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PROFLETRAS: práticas de letramento literário para a Educação Básica PRPG - Editora da UFPB

Livro Profletras - Práticas de Letramento Literário Para a Educação Básica

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PROFLETRAS: práticas de letramento literário para a Educação Básica

PRPG - Editora da UFPB

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

Reitora

Margareth de Fátima Formiga Melo Diniz

Vice-reitor Eduardo Ramalho Rabenhorst

EDITORA DA UFPB

Diretora

IZABEL FRANÇA DE LIMA

Vice-diretor

JOSÉ LUIZ DA SILVA

Supervisão de editoração

ALMIR CORREIA DE VASCONCELLOS JUNIOR

Supervisão de Produção JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS FILHO

Carlos Augusto de Melo Luciane Alves Santos

(Organizadores)

PROFLETRAS: práticas de letramento literário para a Educação Básica

Editora da UFPB João Pessoa

2014

Projeto gráfico

EDITORA DA UFPB

Editoração eletrônica

XXXXX

Capa xxxx

Ficha catalográfica

Profletras: práticas de letramento literário para a Educação Básica/ Carlos Augusto

de Melo...[et al.], organizadores.-- João Pessoa: Editora da UFPB, 2014.

p.

ISBN: xxxxxx 1. Profletras - ensino. 2. Letramento literário 3.Práticas Literárias. 4. Ensino de Literatura. I. Melo, Carlos Augusto de.

Todos os direitos e responsabilidades dos autores.

EDITORA DA UFPB

Caixa Postal 5081 – Cidade Universitária

João Pessoa – Paraíba – Brasil

CEP: 58.051 – 970

www.editora.ufpb.br

Impresso no Brasil

Printed in Brazil Foi feito depósito legal

APRESENTAÇÃO

O mestrado profissional em Letras (Profletras) é um curso de

pós-graduação stricto sensu, de alcance nacional, que tem por

objetivo a capacitação de professores em língua portuguesa para

exercício da docência na rede pública de ensino. Constituído por

diversas instituições de Ensino Superior, o principal objetivo dessa

formação é contribuir para a melhoria da qualidade do Ensino Básico

no país.

O programa foi dividido em duas linhas fundamentais de

pesquisa: “Teorias da Linguagem e Ensino” e “Leitura e Produção

Textual: diversidade social e práticas docentes”. As reflexões

reunidas neste livro dão ênfase à segunda linha, que se volta

precipuamente para o panorama crítico do ensino da língua e da

literatura de língua portuguesa.

Nossa proposta de organização deste material partiu da

contínua necessidade de valorização do ensino e transmissão da

cultura literária na escola. Partimos da premissa de que o

fortalecimento dos laços entre jovens leitores e texto literário se

materializa, sobretudo, na escola e pela intermediação do professor.

Esse trabalho compreende, além do aprimoramento da língua

materna, a capacidade de encontrar, a cada leitura, as ressonâncias

que ligam uma obra a outra, formando um palimpsesto, uma rede de

sentidos a qual se ligam novas leituras de mundo.

Entendemos que a aproximação e o conhecimento das teorias e

críticas literárias desenvolvidas e discutidas no curso de mestrado

tornam-se importantes elementos no reconhecimento das estruturas

da consciência histórica que, invariavelmente, emerge nos textos

literários. E, refletir historicamente envolve também o trabalho da

crítica literária, que, para Roland Barthes, é essencialmente uma

atividade, isto é, uma série de atos intelectuais profundamente

engajados na existência histórica e subjetiva.

Sabemos que a percepção e compreensão histórica do mundo

devem estar intimamente ligadas aos processos educativos. Nesse

sentido, a instituição escolar deve favorecer aos educandos a

capacidade de pensar historicamente, e o papel do trabalho como o

texto literário é, presunçosamente, abordar, discutir e a apresentar

parte (ou grande parte) da complexidade desses tipos de consciência

histórica. A relevância dessa abordagem, como questões indígenas,

afrodescendentes, memorialísticas, entre outras, foram apontadas

nos textos que constituem este volume de estudos sobre letramento

literário e práticas de leitura.

Esperamos que esses apontamentos possam contribuir para a

divulgação dos primeiros resultados obtidos pela parceria entre

docentes do Profletras, mestrandos e comunidade acadêmica que

participa ativamente deste trabalho colaborativo.

Por fim, fica impressa nessa experiência inédita e coletiva, a

sensação positiva de que os primeiros frutos já estão sendo colhidos

e que a força do capital literário tende a se multiplicar e ressignificar

nas escolas públicas brasileiras.

Os organizadores

SUMÁRIO

A leitura literária ainda por vir: uma experiência na docência do

PROFLETRAS .................................................................................. 11

João Carlos Biella

Ensino de literatura, letramento literário e formação de leitor .... 25

Francisco Neto Pereira Pinto Márcio Araújo de Melo

Literatura Afro e/ou Negro-brasileira na sala de aula: propostas

de leituras do texto literário ........................................................... 63

Rosilda Alves Bezerra

Literatura Indígena - a construção da identidade do Índio e o

ensino de literatura ......................................................................... 95

Andrea Bernardes de Lima Carlos Augusto de Melo Wanda Patrícia de Sousa Gaudêncio

Registro das memórias: uma questão identitária ...................... 115

Maria Jose Paulino de Assis Luciane Alves Santos

A leitura literária ainda por vir: uma experiência na docência do PROFLETRAS

João Carlos Biella

O contexto de uma disciplina e seus propósitos

Uma experiência desejada pelas disciplinas de Literatura, na

formação do aluno-mestrando do mestrado profissional (Profletras), é

a de aproximar o professor do ensino básico público de uma potencial

bibliografia sobre o letramento literário. Primeiramente reconhecer-se

como professor de Língua Portuguesa, para resolver as

problematizações acerca da escolha de uma concepção de literatura

no ensino básico, pautada pela leitura literária em sua natureza de

recepção, reforçando assim a qualidade transitiva da experiência

estética.

Tal situação requer um tempo, no ensino fundamental, para a

prática efetiva da leitura de livros de comprovada qualidade estética.

São poucas as aulas reservadas para um projeto amplo sobre a

experiência de leitura literária. Parece haver certa desconfiança com

o ato de ler literariamente na sala de aula.

Desfeita a desconfiança, há um apelo para a criação de

alternativas metodológicas, em um tempo pouco e fragmentado, que

garantam a formação de um aluno leitor de livros literários.

Se a literatura foi escolarizada, então procura-se buscar uma

escolarização adequada, articulada à compreensão da complexidade

do campo literário, mas tentando dar oportunidade de o leitor

empírico, talvez reconhecendo-se no modelo, proposto por Umberto

Eco, e no implícito, por Wolfgang Iser, experienciar a linguagem da

literatura.

No projeto de ensino de leitura, as escolas devem contar com

uma biblioteca eficiente, com um bom e diverso acervo, profissional

para organizá-la. É algo raro, mas desejável. O professor poderá tê-la

como um dos espaços de leitura e diálogo, juntamente com o espaço-

tempo da sala de aula. Saber da existência de políticas públicas,

como o PNBE, é recomendável para se expandir a circulação e

recepção de livros literários.

O objeto centralizador do ensino de leitura literária no ensino

fundamental é o livro didático ou a apostila. Nada mais desapontador

para um encontro de natureza estética do que o fragmento das

leituras propostas por eles. Para a realização de um letramento

literário adequado, nesse caso, o professor poderá propor atividades

nas quais a literatura não seja mero objeto de ensino mas a

possibilidade de alargamento de seus horizontes de expectativas, de

sensibilidade estética e de respostas e perguntas (im)possíveis. A

leitura de livros de ficção e poema não deve ser articulada ao

centralismo redutor dos livros didáticos.

Descrição reflexiva sobre o contato com uma bibliografia

As aulas da disciplina Leitura do texto literário, única

obrigatória da área da literatura, podem ser compreendidas a partir

de cinco eixos temáticos, sob a preocupação de se pensar o ensino

de literatura para o ensino fundamental:

1º A literatura, a escolarização da literatura e o livro didático de

português;

2º Alternativas teóricas e metodológicas para o ensino de literatura;

3º O universo digital e o ensino de literatura;

4º Leis 10.639/03 e 11.645/08: estudo das produções literárias

indígenas, africanas e afro-brasileiras;

5º Um passo adiante: do leitor literário como instância textual para o

leitor real.

A partir do texto Reflexões a respeito de um manual, de

Roland Barthes, observamos que a literatura, via manual, pauta-se

pela perspectiva da historiografia. Assim, para o autor, “[...] a história

da literatura é um objeto essencialmente escolar, que precisamente

só existe por seu ensino” (1988, p. 53). A literatura como prática

passa a ser a literatura como ensino, ou seja, o lugar dos autores,

escolas, movimentos, gêneros, séculos... ou, nos termos de Barthes,

monemas, aquilo que lembramos do tempo colegial. Entre as suas

sugestões de mudança estão a substituição do autor, da escola e do

movimento pelo texto; o direito da polissemia; e o desejo de

manifestar a literatura como mediadora do saber. Assim, um ensino

de literatura para o ensino fundamental que somente tenha o livro

didático de português como recurso didático está fadado a não

oferecer ao estudante nenhuma experiência estética de contato com

o literário. A suposta literatura trabalhada não passa apenas de

pretexto para outras atividades de natureza informativa ou cognitiva.

Propondo uma adequada escolarização da literatura, há

autores que propõem o letramento literário, tais como Graça Paulino,

Zélia Versiani e Rildo Cosson; também textos de Regina Zilberman,

discutindo a necessidade do livro no espaço-tempo escolar e da

escola que queremos para a literatura. São leituras fundamentais os

Parâmetros e as Orientações curriculares que, já há um bom tempo,

sugerem atividades de leitura literária. Para a efetivação do processo

de letramento, notamos a importância da biblioteca e de políticas

públicas como, por exemplo, o Plano Nacional Biblioteca da Escola

(PNBE).

Quanto ao 2º eixo temático - alternativas teóricas e

metodológicas para o ensino de literatura-, a sugestão é a de realizar

atividades de leitura que promovam a interação do leitor com o texto

literário, proposta claramente filiada às teorias recepcionistas,

especialmente nas lacunas, negações e espaços em brancos

observados por Wolfgang Iser. Para tanto, os alunos-licenciandos

foram convidados a ler o “Método Recepcional”, de Bordini e Aguiar

(1988) e também a escrita poética de Bartolomeu Campos de

Queirós, para quem a figura do leitor, no processo de leitura literária,

é fundamental para a sua própria criação:

Não é sem esforços que todo um movimento de formação de leitores literários toma forma definitiva na sociedade. Bibliotecas, salas de leituras, políticas de leitura são incentivadas e definidas. Tudo por reconhecer a função da literatura na construção de uma sociedade mais crítica, inventiva e ágil. Diante do texto literário, todo leitor tem o que dizer. Ao tomar da palavra, o leitor se faz mais sujeito, em vez de apenas sujeitar-se (2012, p. 87).

Uma obra de suma importância, apresentada aos

mestrandos, foi Letramento literário: teoria e prática, de Rildo Cosson.

Nele o autor apresenta estratégias para a leitura literária em sala de

aula. A estratégia é composta por duas sequências: a básica, voltada

ao ensino fundamental, e a expandida, direcionada ao médio. Três

perspectivas compõem as sequências: as técnicas da oficina, do

andaime e do portfólio. Como o foco é o ensino fundamental,

detenho-me na sequência básica, cujas etapas são a motivação,

introdução, leitura e interpretação. Obra importante por materializar

um instrumental metodológico para a leitura efetiva no tempo-espaço

da aula. Não se trata de um manual de aplicação, mas de uma

possibilidade instrumental para ler literatura, atentando

principalmente no acompanhamento do professor na mediação da

compreensão de sentidos. Por também fornecer propostas para a

avaliação do processo de leitura. O professor aparece como uma

mediação necessária para uma franca escolarização da literatura. Em

intervalos de leitura, como sugerido por Rildo Cosson, verifica

dificuldades de decifração, reencaminhando-as, quando possível,

para a interpretação, e também oferecendo, no plano metodológico,

uma possibilidade de interação do leitor com texto literário, pensando

nas propostas recepcionistas da literatura, sugeridas por documentos

oficiais, raramente praticadas em sala de aula.

Quanto ao 3º eixo- O universo digital e o ensino de literatura,

deve-se pensar não apenas na literatura digitalizada mas na literatura

digital. O hipertexto se abre para a possibilidade dos gêneros

literários digitais: hiperpoesia e hiperconto, por exemplo. A dinâmica

interativa do ambiente da internet pode auxiliar nas atividades de

participação criativa dos alunos leitores.

O desafio sobre o 4 º eixo - Leis 10.639/03 e 11.645/08:

estudo das produções literárias indígenas, africanas e afro-

brasileiras- é a escolha das obras para as práticas de leitura literária.

Discutiu-se a questão da autoria. O que é literatura indígena e a

indianista. Assim procedeu-se com a africana e afro-brasileira. Como

passo seguinte, posto tratar-se da literatura infantil e juvenil no ensino

fundamental, observou-se a importância, para o processo de

letramento literário, de se escolher livros que não somente tratam dos

temas transversais propostos pelos Parâmetros Curriculares

Nacionais mas aqueles que tratam do tema de maneira artística,não

somente como cognição ou instrumentalização. Diante da situação

exposta, Cosson e Martins escrevem:

[...] Com isso, talvez se possa investir mais em leituras que se preocupam com a constituição literária dessas obras da literatura infantil e juvenil, articulando e fortalecendo uma estética positiva de identidade étnico-racial pela maneira com que elas se inserem no campo da literatura e não simplesmente pela oportunidade de sua política de representação (2008, p. 65).

Outros aspectos dos eixos 3 e 4 foram problematizados:

1.o lugar da literatura indígena no acervo do PNBE (ensino

fundamental)

2.a literatura indianista e a indígena no acervo do PNBE(ensino

fundamental)

3. a literatura africana e afro-brasileiras no acervo do PNBE (ensino

fundamental)

4. os temas transversais e a leitura literária

5. a literatura infantil e juvenil digital e a digitalizada

6. a aproximação da leitura literária pelo universo dos gêneros

digitais.

“Um passo adiante: do leitor literário como instância textual

para o leitor real” compõe o último eixo temático da disciplina Leitura

do texto literário.

Juntamente com as estratégias de Cosson, flexíveis e que

podem ser expandidas por novas propostas, há de se destacar a

utilização efetiva de práticas recepcionistas e as potencialidades da

perspectiva subjetiva da leitura. Tanto para uma quanto para a outra é

fundamental que as atividades de leitura literária sejam pensadas a

partir de estratégias que possuam o diálogo como o lugar da didática.

Práticas anteriores de leitura dos alunos devem ser ouvidas.

Selecionar e organizar textos que estejam inseridos num discurso

mais amplo, ou seja, não sirvam como apenas exemplo de algo,

como na configuração de textos nas obras didáticas; neste caso, a

posição de Regina Zilbermann (2003) deve ser lembrada:

compreender o livro:

na sua materialidade aproxima-o da situação concreta de seus usuários [...] Um projeto educacional destinado a preparar os indivíduos para o exercício competente da cidadania não supõe,

acredita-se, a exclusão. Se a leitura da leitura deve contribuir para a efetivação dessa meta, ela suporá a experiência total do produto – não o fragmento sacralizador do todo, mas a totalidade dessacralizadora, material e imediata do livro impresso (ZILBERMAN, 2003, p. 266).

Pelo exposto, a vida profissional do professor de Língua

Portuguesa toca uma quantidade considerável de inquietações. Vive

num momento histórico de mudança de concepções, que pautaram e

ainda pautam sua prática.

O trabalho educacional deve ser dinâmico e pensá-lo como

um exercício que assume e compartilha suas próprias dúvidas deve

ser um dos desafios do professor mediador da leitura da literatura no

ensino fundamental.

Tendo como referência final da disciplina a perspectiva os

estudos da francesa Annie Rouxel e de Neide Luzia de Rezende,

falaremos de um processo efetivo de leitura literária para o qual a

participação do leitor real, integrado numa comunidade interpretativa,

é de fato relevante. Da literatura realmente lida, pode-se pensar em

vários registros feitos pelos leitores de suas próprias singularidades.

A leitura é integrada à escrita e a oralidade. Por meio de “manuais de

bordo”, “diários de leitura”, “autorretratos de leitor”, há uma

possibilidade de se avaliar a leitura literária realizada. Observando as

possibilidades de expansão e limite da presente disciplina,

reconhecendo este e atentado para aquele, as palavras de Rita

Jover-Faleiros são oportunas:

[...] não se trata, pois de fazer teoria da(s) leitura(s) empírica(s), mas reconhecer as possibilidades de abrir as vias de pesquisa à incorporação dessa variável para reflexão sobre o ato de leitura (2012, p. 221).

É o momento privilegiado de pensarmos as contribuições da

Estética da Recepção, principalmente na conceituação de leitor

implícito, de Iser, ou o leitor-modelo, por Umberto Eco, e as

possibilidades de reconhecermos, no ensino fundamental, alunos

reais, leitores empíricos, vivendo num lugar coletivo, com a

potencialidade de construírem comunidades interpretativas, em

formação.

Para a concepção da disciplina, escolhas de leitura crítica, e

encaminhamento dos debates, o tema do papel do professor como

mediador do processo de letramento literário foi vital. É ele quem vai

materializar as atividades humanizadoras da literatura, como

apontado por Antonio Candido:

confirma[ndo] no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante (1995, p. 249).

Mas, para tal evento, precisa se reconhecer como um

profissional letrado literariamente, de seu limite e de sua possibilidade

de expansão.

Uma possibilidade expansiva, sugestão da disciplina, é o

conhecimento das propostas da leitura subjetiva, configuradas no

advento do sujeito leitor. Nessa transformação da relação com o

texto, reintroduz, segundo Annie Rouxel (2013), a subjetividade na

leitura, humanizando-a, retomando-lhe o sentido, e isto nos convida a

receber na sala de aula as experiências de leituras dos leitores reais,

os alunos.

Seria a oportunidade de os professores de Língua

Portuguesa, no ensino fundamental, ouvirem seus leitores reais em

suas comunidades interpretativas, levando-os a uma possível

situação de leitura literária, tal qual aquela dita por Bartolomeu

Queiros: “Diante do texto literário, todo leitor tem o que dizer. Ao

tomar da palavra, o leitor se faz mais sujeito, em vez de apenas

sujeitar-se (2012, p. 87).

É um passo adiante, mesmo reconhecendo que as propostas

recepcionistas mal pisaram nas salas de aula do ensino fundamental.

Entretanto é uma potencial passagem de uma cultura literária

distanciada e distanciadora para a existência de uma biblioteca

interior, a presença de sujeitos leitores.

Referências BARTHES, Roland. Reflexões a respeito de um manual. In:___. O

rumor da língua. São Paulo: Brasiliense, 1998.

BORDINI, Maria da Glória; AGUIAR, Vera Teixeira. Literatura: a

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Letras, Passo Fundo, RS, v. 5, n. 1, jan./jun. 2009.

Ensino de literatura, letramento literário e formação de leitor

Francisco Neto Pereira Pinto Márcio Araújo de Melo

Considerações inicias

Neste texto, examinamos alguns trabalhos que discorrem

sobre o conceito de letramento literário com o objetivo de melhor

compreender as caracterizações de leitor pinceladas por alguns

estudiosos que se debruçam sobre o ensino de literatura e formação

do leitor literário. À medida que nos atemos à noção de letramento

literário, procuramos evidenciar quais imagens de leitor vão sendo

construídas nos trabalhos analisados e, mesmo que o conceito de

letramento seja fluido, o que implica dificuldades em postular

consenso sobre as habilidades e competências prontas e acabadas

que deveriam caracterizar o leitor literariamente letrado, nosso

esforço concentra-se em filtrar que visão prevalece: se de leitor ideal

ou real.

Ao passo que esses são os objetivos delineados para esse

capítulo, com o fim de atingi-los trazemos à discussão autores que

inserem suas discussões no campo da pedagogia da literatura, da

poética e da estética, o que é justificado pelo fato de que os

pesquisadores que buscam pensar o letramento literário o fazem

traçando as linhas diferenciais entre esse letramento e os demais por

ancorarem seu pensamento nas especificidades do objeto literário

segundo o que é tradicionalmente estabelecido sobre esse tipo de

arte. Assim sendo, nesse capítulo dividimos nossa argumentação em

dois momentos: no primeiro procuramos agrupar aqueles trabalhos

que excluem a dimensão catártica da leitura literária como

constitutiva do conceito de letramento e, no segundo, apresentamos

trabalhos que alargam esse conceito de modo a abarcar essa e

outras dimensões como caracterizadoras do leitor que faz uso efetivo

da literatura.

Nesse mesmo sentido, relacionamos essas diferentes

visões de letramento literário aos posicionamentos paradigmáticos

neste trabalho chamados de cartesiano e complexo, posto eles

encerrarem concepções, valores, atitudes, percepções e

conformarem visões de realidade e orientarem práticas no mundo

diferentemente, o que implica dizer, portanto, que o modo como os

trabalhos voltados ao letramento literário veem a relação do leitor

com esse tipo de texto, no percurso de formação escolar, está

relacionado não somente às especificidades do literário em si, mas

também ao ensino, à aprendizagem, à educação e ao próprio sujeito

educando.

Ao falar de paradigma, não vamos restringir o significado do

termo à esfera científica, tal como aparece em Thomas Kuhn (2009),

pois nos parece bastante apropriado estender seu raio de

abrangência a outros domínios, como o faz Fritjof Capra (2006), ao

concebê-lo como uma constelação formada por concepções, valores,

percepções e práticas que são compartilhados por uma comunidade

e modela uma visão particular de realidade que, por sua vez,

constitui-se como base da maneira pela qual a comunidade se

organiza.

Compreender as questões paradigmáticas é da maior

importância para os sistemas educacionais, visto que, como coloca

Maria Cândida Moraes (1997), o modelo científico prevalecente em

determinado momento histórico influencia nas teorias voltadas à

aprendizagem que, por seu turno, reverberam efeitos na prática

pedagógica. Assim, não é gratuita a prática do professor em sala de

aula, quer dizer, sua maneira de trabalhar é testemunha de, entre

outras, sua visão de educação, do posicionamento pedagógico

adotado pela escola, do modelo educacional no qual se situa e,

subjacente a tudo isso, encontra-se um paradigma científico com sua

lógica de funcionamento que empresta sentidos a toda cadeia de

relações.

Quanto ao paradigma da complexidade, compreendemos

tratar-se de um conjunto de concepções, visões, princípios, valores e

realizações que, sobretudo, ergue-se em reação ao paradigma ainda

dominante – aquele que se convencionou chamar de cartesiano –

que prima pela simplificação, separação e redução; contudo, não

para negá-lo, mas para ir além, dando ênfase na relação e

solidariedade entre as partes na constituição do todo. A

complexidade, sob esse prisma, não perde de vista as singularidades

associadas às partes, porém tem no horizonte o todo, que pode, às

vezes, ser mais ou ser menos que a soma das partes, dada a

natureza das interações entre elas ocorridas no processo relacional.

A transdisciplinaridade, por seu turno, será assumida como um

princípio do paradigma da complexidade (AKIKO SANTOS, 2009) e

compreendida, a partir de Basarab Nicolescu (1999), como uma visão

diante do conhecimento e do mundo cujo “objetivo é a compreensão

do mundo presente, para o qual um dos imperativos é a unidade do

conhecimento” (NICOLESCU, 1999, p. 53 - grifo do autor).

Leitor de literatura ideal, aqui, é uma expressão tomada de

empréstimo a Hans Jauss (2002a) para nos referir à figura do leitor

de literatura que frequenta as páginas de trabalhos teóricos e

orientações oficiais que versam sobre o que se espera que a escola

forme como leitor literário. Constitui-se, ao cabo, em abstração e em

uma finalidade em si. Para o autor, esse tipo de leitor é aquele que

deve estar equipado não somente com “a soma de todo

conhecimento histórico-literário atualmente disponível, mas também

capaz de registrar conscientemente cada impressão estética e de

ancorá-la numa estrutura de efeito do texto” (JAUSS, 2002a, p. 879).

Por seu turno, ao leitor de literatura real atribuímos o

estatuto de qualquer indivíduo encontrável quer na escola ou em

qualquer outro espaço lendo literatura que, por sua vez, tenha como

suporte físico quer folhas de papel, como em livros, quer a tela de um

aparelho eletrônico, como o computador. Trata-se, então, para usar

as palavras de Paul Zumthor (2007, p. 23), de “um homem particular,

feito de carne e de sangue” com seu peso, estatura e um conjunto de

traços físicos, psíquicos e espirituais que o singulariza. Esse leitor é,

quase sempre, nos trabalhos e orientações voltados à leitura literária

o ponto de chegada, portanto, nessa pesquisa, constitui-se em ponto

de partida.

Do ponto de vista da complexidade, não há leitor ideal, mas

sim indiviso em sua condição de humano, o que implica ser, de

acordo com Edgar Morin (2007, p.15), “a um só tempo físico,

biológico, psíquico, cultural, social, histórico” etc. Assim, como leitor

real estamos nós considerando a pessoa humana de carne, osso e

espírito, dotada de razão, emoção e sexualidade, que é boa e má,

que sonha, angustia-se, sofre e faz sofrer... Por essa razão, nossa

imagem de leitor real coloca-se como dinâmica e plástica, pois se

ajusta a cada sujeito existente ou por vir, seja ele quem for.

Sobre o letramento literário

No que toca aos estudos voltados para o letramento, no

Brasil, remontam à década de 1980 e avolumam-se os trabalhos que

se inserem nessa área de estudos (SOARES, 2001; (KLEIMAN,

2001; TFOUNI, 2005, entre outros), o que não quer dizer, contudo,

que o sentido para o termo letramento seja estável e inequívoco,

pois, como diz Luiz Percival Britto (2004, p. 52), ele “pode ter várias

significações, dependendo do tipo de raciocínio que se desenvolva”

e, por isso, entendemos, com Magda Soares (2004), que letramento

ainda é um termo com sentido fluido, dúbio e impreciso.

No entanto, trazemos aqui o entendimento de que, do ponto

de vista individual, dizer que alguém é letrado hoje significa tomá-lo

como capaz de “viver no mundo da escrita, dominar os discursos da

escrita, ter condições de operar com os modos de pensar e produzir

da cultura escrita (BRITTO, 2005, p.13), ou seja, saber fazer uso

efetivo e competente da tecnologia da escrita, o que envolve

habilidades tais como:

capacidade de ler ou escrever para atingir diferentes objetivos – para informar ou informar-se, para interagir com outros, para imergir no imaginário, no estético, para ampliar conhecimentos, para seduzir ou induzir, para divertir-se, para orientar-se, para apoio à memória, para catarse...;habilidade de interpretar e produzir diferentes tipos e gêneros de texto; habilidade de orientar-se pelos protocolos de leitura que marcam o texto ou de lançar mão desses protocolos, ao escrever; atitudes de inserção efetiva no mundo da escrita, tendo interesse e prazer e ler e escrever, sabendo utilizar a escrita para encontrar ou fornecer informações e conhecimentos, escrevendo ou lendo de forma diferenciada, segundo as circunstâncias, os objetivos, o interlocutor (SOARES, 2004, p. 92).

Entretanto, é bom que digamos que os estudos envolvendo

letramento hoje se desdobram em várias direções, como para os

domínios da matemática e do mundo digital, por exemplos. No nosso

caso interessa-nos compreender como esse conceito pode nos

ajudar a olhar de perto a questão da formação do leitor literário, ou

seja, o que se requer de um sujeito que lê literatura para que se diga

dele como sendo um leitor que faz uso efetivo e competente da

tecnologia da escrita literária de maneiras minimamente esperadas

para sujeitos escolarizados.

É curioso notar que, de acordo com Britto (2004), há um

senso comum, relativamente bem aceito na sociedade, de que entre

as experiências com a leitura, à leitura literária é reservado um status

bem particular, ou seja, ela é compreendida como a forma mais

fundamental da experiência da leitura. Dito isso, surge a pergunta: o

que se espera de um leitor literariamente letrado? O processo de

letramento literário, que se realiza mediante usos de textos literários,

engloba não apenas o uso social da escrita em uma dimensão

diferenciada, “mas também, e sobretudo, uma forma de assegurar

seu domínio” (COSSON, 2007, p. 12).

De acordo com o texto das Orientações Curriculares

Nacionais (OCN), “podemos pensar em letramento literário como

estado ou condição de quem não apenas é capaz de ler poesia ou

drama, mas dele se apropria efetivamente por meio da experiência

estética, fruindo-o” (BRASIL, 2006). Com base na definição acima,

das OCNs (2006), a apropriação efetiva do texto literário por parte do

leitor se dá por meio da experiência estética, que é a leitura do texto,

segundo a perspectiva da fruição que, para o documento, é o mesmo

que prazer estético. A essa visão de fruição poderíamos relacionar o

conceito de aisthesis formulado por Jauss (2002b), que engloba o

prazer derivado da percepção sensível e intelectual, cujos

fundamentos remontam à Poética, de Aristóteles (2005), quando este

fala do prazer que se pode derivar ante uma técnica perfeita de

imitação como também em reconhecer uma imagem original no

imitado.

Parece-nos que essa concepção de fruição, que embasa o

conceito de letramento literário das OCN (2006), exclui a dimensão

passional na comunicação da literatura e seu leitor, que, ao contrário,

comparece no conceito já apresentado de (SOARES, 2004), quando

fala do divertir-se e da catarse. Quando nos voltamos, contudo, ao

pensamento de Aristóteles, vemos que a finalidade da tragédia era a

imitação das ações de pessoas, da vida, da felicidade e desventura,

de modo a inspirar pena e temor e operar a catarse própria dessas

emoções. Assim, no contexto das elaborações deste pensador, quer

lendo, quer assistindo a uma tragédia, o investimento passional no

gozo da obra não constituía aniquilação do caráter estético do objeto

artístico.

Útil é, então, a diferenciação que faz Roland Barthes (1993)

entre prazer e fruição que, embora fenômenos distintos, não são, em

seu pensamento, excludentes. O primeiro relaciona-se ao

contentamento e o segundo ao desvanecimento, isso porque o prazer

envolve a euforia, a saciedade e o conforto e a fruição, por sua vez,

está relacionada à agitação, ao abalo e à perda. O prazer, assim,

volta-se para a emoção, ao passo que, como declara o autor, a

fruição é intransitiva e está “fora de qualquer finalidade imaginável”

(BARTHES, 1993, p. 68).

O prazer é agradável e a fruição pode até mesmo

aborrecer, pois é forjada na tensão que se estabelece entre o texto e

o leitor, do que resulta para este último perda e desconforto, pois o

texto de fruição é aquele que, de acordo com Barthes (1993, p. 22),

“faz vacilar as bases históricas, culturais, psicológicas, do leitor, a

consistência de seus gestos, de seus valores e de suas lembranças,

faz entrar em crise sua relação com a linguagem”. Entendemos,

então, que a fruição advém da crise a que a obra é capaz de fazer

abater sobre o leitor, de colocá-lo em choque com seu universo até

então conhecido, podendo daí o leitor derivar ou não o prazer.

Se, por um lado, o conceito de fruição de Barthes (1993)

não exclui o prazer, embora não se confunda com ele; por outro, os

conceitos de letramento literário – dos autores que estamos

considerando nessa primeira parte de nosso artigo -, não abrem

espaço para a leitura prazerosa na acepção barthesiana, e isso fica

evidente nos trabalhos que discutiremos a partir de agora. Para

Graça Paulino (2004, p. 56), o leitor literariamente letrado é aquele

que sabe escolher suas leituras, que aprecia construções e

significações verbais de cunho artístico e que faz disso parte de seus

afazeres e prazeres. Esse tipo de leitor, ainda de acordo com autora:

tem de saber usar estratégias de leituras adequadas aos textos literários, aceitando o pacto ficcional proposto, com reconhecimento de marcas linguísticas de subjetividade, intertextualidade, interdiscursividade, recuperando a criação de linguagem realizada,

em aspectos fonológicos, sintáticos, semânticos e situando adequadamente o texto em seu momento histórico de produção (PAULINO, 2004, p. 56).

Vê-se que não são poucos os conhecimentos que se

exigem de um competente leitor de literatura. Percebe-se que, para

uma leitura adequada desse tipo de texto, demanda-se não somente

um bom nível de conhecimento linguístico e como esses elementos

significam, bem como a isso se acresce a familiaridade com as

exigências do gênero e das condições de produção do objeto

artístico. Em outro lugar, a mesma autora define o sujeito

literariamente letrado como aquele que cultiva e assume como parte

de sua vida o texto literário, de modo a preservar seu caráter estético,

e que aceita o pacto ficcional proposto e resgata objetivos culturais

em sentido mais amplo e não objetivos funcionais ou imediatos para

seu ato de ler (PAULINO, 2001).

Interessante notar dessas colocações, o fato de ela

enfrentar a árdua tarefa de sublinhar os aspectos que interessam à

formação do leitor literário e o que deve ser desprezado quando a

perspectiva é a do letramento. Vejamos que Paulino valoriza os

aspectos formais e aqueles ligados ao contexto de produção, ou seja,

tantos os elementos interiores quanto os exteriores ao texto são

relevantes no estudo do texto literário. Porém, os objetivos funcionais

aí não entram, e aqui entendemos esse pensamento da estudiosa

como uma referência, por exemplo, ao uso do texto para fins

doutrinais, informativos, históricos, e outros.

No entanto, não são somente esses objetivos que ficam de

fora de uma educação literária. Há também aqueles ligados à

imediaticidade do ator de ler e, nesta direção, o entendemos como

aquilo que Rildo Cosson (2007) chama de entretenimento, que a

leitura literária pode proporcionar, ou, ainda, leitura recreativa, para

tomar de empréstimo a ideia de Anne-Marie Chartier (1999). Cosson

(2007) ainda nos diz que na escola a literatura é um locus de

conhecimento e que deve ser explorada de modo adequado para que

funcione como tal. Porém, conhecimento para o autor restringe-se

àqueles que mobilizam as faculdades racionais com o fim de

conhecer e articular com proficiência o mundo feito de linguagem, o

que equivale, na linguagem do autor, a analise literária.

Trata-se de uma perspectiva interessante, pois rompe com

uma visão de estudo da literatura que se processa inteiramente no

âmbito da história da literatura. Aqui se pode ver que o foco é o texto

literário e sua exploração segundo instrumentos forjados pelas teorias

da literatura e/ou literária. O texto, nesse caso, vem ocupar a cena no

estudo da literatura. Nesta direção, então, para utilizar o pensamento

de Marcelo Chiaretto (2007), a análise literária está na base do

letramento literário, uma vez que disponibiliza procedimentos

geradores e capacitadores que possibilitam a apropriação do mundo

da escrita literária pelos leitores, posto que, para utilizar as palavras

de Paulino (2011, p. 219), a “formação de um leitor de livros exige,

principalmente, uma identificação cultural com o modo de ler esse

objeto”.

O leitor literário, nessa ótica, muito menos importa sua

identificação com a obra literária em si, mas com o modo como se lê

determina obra. A grande questão que aí se coloca é que não há

apenas um modo de ler uma obra literária, porque isso se decide pela

filiação que o leitor faz a esta ou aquela orientação teórica ou mesmo

conforme sua própria história de leitura o possibilite ler. Tal ato, então,

para esses autores, parece acertado afirmar, estabelece relação com

certo modo de ler legitimado por determinadas instâncias

legitimadoras, como, por exemplo, os especialistas da academia que

se ocupam com as leituras literárias. A identificação, pois, não é com

a obra literária em si, muito embora seja o texto literário no centro da

cena de estudo, mas com os modos de ler legitimados por

determinadas instituições com credenciais para dizer como deve ou

não ser lida as obras literaturas.

O modo de ler que podemos inferir desses postulados do

letramento, que apresentamos até agora, a julgar pelos detalhes que

nos oferece Paulino (2001; 2004) e pelo que diz Cosson (2007),

possibilita-nos relacioná-lo, ainda que não exclusivamente, com os

saberes produzidos no campo da Poética. Muito embora essa palavra

não tenha conservado o mesmo sentido ao longo dos tempos,

Tzvetan Todorov (1973) nos assegura que, de um modo geral, a

Poética, aqui nos restringindo à estrutural, “visa ao conhecimento das

leis gerais que presidem ao nascimento de cada obra” (TODOROV,

1973, p. 15).

A Poética não diz respeito ao exame de uma obra particular,

mas do delineamento de leis gerais que presidem o funcionamento

da estrutura do literário, trata-se, logo, de “propor uma estrutura do

funcionamento do discurso literário, uma teoria que apresente um

quadro tal dos possíveis literários, que as obras literárias existentes

apareçam como casos particulares realizados” (TODOROV, 1973, p.

15). Não é uma obra literária em particular que interessa, mas sim as

leis que regem a estrutura segundo a qual o literário se realiza e,

neste caso, “o texto particular não será senão um exemplo que

permite descrever as propriedades da literatura” (TODOROV, 1973, p.

15). Se, por um lado, esse é o interesse da Poética, por outro,

aqueles que se ocupam da tarefa de interpretação dos textos

literários podem nela encontrar instrumentos valiosos que lhes

auxiliem visualizar o funcionamento da estrutura interna do objeto

literário, posto que, nessa ótica:

a interpretação, ao mesmo tempo, precede e segue a Poética: as noções desta são forjadas de acordo com as necessidades da análise concreta, que por sua vez, não pode progredir a não ser que use os instrumentos elaborados pela doutrina (TODOROV, 1973, p. 17).

Em se tratando das consequências do uso dos

conhecimentos da Poética nas salas de aula da escola secundária,

podemos afirmar que, por um lado, os instrumentos elaborados por

ela podem estar a serviço de uma maior compreensão do texto

literário, como colocou Cosson (2007). Por outro, o texto literário

pode também comparecer apenas como mero ilustrativo para

exemplificação de aplicação desses instrumentos, como é o caso do

ensino francês, sobre o qual escreve Todorov (2009) em outro

momento.

Contudo, não é verdade que esses autores postulam uma

incursão no texto literário somente na perspectiva de seus elementos

internos, uma vez que o sujeito literariamente letrado, segundo o

ponto de vista que vimos falando, é aquele que também sabe

relacionar a obra ao seu contexto de produção e que consegue

resgatar objetivos culturais mais amplos. No entanto, mesmo levando

em consideração os elementos internos e externos à obra, há uma

vontade que subjaz a esse projeto, qual seja, o de assegurar uma

abordagem racional, objetiva, do objeto artístico, logo trata-se de

olhar o texto literário segundo uma perspectiva científica, o que

corresponde, segundo Todorov (1973, p. 13), a “um dos sonhos do

positivismo em Ciências Humanas”.

É neste sentido, então, que estamos relacionando

racionalização a esta vertente do letramento literário, posto tratar-se

aí, como vimos, de um esforço em reduzir a abordagem do texto

literário a uma única dimensão, a racional, o que implica, pois, em

excluir do seu sistema lógico aquilo que não se conforma a essa

dimensão. Há, neste ínterim, uma conexão entre essa orientação do

letramento literário e a ordem paradigmática ainda vigente, a

tradicional, cartesiana, e isso se dá pelo fato de que é a lógica dessa

ordem que rege o modo como esses estudiosos formulam seu

entendimento do que vem a ser letramento literário.

O modo de conceber o letramento literário orienta não

somente o modo como se deve ler um texto literário, mas também o

que pode ou não ser entendido como literário, e quando enunciamos

a questão desta forma, estamos no campo dos ‘valores’ relacionados

à escrita e leitura literárias. Egon Rangel (2007, p. 130) nos lembra

que letramento é “um termo técnico que designa e articula entre si

três ordens diferentes de fatores relacionados à linguagem escrita”.

Uma dessas ordens tem que ver com “os valores – inclusive éticos e

estéticos – em nome dos quais a escrita participa da vida social,

assim como os diferentes graus de intensidade dessa participação”

(RANGEL, 2007, p. 130).

São esses valores associados à leitura literária que

orientam a “concepção do que deva ser a ‘boa leitura’” (RANGEL,

2007, p. 131, grifo do autor) e, consequentemente, a má leitura.

Conforme vimos, são os instrumentos da Poética, de uma perspectiva

interna, e recursos de outras áreas que permitem relacionar o texto à

sua exterioridade, como, por exemplo, da história e sociologia da

literatura que garantem uma boa leitura do ponto de vista do

letramento literário na concepção dos autores até agora elencados.

Ler bem, portanto, é ler na perspectiva de valor assumida por essa

determinada vertente do letramento literário.

Conforme Todorov (1973, p. 123), “é uma verdade

incontestável, hoje, que o juízo de valor sobre uma obra depende de

sua estrutura” e que os valores extrínsecos à obra sejam legitimados

pela tradição e, desse modo, acreditamos estar nos avizinhando do

campo da Estética. Embora haja variação quanto ao que se entende

por arte e, por conseguinte, sobre as teorizações a cerca da arte,

entenderemos aqui por Estética a ciência “cujo objeto é o amplo reino

do belo; de modo mais preciso, seu âmbito é o da arte, na verdade, a

bela arte” (HEGEL, 2001, p. 27, grifo do autor).

Para Immanuel Kant (2010), o efeito estético está ligado à

subjetividade do sujeito que entra em relação com determinado

objeto, seja natural ou artístico. A representação estética, para o

autor, é “aquilo que na representação de um objeto é meramente

subjetivo, isto é, aquilo que constitui a sua relação com o sujeito e

não com o objeto é a natureza estética dessa representação” (KANT,

2010, p. 32-33). O sentimento estético que o sujeito experimenta na

relação que estabelece com seu objeto de contemplação está

relacionado ao prazer ou desprazer derivado dessa relação; por isso

podemos dizer que a estética kantiana valoriza a dimensão subjetiva

do sujeito na apreciação de uma obra de arte.

Entretanto, não devemos pensar que as elaborações de

Kant, a respeito da apreciação do belo, estejam voltadas para a

valorização da subjetividade particular, ou seja, não há espaço aí

para que o sujeito goze da obra de arte com todo investimento de

suas paixões, de modo que cada sujeito possa emitir uma opinião

pessoal, e todas elas serem igualmente válidas, mesmo que

divergente. Muito embora o sentimento do belo esteja ligado à

subjetividade, essa mesma subjetividade exige o acordo unânime das

outras subjetividades, pois aquele que aprecia algo na perspectiva do

belo “não tem que denominá-lo belo se apraz meramente a ele”

(KANT, 2010, p. 57, grifo do autor).

Importante frisar que, mesmo em Kant, a subjetividade é

vigiada, porque para que a leitura seja feita na perspectiva do belo, o

atrativo e a comoção podem constituir impurezas que, na perspectiva

do gosto, quer dizer, da faculdade de ajuizar o belo, devem ser

evitados. Assim, a subjetividade de que fala Kant (2010) não deve ser

confundida como uma licença para que cada sujeito ajuíze como bem

o quiser a leitura de um texto literário na perspectiva do belo. Não há,

pois, lugar para as operações catárticas, tal como em Aristóteles, ou

para o prazer barthesiano, e é nesse sentido que entendemos o

postulado de Kant (2010) de que a contemplação do belo é segundo

uma complacência totalmente desinteressada, cujo resultado é, por

sua vez, conforme palavras de Theodor Adorno (2008, p. 27), um

“prazer sem prazer”.

Guardadas as particularidades, outros autores, como Georg

W. F. Hegel (1997; 2001) e Benedetto Croce (1997), que escreveram

sobre Estética, também tiveram o cuidado de limitar a intensidade

das emoções na apreciação da obra de arte bela. Muito embora

sejam as paixões e os sentimentos em seus estados mais imediatos

que animem a fantasia artística (HEGEL, 1997) ou a intuição

(CROCE, 1997), quer no fazer artístico, quer na contemplação, esses

materiais interiores necessitam de ser abrandados, ou expurgados,

tanto no ato de criação como de criação.

Para Hegel (1997), a matéria-prima da poesia (aqui

entendemos como literatura, conforme conhecemos hoje) é a fantasia

e, logo, para o fazer literário, é de interesse a inteira dimensão da

subjetividade humana, dado que o verdadeiro objeto da poesia é o

reino infinito do espírito, que está relacionado ao subjetivo. Porém,

todo esse material não deve se manifestar em estado bruto na arte

literária. Conforme diz o autor, “a poesia não pode se contentar com

as representações puramente interiores, mas que as há de receber

para trabalhar, modelar e exprimir artisticamente” (HEGEL, 1997, p.

379). De modo similar, a leitura de uma obra bela não comporta

comoção em sua contemplação, pois a ocupação com o belo, quer no

fazer artístico, quer na apreciação “propicia o abrandamento do

ânimo” (HEGEL, 2001, p. 29, grifo do autor).

Similarmente, Croce (1997) reconhece que a fantasia é o

que anima o artista na sua criação, mas também, como os outros

estudiosos da Estética já considerados, rejeita incisivamente a

manifestação do passional em sua imediaticidade, quer no fazer

artístico, quer no ato de contemplação. Para o autor, todo o conteúdo

que anima o artista não deve aparecer na obra criativa em sua

figuração imediata, mas, ao contrário, o criador deve

engenhosamente trabalhar “a passagem do sentimento imediato para

sua mediação e resolução na arte, do estado passional ao estado

contemplativo” (CROCE, 1997, p. 128). Escrever e ler literatura, pois,

na perspectiva acima abordada, ou seja, do gosto, não é uma tarefa

que se presta facilmente, dado que, como bem reconhece o autor, “é

sabido que o gosto, nos verdadeiros artistas e nos verdadeiros

entendedores de arte, ‘se afina com os anos’” (CROCE, 1997, p. 132,

grifo do autor).

Qual a relação de tudo isso com o letramento literário? A

conexão que tentamos estabelecer foi uma que relaciona a vertente

do letramento literário, que chamamos de cartesiano, e esses

trabalhos da Poética e Estética que, em suas postulações para a

apreciação da obra de arte, no nosso caso o texto literário, senão

extirpam a dimensão passional do processo, ao menos a cerceiam

em muito sua manifestação. A contemplação de uma obra de arte,

segundo o que vimos até agora, é algo que se circunscreve a poucos,

no mínimo especialistas, e não é, de longe, uma empreitada que se

possa assumir sem arrojado conhecimento da tradição estética,

poética e literária.

Uma das consequências da lógica desse discurso é que ele

exclui os educandos da educação básica do contato efetivo com as

obras literárias, porque pressupõe lograr sucesso em equipar os

estudantes com instrumentos de análise para que eles, ‘algum’ dia,

possam efetivamente entrar em conjunção com o objeto artístico. A

grande questão é que os alunos da escola média ainda são leitores

em formação, e aí se corre o risco de essa formação nem mesmo

começar - na perspectiva da escolarização, conforme nos fala Soares

(1999) -, uma vez que esse é um processo que tem apenas início, e

nunca fim.

Percebemos, de entrada, que aqueles que frequentam a

escola básica são os que ficam do lado de fora da apreciação

estética na perspectiva valorativa de arte que essa vertente do

letramento faz circular, pois a arte que agrada aos jovens, no dizer de

Croce (1997), é a arte passional, qualificada de arroubo barato e que,

longe de despertar o sentimento estético em direção ao gosto,

provoca náuseas. Por seu turno, o artista digno de admiração é

aquele mais difícil e incontestável e a crítica admirável se torna cada

vez mais exigente, fervorosa e profunda.

Parece-nos, pois, bastante crível que há certo esforço a

perpassar todas essas elaborações que se inclina na direção de

reduzir tanto o texto literário quanto o leitor da literatura a um único

nível de realidade, o racional. Se, pois, arte se faz com ideia e

técnica, por que, então, reduzi-la somente a técnica? Se, por um

lado, o artista investe subjetividade e objetividade na construção do

objeto artístico, por que o apreciador deveria, por seu turno, investir-

se apenas racionalmente? O objetivo dessas perguntas é nos levar a

ver que, por tudo o que estamos considerando, nem o texto literário

nem seu leitor são levados plenamente em consideração. São, por

assim dizer, chamados à cena da leitura sempre de modo parcial,

privados da complexidade que os constituem.

Seriam desarrazoadas essas afirmações? Um modo de

verificarmos uma resposta mais complexa a essa pergunta é por

indagarmos pelo lugar da subjetividade em todos esses trabalhos. Há

à subjetividade um lugar assegurado e legítimo aí tal qual é

reservado aos estudos que se realizam mediante a razão? A resposta

parece indicar que não e, assim, vamos afirmar, para adaptar aos

nossos propósitos o pensamento de Michel Foucault (1987), que a

leitura literária por esses trabalhos até agora apontados é, e sempre,

vigiada; sobretudo contra as emoções, o que configura uma

interdição ao bovarismo, para nos valermos do pensamento de Daniel

Pennac (1993), com o fim de evitar que o leitor sobreponha “suas

próprias expectativas de leitor empírico às expectativas que o autor

queria que um leitor-modelo tivesse” (ECO, 1994, p. 16). Essas

nossas conclusões encaminham-se no sentido da argumentação de

Britto (2004, p. 48), quando diz: “mesmo no caso da leitura do texto

literário, em que se valoriza a percepção subjetiva da realidade (...),

prevalece, mesmo de forma mitigada, a centralidade do sujeito

cartesiano”.

Algumas considerações

Porém, na atual conjuntura da escola pública brasileira,

levando em consideração a educação básica, a menor das

preocupações que deveria prevalecer seria a formação de leitores-

modelo, ideal, tendo em mente que o grande desafio que se coloca

ainda se mostra aquém, qual seja, formar em alguma medida leitores.

Quando a escola ignora o mundo subjetivo de seu leitor empírico,

aquele que efetivamente a frequenta, pode ser mesmo que esteja

fadada ao fracasso. Nunca é demais insistir que a literatura não

esgota sua especificidade no nível do racional, mas que lhe é próprio

jogar com muitas realidades que abarcam o real, o imaginário, o

espiritual, o emocional e tantas outras dimensões e níveis de

realidade, pois, como diz Wolgang Iser (2002, p. 958), “há no texto

ficcional muita realidade que não só deve ser identificável como

realidade social, mas que também pode ser da ordem do sentimental

e emocional”.

Percebemos, assim, que o letramento advogado por esse

conjunto de trabalhos tem como alvo a formação de um leitor ideal,

ou seja, aquele que está equipado com o somatório do conhecimento

da tradição literária e que lê literatura e a analisa usando apenas a

faculdade da razão. Essa forma de conhecimento do literário passa a

largo da sabedoria complexa, uma vez que ignora que tanto o objeto

artístico quanto o sujeito aprendiz são cosmos, um todo,

multidimensionais e com vários níveis de realidade. Encerramos,

assim, esta primeira parte do texto com a seguinte pergunta: pode o

letramento literário empreendido de modo a ignorar a dimensão da

subjetividade nos estudos envolvendo a literatura na escola ser

adequado?

Letramento literário na perspectiva da complexidade

Essa parte de nossa investigação tem como objetivo

discutir trabalhar que mostram que levar o letramento literário em

consideração o investimento da dimensão passional por parte

daqueles que leem literatura como característica constitutiva de

leitores competentes desse tipo de texto não é atentar contra o

caráter estético da arte da palavra, pois a noção de valor associada

tanto à criação artística quanto à leitura literária pouco tem a ver com

o objeto em si e mais com posições políticas e sociais a elas

associada, logo, portanto, passível de ser alterada tão logo seja

ajustada nossa escala de valores.

Por essa linha de raciocínio, não é a estrutura da obra

literária, a forma segundo a qual se materializa o conteúdo do

artístico que é determinante para que um artefato literário se torne

uma obra clássica, muito embora esse aspecto contribua, pois aí

importa o modo de organização do texto, o emprego de certa

linguagem e a adesão a uma convenção como fatores contribuintes

para que determinado texto seja literário. Porém, esses elementos

por si só não bastam, pois “a ‘literariedade’ constitui-se também de

elementos externos ao texto, como nome do autor, mercado editorial,

grupo cultural, critérios críticos em vigor” (ABREU, 2006, p. 41, grifo

do autor).

Somente com muita dificuldade encontramos autores que

inserem em seu conceito de letramento a dimensão subjetiva como

constitutiva das habilidades e competências que se espera de um

leitor literariamente letrado, fazendo-o, porém, sem postular uma

subjetividade racionalizada. Em uma orientação parecida a de Márcia

Abreu (2006), Maria Antonieta Pereira (2007) alarga o conceito de

letramento para incluir também a dimensão subjetiva quando se

propõe a pensá-lo como jogo.

Para Pereira (2007, p. 33), “pensar o letramento literário

como um jogo é, portanto, trabalhar com a hipótese de um processo

de leitura que considere uma ampla rede de subjetividades e

sentidos”. Nenhum dos autores que investigamos e que tratam do

letramento literário de forma a conceituá-lo inclui de maneira

nomeada a dimensão subjetiva como constitutiva do conceito, tal

como o faz Pereira que, um pouco mais à frente em seu texto arrola

algumas categorias que certamente ficam de fora na anterior

orientação de letramento de que tratamos. Em suas palavras:

o letramento literário deve assumir, cada vez mais, seu caráter de jogo – de ação livre, executada como expressão da imaginação e catarse, articulada nos níveis do possível, do impossível, do vivido e do contingente, sentida como algo que destrói os estereótipos do cotidiano e instaura o círculo mágico do prazer (PEREIRA, 2007, p. 44, grifo do autor).

Como podemos perceber, não há uma negação da

dimensão subjetiva no processo de leitura de uma obra literária no

conceito expresso por Pereira (2007) e, se é verdade que os demais

autores com os quais já dialogamos não a negam explicitamente,

pela rede de sentidos que pudemos estabelecer, não o fazem pela

impossibilidade mesma que implica o conceito de estético, dado que

a subjetividade segundo a lógica que os orienta deve ser purgada,

expressa de forma serenizada, para não dizer racionalizada.

No entanto, no excerto do texto de Pereira (2007) podemos

perceber que há uma valorização da subjetividade e com ela algumas

categorias antes recusadas, como a imaginação e a catarse, o

possível e o impossível, o vivido e o prazer. Vale ressaltar que este

último termo, o prazer, não comparece aqui acompanhado do adjetivo

desinteressado, tal como o é em Kant e, por conseguinte, nos demais

que se filiam à sua orientação estética. Temos, pois, nesta definição

de Pereira (2007) do que vem a ser letramento literário, um resgate

do que foi deixado de fora e, mesmo rejeitado, nas definições

anteriormente explicitadas.

É digno de notar que essa conceituação elaborada por

Pereira (2007) reabilita à legítima leitura literária a dimensão catártica

aristotélica bem como o prazer barthesiano. Desse modo, as

percepções sensível e intelectual, fruição e prazer não entram na

ordem da leitura literária em regime de exclusão e, à medida que

cada uma dessas dimensões guarda suas particularidades,

complementam-se, o que, certamente, torna a leitura literária mais

rica e complexa. É nesse sentido que lemos as palavras de Pereira

(2007, p. 33) quando ainda está elaborando seu conceito de

letramento literário: “mas também requer dos sujeitos envolvidos em

seu processo de ensino-aprendizagem níveis de reflexão cada vez

mais dinâmicos e complexos”.

Neste ponto de nossa argumentação, queremos relacionar

os estudos de Abreu (2006) e Pereira (2007) à lógica do paradigma

complexo, conforme já explicitamos, com base em Moraes (1997) e

Morin (2008). Neste ínterim, podemos dizer que esse conceito de

letramento literário funciona segundo a lógica da racionalidade, e não

da racionalização, posto que não rejeita, não exclui de seu sistema

lógico aquilo que lhe contraria, como, por exemplo, o impossível e a

contingência.

Isso nos leva ao princípio dos diversos níveis de realidade

que se estruturam segundo lógicas diferentes, o que constitui um dos

pilares do pensamento transdisciplinar, tendo em vista que podemos

visualizar aqui um conceito de letramento que não rejeita os

instrumentos da Poética e que pode abrir caminhos para que a

Estética tenha mais a dizer ao ensino da literatura, uma vez que

legitima a subjetividade como uma dimensão fundante e não menos

digna do que qualquer outra no fazer, fruir e derivar prazer da arte,

sem, contudo, os cerceamentos da objetividade.

No ensino básico, objetividade e subjetividade não

precisam rivalizar, quer dizer, de uma perspectiva transdisciplinar,

cujo fundamento é o paradigma da complexidade, esses níveis,

mesmo funcionando segundo lógicas diferentes, não guardam

nenhuma hierarquia sobre o outro, o que significa que o estudo da

literatura não precisa aspirar à objetividade com prejuízos à

subjetividade. Todos os níveis têm a mesma importância e o que

precisa ser empreendido é uma educação que alargue os níveis de

percepção do educando, para que se possa conseguir passar de um

nível ao outro em uma relação de complementaridade e não de

exclusão.

Nesse sentido, o letramento literário poderá ser um

instrumento eficaz na formação de leitores aptos a perceberem os

jogos de linguagem em seus matizes sintáticos, fonéticos,

fonológicos, semânticos... logo, da ordem do racional, como também

a buscarem na literatura aquilo que dê forma às suas angústias,

desejos, alegrias e etc. Buscar, enfim, nos textos literários aquilo que

dê sentido à sua vida. Assim sendo, segundo a lógica do discurso do

novo paradigma, as duas vertentes do letramento literário não estão

em relação de exclusão, ou seja, ambas têm algo de muito

importante a falar sobre a formação do leitor literário, colocando-se,

pois, em relação de complementaridade. Porém, essa última

orientação já guarda uma relação de correspondência com a lógica

do novo paradigma e se adéqua aos postulados da

transdisciplinaridade e, por isso, estamos chamando-a de complexa.

O ensino da literatura necessita adaptar-se aos novos

tempos e necessidades, quer sejam aquelas que operam na

sociedade como um todo, quer aqueles que dizem diretamente da

educação e, nesse sentido, uma das razões para a abertura do

conceito de letramento a outras maneiras de se relacionar com o

literário está ligada à emergência das propostas educacionais

transdisciplinares que, no dizer de Pereira (2007), importa em uma

das mais significativas consequências paradigmáticas na produção

do saber.

A orientação anterior, a vertente que estamos chamando de

cartesiana, embora, ao que parece, seja majoritária no campo de

pesquisa do letramento literário, precisa alargar seus horizontes no

que concerne às realidades que importam ser consideradas quando a

questão é a formação de leitor literário, posto que a literatura, pela

sua própria natureza, demanda do leitor investimento tanto de

natureza objetiva quando subjetiva e, neste processo, ela exige que o

leitor a ela se entregue por completo. É, pois, rumo à totalidade que o

letramento deve avançar, tal como o está fazendo Abreu (2006) e

Pereira (2007), sob pena de promover uma formação que já em seus

primórdios nasce mutilada.

Algumas considerações

Das considerações que fizemos sobre a relação entre

Poética, Estética e letramento literário - na vertente cartesiana, vimos

que a preocupação é, antes, somente com o objeto, a arte, a

literatura, com modos de ler, e isso de modo parcial, bem

segmentado, nunca com aquele que contempla, que aprende a ler

literatura. No enfoque da educação complexa, transdisciplinar, tudo

isso é levado em consideração, e o aprendiz passa a ser visto não

como um ser que deve aprender usando apenas a faculdade da

razão e levado a racionalizar as emoções, ao contrário, agora ele “é

um ser indiviso, para quem já não existe a fantasia da separatividade

entre corpo e mente, cérebro e espírito, lado direito e esquerdo”

(MORAES, 1997, p. 138), isso porque, como diz Morin (2007), o ser

humano é a um só tempo físico, biológico, psíquico, cultural, social,

histórico.

Importante trazer à atenção o fato de que não há mais

hierarquias entre razão e emoção, pois a lógica do novo paradigma é

a racionalidade e não a racionalização e, se assim é, os pares

subjetividade/objetividade, interno/externo, racional/irracional e

outros, deixam de ser vistos como excludentes e passam para um

regime de complementaridade. Se a literatura corresponde “a uma

necessidade universal, que precisa ser satisfeita e cuja satisfação

constitui um direito” (CANDIDO, 1995, p. 242), a preocupação da

escola aqui mais uma vez se desloca, passando, assim, do ensino à

aprendizagem, uma vez que mais que ensinar, a escola precisa

concentrar sua atenção na aprendizagem do aluno.

Nessa perspectiva de ensino da literatura, sob a ótica do

letramento orientado pelo paradigma da complexidade, segundo

princípios da transdisciplinaridade, os procedimentos da Poética têm

seu lugar, bem como a Estética, somente os valores associados à

leitura literária deixam de ser racionalizantes e, neste caso, então, a:

literatura pode muito. Ela pode nos estender a mão quando estamos profundamente deprimidos, nos tornar ainda mais próximos dos outros seres humanos que nos cercam, nos fazer compreender melhor o mundo e nos ajudar a viver (TODOROV, 2009, p.76).

Estamos, assim, nesse trabalho, em especial nessa seção,

procurando ensaiar um modo de ver o ensino da literatura em uma

perspectiva que não seja do fragmento, da exclusão, mas de forma a

admitir que muitas são as potencialidades do texto literário e de seu

destinatário, o leitor e, nessa relação, o processo pode ser de uma

riqueza e natureza tais que, por mais esforços que façamos, talvez

não o possamos apreender em sua totalidade, exatamente porque

entendemos que a totalidade é assim, sabemos que ela existe, mas

nunca conseguimos esgotá-la, senão visualizar apenas pequenos fios

que a tecem. A literatura encerra mundos, o sujeito que a lê, também.

São mundos, logo, em conexões e, aí, é forçoso que o conceito de

letramento literário se alargue de modo a apontar para aquele

momento da relação, como aponta Algirdas Greimas (2002), em que

o objeto literário atinge seu potencial supremo e o leitor morre, ou

alcança o êxtase em vida.

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Literatura Afro e/ou Negro-brasileira na sala de aula: propostas de leituras do texto literário

Rosilda Alves Bezerra

Literaturas afro-brasileira e/ou negro-brasileira: conceitos e discussões

A implementação da Lei 10.639/03, que obriga a inserção

de conteúdos de História e Cultura Afro-brasileira e Africana nos

currículos da Educação Básica, possibilitou um novo olhar por parte

dos docentes para as Literaturas afro-brasileira e africanas, e de que

forma essas literaturas poderiam ser aplicadas em sala de aula, uma

vez que não havia conhecimento sobre elas, material disponível ou

até a falta empenho por parte de alguns grupos voltados para a

docência, que discordam com o uso das expressões “afro-brasileira”

ou “negro-brasileira”. As duas expressões são utilizadas para

identificar os aspectos culturais, sociais e de pertencimento étnico-

racial contidos nas obras de autores e autoras, que representam em

sua diversidade uma visão política da literatura nesta área. Assim,

após onze anos da implementação da lei houve um esforço por parte

do poder público no sentido de divulgar um razoável número de

material que pudesse auxiliar nas atividades docentes e discentes.

Em “Literatura e afrodescendência”, Duarte (2008) destaca

cinco aspectos, que são suportes para a definição de uma literatura

afro-brasileira, porém, avisa que o conceito ainda está em

construção, pois algumas lacunas ainda não foram devidamente

preenchidas, com possibilidades de acréscimos no respaldo para o

entendimento dessa nova tipologia literária. A temática, a autoria, o

ponto de vista, a linguagem e o público são imprescindíveis, na

opinião de Duarte, para se identificar um texto que represente a

literatura afro-brasileira. O crítico afirma que esses aspectos

retomariam uma precisão mais voltada para a sensibilidade de

compreensão para uma literatura representativa do povo negro.

Nesse sentido, a temática está ligada aos aspectos

culturais e religiosos relativo à identidade e às culturas dos povos

afro-descendentes em sua linhagem especificamente negra. Assim, o

que estiver relacionado ao processo de escravidão, até à

revalorização cultural africana, deve ser considerada como temática.

É nesse contexto que Duarte destaca autores representativos da

literatura negra, como Maria Firmina dos Reis, Solano Trindade,

Domício Proença Filho, Paulo Lins, Maria Carolina de Jesus, Lima

Barreto, Oswaldo Camargo, Conceição Evaristo, Oliveira Silveira e,

principalmente, os poetas e ficcionistas envolvidos nas produções de

Cadernos Negros.

A “autoria” é outro aspecto relevante para a identificação da

literatura afro-brasileira, segundo Duarte, no entanto, é necessário o

cuidado para não cometer determinadas confusões, pois esse é um

ponto delicado. Autores como Castro Alves, que foi durante muito

tempo enaltecido como “poeta dos escravos”, por exemplo, não

constaria dentro dessa possibilidade de autoria de literatura afro-

brasileira. Duarte chama a atenção para o não reducionismo em

relação ao autor negro, no sentido de ser evidenciada apenas a cor

da pele ou a condição social do escritor. Na perspectiva de ir além do

tom da pele, o pesquisador destaca os autores Cruz e Sousa e

Machado de Assis. Há uma controvérsia pelo lado da crítica em

indicar Machado de Assis, como um autor da literatura negra ou afro-

brasileira, pois estaria além disso, por se tratar de uma relevante

figura literária do Brasil. Duarte insiste na autoria de afrobrasilidade,

quando revela a participação decisiva do autor na literatura:

Cronista,crítico literário, poeta e ficcionista, em nenhuma página de sua vasta obra encontramos qualquer referência a favor da escravidão ou da pretensa inferioridade de negros ou mestiços. Muito pelo contrário. E, mesmo descartando a retórica

panfletária, a ironia, por vezes sarcástica, e a verve carnavalizadora com que trata a classe senhorial dão bem a medida de sua visão de mundo. O lugar de onde fala é o dos oprimidos e este é um fator decisivo para incluir sua obra no âmbito da afro-brasilidade (DUARTE, 2008, p. 15).

Na mesma proporção temos a literatura do autor Cruz e

Sousa (1995), que durante muito tempo ficou destinado a escrever

sonetos simbolistas, extremamente ligado ao Simbolismo francês,

mas de sua autoria significantes poemas reforçariam a autoria negra,

identificados nos traços poéticos dos textos “Emparedado” e

“Crianças negras”, emblemáticos na construção e na discussão em

relação ao negro no Brasil. “Emparedado” é uma prosa poética, que

mostra as cicatrizes e a falta de superação, a desesperança em

relação ao mundo, representado pelas mágoas de um homem negro

que é hostilizado por uma sociedade racista.

No ensino de literatura, os poemas de Cruz e Sousa,

geralmente, são analisados, apenas sob o ponto de vista do

Simbolismo, e o docente, muitas vezes, fica refém do livro didático,

sem a curiosidade de ultrapassar o que já foi determinado em termos

de conteúdo. Nesse contexto, os vários fragmentos de “Emparedado”

são um convite para que o professor e o aluno possam refletir sobre a

condição do homem na sociedade que empareda, ou seja, que não

permite ao homem atingir seus objetivos, vencendo com seus méritos

as adversidades impostas, dos que impediam a sua ascensão social

e a divulgação de sua arte literária. Ou seja, “Emparedado” não deixa

de ser uma representação autobiográfica de Cruz e Sousa e as

dificuldades pelas quais o poeta teve que enfrentar.

O “ponto de vista” elencado por Duarte (2008) faz parte do

que seria essa relação de pensamento social com a literatura afro-

brasileira. Segundo o autor, o ponto de vista configura-se em

“indicador preciso não apenas da visão de mundo autoral, mas

também do universo axiológico vigente no texto, ou seja, do conjunto

de valores morais e ideológicos que fundamentam opções até mesmo

vocabulares presentes na representação” (DUARTE, 2008, p. 15).

Nesse contexto, Duarte destaca o autor esquecido nos livros

didáticos de Literatura Brasileira, Luís Gama, o único livro publicado

em 1859, Trovas Burlescas de Getulino. Vale ressaltar, que dez anos

após a publicação de Trovas Burlescas, Castro Alves protagonizava o

título de “Poeta dos escravos”, com a publicação de “Navio negreiro”,

no livro Os escravos, em 1869. O aspecto importante, que também

permanece oculto nos livros didáticos, é o fato do poema ter sido

publicado quase vinte anos depois da promulgação da Lei Eusébio de

Queirós, que proibiu o tráfico de escravos, em 4 de setembro de

1850. Entretanto, o motivo da reflexão é destacar que Luís Gama

esteve muito mais presente nessa batalha, uma vez que seus

poemas denunciavam a situação do negro perante à sociedade

brasileira.

O ponto de vista trata-se de um elemento importante dentro

do contexto da história do negro no Brasil, principalmente, quando

esse ponto de vista é destacado por um poeta, que foi além de sua

própria arte, destacando-se nas funções de jornalista, abolicionista e

revolucionário. Luís Gama desprezava a aristocracia, que se

considerava superior, e esse desprezo foi violentamente escrito nos

verso de Trovas Burlescas. Nos livros didáticos, a figura de Luís

Gama, grande líder do povo negro, não foi contemplado.

O poeta Luís Gama nasceu em 21 de junho de 1830, filho

de Luiza Mahin e um fidalgo de família baiana. Segundo a história, a

mãe participou da Revolta dos Malês, em 1935 e da Sabinada, em

1937. Conta a história que a separação entre mãe e filho ocorreu

nesse período, quando Luís Gama contava com 10 anos de idade. O

pai do futuro poeta, um fidalgo de uma tradicional família baiana, o

vendeu para pagar dívidas de jogo. A partir de 1847, morando em

uma fazenda em Lorena, interior de São Paulo, teve a oportunidade

de ser alfabetizado, e no ano seguinte, ingressa na Força Pública da

Província, fazia parte de um grupo de soldados que defendiam a

corte portuguesa das constantes rebeliões. O interesse pela política

ocorre, principalmente, quando foi trabalhar como soldado particular

do Conselheiro Furtado de Mendonça, proprietário de uma vasta

biblioteca. Em 1850, Luís Gama passa a frequentar o curso de Direito

na tradicional faculdade Largo São Francisco, porém, não consegue

concluir os estudos, pelas fortes pressões sofridas por parte de

professores e estudantes. Seis anos depois, é expulso da Força

pública por má conduta, e por ter respondido a altura um oficial que o

insultara, Luís Gama passou trinta e nove dias preso. O trabalho de

amanuense da Secretaria de Polícia durou até 1869, quando foi

demitido por ter um posicionamento em favor aos direitos dos negros

(AZEVEDO, 1999).

Em Trovas burlescas, Luís Gama tem posicionamento firme

em relação à aristocracia brasileira, mas não perdoava os negros que

não se identificavam como tal, quando tinham acesso à universidade

ou quando contribuíam para a opressão contra outros negros.

Defendeu os negros não somente em seus poemas ou nos ensaios

jornalísticos, mas, principalmente, no fórum, a partir do que tinha

aprendido na faculdade de Direito. Conhecido como o defensor de

escravos e crítico da aristocracia, também atuou a favor dos escravos

foragidos e fundou a Mocidade Abolicionista. Após anos de luta, o

poeta faleceu no dia 24 de agosto de 1882, seis anos antes da tão

almejada Lei da Abolição, em 1888. A sua obra foi ignorada durante

muito tempo pelos currículos escolares, mas ganha fôlego com a lei

10.639/03, com o estudo voltado para o reconhecimento do poeta

autodidata e revolucionário em sua época (AZEVEDO, 1999).

O poema mais representativo de Luís Gama, “Quem sou

eu?”, destaca o ponto de vista do autor negro, carregado de sátira e

zombaria destinada à classe nobre brasileira, traz uma crítica àqueles

que o acusam de “bode”, como forma de identificar o negro de modo

depreciativo e inferiorizado. Luís Gama, em “Quem sou eu?”, não se

deixa intimidar, defende-se das acusações, criticando a sociedade

que se acha superior ao negro. O poema inicia com afirmações

modestas pelo eu lírico, mas o tom de humildade talvez seja usado

apenas para despistar (“pobre monge”, “não sou vate”, “digo muito

disparates”, “louco”, “pateta”…), pois faz questão de afirmar que foge

sempre à hipocrisia dos representantes aristocratas, fidalgos e

barões… Vejamos alguns versos:

(…) Se negro sou, ou sou bode Pouco importa. O que isto pode? Bodes há de toda a casta, Pois que a espécie é muito vasta. Há cinzentos, há rajados, Baios, pampas e malhados, Bodes negros, bodes brancos, E, sejamos todos francos, Uns plebeus, e outros nobres, Bodes ricos, bodes pobres, Bodes sábios, importantes, E também alguns tratantes Aqui, nesta boa terra Marram todos, tudo berra; Nobres Condes e Duquesas, Ricas Damas e Marquesas, Deputados, senadores, Gentis-homens, veadores; Belas Damas emproadas, e nobreza empatufadas; Repimpados principotes, Orgulhosos fidalgotes,

Frades, Bispos, Cardeais, Fanfarrões imperiais, Gentes pobres, nobres gentes Em todos há meus parentes. (…)

A negritude (MUNANGA, 2009) de Luís Gama acontece na

sua consciência, o poeta sabe que a sociedade miscigenada do país

não pode ficar de fora dessa família de “bodes”, como o próprio eu

lírico afirma: “Em todos há meus parentes”. Ou seja, a imagem que o

poeta forma é coletiva, não apenas o próprio Luís Gama é “bode”,

com ar de “fidalgote”, como destaca, mas todos os seus compatriotas

são bodes, porque “bodes há de toda casta”, no sentido étnico isso

inclui grande participação da população brasileira.

Damasceno (2003, p. 46) argumenta que “o poeta assume

o epíteto que lhe foi lançado como desairoso de “negro ou bode” e o

reverte para aqueles que o lançaram. Utiliza a arma do atacante para

voltá-lo contra o próprio, satirizando o ideal de nobreza e de pureza

de sangue numa sociedade”. Nesse sentido, “Quem sou eu” é um

poema plural, multifacetado, que não trata apenas da diversidade,

mas da própria identidade sem máscaras. A sua identidade poética

firmou-se também pela absorção do outro e não apenas pela

confirmação de si mesmo. Nesse contexto, o negro passa de objeto a

sujeito da enunciação, assume um discurso em primeira pessoa,

rompe com a tradição. Sendo assim, pode-se afirmar que o discurso

poético de Luís Gama é um discurso de resistência, de fundamental

importância para a construção de uma identidade negra.

Na mesma linha de pensamento, Bernd (1987) concorda

com o crítico Antonio Candido, quando aponta a transgressão como

um fator essencial a conferir a especificidade à literatura dita negra.

Para Bernd (1987, p. 17):

Luís Gama seria o primeiro escritor que, ainda no período escravagista, teria transitado na contramão, isto é, teria representado o momento de inversão em que o negro passa a fazer troça do branco. Num prodigioso poema satírico, Quem sou eu?, Luís Gama desmonta a sociedade de seu tempo ao reverter o sentido pejorativo da palavra “bode”, usada pelos brancos para ofender os negros, e passa a ostentá-la com humor e ironia, estendendo os “atributos” do bode aos demais segmentos da sociedade como a nobreza, o clero e os militares.

O poeta possui uma auto-crítica, pois além de indicar os

vícios de uma sociedade submetida aos desmandos de quem tem a

utoridade, verifica que a perseguição para quem é diferente torna-se

real e quem não ler na cartilha dessa sociedade passa a ser inimigo.

A ironia do poema no que diz respeito à comparação com o “bode”,

essencialmente, na função de identificar o outro como um ser inferior,

aniquilado, faz com que o poeta inverta a situação e coloque no lugar

do inferiorizado e ridicularizado, àquele que o acusa de ser negro. A

vitimização não faz parte de seu vocabulário, destaca a capacidade

de criticar e de se fazer ouvir a partir de suas próprias críticas.

O ponto de vista também pode ser observado no conto de

Machado de Assis, “Pai contra mãe”, no qual a ironia torna-se a

principal figura de linguagem, ao destacar na introdução algumas

atividades e produtos ligados ao período da escravidão no Brasil,

particulamente aos negros que resistiam à escravidão. Passagens

como a descrição das máscaras de folha de flandres, e de que elas

servem para impedir o roubo feito pelos escravos, são provas de

intensa ironia colocada pelo autor:

Tinha só três buracos, dous para ver, um para respirar, e era fechada atrás da cabeça por um cadeado. Com o vício de beber. perdiam a tentação de furtar, porque geralmente era dos vinténs do senhor que eles tiravam com que matar a sede, e aí ficavam dous pecados extintos, e a sobriedade e a honestidade certas. Era grotesca tal máscara, mas a ordem social e humana nem sempre se alcança sem o grotesco, e alguma vez o cruel. Os funileiros as tinham penduradas, à venda, na porta das lojas. Mas não cuidemos de máscaras (ASSIS, 1990, p. 17).

A descrição dos aparelhos de tortura, assim como a ironia

utilizada para identificar o escravo, que não mais roubaria ou beberia

porque usava uma máscara de folha de flandres, demonstra a ironia

que culmina em crueldade. A narrativa reforça o grotesco da profissão

de buscar escravos fugidos, pois no caso do conto, a escrava fugida

está grávida, mas aborta quando é capturada e levada ao seu dono.

O homem que a prende tem um amor especial pelo seu próprio filho,

que não pretende deixá-lo na roda dos enjeitados, e que fará o

impossível para continuar criando, mesmo com as condições

imprevisíveis e adversas, que permeiam a sua família.

A miséria e as diferenças sociais fazem parte do contexto

em todos os sentidos, iniciando pelos aparelhos do Estado, com que

se pretende controlar a sociedade; o fato de identificar que “dinheiro

também dói”, quando resolve não avariar a mercadoria (o escravo)

para não perder o investimento. Enfim, o tratamento com as pessoas,

a captura da escrava Arminda, a profissão de Candinho (capturador

de escravos), traça um paralelo nas condições de miséria e pobreza

que unem os que foram reproduzidos pela pobreza gerada pela

escravidão. A permanência da violência para manter a ordem, a

submissão das pessoas e o próprio senso de justiça, cujos fins não

justificam os meios, mas que na concepção de Candinho, que havia

recuperado a liberdade do filho às custas da prisão de sua vítima,

justifica-se a partir do momento em que acredita na desculpa para a

sua história: “nem todas as crianças vingam”.

Em Machado de Assis afrodescendente, Duarte (2007)

explica que Machado de Assis, apesar de não assumir uma postura

militante em relação à escravidão, teve relevante influência no que

diz respeito ao movimento abolicionista. Para Duarte (2007, p. 10),

Machado de Assis “empenhou-se a seu modo na luta pela abolição,

não apenas como colunista e colaborador ativo, mas também como

acionista da Gazeta de Notícias – um dos jornais de maior circulação

na Corte –, cujas posições eram francamente contrárias à

escravatura”. O referido livro contempla uma antologia organizada por

Duarte, que insere ensaios e notas da obra de Machado de Assis,

que comprovam a participação do autor em várias obras, destacando

um retrato crítico e irônico a respeito da escravidão no seu tempo.

O ponto de vista forma outro aspecto do texto afro-brasileiro,

assim, Duarte (2008, p. 17) argumenta que “a assunção de um ponto

de vista afro-brasileiro atinge seu ponto culminante com a série

Cadernos Negros, do grupo paulista Quilombhoje, que, desde 1978,

publica volumes anuais de prosa e poesia”. A poesia e a prosa

difundidas em Cadernos Negros fazem a diferença e produzem o que

pode ser observado nas relações de classe e de cor, típicas da

sociedade brasileira. Nos contos e poemas de Cadenos Negros,

vozes de autores negros contemporâneos emitem o tom do

compromisso com a escrita, com a consciência e, principalmente,

com a população brasileira que é marginalizada. No poema “Teimosa

presença”, de Lepê Correia (1998, p. 92), publicado em Cadernos

Negros: melhores poemas, constatamos a luta diária e a resistência

do negro por um país mais justo e igual:

Eu continuo acreditando na luta Não abro mão do meu falar onde quero Não me calo ao insulto de ninguém Eu sou um ser, uma pessoa como todos

Não sou um bicho, um caso raro Ou coisa estranha Sou a resposta, a controvérsia, a dedução A porta aberta onde entram discussões Sou a serpente venenosa: bote pronto Eu sou a luta, sou a fala, o bate-pronto Eu sou o chute na canela do safado Eu sou um negro pelas ruas do país

Nesse sentido, o poema de Correia (1998), tanto pode

representar o ponto de vista quanto a linguagem. Segundo Duarte

(2008), a linguagem constitui em um dos fatores primordiais da

diferença cultural no contexto literário: “a afro-brasilidade tornar-se-á

visível já a partir de uma discursividade que ressalta ritmos,

entonações, opções vocabulares e, mesmo, toda uma semântica

própria, empenhada muitas vezes num trabalho de ressignificação

que contraria sentidos hegemônicos na língua” (DUARTE, 2008, p.

18).

Nessa linha de pensamento, o aspecto da linguagem no

universo afro-brasileiro, também é destacado no poema de Solano

Trindade (2006), “Sou negro”, que traz um sentimento de valor da

ancestralidade, o significado do reconhecimento em relação ao seu

povo, aos avós, que lutaram pela liberdade:

Sou negro meus avós foram queimados pelo sol da África minh’a alma recebeu o batismo dis tambores atabaques, gonguês e agogôs Contaram que meus avós

vieram de Loanda como mercadoria de baixo preço plantaram cana pra o senhor do engenho novo e fundaram o primeiro maracatu. Depois meu avô brigou como umdanado nas terras de Zumbi Era valente como o quê Na capoeria ou na faca eoscreveu não leu O pau comeu Não foi um pai João humilde e manso Mesmo vovó não foi de brincadeira Na guerra dos Malês ela se destacou Na minh’a alma ficou o samba o batuque o bamboleio e o desejo de libertação…

Solano Trindade é reconhecido por sua linguagem voltada

para a valorização do povo negro. O poema “Sou negro” é um

exemplo desse compromisso com a marca da simbologia negra, no

sentido positivo, afirmativo, o poeta traça uma narrativa poética da

representação dos seus antepassados. Na primeira estrofe a

apresentação ocorre retomando às suas origens africanas: “minh’a

alma recebeu o batismo dos tambores/ atabaques, gonguês e

agogôs”, a musicalidade, as festas, a celebração de uma vida, que

apesar das adversidades, comemora e se orgulha dos avós, que

foram trazidos para o Brasil, arrancados de suas terras em Angola e

vendido como mercadoria de valor irrisório.

Os problemas enfrentados pelos seus antepassados, e a

forma como viveram no Brasil, “plantando cana”, “fundando o primeiro

Maracatu”, traz na lembrança do poeta a imagem de um povo que

trabalhou, foi explorado, mas que não foram submissos,

principalmente na passagem em que mostra a luta dos avós “nas

terras de Zumbi”, destacando a resistência de seu povo contra os

maltratos e a não-passividade em relação ao desmandos do

colonizador. O poeta retrata a relação de seus avós com a Revolta

dos Malês, a luta da avó no objetivo pela liberdade, com a

valorização da música, do batuque, como símbolo de uma herança

africana, da ancestralidade e da resistência da identidade negra que

não cansa de lutar pela liberdade e pelo respeito.

Por fim, o público representa o quinto aspecto para se

identificar uma literatura negra, ou seja, o próprio Solano Trindade faz

parte dessa relação em que a recepção de sua obra é bem recebida

pelo público, e no qual ele é o seu maior representante, uma espécie

de porta voz dessa coletividade. Duarte (2008, p. 20) explica de que

forma essa relação da obra e do público é realizada: “No caso, o

sujeito que escreve o faz não apenas com vistas a atingir um

determinado segmento da população, mas o faz também a partir de

uma compreensão do papel do escritor como porta-voz de uma

determinada coletividade”. O público pode interessar-se pela

literatura afro-brasileira, segundo Duarte, mas que seja realizado de

modo a apresentar a diversidade cultural, a cultura africana, tentar

combater o preconceito a partir de diálogos, inibir a discriminação de

modo a proporcionar ao leitor textos afirmativos da cultura negra.

Zilá Bernd (1987, p. 16) discorda sobre “conceituar literatura

negra pelo critério da cor da pele do autor”, pois essa determinação

não justificaria o fato de somente escrever sobre uma temática negra

se pertencer a essa etnia. Nesse contexto, a autora assegura que

somente “a partir da evidência textual poderá formar um rigor

científico a análise da questão. Poderão ser considerado como

literatura negra aqueles textos em que houver um eu enunciador que

ser quer negro, que reivindica a sua especificidade negra”. Bernd

(1987) considera que haverá polêmica em torno da expressão

“Literatura negra”, mas “pode se considerar como literatura negra os

textos em que for nítido um certo modo negro de ver o mundo, ou

melhor, nos quais os escritores, partilhando uma certa formação

histórica, situação de ex-escravos, dela tomarem consciência”.

(BERND, 1987, p. 16).

Na relação com o público, Duarte destaca o grupo

Quilombhoje, de São Paulo, que busca no público negro o alvo para a

disseminação das ideias e reflexões desenvolvidas nas produções

individuais e, principalmente, na produção semetral de publicações

de poemas e contos nos Cadernos Negros, instrumento no qual está

presente a maior concentração de autores negros, e no qual Cuti

(2010), um dos fundadores e autor de Literatura negro-brasileira,

considera um dos mais significativos meios de difusão da cultura

negra no Brasil.

Literatura negro-brasileira: o reconhecimento da autoria negra

A palavra negro eu me atrevo a escrevê-la de corpo inteiro e a mantê-la mergulhada na luz de janeiro a janeiro. (CUTI, 2010)

O autor de Literatura negro-brasileira, Cuti (2010), crítico e

poeta dos Cadernos Negros, defende a designação Literatura Negro-

brasileira, discorda das denominações afro-brasileira e

afrodescendente, porque denominar de afro a produção literária

negro-brasileira é projetá-la à origem continental africana, como

podemos constatar na seguinte argumentação do autor:

Atrelar a literatura negro-brasileira à literatura africana teria um efeito de referendar o não questionamento da realidade brasileira por esta última. A literatura Africana não combate o racismo brasileiro. E não se assume como negra. Ainda a continentalização africana da literatura é um processo desigual se compararmos com outros continentes (CUTI, 2010, p. 36).

Para Cuti (2010), as palavras afro-brasileira e

afrodescendente apresentam o negro como detalhe de uma suposta

generalidade branca, já que ser afro-brasileiro ou afrodescendente

não é necessariamente ser um negro-brasileiro, sendo assim, o

prefixo afro, para o autor, atinge a quem não passa pela experiência

em face da discriminação racial, enquanto a palavra “negro” lembra

aqueles que perderam a identidade original e construíram outra, em

um país diferente, em busca de suas conquistas. Assim, para Cuti

(2010, p. 40):

a palavra “negro” nos remete a reivindicação diante da existência do racismo, ao passo que a expressão “afro-brasileira” lança-nos, em sua semântica, do continente africano, com suas mais de 54 nações, dentre as quais nem todas são maioria de pele escura, nem tão pouco estão ligada a ascendência negro-brasileira.

A partir da explicação de Cuti, a literatura negra brasileira

nasce na e da população negra fora do continente africano. É uma

literatura que tem como língua oficial o português brasileiro e possui

um perfil próprio, um sistema significativo inerente à população negra

brasileira. Nesse contexto, alguns escritores e escritoras, que se

afirmam e identificam como negras e negros, depõem sobre a sua

própria vivência como escritor/a, como é o caso de Conceição

Evaristo, com a “escrevivência”.

Em Negroesia (2007, p. 89), Cuti enfatiza no poema

“Reflexsoul” uma espécie de intertexto, paranomásico, com a palavra

reflexo e soul, que significa a reflexão da alma ou o reflexo da alma.

É uma proposta semiótica de relacionar conteúdo e forma, e do

reflexo, que incide em uma projeção de uma imagem afirmativa, e

essa imagem por analogia é a alma do negro, a essência, a reflexão.

O poeta não se deixa levar por uma hegemonia da submissão, a

opressão sofrida pelo negro, está além disso, não tem um processo

de vitimização:

porque eu me entrego todo negro a tanta interrogação branca hão de imaginar que eu morro sem implorar ao carrasco sem lamber seu casco ou pedir socorro porque a miséria se ri da riqueza com a felicidade presa em meus dentes carnavalescos hão de pensar que eu não penso porque eu me entrego todo negro a este poente hão de supor que eu não soulnascente.

A poesia do poeta Adão Ventura, na coletânea Costura de

nuvens (2006), carrega a essência da simplicidade vocabular, a

palavra direta, objetiva, que descreve a dor do negro dividida em dois

tempos: a época da escravatura, no passado, e o presente, com a

luta diária do homem, que busca o reconhecimento, não aceita o

preconceito, nem a discriminação. São versos que discutem a

negritude, o valor do negro na sociedade, sem deixar de ser crítico ou

destacar o quanto a cor da pele inscrita e escrita é marcada pela

denúncia e pelo incoformismo:

PARA UM NEGRO

para um negro

a cor da pele

é uma sombra

muitas vezes mais forte

que um soco.

para um negro

a cor da pele

é uma faca

que atinge

muito mais em cheio

o coração.

No poema “Eu-mulher”, publicado nos Cadernos Negros:

Melhores Poemas, Conceição Evaristo concretiza em palavras o

sentimento de escrever criando a sua própria ficção, não se

desvencilhando de “um corpo de mulher-negra em vivência e que por

ser esse o meu corpo, e não outro, vivi e vivo experiências que um

corpo não negro, não mulher, jamais experimenta” (2005). No poema

“Eu-mulher”, a poeta destaca a relação existente entre mulher,

maternidade e família como um processo constante de renovação

(EVARISTO, 1998, p. 41):

EU-MULHER (Conceição Evaristo) Uma gota de leite me escorre entre os seios. Uma mancha de sangue me enfeita entre as pernas Meia palavra mordida me foge da boca.

Vagos desejos insinuam esperanas. Eu-mulher em rios vermelhos inauguro a vida. Em baixa voz violento os tmpanos do mundo. Antevejo. Antecipo. Antes-vivo Antes - agora - o que h de vir. Eu fmea-matriz. Eu fora-motriz. Eu-mulher abrigo da semente moto-contnuo do mundo.

A mulher negra na autoria das escritoras dos Cadernos

Negros traz essas marcas de luta e sobrevivência, mas tem na

resistência e na batalha cotidiana sua forma de vencer as barreiras

impostas. A poeta Serafina Machado, em Cadernos Negros nº 29

(2006, p. 216-217), no poema “Negra”, destaca a inscrição de

negritude na questão de assumir uma identidade de mulher guerreira,

que se inscreve na luta diária de seu reconhecimento enquanto

cidadã. A mulher negra não foge de sua condição social, e tem a

história de resistência, mesmo quando “Cuspes de fogo tentaram

queimar meus sonhos. Resisti…”. O sentimento de injustiça é

constante, mas a luta por dignidade sem vitimização:

NEGRA (Para Gizelda)

Sou mulher Sou Negra.

Escura como a noite. Escura como o Nilo, jorrando on das de negralma. Fui escrava. Como mucama limpei o caminho dos meus Senhores. Fui corpo, sangue, orifício para o prazer do outro. Fui operária, doméstica, lavadeira… Negrimaculei a alvazia a sociedade. Costurei o rasgo da invisibilidade. Subi o morro: Favela de São Jorge. Lá no alto, fui pássaro…Cantei. Da África para o mundo Mostrei minha voz humilhada, Porém, no ritmo do tambor, Forte. Fui vítima Da minha cor, do meu sexo. Muitas portas fechadas. Fui guerreira e acordei No meio d anoite… tiroteios São Jorge havia liberado o dragão. Cuspes de fogo tentaram queimar meus sonhos. Resisti… Sou mulher Sou Negra Sou pobre Sou história. Escura como a noite. Escura como o Nilo, jorrando ondas de negralma.

A identidade da mulher negra é retratada no poema de Geni

Guimarães, que além de escrever romances, mais conhecida com a

publicação de A cor da ternura, envereda pelo campo poético, com o

poema “Integridade”. A primeira estrofe é marcada a força e a

resistência da mulher negra, principalmente, no que se refere à

urgência de ser completa na decisão de sua negritude e identidade. A

questão do corpo, identificar-se e gostar do que se vê, o elogio aos

atributos físicos: “carapinha”, “dorso brilhante”, “negras mamas”,

aceitando-se, e refletindo o orgulho de pertencer à etnia, íntegra, por

inteiro:

Ser negra Na intregridade Calma e morna dos dias Ser negra De carrapinha, De dorso brilhante, De pés soltos nos caminhos Ser negra, De negras mãos, De negras mamas De negra alma Ser negra, Nos traços, Nos passos, Na sensibilidade negra. Ser negra, Do verso e reverso, De choro e riso, De verdades e mentiras, Como todos os seres que habitam terra. Negra Puro afro sangue negro, Saindo nos jorros

Por todos os poros.

Oswaldo Camargo (1998), em Cadernos Negros: melhores

poemas, no poema “Em maio”, revela porque o 13 de maio, que seria

o dia da Abolição, não passa de uma “senhora esquálida, seca,

desvalida/ e nada sabe de nossa vida”. O 13 de maio é apenas uma

representação de uma liberdade que não chega a ser válida, porque

a escravidão continuou, mesmo depois da esperada abolição no

Brasil. Vejamos o poema na íntegra:

Já não há mais razão de chamar as lembranças e mostrá-las ao povo em maio. Em maio sopram ventos desatados por mãos de mando, turvam o sentido do que sonhamos. Em maio uma tal senhora liberdade se alvoroça, e desce às praças das bocas entreabertas e começa: “Outrora, nas senzala, os senhores…” Mas a liberdade que desce à praça nos meados de maio pedindo rumores, é uma senhora esquálida, seca, desvalida e nada sabe de nossa vida. A liberdade que sei é uma menina sem jeito, vem montada no ombro dos moleques e se esconde no peito, em fogo, dos que jamais irão à praça. Na praça estão os fracos, os velhos, os decadentes e seu grito: “Ó bendita Liberdade!” E ela sorri e se orgulha, de verdade, do muito que tem feito!

Nessa linha de pensamento, o 20 de novembro foi

destacado no Dia Nacional da Consciência Negra, dia da morte de

Zumbi dos Palmares e teve como idealizador, Oliveira Silveira, poeta,

pesquisador e historiador. O poeta enfatiza em seus poemas, que ser

negro é muito além da cor da pele, é um jeito de ser, de compreender

e de viver a vida. Ter consciência dessa situação de seu lugar no

mundo, nunca foi fácil par ao povo negro, principalmente vivendo em

uma sociedade racista, que insiste em afirmar que não existe racismo

no Brasil. Em Cadernos Negros, nº 11, Oliveira Silveira (1988, p. 54)

provoca a sociedade, e trata da temática do racismo à brasileira, em

“Ser e Não ser”:

O racismo que existe, o racismo que não existe. O sim que é não, o não que é sim. É assim o Brasil ou não?

No poema “Ser e não ser” revela na troca do conectivo “e”

no lugar de “ou” a ambiguidade do que significa o racismo no Brasil. A

afirmação do negro na sociedade brasileira, a forma de tratamento,

os processos de exclusão, o escamoteamento da aceitação, os

modos de setenciar qual o lugar onde pode ser aceito sem

julgamentos ou discriminação.

Aplicar a Lei 10.639/03 em sala de aula é uma questão

curricular, que envolve diferentes comunidades, desde a escola,

como elemento principal, o núcleo familiar e a sociedade brasileira

(SANTOS, 1990). A inserção da Lei auxilia na divulgação e produção

de conhecimentos, com valores sociais que permitam ao cidadão

obter uma educação que tenha respeito pela pluralidade étnico-racial

no país. A capacidade de interação entre docentes e discentes, por

meio de uma educação de qualidade, somente terá alcance

significativo se houver união e objetivos comuns, que valorizem a

identidade cultural brasileira e africana. As escolas no Brasil recebem,

anualmente, desde a implementação da Lei, material diverso

referente à questão de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.

Na área de Literatura afro-brasileira e da literatura infantil negra, em

2006, as professoras Florentina Souza e Maria Nazaré Lima

organizaram um volume distribuído nas escolas e disponível em PDF.

Cabem ao corpo docente, administrativo e discente das escolas se

envolverem com a temática para que possam ser ativos no “combate

ao racismo” (MUNANGA, 1999) e no conhecimento de obras

literárias. Com isso, haverá possibilidade de perceber a educação

pautada no respeito e na promoção da igualdade étnica e de

pertencimento cultural.

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Literatura Indígena - a construção da identidade do Índio e o ensino de literatura

Andrea L. Bernardes Wanda P. de S. Gaudêncio

Carlos Augusto de Melo

Falar sobre literatura indígena é, costumeiramente, aludir a

textos clássicos da tradição literária brasileira, como a Carta de

Caminha, Caramuru, a Invenção do Brasil (DURÃO, 1781), Iracema

(ALENCAR, 1865), O Guarani (ALENCAR, 1857), Ubirajara

(ALENCAR, 1874), Triste Fim de Policarpo Quaresma (BARRETO,

1915) e Macunaíma (ANDRADE, 1928). Porém, seria adequado

inseri-los a essa categoria?

Esses clássicos representam visões acerca do índio, a partir

de um posicionamento unilateral, ou seja, nasce da visão do

branco/colonizador em relação a uma etnia que, assim como a

africana, está vinculada à submissão e à aculturação.

Como professores(as) da Educação Básica, devemos nos

preocupar com essa tradição literária eurocentrista e branca para que

a pela identidade do índio, enquanto precursor na formação da nação

brasileira, seja livre de preconceitos e esteriótipos. Analisando alguns

escritores de produções literárias indígenas propriamente ditas, como

Daniel Munduruku, é possível desconstruir o cânone literário e levar a

literatura indígena, ainda nova para uma parcela dos professores de

literatura, aos nossos alunos, considerando a necessária percepção

de construir a alteridade em relação ao índio e a proposta de

reeducação das relações étnico-raciais nas nossas comunidades

escolares.

Aos professores das disciplinas de História, Artes e

Literatura, foi atribuída a responsabilidade de levar para sala de aula

a história da cultura afro-brasileira e indígena. A aprovação da Lei

Federal 11.645/2008 foi uma das formas de garantir o respeito à

diversidade cultural e étnica de nosso país.

Aos professores, veio a inquietação: como e o que abordar a

literatura indígena se se percebe que há, em nossa sociedade, ainda

um pensamento preconceituoso no que diz respeito às temáticas que

envolvem aspectos culturais do índio e do negro. É tarefa difícil

desconstruir essa mentalidade preconceituosa no ambiente escolar,

tanto dos alunos quanto dos professores. De fato, mesmo diante da

imposição legal, percebe-se que o assunto não integra o plano de

curso dos professores, cujos conteúdos curriculares deveriam

abordar a temática indígena e afro-brasileira em sala de aula.

Em busca de alternativas que viabilizassem a inclusão da

literatura e cultura indígenas na cultura escolar brasileira,

procedemos à leitura e à análise de como a cultura indígena tem sido

abordada para, então, elaborar estratégias de ensino dos textos

literários indígenas contemporâneos, tendo em vista a reeducação

das relações étnico-raciais na formação identitária dos alunos da

Educação Básica.

Literatura indígena ou indianista?

A conceituação do que seja a literatura indígena é

apresentada por Polar (2000) como aquela escrita por nativos, ou

seja:

É óbvio que a produção indigenista se instala no cruzamento de duas culturas e de duas sociedades. Tácita mas muito sagazmente, no remoto ano de 1928, já o indicou José Carlos Mariátegui, ao distinguir com decisão os conceitos de ‘indígena’ e ‘indigenista’: aquele alude à produção intelectual e artística realizada pelos índios, conforme seus próprios meios e códigos, e este, à vasta criatividade que, com base em outras posições sociais e culturais, no lado ‘ocidental’ das nações andinas, busca informar sobre o universo e o homem indígenas (POLAR, 2000, p.193-194).

Verificamos em Polar (2000) que para ser indígena a

produção literária deverá ser dotada de certas especificidades, sendo

que a primeira delas é ser a auto-história, e como tal, ressignifica a

história de um povo que, por muito tempo, ficou subjugado à

condição de inferior intelectualmente. Desta forma:

[...] a literatura escrita pelos povos indígenas no Brasil pede que se leiam as várias faces de sua transversalidade, a começar pela estreita relação que mantém com a literatura de tradição oral, com a história de outras nações excluídas (as nações africanas, por exemplo), com a mescla cultural e outros aspectos fronteiriços que se manifestam na literatura estrangeira e, acentuadamente, no cenário da literatura nacional. (GRAÚNA, 2013, p. 190),

Diante das palavras da autora, a construção de uma

identidade por meio de uma obra literária deve ser cautelosa, tendo

em vista a noção de que se deseja ofertar acerca de um povo.

Percebe-se que a literatura sobre o índio, ao longo da literatura

nacional, não se caracterizou como indígena, mas como literatura

indianista. Em outras palavras:

A obra indigenista como transcultural, mas produzida a partir de uma perspectiva ocidental, e caracterizada como escrita ou traduzida pelo outro (não-índio), para quem o mundo indígena é referente e o índio é informante, mas não agente da narrativa (THIÉL; QUIRINO, 2011, p. 635).

Ao se aterem às questões socioculturais dos índios, os

autores deveriam resgatar raízes indígenas e apresentar aos leitores

novas possibilidades sobre as riquezas culturais, sociais e religiosas

dos índios, sem julgamentos nem predileções etnocêntricas. No

entanto, quando se avaliam algumas obras brasileiras, verifica-se que

prejulgamentos e tendências de supervalorização da supremacia

branca são bastante recorrentes.

Considera-se que a produção literária brasileira, de temática

indígena, foi produzida por autores não indígenas brasileiros e se

denomina de “literatura indianista”. Nas obras canônicas, pode-se

verificar a ocorrência de um indianismo literário. Por exemplo, a Carta

de Caminha, o Caramuru, a Invenção do Brasil e os romances de

José de Alencar seriam obras indianistas. No cânone literário

nacional, é inexistente a literatura indígena, o que significa que os

registros literários dos próprios indígenas foram impossibilitados

diante da dominação da cultura literária erudita portuguesa nos

séculos passados. Nas obras, o índio é retratado do ponto de vista

eurocêntrico: sob a égide da incivilidade e da falta de cultura, só

porque não comungava dos mesmos hábitos, religião e forma de

organização social dos colonizadores.

No Romantismo, por exemplo, o índio é percebido sob o viés

apenas dos colonizadores, e, assim posto, não há alteridade em

relação ao outro, para o colonizador, o índio é qualificado como vadio,

preguiçoso, idiota, ladrão, conforme expresso nos versos a seguir:

Deixai-me viver! (...) Não vil, não ignavo Mas forte, mas bravo,

Serei vosso escravo: Aqui virei ter. Guerreiros, não choro; Do pranto que choro; Se a vida deploro, Também sei morrer (DIAS, 2001, p. 98).

Observa-se nos versos acima, extraído do poema I-Juca

Pirama, de Gonçalves Dias, que ainda no século XIX, havia traços da

desvalorização da cultura indígena. Apesar de narrar a saga de um

guerreiro verdadeiro, por ser forte, fiel e bravo, o protagonista

entrega-se à sentimentalidade romântica, tal qual os heróis dos

romances e da poesia romântica europeia – e fraqueja diante da

morte, pedindo aos inimigos para não morrer. A submissão do

elemento indígena no texto é revelada no segundo verso, no qual se

tem o uso da palavra “ignavo”, que em português significa preguiçoso

e nos demais pela necessidade de se reafirmar as características do

herói (neomedievalismo): força, coragem e bravura diante da morte.

Outro escritor romântico que se destacou por trabalhar o

índio enquanto protagonista foi José de Alencar. Em suas obras

indianistas, a exemplo de Iracema, “a virgem dos lábios de mel”, O

Guarani e Ubirajara, o autor se ateve à percepção do índio a luz da

Teoria do Bom Selvagem do filósofo iluminista Jean-Jacques

Rousseau. Essa teoria assegura que o índio tem uma “natureza” boa

– ou seja, uma boa índole -, mas, se ele passa a interagir com outras

culturas e etnias tidas como civilizadas, acaba sendo corrompido e

perde suas características naturais. Em Iracema, vimos nitidamente

essa corrupção. A personagem Iracema conhece Martim, foge do

destino que havia lhe sido traçado, rompe com seu povo e suas

origens para viver uma relação amorosa da qual sairá como

perdedora. No desfecho da obra, ela terminará sozinha, grávida e

aculturada, a partir da percepção que ilustra perfeitamente o

etnocentrismo do dominador europeu, conforme Castello (1979).

Os romances indianistas de Alencar se centram na tentativa

de converter o índio em herói. As personagens eram descritas com

beleza, índole perfeita e simplicidade europeizada. Em Ubirajara, o

narrador pontua: “Seu braço é como o corisco do céu; e a sua força

como a tempestade que desce das nuvens. O moço é o tapir que

rompe a mata, e voa como a seta. O velho é o Jabuti prudente que

não se apressa” (ALENCAR, 1984, p. 31 e 53). Em O Guarani (1857),

Peri era:

Altivo, nobre, radiante de coragem invencível e do sublime heroísmo de que já dera tantos exemplos, o índio se apresentava só em face de duzentos inimigos fortes e sequiosos de vingança (...). Então encostou-se a uma lasca de pedra que descansava sobre uma ondulação do terreno e preparou-se para o combate monstruoso de um só homem contra duzentos (ALENCAR, 2000, p. 390).

Mesmo diante da valorização das características positivas e

da beleza plástica dos protagonistas, José Alencar possui um viés

etnocêntrico, pois apresentam personagens dominadas e vencidas.

Em Iracema, há a submissão da índia em busca de um amor por um

representante dos colonizadores, cuja consequência foi ficar

sucumbida ao abandono e afastada de sua família indígena. Em O

Guarani, assinala-se a submissão masculina diante do amor por uma

branca. Segundo Alfredo Bosi (2001), na prosa indianista de Alencar

destaca-se o que Lee denominou de "mito sacrificial. Peri e Iracema,

por exemplo, ao invés de ocuparem uma posição de destaque e de

rebeldia, acabam se subordinando aos europeus em uma relação de

domínio extremo e de escravização. Bosi coloca que, nas "histórias

de Peri e de Iracema a entrega do índio ao branco é incondicional,

faz-se de corpo e alma, implicando sacrifício e abandono de sua

pertença à tribo de origem. Uma partida sem retorno" (BOSI, 2001, p.

178-179). O domínio está atrelado ao sentimento amoroso romântico,

uma vez que as personagens acabam se apaixonando por

representantes da etnia colonizadora.

Lima Barreto também abordou a temática indianista. Em seu

clássico Triste Fim de Policarpo Quaresma (1915), busca resgatar a

nacionalidade por meio da referência ao índio, tanto no âmbito na

linguagem – ao propor que o tupi seria a forma mais original de se

expressar a cultura do país -, quanto no que se refere à eleição do

aborígene como representação de uma cultura local, amplamente

impregnada de valores europeus. A proposta de Lima Barreto era

uma tentativa de mostrar que o projeto nacionalista trazido pelos

autores românticos não havia se efetivado. As produções românticas

estavam permeadas pelo discurso dominador do colonizador. O

encontro do sonhador Policarpo Quaresma com um Goitacá (aquele

que deve morrer) serve para que o protagonista tenha a necessidade

de conhecer melhor a cultura do outro e lance a ideia de se restaurar

a língua “tupi guarani”, elevando-a a condição de língua oficial do

país. Tal posição revela no autor uma crítica à retratação do índio

feita pelos românticos e evidencia a sua preocupação com a

construção da identidade nacional. Porém, a perspectiva ainda é de

fora por meio de uma concepção utópica e mítica do indígena. As

vozes dos povos indígenas são silenciadas.

Na obra Macunaíma de Mário de Andrade, há o resgate da

memória cultural do país, por meio da figura de um anti-herói que

reflete a proposta de mistura cultural que forma o conceito de

identidade apresentado por Baniwa (2006). O protagonista não se

percebe em sua condição de índio e busca a reafirmação de sua

identidade em outro contexto. Deixa a mata, vivencia vários contextos

da cultura popular e é persuadido por valores contidos na

malandragem da cidade. Ele nega suas origens e assume a

mestiçagem, visto como símbolo do nacionalismo etnocêntrico que

aflora ao final do século XIX. Ao contrário das características

pautadas no Bom Selvagem, Mário de Andrade se centra na figura de

um anti-herói.

Na tradição literária brasileira, a cultura indígena é retomada,

mas de maneira estereotipa e limitadora, como acreditar que a língua

tupi era a única dos indígenas brasileiros. No olhar de fora, o índio

não representava pela sua sociodiversidade indígena:

[...] não existe uma identidade cultural única brasileira, mas diversas identidades que, embora não formem um conjunto monolítico e exclusivo, coexistem e convivem de forma harmoniosa, facultando e enriquecendo as várias maneiras possíveis de indianidade, brasilidade e humanidade. Ora, identidade implica a alteridade, assim como alteridade pressupõe a diversidade de identidades, pois é na interação com o outro não-idêntico que a identidade se constitui (BANIWA, 2006, p. 49).

No contexto das produções literárias e da perspectiva de

autores da literatura indianista, as identidades do índio ainda não

eram levadas em consideração no que se refere à suas organizações

políticas, sociais, religiosas e culturais. Assim sendo, “a abordagem

que se faz do índio na história da literatura brasileira não é indígena,

mas indigenista ou indianista” (GRAÚNA, 2013, p. 47). Com o

objetivo de superar as lacunas acerca da perspectiva unilateral criada

em torno da figura do índio ao longo das produções literárias, é

preciso fazer com que os alunos tenham uma percepção do índio que

ultrapasse os limites do que o outro sabe ou disse sobre ele, mas que

passe a conhecer o índio por meio de seus próprios representantes

da literatura indígena.

Como afirma Graúna (2013, p. 20), no “século XXI: a

literatura indígena no Brasil continua sendo negada, da mesma forma

como a situação dos seus escritores e escritoras continua sendo

desrespeitada”. Ou seja, o incentivo à produção intelectual no Brasil

ainda é insipiente em termos de valorização das obras afro e

indígena. Para Boudreau (GRAÚNA, 2013, p. 82), a literatura escrita

do ameríndio é um fenômeno cultural recente, porque surge das

decepções acumuladas após as invasões europeias.

Os textos indígenas, ao contrário dos indianistas presentes

em nossa literatura, floresceram na última década do século XX,

entra o século XXI como movimento literário e também político, de

afirmação de identidade e cidadania, o que faz com que sua inserção

na escola, nas leituras propostas para os alunos, se torne ainda mais

relevante (THIÉL; QUIRINO, 2011, p. 6636). Jacupé (2002) assinala

que é preciso buscar a voz do indígena para a grande tribo do mundo

moderno, em outras palavras, é preciso permitir ao indígena a

oportunidade de revelar a sua própria cultura. Além disso:

Os textos criados pelos índios não são de difícil entendimento, ou seja, podem ser trabalhados em séries iniciais do ensino fundamental. Alguns textos, além de contar histórias dos antepassados, das florestas e alguns mitos, também fazem, assim como a literatura africana, denúncia das injustiças que sofrem e sofreram por séculos (CARDOSO, 2002, p.17).

Observa-se com base nas palavras de Cardoso que a

inserção da literatura indígena tem a contribuir para que os índios

tenham a oportunidade de se expressarem sociopoliticamente, bem

como demonstrarem ao homem a necessária relação com o meio

ambiente, por meio de temas próprios às questões ambientais:

Suas observações revelam, em geral, a degradação do meio ambiente em razões de métodos de cultura impróprios e da superexploração dos recursos naturais, como, por exemplo, o impacto das madeireiras e mineradoras; os conflitos internos gerados pelo proselitismo religioso das diferentes seitas e ordens religiosas. [...] Em face desse panorama negativo do progresso e a modernidade, os escritores indígenas apontam uma alternativa política, através de um modelo de comunidade contrário ao mundo metropolitano (ALMEIDA, 2004, p. 228).

As produções difundidas são difundidas em língua

portuguesa, como proposta de conseguir visibilidade literária. Nelas,

há a reafirmação da identidade dos autores, “alguns autores se

autodenominam índio-descendentes; outros e reconhecem índio-

brasileiro, guarani-paraguaio, mestiço, navito(a) filho da terra

(GRAÚNA, 2013). No rol dos autores que enveredaram por esta trilha

destacam-se: Graça Graúna, Kaká Werá Jacupé, Daniel Munduruku,

Yagurê Yamã e Eliana Potiguara.

A marca da literatura produzida pelos autores indígenas é o

resgate e a defesa de suas culturas. Nos textos dessa literatura,

abordam-se conhecimentos, mitos, lendas e rituais transmitidos

oralmente de geração a geração e que têm como objetivo fixar-se

como um instrumento de luta, de conscientização e de libertação:

é necessário reconhecer o valor da literatura dos povos tradicionais do Brasil, que, só agora se submetem à escrita alfabética (na forma trazida da Europa pelos conquistadores), e que tiveram, por tanto tempo, ignorada a importância de seus textos na formação do que chamamos de literatura brasileira (BICALHO, 2010, p. 207).

Nos textos disponibilizados online, os textos poéticos e

narrativos tratam das lendas, da revitalização de traços da

hereditariedade e da tradição por meio de histórias. Há forte traço das

memórias da infância ou de outros momentos marcantes, vividos com

os ancestrais indígenas. A característica mais recorrente é a relação

entre o homem e o meio, na qual a natureza é percebida como

interação emocionalmente com as personagens indígenas.

Ao contrário de outros povos, os povos indígenas procuram

manter vivas suas raízes e para fazer esse resgate consideram que

uma literatura indígena deve atuar na ampliação desta preservação,

uma vez que:

São povos que procuram atualizar suas culturas para continuarem vivos, utilizando as novas tecnologias. Com elas podem mostrar como e onde vivem, qual o tamanho das suas terras. Também denunciam o descaso do poder público, a invasão de seus territórios, a destruição da natureza. Fazem isso usando a internet, os celulares, as câmeras de vídeos e a literatura, que é o que mais nos interessa nessa conversa (MUNDUKURU, 2013, s/p).

A utilização da literatura, como meio de se preservar uma

cultura, favorece a busca da compreensão da cultura de um povo que

por muito tempo fora estigmatizado. Além disso:

Os textos indígenas brasileiros incluem não só palavras, mas desenhos, cores e representações que provocam reações baseadas em valores e tradições culturais próprias. As ilustrações, por exemplo, vistas normalmente por olhos educados na tradição ocidental como expressão artística ou como decoração, comportam significados que implicam leitura e tradução. Além disso, embora ilustrações sejam consideradas muitas vezes complementares à escrita, pode ser a escrita alfabética também complemento do elemento pictórico (THIÉL; QUIRINO, 2011, p. 6634)

Os textos literários contemporâneos de autoria indígena

mostram, claramente, que a força e o desejo indígenas sempre

existiram, no entanto, não foram valorizados. Até mesmo quando se

aborda a questão da Educação Indígena propriamente dita, se

percebe que não houve valorização:

O Estado brasileiro pensava uma “escola para índios” que tornasse possível a sua homogeneização. A escola deveria transmitir os conhecimentos valorizados pela sociedade de origem europeia. Neste modelo, as línguas indígenas, quando consideradas, deviam servir apenas de tradução e como meio para tornar mais fácil a aprendizagem da língua portuguesa e dos conteúdos valorizados pela cultura “nacional” (RECNEI /Brasil, 1988, p.27).

Literatura indígena na escola

O resgate dessa produção literária é sinônimo do resgate de

nossa própria cultura, despertando nos alunos a busca pelo

autoconhecimento. Nesse sentido, convém aos professores, além de

trabalhar em sala todos os outros textos clássicos, investigar os

textos escritos por autores indígenas. Para abordar a temática

indígena brasileira, é preciso considerar os seguintes aspectos. Em

primeiro lugar, perceber que os documentos oficiais que regulam a

educação no país - PCN’s (Parâmetros Curriculares Nacionais) e a

LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) - assinalam o respeito à

diversidade cultural indígena e à importância de um ensino

multicultural.

A abordagem multicultural tornou-se uma necessidade de

toda e qualquer sociedade na qual se encontram povos de diversas

etnias, cujas identidades devem ser respeitadas. Na perspectiva de

Hall (2006), é preciso valorizar a identidade de um povo, afinal, uma

abordagem multicultural é aquela que contempla as características

sociais apresentadas por sociedades com diferentes comunidades

culturais.

É necessária uma pesquisa no que está disposto no

Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEI).

Nele, estão dispostos os aspectos referentes ao aprendizado de

processos e valores de cada grupo, bem como aos padrões de

relacionamento social que são sintonizados com a vivência cotidiana

dos índios nas suas comunidades.

Além disso, torna-se necessário promover manifestações

culturais coletivas na sala de aula, não apenas em datas

comemorativas, como o tradicional “Dia do Índio”. Os professores

podem discutir e apresentar os textos da literatura indígena, com o

objetivo de promover a discussão em sala de aula, por meio de

debates e outros gêneros orais. Deve-se estimular a pesquisa e

socialização de textos produzidos pelos autores indígenas por meio

de saraus, de chás literários e de representações teatrais.

Diante do que está disposto na lei é preciso atuar no sentido

de favorecer o apoio às campanhas de demarcação de terras e

garantia dos direitos dos povos indígenas:

E diante da constatação do caráter político e social revelado

pela literatura indígena pode-se atuar no sentido de ser aliado ao que

sugere a Lei Nº 11.645/08:

§ 1º O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil. (BRASIL, 2008).

É fundamental que, na escola, seja avaliado o tema numa

perspectiva interdisciplinar e transversal que favoreça a percepção da

multiculturalidade do país, o que pode ser feito por meio da

abordagem literária indígena, como um incentivo cultural fundamental

à quebra dos estereótipos escolares vigentes.

A literatura indígena, enraizada na tradição oral, constitui-se

em excelente ferramenta da qual o professor dispõe para transmitir

valores e formas de comportamento de povos indígenas que, por

muitos anos, foram subjugados e que tinham suas culturas

desvalorizadas na sociedade brasileira.

Referências

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de Ouro, 1969.

ALMEIDA, Maria Inês de & QUEIROZ, Sônia. Na captura da voz: as

edições da narrativa oral no Brasil. Belo Horizonte. Autêntica,

FALE/UFMG, 2004.

ALMEIDA, Ana Maria Gomes. Literatura afro-brasileira e indígena

na escola: a mediação docente na construção do discurso e da

subjetividade. 32º Congresso Internacional de IBBY, 2010. Disponível

em:

http://www.ibbycompostela2010.org/descarregas/11/11_IBBY2010_1.

pdf> Acesso em : 2013-03-1

BANIWA, Gersem dos Santos Luciano. O índio brasileiro: o que

você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje.

Brasília: MEC/Secad/Museu Nacional/UFRJ, 2006.

BARRETO, Lima. Triste Fim de Policarpo Quaresma. São Paulo:

Editora Brasiliense, 1959, pp. 80-81

BICALHO, Charles A. Koxuk: a imagem do yâmîy na poética

maxakali. Belo Horizonte: UFMG. 229 p. Tese (doutorado) – Literatura

Brasileira: literatura e expressão da alteridade Faculdade de Letras

da UFMG, Belo Horizonte, 2010.

BRASIIL. Referencial Curricular para as Escolas Indígenas

(RECNEI), Disponível em:

http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/1999/pceb014_99.pdf.

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BRASIL. Ministério da Educação. 2011. Parâmetros Curriculares

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Disponível em: <

http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/pluralidade.pdf> Acesso em

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DIAS, Gonçalves. I-Juca Pirama e os Timbiras. Porto Alegre: MR

Pocket, 2001.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de

Janeiro: DP&A, 2006.

GRAÙNA, Graça. Contrapontos da Literatura Indígena

contemporânea no Brasil. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2013.

JECUPÉ, Kaká Werá. Ore Awé Roiruá Ma. Todas as vezes que

dissemos adeus. São Paulo:Trion, 2002.

MEC. O Índio Brasileiro: o que você precisa saber sobre os

povos indígenas no Brasil hoje / Gersem dos Santos Luciano.

Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação

Continuada, Alfabetização e Diversidade; LACED/Museu Nacional,

2006. Disponível em:

http://unesdoc.unesco.org/images/0015/001545/154565por.pdf.

Acesso em:15/5/2014.

MUNDURUKU, Daniel. A escrita foi um instrumento importante

para que uma nova visão sobre os indígenas fosse despertada

na sociedade brasileira. Pré-Univesp – No. 30 2013 – Povos

indígenas – Abril de 2013. Disponível em:

http://www.univesp.ensinosuperior.sp.gov.br/preunivesp/4817/povos-

ind-genas-no-brasil-e-a-sua-literatura.html. Acesso em: 29/06/2014.

POLAR, Antonio Cornejo. O condor voa: literatura e cultura latino-

americanas. Trad. de Ilka Valle de Carvalho. Belo Horizonte: Editora

UFMG, 2000. Acesso em: 15/5/2014.

SILVA, Edson. Povos indígenas e o ensino reconhecendo o

direito à inclusão das sociodiversidades no currículo escolar

com a Lei n 11.645/2008. Disponível em:

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Acesso em:15/5/2014.

THIÉL, Janice Cristine; QUIRINO, Vanessa Ferreira dos Santos. A

literatura indígena na escola: um caminho para a Reflexão sobre

a pluralidade cultural. Disponível

em:http://educere.bruc.com.br/CD2011/pdf/5885_3228.pdf

Registro das memórias: uma questão identitária

Maria José Paulino de Assis Luciane Alves Santos

Introdução

O ato de contar histórias é uma necessidade humana, conta-

se o que foi vivido e o que é imaginário, o que se vive e o que

pretendemos viver. Desde a aquisição da fala, o homem desenvolveu

a narração para relatar dos pequenos aos grandes episódios da vida

e acrescentar façanhas aos fatos reais. Há em nós o impulso natural

de exteriorizar nossas ideias e o que sentimos.

A princípio tudo é contado oralmente, desde os tempos mais

remotos, quando o registro dos acontecimentos era passado dela

tradição oral. Aqueles que possuíam a eloquência reuniam públicos

sedentos de informação para ouvir relatos de vivências ou causos, do

mito às narrativas fabulosas com lição de vida (fábulas), passagens

bíblicas ou sonhos de amor. Foi o instrumento social forjado pelo

homem, a linguagem por excelência, que nos permitiu a distinção das

coisas. Na criação da fala é como se o espírito estivesse saltando

entre a matéria e as coisas pensadas, criando mundos paralelos e

poéticos, ao lado da natureza (HUIZINGA, 2004, p. 7).

Com o surgimento da escrita, as narrativas começam a ser

grafadas e, posteriormente, a imprensa consolida o registro escrito de

muito o que se viveu, ou se imaginou. Se a escrita trouxe a era da

informação, em certa medida, contribuiu também para o declínio da

experiência do narrador de tempos imemoriais. Por muito tempo o

domínio da letra foi restrito a um pequeno grupo privilegiado, que

deteve não apenas a soberania da escrita, mas também das ideias, o

poder de passar adiante o que se quer que seja entendido.

A democratização do saber e das ideias foi gradativamente

atenuada por meio de lutas históricas do povo oprimido, cansado e

sufocado pelo poder demolidor dos detentores do letramento. Esse

povo inicia um longo período de lutas em defesa da quebra da

hierarquia linguística. Domínio este que não foi ainda exterminado,

mas amenizado.

Com o lento acesso à leitura e escrita, à propagação de

ideias e aquisição de informações, os intelectuais idealistas começam

a conquistar espaço na sociedade, enveredar seus ideais e participar

da encenação da História, deixando de ser meros espectadores.

Segundo Correa (2009), a necessidade de se comunicar, que

existiu desde os primórdios da humanidade e ainda hoje, é

fundamental para o crescimento e as conquistas do ser humano.

Usamos a linguagem diariamente para as mais diversas funções,

precisamos saber nos expressar para fazer compras, trabalhar,

estudar, emitir opiniões, necessidades e sentimentos.

Correa ressalta ainda que a interação comunicativa se revela

primordial para atuarmos como agentes da História viva da

Humanidade. E para nos tornamos sujeitos dessa História

precisamos constituir uma identidade social. Quem sou eu no mundo

em que vivo? Posso contribuir para transformá-lo ou devo me

submeter aos modelos vigentes? Sem memória de si e de sua

comunidade, o sujeito é desenraizado, desalojado de histórias e

tradições específicas, e fica mais vulnerável às influências de uma

sociedade mercantilizada, marcada pelo consumismo que, na visão

de Stuart Hall, promove um verdadeiro “supermercado cultural”

(2005, p.75).

Por meio da contação de histórias, de oficinas e leituras e

análises de textos literários, propomos no espaço escolar o resgate

da memória e sua contribuição para a coletividade, recuperar o

passado e a tradição é uma forma de dar significado à sua própria

existência. Precisamos sentir que fazemos a História, somos parte

dela e não meramente espectadores.

Destaque para a oralidade

A experiência do narrador

O tempo de contar histórias embaixo de uma árvore, na sala

ou na calçada da casa subsiste em nossas lembranças. Nas reuniões

familiares, os mais experientes relatavam suas próprias vivências ou

narravam histórias que despertavam o imaginário dos ouvintes. A

oralidade fluía na mistura de afeto e prazer.

Em seu ensaio sobre a obra de Nicolai Leskov, Walter

Benjamin nos lembra a importância do relato desses narradores

experientes, aqueles que transmitem a substância do vivido. A

difusão de ideias, de aventuras e de experiências é ofício para aquele

que detém a sabedoria e é capaz de chegar ao ouvidos alheios

através de conselhos e de sua memória; esse, para Benjamin,

constitui a essência do narrador clássico. Na visão do autor, existe

um sério esgotamento em nossa capacidade de contar: “A

experiência da arte de narrar está em vias de extinção. São cada vez

mais raras as pessoas que sabem narrar devidamente” (BENJAMIN,

1985, p. 197). Ainda que a ensaística de Benjamin aponte para a

provável extinção do contador de histórias, sabemos que ele não

desapareceu por completo. No cenário literário brasileiro, existem

diversos escritores que bebem e beberam na fonte da tradição oral. O

romance do memorialista paraibano José Lins do Rego, Menino de

engenho, entre outros, exemplifica o apego às fontes primordiais da

narração:

A VELHA TOTONHA de quando em vez batia no engenho. E era um acontecimento para a meninada. Ela vivia de contar histórias de Trancoso. Pequenina e toda engelhada, tão leve que uma ventania poderia carregá-la, andava léguas e léguas a pé, de engenho a engenho, como uma edição viva das Mil e uma noites. Que talento ela possuía para contar as suas histórias, com um jeito admirável de falar em nome de todos os personagens! Sem nem um dente na boca, e com uma voz que dava todos os tons às palavras. As suas histórias para mim valiam tudo. Ela também sabia escolher o seu auditório. Não gostava de contar para o primo Silvino, porque ele se punha a tagarelar no meio das narrativas. Eu ficava calado, quieto, diante dela. Para este seu ouvinte a velha Totonha não conhecia cansaço. Repetia, contava mais uma, entrava por uma perna de pinto e saía por uma perna de pato, sempre com aquele seu sorriso de avó de gravura dos livros de história. E as suas lendas eram suas, ninguém sabia contar como ela. Havia uma nota pessoal nas modulações de sua voz e uma expressão de humanidade nos reis e nas rainhas dos seus contos. O seu Pequeno Polegar era diferente. A sua avó que engordava os meninos para comer era mais cruel que a das histórias que outros contavam (REGO, 2008, p. 79).

A obra traz as lembranças de um pequeno órfão que vive no

engenho do avô José Paulino. Em suas memórias, o protagonista

Carlinhos de Melo, relembra as façanhas e aventuras vividas em total

liberdade. Ao final do texto, o jovem demonstra a maturidade precoce

e carrega para seu novo endereço todo universo de superstições,

crenças e lendas oriundas da literatura oral, das vozes dos

remanescentes de escravos. Em sua bagagem carrega ainda as

impressões sensoriais e imagens do mundo do engenho, espaço

fadado ao esquecimento.

Além de registradas nas grandes narrativas, as contadoras e

contadores de histórias também são lembradas/os em versos e se

consolidam no lirismo e nas lembranças do eu poético, como lemos

em Manuel Bandeira:

E quando estiver cansado

Deito na beira do rio Mando chamar a mãe-d'água Pra me contar as histórias Que no tempo de eu menino Rosa vinha me contar

(BANDEIRA, 2004)

Emaranhada nos caminhos e progressos da vida cotidiana, a

arte de narrar atravessa séculos embalando sonhos e educando

gerações e gerações. Nos tempos modernos, mesmo com a

aceleração do desenvolvimento das mídias digitais e das redes

sociais, o contador de histórias ainda tem seu lugar garantido e pode

encantar públicos de todas as idades.

A escola e as práticas da oralidade

Na infância é imprescindível que se conte histórias, desde os

primeiros meses de vida. Esse ato ajuda a desenvolver a atenção, a

percepção de mudança no tom de voz e estimula a fala. À medida

que o tempo passa, a criança que ouve histórias tem mais

imaginação, adquire riqueza vocabular e desenvoltura social.

O ato de ouvir precisa ser aguçado para que se preserve o

respeito ao outro que fala. Saber ouvir é um hábito que deve ser

desenvolvido desde o nascimento, pois por meio dele obtemos

conhecimentos e capacidade de reflexão. Nos primeiros anos de

convívio escolar, o educando necessita de práticas que estimulem

tanto o ato de ouvir quanto o de falar, que o preparem no caminho

rumo à escrita:

Muitas e urgentes são as razões sociais que justificam o empenho da escola por um ensino da língua cada vez mais útil e contextualmente significativo. Sabemos quanto a incompetência atribuída à escola está ligada a conflitos com a linguagem (cf. Soares, 1987), a percepções distorcidas e míticas acerca do que seja o fenômeno linguístico (cf. Bagno, 1999, 2000). Sabemos quanto nos aflige a seletividade, a manutenção da estrutura de classes e a reprodução da força de trabalho (cf. Carraher, 1986) que, incondicionalmente, decorrem também dessa incompetência e dessas distorções. Sabemos que a educação escolar é um processo social, com nítida e incontestável função política, com desdobramentos sérios e decisivos para o

desenvolvimento global das pessoas e da sociedade. Sentimos na pele que não dá mais para “tolerar” uma escola que, por vezes, nem se quer alfabetiza (principalmente os mais pobres) ou que, alfabetizando não forma leitores nem pessoas capazes de expressar-se por escrito. Coerente e relevantemente, para, assumindo a palavra, serem autores de uma nova ordem das coisas. È, pois, um ato de cidadania, de civilidade da maior pertinência, que aceitemos, ativamente e com determinação, o desafio de rever e de reorientar a nossa prática de ensino da língua (ANTUNES, 2009).

Decisivamente, a escola tem que atuar no desenvolvimento

das práticas orais e escritas. Como afirma Porto (2009, p. 22),

quando consideramos a língua em sua perspectiva histórica e social,

o trabalho com a oralidade deve se dar em situações reais do uso da

fala. No processo de ensino-aprendizagem da língua, o professor

deve promover situações que incentivem os alunos a falar, a expor e

debater suas ideias, percebendo nos diferentes discursos, diferentes

intenções. Deve promover ainda atividades que possibilitem ao aluno

tornar-se um falante cada vez mais ativo e competente. Capaz de

compreender os discursos dos outros e de organizar os seus de

forma clara, coesa e coerente. O professor deve planejar e

desenvolver um trabalho com a oralidade que, gradativamente, leve o

aluno não só a conhecer e usar a variedade linguística padrão, como

também entender a necessidade desse uso em determinados

contextos sociais.

O estímulo à produção de relatos orais pode e deve ser

ativado no meio escolar. O educando precisa ser motivado à

exposição oral de suas ideias e vivências, pois o domínio progressivo

dessa modalidade linguística constitui uma fonte de crescimento

pessoal, tanto afetivo como cognitivo. O exercício da oralidade

desenvolve simultaneamente hábitos de fala e de escuta. Costumes

estes que devem ser comuns entre nós: seres sociais. Em seu estudo

sobre linguagens e memórias, Henri Atlan acrescenta:

a utilização de uma linguagem falada, depois escrita, é de fato uma extensão fundamental das possibilidades de armazenamento da nossa memória que, graças a isso, pode sair dos limites físicos do nosso corpo para estar interposta quer nos outros quer nas bibliotecas. Isto significa que, antes de ser falada ou escrita, existe uma certa linguagem sob a forma de armazenamento de informações na nossa memória (LE GOFF, 1990, p. 367).

Considerando, portanto o imensurável valor da prática da

oralidade em nosso meio social e também do papel insubstituível da

escola como mediadora desse processo, é incontestável tornar essa

atividade – de contar e ouvir histórias – prazerosa. Assim, pode-se

estimular o aluno a contar sua própria história, relatar façanhas,

experiências e estilo de vida de seus pais, avós, tios. Acontecimentos

de sua infância devem assumir aspectos de grandes episódios, as

aventuras infantis e da adolescência devem ser vistas como

odisseias.

Rumo à escrita: os caminhos da memória

A influência dos relatos orais tem necessidade de registro e,

a partir desse momento, surge a etapa da escrita, estimulada pela

progressiva exposição de narrativas literárias engendradas na

modalidade oral. As narrativas passadas de pai para filhos, filhos para

netos, bisnetos e demais descendentes devem ganhar um lugar

especial nas memórias, tornando-se importantes elementos de

recuperação do passado e das identidades individuais. As proezas

vividas ou sonhadas, as conquistas, os amores, as aventuras, as

dores e alegrias poderão eternizar-se com o exercício da modalidade

escrita, perpetuando-se como romances, contos, relatos, biografias,

memoriais ou memórias literárias.

O resgate das lembranças familiares, da infância, da

adolescência como também da vida adulta cotidiana vem despertar a

afetividade e atribui uma importância antes despercebida. Esse valor

afetivo incita o registro escrito como forma de imortalizar

acontecimentos lembrados. Com a memória ativada e incitados a

produzir textos com narrativas e descrições familiares e pessoais, os

alunos estarão conscientes da atuação como escritores de sua

própria história. Nesse sentido, Le Goff valoriza a memória como:

elemento essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das

sociedades de hoje, na febre e na angústia (1990, p. 410).

No domínio do literário, a relação entre memória e sentidos

foi imortalizada no século XX pela obra Em busca do tempo perdido,

do escritor francês Marcel Proust. Seu empreendimento literário

esgarçou as fronteiras do romance tradicional ao tecer o mundo

interior pelo fio da memória involuntária, que se desenrola

acompanhando o tempo psicológico da infância. O principal mérito

da extensa obra de Proust foi mostrar como a lembrança se

manifesta em diferentes sentidos, e como nossa percepção da

realidade é enriquecida quando deixamos penetrar em nossa alma os

processos de reconhecimento do passado.

Em sala de aula, estimulados por textos que compuseram a

tradição literária, ao lado da cultura popular, os alunos podem

resgatar histórias de seus familiares e pessoas bem próximas,

passarão a narrá-las com deleite. Passando então ao registro escrito,

a exemplo de José Lins do Rego, na voz do narrador-personagem,

encantado pela vida no Engenho Corredor:

O quarto do meu tio Juca vivia trancado de chave o dia inteiro. Ali só entrava a negra que lhe fazia limpeza e mudava as roupas da cama. Mas quando aos domingos descansava na sua grande rede do Ceará, de varandas arrastando no chão, eu ia ter com ele. O meu tio me punha ao seu lado, fazia brincadeiras comigo. Era o único sobrinho com quem se dava de intimidade. Ele tinha muita coisa para me mostrar: os seus álbuns de fotografias, os seus livros de muitas

gravuras, O Malho, que assinava, cheio de gente de cara virada pelo avesso. Lia as histórias todas d'O Malho, com retratos dos políticos e com um Zé-Povo que tinha resposta para tudo. - Ali não bula - me dizia, quando eu tocava por acaso num pacote embrulhado em cima da cômoda. Num dia em que ele me deixou sozinho, corri sôfrego para o objeto da proibição; uma coleção de mulheres nuas, de postais em todas as posições da obscenidade. Não sei para que meu tio guardava aquela nojenta exposição de porcarias. Sempre que sucedia ficar sem ele no quarto, era para os postais imundos que me botava. Sentia uma atração irresistível por aquelas figuras descaradas de meu tio Juca. Uma vez em que ele se demorou mais tempo, por não sei onde, entretive-me com as gravuras muito tempo. O meu tio pegou-me de surpresa com o pacote na mão. Botou-me para fora do seu quarto. Eu não era digno da sua intimidade, dos segredos de sua alcova. Mas ficava-me de seus aposentos uma saudade ruim daquelas mulheres e daqueles homens indecentes (REGO, 2008, p.110-111).

Tal como o narrador deste romance, o aluno pode assumir a

primeira pessoa nos relatos memorialistas de fatos acontecidos com

seus familiares e consigo mesmo, tendo ainda a possibilidade de

mesclar o real e o ilusório, construindo um universo paralelo, até

mesmo flertando com as narrativas de encantamento. É certo que

todos nós vivemos episódios dignos de lembranças: um passeio, uma

travessura, um susto, uma festa, uma viagem, até mesmo uma perda.

Alguns tão valorosos e marcantes que merecem ser registrados.

Uma vez habilitados a escrever, é o momento da escola

sistematizar a produção de textos. Porto (2009, p. 30) afirma que o

ato de escrever envolve o planejamento da escrita propriamente dita

e uma reestruturação do texto após sua conclusão. É preciso orientar

o aluno a escrever e reler seu texto, revisando, aperfeiçoando as

ideias. Ao reler sua produção, o aluno percebe tratar-se de um todo

coeso, claro, coerente e que falar é diferente de escrever.

É bom lembrar que saber escrever não significa

necessariamente escrever como um artista, empregar palavras e

expressões do mais alto nível vocabular ou de difícil entendimento,

mas conseguir transmitir por escrito o que se deve ou quer dizer.

Pode-se, inclusive, afirmar que escreve bem aquele que produz um

texto coeso e coerente, ou seja, aquele que se faz entender.

Não há fórmulas para se escrever com perfeição, mas é

possível orientar o aluno, organizar e expor estratégias de produção

textual.

Elaborar um texto escrito é uma tarefa cujo sucesso não se completa, simplesmente, pela codificação das ideias ou das informações, através de sinais gráficos. Ou seja, produzir um texto escrito não é uma tarefa que implica apenas o ato de escrever. Não começa, portanto, quando tomamos na mão lápis e papel. Supõe, ao contrário, várias etapas, interdependentes e intercomplementares, que vão desde o planejamento, passando pela reescrita. Cada etapa cumpre, assim, uma função específica, e a condição final do texto vai depender de como se

respeitou cada uma destas funções (ANTUNES, 2009, p. 54).

No fragmento de Antunes percebemos a importância da

metodologia por etapas. Então adotamos as etapas sugeridas com

algumas adaptações para aproximar-se mais da realidade local.

1. Etapa do Planejamento

delimitação do tema;

clareza dos objetivos da escrita;

ordenação das ideias;

escolha do vocabulário de acordo com o público-leitor.

2. Etapa da escrita

escrever o texto que foi planejado;

estruturar os parágrafos de acordo com o desenvolvimento

das ideias;

observar os elementos de coesão necessários ao texto.

3. Etapa da revisão e da reescrita

reler o que foi escrito;

analisar as construções, concordância, clareza,

encadeamento entre as ideias expostas;

avaliar os objetivos da escrita;

observar a ortografia e a pontuação;

reescrever o texto, fazendo as alterações necessárias.

A terceira etapa exige mais tempo e senso crítico, a

possibilidade de reescrita não se limita a um momento único, à

medida que se reescreve o texto, novas ideias poderão surgir até a

produção final.

Em se tratando de memórias, essas etapas proporcionarão

diversas oficinas, visto que o aluno – agora escritor/autor – produzirá

textos memorialistas de seus parentes e de si mesmo.

Finalmente, com os registros escritos de tantos momentos da

vida pessoal e familiar, é importante que aconteça a socialização das

ideias, a leitura coletiva das composições. Aponta-se, a partir daí,

produções independentes, em outro espaço que não se restringe à

sala de aula.

Concluindo etapas...

Todas as experiências vivenciadas nas produções textuais

das memórias – modalidade oral e escrita – registram anseios,

questionamentos, descobertas, recusas, encantos, desdobramento

de ideias. Assim como fizeram os mestres da literatura e os

narradores da tradição oral, é possível trazer à tona momentos

adormecidos, atribuir aos episódios relembrados valores antes

desconhecidos, traduz emoções e afetividades que devem favorecer

as produções escritas.

O ato de produzir um texto requer jogo com as palavras:

enumeração, seleção, exclusão, substituição. A elaboração das

ideias, a delimitação do tema, a clareza dos fatos, o contraponto dos

argumentos e o convencimento, tudo isso se assemelha ao tear de

um artesão e à coleta seletiva, como brilhantemente ilustra nosso

poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto:

Catar feijão se limita com escrever:

jogam-se os grãos na água do alguidar e as palavras na folha de papel; e depois, joga-se fora o que boiar. Certo, toda palavra boiará no papel, água congelada, por chumbo seu verbo: pois para catar esse feijão, soprar nele, e jogar fora o leve e oco, palha e eco

(NETO, 2003, p. 190).

Atuar, então, como aquele que escreve a partir do olhar

atento, crítico e afetivo sobre as histórias de vida, as aventuras que

causaram calafrios e tantas emoções exige muito labor, observação

minuciosa e conhecimento das preocupações individuais e coletivas.

A exposição das memórias de cada um dos estudantes e de

seus familiares, a princípio oralmente e depois por escrito, aparece

como resultado de um trabalho planejado, de paciência, escrita e

reescrita, erros e acertos. Culminando com a produção de registros

da história de vida e da vida na História.

Ana Lima, em artigo da Revista Na Ponta do Lápis, intitulado

“Recordar para lembrar” discorre sobre o objetivo do texto de

memórias, que é resgatar um passado, com base nas lembranças de

pessoas que, de fato, viveram esse tempo. Representa o resultado

de um encontro, no qual as experiências de uma geração anterior são

evocadas e repassadas para outra, dando assim continuidade ao fio

da história, que é de ambas, porque a história de cada indivíduo traz

em si a memória do grupo social ao qual pertence. Lembra também

que é esse resgate das lembranças de pessoas mais velhas

passadas continuamente às gerações mais novas, através de

palavras e gestos, que liga os moradores de uma comunidade. É

certo ainda que recupera e fortalece laços antes fragilizados pelo

tempo.

Para Lima (2009, p. 22) o fato de entender que a história de

alguém mais velho é nossa própria história desperta um sentimento

de pertencer a determinado lugar e época e ajuda na percepção de

um passado que foi realmente vivido e não está morto nem

enterrado.

E a escola tem um papel fundamental nesse processo de

resgate da história, da expressão oral com fluência e empolgação ao

registro da escrita, que desencadeará a leitura dos textos ora

produzidos, propiciando deleite da leitura oral.

Finalmente, teremos o resultado de um trabalho prazeroso e

construtivo, uma vez que este, com certeza, estimulará a produção

de outros gêneros textuais, consolidando o novo escritor que agora

existe nestes alunos que foram estimulados e orientados a

escreverem textos a partir de suas ideias, de suas vivências.

Pode-se ainda divulgar um fruto de grande apreço: a

coletânea de textos do gênero memórias destes alunos. Resultado da

persistência, pesquisa, recordações, formulação de ideias,

elaboração de conceitos e conclusões.

A árdua tarefa de redigir textos na escola deverá ser

atenuada, tornando-se prazerosa a partir da prática de contar

histórias, e histórias do seu contexto, em que o aluno esteja envolvido

ou envolva pessoas do seu meio, personagens reais, com as quais

ele partilhou momentos, aventuras ou simplesmente ouviu os relatos.

Pois a velocidade com que as transformações ocorrem no mundo

moderno impõe ao homem a necessidade de caminhar no mesmo

ritmo. Nessa corrida alucinante, para manter-se em sintonia, o

passado vai ficando cada vez mais distante e valores fundamentais

esquecidos. Cabe à escola a importante missão de resgatar esse

tesouro, porque um povo sem história é um corpo sem alma. Sem

dúvida, este é um trabalho muito gratificante.

Referências

ANTUNES, Irandé. Aula de Português: encontros e interação. 8

ed. São Paulo: Parábola, 2009.

BANDEIRA, Manuel. Melhores Poemas de Manuel Bandeira. Seleção de Francisco de Assis Barbosa. 16 ed. São Paulo: global, 2004. BENJAMIN, Walter. O narrador. Considerações sobre a obra de

Nikolai Leskov. In: Obras escolhidas. vol.1. Magia e técnica, arte e

política. Ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo:

Brasiliense, 1985.

CORREA, Vanessa Loureiro. Língua Portuguesa: da oralidade à

escrita. Curitiba: IESDE Brasil S.A., 2009.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad.

Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. 2. ed. Rio de Janeiro:

DP&A, 1998.

HUIZINGA, Johan. Homo Ludens. São Paulo: Perspectiva, 2004. LE GOFF, Jacques. História e Memória. São Paulo: Unicamp, 1990. LIMA, Ana. Recordar para lembrar. Na Ponta do Lápis. São Paulo:

Cenpec, ano V, nº 11, março/2009.

NETO, João Cabral de Melo. Melhores Poemas de João Cabral de

Melo Neto. Seleção de Antônio Carlos Secchin. 9. ed. São Paulo:

Global, 2003.

PORTO, Márcia. Um diálogo entre os gêneros textuais. Curitiba:

Aymará, 2009.

REGO, José Lins do. Menino de Engenho. 94 ed. Rio de Janeiro:

José Olympio, 2008.

SOBRE OS AUTORES

PROFESSORES DO PROFLETRAS

Carlos Augusto de Melo - É professor de Literatura do

Departamento de Letras do Centro de Ciências Aplicadas e Educação

(CCAE) - Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e, também,

membro efetivo do Programa de Mestrado Profissional em Letras -

PROFLETRAS. Atua no Curso de Letras-Língua Espanhola do

Ensino a Distância (EAD) da UFPB, participa do grupo de pesquisa:

GNSHE e integra o quadro dos pesquisadores do GT - História da

Literatura da ANPOLL. Tem experiência na área de Letras, História e

Educação, desenvolvendo trabalhos nas seguintes linhas de

pesquisa: Crítica, História e Historiografia literárias, História da

Educação Oitocentista, História do Ensino de Literatura e Leitura e

Letramento Literários.

João Carlos Biella. Doutor em Estudos Literários pela Universidade

Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2004). Professor adjunto

do Ileel-UFU (MG), vinculado ao programa de Mestrado Profissional

em Letras/ CAPES.

Luciane Alves Santos – Professora adjunta da Universidade Federal

da Paraíba, Campus IV, vinculada ao programa de Mestrado

Profissional em Letras/ CAPES. Possui doutorado em Letras pela

Universidade de São Paulo e Mestrado em Estudos Literários pela -

Unesp - FCL/Araraquara. Líder do Grupo de Pesquisa do CNPq,

“Variações do insólito: do mito clássico à modernidade”.

Márcio Araújo de Melo - Graduado em Letras - Habilitação

Português pela Universidade Federal de Goiás (1993), Mestre em

Letras e Linguística pela Universidade Federal de Goiás (1997) e

Doutor em Estudos Literários pela Universidade Federal de Minas

Gerais (2006). Segundo Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em

Leitura, Escrita e Literatura: história, políticas e ensino (GEPLEL).

Coordenador do ProfLetras (Mestrado profissional em Letras).

Professor do programa de pós-graduação em Ensino de Língua e

Literatura, da Universidade Federal do Tocantins. Tem experiência na

área de Letras, com ênfase em Literatura Brasileira, atuando

principalmente nos seguintes temas: escolarização da literatura,

Guimarães Rosa e literatura comparada.

Rosilda Alves Bezerra possui graduação em Letras (UFRN),

mestrado em Comunicação e Semiótica (PUC/SP) e doutorado em

Literatura Brasileira (UFPB). Professora na Graduação de Letras no

Centro de Humanidades, UEPB, em Guarabira/PB. Professora de

Literaturas Africanas e orientadora no mestrado e doutorado da Pós-

Graduação em Literatura e Inteculturalidade – PPGLI

(UEPB/Campina Grande). Professora da disciplina Leituras do Texto

Literário e coordenadora do Mestrado Profissional em Letras,

PROFLETRAS, unidade UEPB, em Guarabia/PB. Líder do Grupo de

Pesquisa do CNPq, “Literaturas Afro-Brasileira, Africanas e da

diáspora”.

ORIENTANDOS(AS)

Andrea Bernardes de Lima - Professora graduada e licenciada em

Língua Portuguesa pela UFPB Mestranda em Letras no Programa de

mestrado em Letras - Profletras - pela UFPB. Professora da rede

pública de ensino em Alhandra, PB

Francisco Neto Pereira Pinto - Mestre em Ensino de Língua e

Literatura, especialista em Leitura e Produção Escrita e graduado em

Letras, Campus de Araguaína, onde também trabalha como técnico

administrativo. Atualmente também é professor convidado na mesma

universidade. Letramento literário, dimensões discursivas da

legislação ambiental, literatura no Tocantins e questões sobre tempo

são recorrentes e analisadas sob os vieses da Análise de Discurso

francesa, Teoria Crítica Pós-Colonial, Ecocrítica e Teorias da

Complexidade em seus trabalhos.

Maria Jose Paulino de Assis – Licenciada em Letras pela

Universidade Federal da Paraíba – UFPB. Especialista em Língua

Portuguesa. Professora de Língua Portuguesa da rede pública de

ensino do Estado da Paraíba e da Prefeitura Municipal de Bayeux-

PB. Desenvolveu projetos que foram premiados pela Secretaria de

Estado da Educação da Paraíba no Prêmio Mestre de Valor: Em

cena: Minha Cidade (2011), D’Ávila Lins Notícias – Jornal (2012) e

Poetas Paraibanos: do erudito ao popular (2013). Aluna do Mestrado

Profissional em Letras – Profletras – pela UFPB.

Wanda Patrícia de Sousa Gaudêncio

Bacharela em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba – UEPB.

Licenciada em Letras pela Universidade Vale do Acaraú –UVA.

Professora das redes privada e oficial de ensino na cidade de

Campina Grande -PB desde 1992 e aluna do Mestrado Profissional

em Letras (Profletras) pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB).