Livro - Psicopedagogia - Maria Griz

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PSICOPEDAGOGIAMaria das Graas Sobral Griz

Um conhecimento em contnuo processo de construo

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Coleo Forma-ao em psiCopedagogiaOrganizadora: Edith Rubinstein

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Deixo registrado neste trabalho meus agradecimentos a todos que direta ou indiretamente contriburam para que ele fosse realizado. A meu companheiro Gilberto Griz. Minhas colegas de trabalho. Um agradecimento especial a meus filhos, Gianna, Giovanni, Silvana, Luciana e Cristiana e quelas crianas com as quais trabalhei, ao longo de minha vida, e que, como aprendentes, me ensinaram a ser ensinante.

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2009 Casapsi Livraria, Editora e Grfica Ltda. proibida a reproduo total ou parcial desta publicao, para qualquer finalidade, sem autorizao por escrito dos editores. 1 edio 2009 Editores Ingo Bernd Gntert e Christiane Gradvohl Colas Assistente Editorial Aparecida Ferraz da Silva Capa Danilo Pasa Editorao Eletrnica Sergio Gzeschnik Produo Grfica Ana Karina Rodrigues Caetano Preparao do original Geisa Mathias de Oliveira Reviso Flavia Okumura Bortolon e Jerome Vonk Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Griz, Maria das Graas Sobral Psicopedagogia: um conhecimento em contnuo processo de construo/ Maria das Graas Sobral Griz. So Paulo: Casa do Psiclogo, 2009. (Coleo forma-ao em psicopedagogia / dirigida por Edith Rubinstein) Bibliografia. ISBN 978-85-7396-621-31. Psicopedagogia 2. Psicopedagogia educacional 3 I. Rubinstein, Edith. II. Ttulo III. Srie. 09-02680 CDD-370.15

ndices para catlogo sistemtico: 1. Psicopedagogia: Educao 370.15 Impresso no Brasil / Printed in Brazil Reservados todos os direitos de publicao em lngua portuguesa Casapsi Livraria, Editora e Grfica Ltda. Rua Santo Antnio, 1010 Jardim MxicoCEP 13253-400 Itatiba/SP Brasil Tel.: (11) 4524.6997 Site: www.casadopsicologo.com.br

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sumrioPrefcio, por Beatriz Judith Lima Scoz ......................................... Apresentao ............................................................................ Introduo ............................................................................... 1 - A relao entre desenvolvimento cognitivo e aprendizagem ................................................................. 2 - Paradigmas no desenvolvimento da psicopedagogia .... 3 - Problemas de aprendizagem ...................................... 4 - A ao psicopedaggica numa viso particular .......... 5 - Apresentao de casos clnicos .................................. Referncias bibliogrficas.......................................................... 9 13 23 31 65 81 127 175 203

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PrefcioBeatriz Judith Lima Scoz1sicopedagogia um conhecimento em contnuo processo de construo a reflexo sobre a atuao da autora como educadora e psicopedagoga em seus muitos anos de trabalho, seja na clnica psicopedaggica, seja na instituio escolar. Fruto da prxis, este livro representa uma tentativa de refletir sobre o estado da arte da psicopedagogia nos dias de hoje e, coerente com o tema proposto, apresenta novos questionamentos, uma vez que a psicopedagogia trata dos processos de ensino/aprendizagem que implica o perguntar e, ao mesmo tempo, o perguntar-se sobre si mesmo.1 Psicopedagoga. Doutora em Psicologia da Educao pela PUC/SP. Professora do Programa de Psicologia Educacional/Psicopedagogia ps-graduao stricto sensu (Mestrado) da UNIFIEO/SP.

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A autora tambm nos brinda com uma retrospectiva histrica da psicopedagogia, enfatizando o papel da Associao Brasileira de Psicopedagogia e, nela aponta para a superao de uma perspectiva patologizante que, durante algum tempo, caracterizou a atuao psicopedaggica. Para dar fora a essas idias, Griz toma algumas concepes de Vygotsky, um autor cujos conhecimentos tm uma dimenso atual no que se refere ao rompimento com a lgica da fragmentao elementar e com os princpios universais para definir a organizao geral da psique. Para isso, a autora apresenta o conceito de zona de desenvolvimento proximal. Neste, h um rompimento do paradigma patologizante dos processos de aprendizagem que se expressa pela capacidade da realizao de um trabalho com estados embrionrios brotos ou flores do desenvolvimento que posteriormente se transformaro em aprendizagem. Griz aposta nessa possibilidade e a expressa muito bem, quando afirma: toda criana capaz de aprender desde que tenha condies favorveis... Outro ponto forte da obra de Griz sua concepo dinmica e processual acerca do conhecimento, condizente com o pensamento cientfico na atualidade. Ao evidenciar os processos de ensino e aprendizagem como algo que no se separa, a autora demonstra que esses processos devem ser compreendidos como uma unidade indissocivel, que pode ser definida como um sistema dialgico e dialtico, ao mesmo tempo, constituinte e constitudo. Uma concepo que deve ser apropriada por todos os profissionais da educao e da psicopedagogia, pois sem ela no se pode dar conta da complexidade que envolve os processos de ensino e aprendizagem. A autora nos apresenta ainda, uma perspectiva da psicopedagogia que aponta para uma nova construo entre a educao e a psicologia, mas que no se reduz nem a uma nem a outra.

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Ou seja, trata-se de uma construo integrada de novas formas de olhar os fenmenos do ensino/aprendizagem, entretanto, formas j transformadas. Por fim, aps discorrer sobre o diagnstico e o atendimento psicopedaggicos em uma perspectiva clara e abrangente, a autora nos apresenta os casos clnicos de Jos, Lcia e Mario, desvelando possveis aes para a superao de problemas de aprendizagem. Evidencia, ao mesmo tempo, a necessidade do psicopedagogo ter conhecimento das concepes de ensino/ aprendizagem que adota, compreendendo as mltiplas articulaes que os circundam. Como esta obra abrangente e esclarecedora do ponto de vista terico/prtico, tenho certeza de que contribuir para aprimorar os estudos e o desempenho de psicopedagogos, educadores e profissionais de reas afins, para a melhoria da qualidade dos processos de ensino/aprendizagem em todos os contextos em que eles se configuram. Ao mesmo tempo, de acordo com os propsitos da autora, esta obra abre espao para constantes descobertas e inovaes... Maro de 2008.

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apresentaoEste livro no se constitui no fruto acabado de uma experincia completa; trata-se mais precisamente de um feixe de hipteses, concluses inconclusas que resumem simultaneamente os acertos recolhidos e os erros descartados em quinze anos de trabalho psicopedaggico. Seu objetivo mostrar um caminho, em parte j percorrido, mas que requer correes e verificaes permanentes, seja ao nvel da crtica ideolgica, da contribuio terica, ou da adequao tcnica; desta forma sua razo de ser modificar-se. Sara Pain (1986, p. 9)

ostaria de fazer uma retrospectiva de minha trajetria profissional para que o leitor possa entender melhor os motivos que me levaram psicopedagogia e, agora, o que me leva a escrever sobre esta profisso que, acredito, d ao profissional da

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educao e da sade uma competncia que ele no adquire em suas graduaes. A psicopedagogia para mim no apenas uma profisso, mas uma forma de viver, uma vez que nos ensina a ter uma postura mais humana com as pessoas, com as coisas, com a natureza, enfim, com a vida. Pena que s possamos mergulhar na sua teoria e viver a sua prtica quando muitas de nossas aes j tenham sido realizadas. Ao concluir o curso pedaggico (hoje chamado formao de magistrio) em 1959, ingressei na Faculdade de Filosofia de Pernambuco da UFPE, para fazer o curso de letras clssicas. Ao concluir o bacharelado, complementei os estudos no curso de didtica da mesma faculdade. Neste perodo, trabalhei num programa de governo da Prefeitura de Recife, chamado Movimento de Cultura Popular (MCP), no setor de alfabetizao de adultos, sob a orientao do professor Paulo Freire. Com o fechamento do MCP, pelo Movimento Militar de 1964, passei a regente de classe, em vrios colgios de Recife, lecionando portugus. Em 1967, ingressei no servio pblico federal, trabalhando no programa de reabilitao profissional, na funo de professora do ensino bsico, complementando o nvel escolar dos portadores de seqelas por acidente de trabalho. Em 1974, fui transferida para o setor de treinamento de pessoal, no centro de treinamento do mesmo rgo federal, onde fiz formao em treinadora de recursos humanos. Em 1975, fui aprovada em concurso para tcnico em assuntos educacionais, tambm do servio pblico federal. A partir da, passei a trabalhar na equipe de sade mental de um posto mdico ambulatorial, junto a psiquiatras infantis, neuropediatras, psiclogos, psicomotricistas. Muitas crianas e adolescentes eram encaminhados como

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portadores de distrbios psiquitricos, comportamentais e neurolgicos, por apresentarem um quadro anormal, nas escolas em que estudavam. Aps serem examinados, aqueles profissionais constatavam que as queixas eram improcedentes, que o problema estava na no aprendizagem desses sujeitos. Esse fato levou aqueles profissionais a solicitarem direo do posto um profissional que tivesse condies de trabalhar com esta demanda. Assim, em 1976, iniciamos junto quela equipe um trabalho psicopedaggico suprindo uma carncia que h muito vinha sendo sentida. Minha entrada formal na psicopedagogia se deu empurrada pela necessidade de ajudar crianas e adolescentes com rtulos severos que aumentavam seus problemas e os conduziam marginalidade escolar e social. A psicopedagogia era, ento, conhecida como reeducao das dificuldades escolares. Minha funo era atender as crianas com dificuldades de aprendizagem, encaminhadas para a psiquiatria com queixa de distrbios de comportamento. Algum tempo depois, comecei a orientar profissionais que desejavam trabalhar nessa rea, atravs de grupos de estudos, dos quais ainda hoje sou coordenadora. Firmei-me como supervisora, depois da minha ampla atuao em atendimentos clnicos. Continuei, tambm trabalhando no posto de atendimento mdico do servio pblico federal, na condio de psicopedagoga, at o ano de 1991, quando me aposentei do servio pblico, trabalhando apenas em consultrios. Ainda encontro muitos questionamentos em minha atividade como psicopedagoga, buscando respostas em outros lugares. Busco, particularmente, uma explicao para o percentual to elevado de crianas do sexo masculino com problemas de aprendizagem, sendo este o tema de um trabalho por mim realizado e que vem tendo boa aceitao.

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Toda essa trajetria profissional me fez pensar em escrever algo que pudesse ser lido por profissionais e estudantes que, interessados nos problemas da educao, particularmente do Nordeste, encontrassem um referencial para uma atuao consistente. Assim, comeo a escrever minha prtica psicopedaggica, desde o seu incio, quando buscava nos poucos tericos de que tinha conhecimento, uma fundamentao que me desse respaldo. Este trabalho, portanto, no tem a pretenso de inovar, mas de mostrar um caminho percorrido pela psicopedagogia ao longo de seu belo percurso em busca de uma soluo para os problemas da no aprendizagem do sujeito, neste complexo processo da aprendizagem humana. Busco mostr-lo a profissionais da rea de educao e sade, bem como aos estudantes que j projetam seu olhar para esta rea. Vale aqui salientar a luta que a ABPp Associao Brasileira de Psicopedagogia, com sede em So Paulo, seus ncleos e suas sees vm travando pela legalizao da psicopedagogia como uma profisso. Esta luta vem desde muito tempo, como mostro a seguir. No Congresso Nacional, encontra-se em tramitao a Lei 3124/27, do deputado Barbosa Neto do PMDB/GO, que visa regulamentar uma situao que ocorre na prtica dos que trabalham com a educao acrescentar s suas profisses afins, a do psicopedagogo. Muitos so os questionamentos em torno do assunto; uns contra, outros a favor. Apresento, aqui, alguns argumentos com os quais queremos apresentar nossa defesa a favor da legalizao, no Brasil, da psicopedagogia como uma profisso. Primeiro, constitui-se um equvoco, para no falar em desconhecimento da histria da psicopedagogia, considerar que, hoje, ela se apresenta como a interseco da psicologia

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com a pedagogia. Esta viso j pertenceu a um captulo de sua evoluo histrica, quando era identificada tambm com outras profisses, at mesmo, fazendo uso do modelo mdico de compreenso e tratamento das dificuldades na aquisio do saber, conhecidas como Distrbios de Aprendizagem. O avano que se pode perceber na compreenso dos estudos relacionados ao processo de aprendizagem e seus percalos tem sido significativo. Vrios autores nacionais e estrangeiros tm realizado estudos e mostrado a relao, cientificamente comprovada, entre inteligncia, afetividade e ambiente scio-histrico-cultural do indivduo no seu processo de aprendizagem. Esta inter-relao, a multiplicidade dos estudos feitos por profissionais psicopedagogos de conhecido renome nacionais e estrangeiros vm, portanto, demonstrar que a psicopedagogia j possui seu prprio objeto de conhecimento, com fundamentao terica, com mtodos e tcnicas prprias. A psicopedagogia uma rea de atuao que trata do processo de aprendizagem humana e das dificuldades que ocorrem neste processo. Claro que, como toda rea de conhecimento que busca compreender e estudar o indivduo, ela tambm, como a psicologia e a pedagogia, interdisciplinar. Claro tambm o que, com sua regulamentao, adviria, por conseqncia, a regulamentao de seu curso de formao, no sendo mais necessrio que os psicopedagogos fizessem uso de outros cursos para se tornarem profissionais. O curso de psicopedagogia ter ento seu contedo curricular prprio, como j existe em outros pases, e mesmo no Brasil, embora no regulamentado. Segundo, constitui-se outro equvoco dizer que a psicopedagogia possui uma viso psicopatologizante da educao. Esta uma viso da qual a psicopedagogia h muito j se afastou, mantendo um posicionamento contrrio. E por qu? A psicopedagogia v

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o processo de aprendizagem inserido em vrios fatores, e NUNCA numa perspectiva unilateral, que considera o aluno como nico responsvel pela sua aprendizagem, quer seja bem ou mal sucedida. A psicopedagogia possui uma posio, na qual acredita estar a aprendizagem imersa num processo, no qual multiplicidades de fatores esto relacionados. No seu processo de aprendizagem, o indivduo trabalha seu corpo, seu organismo, sua inteligncia e seu desejo; e esse trabalho est sempre numa interao com seu ambiente familiar, escolar e social. Assim, a psicopedagogia possui uma viso global do indivduo no seu processo de aprendizagem e nas dificuldades que possam ocorrer neste processo. Terceiro, a atuao da psicopedagogia se d tanto no nvel clnico como no institucional, uma vez que sua prtica visa intervir nos problemas de aprendizagem que surjam e, tambm, preveni-los. E a reside, talvez, a causa das opinies contrrias regulamentao da psicopedagogia como profisso. No entanto, voltamos a afirmar que o objeto de trabalho da psicopedagogia a preveno, o diagnstico e a interveno nos problemas que ocorrem no processo de aprendizagem do indivduo. No est, portanto interferindo nem atuando no objeto de trabalho de nenhum outro profissional. A psicopedagogia construiu sua prpria sntese, a partir das contribuies de outras reas de conhecimento como a pedagogia, a psicologia, a lingstica, a sociologia, a epistemologia, a neurologia, a psicanlise, alm de outras. Hoje, possui seu prprio corpo terico, j de fato uma profisso, precisa ser agora uma profisso de direito. com essa certeza que os psicopedagogos de Recife sempre apoiaram o projeto de lei do deputado Barbosa Neto. Concluo, assim, essa nossa reflexo com alguns questionamentos, prprios de quem continua construindo seu conhecimento:

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Quem somos ns, os psicopedagogos? O que nos cabe enquanto profissionais que estudam e lidam com a aprendizagem humana? Para onde vai a psicopedagogia? Seu objetivo ser continuamente ampliado? Acreditamos que s a realidade de cada dia e de cada um poder dar um retorno a esses questionamentos. Acreditamos, ainda, que a psicopedagogia ainda continuar modificando-se, seguindo seu caminho e construindo-se onde quer que exista um sujeito em aprendizagem. Essa nossa reflexo que me mostrou mais uma forma de ver a luta da ABPp concretizada, qual seja, escrever um livro que pudesse mostrar esse rico percurso, esse caminhar de uma profisso fundamental para prevenir e solucionar muitos dos problemas que ocorrem no processo de ensino-aprendizagem do sujeito. Na introduo, poder o leitor encontrar um estudo sobre o surgimento da psicopedagogia a partir do sculo XIX, na Europa, sua passagem pela Argentina, onde criou razes profundas, at chegar ao Brasil. Aqui, ela cria suas razes nos estados do sul do pas. A psicopedagogia, como a vemos hoje, demorou a chegar ao Nordeste do pas, onde encontram-se muitos estudiosos e profissionais interessados e buscando cada vez mais se aperfeioar. No primeiro captulo do livro, achamos necessrio explicitar a relao entre desenvolvimento cognitivo e aprendizagem. Antes mesmo de entrarmos no tema proposto a psicopedagogia , consideramos que o profissional que lida com as dificuldades de aprendizagem precisa conhecer o mecanismo das relaes, a forma como filogeneticamente o desenvolvimento cognitivo do homem se deu, para melhor entender como as dificuldades na aquisio do conhecimento ocorrem ontogeneticamente. Optamos por fazer uma retrospectiva da histria da construo do conhecimento na humanidade, ressaltando a teoria de

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Vygotsky quando fala sobre a relao entre desenvolvimento e aprendizagem. No segundo captulo, apresentamos uma retrospectiva histrica do caminho percorrido pela psicopedagogia, as diversas vises paradigmticas das quais sua prtica se utilizou at se constituir numa rea de conhecimento transdisciplinar. Mostramos, ainda, como a psicopedagogia v, hoje, a relao que se d entre a ausncia de limites e a aquisio do conhecimento, e como entende o aprender e o no-aprender numa perspectiva atual. No terceiro captulo, procuramos apresentar alguns problemas de aprendizagem trabalhados na clnica psicopedaggica ao longo do tempo e seguindo os caminhos paradigmticos pelos quais sua trajetria histrica foi sendo construda. No quarto captulo, descrevemos a ao psicopedaggica numa viso particular a nossa viso , traando os passos que consideramos importantes para a construo do processo diagnstico, para a realizao de uma avaliao na qual possamos observar os talentos e as potencialidades do sujeito/objeto da investigao e estudar as modalidades de aprendizagem do sujeito, geradoras ou no de problemas de aprendizagem. Ainda, neste captulo, o leitor ter uma breve viso da teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural, cujos instrumentos de ao PEI ajudam na interveno psicopedaggica; como as relaes vinculares interferem na no aprendizagem e suas implicaes com as questes do gnero; qual esse novo olhar e essa nova escuta que a psicopedagogia aplica na sua interveno clnica; como se utiliza dos contos de fada para realizar um trabalho psicopedaggico relacional. Finalmente, no quinto captulo, o leitor ter a oportunidade de ver alguns casos clnicos atendidos, analisados luz dos pressupostos tericos da psicopedagogia.

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As principais bases tericas para a elaborao deste material esto contidas nos tericos que se seguem: Sara Pain, Alicia Fernndes. Anny Cordi, Ajuriaguerra, Ndia Bossa, Condemarn e Blomquist, Vitor da Fonseca, Edgar Morin, Snia Parente, Piaget, Vygotsky, Zaldo Rocha, Beatriz Scoz e muitos outros que esto nas referncias bibliogrficas.

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introduo...um coelho branco tirado de dentro de uma cartola. E porque se trata de um coelho muito grande, este truque leva bilhes de anos para acontecer. Todas as crianas nascem bem na ponta dos finos plos do coelho. Por isso elas conseguem se encantar com a impossibilidade do nmero de magia a que assistem. Mas conforme vo envelhecendo, elas vo se arrastando cada vez mais para o interior da pelagem do coelho. E ficam por l. L embaixo to confortvel que elas no ousam mais subir at a ponta dos finos plos, l em cima. S os filsofos tm ousadia para se lanar nesta jornada rumo aos limites da linguagem e da existncia. Alguns deles no chegam a conclu-la, mas outros se agarram com fora aos plos do coelho e berram para as pessoas que esto l embaixo, no conforto da pelagem, enchendo a barriga de comida e bebida: Senhoras e senhores gritam eles , estamos flutuando no espao! Mas nenhuma das pessoas l de baixo se interessa pela gritaria dos filsofos. Deus do cu! Que caras mais barulhentos! elas diziam. E continuavam a conversar: Ser que voc poderia me passar a manteiga? Qual a cotao das aes, hoje? Qual o preo do tomate? Voc ouviu dizer que a Lady Di est grvida de novo?... Jostein Gaarder

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s estudiosos que se detiveram em pesquisar os problemas de aprendizagem so originrios da Europa, no sculo XIX. Quem primeiro se ocupou do estudo desses problemas foram os filsofos, os mdicos e os educadores (Bossa, 1994). A literatura francesa mostra-nos autores, como Jacques Lacan, Maud Manoni, Franoise Dotto, Julin de Ajuriaquerra, Pierre Vayer, Pichon-Rivire, Janine Mery, dentre outros, cujas idias influenciaram a psicopedagogia na Argentina, que vem se destacando como referncia na prxis psicopedaggica brasileira. Bossa (1994) nos fala sobre o primeiro centro mdico-psicopedaggico localizado na Frana, cujo fundador foi George Mauco. Neste centro j se observa uma articulao entre vrias reas de conhecimento, como a medicina (psiquiatria, neuropediatria e pediatria), a psicologia, a psicanlise e a pedagogia. Juntos, os profissionais dessas reas buscavam solues para os problemas de aprendizagem que acercavam as crianas de ento. A Frana, pois, leva Argentina seus aportes tericos sobre o tema da problemtica escolar. A Argentina exporta para o Brasil no s uma literatura, como tambm profissionais da psicopedagogia que aqui vieram estudar em cursos de ps-graduao, e aqui permaneceram ministrando cursos e ocupando espaos de trabalho. Os argentinos, junto com os profissionais brasileiros, comeam a firmar a psicopedagogia no Brasil. Em So Paulo, profissionais preocupados com os problemas de aprendizagem de nossas crianas juntam-se para analisar e discutir o assunto. Em 1979, no Instituto Sedes Sapientiae, foi criado o primeiro curso de psicopedagogia, em nvel de ps-graduao, iniciativa de Maria Alice Vassimon, pedagoga e psicodramaticista, e de Madre Cristina Sodr Dria, diretora

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daquele Instituto. Importante ressaltar que na Argentina j existe este curso, em nvel de graduao. Outros estados se constituem tambm como pioneiros, como o caso do Rio Grande do Sul, pela sua preocupao com a formao institucional de profissionais que se dedicavam ao estudo da psicopedagogia. Nos anos de 1980, ainda em So Paulo, profissionais organizam-se em grupos de estudo para analisar, discutir, estudar e buscar soluo para os problemas de aprendizagem e definir as abordagens preventivas e teraputicas da psicopedagogia. A partir desses encontros, surgiu em 1980, a Associao Estadual de Psicopedagogia que, mais tarde, ainda na mesma dcada, transforma-se em Associao Brasileira de Psicopedagogia ABPp. Atualmente, a ABPp conta com treze sees e nove ncleos, dos quais um o de Pernambuco. Em Recife, a psicopedagogia comea a fazer parte da atuao de profissionais da rea da educao nos meados dos anos de 1970. Comeam a aparecer grupos de estudos sobre os problemas de aprendizagem, reunies assistemticas e profissionais isolados iniciam um trabalho em ambulatrio e em clnicas particulares. Assim que foi constituda uma equipe de profissionais que trabalhavam num posto mdico do ento INAMPS. Desta equipe faziam parte psiquiatras infantis, psiclogas, neuropediatras, uma psicomotricista. Muitas crianas e adolescentes eram encaminhados como portadores de distrbios psiquitricos, comportamentais e neurolgicos, por apresentarem um quadro anormal nas escolas em que estudavam. Aps serem examinados, aqueles profissionais constatavam que as queixas eram improcedentes, que o problema estava na no aprendizagem desses sujeitos. Esse fato levou aqueles profissionais a solicitarem da direo do posto, um profissional que tivesse condies

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de trabalhar com esta demanda. Assim, em 1976, iniciamos junto quela equipe, um trabalho psicopedaggico suprindo uma carncia que h muito vinha sendo sentida. Aps essa experincia pioneira que se iniciou no servio pblico federal, num posto de sade de Recife, na ocasio denominado Correia Picano, essa prtica, que era isolada, comeou a se estender nas clnicas particulares, motivando a formao de grupos de estudo sobre as teorias que embasavam a prtica e sobre a metodologia que deveria ser utilizada para levar o sujeito a aprender. De incio, tambm em Recife, adotou-se um modelo mdico de interveno, denominada reeducao psicopedaggica, numa analogia ao que vinha sendo feito nas cidades do sul do pas. Os estudos realizados levaram os profissionais da rea a transformarem seus saberes e, conseqentemente, sua prtica. As aes psicopedaggicas foram se multiplicando, mais profissionais ingressaram nesta prtica, muitas clnicas comearam a trazer para si psicopedagogos que, embora no especializados, buscavam estudar, discutir, trocar experincias e, assim, a psicopedagogia comea, com fora, a fazer parte da vida dos profissionais que se preocupavam com as causas do fracasso escolar e dos problemas de aprendizagem. Em 1996, surge o Centro Psicopedaggico de Atividades Integradas, entidade jurdica denominada CEPAI Ltda. Surge de um desejo meu de criar um espao para aprofundamento e pesquisa sobre o processo de aprendizagem humana, a partir da constatao do grave problema social do fracasso escolar. Conosco vieram as psicopedagogas Rosa Cmara e Noemi Gonalves, que j atuavam individualmente nessa rea. Passa-se a desenvolver atendimentos, grupos de estudos, reunies, estudo de casos sistemticos. Nessa atuao, o CEPAI

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vem ao encontro das propostas psicopedaggicas voltadas para as exigncias do terceiro milnio, momento de rpidas e grandes transformaes, em que o conhecimento o instrumento que o homem usar para acompanhar essas mudanas, com mais flexibilidade e autonomia. Desenvolve-se um trabalho multidisciplinar e interdisciplinar nas reas de psicopedagogia, psicologia, fonoaudiologia e psicomotricidade, com aes preventiva e interventiva, por meio de diagnsticos e atendimentos das dificuldades de aprendizagem das crianas, adolescentes e adultos. Com isto, o CEPAI procura levar aqueles que lidam com a Educao, reflexo, observao e busca da resignificao da prpria aprendizagem. Refletir sobre o aprender a aprender, procurar o conhecimento atualizado no aqui e agora de nossa sociedade e desenvolver a conscincia da co-participao entre a escola, a famlia e a comunidade na construo da cidadania, constituemse no objetivo maior do CEPAI. O CEPAI, por meio de aes psicopedaggicas, desenvolve sua prtica atuando em dois campos de ao: 1. Campo do saber por meio de um curso de ps-graduao lato sensu com especializao em psicopedagogia. Esse curso proporciona a inter-relao entre os vrios campos da cincia que fundamentam os pressupostos da psicopedagogia, ao mesmo tempo em que possibilita a pesquisa cientfica, pela prxis, nos estgios clnico e institucional. 2. Campo de atuao profissional a partir de atendimentos individuais interventivos a crianas, adolescentes e adultos, com discusses clnicas, alm de assessoramento

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s instituies escolar, empresarial e hospitalar, numa ao preventiva, utilizando-se dos conhecimentos adquiridos no campo do saber. Esta prxis retroalimenta o campo terico, dando maior subsdio para a resoluo das dificuldades de aprendizagem. O CEPAI encontrou na teoria psicopedaggica o suporte para a sua ao, e todo o seu trabalho embasado nesses pressupostos tericos que abrangem as teorias do processo de desenvolvimento e de aprendizagem do ser humano, tema que me proponho a discorrer neste trabalho. Como j tivemos oportunidade de falar, a psicopedagogia surgiu na Frana e, inicialmente, era voltada para a remediao ou reeducao das crianas com problemas de aprendizagem, identificados nos seus primrdios, como um modelo mdico de compreenso e tratamento dos chamados distrbios de aprendizagem. No Brasil, surge em resposta ao grande problema do fracasso escolar, buscando, no incio, os sintomas das dificuldades de aprendizagem desateno, desinteresse, lentido, inapetncia para o estudo etc.; depois, percebe-se que o sintoma apenas um sinal, produto de uma desarticulao dos diferentes aspectos que envolvem o processo de aprendizagem, como o afetivo, o cognitivo, o social e o orgnico. Observa-se, ainda, na evoluo desses estudos que h uma diferenciao entre problema de aprendizagem e fracasso escolar. No momento, percebe-se um avano na compreenso das questes relacionadas a aprender e suas dificuldades. Diversos autores, tais como Sara Pain, Jorge Visca, Ana Maria Muiz, Pichon-Rivire, Alicia Fernndez, Lino de Macedo, Beatriz Scoz, Ndia Bossa etc., alm de alguns psicanalistas, como Anny

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Cordi, Leny Mrech, Maria Cristina Kupfer, Jean C. Filloux e outros, aprofundam estudos a respeito das relaes entre as dificuldades de aprendizagem e o inconsciente do sujeito, e estabelecem uma relao entre inteligncia e afetividade e as suas conseqncias para o processo da aprendizagem humana. A psicopedagogia um campo de atuao existente h muito tempo em vrios pases, como j o dissemos anteriormente e que, inicialmente, se voltava para a remediao ou reeducao das crianas com problemas de aprendizagem. Desta forma, a psicopedagogia evoluiu e se ampliou para constituir-se numa rea aplicada, interdisciplinar e transdisciplinar. Ela integra e constri sua prpria sntese a partir das contribuies de vrias reas de conhecimento, tais como a pedagogia, a psicologia, a psicolingstica, a sociologia, a epistemologia gentica, a neurologia e a psicanlise, buscando no s uma interveno, mas tambm a preveno das dificuldades no processo de aprendizagem do indivduo. Portanto, podemos definir a psicopedagogia como uma rea que estuda e lida com o processo de aprendizagem humana e suas dificuldades, compreendida na especificidade do sujeito que aprende. A psicopedagogia um campo de conhecimento recente que surgiu a partir dos conhecimentos trazidos da pedagogia e da psicologia. Evoluiu em busca de um corpo terico prprio. Da mesma forma que todas as demais disciplinas, nesta sua trajetria evolutiva, a psicopedagogia encontrou muito de seus aportes tericos na integrao de vrios campos de conhecimento, j expostos anteriormente, com o objetivo de ter uma compreenso mais integradora do processo da aprendizagem humana. Assim que podemos dizer que essa tarefa difcil de integrao das distintas reas de conhecimento no se d aprioristicamente, mas

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a partir da construo, pelo profissional da psicopedagogia, de uma sntese que se constitui, hoje, num corpo de conhecimento especfico, cujo objeto central de estudo , repito, o processo de aprendizagem humana e os percalos que possam ocorrer, procurando conhecer o sujeito aprendente e a influncia do meio famlia, escola e sociedade no desenvolvimento desse processo. Isso nos leva compreenso de que tambm se constitui objeto central da psicopedagogia as relaes que permeiam o processo de aprendizagem do sujeito. O campo de atuao do psicopedagogo inclui o espao fsico no qual este trabalho executado e o espao epistemolgico prprio de sua atuao. Seu campo de atuao ir depender da modalidade que se destina sua prtica: na teoria, na clnica, ou institucionalmente, sendo as trs sempre articuladas entre si e assumindo, cada uma, caractersticas especficas. A partir deste pressuposto, faz-se importante rever como esses aspectos interferem no processo ensino-aprendizagem. Falamos, aqui, em ensino-aprendizagem, pois sendo um processo, deve-se observar aqueles que se encontram nele envolvidos, ou seja, aquele que ensina e aquele que aprende.

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1a relao entre desenvolvimento cognitivo e aprendizagem...estoy convencido de que llegar el dia em que la psicologa de las funciones cognoscitivas y el psicoanlisis estarn obligados a fusionarse en uma teoria general que mejorar a ambos y los corregir1. Piaget (1973, in Visca, p. 30)

bordaremos o pensamento de Vygotsky sobre o tema complexo da relao entre desenvolvimento cognitivo e aprendizagem. Esse assunto tem sido discutido por vrios tericos da psicologia cognitiva, que apresentam suas idias acerca do conceito de desenvolvimento, de aprendizagem, de conhecimento e, principalmente, de como se processa a aquisio de conhecimento no indivduo. A busca constante entre aqueles que se preocupam com o tema est muito ligada a um ponto fundamental: que1 Estou convencido de que chegar o dia em que a psicologia das funes cognoscitivas e a psicanlise estaro obrigadas a se unirem em uma teoria geral que trar benefcios s duas e as corrigir. (Traduo da autora).

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relao existe entre o desenvolvimento da criana e o seu processo de aprender? Procuraremos apresentar algumas idias de Vygotsky sobre o assunto, tendo a conscincia que nada ficar esgotado e muita coisa ainda restar para ser dito. Para discorrer sobre o assunto, traremos para esta cena, primeiramente, algumas abordagens sobre a influncia que a psicologia sempre exerceu na educao e sobre o pensamento filosfico, tema-me de todas as reas do conhecimento. Essa nossa escolha decorre do fato de que os psiclogos, tericos do desenvolvimento e da aprendizagem humana, sempre tiveram seu olhar voltado para o pensamento filosfico que norteou a busca do conhecimento. Esse pensamento tambm sentido nos estudos psicolgicos ao longo dos anos. Numa segunda seo, traremos para a leitura o ambiente scio-histrico-cultural no qual Vygotsky viveu durante toda sua formao escolar, acadmica e profissional. Momento de grande rebolio social e econmico vivido pelo autor, exercendo tanta influncia em seu pensamento que ele era considerado um homem de seu tempo, para alm de seu tempo. Portanto. para compreender o seu percurso terico, faz-se necessrio situ-lo no seu contexto. Penetrando na sua filosofia, comeamos a abordar os processos psicolgicos superiores e os processos psicolgicos elementares, fundamentao maior de seu pensamento. Numa outra seo, apresentaremos sua teoria sobre desenvolvimento cognitivo, tentando explanar o que Vygotsky elaborou de mais fundamental para o processo de aprendizagem humana, que foram suas idias sobre Internalizao e Zona de Desenvolvimento Proximal. No final, procuraremos compreender o pensamento de Vygotsky acerca da relao entre desenvolvimento e aprendizagem, esforando-nos a ser o mais fiel possvel s idias do autor.

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o PensaMento filosfico, a Psicologia e o desenvolviMento cognitivoA influncia da psicologia sobre a educao constitui um tema sempre presente no estudo do desenvolvimento cognitivo e sua relao com o processo ensino-aprendizagem. A psicologia sempre uma fonte natural fornecedora de aportes tericos para o estudo do comportamento e da aprendizagem humana. Desde o incio, a psicologia (Mayer, 1977) procurou, experimentalmente, analisar os processos cognitivos dos quais so dotados os seres humanos. Assim, foram analisadas as relaes entre a sensao, a percepo, a aprendizagem, a memria e o pensamento. Os estudos, cerne da psicologia cognitiva, eram sempre realizados atravs da observao da entrada de estmulos e informaes e de como eram processados. Constatou-se que cada tpico do processo cognitivo relaciona-se com a manipulao ativa de informaes, cada um envolvendo o pensamento. Durante a evoluo desses estudos, cada terico defendia sua posio e definia como prioridade um dos processos cognitivos, enfatizando o papel da resoluo de problemas, ora na memria, ora na percepo, ora na aprendizagem. Cada estudioso colocava sua teoria a servio da educao. Habitualmente, mencionava-se como critrio diferenciador, na relao da psicologia com a educao, a dicotomia entre os aspectos estruturais e os aspectos funcionais, explicados pela gentica (Mayer, 1977). Existem aplicaes que repousam nos estgios de desenvolvimento; outros, mais recentes, nas concepes construtivistas e interacionistas do conhecimento. A psicologia da educao situa este estudo entre uma rea que de pesquisa bsica e outra que um campo de aplicao, sempre com aplicabilidade no processo ensino-aprendizagem.

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O fato que cada estudo realizado se reporta sempre a uma doutrina filosfica. Por volta do sculo XIX, a filosofia dominante dos processos mentais era a do Associacionismo. Como todos os psiclogos que estudavam a teoria do desenvolvimento cognitivo, Vygotsky tambm a analisou e interpretou, contextualizando sua argumentao. Como j foi dito, todo conhecimento humano tem seu incio nos grandes filsofos. Portanto, no poderamos deixar de falar nos artfices desse conhecimento, tomando por base Gaarder (1995). O pensamento filosfico tem, como uma das caractersticas, a busca constante de conhecimento. O conhecimento um processo infinito com verdades parciais, que podem ser superadas, transformadas e vistas como pontos de partida para novos conhecimentos. Sentindo a necessidade de fazer uma retrospectiva que nos leve a estudar a teoria vygotskyana a partir da construo do conhecimento humano pelos filsofos, tentaremos fazer um relato do pensamento filosfico ao longo de sua histria. Os filsofos no tinham a preocupao com o conhecimento da maneira que o concebemos hoje; voltavam-se para o Ser. Seus primeiros passos apresentavam uma forma cientfica de pensar a compreenso da natureza. Ao estudarem a natureza e o ser, eles buscavam conhecer a essncia e a relao de um e de outro, sem a preocupao de analisar o processo por meio do qual o conhecimento acontece no indivduo. As primeiras idias sobre o infinito, o ar e a origem das coisas partem dos filsofos Tales, Anaximando e Anaxmenes. Com os primeiros passos em direo ao Racionalismo, surgem as primeiras preocupaes com o conhecimento, trazidas por Parvenedes, Herclito e Demcrito. Suas idias eram explicitadas por meio dos opostos: sentido-percepo, razo-

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pensamento, acreditando que a verdade traria uma mudana contnua. Enfocando o processo de mudana do conhecimento, comea a ser firmado um pensamento filosfico que acreditava ser diferente o perceber e o pensar. Demcrito descobre o tomo, desenvolvendo um novo conhecimento sobre a natureza e o homem, surgindo, assim, o Atomismo. A partir da, comeam a aparecer os filsofos mais ligados ao estudo do conhecimento. Surge, ento, Scrates que passa a estudar o homem e sua posio na sociedade. Plato, por meio de quem se conhece as idias filosficas de Scrates, afirmava que, ao ensinar, ele dava a impresso de querer, ele prprio, aprender com o interlocutor. Scrates dialogava, discutia, perguntava como se nada soubesse, levava o interlocutor a ver os pontos fracos de suas reflexes. Acreditava que o conhecimento vem de dentro, e que s este capaz de mostrar o verdadeiro discernimento. Ele procurava tirar de seus interlocutores aquilo que considerava verdadeiro. Ajudava as pessoas a parir sua prpria opinio, acreditando no poder da razo e na utilizando a linguagem como forma de persuaso. Talvez, aqui, j pudssemos vislumbrar a mediao trazida por Vygotsky. Scrates, como pai da filosofia, deixa seguidores, dos quais o mais importante Plato. Nesta ocasio, surge a primeira escola de filosofia, chamada Academos. nessa escola, cujo nome oriundo de academia, que comeam a se instituir as disciplinas acadmicas, dando um aspecto formal, no qual o conhecimento pensado de forma estrutural. O ensino caracterizado pela linguagem dos dilogos. Vemos os primeiros jardins de infncia na poca de Plato. Com Aristteles, filsofo e bilogo grego, surge a teoria de que a razo nasce com o homem, sendo inata, e as idias so adquiridas. Fundou, assim, a cincia da lgica, estabelecendo conceitos, organizando idias, criando a mxima de

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que s o homem tem a capacidade de pensar racionalmente. Ele acreditava que importante se ter a capacidade de organizar os fatos para compreender. Comeam a ser discutidas e estudadas fontes e formas de conhecimento, j com a inteno da criao de uma teoria. Para os filsofos de ento se constitua prioridade o estudo de sensao, percepo, imaginao, memria, raciocnio, intuio, processos psicolgicos estudados por Vygotsky. Conceitos que diferenciam alguns termos, usados na poca, surgem, tais como: distino entre saber e opinio; aparncia e essncia. So discutidas as formas de conhecimento verdadeiro, analisando idias, conceitos e juzos; procedimentos so viabilizados para se alcanar o conhecimento. Pela induo, deduo e intuio chegam definio de campos de conhecimento verdadeiros, classificando-os como terico, prtico e tcnico. Na Idade Mdia, surgiram as primeiras escolas em conventos, sob a orientao da igreja crist. Tambm aparecem as primeiras faculdades com diferentes reas de saber. Vemos, nessa ocasio, Santo Agostinho respondendo s questes por meio da f; So Toms de Aquino, influenciado por Aristteles, apregoando que existiam dois caminhos que levavam a Deus: a f e o conhecimento. Com o Renascimento, desenvolve-se a arte e a cultura. O homem torna-se o centro das discusses. Delineiam-se os objetivos pedaggicos, levantando o lema de que o homem deve ser educado para tornar-se humano. A teologia crist atinge seu apogeu. Fala-se em libertao, em natureza, em um novo mtodo cientfico. Novamente h um resgate do papel do conhecimento, por meio das artes, das letras, da filosofia e da poltica. Encontramos, a, uma teoria do conhecimento que estabelece relao entre o sujeito e o objeto do conhecimento, entre

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pensamento e coisa, entre conscincia (interior) e realidade (exterior), fundamentao tambm defendida, posteriormente, por Vygotsky. Surgem os filsofos modernos, como Francis Bacon que d nfase ao conhecimento, afirmando que saber poder; Descartes, com a afirmativa que a razo o nico meio de se chegar ao conhecimento e reforando a questo do inatismo trazida por Aristteles. Questes importantes so levantadas com relao ao dualismo do homem, em corpo e alma. John Locke cria uma teoria do conhecimento, na qual analisa novas formas de conhecimento, como elas surgem, a origem de nossas idias e a relao entre o sujeito e o objeto do conhecimento. Sua concepo era diferente de Plato e Descartes, uma vez que separava a razo da percepo. A orientao de John Locke era voltada para o racionalismo e o empirismo. Como narra Gaarder, em O Mundo de Sofia, Muitos filsofos passaram a defender, ento, a opinio de que nossa mente totalmente vazia de contedo, enquanto no vivemos uma experincia sensorial. Esta viso chamada de empirismo (1995, p. 281). Adiante, explica:Um emprico deriva todo o seu conhecimento do mundo daquilo que lhe dizem os seus sentidos. A formulao clssica de uma postura emprica vem de Aristteles, para quem nada h na mente que j no tenha passado pelos sentidos. Esta idia contm uma severa crtica a Plato, para quem o homem, ao vir ao mundo, trazia consigo idias inatas do mundo das idias. Locke repetiu as palavras de Aristteles, mas o destinatrio de suas crticas era Descartes.

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Os seguidores de John Locke desenvolvem esta concepo emprica da mente, cuja nfase da origem das idias se dava em funo das sensaes, produto de estimulao do ambiente. A partir da Revoluo Francesa, surge o Iluminismo, tendo como premissa dar conhecimento populao para, por meio da luta, conquistar seus direitos e definir seus deveres, posio semelhante de Vygotsky. A principal figura dessa poca foi Kant. Para ele, os racionalistas atribuam uma importncia muito grande razo, e os empricos eram muito parciais quando defendiam a experincia centrada nos sentidos. Os kantianos asseguravam que as idias eram referentes ao espao e tempo, bem como aos conceitos de quantidade, qualidade e relao tinham sua origem na mente humana, no podendo ser decompostas em elementos mais simples. Tanto a filosofia de John Locke quanto a de Kant tinham, como embasamento terico, os trabalhos de Descartes, que apregoava ser o estudo cientfico do homem restrito ao corpo fsico e que cabia filosofia o estudo da alma. No fim do sculo XIX, as teorias de Darwin, Fechner e Schenov se tornam essenciais para o estudo do pensamento psicolgico. Darwin exps a presena de uma continuidade essencial, demostrando a evoluo do homem a partir de outros animais; Fechner detalhava uma relao entre os vrios eventos fsicos que podiam ser determinados e suas conseqentes respostas psquicas, expressas pela linguagem; Schenov dizia que havia bases fisiolgicas que ligavam o estudo cientfico natural de animais aos estudos fisiolgicos humanos. Nesta teoria, j se vislumbra uma filosofia materialista. Com o Romantismo, expresso pela arte, refora-se o papel do sentido, da imaginao e dos anseios, exaltando o brincar e o jogar como uma capacidade cognitiva, de onde

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surge a aprendizagem; aqui tambm j se vislumbra o pensamento vygotskiano. Outros filsofos surgiram com uma viso idealista, como o caso de Hegel, que analisa o conhecimento pelo tempo histrico e pela evoluo dialtica. J aparece a noo de que a Razo s se concretiza atravs da interao com as pessoas, numa dinmica processual. Percebem-se, a, as razes do interacionismo de Vygotsky Desenvolvendo a tese poltico-econmica, comea a surgir a teoria de Marx que, por meio do pensamento e da conscincia, viabilizava uma forma de modificar o mundo, analisando as condies materiais e as relaes de produo. Marx teve seu pensamento influenciado por Hegel, embora tenha se distanciado da noo hegeliana de esprito universal, que seria o idealismo. Marx alegava que os filsofos sempre tentavam interpretar o mundo, mas nunca transform-lo. esse seu pensamento que ir produzir uma virada muito significativa na histria da filosofia. , portanto, o pensamento marxista estruturado com um objetivo prtico e poltico. Marx era, alm de filsofo, historiador, socilogo e economista. Em funo desses conhecimentos, Marx acreditava que eram as condies materiais da vida de uma sociedade que determinavam o pensamento e a conscincia das pessoas; que essas condies materiais eram decisivas para a evoluo da histria. Isso o fez conhecido como um filsofo materialista histrico. Para ele, as bases de uma sociedade so as relaes materiais, econmicas e sociais, enquanto o modo de pensar, as instituies polticas, as leis, a religio, a moral, a arte, a filosofia e a cincia se constituam no que ele chamava de superestrutura. Mas ele reconhecia que entre a base e a superestrutura de uma sociedade existe uma interao, uma tenso, denominada depois de materialismo dialtico. Todas essas

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idias marxistas tiveram um papel muito significativo na teoria de Vygotsky sobre o desenvolvimento cognitivo. O conceito-chave do Existencialismo era a existncia, investigando a essncia, a natureza do ser e da coisa, numa viso moderna dos primeiros filsofos. Neste retrospecto filosfico, baseado na preciosa informao que nos oferece Gaarder (1995), poderemos com mais propriedade e, fazendo uma projeo, discorrer sobre os modernos pensadores e psiclogos. Comeam a aparecer, neste cenrio, vrias concepes de desenvolvimento, de inteligncia, de conhecimento, de aprendizagem, que trilham caminhos diferentes. Destas, destacamos as de Piaget, Vygotsky e Bruner, que se esmeram no estudo e na anlise de como se d o processo ensino-aprendizagem do homem, pesquisando e estudando como se processa o desenvolvimento cognitivo. Por termos escolhido discorrer sobre a teoria de Vygoysky, no poderamos deixar de trazer o ambiente scio-histricocultural no qual se deu a construo de suas idias, a fim de compreender melhor seus conceitos, suas relaes, suas definies e suas concluses, tentando, assim, estabelecer uma relao entre sua teoria do desenvolvimento cognitivo e a aprendizagem.

ambiente scio-histrico-culturalLev Semenovich Vygotsky (1896-1934) teve sua educao primria realizada em sua prpria casa. Quem cuidou dos seus primeiros ensinamentos foi um matemtico de nome Salomon Ashpiz, que durante muito tempo ficou exilado na Sibria, por sua participao nos movimentos revolucionrios de ento. As aulas desse matemtico eram repassadas apenas para alguns

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alunos privilegiados; fazia uso de um mtodo que se assemelhava aos dilogos de Scrates (Rivire, 1988; Blanck, 1993, ambos citados em Baquero, 1998). Esse um detalhe bastante significativo na formao das idias e, conseqentemente, dos conceitos que Vygotsky viria a desenvolver. Ele tinha o privilgio de ser membro de uma famlia com situao econmica razovel, diramos at confortvel, alm de ser bem dotado intelectual e culturalmente. Sua casa era farta de livros. Havia um dilogo entre seu pai e os filhos, que se realizava em reunies de grupo. Este fato d a Vygotsky um grande estmulo intelectual, fazendo-o interessar-se pela reflexo e estudo em vrias reas do conhecimento. Sua formao bsica foi toda realizada em casa, e s aos 15 anos ingressou numa escola. Em 1913, conclui seu curso secundrio e, em 1917, forma-se em direito pela Universidade de Moscou. Realizou, ainda, estudos de medicina, devido ao seu interesse pela neurologia. Quando Vygotsky se impe como uma importante figura no campo da psicologia, o nome mais proeminente era o de Ivan Pavlov (juntamente com John B. Watson), que era adepto das teorias comportamentalistas, as quais privilegiavam a associao do estmulo-resposta, cuja estratgia bsica consistia em identificar as unidades da atividade humana, baseada num modelo atomstico, ou seja, fragmentado composto de relaes lineares de causa e efeito, numa tentativa de explicar os processos cognitivos (Beyer, 1996). Watson, em 1913, nos Estados Unidos, traz para a educao uma nova teoria, que ficou conhecida como behaviorismo. Lima (1990) aponta que Watson considerava o behaviorismo uma psicologia experimental, objetiva, cientfica e determinista, que buscava sua fonte no comportamento diretamente observvel. Vygotsky faz uso de uma concepo histrica, da qual adepto, transportando-a para o estudo da cincia, da psicologia

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e da histria da psicologia. Utiliza-se do marxismo dialtico para desenvolver suas pesquisas. O uso que o autor faz da histria no se restringe apenas histria da filogentica, nem histria do desenvolvimento da cultura dos povos, e, ainda, vai alm da histria da ontogentica. Vygotsky faz sua anlise do desenvolvimento histrico da psicologia, estabelecendo instrumentos conceituais que possibilitem uma anlise histrica da cincia (Moll, 1996). Vygotsky e Wallon mantm, em suas obras, a cultura como elemento importante na constituio do desenvolvimento humano. Exatamente nas obras destes dois tericos que vamos encontrar as mais profcuas discusses sobre o processo de constituio do sujeito e sobre a construo do conhecimento. E Vygotsky que ir instituir que as funes mentais superiores so produto do desenvolvimento scio-histrico da espcie, sendo que a linguagem funciona como mediadora (Lima, 1990 Em aberto Enfoque). Sua teoria fica conhecida como sciointeracionista. J quando estudante da Universidade de Moscou (Moll, 1996), lia bastante os temas referentes lingstica, s cincias sociais, psicologia, filosofia e s artes. Em 1924, participa do Segundo Congresso de Psiconeurologia, em Leningrado, onde se instala seu perodo de produo declaradamente psicolgica. Conclama a necessidade de se tomar a conscincia como objeto de investigao, visando uma psicologia objetiva, a fim de atender mais propriamente o chamamento do governo de seu pas. Nessa poca, o Estado Sovitico conclama todos os cidados a erradicarem o analfabetismo no pas e realiza, em 1922, um Congresso em Moscou, onde foi institudo um programa para extino do analfabetismo. Este programa se prolongou por muito tempo.

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Em 1924, Vygotsky convidado a fazer parte do Instituto de Psicologia de Moscou, dirigido por Kosnilov (autor do convite), que propunha um programa no qual a psicologia era baseada no materialismo dialtico. Junto com Alexandre Luria e Alxis Leontiev, forma um grupo, troika, cujo projeto de trabalho era estudar a psicologia sob bases genuinamente marxistas, em franca oposio ao desenvolvimento behaviorista. Sua tese de doutorado Psicologia da Arte um libelo de sua criao artstica. A, comea-se a esboar alguns problemas que se desenvolvero ao longo de sua obra. O autor fala em funes psicolgicas superiores e inferiores e sobre a importncia da mediao na constituio das funes superiores. No seu texto O significado histrico da crise da psicologia (1927), Vygotsky destaca a necessidade de se constituir uma metodologia geral, no reduzida a uma nica lgica geral da pesquisa. Ele se referia relao entre a psicologia cientfica e a filosofia marxista. Para ele, era necessrio desenvolver princpios gerais de carter psicolgico. Estabelecia categorias, nas quais deveria haver uma relao entre o organismo com suas leis naturais e os produtos superiores histrico-culturais do psiquismo humano. Utilizou a dialtica como forma de investigar e teorizar o que ele chamava de materialismo psicolgico. Depois da Revoluo Socialista de 1917, muitas opinies controvertidas foram implantadas na Unio Sovitica, as quais se refletiam no pensamento cientfico de ento e, principalmente, na proposta educacional do pas. Assim que, em meio a uma grande onda filosfica marxista, a teoria vygotskiana surge atravs de suas pesquisas e de seus estudos sobre o desenvolvimento cognitivo. Vygotsky sempre esteve envolvido com os assuntos referentes educao. Sua prpria trajetria profissional mostra isto. Foi professor de

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literatura, docente de uma escola superior para treinamento de professores, e todas as suas pesquisas na rea da psicologia estavam voltadas para a pedagogia. Considerado um homem com pensamentos sempre frente de seu tempo, foi solicitado a fazer parte do programa de educao do governo revolucionrio de seu pas, tendo, tambm, distanciado-se das idias do programa de governo, quando este ficou para trs em relao aos preceitos que as teorias vygotskianas defendiam. Segundo Oliveira (1993), alguns postulados marxistas tiveram influncia na obra do autor: a) O modo de produo da vida material o condicionador da vida poltica, social e espiritual do homem; b) O homem um ser histrico, construdo pela interao com o mundo natural e social; c) A sociedade humana constitui-se em um sistema dinmico e contraditrio, em constante processo de mudana e em desenvolvimento; d) As transformaes ocorrem por intermdio da sntese dialtica, da qual, de elementos contextualizados, fenmenos emergem. Depois de falarmos sobre este contexto scio-histricocultural, marca importante na obra do autor, procuraremos desenvolver uma linha de pensamento, apresentando o que Vygotsky construiu sobre os processos psicolgicos superiores.

Processos psicolgicos superioresOs processos psicolgicos superiores tm uma origem histrica e social. Estes processos tiveram sua natureza histrica

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adaptada das idias desenvolvidas por Marx e Engels, e esto embasados na teoria scio-histrica, cujo princpio bsico era a participao do sujeito em atividades compartilhadas com outros. O desenvolvimento dos processos psicolgicos superiores era analisado a partir da internalizao das prticas sociais de cada indivduo, sendo, portanto, culturalmente organizado. Transpondo essa caracterstica para a aprendizagem, observa-se que no contexto de ensino ser um momento interno e necessrio. Os processos psicolgicos superiores (Lria, 1987) se constituam em aes conseqentemente controladas, ateno voluntria, memorizao ativa, pensamento abstrato e linguagem que, segundo Baquero (1998), parecem desempenhar dois papis: a) exemplo paradigmtico de processo psicolgico superior em cuja formao pode-se descrever com clareza a natureza dos processos de interiorizao com a conseqente reconstruo interna do PPS; b) constituir-se no instrumento central de mediao que possui um lugar privilegiado na interiorizao dos processos psicolgicos superiores. (p. 33) Esses processos so especificamente humanos, j que so histrica e socialmente constitudos. H uma pressuposio da existncia de processos elementares, embora no seja condio necessria para o surgimento dos processos psicolgicos superiores, no sendo estes um estado avanado dos elementares, mesmo que estes convertam-se em superiores. Os processos psicolgicos superiores se diferenciam dos processos elementares citados por Oliveira (1993), como aes reflexas, reaes automticas, processos de associao simples entre eventos por serem sociais e especficos do homem; regulam

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sua ao por um controle voluntrio, no sendo dependentes nem controlados pelo meio ambiente; esto regulados conscientemente e necessitam dessa regulao para se constiturem; precisam do instrumento da mediao para se organizarem, sendo a mediao semitica a mais importante. Vygotsky (1987) faz, ainda, uma diferenciao entre processos psicolgicos superiores rudimentares e processos psicolgicos superiores avanados. Nos primeiros, ele colocaria a linguagem oral, como processo psicolgico superior adquirido na vida social mais ampla e por toda a espcie, e sendo produzido pela internalizao de atividades sociais organizadas, por meio da fala. Nos processos psicolgicos avanados, a busca de atributos segue vetores diferentes, porm relacionados e indissociveis. Um vetor, ligado s suas caractersticas ou propriedades, outro ao modo de formao. Sua caracterstica possuir um maior grau de uso do instrumento da mediao, que vai se tornando independente do contexto, de regulao voluntria e de realizao consciente. A linguagem escrita e seu domnio competente possuem mais esta caracterstica do que a linguagem oral. O segundo vetor nos d um indicador de que os processos psicolgicos superiores avanados so adquiridos nos processos institudos de socializao especficos. Exemplo disto so os processos de escolarizao, uma vez que o domnio da leitura/escrita no adquirido nos processos de socializao genricos, tal qual a fala. A diferena entre os processos psicolgicos elementares superiores estaria nos domnios filogentico e sociocultural. A diferena entre os processos psicolgicos superiores rudimentares, como por exemplo a linguagem oral adquirida na vida social geral e os avanados, que so processos adquiridos na socializao especfica, como os processos escolares (o domnio

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da escrita, por exemplo), diz respeito s transies genticas, ocorridas no mbito de natureza biolgica, inseridas no domnio sociocultural. Para Vygotsky, havia duas linhas de desenvolvimento para explicar a constituio dos processos psicolgicos, que pertenciam ontognese: uma linha cultural e uma linha natural de desenvolvimento. O que ganha primazia a linha cultural, uma vez que se refere ao desenvolvimento humano, especificamente. No entanto, ambas as linhas exercem um papel complementar e uma primazia relativa. Dentro do domnio ontogentico, foram desenvolvidos estudos sobre os processos de interiorizao, sobre os instrumentos de mediao, tanto no cenrio sociocultural quanto nos processos interpsicolgicos. Vygotsky realiza seus estudos sempre em busca de compreender como se originam e se desenvolvem os processos psicolgicos, no apenas na histria da humanidade, como na histria individual. Esse tipo de abordagem, conhecido como abordagem gentica, foi usado em outras teorias psicolgicas. Segundo Kohl (1993), o termo gentica no era referente biologia, como transmisso de caracteres hereditrios, mas, sim como gnese origem e processo de formao a partir dessa origem, constituio, gerao de um ser ou de um fenmeno ( Kohl, 1993, p. 56). Partindo desse breve relato sobre a origem dos processos psicolgicos superiores, tem-se uma melhor compreenso do pensamento vygotskiano acerca da sua teoria sobre o desenvolvimento cognitivo, envolvida numa aurola de interao entre o indivduo e seu ambiente cultural e social. A interao e a linguagem tm um importante destaque no pensamento de Vygotsky, uma vez que iro contribuir significativamente para o desenvolvimento dos processos psicolgicos, pela mediao.

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A fala e a inteligncia prtica (Garton, 1952) desenvolvem-se paralelamente, em linhas separadas, durante os primeiros momentos da vida da criana, embora de forma convergente. Quando as crianas so observadas falando, enquanto esto resolvendo um problema, nota-se a primeira manifestao dessa convergncia. Garton (1952, p. 93) descreve um exemplo apresentado por Vygotsky, acerca da observao realizada por Levina de uma criana de 4 anos e meio, tentado pegar um doce de um recipiente. Levina nota que a criana conversa; essa conversa acompanha a ao e serve para monitorar e regular a atividade, fato que natural e necessrio. Este experimento demonstra dois fatos que so importantes: 1. a fala e a ao uniram-se com uma funo psicolgica, objetivando obter a soluo do problema; 2. quanto mais complexa for a ao e quanto mais indireto for o objetivo, maior ser o papel da fala nessa atividade. Para isso, a criana utiliza-se tanto da fala, quanto dos olhos e das mos. A partir da, pode-se considerar a linguagem egocntrica e a fala social como instrumentos, envolvidos na resoluo de problemas complexos, utilizados pelas crianas. Com o tempo, a fala interpessoal desenvolve uma fala intrapessoal, e a criana com seus prprios recursos consegue resolver um problema. Com o desenvolvimento das funes intrapessoais da linguagem, vem a socializao das atividades prticas mentais. A interao social (Garton, 1952) fundamental em todo o processo de desenvolvimento da fala e no desenvolvimento das atividades prticas. Conseqentemente, representa um

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papel importante para o desenvolvimento cognitivo e para o avano da comunicao da criana, ambos propiciando, interativamente, o aprendizado. A teoria do desenvolvimento cognitivo tem sido estudada por grandes pesquisadores psiclogos que construram idias, cujas contribuies foram valiosas para a aprendizagem. Falaremos a seguir sobre o desenvolvimento cognitivo luz de Vygotsky.

o desenvolvimento cognitivo segundo vygotskyDurante muitos anos, a teoria vygotskiana foi considerada em segundo lugar; em primeiro lugar encontrava-se a teoria piagetiana. Piaget e Wallon dominaram as teorias genticas do desenvolvimento psicolgico durante as dcadas de 1960 e 1970 (Sternberg, 1996). A partir da, a obra vygotskiana ultrapassa a barreira poltico-ideolgica, penetrando nos pases alm das fronteiras da Unio Sovitica e Vygotsky ressurge no ocidente, e sua influncia continua at os dias de hoje. Sua teoria, entretanto, no oferece uma viso da evoluo psicolgica do homem. De suas valiosas idias, duas so de especial importncia para o processo ensino-aprendizagem: a) a Internalizao; b) a Zona de Desenvolvimento Proximal. Segundo Piaget (1987), a origem do desenvolvimento cognitivo d-se de dentro para fora, ocorrendo em funo da maturidade do sujeito. Esse autor considera que o ambiente poder influenciar no desenvolvimento cognitivo, porm sua nfase recai no aspecto biolgico, ressaltando a maturidade do

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desenvolvimento. A abordagem de Vygotsky se contrape a de Piaget, uma vez que sua nfase recai no papel do ambiente para o desenvolvimento intelectual da criana. Para Vygotsky, esse desenvolvimento seria, pois, especificamente, realizado de fora para dentro, pela internalizao. Para ele, o conhecimento se d dentro de um contexto e as influncias sociais so mais importantes do que o aspecto biolgico. Desta forma, para a teoria vygotskiana, o desenvolvimento ocorre em funo da aprendizagem, pensamento contrrio ao da teoria piagetiana que assegura ser a aprendizagem uma conseqncia do desenvolvimento. A partir de suas pesquisas, Vygotsky constata que no cotidiano das crianas, elas observam o que os outros dizem, porque dizem, o que falam, porque falam, internalizando tudo o que observado e se apropriando do que viram e ouviram. Recriam e conservam o que se passa ao seu redor. Em funo desta constatao, Vygotsky afirma que a aprendizagem da criana se d pelas interaes com outras crianas de seu ambiente, determinando o que por ela internalizado. Na internalizao, todos os processos intrapsquicos as formas de funcionamento cognitivo dentro do sujeito constroem-se a partir dos processos interpsquicos, ocorridos pela vivncia entre os sujeitos do mesmo grupo cultural, o que faz com que, paulatinamente, haja um processo de construo de estruturas lingsticas e cognitivas pelo sujeito, mediado pelo grupo. Esta tese vygotskiana bastante diferente da de Piaget, uma vez que os fatores socioculturais tm um peso acentuadamente significativo no desenvolvimento intelectual do sujeito. Apesar da posio contrria que Vygotsky tinha de Piaget sobre a idia da internalizao, o terico em estudo afirma que:

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A psicologia deve muito a Piaget. No exagero afirmar que ele revolucionou o estudo da linguagem e do pensamento das crianas... Foi o primeiro pesquisador a estudar sistematicamente a percepo e a lgica infantis: alm do mais, trouxe para o seu objeto de estudo uma nova abordagem, de amplitude e ousadia incomuns. Em vez de enumerar as deficincias do raciocnio infantil, em comparao com os adultos, Piaget concentrou-se nas caractersticas distintas do pensamento das crianas, naquilo que elas tm, e no naquilo que lhes falta (Vygotsky, 1987, p. 9).

A partir deste constructo de Piaget, qual seja, estudar as caractersticas do pensamento infantil e seus estgios de desenvolvimento, podemos observar que quando ele estuda a criana concentrando-se naquilo que elas tm, e no naquilo que lhes falta, dado o primeiro passo para a grande descoberta de Vygotsky que vai ser da maior importncia para o processo ensino-aprendizagem que seu estudo sobre a Zona de Desenvolvimento Proximal ZDP. Essa descoberta de Vygotsky a segunda maior contribuio para a psicologia pedaggica e do desenvolvimento. Ela tambm conhecida por Zona Potencial de Desenvolvimento ZPD. A zona de desenvolvimento proximal o potencial de capacidade que a criana possui e que a separa do nvel de capacidade que observvel por meio de seu desempenho e sua capacidade latente. Vygotsky (1987) considerava que a zona de desenvolvimento proximal representava o espao entre o nvel de desenvolvimento real, ou seja, aquele momento no qual a criana era capaz de resolver problemas sozinha, e o nvel de desenvolvimento potencial, ou seja, aquele momento em que a resoluo

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de problemas era feita pela criana com a ajuda de um companheiro ou com a orientao de um adulto. Observamos naturalmente na criana o potencial com que desenvolve a capacidade de chegar resoluo de um problema. O quanto a criana j capaz de fazer sozinha, pelo que j lhe foi ensinado, pela interao com o ambiente e pela internalizao que realizou. Antes da teoria vygotskiana, os educadores ficavam inseguros acerca da forma como deveriam avaliar essa capacidade latente na criana. De um modo geral, as avaliaes so realizadas de uma forma esttica, levando em considerao as perguntas do examinador e as respostas dadas pela criana. O examinador continua sua pesquisa, sem levar em considerao se a resposta da criana foi correta ou incorreta. Esta uma diferena fundamental nas pesquisas de Vygotsky. Ele se interessava no apenas pelas respostas corretas, mas, principalmente, pelas respostas incorretas. Assim que Vygotsky recomendava que passssemos de um ambiente de avaliao esttico para um ambiente de avaliao dinmico, no qual a interao entre criana e examinador no acaba quando ela responde, especialmente se responde incorretamente (Sternberg, 1996, p. 386). A idia central da zona de desenvolvimento proximal implica a compreenso de outras idias, tais como: a) Aquilo que a criana realiza hoje com o auxlio de uma pessoa mais especializada, mais tarde poder realizar com autonomia; b) Essa autonomia na resoluo do problema conquistada pela criana por meio da assistncia ou do auxlio de um adulto, ou de outra criana mais velha, formando uma relao dinmica entre aprendizagem e desenvolvimento;

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c) O conceito nos lembra a constituio dos processos psicolgicos superiores; d) Nem toda interao entre as pessoas gera desenvolvimento. Uma boa aprendizagem precede o desenvolvimento e cede lugar a uma reproduo. Segundo Vygotsky (1987), a aprendizagem acelera processos evolutivos internos que so capazes de atuar quando a criana se encontra em interao com o meio ambiente e com outras pessoas. Porm, ressalta a importncia de que esses processos sejam internalizados pela criana. Em sintonia com este pensamento, o autor reitera a no equivalncia entre aprendizagem e desenvolvimento; que a aprendizagem torna-se desenvolvimento mental; que a aprendizagem, sendo um aspecto universal e necessrio ao processo de desenvolvimento, culturalmente organizada e especificamente humana, pertencendo s funes psicolgicas. De incio, o conceito de zona de desenvolvimento proximal estava ligado ao estudo das limitaes da medio do coeficiente intelectual do sujeito. Mas a pesquisa emprica, segundo Vygotsky, j mostrava que esta mesma avaliao, utilizando-se o conceito de ZDP, dava maiores elementos, uma vez que podia predizer uma evoluo dos coeficientes intelectuais. Mostrava, portanto, o potencial que o sujeito apresenta para solucionar um problema, hoje, com auxlio de outra pessoa e, mais tarde, sozinho, com autonomia. Ao introduzir o conceito de zona de desenvolvimento proximal, Vygotsky j afirmava que o sujeito poderia ser ajudado por parceiros mais competentes, mesmo que no fossem os adultos esses parceiros. Claro que para a educao, o papel deste parceiro enfatizado na figura do adulto.

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No processo de aprendizagem, o papel desse parceiro pode ser desempenhado pelos pares da criana, orientado pelo professor. Nas tarefas da pr-escola, as crianas se saem muito bem atravs de cpias de modelos, quer sejam de adultos, quer sejam pelo auxlio de crianas maiores. O que se tem provado que as crianas, ao colaborarem com um adulto, especificamente com a me, tm mais probabilidade de executar com xito alguma tarefa. Esse papel desempenhado pela me, nas primeiras aprendizagens da criana, vai se ampliar, com mais propriedade, na figura do professor, em sala de aula. Da no podermos ignorar o papel desempenhado pelas crianas interagindo com outras pessoas, quer sejam pais, professores ou outras crianas maiores e mais experientes, tese defendida por Vygotsky nas suas pesquisas sobre o desenvolvimento cognitivo do sujeito, e que tem um papel significativo na aprendizagem. Vale ressaltar que no devemos deixar de dar ateno contribuio dada pelas crianas, na busca das formas de interao que melhor se ajustem s suas necessidades. A teoria vygotskiana da zona de desenvolvimento proximal, associada teoria da construo do conhecimento piagetiana, refora a idia da interao e d ao professor a responsabilidade sobre o processo de ensino-aprendizagem, no qual se evidencia uma parceria entre ensinante e aprendente. As crianas aprendem no por solues dadas pelos adultos, mas por uma construo sua, sob a orientao do professor. Vygotsky (1988) acreditava que a criana possui um nvel evolutivo que real, observvel por meio de um teste, mas possui, tambm, um potencial para o desenvolvimento, sendo a zona de desenvolvimento proximal exatamente a diferena entre um e outro nvel. Isso para a aprendizagem do sujeito tem um valor da maior importncia, uma vez que d ao mediador

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do processo de aprendizagem da criana a condio de seguir as etapas de pensamento e raciocnio percorridas, podendo intervir quando necessrio e caminhar sem atropelar. Ao fazer uso da mediao, Vygotsky traz para a educao a teoria marxista do uso de instrumentos na mediao das experincias dos homens no ambiente fsico, conceito que teve grande impacto nas relaes sociais entre as pessoas. Na aprendizagem, Vygotsky substituiu os instrumentos de trabalho por instrumentos psicolgicos, explicando, dessa forma, a evoluo dos processos naturais at alcanar os processos mentais superiores. Portanto,a linguagem, instrumento de imenso poder, assegura que significados lingisticamente criados sejam significados compartilhados, significados sociais. Palavras que j tm significado para os membros maduros de um grupo cultural passam a ter, no processo de interao, o mesmo significado para os jovens do grupo (Moll, 1996, p. 153).

A partir dessas novas formas de pensar o pensamento da criana e de como este pensamento se desenvolve, uma nova forma de conceber como se d o processo ensino-aprendizagem comea a ser investigada, estudada, usada, o que continua at nossos dias, e que muito tem contribudo para a educao de nossas crianas. A forma de conceber o percurso transcorrido pelo indivduo no seu processo de aprender vem atravs da mediao. Quando o professor, utilizando-se da mediao, consegue chegar zona de desenvolvimento proximal, atravs dos porqus e dos como, ele pode atingir formas pelas quais a instruo ser mais til para a criana. Dessa forma o professor ter condies

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de no s utilizar meios concretos, visuais, mas, com maior propriedade, fazer uso de recursos que se reportem ao pensamento abstrato, ajudando a criana a superar suas incapacidades. Vygotsky (1988) fala sobre o tema, quando afirma:a criana atrasada, abandonada a si mesma, no pode atingir nenhuma evolucionada de pensamento abstrato e, precisamente por isso, a tarefa concreta da escola consiste em fazer todos os esforos para encaminhar a criana nessa direo para devolver o que lhe falta (p. 113).

A importncia dada interao social no processo de construo das funes superiores e na construo do conhecimento no poderia deixar de ser considerada na escola, visto que o desenvolvimento de uma pessoa se d num ambiente determinado e em relao com outra pessoa. Esta uma cena caracterstica do processo ensino-aprendizagem, testemunha importante da relao da teoria desenvolvimentista vygotskiana e da aprendizagem humana.

relao entre desenvolvimento cognitivo e aprendizagemVygotsky (1988) estabelece que a relao entre desenvolvimento e aprendizagem na criana est agrupada em trs categorias: 1. H uma independncia entre o processo de desenvolvimento e o processo de aprendizagem. A aprendizagem um ato que se processa do exterior que, de alguma

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forma, paralelo ao processo de desenvolvimento, sem, contudo ter uma participao ativa, no o modificando. Segundo Vygotsky, a aprendizagem utiliza os resultados do desenvolvimento, em vez de se adiantar ao seu curso e de mudar a sua direo, e continua dando como exemplo a concepo extremamente completa e interessante de Piaget, que estuda o desenvolvimento do pensamento da criana de forma completamente independente do processo de aprendizagem (1988, p. 103) No por meio da aprendizagem escolar que a criana desenvolve sua capacidade de raciocinar. Esta tese defende que a aprendizagem ocorre depois do desenvolvimento, assim como preciso que haja maturao para que haja aprendizagem; o processo de aprendizagem vem sempre depois. Vygotsky (1998b) cita um dos clssicos da literatura psicolgica, adepto desta categoria, afirmando: (...) Binet e outros admitem que o desenvolvimento sempre um pr-requisito para o aprendizado e que, se as funes mentais de uma criana (operaes intelectuais) no amadurecem a ponto de ela ser capaz de aprender um assunto particular, ento nenhum instrumento se mostrar til (p. 104). Para Vygotsky (1998a), os adeptos desta categoria consideram que o educador deve encontrar um momento no qual uma nova instruo possa ser possvel. 2. Outra proposio a de que aprendizagem desenvolvimento. Essa uma tese que se contrape tese da independncia. H um valor atribudo aprendizagem superior ao desenvolvimento da criana.

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No entanto, as duas teses tm em comum conceitos fundamentais e so parecidas. James (in Vygotsky, 1988, p. 105) define a educao como a organizao de hbitos de comportamento e de inclinao para a ao. O desenvolvimento seria assim uma acumulao de reaes. Contudo, Vygotsky considera uma diferena fundamental entre as duas teses: a relao temporal entre o processo de aprendizagem e o processo de desenvolvimento. Esta tese no superpe um tempo entre o processo de desenvolvimento e o processo de aprendizagem. Aqui, o desenvolvimento paralelo aprendizagem, mas h uma identificao entre desenvolvimento e aprendizagem to exagerada, que pouco se diferencia da tese da independncia. 3. Essa tese procura conciliar as duas anteriores. Considera que h uma independncia, mas tambm h uma coincidncia entre aprendizagem e desenvolvimento. , portanto, uma teoria dualista do desenvolvimento, ou seja, independente, mas coincidente dos dois processos. Dessa teoria, o exemplo de defensor, citado por Vygotsky, o de Koffka, que apesar de ter deixado inconclusa sua teoria, defende que o processo de maturao prepara e torna possvel um processo especfico de aprendizado (Vygotsky, 1988, p. 106). Para Vygotsky, j no nascimento da criana, h uma relao entre aprendizagem e desenvolvimento. Mesmo concordando que o desenvolvimento construdo, em parte, pelo processo de maturao do sujeito, assegura que a aprendizagem que viabiliza o surgimento dos processos psicolgicos internos, e que

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estes ocorrem graas interao do indivduo com o ambiente cultural. O exemplo do aprendizado da leitura e da escrita bem caracterstico desta abordagem vygotskiana. Se o sujeito se isola num ambiente cultural, onde no se faa uso da escrita, ele no ser alfabetizado. Isso porque o processo de aprendizado da leitura/escrita somente seria possvel num ambiente sociocultural vivel, onde poder-se-ia despertar processos de desenvolvimento internos do sujeito capazes de permitir a aquisio da leitura e da escrita, conforme nos diz Oliveira (1993, p. 56). Vygotsky (1988), ao rejeitar as trs posies tericas acima referidas, afirma a complexidade do problema em discusso, reacende o fato de que o aprendizado da criana no comea na escola, que toda situao de aprendizagem escolar se defronta sempre com uma histria de aprendizagem prvia. Com estes prembulos, Vygotsky retoma o tema da zona de desenvolvimento proximal e sua relao com a aprendizagem. A zona de desenvolvimento proximal a mola mestra da teoria vygotskiana. Com ela, conecta-se o processo de desenvolvimento do indivduo por meio de sua interao com o contexto social e cultural, fortalecendo o organismo que se desenvolve pelo contato com as suas circunstncias. Quando o sujeito se encontra num momento no qual ele j capaz de resolver problemas sozinho, em que capaz de elaborar mentalmente um problema, a ao externa no se faz to necessria. No entanto, na zona de desenvolvimento proximal que mais o sujeito recebe influncia propulsora de seu desenvolvimento. Por outro lado, preciso que o sujeito se encontre exatamente nesta fase para que possa usufruir de suas circunstncias.

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a, pois, que mais se observa, que mais se faz sentir a relao existente entre o desenvolvimento do indivduo e seu processo de aprendizagem. O professor, atento a estas questes, d escola um papel de fundamental importncia na construo e na elaborao dos processos mentais do indivduo adulto. Da afirmar Vygotsky que o nico tipo de aprendizado aquele que caminha frente do desenvolvimento, servindo-lhe de guia; deve voltar-se no tanto para as funes j maduras, mas principalmente para as funes em amadurecimento (1987, p. 89); A idia do autor sobre a zona de desenvolvimento proximal trabalhada na escola constante e intencionalmente, por ser na escola onde se observa uma situao estruturada e comprometida com a evoluo dos processos de desenvolvimento e da aprendizagem do aprendente. Porm, Vygotsky trabalha tambm com outras situaes, nas quais se d a relao com o desenvolvimento infantil, no caso, o brinquedo. O autor faz uma comparao entre a situao escolar e a situao de brincadeira que, mesmo sem funo clara de desenvolver as funes superiores, cria uma zona de desenvolvimento proximal, no s pela situao imaginria, como tambm ao definir regras especficas, propiciando uma nova aprendizagem. Assim que Vygotsky (1988) retoma a palavra neste trabalho, para dizer que: A relao entre ambos os processos pode representar-se esquematicamente por meio de dois crculos concntricos; o pequeno representa o processo de aprendizagem e o maior, o do desenvolvimento, que se estende para alm da aprendizagem (p. 109).

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consideraes finaisRetomaremos alguns aspectos que ressaltamos como de fundamental importncia para o tema aqui descrito. De acordo com o pensamento vygotskiano, h uma transformao do homem, como ser biolgico, em homem como ser social, que se efetua por meio de um processo de internalizao de suas atividades, de seus comportamentos e dos smbolos que ele adquire ao longo de uma relao com a cultura. Como o prprio Vygotsky no deixou resolvida a questo da relao do desenvolvimento cognitivo com as questes da educao, o estudo de sua obra nos leva a refletir sobre como funciona o pensamento humano e como se aplica este estudo ao pedaggica. Na relao entre desenvolvimento e aprendizagem, Vygotsky esquematiza trs categorias fundamentais. A primeira pressupe a independncia que existe entre o processo de desenvolvimento e o processo de aprendizagem. Aqui, a aprendizagem um processo exterior, paralelo ao processo de desenvolvimento da criana. A aprendizagem utiliza os resultados do desenvolvimento, como no caso do estudo feito por Piaget que analisa o desenvolvimento do pensamento da criana, independente do processo de aprendizagem. A segunda caracterizao pressupe que a aprendizagem desenvolvimento. Aqui, considerado que as leis de desenvolvimento so leis naturais, no podendo o ensino mud-las. A terceira caracterizao procura conciliar as duas primeiras, mas acredita que so os dois processos independentes, mas coincidentes. No entanto, este grupo de caracterizao envolve trs aspectos: no primeiro, h o ponto comum entre os dois desenvolvimentos; o segundo refere-se interdependncia entre os dois processos; e no terceiro ressaltada a ampliao do papel

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da aprendizagem no processo de desenvolvimento da criana. Com este conhecimento, o educador ter subsdios para refletir sobre sua ao pedaggica. Outra grande e importante teoria, levantada por Vygotsky, e que d um enorme impulso ao aprendizado da criana, a rea de desenvolvimento proximal. Os testes que mediam o nvel de desenvolvimento da criana s estabelecem o seu desenvolvimento real, no observando a capacidade potencial da criana para aprender, o que limita essa avaliao a um nico nvel. Ao serem observados dois nveis o nvel real e o nvel proximal , cria-se uma rea de atuao infinitamente maior para se conduzir a aprendizagem da criana a um momento desejvel. Assim, o nvel de desenvolvimento proximal, chamado por Vygotsky de zona de desenvolvimento proximal, permite estabelecer a instruo que a criana capaz de assimilar com a ajuda do adulto, ou um parceiro mais adiantado, podendo, futuramente, resolver problemas, encontrar solues por si prpria, sem a ajuda anterior. Essa a grande diferena entre o ponto de vista tradicional de encarar o desempenho da criana, e o ponto de vista de Vygotsky de conduzir seus estudos. Sob essa tica, a nica indicao possvel do grau de desenvolvimento psicointelectual aquela que demonstra ser a criana capaz de realizar uma atividade sozinha, de forma independente. Este fato tira a possibilidade de participao do professor no processo de aprendizagem do aluno, limitando a ao interacional deste processo. A partir do pressuposto da zona de desenvolvimento proximal, o professor passa a atuar como mediador, permitindo indagaes, questionamentos. Na mediao, as funes psicointelectuais superiores aparecem primeiro nas atividades coletivas, sociais, isto , como funes interpsquicas e, depois,

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nas atividades individuais, com a apropriao interna do pensamento da criana, caracterizando as funes intrapsquicas. Assim que o desenvolvimento da linguagem se origina primeiramente como o meio de comunicao entre a criana e as pessoas ao seu redor; depois, ao se