulher.

Esta Delegacia de Santa Maria foi criada no mês de novembro

de 2001. A Delegacia Policial da Mulher surgiu para atender a uma

necessidade da comunidade feminina e não privilegiá-la, devido ao alto

índice de casos de violência contra a mulher. Somente para esclarecer.

Às vezes, as pessoas, ao comentar a criação da Delegacia Policial da

Mulher, ficam falando que é um privilégio para as mulheres. Realmente,

não é. Somente se cria uma delegacia especializada como a Delegacia

da Mulher, ou mesmo outra como a Delegacia de Homicídios, quando o

índice desse determinado crime é muito alto. No caso, criou-se a

Delegacia da Mulher em Santa Maria, porque havia a necessidade de

combater aos delitos que estavam ocorrendo.

Esta Delegacia atende todos os casos de vítimas do sexo

feminino em crimes contra a integridade física, que é a lesão corporal e

outros delitos, liberdade pessoal, um exemplo é o cárcere privado.

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Contra os costumes, que são os crimes de ordem sexual – estupro,

atentado violento ao pudor. Contra a honra, que são os mais leves –

calúnia, injúria e difamação. E ainda as vítimas em todos os casos das

contravenções penais, que são os serviços mais leves – entrando a

competência da Delegacia da Mulher.

O trabalho da Delegacia de Polícia para a Mulher de Santa

Maria abrange todo o município e mais oito distritos, sendo que o

Distrito de Dilermando Aguiar fica a uma distância de 50 quilômetros da

Sede. Exemplificando - trabalho realizado na delegacia no ano de

2002: Nós efetuamos 31 prisões, que é um índice bem alto, até porque

em se tratando de delitos contra a mulher, onde geralmente se prende

uma pessoa de cada vez, não se investiga crimes de quadrilha ou de

mais de um autor, portanto é considerado um índice significativo.

Recebemos a Comenda Renato Russo, da Câmara Municipal

de Vereadores, no final de 2001, pela efetiva luta na defesa dos direitos

humanos e cidadania, homenagem esta prestada à delegacia. A

delegacia foi criada oficialmente em novembro de 2001, mas eu já tinha

assumido antes e as ocorrências começaram a chegar desde julho de

2001, verifica-se que houve um salto muito grande no número de

ocorrências, tendo em vista que antes era um posto e depois veio a ser

uma delegacia.

Em 2001 tivemos, mais ou menos, 2.200 ocorrências; em 2002,

passou para quase 4.000, até outubro de 2003 foram recebidas 3.800

ocorrências. O efetivo é composto pelos policiais que trabalham na

delegacia, em 2001 eram seis; em 2002, nove policiais e hoje temos 11

policiais.

Percebe-se que aumentou o quadro de efetivos, mesmo assim

não chega a atender à demanda de ocorrências, que quase triplicou.

Temos onze policiais, três homens, que são investigadores de polícia,

um escrivão e o resto são policiais femininas, eu, como delegada, uma

funcionária administrativa e uma estagiária.

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Neste ano, em agosto, remetemos ao Poder Judiciário 174

procedimentos; em setembro, 240 procedimentos para o Fórum e em

outubro foram 225. A média de procedimentos remetidos para o Fórum

está em torno de 220, já mandamos até quase 300, mas foi uma

exceção. É importante frisar que nos meses de junho, julho e agosto as

ocorrências diminuem devido ao clima frio, ao passo que com a

chegada do verão a tendência é aumentar as ocorrências, as

delegadas sabem que o clima quente estimula o consumo de bebidas

alcoólicas que, por sua vez, leva a atos de violência, aumentando assim

o índice.

Quanto às condições de trabalhos da delegacia em Santa

Maria, o prédio é alugado, é um prédio bom, mas muito pequeno, o

delegado regional está estudando uma alternativa para aumentar o

espaço físico do prédio, porque há vários cartórios que ocupam o

mesmo prédio, tornando o nosso espaço pequeno.

Temos três viaturas, sendo que duas são de uso exclusivo da

delegacia, uma é de uso de outra delegacia, temos sete computadores,

porém funcionam apenas quatro, isso é comum acontecer.

Em relação ao trabalho de apoio, a delegacia conta com

profissionais da área da psicologia que faz um trabalho voluntário e

gratuito com a feitura de pareceres, principalmente nos inquéritos

policiais que apuram crimes contra os costumes, crimes de ordem

sexual. Não há nenhum apoio do Estado, não existem profissionais

pagos pelo Estado, temos psicólogos voluntários e muitas vezes

conseguimos assistência judiciária gratuita para as pessoas que

procuram a delegacia.

Realizamos o trabalho de polícia judiciária, como qualquer outra

delegacia, cuja investigação do crime é feita após o fato ocorrido,

gostaria de frisar que também fazemos um trabalho preventivo através

de palestras e debates junto às escolas, centros comunitários,

1616

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universidades, principalmente com a Universidade Federal.

Especificamente, sempre estamos fazendo palestras nos

cursos de enfermagem e na psicologia, porque é o pessoal da

enfermagem que atenderá diretamente os casos de violência, visando

atuar na esfera da prevenção, da conscientização e da sensibilização

desses profissionais para que possam denunciar os casos de violência.

Acho que em delegacias da mulher o nível de estresse é maior

em virtude da natureza dos crimes analisados, por exemplo, eu atendo

o distrito policial comum lá em Santa Maria e digo que é mais fácil fazer

um inquérito de roubo do que de estupro, onde o nível de estresse é

bem maior, porque mesmo não querendo, você acaba se envolvendo,

principalmente quando envolvem crianças, nesse caso é pior.

Portanto, crimes que causam grande impacto emocional, como

no caso de estupros, levam a um nível muito elevado de estresse, as

policiais não têm apoio psicológico, o que eu acho que seria muito

importante que houvesse, pois as policiais são profissionais, são seres

humanos, estão trabalhando e tratando de crimes cuja violência é a

tônica. Isso mexe com o ser humano e ainda não receber nenhum tipo

de apoio, somente a cobrança do trabalho a ser realizado, acho que é

importante considerar o aspecto emocional do policial.

O trabalho da Delegacia da Mulher é visto com um certo

preconceito da parte da classe policial, envolvendo tanto a questão de

gênero quanto um certo desdém no que tange à violência

doméstica.Isso é normal, confesso que quando eu fui nomeada para

assumir a Delegacia da Mulher fiquei desanimada, porque eu

trabalhava no primeiro distrito e pensei: todos tratam essa delegacia

com desdém, não adianta.

Mas depois que você se envolve com o serviço e começa a

trabalhar consegue ver a importância que tem essa delegacia, pois

engloba todo o tipo de crime, tendo em vista que é dentro de casa que

começa a violência e então vai para a rua, é disso que as pessoas não

1717

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têm consciência e por isso o desdém.

Quando um roubo é investigado ou um assassinato, com

certeza, ao investigar a vida daquele criminoso percebe-se que houve

uma história de violência doméstica, claro que há exceções, mas a

grande maioria é assim.Não existe plantão na delegacia da mulher, o

expediente obedece o horário normal de funcionamento, o plantão é

feito pelo Centro de Operações, que atende a todas as ocorrências de

um modo geral, não há um plantão específico.

Não temos um rádio HT, essa é uma reivindicação que eu estou

fazendo desde que iniciei os trabalhos na delegacia, é muito importante

esse rádio, é um instrumento de comunicação, o pessoal vai às vilas

para fazer intimação, um fica aguardando na viatura e o outro entra na

vila, se acontece alguma coisa não tem como se comunicar. Hoje temos

um celular funcional usado para investigação, por isso seria muito

importante um rádio.

Temos três coletes à prova de balas, quando existem mais de

três investigações temos que sortear para ver quem vai usá-lo. Houve

uma diminuição no número de ocorrências na área da violência contra a

criança e o adolescente em virtude da criação, em 2002, da DPCA –

Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente.

Algumas das ocorrências de violência doméstica que envolviam

crianças eram atendidas na delegacia, agora, têm como destino a

DPCA, aliviando o volume de ocorrências da nossa delegacia, uma vez

que a previsão era de receber até sete mil ocorrências, o que não

aconteceu graças a criação da DPCA.

Quero deixar uma mensagem final: Nós trabalhamos para a

comunidade e pela comunidade, independentemente de raça, cor,

posição social ou partido político, sempre aprimorando o nosso

trabalho.

1818

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RAQUEL MACHADO PEIXOTO DELEGADA EM CAXIAS DO SUL

“Parabenizo a Deputada Floriza dos Santos pela iniciativa deste

encontro. É um privilégio estar aqui com as minhas colegas de DM e

principalmente com a Desembargadora Maria Berenice Dias com quem

tive o privilégio de trabalhar em 1996 quando me formei. Acredito que

nunca tenha lhe dito, Desembargadora, mas depois de trabalhar ao seu

lado, despertou o meu interesse para a área da violência contra a

mulher. Por isso, obrigada, Dra. Maria Berenice.

Para iniciar lerei uma mensagem da Marília Gabriela que

considero muito bonita: Mais do que o corpo a violência machuca a

alma, destrói os sonhos e acaba com a dignidade da mulher.A

Delegacia da Mulher de Caxias do Sul foi fundada em 1988, por

intermédio da Portaria nº 21, da Secretaria da Justiça e Segurança. Os

crimes atendidos na Delegacia da Mulher são os de lesão corporal,

contra a liberdade pessoal e contra os costumes em que a vítima seja

do sexo feminino.

A Delegacia da Mulher de Caxias do Sul é um pouco diferente

das outras DMs do Estado porque, a partir de abril de 2002, passou a

integrar a Central de Termos Circunstanciados – TC –, ou seja, todos

aqueles crimes de menor potencial ofensivo com pena de até dois anos

também começaram a ser atendidos na Delegacia da Mulher, inclusive,

porte de entorpecentes e de arma. Com isso, o volume de ocorrências

na delegacia tornou-se imenso. Temos uma média de 850 ocorrências

por mês, sendo que em alguns meses chegam a ser 900 ocorrências.

O prédio da Central de Polícia localiza-se bem no Centro de

Caxias do Sul e a Delegacia da Mulher ocupa todo o primeiro

pavimento. Em termos de estrutura física somos privilegiados. Temos

treze salas compostas de seis cartórios, secretaria, gabinete, sala de

investigação, depósito, atendimento jurídico, atendimento psicológico,

1919

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sala de registro, sala de espera e auditório com capacidade para 100

pessoas, além de cozinha e banheiro.

Com relação a viaturas é um pouco mais complicado, pois

contamos apenas com uma. Isso nos traz dificuldades porque quando

sai uma viatura para intimação não temos outro meio de deslocamento.

O principal problema da DM de Caxias é a área de recursos humanos.

Para os senhores terem idéia, temos apenas nove servidores e dois

estagiários. Na verdade, todos os funcionários estão sobrecarregados,

precisaríamos de, pelo menos, mais três funcionários: dois para o

cartório e um para a investigação.

Há um trabalho desenvolvido paralelamente na Delegacia da

Mulher que é o atendimento jurídico. Os nossos advogados atendem

todos os dias na Delegacia da Mulher. De segunda à sexta-feira, pelo

menos em um turno, temos advogados voluntários que fornecem

orientação jurídica para as nossas mulheres.

Fizemos uma espécie de parceria com a Defensoria Pública de

Caxias do Sul, assim, as mulheres vão até a Delegacia de Polícia

conversar com eles. Nós fizemos uma ficha em que constam todos os

documentos necessários para entrar com a ação, o advogado orienta e

preenche para a vítima quais os documentos que precisa providenciar

para levar na Defensoria Pública. A vítima leva o documento com o

carimbo de orientação jurídica gratuita na Defensoria Pública, lá recebe

prioridade de atendimento. Isso foi um grande avanço para nós com a

Defensoria Pública de Caxias do Sul.

Temos uma psicóloga e uma estagiária. Foi feito um convênio

em junho com a UCS que estagiárias do último ano de psicologia

passem a atender na Delegacia da Mulher. O público alvo do

atendimento são mulheres e adolescentes do sexo feminino a partir de

12 anos de idade. Vítimas que sofreram qualquer tipo de violência seja

física, sexual ou psicológica. Programas e atividades envolvidas pela

psicóloga e pela estagiária nas dependências da Delegacia da Mulher:

2020

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orientação e aconselhamento individual para as vítimas, trabalho

familiar, nesse trabalho familiar, na verdade, a DM e o DPCA trabalham

sempre em conjunto.

E o familiar envolve a vítima e normalmente a violência

doméstica também acaba englobando toda a família, principalmente os

filhos. Terapia de casal, muitas das nossas vítimas chegam até a

Delegacia e pedem para as psicólogas chamarem o marido agressor

para conversar. Terapia em grupo, isso de dois meses para cá. Na

verdade, a idéia de abrir os trabalhos em grupo surgiu com a novela

Mulheres Apaixonadas da TV Globo. Foram formados grupos de 15

mulheres para falar de experiências.

Atividades preventivas nas escolas, essa atividade também é

feita em conjunto com a Delegacia da Mulher e o DPCA de Caxias do

Sul, com as duas estagiárias. Resolvemos que precisávamos prevenir,

e conversando com a Delegada Sueli, analisando estatísticas de

ocorrências, constatamos duas escolas de Caxias do Sul como as mais

problemáticas e iniciamos por ali. As nossas estagiárias estão indo lá

uma ou duas vezes por semana fazer um trabalho de base com as

crianças.

Os professores, em contato diário com os alunos, conseguem

detectar as crianças que têm mais problemas de violência doméstica

em casa, que é um trabalho muito interessante de Caxias do Sul. O

objetivo principal é a prevenção da violência. Temos o atendimento

psicológico, mas para fins de inquérito policial temos duas entidades de

Caxias do Sul que nos fornecem oficialmente os laudos psicológicos.

Em Caxias do Sul, os juízes já exigem o laudo psicológico. As

entidades são a Apoiar, que pertence à Prefeitura Municipal, e o Cais

Mental. Há vários locais de atendimento em Caxias do Sul para

mulheres vítimas de violência. Selecionei dois que considero uma

parceria fundamental para a Delegacia da Mulher: a Casa Viva Raquel,

é uma casa de abrigo para as mulheres vítimas de violência, são

2121

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encaminhadas para Casa Viva Raquel só com o registro de ocorrência;

e o Hospital Geral, que está fazendo um trabalho fantástico em Caxias

do Sul com a coordenação da Dra. Sônia Madi.

No Hospital Geral, atendem-se as vítimas de violência sexual. É

um trabalho realizado com os médicos, assistentes sociais e

psicólogos. A mulher é atendida de forma prioritária, 24 horas por dia,

dão todo o acompanhamento, coquetel para prevenir doenças

sexualmente transmitidas e o HIV.

Passarei esta parte sobre estatísticas policiais, incidência de

violência por idade da vítima um pouco mais rápido, o índice maior é na

faixa etária de 13 a 18 anos, 41,8%, pegamos acima de 12 anos. Por

exemplo, em janeiro de 2003, foram um total 758 ocorrências, incluindo

a Central de Termos Circunstanciados, sendo que só a Central TC teve

322 ocorrências.

Basicamente, os crimes de maior incidência é de ameaça lesão

corporal. Em fevereiro e março, notamos um aumento no índice de

ocorrência. Acreditamos que seja pelo verão, bebem mais e a violência

aumenta, foram 868 ocorrências, março, 950 ocorrências. Sempre gira

em torno de 850. Setembro tivemos 877 ocorrências ao todo e a Central

teve 428 ocorrências, 179 ameaças, 108 lesão corporal, e os demais

crimes 137 ocorrências. Três mulheres foram vítimas de estupro e

adolescentes do sexo feminino também foram três também.

Fiz um mapa para mostrar a vocês dos delitos, basicamente, o

maior em Caxias do Sul é a ameaça. Temos uma média de 300

ocorrências de ameaças por mês.

2222

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Em Caxias do Sul, hoje, podemos detectar dois problemas que

são complicados para nós. Um que está sendo o registro de ocorrência.

Faz mais ou menos um ano que a DM está sem registro de ocorrência.

Por quê? É um problema grave em Caxias. Os registros de

ocorrência todos estão sendo feitos no centro de operações. Desde a

vinda da Central de Termos Circunstanciados, a Central toda veio para

a DM, mas não vieram funcionários.

O volume de ocorrências triplicaram, mas não vieram

funcionários. Num primeiro momento – assumi a DM em maio deste

ano –, mas os delegados que me antecederam tentaram fazer um

rodízio com os funcionários para registrar as ocorrências. Só que não

foi possível. Acabou sobrecarregando os funcionários, e não

conseguimos mais enviar os procedimentos ao Fórum. Não tem como

registrar ocorrência e fazer todo o volume de atendimento.

Combinamos, agora, com o Delegado Regional, em janeiro,

voltaremos ao registro de ocorrência. Há uma nova turma da academia

que se formará em dezembro e uma funcionária será designada só para

TOTAL DE OCORRENCIASJANEIRO À SETEMBRO/2003

0

100

200

300

400

500

600

JANEIR

O

FEVEREIRO

ABRIL

MA

IO

JUNHO

JULHO

AGOSTO

SETEMBRO

ESTUPRO

AVP

LC

AMEAÇA

MAUS TRATOS

OUTROS

DESAPARECIMENTO

CTC

2323

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o registro de ocorrências. A falta de pessoal na investigação é um

problema em Caxias do Sul. Coloco uma frase final: A Delegacia para a

Mulher deveria funcionar com o intuito de busca de soluções do

problema da violência doméstica, não como um fim.

No Brasil o aporte de entrada para a solução do problema da

violência é buscado nas Delegacias de Polícia, sendo que nos países

desenvolvidos o aporte de entrada é a assistência social. Conversando

com minhas colegas, acredito que a Delegacia para a Mulher por mais

que se faça, e acredito que todas nós da DM temos feito o máximo por

ela, mas frustra muito, frustra as expectativas.

Por quê? Porque a mulher vem à Delegacia como o primeiro

aporte de entrada. Ela acredita que ali encontrará a solução para todos

os problemas. Infelizmente não acontece, porque estamos atrelados à

legislação. Vocês sabem que a legislação, em termos de violência

doméstica, é muito branda. Manda pagar uma cesta básica, prestação

de serviços comunitários e a mulher acaba saindo sempre frustrada da

Delegacia.

Acredito, sinceramente, que a Delegacia não deveria ser o

aporte de entrada. Deveria ser, sim, a assistência social. Deveriam

fazer políticas nos municípios de atendimento a toda família,

englobando o agressor também.”

CARLA KUHN WERNETTIDELEGADA EM PELOTAS

“O posto policial foi criado em Pelotas, em 1989,

com uma estrutura precária e poucos funcionários e o delegado apenas

substituía. Em função do esforço e da luta da sociedade organizada,

principalmente, das mulheres organizadas, e eu sempre digo que é

uma cidade que está de parabéns em função dos organismos e

instituições que existem, foi criada a delegacia pelo Decreto nº 39.494,

em 1999.

2424

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A delegacia localiza-se no centro da cidade, atende todo o

Município de Pelotas, que conta em torno de 325 mil habitantes. Tem de

se fazer uma ressalva, porque os distritos são geralmente divididos na

cidade por bairros e a Delegacia da Mulher, por ser especializada,

atende todo o município, com uma extensão territorial de 1.921,80 km².

engloba não só a parte urbana, mas também rural.

Fiz uma observação para o assédio sexual e o aborto, que não

constam no decreto de criação da delegacia, que não há uma

uniformidade, mas a princípio, pelo que andei conversando com as

colegas, as demais delegacias estão atendendo, também, delitos de

aborto. Nos recursos humanos temos 12 policiais, um total de 18

servidores. No setor de psicologia contamos com uma psicologia

cedida pela Prefeitura, que conta com apoio de psicólogos voluntários.

Para a orientação jurídica, recentemente fizemos um convênio com a

universidade federal. Contamos com a assessoria jurídica via alunos.

A estrutura física está num prédio locado, não temos prédio

próprio, também não temos recepcionista. É de extrema importância

para que a mulher tenha um atendimento, já no momento em que ela

ingressa na delegacia. Hoje não tenho, quem atende é a secretaria,

geralmente é uma policial que faz esse atendimento, mas aí se torna

um atendimento precário, porque ela é secretária e não recepcionista.

No setor de registro temos um problema, porque é um homem

que faz os registros. É um problema por não ser uma mulher, é um

escrivão, depois é elencado em cartório distribuidor. Uma grande

dificuldade que temos encontrado é que o maior número de policias na

DM são homens e não mulheres. No momento possuímos duas

viaturas, uma discreta e uma oficial, sendo que a discreta considero

meia, porque apresenta problemas mecânicos. É importantíssimo

contarmos com viaturas discretas em função da investigação.

Temos, em equipamentos, nove computadores, uma filmadora,

vídeo, televisão e seis coletes a prova de bala. Necessitamos, para

2525

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atuarem nas delegacias, um maior número de policiais, principalmente,

policiais femininas, além de viaturas, microcomputadores,

impressoras, máquina de fotografia digital e televisão, esta para a sala

de espera, pois as mulheres quando vão fazer o registro de ocorrência,

normalmente, vêm acompanhadas dos filhos, às vezes pequenos, e o

atendimento pode demorar. As crianças permanecem ali.

Deveríamos ter um prédio próprio. Isso é essencial. Os prédios

alugados não são específicos para delegacias, por isso temos

dificuldade em adaptar um serviço policial. Fica bastante complicado

em função da manutenção por ser um prédio locado. Psicólogas e

assistentes sociais contratadas pelo Estado são de extrema

importância, porque hoje contamos com serviço voluntário. O serviço

voluntário é muito importante, mas nem sempre tem uma

continuidade.

Às vezes, a mulher está recebendo um atendimento, mas por

algum motivo o voluntário não vai ou encontrou um trabalho

remunerado, que é mais interessante, e acaba nos deixando na mão.

Contamos com apenas uma psicóloga e a demanda é muito grande

porque ela atende ao grupo de mulheres vítimas de violência, que vai

uma vez por semana na delegacia discutir questões. Esta profissional

faz pareceres técnicos quando é estupro ou atentado violento ao pudor.

Através da tabela estatística dos delitos registrados na

delegacia, vê-se que a ameaça está em 50%. Um grande índice é o de

ameaça; já o de lesão corporal, contravenção, estupro, atentado

violento ao pudor é de menor escala.

2626

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Total de Delitos registrados na Delegacia de Polícia para a

Mulher, no período de Janeiro a Outubro de 2003 - %

Notamos que houve uma queda nos registros a partir dos

meses de maio e junho. Uma ótica otimista é que, em função do nosso

trabalho, conseguimos diminuir a violência doméstica em Pelotas. É o

movimento cartorário, fiz um levantamento rápido do total de

procedimentos encaminhados ao Poder Judiciário.

Houve em alguns meses que chegamos a 434 procedimentos

encaminhados. Realmente, os delitos de maior incidência são os de

lesão e ameaça. Claro que efetuamos muitas prisões na delegacia.

Hoje, ainda, há apenas uma prisão não cumprida. O mandado

de busca é uma maneira de reprimir e prevenir por meio do mandado de

busca. Sempre que a mulher relata que foi vítima de ameaça com uma

arma de fogo no seu depoimento – eu represento pelo mandado de

busca – o Poder Judiciário tem sido também bastante parceiro nisso,

sendo rápido. Cumprimos e vamos até lá.

Ameaça - 50,6 %

Lesão Corporal - 30,3%

Atent. Violento ao Pudor -

0,41%Estupro - 0,99%

Ato Obsceno - 0,12%

Sedução - 0,16%

Cárcere Privado - 0,03%

Rapto Consensual - 0,19%

Corrupção de Menores -

0,15%Assédio Sexual - 0,06%

Contravenções - 7,22%

Outros Crimes - 9,75%

2727

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Noto uma coisa interessante em relação ao

depoimento da mulher. Ela nunca mentiu em relação a isso, pelo menos

na minha delegacia. Sempre que a mulher relata que foi vítima de uma

ameaça com arma de fogo, conseguimos apreender essa arma.

DML CONFIRMA VIOLÊNCIA

EUGÊNIO GONÇALVES DIAS REPRESENTANTE DO DEPARTAMENTO MÉDICO LEGAL

Apresento as ocorrências do DML –

Departamento Médico Legal – do sexo feminino nos anos de 2002 e

2003, para fazermos um comparativo na estatística do ano de 2003,

indo até o mês de setembro.

LESÃO - Então, se observarmos os depoimentos sobre as

lesões corporais no ano inteiro de 2002 foram 13.189. No ano de 2003

até setembro, já contamos com 10.677 depoimentos. Isso dá para

termos uma expectativa que, provavelmente, ultrapassará os índices

do ano anterior.

CRIME SEXUAL - No caso de conjunção carnal também

poderemos observar a mesma coisa, são 929 depoimentos no ano

inteiro. Até setembro do ano de 2003, houve 805.

0

5000

10000

15000

1

OCORRÊNCIAS EM PERICIADOS DO SEXO

FEMININO NO ANO DE 2002

Lesão Corporal Conjunção carnal

Atentado ao pudor Morte por trânsito

Homicidio Suicídio

Morte acidental por queimadura Morte acidental por queda

2828

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ATENTADO - No caso de atentado ao pudor foram 540

depoimentos somente até setembro do ano de 2003 contra 567 de todo

o ano de 2002.

ACIDENTE - As mortes por acidente de trânsito também foram

110 já contados até setembro do corrente ano contra 119 do ano

passado inteiro.

HOMICÍDIO - No ano de 2002, ocorreram 72 homicídios, e até

setembro do ano 2003, foram 48 homicídios. Neste ano, ocorreram 34

suicídios; em todo o ano passado, ocorreram 42.

A morte acidental por queimadura ocorreram 25 no ano

passado; este ano, já são 17 os casos de queimaduras. A morte

acidental por queda, no ano passado, foram 20 e, nesse ano, foram oito

mortes acidentais por queimaduras até setembro.

O Departamento Médico Legal dispõe de um serviço de

atendimento a vítimas de violência, serviço psicossocial, no qual

oferecemos um atendimento mais humanizados para essas pacientes

no sentido de acolhimento para amenizar um pouco o sofrimento, até

para tornar a perícia mais humanizada, a fim de que não seja uma coisa

meramente técnica.

Então, temos esse cuidado. Primeiro, a mulher passa pela

psicóloga, depois passa para o perito. A partir desse ano, contamos

com assistente social, que era uma grande lacuna no DML, agora há

um assistente social que, também, reforça – digamos assim – o nosso

time nesse sentido. Há um projeto do DML – Departamento Médico

Legal – de criação de um serviço de sexologia forense, que é uma

equipe especializada para atendimento dos crimes sexuais.

Existe um projeto piloto, com uma equipe inicial, que está

atendendo no Hospital Presidente Vargas em Porto Alegre apenas

crianças, por enquanto, chamado Centro de Referência de

Atendimento Infanto-juvenil – CRAI – no qual trabalho.

2929

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Então, temos um projeto de ampliação de atendimento do CRAI

– para as mulheres também. O nosso interesse é que as mulheres

sejam atendidas em um ambiente completamente diferente do

ambiente do DML – mais humanizado, hospitalar e mais discreto.

Dentro do CRAI – existe um posto policial da Delegacia da Infância e do

Adolescente. Se houver um acordo com as delegadas, é possível

colocar um posto da Delegacia da Mulher, a fim de que a mulher se sinta

mais protegida quando do registro da ocorrência dentro de um hospital.

Se uma mulher entrar num hospital, ninguém saberá o que esta

mulher fará ali, pode fazer uma consulta ou qualquer outro

procedimento, ficando mais protegida da comunidade. Então, há esta

criação dessa equipe de atendimento exclusivo, que é a sexologia

forense, e também das lesões corporais e da violência doméstica, a fim

de ter um cuidado mais humanizado com as mulheres e crianças.”

ROSANE OLIVEIRADELEGADA E REPRESENTANTE DOS POSTOS DE

ATENDIMENTO À MULHER

“Esse evento confirma o meu sentimento pessoal e profissional

pela senhora, Deputada Floriza. Sou sua fã. Novo Hamburgo é uma

cidade de 250 mil habitantes, com bastante expressão no Estado.

Quando fui para Novo Hamburgo, eu era Delegada Adjunta da Primeira

Delegacia de Polícia em razão do volume de ocorrências, que era em

torno de 8 mil ocorrências policiais.

Quando fui trabalhar lá, peguei o Posto da Mulher, que estava

um pouco a deriva e com deficiências, acabei me apaixonando pelo

trabalho. Trouxe algumas contribuições para o posto como uma

psicóloga voluntária. Há um trabalho de rede, em parceria com o

Conselho Tutelar e o Gabinete da Primeira-Dama, Sra. Floriza dos

Santos. Com isso temos conseguido fazer um trabalho bem especial,

um atendimento bem personalizado.

3030

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Então, todas as ocorrências de mulheres e crianças vítimas de

violência foram naturalmente passando para o Posto da Mulher,

inclusive por estarmos contando com mais uma escrivã. Começamos

abraçar essas ocorrências e realizá-las.

Hoje, há um trabalho bastante especializado em Novo

Hamburgo, um trabalho meio empírico, em razão da nossa experiência

de trabalhar com a violência doméstica, e vem sendo, graças a Deus,

bem realizado. Este trabalho é muito divulgado. Procuramos sempre

divulgar na estação de rádio e nos jornais. Houve uma ocasião em que

fizemos uma enquete com 10 mulheres de Novo Hamburgo, oito

conheciam o trabalho do posto da mulher.

Creio que é uma coisa bastante relevante, uma vez, que ratifico

– o que as minhas colegas falaram aqui - que a violência começa dentro

de casa. Com esse trabalho empírico que viemos fazendo, tentando

descobrir quais são as necessidades da comunidade e como adequar o

nosso atendimento a essas necessidades.

Reparamos que a maioria dos delinqüentes é vítima, oriundos

de famílias totalmente desestruturadas. A maioria desses delinqüentes

é filho de pais desconhecidos. Então, já vêm de uma estrutura familiar

bastante prejudicada e denegrida. Esse é um trabalho de base que tem

de ser realizado. Porque o combate à violência inicia na assistência

social, no atendimento às famílias vítimas de violência. Pois, todas as

pessoas que passaram por um processo de violência dentro casa, de

uma forma ou de outra, manifestarão essa violência perante a

sociedade.

As vítimas de abuso serão os possíveis abusadores. As vítimas

de maus-tratos serão os possíveis agressores. Então, sabemos disso

pela vivência, pela experiência mesmo, comprovado por dados

estatísticos, porque participamos de muitas palestras e acabamos

vendo na prática com o trabalho junto ao Posto da Mulher.

Há no posto uma psicóloga voluntária, que atende as mulheres

3131

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e as crianças vítimas de violência. Também, são atendidas as crianças

vítimas de abuso sexual e todo o tipo de violência que ocorre no âmbito

doméstico. Terminamos abraçando isso e fizemos com maior carinho.Em razão da grandeza que é o município de Novo Hamburgo,

possivelmente, nos próximos meses ou ano, quem sabe, seja aberta a

Delegacia da Mulher, a fim de que possamos fazer esse trabalho, que é

bastante precário, na medida em que, não há uma estrutura para

atender essas mulheres em Novo Hamburgo.

Trabalhamos com as ocorrências que eram registradas – em

princípio – por uma escrivã que trabalhava junto ao Posto da Mulher. Por

determinação do Sr. Chefe de Polícia, essa escrivã foi removida para

outro setor. Estamos aguardando que seja colocada outra funcionária.

Há, também, a rede de atendimento, a partir da assistência

social – com o atendimento da psicóloga voluntária que está

trabalhando no Posto. Trouxe, também, uma psicóloga para o Conselho

Tutelar. Creio que, na medida das limitações, tem sido feito um bom

trabalho.

Acho que se procurarmos voltar a nossa visão para essas

questões, como a Deputada Floriza vem fazendo, sobre a violência

dentro da nossa família, com certeza, diminuiremos o índice de

violência em todo o Estado.

Tenho absoluta certeza disso, porque trabalho com isso. Todas

as minhas colegas – tenho certeza – irão ratificar essas afirmações,

porque é com esse trabalho feito com a assistência social, com a

psicóloga, mesmo com pouca estrutura nas delegacias do Estado,

conseguiremos obter resultados positivos quanto as questões de

violência doméstica. Estamos felizes por estarmos aqui, porque desde

que começamos a trabalhar, acho que é a primeira vez, que temos a

oportunidade de apresentar essas questões de violência doméstica a

um público tão seleto.”

3232

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MIGUELINA VECCHIO CONSELHO ESTADUAL DA MULHER

“Quando começamos esta discussão sobre violência na década

de 70, bem no início da militância do movimento feminista, discutir a

questão da mulher como vítima, que já tinha índices bastantes

relevantes, notamos que o fato das mulheres não estarem

incorporadas na luta e nas dificuldades que elas passam, fazia com que

as mulheres fossem duplamente violentadas, uma – não apenas na

violência física – mas de todas as formas de violência e outra quando

chegavam à delegacia, que não era incomum, o delegado, ou quem

atendia à mulher vítima da violência na delegacia, fazia uma referência

a sua roupa ou a sua forma de ser, baseado no fato que estamos

disponíveis por sermos apenas mulheres.

Nem todas as mulheres que são policiais se sentem mulheres

em seu conjunto, não podem nem entender de uma forma ampla a

questão de gênero para tratar a mulher vítima de violência.

É muito complicado para uma mulher – aqui ouvi alguém dizer

da falta de coragem das mulheres – eu com muito carinho divirjo,

porque não é falta de coragem. Acho que uma mulher que apanha anos

a fio, submete-se porque não tem onde levar os filhos e nem com quem

deixar os filhos, é muito corajosa.

Esta mulher acorda de manhã sabendo que até à noite vai

apanhar, mas não tem como romper o ciclo, porque o Estado, que

deveria proteger a cidadã, não é capaz de fazê-lo, criando um aparelho

público que garanta esta mulher romper o ciclo de violência, falta de

coragem não é. Falta de coragem não é.

O problema é que o Estado é responsável pela estrutura dessa

mulher e pelo aparelho que ele disponibiliza para esta mulher romper o

ciclo. Há experiências em todo o Brasil. O Conselho do Rio de Janeiro

tem um tratamento para os agressores, que é muito interessante.

3333

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Este trabalho mostra que quando o Estado se responsabiliza por

colocar o agressor num tratamento que possa garantir a ele avaliar

porque ele é um agressor (principalmente, na cidade do Rio de Janeiro,

há um alto índice de agressores vinculados ao alcoolismo), se ele

consegue fazer este recorte, este homem consegue com o tratamento

conceber que aquilo que faz é equivocado.

Os direitos humanos das mulheres são abalados diariamente.

Esta experiência é uma forma de tratar a violência de uma maneira mais

geral e eficaz. Temos de tratar o agressor. Uma das delegadas

apresentou aqui os cursos de gênero, achei isso fantástico. Sou

feminista das mais ortodoxas, pois não é ter nascido mulher que garante

a capacitação para as questões de gênero.

A violência – muito embora seja tratada, do ponto de vista

mundial sobre a ótica da polícia, a violência é uma questão de saúde

pública. Em relação à desqualificação do crime de estupro pela

hediondez do crime. Não foi no Senegal e nem no Congo, que um

desembargador disse que violência psicológica não é violência grave.

Foi aqui no Rio Grande do Sul, no quarto grupo criminal, que nos deu um

trabalho terrível. Invadimos o Tribunal de Justiça, dialogamos com os

desembargadores e fomos ao Supremo Tribunal Federal e Supremo

Tribunal de Justiça, que nos garantiu as mudanças dos votos.

Essa foi uma conquista das mulheres gaúchas, porque

simplesmente teríamos de pedir para o estuprador que, além do

estupro, nos dessem vários socos e nos deixassem roxas, porque se

não o desembargador não considerava lesão grave.

Então, essas coisas, que acho que a iniciativa da Deputada

Floriza e da Comissão, são primordiais para os avanços reais em

relação à violência. Que consigamos chamar essas mulheres – porque

não acho que as mulheres, que não estão na luta, não consideram que a

violência é uma questão urgente. Elas não estão na luta, até fazendo

nós, feministas, uma autocrítica, talvez por não termos sido claras de

3434

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que cada uma delas tem um papel fundamental para diminuir a

violência. Só que a violência não é um ente solto. A violência é ligada à

miséria, ao tráfico e a uma série de coisas que devem ser tratadas pelo

Estado.

Acredito que essa Subcomissão Mista de Assuntos de Gênero

para tratar de abusos contra a mulher cai como uma luva neste

momento em que os índices de violência no país, particularmente aqui

no Rio Grande do Sul, estão altíssimos.

Precisamos mostrar nosso trabalho para o resto do Brasil

porque, por exemplo, em relação a desqualificação do crime de

estupro, aqui, em uma reunião, com todas as presidentes de conselhos

estaduais dos direitos das mulheres no Brasil, a presidente do

Conselho de Roraima disse que não sabia o que estava fazendo na

reunião, pois não tinha esse problema. Ela não sabia o que é

jurisprudência. Não a condeno, lá a questão é tratada da seguinte

forma: estuprou não há problema. A visão sobre isso é muito restrita,

mas a informamos que o 4º Grupo Criminal do Pleno do Superior

Tribunal vai julgar e passa a ser jurisprudência para todo o País.

O que a imprensa na época fez? Tachou-nos de mulheres

ligadas à lei e a ordem, querendo impedir a progressão de pena e, na

realidade, somos a favor da progressão de pena, desde que seja para o

estuprador, para o seqüestrador, para o traficante de drogas. Cheguei a

perguntar para o Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal se

achava que um seqüestrador é mais agressivo que um estuprador.

Seqüestrador quer o patrimônio, se a vítima não o enxergar, via de

regra ele larga. O estuprador quer o meu corpo e no meu corpo

estuprador não vai passear. Não vai passear aqui e nem em lugar

nenhum, pois agora já movimentamos o Brasil inteiro e vencemos essa

batalha.

Vamos continuar lutando, precisamos engrossar as fileiras, pois

estamos perdendo terreno dia-a-dia. Há poucas Delegadas, não é um

3535

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prestígio na Polícia ser delegada da mulher, posso estar equivocada,

mas a visão que tenho é que é um castigo. Sabemos que toda a Polícia

trabalha com precariedade, mas as condições de trabalho na

Delegacia da Mulher são muito precárias. Precisamos fazer uma ampla

campanha de desarmamento, pois o número de mulheres que morrem

no meio familiar por arma de fogo é enorme. Quem não é Polícia para

que vai ter arma em casa? O discurso de que se precisa arma para se

proteger dos bandidos é um discurso muito complicado.”

BELONI TURCATTO TITULAR DA COORDENADORIA ESTADUAL DA MULHER

“Sou titular da Coordenadoria Estadual da Mulher do Governo

do Estado do Rio Grande do Sul. Faz pouco que assumi, mas já fizemos

reuniões com todas as secretarias de Estado para que possamos fazer

programas e destinar projetos às mulheres que estão neste estado de

violência ou que querem sair dessa estrutura.

Em reunião com o Secretário da Justiça e Segurança, Sr. José

Otávio Germano, a Deputada Maria Helena Sartori também participou.

Ele se propôs a fazer um trabalho para montar programas e mudar esta

estrutura.

Estou visitando municípios nos quais foram inaugurados os

Centros de Atendimento à Mulher para verificar o funcionamento e

vendo a necessidade da instalação de novos centros.

Estamos abertos para ouvir e fazer projetos com todas as

entidades governamentais e não-governamentais. Queremos ouvir e

trabalhar com toda a sociedade do Rio Grande do Sul.”

MARIA HELENA SARTORIDEPUTADA ESTADUAL

“Quando discutimos a questão da violência, e ela é também

ligada à miséria e à droga, é bom que se saiba que temos violência

também em outras camadas sociais, e talvez nessas camadas as

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mulheres tenham mais receio ainda de denunciar.Também temos que

estar atentas a isso, porque ela ocorre em outras camadas sociais e a

denúncia não é feita algumas vezes por conveniência, outras por uma

questão de educação. Discutiremos a questão da violência,

trabalhando a mudança da nossa cultura.

Muitas vezes temos preconceitos quanto ao fato de uma mulher

ser agredida ou quando é estuprada. Dizemos que estava com uma

saia curta ou com um decote muito grande. Isso tem que ser discutido.

Avançaremos no campo da violência quando nós mulheres mudarmos

– e os homens também – a questão cultural, a forma como nos

postamos na sociedade, a busca pelos nossos direitos, a nossa

igualdade.

É a cultura que precisa mudar, senão trabalharemos somente

com a conseqüência e não com a raiz do problema. Por isso, a

mudança terá que passar pela educação dos nossos filhos, criá-los

sem preconceitos e fazendo-os entender que temos que lutar pelo que

está acontecendo agora, encaminhando outras formas de alteração

cultural. Não entrarei no assunto específico que vocês trataram porque

eu não acompanhei desde o início, mas acho importante o debate e a

busca de soluções em conjunto. As contribuições podem ser

pequenas, mas de alguma forma ajudam a construir uma outra

consciência.

É importante que as mulheres procurem os setores

competentes quando agredidas, porque enquanto a mulher se

esconder, negar ou envergonhar-se de dizer isso, não vamos mudar

essa realidade.”

ADÉLIA PORTO PRESIDENTE DA UGEIRM SINDICATO – UNIÃO GAÚCHA DE

ESCRIVÃES, NSPETORES INVESTIGADORES DO RS

“Geralmente, quando falamos na questão das

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mulheres, dizemos que é questão de minorias, hoje não somos mais

minorias, ultrapassamos a metade da população, creio que temos uma

força muito grande para fazer esse enfrentamento.

Sabemos que, hoje, na polícia não há gente para trabalhar, não

há local apropriado para tal, não tem material. Existe, ainda, a questão

psicológica do atendimento. Também acho fundamental a formação,

geralmente as pessoas que trabalham na Delegacia da Mulher vão

para lá com muito receio de algum tipo de castigo.

Pelo menos esse é um quadro normal na polícia, infelizmente.

Eu conheço a delegacia de Pelotas, de Caxias do Sul, de Porto Alegre,

mas em Santa Maria eu não estive. A realidade demonstra que,

geralmente, o posto em que a delegada atende sempre é o menor e o

pior local, isso acontece em todo o Estado.

O que eu entendo como formação, além das pessoas que

trabalham diretamente, seria no sentido de abranger o todo, inclusive

as chefias, os diretores de departamento e chefes de polícia, porque

coisas de mulher nunca são importantes.

Coisas de mulher, geralmente, é coisa de mulher, ouvimos isso

todos os dias. Nós, que participamos dessa atividade e estamos na luta

há um bom tempo, participamos, agora, do Conselho, o que eu tenho o

maior orgulho e acho de suma importância. Há uma questão que eu

gostaria de esclarecer: sobre a Brigada Militar fazer os TC’s. Isso entra

na estatística de vocês? Não. Portanto, essa estatística, me

desculpem, é furada. Quer dizer, colocaram uma delegacia dentro da

Brigada e dos postos, o que é um absurdo. Como vamos saber,

realmente, o que está acontecendo com as questões de gênero se não

temos confiança na estatística da Brigada Militar?

Vocês fazem o trabalho muito bem, está bem explanado, bem

colocado, mas estão faltando dados, acho isso um absurdo. Penso que

deve ficar registrado que não pode acontecer uma coisa assim. É

importante frisar que nós, da Polícia Civil, não temos dados suficientes

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e ainda estão incompletos. Eu tinha essa dúvida e não sabia se isso

estava acontecendo.

Outra coisa que eu acho importante colocar é a questão do

pessoal, é uma situação séria que existe no nosso Estado, estamos

trabalhando com menos de 50% do efetivo. Por mais que tenhamos

vontade de executar o nosso trabalho, é impossível. Sabemos que

geralmente o delegado responde por duas ou três delegacias, porque

não tem delegado suficiente, isso faz com que executemos de maneira

ruim o nosso trabalho, por pura falta de condições.

Equipe de investigação com apenas uma pessoa, é brincadeira.

Como é que vai fazer o trabalho? Enquanto o Estado não se

comprometer em relação às questões das políticas públicas para as

mulheres e com a legislação, pois enquanto a Lei 9.099 for uma cesta

básica e só, não há condições de se conseguir minimizar esse

problema.”

MARCIA SCHELLER DELEGADA DO POSTO DE ATENDIMENTO À MULHER DE

LAJEADO – RS

“Os problemas que vocês enfrentam, nós também enfrentamos,

mas gostaria de me fixar no seguinte ponto: por mais que se crie uma

entidade de referência e de apoio, sendo caracterizada como tal, a

entidade que abriga e recebe mulheres, que serve de referência, sendo

todas as outras co-parceiras, é a delegacia de polícia. A sociedade civil

do Rio Grande do Sul tem que entender isso.

Se quisermos fazer um trabalho adequado de proteção e

amparo e também de repressão à violência contra a mulher, todo esse

trabalho tem que ser pensado a partir da Polícia Civil, das delegacias e

dos postos de atendimento à mulher.

Temos que pensar dessa maneira, porque a cultura da nossa

população e a cultura das mulheres diz que socorro é na Polícia Civil,

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essa é uma primeira recomendação, ou seja, é do nosso empirismo.

Nós sentimos que a mulher não procura assistência social do

município, pode ser o melhor programa possível, não procura a

coordenadoria de saúde, mesmo tendo trabalhos maravilhosos, ela

procura a Delegacia de Polícia, é a Polícia Civil.

O ponto de referência da mulher vítima é a Polícia Civil. Nesse

sentido, entendemos que essas entidades que estão aqui devem ser os

nossos porta-vozes. Por que digo isso? As ações do Governo e da

Polícia Civil – não estou falando institucionalmente, mas da minha

prática na área – se legitimam na pressão e na força popular. A

comunidade dizer que a Delegacia da Mulher é importante. A

representação da voz de vocês é muito maior do que a voz da Delegada

Márcia.

Por quê? Porque estamos trabalhando num Governo que se

legitima com o apoio popular. As nossas ações da área de segurança

pública passa pelo Poder Executivo. A pressão e a manifestação

popular, as reivindicação da comunidade são fundamentais nessa

área, muito maior do que qualquer uma de nós como técnicas na área.”

JANE BILYCSDELEGADA DA 3ª DP DE VIAMÃO – RS

“Viamão possui em torno de 290 mil habitantes. Há junto à 3ª

DP um posto policial para a mulher com somente uma funcionária. Não

há as mínimas condições, não há viaturas e nem computadores. Não

há recursos humanos, somente eu, e uma assistente social para ajudar

e colaborar. A Sra. Adélia Porto falou sobre as estatísticas. Estive

verificando as estatísticas e, devido a essa cultura machista, a esse

descaso dos órgãos de chefia da polícia civil, pude constatar que, para

começar, nem a mulher e nem o idoso são vítimas de crime de atentado

violento ao pudor. Não existe esse dado na nossa estatística.

As nossas estatísticas são falhas, elas caem na vala comum do

outros. Essa estatística não existe, pois está errada e não corresponde

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à realidade. Gostaria de solicitar ao nosso representante do DML algo

que já pude constatar na prática. Peço que orientem os legistas, os

médicos, todos os que fazem acompanhamento, para que as mulheres

ou crianças, vítimas de crimes contra os costumes, sejam

encaminhadas imediatamente ao Hospital de Clínicas, ao Presidente

Vargas, ou outro que possa fazer aquele coquetel contra a Aids.

Teve um caso e chamei a menina para fazer esclarecimentos. A

menina, no local, perguntou se tinha algum encaminhamento e a

pessoa disse que não precisava, que ela podia ir para a casa. Eu tive

que ir lá correndo, para tentar encaminhar no sentido de que fosse

ministrada essa medicação para que evitasse a contaminação, caso o

estuprador tenha Aids. Os agressores são pessoas de vida promíscua

e a moça não tinha sido encaminhada. Outro aspecto que chamou a

minha atenção, com relação a ações que estão no Judiciário, foi o

problema do encaminhamento: no formulário padrão deve ser feito um

quesito para que seja coletado o material da vítima de crimes contra os

costumes e para que ele possa ser reservado; quando encontrado o

suspeito e confrontado com o material haverá provas cabais e fortes.

Com uma prova dessas não tem Juiz que vai dizer que o fato não

ocorreu.

Gostaria que o Senhor nos orientasse para que todas sejam

alertadas nesse aspecto de um posterior DNA, pois isso é

importantíssimo para nós, a prova técnica, não só a declaração.”

SÍLVIO EUGÊNIO GONÇALVES DIAS REPRESENTANTE DO DML

“Realmente, para que seja feito um exame de DNA ou para que

seja guardado o material é necessária uma solicitação da autoridade

policial, até porque não temos um banco de DNA, pretendemos criar

um banco de material guardado para DNA para futuras provas.No momento, faz-se necessária essa solicitação da autoridade policial,

e nós guardamos esse material. Acho de extrema importância a

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solicitação feita pela senhora.”

PATRÍCIA HOEVELLERPROMOTORA LEGAL POPULAR DO SERVIÇO DE

INFORMAÇÃO DA MULHER DO BAIRRO RESTINGA - PORTO

ALEGRE

“Nossos plantões são nas segundas-feiras, porque sabemos

que no final de semana é comum haver uso de bebidas alcoólicas e

drogas, assim no domingo aumenta a violência contra as mulheres.

Fiquei admirada de nós, as Promotoras Legais Populares, não termos

sido citadas, porque somos 600 Promotoras Legais Populares no Rio

Grande do Sul.Na 16ª Delegacia, na Restinga, tínhamos muitos problemas quando

uma mulher vítima de violência ia registrar uma queixa. Era dito para

elas voltarem para casa e fazerem uma janta bem legal, pensar no que

tinham dito porque a violência poderia ter ocorrido por causa disso. As

mulheres vinham reclamar para nós e íamos lá fazer o registro.

Há dois anos foi feito um projeto da sensibilização da violência

doméstica e aplicamos isso na Restinga. Foram convidados a Brigada

Militar, a Polícia Civil, o Posto de Saúde, a Guarda Municipal, toda a

nossa comunidade que indiretamente atendia mulheres. Fizemos uma

sensibilização e melhorou muito. Temos uma parceria muito grande

com a 16ª Delegacia. Não encaminhamos ninguém, realmente, para a

Delegacia da Mulher porque tivemos muitas queixas das mulheres que

retornavam se sentindo discriminadas.

Então, encaminhamos sempre para a 16ª Delegacia. Quando a

mulher é vítima de violência e estupro nos procura. Acompanhamos até

a Delegacia e falamos diretamente com o Delegado. Os registros são

feitos em uma sala separada, pois elas têm vergonha. A Delegacia é

pequena e está sempre cheia, e, nessa situação, a mulher necessita de

um acolhimento especial.”

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MAGDA RIGO ASSISTENTE SOCIAL - LAJEADO

“Em nome da casa de passagem, quero agradecer a

oportunidade. Fui uma das idealizadoras da Casa Abrigo de Lajeado.

Faço trabalho voluntário na Casa e implantei o serviço social dentro da

Delegacia de Polícia de Lajeado. Não vou fazer nenhuma pergunta,

quero reivindicar um pouco mais de atenção às casas-abrigo, porque,

depois do encontro nacional em Maceió organizado pelo Cedim,

descobrimos que a nossa Casa Abrigo de Lajeado é a única

organização não-governamental regional do Brasil e a única ONG

mantida por uma equipe técnica totalmente voluntária: uma assistente

social, duas psicólogas e três advogadas. A mesma equipe é voluntária

dentro do posto da mulher.

A minha fala é mais de reivindicação para também recebermos

algo nessa parte porque em nível estadual a questão da verba está um

pouco complicada. A casa se mantém a duras custas. Hoje temos

convênio com 11 municípios, mas é ridículo um município com três ou

quatro mil habitantes pagar 30 reais por mês, sendo que em média

recebemos duas, três mulheres por dia na Casa. O índice de violência é

muito alto na nossa região.

O agressor precisa ser atendido porque vem, geralmente, de

uma família muito violenta, essa mulher vem de uma família muito

violenta e sabemos que a questão da violência familiar vem de uma

educação patriarcal machista, além do álcool, das drogas e do

desemprego serem coadjuvantes.

Gostaria de marcar a presença da casa abrigo aqui e dizer que

é a única ONG que não tem ligação partidária com ninguém por termos

convênio regional e as demais Casas do Brasil, inclusive no Rio Grande

do Sul, são municipalizadas, todas têm equipe técnica contratada.

Gostaria de estar 40 horas dentro da casa de passagem, fazer grupo

com essas mulheres, mas estou alugando uma sala e vou cobrar uma

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taxa de participação dessas mulheres para pagar o aluguel.

1.3 AUDIÊNCIA PÚBLICA – MULHER E SEGURANÇA

(27/11/2003)

DEBATE ABORDA SITUAÇÃO DAS DELEGACIAS E

PENITENCIÁRIA FEMININA NO ESTADO

A partir de levantamento feito na última reunião desta

Subcomissão ficou explícita a situação das delegacias e postos da

mulher no Estado, que apontou falta de pessoal, viaturas, coletes à

prova de bala, computadores e serviços complementares, como

orientação psicológica e social, além da superlotação na Penitenciária

Feminina Madre Pelletier, onde naquela data estavam 347 apenadas,

sendo que existiam vagas somene para 118. Foi apontada, ainda, a

grave situação de crianças e gestantes em condições precárias

morando na creche da penitenciária.

Estiveram presentes o Sr. Antônio Bruno Trindade e o Delegado

Paulo Cesar Caldas Jardim representando o Secretário Estadual de

Justiça e Segurança; presidente do Conselho Estadual dos Direitos da

Mulher, Miguelina Vecchio; coordenadora-executiva da Themis

Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero, Virgínia Feix; a psicóloga

Graziela Werba, do Grupo de Relações de Gênero da PUC e

Ulbra/Torres e a Diretora da Penitenciária Feminina Madre Pelletier,

Elisete Janaína Güntzel de Oliveira, além de integrantes de

movimentos feministas da Capital.

4444

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DEPUTADA FLORIZA DOS SANTOSRELATORA

“Na reunião de hoje, nosso objetivo é dar segmento aos debates

sobre a segurança pública relacionada a gênero. Nosso tema: Mulher e

Segurança. Lembro aos presentes que, no último dia 5, reunimos todas

as delegadas titulares das Delegacias de Mulher do Rio Grande do Sul,

várias delegadas responsáveis por postos de atendimento à mulher,

além de representantes de órgãos públicos e entidades ligadas às

causas de gênero.

Naquela oportunidade, as delegadas nos informaram a infra-

estrutura e os atendimentos prestados, trazendo o relato de várias

dificuldades encontradas no dia-a-dia. Com o objetivo de mudar essa

realidade, estamos dando segmento ao debate e ouvindo todos os que

podem auxiliar nesse processo.”

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VIRGÍNIA FEIX COORDENADORA THEMIS ASSESSORIA JURÍDICA E

ESTUDOS DE GÊNERO

“Cumprimento a Deputada pela iniciativa de pautar esse

assunto de tamanha importância ao combate à violência contra a

mulher.

Há muito tempo, a THEMIS vem desenvolvendo um trabalho

para a ampliação das condições de acesso das mulheres à justiça. E a

sua ação mais importante, nesse sentido, é a formação de Promotoras

Legais Populares. Nesse trabalho, estamos buscando o fortalecimento

da cidadania das mulheres por meio da idéia de que a capacitação em

noções básicas de direito, direitos humanos, funcionamento do Estado

e principalmente do Poder Judiciário pode levar a uma mudança de

lugar dessas mulheres em relação à sua própria cidadania.

Elas deixam, a partir do conhecimento que são sujeitos de

direito, de estar num lugar de exclusão social para um lugar de inclusão

social. Passam a defender não somente os seus direitos pessoais na

sua família e na sua comunidade, mas multiplicar essa informação e

essa consciência junto a outras mulheres nas suas comunidades.

Os resultados desse projeto levou a THEMIS a multiplicar sua

metodologia de capacitação legal junto a outras entidades do Estado e

do Brasil. Hoje há 30 entidades em todo o território nacional

implantando os projetos de promotoras legais populares. Aqui no Rio

Grande do Sul, há 13 organizações em 13 municípios que estão

desenvolvendo esse projeto.

Nessa perspectiva de ampliação das condições de acesso às

comunidades, nossa visão é de um trabalho em rede. Esse trabalho

que dá sustentação à ação dos órgãos de segurança, do Poder

Judiciário e da saúde na garantia dos direitos fundamentais, que são os

direitos humanos das mulheres.

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Porque pensamos que a mudança da cultura de violência passa

pela utilização do direito como uma ferramenta de transformação da

realidade. Para transformar a realidade utilizando o direito, precisamos

entender o sistema legal a partir de três dimensões diferentes. Uma

delas é o conteúdo do direito, outra é a estrutura do direito e a outra é a

cultura do direito.

Quando falamos em conteúdo do direito, referimos às leis

existentes, ou naquelas leis que queremos fazer existir. Quando

falamos na estrutura do direito, estamos nos referindo às delegacias,

às salas de audiência, nas cortes, em todos os mecanismos e

procedimentos que garantam o conteúdo da lei e o do direito. Quando

nos referimos à cultura do direito, estamos falando nas representações

e nos sentimentos que a população e os operadores do direito têm em

relação a essa lei e a esse conteúdo.

São três dimensões diferentes que precisamos ter claras,

quando construímos uma linha de intervenção. Por exemplo: um

problema que está relacionado com a segurança pública é a revista

íntima nas mulheres. Consideramos uma violação dos direitos das

mulheres ter isto como prática regular, procedimental nos presídios, e

não como exceção em casos motivados pela autoridade competente

de suspeita de necessidade daquela revista.

O que estamos falando? Se falarmos em conteúdo da lei,

referiremos à normatização desse procedimento, ou à prevenção dele.

Se referirmos à estrutura do direito, falaremos nos mecanismos que

aquele presídio terá para evitar a revista íntima e utilizar outras

alternativas – como sabemos – os detectores de metais, a revista nos

presos, e não nos visitantes. Outros mecanismos e procedimentos que

estejam possibilitando prescindirmos da revista que é uma violação de

direitos.

Em terceiro lugar, a cultura do direito, teremos de incidir na

cabeça dos operadores do direito e das autoridades que organizam o

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nosso sistema penitenciário, que acreditam ser essa a única forma de

garantir a segurança nos presídios, que é violando os direitos das

mulheres.

Para alterar essa cultura e esse pensamento, temos de agir

organizadamente entendendo essas três dimensões. Se não,

continuaremos pensando que fazer as leis é o suficiente para resolver

os nossos problemas. Dei esse exemplo para dizer que estamos

tentando trabalhar organizadamente nessas três perspectivas em

diversos assuntos relacionados à segurança e ao gênero.

Recentemente, estamos fechando um convênio com a

Academia de Polícia do Estado – Acadepol, no qual a Themis fará uma

parceria para a capacitação de policiais civis de todas as regiões em

que temos promotoras legais populares, a fim de podermos

potencializar essa ação da sociedade civil e do Estado.

Construímos essa parceria, essa semente de rede na Restinga

– Porto Alegre, por meio de um programa de segurança pública que

vinculou a sociedade civil e os órgãos do Estado no Município. Estamos

muito contentes com essa abertura da Secretaria de Segurança

Pública, uma vez que ela nos permite construir essa nova consciência,

essa nova cultura do direito entre os policiais que estão nas cidades

onde existe a Rede Estadual de Justiça de Gênero, o trabalho das

promotoras legais populares e estamos sempre abertos para o debate.”

MARIA GUARECI ÁVILAPROMOTORA LEGAL POPULAR – RESTINGA – PORTO

ALEGRE

“O trabalho que eu e minha colega Maria de Lurdes e a colega

promotora legal prisional Maria Rúbia desenvolvemos no presídio

feminino é resultado de um projeto chamado Exercitando os Direitos

das Mulheres – 2000/2001.

Observando o relatório, percebemos que as

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dificuldades continuam, como a superlotação. Na época em que

iniciamos, eram 140 presas, das quais 54 eram provisórias.

Atualmente, temos 192 provisórias. Ajudamos a organizar a

cooperativa, a padaria, a creche e o cantinho da beleza. Hoje, quando

voltamos lá, vemos que o trabalho não está como as presas gostariam,

ou seja, que tivesse trabalho para todas. Essa foi uma queixa delas.

Constatamos que o trabalho é importante para a auto-estima

das detentas, para a própria situação financeira e para o regime

prisional. A questão da creche também nos chamou muito a atenção,

porque antes as crianças permaneciam até completarem um ano e

meio, dois anos e até o momento em que a presa pudesse organizar a

ida da criança para um lugar seguro e que fosse de sua vontade

também. Agora, os bebês só permanecem até o sexto mês e depois

têm de sair.

Uma parte da Galeria B foi fechada. Dizem que essa galeria é

de segurança e isso dificultou que as presas pudessem ficar com seus

filhos. Sabemos que esse é um direito garantido pelo ECA e que foi

violado, tanto quanto os direitos das mulheres, que foram garantidos na

convenção para toda a eliminação de violência contra a mulher. São

direitos que foram bem discutidos e aprovados, mas que estão sendo

violados.

Esse é um trabalho importante e voluntário. Temos as

promotoras legais prisionais, mas atualmente só há uma trabalhando

lá, porque não há condições de ficar mais pessoas lá dentro. Nosso

projeto foi importante até para conhecermos como funciona o sistema

lá dentro. Uma coisa é passarmos de ônibus pelo lado de fora, e outra é

estarmos lá, em contato com a realidade. Estamos à disposição para

continuar contribuindo com esse projeto e com o próprio sistema

prisional, que é algo com que nos identificamos.”

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GRAZIELA WERBAGRUPO DE RELAÇÕES DE GÊNERO PUC E ULBRA

“Também gostaria de enaltecer esse trabalho pela sua

relevância. Às vezes, temos a impressão de que estamos falando sobre

coisas antigas, mas quando saímos dos nossos grupos de trabalho e

vamos para a sociedade, surpreendemo-nos com a falta de

conhecimento da sociedade como um todo sobre as questões de

gênero. Então, todos os trabalhos, todas as Comissões, todos os

encontros que tratam desse tema são extremamente importantes e

imprescindíveis.

Apresentarei um trabalho de pesquisa, resultado de uma

análise realizada em algumas delegacias do Estado do Rio Grande do

Sul pelo Grupo de Pesquisa da PUC. O título desse trabalho é:

Trabalhando em uma Delegacia Menor – Uma análise de

necessidades. Foi-me indagado: Menor como, no tamanho? Eu disse

que não, que era no sentido simbólico mesmo. Gostaria de dividir com

vocês os resultados dessa pesquisa, que considero bastante

instigantes. Embora seja uma pesquisa qualitativa, ela não tem a

intenção de trabalhar com quantidade de dados, mas sim com a

profundidade dos dados encontrados.

O que são as Delegacias da Mulher? Elas foram fundadas em

função do trabalho, da parceria entre o Estado e o esforço continuado

dos movimentos feministas. Podemos dizer que elas são vistas como

órgão que visa à proteção da mulher vítima de violência, por meio do

registro de ocorrências de crimes, lesões corporais, ameaça e outros

danos.

Um dos principais ganhos com a Delegacia da Mulher foi

justamente a visibilidade dos crimes contra a mulher, que antes eram

reservados ao espaço doméstico, privado, tendo passado a serem

abordados no âmbito público.

Pelos dados do Comitê Latino-Americano para a Defesa dos

5050

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Direitos da Mulher – Claden no ano de 2000, haviam 225 delegacias e

postos da mulher em todo o Brasil, sendo que a metade deles se

concentram na Região de São Paulo e em torno de 26

estabelecimentos no Rio Grande do Sul. Os estudos de gênero se

referem à construção social de papéis. O nosso grupo de estudos tem

se focalizado nas questões de violência de gênero que são as ações e

as circunstâncias que submetem as pessoas em função do sexo.

Historicamente encontramos uma prevalência de denominação

no sentido total da palavra do gênero masculino sobre o gênero

feminino. Embora, muitas vezes, os homens se queixam ao contrário,

mas as estatísticas mostram que não é bem assim. Trabalhando em

uma Delegacia da Mulher uma análise de necessidades: O que

fizemos? Percorremos seis delegacias e um posto da mulher. Nós

construímos um questionário aberto e fomos fazer as entrevistas. O que

vimos? O levantamento da análise das necessidades dos funcionários

e das funcionárias das delegacias ou postos da mulher. As visitas às

delegacias e postos para o reconhecimento e levantamento de

possíveis recursos.

A definição das principais queixas e sentimentos despertados

em função do trabalho em delegacias ou postos da mulher. Teremos

várias surpresas, porque, às vezes, do lado de fora, achamos que a

delegacia é um trabalho frio e burocrático. Não foi esta realidade que

encontramos.

O nosso grupo faz também um trabalho muito pesado que é a

transcrição literal das entrevistas, o levantamento de categorias, mas,

geralmente, trabalhamos com a análise temática ou de conteúdo por

meio das explanações, assim vamos levantando os temas que vão

surgindo das entrevistas.

Por fim, fazemos a interpretação dos dados e chegamos a

algumas conclusões. O que encontramos? Como é que as funcionárias

e os funcionários das delegacias e postos da mulher se vêem, se

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percebem em relação ao seu trabalho? Elas entendem que a delegacia

da mulher é um lugar onde as mulheres sabem que serão escutadas

sigilosa e independentemente do que apresentem. É uma delegacia,

mas em questões sociais são mais valorizadas que o registro da queixa

propriamente dita.

Quer dizer: que tanto o público que busca as delegacias quanto

os funcionários se percebem fazendo um trabalho social. Além de

serem profissionais, eles se vêem realizando um trabalho social.

Muitas vezes, esses funcionários se referem “aqui somos psicólogos,

médicos, psiquiatras, assistentes sociais e temos de dar conta de tudo

isso”.

Elas se vêem de duas formas resumidamente: um centro a

partir de onde são feitos os encaminhamentos possíveis para a solução

dos problemas apresentados pelas vítimas, além da instauração do

processo propriamente. Também onde é realizado um trabalho de

conscientização. De que elas precisam?

Em primeiro lugar, saber lidar com as suas frustrações. Essa é

uma queixa constante dos funcionários e das funcionárias das

delegacias e postos da mulher. Também há uma queixa de não ter

recebido o treinamento adequado para lidar com as questões de

gênero. Realmente, nas delegacias e postos onde encontramos

trabalhadores e trabalhadoras que têm qualificação nas questões de

gênero, o trabalho é diferenciado.

O atendimento à mulher é diferenciado. “Temos de dar conta do

problema policial e emocional. Muitas vezes, até de mulheres que não

comeram durante o dia e o policial, às vezes, tem de buscar um lanche

do seu próprio bolso, enfim dar conta daquela situação da criança que

não tem onde ficar. E é constante a retirada das queixas.”

Assim, muitas vezes, encontramos um impacto onde os

policiais acabam tendo – podemos dizer até o estresse – em relação a

esse tipo de trabalho pelo grau de impotência e frustração que os

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policiais sentem em relação à constante retirada das queixas. Muitas

vezes, não compreendendo a complexidade do problema da violência

e não conseguindo perceber a violência como um problema

multifacetado, eles entendem que fazem um trabalho exaustivo,

estressante e doloroso. Porque ouvir relatos de violência é muito

desgastante. Então, esses policiais têm de enfrentar tudo isso, daqui

em torno de 15 dias, ou na outra semana a mulher retira a queixa. O pior

é que depois a mesma mulher volta à Delegacia e faz outra queixa.

Os policiais têm de trabalhar com poucos recursos existentes

em termos materiais e trabalhar em uma delegacia considerada menor.

Então, o nosso foco, nesse momento, colocaria aqui na questão da

Delegacia Menor por quê? Em alguns lugares e locais, foi referido

inclusive uma Delegacia de Papel. Por quê? Porque os outros policiais

– e não somente os homens, algumas policiais mulheres também – se

referem a essa Delegacia como uma Delegacia sem importância. Uma

Delegacia que tem coisinhas de mulher. Aonde as mulherzinhas vão a

esta Delegacia da Mulher para se queixar e dizer bobagens, voltando

para a sua casa de lua-de-mel com os seus maridos. Então, existe toda

uma desqualificação tanto do local quanto dos trabalhadores e das

trabalhadoras.

Há uns dois anos, trabalhei em um curso de formação para

policiais. Neste curso trabalhei com abordagem psicossocial da

violência com policiais tanto militares quanto civis. Perguntei a eles:

Quem daqui pretende ir para a Delegacia da Mulher? Olha, em uma

sala em torno de 50 alunos, duas pessoas levantaram os braços, e meio

na dúvida. Por quê? Porque na Delegacia da Mulher não se tem coisa

muito importante para fazer, acham.

Então, esta é a representação social das Delegacias da Mulher.

Como uma Delegacia Menor e um espaço sem importância.

Entendemos que isso tem de ser levado em consideração e repensado

junto com os profissionais que atuam nessa área, nessas delegacias.

Porque, certamente, isso interfere na qualidade do trabalho deles. De

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que precisamos? Que as prefeituras e o Governo enxerguem as

carências dessas instituições e sua real importância para a sociedade

como um todo, isso seria o ideal.

A implantação de políticas públicas mais eficientes. Por fim, não

existem receitas mágicas ou eliminação milagrosa dos problemas.

Mas, precisamos criar alternativas. Acreditamos que os grupos que

trabalham com os estudos de gênero têm muito a contribuir com as

propostas e alternativas nesse sentido.”

ANTÔNIO BRUNO TRINDADE SUPERINTENDENTE SUBSTITUTO DA SUSEPE

“Foi falado pela nossa dirigente da THEMIS sobre a revista

íntima. Concordo que esta revista, realmente, não é o melhor método

que tenhamos para aplicar às visitantes. Mas, temos de entender que

há um sistema que, ao longo do tempo, não foi nada organizado e nem

planejado.

Em torno do ano de 1997, fizemos um estudo nas penitenciárias

moduladas a fim de modificar o tipo da revista íntima, o qual entra aquilo

que a nossa dirigente falou: a revista ao preso e não à visitante. Quem

cometeu o crime realmente não foi o visitante, foi o preso. No ano de

1998, este procedimento entrou em atividades nas penitenciárias

moduladas. Houve uma portaria que diminuiu o número de visitas

revistadas. Hoje, de 20 pessoas somente é revistado 20% do número.

Esta revista é feita por meio de um sorteio. Mas, não houve

investimento na compra de materiais de detectores de metais, talvez o

mais caro. Realmente, há algum tempo, havia uma dificuldade maior no

controle da entrada de drogas e principalmente de armamentos.

Quem conhece o sistema penitenciário sabe que nos anos 80 e

também no início dos anos 90 houve motins com armas de grosso

calibre, inclusive dentro dos presídios. Hoje, há outro problema, que

talvez tanto quanto a arma seja tão grave, que é o telefone celular.

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Temos de fazer modificações nos estabelecimentos. As

próximas construções – não somente no Rio Grande do Sul, mas em

todo o Brasil – de presídios onde não seja revistado o visitante, mas sim

o visitado. Já falei sobre as estruturas dos presídios, as estruturas são

precárias, inclusive estávamos nos referindo a penitenciária feminina.

Este estabelecimento era um colégio de freiras, o qual foi adaptado ao

recolhimento de presas.

O ideal seria uma construção nova para a penitenciária

feminina, a fim de abrigar melhor as presas. Inclusive, gastamos muito

com pessoal pelo tipo de construção que foi feita, é quase um labirinto.

Não sei ainda, se deveria aumentar a penitenciária ou construir um

novo estabelecimento. Não há reclamações somente das presas, mas

sim de pessoas que moram nas proximidades da penitenciária

feminina, as quais reclamam da algazarra e de gritaria à noite. Estamos

discutindo se o local ideal da penitenciária feminina seria ali.

Temos de discutir também com a sociedade, com as pessoas

que trabalham nesta penitenciária, com as organizações não-

governamentais – ONGs – que levam o trabalho até a penitenciária. A

questão da creche desta penitenciária: há 20 vagas existentes para

crianças. Há um projeto para construirmos mais 17 vagas. Haviam

crianças que ficavam nesta creche em torno de três anos. Não seria a

melhor pessoa para indicar a idade das crianças.

Ou seja, esse assunto deve ser analisado por profissionais de

assistência social e psicologia, que trabalham diretamente nesse setor.

Tivemos problemas no início do Governo. Havia uma cooperativa

prestando serviços médicos no sistema penitenciário. Esta cooperativa

tinha um contrato com a penitenciária até – se não me engano – o final

de janeiro. Terminou o contrato. Tivemos de fazer outro, estudar e

remeter para a Procuradoria-Geral do Estado – PGE –, a fim deste

órgão nos dar um parecer. Isto demandou tempo.

Hoje, estamos com um novo contrato e com uma nova

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cooperativa, já prestando serviço, inclusive com médico ginecologista

já trabalhando na penitenciária feminina.”

PAULO CÉSAR CALDAS JARDIM DELEGADO E DIRETOR DO DEPARTAMENTO DA POLÍCIA

METROPOLITANA - SJS

“Primeiramente, quero dizer da satisfação de estar presente

neste Fórum, no qual o Secretário de Segurança, José Otávio

Germano, pede-me que eu o represente. Ele tem um compromisso no

Palácio Piratini. Na realidade, o tema abordado é bastante conhecido

de todos nós e acima de tudo meu conhecido também. Com 30 e

poucos anos de atividade policial como Delegado de Polícia, Diretor do

Departamento de Polícia Metropolitana, no qual tenho, sob a minha

circunscrição, duas Delegacias da Mulher: a de Canoas e a de Porto

Alegre e, nessa convivência com quase todas as delegacias de Porto

Alegre, acabo conhecendo bem a nossa realidade do dia-a-dia.

Inclusive, lembro-me de que, quando não tínhamos a Delegacia da

Mulher, todos esses eventos, todos esses fatos eram direcionados

para as delegacias de polícia e, lá, convivíamos com essa realidade.

Pediu-me o Secretário que, preliminarmente, fornecesse a

vocês alguns dados que foram remetidos à Justiça: no ano de 2002,

237 inquéritos policiais e 4.442 termos circunstanciados, os quais

correspondem àqueles pequenos delitos de pequeno poder ofensivo

que a nossa legislação prevê; embora tenha que admitir que, para as

vítimas, o sentimento não é esse. São aqueles delitos que a pena

máxima prevista é de até dois anos. Via de regra, são lesões que

machucam mais alma do que o próprio corpo, então, essa penalização

talvez devesse ser pensada de forma diferenciada. Isso tudo em 2002,

sendo que desses termos circunstanciados, 2.139 foram decorrentes

de lesões corporais; 1.952, referentes a ameaças.

Em 2003, os números ficaram, mais ou menos, dentro do

mesmo padrão, diminuíram apenas um pouquinho: lesões corporais,

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antes, eram 2.139, agora, temos 2.133; ameaça, 1.752. Esses são os

dados que mais nos importam no momento.

Gostaria de referir aos Senhores que, ouvindo a exposição

feita, preliminarmente, pela acadêmica que realizou alguns estudos

frente às delegacias, concordo com quase tudo que foi dito. Só tenho

uma restrição: quando ela afirmou que alguns policiais fazem a

diferenciação entre a Delegacia da Mulher, como sendo uma delegacia-

papel ou de menos importância que outras delegacias. Não vejo dessa

forma. Acredito também que os próprios policiais não vêem assim.

Leciono na Academia de Polícia há 18 anos.

Conheço todos os delegados que se formaram durante esses

anos, os quais todos foram meus alunos, como também todos escrivães

e inspetores. O enfoque não é esse: que a Delegacia da Mulher seja de

segundo plano, uma delegacia-papel. O enfoque é de uma delegacia

que, em tese, apresenta menos risco físico para o agente que trabalha.

E, quando falo em risco físico, refiro-me ao risco de combate, de

enfrentamento. Não se trata de uma delegacia de capturas, de roubos,

que trabalha com assaltos, nem especificamente com roubos de

veículos ou tóxicos. Dentro desse enfoque, concordo que haja

realmente uma diferenciação. Alguns policiais preferem, dependendo

de seu perfil, trabalhar na Delegacia da Mulher, talvez até porque

tenham uma maior sensibilidade. Não tenho dúvidas – e isso é

fundamental – de que a preparação do funcionário para trabalhar na

Delegacia da Mulher é muito importante. Vejo isso, porque, este ano,

criamos no Departamento que dirijo – DPM – o Serviço Especial de

Combate à Prostituição Infanto-Juvenil – Secopi.

Quando implantamos esse projeto que, hoje, já possui

repercussão nacional, tivemos que pinçar alguns policiais com perfil

adequado – aqueles que imaginávamos com competência pertinente –

mas também fazer com que lhes fossem ministrados cursos de

aperfeiçoamento, porque lidar com criança ou adolescente abusada ou

explorada sexualmente é muito difícil.

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Os problemas sociais, as origens são as mais diversas, então

tivemos que aprender a lidar com esse tipo de problema, esse tipo de

situação, não só no momento da detenção, não só no momento da

prisão, mas também nas conseqüências daquele ato e a forma de lidar

com o depois.

Não tenho dúvida que a Delegacia da Mulher deve ser uma

delegacia diferenciada, porque os policiais que trabalham ali devem

estar preparados para aquele tipo de estresse. Um estresse de ouvir

problemas. Um estresse de ouvir sobre lesões leves – leves para quem

vê ou para quem assina o laudo, para quem foi lesionado não é leve.

Hoje devemos ter em torno de 70 a 80 mulheres trabalhando em

Delegacias de Polícias, algumas em Delegacias da Mulher, mas a

imensa maioria trabalhando em Delegacia de Polícia, onde o risco é

igual ao risco da Delegacia da Mulher. Estão trabalhado de igual para

igual. Nesse ano, aqui em Porto Alegre temos 24 distritos, desses 24

distritos eu já lotei 6 mulheres delegadas de polícia.

Estamos enxergando, hoje, o problema policial, o qual me

pediram para falar: segurança e mulher. Estamos direcionando essa

responsabilidade, pelo menos em Porto Alegre, às mulheres. Para nós,

é motivo de orgulho essas jovens delegadas que trabalham em

delegacias de porte, delegacias pesadas e de risco, mulheres que têm

ido de madrugada, às 2, 3, 4 horas da manhã para local de crime,

mulheres que sobem vilas ou no asfalto participam de tiroteios. Acredito

que devem ser vistas da mesma forma pelas Senhoras. Sob o aspecto

segurança, nos sentimos muito tranqüilos com as mulheres nas

Delegacias de Polícia.

Para encerrar, pelo menos num primeiro momento, informo que

temos recebido muitos pedidos para a instalação de Delegacias de

Mulheres, principalmente nas cidades da Grande Porto Alegre, onde

tenho a competência jurídica, como Novo Hamburgo, Sapucaia, São

Leopoldo, Gravataí e Canoas que estão sob a minha circunscrição.

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Quase todas essas cidades têm feito o pedido de instalação de

Delegacia da Mulher. Esse pedido é geral. Em quase todos esses

lugares é indispensável uma DM e realmente se faz necessária a

instalação da Delegacia de Mulheres.

Eu lembro que, há 4 anos, a Delegacia de Mulheres de Porto

Alegre estava na Avenida Osvaldo Aranha, quando eu dei a notícia que

seria deslocada para perto do Palácio da Polícia, houve alguns

movimentos feministas que foram contrários e pediram que

permanecesse no mesmo local.

Aquelas Senhoras entenderam, depois, que era absolutamente

importante trazer a Delegacia das Mulheres da Avenida Osvaldo

Aranha para as proximidades do Palácio da Polícia, em vista do fator

social. O mais relevante, depois do registro da ocorrência, é o

atendimento médico que fica próximo ao Palácio da Polícia, onde se

encontra o Posto do IML e são feitos os exames. De modo geral, a

mulher agredida chega à Delegacia toda quebrada, toda machucada,

sai de casa da forma como está, muitas vezes sem dinheiro, chega na

Delegacia para registrar a ocorrência de carona e após o registro é

necessário que se desloque para fazer os exames de lesão.

Por isso, à época, achei pertinente trazer a Delegacia junto ao

Palácio da Polícia porque os exames são feitos próximo ali. O problema

maior, não é só esse tipo de atendimento, mas o depois, para onde a

mulher vai?

As Senhoras sabem, pela lida do dia-a-dia e eu pela minha

experiência, que isso se repete sabe-se lá quantas mil vezes. Via de

regra, as mulheres fazem o exame, não têm para onde ir, ficam com

medo de ir para algum lugar e pedem para dar uma dormidinha no

plantão da Delegacia. Isso é regra. Há o medo de voltar para casa, pelo

menos naquele momento, porque não se sentem seguras, nós não

podemos colocar um policial na frente da sua casa, então ela fica, em

regra, dormindo no plantão da Delegacia.

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Quando me pedem a instalação de uma Delegacia de

Mulheres, eu aviso que não é só o problema de estrutura física, um

prédio de Delegacia, mas uma estrutura que precisa, no mínimo, de 11

dependências como sala de estar, cozinha, xadrez, depósito, gabinete

para a delegada, secretaria, etc.

Precisamos, também, de viaturas, computadores, rádios e

telefones, mas, mais ainda, precisamos, próximo a essa Delegacia da

Mulher o atendimento do logo depois, de um atendimento médico, de

alguém que realize os exames.

Como essas delegacias tenham apenas uma viatura que pode

estar na rua, precisamos de uma casa de apoio, um segmento onde

essas mulheres poderão passar a noite, pelo menos aquela primeira

noite: a noite da agressão, a noite da violência, a noite em que a

agressão física ainda é mais forte. Digo a todas as pessoas que me

procuram, porque é importantíssima a criação da Delegacia da Mulher,

mas não é só esse o segmento, mas é um conjunto. Essa mulher

precisa de um respaldo maior, precisa ser examinada, precisa de uma

assistente social, de uma psicóloga. Precisamos preparar os policias

que vão dar o atendimento no momento do grito, do desespero, da

angústia, da dor, aquilo que vemos todos os dias.

Precisamos do respaldo final, onde dormirá nos primeiros dias.

Para se instalar uma Delegacia é necessário um prédio em que a

mulher tenha condição dignas de ser recebida. Ela está sofrida, está

magoada, ela precisa de uma sala, talvez com sofá, onde possa

descansar, curar as mazelas pelas quais está sofrendo. Precisamos de

dois, três cartórios, porque recebemos mais de um caso.

Se forem conhecer a nossa Delegacia da Mulher, aqui em Porto

Alegre, há filas para fazer os registros de ocorrência. Os depoimentos

precisam ser separados, no mínimo precisam haver três cartórios.”

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LUÍZA DE BRIDAMOVIMENTO DE MULHERES DE NOVO HAMBURGO

“A comunidade de Novo Hamburgo, na qual me incluo, está

sedenta por uma Delegacia da Mulher. É uma luta da comunidade.

Antes de a Deputada ser Deputada, ela já estava lutando conosco para

conseguirmos a Delegacia da Mulher. Conseguimos um posto da

mulher, que não nos ajudou em muita coisa, mas a Delegada Rosane é

uma excelente e competente profissional. Tivemos uma grata notícia há

pouco tempo de que a Delegacia seria colocada em Novo Hamburgo no

final do ano, e estamos nos mobilizando, porque não podemos contar

apenas com o Governo do Estado. A comunidade se mobiliza e temos o

apoio da Prefeitura. A violência contra a mulher em Novo Hamburgo é

muito grande, não temos estudos maiores, porém sabemos que é muito

grande. Gostaria de saber do Senhor, se a promessa feita, continua de

pé?”

PAULO CÉSAR CALDAS JARDIM DELEGADO E DIRETOR DO DEPARTAMENTO DA POLÍCIA

METROPOLITANA - SJS

“A notícia que tenho é de que é possível instalarmos a Delegacia

da Mulher, mas quero reiterar o pedido. A Senhora mesmo afirmou de

que foi instalado um posto e que não está atendendo de acordo. Creio

que não é isso que precisamos. Se tivermos uma estrutura de

dignidade, de aceitação para que a mulher seja bem recebida num

complexo que não esteja vinculado apenas à Polícia Civil, mas também

ao DML e a uma casa de apoio, teríamos mais condições de agilizar

esse processo.

Imagino que a comunidade de Novo Hamburgo tenha

condições de fornecer os recursos materiais para montar essa

delegacia, temos muitas dificuldades em recursos humanos e não

escondemos isso, mas acho que é possível e não descartaria essa

oportunidade.”

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LÍCIA PERES FORUM PERMANENTE DE MULHERES DE PORTO ALEGRE

“Acompanhei de perto, fui uma das pessoas, conforme o senhor

mencionou, que lutou para que houvesse a instalação das delegacias,

apesar da grande incompreensão por parte da Polícia.

Lembro-me que o delegado, sistematicamente, dizia-nos que

precisava de mais mulheres para a Delegacia da Mulher. Enfrentamos

esse problema e instalamos a delegacia. A primeira delegada também

enfrentou problemas, porque ao instalarmos a Casa Viva Maria, ela

não queria fazer a triagem. Surgiram uma série de dificuldades de

compreensão dentro da Polícia, numa escala hierarquicamente

superior, acerca da necessidade da Delegacia da Mulher. Felizmente,

nós conseguimos, ainda que um número muito menor.

Conforme estatísticas realizadas, delegacias e postos seriam

instalados onde houvesse incidência de violência mais significativa à

população, parece que o cálculo ideal seria de 50 mil por habitante,

mas teria que se fazer esse mapeamento.

Eu concordo com a companheira na questão da rede. O que

precisamos é da instalação imediata de um bom atendimento à mulher,

pois com essa visibilidade, com os números que vêm à tona em função

das estatísticas, tendo em vista que todas as políticas públicas

internacionais só foram possíveis devido aos registros estatísticos. É a

partir daí que as políticas públicas se instalam.

Qual o índice de ressocialização das mulheres que hoje estão

no sistema penitenciário? Ou seja, de reincidência, porque ao assumir

a presidência do Conselho da Mulher, aqui no Estado e dentro do

Instituto Psiquiátrico Forense, onde elas estavam em 17 por sala,

constatei que não havia ginecologista e conseguimos um, o Dr.

Roberto, uma pessoa dedicadíssima, quando ele foi embora elas

ficaram muito tempo sem atendimento médico. Não entendo como isso

pôde acontecer. Havia uma enorme resistência por parte dos médicos

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em trabalhar com presidiárias.

A presa precisa ter direito à creche para seus filhos, um trabalho

remunerado, precisa ter respeito, atendimento às suas necessidades e

acho que, basicamente, esse binômio não foi resolvido no sistema de

segurança.

O que eu queria enfatizar, parabenizando a Deputada Floriza

dos Santos pela iniciativa, é que há necessidade, sim, mas nesse caso

se dificulta a instalação de delegacias da mulher. Precisamos de

atendimento digno, qualificado e atencioso a essas mulheres, uma

compreensão da questão de gênero em todo o corpo policial, homens e

mulheres, e que não mais se entenda essa questão como sendo uma

questão menor.

O que eu queria expor é o seguinte: há necessidade de o Poder

Público qualificar policiais homens e mulheres, trabalhar em rede, pois

quando existe um posto e o problema é quantificado, cria-se a rede e

esse modelo que está sendo criado na Restinga é um modelo que o

movimento de mulheres considera ideal. Ela é atendida e depois se cria

uma rede de solidariedade, como o acolhimento. Hoje, existe a Casa

Viva Maria, que está sempre com lotação esgotada.

O que nós queremos é sensibilizar para que o presídio feminino

Madre Pelletier cumpra com a sua função de socializar as mulheres de

fato. Quanto à questão da revista íntima, é uma indignidade. Hoje em

dia, num aeroporto internacional não há revista íntima, podendo-se até

explodir um avião, ao passo que no Brasil as mulheres ainda têm que

mostrar os genitais, retirar fraldas de bebês, etc. Acho que são coisas

que realmente atentam aos direitos humanos das mulheres e da

população como um todo.

Agradeço a atenção e pergunto sobre a questão do índice de

reincidência: Como é possível conhecer a eficácia de uma entidade no

sentido de haver ou não uma ressocialização adequada? Qual o

modelo necessário para obter o cumprimento de sua função?

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PAULO CÉSAR CALDAS JARDIMDELEGADO E DIRETOR DO DEPARTAMENTO DA POLÍCIA

METROPOLITANA - SJS

"Conforme os senhores têm tido a oportunidade de acompanhar

esse projeto, tenho feito coro às suas palavras, tenho prendido

abusadores sexuais de crianças e adolescentes quase todas as

semanas. O índice de prisão é muito grande e tenho apreendido

adolescentes vítimas de abuso e de exploração também na mesma

proporção.

Essas crianças e adolescentes que são apreendidos, logo após

o flagrante são encaminhadas ao Conselho Tutelar, pasmem as

senhoras, dois ou três dias depois prendo novamente abusadores e

apreendo novamente crianças e adolescentes. Só que essas são as

mesmas.

A falta de um projeto ou de um programa do Estado, seja este

Estado ou Município, o Estado Membro ou Estado da União, para mim é

uma coisa gritante. Devemos ter bem claro e visível, que as funções da

polícia enquanto Polícia Civil ou Polícia Militar é delimitada

constitucionalmente. Temos os nossos limites.

A Polícia Civil e a Brigada Militar não fazem socialização. Não é

essa a nossa função. Fizemos repressão e prisões. É para isso que o

Estado, por meio de seus legisladores – os senhores que colocaram os

seus legisladores nos postos que estão – definiu a nossa função.

Digo que se por um lado a polícia, nesse aspecto do abuso

sexual das crianças, está fazendo bem o seu papel, e muito bem, o que

temos por outro lado, logo depois? O Estado como instituição está

permitindo que essas mesmas crianças exploradas e ou abusadas

voltem para as ruas.

O trabalho da Polícia Civil vai até os seus limites da Constituição

e da Legislação. Parece-me que depois do registro da ocorrência, ou

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depois da formalização do inquérito policial ou depois da formalização

do termo circunstanciado, o compromisso passa para outra esfera. O

atendimento a essa mulher agredida, lesionada e ferida não é mais o

compromisso da Polícia Judiciária. Mas, cada segmento tem de fazer a

sua parte. Deve-se cobrar da polícia a assistente social no momento

posterior? É difícil, porque, primeiro lugar, legalmente não é essa

função.

Cabe a nós – como comunidade, como ONGs ou como

entidades – cobrarmos do Estado. Seja este Estado, Município, Estado,

Estado Membro ou a Federação.

Concluo, Senhoras e Senhores, que os limites de

trabalho da polícia estão na Constituição e em uma legislação

específica.”

MIGUELINA VECCHIOPRESIDENTE DO CONSELHO ESTADUAL DOS DIREITOS DA

MULHER

“Quero dividir a minha fala em duas etapas. A primeira será

sobre a nossa visita ao Presídio Madre Pelletier, que realmente foi a

visão do inferno. Nunca pensei encontrar, apesar de conhecer um

pouco a teoria sobre o que acontece nos presídios, uma realidade tão

calamitosa. O problema não está nem na direção do presídio, porque

encontrei na Sra. Elisete Janaína Guntzel alguém com muita vontade

de fazer as coisas acontecerem. Não é a mesma vontade que vemos no

Governo do Estado, pois faz três meses que pedimos uma audiência

com o Secretário de Segurança e não conseguimos. Não deve ter

tempo, pois coisa de mulher é sempre relegada a segundo plano. Mas

fiquei surpresa quando o próprio Governador nos recebeu em 10 dias.

O Governador ficou tão escandalizado com o relato. Apresentei riqueza

de detalhes, como o uso de um rolo de papel higiênico por presa por

mês e outros absurdos que não davam para serem descritos.

A primeira pergunta que fiz foi se tinham um ginecologista que

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as acompanhasse e a resposta foi negativa. Contei ao Governador que

havia conversado com apenas 70 detentas e já estava escandalizada

porque, entre as 70, quatro estão com papilomavírus, o que quer dizer

que precisam de tratamento.

Antes de terminar a audiência, o Governador mandou contratar

um ginecologista. A situação de ócio, falta do que fazer, gera, por

exemplo, depressão nas pessoas porque não produzem nada. Quando

me contaram quanto que ganhavam por mês, quase desmaiei. O

pessoal que trabalha na limpeza ganha 14 reais. Fiquei escandalizada!

Dentro do presídio é óbvio que as detentas estão com a auto-estima

muito depauperada. Tentei mostrar que pelos seus delitos, já foram

julgadas e estão cumprindo a pena. Devemos tratar disso porque não

há emprego ou tarefa para todas, o que é uma preocupação. Eu

conheço bem, por exemplo, o Instituto Psiquiátrico Forense, onde eram

realizadas várias atividades que, além de gerar renda, criavam uma

situação de produção, mexendo com a estima dessas mulheres.

Com relação aos filhos, o fato de só ter um presídio feminino

aqui dificulta a progressão da pena. Tudo isso deve ser tratado de uma

forma digna para contribuir com essas mulheres que estão cumprindo

pena por terem feito algo que foge às regras gerais.

Já ouvi muitas vezes, delegadas da mulher falarem – com o que

concordo – que é uma delegacia de segunda categoria, infelizmente.

Pode ser uma opinião preconcebida, mas acho que é de segunda

categoria e, o que é pior, ir trabalhar na Delegacia da Mulher é um

castigo, e não um prêmio, por mais interesse que tenham as delegadas

ou por melhor que seja a visão que têm sobre as mulheres. Ir para a

Delegacia da Mulher não é um prêmio – deveria ser.

Também há o problema da Delegada que não se concebe como

mulher na sua integridade e aí acaba resolvendo pouco o nosso

problema, pois não consegue enxergar as mulheres com as suas

necessidades. Se fosse um homem talvez enxergasse. É a mesma

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máxima de que mulher não vota em mulher e mulher não gosta de

médica mulher. Ou ela se concebe como um todo, como mulher e

delegada, não como delegada e mulher – que são coisas distintas – ou

termina resolvendo pouco. O número de delegadas mulheres é

importante? É. E a conscientização é ainda mais.

Nós, no Conselho, temos recebido de todo o Estado queixas de

algumas Delegacias da Mulher, onde não conseguimos falar com a

Delegada, ou nos atende sendo grosseira.

Está acontecendo um encontro de Delegadas em Brasília, hoje

e amanhã, do qual eu gostaria muito de participar porque é uma

discussão que deve ser feita. Que delegada é essa que queremos? Que

interferência na sociedade civil organizada ela está fazendo junto às

mulheres que chegam vítimas de violência?

Conforme falou a Sra. Lícia, trata-se de uma luta na tentativa de

colocar uma mulher na Delegacia para que aquela agredida seja ouvida

por uma igual – igual pelo menos no sexo. Só que quando ela chega e

não consegue ter o respaldo dessa mulher – ou pelo menos afetividade

e respeito no tratamento – acaba sendo criado um pólo extremamente

negativo para nós. É o revés da luta, não adiantando ser mulher, pois

não recebe ou trata mal a que chega.

É uma preocupação nossa que a Escola de Polícia inclua – e

nós, do Conselho, mandaremos para o Governador um pedido – o tema

gênero na formação como uma disciplina fechada e não em forma de

uma palestra. O Conselho, quer instalar um curso de pós-graduação em

gênero. Para isso, já apresentamos projetos à Universidade Estadual e

à PUC. Acho que poderíamos escolher uma pessoa de notório saber na

área – e há várias feministas no Estado – para explicar aos policiais.

Nem todas as mulheres são feministas, essa é uma realidade.

Gostaria que fossem, mas nem todas o são. Aliás, algumas têm pavor

do nome, dizem que querem ser somente femininas – como se fosse

possível nascer do sexo feminino e não ser feminina. As que não

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querem ser feministas e não concebem esta idéia, atrapalham nossa

luta.

Na Escola de Polícia, algumas delegadas são vanguardistas na

luta das mulheres; há algumas que entendem a concepção, que

conhecem seu sofrimento, que sabem da sua dificuldade, mas que não

são capazes de dizer a elas que se apanham e continuam casadas é

porque gostam de apanhar. São capazes de entender toda a conjuntura

social que as afasta de lá e que faz com que voltem para retirar a

denúncia porque, por terem oito filhos e não têm para aonde ir com eles,

têm de dormir na cama com o agressor.

Ou se analisa a conjuntura sociológica do fato – e a isso me

permito porque tenho informação na área – ou não adianta, estaremos

perdendo nosso tempo; pois não qualificaremos ninguém. As

delegadas pensam e vêem o mundo como os homens e terminamos por

criar um revés à própria luta. Essa é minha preocupação. Brigaremos

para que haja uma disciplina na Escola de Polícia que sirva muito mais

para os homens do que para as mulheres. Para elas deve ser uma

lapidaçãozinha e para os homens uma lavagem cerebral. Realmente,

acho que deve haver uma disciplina que os homens também façam,

porque pertenço à linha que não acredita na igualdade sem a parceria

dos homens. Não sou das ortodoxas raivosas que acham que o

problema da igualdade será resolvido só com as mulheres. Acho que

temos de conscientizar muito mais os homens. Deputada, quanto à

iniciativa da Subcomissão de tratar a segurança, acho que hoje temos

de nos preocupar com os presídios, onde há situações bem graves.”

ANTÔNIO BRUNO TRINDADESUPERINTENDENTE SUBSTITUTO DA SUSEPE

“Enfrentamos um problema muito grande que é o tratamento ao

egresso, o qual hoje está sendo acordado um trabalho de três ONGs

nesse aspecto, que não existia há quatro ou cinco anos. É como diz o

Delegado Paulo Cesar Caldas Jardim: “A mulher vai na delegacia fazer

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o seu registro e depois não sabe como vai para a casa”. Com o preso é a

mesma coisa: sai do presídio e não sabe para aonde se deslocar.

Muitas vezes a família não o quer mais, sequer o visita.

Acredito que centralizamos muito o sistema penitenciário em

Porto Alegre. Ele não funciona somente aqui. Não temos presos

recolhidos, ou na preventiva, ou cumprindo pena em Delegacia no Rio

Grande do Sul, nem tampouco cumprindo pena que não tenha

mandado judicial. Há cento e poucos estabelecimentos penais no Rio

Grande do Sul, o que é uma dificuldade do sistema penitenciário. Em

todo o Brasil não há ninguém que tenha esse número além de nós. O

preso, na nossa política – e não é nossa só, deste Governo, mas de

todos governos – a priori, deve cumprir pena perto da sua família. Não

há somente a penitenciária feminina; as 348 presas que há nesta

penitenciária é uma parte das que existem no Rio Grande do Sul. Até o

mês de novembro, havia um total de 742 apenadas distribuídas pelo

Estado. Em Passo Fundo há 23 apenadas em presídio masculino em

uma ala para elas. O Dr. Djalma Gautério ficou uma semana em Brasília

a fim de buscar investimentos. O Governador também está preocupado

com investimento. Temos de investir.

O que representa três mil presos? São seis estabelecimentos

para 500 vagas, que representa cada estabelecimento? 12 milhões de

reais. Isso não é brincadeira. As apenadas são colocadas no presídio,

mas estará faltando a educação e o social. Dizem: "o que querem

botando dinheiro em preso?" Sabemos o que a sociedade pensa. Há

outras dificuldades como: não conseguimos construir presídios. Se

quiserem construir um presídio perto da minha casa, serei o primeiro a

ser contra essa construção. Ninguém quer isso.

Outra coisa que gostaríamos de lembrar: o perfil do preso que

mudou muito nos últimos 20 anos. Sou funcionário da Susepe há

21anos e a Janaína há 11 anos. O perfil mudou muito nas próprias

apenadas. Lembro-me de que haviam mais funcionárias na

penitenciária feminina do que presos. Haviam 70 pessoas presas e 80 e

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poucos funcionários. Dessas apenadas, na época, haviam homicidas,

algumas por drogas e lesões corporais. Hoje, mudou muito. Achar que

a mulher não faz, faz. A mulher pode ser o cabeça de uma quadrilha, e

é. Há presa recolhida que é chefe de quadrilha. Mudou muito o perfil. A

mulher também acompanhou este perfil.

Sobre o trabalho, a penitenciária feminina é uma das que, talvez

no Brasil, tem o melhor trabalho ressocializante. Há várias fábricas. Lá,

há uma fábrica – até fui eu que fiz o contato com o Dr. Rogério Pires no

ano de 1995 – ainda por ordem do nosso Secretário José Eichenberg.

Na época, procurei o Dr. Rogério. Fizemos um protocolo que quase

toda a rouparia do Hospital Conceição seria confeccionada na

penitenciária feminina. Há fábrica de bolsas, de pizzas, de bijuterias e

cooperativas.”

ELISETE JANAÍNA GUNTZEL 1DIRETORA PENITENCIÁRIA FEMININA MADRE PELLETIER

PATRÍCIA BADOPAMA – PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA À MULHER

APENADA

“Com relação às prisões provisórias o que queremos é diminuir

o número das mulheres que estão em prisão provisória, que é maior do

que o número das mulheres que estão condenadas. Realmente, não há

nenhuma mulher presa na penitenciária feminina que lá permaneça de

forma arbitrária. Propusemos, que se fizesse uma audiência pública na

casa prisional para diminuir o número de mulheres que se encontram

na condição de provisória. Se fôssemos contar somente as mulheres

condenadas, com certeza não teríamos superlotação. A casa, hoje, tem

357 mulheres. É uma superlotação, considerando-se que a casa tem

118 leitos.

Com relação à creche, da semana de 15 a 18 de setembro de

2003, o PAMA fez um evento, em parceria com a casa, com a

Assembléia Legislativa, com seu Presidente, Deputado Vilson Covatti,

70701 V e r e x p l a n a ç ã o n o C a p í t u l o 2 - V i s i t a

1 Ver explanação Capítulo 2 - Visita

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com o Presidente da Comissão de Direitos Humanos. Procuramos

demonstrar a situação das crianças na creche, o problema da

superlotação e da falta de condição física do prédio

O PAMA, por meio desse seminário, trouxe respostas. Uma

delas foi junto ao Ministério Público, na pessoa da Dra. Cinara Buteli,

quando firmamos acordos com relação às crianças, porque não há uma

determinação legal quanto à idade mínima. Temos o máximo: seis

anos. Porém, concordamos que seis anos é um tempo longo, muito

prolongado para que as pessoas permaneçam em sistema prisional.Pensamos que o ideal seria manter a criança com a mãe por três anos

em função do vínculo e em função da formação da personalidade. É o

ideal, mas não é possível. Por isso pensamos em um ano, porém,

devido à situação estrutural da casa, foi fixada a permanência por seis

meses.

O PAMA fará duas intervenções: a primeira é uma intervenção

emergencial com o acréscimo de 17 leitos. A intenção é que, com esse

acréscimo, também possamos regularizar a situação das mulheres

grávidas, porque elas estão espalhadas entre as galerias. A galeria A,

onde está situada a creche, tem dois pisos. A nossa intervenção será no

térreo, com acréscimo não só de alojamentos, mas de banheiros e a

readequação da parte física e com os instrumentais: os sanitários, o

banho, rouparia, parte da direção da creche, isso em conformidade

com a direção. O PAMA tem trabalhado com a direção da casa, com o

DTP, com a Susepe e com o empresariado.

Num segundo momento, teremos a construção de um prédio no

terreno da casa. Em contatos anteriores, pedimos a garantia de

construir, desde que a penitenciária feminina ficaria onde está.”

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DEPUTADA FLORIZA DOS SANTOS RELATORA

“Informo que esta Subcomissão irá fazer contato formal com o

Governador do Estado e com os demais órgãos competentes, a fim de

levarmos os apontamentos desta reunião e da reunião ocorrida em 5 de

novembro, para, em conjunto, buscarmos soluções na área da

segurança, na qual as mulheres precisam muito de atenção.”

1.4 SEMINÁRIO MULHER CONTEMPORÂNEA: MÍDIA, SAÚDE,

TRABALHO E DIREITOS -11/03/2004

SEMINÁRIO REVELA DOS SOBRE A MULHER

A

Deputada Floriza dos Santos inicia debate da Subcomissão

A Subcomissão Mista de Assuntos de Gênero vem

desenvolvendo um trabalho de conscientização da sociedade sobre os

problemas enfrentados pelas mulheres e a necessidade de soluções,

com políticas públicas que reflitam a realidade.

No Rio Grande do Sul, segundo dados da Polícia Civil

referentes a 2003, 51.936 mulheres sofreram ameaças, mais de 33 mil

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foram vítimas de lesões corporais e quase mil estupros foram

denunciados. Os números foram apresentados pela relatora da

Subcomissão Mista de Assuntos de Gênero.

No evento, que lotou a Sala Salzano Vieira da Cunha no dia 11

de março de 2004, estiveram presentes Rúbia Abs da Cruz (Themis),

Beloni Turcatto (Coordenadora da Coordenadoria Estadual da Mulher

RS), Irene Galeazzi (Fundação de Economia e Estatística Siegfried

Emanule Heuser), Lícia Peres (Socióloga e Membro da Coordenação

do Forum de Mulheres de Porto Alegre), Sandra Cóccaro

(Ginecologista), Christianne Pilla Caminha (Ministério Público

Estadual ).

DEPUTADA FLORIZA DOS SANTOS RELATORA

“Faço uma saudação especial a todas e a todos. Fico muito feliz

por estar, novamente, com todas essas pessoas envolvidas no trabalho

de defesa da mulher.

A Subcomissão Mista de Assuntos de Gênero está realizando

este seminário Mulher Contemporânea: Mídia, Saúde, Trabalho e

Direitos, alusivo ao Dia Internacional da Mulher.

O Dia Internacional da Mulher é um reflexo de todo o movimento

em prol da igualdade de direitos, embora ainda prevaleça a

desigualdade de gênero. No dia 8 de março, em todos os pontos do

mundo, as mulheres elevam as suas vozes, destacam as conquistas e

clamam por mais direitos. Até quando precisaremos de um dia especial

para lembrar a todos que somos iguais?

A Subcomissão Mista de Assuntos de Gênero para tratar dos

abusos contra a mulher foi criada, justamente, para ser um espaço de

discussão na busca da igualdade. Os números levantados durante o

período de existência dessa Subcomissão são alarmantes e devem ser

analisados com bastante atenção para que esta sociedade encontre

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soluções plausíveis. No mundo, a cada quatro minutos uma mulher é

agredida no seu próprio lar por uma pessoa com quem mantém

relações de afeto. Compreender esse fenômeno é reconhecer a

discriminação histórica da mulher. No Rio Grande do Sul, segundo

dados da Polícia Civil, durante o ano de 2003, 51.936 mulheres

sofreram ameaças, quase mil estupros foram denunciados e mais de

33 mil mulheres sofreram lesões corporais. As mulheres também são

vítimas do câncer. Segundo o Instituto Nacional do Câncer, mais de 6

mil mulheres morrem por ano vítimas dessa doença no Rio Grande do

Sul. Faz-se necessário que esses altos índices estatísticos de óbitos

em função do câncer sejam reduzidos, e o caminho é a

conscientização. Somos vítimas carentes de políticas públicas que

reflitam na nossa sociedade. Digamos um basta à brutalidade diária a

que estamos sendo submetidas quando nos batem e nos corrompem,

nos atacando na nossa moral; quando retiram nossos filhos; quando

não há leitos nos hospitais para que nossos filhos nasçam; quando não

queremos ou não podemos engravidar, mas não temos orientação ou

meios para nos proteger; quando estamos doentes e não há

atendimento; quando somos agredidas, mas simplesmente não

acontece nada, e o agressor continua atacando. Precisamos nos

defender de todas as maneiras, criando condições e possibilidades.

Desempenhamos os mesmos papéis que os homens no mercado de

trabalho, mas recebemos 40% a menos. Hoje, 11 milhões de mulheres

cuidam sozinhas da família, conforme pesquisa realizada pelo IBGE.

Somos mães, esposas, companheiras, amigas, profissionais e

atuamos na política, na ciência, na religião, enfim, nas mais diversas

áreas. Queremos firmar nosso espaço na sociedade buscando a

igualdade de direitos e deveres, mas tendo as nossas diferenças

respeitadas.”

RÚBIA ABS DA CRUZ THEMIS ASSESSORIA JURÍDICA E ESTUDOS DE GÊNERO

“O trabalho da Themis, que é uma organização não-

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governamental, tem como missão a ampliação das condições de

acesso das mulheres à Justiça. Trabalhamos em três linhas de

intervenção, sendo que uma delas é a formação de Promotoras Legais

Populares, que são mulheres líderes comunitárias, que recebem um

curso de formação na Themis de aproximadamente um semestre,

quando contamos com o apoio, com o auxílio de vários professores

parceiros, promotores de justiça, juízes, médicos. Enfim, todos que

possam nos ajudar a estar repassando às promotoras o que

consideramos importante, para que elas consigam buscar a cidadania

e que se transformem em multiplicadoras de cidadania dentro da sua

comunidade, que possam repassar essas informações para outras

mulheres que têm dificuldades de acesso à Justiça, de acesso à saúde

entre outras coisas.

O segundo programa é o Programa da Advocacia Feminista.

Nesta atividade recebemos as demandas que vem do Serviço de

Informação à Mulher – SIM –, local onde as Promotoras atuam. Então,

essas demandas vem do SIM até a Themis. Uma equipe de advogadas

atua nesses processos de juizado especial criminal por lesão corporal e

ameaça, afastamento do lar em casos de agressão, em que retiramos o

agressor de casa, além de encaminharmos essas mulheres à casa de

apoio.

A Advocacia Feminista trabalha em algumas linhas específicas

de violência contra a mulher, violência física e violência sexual também,

na parte da discriminação e em Direitos Sexuais e Direitos

Reprodutivos que ainda têm uma dificuldade de demanda, digamos

assim, pelo não-reconhecimento da saúde como um direito. Então,

estamos sempre trabalhando, buscando para que possamos trabalhar

mais efetivamente em relação à maternidade, em relação até ao direito

ao aborto, não só decorrente de estupro, entre outras coisas.

O terceiro programa é o CDEP que é um programa encarregado

da interlocução com o Poder Judiciário, organizando seminários,

oficinas e também elaborando materiais, livros, artigos entre outras

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coisas. Com esse trabalho, também, fazemos uma atuação política das

promotoras legais populares. Gratifica-nos muito quando percebemos

que as mulheres que trabalhamos estão crescendo e evoluindo no seu

trabalho e contribuindo sempre para que a Themis prossiga na sua

jornada de auxiliar as mulheres com dificuldade de acesso à Justiça.

Falando um pouco dos casos concretos que temos, é

importante mencionar que, apesar de todo progresso que o movimento

feminista já teve em todas as décadas, ainda há muito a ser feito

especialmente junto ao Poder Judiciário, área que atuamos, porque em

vários processos, mesmo tendo uma atuação feminista baseada em

convenções internacionais que devem ser seguidas, além das

legislações específicas, ainda há muita resistência dos operadores do

Direito na utilização dessas convenções a favor das mulheres.

Na verdade, os juízes sequer se manifestam sobre as

convenções. Além disso, há uma influência cultural muito forte.

Vivemos numa sociedade com uma cultura que, muitas vezes, é

reproduzida em sentenças sexistas, machistas. Para exemplificar isso,

falo de um caso de violência doméstica e sexual de uma mulher que

procurou o SIM e depois a Themis, porque havia sido violentada

sexualmente. Nós entramos com um processo de afastamento do

agressor do lar, com separação, acompanhamos o processo de

estupro, de lesão corporal, de ameaças, enfim entramos com vários

processos já que tinham vários tipos de ocorrências.

Em 1º grau, ele foi preso preventivamente, mas infelizmente,

não pela violência contra a própria família e a esposa, mas sim porque

se tornou uma ameaça para a comunidade porque incendiou o carro do

vizinho, apedrejou pessoas que a estavam protegendo. Também foi

condenado em 1º Grau a 16 anos de reclusão por estupro e atentado

violento ao pudor. Entretanto, em 2º Grau o Tribunal de Justiça o

absolveu com julgamentos um tanto quanto temerários, pois alegava

que os hematomas ou as equimoses que essa mulher tinha poderiam

ser decorrentes de uma corriqueira violência doméstica, o crime se

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constituiria em um crime de lesão corporal e o agressor foi absolvido.

Esse é um exemplo de como os processos têm uma cultura, ou seja, ela

era esposa, provavelmente ele queria manter relação sexual, tiveram

uma briga, isso não significa que ocorreu um estupro, esse foi o

entendimento. O processo é recente, não é uma coisa antiga, foi

julgado há dois ou três anos pelo 2º Grau.

Com base nisso, pensei em verificar casos que fossem de

violência com crianças e adolescentes para ver se o sistema penal

modificava a forma de tratamento dado às vítimas e infelizmente não foi

diferente. Casos em que meninas de onze anos, doze anos, treze anos

que eram violentadas sexualmente por padrastos, pelo pai ou pelo

vizinho, os agressores tiveram uma sentença absolutória ou se a

sentença foi condenatória, foi absolvido em 2º Grau. De 10 casos

analisados, somente em um deles falta a decisão de 2º Grau. Este é um

caso que considero exemplar, porque foi realizado um laudo

psicológico, que é justamente o que a Themis tem lutado e eu

individualmente com projeto de pesquisa, para que, nos processos de

crimes sexuais, em processos onde haja prejuízo psicológico para as

vítimas, que seja feito um laudo psicológico, no qual se comprove: a

violência ocorreu, se era sistemática ou ocorreu uma única vez. Este

laudo é outro meio de prova possível, uma prova pericial que vai além

da prova física, que é realizada logo após a violência, ou melhor que

quase não é realizada, logo após a violência e por isso não se tem os

dados e elementos necessários.

Então, que esse exame psicológico possa ser também uma

forma de se comprovar. E nesse processo, houve a condenação em 1º

Grau, mas ainda não foi julgado em 2º Grau com o fundamento no

laudo que foi feito por uma psiquiatra forense e na palavra da vítima. O

que sempre é posto em dúvida nos crimes sexuais? É a palavra da

vítima. Então, tendo esse respaldo, acredito que será muito

interessante, pois será mais uma prova que o magistrado terá que

refutar se entender que aquele agressor não violou sexualmente a

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vítima. Dentre os 10 processos somente teve uma condenação em 1º e

2º Graus e a vítima era um menino. Em todos os outros casos onde a

vítima era menina, infelizmente, o 2º Grau acabou absolvendo ou o

próprio Ministério Público não recorreu de uma sentença absolutória

mesmo sendo, em princípio, uma violência presumida, que não é

unânime. A violência presumida significa que os menores, em alguns

casos por retardo mental, como em um caso que acompanhamos,

podem dizer que consentiram com o ato, ainda que para meninas de até

14 anos não teria validade o seu consentimento, mesmo assim foi

absolvido o agressor.

Temos de construir uma mudança cultural, por isso considero

importante que a nossa luta também conte com os homens. Que

consigamos mobilizar toda a sociedade para que essa mudança possa

acontecer. Que consigamos reverter esse quadro.

Existe um trabalho muito interessante: a Campanha do Laço

Branco, que começou pelo Instituto do Papai, uma organização

nordestina, que tenta mobilizar os homens nessa luta para cessar a

violência contra a mulher. Não são todos os homens que são

agressores – longe disso! Finalizando, gostaria de colocar que existe

um anteprojeto de lei, um consórcio em nível nacional, que conta com a

participação de várias organizações brasileiras – Cfemea, Cepia,

Agende, Themis e outras especialistas.

Estamos construindo um anteprojeto de lei específico para que

a matéria seja organizada e tenha uma vara única, específica para

todos os crimes, para todos os casos de violência doméstica e familiar

contra a mulher. Assim, se poderia estar julgando desde a parte criminal

à cível. Sabemos que haverá um problema de competência, devido a

forma com que o sistema judicial esta organizado. É para ser algo,

realmente, inovador que, de fato, ajude as mulheres, as famílias onde

existe a violência.

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LÍCIA PERES FORUM PERMANENTE DE MULHERES DE PORTO ALEGRE

“Fui convidada para abordar a imagem da mulher na atualidade.

Nessa abordagem, gostaria de falar sobre alguns nós que eu vejo hoje,

inclusive na implementação de programas. Por que muitos programas

que são bem feitos, bem estruturados, acabam não funcionando?

Inicialmente, gostaria de remeter às estratégias que foram

explicitadas para a implementação da plataforma de Beijing. A

plataforma de Beijing apontou para os objetivos de igualdade, do

desenvolvimento e da paz. Uma série de ações, uma série de

mecanismos deveriam ser colocados em prática pelos diversos

governos – todos os Governos que participam da ONU, os chamados

Estados-Membros – para que esses objetivos fossem alcançados.

Um ponto extremamente importante ali abordado foi a

necessidade do protagonismo. Quer dizer: as mulheres não poderiam

simplesmente receber programas de uma forma passiva, mas elas

precisavam ser agentes de mudança. Vejo, muitas vezes, no

protagonismo – nessa forma de ela ser, um agente de mudança –, uma

dificuldade que é encontrada nos programas. E isso tem muito a ver

com a imagem das mulheres. Todas vocês sabem que as mulheres,

dentro da própria cultura e da arte, tinham que se esconder. A Michele

Pierrot diz que a mulher era retratada. Ela tem um estudo – é uma

francesa – importantíssimo sobre arte, no qual mostra que a mulher era

retratada, no seu ambiente doméstico, como sendo sempre uma figura

mais voltada para o interior da casa. Muitas vezes, as escritoras tinham

que se esconder sob pseudônimos.

Então, ao longo dos séculos, o discurso das mulheres foi

sempre um discurso negado como importante. Muito comum dizer-se:

isso é fala de mulher. Fala de mulher é fofoca ou uma fala menor. Já a

fala do homem é considerada qualificada. Portanto, quando falo em

protagonismo, digo que as mulheres têm que saber que a sua fala é

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importante e significativa, já que têm uma imensa capacidade de atuar

em rede. Essa sua fala, portanto, é generosa e transmite conhecimento

e tem valor em si mesma. Ela foi negada, como não tendo valor, mas ela

tem valor. Cada vez mais, convenço-me de que as pessoas são

elementos dinamizadores da sociedade, pois elas têm o poder de

dinamizar. Dessa forma, quando colocamos essas pessoas como

contrapartida – identificando em algumas delas um potencial de

liderança –, fazemos com que essa pessoa, com essa liderança, tenha

de devolver para o seu ambiente, para o conjunto da sociedade – o seu

local de atuação – aquilo que aprendeu. Penso ser isso extremamente

positivo. Assim, estou levando dois exemplos, que serão mostrados

através de fita de vídeo das Promotoras Legais Populares do RS e do

Centro da Liderança da Mulher do Rio de Janeiro, este último serve

para identificar lideranças de diversas realidades sociais. As mulheres

entram no mundo digital e aprendem a fortalecer a sua auto-estima. A

auto-estima é uma palavra-chave hoje no mundo. Os meios de

comunicação têm um papel muito importante para que ela seja

diminuída, haja vista, que, hoje, vemos muita manipulação e distorção

da imagem feminina. A falta de auto-estima faz com que

prejudiquemos, por exemplo, o excelente Programa de Prevenção da

AIDS que temos em nosso País.

O Programa de Prevenção da AIDS, no Brasil, é considerado

um dos melhores do mundo, reconhecido internacionalmente. Há a

distribuição de remédios; está se conseguindo, hoje, prolongar a vida

da pessoa que foi infectada e, no entanto, olho sempre o resultado.

Como resultado, as mulheres de parceria fixa – quer dizer, aquelas

mulheres que têm somente um parceiro – estão sendo, a cada dia, mais

infectadas.

As mulheres têm dificuldades de negociar com o seu

companheiro a exigência do uso do preservativo, permanecendo, por

essa razão, em relações que prejudicam a sua saúde. Essa falta de

auto-estima não pode fazer com que ela não tenha força interior para

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exigir que seu parceiro use o preservativo, a fim de que ela tenha o seu

direito à saúde preservado. Isso não está acontecendo e o resultado, do

ponto de vista das mulheres, é trágico: passaram, anos atrás, de 16

homens infectados por cada mulher para uma relação igualitária, um

por um.

Um outro exemplo que dou é a questão das cotas. Penso que a

cota para a mulher, na política, foi – e é – muito importante, até porque

sensibiliza a sociedade. Assim, quando se coloca uma mulher que tem

um desempenho qualificado no poder – e essa, é uma mulher que faz a

diferença no Parlamento e nos locais em que atua –, sensibiliza toda a

sociedade, já que fica evidente para todos que ela é capaz de

desempenhar melhor essa função. Os partidos estão com dificuldade

para preencher as cotas. As mulheres não se sentem fortalecidas para

enfrentar o mundo político. Claro que há a parte de ganhar menos, de

ter menos recursos financeiros para as campanhas.

Defendo absolutamente o financiamento público de campanha.

Deveria ter reserva para as campanhas femininas, para que tivessem

recursos e fazer frente a gastos que são significativos. Darei alguns

exemplos: a mulher, reconhecidamente, avançou no mundo do saber.

Para quem não era permitido e não se achava importante, no início do

século XIX, que se alfabetizasse, hoje, ela ocupa mais de 50% dos

bancos de escola, do curso fundamental e Universidade. Saber mais

não significa ganhar igual. Os patrões, pela imagem que ele tem da

mulher , e por isso reforço a questão da imagem da mulher, se sente no

direito de pagar menos, porque o salário dela é considerado

complementar, para os alfinetes. Para o combate à violência há outro

programa, um programa excelente. Fiz parte do Conselho Nacional,

denunciamos, implementamos, lutamos e chegamos ao Programa

Nacional de Combate à Violência, mas esta ainda continua e as

mulheres, muitas vezes, não denunciam, se encolhem. Os avanços

foram inquestionáveis, só não suficientes.

Não acredito que alguém possa ser autônoma, se não for capaz

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de se sustentar e se qualificar profissionalmente para ganhar o seu

próprio sustento e não precisar ficar em situações de risco, em situação

de infelicidade. A nova mulher está quebrando, muitas vezes, a cara

para ter uma cara nova e verdadeira. Não existe mais o isolamento

social para aquela mulher desquitada. Hoje os códigos já estão

mudando, mas no contexto social ainda a imagem da mulher precisa

ser alterada. E a mídia é fundamental. O que isso implica? Qual é o

nosso desfio hoje? Implica na real constituição de sujeitos políticos

capazes de articular e promover essa transformação. Cito uma frase do

Aldo Serra, que considero muito importante, define ideologia como

"representação da relação imaginária do indivíduo com suas reais

condições de existência". É como o indivíduo se relaciona e se avalia. É

uma forma de se colocar no mundo de uma maneira mais acertiva;

você tem de acreditar em si mesmo. Os meios de comunicação, hoje,

são elementos fundamentais no imaginário coletivo. Vocês vêem que o

tempo de permanência, por exemplo, na frente de uma televisão

equivale, comprovadamente, ao tempo de permanência em uma sala

de aula, em torno de quatro horas.

Então, a imagem está vindo, está impregnando o

comportamento. É um elemento importante na socialização dos

indivíduos e da sociedade, é constitutivo. Então qualquer perspectiva

de transformação implica intervirmos, mas intervirmos de forma

verdadeira, questionar, pressionar para que se tenha uma mídia de

qualidade e, muitas vezes, não temos. Há alguns anos, e a Themis foi

parceira nisso, entrou-se com uma ação e escrevi um artigo sobre

reação à baixaria, porque era impossível ver a exploração de crianças,

a erotização precoce de meninas. As meninas são transformadas em

verdadeiras anãs, miniaturas de adultos. Não se vê isso na Europa e

em nenhum outro lugar do mundo, mas no Brasil é uma coisa

impressionante. Naqueles programas da Xuxa, vejam como as

meninas se vestem.

Há essa erotização precoce, como em concursos para minis:

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Carla Peres, Tiazinhas e Feiticeiras – isso tudo exacerba a sexualidade

e faz com que as pessoas tenham relações sexuais e engravidem

precocemente. Vinte por cento das gestações são de meninas e

adolescentes. A tudo isso não podemos assistir de forma passiva,

porque comunicação é concessão pública e esta teria de dar como

contrapartida educação e cultura para a população. Os meios de

comunicação compõem uma auto-imagem e o retrato de diversos

setores sociais.

Há dificuldade em se propor cidadania a setores de baixa auto-

estima porque eles são representados de forma reducionista. O que se

observa na venda de um produto? Em muitos deles, as pessoas usam e

se apropriam de reivindicações das mulheres, como podemos ver

quando a mulher vai ao banco e exige um bom atendimento. Mas, ao

mesmo tempo, enquanto usam algumas coisas exigidas pelas

mulheres, daqui a pouco a confundem com a cerveja, com o automóvel

e com os produtos. Ela é coisificada para vender produtos, é utilizada

de uma forma erótica e sexual – nem digo erótica, porque o erotismo é

amor, envolve sentimentos não tão reduzidos, mas, no caso, é para

vender produtos –, é comercializada como uma cerveja.

Entramos com processo, juntamente com a Themis, contra

músicas como Um tapinha não dói, em que a mulher podia apanhar

porque não tinha nada de mais. E se faz o quê? As pessoas vão

cantando e achando que não dói. Vão repetindo isso e acaba

impregnando nas mentes, no comportamento e acaba ampliando a

cadeia da violência.

Devido a essa importância de atenção às imagens depreciadas

e irreais da identidade feminina, chamamos o Conar, que regulamenta

a propaganda. Se olharmos com atenção as propagandas, aquelas

imagens ainda continuam deixando muita coisa a desejar e merecem

repúdio da população feminina.

Acredito que a dignificação dos temas femininos necessitam do

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jornalismo que veicule os acontecimentos de forma política,

relacionando a economia e a realidade cotidiana das mulheres com

fatos políticos e econômicos nacionais e internacionais, para que haja

uma compreensão da atualidade, fazendo com que ilustre e possibilite

ler uma notícia e ter sua própria opinião, discernindo melhor e não

aquela coisa pronta, massificada e distorcida.

Por exemplo, uma pesquisa sobre mídia realizada no Chile, há

alguns anos, mostrou o que as mulheres gostam de ver na televisão.

Pergunto aos senhores: as mulheres gostam de ver baixaria na

televisão? Segundo essa pesquisa, as mulheres gostavam de se ver

representando situações desafiadoras, tomando o seu destino nas

mãos, vencendo obstáculos e questões de seus relacionamentos. Elas

gostavam de se ver como uma figura positiva vencendo obstáculos,

superando dificuldades, mesmo que a sua vida não fosse assim.

Com relação a uma concessão pública, deveríamos trabalhar

com a mídia para que houvesse uma democratização dos meios de

comunicação, uma atenção muito firme com relação à questão de

gênero, como a negra é encarada, pois muitas vezes ela aparece nas

novelas só para servir o café. Não queria terminar sem dizer que tenho

uma enorme esperança nesta luta das mulheres, pois muitos avanços

foram feitos. Já demos um grande salto civilizatório. Galgamos um

patamar que Norberto Bobbio diz que: "é uma revolução não sangrenta,

sendo a mais bonita do século XX: a Revolução Feminina".

E, hoje, quando pergunto sobre o conceito de democracia, acho

que democrata é aquele que se compromete firmemente com a questão

da igualdade. Na democracia precisa haver esse parâmetro: se lutar

pela igualdade, mas a igualdade na diferença, ou seja, não tratar a

mulher como um homem, porque ela amamenta, tem filhos e demandas

próprias da sua condição de mulher. Mas que não haja hierarquia,

salário desigual, que não seja de forma alguma tratada com violência,

mas com respeito, e que a sua voz e a sua experiência – que é muito

grande, pois é ancestral – seja considerada um valor e possa ser

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aproveitada para mudar o mundo. Somos nós, mulheres, que cuidamos

dos idosos, que trabalhamos 66% das horas do mundo e queremos

continuar – mesmo sem achar justo – a cuidar dos idosos e das

crianças, trabalhando de maneira valorizada. Não queremos perder

essa característica da generosidade, que é uma característica da

mulher. Inclusive, ela sabe se uma amiga está triste na hora em que

coloca os olhos nela.

Considero o Tribunal Penal Internacional como uma das

grandes conquistas, pois é o local que as mulheres, que não têm

acesso à Justiça nos seus países, podem recorrer. Temos as grandes

conferências internacionais, os protocolos que precisam ser

respeitados, a convenção de Belém do Pará, que foi assinada pelo

Governo – que todos deveriam ter na bolsa, pois ali tem tudo – e trata da

questão da violência. Enfim, temos direitos. Uma das coisas que a

representante da Themis disse, quando implantou o Promotoras Legais

Populares, foi que "não se pleiteia o que não se conhece", temos de

conhecer aquilo a que temos direito. Temos de acreditar em nós

mesmas, construir esse protagonismo para mudarmos o mundo para

todos, homens e mulheres. Vivermos em paz, com desenvolvimento e

muito amor.”

SANDRA CÓCCAROGINECOLOGISTA

“Sou médica da Assembléia Legislativa, coordeno um

Programa de Atenção à Saúde da Mulher. Este programa que

realizamos nada mais é do que o rastreamento das doenças em

funcionárias, dependentes femininas de funcionários e aposentadas.

Atendemos aproximadamente 800 mulheres – número que

varia de ano para ano – onde são levantados fatores de risco e feitos

exames clínicos e complementares, cedidos pela Previdência do IPE.

Por dispor desses recursos, conseguimos fazer um trabalho mais

completo. A promoção é da Comissão de Saúde e Meio Ambiente e do

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Departamento de Saúde da Assembléia Legislativa.

Este gráfico mostra a mortalidade por grupo etário, do sexo

feminino, através de dados de 2002, obtidos na nossa Secretaria da

Saúde. O gráfico parece complicado, mas não é. A parte amarelo-claro

mostra a idade da paciente: com menos de 20, de 20 a 30, de 30 a 40,

40 a 49, 50 a 59 e de mais de 70 anos. Pelas décadas, observa-se que

as doenças infecciosas são mais incidentes na faixa etária dos 20 aos

29 anos.

A faixa amarela retrata, na verdade, as doenças sexualmente

transmissíveis, que ainda continuam sendo um problema de saúde

pública para nós, principalmente no que se refere à AIDS – ainda sem a

cura e sobre a qual falarei depois – e também o problema da

esterilidade permanente que advém dessas doenças sexualmente

transmissíveis, alterando toda a questão familiar.

Depois, as infecções vão diminuindo e cedendo espaço às

doenças crônico-degenerativas. O perfil da mulher mudou ao longo dos

anos, acompanhando o desenvolvimento e a sua participação cada vez

maior na sociedade, mas com o ônus do aumento de doenças crônico-

degenerativas.

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Que doenças seriam essas? Fundamentalmente, as cardiovasculares,

em primeiro lugar; depois, as neoplasias, os tumores na mulher, e

também doenças do tipo reumáticas, todas aquelas que advêm de uma

perda da vigilância imunológica no organismo.

Esses movimentos realizados, atualmente, pelas mulheres –

pela vida profissional e familiar – causam um desgaste a que

chamamos, na área médica, de estresse negativo. O estresse é uma

coisa que convive com a mulher e com o ser humano, podendo ser

positivo quando nos impulsiona para frente, e negativo quando nos

causa doenças. O desgaste causado pelo estresse negativo modificou,

atualmente, o panorama das doenças mais comuns no nosso meio,

levando isso mais para o lado das doenças crônico-degenerativas.

É um absurdo acreditar que a mortalidade materna ainda é tão

alta em nosso meio. Ela reflete a questão do pré-natal, do

acompanhamento da gestante, o que é saúde básica. Podemos

resolver isso, atuando primariamente na questão da mortalidade

materna.

A OMS aceita até 20 por 100.000 casos por ano e nós ainda

temos esse índice elevado de 74.5%. Isso mostra a falta de assistência

em nível pré-natal das gestantes. Dentro das doenças crônico-

degenerativas, a primeira causa de mortalidade na mulher ainda são as

doenças cardiovasculares. Nessa área, eu gostaria de pinçar dois

aspectos. Não me estenderei numa aula de fatores de risco, porque

não é esse o propósito, mas os dois maiores problemas vinculados ao

aumento da doença cardiovascular, sem dúvida alguma, é a

obesidade, hoje vista como a segunda causa de mortalidade nos

Estados Unidos, país de primeiro mundo. Isso tende a chegar a nós,

que somos um país ainda em desenvolvimento.

A obesidade está muito relacionada com a falta de

conhecimento da dieta alimentar, base que vem da família, e a questão

do sedentarismo – outro fator fundamental, que nossa cultura não

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contempla. Graças a Deus, isso está mudando. As mulheres estão

pensando em se movimentar, mas ainda precisa ser trabalhado com as

mulheres.

Depois, vem a cardiovascular, que seria um enfarte agudo do

miocárdio. Não entrarei em detalhes, mas a grande maioria das

mulheres morre por enfarte agudo do miocárdio. Depois viriam os

cânceres. Entre as mulheres gaúchas houve uma mudança no perfil da

mortalidade por câncer. Há uma década, ocorria câncer de mama em

primeiro lugar e o câncer de colo do útero em segundo lugar.

Agora, com o aumento da atividade feminina, do estresse

negativo, da incidência de fumo e de tabaco entre as mulheres, é

preocupante a incidência de doença de pulmão, já ocupando o segundo

lugar em liderança de causa de morte da mulher no Rio Grande do Sul.

Então uma campanha contra o fumo é fundamental.

Após o câncer de pulmão, vem o do trato gastrointestinal, que

fica quase junto com câncer de colo de útero, em termos de

mortalidade. Por quê? Também por fatores de liberação de ácidos no

organismo, no estômago e também pela questão das colonopatias. O

que são colonopatias? São as doenças do intestino grosso que advêm,

muitas vezes, da questão emocional, as chamadas doenças

psicossomáticas, que fazem com que a mulher possa desenvolver, ao

longo da sua vida, distúrbios na função intestinal e, como fator de risco

importante, desenvolver o câncer de intestino. Por câncer de colo do

útero, a mortalidade continua subindo. É outro grande absurdo a

mortalidade por câncer de colo uterino, não tendo saúde primária.

No momento em que conhecemos o vilão da história, principal

fator de risco de câncer de colo, que é o HPV, o Human Papiloma Virus,

que é o vírus do papiloma humano, sabemos que este é o causador de

grande parte dos cânceres de colo na mulher. A cada quatro mulheres

no Rio Grande do Sul uma tem HPV. O HPV deve ser rastreado, através

da consulta anual com citopatológico do colo do útero e um exame que

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julgo ser fundamental, mas que não é acessível em nível de postos de

saúde, chamado colposcopia.

A colposcopia é um aparelho simples que magnifica o colo do

útero através da coloração, com contrastes, que nos mostram lesões

iniciais de colo de útero. A sensibilidade do citopatológico do colo de

útero para diagnosticar lesões e células malignas é de 60%. Então 40%

das mulheres ficam sem diagnóstico de lesões iniciais quando fazem

somente o papanicolau. A colposcopia associada eleva a sensibilidade

para 98%, logo, temos chance de fazer diagnósticos das lesões virais,

tratá-las e evitar o câncer de colo do útero.

Ainda estamos carentes em termos de controle do câncer do

colo do útero, que já está em nível de prevenção primária, diferente do

câncer de mama, cujo nível de prevenção é o secundário. Qual a

diferença em relação a isso? A prevenção secundária é quando nós

identificamos a etiologia da doença e a atacamos antes do início da

doença, como por exemplo, o caso do HPV no câncer de colo do útero.

Já no câncer de mama fazemos o diagnóstico precoce. Não temos

ainda o marcador ou alguma coisa que nos confira fazer diagnóstico em

todas as mulheres e dizer: é somente essa a origem do câncer de

mama. Não sabemos quando uma doença, cuja origem é genética,

apresenta fatores predisponentes que agem sobre esse gene,

permitindo que essas células se modifiquem.

A prevenção, em termos de câncer de mama, é secundária.

Atualmente, vem sendo feita através do rastreamento, utilizando, para

tanto, a mamografia, em mulheres a partir de 40 anos de idade,

anualmente. Nas mulheres, cuja história familiar aponta irmã ou mãe

com câncer de mama e que apresentam histórico de biópsias com

lesões pré-malignas - pois, muitas vezes, é possível diagnosticar essas

lesões através da mamografia - a realização da mamografia deve ser

iniciada a partir dos 35 anos, sendo chamado de grupo de risco

conhecido.

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Vale falar um pouco sobre o câncer de mama, pois é a primeira

causa de morte por câncer no Rio Grande do Sul. Porto Alegre é a

primeira cidade em termos de incidência, novos casos por ano e

mortalidade no Brasil inteiro. Portanto, somos os campeões de

bilheteria nesse aspecto, comparado com São Paulo e Rio de Janeiro,

que seguem logo depois.

Uma coisa interessante a perceber consiste no aspecto da área

geográfica em que se vive, sendo determinante em termos do

aparecimento de doenças, logo, não basta apenas possuir a carga

genética, mas o ambiente também é um dos fatores predisponentes.

Em Fortaleza, há 15 anos, quase não havia casos de câncer de mama

no Nordeste, mas devido a grande industrialização e a mudança do

perfil da mulher, verificou-se um aumento significativo em casos de

câncer de mama.

Nós temos o perfil de cidade de primeiro mundo. No Rio Grande

do Sul a hereditariedade italiana e alemã é predominante,

provavelmente trazemos essa carga genética ao longo da

hereditariedade e vivemos em áreas de grande industrialização. A meu

ver, a área geográfica é uma questão muito significativa no aumento da

incidência, apesar de não podermos apontar quais são esses fatores.

Levantamentos realizados na área da oncologia mamária mostram

que, atualmente, somente 20% dos fatores de risco do câncer de mama

são conhecidos.

Apresentam maiores chances de desenvolver a doença

aquelas pacientes que nunca tiveram filhos, as que tiveram a primeira

menstruação precoce e a menopausa tardia e história familiar de

câncer de mama, ou seja, conhecemos somente 20% dos fatores

desencadeantes da doença. Ainda estamos embasados no diagnóstico

precoce por meio da mamografia e a principal problemática está

centrada na mulher jovem.

Na mulher jovem, cuja mama é mais densa, a mamografia não

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capta com tanta precisão as microcalcificações, nódulos pequenos e

distorções de parênquima. Essas mulheres, obrigatoriamente, devem

se valer da ecografia mamária para complementar o diagnóstico

mamográfico.

Gostaria de enfocar uma problemática importante, que é a

esterilidade conjugal, principalmente pelas questões das doenças

sexualmente transmissíveis. Nessa questão incluímos a Aids, que não

pode ser esquecida, tivemos uma diminuição de 50% da mortalidade

nos últimos anos devido às terapias retrovirais. A questão é a

incidência, que continua aumentando, principalmente em mulheres na

terceira idade, quando o uso do preservativo é uma coisa muito

complicada, ao passo que o adolescente, que se criou nesse ambiente,

já se acostumou e para ele o uso do preservativo tornou-se natural.

Ainda temos uma chance de trabalhar mais na prevenção da Aids com

essas gerações que estão chegando, enquanto não surge um

tratamento definitivo. Medidas visando incentivar o uso do preservativo,

como campanhas em relação à Aids são imprescindíveis.

Quanto ao planejamento familiar. É uma questão de saúde, de

desequilíbrio social, é uma questão que ultrapassa a saúde, já estando

no setor da educação. Acho que isso ainda é um grande problema de

saúde pública, deve haver um eficaz planejamento familiar em áreas

menos privilegiadas. Esse gráfico mostra uma estimativa do número

de casos novos no Brasil, ou seja, da incidência de câncer na mulher no

ano de 2001. Esses são os últimos dados do Instituto Nacional do

Câncer.

O câncer de mama feminina é, sem dúvida, o vencedor,

desponta em 20%, seguido do câncer de pele e de colo do útero. Isso é

em nível de Brasil, aqueles outros dados eram em nível de Rio Grande

do Sul.

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Depois vem o cólon e reto, após, traquéia, brônquio e pulmão.

Isso sendo de 2001, daqui a uns anos haverá uma mudança nessas

percentagens.

A mortalidade pelos principais tipos de

câncer do sexo feminino, no Rio Grande do Sul, de 1980 a 2001. A linha

vermelha é a mama. Pode-se analisar que, com o passar do tempo, a

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mortalidade continua subindo, em termos de câncer de mama, mesmo

com todo o conhecimento na área da quimioterapia, surgem mais

quimioterápicos, há uma imensa indústria nessa área, também têm

surgido novas técnicas cirúrgicas voltadas para a conservação da

mama, dentro do possível. Aonde está a falha? Na verdade, é a

prevenção.

Existe um conceito escrito por um dos experts no assunto de

câncer de mama nos Estados Unidos: “Tumores até um centímetro,

lesões insipientes, aquelas que ainda não tem o nódulo formado,

microcalcificações, podem ter sua cura em torno de 98% dos casos”. A

partir de um centímetro nós já perdemos a segurança loco regional do

tumor. Portanto, ficamos num terreno no qual ainda não temos uma

solução definitiva. Apostar no diagnóstico precoce, na revisão anual, na

realização dos exames complementares é a principal arma contra esse

tipo de tumor.

A mortalidade por câncer de mama no Rio

Grande do Sul no período entre 1980 a 1998 - essa mortalidade é

crescente e assustadora - é um real problema de saúde pública. O

número absoluto de óbitos femininos por câncer de mama segundo as

faixas etárias:

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Antigamente não se verificava câncer de mama entre 30 e 39

anos. Lembro-me que quando eu ingressei na faculdade esse índice

girava em torno de 2%, sendo mínima a incidência de câncer de mama

nessa faixa. Houve um aumento importante nesta década, sendo que o

pico de incidência está entre 50 a 59 anos. Nós temos um grande

problema aqui, os tumores de mama na pré-menopausa são mais

agressivos em termos de comportamento biológico do que os da pós-

menopausa, isso é um consenso.

A dificuldade, na pré-menopausa, está no diagnóstico desses

tumores, porque são mulheres jovens com estimulação hormonal na

sua mama, com a mama densa, onde a mamografia não serve como

rastreamento. No caso dessas mulheres, logo, perdemos a chance de

fazer diagnóstico precoce. Nessa faixa etária, a melhor medida é fazer

um exame minucioso das mamas e associá-lo a uma ecografia

mamária. Talvez, assim consigamos diagnosticar tumores de até um

centímetro, que é o objetivo que buscamos.

Nos aspectos relevantes sobre prevenção, falando de

prevenção de uma maneira ampla e geral da mulher, ela deve ser vista

como um todo, quanto aos seus aspectos funcionais, emocionais e

sociais. Ela não deve ser vista de forma segmentada. Eu, como médica,

vejo, cada vez mais, que se deve dar ênfase ao clínico, mas ao clínico.

Uma paciente que migra de especialista em especialista acaba sendo

uma paciente mal atendida porque aquele médico que está com ela só

olhará para a sua mama ou só para o seu útero, e isso não é correto

porque o indivíduo é um todo.

A mulher está inserida dentro de um contexto social, emocional

e é um indivíduo único. Aquelas mulheres que têm grandes problemas

na esfera emocional terão problemas orgânicos e vice-versa, ou seja,

as que adquirirem problemas orgânicos terão problemas na esfera

emocional. E isso não pode ser dissociado até porque a questão do

emocional atinge, basicamente, a questão hormonal e a questão da

vigilância imunológica.

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Eu fiz um estudo bastante grande no M. D. Anderson Cancer

Center, em Houston (Texas - EUA), logo no início da minha carreira,

porque queria entender qual a relação dos tumores e o do sistema

imunológico. Eu queria saber, por que o tumor, na grande maioria da

vezes, vencia o nosso sistema imunológico.

Eu posso dizer que isso é uma verdade, se não cuidarmos do

nosso emocional e se não nos cuidarmos como mulheres, teremos uma

dessas doenças crônico-degenerativas, porque a nossa vigilância

imunológica será abalada e cairemos nessa problemática.

Neste Seminário, eu quero transmitir para vocês que as

conquistas sociais são fundamentais, mas de nada adianta tudo isso se

não tivermos saúde. Saúde do ponto de vista emocional e orgânico.

Parece uma coisa absurda o que eu estou falando, mas existe uma

cultura, de nós mulheres, de assumir tudo e sermos responsáveis por

todas as coisas, o que nos causa um imenso desgaste.

A mulher tem que entender que ela precisa redistribuir tarefas.

No momento que ela assume um papel social, profissional, ela acha

que não pode ser uma excelente mãe. Ela tem que ser mãe na hora que

ela pode ser mãe e profissional na hora que ela tem que ser

profissional. E ela não pode ter conflito com isso. E isso é muito difícil

para a mulher entender, porque a nossa cultura é diferente.

A minha mãe era dona de casa e me criou com tudo o que eu

precisava para me desenvolver, mas isso bate de frente com a nossa

cultura atual. Agora, dentro desse dilema nós, temos que nos colocar

como o centro. Se não formos a referência, dentro desse sistema, de

nós mesmas, não faremos absolutamente nada. Não teremos força e

saúde para movimentar aquelas ações que pensamos ser importantes.

É fundamental o aspecto mencionado, que é a auto-estima. É

fundamental termos dentro de nós um eixo que nos confira um

conhecimento de nós mesmas, as nossas potencialidades e auto-

cuidado.

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Dentro do enfoque preventivo das doenças, é necessário inserir

a mulher em seu contexto, trabalhando cada mulher como ser único.

Quando uma mulher vem consultar comigo, eu não posso aplicar

aquela tabela de alto risco do livro que eu conheço. Até posso utilizar

para o meu conhecimento, mas atendo cada mulher, dentro do meu

conhecimento e pinçar coisas que eu vejo que são relevantes na

prevenção de doenças naquela mulher. Um exemplo disso é que já se

consegue, atualmente, fazer um aconselhamento genético e específico

da genética daquela mulher. Não adianta uma mulher chegar na minha

frente e dizer que nunca teve filhos e menstruou cedo, porque esses

fatores são pouco importantes perto de outras coisas mais importantes

que desconhecemos, que é o perfil genético, o perfil de risco que são as

neoplasias e o cálculo do risco.

O conhecimento de sua história e de seu corpo é fundamental

para se traçar um perfil de risco. As campanhas de massa na mídia são

pouco informativas, muitas vezes, e não resolutivas. Muitas vezes elas

afastam as mulheres do assistencial. Sem dúvida, a mídia é importante,

mas ela não é tudo. Atualmente, a mídia enfoca a cena da mortalidade,

a cena do desespero, do sofrimento e isso afasta a mulher de procurar o

profissional porque, no fundo, ela tem medo de ter câncer. Por isso,

temos que trabalhar de outra forma com a mulher. Temos que trabalhar

falando em saúde, e não em morte. O espaço de um minuto na mídia

não educará essa população. E o que a nossa população precisa é de

educação e de conhecimento, até para reivindicar coisas a que ela tem

direito. A criação de grupos são muito importantes, pequenos grupos

em vários lugares, de conscientização das pacientes.

Resumindo, eu acredito que as bases da prevenção são um

processo da educação continuada da comunidade e um programa

assistencial direcionado à prevenção das doenças da mulher. Ou seja,

não adianta, somente, postos de saúde fazendo o exame papanicolau

nessas mulheres. É necessário um processo de educação continuada

nessa área, fazendo com que as mulheres, ao chegarem no posto de

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saúde, saibam o que precisam fazer. A mulher sabe que após os 40

anos precisa fazer uma mamografia anual, ela sabe que, para

diagnosticar o HPV, ela precisa fazer um papanicolau e uma

colposcopia. Cerca de 40% da população, somente com citopatológico,

perde a chance de ficar boa de uma doença que poderia trazer

conseqüências piores. Nós próprias somos os agentes de saúde.

Então, dentro desse processo de prevenção, somos um bando de

formigas e que juntas podemos fazer muito. Cada uma na sua área e

cada uma com a sua capacidade.

Há um crescimento de grupos de voluntariado. Algo pouco

acreditada no início, mas que tem como base a divulgação da

informação, a motivação. A divulgação mexe e incomoda. Por isso, a

divulgação da informação e o aconselhamento podem muito bem ser

tratados por um grupo de voluntários.

A comunidade, sensibilizada por essa informação, terá uma

participação mais ativa e conhecimento para se prevenir. Além da

paciente saber que precisa ir ao posto de saúde, tem outras medidas

importantes que precisam ser consideradas: o aspecto emocional,

como a auto-estima, a inserção social, a questão da distribuição de

tarefas dentro do ambiente familiar que a sobrecarrega. Tudo isso é

uma questão global que pertence a essa condição de gênero.

Por outro lado, em termos do academicismo e do

assistencialismo, temos os médicos que são amparados pelas

subespecialidades: como a mastologia, a ginecologia e as sociedades

acadêmicas. Isso vem ao conhecimento essencial, para que os

médicos repassem a informação, o diagnóstico preciso – e muitas

vezes o paciente sai sem diagnóstico – e um tratamento adequado. Os

paramédicos que são os enfermeiros, auxiliares de enfermagem e todo

o pessoal que trabalha na área médica, também, podem trabalhar na

informação e no diagnóstico.

Então, vejo que temos chances de mudar o perfil da saúde

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pública, desde que se consiga trabalhar em conjunto. Concluindo,

prevenir é dar-se a chance de cura, evitar mutilações e diminuir

sofrimentos, atuar preventivamente. Em termos de saúde pública,

significa transformar uma mentalidade puramente assistencialista,

passiva, em consciência de busca e participação da comunidade junto

aos órgãos públicos assistenciais. Todos nós sabemos que a saúde é

uma responsabilidade do Estado, mas certamente depende de todos

nós. Se nós não nos posicionarmos, essas coisas não andam, não

saem. Um lembrete para este seminário: a mulher contemporânea

evoluiu muito em ganhos sociais, mas às custas da perda da qualidade

de vida. Um estresse violento, negativo, referente à saúde emocional e

física. Precisamos cuidar do nosso eu.”

SÍLVIA REGINA CÓCCARO DE SOUZA DELEGADA EM PORTO ALEGRE

“Como me coube abordar a violência, darei mais um enfoque da

Delegacia da Mulher de Porto Alegre, onde atuo há três anos. Violência,

de forma genérica, é um constrangimento físico, moral, com uso da

força e coação. A violência doméstica, que é o que abordo, porque

trabalhamos especificamente com casos de companheiros que batem

em companheiras, maridos que batem em suas esposas, entre outros,

tendo como índice maior as brigas de casais. A violência doméstica,

então, é um modelo de comportamento agressivo de repressão e

coação, incluindo ataques físicos, sexuais, psicológicos e coação

econômica. Os ataques psicológicos são aqueles ataques emocionais

em que se consubstanciam, basicamente, nas ameaças.

Quais são as causas da violência doméstica, no meu ponto de

vista? É um comportamento aprendido pelo acusado, pelo autor,

modelos familiares, modelos sociais, modelos culturais e um

comportamento recompensado. O que torna tão difícil deixar uma

relação em que ocorre a violência doméstica? Quantos de nós, muitas

vezes, perguntamo-nos "por que essa mulher não larga esse homem",

se ela é tão vítima dele e cada vez se deteriora na sua auto-estima? Às

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vezes, para nós, que estamos de fora, é muito fácil julgar tudo isso, mas

se pensarmos que essas mulheres dependem desses homens para se

sustentar, para poder dar uma condição de vida melhor para os filhos e

até porque elas, emocionalmente, não conseguem deixar essa relação.

E o que leva um homem a bater em uma mulher? Muitas vezes,

dizem, por sem-vergonhice. Concordo com isso. Porém, é preciso

entender que, por vezes, o homem bate na mulher, porque tem

problema de alcoolismo ou com o uso de drogas. O número que a

Delegacia possui, de homens violentos, está embasado em homens

que bebem ou que se drogam. Qual o problema a ser tratado? O

problema social. Eles têm que procurar um tratamento.

Acredito que o ciclo da violência seria mais curto se

pudéssemos tratar também o homem. Não adianta só a mulher se

tratar, tomar a decisão de ir a uma delegacia e fazer o registro da

ocorrência para dar um basta nisso. Ela tem que saber que o homem

também vai se tratar. Porque ela vai lá, faz o registro e, muitas vezes,

ela retorna, pedindo que a ocorrência seja cancelada, pois resolveu dar

mais uma chance ao marido violento, que só age assim quando bebe.

Então, não podemos julgar.

Só que, na verdade, ele volta a beber e ela volta a apanhar. É um

ciclo. Quais os tipos de violência mais comuns dentro da sociedade?

Para ilustrar o que estou dizendo, trouxe dados de 2002, 2003 e 2004.

O que desponta dentro das estatísticas de Porto Alegre, onde está a

Delegacia da Mulher, sem dúvida, é a lesão corporal leve.

Estamos com penas bagateladas, como se fosse um balcão de

negociações para pancadaria. Estamos trocando tapas por cestas

básicas e, algumas vezes, por prestação de serviços à comunidade.

Então, a mulher se sente menosprezada, relegada a segundo plano.

Quando ela volta à Delegacia, diz: "Delegada, eu simplesmente vim

aqui, registrei a ocorrência e nada aconteceu". Isso, porque ela vai

chegar ao Fórum e será proposto uma conciliação. Se ela não aceitar a

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conciliação, o homem denunciado vai persegui-la. Não se consegue a

prisão preventiva para homens denunciados por praticar atos violentos

contra mulheres, porque a pena é de pequena monta. É um crime de

menor potencial ofensivo.

Até assédio sexual, cuja penalização foi uma conquista dos

movimentos feministas, é considerado um crime de menor potencial

ofensivo. O que faz a mulher assediada? Não denuncia, porque vai

perder o emprego se denunciar um patrão tarado. Assim, ela vai sofrer

em silêncio. E isso vai redundar no quê? Na baixa auto-estima e em

problemas orgânicos, porque essa mulher vai sofrer, a todo momento,

um estresse negativo, como definiu a Dra. Sandra, porque ela não tem

mais reação. Não consegue mais se defender.

Em termos de lesões corporais, poderia dizer que nós temos,

até agora, somados os meses de janeiro e fevereiro de 2004, 481

casos. Em 2003, somamos 2.595 casos, no ano inteiro. Em 2002, 2.139

casos. Notem que houve um aumento de quase 400 registros. As

ameaças vêm em seguida. O que são? Quando se coloca a mulher em

situação de perigo iminente, dizendo que: se ela não fizer determinada

coisa sofrerá conseqüências. Dentro dessas ameaças, muitas vezes

estão a privação de liberdade e privação de direito econômico. Por

exemplo: ela tem de ser alimentada, no momento em que não se

sustenta e ele diz: "Eu vou te matar de fome", ou "Vou matar teus filhos

de fome". Então, o que acontece? Ela não vai à Delegacia, porque

pensa: "Ele tem esse direito, porque me sustenta". E não é assim. A

mulher tem o direito a postular essa assistência, inclusive

judicialmente.

As ameaças despontam em segundo lugar. Em 2002, foram

registrados 1.952 casos, passando para 2.080 casos em 2003. Agora,

nos dois primeiros meses de 2004, já há registro de 352 casos. Não vou

citar o levantamento de todos os tipos de violência praticados contra a

mulher, porque seria cansativo, mas não posso deixar de apontar os

números sobre estupros. Em 2002 tivemos 84 casos; pulamos para 94

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em 2003 e, em 2004, em dois meses já temos registro de 23 casos de

estupro.

Esses números significam que a violência

aumentou, ou que a mulher conscientizou-se? Acredito que a mulher tenha

se conscientizado, inclusive porque a mídia pode ajudar-nos. Na novela

Mulheres Apaixonadas , por exemplo, abordou-se como a mulher pode se

defender e como pode fazer valer seu direito como cidadã.

Iniciativas como a que a Deputada Floriza dos

Santos está tomando, ao realizar um seminário como este, também, nos

fazem indagar: por que a lei não pode ser repensada ? Por que temos de

ter leis como essa dos Juizados Especiais Criminais, colocando os crimes

contra as mulheres, na maioria, de menor potencial ofensivo? Por que não

podemos fazer projetos ou campanhas para que se entenda que, para

uma mulher, uma lesão corporal leve significa muito, inclusive perder a sua

própria dignidade ?

Muitas vezes, a mulher não vai à delegacia registrar

que levou um tapa no rosto ou um puxão de cabelos, porque não sabe que

isto é crime e que não pode ficar calada. A violência se processa em um

somatório de atos. Primeiro, a mulher é ameaçada; depois, ela sofre um

puxão de cabelos, passando para um empurrão, para uma lesão leve e,

daí, para uma situação em que será espancada até a morte. Quando for

espancada até a morte, haverá inquérito policial. Nesse caso podemos

chamar o acusado à Delegacia, fazer depoimentos de testemunhas e todo

um bojo probatório, que será entregue ao Ministério Público para que este

faça a ação penal.

Temos que esperar que a situação fique tão grave?

Temos que esperar que a mulher seja estuprada? Isso, como exemplos de

crimes de mais de dois anos. Até dois anos, o crime é de menor potencial

ofensivo. As vítimas vão encontrar com esse acusado frente à frente e vão

transacionar para que haja um consenso no sentido de que possam voltar

a conviver. Se não acharem esse consenso, ele vai pagar pelo que fez.

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Mas, no inquérito policial, não. Ele vai ser levado pelo Ministério Público

a uma ação penal, e aí talvez respeitará mais a lei. Gostaria que as

mulheres, cada vez mais, procurassem as delegacias especializadas e

que houvesse uma mudança na legislação, para que se considerasse o

estado psicológico da mulher como agravante, mostrando que ela está

sofrendo, e não só o dano físico.

Em certas situações, o dano psicológico é pior do que o físico,

porque a mulher não quer nem falar, fica completamente embotada.

Além disso, há os danos que, tal situação, causa às crianças, aos filhos

dessas mulheres. Muitos homens consideram-se donos das mulheres,

consideram-se donos das filhas, mantendo relações sexuais com

essas últimas a partir dos 4 anos de idade. Há vários registros desse

tipo de ocorrência na Delegacia da Mulher.

No momento em que a mulher souber que existem iniciativas

como esta e que há delegacias em todos os lugares, procurará apoio

cada vez mais e tornar-se-á mais dona de si; terá sua auto-estima

aumentada e fará valer os seus direitos.”

IRENE GALEAZZIFUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA SIEGFRIED

EMANUEL HEUSER

“Quero enfatizar o que já foi dito por outras mulheres que se

pronunciaram: a importância desse fórum que, sob o título de Mulher

Contemporânea, traz novamente uma reflexão sobre os diferentes

aspectos da inserção das mulheres na sociedade. Como já foi muito

bem argumentado pela Sra. Lícia Peres, um dos fenômenos mais

importantes do século XX é essa mudança no papel desempenhado

pelas mulheres na sociedade e a sua presença concreta nos diferentes

espaços públicos, sendo que um deles é o mercado de trabalho.

Vivenciamos, de fato, uma das mudanças mais importantes

desse último século: a intensa presença de mulheres no mercado de

trabalho, que não é uma mudança apenas numérica, mas de padrão

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também. Em épocas anteriores, como nos primórdios da nossa

industrialização, observamos a presença de mulheres trabalhando na

indústria têxtil, por exemplo, quando sua presença foi fundamental.

Por isso, não é uma novidade das últimas décadas a existência

de mulheres trabalhadoras, o que é novo é a intensidade com que as

mulheres estão hoje nessa atividade produtiva e o padrão dessa

inserção. Ao que tudo indica, a partir principalmente da década de 70,

na segunda metade do século, esse crescimento se deu de forma

intensa e com características de permanência, ou seja, é um padrão

que percebemos e que não se altera mais. A presença das mulheres,

por toda uma questão que acompanhou o processo das lutas feministas

e pela mudança cultural importante que vivenciamos no pós-guerra,

tem a característica de ser definitiva. Em momentos diferentes da

história, sabemos que as mulheres entravam no mercado de trabalho,

quando os homens estavam sendo deslocados para guerras ou outros

eventos muito específicos de necessidade de uma mão-de-obra

adicional.

O que precisamos refletir, no entanto, é que essa realidade

importante para as mulheres, na realidade, é a conquista de um espaço

de trabalho que veio junto, ou deve vir junto, com questões como a sua

própria independência e a sua condição de cidadã, dando o direito para

definir e controlar o seu próprio destino. Ainda, traz marcas muito sérias

e muito importantes da posição, digamos, subalterna que

historicamente tem sido destinada às mulheres.

Estamos há quase 20 anos do término da década da mulher,

onde tivemos uma intensa discussão, um intenso debate, um avanço

muito grande de conquistas. Percebemos, ainda hoje, no mercado de

trabalho uma série de indicadores que mostram que as mulheres –

ainda que tenhamos que reconhecer uma série de conquistas –, na sua

maior parte, ainda enfrentam uma série de dificuldades para serem

reconhecidas como indivíduos trabalhadores, capazes e que têm

condições, de fato, de exercerem atividades com qualidade. Isso,

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ainda, necessita ser reconhecido por meio de uma igualdade no acesso

ao trabalho e no recebimento da remuneração.

Observamos que as mulheres ainda mantêm uma maior

disposição ao desemprego. As taxas de desemprego das mulheres,

historicamente e estruturalmente, são mais elevadas que as dos

homens e quando as mulheres conseguem um trabalho, este, de uma

forma geral, ainda está muito vinculado a atividades consideradas de

menor status. Elas têm muito menos acesso, ou existe muito menos

oportunidades de conquistas de postos a serem galgados na hierarquia

interna dos diferentes setores, e a remuneração é, significativamente,

inferior a dos homens.

Trago alguns dados que estamos acompanhando do mercado

de trabalho, através de uma pesquisa chamada Pesquisa de Emprego

e Desemprego, realizada na Região Metropolitana de Porto Alegre por

um convênio existente entre a Fundação de Economia e Estatística, a

Fundação Gaúcha do Trabalho e Ação Social, que é responsável por

políticas públicas na área do emprego aqui no Estado, e pelo

Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-

Econômicos – DIEESE.

Essa pesquisa vem sendo realizada desde 1992, portanto,

abarcamos todas as condições de inserção no trabalho dos indivíduos

da Região. Há seis anos, estamos construindo esses indicadores. Pelo

menos uma vez por ano, com o recorte de gênero, porque pesquisamos

sobre esta forma, privilegiamos esse recorte e a idéia sempre foi

colocar à disposição do movimento de mulheres e da sociedade em

geral esses dados, para que tenhamos instrumentos que ajudem a

refletir e discutir proposições que tendam a minimizar os problemas.

Queremos chegar ao momento em que essas desigualdades não

existam mais.

Temos percebido, nesses anos de acompanhamento do

mercado de trabalho, que ele espelha as mesmas desigualdades que

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acompanham as mulheres em todos os segmentos de inserção social.

O mercado de trabalho reproduz as discriminações que estão

presentes na sociedade, sejam elas de gênero, cor, etnia, idade e

outros fatores que intervêm nessa possibilidade e nesse acesso ao

trabalho.

No nosso caso, uma outra questão que considero interessante

de refletir é que, apesar de todos esses avanços, as mulheres – em

menor medida, não é o seu conjunto – estão conseguindo conquistar

posições extremamente destacadas, têm chegado a cargos

importantes. Apesar de ser um espaço de poucas mulheres.

Pensando um pouco na proposta de reflexão desse fórum,

preferi falar em mulheres contemporâneas, porque acredito que temos

patamares muito diferenciados também dentro do segmento das

mulheres, provocados pelas diferentes discriminações presentes na

nossa sociedade. Não podemos esquecer que existem discriminações,

também, de classe social e de cor, muito fortes e presentes. Se

analisarmos a posição das mulheres no mercado de trabalho e

agregarmos a questão de raça e etnia à essa análise, veremos que as

mulheres negras, por exemplo, são as que sofrem as maiores

restrições no mercado de trabalho e as que estão mais expostas ao

desemprego, estando seus indicadores em posição, disparadamente,

mais desfavorável, se comparados aos do homem branco. Essas

gradações no contingente feminino, que está no mercado de trabalho,

provocam diferenças muito importantes. Embora, algumas mulheres

tenham de fato conquistado independência econômica e posição

social, sendo reconhecidas pela comunidade, a maior parte ainda não

se encontra nessa condição.

Tivemos, também, algum avanço nos diferenciais de

rendimento durante esta última década. Na nossa região, quando

iniciamos a pesquisa, em 1993, as mulheres recebiam em média 65,3%

do salário recebido pelos homens. Era um diferencial importante.

Passados 10 anos, observamos que houve uma melhora: em 2003, as

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mulheres percebiam 72,3% do que percebiam os homens.

Todavia, há outro aspecto que vimos constatando, não só por

meio das nossas pesquisas, mas que ficou demonstrado também em

outros estudos: as conjunturas econômicas desfavoráveis, que geram

impactos importantes no mercado de trabalho, ampliando as taxas de

desemprego, reduzindo salários e rendimentos, atingem muito mais

intensamente as mulheres do que os homens. Então, mesmo com

esses avanços, a taxa de desemprego das mulheres praticamente

duplicou nesse período. Até 1997, tivemos na nossa região um padrão

de crescimento do desemprego não tão intenso, mas que chegou a

patamares assustadores em 1998 e 1999, quando quase um quinto da

força de trabalho estava desempregada. Nesse movimento de

crescimento do desemprego, a taxa de mulheres desempregadas foi a

que mais cresceu, a ponto de mudar o padrão de distribuição dos

desempregados.

Como ainda somos minoria no mercado de trabalho – os

homens estão presentes em maior quantidade –, somos minoria

também entre os ocupados e éramos minoria entre os desempregados.

A partir de 1998, esse padrão mudou e as mulheres passaram a

constituir a maior parcela entre a população desempregada. Em 2003,

54% dos desempregados eram mulheres, e a taxa das mulheres

chegou a 20,4%, isto é, a cada cinco mulheres uma estava

desempregada. E desemprego – dentro do conceito das pesquisas,

significa ausência de trabalho com presença concreta de procura de

trabalho. Não estamos falando de mulheres inativas, mulheres donas

de casa; estamos falando de mulheres que estão, de fato, buscando um

trabalho ou ocupadas no mercado de trabalho. Então, daquelas

mulheres que estão no mercado de trabalho, 20,4% estão

desempregadas. Isso significa um crescimento na taxa de desemprego

das mulheres, em uma década, de 98,2%, quer dizer, praticamente

dobrou a taxa de desemprego das mulheres na década.

Numa etapa posterior, principalmente, no ano de 2003, quando

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tivemos uma importante queda nos rendimentos dos homens e

mulheres, as mulheres perderam menos renda. Significa que esse

movimento de diminuição do diferencial de rendimentos entre homens

e mulheres não foi muito virtuoso, se deu muito mais por uma maior

queda dos rendimentos dos homens do que por um avanço nos salários

e rendimentos obtidos pelas mulheres. Com isso, não estamos

querendo tirar o lado positivo de todo esse processo, mas trazendo um

pouco à reflexão, já que este tema passou alguns anos sem ser tão

questionada ou sem ter grandes reflexões, como outros aspectos que

atingem as mulheres como a violência e a saúde. Recorrentemente, a

mídia vem colocando o avanço importante das mulheres, fazendo, às

vezes, grandes matérias sobre mulheres que conseguem postos de

trabalho importantes, hierarquias importantes na área pública, gerando

uma idéia errônea para o conjunto da população, a ponto de muitos

homens dizerem que as mulheres estão tomando os seus lugares, que

as mulheres são maioria e que vão os mandar para casa.

Aparentemente, estes fatos têm levado a que haja um certo

descaso às questões ligadas ao mundo do trabalho. Os dados têm nos

mostrado que os problemas relativos à inserção das mulheres no

mundo do trabalho continuam existindo, persistem ao longo dos

tempos, por mais que haja crescimento constante de mulheres na força

de trabalho. Outro tema importante de mencionar é que nessa década,

principalmente, tivemos um crescimento muito grande do número de

famílias chefiadas por mulheres. As questões que estou apresentando

não são temas específicos da realidade local. Estão sendo observadas

no País todo e em outros países da América Latina também.

Começamos a década de 90, em torno de 23% das famílias da nossa

Região Metropolitana, com chefia feminina. Em 2003, cerca de 28,3%

são chefiados por mulheres. É um crescimento que se verifica em

quase todas as Regiões Metropolitanas. Essa maioria de mulheres no

desemprego é um fenômeno que também se observou, no mesmo

período, nas outras Regiões onde temos pesquisas semelhantes.

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A diferença em relação a nossa Região é que esse crescimento

das mulheres no desemprego foi muito mais intenso e num processo e

período muito mais rápido do que em outras Regiões. O crescimento de

mulheres chefiando domicílios também foi muito intenso. O IBGE, além

da nossa pesquisa, também fez, no Censo de 2002, um levantamento

relacionado – um estudo específico – sobre chefia feminina de família.

Neste trabalho se observa que o Rio Grande do Sul e a cidade de Porto

Alegre são campeões em alguns aspectos. Um deles na presença de

famílias unipessoais, mulheres que vivem sozinhas, Porto Alegre é

disparado campeão em relação a outras Capitais. Também há um

número elevado de famílias chefiadas por mulheres em Porto Alegre.

Ora, se consideramos que as mulheres continuam percebendo

rendimentos menores no trabalho e estão mais propensas a ficarem

desempregadas, podemos concluir, com muita simplicidade, que há

um aumento importante da pobreza entre essas famílias crescentes de

mulheres chefes de domicílio. As famílias chefiadas por mulheres são

de mulheres sozinhas, enquanto as famílias chefiadas por homens

são, em boa, parte de casais, o que já traz um pouco a questão do

estresse e da auto-estima. Essas mulheres têm de dar conta das

atividades domésticas, da educação dos filhos e dos cuidados dentro

de casa completamente sozinhas ou, no máximo, contando com o

auxílio dos filhos.

Nas famílias chefiadas por homens há a presença da mulher

também para compor a renda familiar, porque hoje as mulheres que

não são chefes de domicílio, são cônjuges, aumentaram intensamente

a sua presença no mercado de trabalho. Nas famílias chefiadas por

mulheres mais de 80% da renda é decorrente exclusivamente do

trabalho da mulher. Esses são aspectos sobre os quais temos de

refletir, pois podem estar significando violência contra as mulheres,

sobrecarga de trabalho diante de um mercado que lhes oferece uma

posição subalterna. Esses diferenciais de renda são observados em

qualquer uma das relações que façamos.

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Não está aí presente a questão da jornada menor das

mulheres, porque fazemos um cálculo de rendimento por hora de

trabalho. Então, independe do tamanho da jornada das mulheres. Se

compararmos mulheres e homens com nível superior, postos de

trabalho qualificado de homens e mulheres, homens e mulheres com

cargo de chefia e, no mundo empresarial, os rendimentos de

empresários ou empregadores com os de empregadoras, teremos

sempre, com diferentes tamanhos, os mesmos diferenciais de

rendimento, sem contar as dificuldades de acesso a cargos de chefia.

Isso mostra que a sociedade ainda tem uma visão do trabalho

da mulher como menos qualificado, menos importante e de menor

status, enfim, uma mão-de-obra que não merece o mesmo tratamento

dado à mão-de-obra masculina. Penso que isso é também constitutivo

de um fator de estresse e de uma forma de violência cotidiana que as

mulheres sofrem no mercado de trabalho.

Haveria, ainda, uma série de outras questões, mas penso que

conseguimos mapear com essas informações um pouco do que seria a

necessidade de discutirmos, de nos posicionarmos com relação a isso

e de pressionarmos a política pública nessa área de trabalho, de

estabelecermos mecanismos, que permitam minimizar essas questões

na busca de uma igualdade de oportunidades e de reconhecimento do

trabalho tanto de homens quanto de mulheres.”

CHRISTIANNE PILLA CAMINHAREPRESENTANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL

“Sou integrante do Ministério Público Estadual, Promotora de

Justiça que atua na área da Defesa dos Direitos Humanos, uma

Promotoria nova que estamos praticamente criando. Ela estava

vinculada à Promotoria Cível, mas agora o nosso trabalho ficou bem

distribuído em dois Núcleos: o da Saúde e o da Cidadania e Ordem

Urbanística.

O Núcleo da Saúde atende às questões relacionadas ao SUS e

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o Núcleo da Cidadania está direcionado a todas as outras questões,

inclusive as que estamos debatendo aqui, ou seja, as discriminações,

as desigualdades de tratamento por racismo, gênero ou idade.

Trabalhamos na defesa dos idosos, dos deficientes, enfim.

O Ministério Público se encaixa nesta proposta de debate como

um instrumento legal para tentar minimizar essas desigualdades e

diferenças dentro da nossa sociedade. Atuamos em equipe na

Promotoria, para atender aos direitos coletivos e difusos de toda a

sociedade.

É muito interessante, para mim, estar aqui presente – convite

que muito agradeço –, porque todos os aspectos aqui refletidos servem

como uma luva para a nossa atuação, já que sabemos das dificuldades

não só das mulheres, mas de toda a sociedade no atendimento

prestado pelo SUS.

A questão da mulher permeia tudo isso, já que a mulher é que,

no final das contas, é a mais sacrificada. Justamente no nosso setor de

trabalho, muitos homens comparecem, mas são as mulheres que mais

nos levam suas reivindicações, incluindo os direitos dos seus maridos,

dos seus filhos e da comunidade. Acredito que cada vez mais devemos

nos reunir e tentar trabalhar em conjunto, somar esforços e

conhecimentos para tentar diminuir essas diferenças e desigualdades.”

1.5 AUDIÊNCIA PÚBLICA – TRÁFICO DE MULHERES -

13/05/2004

TRÁFICO INTERNACIONAL DE MULHERES É TEMA

CENTRAL DE AUDIÊNCIA PÚBLICA

O evento promovido pela Subcomissão Mista de Assuntos de

Gênero da Assembléia Legislativa do RS, coordenada pela Deputada

Floriza Santos (PDT), abordou o Tráfico de Mulheres. Estimativas da

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Polícia Federal apontam que cerca de 70 mil mulheres brasileiras estão

em situação de escravidão em boates e casas de prostituição nos

países da União Européia. A audiência pública, contou, com a presença

do criminalista, escritor e professor universitário, Dr. Damásio de Jesus;

a representante do Ministério Público Estadual, Dra. Christianne Pilla

Caminha; o representante da Polícia Federal, Delegado Jorge

Fernando de Oliveira Vieira; a representante da Delegacia da Mulher de

Porto Alegre, neste ato representando a Secretaria Estadual de Justiça

e Segurança, Delegada Silvia Regina Cóccaro; e a representante da

THEMIS – Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero, Dra. Rúbia Abs da

Cruz.

A audiência, contou, ainda com a presença das Deputadas

Jussara Cony (PC do B), Maria Helena Sartori (PMDB), DE

REPRESENTANTES DA Secretária Estadual de Justiça e Segurança,

Ministério Público e de entidades que atuam em defesa dos direitos das

mulheres.

DAMÁSIO DE JESUSCRIMINALISTA – SÃO PAULO

“Grande honra tive em receber o convite para participar deste

evento de extraordinária importância, pois trata de um assunto que há

10 anos não era cogitado no Brasil, embora a violência contra a mulher

exista há milhões de anos. Igualmente, não se falava em tráfico

internacional de mulheres e nem de crianças.

Trouxe um trabalho para distribuir aos Senhores, síntese de um

livro que escrevi sobre esse assunto e sobre o tráfico internacional de

crianças, pois muitas delas são mulheres. Por isso é difícil tratar do

tráfico internacional de mulheres sem tratar do tráfico internacional de

crianças, pois muitas delas têm, infelizmente, entre 13 e 14 anos de

idade. Participei de eventos sobre esse assunto, em Viena, e o outro em

Portugal, que tratou do mesmo tema para os países africanos de

Língua Portuguesa.

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Em setembro, estive na Colômbia, onde todos os eventos

foram realizados pela ONU e tratavam desse tema. Verifica-se que

existe um grande interesse atual por parte das Nações Unidas no

sentido de que os Estados membros despertem para a prevenção

desse delito que, infelizmente, não tem grande importância para toda

comunidade. São crimes que acontecem todos os dias e tem-se a

impressão, ou a certeza, de que ninguém está prestando atenção a

isso. Neste instante, no mundo inteiro, devem existir membros,

funcionários, empregados do crime organizado internacional muito

bem treinados para levar nossas mulheres e crianças para o exterior. A

impressão que temos é de que isso não está acontecendo. Agora

estamos vendo nos aeroportos brasileiros cartazes despertando as

mulheres para o perigo desse crime.

Um dos motivos pelos quais nunca demos grande importância

ao assunto é que, às vezes, a própria vítima se dispõe a ir ao exterior na

esperança de melhorar de vida e acaba se tornando uma escrava

branca. A primeira coisa que os criminosos internacionais fazem

quando a vítima chega ao exterior, é tirar-lhe o passaporte, e assim ela

se torna uma prisioneira legal, pois não tem documento, não é ninguém

no mundo. Imediatamente, eles cobram a passagem, no valor de 5 a 6

mil euros e ela tem de pagar essa dívida com o seu próprio corpo. É

muito comum que a vítima, induzida a ir a Portugal, vê-se transportada

e vendida para outros países. Isso acontece normalmente nos países

de terceiro mundo, países que não apresentam às famílias

possibilidade de emprego, saúde, trabalho e razoáveis condições

pessoais.

Em Paris, há três anos, numa reunião da Associação

Internacional de Direito Penal, o grupo brasileiro que estava presente,

resolveu me indicar como relator no próximo congresso internacional

dessa instituição, que deveria ter sido realizado em março do ano

passado (2002) em Pequim. Ele não ocorreu devido às doenças que

apareceram naquele País. Indicado pela AIDP – Associação

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Internacional de Direito Penal, pelo grupo brasileiro, contratei um grupo

da USP para realizar uma pesquisa de campo. Durante seis meses eles

visitaram vítimas que haviam retornado ao Brasil, seus pais e

autoridades. Com esse material, escrevi um livro cujo nome é Tráfico

Internacional de Mulheres e Crianças. Esse livro foi levado no ano

passado, em maio, para Viena, onde distribuí aos Estados membros,

porque as Nações Unidas, no encontro sobre esse assunto em Viena,

estava muito interessado em saber o que estava acontecendo aqui no

Mercosul.

Em face a esse trabalho, tenho feito algumas palestras no Brasil

e no exterior. Confesso que esse livro foi elaborado com grande

dificuldade por falta de colaboração das autoridades brasileiras. Em

alguns casos, embora a autoridade tivesse boa vontade no sentido de

me fornecer informações não as tinham para prestar. Mandamos ofício

para todos Estados e até hoje tenho recebido respostas. Depois que

publiquei o livro ainda estão mandando respostas e normalmente

dizendo que não têm dados a respeito do assunto. Com a pesquisa,

concluí que o Brasil não está preparado para enfrentar, de maneira

geral, um assunto e um crime de tal importância. O livro apresenta um

retrato muito triste: o Brasil é um dos países que mais exporta mulheres

para o exterior e consta que temos na União Européia hoje 70 mil

mulheres brasileiras trabalhando no sexo. Não estou falando de uma,

nem de meia dúzia, nem de cem, nem de mil. Infelizmente, estou

falando de estimativas levantadas no Brasil pela Polícia Federal e por

algumas autoridades que forneceram elementos: existem 70 mil

mulheres servindo de escravas na União Européia. Estamos

exportando mulheres para outros países, como México, Estados

Unidos, Canadá.

Há 10 anos o tráfico internacional de mulheres era o terceiro

colocado no lucro das organizações criminosas internacionais. Hoje o

tráfico de mulheres está em segundo lugar. Tráfico de drogas, tráfico de

mulheres e tráfico de armas. É inacreditável, o tráfico de mulheres

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superou o tráfico de armas. Esses dados nos foram fornecidos na

Espanha em novembro do ano passado -2003 - pelas Nações Unidas.

É um dado estarrecedor. Por que o tráfico de mulheres está crescendo

tanto? É porque os criminosos não têm que empenhar muito dinheiro,

para traficar drogas e armas é preciso comprá-las. O tráfico

internacional de mulheres não exige investimento, porque é possível

que o contrabandista internacional venda a vítima por 10 ou 15 mil

dólares para a Ucrânia ou outros países e gaste apenas na compra de

uma passagem de classe econômica daqui para Portugal. Então,

despende pouco dinheiro numa passagem até Portugal e lá vende a

vítima por altíssimo dinheiro, dependendo das condições pessoais da

vítima. Preferem mulheres de pouca idade, por causa das doenças,

como é caso da AIDS.

Quais são as causas do tráfico internacional de mulheres aqui

no Brasil? São normalmente as mesmas de outros países com pouca

diferença. Observem, é um fato notório, que não temos condições de

fornecer às famílias brasileiras trabalho, educação, saúde. Há

professoras no Norte, Nordeste ganhando 1 dólar por dia. Quando

vimos essa pesquisa, na verdade, estavam ganhando 30 dólares por

mês, um real por dia. São mulheres que têm família. Qual o futuro dessa

família? Os rapazes normalmente desaparecem e vem para o Sul. E as

meninas? Normalmente são vendidas, cedidas para quem quiser. E as

professoras, que também não têm grande cultura, ganhem 30 reais por

mês, que condições têm de manter uma família? A família é levada a

dar a criança, dar a menina. Para ela é um favor da vida que aquela

criança desapareça da sua família.

Então, o caminho mais fácil é a prostituição. A prostituição no

Brasil pode levar à prostituição no exterior, porque os sedutores estão

em todos os lugares e são muito bem organizados. Nós somos

extraordinariamente desorganizados, ao invés de nos reunirmos

normalmente vivemos separados, com ciúmes dos outros.

Militei no Ministério Público por 26 anos e continuo tendo

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amizades e aproximação profissional com a Polícia Militar, Polícia

Federal, Polícia Civil, juízes, membros do Ministério Público. Vê-se,

ainda, em alguns lugares, que o promotor briga com o juiz por causa de

telefone, mesa, carro oficial. A briga entre a Polícia Civil e a Polícia

Militar existe em quase todos os lugares por ciúme, questão de

vencimentos. O delegado da polícia comum, e tem muita razão, quer

ganhar igual ao promotor, isso leva a uma desavença entre seus

membros. É muito fácil verificar na imprensa que infelizmente há até

homicídios entre a Polícia Civil e a Polícia Militar pela atribuição, pela

competência para tratar de um caso que leve a um inquérito policial.

Durante 26 anos de Ministério Público, quantas desavenças presenciei

entre promotores, juízes, policiais. Não precisa ser muito sábio e nem

ler muito para verificar que realmente acontece.

Não somos organizados, temos um sistema criminal que não

funciona, inclusive por brigas, por ciumeira entre seus membros. O

sistema criminal funciona? Não funciona, não é eficiente, não é

responsável, não é atuante. O sistema criminal engloba autoridades e

instituições. Estou falando em juízes, promotores, delegados, policiais.

Estou falando na fase do inquérito policial, do processo judicial e da

execução da pena. Pergunto, isso no Brasil funciona? Absolutamente

não funciona. Na fase policial, temos policiais suficientes? Temos nas

Comarcas viaturas suficientes? Não temos. A Polícia Civil e a Polícia

Militar têm aviões, têm helicópteros? Somente em alguns casos. Os

contrabandistas têm tudo. Na fase do processo, funciona o sistema

criminal brasileiro? Não funciona. Outro dia vi na televisão, que num

Estado brasileiro, o cidadão que iria ouvir a vítima entrou no

apartamento dela com uma máquina de escrever antiga. Isso é um

retrato da Justiça brasileira. E a fase de execução de pena? Funciona?

Não. Os presos fogem mais do que os acusados vão para a cadeia.

Todos os dias há levantes, há fugas em todo Brasil. É um sistema que

não funciona. Uma das causas do tráfico internacional de mulheres é

que, além de sermos desorganizados, somos tolhidos pela lei, não

podemos fazer isso, não podemos fazer aquilo, porque vivemos num

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País democrático e há uma lei a ser obedecida. E eles

(contrabandistas)? Pouco importa se o País é democrático ou não, não

têm nenhum limite legal. As autoridades brasileiras têm muitos limites.

E eles não têm limites nem de dinheiro, nem de lei e são muito bem

organizados.

Há dois anos em Paris, numa reunião das Nações Unidas, o

Ministro da Indústria e do Comércio da França nos dizia o seguinte: "da

mesma maneira organizados aqui, estamos organizando em Paris um

evento como este, para traçar o que vamos fazer em relação à

criminalidade internacional. O crime organizado está também em

algum lugar neste momento reunido para fazer alguma coisa contra

nós". O crime organizado internacional não tem problemas de dinheiro.

Contratam os melhores especialistas em cada matéria para lhes

orientar. Levam alguém que é especialista em rotas marítimas, rotas

áreas, advogados, professores de direito penal, contratados para que

o plano deles não tenha nenhum perigo no ar, na terra, no mar ou nos

caminhos jurídicos, e nós somos impedidos pela péssima organização

que dispomos.

O problema que estamos tratando aqui é o do tráfico

internacional de mulheres. Quais são as suas causas? Em primeiro

lugar a ausência de direitos em relação a emprego, saúde, educação,

salário digno para que uma mulher possa manter uma família.

Discriminação de gênero, as mulheres infelizmente ainda são tratadas

como ser humano inferior, é inacreditável que em quase todas as

atividades humanas, especialmente no Brasil, salvo exceções, as

mulheres levam uma grande desvantagem. Vejam o problema da

violência doméstica, o que acontece todos os dias é algo inacreditável,

como se a mulher fosse alguém que pudesse ser espezinhado todos os

dias, um ser humano de extraordinária inferioridade mental e física.

Isso ainda acontece e faz com que uma das fugas seja a internacional,

a mulher foge, precisa sair daquele ambiente e se aparece alguém que

diga: "a Senhora pode ser uma doméstica em Portugal ganhando

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2.000 euros por mês", ela se decide na hora. Quando chegar lá, verá

que não foi para uma família decente, mas para trabalhar em outros

ramos e o valor oferecido não é aquele.

Também tem relação com o tráfico internacional de mulheres os

crimes automobilísticos e a violência urbana. O que tem a violência

urbana e o crime automobilístico e os acidentes de trabalho a ver com

este assunto? O Brasil é o campeão mundial de acidentes de trabalho e

normalmente 80% ou 90% dos acidentes de trabalho são de homens

chefes de família que morrem e deixam a família ao desamparo. O que

pode acontecer? Algumas filhas podem desembocar para o tráfico

internacional. Por quê? Porque são muito organizados, embora alguém

não acredite, têm membros da organização internacional em busca de

famílias que perderam os seus chefes. Existe isso! E saber disto me faz

um mal muito grande. Não é possível que a humanidade seja tão má.

Não é possível que exista no Brasil uma organização que fica de olho

nos acidentes de trabalho e alguém vai convencer a mulher, com vários

filhos, de que uma das filhas vá trabalhar em outro lugar.

A falta de cultura e o analfabetismo leva a um desconhecimento

da realidade da vida. Tornam as pessoas mais vulneráveis à

criminalidade organizada internacional. Quais são as causas? Já vimos

algumas: a legislação criminal, os desastres naturais, as dificuldades

de oportunidade de renda, a pobreza, a violência contra a mulher.

Quanto a discriminação de gênero? Noventa e nove por cento das

pessoas traficadas são do sexo feminino. Como já disse, os traficantes

preferem as meninas devido as epidemias de Aids, que assola as

mulheres.

Qual a razão de tudo isto? A probabilidade de um jovem

brasileiro morrer aos 20 anos, é três vezes e meio maior do que uma

mulher. Isto varia de Estado para Estado. No sul do Brasil de mil

crianças nascidas vivas, 18 crianças morrem antes dos cinco anos de

idade. No nordeste, de cada uma mil crianças nascidas vivas, 124

crianças morrem antes de atingir cinco anos de idade e de renda. Os

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dados são de 1999, não há estatísticas recentes confiáveis. Haviam no

Brasil 15 milhões de brasileiros ganhando um dólar por dia. Trinta e sete

milhões de brasileiros ganhavam 60 reais por mês. O rendimento médio

mensal em 2001 era de 769 reais. O salário mínimo mensal, hoje, ainda

não chegou a 260 reais. Isto atinge milhões e milhões de brasileiros. Há

170 milhões de habitantes no Brasil. Ainda há 17 milhões de pessoas

com idade acima de 15 anos completamente analfabetas. Quanto ao

mercado de trabalho. Em 1998, havíamos 7 milhões de

desempregados. Quanto a mortes de acidente de trabalho, de 1999 a

2001, morreram no Brasil cerca de 3 mil trabalhadores em acidentes de

trabalho e setenta por cento destes trabalhadores eram chefes de

família.

Foi extinto a escravidão em 1888. Antes recebíamos escravos

negros. Hoje, estamos exportando mulheres. Essas mulheres são

muito bem recebidas, especialmente nos países da Europa. A

Fundação Helsink para Direitos Humanos informou-me – já disse isto

antes – há 70 mil mulheres brasileiras, trabalhando somente na União

Européia. Os Estados que mais exportam as mulheres são: Goiás, Rio

de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo.

O campo de trabalho que atuo é o direito penal. Uma das causas

de o tráfico estar crescendo no Brasil, no dia-a-dia, está na legislação

também. Mas, tenho dito o seguinte: não adianta mudar a legislação

penal, não muda nada, se não tivermos uma Lei Penal que seja

aplicada e executada com responsabilidade.

Vejam o seguinte: já tentamos alterar a parte especial do Código

Penal, o qual são descritos os crimes oito vezes. Oito frustrações.

Somente, eu participei de duas comissões para a reforma da parte

especial do Código Penal. Como os ministros do Brasil não são

estáveis, o Ministro novo engaveta o projeto antigo. Isto já aconteceu

umas oito vezes. O atual Ministro, que é o nosso amigo Márcio Martins

Bastos, prefere uma reforma pontual. Isto quer dizer por partes, altera

um artigo ali e outro artigo lá. E não a parte especial do Código Penal

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como um todo. A Comissão do Ministério da Justiça não verifica se a

alteração de um artigo possa produzir efeitos em leque em outros

artigos. Isto não é feito. Qual é o crime mais grave? É aquele funcionário

que exige o dinheiro para fazer ou não alguma coisa? Ou aquele

funcionário que simplesmente pede o dinheiro? É aquele funcionário

que exige o dinheiro.

Sabemos que as mulheres brasileiras são muito bem vistas na

Europa e em outros Países. São mulheres lindas e maravilhosas as

brasileiras. Essas mulheres valem de cinco mileuros a 10 mil euros

facilmente. Então, as belíssimas vai para 15 mil euros. O problema é

quando a mulher chega aos destinos como: Portugal e Espanha, em

pouco tempo esta mulher desaparece e não se sabe aonde ela está.

Elas vão para a Ucrânia, para Rússia e para outros lugares.

Quais são os problemas que a autoridade enfrenta? São muitos

os problemas. Um deles é o da comparação entre a legislação brasileira

e a estrangeira. Exemplo: explorar sexualmente a mulher no Brasil é

crime, mas na Espanha, não. Então, se uma mulher vai para a Espanha

está sendo explorada lá. Qualquer pedido de autoridade brasileira não

é bem visto, é irrelevante. Porque a autoridade espanhola dirá "mas isto

aqui não é crime, é absolutamente lícito". Não irão diligenciar, não

investigarão nada.

A globalização trouxe grandes problemas. Ao mesmo tempo,

que a mobilidade do pensamento é muito grande, a dificuldade é

causada pelos próprios instrumentos: também é muito grande. Notem

que o Ministro de Estado da Economia das Finanças e da Indústria da

França, Nicolas Sarkozy nos dizia: "um dinheiro sujo proveniente do

tráfico internacional de mulheres é capaz de dar 24 voltas ao redor do

mundo em 24 horas". Mas, se uma autoridade da França pede por

rogatória uma diligência em outro país, isto leva dois anos. Somente

30% das rogatórias são atendidas.

Então, se há um dinheiro proveniente do tráfico internacional de

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mulheres – que é segundo no mundo em lucros hoje – esse dinheiro

sujo pode dar voltas pelo mundo com a apertada de um botão no

computador. Depois aonde encontraremos isto? Temos que nos valer,

no estágio atual da organização mundial, é das rogatórias. As

rogatórias são cumpridas, se um país pede uma diligência para o outro.

Setenta por cento das rogatórias que chegam ao Brasil, não são

cumpridas. Setenta por cento das rogatórias do Brasil para o exterior

não são cumpridas também. E quando são cumpridas estas rogatórias,

levam dois anos.

Então, o criminoso aperta um botão no computador e transfere

para um paraíso fiscal qualquer, ninguém descobrirá o dinheiro. Se nós

formos atrás, será feito por rogatória dentro da legalidade, 70% não são

atendidas e das atendidas serão, em dois anos.

Como vamos prevenir alguma coisa? Como trabalharemos

diante desta enorme dificuldade? Enfrentamos também problemas em

relação à família da vítima. Normalmente, a família da vítima está

satisfeitíssima. Diz: "Não, a minha filha é dançarina em Paris. Nossa,

cresceu muito!" Mas, vá ver o que está acontecendo com a filha dela lá.

A verdade é que vai ser uma escrava.

E se, por alguma razão, a filha consegue mandar um dinheirinho

para a família, aí não tem jeito. A família protege a filha, diz que está

tudo bem. Outro problema está em relação à própria vítima. Muitas das

vítimas vão com o próprio consentimento. Se são apanhadas no

Aeroporto de Cumbica, vão dizer: "Vocês estão atrapalhando a minha

vida. Vou ser doméstica em Portugal, vou ganhar mil dólares – ou mil

euros – por mês. Não quero que vocês se metam na minha vida!"

Então, as mulheres não estão preparadas ainda.

A prevenção ainda não faz parte da nossa cultura. É preciso avisar as

crianças desde cedo sobre o perigo que é estar em um aeroporto. Não

há esse aviso. Somente agora tenho visto, nos aeroportos brasileiros,

uma campanha da Polícia Federal muito bem feita em relação a isso.

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Mas só agora, quando o problema já vem de muito tempo.

Outro problema que as autoridades encontram é em relação ao

conceito que se faz de vítima de tráfico internacional de mulheres e de

crianças. Em relação às mulheres, elas não são vistas como vítimas.

São vistas como culpadas pelas autoridades brasileiras, pela Polícia

Federal. Muitos não estão preparados para isso. Esclareço que, no ano

passado, a Organização das Nações Unidas e o Ministério da Justiça

fizeram um curso conosco, em São Paulo, sobre tráfico internacional

de mulheres. É preciso esclarecer os agentes federais a respeito do

problema, porque quando a vítima procura auxílio, a autoridade diz o

seguinte: "Você quis isso. Você quis ir para a Espanha, quis melhorar

de vida. Agora que isso aconteceu, você vem aborrecer a gente."

Então, elas são vítimas na realidade, mas são vistas, por parte da

autoridade, como contribuidoras, co-autoras do fato.

A falta de autoridades nesse campo é outro problema. Em

Goiânia, Goiás, há pouco tempo, vimos que o delegado que tomava

conta do problema do tráfico internacional de mulheres era o mesmo

que expedia passaportes. O trabalho normal dele era expedir

passaportes e, parte do tempo, ele destinava a investigar a questão do

tráfico de mulheres no Aeroporto de Goiânia. É terrível.

Existem conexões que nós nem sabíamos que existiam. A

conexão de Ubal é relacionada com o Brasil. Alguém já pensou nisso?

Existe uma conexão de Ubal para tirar mulheres do Brasil e levar para

fora. A conexão Barcelona, a conexão Israel, a conexão Londres. Na

Suíça – é inacreditável que existam esses fatos – há uma campanha ou

existia, talvez não haja mais, que se chama Uma Mulher Brasileira

como Souvenier. As agências de turismo locais ofereciam: Vá ao Brasil

e traga uma mulher de lembrança. A mulher pode ficar na Suíça por

seis meses legalmente. Então, o cidadão vinha, ficava um mês ou dois,

15 dias, uma semana, e levava uma mulher brasileira para ficar lá, com

ele, durante seis meses, servindo-o sexualmente. Tinha agência de

turismo incentivando isso. Depois de seis meses, até logo, volte para o

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Brasil. Normalmente, as mulheres ficam na Europa. É uma pena que

isso ainda aconteça.

Poderíamos falar ainda sobre formas de recrutamento. Há uma

maneira de levar mulher do Brasil por via do casamento. Vem um

estrangeiro para cá, casa-se e leva a mulher embora. Tempos depois,

ele diz: "Você não me serve mais, vá para outro lugar, não quero mais

você." Poderíamos falar, também, que a vítima não colabora por medo

de represália. Há fatos fantásticos contados pela Polícia Federal de

Portugal a respeito de mulheres que sofrem sevícias na Europa. Há

tantos outros assuntos que eu poderia tratar, mas eu gostaria de, para

finalizar, falar sobre o art. n.º 231 do Código Penal, que define o crime.

Ele causa muitos problemas.

Diz o texto: Com uma pena de reclusão de três a oito anos, que

pode ser agravada por algumas circunstâncias: promover ou facilitar a

entrada no território nacional de mulher que nele venha a exercer a

prostituição, ou a saída de mulher que vá exercê-la no exterior.

Normalmente, é promover a saída de mulher que vai exercer a

prostituição no exterior.

Um dos problemas que a autoridade enfrenta é o verbo

promover. O que quer dizer promover? Então é promover ou facilitar a

saída de mulher do território nacional. Esse promover é muito amplo. É

de tal amplitude que causa dúvidas nas autoridades. Aquele que está

alterando, falsificando o passaporte de uma mulher para levá-la ao

exterior, com a finalidade sexual, está promovendo a prostituição? O

delegado fica em dúvida: prendo pelo crime de falsificação de

documentos ou por estar promovendo a prostituição?

A lei deveria ser mais restrita, permitindo a adequação típica

perfeita, permitindo que o delegado, de pronto, saiba se o fato é

caracterizado como crime enquadrado nesse artigo ou de outro artigo

do Código Penal. E notem: a lei fala em promover a saída de mulher. O

momento consumativo do crime é a saída. Antes, é tentativa. A mulher

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que está no aeroporto e é descoberta pela Polícia Federal, como quem

vai para o exterior exercer a prostituição já há crime consumado? Se é

com a saída, o crime ocorre quando ela sai do território nacional.

Quando o avião deixa os limites brasileiros só aí é consumado o crime.

Mas aí a mulher já está indo para o exterior. Se a autoridade prende

antes do embarque, é tentativa. Segura a mulher, mas por tentativa do

crime. E aqueles que estavam esperando por ela no exterior, como

ficam?

Não punimos o comprador da mulher. Normalmente acontece

assim: a mulher vai para Portugal, vai para a Espanha, e alguém já a

está esperando. É o comprador. Como é que vamos provar que o

comprador, antes, estava promovendo o crime de prostituição? Vejam

bem: se ele recebe a mulher no exterior, não está promovendo, porque

ela já saiu do país. Se há uma combinação anterior, centenas de vezes

já esperou por mulheres no aeroporto, então, ele faz parte do crime

tipificado aqui. Mas, como vamos provar isso se, por exemplo, na

Espanha explorar prostituição não é crime? Ele recebe a mulher na

capital da Espanha e a vende para outros países. Então, o momento

consumativo – só ocorre o crime consumado, quando a mulher sair do

país – causa enorme problema à autoridade federal.

Existem outros problemas relacionados. O Código Penal fala

em promover a saída para exercer a prostituição, mas o crime de tráfico

internacional de mulheres não existe; só quando ela sai do país para

esse fim. Há também a doméstica, que vai ser uma escrava sem fins

sexuais em outra nação. Outra questão que se discute é a respeito do

sujeito passivo, se é a mulher ou a sociedade. Se a vítima tem idade

entre 12 e 18 anos, já não é mais crime previsto no Art. n.º 231 do

Código Penal, a situação vai para o Estatuto da Criança e do

Adolescente. Então, há uma confusão muito grande. Já escrevi um

trabalho sobre as confusões da legislação penal brasileira em relação

ao crime de tráfico internacional de mulheres. E o ECA, Estatuto da

Criança e do Adolescente, no art. nº 244 A – diz: Submeter criança ou

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adolescente à prostituição ou à exploração sexual. A pena é de

reclusão, de quatro a dez anos. A pena prevista no Art. n.º 231do

Código Penal é de três a oito anos. A confusão é enorme.”

JORGE FERNANDO DE OLIVEIRAPOLÍCIA FEDERAL

“A questão do tráfico de mulheres é de fato um problema sério e

complexo, determinado pela desigualdade estrutural da nossa

sociedade, em que a pobreza e a violência acabam por impulsionar

nossos jovens para as ruas e para a prostituição.

Estou certo, que é consenso entre nós, que a solução para

problema tão grave passa, muito mais, pela atuação de propostas

políticas, sociais e educacionais do que propriamente pela atuação

policial. A presença da polícia, nesse delito, só se justifica ante a

falência das demais instâncias. Todavia, o fato é esse, o crime está aí,

os criminosos se organizam em redes internacionais de tráfico de

mulheres e precisamos combatê-los.

As atribuições da Polícia Federal na investigação desse delito,

que corresponde ao Artigo 231 do Código Penal, decorrem da

repercussão internacional do crime, bem como da existência de

tratado internacional, referendado pelo Brasil, a respeito do assunto. É

importante que se diga aqui que, de fato, para nós, policiais, esse é um

delito bastante difícil de se investigar, justamente pela falta de

visibilidade. O tráfico internacional de mulheres é normalmente

acobertado por atividades lícitas, como empregos de dançarinas,

modelos, garçonetes, enfim. As próprias mulheres, quando recrutadas,

sonham com uma vida melhor, com a possibilidade de residir, de

trabalhar no exterior, de ter seus salários em dólares, de poder ajudar

suas famílias, enfim, de romper com essa barreira da miséria e

angariar um novo status social. Já os aliciadores, por sua vez,

percebemos que se escudam naquilo que chamamos de redes de

favorecimento. Redes, essas, que são caracterizadas em boates,

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casas de massagens, agências de modelo, agências de emprego,

onde, via de regra, tem um funcionário, um gerente, ou mesmo o

proprietário do estabelecimento, aliciando, intermediando a recrutação

de mulheres para o exterior.

Esses delinqüentes se utilizam, muitas vezes, daquelas

mulheres que já estão exercendo a prostituição lá fora. Elas é que

aliciam, outras que permanecem no Brasil, suas conhecidas, suas

amigas. Então, o certo é que esses contatos são sempre estabelecidos

por pessoas muito próximas, muitas vezes até familiares das vítimas.

Por tudo isso, o combate desse delito fica difícil e complicado para nós,

policiais. Esse crime depende de denúncias que, via de regra, não

acontecem. Apesar dessas dificuldades todas, a Polícia Federal tem

procurado trabalhar com seriedade, com determinação, para minimizar

o problema. Existem muitos inquéritos instaurados recentemente em

todo o País, em que diversos delinqüentes foram já denunciados pelo

Ministério Público e até mesmo condenados pelo Poder Judiciário.

No nosso Estado, estão identificadas algumas rotas

internacionais de tráfico de mulheres e catalogadas na Polícia Federal.

Essas rotas passam por municípios como Porto Alegre, Uruguaiana,

Passo Fundo e algo em Rio Grande. O destino dessas mulheres

aliciadas em nosso Estado é Espanha, Portugal, na Europa; Hong

Kong, na Ásia; Argentina, Paraguai e Chile na América do Sul. Em

Uruguaiana, que é um município gaúcho onde temos o maior número

de casos, nos últimos anos já trabalhamos em diversos inquéritos

policiais, alguns já relatados e encaminhados ao Poder Judiciário.

Atualmente, temos um em andamento, em que se apura o recrutamento

de uma jovem argentina que foi trazida para o Brasil com a finalidade de

prostituição. Nesse caso, logramos identificar a autoria, que neste caso

se trata de uma conterrânea da moça, que possivelmente contou com a

colaboração de um taxista brasileiro. Esse inquérito está em fase

conclusiva e brevemente estaremos encaminhando-o para o Poder

Judiciário.

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Um aspecto interessante: quando o destino dessas mulheres é a

Europa, os Estados Unidos, evidentemente a via aérea é a utilizada.

Nesses casos, os traficantes preferem promover a saída das mulheres

através de aeroportos como Foz do Iguaçu e Curitiba, sendo raros os

casos, aqui no sul, registrados pelo aeroporto Salgado Filho. E a

explicação que temos para isso é a posição geográfica de Foz do

Iguaçu, onde temos a denominada tríplice fronteira; um contingente

muito grande de estrangeiros circulam naquela região e isso facilita aos

criminosos a dissimulação das suas atividades.

Curitiba apareceria, nesse contexto, como uma segunda

alternativa, como aeroporto mais próximo de Foz do Iguaçu. Já em

Porto Alegre, no nosso aeroporto Salgado Filho, o trabalho da Polícia

Federal tem sido rigoroso, os policiais estão orientados e preparados

para identificarem manobras de pessoas ou de grupos que pretendam

aliciar mulheres, ou que estejam tentando levar mulheres para o

exterior. Evidentemente que isso inibe a ação dos criminosos.

Um outro ponto que anotamos para conversar nesse encontro,

já muito bem externado pelo Dr. Damásio, é a questão do tráfico

interno. As atividades são muito intensas nessa área, e bem maiores,

certamente, do que o tráfico internacional. Este tipo de delito, em muitas

circunstâncias, depende de um combate uniforme e da presença da

Polícia Federal. Ocorre que o Art. 231, do Código Penal penaliza tão-

somente o tráfego internacional de mulheres. Não há um tipo penal,

prevendo o tráfego interno, o interestadual. A alternativa para essas

circunstâncias é o enquadramento em algum dos artigos e algumas das

modalidades de lenocínio, bem como em algum outro delito, que no

curso das investigações, possam ser identificados. O Dr. Damásio tem

razão, talvez não se consiga fazer tudo o que se deseja, mas há uma

preocupação muito grande da Polícia Federal acerca deste tema, tanto

é assim que o novo policial na Academia Nacional de Polícia recebe

aulas em disciplinas como Direitos Humanos, Cidadania e Ética, em

que, além do conhecimento teórico, são repassadas técnicas de

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investigação, de identificação, para que se possa colocar em prática,

depois na atividade, com vista justamente a identificar eventuais

manobras de organizações criminosas e de aliciadores. A nossa área

de inteligência trabalha integrada com o pessoal internacional. Isso tem

nos dado excelentes resultados. Temos algumas investigações em

andamento, aqui no nosso Estado, neste campo e espero que,

brevemente, possamos estar divulgando, mais uma vez, a eficiência do

trabalho desenvolvido na Polícia Federal.

Existe uma preocupação constante do órgão, também, no que

diz respeito ao pessoal, que é lotado nas Regiões de Fronteiras, no

Aeroporto Salgado Filho e no setor de expedição de passaportes. Esse

pessoal é preparado e treinado para identificar esses grupos, essa

organizações, que se articulam para levar mulheres para o exterior com

a finalidade de exploração sexual. O problema referido pelo Dr.

Damásio com relação à caracterização do delito, de fato, isso acontece.

Tivemos alguns casos aqui, em Porto Alegre, em que deixamos que os

aliciadores embarcassem no avião, alçassem vôo e a abordagem foi

feita no Estado de São Paulo. O delegado não teve dúvidas em produzir

o auto de prisão em flagrante. Essas pessoas estavam num vôo

internacional, que tão-somente fez uma escala em São Paulo. O novo

passaporte brasileiro também, brevemente, estará circulando com um

alerta sobre atividades de quadrilhas no exterior, envolvidas com

tráfego internacional de mulheres. Também, neste documento será

encartado um folheto, produzido pela ONG–Serviço à Mulher

Marginalizada e pela Associação Brasileira de Defesa da Mulher da

Infância e da Juventude com dicas aos turistas para se prevenirem com

relação a esse problema tão sério.

Dados estatísticos importantes para dimensionarem o problema

e colocar a atuação da Polícia Federal: instauramos, nestes dois

últimos anos, 170 inquéritos no Brasil para apurar o delito do Art. 231, do

Código Penal. A grande maioria já foi encaminhada ao Poder Judiciário,

devidamente relatado e com autorias identificadas e outros em

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andamento, como é o caso do nosso Estado. Nesse mesmo período, os

últimos dois anos, que foi a minha referência, tivemos cerca de 12

inquéritos elaborados. Para finalizar essa breve manifestação, quero

dizer que pode ser feito muito mais. A Polícia Federal está preparada

para combater essa verdadeira chaga social. É indispensável que haja

a integração da sociedade, que as pessoas denunciem, apontem,

indiquem para a Polícia possíveis aliciadores. Como isso pode ser

feito? Através de telefonema, e-mail, correspondência, da forma que

chegar a notícia, vamos investigar. Se isso de fato acontecer,

poderemos dar uma resposta muito mais rápida e desbaratar essas

organizações criminosas que lucram verdadeiras fortunas com o

tráfego internacional de seres humanos.”

SÍLVIA REGINA CÓCCARO DE SOUZADELEGADA - REPRESENTANDO A SECRETARIA ESTADUAL

DE JUSTIÇA E SEGURANÇA

“Como policial civil e da Delegacia da Mulher, já tivemos casos

registrados nesse âmbito. Encaminhamos diretamente para a Polícia

Federal, que é o Órgão competente para esses assuntos.

Representando a Chefia da Polícia Civil, também temos de nos

ombrear a essa excelente iniciativa da Deputada Floriza, que está

sempre com os olhos voltados às questões de gênero. Com relação a

este trabalho, a Delegacia da Mulher também se coloca à disposição

para todas as questões que se fizerem necessárias. Também se

solidariza com essa iniciativa de falar a respeito de um tema tão

polêmico como é o tráfico de mulheres.

Sabemos o que acontece aqui no Brasil: as delegacias tomam

conhecimento e posteriormente a prova se esvai, porque não temos

condições de desbaratar o final dessa cadeia, dessa corrente. A

informação, com que a Polícia trabalha, é de extremo valor. Sempre

que se sabe de um tipo de delito dessa natureza, deve-se procurar os

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órgãos policiais imediatamente. Acredito que, dessa maneira,

conseguiremos minimizar isso. Seria hipocrisia falar de exclusão total

desses delitos, porque enquanto existirem pessoas oferecendo

vantagens fáceis para melhorar de vida, as pessoas sempre irão cair

nesses contos. Acredito nas campanhas de conscientização da mídia,

de órgãos públicos para que não se acredite em vantagens fáceis.”

CLÊNIA MARANHÃOVEREADORA - PORTO ALEGRE

“O tráfico dos seres humanos é a forma de escravidão do século

XXI e mais de 93% dos seres humanos traficados são mulheres.

Portanto, o foco central do debate é em relação às mulheres que são,

numericamente, as grandes vítimas desse processo.

Aproveito a presença dos Delegados da Polícia federal e dizer

que cheguei faz três dias da França, onde participei de um evento em

que essa temática estava incluída e que vi pela primeira vez, num

aeroporto brasileiro, um cartaz referente ao tráfico de seres humanos.

Eu sempre ficava horrorizada, porque nos aeroportos

brasileiros só havia propaganda de esclarecimento na questão de

animais selvagens, que também devemos ser contra, mas eu me

impressionava muito que não havia cartaz em relação ao tráfico de

seres humanos. Fiquei muito orgulhosa ao chegar de volta ao Brasil e

ver, pela primeira vez, cartazes em relação a esse assunto. Do ponto de

vista da visibilidade ainda é pequeno, mas já um sintoma de

incorporação dessa temática. Penso que temos que começar a

registrar isso para incentivar e nos fazer sempre otimistas.

Em relação à questão das repercussões posteriores, que não

são registradas, tive a oportunidade de fazer um debate com uma

americana, que incorporou um outro ponto com referência às mulheres

vítimas do tráfico, quando estão em outros países, o tráfico externo.

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Além de tudo que sofrem, como foi colocado aqui, elas muitas vezes

são colocadas na condição de imigrantes ilegais. Elas são presas

posteriormente, por uma questão de falta de documentação. Quando

começamos a analisar essa questão, há um desdobramento de

desrespeito aos direitos humanos das mulheres, que se efetivam de

forma brutal.

Num evento que promovemos na Câmara Municipal de Porto

Alegre, trouxemos, talvez, a mais famosa traficada, hoje, no mundo,

porque conseguiu dar um salto dessa sua condição para uma militante

feminista da área dos direitos humanos, que é a Honey Hungh, uma

indiana que foi vítima do tráfico aos oito anos de idade. Lembro que as

duas representantes do Ministério Público estavam presentes nesse

evento. A Honey Hungh dizia que a opção pelo tráfico de crianças é

exatamente pela maior dificuldade de reação da criança no sentido de

se articular para fazer a denúncia.

No Brasil, todos os dados de pesquisas feitas,

fundamentalmente, na fronteira norte com Belém, no Pará, mostram

inclusive que tem diminuído a faixa etária das mulheres traficadas. Elas

cada vez são mais jovens. Talvez haja um diagnóstico dos traficantes

de que essa característica lhes favorece. Apenas a título de

contribuição, gostaria de deixar como sugestão, para que saiamos

daqui com uma expectativa de alguns encaminhamentos, que

pensássemos, nesse momento de mundialização da economia e da

comunicação, que as saídas para uma questão tão grave não podem

estar apenas na área penal, como disse o delegado – com o que

concordo absolutamente –, tem que sair dessa instância. Quando

temos que tratar disso nessa instância, penso que é um sintoma da

falência do Estado, dos valores fundamentais da sociedade e, também

que, nessa época da mundialização, não podemos tratar uma questão

internacional de tráfico com soluções meramente nacionais. Creio que

hoje temos que tentar incluir esse tema inclusive nos debates da ALCA,

do comércio internacional.

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A Deputada Welma Velory, do Estado de Seattle, que hoje é

uma das grandes articuladoras internacionais das redes contra o

tráfico, tem feito um esforço no sentido da elaboração dos textos dos

acordos internacionais do comércio. Nessa direção, creio que nós, que

estamos lutando para articulação dos órgãos do Estado brasileiro,

porque há uma fragmentação muito grande, temos que apontar como

um encaminhamento que essa temática não seja apenas vinculada ao

Ministério da Justiça e à Polícia Federal, mas que o Ministério das

Relações Exteriores esteja vinculado também à busca de uma solução.

Tenho acompanhado, no Estado de São Paulo, o esforço feito

pela Secretaria dos Direitos dos Cidadãos no sentido de a unidade

federada passar também a discutir a sua responsabilidade diante

dessa questão. Hoje, a nossa discussão tem de ser no sentido de

assumir responsabilidades. Sugiro, inclusive, o debate com relação à

responsabilidade do poder local. No município é que as mulheres são

aliciadas, onde inclusive vivenciam uma realidade que lhes impõe essa

condição. A solução tem que ser de uma enorme articulação, quer seja

das instituições públicas, do poder local, do Parlamento, do Executivo

ou das forças organizadas da sociedade.

Creio que o Governo Estadual tem também de ser chamado

para essa responsabilidade pública e, em nível federal, acredito que

todos os órgãos, desde o Ministério de Relações Exteriores, passando

pelo Ministério da Indústria e Comércio, que firma os acordos

comerciais brasileiros, e, evidentemente, o Poder Legislativo, Senado

e Congresso, o Poder Judiciário e o Ministério Público têm de permear

essa concepção.”

DAMÁSIO DE JESUSCRIMINALISTA – SÃO PAULO

“Um dos problemas que enfrentamos no Brasil é a

multiplicidade de polícias. Temos a Polícia Civil, a Militar, a Federal e

outras, como a metropolitana em algumas cidades. Todas elas, como é

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natural, são muito cônscias de suas responsabilidades e atribuições.

No meu Estado, um problema que vejo entre a Polícia Civil, a Militar e a

Federal é a questão da atribuição desta última para cuidar dos

problemas do tráfico internacional de mulheres. Salvo exceções,

quando um fato de tráfico internacional de mulheres chega ao

conhecimento de um delegado da Polícia Civil, como não é de

atribuição dele aquela tarefa, ele normalmente não dá importância ao

fato, de modo que permite, pela sua omissão, que, eventualmente, um

tráfico internacional de mulheres ocorra, quando ele poderia muito bem

tomar providências, levando a ocorrência ao conhecimento da Polícia

Federal do local ou a mais próxima.

No ano passado, fizemos, no Complexo Jurídico da Madre de

Jesus, um evento internacional, promovido pelas Nações Unidas, pelo

Ministério da Justiça e pelo Complexo, tratando exatamente desse

crime. Compareceram 50 autoridades, entre juízes federais, delegados

federais e procuradores da República. Um dos temas tratados foi

exatamente o intercâmbio entre as várias polícias, no sentido de que o

Governo Federal, pelo Ministério da Justiça, fizesse uma campanha

junto a outras polícias estaduais, a civil e a militar, para que tivessem

também essa tarefa. Quando um crime, uma ocorrência ou uma

circunstância chegue ao conhecimento de qualquer autoridade civil ou

militar, que faça a comunicação à Polícia que tem a atribuição, que é a

federal.

Gostaria também de tratar do problema da estatística. Uma das

perguntas que às vezes se faz é por que existem mais crimes em

determinados estados e menos crimes em certos estados? A pesquisa

que estamos fazendo para uma segunda edição do nosso livro nos está

levando à seguinte conclusão: também depende da cultura do povo, da

alfabetização do local. Infelizmente, chegamos à conclusão de que os

estados do Norte e do Nordeste têm um nível de cultura menor. Então,

há um maior número de crimes. A medida que vamos descendo o

Brasil, percebemos que, quando chegamos ao Rio Grande do Sul, o

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número de crimes é menor por vários motivos, mas também por essa

razão. Então, a questão da cultura também influi. Se fizermos uma

escala de cultura de todos os estados brasileiros, perceberemos que

alguns deles estão lá embaixo na estatística. O estado que está num

dos primeiros lugares em relação à cultura do povo é o que tem mais

crimes dessa natureza, e os estados que têm menor número de crimes

são aqueles em que o povo é mais aculturado.

Outra questão diz respeito aos países intermediários.

Normalmente, eles não tomam conhecimento do exemplo, bem como

os países de maior riqueza. Os Estados Unidos, por exemplo,

absolutamente não se preocupam com o tráfico. De maneira mais

específica, com o tráfico internacional de mulheres que vêm das

proximidades, do México e do Brasil. Não há grande preocupação.

Também os países da Europa, que são intermediários, não têm grande

preocupação quando ficam sabendo que a mulher vai exercer a

prostituição não em Portugal, que está sendo um país intermediário,

mas que o destino dela é outros países.

Qual a atitude dos países intermediários? É a seguinte: se a

mulher não vai exercer a prostituição ali, eles não terão grandes

problemas. Então, não se preocupam. Normalmente, deixam passar.

Depende de uma combinação de todos os países, no sentido de que a

prevenção e a repressão sejam globais e não individuais, de maneira

que o interesse de um país não dependa de que a mulher efetivamente

vá exercer a prostituição lá.

A preferência se dá por mulheres brancas, entre 18 e 25 anos,

porque eles têm medo de levar crianças de 13, 14 anos, por motivos

óbvios. Realmente, uma das causas do tráfico internacional de

mulheres está na fuga da vítima que deseja fugir da pobreza, da

violência doméstica, especialmente da violência do marido. Chegamos

à conclusão de que, infelizmente, a violência doméstica no Brasil

contribui para o tráfico internacional de mulheres. Quanto aos

documentos, o exemplo que dei do delegado que surpreende a

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falsificação de um passaporte, há que se determinar se o crime é de

falsidade ou de tráfico internacional de mulheres. Os casos são raros,

porque normalmente as mulheres aceitam ir trabalhar para ganharem

uma vida melhor. A falsificação se faz na questão da idade. Se é uma

menina de 14 anos, eles falsificam o passaporte para que ela tenha 19,

20 anos, dependendo da sua compleição física. ”

1.6 AUDIÊNCIA PÚBLICA – MORTALIDADE MATERNA -

31/05/2004

MORTALIDADE MATERNA EM DISCUSSÃO

Na última reunião promovida pela Subcomissão Mista de

Assuntos de Gênero, em 31 de maio, mortalidade materna foi tema das

discussões. Coordenadora do Comitê Municipal de Estudos e

Prevenção das Mortes Maternas de Porto Alegre – um dos mais

atuantes no Brasil, a médica Luciane Rampanelli Franco disse que,

para combater esse grave problema, é preciso conhecê-lo. Segundo

Luciane, a mortalidade é um indicador social, ou seja, se a procura ou

oferta de pré-natal e exames complementares for precária, maior será a

incidência de mortes na maternidade.

Já o médico da Seção da Saúde da Mulher da Secretaria

Estadual de Saúde no Rio Grande do Sul, Flávio Vieira, diz que

atualmente morrem cerca de 2,5 mil mulheres por ano, no Brasil,

durante a gravidez. Vieira revelou que, em algumas regiões do Estado,

a média de mortes é maior, e isso está relacionado ao índice de

desenvolvimento sócio-econômico de cada cidade. “54 municípios

detêm 70% dos casos de óbitos”, comentou. O médico disse, ainda,

que a Portaria 32/2002 torna obrigatório a investigação desses casos.

Participaram da reunião Marcelo Branco (viúvo de uma vítima

de negligência médica na gravidez), Rúbia Abs da Cruz (da Themis

Assessoria e Estudos de Gênero) e Márcia Camarano (do Núcleo

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Estadual do Ministério da Saúde).

MARCELO BRANCODEPOIMENTO DE EX-COMPANHEIRO DE VÂNIA ARAÚJO

MACHADO – VÍTIMA DE NEGLIGÊNCIA MÉDICA DURANTE A

GESTAÇÃO

“Não sei se a maioria das pessoas presentes sabe o que

aconteceu com a minha ex-companheira Vânia e meu filho Cauê. Os

dois faleceram em conseqüência de uma série de erros médicos e de

atendimento ocorridos no Hospital Mãe de Deus. Vou relatar

brevemente.

A gravidez de Vânia foi tranqüila, acompanhada por médico

particular, sem nenhum problema, até o dia – certo – em que ela entrou

para fazer o parto no Hospital Mãe de Deus. Já na baixa hospitalar,

observou-se procedimentos médicos não normais. O médico

dispensou a equipe do hospital que faria os exames iniciais. Isso não foi

feito.

Há provas do que aconteceu durante o parto, está gravado em

fita. Todo o parto foi filmado. Às 10 horas da manhã, ela tinha dilatação

completa, portanto já estava em condições de ter o filho normalmente.

Mesmo após o registro de vários indicadores de bradicardia do bebê,

vistos na fita de vídeo, não houve o respeito a esses indicadores pelo

médico-obstetra, mesmo com a presença do pediatra na sala. Com

isso, prolongou-se o sofrimento por asfixia do bebê por mais de quatro

horas. Não foram segundos, minutos, foram quatro horas de sofrimento

da Vânia e do bebê, que estava em processo de asfixia, com provas

concretas, constatado por instrumentos apropriados para esse tipo de

situação médica. Nenhuma providência foi tomada, nem pelo hospital,

nem pelo médico-obstetra, nem pelo pediatra presentes na sala.

Quando, tardiamente, foi recomendada a cesariana, não havia

anestesista nem no hospital, nem na equipe do obstetra. Um hospital

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do porte do Mãe de Deus leva uma mãe para uma sala de parto e, na

hora em que se necessita de anestesista, esse profissional não se

encontra nas dependências da instituição.

Em função da ausência do anestesista, houve mais um retardo

no início da cesariana, que também ocorreu com erros médicos,

comprovados por sindicância e pelo Conselho Regional de Medicina. A

cirurgia foi malfeita, com restos da placenta inclusive que ficaram no

útero. A partir da segunda noite, ela entrou na UTI do Hospital Mãe de

Deus e o bebê na UTI Neonatal do mesmo hospital. Depois de

diagnosticada a Síndrome HELLP , começou a ser tratada. No final,

recuperando-se disso, pelo diagnóstico inicial do Hospital, teve

Síndrome Aguda por Respiração – o sistema respiratório foi atacado

por vírus. Passou por essa fase também, mas acabou falecendo, vítima

de infecção hospitalar contraída na UTI do referido estabelecimento.

Houve outras investigações médicas. A primeira delas, da

própria sindicância do Hospital Mãe de Deus, disse que aquele

diagnóstico inicial feito pelo Hospital – Síndrome HELLP – não era

verdade. A Vânia teve, de fato, uma embolia por líquido amniótico, de

acordo com a segunda análise médica.

Posteriormente, o Conselho Estadual de Medicina chegou a

outra conclusão, que não foi embolia nem Síndrome HELLP: parto

negligente mesmo. Na verdade, creio que será impossível descobrir as

verdadeiras razões da morte da Vânia em conseqüência de um parto

mal feito, de um atendimento mal feito no Hospital Mãe de Deus.

Há três diagnósticos médicos. Cada um que

analisou o fato possui uma versão diferente para as razões que levaram

às complicações. Se o tratamento foi adequado ou não, é difícil de

saber, em função de todo o segredo que os médicos guardam, de toda a

ética de solidariedade que existe entre eles de não revelar onde

houveram as falhas. É muito difícil obter do médico a ética em relação

ao paciente maior do que a ética em relação a seus colegas. Ao que

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parece, na profissão da medicina, ainda existe uma ética muito forte

entre colegas de nunca revelar o erro do outro, de nunca falar algo, de

nunca apontar que houve erro e onde isso ocorreu. Mesmo com caso

tão grave e escancarado como esse, dificilmente encontram-se

médicos para depor.

Faço o seguinte questionamento: Que ética é essa? Que

conselho de ética? A ética deve existir entre o profissional e seus

colegas ou entre o profissional e seus pacientes, ou suas vítimas? Essa

é a primeira reflexão que temos a acionar. Rapidamente, explanarei

como anda a situação do processo da Vânia. No Conselho Regional de

Medicina, fomos assistidos pela Themis – Assessoria Jurídica e

Estudos de Gênero, na pessoa da Sra. Rúbia Abs da Cruz, que nos deu

apoio jurídico.

O Conselho Regional de Medicina, por unanimidade – 18 votos

favoráveis e nenhum voto contrário – considerou o médico culpado por

negligência, imprudência e imperícia. Não avaliaram o procedimento

do Hospital Mãe de Deus. Por esse crime de homicídio, o Conselho

Regional de Medicina aplicou uma espantosa pena de 30 dias – menos

que um período de férias em Santa Catarina. O médico cumprirá essa

pena gigantesca e, depois, seguirá exercendo a profissão livremente.

Em todos os depoimentos, ele considerou ter agido de forma correta,

pois crê que era assim mesmo que havia de ter atuado. Ele nunca

disse: “Eu posso ter errado”. Não, ele continua reafirmando que essa é

a forma correta de fazer parto e seguirá fazendo-o assim. O Conselho

Regional de Medicina disse-lhe para ficar 30 dias em casa e, depois,

voltar, podendo continuar utilizando aquele método, daquela forma.

Graças a uma iniciativa do Ministério Público, o profissional foi a

julgamento. A nossa advogada foi a Sra. Rúbia Abs da Cruz, da Themis

– Assessoria Jurídica e Assuntos de Gênero. Na primeira instância, ele

foi condenado por homicídio culposo de duas pessoas, a Vânia e o

Cauê, a dois anos e quatro meses, mais para prestar serviços

comunitários.

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Houve um recurso e essa sentença foi confirmada no Tribunal

de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que é um órgão leigo, mas

que entendeu que um médico que comete dois homicídios tem que ter

uma pena maior do que 30 dias. O Conselho Regional de Medicina

considera 30 dias suficientes.

Essa é a situação do processo da Vânia. Mesmo que seja muito

doloroso estar todo ano relembrando esse caso, venho aqui em

homenagem à trajetória da minha ex-companheira Vânia como

militante dos direitos humanos e dos direitos da mulher. É importante

relembrar os fatos, pois se trata de um caso emblemático, um parto que

não tinha porquê dar errado, a tragédia ocorreu, mesmo, em

conseqüência de falhas nos procedimentos médicos. Nossa intenção é

alertar para que isso não se repita, que se adotem medidas para evitar

que partos continuem acontecendo dessa forma, em um hospital

conceituado, como é o Mãe de Deus. Quase quatro anos depois do

ocorrido, ainda não há nenhum indício de responsabilização do

hospital, de toda a equipe, do pediatra, do obstetra, do anestesista.

Mesmo que exista a burocracia legal – quem é o responsável, quem

não é – todos sabemos que quem era médico e estava lá na hora é

responsável, todos sabemos que um hospital é responsável pelo que

acontece em suas dependências, independentemente do que está

escrito na lei, no Código Penal.

O que não pode acontecer é uma mulher entrar em um hospital

para ganhar um bebê, sem nenhum problema de saúde, e saírem de

lá mortos, ela e o bebê, e o hospital dizer que não tem nada a ver com

isso. O hospital disse que tinha os instrumentos, a parafernália técnica

disponível e ponto. Um hospital não é um hotel, não é um centro

tecnológico. Ele tem que dispor dos aparelhos, mas zelar para que eles

sejam aplicados corretamente, para salvar as vidas.

E não foi um único caso. Aconteceram vários erros durante os

25 dias em que a Vânia sobreviveu dentro do hospital. Até hoje, não há

nenhum documento emitido pela classe médica em relação às

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responsabilidades do hospital nesse caso. Do médico, parece que está

bastante claro. Ele está sendo condenado em dois processos judiciais,

com a descrição detalhada dos erros cometidos. Apenas queria dizer

que não concordo com a pena de 30 dias, prevista pelo Conselho

Regional de Medicina. Esse prazo é menor que férias em Santa

Catarina no verão. Não é essa a punição que se espera de um Conselho

Regional de Medicina como o do Estado do Rio Grande do Sul, diante

de fatos tão graves.”

LUCIANE RAMPANELLI FRANCOREPRESENTANDO O COMITÊ MUNICIPAL DE ESTUDOS E

PREVENÇÃO DAS MORTES MATERNAS DE PORTO ALEGRE

- SECRETARIA MUNICIPAL DA SAÚDE

“Uma das estratégias para a redução da mortalidade materna é

conhecer casos em que ela ocorre. Infelizmente, como diz uma

pesquisadora de Florianópolis, a mortalidade materna comove, mas

não mobiliza. É o que eu e o Dr. Flávio Vieira temos visto. Nas viagens e

nas discussões sobre o tema, constatamos que a mortalidade materna

não chama muito a atenção do público em geral. Muitos sequer sabem

que a mortalidade materna é um fato presente em nosso meio. Só que

acontece e muito. Como o caso da Vânia, que os senhores

acompanharam o relato. Outros fatos semelhantes continuam a

acontecer, tanto em Porto Alegre, no restante do Estado, como no Brasil

e no mundo. Claro que com diferentes percentuais de ocorrência.

Vou apresentar os estudos do Comitê de Mortalidade Materna

de Porto Alegre. Mensalmente, o Comitê se reúne na Secretaria

Municipal da Saúde para discutir todos os casos de mortes maternas

que ocorrerem em mulheres residentes na Capital. Vou repassar alguns

conceitos, porque sei que muitos dos presentes não têm estas

informações. Isso vai ajudar na compreensão do relatório que vou

apresentar depois.

A mortalidade materna é um bom indicador da realidade sócio-

139139

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econômica de um país e da qualidade de vida de uma população. Ela

também aponta a determinação política de uma nação em realizar

ações de saúde coletivas e socializadas. Então, a mortalidade materna

é um indicador da saúde de uma população. Através dela, pode-se

verificar se a assistência pré-natal, se o atendimento hospitalar, se o

acesso ao planejamento familiar, daquela comunidade, estão sendo

adequados ou não.

Os comitês de mortalidade materna existem por quê? Para

investigar as mortes em cada região. O acontece muito ainda, em Porto

Alegre, no Estado, no Brasil e no mundo, é que há muitas mortes

subnotificadas, isto é, são casos que não estão adequadamente

especificados na Certidão de Óbito.

Mais adiante, vou citar dados do Comitê, mas já adianto que em

torno de 50% das mortes maternas não aparecem assim na Certidão de

Óbito, embora existam dois itens – o 43 e o 44 – que devem ser

preenchidos pelo médico, caso tenha sido morte durante o parto, se a

paciente estava gestante ou se a morte ocorreu no puerpério, período

que vai do parto até 42 dias a um ano após o nascimento do filho. Isso,

às vezes, fica registrado como ignorado, outras vezes o item fica em

branco ou é preenchido inadequadamente. A composição original de

um comitê de mortalidade materna deveria contar com representantes

do Conselho Regional de Medicina – CREMERS, do COREN, da OAB,

da Secretaria da Saúde, da Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia –

SOGIRGS, movimentos de mulheres, faculdades de medicina,

Conselhos de Saúde.

Em Porto Alegre, nem todas essas entidades estão

representadas, mas a maioria delas integram o Comitê. Ele conta com

um representante de cada um dos grandes hospitais que têm

maternidades públicas, um representante do CREMERS, da

Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia, dois representantes da

Secretaria Municipal da Saúde, representantes da Rede de Atenção

Básica da Saúde, dos serviços de saúde da capital, e de movimentos de

140140

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mulheres, como Rede Feminista e Maria Mulher. Qual é a finalidade do

comitê? É investigar as mortes maternas. É a investigação do óbito, a

análise do óbito, informação, definição de medidas preventivas e

mobilização. O comitê tem uma função educativa sigilosa, nunca

punitiva.

O nosso Comitê funciona assim: todas as semanas recebemos

a declaração de óbito de todas as mulheres residentes em Porto Alegre

e que morreram em idade fértil, de dez a 49 anos. Essas declarações de

óbito são enviadas pelo Sistema de Informação de Mortalidade de

Porto Alegre. Nós, então, investigamos, para identificar se as mortes

são maternas ou não. Quando os itens 43 e 44 da Certidão de Óbito

estão assinalados inadequadamente, encaminhamos uma

correspondência ao médico que a assinou, com a lei do CREMERS que

determina que, eticamente, o preenchimento da declaração tem de ser

correto. Na mesma correspondência, solicitamos ao médico que ele

refaça a certidão de óbito e nos encaminhe com os dados certos.

Esse procedimento tem uma função educativa. O médico que

recebe essa correspondência, provavelmente em uma próxima morte

de mulher, vai preencher a declaração de forma adequada. Assim, o

Comitê terá a informação de que precisa. A morte materna é o

falecimento de uma mulher durante a gestação ou no período de 42

dias após o parto. Isso independe da localização. Se há uma gravidez

nas trompas, no ovário, também é considerada morte materna, se a

mulher vier a falecer.

Existem causas diretas – e nós cuidamos para fazer essa

classificação adequadamente – e causas indiretas. As causas diretas

são as que resultam do evento específico da gestação. No caso, uma

paciente morre de hipertensão na gestação, de infecção, de

hemorragia. As indiretas são problemas clínicos associados. Por

exemplo, uma paciente é portadora de hipertireoidismo ou tem um

problema cardíaco, engravida, vindo a falecer em decorrência desse

problema, que é agravado pela gestação. Então, isso é considerado

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uma causa de morte indireta. A morte materna cardíaca é aquela que

ocorre a partir dos 42 dias até um ano de gestação. Essa morte materna

não entra no coeficiente oficial da mortalidade materna do Ministério da

Saúde; mas, nós, em Porto Alegre, também contabilizamos essas

mortes, porque, com o aumento da tecnologia, essas mulheres

sobrevivem muito tempo com o respaldo de UTI. E se ela vem a falecer

62 dias pós-parto da causa básica, que ocorreu durante a gestação?

Há também as causas externas de morte: suicídios, homicídios

e atropelamentos, que também podem ser caracterizados como morte

materna, mas que não entram, da mesma forma, no coeficiente oficial

de mortalidade materna do Ministério da Saúde e da Organização

Mundial da Saúde – OMS. Calculamos o coeficiente a partir do número

de mortes maternas dividido pelo número de nascidos vivos,

multiplicados por 100.000. Esse é o cálculo feito para se obter a razão

de mortalidade materna. Esses dados que estou apresentando dizem

respeito à classificação dos coeficientes de mortalidade da

Organização Mundial da Saúde. De 20 a 49 mortos, para cada 100.000

nascidos vivos, é considerado um nível médio; de 50 a 149, é alto;

abaixo de 20; baixo – ou seja até 20 mortes –; acima de 150 mortes,

considerando extremamente alto, sempre levando-se em conta em

relação a 100.000 nascidos vivos.

No mundo, observamos que a mortalidade materna, nos países

subdesenvolvidos, é muito maior do que a dos países desenvolvidos,

com algumas exceções. Notamos também que, em países nos quais

existem políticas públicas direcionadas para esse fim, como Cuba,

Costa Rica, Uruguai, esse índice de mortalidade consegue ser

reduzido. Mas, na maioria dos casos, essa realidade se repete. Por

exemplo, no Canadá e nos Estados Unidos – países desenvolvidos –,

esse índice está abaixo dos nove óbitos para cada 100.000 nascidos

vivos. Já, na Bolívia, Peru e Haiti, 200 óbitos; Chile, Cuba, Costa Rica e

Uruguai, abaixo de 40 óbitos. E, no Brasil, esse índice, em 2002, ficou

em torno de 74,5 óbitos para cada 100.000 nascidos vivos. Inclusive,

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observando a curva da razão da mortalidade materna, no Brasil, em

2002, podemos perceber que há uma tendência de manutenção dessa

realidade, ou seja, manteve-se estável: não aumentou, nem

decresceu.

No que se refere à razão da mortalidade materna em Porto

Alegre, observamos uma tendência de queda. A tendência da linha é de

queda, apesar dos dois picos que tivemos em 1998 e 2002. Essa

avaliação é feita a partir de 1996, quando instalou-se o Comitê de

Mortalidade Materna em Porto Alegre. Já havia falado sobre a

investigação do Comitê, mas repito só para terem ciência dos dados de

2003. De 589 mulheres que morreram, conseguimos investigar 553

casos. 50% das mortes não estavam declaradas; 23% estavam em

branco; 50% delas eram falsos/positivos (estavam marcadas como

morte materna, mas, na verdade, não eram).

Se o Comitê não tivesse investigado, esses dados estariam

totalmente errados. Em 2003, 69% das mortes maternas constavam

nas declarações de óbito. Já 31%, não. Tivemos de investigar para

descobrir. Observamos, a partir daí, que houve muitos falsos/positivos

– em torno de 50%. Em 1999, as declarações de óbito, com esse nosso

trabalho de informação aos médicos para que façam o correto

preenchimento da DO (Declaração de Óbito), essa avaliação das

mortes maternas vem melhorando.

Das mortes maternas, 60% eram indiretas, e 33% diretas. Isso

também mostra uma tendência, em Porto Alegre, da predominância

das mortes indiretas, isto é, as que são mais difíceis de evitar. As

mortes diretas, que ocorrem em decorrência do parto, são mais fáceis

de evitar. Em 2003, tivemos uma morte materna por fígado gorduroso;

uma, por aborto; e uma, por doença hipertensiva da gestação. E,

quanto às causas indiretas, tivemos: uma, por hipertireoidismo; uma,

por cetoacidose diabética; uma por neoplasia de pâncreas; uma por

doença respiratória; duas por distúrbio cardiovascular, uma por AIDS.

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Avaliando a razão da mortalidade materna de Porto Alegre, por idade e

por causa, há uma predominância nas mortes diretas – tanto nas

diretas como as indiretas – entre 21 e 35 anos, em 2003. As principais

causas de morte materna de 1996 a 2003: continuam sendo as

indiretas, com predomínio da Aids e da doença cardiovascular. Por

idade: a proporção de mortes maternas de 1996 a 2000 ocorreram

mais, tanto nas diretas quanto nas indiretas, nas mulheres acima de 35

anos.

De 35 a 49 anos, as mulheres morrem mais quando

engravidam. Além da morte materna em si, temos alguns outros efeitos

que é a morbidade dessas mulheres. Existem as que não morrem, mas

ficam acamadas, impossibilitadas de cuidar de seus filhos ou até com

algumas conseqüências como fístulas, problemas ginecológicos,

cronicamente doentes. Elas morrem numa fase áurea de suas vidas,

tanto econômica como emocionalmente. São mulheres jovens.

Observamos, e há alguns trabalhos sobre isso, que no momento que

morre a mãe, há aumento da mortalidade infantil, não somente da

mortalidade como também a morbidade infantil. As crianças adoecem

mais e morrem mais, quando a mãe morre”.

FLÁVIO VIEIRACOORDENADOR DA SEÇÃO DE SAÚDE DA MULHER DA

SECRETARIA ESTADUAL DE SAÚDE E DO COMITÊ ESTADUAL DE

MORTALIDADE MATERNA

“A mortalidade materna, no Brasil, está em torno de 2 mil a 2.400

mortes de mulheres por ano, por essas causas. É como se a cada mês,

em nosso país, caísse um boeing cheio de mulheres e isso não

interessa para ninguém. Ninguém investiga esse boeing cheio de

mulheres que cai por ano, porque isso está na invisibilidade, isso não

nos interessa. Temos de pensar também que a gravidez é um efeito

fisiológico e que não se espera que as mulheres morram durante a

gravidez. Sou da Secretaria da Saúde, de um departamento que

trabalha com ações em saúde. Neste departamento, trabalho na seção

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de saúde da mulher, aonde o comitê estadual de prevenção de

mortalidade materna está vinculado. No Estado do Rio Grande do Sul,

são 496 municípios divididos – esse é um primeiro problema

identificado no Estado. Cada secretaria de Estado divide o Estado em

uma determinada forma. Não temos um consenso para dividir o Estado

em regiões.

Na Secretaria da Saúde, dividimos em 19 Coordenadorias

Regionais, tentando reagrupar de uma outra forma em sete

macroregiões. O importante para vocês verem é que 80% dos

municípios do Estado têm menos de 10.000 habitantes. Há a tentativa

de redistribuir essas regiões em macroregiões de acordo com as

características sócio-econômicas e políticas semelhantes. Nos

interessa saber – os dados são do senso demográfico do ano de 2000,

atualizados numa estimativa para o ano de 2003 - em que o Rio Grande

do Sul teria em torno de 10 milhões e 500 mil habitantes dos quais 51%,

ou seja, 5 milhões e 500 mil são mulheres.

Destas mulheres, que na faixa, as quais nos interessa falar aqui

sobre a mortalidade materna, há mulheres em idade fértil de 10 anos a

49 anos – esse é o conceito que se usa no país –, somente esse dado

está atualizado para o ano de 2002. Cerca de 62,6% da nossa

população está em torno de 3 milhões e 300 mil mulheres. Na década

de 80, começou-se a discutir o fruto da reivindicação dos movimentos

organizados de mulheres. A questão da integralidade da mulher, aí

surgiu o Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher – PAISM – e

toda aquela coisa, que na tentativa de deixar de ver a mulher de uma

forma fragmentada para tentar ver o todo, que é a integralidade da

mulher. Temos tentado dentro da Secretaria, nos últimos anos, retomar

essa luta das mulheres e tentar reimplantar novamente o PAISM, que é

uma visão integral da mulher.

Vamos analisar, dados levantados no ano de 2003, sobre o

comportamento dos anos anteriores no Rio Grande do Sul, a

mortalidade de mulheres proporcional dentro dos grupos etários e

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pegando as principais causas de morte. Se dividirmos a mulher –

grosseiramente – do nascimento até os 29 anos, o que mais tem

matado as mulheres no nosso Estado são as causas externas, como

homicídios, acidentes, violência e gênero.

Dos 30 anos aos 49 anos, o que mais mata as mulheres são os

cânceres, como de colo de útero, mama, pulmão – que está subindo

muito nas mulheres no nosso Estado –, de reto e o de intestino. Mas, já

começa a crescer problema das causas circulatórias, como as

cardiovasculares, é o que mais mata as mulheres no Estado a partir dos

50 anos. Isso é tão importante, pois hoje, quando falamos que a

primeira causa de morte em mulheres no Estado do Rio Grande do Sul –

mulheres como um todo em todas as faixas etárias – é devido as causas

cardiovasculares. Estou mostrando outras coisas – além da

mortalidade materna – porque isso é importante para vermos o todo.

No Rio Grande do Sul, nos últimos anos, tem caído a taxa de

natalidade. Em 1999, haviam 184 mil nascimentos. No ano 2003, quase

149 mil. Eu disse que vim aqui para polemizar. Sempre se fala que a

mortalidade materna é o retrato da exclusão social? É. A mortalidade

materna acontece muito mais em mulheres em situação de exclusão, é

um retrato de um sistema de saúde, que não está perfeitamente

capacitado.

Tenho a convicção, falado e lutado muito para tentar mostrar

que a mortalidade materna tem tudo a ver com o gênero. A mortalidade

materna tem essa pouca visibilidade que estamos falando por uma

questão de gênero. Se nós, homens, déssemos à luz certamente já se

teria feito alguma coisa de uma forma incisiva para a diminuição da

maternidade materna. Então, chamo a atenção que morte materna tem

tudo a ver com a questão de gênero.

Em 1990, a Organização Mundial de Saúde fez um estudo,

mostrando as mortes maternas. Fizeram uma estimativa do que seria

uma mortalidade materna no mundo em 2000. E não deu outra. Hoje, o

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número de mortes varia entre 500 e 600 mil mulheres em todo o mundo,

tendo como causa a morte materna. Vejam o que aconteceu com a

mortalidade infantil? Neste mesmo período de tempo, a mortalidade

infantil caiu. Mas, a mortalidade infantil e a criança são consideradas

sem gênero. Então, sobre as questões que não trabalham com o

gênero feminino, temos alguns sucessos, quando temos as questões

baseadas em cima do gênero, é isso que vemos.

São também apresentados na Organização Mundial da Saúde

a situação de meninos e de meninas, quando os dois pais são vivos.

Existem as contribuições dos meninos com menos de 2% da

mortalidade infantil e das meninas em torno de 2%. Quando morre o

pai, a mortalidade das meninas aumenta. Porém, quando morre a mãe,

a mortalidade dos filhos aumenta. Isso aqui também tem a ver com o

gênero. Com isso aqui nos preocupamos, estamos falando e estamos

apavorados.

Quanto à questão da visibilidade, acho que a mortalidade

materna está diminuindo um pouco e não tanto pelas nossas ações

específicas na área da saúde. Mas, mais porque estamos começando

a conversar um pouco mais e tornando esse assunto visível. O

coeficiente de mortalidade materna – isso é uma coisa técnica no Rio

Grande do Sul, nos últimos cinco anos – que o Brasil tem uma

estimativa – nós questionamos esse dado, que é obtido por um estudo

feito nas capitais e utilizam fator de correção – então, é, no mínimo, isto

aqui, se não for mais. O Rio Grande do Sul está dentro dessa.

Então, o Rio Grande do Sul, que nos anos 70 era o mais alto

índice em mortalidade materna, diminui seus índices e voltou a subir e

parece que está experimentando uma queda nesses últimos anos.

Como o tempo é muito pequeno, ainda não podemos afirmar que a

mortalidade materna está caindo. Trabalhamos, como todo o Brasil,

seguindo o que é preconizado em termos de investigações e de

atuações em mortalidade materna pelo Ministério da Saúde.

Posteriormente, deixaremos um exemplar do manual dos comitês para

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a Sra. Deputada.

Realizamos a investigação confidencial dos casos de óbito

materno e, desde o ano passado, estamos agindo igual a Porto Alegre –

e aproveito para tecer um elogio ao Comitê desta cidade, que é

nacionalmente considerado como exemplar na prevenção da

mortalidade materna, pois funciona muito bem.

Em todo Estado, foram investigados cerca de 500 óbitos e

temos um total de 3.900 óbitos de mulheres em idade fértil. Este é o

universo de mulheres que queremos pegar, pois a única maneira de

tornarmos claro qual o número de mulheres que morrem por causa da

gestação – parto e puerpério – é investigando todas as mulheres que

morrem em idade fértil. Assim, podemos separar as que já são

declaradas no atestado de óbito das que ficam na invisibilidade, porque

são subnotificadas, ou seja, no atestado não consta a causa da morte.

Esse é um trabalho lento porque depende de uma pulverização

no Estado, temos de trabalhar com todas regionais e municípios. No dia

17 de junho haverá uma reunião de capacitação com a participação de

todas as regionais, que são 19 e os municípios com mais de 100 mil

habitantes no Estado, onde unificaremos uma metodologia de trabalho

para investigação os óbitos de mulheres em idade fértil.

Legislação há de sobra no País, temos a do Conas, a partir de

1999, 2000; temos a legislação própria, do Estado, de 2002; e, em

2003, a Portaria Ministerial, que disciplina como deve ser a

investigação, o que tem de ser feito e de quem é a responsabilidade

dentro dos três níveis de gestão da investigação do óbito materno.

Precisamos determinar qual o papel do Município nisso e porque é

importante investigar.

Estamos discutindo muito no Estado, porque é importante

investigar o óbito materno. Talvez não estejamos lhe dando a devida

importância. Saímos muito por este Brasil afora e vemos muitos

comitês brilhantes que trazem as estatísticas com o estudo de todos os

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casos das mortes, determinando suas causas. Mas, o que interessa é

sabermos porque uma mulher, anônima, com determinada situação

social, de saúde e de saneamento básico, morando em tal comunidade,

morreu. O que fez essa mulher morrer, se ela não precisava ter

morrido? Sua morte irá servir para que eu consiga atuar junto às outras

mulheres pertencentes a essa comunidade no sentido de evitar que

elas morram pela mesma causa. Ela já morreu, portanto, sobre essa

morte não posso fazer mais nada, mas esse fato tem de servir de

estímulo e bandeira – embora no anonimato –, para evitarmos que

outras mulheres, com a mesma situação de vida, morram.

E é isso que precisa ser a nossa pauta principal, e estamos

perdendo um pouco o foco, porque estamos com exposições brilhantes

e com trabalhos muito bons, que têm que ser feitos, mudando um pouco

a ênfase daquilo que temos que fazer. Isso é uma crítica para nós

mesmos. Essa é a nossa legislação no Estado do Rio Grande do Sul,

em que, uma portaria da Secretaria da Saúde determina, em seu artigo

primeiro: torna obrigatória a investigação dos óbitos maternos e de

crianças menores de um ano no Rio Grande do Sul. Bem, os óbitos

maternos entraram aqui de carona. Na realidade, queria-se falar dos

óbitos infantis. Pouco importa pegar carona. Se nos levarem com

dignidade para o mesmo destino que queremos chegar, vamos de

carona. Não tem problema nenhum. Isso ficou definido na portaria.

Outra coisa que ficou definida é que a investigação dos óbitos

maternos e infantis será feita através de uma articulação da Secretaria

com as coordenadorias regionais e com as secretarias municipais de

saúde. O que interessa saber é o seguinte: as causas diretas, aquelas

que dependem da condição da mulher estar grávida são, na maioria

das vezes, causas evitáveis. Sobre as causas indiretas conseguimos

agir muito pouco, até conseguimos, mas o que queremos é que a

mortalidade materna fique quase que exclusivamente em cima das

causas indiretas e não nas diretas.

Estamos, ao longo do tempo, baixando as diretas, estamos

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deixando que as indiretas ocupem um local de mais destaque nessa

conjugação, porém, estamos fazendo isso, ainda, num patamar

extremamente elevado. Isso tinha que estar muito mais aqui embaixo.

Mas o nosso objetivo é lutar para que essas mortes maternas, que são

evitáveis, não aconteçam.

No Rio Grande do Sul nos últimos anos, de 1990 até 2003,

temos queda das mortes indiretas, e aumento, nessa proporção, das

mortes diretas. Mas o que quero chamar a atenção de vocês são as

mortes por aborto, que ocupa cerca de 6% das mortes notificadas de

mulheres. Abortamentos realizados em condições inseguras e isso é,

novamente, o que eu tinha falado para vocês, o carimbo da questão de

gênero. Em 2003, as mulheres morrem por abortamento em condições

inseguras, e morrem porque são mulheres. Isso mostra a mortalidade

materna na adolescência, que tem um gráfico senoidal também no Rio

Grande do Sul, tentando mostrar que, nos últimos anos, parece que

está havendo uma diminuição do número de óbitos na

proporcionalidade dos óbitos de gestantes adolescentes. O número de

partos de adolescentes no Rio Grande do Sul de mulheres de 10 a 19

anos tem sido quase uma constante ao longo do tempo. Cerca de 20%

dos partos são de gestantes adolescentes. Ou seja, de cada 10 partos

que acontecem, dois partos são de mulheres de 10 a 19 anos. Isso está

constante à proporcionalidade, mas vem decrescendo o coeficiente de

adolescentes que estão engravidando.

Então, estamos discutindo muito a gravidez na adolescência, e

estamos agora com essa discussão: o que significa o quociente estar

diminuindo? Significa que quando eu pego só a população de

adolescentes, dentro de cada uma das faixas etárias da adolescência, o

número de adolescentes que está engravidando, nos últimos anos, vem

sendo cada vez menor. Isso está sendo menor, assim como está

diminuindo o número de nascimentos.

Estamos discutindo para tentar entender esse fenômeno, que

parece estar se repetindo no país como um todo. Aqui tenho que

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mostrar para vocês um pouco do que juntamos daquelas investigações

de óbitos maternos. Nos últimos três anos, tivemos 261 óbitos de

mulheres de causa materna no Estado do Rio Grande do Sul.

Conseguimos, trabalhando com a idade, identificar 133 desses estudos

e vimos que neles houve um predomínio de idade das mulheres na

faixa dos 30 aos 39 anos. 38% das mulheres estavam na faixa dos 20

aos 29 anos.

Quando trabalhamos a questão de cor e de raça, conseguimos

um estudo de 140 dos 261 óbitos, mostrando que 78% das mulheres

eram brancas e 9% negras, de acordo com a classificação que temos

na ficha. Só que o que não sabemos é que pode ser que não tenhamos

conseguido investigar aqueles outros 120 óbitos – eles são

pulverizados no Estado e são investigados pelas regionais – porque

talvez eles tenham ocorrido em locais de mais difícil acesso, de maior

exclusão social. Quem sabe se tivéssemos conseguido investigar

todos os óbitos, a participação, por exemplo, das mulheres negras,

tivesse aumentado. Então, não podemos tomar isso como uma

verdade absoluta, porque a parte da nossa amostra estudada pode ser

das menos excluídas.

É declarado na ficha de investigação que 90% das mulheres

eram solteiras, mas não temos um filtro tão fino. Elas podem ter

declarado que não tinham um registro de certidão de casamento e

terem sido consideradas solteiras. Esse também é um dado que

conseguimos. O último dado é sobre a escolaridade. Dos 261 óbitos,

temos o registro em prontuário de 106 mulheres, mostrando que 50%

delas tinham de quatro a sete anos de estudo. Não sabemos se as

outras 160 mulheres que sobraram eram as mais excluídas e de novo

não apareceram.

A participação da cesariana nos nascimentos do Estado do Rio

Grande do Sul, num período de 1992 a 2002, tem ficado entre 40% e

45%, ou seja, de cada 10 nascimentos, quatro a cinco são por

cesariana. No Rio Grande do Sul, 75% das cesarianas são feitas pelo

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SUS. No ano de 2001, onde houveram 150 mil nascidos vivos. Entre

120 e 130 mil mulheres ganharam seus filhos pelo SUS. Elas tiveram

um percentual de cesariana de mais ou menos 29%. 30 mil mulheres

ganharam fora do SUS e tiveram quase 82%. Esse percentual é tão

importante, embora seja pequeno o percentual – simplesmente ¼ das

mulheres está fora do SUS –, leva-nos a um percentual elevado no

Estado de mais de 40%. Isso também é algo que precisamos discutir

porque o Estado do Rio Grande do Sul tem com o Ministério da Saúde

um pacto de acordo com o qual ele não pode fazer, ano a ano, mais do

que um determinado número de cesarianas. Aí, as coisas começam a

acontecer porque sabemos que para manter esse percentual que o

Ministério exige, alguns hospitais mentem, enganam, eles dizem que

nasceu de cesariana quando nasceu de parto, para receberem, ou eles

retardam o instrumento de cobrança e vão colocando em meses

subseqüentes, ou ainda constrangem as mulheres dizendo que o bebê

está mal, precisa fazer uma cesariana para não morrer e eles não tem

como fazer a cesariana pelo SUS. Com isso as pessoas vendem

cachorro, gato, carro, quando não vendem seu próprio corpo para

conseguir fazer com que as crianças nasçam de cesariana.

Há todas essas coisas que estamos tentando ver e que são

complicadas. Eu vim aqui para discutir, não vim para pintar uma

realidade bonita. Poderia dizer que o Estado está perfeito no SUS, mas

não é verdade. Preciso também dizer que a cesariana não é aquilo que

as pessoas pintam. A cesariana não é a vilã, não é a bandida. O que

está equivocado é fazermos uma cesariana quando a mulher não

necessita que seu bebê nasça por cesariana, porque vimos aqui

mesmo uma situação em que a cesariana, com certeza, se feita mais

precocemente, poderia ter contribuído para salvar a vida de uma

criança que estava nascendo ou de uma mulher que estava dando a luz.

A cesariana não é o problema. O problema é quando a

cesariana é feita em condições que não deveria ser feita. Sou médico,

obstetra, trabalho na Secretaria da Saúde, mas também trabalho na

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assistência e quero dizer que quando se conversa com os pares, ouve-

se que onde trabalham não morre quase ninguém. Dizer que a

cesariana aumenta a mortalidade de mulheres não encontra eco aqui

nas clínicas não-SUS, porque essas mulheres não são excluídas. É

complicado dizermos que a cesariana aumenta a mortalidade.

O que o Estado está fazendo? Estamos propondo essa

capacitação que vamos fazer para discutir as mulheres em idade fértil,

estamos fazendo palestras, vamos começar no segundo semestre,

como já fazíamos nos anos anteriores, nos serviços de residência

médica chamando a atenção dos profissionais que estão se formando,

na importância de preencher um atestado de óbito adequadamente,

para que saibamos e possamos planejar ações em saúde.

Estamos participando fortemente na criação dos comitês

municipais de saúde. Dos 496 municípios, já temos comitês em cerca

de 50 municípios. Adesão ao pacto nacional, que o Ministério da Saúde

está propondo, já assinado, no dia 29 de maio, para algumas ações

específicas que vão contribuir para a diminuição da mortalidade

materna no país e os Estados. Vai haver um comprometimento formal,

com assinatura de protocolos nas Secretarias de Saúde dos Estados.

Fizemos duas coisas. Estabelecemos hospitais de referência

para a atenção de gestação de alto risco em 23 Estados. Outra coisa

que estamos fazendo é trabalhar com 54 municípios que eles,

sozinhos, detêm 50% dos óbitos infantis do Estado.

Vejam que a coisa está concentrada. Junto com o óbito infantil,

temos o óbito materno. Nesses 54 municípios temos um pré-projeto em

que estamos trabalhando por uma reestruturação e capacitação dos

profissionais na atenção básica para assistência pré-natal de baixo

risco, para identificação da gestante de alto risco, para criação de

sistemas de referência, porque não adianta nada identificar a gestante

de alto risco e não ter para onde mandar. Toda essa rede deve ficar

interligada e também criar a rede que determine já, no momento em

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que a mulher começa o seu pré-natal – caso o parto dela for de baixo

risco –, onde irá ganhar o seu filho, para evitar aquelas coisas que

vimos, no Rio Grande do Sul, acontecerem, de as mulheres

peregrinando de hospital em hospital, e que ainda acontecem, diga-se

de passagem, hoje em dia. Então, os 23 hospitais propostos como de

referência para gestação de alto risco obedecem a dois critérios, por

enquanto: devem possuir tanto uma UTI adulta, como uma UTI

neonatal. Além disso, esses hospitais de atendimento da gestante de

alto risco serão custeados de forma diferenciada pelos cofres públicos

do Estado do Rio Grande do Sul. Para conseguirmos isso, foi uma

briga. Já temos dotação orçamentária para tanto.

Portanto, o pagamento desses 23 hospitais sairá do dinheiro do

Estado do Rio Grande do Sul. Estamos na fase de chamar esses

hospitais, para estabelecer com eles uma parceria, firmar um aditivo

nos contratos que já possuem, porque, só vai receber esse dinheiro

aqueles hospitais que se comprometerem a cumprir um determinado

número de itens que elencamos, sobre os quais haverá auditoria e

monitoramento para continuarem recebendo essa complementação

mensal. Há problemas na distribuição desses hospitais de referência

no Estado do Rio Grande do Sul. Por exemplo, na macroregião centro-

oeste, com 1.100.000 habitantes, temos apenas um hospital de

referência. Essa região abrange aproximadamente 400 a 500

quilômetros de estrada esburacada. Imaginem uma mulher ganhando

um bebê dentro de um ambulância que está percorrendo aquela

estrada. É um problema.

Na macroregião sul: 1.000.000 de habitantes, com só dois

hospitais, também numa situação de pobreza. Nesta região, vocês

lembram: era um lugar onde já tínhamos uma mortalidade materna

elevada. Tudo isso estamos colocando na pauta de discussão, no

sentido de mostrarmos que é um processo lento; que não estamos

parados; que estamos nos mobilizando e identificando os problemas.

Tudo faz parte de uma série de medidas que devemos tomar. Isso está

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passando dentro da bipartite. Tudo que foi resolvido até agora não volta

atrás. Isso já está determinado. Aconteça o que acontecer com

governos subseqüentes, não haverá alterações. Estamos tentando, no

que toca à saúde da mulher, deixar tudo escrito e pactuado.

Dessa forma, a desconstrução do processo torna-se muito mais

difícil. E esse incentivo permitirá a adequação dos serviços, seu

custeio, toda essa série de coisas. Finalizando, lembro que a partir de

1990, começava-se a falar em investigação de mortalidade materna, e

ela começou a subir no Estado do Rio Grande do Sul. A partir de 1993,

troca-se o denominador, e começa-se a trabalhar com o sistema de

nascidos vivos. Em 1994, o Comitê Estadual começa a funcionar. Isso

tudo são coisas que vão contribuindo para a visualização do aumento

da mortalidade materna. A partir dessa nova concepção de avaliação,

passamos a verificar as coisas erradas que se fazia: um preenchimento

inadequado da declaração de óbito, etc. Parece que houve uma queda

a partir daí; porém, nos três últimos anos, esse índice volta a subir.

Como havia falado a vocês, posso usar a estatística conforme

meu interesse. Estou extremamente preocupado com isso, pois penso

que ainda estamos montando uma linha ascendente, porque estamos

tirando da estatística aqueles casos que não apareciam e fazendo

aparecerem de novo. Não posso afirmar a vocês que estão morrendo

mais mulheres; mas posso dizer que estou conseguindo fazer com que

essas mulheres – que morriam e estavam subnotificadas – apareçam

estatisticamente de novo. Mas me parece que, ao longo do tempo,

ainda estamos numa fase não-ideal, pois é muito pouco o que estou

apresentado aqui a vocês.

Finalizo a minha exposição com as seguintes conclusões: A

mortalidade está realmente elevada. Ela pode ser evitada na imensa

maioria dos casos. O Ministério da Saúde fala em mais de 90%. Não sei

exatamente qual o percentual, só sei que, se conseguirmos realizar

algumas ações adequadas, evitaremos que as mulheres que não

precisariam morrer venham a falecer. Isso é o que realmente temos de

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fazer. Que a mortalidade materna traduz uma exclusão social; que

traduz um sistema de saúde não capacitado eficientemente, isso todo o

mundo sabe. Temos de abrir a nossa boca cada vez mais para

caracterizar que é uma questão de gênero, de direitos humanos. A

prevenção da mortalidade materna é uma responsabilidade do gestor

público. Hoje, aqui, represento o gestor público. Gestor público em

todos os níveis: federal, estadual e municipal.

Também é de responsabilidade dos prestadores de serviço, que

participam do sistema de saúde, como também é responsabilidade de

toda a sociedade. Então, cada um de nós é responsável por esta

construção. O controle social é extremamente importante e temos, ao

invés de ficarmos criticando e brigando, somar nossos esforços e ver o

que podemos fazer para aquelas mulheres que estão no anonimato,

morrendo todos os dias das mesmas causas ou de hemorragia, ou

pressão alta ou de infecção. O que vamos fazer para evitar que essas

mulheres morram?”

RÚBIA ABS DA CRUZTHEMIS ASSESSORIA JURÍDICA E ESTUDOS DE GÊNERO

“De todos os dados apresentados – e são altos –, a nossa

realidade ainda é bem melhor do que a do Norte e Nordeste do País. No

caso da Vânia atuei como assistência de acusação, trabalhei como

advogada do Marcelo no processo crime. A intenção é de que essas

penas, junto à classe médica, possam ser modificadas. Só que, uma

interferência muita direta, neste momento, é inviável. É uma luta

externa, fora desse processo, para que se modifique esse tipo de

penalização. É de uma certa forma corporativista, parece-me ser oito ou

oitenta. Nada muito razoável em relação ao caso. O caso da Vânia é

diferente, porque ela era uma mulher feminista. Havia a possibilidade

de lutar pelos direitos dela. Diferente da maioria das mulheres, que

acabam falecendo no SUS, onde sequer os casos são notificados. É um

caso exemplar, mas diferente da totalidade dos casos que,

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infelizmente, preenchem esses números elevados de taxas. A

maternidade é contraditória. Ao mesmo tempo que é exaltada, que é

vista como algo bonito, com a vida que está por vir, quando acontece

essa taxa de mortalidade, ela acaba sendo invisível para a sociedade

como um todo. Muitas vezes isso se desculpa até por ser elevado o

número de casos de abortos. Como vem de algo – vamos dizer assim –

errado, já que as mulheres estão abortando, então também não há

problema que venham a morrer. É algo que não é dito dessa forma,

mas, nas entrelinhas, fica nesse sentido, culpabilizando-se mais uma

vez as mulheres, porque não se cuidam ou não sabem se cuidar e por

isso engravidam, com tantos métodos anticoncepcionais, que não são

possibilitados na rede pública. Muitas vezes não existe sequer o

preservativo como a camisinha, que, além de evitar a doença, também

evita a gravidez. É algo que também não existe. Sabemos das

dificuldades que as mulheres enfrentam quanto a exigir a utilização do

preservativo, especialmente quando estão com os companheiros, em

que há uma relação muitas vezes ainda de submissão. Entendo ser

uma questão de justiça social. Com certeza é algo que não é tratado por

acontecer, na sua grande maioria, com mulheres pobres e em

mulheres.

Ontem fiquei procurando na Internet para ver se havia algum

dado novo, algo que houvesse melhorado efetivamente em relação a

todos os dados que já temos, a todo o histórico que vem sendo

debatido, e aos progressos que tivemos, como o da implementação de

comitês de mortalidade materno municipal, que infelizmente não

acontece em todas as cidades. Está longe disso. É algo que podemos

colocar como um progresso: os comitês de mortalidade materno, com a

notificação efetiva dos casos. Isso é preciso ocorrer e ser visível.

Infelizmente os casos têm sido elevadíssimos. Os notificados

são de 70 a 90 para cada 100 mil nascidos vivos no Brasil, sendo que,

devido às deficiências de registro e de notificação, não se conhece com

precisão a taxa de mortalidade materna.

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Segundo estimativa do Ministério da Saúde, e da Organização

Mundial da Saúde, esse índice varia entre 110 a 260 mortes maternas

por 100 mil nascidos vivos. Para que se tenha uma idéia dessa

tragédia, em países desenvolvidos esse número fica de 4 a 10 mortes

por 100 mil nascidos vivos. E o pior: considera-se que cerca de 98% de

óbitos maternos no Brasil são por causas evitáveis. Então, essa

preocupação e esperança de que somente nas causas que não sejam

evitáveis ocorra a mortalidade materna é algo ainda a ser buscado, e

espero que seja alcançado.

Parece que culturalmente não há grandes modificações num

contexto geral quando se fala de violência sexual, de mortalidade

materna, de problemas mais referentes às mulheres. O interesse

público, até mesmo dos gestores públicos, dos serviços públicos, de

quem é responsável parece que ainda não é voltado para essas

questões, como se as mulheres não fizessem parte de metade ou mais

de toda a sociedade. Culturalmente ainda acabam sendo vistas de uma

outra forma.”

CAPÍTULO 2

VISITA

2.1 PENITENCIÁRIA FEMININA MADRE PELLETIER

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SUBCOMISSÃO CONSTATOU SUPERLOTAÇÃO NO

MADRE PELLETIER

Uma das principais atividades desenvolvidas pela

Subcomissão Mista de Assuntos de Gênero foi a visita ao Presídio

Feminino Madre Pelletier, no dia 13 de novembro do ano passado. A

relatora e deputada Floriza dos Santos (PDT) ficou impressionada com

a superlotação e mostrou-se preocupada com a grave situação de

crianças e bebês residindo dentro da casa prisional. Ainda assim, a

relatora saiu animada com as frentes de trabalho existentes no Madre

Pelletier. São empresas montadas pelas internas, nas áreas de

alimentação, vestuário e artesanato. Algumas detentas recebem

salários superiores à média do mercado para a mesma função.

No dia 25 daquele mês, a deputada foi à tribuna da Assembléia

Legislativa para denunciar a situação. O discurso fez parte do Grande

Expediente que o parlamento gaúcho promoveu para destacar o Dia

Internacional de Luta pelo Fim da Violência Contra a Mulher,

comemorado sempre no dia 25 de novembro.

Floriza alertou que a situação do presídio é grave, revelando

que num espaço com capacidade para 118 presas, estavam 347

detentas, sendo que 198 delas eram presas provisórias ainda não

condenadas pela Justiça. A deputada abordou, ainda, a preocupante

situação de 17 crianças vivendo na creche do presídio e também o

aumento de detentas grávidas. Para reverter e debater a situação do

presídio, a Subcomissão atuou em duas frentes. Uma delas foi a

reunião com o governador do Estado, Germano Rigotto. E a outra foi a

audiência pública na Assembléia Legislativa, no dia 27 de novembro. O

resultado dessa audiência consta nesse Relatório Final. Abaixo, o

pronunciamento da diretora do presídio durante o encontro.

ELISETE JANAÍNA GUNTZEL DIRETORA DA PENITENCIÁRIA FEMININA MADRE

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PELLETIER

“Em nome da SUSEPE e em nome da Penitenciária Feminina

agradeço por estarmos participando desse debate. Gostaria de dar a

nossa versão dos fatos. Assumi a Penitenciária nesse ano com um total

de 240 detentas, sendo – ao meu ver – uma situação que me chocou

bastante, porque sou oriunda daquela penitenciária. Há 15 anos estou

no Estado do Rio Grande do Sul, sou servidora estável. Tenho cinco

anos de trabalho direto com a guarda da Penitenciária Feminina. Então,

acompanho os relatos de quem disse, que um tempo atrás, haviam 120,

130 apenadas, tanto o Sr. Bruno relatou a situação de haver 70 presas.

Então, me chocou bastante a situação de entrar em uma penitenciária e

ver que estavam em torno de 240 presas. Este índice está aumentando

cada dia que passa.

Ao meu ver, acredito que uma das situações desse fenômeno

de aumento do ingresso de detentas na penitenciária é pelo fato de que

a polícia está atuando, estão ocorrendo maiores prisões. Podemos

acompanhar nos próprios jornais.Há a situação das lideranças. Temos acompanhado, também,

que o perfil da presa mudou bastante. Hoje em dia, há presas que

afrontam mais, são mais agressivas e são mais violentas. A grande

maioria está mobilizada nessa situação. Então, isso repercute no

próprio crime na rua. Muitas delas cometem crimes violentos. Em

relação às presas em prisões provisórias: há 127 presas condenadas e

as restantes que são em torno de 200 apenadas provisórias. Nessa

situação há uma ONG que atua diretamente conosco que é o pessoal

do Programa de Assistência à Mulher – PAMA, cuja representante, Dra.

Patrícia, se encontra presente. Ontem, tivemos um reunião com o Dr.

Rinez, Juiz de Execuções, na qual foi relatado o assunto das presas

provisórias, muitas delas já recolhidas há oito ou dez meses sem prisão

definitiva e muitas oriundas do interior. Muitas vezes a mulher comete o

crime no interior do Estado e é deslocada para Porto Alegre, porque é a

única penitenciária feminina existente no Rio Grande do Sul. Além de

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estar longe da família, dos filhos, ela fica depressiva pela situação em

que se encontra. Convivemos com essa situação e a relatamos para o

Juiz, porque o final do ano, a época natalina se aproxima, e é um

período crítico para a penitenciária.

Até o momento, graças a Deus, somente tivemos um incidente

ocorrido no início do ano. Foi uma agressão violenta de uma presa a

uma funcionária. Em todo o tempo que trabalhei lá, nunca havia

ocorrido incidentes como esse. Tínhamos os atritos normais do guarda

com a presidiária, mas não a ponto de uma agressão. Chegamos à

conclusão de que essa situação deveria ser relatada ao Juiz para

vermos se há como mudá-la. O Juiz comentou que iria conversar com

colegas, pois a jurisdição dele é na Vara de Execuções Criminais –

VEC –, e os processos são distintos. Há processos tramitando na 7ª e

8ª Varas, e ele verificará o porquê dessas detentas se encontrarem ali

detidas provisoriamente.

Cogitamos a possibilidade de as mães e as gestantes presas

cumprirem a pena em prisão domiciliar, o que será analisado.

Relatamos, ainda, vários problemas e sugerimos alternativas para

tentar amenizar a situação. As pessoas, que me conhecem, sabem que

tento de todas as formas possíveis conseguir que as presas cumpram

as suas penas em regime semi-aberto ou prisão provisória.

Sinceramente, não é bom a presa estar ali conosco. Com relação à

questão levantada sobre a ociosidade, podemos nos sentir até

privilegiadas dentro do sistema penal, porque, quem o conhece sabe

que estamos com seis empresas trabalhando dentro da penitenciária

feminina. Isso é algo que, se forem verificar no sistema penal, é inédito.

Inclusive, na minha gestão foram implementadas duas empresas, uma

de pizza e outra de bijuteria, nas quais a presa trabalha com salário

muito maior. O Grupo Hospitalar Conceição chega a pagar R$ 350,00

para a detenta.

A procura é muito grande para trabalhar nessas empresas, mas

temos outros serviços subalternos, como limpeza e cozinha. No total,

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temos 152 presas trabalhando. Realmente, gostaria que todas

estivessem trabalhando, mas não temos como comportar isso. Estou

tentando firmar convênios com empresas para que eles possam fazer

qualquer tipo de atividade dentro da própria cela, como envelopagem

ou qualquer trabalho que não apresente problema de segurança.

Assim, elas podem passar o seu tempo e conseguir algum retorno

financeiro.

Com relação à permanência das crianças, quero esclarecer

que temos uma ala que comporta 20 presas e temos atualmente 23,

entre mães e gestantes. Temos também presas aguardando na galeria,

porque elas só são deslocadas para a galeria-creche quando

completam oito meses de gravidez. A permanência das crianças,

ainda, não é um ponto pacífico. Estamos fazendo tratativas com a Vara

da Infância e Juventude. Alego que estamos cumprindo o Art. 5º da

Constituição, que prevê período de amamentação. È o que podemos

compor no momento. Se no futuro conseguirmos realmente construir

uma creche com todas as condições, as crianças poderão ficar até os

seis anos lá. Atualmente a nossa realidade são os seis meses, porque o

local é insalubre, tanto para as presas como para as próprias crianças.

Temos quotidianamente situações de briga, de bateção – como se diz

na própria penitenciária –, as batidas que elas fazem nas celas.

Acredito que criança vive de exemplo. O local não é bom. Elas têm todo

o direito, tanto que a Constituição Federal permite, amamentar as

crianças. Esse assunto é polêmico, porque alguns pediatras dizem que

pode ser até seis meses, outros até dois anos. Não há uma idade

precisa, mas na atual situação de tratativas com a Promotoria da

Infância e da Juventude, junto ao pessoal do PAMA e outras entidades,

vamos chegar a um denominador comum. Quero dar condições para

que essas mães estejam realmente com seus filhos, mas num local

condizente para elas.

Com relação à situação levantada sobre a visita íntima: na

Penitenciária Feminina não é feita dentro das celas, na galeria. Nos

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presídios masculinos as visitas íntimas são realizadas dentro das celas.

Muitas vezes os outros detentos saem para darem espaço à pessoa

que vai ter visita íntima. No presídio feminino temos três celas que

comportam o número de pessoas aptas. A pessoa para ter a visita

íntima passa por uma avaliação psicológica e pela assistente social. Há

um critério de atendimento nessa área. A partir disso, ela começa a ter

direito à visita íntima, que ocorre em dias determinados, sábados e

domingos, em celas em separado, o que é positivo. Ter um ambiente

para preservar sua privacidade é muito bom.

Outra situação levantada aqui diz respeito à revista na entrada

de visitantes no presídio. A penitenciária feminina é o único local do

Estado do Rio Grande do Sul onde os visitantes não são revistados,

passam por detectores de metais e somente as presas são revistadas.

Essa foi uma determinação de Governos passados e estamos

cumprindo até então, o que não evitou a entrada de celulares e de

drogas. Não diminuiu nem aumentou, continua existindo, mas um

ponto positivo é que a revista é feita somente nas presas.Na minha administração, todas que estão trabalhando comigo

são oriundas da penitenciária feminina, conhecem o cotidiano das

presas. Muitas presas nos conhecem e sabem da nossa forma de

tratamento. O nosso interesse é que cumpram com a pena e possam

sair pelo menos um pouco melhores.

Na nossa limitação, procuramos fazer o máximo possível e

pedimos sempre a colaboração das pessoas que nos procuram, tanto

do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher como do PAMA e de

outras entidades. Tentamos trabalhar em conjunto, porque o preso só

deve cumprir a sua pena, ele já está cerceado da liberdade.”

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CONCLUSÕES

Instalada no dia 27 de agosto de 2003, com apoio e incentivo da

bancada feminina da Assembléia Legislativa, a Subcomissão Mista de

Assuntos de Gênero cumpriu sua missão primordial de ser um espaço de

debate em torno das questões do universo feminino, encerrando suas

atividades em junho de 2004. Conseguimos, ao longo desse período,

reunir autoridades e lideranças das mais diferentes áreas, sempre com um

propósito comum, que foi o de discutir a problemática da mulher e apontar

possíveis soluções.

As informações obtidas por essa Subcomissão certamente

servirão de apoio para legitimar políticas e ações em defesa das mulheres.

Temos exemplos marcantes para comprovar isso. Desde a primeira

audiência pública, que levou mais de 200 pequenas produtoras rurais a

discutir seu papel na sociedade, até o último encontro, no qual abordamos

a triste realidade da mortalidade materna, notamos que o debate de

gênero encontra eco na sociedade. E nada mais real do que números,

estatísticas e depoimentos para comprovar isso.

Quando o assunto é tráfico de mulheres, especialistas e

autoridades policiais nos estarreceram com os gráficos. Somente nos

países da União Européia, vivem mais de 70 mil brasileiras em regime de

escravidão e sendo obrigadas a se prostituir para sobreviver. Olhando

esse problema de forma superficial, à primeira vista nos parece um caso

distante, que não nos afeta. Mas ao se deter nas informações, nos assusta

e nos preocupa saber que o Rio Grande do Sul é rota para o tráfico de

pessoas, um crime que já ultrapassou o tráfico de armas em termos

movimentação financeira, ficando atrás apenas do tráfico de drogas.

Cidades como Uruguaiana, Passo Fundo e Porto Alegre são usadas por

quadrilhas para levar mulheres gaúchas para fora do Brasil.

Se o assunto é sistema penitenciário, a preocupação e o susto não

são menores. Em visita à Penitenciária Feminina Madre Pelletier, em

Porto Alegre, constatamos a superlotação da casa. Num local com

capacidade para 118 presas, estavam quase 350. O drama não é menor

quando entramos na creche do presídio. Muitas mulheres grávidas e 17

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bebês morando no local. Mas nem tudo foi problema. Percebemos

também o esforço da atual direção em incentivar o trabalho dentro do

presídio. Empresas de alimentos e vestuário montadas pelas próprias

detentas são uma forma de ressocialização e de renda extra para o

sustento da família.

Quando pegamos os dados da violência no Estado, voltamos a

perceber que o trabalho da Subcomissão foi importante e que não deve

parar. Apesar de no Rio Grande do Sul existir apenas cinco delegacias

especializadas no combate à violência contra a mulher, os números

oficiais registrados são alarmantes. Somente em 2003, foram 52 mil

ameaças, 788 desaparecimentos, 950 estupros, 33 mil lesões corporais e

585 maus-tratos. Sabemos que a realidade é ainda mais dramática, pois o

medo faz com muitas mulheres sequer procurem os órgãos policiais para

registrar ocorrência.

No que tange às delegacias, este Relatório Final não poderia

deixar de mencionar que, pela primeira vez, foi possível reunir todas as

delegadas titulares de Delegacias da Mulher no Estado, além de muitas

delegadas de Postos de Atendimento. O encontro ocorreu em novembro

de 2003 e foi revelador. Além da falta de viaturas, recursos humanos,

material de informática e treinamento pessoal para atendimento

especializado de gênero, as Delegacias da Mulher carecem de coletes à

prova de balas e armas. A situação é, no mínimo, de sucateamento. Em

meio a tantas necessidades, as Delegadas e suas equipes vem

desempenhando o seu papel com afinco, superando os obstáculos e

cumprindo o seu dever.

Na área da saúde, as notícias também não são boas. O Rio

Grande do Sul continua sendo um dos estados com maior incidência de

câncer de mama e colo do útero. Mas o problema é ainda maior, já que o

câncer de pulmão também está liderando as causas de morte. Outro tema

abordado pela Subcomissão Mista de Assuntos de Gênero foi a

mortalidade materna. Apesar das dificuldades em obter números

confiáveis, sabemos que os casos se acumulam e aumentam a cada ano,

principalmente naquelas cidades onde os índices de desenvolvimento

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humano são menores.

Com apoio da Fundação de Economia e Estatística, foi possível,

ao longo dos trabalhos da Subcomissão, tratar também de temas

relacionados ao mercado de trabalho. E novamente as informações são

negativas. Nos últimos dez anos, dobrou o número de mulheres

desempregadas na Região Metropolitana de Porto Alegre. É grave,

também, o fato das mulheres assalariadas receberem até 30% menos dos

que os homens para exercer a mesma função. Como se pode notar, os

dados, os números e as informações não são nada animadoras. Mas isso

não serve como desalento. Pelo contrário. Isso tem que ser motivo de

fôlego para nossa luta. Nesse sentido, esta Subcomissão que ora se

encerra apresenta alternativas e sugestões:

1) Não é mais possível que um Estado do porte do Rio Grande do

Sul tenha apenas cinco delegacias especializadas no combate à violência

da mulher. O Estado precisa ampliar esse número, bem como dotar as

atuais delegacias e postos com melhores equipamentos, mais viaturas e

funcionários, além de treinamento especializado para atendimento das

questões de gênero. Ainda na área da segurança, se faz urgente um

debate sobre cotas para mulheres na Brigada Militar e também na Polícia

Civil. Os dados mostram que a mulher, na corporação militar, ajuda a

diminuir os casos de violência e maus-tratos contra os cidadãos. Ou seja,

com a mulher, a instituição fica mais humana. A questão das cotas é

necessária, pois atualmente apenas 5% do total do efetivo da Brigada é

composta por mulheres.

2) Em relação ao sistema carcerário, é necessário descentralizar o

modelo. A Penitenciária Feminina Madre Pelletier não comporta mais

novas detentas. É preciso que o Estado invista em alas femininas nos

presídios do interior, ou até mesmo construa novas casas prisionais para

mulheres. Se faz necessário, ainda, o incentivo ao trabalho das apenadas,

pois isso é uma forma de inseri-las na sociedade, além de servir de alento

financeiro às famílias. Também é necessário cobrar da Justiça uma ação

para reverter o caso das “presas provisórias”. A superlotação ocorre, em

muito, pelo fato de mulheres ainda não condenadas estarem reclusas na

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penitenciária. Se faz necessário ampliar o debate para uma solução desta

situação.

3) O Governo Federal, em parceria com os Estados, deve,

urgentemente, criar uma força policial especializada no combate ao tráfico

de mulheres. Não é mais possível que um mesmo delegado da Polícia

Federal atue, simultaneamente, em crimes de sonegação fiscal e tráfico de

pessoas. A Polícia Federal necessita ser melhor equipada para fazer frente

às quadrilhas de tráfico de pessoas, já que essas estão cada vez mais

organizadas e estruturadas.

4) O Estado precisa olhar com atenção os números de

mulheres desempregadas. Além de campanhas de conscientização junto

às empresas e sociedade, também é importante que se crie um programa

de incentivo a quem proporciona emprego para mulheres chefes de família.

5) Sobre saúde, as políticas públicas devem ser

incrementadas no sentido de diminuir a incidência de câncer do cólon do

útero, de mama e do pulmão, que são os maiores responsáveis pelos

óbitos femininos. Essa mesma política pública precisa incentivar a

investigação da mortalidade materna, cobrando dos municípios e

instituições a adoção de medidas para baixar a zero essas mortes.

6) Por fim, notamos que o assunto de gênero não se esgota

com este Relatório Final. E seria muita pretensão pensar assim. É

necessário oportunizar, ainda mais, a participação de valorosas entidades

feministas e órgãos públicos no debate com a sociedade, o que ocorreu de

forma intensa durante esses meses em que a Subcomissão Mista de

Assuntos de Gênero funcionou. Mas é necessário avançar. Para isso,

proponho que a Assembléia Legislativa aprove, o mais rápido possível,

a criação de uma Comissão Externa de Assuntos de Gênero para

continuar esse trabalho. Essa é a forma de avançar no debate e

oportunizar que todo o Estado se insira nele.

Deputada Floriza dos Santos Relatora da Subcomissão Mista de

Assuntos de Gênero

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FICHA TÉCNICA

Alessandra Lakus e Fátima Fraga - CoordenaçãoJoão Silvestre - Assessoria de ImprensaRenata Germano - Edição e Diagramação

Apoio Técnico

Eunice Dörr Márcia Besson Fabiana Schneider Marcela Silva Marcelo Machado

Colaboração

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AGRADECIMENTOS

Imprensa

Comissão de Cidadania de Direitos Humanos - AL

Comissão de Saúde e Meio Ambiente - AL

Comissão de Serviços Públicos - AL

Comissão de Educação - AL

Departamento de Comissões Parlamentares - AL

Departamento de Taquigrafia - AL

Departamento de Relações Institucionais - AL

Superintendência de Comunicação Social - AL

Gabinete da Deputada Floriza dos Santos

Gabinete da Deputada Estadual Jussara Cony

Gabinete da Deputada Estadual Leila Fetter

Gabinete da Deputada Estadual Maria Helena Sartory

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ANEXOS

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