If you can't read please download the document
Upload
suzana-luiza
View
23
Download
0
Embed Size (px)
DESCRIPTION
Alfabetização de Adultos
Citation preview
206
No que diz respeito alimentao, o conjunto normativo que
regulamenta a aplicao de recurso pblico para a sua compra
bastante complexo. Se, de um lado, possui os dispositivos de
controle necessrios para um uso adequado de tais recursos,
por outro, no caso especfico do TOPA, impe grandes dificul-
dades para assegurar a merenda escolar a todos os educandos
matriculados no programa, sejam eles participantes de turmas
administradas pelas prefeituras ou de turmas administradas
pelas entidades sociais. Isto pelo fato de as entidades sociais
no estarem autorizadas pela lei a receberem recurso pblico
para a merenda escolar.
Apesar dos desafios burocrticos inerentes questo da
alimentao e materiais escolares diversos, ao longo das 7
etapas, a solidariedade e o compromisso comunitrio daqueles
que se veem implicados no processo se manifestam e fazem
nascer solues locais que asseguram alimentao e proviso
de materiais essenciais a todos.
Ao longo das etapas do TOPA, foram muitas as experincias
de planejamento do trabalho poltico-pedaggico realizado
no interior do seu cotidiano. Encontros de mbito estadual e
municipal so permanentes e visam a uma maior compreenso
tanto dos aspectos operacionais quanto dos poltico-pedag-
gicos do Programa.
_Book-MIOLO-TOPA.indb 206 04/11/2014 20:38:09
207
O Programa TOPA realiza nos dias 25 e 26 de fevereiro de 2010, na Escola Parque, o I ENCONTRO ESTADUAL DE GESTORES MUNICIPAIS DO TOPA
A atividade, que reunir Gestores Municipais, Supervisores
Regionais e representantes de Unidades Formadoras com a
Equipe central do Programa, tem entre seus objetivos capa-
citar os gestores nos sistemas SBA e Gesto TOPA, orientar
sobre execuo financeira e prestao de contas dos convnios
realizados, e apresentar e socializar os resultados e desafios
do Programa. Alm disso, o momento servir para elaborao
do planejamento das aes do TOPA para 2010.
Fonte: Acesso em 20 jul. 2014.
Como podemos perceber, a vida pulsa no cotidiano do TOPA.
Companheirismos, afetos, esperanas, sonhos, dificuldades,
aprendizagens, descobertas coletivas, desafios, tomadas de
conscincia, alegria, conectividades etc. se fazem presentes o
tempo todo neste programa que sonha contribuir com o fim
do analfabetismo no estado da Bahia por meio da ao cidad
do seu prprio povo.
_Book-MIOLO-TOPA.indb 207 04/11/2014 20:38:10
Ro
bert
o V
iana
/ G
OV
BA
Ro
bert
o V
iana
/ G
OV
BA
Mat
heus
Per
eira
/ G
OV
BA
_Book-MIOLO-TOPA.indb 208 04/11/2014 20:38:17
209
Desde 1948, quando a Declarao Universal dos Direitos do
Homem foi proclamada pela Assembleia-Geral das Naes
Unidas, a educao conquistou um status de direito humano,
reconhecido mundialmente.
Garantir o direito educao para todos e todas seria, desde
ento, condio essencial para o desenvolvimento das naes
que almejassem construir para si uma sociedade mais pacfica,
justa e menos desigual. Contudo, o reconhecimento do direito
no tem se revertido em prticas concretas. Outros direitos
elementares, como o da alimentao, moradia, sade, entre
tantos, tambm tm sido negligenciados.
Para as crianas mais empobrecidas, o caminho que deveria
levar desde cedo escola sofre bruscas mudanas de itinerrio,
levando-as a definir, como nica rota possvel, a preservao
da prpria vida. Em decorrncia disso, milhes de crianas so
obrigadas a abandonar os estudos antes de conclu-los ou nem
sequer tm a oportunidade de inici-los. Contudo, no somente
a necessidade de trabalhar desde cedo que contribui para que
o direito educao seja violado. Muitos dentre aqueles que
puderam iniciar o processo de escolarizao so expulsos da
escola por um currculo alienado de suas reais necessidades,
distante de suas experincias de vida, composto por disciplinas
fragmentadas, pouco atrativas, desprovidas de sentido, e orga-
nizado com base em tempos e espaos alheios s suas culturas.
Esses sujeitos acabaram por recorrer Educao de Jovens
e Adultos (EJA), vendo nela um atalho que lhes permitir dar
continuidade trajetria interrompida. No entanto, para alm
Alfabetizao e cultura
_Book-MIOLO-TOPA.indb 209 04/11/2014 20:38:21
210
do carter reparatrio das injustias sofridas por estes sujeitos,
a EJA deve buscar formas cada vez mais inovadoras de consti-
tuir-se como educao de qualidade social, conforme previsto
na Declarao de Hamburgo (UNESCO, 1997):
A educao de adultos torna-se mais que um direito:
a chave para o sculo XXI; tanto consequncia do
exerccio da cidadania como condio para uma plena
participao na sociedade. Alm do mais, um podero-
so argumento em favor do desenvolvimento ecolgico
sustentvel, da democracia, da justia, da igualdade
entre os sexos, do desenvolvimento socioeconmico
e cientfico, alm de um requisito fundamental para a
construo de um mundo onde a violncia cede lugar ao
dilogo e cultura de paz.
Os marcos legais e os documentos nacionais e internacionais
que amparam a EJA e a colocam no patamar de educao de
carter regular expressam a intencionalidade de fazer cumprir
o direito inalienvel de uma educao com qualidade social, que
permita aos jovens e adultos o pleno exerccio da cidadania.
Um programa que se pretenda inclusivo deve ter suas aes
ampliadas a favor daqueles que demandam necessidades
especiais para iniciarem seus percursos de aprendizagem
e permanecerem nele. Materiais, currculo e metodologias
adequados ao pblico adulto, avaliao processual, dialgica
e formativa, organizao dos tempos e espaos, so algumas
das questes que devem ser pensadas e otimizadas em favor
das aprendizagens.
Sendo assim, a Educao de Adultos no pode ser pensada
como uma segunda chance. No a segunda e provavelmente
a ltima oportunidade de se fazer parte da comunidade de
letrados. Tambm no um prmio de consolao ou um tipo
de educao reduzida a ser oferecida queles que, por razes
sociais, familiares ou polticas no a tiveram durante a infncia.
No uma educao pobre para pobres. A educao de adultos
est inserida no campo do direito.
_Book-MIOLO-TOPA.indb 210 04/11/2014 20:38:22
Para reverter essa situao so necessrias aes articula-
das, como proposio de polticas pblicas intersetoriais que
envolvam diferentes segmentos da sociedade; estabelecimento
de uma interlocuo mais dinmica e significativa com a comu-
nidade escolar; investimento em formao inicial e continuada
de educadores(as) e alfabetizadores(as) de jovens, adultos e
idosos; elaborao de materiais especficos, diferenciados e
inovadores, que contemplem a alfabetizao de jovens e adultos
na riqueza da sua diversidade (regional, geracional, cultural,
gnero, entre outras).
1. Alfabetizao e Cultura em Paulo Freire
Os adultos e idosos que interromperam seus estudos quando
crianas, ao voltar a estudar, trazem uma imagem que muito
se assemelha escola do seu perodo de infncia, como se pu-
dessem retomar os estudos do jeito que pararam, sem levar em
considerao todas as aprendizagens que acumularam ao longo
dos anos. Mesmo os que nunca frequentaram a escola trazem
esse imaginrio. Em geral, essas pessoas esperam encontrar, na
Turma da APAE
participando do
desfile cvico, Direc
30 - Guanambi, em 7
de setembro de 2010
211
Acervo IPF
_Book-MIOLO-TOPA.indb 211 04/11/2014 20:38:25
212
escola de hoje, a mesma do passado, que remonta a um perodo
em que a aprendizagem estava relacionada memorizao,
repetio, treino ortogrfi co, cpias e atividades mecnicas
com o intuito de fi xar o conhecimento. A alfabetizao neste
contexto deixa de valorizar o extenso repertrio de experincias
adquiridas no decorrer da vida dos estudantes.
O conceito de alfabetizao em Paulo Freire muito claro.
Alfabetizao a aquisio da lngua escrita, por um processo
de construo do conhecimento, que se d num contexto dis-
cursivo de interlocuo e interao, atravs do desvelamento
crtico da realidade, como uma das condies necessrias ao
exerccio da plena cidadania: exercer seus direitos e deveres
frente sociedade global (GADOTTI, 1996, p. 59). Ainda segundo
Gadotti (2008, p. 73),
A alfabetizao tem sido entendida tradicionalmente
como um processo de ensinar e aprender a ler e escrever,
portanto, alfabetizado aquele que l e escreve. O concei-
to de alfabetizao para Paulo Freire tem um signifi cado
mais abrangente, na medida em que vai alm do domnio
do cdigo escrito. Enquanto prtica discursiva, para Freire
(1991, p. 68), a alfabetizao possibilita uma leitura crtica
Educandos (as) do TOPA
no Centro de Diagnose do
Dayhorc (Hospital de Olhos),
no bairro de So Loureno,
Direc 9 - Teixeira de Freitas,
em 17 de setembro de 2011
Car
la O
rnel
as/G
OV
BA
_Book-MIOLO-TOPA.indb 212 04/11/2014 20:38:43
213
da realidade, constitui-se como
um importante instrumento de
resgate da cidadania e refora
o engajamento do cidado nos
movimentos sociais que lutam
pela melhoria da qualidade de
vida e pela transformao social.
Freire defendia a ideia de que
a Leitura do Mundo precede a
leitura da palavra, fundamen-
tando-se na antropologia: o ser
humano, muito antes de inventar
cdigos lingusticos, j lia o seu
mundo. Para ele, o processo de
alfabetizao, como de resto
toda a educao, vai muito alm
do aprendizado das letras. In-
sistia que a Leitura do Mundo
precede a leitura da palavra: a
prtica da alfabetizao tem que
partir exatamente dos nveis de
leitura do mundo, de como os
alfabetizandos esto lendo sua
realidade, porque toda leitura
de mundo est grvida de um
certo saber.
Neste sentido, alfabetizar-se tam-
bm aprender a pensar-se em seu
mundo para, a partir da, agir como
uma pessoa tica e politicamente res-
ponsvel, participante e transformado-
ra. Cada pessoa, cada grupo humano,
cada cultura , em si-mesmo(a), uma
fonte original, coerente e irrepetvel
de experincias, vivncias, valores
e saberes. Essas vrias experincias
que desenham os modos de viver e
existir desses educandos constituem
a cultura que eles trazem consigo ao
retornar escola. Portanto, tudo o que
acontece na educao, na escola e na
sala de aulas faz parte de um mundo
de cultura.
No entanto, um dos maiores de-
safios da alfabetizao de jovens,
adultos e idosos est no saber como
realizar a incorporao da cultura e
da realidade vivencial dos educandos
como contedo ou ponto de partida
da prtica educativa.
Segundo Brando (2009, p. 21)
O foco central da ideia de
cultura no est no que os seres
humanos fazem. Est no que
eles sabem; est no que e no
como aprendem; est no como
coletivamente criam algo que
vai da culinria tpica at uma
ampla viso de mundo. E est no
que e no como transmitem uns
para os outros: saberes, senti-
dos, sensibilidades, significados,
sociabilidades. A partir da, uma
cultura existe presente dentro
das pessoas que a partilham e,
em diferentes crculos sociais
de suas convivncias, atravs do
que-e-como elas pensam, como
criam suas prticas, ticas, ideias
e ideologias, envolvendo no seu
todo e em cada dimenso os seus
fazeres coletivos.
_Book-MIOLO-TOPA.indb 213 04/11/2014 20:38:44
214
H uma tendncia de pensar a
cultura como o folclore. Como o do-
mnio dos costumes, das crenas,
das criaes artsticas e artesanais
de nossos povos. Ela tambm
isto, mas muito mais do que apenas
isto. A experincia humana de criar e
viver culturas envolve a totalidade
da vida coletiva de uma comunidade
ou de todo um povo. As prticas do
fazer, as ticas do agir, as polticas
do viver e os universos simblicos
so dimenses interligadas de um
mesmo complexo processo cultural.
Segundo Freire (1963, p. 17)
Pareceu-nos, ento que o
caminho seria levarmos o anal-
fabeto, atravs de redues,
ao conceito antropolgico de
cultura. O papel ativo do homem
em sua e com sua realidade. O
sentido da mediao que tem
a natureza para as relaes e
comunicaes dos homens. A
cultura como acrescentamen-
to que o homem faz ao mundo
que ele no fez. A cultura como
resultado de seu trabalho. De
seu esforo criador e recriador.
O homem, afinal, no mundo e
com o mundo, como sujeito e
no como objeto. [...] desco-
brir-se-ia criticamente agora,
como fazedor desse mundo da
cultura. Descobriria que ele,
como o letrado, ambos tm um
mpeto de criao e recriao.
Descobriria que tanto cultura
um boneco de barro feito pelos
artistas, seus irmos do povo,
como tambm a obra de um
grande escultor, de um grande
pintor ou msico. Que cultura
a poesia dos poetas letrados do
seu pas, como tambm a poesia
do seu cancioneiro popular. Que
cultura so as formas de com-
portar-se. Que cultura toda
criao humana.
Por isso mesmo, Paulo Freire, ao
associar a cultura alfabetizao
e aos primeiros momentos de um
trabalho de educao com jovens e
adultos, reconhece que o aprender a
ler e no pode estar dissociado das
primeiras aprendizagens.
Para Brando (2009), quando lem-
bramos tudo que aprendemos quan-
do crianas, da lngua que falamos
(mas que ainda no escrevemos) s
brincadeiras de criana vividas entre
irmos e amigos, e atravs das quais
aprendemos muito mais do que po-
demos imaginar, estamos falando de
um quase curriculum informal e invi-
svel que em boa medida nos seguir
acompanhado ao longo dos anos de
nossa vida.
_Book-MIOLO-TOPA.indb 214 04/11/2014 20:38:45
215
2. Educao escolar e Cultura
A educao tem importante papel na transformao do mundo.
Se ela no capaz de gerar mudanas sozinha, tampouco sem
ela se transformam as condies de existncia.
Reinventar a educao a fim de permitir que ela cumpra o
seu papel transformador torna imprescindvel tambm a rein-
veno da escola, que muito mais que um espao fsico. Ela
um espao de cultura. Existe uma cultura escolar na medida
em que a escola resultado das relaes que a fazem ser o que
ela , dos acontecimentos e modos de vida que nela tm local e
ocasio, dos valores, relaes, hbitos, atitudes, conhecimentos
e comportamentos que a caracterizam. papel da educao
possibilitar que o encontro entre os diferentes modos de vida
no se convertam em formas de dominao cultural, mas em
oportunidades de aprender a viver junto em meio a tantas di-
ferenas. Se as desigualdades devem ser combatidas, porque
so formas de poder, as diferenas merecem ser respeitadas,
porque materializam, como num mosaico, a beleza da vida.
A educao de jovens, adultos e idosos tambm no pode
prescindir da tomada de posio diante do conhecimento.
Isso implica considerar de antemo que jovens e adultos so
Atividade externa
de Leitura do Mundo
e confraternizao
junto uma entidade
apoiadora da Direc
23 - Macabas, na
realizao da 6 eta-
pa Programa TOPA
Acervo IPF
_Book-MIOLO-TOPA.indb 215 04/11/2014 20:38:50
216
diferentes entre si e tambm diferentes de crianas. Desinfan-
tilizar as formas de tratar os conhecimentos e contemplar as
heterogeneidades etrias que compem um grupo de educandos
jovens e adultos pr-requisito para valorizar suas culturas e
as histrias de vida. Somente assim podemos retirar das costas
de cada indivduo o peso da crena no fracasso escolar que
curva a espinha de sua autoestima ao nvel do cho. Cumpre,
portanto, acolher esses(as) educandos(as) valorizando-os(as)
e oportunizando momentos de satisfao diante do ato de
estudar, de forma que o medo de no conseguir aprender se
esvaea e no mais se coloque como obstculo.
Do pblico que tem procurado os programas de educao de
jovens e adultos, uma grande maioria constituda de pessoas
que tiveram passagens fracassadas pela escola, entre elas, uma
crescente demanda de adolescentes e jovens recm-excludos
do sistema regular de ensino. Esse panorama ressalta o grande
desafio pedaggico e o compromisso que se impe em garantir
a essa pessoas acesso de qualidade a uma cultura letrada que
lhes possibilite uma participao mais ativa e efetiva no mundo
do trabalho, da poltica e da cultura.
Nesse ponto, a escola torna-se um espao para desenvolver
o pensamento reflexivo, para se aprender a discutir, participar
Educandas-artess
em atividade na
Direc 30 - Guanam-
bi, 6 etapa, em
julho de 2012
Arquivo TOPA
_Book-MIOLO-TOPA.indb 216 04/11/2014 20:38:52
217
democraticamente e desenvolver a
responsabilidade pelo bem-estar co-
mum. extremamente importante no
trabalho com jovens e adultos favorecer
a autonomia dos educandos, estimu-
l-los a avaliar constantemente seus
progressos, tomando conscincia de
como a aprendizagem se realiza. Acima
de tudo, importante fortalecer a sua
identidade, por meio da valorizao de
sua cultura.
Para isso, vale destacar que o foco
do trabalho com a EJA deve estar no
sujeito mais do que na estrutura, isso
porque na ao do sujeito que se
estabelece o conhecimento, ou seja,
enfatizamos que os sujeitos da EJA
so ativos, vivenciam diferentes rea-
lidades, na maioria das vezes, duras
e desafiantes, e esto o tempo todo
produzindo saberes e culturas. Nesse
sentido, faz-se necessrio valorizar a
riqueza de todas as culturas na nossa
constituio de sujeitos nicos e mul-
tifacetados, e da necessidade do outro
para a nossa formao de indivduo, que
no pode prescindir da coletividade para
se afirmar como sujeito. nicos porque
indivduos, com suas singularidades, e
coletivos porque sociais e inacabados.
Para Freire (1993, p. 93),
Perguntar-nos em torno das
relaes entre a identidade cul-
tural, que tem sempre um corte
de classe social, dos sujeitos da
educao e a prtica educativa
algo que se nos impe. que
a identidade dos sujeitos tem
que ver com as questes fun-
damentais de currculo, tanto
o oculto quanto o explcito e,
obviamente, com questes de
ensino e aprendizagem.
Nesse sentido, vale ressaltar tambm
a importncia dos saberes acumulados
historicamente, como defende Cndida
Andrade de Moraes (2011, p. 36), em
sua dissertao de mestrado:
direito de cada educando
entrar em contato com a rique-
za das contribuies dos seus
ancestrais, direito, tambm,
aprender a aprender com uma
vivncia que integre o sentir,
o pensar e o agir. As heranas
culturais africanas e indgenas
na cultura brasileira, ao longo
do desenvolvimento educati-
vo e do acesso escola formal,
ficaram margem dos currcu-
los e foi necessria, atravs de
leis, a entrada de tais contedos
como legtimos na prtica pe-
daggica, a fim de considerar
as identidades e pluralidades
dos sujeitos. O toque, o olfato,
o paladar, o sentir e respeitar
o lugar e as escolhas do outro,
ainda so relegados em prticas
educativas, a favor de crianas,
jovens ou adultos, sentados em
_Book-MIOLO-TOPA.indb 217 04/11/2014 20:38:53
218
cadeiras durante o longo turno
dos tempos destinados apren-
dizagem. As marcas deste no
sentir esto sendo acumula-
das em cada sujeito, ao longo
do processo de educao. As
fileiras de cadeiras, a ausncia
de ritmos, cores e formas inter-
rompem um pensar simblico
que, se suscitado, estimularia
e promoveria as descobertas.
3. Dilogos com a prxis
O TOPA vem desenvolvendo, ao lon-
go dos seus 7 anos de existncia, um
importante papel na valorizao da
cultura local. O Programa pode ser con-
siderado uma referncia nacional, pois
conseguiu mapear as comunidades com
necessidades educacionais especiais e
oferecer alfabetizao com foco nessas
necessidades e nas suas culturas.
Como exemplo disto, podemos ci-
tar o trabalho realizado na Chapada
Diamantina, no serto da Bahia. De
acordo com o Relatrio do Programa
Brasil Alfabetizado no Estado da Bahia
Programa Todos pela Alfabetizao
TOPA, etapas 2007, 2008, 2009 e 2010,
p. 172 - 187,
As comunidades remanes-
centes de quilombos consti-
tudos durante o processo de
escravatura negra no Brasil,
vigente at o sculo XIX, tentam
superar os desafios impostos
pela caatinga, sobretudo, em
longos perodos de estiagem.
Por l, cultivam os hbitos e
costumes dos antepassados,
muitas vezes, alijadas de qual-
quer benfeitoria promovida pelo
desenvolvimento tecnolgico
e econmico e pela expanso
das aes do Estado. Somente
em Amrica Dourada, munic-
pio da microrregio de Irec,
de apenas 15.961 habitantes e
839 km2 (IBGE, 2011) e voltado
agricultura, esto seis destas
comunidades (Lajedo dos Ma-
theus, Lapinha, Canabrava, Ga-
rapa, Lagoa Verde e Queimada
dos Beneditos).
Fincados na zona rural do
municpio, os descendentes de
quilombolas de Queimada dos
Beneditos, por exemplo, vivem
distantes geograficamente da
cidade e tm dificuldade de
acesso a equipamentos e servi-
os pblicos, inclusive de gua
tratada. Conseguir gua potvel
para beber e cozinhar depende
de longa caminhada com latas
sobre a cabea ou no lombo de
animais. De indcio dos avanos
recentes da humanidade, h ape-
nas um bico de luz iluminando
cada uma das parcas casas que
compunham o arraial.
_Book-MIOLO-TOPA.indb 218 04/11/2014 20:38:55
Em 2011, formou-se no povoado uma turma do Programa
TOPA, com a participao de onze homens e mulheres remanes-
centes do quilombo. A maioria dos candidatos nunca havia ido
escola, mas conseguiram se alfabetizar abrindo precedente
para que outras pessoas da comunidade despertassem o inte-
resse pela alfabetizao.
Da mesma forma, o Programa tem uma importante atuao
na comunidade indgena. Na aldeia Mirandela, do municpio de
Banza, no serto baiano, na microrregio de Ribeira do Pombal,
a cerca de 300 quilmetros de distncia de Salvador, funciona a
turma do Programa Todos pela Alfabetizao voltada aos Kiriris
(ou Cariris, Quiriris). Com calendrio de aulas baseado nos festejos
e rituais da populao local, com livro didtico especfico sobre a
realidade do lugar, desenvolvido com a participao dos prprios
alfabetizandos e do seu povo, o Programa oferece a oportunidade
de os indgenas aprenderem a ler e escrever em portugus a
lngua oficial do Brasil e fazer operaes matemticas bsicas,
alm de contedos relacionados ao meio ambiente e a outros
temas relevantes, mas sem desconsiderar a cultura indgena.
Todos os procedimentos e materiais so adaptados cultura
kiriri, respeitam e valorizam as manifestaes indgenas e os Kiriris,
abordando aspectos da sua cultura, tradio, realidade atual e histria,
sob superviso do cacique Lzaro, a principal autoridade da aldeia.
Educandas Maria
Lima da Costa e Ere-
mita Ambrosia dos
Santos com o coorde-
nador da Associao
de Remanescentes
de Quilombo, co-
munidade Olhos
Dgua do Meio, em
Livramento de Nossa
Senhora, Direc 19 -
Brumado, em 2014
219
Ace
rvo
IPF
_Book-MIOLO-TOPA.indb 219 04/11/2014 20:38:59
220
Todo o contedo parte das experincias e
da realidade daqueles sujeitos, conforme
preconiza Paulo Freire.
A Declarao de Hamburgo sobre
Educao de Adultos, ao tratar do tema
diversidade e igualdade (V CONFINTEA,
1997, 15), no tocante educao de
adultos, assim se expressa:
[...] deve refletir a riqueza da di-
versidade cultural, bem como
respeitar o conhecimento e for-
mas de aprendizagem tradicionais
dos povos indgenas. O direito de
ser alfabetizado na lngua mater-
na deve ser respeitado e imple-
mentado. A educao de adultos
enfrenta um grande desafio, que
consiste em preservar e documen-
tar o conhecimento oral de grupos
tnicos minoritrios e de povos
indgenas e nmades. Por outro
lado, a educao intercultural
deve promover o aprendizado e
o intercmbio de conhecimento
entre e sobre diferentes cultu-
ras, em favor da paz, dos direitos
humanos, das liberdades fun-
damentais, da democracia, da
justia, da coexistncia pacfica
e da diversidade cultural
Ainda na proposta de incluso social e
respeito diversidade cultural, o Progra-
ma tambm atuou junto comunidade
cigana, que, em funo da vida nmade
e do preconceito de que so vtimas,
concentra grande nmero de analfa-
betos. Um desses grupos que estava
acampado nas imediaes da cidade de
Cruz das Almas, no Recncavo Baiano,
comps uma turma do TOPA. A formao
de turmas dentro do acampamento faz
parte de um plano de preparao da co-
munidade para atuao no mercado de
trabalho e busca da garantia dos direitos
j previstos pelos dispositivos legais.
Outro grupo assistido pelo Programa
o de assentados e acampados. O
Movimento de Mulheres Trabalhadoras
Rurais de Inhambupe (MMTR), municpio
localizado no Nordeste baiano, na mi-
crorregio de Alagoinhas, atua dentro do
Programa TOPA conseguindo alfabetizar
at mais de oito de cada dez estudantes
matriculados, utilizando performances
teatrais, msicas, rodas de leitura, alm
da prtica de avaliao do andamento
do trabalho de campo, socializao de
vivncias com os objetivos de estimular
a interao social, desenvolver a ora-
tria e a expresso corporal e abordar
contedos de interesse do grupo, como
a questo ambiental.
A parceria do TOPA com os movimen-
tos de luta pelo direito terra na Bahia
ilustra bem o compromisso deste governo
com as causas dos oprimidos que, numa
perspectiva freiriana, melhor renem as
condies para a superao da opresso
que oprime oprimidos e opressores. Uma
parceria celebrada na compreenso de
que alfabetizao e conscientizao so
processos indissociveis.
_Book-MIOLO-TOPA.indb 220 04/11/2014 20:39:01
221
A esperanosa marcha dos que sabem que mudar possvel
O Movimento dos Sem-Terra, to tico e pedaggico quanto cheio de boni-
teza, no comeou agora, nem h dez ou quinze, ou vinte anos. Suas razes
mais remotas se acham na rebeldia dos quilombos e, mais recentemente,
na bravura de seus companheiros das Ligas Camponesas que h quarenta
anos foram esmagados pelas mesmas foras retrgradas do imobilismo
reacionrio, colonial e perverso.
O importante porm reconhecer que os quilombos tanto quanto os
camponeses das Ligas e os sem- terra de hoje todos em seu tempo, ante-
ontem, ontem e agora sonharam e sonham o mesmo sonho, acreditaram
e acreditam na imperiosa necessidade da luta na feitura da histria como
faanha da liberdade. No fundo, jamais se entregariam falsidade ideo-
lgica da frase: a realidade assim mesmo, no adianta lutar. Pelo con-
trrio, apostaram na interveno no mundo para retific- lo e no apenas
para mant- lo mais ou menos como est.
Se os sem- terra tivessem acreditado na morte da histria, da uto-
pia, do sonho; no desaparecimento das classes sociais, na ineficcia dos
testemunhos de amor liberdade; se tivessem acreditado que a crtica ao
fatalismo neoliberal a expresso de um neobobismo que nada constri;
se tivessem acreditado na despolitizaao da poltica, embutida nos discur-
sos que falam de que o que vale hoje pouca conversa, menos poltica e
s resultados, se, acreditando nos discursos oficiais, tivessem desistido
das ocupaes e voltado no para suas casas, mas para a negao de si
mesmos, mais uma vez a reforma agrria seria arquivada.
A eles e elas, sem-terra, a seu inconformismo, sua determinao
de ajudar a democratizao deste pas devemos mais do que s vezes
podemos pensar. E que bom seria para a ampliao e a consolidao de
nossa democracia, sobretudo para sua autenticidade, se outras marchas
se seguissem sua.
A marcha dos desempregados, dos injustiados, dos que protestam
contra a impunidade, dos que clamam contra a violncia, contra a mentira
e o desrespeito coisa pblica. A marcha dos sem-teto, dos sem-escola,
dos sem- hospital, dos renegados. A marcha esperanosa dos que sabem
que mudar possvel. (FREIRE, 2000, p. 60)
_Book-MIOLO-TOPA.indb 221 04/11/2014 20:39:02
Como j destacamos, a histria da EJA no Brasil tem sido
compreendida como um campo de lutas. Luta por garantia de
oferta em todo territrio nacional, por aumento de vagas nas
escolas em diferentes perodos, por materiais e recursos ade-
quados ao pblico jovem e adulto, por reconhecimento como
uma modalidade regular, por formao inicial e continuada
dos educadores e educadoras, enfim, luta por uma educao
de qualidade com garantia de acesso e permanncia. Garanti-
das todas as condies necessrias, ainda h um novo desafio:
mobilizar os educandos e educandas para romper o obstculo
maior para esse segmento: a deciso de voltar a estudar.
Rompido esse primeiro obstculo, muitos outros se apre-
sentam, e o retorno aos estudos , via de regra, marcado por
inmeras sensaes e desafios.
Misturam-se a expectativa das novas aprendizagens, o medo
de um possvel fracasso, a vergonha de frequentar um ambiente
que muitos acreditam ser de exclusividade da infncia, o desafio
de gerenciar as diferentes demandas dirias com o tempo de
estudo, a alegria pelo incio de uma nova etapa na vida e outros
sentimentos desafiadores.
Jos Ferreira de
Castro, lavrador e
educando da turma
da Associao de
Pequenos Produ-
tores Rurais, na
Comunidade Lagoa
Dourada, Direc 22 -
Ibotirama, 2 etapa
222 Acervo IPF
_Book-MIOLO-TOPA.indb 222 04/11/2014 20:39:07
223
Mas, antes de chegar escola, os
educandos j interpretam a realidade
em que vivem, experimentando-a e
explicando-a de maneiras muito par-
ticulares. Essas leituras de mundo no
podem ser desconsideradas como um
tipo de saber menor e descartvel, pelo
contrrio, devem ser lidas pelo educa-
dor e relidas por toda a comunidade de
aprendizagem, confrontando-as com os
conhecimentos humanos sistematizados.
Desse modo, no possvel construir
uma prtica pedaggica libertadora sem
conhecer os educandos, seu universo e
suas demandas enfim, sua cultura, sem
respeitar a leitura que trazem, como nos
alerta Freire (2013d, p. 120):
O desrespeito leitura do
mundo do educando revela o gos-
to elitista, portanto antidemocrti-
co, do educador que, desta forma,
no escutando o educando, com
ele no fala. Nele deposita seus
comunicados. H algo ainda de
real importncia a ser discutido
na reflexo sobre a recusa ou ao
respeito leitura de mundo do
educando por parte do educador.
A leitura de mundo revela, eviden-
temente, a inteligncia do mundo
que vem cultural e socialmente se
constituindo. Revela tambm o
trabalho individual de cada sujeito
no prprio processo de assimilao
da inteligncia do mundo. Uma das
tarefas essenciais da escola, como
centro de produo sistemtica de
conhecimento, trabalhar critica-
mente inteligibilidade das coisas e
dos fatos e a sua comunicabilidade.
imprescindvel portanto que a
escola instigue constantemente a
curiosidade do educando em vez
de amaci-la ou domestic-la.
preciso mostrar ao educando
que o uso ingnuo da curiosidade
altera a sua capacidade de achar e
obstaculiza a exatido do achado.
preciso, por outro lado, e sobre-
tudo, que o educando v assumin-
do o papel de sujeito da produo
de sua inteligncia do mundo e no
apenas o de recebedor da que lhe
seja transferida pelo professor.
A primeira mediao do educador
se d com a formao da comunidade
de aprendizagem. O grupo reunido em
uma sala de aula constitui-se em um
crculo de culturas diversas, disponveis
em tais circunstncias para potenciais
trocas. Tal comunidade, unida em torno
da aprendizagem, comea por se conhe-
cer e por superar a condio de mero
agrupamento de pessoas, iniciando a
construo de seus vnculos afetivos.
papel do educador criar as possibilidades
para que todos se apresentem, falem de
si e do mundo em que vivem, de suas
histrias de vida, de seus problemas
dirios, dos seus sonhos, das vontades
de saber e de poder que os levam at a
escola, das dificuldades e expectativas de
_Book-MIOLO-TOPA.indb 223 04/11/2014 20:39:08
224
aprendizagem. Essa primeira abordagem
promove uma primeira aproximao do
educador com as situaes significativas
vividas pelos educandos, alm de permitir
a eles que se distanciem de suas prprias
experincias cotidianas, estranhando a
sua aparente obviedade. A leitura de
mundo o incio da desnaturalizao da
realidade e da passagem de uma viso
ingnua sobre o mundo para uma viso
crtica e problematizadora sobre este.
De acordo com Freire (2013d, p. 90),
Como educador preciso de ir
lendo cada vez melhor a leitura
do mundo que os grupos popula-
res com quem trabalho fazem de
seu contexto imediato e do maior
de que o seu parte. O que quero
dizer o seguinte: no posso de
maneira alguma, nas minhas re-
laes poltico-pedaggicas com
os grupos populares, desconsi-
derar seu saber de experincia
feito. Sua explicao do mundo
de que faz parte a compreenso
de sua prpria presena no mun-
do. E isso tudo vem explicitado
ou sugerido ou escondido no
que chamo leitura do mundo
que precede sempre a leitura
da palavra.
Respeitar a leitura de mundo do
educando no tambm um jogo
ttico com que o educador ou edu-
cadora procura tornar-se simptico
ao educando, mas uma forma de
valorizar a sua cultura, entendendo-a
como um:
conjunto (dinmico) de conheci-
mentos que o ser humano acumu-
la a partir do grupo a que pertence
e a partir de suas experincias
pessoais, principalmente no que
diz respeito ao uso de sistemas
simblicos em sua vida cotidiana.
O conhecimento cultural est na
origem das reaes que a pessoa
apresenta e na interpretao que
faz das informaes que recebe.
Ele est na base dos processos
interacionais e nas formas de ao
espontaneamente elaboradas ou
assumidas pelos indivduos em
sua vida cotidiana. (LIMA, 1998,
p. 16-17)
Percebe-se a estreita relao existente
entre Alfabetizao e Cultura. Esse bin-
mio, ao mesmo tempo em que representa
um desafio para muitos programas edu-
cacionais, no TOPA, constitui-se como
nica e promissora perspectiva.
4. O TOPA e a cultura popular
O TOPA um projeto de educao
popular, uma poltica pblica de edu-
cao popular, pois reconhece os dife-
rentes saberes, respeitando a cultura
_Book-MIOLO-TOPA.indb 224 04/11/2014 20:39:09
225
popular e os direitos humanos. Cultura
o processo histrico por meio do qual
o ser humano transforma a natureza
e se transforma a si mesmo.
Tudo o que no natureza cultura,
obra do ser humano: as cincias, as
artes, o direito, a religio, a filosofia,
as atitudes, os smbolos, as crenas,
os projetos, a linguagem e os valores.
A cultura pessoal e social ao mesmo
tempo, pois os seres humanos trans-
formam e se transformam em relao
uns com os outros, em comunho. A
cultura popular diz respeito a um
tipo de cultura voltada para a ao
poltica transformadora da realidade
histrico-social.
No sistema de alfabetizao proposto
por Paulo Freire em Angicos (1963), o
processo de alfabetizao tinha incio
com uma discusso sobre o concei-
to antropolgico de cultura. Diz ele
(FREIRE, 2013b, p. 115):
Pareceu-nos que a primeira
dimenso deste novo contedo
com que ajudaramos o analfa-
beto, antes mesmo de iniciar sua
alfabetizao, na superao de
sua compreenso mgica como
ingnua e no desenvolvimento
de crescentemente crtica, seria o
conceito antropolgico de cultura.
A distino entre dois mundos:
o da natureza e o da cultura. O
papel ativo do homem em sua e
com sua realidade. O sentido de
mediao que tem a natureza para
as relaes e comunicao dos
homens. A cultura como o acres-
centamento que o homem faz
ao mundo que no fez. A cultura
como resultado de seu trabalho.
Do seu esforo criador e recriador.
O sentido transcendental de suas
relaes. A dimenso humanista
da cultura. A cultura como aqui-
sio sistemtica da experincia
humana. Como uma incorpora-
o, por isto crtica e criadora, e
no como uma justaposio de
informes ou prescries doa-
das. A democratizao da cultura
dimenso da democratizao
fundamental. O aprendizado da
escrita e da leitura como uma cha-
ve com que o analfabeto iniciaria
a sua introduo no mundo da
comunicao escrita. O homem,
afinal, no e com o mundo. O seu
papel de sujeito e no de mero
e permanente objeto.
No desenvolvimento de prticas
alfabetizadoras comprometidas com a
vida das pessoas, no possvel dissociar
aprendizagem da leitura e da escrita
da cultura. Ao longo das 7 etapas do
Programa TOPA, educandos e alfabeti-
zadores se desafiaram a transformar o
ambiente da sala de aula em espao de
produo e difuso cultural, trazendo
para dentro dela as vrias identidades
culturais locais.
_Book-MIOLO-TOPA.indb 225 04/11/2014 20:39:10
Arquivo TOPA
Arquivo TOPA
_Book-MIOLO-TOPA.indb 226 04/11/2014 20:39:16
227
H diferena entre a construo formal de um regime democr-
tico e a construo de prticas efetivamente democrticas. A
identidade do termo democracia, presente nas duas situaes,
poderia sugerir, equivocadamente, que se trata sobretudo de
uma distino de sutilezas, daquelas tipicamente talhadas ao
gosto das elucubraes mais tericas e eruditas, que servem de
mote montagem de grandes tratados acadmicos. No entanto,
a diferena de carter radical, que no se pode transpor com
uma simples passada. Na verdade, de uma margem a outra, o
que temos a percorrer um tortuoso caminho de pedras. A do-
lorosa constatao dessa verdade faz parte dos ensinamentos
da histria moderna, e o seu aprendizado representa, acima
de tudo, o fundamento mais slido que temos alcanado para
continuarmos refazendo permanentemente essa caminhada,
potencialmente com crescente eficincia e melhores resultados.
1. Desafios contemporneos da nossa democracia
A construo da prtica democrtica no Brasil sempre se de-
parou com inimigos de grande envergadura: em sua primeira e
precria forma, durante o perodo da Repblica Velha, carregava
a herana imediata, ainda muito viva e vigorosa, do escravismo,
patriarcalismo e patrimonialismo coloniais, que se expressavam,
entre outras formas, nas modalidades do mandonismo, do voto
masculino, alfabetizado e censitrio, do coronelismo e todos
Articulao e mobilizao social
_Book-MIOLO-TOPA.indb 227 04/11/2014 20:39:19
228
os outros modos de compadrios. Essa primeira experincia foi
interrompida pela ditadura varguista, na dcada de 1930. Depois
da Segunda Guerra Mundial, quando comeavam a se delinear
os contornos do que viria a ser a Guerra Fria, surge a nossa se-
gunda experincia de regime pblico democrtico. Nesse novo
contexto, de acordo com os padres poltico-ideolgicos da zona
de influncia imperialista sob a qual o nosso pas era objeto
de hegemonia, aparecia um novo e mais vigoroso inimigo do
regime democrtico burgus, o comunismo, e a luta contra ele
no contexto latino-americano do perodo justificaria, inclusive,
a prpria supresso do regime democrtico, tal como se fez
entre ns em 1964. Tal experincia dramtica, que se repetiu
em diferentes pases da nossa regio, serviu mais uma vez de
lio sobre como o regime poltico est sempre subordinado,
em ltima instncia, sua maior ou menor capacidade de ajudar
a reproduzir um determinado projeto de sociedade.
Agora, desde o ltimo processo de redemocratizao, que
culminou com a Constituio de 1988, experimentamos j
26 anos ininterruptos de regime democrtico, fato indito e
Promulgao da
Constituio de 1988
por Ulysses Guima-
res, ento presiden-
te da Assembleia Na-
cional Constituinte
AB
r
_Book-MIOLO-TOPA.indb 228 04/11/2014 20:39:21
229
amplamente comemorado entre ns.
Essa idade mais avanada, pelo seu
ineditismo na nossa histria nacional,
poderia talvez servir de razo para afir-
marmos que somos uma democracia
provada em sua eficincia, madura nas
suas prticas e nos seus valores, vigorosa
na sua vontade e na sua defesa enquanto
modelo poltico. Mas, se nos aventurar-
mos em defender essas posies, o que
diremos diante de fenmenos como
junho de 2013, diante da diluio de
reformas to importantes, tais como a
tributria, a poltica, a urbana e a agrria,
diante do extermnio sistemtico de
jovens, negros e pobres nas periferias
das grandes cidades?
Primeiramente, a democratizao
da vida poltica no costuma caminhar
com a democratizao da vida social
e econmica. Embora capazes de sus-
tentar nossas prticas democrticas
ao longo desses 26 anos, de eleger um
operrio e uma mulher para o cargo
mximo da poltica nacional, continua
existindo a imensa desigualdade eco-
nmica entre uma pequena poro
de ricos e uma imensa quantidade
de pobres. Essa imensa quanti-
dade de pobres continua impedida de
acessar bens e servios de qualidade,
como educao, sade, moradia, tra-
balho, transporte, cultura, lazer etc.
Outro importante fator limitador da
vida democrtica sob a ordem capita-
lista reside no fato de que a prtica
democrtica na vida pblica est em
relao inversa com a prtica auto-
ritria que se vive, via de regra, no
contexto da famlia, da escola e do
trabalho. A cultura que nos constri e
nos conforma, desde a infncia, a do
autoritarismo e no a da democracia.
Da voltamos novamente diferena
indicada no comeo deste captulo,
entre a construo formal de um re-
gime democrtico e a construo de
prticas efetivamente democrti-
cas. A primeira relativamente fcil
e simples. Consiste, basicamente, na
criao e regulamentao de espaos
para o funcionamento da participao
da populao. A segunda construo,
a das prticas e valores efetivamente
democrticos, muito mais difcil e
complexa, por diversas razes.
Esse o tema da Educao Popular
em perspectiva freiriana. As caracte-
rsticas negativas presentes na ordem
social vigente j no podem mais ser
pensadas como um bloco monoltico,
que poderia ser destrudo de um golpe
s e de uma vez por todas. O tecido
dessa ordem social vigente precisa
ser rasgado aos poucos, simultane-
amente em diferentes pontos, at a
possibilidade de seu comprometimento
irremedivel. Trata-se de pensar nas
estratgias de construo de uma cul-
tura efetivamente democrtica, que v
ao encontro das formas j construdas,
e que possa inclusive modific-las na-
quilo que se fizer necessrio para sua
ampliao e aprofundamento.
_Book-MIOLO-TOPA.indb 229 04/11/2014 20:39:23
230
2. Democracia, mobilizao popular e mobilizao social
Os programas de alfabetizao de jovens, adultos e idosos,
elaborados com perspectivas ao desenvolvimento da conscin-
cia e do comportamento crtico, tm cumprido, nesse sentido,
um importante papel na nossa histria. O caso mais exemplar
e paradigmtico, pela luta poltica que representou e pela pro-
jeo nacional e internacional que ganhou o da experincia
de Angicos, concebida e coordenada por Paulo Freire, no Rio
Grande do Norte, em 1963. No pretendemos abordar aqui
os aspectos pedaggicos dessa experincia, mas to somente
aqueles que dizem respeito nossa temtica de agora.
Em primeiro lugar, do ponto de vista da dotao de um direito
formal, alfabetizar adultos, naquele contexto, significava dotar do
direito ao voto. Na experincia de Angicos, bem como na possibi-
lidade efetiva de replicar o modelo em escala nacional, tratava-se
do projeto de alfabetizar trabalhadores agrcolas pobres. Esse
programa tinha um sentido poltico muito forte naquela poca,
por conta do contexto internacional da Guerra Fria, das lutas das
Alfabetizadores, alu-
nos e coordenadores
da Direc 16 - Jacobi-
na participando do
desfile cvico, em 7
de setembro de 2012
Arquivo TOPA
_Book-MIOLO-TOPA.indb 230 04/11/2014 20:39:25
231
ligas camponesas pela reforma agrria, bem como da linha de
aprofundamento do pacto populista adotada pelo governo Jango,
que consistia em levar direitos trabalhistas, econmicos e sociais
para o campo, por meio da formao de sindicatos, formalizao
do trabalho e pela proposta de reforma agrria compreendida
pelo programa de reformas de base. Paulo Freire conhecia as
limitaes e os usos oportunistas que caracterizavam o princpio
do pacto populista, constitudo pela ideia de uma incorporao
poltica subordinada e tutelada das massas populares. Mas ava-
liava que, naquela conjuntura, era a poltica vigente com maior
capacidade e possibilidades para tensionar as formas polticas e
econmicas mais conservadoras da sociedade, assim como para
promover aes de elevao do nvel de conscincia crtica das
camadas populares, em direo ao mximo de conscincia possvel
em um determinado contexto histrico e cultural (FREIRE, 1977).
Esse trabalho de alfabetizao de jovens, adultos e idosos,
alm disso, s poderia funcionar para explorar essas possibili-
dades crticas e libertadoras, na medida em que fosse orientado
e desenvolvido de acordo com os postulados pedaggicos e
metodolgicos de uma educao problematizadora. bastante
sintomtico e curioso, a esse propsito, que a primeira greve
conhecida naquela regio tenha se manifestado no contexto
desse trabalho alfabetizador:
Educandos(as) do
TOPA da Direc 7 -
Itabuna, apresentam
a ala prpria : ABC
de Jorge Amado, na
ocasio do desfile
cvico, ao realizada
em parceria com
as escolas da Rede
Estadual, em 7 de
setembro de 2011
Arquivo TOPA
_Book-MIOLO-TOPA.indb 231 04/11/2014 20:39:27
232
Coincidncia ou no, logo
aps a formao da primeira tur-
ma de alfabetizandos, a cidade de
Angicos teria sua primeira greve.
Os proprietrios rurais chamam
a experincia de Paulo Freire de
praga comunista. (GADOTTI,
2014a, p. 4)
Paulo Freire escreveu que a leitura
do mundo precede a leitura da palavra.
Ler o mundo, aqui, significa problemati-
z-lo, e uma das suas mais importantes
questes diz respeito, sem dvida, ao
carter das relaes sociais, suas formas
mais ou menos democrticas, e aos
sentidos, usos e interesses enraizados
nas prticas autoritrias.
O TOPA tem muito forte essa
questo da incluso social, []
da alfabetizao inicial em uma
perspectiva de letramento, mas
o letramento para alm daquele
texto que est escrito, o letra-
mento de uma nova vivncia den-
tro do que o mundo. Em uma
concepo muito ampla de texto,
podemos dizer que o mundo
um texto que precisa ser lido.
Essa perspectiva de alfabetizao
popular , em muitos sentidos,
libertria. Alm da questo da
aquisio da leitura e da escrita,
desse letramento oficial, desse
pontap do letramento de textos
escritos, eu acredito que o ganho
para as pessoas que passam pelo
curso realmente muito grande.
(TUPINIQUIM, 2014, p. 1)
Em todas essas questes e prticas
acima apontadas, pulsa permanente-
mente um conjunto de importantes
mobilizaes e articulaes sociais,
relacionadas com as propostas de
reformas de base, bem como com as
campanhas de alfabetizao por meio
do uso da Educao Popular, que se
difundiam principalmente por todo o
Nordeste brasileiro no perodo pr-64.
A bem da verdade, as diferentes formas
e modalidades de mobilizao e luta
popular sempre foram de fundamen-
tal importncia para a formalizao e
implementao dos inmeros direitos
que foram sendo conquistados ao longo
do processo histrico da modernidade:
desde os econmicos e trabalhistas,
que tiveram nos sindicatos e partidos
polticos os seus principais agentes
protagonistas, at os civis e culturais,
elaborados pelos diversos movimentos
que vieram a se constituir com muita
fora a partir da dcada de 1960 em
todo o mundo ocidental, ressaltan-
do-se, para exemplo, o dos negros,
dos LGBTs, das mulheres, ambiental
etc. Essas mobilizaes, articulaes e
movimentos, sociais e populares, repre-
sentaram desde sempre um conjunto
de prticas e instrumentos decisivos
para se pensar e implementar outras
formas e modalidades de experincia
_Book-MIOLO-TOPA.indb 232 04/11/2014 20:39:27
233
democrtica, relacionadas com as dimenses dos direitos como
objetivos, do poder popular como mtodo, e do protagonismo
do sujeito de sua prpria histria como fundamento de um
conjunto de outros valores. Esse sempre foi um frtil terreno
para o enraizamento de prticas democrticas no cotidiano,
e em outras esferas da vida, sociais, econmicas e culturais.
Como ilustrao, podemos observar, nesses anos de 2013 e
2014 no Brasil, dois movimentos sociais fortemente caracterizados
pelo sentido da articulao social, despontando como atores po-
lticos de grande peso no cenrio urbano de grandes metrpoles:
o Movimento pelo Passe Livre, que questiona a precificao e o
pesado custo que deve ser pago para o exerccio constitucional da
liberdade de ir e vir; e o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto,
que se constri com base em uma demanda que se torna cada
dia mais dramtica
e potencialmen-
te explosiva, por
conta sobretudo
da especulao
imobiliria e a mer-
cantilizao neo-
liberal do direito
constitucional
moradia digna.
Nesse cenrio
contemporneo
da mobilizao
social, um aspec-
to importante chama a ateno e merece ser observado, qual
seja, a diversificao das suas formas de organizao. Se con-
siderarmos as lutas sociais do sculo XIX e primeira metade do
XX, vamos perceber a posio central e quase exclusiva que foi
ocupada pelos sindicatos e partidos polticos nas diferentes
lutas desenvolvidas para a proposio e defesa dos direitos
dos trabalhadores. Grosso modo, a partir da segunda metade
do sculo XX, o que se v o surgimento e o desenvolvimento
de outras modalidades de organizao e luta, representadas
Por muito tempo, os alunos se achavam refns das
outras pessoas e o TOPA deu mais autonomia a
eles. Hoje lutam pelos seus direitos e no tem mais
aquela coisa da pessoa s ouvir. Hoje tem a mesma
condio de ouvir, dizer e lutar tambm pelos seus
direitos, e com isso muitas portas foram abertas.
Joo Aparecido Ramos da Costa. Associao dos
Remanescentes de Quilombos da Comunidade
Olho Dgua do Meio, Municpio de Brumado.
_Book-MIOLO-TOPA.indb 233 04/11/2014 20:39:27
234
sobretudo pelos movimentos sociais, que progressivamente
vo organizando a atuao poltica de setores cada vez mais
expressivos da classe trabalhadora, bem como de expressando
e fazendo valer suas demandas.
As mobilizaes e articulaes sociais e populares continuam
presentes e atuantes. Suas formas mais frequentes e comuns,
no entanto, deixaram de ser exclusivamente os sindicatos e
partidos, e passaram a ser, com cada vez mais fora, os movi-
mentos sociais. So esses movimentos que tm demonstrado
uma grande capacidade para organizar segmentos da classe
trabalhadora que as formas tradicionais no conseguem mais
atingir ou cativar, e isso em razo das suas caractersticas mais
frequentes de organizao territorial, mobilizao por deman-
das temticas e maior grau de informalidade. Essa capacidade,
na verdade, ao longo das ltimas dcadas, tem enfrentado
desafios e dificuldades similares s que passaram os partidos
polticos, o que acarreta um grande risco para essas formas
mais atuais de mobilizao popular e exerccio mais abrangente
das prticas democrticas e projetos transformadores da nossa
realidade social:
Educandos (as) do
TOPA visitam a Asso-
ciao de Moradores
do Bairro Vila Nova,
em Pinda, Direc
30 - Guanambi, em 7
de agosto de 2013
Arquivo TOPA
_Book-MIOLO-TOPA.indb 234 04/11/2014 20:39:29
235
[] Alm disso, o ativismo se profissionalizou. Em vrios
pases do Ocidente, movimentos sociais se burocratiza-
ram, se converteram em partido, se empresariaram ou
assumiram a prestao de servios estatais. Assim se
esmaeceu a aurola de inovao poltica que traziam
desde os anos 1970 (ALONSO, 2014, p. 74).
3. O TOPA como espao e ferramenta da mobilizao social
Essas questes colocam imensas dificuldades para a concepo
e execuo das polticas pblicas de participao e controle
social, bem como para os diversos programas pblicos que se
articulam com movimentos e entidades sociais e populares,
como, por exemplo, os de oramento participativo e o prprio
programa do TOPA. Um dos principais reside na necessidade
de separar poltica e conceitualmente a mobilizao social da
mobilizao popular, reconhecendo e respeitando as formas
autnomas e independentes de organizao e luta direta de
diferentes entidades e movimentos, que muitas vezes preferem
no se vincular a espaos de participao do poder pblico, a
no ser eventualmente:
Aqui o grande desafio relacionar e fazer dialogar,
no interesse das polticas pblicas emancipatrias e dos
seus temas e pautas de luta, a Participao Social e a Par-
ticipao Popular, respeitando e garantindo a autonomia
e a independncia das formas de organizao popular,
superando os riscos de cooptao, subordinao, frag-
mentao e dissoluo das lutas populares. (GADOTTI,
2014a, p. 3)
Diante do quadro traado do comeo at agora, devemos
ressaltar algumas ponderaes e desafios que so estratgi-
cos, pensados j dentro de um conjunto de demarcaes que
_Book-MIOLO-TOPA.indb 235 04/11/2014 20:39:30
236
traam as relaes entre o Programa TOPA e a sua articulao
com os movimentos sociais.
Para comear, o reconhecimento de que os movimentos so-
ciais e as entidades comunitrias e sindicais assumem cada vez
mais o legado e a responsabilidade de tocar adiante as lutas dos
trabalhadores, para o conhecimento, defesa e implementao
dos seus direitos. No contexto dessas lutas e dessas formas de
mobilizao, a alfabetizao de jovens, adultos e idosos continua
servindo como ferramenta para a construo de conscincia e
prticas crticas, no contexto das realidades locais, regionais
e outras mais abrangentes. Nesse sentido, ilustramos com
o exemplo da Associao dos Pequenos Agricultores da
Boa Vista, na cidade de Valena (BA). Essa associao, que
se inscreveu para a premiao Cosme de Farias na sua quarta
etapa (2010-2011), apresentou um relato das suas finalidades
comunitrias, do qual ressaltamos o seguinte trecho:
Nesse relato
simples e direto,
podemos identi-
ficar importantes
pontos em comum
com o que est
descrito e preco-
nizado na Pedago-
gia do oprimido, de
Paulo Freire, que
tambm, em larga
medida, serviu-se
das experincias
de alfabetizao
no campo, embora
no necessariamente essa obra tenha sido estudada pelos pro-
tagonistas desse relato. Desses pontos em comum, destacamos
o diagnstico coletivo das carncias objetivas e subjetivas da
comunidade de trabalhadores (de infraestrutura, polticas pbli-
cas e conhecimento de direitos), a constituio de uma entidade
como forma de organizao coletiva para agir contra essas
A entidade surgiu a partir das necessidades
e carncias da comunidade Boa Vista, em
uma localidade que necessitava de tudo. Os
trabalhadores desconheciam seus prprios direitos,
da junto com a comunidade surgiu a ideia
de fundarmos a entidade. Hoje a Boa Vista j
tem escola, energia, agente de sade, promove
cursos para os trabalhadores dentro e fora da
comunidade, participa da agricultura familiar.
Hoje as famlias j conhecem os seus direitos.
_Book-MIOLO-TOPA.indb 236 04/11/2014 20:39:32
237
O TOPA NA COMUNIDADE
A gente realizou vrios projetos no decorrer do TOPA. Organizamos uma feira de
sade, onde tivemos vrios profissionais, com os alfabetizandos e a comunidade
fazendo perguntas e consultas, no contexto da realidade deles. Tivemos o projeto
do meio ambiente, em que o tcnico da EBDA (Empresa Baiana de Desenvolvimento
Agrcola) falou sobre o cuidar da plantas e da natureza. [] Tivemos o stand do
TOPA, onde os alfabetizadores
puderam expor e apresentar
seus trabalhos. Tivemos sade
bucal, em que dois dentistas
fizeram aplicao de flor.
Tambm tivemos a presena
de funcionrios do Banco do
Nordeste para esclarecer d-
vidas e do sindicato rural para
falar sobre o direito da terra,
o direito do trabalhador rural,
sua aposentadoria, alm de
um stand de vacinao para a
comunidade. Atade Moura
Ribeiro - Associao de mo-
radores de Tocos III, Municpio
de Governador Mangabeira.
Foto 1: Dra. Ana Conceio aplica
flor na escova de educanda do
TOPA, que est se preparando
para escovar os dentes durante
a palestra sobre higiene bucal
realizada na turma Meio de
Campo, em setembro de 2010
Foto 2: Stand sobre higiene bucal
montado na Feira da Sade, ao
realizada pelo TOPA para integrar
e conscientizar a comunidade local,
Direc 32 - Cruz das Almas, 2 etapa
_Book-MIOLO-TOPA.indb 237 04/11/2014 20:39:38
238
carncias, os resultados concretos que vo aparecendo com essa
nova prxis comunitria, e a importncia central, estratgica,
que atribuda aos trabalhos de formao e qualificao dos
trabalhadores. Quanto a esse ltimo ponto, o conhecimento
crtico dos direitos no contexto de uma articulao coletiva
corresponde a uma mudana de prticas e realidades, e, na
dimenso desse trabalho, a alfabetizao de jovens, adultos
e idosos no poderia ser inserida, como ferramenta, sem ser
encharcada dessa intencionalidade.
Outro ponto importante que precisamos destacar, e que na-
turalmente se relaciona com o anterior, focando entretanto de
um modo mais especfico em um dos seus aspectos, o quanto
os projetos de alfabetizao de jovens, adultos e idosos, quando
inseridos no contexto de uma entidade que luta pelos direitos dos
trabalhadores de determinada localidade, acaba servindo como
instrumento metodolgico de Leitura do Mundo, aprofundando
a reflexo crtica sobre as caractersticas particulares de uma
regio e ampliando o prprio interesse de participao nas ati-
vidades pedaggicas. o que relata, por exemplo, a Associao
Comunitria dos Pequenos Produtores Rurais da Comunida-
de de Morrinhos,
no municpio de
Brumado (BA), e
que tambm se
inscreveu para a
premiao Cos-
me de Farias na
sua quarta etapa
(2010-2011):
Tambm dese-
jamos destacar o
quanto as entida-
des locais de luta
pelos direitos dos
trabalhadores, fa-
zendo uso de uma poltica pblica voltada para superao do
analfabetismo, pode servir como ponte para a articulao e
Em relao Educao de Jovens e Adultos, a
Entidade tem sido privilegiada, uma vez que
cerca de 10 dos scios tiveram a oportunidade
de estudar atravs do Programa TOPA. As
atividades desenvolvidas durante o Programa
foram todas voltadas para a realidade de vida
dos alfabetizandos, tais como: agricultura,
pecuria, meio ambiente e a cultura local,
uma forma que conquistou a ateno da
turma, j que so assuntos de interesse deles.
_Book-MIOLO-TOPA.indb 238 04/11/2014 20:39:38
239
implementao de um conjunto de outras polticas pblicas
garantidoras de direitos, constituindo, desse modo, um novo
ponto de articulao da rede intersetorial de proteo social.
o que podemos depreender do relato apresentado pela Asso-
ciao dos Moradores do Guaibim - Deus Fiel, na cidade de
Guaibim - Valena (BA), que tambm participou da premiao
Cosme de Farias na sua quarta etapa (2010-2011):
Os trs exem-
plos apontados
acima caracteri-
zam e definem
possibi l idades
de uso e apro-
veitamento do
Programa TOPA
pelas entidades
e associaes de
diferentes regies,
no contexto das
suas lutas pela
efetivao dos
direitos dos tra-
balhadores. Essa
, na verdade,
apenas uma das
vias da processu-
alidade do progra-
ma TOPA. A outra
via definida pelo
modo como o po-
der pblico se relaciona e articula com essas entidades, quais
so os aprendizados e as mudanas efetivadas pelo governo,
quais os conhecimentos acumulados dessa relao com as
comunidades organizadas.
Podemos vislumbrar as potencialidades viabilizadas pela
Secretaria da Educao do Estado da Bahia nesse sentido,
por meio dos encontros estaduais com as entidades. Assim,
Ajudamos nas documentaes pessoais e carteira
de marisqueiras, pescador, e continuamos na luta
junto com o TOPA (Todos pela Alfabetizao)
contra o analfabetismo. Criamos dentro da
comunidade uma biblioteca comunitria em
parceria com alunos da UNEB, e disponibilizamos
espaos para o funcionamento das turmas
do TOPA. Ajudamos no material didtico,
pequenos lanches e palestras de incentivo para
eles no desistirem do programa. Com parceria
do Programa TOPA ajudamos muitos em
cirurgias de catarata, exames oftalmolgicos
com direito a culos, e participamos de mutires
de sade. Alm disso, j tivemos na nossa
comunidade vrios cursos profissionalizantes
com a ajuda da Secretaria de Promoo Social.
_Book-MIOLO-TOPA.indb 239 04/11/2014 20:39:38
240
no Primeiro Encontro com Entidades e Prefeituras Parceiras
do TOPA 2009,1promovido pela Direc 32, entre os pontos da
pauta consta um momento dedicado ao Relato de Experincias
Exitosas - TOPA 2008, quando ento se tem a possibilidade
de fazer a escuta dos diferentes modos como o programa
tem servido para alcanar suas finalidades, permitindo os
ajustes necessrios. 2
J no III Encontro Estadual dos Representantes dos Movi-
mentos Sociais e Sindicais - Escuta Aberta, organizado pela Se-
cretaria da Educao
do Estado da Bahia,
nos dias 3 e 4 de maio
de 2011, lideranas
de 38 das 41 entida-
des que aderiram ao
TOPA se encontraram
com o governo. Nessa
oportunidade,
Esse exemplo nos
mostra a preocupa-
o relacionada de
proporcionar encon-
tros formativos com
as entidades e movi-
mentos parceiros do
Programa TOPA, ao mesmo tempo que o uso do debate em
grupos, que permite a escuta das realidades e caractersticas
particulares de cada entidade e localidade.
J no IV Encontro Estadual Escuta Aberta, que ocorreu no dia
13 de novembro de 2012, em Salvador (BA), podemos verificar a
participao expressiva de 350 representantes de movimentos
sociais e sindicatos de todo o Estado.
1 Disponvel em: Acesso em: 4 jul. 2014.
2 Disponvel em: Acesso em: 4 jul. 2014.
Alm de apresentaes culturais e palestras
sobre a importncia da participao dos
movimentos sociais e sindicais na construo
de polticas pblicas de alfabetizao no
programa de Educao de Jovens e Adultos
(EJA), os presentes participaram de oficinas
para esta 4a etapa. A supervisora do TOPA
na Direc 2, Valdeci Mamona, coordenou um
desses grupos de trabalho que debateu sobre o
tema Participao dos Movimentos Sociais no
TOPA: Avanos, Desafios e Possibilidades.2
_Book-MIOLO-TOPA.indb 240 04/11/2014 20:39:39
241
Esses so bons exemplos que ajudam a elaborar algumas
concluses sobre as caractersticas mais expressivas da relao
que o Programa TOPA tem construdo com as entidades, movi-
mentos sociais e sindicatos, e que podem
ser resumidas nos seguintes tpicos:3
1) Escuta aberta e relato de experincias, que
proporcionam o conhecimento sobre como
o Programa TOPA tem sido implementado
concretamente e quais as consequncias
particulares que se desdobram no con-
texto de realidades distintas, o que ajuda
a enriquecer o saber sobre as diferentes
intencionalidades locais nas quais se insere,
bem como elaborar as possibilidades formais
da sua adaptao aos diferentes contextos.
Esses momentos tambm se apresentam
como oportunidades propcias para uma
troca de experincias das entidades e movi-
mentos entre si, fortalecendo e melhorando
3 Disponvel em: Acesso em: 7 jul. 2014.
Essa Escuta Aberta, a quarta
que estamos realizando
desde que o programa foi
implantado pelo Governo
do Estado, um momento
muito importante de
dialogar e construir as aes
do programa com os nossos
parceiros dos movimentos
sociais e sindical. Francisca
Elenir, coordenadora
estadual do TOPA3
Informativo do V En-
contro de Estadual de
Escuta Aberta, realizado
no Centro Administra-
tivo da Bahia (CAB),
em Salvador no dia 30
de outubro de 2013
Div
ulga
o
_Book-MIOLO-TOPA.indb 241 04/11/2014 20:39:42
242
reciprocamente as aes que so implementadas em cada lo-
calidade, e compartilhando um saber que vai se tornando cada
vez mais comum e espalhado pelo territrio estadual.
2) Por meio de oficinas, grupos de debate e outras atividades
formativas, a explorao pedaggica das possibilidades de
criao, nos encontros regionais e estaduais, de espaos de
formao sobre os movimentos sociais, atividades sindicais
e partidrias, participao social, cidadania e protagonismo
etc., que so de suma importncia para a elaborao poltica
e ideolgica de lideranas comunitrias, fortalecendo os pos-
tulados da cidadania ativa, do pensamento crtico e da prtica
transformadora.
3) Avaliao dialogada e processual de cada uma das etapas do
programa, momento esse que sempre estratgico para fazer
o balano coletivo e crtico dos avanos e das dificuldades do
programa, incorporando as propostas e apontamentos dos
movimentos e entidades que implementam efetivamente o
TOPA em diferentes localidades.
4. Por uma Poltica Nacional de Participao Social
Do ponto de vista da mobilizao e articulao social, que
o que aqui nos interessa, esse processo determinou todo um
conjunto de possibilidades e desafios. Duas grandes possibi-
lidades, que se afirmaram com muita fora nos ltimos anos,
expressaram-se no Pacto Nacional pela Participao Social e
no Marco Referencial da Educao Popular. As propostas b-
sicas se definem pelas expectativas de ampliar e fortalecer os
espaos e mecanismos da participao social na elaborao e
implementao das polticas pblicas, nos trs nveis da estru-
tura federativa, o que configura, oficialmente, uma proposta
de fortalecimento de um mtodo complementar de governo e
gesto pblica, e os objetivos de fazer uso da concepo e da
_Book-MIOLO-TOPA.indb 242 04/11/2014 20:39:43
243
Agroecologia e associativismo
A agroecologia, cincia que tem sua origem na dcada de 1970, valoriza o
conhecimento agrcola tradicional e procura sistematiz-lo, favorecendo sua
perpetuao. Apresenta-se como uma forma de resistncia contra a monocul-
tura em larga escala, valorizando o desenvolvimento da agricultura familiar e
o associativismo.
Em maio de 2014, a cidade de Juazeiro (BA) acolheu o III Encontro Nacional de
Agroecologia (ENA), cujo tema foi Cuidar da Terra, Alimentar a Sade e Cultivar
o Futuro. Ao final do evento os cerca de 2100 participantes, em sua maioria
agricultores familiares, camponeses, extrativistas, indgenas, quilombolas,
pescadores artesanais, ribeirinhos, faxinalenses, agricultores urbanos, gerai-
zeiros, sertanejos, vazanteiros, quebradeiras de coco, caatingueiros, criadores
em fundos de pasto e seringueiros, produziram um documento que traduz o
momento atual da agroecologia no Brasil. Nele, afirmam que o Encontro produ-
ziu claras evidncias da abrangncia nacional que assume hoje a agroecologia,
sendo referncia para a construo de caminhos alternativos aos padres de
desenvolvimento rural impostos pelo agronegcio. Registram que dezenas de
milhares de trabalhadores e trabalhadoras do campo incorporaram a proposta
agroecolgica como caminho para a revalorizao do diversificado patrimnio
de saberes e prticas de gesto social dos bens comuns e de reafirmao do
papel da produo de base
familiar como provedora de
alimentos para a sociedade.
Considerando a capila-
ridade do Programa TOPA
e sua forte presena nas
reas rurais, este prestou,
por meio das suas aes de
alfabetizao, importante
contribuio ao desenvolvi-
mento de polticas agrcolas
comprometidas com os fun-
damentos da agroecologia.
Atividade em grupo na ocasio do
III Encontro Nacional de Agroecologia
(ENA), em maio de 2014
_Book-MIOLO-TOPA.indb 243 04/11/2014 20:39:47
244
metodologia da Educao Popular como ferramenta pedaggica
a ser usada no interior das polticas pblicas, para viabilizar o
conhecimento das diferentes localidades e seus saberes es-
pecficos, elaborar conscincia crtica e caminhar rumo a uma
prxis transformadora, com intencionalidade.
A disputa central da democracia brasileira hoje est se dando
no campo da participao social. Trata-se de um processo de
qualificao da democracia, diante de uma democracia formal
que proclama direitos que no os atente. Ampliar a cidadania
um dever de uma sociedade que quer avanar. O Decreto n
8.243, de 23 de maio de 2014, que instituiu a Poltica Nacional de
Participao Social e o Sistema Nacional de Participao Social,
organiza e consolida o que j existe e avana na proposta de
que outras esferas, alm do governo federal, adotem a parti-
cipao como mtodo de governo, aderindo a essa poltica.
Entretanto houve uma reao raivosa das elites na mdia e
no Congresso. um sinal de que vamos ter que enfrentar defi-
nitivamente a batalha pela democracia participativa, um direito
constitucional e humano. As elites no toleram mais avanos
nas polticas sociais. A batalha est ligada umbilicalmente
outra: a reforma poltica. Sem ela o capital continuar dando
as cartas, aprovando no Congresso as leis que o beneficiam em
detrimento da justia social e da superao das desigualdades.
Lanamento do Pacto pela Educao
Todos pela Escola, no Instituto Ansio
Teixeira, na cidade de Salvador, em 28 de
abril de 2011. Segundo o secretrio Os-
valdo Barreto: O governo ir se respon-
sabilizar pelo fornecimento de todo ma-
terial pedaggico para a alfabetizao,
capacitao e metodologia de avaliao
medida que os municpios se integrem
ao pacto (Trecho de reportagem publi-
cada em 29 de abril de 2011 em: )
Manu Dias /GOVBA
_Book-MIOLO-TOPA.indb 244 04/11/2014 20:39:51
245
A nosso ver, um dos grandes desafios estruturais que se apre-
sentam, cotejando as caractersticas apontadas e as possibilidades
desenhadas, reside na contradio de lgicas distintas que se
confrontam na relao que se estabelece entre ambas. No centro
desse conflito, as diversas polticas e
programas pblicos, como o TOPA, que
operam com a mobilizao e articulao
social, no podem fechar os olhos para
esse dilema, nem deixar de falar a seu
respeito, principalmente considerando
que o curso natural desse desenvolvi-
mento costuma ser o do predomnio
do interesse privado e corporativo, dos
sacrifcios exigidos pela governabilidade,
e da cooptao e acomodamento de
lideranas populares e comunitrias.
Tambm no podemos deixar de
apontar o contexto poltico e ideolgico
das entidades, movimentos e sujeitos que
vo fazer uso do TOPA, e que muitas ve-
zes podem demandar um trabalho espe-
cfico de interveno e qualificao das
intenes e dos procedimentos, para
que a alfabetizao de jovens, adultos
e idosos no perca a sua expectativa de
servir como ferramenta para a constru-
o de conscincia e prtica crticas. o
tipo de desafio que podemos discernir
no relato apresentado por um bolsista,
do municpio de Teixeira de Freitas (BA),
que participou da premiao Cosme de
Farias na sua terceira etapa (2009-2010), por conta do trabalho
desenvolvido em um presdio masculino no especificado:
A educao de jovens e adultos, em suas modalidades de
educao emancipadora, sempre se constituiu em importante
instrumento das lutas por direitos da classe trabalhadora.
Continuar esse legado no pode ser uma declarao de prin-
cpios: s pode ser o resultado de um trabalho do dia a dia.
O projeto supracitado tem facilitado
ao presidirio um conhecimento
tcnico que possa lhe proporcionar
uma nova fonte de renda, uma
vez que muitos deles no recebem
visitas de familiares e carecem
de comprar alguns produtos de
higiene pessoal, e quando sarem do
presdio se reintegrarem ao mercado
de trabalho, tem contribudo
para a elevao da autoestima do
detento, pois o trabalho dignifica
o homem, a terapia ocupacional
com os cursos aplicados
ocupam a mente dos alunos,
proporcionando condies de
construo de novos conhecimentos
e gerando assim esperana de
reintegrao sociedade.
_Book-MIOLO-TOPA.indb 245 04/11/2014 20:39:53
246
O TOPA, o local e o global
O Programa TOPA desenvolvido, em sua essncia, na pers-
pectiva da mobilizao e articulao social, do exerccio
de cidadania ativa, da participao social e da participao
popular. Participao social compreendida como aquela
que se d por meio da atuao em espaos de participao
j consolidados, como sindicatos, conselhos, associaes e
grmios, por exemplo. J a participao popular ganha corpo
por meio de movimentos que nascem de iniciativas de pessoas
com interesses comuns, como marchas, fruns de discusso,
manifestaes de diferentes segmentos em defesa de seus
direitos, entre outras.
Para Paulo Freire, a politizao algo inerente ao ato
educativo. Uma vez lido o mundo e construdas coletivamen-
te interpretaes da prpria realidade, preciso construir
comprometimento com a sua transformao em algo melhor
para todos e todas. A pedagogia deve estar comprometida
com a cidadania ativa, tendo a tica como referncia para a
construo da democracia. Nesse sentido, pode-se dizer que
alfabetizao de adultos e participao social e popular de-
vem caminhar juntas. Desafio este abraado pelo Programa
Todos pela Alfabetizao.
As parcerias estabelecidas entre o TOPA e organizaes da
sociedade civil espalhadas pelos 27 Territrios de Identidade
existentes no estado da Bahia contriburam com a formao
de equipes de educadores/as das diferentes instituies,
ampliaram a visibilidade destas em suas regies de atua-
o, provocaram a partilha de experincias e favoreceram o
dilogo entre organizaes de vrias regies, inspirando e
potencializando a realizao de novas aes educativas de
natureza semelhante. Nessa perspectiva, possvel afirmar
que o Programa ampliou os horizontes de seus participantes
no que se refere ao exerccio de cidadania.
O Brasil tem compartilhado sua experincia na rea de
educao popular de jovens e adultos em encontros inter-
nacionais como o Frum Social Mundial, o Frum Mundial de
_Book-MIOLO-TOPA.indb 246 04/11/2014 20:39:54
247
Educao e tambm em Encontros Internacionais do Frum
Paulo Freire. So iniciativas que buscam articular mltiplas
aes em torno da construo de novas realidades, de modo
que no se percam no isolamento, que se alimentem umas
s outras e que produzam um movimento que possibilite sua
expanso para alm dos territrios onde so realizadas. F-
runs mundiais estimulam o dilogo entre ONGs e movimentos
sociais, gerando um novo tipo de cidadania, favorecendo a
ampliao de saberes e transformao de prticas que tm
como referncia a construo de um presente e um futuro
melhores.
Nessa perspectiva, pode-se dizer que as referencialida-
des construdas pelo TOPA para combate ao analfabetismo
ultrapassam as fronteiras do estado da Bahia, indo alm das
fronteiras do pas.
A coordenadora do Programa Todos pela Educao, Fran-
cisca Elenir Alves, compartilhou a experincia desenvolvida
na Bahia com educadores de diversos lugares do mundo
durante o IX Encontro Internacional do Frum Paulo Freire,
realizado em Turim - Itlia, de 17 a 20 de setembro de 2014.
Metodologia, desafios e resultados do processo desenvolvi-
do no Brasil foram apresentados em um Crculo de Cultura
que reuniu outros trabalhos feitos na Itlia, Mxico, Estados
Unidos e Frana, todos relacionados ao tema Educar para
emancipar em contextos de desigualdade e vulnerabilidade.
Francisca Elenir
Alves durante o IX
Encontro Interna-
cional do Frum
Paulo Freire, em
setembro de 2014
_Book-MIOLO-TOPA.indb 247 04/11/2014 20:39:57
Alberto Coutinho/ GOVBA
Arq
uivo
TO
PA
Arq
uivo
TO
PA
_Book-MIOLO-TOPA.indb 248 04/11/2014 20:40:03
249
Ao observarmos a realidade vivida nas diferentes regies do
estado da Bahia, deparamo-nos com uma mltipla e valiosa
diversidade cultural, e, ao mesmo tempo, com a urgncia de
polticas pblicas que viabilizem o acesso de mulheres e homens
adultos, idosos e idosas, jovens e crianas, a direitos bsicos
historicamente negados. Um deles, a educao. A Bahia abriga
a maior populao de no alfabetizados/as, em nmeros abso-
lutos, entre as 27 unidades federativas do Pas.
Conforme citado anteriormente, cerca de 1.700.000 habitantes
do territrio baiano, com idade igual ou superior a 15 anos, so
analfabetos (Censo de 2010 - IBGE, 2011). Aproximadamente 34%
dos habitantes do estado nesta faixa etria so considerados
analfabetos funcionais, no conseguindo entender o que leem
e nem elaborar um enunciado curto sobre um assunto genrico,
por falta de acesso escolarizao formal ou por distores
no processo educativo do qual participaram. Cerca de 16% da
populao total do estado foi privada de seu direito educao.
So comunidades remanescentes de quilombos, comunidades
indgenas e ciganas, populaes ribeirinhas, assentados por pro-
gramas de reforma agrria, pescadores, catadores de materiais
reciclveis, extrativistas, profissionais do sexo, entre outros
grupos com especificidades que necessitam ser reconhecidas
e valorizadas no momento de enfrentamento do desafio de
incluir todos e todas em um amplo processo de alfabetizao.
Mas no basta alfabetizar. No basta atender ao desejo
de escrever o nome, como dizem muitos dos que procuram
os programas de alfabetizao. preciso desenvolver um
Lugares diferentes, solues diferentes
_Book-MIOLO-TOPA.indb 249 04/11/2014 20:40:06
250
processo de alfabetizao, junto com os/as educandos/as,
que possibilite conscientizao, politizao e emancipao. Que
contribua para a transformao de todos/as os/as envolvidos/
as no processo de aprendizagem e produza resultados tambm
nos territrios onde vivem.
1. Trata-se de um sonho? Utopia?
Vem sendo uma das conotaes fortes do discurso
neoliberal e de sua prtica educativa no Brasil e fora
dele a recusa sistemtica ao sonho e utopia, o que sa-
crifi ca necessariamente a esperana. A propalada morte
do sonho e da utopia, que ameaa a vida da esperana,
termina por despolitizar a prtica educativa, ferindo a
prpria natureza humana. A morte do sonho e da uto-
pia, prolongamento consequente da morte da Histria,
implica a imobilizao da Histria na reduo do futuro
permanncia do presente. O presente vitorioso do
neoliberalismo o futuro a que nos adaptaremos. Ao
mesmo tempo em que este discurso fala da morte do
sonho e da utopia e desproblematiza o futuro, se afi rma
como um discurso fatalista. [...] Nenhuma realidade
assim porque assim tem de ser. Est sendo assim porque
interesses fortes de quem tem poder a fazem assim.
(FREIRE, 2000, p. 58)
Crculo de Cultura na comunidade
Quilombola Olhos Dgua do Meio,
Direc 19 - Brumado, em 2010Acervo IPF
_Book-MIOLO-TOPA.indb 250 04/11/2014 20:40:12
251
Transformar a realidade exige vontade poltica, compromisso
com a tica e com a justia, e coragem. A carncia e as deficincias
educacionais esto intimamente relacionadas condio socioe-
conmica das famlias e limitam sua insero e permanncia no
mundo do trabalho, comprometem o exerccio da cidadania e as
tornam vulnerveis discriminao e segregao.
Uma das consequncias mais imediatas do analfabetismo e
das lacunas no processo de escolarizao, resultantes do pro-
cesso histrico ao qual a populao foi submetida, a restrio
de acesso/permanncia no mundo do trabalho, cada vez mais
exigente quanto formao e qualificao profissional dos tra-
balhadores. Tal restrio implica na ausncia ou insuficincia de
renda e, por conseguinte, na incluso destas pessoas no grupo
marcado pela pobreza ou pobreza extrema. De acordo com a
pesquisa do Ipea (BRASIL, 2011), em 2009, os analfabetos eram
maioria entre os desempregados e em situao de extrema
pobreza. poca, o desemprego atingiu 9,3% da populao
baiana ativa, e a taxa de analfabetismo entre pessoas com 15
anos ou mais era de 16,7%.
Conforme o Ipea (2011), apesar da existncia de polticas
pbl