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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA MESTRADO EM HISTÓRIA
SANTAS NORMAS: o comportamento do clero pernambucano sob a vigilância das Constituições Primeiras
do Arcebispado da Bahia – 1707 Anna Laura Teixeira de França Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em História
Orientadora: Profa. Dra. Virgínia Maria Almoêdo de Assis
Recife 2002
3
DEDICATÓRIA
Aos meus pais, Lauro e Eliane, pelo constante apoio e estímulo em minhas conquistas acadêmicas.
A Douglas e Lana, cuja
amizade está para sempre marcada em meu coração.
4
AGRADECIMENTO S
nicialmente gostaria de agradecer a minha orientadora, a Professora
Virgínia Maria Almoêdo de Assis, que me forneceu todo o
conhecimento em Paleografia e cuja presença afetuosa marcou todo este meu percurso
acadêmico. Aos Professores Marcus Carvalho e Carlos Miranda, pelo constante
interesse e aconselhamento ao longo de meu curso de mestrado.
Também agradeço a todos os meus professores, tanto os da graduação,
quanto os do mestrado, em especial a Professora Ana Maria Barros e ao Professor
Marcos Albuquerque, que me iniciaram na pesquisa científica.
Não poderia deixar de agradecer também aos profissionais do
Departamento de História, na pessoa de Rogéria de Sá Feitosa, fiel colaboradora em
nossos “assuntos paleográficos”; ao Programa de Pós-Graduação em História,
principalmente, a Luciane Costa Borba - que faz da burocracia um campo menos
nebuloso para todos nós estudantes - e a Carmem Lúcia de Carvalho dos Santos,
carinhosa guardiã de nossas “fontes de saber”.
Ao longo de minha formação acadêmica, não poderia me esquecer de
alguns colegas que me acompanharam desde a graduação, como Kennya de Lima
Almeida, Edlúcia da Silva Costa, Manuel Nunes Cavalcanti Júnior e Daniela Cisneiros.
Gostaria também de agradecer a Kalina Vanderlei Silva, por seu aconselha mento e
interesse constante em minha formação intelectual, e a Tatiane Trigueiro, pelo
providencial empréstimo das suas cópias das Constituições Primeiras do Arcebispado
da Bahia.
I
5
Especialmente, gostaria de agradecer aos meus amigos Douglas Batista
de Moraes e Lana Virgínia Portela, que tornaram essa minha “estadia” na universidade
um motivo de constante alegria.
Agradeço também a atenção dispensada por José Gomes de Andrade
Filho, Tácito Galvão e Reinaldo Carneiro Leão, em minhas pesquisas no Instituto
Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, cujos documentos foram de
primordial importância para a realização desta pesquisa.
Ao final deste trabalho ainda me deparei com pessoas que ajudaram
grandemente em sua elaboração. Foram elas: José Carlos da Silva, cuja presença
enriqueceu ainda mais o Laboratório de Pesquisa e Ensino de História, e Sherry
Morgana de Almeida que, generosamente, forneceu-me sua elogiável correção
ortográfica.
Finalizando, não poderia deixar de agradecer ao CNPq, cujo apoio
financeiro me acompanha desde a graduação.
6
SUMÁRIO
TÓPICOS PÁGINAS
RESUMO.................................................................................................... 6
INTRODUÇÃO.......................................................................................... 7
1o CAPÍTULO – OS ANTECEDENTES METROPOLITANOS
• A questão do Padroado Régio português...........................
• A Reforma Católica e o Concílio de Trento.......................
• Instrumentos de controle do Estado português..................
13
26
40
2o CAPÍTULO – A ORGANIZAÇÃO DA IGREJA CATÓLICA NO
BRASIL E A REPRESENTAÇÃO DO SACERDOTE NA
SOCIEDADE COLONIAL....................................................
50
3o CAPÍTULO – PERNAMBUCO: CLERO E SOCIEDADE
• A Diocese de Pernambuco.................................................
• Os contatos sociais do clero dentro dos núcleos urbanos
coloniais da Capitania de Pernambuco............................
86
95
CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................... 114
BIBLIOGRAFIA – Fontes e Bibliografia.................................................... 118
7
RESUMO
presente trabalho tem como objetivo analisar o
comportamento do clero, no que tange suas atitudes no
cotidiano da sociedade colonial nos principais núcleos urbanos da capitania de
Pernambuco, no período entre 1650 e 1750. Centralizando este período,
tomamos como principal fonte de análise do comportamento clerical, as
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, promulgadas em 12 de Julho
de 1707, em um sínodo diocesano organizado pelo arcebispo D. Sebastião
Monteiro da Vide. Estando estas Constituições sintonizadas com as
transformações decorrentes da Reforma Católica, pretendemos verificar a forma
como elas foram aplicadas na prática. Se foram aptas no sentido de reprimir os
possíveis abusos cometidos pelo clero pernambucano que indicassem um certo
desvio dos preceitos canônicos. Procuramos ainda dimensionar a importância do
sacerdote no interior da sociedade colonial, aonde o clero tinha um inegável
prestígio, apesar de seu comportamento, por vezes pouco edificante. Nos
centros urbanos era muito comum, durante o período colonial, que os clérigos
fossem absorvidos por atividades profanas, fosse de caráter comercial, fosse de
participação política. No que diz respeito ao comportamento, podemos afirmar
ainda, que a vida na nova terra oferecia grandes dificuldades para a manutenção
de rígidas normas morais. Esta pesquisa sobre o comportamento clerical, que se
tornava repreensível em alguns momentos talvez devido ao distanciamento da
Sé em Roma, pretende ser uma contribuição à discussão sobre a atuação da
Igreja Católica em Pernambuco, tomando por base a ação reguladora das
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, promulgadas em 1707.
O
8
INTRODUÇÃO
presente trabalho tem como objetivo analisar o
comportamento do clero, no que tange as suas atitudes no
cotidiano da sociedade colonial nos principais núcleos urbanos da capitania de
Pernambuco. O período escolhido para este estudo está compreendido entre a
Restauração Pernambucana, em 1654, e o final do governo eclesiástico de D.
Frei Luis de Santa Teresa, em 1754, (tendo sido este o único prelado do qual
tivemos contato com uma documentação mais específica) 1.
Centralizando este período, tomamos como principal fonte de
análise do comportamento clerical, as Constituições Primeiras do Arcebispado
da Bahia, promulgadas em 12 de Julho de 1707, em um sínodo diocesano
organizado pelo arcebispo D. Sebastião Monteiro da Vide. Deste amplo código
de leis eclesiásticas usaremos principalmente o livro terceiro, que regulamenta
as atitudes e obrigações dos clérigos, a definição exemplar do seu
comportamento quanto às vestes, residência, procissões, missas e pregações; e o
quarto, que trata das questões jurídicas referentes às imunidades e privilégios
eclesiásticos.
Destas Constituições, que foram as únicas elaborados durante todo
o período colonial, sintonizadas com as transformações decorrentes da Reforma
Católica, pretendemos verificar a forma como elas foram aplicadas na prática.
Se foram aptas no sentido de reprimir os possíveis abusos cometidos pelo clero
pernambucano que indicassem um certo desvio dos preceitos canônicos.
Procuramos ainda dimensionar a importância do sacerdote no
1 Ver 3 o Capítulo, págs. 92-93.
O
9
interior da sociedade colonial, aonde o clero tinha um inegável prestígio, apesar
de seu comportamento. Na Igreja Católica afastada do poder centralizador do
papa por conta do padroado português, abriram-se brechas, no Brasil colonial,
para certos desvios de conduta (que deveria ser exemplar) de vários elementos
do poder eclesiástico. No meio colonial, os “maus” padres, que em alguns
momentos poderiam ser negligentes, gananciosos ou dissolutos, nunca
representaram exceções.
Sob a responsabilidade do governo português, o aspecto mais
realçado da função do clérigo era o seu caráter de funcionário responsável pelos
assuntos eclesiásticos. Como regra geral, o sacerdócio era considerado, nessa
época, como uma profissão, um ofício ou uma carreira à qual a pessoa se
dedicava de um modo análogo às demais profissões então existentes. Recebendo
a côngrua, espécie de provento conc edido pela Coroa portuguesa, o padre
passava a ser considerado como um funcionário público, incumbido de exercer
as funções litúrgicas próprias do catolicismo. Nos centros urbanos era muito
comum, durante o período colonial, que os clérigos fossem absorvidos por
atividades profanas, fosse de caráter comercial, fosse de participação política.
No que diz respeito ao comportamento, podemos afirmar ainda,
que a vida na nova terra oferecia grandes dificuldades para a manutenção de
rígidas normas morais. “Liberdade, promiscuidade e relaxamento moral”,
marcaram o cotidiano da sociedade colonial, onde ainda não se conseguira
impor os padrões de vida europeus.
A condição colonial proporcionava, de certa maneira, uma
facilidade de relações com índias e negras. Sendo assim, a partir de estudos
realizados, podemos afirmar que alguns elementos do clero colonial deixaram-
se envolver por esse clima de permissividade.
Para contextualizar o momento histórico pesquisado, precisamos
ter um entendimento dos acontecimentos da época. Para isso trabalhamos com
10
algumas obras, da historiografia clássica, referentes ao período em destaque,
constituída pelas obras de Sérgio Buarque de Holanda, com Raízes do Brasil, de
Gilberto Freyre, com Casa-Grande & Senzala, e de Caio Prado Jr., com
Formação do Brasil Contemporâneo .
Atualmente esta historiografia se encontra ainda mais enriquecida,
podendo ser destacadas, com referência ao tema deste trabalho, as obras de
Ronaldo Vainfas, com Trópico dos Pecados ; de Eduardo Hoornaert, que
organizou em História da Igreja no Brasil, uma obra de referência sobre o tema
em questão; de Thales de Azevedo, com Igreja e Estado em Tensão e Crise; de
Caio César Boschi, com Os Leigos e o Poder; de Emanuel Araújo, com O
Teatro dos Vícios; de Russell-Wood, com Fidalgos e Filantropos ; de Fernando
Torres-Londoño, com A Outra Família ; de Guilherme Pereira das Neves, com E
Receberá Mercê ; e, especifico para Pernambuco, de Evaldo Cabral de Mello,
com a Fronda dos Mazombos2.
No que tange às fontes impressas também examinamos, no
decorrer deste estudo, alguns relatos de cronistas como Domingos Loreto
Couto, com Desagravos do Brasil e Glórias de Pernambuco (1759) e de L. F.
de Tollenare, com Notas Dominicais (1818). Estas obras são de extrema
importância para uma melhor compreensão da realidade colonial e de suas mais
diversas relações sociais.
Apesar de haver um grande número de pesquisas que têm por tema
o estudo do papel vivenciado pela Igreja Católica na sociedade colonial, os
mesmos se restringem a estudos regionais, focalizando principalmente a Bahia,
Minas Gerais e São Paulo 3. Com isso, faz-se necessário que os mesmos estudos
2 As referências das obras citadas nesta introdução encontram-se na bibliografia desta dissertação. 3 Referente a Bahia, ver os estudos do Ronaldo Vainfas e Luiz Mott sobre cotidiano e comportamento no
período colonial. Sobre este mesmo tema, no que diz respeito a Minas Gerais e São Paulo, ver os trabalhos de Lana Lage Lima e Fernando Londoño.
11
sejam empreendidos em outras regiões brasileiras, cuja importância para
compreensão do período, merece ser destacada para assim termos uma melhor
compreensão da atuação da Igreja no processo de formação da sociedade
brasileira a partir de um quadro mais amplo.
Esta pesquisa sobre o comportamento clerical pretende ser uma
contribuição à discussão sobre a atuação da Igreja Católica em Pernambuco,
tomando por base a ação reguladora das Constituições Primeiras do
Arcebispado da Bahia, promulgadas em 1707.
Nosso estudo não tem a pretensão de esgotar o tema, mas se
propõe a analisar as mudanças ocorridas a partir da elaboração deste conjunto
de leis eclesiásticas que pretendia exercer uma ação reguladora dos costumes
não só dos religiosos, mas também da população colonial. Com ele procuramos
identificar as atitudes dos clérigos não condizentes aos preceitos canônicos, no
período anterior a vigência das Constituição, e que observância foi adotada
posteriormente a sua promulgação.
O período colonial no Brasil se apresenta como um campo de
estudo bastante difícil para o pesquisador, principalmente, devido à escassez de
fontes documentais referentes a História da Igreja. No entanto, no acervo de
fontes manuscritas do Laboratório de Pesquisa e Ensino de História – LAPEH,
pertencente ao Departamento de História da UFPE, encontramos alguma
documentação referente ao tema nos códices do Arquivo Histórico Ultramarino.
Estas fontes são de inegável importância para a compreensão dos
acontecimentos relativos à história colonial do Brasil, sendo compostas por
códices e documentos avulsos, fotografados ou microfilmados, relativos à
história administrativa, política, econômica e eclesiástica. Faz parte também do
acervo do LAPEH, a cópia das Constituições Primeiras utilizadas para a
elaboração desta pesquisa.
12
Também tivemos acesso aos oito Livros de Ordens Régias que
fazem parte do acervo do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico
Pernambucano, e que abrangem o período de 1655 até 1742, existindo porém
uma interrupção entre alguns anos. Curiosamente, foi em contato com esta
documentação que nos deparamos com alguns documentos que são citados
também por Pereira da Costa em seus Anais Pernambucanos . Destes,
principalmente os volumes 4 e 5, se apresentaram como fontes de importância
singular para o recolhimento de dados referentes a atuação e organização da
Igreja Católica na capitania de Pernambuco.
Tendo sido observadas todas estas informações a respeito deste
presente trabalho, organizou-se esta dissertação da seguinte maneira: no 1o
Capítulo – OS ANTECEDENTES METROPOLITANOS, detalhamos as
diversas concessões feitas pela Cúria Romana que paulatinamente transferiram
à Coroa portuguesa, através do Padroado Régio, o encargo da organização e
sustento da Igreja Católica no Brasil. Tratamos ainda das mudanças promovidas
pelo Concílio de Trento, no que diz respeito ao papel assumido pelo sacerdote
perante à sociedade moderna, e a elaboração das Constituições Primeiras do
Arcebispado da Bahia, estando suas normas em sintonia com essas
transformações. E, por último neste capítulo, o funcionamento dos órgãos
burocráticos portugueses ao qual o aparelho eclesiástico colonial estava
subordinado.
No 2o Capítulo – A ORGANIZAÇÃO DA IGREJA CATÓLICA
NO BRASIL E A REPRESENTAÇÃO DO SACERDOTE NA SOCIEDADE
COLONIAL, como está explícito no enunciado, procuramos discutir como
efetivamente estava organizada a instituição eclesiástica, que espaço ocupavam
as ordens religiosas, e qual a importância adquirida pelo sacerdote no interior
da sociedade colonial.
No 3o Capítulo – PERNAMBUCO: CLERO E SOCIEDADE,
analisamos o processo de criação da diocese, ou bispado, de Pernambuco, a
13
atuação dos bispos que a administraram no período em destaque, procurando
ainda destacar seu aspecto de subordinação ao monarca lusitano. Também
discutimos a atuação dos clérigos nos mais diversos setores da capitania, tendo-
se em vista a sua interferência em outros níveis da sociedade. Tentamos
verificar o poder fiscalizador e disciplinador, que o padre exercia no interior da
colônia, centralizando sua condição de autoridade colonial, embora se constate
a sua pouca preparação para este encargo, haja vista não existir em Pernambuco
um seminário de formação sacerdotal até o início do século XIX.
A fragilidade econômica do clero colonial o remetia ao
atrelamento ou à aliança com os outros poderes da sociedade, escapando muitas
vezes do controle dos bispos. O padre ficava em meio às pressões institucionais
da Igreja e do Estado para cumprir as suas funções e satisfazer as suas próprias
necessidades. Não faltam exemplos, neste período, de clérigos que não
cumpriam os seus deveres com relação aos sacramentos, porque administravam
as suas fazendas ou se dedicavam ao comércio.
Esperamos que esta pesquisa permita um melhor entendimento das
atitudes e do comportamento do clérigo, sendo este um elemento ao qual coube
um papel preponderante na formação da sociedade colonial. Dos seus conflitos
e de suas necessidades, estando completamente imerso no cotidiano da paróquia
ou, como capelães, nos engenhos e fazendas.
Na Colônia, as intrigas, as discórdias que freqüentemente
terminavam em crime, as lutas entre famílias que provocava a morte em
dezenas de pessoas, o clima de permissividade que envolvia portugueses e
nativos, que incentivava a poligamia, refletia o conflito entre os valores, as
instituições e as condições materiais e morais do meio. Pode -se afirmar que
essa situação dificultou grandemente a recepção e o desenvolvimento da Igreja
Católica durante todo este período e se refletiu nos períodos seguintes.
14
1o. CAPÍTULO – OS ANTECEDENTES METROPOLITANOS
A QUESTÃO DO PADROADO RÉGIO PORTUGUÊS
instituição do padroado em Portugal está intimamente
ligada à Ordem de Cristo, herdeira da Ordem dos
Templários extinta em 1310, que foi aprovada pelo Papa João XXII em 14 de
março de 1319.
Um profundo sentimento religioso se consolida em Portugal já na
formação do Estado português no período da Reconquista. Esta foi identificada
com as lutas cruzadísticas contra os infiéis, fazendo com que a Igreja em Roma
tivesse grande interesse no sucesso das forças cristãs. As vitórias que foram
sendo alcançadas pelos exércitos de D. Henrique mostraram à Santa Sé a
importância que estes vinham adquirindo no sucesso das lutas militares. Sendo
assim, os interesses do senhorio do condado e os do papado foram aos poucos
convergindo para o reconhecimento da autonomia portucalense ante o reino de
Leão. Sua soberania, por conseqüência, foi reconhecida no tratado de Zamora,
firmado em 1143 entre o duque de Portugal, D. Afonso Henriques (1128- 1185),
e D. Afonso VII, Imperador de Leão, que determinava a independência do
antigo condado, agora reino de Por tugal. 4
Outro fator que merece ser destacado diz respeito ao papel que
cabia às ordens militares no processo da Reconquista. Estas ordens, fundadas
com o intuito de auxiliar os doentes e os peregrinos que iam para a Terra Santa
e, principalmente, para combater os adeptos da fé muçulmana, participaram das
batalhas contra os mouros na Península Ibérica. Seus contingentes, em muitos
4 SALGADO, Graça (org.). Fiscais e Meirinhos: administração do Brasil Colonial. 2a. edição. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira. Pág. 24.
A
15
casos, formaram a base dos exércitos cristãos. Como conseqüência dessa
atuação, a várias destas ordens foram concedidas doaçõ es de terras nos reinos
ibéricos. Em Portugal, os maiores beneficiados foram as ordens dos Templários,
de São Bento e de Santiago da Espada. No entanto, estas ordens não se
destacaram apenas por seu aspecto militar, elas também contribuíram para o
povoamento do território português, a partir das regiões que lhes foram
ofertadas. Em torno de seus castelos e fortalezas, desenvolveram-se atividades
agrícolas que levaram ao estabelecimento de novas populações.
Igualmente importante nesse processo de ocupação territorial, foi a
participação das ordens religiosas, dentre as quais se destacou a dos
beneditinos, cujos mosteiros e capelas tornaram-se pólos de concentração de
inúmeras famílias atraídas pela segurança que ofereciam. Desta mesma forma,
desde a Reconquista, “as ordens tomaram a peito a colonização de zonas
desertas ou dizimadas pela guerra, criando novos focos de povoamento e
estimulando a exploração da terra ”.5
No início do século XV, as primeiras tentativas de expansão que
Portugal empreendeu no ultramar foram vistas pela Cúria romana como o
primeiro sintoma de uma nova reação cristã contra o avanço dos turcos pelo
continente europeu. D. Henrique, o Navegador, patrono das expansões
ultramarinas portuguesas, obteve o título de “regedor e conservador” da Ordem
de Cristo, o que lhe fez angariar grande prestígio junto à Sé de Roma 6.
Em 1411, o Infante D. Henrique, enviando um emissário direto ao
Papa, conseguiu indulgência plenária para os que combatessem os mouros sob a
bandeira da Ordem de Cristo, o que equiparava totalmente os empreendimentos
5 SERRÃO, Joaquim Veríssimo. História de Portugal, vol. I. 3a. edição. Lisboa: Verbo, 1980. Pág. 174. 6 LACOMBE, Américo J. “A Igreja no Brasil Colonial". In: HOLANDA, Sérgio Buarque de (dir.).
História Geral da Civilização Brasileira, Tomo I, vol. 2. 7a. edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1993. Pág. 52.
16
portugueses às cruzadas. A partir de então, a Ordem de Cristo foi alvo de várias
concessões da Igreja Romana que se tornaram a base para o padroado
português.
O direito de padroado, dentro das normas da Igreja Católica, nada
mais era do que o direito a um certo grau de controle sobre uma igreja ou capela
local ou nacional, a um administrador civil, em apreço de seu zelo, dedicação e
esforço para difundir a religião Católica, e ainda como estímulo para futuras
“boas obras”. Podemos, então, entender o padroado como sendo o direito de
controle por tudo aquilo que é construído e sustentado pelo padroeiro ou
patrono, devendo-se a este “a honra, o ônus e a utilidade ”7. O sistema de
padroado implantado nas regiões do ultramar português foi instituído por uma
série de bulas papais editadas por quatro papas entre 1452 e 1534.
Em 18 de junho de 1452, o Papa Nicolau V edita a Bula Dum
diversas que concede ao rei de Portugal, tendo em vista o aumento da
cristandade e a exaltação da fé, a faculdade de adquirir os domínios
muçulmanos e infiéis e de possuir os seus bens públicos e particulares.
Uma segunda Bula, a Romanus Pontifex , de 8 de janeiro de 1455,
foi ainda mais específica e, justamente, denominada de “carta do imperialismo
português”, pois começa resumindo as obras de descoberta, conquista e
colonização realizadas pelo Infante D. Henrique desde 1419. Ela doava
novamente os territórios africanos ao rei de Portugal e proibia que alguém
entrasse neles sem licença deste, competindo ao monarca lusitano o direito de
erigir igrejas, oratórios e outros lugares pios. Com o consentimento dos
superiores eclesiásticos, podia enviar sacerdotes, seculares ou regulares, que aí
então residiam e administravam os sacramentos. A Bula ainda autorizava
7 HESPANHA, Antônio Manuel. “Os Bens Eclesiásticos na Época Moderna. Benefícios, Pdroados e
Comendas”. In: TENGARRINHA, José (org.). História de Portugal . São Paulo: EDUSC/UNESP/ Instituto Camões, 2000. Pág. 90.
17
Portugal a estabelecer o monopólio comercial nestes territórios, e quem neles
exercia comércio sem sua licença incorria em excomunhão.
Posteriormente, na Bula Inter caetera, de 13 de março de 1456, o
Papa Calisto III confirmou o que foi estabe lecido pela Romanus Pontifex e, a
pedido de D. Afonso V e do seu tio D. Henrique, concedeu à Ordem de Cristo a
jurisdição espiritual sobre todas as regiões conquistadas por Portugal daquele
momento em diante. Esta Bula passou a conceder o padroado à Ordem de Cristo
nos seguintes termos:
“Decretamos, estatuímos e ordenamos que para sempre a espiritualidade e
toda a jurisdição ordinária, domínio e poder, nas coisas espirituais somente,
nas ilhas, cidades, portos, terras e lugares dos cabos Bojador e Não, e além
daquela região meridional até o Indo... adquiridas e por adquirir... toque e
pertença a esta milícia e ordem, de futuro para sempre... E assim que o prior,
na dita milícia possa e deva colar todos os benefícios, com cura e sem cura,
seculares e religiosos... proferir excomunhões, suspensões, privações,
interditos e outras sentenças, censuras e penas eclesiásticas... decretando que
estas ilhas, terras e lugares... em nenhuma diocese sejam incluídas”8
Uma quarta Bula, a Dum fidei constantiam, editada por Leão X em
7 de junho de 1514, ainda trata da concessão do direito de padroado a Portugal.
É neste documento que se encontra a primeira menção expressa do Padroado
Régio Português nos territórios ultramarinos. O papa concedeu ao rei o direito
de apresentação para todos os benefícios nas terras adquiridas desde 1512 em
diante; nas restantes, esse direito continuava a pertencer à Ordem de Cristo.
Esta concessão não se baseou na dotação de Igrejas, mas nos serviços prestados
pelo rei, sujeitando ao domínio cr istão terras de muçulmanos.
O rei de Portugal, D. Manoel (1495- 1521), conseguiu também, em
8 LACOMBE, Américo J. Op. cit. Pág. 54.
18
1514, através da Bula Praecelsae Devotionis , o direito de provisão de bispados,
paróquias, cargos clericais em geral, em troca de financiamentos para a
construção e conservação dos edifícios do culto e para remuneração do clero.
Isso trouxe importantes conseqüências para a organização da Igreja Católica nas
colônias ultramarinas: nenhum clérigo, a partir de então, saía de Portugal para
as colônias sem autorização explícita do rei, que exigia uma audiência
particular com a declaração de um juramento de fidelidade.
Anterior a esta, a Bula de 1456 já havia concedido ao regente português o
direito de cobrança dos dízimos eclesiásticos, fato que teve a maior importância na
organização da Igreja nas colônias ultramarinas. A Ordem de Cristo, por conseguinte,
interpretou que essa concessão seria feita para financiar a administração eclesiástica da
Coroa, recebendo assim os dízimos pagos pelos habitantes das terras incluídas no
Padroado. Esta cobrança de dízimos já era um expediente utilizado pela Igreja Católica,
na Europa, desde a Idade Média, com o fim de sustentar o culto e os ministros
eclesiásticos. Cada cristão deveria contribuir com a décima parte do que tinha
conseguido com o trabalho da terra, para as despesas das igrejas. Inovando, porém, a
Coroa portuguesa centralizou esta receita, sob o encargo da Ordem de Cristo, e o
tesouro régio, em um “caixa único”. Para esta manobra, foi usada a justificativa de que
seria necessário despender maiores quantias nas regiões onde a catequese era
inexpressiva e a renda diminuta.
Podemos notar através do conteúdo destas Bulas que,
paulatinamente, a aliança existente entre a Igreja Católica e o Estado português
foi se reforçando, existindo uma intensa troca de favores afim de alcançarem
seus objetivos específicos. Para Portugal, interessava o apoio oferecido pela
Igreja Católica no processo de colonização e evangelização nas suas possessões
no ultramar. Por sua vez, a expansão da fé católica nas novas terras
conquistadas, gerava um grande interesse para a Sé Romana.
O efeito cumulativo destas Bulas papais foi o de dar aos monarcas
portugueses e, posteriormente, a outros monarcas europeus, um beneplácito
19
religioso para a atitude de domínio que procurou subjugar todas as raças que
estivessem fora do seio da cristandade 9.
Sendo assim, a Coroa portuguesa, ao longo do século XVI,
período de estabelecimento e consolidação do domínio português sobre o
Brasil, estava unida à Igreja Católic a mediante a instituição do Padroado Régio.
Neste mesmo século, precisamente em 1522, o papa Adriano VI conferiu a D.
João III (1521- 1557) a dignidade de Grão-Mestre da Ordem de Cristo, que, a
partir de então, ficou sendo concedida a todos os reis de Portugal, seus
sucessores.
A concessão do Padroado Régio estabeleceu definitivamente a
aliança entre a Ordem e o Estado português, que até o final do século XV era
permeada de incertezas. As expedições de além-mar, empreendidas
primeiramente para a defesa e di latação da fé católica, tornaram-se logo uma
grande empresa política e comercial em favor da Coroa portuguesa. O sagrado e
o profano, o eclesiástico e o político, estiveram em Portugal, quase sempre
inseparavelmente unidos, tendo a Igreja e o Estado se prestado a um mútuo
auxílio.
Em Portugal, os monarcas e a Igreja Católica mantiveram sempre
uma estreita ligação. Os próprios componentes da família real e de outras
famílias nobres, durante um longo período, fizeram parte da alta hierarquia
eclesiástica lus itana. Esses clérigos não ficaram restritos apenas aos assuntos
religiosos, vários foram os que usaram seu prestígio na política, pleiteando
também um lugar na burocracia civil10.
9 BOXER, C. R. O Império Colonial Português: 1415-1825. São Paulo: Martins Fontes, 1969. Págs. 44-
45. 10 MORAES, Douglas Batista de. Bem Nascer, Bem Viver, Bem Morrer. A administração dos
sacramentos da Igreja Católica em Pernambuco de 1650 a 1790. Mestrado em História. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2001. Pág. 37.
20
Quase todos os arcebispados e bispados no território português, no
século XVI, eram compostos por membros da nobreza lusitana. Eles
procuravam sempre assumir cargos nas prelazias11 mais importantes de
Portugal, que pertenciam a regiões mais desenvolvidas economicamente 12. As
dioceses mais humildes, geralmente localizadas no interior , eram formadas em
sua maioria por prelados pertencentes às camadas mais pobres da população.
No reino português, a Igreja mantinha a sua autoridade em
torno das catedrais, paróquias e ermidas, estabelecendo ao nível urbano e
rural laços sólidos com os fiéis para quem a graça espiritual constituía
uma razão de ser da existência 13. Segundo afirma Caio Boschi, “desde
cedo estabeleceu -se íntima colaboração entre as duas instituições, pois
que, para o Estado Moderno, a unidade política exigia unidade
religiosa ” 14. Essa estreita ligação dos domínios político e religioso se
consolidou com a concessão, feita pela Igreja Católica, do direito de
padroado ao monarca português e seus descendentes.
Posteriormente, as ordens militares portuguesas de São Tiago e de
São Be nto foram unidas sob o comando de um único mestre em 1551, sendo
estas incorporadas através da Bula Praeclara Charissimi concedida pelo Papa
Júlio III à Ordem de Cristo e, conseqüentemente, ao rei português. Foi neste
momento que o rei de Portugal e seus sucessores assumiram os encargos de
administrar o reino e a Ordem de Cristo. Sendo assim, D. João III (1521-1557)
adquiriu o direito de padroado sobre todos os postos, cargos, benefícios e
funções eclesiásticas nos territórios ultramarinos. Não devemos entender essas
concessões como uma apropriação dos reis de Portugal das atribuições
11 “Dignidade, cargo ou jurisdição de um prelado”. TRINDADE, José da Santíssima, Dom Frei. Visitas
Pastorais de Dom Frei José da Santíssima Trindade (1821-1825) . Belo Horizonte: Centro de Estudos Históricos e Culturais, Fund. João Pinheiro; Inst. Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais, 1998. Pág. 403 (Glossário de Termos).
12 “Os arcebispados de Lisboa e Braga eram objetos de desejo dentro da estrutura eclesiástica portuguesa”. MORAES, Douglas Batista de. Op. cit. Pág. 43
13 SERRÃO, Joaquim Veríssimo. História de Portugal, vol. II . 3a. edição. Lisboa: Verbo, 1980. Pág. 322. 14 BOSCHI, Caio César. Os Leigos e o Poder. Irmandades leigas e política colonizadora em Minas
Gerais . São Paulo: Ática, 1986. Pág. 42.
21
religiosas da Igreja de Roma, mas sim, como uma forma “típica” de
compromisso entre a Sé Romana e o Estado português 15.
De modo similar ao Padroado Régio Português, foi concedido à
Espanha o direito de “Patronato”, sendo a “aliança entre o trono e o altar” uma
das principais preocupações comuns dos monarcas ibéricos 16. Igualmente, as
duas Coroas foram autorizadas pelo papado a: erigir ou permitir a construção de
todas as catedrais, igrejas, mosteiros, conventos e ermidas dentro do domínio
dos respectivos padroados; apresentar à Santa Sé uma curta relação dos
candidatos mais convenientes para todos os arcebispados, bispados e abadias
coloniais e para as dignidades e funções eclesiá sticas menores aos respectivos
bispos; administrar jurisdições e receitas eclesiásticas e a rejeitar as bulas e
breves papais que não fossem primeiro aprovados pela chancelaria da coroa de
cada reinado 17.
Na Península Ibérica, a expansão do catolicismo esteve presente
desde os primórdios da conquista ultramarina, estimulada tanto por Roma,
quanto pelos reis, que através do padroado exerciam absoluto controle sobre as
Igrejas espanhola e portuguesa. No entanto, foram muitas as diferenças entre as
Américas espanhola e portuguesa no tocante à organização eclesiástica secular.
Na primeira, a Igreja acompanhou conjuntamente o avanço da conquista, devido
à forte presença da administração metropolitana, de modo que até 1565 já
haviam sido criados quatro arcebispados instalados em São Domingos, México,
Lima e Bogotá 18.
No Brasil, pelo contrário, o progresso da instituição eclesiástica
15 “O Padroado português pode ser definido amplamente como uma combinação de direitos privilégios e
deveres concedidos pelo Papado à Coroa de Portugal, como patrona das missões e instituições católicas romanas em vastas regiões da África, da Ásia e no Brasil”. BOXER, C. R. Op. cit. Pág. 257.
16 BOXER, C. R. A Igreja e a Expansão Ibérica (1440-1770). Lisboa: Edições 70, 1989. (Col. Lugar da História – 11). Pág. 98.
17 Idem. Pág. 100. 18 VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos Pecados. Moral, sexualidade e Inquisição no Brasil. 3a. impressão.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997. Pág. 26.
22
parece ter sido lento e arrastado. Toma -se como exemplo o fato de que, apenas
em 1551, o bispado da Bahia foi criado, ficando este por muito tempo como a
única diocese colonial, cabendo- lhe administrar todos os negócios eclesiásticos
na imensa colônia portuguesa. Somente em 1676 serão criadas as prelazias de
Pernambuco e do Rio de Janeiro, elevando-se o bispado da Bahia a
Arcebispado, ficando este como único durante todo o período colonial.
A concessão dos diversos direitos de padroado a Portugal
possibilitou que a Igreja Católica no Brasil, como em todas as colônias
ultramarinas, estivesse mais ligada ao Estado português do que à Cúria Romana.
Sendo assim, mediante às dificuldades de comunicação, Roma estava
incapacitada de exercer sua autoridade eclesiástica na Colônia. A colonização
do Brasil, atendendo às exigências de cunho espiritual da Coroa portuguesa,
visava à conversão dos índios, à expansão da Igreja e à difusão da fé verdadeira
entre aqueles que “viviam na escuridão”. Esse ideal, que está intrinsecamente
ligado à mentalidade dos primeiros colonizadores, pode ser entendido mediante
as palavras proferidas por D. João III (1521- 1557) a Tomé de Sousa, o primeiro
governador do Brasil: “o principal motivo que me levou a colonizar o Brasil é
converter os povos que lá vivem à nossa santa fé católica”19.
Para a Coroa portuguesa, a concessão feita pelas inúmeras bulas,
expedidas por Roma nos séculos XV e XVI, reforça e sustenta o seu direito de
conquista, então, indiscutivelmente, ligado ao direito de padroado. O rei de
Portugal, detentor de várias colônias ultramarinas, está autorizado a ser o
organizador da Igreja Católica no que diz respeito à conquista e à redução.
Segundo afirma Eduardo Hoornaert, “por onde chegam os portugueses eles
plantam o famoso ‘padrão’ que traz as armas reais e a cruz intrinsecamente
19 HOORNAERT, Eduardo. “A evangelização do Brasil durante a primeira época colonial”. In:
HOORNAERT, Eduardo (org.). História da Igreja no Brasil. Primeira Época. 4a. edição. Petrópolis: Vozes, 1992. Pág. 24.
23
ligadas entre si. Portugal goza dos favores da Cúria Romana em negócios de
além- mar”20.
Por ser o Brasil um desses “negócios de além-mar”, para a
organização da Igreja nas terras ultramarinas, ficaram sendo prerrogativas da
Coroa portuguesa: que nenhum clérigo partia de Portugal para o Brasil sem
autorização expressa do rei, tendo os missionários portugueses e estrangeiros
que reunirem-se em Lisboa antes da partida e utilizar exclusivamente comboios
portugueses; os bispos não podiam se corresponder diretamente com a Sé de
Roma e só eram autorizados a encontrarem-se com o papa por ocasião da visita
ad limina , que deveria ser feita pelo menos uma vez durante o mandato do
bispo. Mas, esta ficou sendo impraticável para quase todos os religiosos da
Colônia, devido à distância e aos custos de tal viagem. Podemos afirmar que,
durante os dois primeiros séculos do estabelecimento da Igreja no Brasil, não
houve comunicação desta com Roma.
Será, mediante a todos esses privilégios adquiridos pela Coroa
portuguesa, que no Brasil a Igreja Católica levantará os seus alicerces. Assim,
podemos afirma r que o verdadeiro chefe da Igreja no Brasil, sendo também
responsável pela catequização dos nativos, era o rei de Portugal. Este construiu
em torno de si, para os habitantes da colônia, a figura de um pai que protege e
resolve os problemas. Ele respondia pessoalmente a numerosas cartas, dando
um toque pessoal e paternal a toda correspondência colonial, mesmo para
resolver as situações mais corriqueiras.
Com o padroado, a estrutura da Igreja no Brasil colonial será
marcada por uma forte dependência, estando esta submetida, para o seu
sustento, a um duplo percurso financeiro. Da colônia para o Reino iam os
dízimos, tendo a Ordem de Cristo recebido o privilégio de cobrar a décima
parte de todos os bens móveis, licitamente adquiridos nas possessões do
20 Idem. Pág. 35
24
ultrama r. Do Reino para o Brasil voltavam as redízimas, as quais eram a
contribuição da Coroa para a construção dos templos, o sustento do culto e dos
religiosos.
Ela retornava, quase sempre, em forma de doações e “verbas”
precárias e provisórias, o que deixava o clero em péssima situação na colônia.
Para ilustrar esta afirmação, podemos citar Gabriel Soares de Sousa que, na
década de 1580, comentava o fato de que o bispo da Bahia, para acomodar o seu
Cabido, precisou despender de um grande espaço de sua casa21.
Como conseqüência direta do sustento do corpo eclesiástico pela
Coroa portuguesa, notamos que a criação, tanto de dioceses quanto de
paróquias, será extremamente escassa durante o período colonial. A diocese, ou
bispado, seria todo o território circunscrito pela Santa Sé que, neste caso, teria
passado esse direito ao Estado português, dentro do qual o bispo exerce a
jurisdição espiritual com todos os direitos e regalias nas funções litúrgicas. Já a
paróquia, tendo como área demarcada a freguesia, ficava mais próxima da
sociedade colonial com um pároco, ou vigário, encarregado de ministrar
corretamente os sacramentos e exercendo também um poder fiscalizador e
disciplinador da população. Uma nova paróquia podia ser criada por um bispo,
no entanto, este teria que ser responsável pelo sustento de seu clero, que deveria
ser instruído em seminário, sendo financiados pela Coroa portuguesa. Diante do
quadro apresentado, não é de se estranhar que, apesar de várias tentativas, só a
partir de 1739 foram criados seminários para o clero secular no Brasil.
Com as distâncias existentes entre as dioceses, consequência
direta de seu pequeno número, haverá uma significativa dificuldade no
cumprimento das obrigações apostólicas por bispos e clérigos. Algumas dessas
21 SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado Descritivo do Brasil em 1587. 4a edição. São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1971. Pág. 135.
25
obrigações, das quais se encarregavam o bispo, eram as visitas pastorais
estabelecidas pelo concílio de Trento 22.
Ao clero, durante todo o período colonial, será inerente a marca de
seu caráter de “funcionário” eclesiástico. Esta afirmação se baseia no fato de
que, ne sta época, por receber o religioso sua côngrua 23 do Estado português, o
sacerdócio era considerado como uma profissão. Seria um cargo de funcionário
público, responsável por cumprir as funções litúrgicas próprias do Catolicismo,
sendo esta a religião oficia l da sociedade colonial. Esta situação se prolongou
por todo o período em que o Brasil era uma Colônia e, também, durante o
Império, estando suas raízes no direito do padroado. Segundo Graça Salgado,
“além da integração político-religiosa, a Coroa [portuguesa] se beneficiou, e
muito da sua condição de administradora dos dízimos eclesiásticos, em muitas
regiões talvez a principal fonte da renda colonial”24. Os religiosos, sustentados
mediante a arrecadação dos dízimos pela fazenda real, eram “pagos” pela folha
eclesiástica, uma das três folhas de pagamento da administração colonial
portuguesa.
No Brasil, o trabalho da catequese e pastoral junto aos indígenas,
até meados do século XVIII, coube ao clero regular que após a chegada dos
jesuítas (1549), estabeleceu-se nos principais centros, incorporando-se às
expedições de exploração do interior e assumindo o papel de representante da
cultura cristã e da monarquia nas regiões de fronteira.
Estes clérigos eram vistos pela população da sociedade colonial
como os pr incipais ministradores dos sacramentos, considerados como “um
remédio para os perigos do cotidiano” e uma garantia de ingresso certo na vida
22 HOORNAERT, Eduardo. “A evangelização do Brasil durante a primeira época colonial”. Op. cit. Pág.
135. 23 “Gratificação pecuniária recebida do Poder Civil por eclesiásticos que eram colados (confirmados) em
seus cargos por esta mesma autoridade civil”. TRINDADE, José da Santíssima, Dom Frei. Visitas Pastorais de Dom Frei José da Santíssima Trindade (1821-1825) . Op. cit. Pág. 397 (Glossário de Termos)
24 SALGADO, Graça (org.). Op. cit. Pág. 115.
26
eterna após a morte. Sendo assim, franciscanos, carmelitas, beneditinos e
jesuítas passaram a acumular doações e propriedades que lhes permitiam agir
com uma certa independência da Coroa. Ao mesmo tempo, eles poupavam a
Coroa portuguesa dos gastos com a manutenção do culto e pagamento do clero,
levando as rendas dos dízimos, principal tributo sobre a produção, a serem
aplicadas em outros assuntos que não os da Igreja.
A dificuldade criada por este vínculo econômico existente entre
Igreja e Estado, estabelecido pelo padroado, quase obrigou que nas missões do
interior, onde a situação financeira dos religiosos era mais deficiente, o clero
regular construíssem fazendas para a criação de gado. Esta medida permitiu
uma certa independência financeira com relação à Coroa, no entanto, esta
iniciativa já se deu mediante o fato de que as ordens religiosas estavam um
pouco menos submetidas ao poder do Estado português.
Os seculares, não possuindo este tipo de patrimônio estável,
continuaram ainda mais dependentes de Portugal. Os jesuítas, por exemplo,
num determinado período, possuíram a fazenda Santa Cruz perto do Rio de
Janeir o, em cuja considerável extensão existia uma criação de 7.658 cabeças de
gado, 1.140 cavalos, e 700 escravos. Esta quantidade mão- de-obra aumentou até
o número de 1.205 em 1768. Apesar de inerente a qualquer trabalho manual,
esta necessidade de trabalho escravo nas fazendas dos religiosos destoa de suas
atribuições para a religião Católica.
Com essa atitude, os religiosos se igualaram aos grandes
proprietários, sendo muitos deles verdadeiros fazendeiros, por nomeação
canônica. No entanto, os escravos dos missionários gozavam de alguns
privilégios como: não podiam ser vendidos, recebiam uma instrução religiosa
mais cuidadosa e recebiam os sacramentos de acordo com as normas
estabelecidas pela Igreja Católica. Com essa atitude o clero regular atendeu aos
interesses da Coroa portuguesa, servindo essencialmente de reserva estratégica
27
de sacerdotes para administrar as missões e para a manutenção do culto, quase
que sem ônus para a folha do padroado.
A REFORMA CATÓLICA E O CONCÍLIO DE TRENTO
Um dos reflexos da incipiente e “frouxa” organização eclesiástica
no Brasil, durante o período colonial, foi o atraso com que se elaborou uma
legislação própria para a Igreja que atendesse às necessidades aqui existentes.
Apenas em 1707, o então arcebispo da Bahia, D. Sebast ião Monteiro da Vide,
promulgou as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, fruto de um
sínodo diocesano. A elaboração desta regulamentação, ou corpo de normas,
respondia a uma exigência feita pelo Concílio de Trento, fazendo parte de um
programa maior de evangelização em todos os domínios da vida social e
religiosa. O Livro I das Constituições, que se ocupava da definição da fé e do
dogma, para Thales de Azevedo, “(...) deriva direta e expressamente das
Sagradas Escrituras, da Patrística e do Concílio Tridentino (...)”25.
O Concílio de Trento estabelecia, como objetivo geral, a
reorganização da Igreja Católica diante das crises promovidas pelo avanço da
Reforma Protestante na Europa. Por ser uma das respostas da Reforma Católica,
tratou de temas como o Pecado Original e a Bíblia, reafirmou os sete
sacramentos e tratou da questão das indulgências e do purgatório. Foram
promulgados cânones, ou regras, para todos esses assuntos, tendo sido eles
aprovados pelo Papa.
Este Concílio foi o principal pilar sobre o qual se sustentou a
Reforma Católica, iniciada com o objetivo de renovar o clero, fortalecer as
associações de leigos, reformar as antigas ordens religiosas, depurar as dioceses
de práticas nocivas e, sobretudo, aprimorar a vida espiritual. Na Itália, no final
25 AZEVEDO, Thales de. Igreja e Estado em Tensão e Crise: a conquista espiritual e o padroado na
Bahia. São Paulo: Ática, 1978. Pág. 78.
28
do século XV, foram criadas diversas associações de leigos que procuravam
cuidar dos pobres e doentes. Na Europa, as ordens religiosas mais antigas, que
se compunham de franciscanos, beneditinos, dominicanos, carmelitas e
agostinianos, passaram por profundas reformas em seus regulamentos,
procurando-se restabelecer uma observância mais rigorosa da vida em comum
da pobreza, da clausura, do trabalho e da penitência.
A Igreja Católica, ao longo do século XVI, procurou remediar a
situação da qual estava imersa em seu cotidiano. A exteriorização da religião se
encontrava extremamente misturada às tradições locais, principalmente, na
administração do batismo e nas cerimônias de casamento e de funeral. Para isso
contribuía a falta de um clero paroquial mais preparado, estando o sacerdote
cada vez mais integrado à vida da comunidade. Para Vainfas a Reforma
Católica foi “a reforma de uma Igreja inquieta, sobretudo após o século XVI,
com a distância que a separava dos fiéis, para o que muito contribuíam o
despreparo, o absenteísmo e a ineficácia do clero, desde a alta hierarquia aos
curas paroquiais”26.
Em 1534, Alessandro Farnese tornou-se papa, assumindo o título
de Paulo III. Durante seus quinze anos de pontificado, considerou a reforma da
Igreja como uma necessidade premente e inadiável como uma forma de impedir
os avanços do protestantismo e revigorar a vida religiosa. Assim, mesmo
enfrentando enormes dificuldades, pois muitos se opunham a essas mudanças 27,
ele convocou um Concílio Geral que se reuniu em Trento e foi oficialmente
aberto em 13 de dezembro de 1545. Dele fizeram parte cinco cardeais, 31
bispos, número este que subiu para 176, e 48 teólogos, dentre os quais se
incluiu Abrogio Catarino e Domenico Soto, ambos dominicanos e
representantes de São Tomás de Aquino. Os cinco Superiores Gerais das
Congregações Religiosas e seus membros mais renomados, peritos em teologia
26 VAINFAS, Ronaldo. Op. cit. Pág. 20. 27 “Os reis da Espanha e da França não o apoiaram totalmente, assim como alguns cardeais”. THOMAS,
P. C. Os Concílios Gerais da Igreja . Aparecida, SP: Editora Santuário, 1999. Pág. 141.
29
e direito canônico, também fizeram parte dele. O Concilio de Trento foi dado
por concluído em 4 de dezembro de 1563.
Durante o tempo em que ficou reunido este Concílio assumiram o
poder da Sé de Roma quatro papas. O sucessor de Paulo III, Júlio III, esteve à
frente do cargo de 1550 à 1555 e, apesar de ter praticado o nepotismo e de
possuir uma mentalidade mundana, levou adiante a Reforma Católica. Marcelo
II, que o sucedeu, foi Papa por apenas 21 dias, morrendo logo após ter sido
eleito. Com quase 80 anos, o napolitano Gianpetro Caraffa foi eleito Papa de
1555 à 1559, com o título de Paulo IV. Devido ao seu caráter severo utilizou-se
da Inquisição para perseguir os hereges. Criou o Index librorum prohibitorum,
que formava uma lista de livros cuja leitura ficava sendo proibida aos católicos.
Com sua morte foi substituído por Carlos Borromeu, que quando eleito assumiu
o nome de Pio IV, ficando este no cargo de 1559 à 1565. Neste período o
Concílio de Trento foi concluído 28.
O Concílio de Trento determinou que a Tradição, ou ensinamentos
da Igreja ao longo da história, assim como a Bíblia possuíam igual autoridade.
Essa delimitação ia de encontro com as afirmações de Lutero e Calvino, pois
para estes a Bíblia era a única fonte da fé. Para eles, também, a fé era o único
caminho da salvação, diferentemente dos católicos, que consideravam que, além
da fé, são necessárias boas obras, devendo a graça divina e o esforço humano
operar conjuntamente.
Para a Igreja Católica, a Bíblia não podia mais ser interpretada
livremente, podendo isso conduzir a erros e cisões na Cristandade. O Concílio
manteve a crença no purgatório, a veneração das imagens, o celibato
eclesiástico, a necessidade do jejum, a indissolubilidade do matrimônio, a
suprema autoridade do papa, o latim como idioma litúrgico e a validade dos
sacramentos. Estas decisões rejeitavam o individualismo da religião protestante,
28 MOCELLIN, Renato. No Tempo das Reformas: aspectos da história do cristianismo. Curitiba: Nova
Didática, 2000. Pág. 45.
30
reafirmando a ne cessidade da mediação da Igreja na comunicação “entre a terra
e o céu”.
Em relação aos sacramentos, ou sinais da graça de Deus, a Igreja
Católica manteve a doutrina tradicional. Eram eles: o Batismo, ou sacramento
do nascimento espiritual; a confirmação ou crisma, quando o dom do Espírito
Santo é fortalecido; a Eucaristia, ou transubstanciação, na qual o pão e o vinho,
conservando suas aparências próprias, tornam-se substâncias do corpo e do
sangue de Cristo; a Reconciliação ou Penitência, exame de consciência e
confissão, cuja absolvição era dada pelo sacerdote; o Matrimônio; a Ordem,
sacramento por meio do qual alguns cristãos são elevados à dignidade de
ministros sagrados e a Extrema -Unção, ou Unção dos Enfermos 29. Jean
Delumeau, escrevendo sobre a importância histórica do sacramento da
Penitência, afirmou:
“Que o perdão divino, transmitido pelo padre, tenha reconfortado e
reanimado almas ricas de uma verdadeira sensibilidade religiosa não resta
dúvida. Elas se dirigiam ao confessor, para além de toda coerção legalista,
como a um “diretor de Consciência”, amigo e confidente em que viam um
guia seguro. É preciso evidentemente considerar como um grande
enriquecimento cultural e um profundo refinamento psicológico a prática que
se desenvolveu no século XVIII , sobretudo nas classes abastadas, de ter um
“diretor de consciência”a quem confiar os mais íntimos segredos e que
aceitava orientar os penitentes na difícil navegação rumo à salvação” 30.
No sacramento da Confissão, ou Penitência, o pecador, ou
penitente confessava os seus pecados a um padre, que representava Cristo e
tinha o poder de “absolver” os pecados que tivessem sido confessados com
sinceridade e arrependimento. A partir do século XII, a confissão passou a ser
considerada como um ato de humildade, sendo um reconhecimento que o cristão
fazia de seu estado de pecador. A confissão auricular, isto é, face a face com o
29 Idem. Pág. 48. 30 Citado em MOCELLIN, Renato. Op cit. Pág. 132.
31
sacerdote, era considerada então um ato completo de penitência: contrição,
confissão e satisfação. No entanto, este sacramento, após o Concílio de Trento,
sofreu algumas modificações, sendo a principal delas a instituição da “caixa das
confissões”, ou confessionário, que persiste até os dias atuais.
Este novo equipamento das igrejas paroquiais revela uma
crescente preocupação pela confidencialidade e intimidade espiritual, sendo o
confessionário um compartimento com duas seções, onde ficava o padre e o
penitente separados por uma grade, através da qual podiam falar sem se verem.
Apesar deste cuidado não são poucos os relatos de casos de crimes de
solicitação, nos quais o padre se aproveitava deste momento particular da
confissão para fazer propostas “pouco honestas” às penitentes. Segundo
Geraldo Pieroni, “se esse ‘indigno ato’ fosse provado o padre que o cometeu
seria então castigado segundo os breves apostólicos e de acordo com a
qualidade e as circunstâncias dos seus atos. As punições podiam variar desde a
suspensão dos direitos eclesiásticos até a condenação às galés para os
solicitantes relapsos, isto é para os reincidentes ”31.
A Confissão e a Comunhão deviam ser feitas ao menos uma vez
por ano, preferivelmente na época Pascoal. A Páscoa era entendida como um
dos grandes períodos do ano litúrgico, aquele em que melhor se expressava a
unidade de toda a paróquia em comunhão com Cristo em sua ressurreição.
Sendo vista em geral como uma obrigação um tanto quanto penosa para os fiéis,
a confissão era um momento no qual estes procuravam desincumbir-se da
melhor maneira. Dentro do confessionário, a sós com o penitente, o padre o
inquiria de forma a obrigá - lo a examinar sua consciência, lembrando- lhe da
extensão de suas faltas e os castigos que merecia, e impondo-lhe uma penitência
adequada antes de pronunciar a fórmula de sua absolvição.
31 PIERONI, Geraldo. Os Excluídos do Reino: a inquisição portuguesa e o degredo para o Brasil colônia.
Brasília: Universidade de Brasília, 2000; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2000. Pág. 152
32
Dentro da Reforma Católica a principal mudança estava
sedimentada na distinção do caráter do sacerdote. Para Pierre Chaunu
“assegurar o ofício coletivo e velar pelos ritos de passagem, visitar os doentes,
prepará-los para a morte, aconselhar e conduzir, em todos os domínios, a
comunidade, eis a missão que é, sem cessar, proposta ao clero paroquial, com
o passar dos séculos”32. A Igreja que surgiu da Reforma elevou a representação
da figura do clérigo, colocando- o em um nível diferenciado da população em
geral. Esta distinção entre sacerdotes e leigos foi determinada pela concessão de
certos privilégios sacerdotais, sendo um deles o da superioridade de sua
formação.
Um dos cânones estabelecidos pelo Concílio de Trento foi,
justamente, o da obrigação dos bispos de construírem faculdades, ou colégios,
onde os jovens pudessem viver reclusos, recebendo um treinamento religioso na
expectativa da vida clerical. Os padres do Concílio eram da opinião de que o
bom sacerdote seria aquele que, desde a mais tenra juventude, fosse instruído
conforme os hábitos de oração e religião, antes que os vícios de adulto
pudessem enraizar-se33. Sendo assim, em toda a Europa, foram criados
seminários, ou sementeiras, visando dar aos futuros sacerdotes uma rígida
formação intelectual, especialmente em Teologia, História da Igreja, Latim e na
arte da pregação.
No entanto, ao mesmo tempo que se elevava o posicionamento da
figura do sacerdote dentro da comunidade, a Igreja Católica como o
Protestantismo, procurou um meio de aproximar-se dos fiéis. Para isso, ele
passaram a promover uma maior participação dos leigos nos ritos da Igreja. A
forma protestante de se conseguir isso era questionando a exclusividade do
sacerdócio. Porém, para os católicos, parte da resposta estava em tornar os
32 CHAUNU, Pierre. O Tempo das Reformas (1250-1550). I. A Crise da Cristandade. Lisboa: Edições 70,
1993. Pág. 131. 33 THOMAS, P. C. Op. cit. Pág. 145.
33
sacramentos mais visíveis e acessíveis, e em incentivar os leigos a participar
deles.
Nesta nova era da história da Igreja, o sacerdote foi diferenciado
pela sua preparação profissional e pelo desempenho de seus deveres, tendo sido
estes tomados como missão. Para M. Mullett “a Igreja da Contra -Reforma
pretendia, efetivamente, formar um corpo de sacerdotes de elite altamente
disciplinados e preparados, que trabalhasse para o bem-estar moral, espiritual
e temporal dos leigos”34.
A importância do clero, dentro da Igreja Tridentina, se ressaltava
em dois aspectos. Um dele s era a compreensão do sacerdote como um
representante direto do Papa, diferente do leigo na sua formação, no modo de se
trajar e, principalmente, no comportamento. O outro aspecto a ser destacado,
seria o de que o sacerdote era a pessoa mais habilitada para fazer a intercessão
entre Deus e os fiéis.
Os clérigos não deviam apenas ser melhores que os leigos, eles
tinham que ser diferentes daqueles que os rodeavam. Esta diferença,
estabelecida desde o século XVI, foi marcada por uma valorização da
necessida de de um traje clerical que os distinguisse. Fora a aparência, o padre
deveria também se diferenciar dos fiéis por seu comportamento, devendo este
ser grave, reservado, acessível, mas não afáveis. Eles deveriam levar uma vida
celibatária e manter-se à distância de tabernas e botequins. Todas essas
mudanças eram necessárias neste período, pois a situação do clero, como
explica Vainfas, “era particularmente dramática ao iniciar-se o século XVI, a
começar pela freqüente ausência de vocação sacerdotal e qualificação
profissional dos curas paroquiais”35.
34 MULLETT, Michel. A Contra Reforma e a Reforma Católica nos Princípios da Idade Moderna
Européia. Lisboa: Gradiva, 1985. Pág. 27. 35 VAINFAS, Ronaldo. Op. cit. Pág. 21.
34
A partir do século XVII, houve uma preocupação cada vez maior
em atingir os fiéis durante a celebração da missa. Eles, anteriormente, eram, em
sua maioria, meros expectadores passivos, que em muitos casos nem via m o que
acontecia no altar, ou porque estavam numa capela lateral, ou porque o púlpito
lhes barrava a visão.
Como uma tentativa de remediar esta situação, o púlpito foi
transferido, em algumas igrejas, para o centro desta; o altar se tornou mais
próximo do público, os pregadores começaram a se esmerar na apresentação de
seus sermões, muitas vezes utilizando-se de expedientes teatrais. Tudo se
fazendo para envolver cada vez mais os leigos na vida da Igreja. Essas
transformações denotam, para François Lebrun, um “desejo de tornar o culto
mais vivo e mais comunitário, aproximar o altar, [usar do] teatro do sacrifício
da missa, da assembléia dos fiéis, suprimir a barreira do púlpito, agora
considerado intolerável. Imitando São Pedro de Roma, as igreja tornam-se ‘à
romana’”36.
O posicionamento da Igreja Católica em Portugal e no seu império
ultramarino, estando já fortalecido em 1550, foi ainda mais reforçado pela
Reforma Católica, a qual Portugal rapidamente aderiu. Um reflexo dessa
aceitação dos ditames do Concílio de Trento foi a rápida promulgação de novas
Constituições para os diversos bispados portugueses 37. Segundo Joaquim
Serrão, essas Constituições
“(..)eram textos fundamentais para regular a vida das dioceses, sendo
promulgadas pelos bispos com a assis tência dos respectivos cabidos, ou
marcadamente extra-sinodais quando a sua promulgação partia apenas do
prelado. Tratava-se da lei orgânica por que se regiam os sacerdotes e os fiéis
36 LEBRUN, François. “As Reformas: devoções comunitárias e piedade pessoal”. In: ARIÈS, Philippe; e
CHARTIER, Roger (org.). História da Vida Privada. Da Renascença ao Século das Luzes – 3. 1a. reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. Pág 75.
37 Por ordem cronológica, as de Viseu (1527 e 1556), Braga (1534 e 1538), Évora (1534 e 1565), Lisboa (1536), Algarve (1540), Porto (1541), Miranda (1562 e 1565), Lamego (1563) e Angra (1560). SERRÃO, Joaquim Veríssimo. História de Portugal, vol. III . Op. cit. Pág. 245.
35
em matéria espiritual, regulando os actos do culto, os dias de guarda, a
administração dos sacramentos, a vida quotidiana do cristão, as penas contra
pecados e supertições e outras normas da vida religiosa e social do tempo” 38.
Em Portugal o sentimento religioso impregnava a todos, tendo as
pestes e as calamidades aproximado ainda mais os fiéis da Igreja. As propostas
da Reforma Católica que lá foram adotadas não visavam ao combate das novas
religiões, mas sim procuravam renovar e remodelar as práticas exteriores já
existentes. Para Caio Boschi, “a Igreja em Portugal implementaria sua ação
dentro de uma política contra-reformista, utilizando como instrumentos básicos
a Companhia de Jesus e a Inquisição, ali instaladas desde 1540 e 1532,
respectivamente ”39.
No Concílio de Trento a presença da Igreja portuguesa foi mínima,
mas de destacada atuação, sendo representada sobretudo pelos padres da Ordem
de São Domingos. Este Concílio, dentro de suas determinações, privilegiou,
como já afirmamos, a reorganização hierárquica, a formação do clero e a
criação dos seminários. Ele também apresentou algumas razões para se criarem
novas paróquias, sendo uma delas a de que a distância entre os núcleos de
povoamento e o centro paroquial dificultava a recepção e participação do povo
nos sacramentos e nos cultos divinos. Em Portugal, estando a Igre ja Católica,
após o Concílio Tridentino, mais revigorada em relação à formação intelectual
do clero, já em 1572, começaram a funcionar seminários em Braga, Viseu,
Miranda, Coimbra, Guarda, Portalegre, Funchal e Goa 40.
Dentre os cânones estabelecidos pelo Concílio de Trento, não
havia nenhum que tratasse especificamente da expansão católica no ultramar.
Para Vainfas “eram outras as prioridades, outros os objetivos a alcançar:
38 Idem. Págs. 245-246. 39 BOSCHI, Caio César. Op cit. Pág. 36. 40 ALMEIDA, Marcos Antônio. “A paróquia no Portugal medieval: um esboço histórico do século XII ao
século XVI”. In: TORRES-LONDOÑO, Fernando (org.). Paróquia e Comunidade no Brasil. Perspectiva histórica. São Paulo: Paulus, 1997. Pág. 35
36
defesa dos sacramentos e do direito canônico em face dos ataques protestantes
e modificação da disciplina e da qualidade do corpo eclesiástico, a fim de
capacitá -lo ao exercício da nova pastoral”41. Essa situação só se modificou um
pouco a partir do século XVII, com a criação da Sagrada Congregação da
Propaganda da Fé, fundada em Roma em 1622. Essa instituição procurou
supervisionar, orientar e financiar a obra missionária nas colônias ultramarinas.
No Brasil, a expansão do catolicismo idealizada pela Reforma
Católica, foi de responsabilidade não de Roma, mas sim do rei de Portugal,
sendo este detentor do Padroado Régio. A Igreja colonial, em seus dois
primeiros séculos, teve muito mais destacado o seu caráter de ação missionária,
estando esta sob o controle da Companhia de Jesus. No tocante à organização
eclesiástica secular, o Brasil teve um grande atraso em relação à América
espanhola, tendo sido lenta e arrastada mesmo no litoral.
Um exemplo desta afirmação é o fato de que o bispado da Bahia,
criado em 1551, foi durante muito tempo a única Sé colonial, ficando
responsável por administrar todos os “negócios” eclesiásticos na Colônia.
Apenas em 1676, foram elevadas dioceses no Rio de Janeiro e em Pernambuco,
tendo sido neste momento o bispado da Bahia elevado à arcebispado. Somente
no início do século XVIII, foram promulgadas as Constituições do Arcebispado
da Bahia. Constituições estas que eram uma das exigências do Concílio de
Trento, estando adaptas à realidade colonial com as normas estabelecidas no
Sínodo de 1707, organizado por D. Sebastião Monteiro da Vide, o então
arcebispo da Bahia.
Dentre as resoluções do Concílio de Trento, havia sido determinado que
era de responsabilidade das autoridades episcopais a adaptação deste vasto projeto
reformador às condições de cada localidade. Para que isso ocorresse, deveriam ser
realizados sínodos diocesanos nos bispados, ou arcebispados, ou mesmo convocados
41 VAINFAS, Ronaldo. Op cit. Pág. 25.
37
concílios provinciais, em que se reuniriam bispos de dioceses próximas, dos quais
resultariam a elaboração de Constituições. Em grau comparativo, para Eduardo
Hoornaert, “a importância dos sínodos era ao mesmo tempo maior e menor que a dos
concílios. Menor porque geralmente se destinavam à aplicação da legislação decidida
ao nível provincial correspondente. Maior porque tomavam decisões que se aplicavam
a uma área específica, e porque deles participavam uma parcela expressiva do clero
responsável pela implementação das decisões.”42
A primeira tentativa de elaboração de Constituições episcopais próprias
para o Brasil remonta à 1605, quando D. Constantino Barradas, quarto Bispo da Bahia,
comandou a elaboração de um corpo de normas eclesiásticas que não chegaram a ser
impressas. No Brasil, esse destaque para a elaboração de Constituições próprias pode
ser devidamente compreendida, pois
“Tendo o Ilustríssimo Senhor D. Sebastião Monteiro da Vide, Arcebispo da Bahia, do
Conselho de Sua Majestade, tomado pessoalmente posse em 22 de maio de 1702 do seu
Arcebispado, e informado de que nele se experimentavam muitos, e graves abusos, e
falta na administração da Justiça, e no governo espiritual das almas, achou que a total
causa era não haver Constituições próprias neste Arcebispado, pelas quais, como por
leis certas, e infalíveis julgassem os Ministros, e se governasse os Párocos, e mais
súditos deste Arcebispado.”43
Sendo assim, durante quase dois séculos, os representantes da Igreja na
Colônia viram-se obrigados a se orientarem pelas normas existentes nas Constituições
do Arcebispado de Lisboa, já em conformidade com as resoluções tridentinas,
“adequando suas disposições as peculiaridades da situação colonial através de
decisões práticas e informais”.44
42 HOORNAERT, Eduardo. “A Igreja na América espanhola colonial”. In: BETHEL, Leslie (org.).
História da América Latina. A América Latina Colonial I, vol. 1. São Paulo: Universidade de São Paulo; Brasília: Fundação Alexandre Gusmão, 1998. Pág. 527.
43 CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA – Feitas e ordenadas pelo Ilustríssimo e Reverendíssimo Senhor D. Sebastião Monteiro da Vide em 12 de Junho de 1707 . São Paulo: Typographia 2 de Dezembro, 1853. Relação da Procissão e Sessões do Sínodo Diocesano. Pág. 511.
44 VAINFAS, Ronaldo (org.). Dicionário do Brasil Colonial (1500-1808) . São Paulo: Objetiva, 2000. Pág. 145.
38
A não existência de um corpo de normas eclesiásticas condizentes às
especificidades coloniais e a geral presença de bispos e de padres provenientes de
diferentes dioceses portuguesas, fizeram com que as pa róquias na prática fossem regidas
por diferentes interpretações das normas lusitanas, o que explica a falta de uniformidade
da Igreja brasileira colonial. Na falta de uma ligação direta com Roma, as dioceses
coloniais eram unificadas pelo Padroado português, ficando sob a vigilância da
Inquisição. Para Torres-Londoño, “inimiga das adaptações coloniais, a Inquisição fez o
possível para barrar os sínodos coloniais, que em sua opinião poderiam abrir brechas
para as práticas heréticas”45. Como finalidade, um sínodo definiria as normas ou
Constituições para conciliar as reformas estabelecidas pelo Concílio de Trento e as
práticas católicas existentes no meio colonial. Essas Constituições deveriam ser
encabeçadas e administradas pelo clero.
Foi a partir de toda essa problemática que D. Sebastião Monteiro da
Vide, quinto Arcebispo da Bahia, decidiu “celebrar [um] Concílio Provincial, o qual
nunca nesta América se havia celebrado”46. No entanto, tendo marcado para o dia 12 de
junho o início da celebração dele, o Concílio não pode ser realizado pois estando as
dioceses de Pernambuco e São Tomé desprovidas de bispos que as representasse, e não
tendo o bispo do Rio de Janeiro conseguido chegar a tempo, o Arcebispo contou apenas,
naquele momento, com a presença do bispo do Reino de Angola, D. Luiz Simões
Brandão. Para não perder a oportunidade, pois havia convocado em tempo hábil párocos
de todo o Arcebispado, juntamente com todo o Cabido da Sé de Salvador, ele
determinou então a celebração de um Sínodo Diocesano. Nele foram elaboradas “as
Constituições, de que tanta necessidade havia para destruir os abusos, que cada dia se
experimentavam, reformar os costumes dos clérigos, e mais súditos, compor
controvérsias, e evitar as ocasiões de ofensas de Deus nosso Senhor”47.
45 TORRES-LONDOÑO, Fernando. A Outra Família: concubinato, igreja e escândalo na Colônia . São
Paulo: Edições Loyola, 1999. Pág. 117. 46 CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA - 1707. Op. cit., Relação da
Procissão e Sessões do Sínodo Diocesano. Pág. 512. 47 Idem. Pág. 512.
39
As principais fontes usadas para a elaboração deste conjunto de normas
foram as determinações dos concílios do século XVI, ou seja, o V Concílio de Latrão
(1512) e o Concílio de Trento (1545). Esse concílios marcaram os limites entre as
verdades indiscutíveis da fé e os erros heréticos, numa tentativa de firmar a Igreja
Católica entre os poderes civis por meio da autoridade papal e do poder dos bispos. As
prerrogativas principais determinadas pelo Concílio tridentino e seguidos pelas
Constituições foram: a reforma do clero mediante a construção de seminários, o reforço
dos sacramentos como espaço privilegiado da fé, a autoridade plena dos bispos, a
paróquia como célula básica da Igreja e a visita pastoral como instrumento corretivo de
abusos48.
O Sínodo, realizado entre 12 de junho e 21 de julho de 1707, rendeu
como fruto as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Sendo formadas por
cinco livros, manteve -se vigente por mais de 150 anos, chegando a ser incluídas em
grandes coleções conciliares. Em sua elaboração tomaram parte grande número de altas
personalidades da Igreja no Brasil, tanto do clero secular quanto do regular49. Dentre
estes, foram eleitos como Examinadores Sinodais o Padre Francisco de Mattos, da
Companhia de Jesus; o Padre Domingos Ramos, também da Companhia de Jesus; o
Padre Doutor Frei Roberto de Jesus, Monge de S. Bento; o Padre Doutor Frei Manuel
da Madre de Deus, religioso do Carmo; o Padre Doutor Frei João da Trindade, também
religioso carmelita; Padre Frei Agostinho da Assumpção, religioso de S. Francisco e o
Padre Frei José de Santo Antão, religioso de Santa Tereza.50
Desta assembléia eclesiástica também fizeram parte, representado
Pernambuco, dois “ilustres sacerdotes”, o Dr. Nicolau Pais Sarmento, como um dos
juízes, e Fr. Roberto de Jesus, monge beneditino e doutor em teologia, como um dos
examinadores51.
48 THOMAS, P. C. Op. cit. Págs. 133-147. 49 LACOMBE, Américo J. Op. cit. Pág. 61. 50 CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA - 1707. Op. cit. Relação da
Procissão e Sessões do Sínodo Diocesano. Pág. 522. 51 COSTA, F. A. Pereira da. Anais Pernambucanos, vol. 5 (1701-1739). Prefácio de José Antônio
Gonsalves de Melle. 2a edição. Recife: FUNDARPE, Diretoria de Assuntos Culturais, 1984. Pág. 112.
40
O primeiro dos cinco livros que compõem as Constituições trata dos
aspectos dogmáticos da Igreja Católica, do ensinamento de sua doutrina e de seus
sacramentos, destacando as conside rações especiais quanto ao batismo, penitência e
matrimônio dos escravos. O segundo livro é dedicado às práticas litúrgicas e religiosas,
como a missa, as esmolas, a obrigação dos fiéis de guardarem os domingos e dias
santos, o jejum e os dízimos. O terceiro refere-se às atitudes e às obrigações dos
clérigos, a definição exemplar de seu comportamento, a regulamentação das
indulgências, as obrigações dos cônegos, capelães, sacristãos, ermitães, tesoureiros,
juízes e procuradores e, ainda, a especificação das normas no trato com desobedientes e
excomungados e a catequização dos escravos. O quarto livro especifica as questões
jurídicas referentes às imunidades e privilégios eclesiásticos, as divergências entre as
alçadas secular e religiosa, a edificação das igrejas, capelas e mosteiros, o cuidado com
os testamentos, últimas vontades, sepultamento e exéquias. Conclui-se com o quinto
livro que aborda as questões criminais da justiça eclesiástica quanto aos pecados de
heresia, blasfêmia, feitiçaria, simonia, sacrilégio, falsidade, usura, homicídio e aos
chamados “crimes da carne” tais como sodomia, molície, adultério, incesto, estupro e
concubinato.
O conjunto de regulamentos formado pelas Constituições Primeiras
tornou-se uma obra necessária. Cada paróquia deveria possuir um exemplar, sendo
indispensável para que o pároco soubesse ensinar a doutrina cristã, e preencher
exatamente seus deveres paroquiais. Além disso, as Constituições eram importantes
para todo o sacerdote que desejava mostrar-se digno do seu estado. Seu uso abrangia-se
também aos advogados, para que pudessem tratar das diversas questões eclesiásticas e,
finalmente, eram úteis a todo pai de família para que soubesse se conduzir, como
católico, governar e dirigir seus familiares.
A esse respeito, nas Constituições, encontram-se títulos específicos, tais
como: “Que pessoas serão obrigadas a ter estas Constituições?” e “Das Constituições
que os párocos devem ler a seus fregueses”.52
52 CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBI SPADO DA BAHIA – 1707. Op. cit. Livro Quinto, títs.
LXXIII e LVXXIV.
41
A “santificação” não só do clero, mas também dos fiéis, deveria fazer-se
pelo cumprimento das normas estabelecidas pelas Constituições. A situação do clero no
Brasil colonial era de uma total ausência de recato, o que muito abalava a instituição
eclesiástica. Nem padres, nem freiras davam-se ao trabalho de aparentar a auster idade e
a contenção pudica que seu estado requeria. Não eram raros os casos de
homossexualismo e excesso no trajar-se, de corrupção, de sedução de mulheres, além do
mais frequente dos delitos em que se envolviam os padres: o concubinato53.
Em relação aos sacerdotes, além dos pecados da carne, houve nas
Constituições o cuidado de reprimir também todos os outros possíveis excessos, visto
que há vários títulos dedicados a outros desvios de comportamento. Para ilustrar esta
afirmativa, podemos destacar o título I do Livro Terceiro: “Da obrigação que têm os
clérigos de viver virtuosa e exemplarmente”54. Várias são as páginas especificando
proibições: o padre não podia andar à noite, nem comer nem beber em tavernas; não
podia entrar em teatros ou locais de dança; não participaria de festas carnavalescas ou
em que tivesse de usar máscaras, observaria a perfeita castidade; não tomaria parte em
jogos e não estava autorizado para exercer a medicina ou cirurgia.
INSTRUMENTOS DE CONTROLE DO ESTADO PORTUGUÊS
A quase total55 desvinculação do poder eclesiástico de Roma da
organização do aparelho religioso no Brasil ocorreu mediante a concessão do
padroado régio a Portugal. Normalmente, a estrutura da Igreja Católica tinha
53 ARAÚJO, Emanuel. O Teatro dos Vícios. Transgressão e transigência na sociedade urbana colonial.
2a. edição. Rio de Janeiro: José Olympio, 1997. Pág.. 246. 54 CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA - 1707. Op. Cit. Livro Terceiro,
tít. I. 55 “Ao papa restava apenas confirmar as nomeações dos cargos e funções eclesiásticas propostas pelo rei
de Portugal para as colônias ultramarinas”. AZZI, Riolando. “A instituição eclesiástica durante a primeira época colonial”. In: HOORNAERT, Eduardo (org.). História da Igreja no Brasil, Primeira Época. Petrópolis: Vozes, 1992. Pág. 170.
42
como eixo organizador a hierarquia clerical, forma da pelo papa, bispo e padre,
e que concentrava todo o poder de decisão no papa e na Cúria Romana. No
entanto, no Brasil e nas outras colônias portuguesas, o regime do padroado em
vigor até a proclamação da República, operou uma certa descentralização no
aparelho eclesiástico católico. Os reis de Portugal conquistaram, através da
concessão de várias bulas pontifícias, o direito de se interporem entre a
jurisdição papal e a jurisdição episcopal no governo do aparelho eclesiástico da
colônia.
Ficava a cargo da Coroa portuguesa a decisão sobre a criação de
dioceses e paróquias, a instalação de ordens religiosas e fundação de conventos,
a nomeação para os postos eclesiásticos e, até mesmo, a aprovação de
documentos eclesiásticos. O rei não exercia um poder relig ioso, sendo um leigo
como qualquer outro, mas sim um poder de governo sobre a Igreja existente em
seus domínios. Esse poder de governo tornava o aparelho eclesiástico um
aparelho de Estado, sendo seus agentes submetidos à autoridade do rei.
Durante o período colonial, o direito ao governo eclesiástico era
exercido por meio de um departamento burocrático do Estado português: a
Mesa da Consciência e Ordens. Mas, em determinados momentos, o Conselho
Ultramarino abarcava entre suas disposições os assuntos rela tivos à
administração da Igreja Católica nas colônias portuguesas.
• Mesa da Consciência e Ordens
Esse organismo judicial foi criado em 1532 inicialmente com o
nome de Mesa da Consciência, para cuidar dos casos da consciência do rei,
auxiliando o monarca português na resolução seja nas questões que não
competiam aos dois departamentos de justiça de Portugal, às casas do Cível e
da Suplicação, seja nos processos da Fazenda. Após a concessão feita pelo
43
papa, em 155156, da administração perpétua dos mestrados das três ordens
militares (de Cristo, Santiago da Espada e São Bento de Avis) a D. João III e
seus sucessores, os assuntos referentes a essas instituições passaram a ser
julgados em primeira e última instâncias por essa entidade, que a partir de então
foi denominada de Mesa da Consciência e Ordens 57.
Esse departamento regeu-se inicialmente por um diploma de 1558.
Posteriormente, um novo regimento, de 23 de agosto de 1608, foi elaborado por
ordem de Felipe II de Espanha e posto em vigor por seu filho, Felipe II de
Portugal. Esse regimento, segundo afirma Guilherme Pereira das Neves,
“estabelecia para o tribunal (eclesiástico) um presidente, ‘de tal prudência,
letras e autoridade e qualidade, que bem o possa reger e governar’; cinco
deputados, ‘teólogos e juristas que serão parte eclesiásticos e parte
cavaleiros professos’; um escrivão da câmara e três escrivãs, da câmara para
cada uma das três ordens militares, ‘e não andarão nunca dois ofícios destes
em uma pessoa’. Para todos, com exceção do primeiro, determinava
informação de limpeza de geração e costumes, incluindo as esposas, quando
fosse o caso. Aos deputados, exigia-se pelo menos a licenciatura ‘por exame
da Universidade de Coimbra’ e comprovação de ‘terem cursado doze anos’
(...).” 58
A Mesa estava localizada dentro do Paço Real, onde o presidente e os
deputados reuniam-se todos os dias de manhã, excetuando-se os domingos e dias santos,
e também reuniam-se às tardes, quando os negócios assim o exigiam. O expediente
iniciava-se, estando presente pelo menos três deputados, às oito horas, de outubro a
março e, às sete, de abril a setembro.
56 Assunto já tratado neste capítulo. 57 SILVA, Maria Beatriz Nizza da (org.). Dicionário da História da Colonização Portuguesa no Brasil.
Lisboa: Verbo, 1994. Pág. 539 e SALGADO, Graça (org.). Op. cit. Pág. 39. 58 NEVES, Guilherme Pereira das. E Receberá Mercê: a Mesa da Consciência e Ordens e o clero secular
no Brasil (1808-1828). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1997. Pág. 44.
44
Entre suas atribuições definidas pelo regimento de 1608, constava, além
da administração das três ordens militares, o cuidado com as “coisas espirituais” e a
assistência necessária para o fortalecimento e crescimento do culto divino. Com essa
finalidade, a Mesa examinava, em relação às colônias ultramarinas, as indicações de
sacerdotes para as paróquias e os cabidos das catedrais, para submetê-las à aprovação
do rei. Também era responsável por atender às solicitações dos bispos para a criação de
uma nova freguesia e às queixas dos fiéis a respeito de um pároco relapso.
Contudo, além dessas, a Mesa da Consciência e Ordens foi acumulando
outras responsabilidades, sendo algumas delas: o resgate dos cativos das mãos dos
infiéis; a administração dos bens daqueles que morriam fora do reino (mais conhecida
como Provedoria dos Defuntos e Ausentes); o governo de diversas instituições, tais
como, a Casa das Órfãs e Meninos Órfãos de Lisboa, as capelas reais, vários hospitais e
Universidade de Coimbra; além de inúmeras outras atividades.
No Brasil, os processos da Mesa da Consciência, em geral, tinham início
com a súplica ou de um indivíduo, eclesiástico ou leigo, ou de um grupo, sendo este um
cabido, uma irmandade ou uma Câmara. Às vezes, esses processos poderiam ser
determinados por um decreto real, ou pelo ofício de alguma outra repartição, como
avisos ou portarias. Eles poderiam ter início na própria Mesa, embora isso acontecesse
muito raramente.
Conforme seu teor, o requerimento era então, quase sempre, examinado
pelo procurador geral das Ordens e, quando envolvia gastos financeiros ou se tratasse de
prerrogativas do padroado régio, pelos procuradores da Coroa e Fazenda, que emitiam
seus pareceres. Se necessário, solicitavam-se informações adicionais a outras
autoridades, como aos bispos e cabidos, o que ocorria com bastante frequência, aos
capitães gerais ou governadores, capitães-mores, provedores de defuntos e ausentes e,
até mesmo, aos próprios párocos. Tendo-se inteirado de todas essas opiniões, a Mesa
emitia o seu parecer, sob a forma de uma consulta ao soberano, que após aprecia-la
tomava sua resolução.
45
O âmbito de atuação da Mesa da Consciência e Ordens no Brasil,
compreendia o arcebispado da Bahia (1551/1676), os bispados de Olinda (1676), Rio de
Janeiro (1676), São Luís (1677), Belém (1720), Mariana e São Paulo, as prelazias de
Goiás e Mato Grosso (1745) e, até o retorno de D. João VI a Lisboa em 1821, os
bispados de Funchal (Madeira), Angra (Açores), São Tomé, Cabo Verde, Angola e
Moçambique. Sendo o equivalente ao Conselho Ultramarino no que toca à
administração espiritual, a Mesa avaliava e propunha à decisão régia todos os
candidatos para os benefícios eclesiásticos. Esses cargos, que eram mantidos pela Coroa
portuguesa com os recursos advindos da cobrança dos dízimos, poderiam tanto ser de
vigários colados, como das dignidades existentes nos cabidos. No Dicionário da
Colonização Portuguesa no Brasil, Guilherme P. das Neves afirma que, além desta
função,
“(a Mesa) examinava as súplicas de leigos e clérigos sobre a situação do culto, o que
englobava os pedidos de criação de novas freguesias, a ereção de capelas e ermidas
filiadas, a falta de condições materiais para o exercício das obrigações religiosas, as
questões relativas às irmandades, os conflitos entre a população e os representantes
da Igreja e os destes entre si.” 59
No entanto, as ordens religiosas regulares, cuja atuação foi de
indiscutível importância para o Brasil colonial, não faziam parte do espaço de
competência da Mesa. 60
A atribuição de maior importância para a Mesa da Consciência eram os
provimentos dos benefícios para a colônia, seja de párocos, ou de cônegos. Essa
deliberação acabava tornando-se uma operação complicada, uma vez que, com as
distâncias, a comunicação deficiente e as formalidades existentes, as demoras tornavam-
se consideráveis e multiplicavam-se os enganos, como por exemplo, a destinação de
candidatos para lugares que já não se encontravam vagos, o provimento de um
59 SILVA, Maria Beatriz Nizza da (org.). Dicionário da História da Colonização Portuguesa no Brasil .
Op. cit. Pág. 539. 60 VAINFAS, Ronaldo (org.). Dicionário do Brasil Colonial (1500-1808) . São Paulo: Objetiva, 2000.
Pág. 394.
46
sacerdote de um benefício que já estivesse provido anteriormente, ou de algum outro
para o qual não tinha sido ele o indicado.
Cabia também à Mesa, em virtude da incorporação do Grão-Mestrado da
Ordem de Cristo à Coroa portuguesa, as providências necessárias à manutenção do
culto. Sendo assim, ela devia decidir sobre a criação de novas freguesias, o que envolvia
uma série de questões. Primeiramente, essa criação era concretizada por um
desmembramento de uma ou mais paróquias já existentes, contra o qual, em geral,
protestavam os párocos destas, receosos de que com isso houvesse uma diminuição de
seus rendimentos. Em segundo lugar, a partir do Concílio de Trento, a Igreja Católica
procurou incentivar seus bispos a multiplicarem suas paróquias, que seriam providas
com sacerdotes colados, a fim de assegurar uma cristianização mais extensa e profunda
de seu “rebanho”.
Tomando como exemplo para esse processo de criação de novas
freguesias, apresentamos uma carta régia de 16 de março de 1719, em que o rei de
Portugal, D. João V (1706-1750), pede ao Governador da Capitania de Pernambuco,
Manuel de Sousa Tavares e Távora, que emita um parecer sobre o requerimento feito à
Coroa nos seguintes termos:
“Governador da Capitania de Pernambuco. Eu El Rei como Governador e Perpétuo
administrador que sou do Mestrado, Cavalaria e Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo
vos envio muito saudar. Faço saber que no meu Tribunal da Mesa da Consciência e
Ordens me representaram por sua petição os moradores de Nossa Senhora do Desterro,
ribeira do Capibaribe dessa Capitania, as continuas faltas do pasto espiritual que
experimentam no dito lugar por ficar distante da freguesia, e assim era preciso erigir-
se nele um Curato61. Sobre o que hei por bem, e vos mando informeis com vosso
parecer do conteúdo na referida petição. (...)”
Na petição acima citada, os moradores afirmam
61 “Residência de um cura; povoação pastoreada por um cura”. TRINDADE, José da Santíssima, Dom
Frei. Op. cit. Pág. 397 (Glossário de Termos).
47
“(..) que pelas continuas faltas do pasto espiritual que experimentam naquele lugar por
distas (sic) das três freguesias, que segundo sua repartição tem parte nele, como seja
da freguesia de São Lourenço seis léguas da freguesia de Nossa Senhora da Luz sete
léguas, e da freguesia de Santo Antonio de Tracunhaem quatro léguas, sempre
clamaram aos reverendos bispos lhes fizesse naquele lugar um curato, por verem os
muitos que no bispado se tem feito a Sé (...)”62
Com o estabelecimento da corte portuguesa no Rio de Janeiro em 1808,
foi criado no Brasil, por um alvará de 22 de abril, o Tribunal da Mesa do Desembargo
do Paço e da Consciência e Ordens, que absorveu parte dos encargos do Tribunal do
Reino. Nesse mesmo período, os poderes que a Mesa havia acumulado já tinham
começado a ser contestados, em nome de uma maior autonomia para os bispos e para o
próprio monarca português. No Brasil, a Mesa foi completamente extinta por uma lei de
22 de setembro de 1828, de acordo com a reestruturação administrativa do novo
império, transferindo-se seus papéis para o recém-criado Supremo Tribunal de Justiça e
dispersando-se as suas atribuições entre as mais diversas autoridades.
• Conselho Ultramarino
O Conselho da Índia foi instituído por Felipe II de Portugal (1598-1621)
em 1604, período da União Ibérica, para cuidar da administração do ultramar português.
De acordo com Marcelo Caetano, “o Conselho compôr-se-ia de um Presidente, dois
Conselheiros de Capa e Espada (fidalgos, em regra experimentados na carreira das
armas) e dois Conselheiros letrados, um dos quais seria clérigo formado em Cânones
‘por razão das matérias eclesiásticas que se hão de tratar no Conselho’”63. Esse
departamento era formado também por dois secretários: um para os negócios do Brasil,
Guiné, Ilhas de São Tomé e Cabo Verde e outro para os negócios da Índia; ambos,
porém, recebiam o título de “Secretário da Índia”.
62 Livro 11o de Ordens Régias (1717-1720), fl. 90. 63 Citado em MARQUES, A. H. de Oliveira. História de Portugal, vol. II. 12a. edição. Lisboa: Palas
Editores, 1985. Pág. 108.
48
Era este Conselho que propunha ao rei a nomeação das autoridades e
oficiais para as colônias ultramarinas e passava as Cartas, Provisões, Despachos e
Patentes. Nele se abriam as cartas dirigidas a El-Rei pelas autoridades civis e
eclesiásticas do Ultramar, exceto a primeira via que chegasse da Índia, a qual se
enviaria diretamente ao monarca.
Após a restauração do trono português, D. João IV (1640-1656) criou, em
14 de julho de 1643, o Conselho Ultramarino, inspirado no Conselho da Índia 64. A
mudança do nome parece ter tido como razão o aumento de importância que o Brasil
adquiriu, neste mesmo período, em relação a Índia 65.
O Conselho Ultramarino era formado por três conselheiros: dois fidalgos
de capa e espada, a quem cabia a responsabilidade de tomar conhecimento dos negócios
de guerra e das cartas e papéis dos vice-reis, governadores e capitães; e um letrado, a
quem tocava os negócios da justiça. Ele era presidido sempre por um fidalgo de
primeira nobreza com experiência nos negócios ultramarinos. Seu primeiro presidente
foi o Marquês de Montalvão, D. Jorge Mascarenhas, antigo vice-rei do Brasil.
Competia ao Conselho decidir sobre todas as matérias e negócios que
diziam respeito aos Estados da Índia, Brasil, Guiné, Ilhas de São Tomé e Cabo Verde, e
de todas as mais partes ultramarinas e lugares da África. No entanto, sua maior
atribuição era o provimento de todos os cargos no ultramar, devendo-se excetuar a
indicação para os cargos eclesiásticos. A correspondência e despachos dos ministros,
prelados e quaisquer outras pessoas do Brasil ou das demais colônias ultramarinas,
deviam ser encaminhadas ao Conselho Ultramarino, antes de chegarem à presença do
rei, se fosse o caso. Era, também, de sua responsabilidade regular a partida,
64 COATES, Timothy J. Degredados e Órfãs: Colonização dirigida pela Coroa no Império Português,
1550-1755. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1998. Pág. 33
65“Durante a União Ibérica (1580-1640) cresceu muito a importância das colônias americanas portuguesas, ao mesmo tempo em que o controle das áreas orientais era gradativamente perdido para os concorrentes ingleses e holandeses, através da atuação das companhias das Índias Orientais. O açúcar brasileiro teve sua produção aumentada de 350 mil arrobas, em 1580, para mais de um milhão, em 1628, numa demonstração clara do papel que cumpria em benefício do Tesouro Real”. SALGADO, Graça (org.). Op. cit. Pág. 30.
49
carregamento, armamento e tripulação das naus e navios que partiam para os diversos
domínios portugueses.
Ao Conselho cabia, ainda, o provimento de todos os oficiais de Justiça,
Guerra e Fazenda. Passava por ele, também, as cartas e provisões e as patentes de
despachos que levavam os vice-reis, governadores e capitães, assim como a provisão
dos bispados e mais lugares e negócios eclesiásticos. Os requerimentos e mercês que se
encaminhassem para Lisboa pelos serviços prestados nas conquistas ultramarinas e, da
mesma forma, os que viessem das colônias tinham que dar entrada no Conselho
Ultramarino, que fornecia um parecer para o despacho real quando fosse o caso.
A afluência de papéis para esse departamento era tão grande que obrigou
os conselheiros a organizar o serviço de acordo com os dias da semana: às segundas,
terças e quartas-feiras, despachavam os negócios da Índia; às quintas e sextas-feiras, os
negócios do Brasil; e aos sábados, os negócios da Guiné, Cabo Verde e mais partes
ultramarinas. Para que o Conselho iniciasse seus trabalhos deviam estar presentes, pelo
menos, três de seus membros, sendo um deles obrigatoriamente o presidente.
O Conselho Ultramarino emitia parecer sobre os negócios que tinham de
ser objeto de resolução régia. Algumas vezes era o monarca português que consultava
ou intervinha com um parecer oficial nas questões vindas das possessões ultramarinas, o
que era mais conhecido como uma consulta do serviço real. Em outras vezes um
processo era formado no Conselho por iniciativa dos interessados, que então era
encaminhado à apreciação do rei, o que originava uma consulta de partes. As consultas
mais importantes eram apresentadas pelo presidente à consideração do soberano, logo
quando se iniciava; as outras, no entanto, eram encaminhadas para o secretário de
Estado que as apresenta va ao despacho do rei.
Sendo assim, na maioria das vezes, as deliberações do Conselho eram
extremamente demoradas. Tomando-se por exemplo as queixas originadas no Brasil,
estas muitas vezes eram devolvidas ao seu lugar de origem, para que os governadores e
demais funcionários relacionados fossem informados. Essa demora era agravada pelas
50
distâncias existentes no Império Ultramarino Português, o que fazia com que as
decisões levassem anos para serem despachadas.
Com a transferência da família real portuguesa para o Brasil em 1807, o
Conselho Ultramarino cessou seu funcionamento em Lisboa, pois seus arquivos tiveram
que acompanhar o regente. Com isso, as atribuições do referido departamento
administrativo passaram a ser exercidas pelo Tribunal do Desembargo do Paço,
mediante um alvará de 22 de abril de 1808.
Um exemplo da progressiva “usurpação” das atribuições dos
assuntos eclesiásticos da Mesa pelo Conselho Ultramarino nos é dado por uma
carta régia de 2 de Agosto de 1743, em que D. João V (1706-1750) ordena que
as licenças para fundação de novos conventos e hospícios sejam expedidas pelo
Conselho Ultramarino, não mais pela Mesa da Consciência. Esta resolução foi
uma consequência direta da não obediência as determinações do rei de Portugal
que “por ordem de dezoito de Dezembro de mil seiscentos e oitenta e cinco
[determinava que] se não edificasse mais convento algum sem especial Ordem
Minha e que em vinte sete de Abril de mil setecentos e nove mandara repetir
nova ordem sobre esta matéria”. A construção desses conventos seria de grande
prejuízo para as ordens religiosas que já estavam estabelecidas na Colônia “por
viverem de esmolar e se não acharem esses Estados em termos de poder
sustentar mais religiosos e conventos mendicantes”. Tendo sido estas ordens
expedidas pelo Conselho Ultramarino, não foram reconhecidas, “fazendo [os
religiosos mendicantes] os seus requerimentos [para fundação de novos
conventos] pelo Tribunal da Mesa da Consciência ”66.
66 Livro 16o de Or dens Régias (1742-1687), fl. 150/152.
51
2o. CAPÍTULO – A ORGANIZAÇÃO DA IGREJA CATÓLICA NO
BRASIL E A REPRESENTAÇÃO DO SACERDOTE NA
SOCIEDADE COLONIAL
estreita ligação dos domínios político e religioso nas
conquistas feitas por Portugal no ultramar apoiava-se no
sistema de Padroado, como já explicamos anteriormente. Como Grão-Mestre
das três Ordens (de Cristo, Santiago da Espada e São Bento de Avis), o rei de
Portugal se beneficiava de muitos poderes delegados diretamente pela Sé de
Roma, através das concessões ofertadas pelas diversas Bulas expedidas ao
longo dos séculos XV e XVI. Era ele o encarregado de cobrar os dízimos,
construir as igrejas, autorizar a leitura no púlpito das bulas pontifícias e
delimitar as fronteiras dos territórios sob a administração religiosa.
Este mesmo sistema de padroado também foi concedido por Roma
à Espanha para ser aplicado em seus núcleos de colonização. Sendo assim,
podemos afirmar que, tanto para a Coroa portuguesa, como para a espanhola, a
conquista territorial do Novo Mundo encontrava -se intrinsecamente ligada à
conquista espiritual de seus habitantes.
Mediante a concessão do direito de padroado ao monarca
português, a implantação e a dilatação da fé católica nas colônias do ultramar
ficou sob a responsabilidade da Coroa portuguesa. Por delegação da Cúria
romana, o rei se revestiu do caráter de chefe espiritua l das novas terras
conquistadas. Tendo-se em vista essa prerrogativa, na colonização do Brasil foi
implantado um Estado cristão, sendo o Catolicismo imposto como sua religião
oficial. A missão desse Estado cristão, nas novas terras, era subjugar e
incorporar os nativos à cultura portuguesa e à religião cristã.
A
52
A importância adquirida pelo rei de Portugal na gerência da Igreja
Católica pode ser medida ao levar-se em conta que nenhum clérigo poderia vir
para o Brasil, como para as outras colônias ultramarinas, sem uma autorização
explícita do rei. A preocupação com esse comprometimento, conforme
explicitado no primeiro capítulo, pode ser comprovado através da
correspondência de 7 de julho de 1715 enviada por D, João V (1706- 1750) ao
Governador da Capitania de Pernambuco, Félix José Machado, na qual o
monarca afirma:
“(...) que por ser conveniente a meu serviço vos ordeno examineis se nas
terras das jurisdições desse governo há alguns clérigos, ou frades, que
exercitem jurisdição por ordem do Núncio ou da Sé apostólica sem
consentimento e aprovação Minha dada por escrito, e achando que é verdade
os não deixareis exercitar, ou seja clérigo, ou frade, português ou
estrangeiro, e o fareis presente ao bispo para que os remeta infalivelmente
para este Reino o que assim lhe mando recomendar.” 67
Ao mesmo tempo, podemos observar que esta preocupação decorre de
uma inobservância, por parte das autoridades coloniais, de fiscalizar a entrada no Brasil
dos clérigos autorizados pela Coroa, o que se explicita na carta régia de 21 de março de
1694, enviada por D. Pedro II (1683-1706) ao Governador e Capitão General da
Capitania de Pernambuco, Caetano de Melo de Castro,
“Mandando ver no meu Conselho Ultramarino o que me escreveu por via do Secretário
Roque Monteiro Paim, o Governador do Rio de Janeiro, Antonio Paes de Sande, sobre
o que lhe custaram lançar fora daquela capitania ao prelado que ali achava intitulado
Arcebispo de Samo, representando -me ser conveniente tomar-se resolução no que os
governadores devem obrar, e seguir em semelhantes casos, ou quando ali chegasse
religiosos, ou clérigos, estrangeiros sem licença minha e porque este deve ser geral
para todas as capitanias do Brasil. Me pareceu ordenar-vos /como por esta faço/ não
admiteis na jurisdição deste governo bispos estrangeiros, antes o façais apartar delas, e
67 Livro 10o de Ordens Régias (1711-1718), fl. 62.
53
da mesma maneira todos os religiosos, e clérigos estrangeiros que entrarem nas ditas
capitanias sem permissão minha que é o mesmo que tenho resoluto, e se pratica no
Estado da Índia.”68
Em Portugal, a Igreja Católica, após o Concílio de Trento,
reforçou ainda mais a importância dos atos exteriores da fé. Por essa razão, a
implantação e a organização da Igreja no Brasil colonial foi fortemente marcada
pelo culto, pelas festas, procissões e romarias. Em detrimento da vivência
interior da religião, no período colonial, predominaram as manifestações
públicas da fé católica. Sendo esta a única aceita, e oficialmente reconhecida,
os nascimentos, os casamentos, os enterros e os festejos foram sempre marcadas
pelas cerimônias cristãs.
As festas ocuparam um importante papel dentro da sociedade
colonial, facilitando a integração de diversos extratos sociais, etnias e
religiosidades. Elas também favoreciam uma situação na qual se mesclavam o
sagrado e o profano, o religioso e o político, o erudito e o popular. As festas
eram divididas em dois tipos: as religiosas, dedicadas ao Senhor (nascimento,
morte e ressurreição) e aos santos; e as públicas, promovidas pela monarquia
portuguesa e autoridades coloniais para cele brar ou as coroações dos monarcas
lusitanos, ou o nascimento e casamento dos príncipes. Essas solenidades eram
organizadas com o intuito de fortalecer o poder da monarquia portuguesa, da
burocracia colonial e reforçar a devoção popular.
No Brasil, não se detectava um reflexo direto da autoridade do
papa, sendo a influência deste percebida apenas na confirmação da nomeação de
indivíduos para os cargos e funções eclesiásticas, que eram então indicados
pelo monarca português. Os bispos, o clero e os demais re ligiosos mantinham-
68 Livro 5o de Ordens Régias (1693 -1701), fl. 92.
54
se na dependência da Coroa portuguesa e somente de modo indireto se
relacionavam com a Sé de Roma. Essa desvinculação permitiu que a
organização da Igreja no Brasil adotasse, durante o período colonial,
características próprias bastante distintas das Igrejas na Europa. A criação das
dioceses, ou bispados, estava vinculada às delimitações do Estado português,
sendo estas, por conseguinte, erigidas em número considerado extremamente
irrisório, se levamos em conta o tamanho do território brasileiro no período em
questão.
Esse reduzido número de bispados se evidencia no momento em
que o comparamos com o de Estados de colonização hispânica. Como afirma
Thales de Azevedo,
“(...) quando se criou o Bispado da Bahia, em 1551, já existiam na América
espanhola vinte e duas dioceses com jurisdição sobre colônias de diversa
importância, umas extensas, ricas e povoadas, outras pequeninas, isoladas e
de reduzida população, nas ilhas de Santo Domingo, Porto Rico e Cuba, no
Panamá, no México, em Honduras, na Colômbia, Guatemala, Peru, Equador,
Paraguai e Rio da Prata.” 69.
No entanto, apesar deste “descaso” da Coroa portuguesa, o
colonizador português era um homem católico por natureza. Sua fé, que era
iniciada no seu recesso familiar, complementava-se na sua vida social, no
trabalho, nas viagens, nos bancos das igrejas e nos confessionários. Era nele
interiorizado as noções dogmáticas do Catolicismo, a eficácia sacramental, a
interpretação da morte e a idéia da imortalidade, em maior ou menor grau de
profundidade, tendo-se em vista a profundidade de sua consciência ou a sua
procedência social. As práticas litúrgicas tornaram-se hábitos irremovíveis de
suas mentalidades sob a dupla pressão de sua consciência e da sociedade a qual
pertence. Sônia Siqueira afirma que
69 AZEVEDO, Thales de. Op. cit. Pág. 76.
55
“(...) se nas bagagens dos colonos vinham sementes e charruas, nelas tinham
lugar de importância primordial cruzes e evangelhos, símbolos de um estado
de espírito, de uma necessidade da alma, de um estilo de vida. Fardel igual
traziam clérigos e leigos: vinham iniciar um novo mundo. Mundo português e
quem dizia português, dizia cristão. O transplante cultural alicerçava-se no
da crença. O Cristianismo emigrava. Conscientemente, no ideal missionário
de frades e padres, ou inconscientemente, na religiosidade mais ou menos
aguçada dos homens comuns. O objetivo religioso estava paralelo à
preocupação do ganho. Os colonos vinham para enriquecer, mas sua ação não
excluía a crença de que tinham impregnado a vida interior.” 70
Sendo uma característic a herdada da metrópole portuguesa, no
Brasil formou-se uma sociedade na qual nenhum indivíduo, cercado por
conventos, paróquias, irmandades e confrarias, estava livre à necessidade de
apelar para as instituições religiosas, seja para conseguir emprego, garantir seu
sepultamento, providenciar um dote para garantir o casamento de uma filha, ou
mesmo para se fazer um empréstimo de dinheiro. O serviço social dentro da
sociedade colonial era organizado e executado dentro das confrarias e
irmandades que tinham como sua principal representante as Santas Casas de
Misericórdia.
Para exemplificar essa assistência, usaremos o caso da Santa Casa
de Misericórdia da Bahia, que era ao mesmo tempo hospital, orfanato,
recolhimento para moças “casadoiras”, escola de medicina , farmácia, mecenato
de artistas, proprietária de vários prédios urbanos, fazendas e engenhos, capela
com serviço religioso e estabelecimento responsável pelos sepultamentos 71. A
Santa Casa também foi o primeiro banco de Salvador: “Na cidade de Salvador
quase não se abria testamento em que não fosse destinada alguma soma em
dinheiro para a Santa Casa: emprestava-se assim a quem quisesse a juros de
70 SIQUEIRA, Sônia. A Inquisição Portuguesa e a Sociedade Colonial. São Paulo: Ática, 1978. Págs. 23-
24. 71 Para um estudo mais detalhado sobre a Santa Casa de Misericórdia da Bahia ver: RUSSEL-WOOD, A.
J. R. Fidalgos e Filantropos. A Santa Casa de Misericórdia da Bahia (1550-1755). Brasília: UnB, s/d e OTT, Carlos. A Santa Casa de Misericórdia da Cidade do Salvador . Rio de Janeiro: Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1960.
56
seis por cento, transformando -se assim a irmandade, aos poucos, no primeiro
banco da Bahia.”72.
Permanece inerente à mentalidade do homem colonial, como
afirma Caio Prado Jr., “o fato da onipresença de um conjunto de crenças e
práticas que o indivíduo já encontra dominantes ao nascer, e que o
acompanharão até o fim, mantendo-o dentro do raio de uma ação constante e
poderosa”73. Ele participava e estava envolvido intensamente pelos atos da fé
católica, tendo que ser batizado ao nascer, confessando e comungando nos
momentos exigidos, casando-se e recebendo os cuidados devidos no momento
de sua morte. Era impensável, dur ante todo o período colonial, uma existência à
margem da religião católica e da Igreja.
No Brasil, a Igreja Católica, mais do que uma instituição voltada
exclusivamente para o campo religioso, desempenhou as mais variadas funções,
tais como a de cartório civil, de escola, de centro de serviço social, de
organizadora dos mais diversos festejos e de instituição reguladora da família.
O próprio lazer se praticava no seio da instituição religiosa, com suas
procissões, novenas, quermesses e romarias. O reconhecimento social dos
indivíduos se fazia por meio de rituais religiosos como o batizado, o casamento
e os funerais. Mesmo não dispondo de um aparelho repressivo policial, era a
instituição responsável por zelar pelos costumes, tendo na excomunhão74 seu
instrumento de controle da sociedade. Tendo-se em vista a ligação que existia
entre o Estado português e a Igreja Católica no Brasil, essa excomunhão
implicava a perda dos direitos civis do individuo.
72 OTT, Carlos. Op. cit. Pág. 24. 73 PRADO JR, Caio. A Formação do Brasil Contemporâneo – Colônia. 24a. reimpressão. São Paulo:
Brasiliense, 1996. Pág. 328. 74 “Pena eclesiástica que excluía o indivíduo do gozo de todos os bens espirituais. O excomungado ficava
privado do uso dos sacramentos e da assistência aos ofícios divinos”. TRINDADE, José da Santíssima, Dom Frei. Op. cit. Pág. 399 (Glossário de Termos).
57
Ainda referente à excomunhão, podemos afirmar que ela foi,
durante todo o período colonial, o grande pavor de toda população católica. Do
meirinho ao Vice-Rei, desde o mais humilde colono até os mais opulentos
senhores patriarcais. Todos deveriam tremer só de ouvir aquela voz como de
castigo divino, a maior desgraça que poderia “trancar o caminho” de uma
criatura na vida. Pode -se dizer que a excomunhão chegava a ser tão forte no
espírito do colono, como o inferno ou purgatório na Idade Média. Desta pena
abusavam bispos, vigários e párocos, com uma facilidade incríve l, quer contra
os fiéis em geral, quer contra Ouvidores e Vice-Reis, funcionários da Justiça,
da Fazenda e da Guerra; e até contra os próprios irmãos de crença. Nas
Constituições Primeiras de 1707, este tipo de exclusão social era assim
limitado:
“(...) mandamos aos Párocos, e mais pessoas eclesiásticas, e a todos os
nossos súditos evitem os ditos excomungados declarados, e notórios
percussores de Clérigos, e não comuniquem com eles, assim nas coisas
divinas, como nas humanas, salvando, conversando, comendo, bebendo,
falando, tratando, e fazendo coisas semelhantes; e os que assim o não
cumprirem incorrem em excomunhão menor; e comunicando com eles nos
sacramentos, e Santo Sacrifício da Missa pecam mortalmente, além de
incorrerem na dita excomunhão menor.” 75
O poder eclesiástico também estava implícito na jurisdição
privativa de muitos assuntos de fundamental importância, como era o caso das
questões relacionadas com o casamento, como o divórcio (ou repúdio), a
separação de corpos ou a anulação do mesmo76. Instrumento hábil para essas
regulamentações, as Constituições Primeiras de 1707 esclareciam
cuidadosamente em que casos os cônjuges podiam separar-se77.
75 CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA – 1707. Op. cit. Livro Quinto, tít.
XLVIII – “Dos excomungados, que devem ser evitados”. 76 SILVA, Maria Beatriz da (org.). Dicionário da História da Colonização Portuguesa no Brasil. Op. cit.
Pág. 262. 77 CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA - 1707. Op. cit. Livro Primeiro, tit.
LXXII - “Dos casos em que se pode dissolver o Matrimônio quanto ao vínculo, e separar quanto ao toro, e mútua coabitação dos casados”.
58
Mesmo gozando de tal grau de importância dentro da sociedade
colonial, a Igreja nunca gozou, no Brasil, de independência e autonomia. Os
“negócios” eclesiásticos na colônia, por conta do padroado, sempre estiveram
inteiramente nas mãos do rei de Portugal, que deles se ocupava através da Mesa
da Consciência e Ordens. Em Portugal este tribunal régio foi estabelecido em
1532, sendo constituído por cinco juízes mais um presidente, escolhidos entre
clérigos, tanto seculares como regulares, e leigos. Estes religiosos podiam
conhecer e julgar, como delegados da Sé apostólica, quaisquer processos
envolvendo assuntos eclesiásticos ou civis em que estivessem envolvidos
clérigos, sendo um instrumento para a subordinação e controle dos prelados
coloniais 78.
Sendo responsável pela consolidação do Catolicismo nas colônias
do ultramar, o rei de Portugal D. João III (1521-1557), expressa os seus
objetivos de iniciar a criação de paróquias do Brasil já nas cartas de doação 79
das primeiras capitanias hereditárias. Tomamos como exemplo a de 10 de
março de 1534, que foi outorgada a Duarte Coelho, em que o monarca exprime
a necessidade de uma povoação mais intensa a fim de favorecer uma
organização paroquial na colônia:
“(...) considerando eu, quanto serviço de Deus e meu proveito e bem dos meus
reinos e senhorios e dos naturais e súditos deles é ser a minha costa e terra
do Brasil mais povoada do que até agora foi, assim por se nela haver de
celebrar o culto, e ofícios divinos e se exaltar a nossa santa fé católica com
trazer e provocar a nela os naturais da dita terra infiéis idólatras como pelo
78 SALGADO, Graça (org.). Op. cit. Pág. 114. 79 “A carta de doação era o documento em que o rei concedia ao donatário uma porção de terras e lhe
delegava uma série de atributos de autoridade soberana, ficando estabelecido o direito à sucessão hereditária, respeitada a progenitura e a ordem em benefício do sucessor masculino sobre o feminino”. ANDRADE, Manuel Correia de. Itamaracá. uma Capitania Frustrada. Recife:FIDEM – Centro de Estudos de História e Cultura Municipal, 1999. Pág. 41.
59
muito proveito que se assegura a meus reinos e senhorios e aos naturais e
súditos deles de se a dita terra povoar e aproveitar (...)”. 80.
Em razão do Padroado Régio, o rei de Portugal delegava a Mesa
da Consciência e Ordens os poderes necessários para que esta pudesse erigir as
província s eclesiásticas, que eram entregues às ordens regulares, às dioceses e
às prelazias. Estas últimas, deveriam ter seus territórios divididos pelo
respectivo bispo em seções territoriais denominadas de paróquias. Em cada uma
destas seria delimitada uma população e construída uma igreja matriz, sob a
responsabilidade de um pastor particular, ou cura, que deveria exercer ali suas
funções litúrgicas.
Os curas81, também conhecidos por párocos, vigários, vigários
colados, párocos perpétuos ou párocos proprietários , desempenhavam, no
interior de cada paróquia, as obrigações com os serviços religiosos. Os
principais requisitos para o ofício de cura eram ter bons costumes e limpeza de
sangue, não ser membro de ordem regular, e não ter impedimento físico ou
canônico Havia também os coadjutores para auxiliá- los no trabalho paroquial,
quando o cura estivesse impossibilitado de fazê-lo por motivo de velhice,
doença ou por conta da extensão da paróquia.
Os bispos deveriam ainda repartir suas dioceses em territórios que
compreendessem várias paróquias, denominando-os de comarcas eclesiásticas,
que seriam governadas pelos vigários de vara. Estes executariam a fiscalização
administrativa, referente ao cumprimento das obrigações litúrgicas e das
normas do direito eclesiástico. Ao vigário e vara competia tirar devassas82, dar
80 “Carta de Doação da Capitania de Pernambuco”. In: Doações e Forais das Capitanias do Brasil –
1534- 1536. Maria José Mexia Bigotte Chorão (apresentação, transcrição paleográfica e notas). Lisboa: Instituto dos Arquivos Nacionais / Torre do Tombo, 1999. Pág. 11.
81 “Também conhecido por Cura de Alma, ou sacerdote cuja igreja tem fregueses, que ele é obrigado a ‘curar’, ou doutrinar, e sacramentar, o Cura da Freguesia”. SILVA, Antônio de Moraes. Dicionário da Língua Portuguesa, vol. I (A-E). 4a edição. Lisboa: Impressão Régia, 1831. Pág. 498.
82 “Instrumento extrajudicial e temporário da Igreja Católica ativado por ocasião da presença do visitador do Tribunal Eclesiástico a determinada comunidade”. SILVA, Maria Beatriz Nizza da (org). Dicionário da História da Colonização Portuguesa no Brasil. Op. cit. Pág. 255.
60
sentenças em causas sumárias e fazer os autos das causas a serem enviadas ao
juízo eclesiástico. Este estava subordinado, numa primeira instância, ao bispo e
a seu cabido, que cuidavam não só das causas de cunho religioso, mas também
das de origem civil que envolvessem clérigos de diácono para cima.
Como segunda instância da justiça eclesiástica, cabia ao tribunal
do arcebispado, denominado de Relação Metropolitana, julgar as apelações e
agravos das decisões tomadas na primeira instância e também causas nas quais
bispos ou membros do juízo eclesiásticos estivessem envolvidos. No Brasil este
tribunal só foi instalado após a criação do arcebispado da Bahia, que ocorreu
em 21 de novembro de 1676. Seu regimento só foi escrito e promulgado por D.
Sebastião Monteiro da Vide em 8 de setembro de 1704. Em última instância
estava o Tribunal da Mesa da Consciência e Ordens, órgão responsável por
garantir o entrelaçamento do governo religioso com o temporal, e que ocupava
o papel da Santa Sé no governo eclesiástico das colônias ultramarinas
portuguesas 83.
O primeiro bispado do Brasil, erigido na cidade de Salvador em
1551, ocupou sozinho esta posição durante mais de cem anos. Apesar de seu
caráter de religião oficial e obr igatória no Brasil colonial, o Catolicismo teve
grandes prejuízos na criação de suas dioceses, cujo reduzido número se mostrou
ineficiente ao zelo pastoral devido ao tamanho deste território. Este bispado
estava subordinado ao arcebispado de Lisboa, tendo que seguir, portanto, nas
novas terras as normas estabelecidas pelas suas Constituições.
Somente no final do século XVII foram criados três novos
bispados, tendo-se elevado o da Bahia à condição de arcebispado: o bispado do
Rio de Janeiro, erigido em 22 de novembro de 1676; o bispado de Pernambuco,
criado também na mesma data, abrangendo da foz do rio São Francisco à
capitania do Ceará; o bispado do Maranhão, em 30 de agosto de 1677, que tinha
83 SALGADO, Graça (org.). Op. cit. Pág. 120.
61
sua sede em São Luís e compreendia todo o território desse Estado; e o
arcebispado da Bahia, elevado em 22 de novembro de 1676, tendo a mesma
jurisdição do bispado original.
Ao arcebispado da Bahia ficaram submetidos, além dos bispados
de Pernambuco e Rio de Janeiro, no Brasil, os de Luanda e ilha de São Tomé,
na África. O Bispado do Maranhão continuou sufragâneo do arcebispado de
Lisboa, como o era anteriormente o da Bahia, permanecendo essa situação
inalterada até a independência. Essa divisão eclesiástica acompanhou a divisão
civil da colônia em dois Estados, o do Brasil e do Maranhão, adotada desde
1621.
No século XVIII foram criados mais três bispados: o do Grão-
Pará, em 4 de março de 1719, sendo um desmembramento do bispado do
Maranhão e, como este, estava subordinado ao arcebispado de Lisboa; o de São
Paulo, em 6 de dezembro de 1745, cujo território compreendia os atuais Estados
de São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e parte do sul de
Minas Gerais; e o de Mariana, erigido também na mesma data, ao qual pertencia
a capitania de Minas Gerais. Fora essas, não se criou mais nenhuma diocese em
todo o restante do período colonial no Brasil, permanecendo este ao final de
três séculos com apenas um arcebispado e sete bispados. Sendo estes tão
amplos em território, não era de se estranhar quão poucas condições tinham
seus prelados para exercerem suas obrigações pastorais.
Na sociedade colonial, a diocese constituía um centro
administrativo autônomo, que cuidava das consagrações, das nomeações e do
funcionamento judicial da Igreja Católica. Entre outras coisas, era responsável
pela obra missionária, pela legislação dentro do sínodo diocesano e pela
instrução dos padres nos seminários. Com relação à sua autoridade civil,
indicava os candidatos aos benefícios e interagia com a estrutura administrativa
colonia l.
62
Em cada diocese, o bispo atuava em estreita ligação com o
capitulo da catedral, ou cabido, que ficava encarregado da administração do
bispado no caso de uma vacância prolongada, fato que ocorria com extrema
frequência nas sedes episcopais coloniais, por causa da morte ou da
transferência do ocupante do posto. Apresentamos, como exemplo dessa
substituição, o trecho de uma correspondência régia de 11 de Novembro de
1694, em que D. Pedro II (1683-1706) escreve ao governador de Pernambuco
Caetano de Mello e Castro:
“Viu-se a vossa carta de 30 de Julho deste ano, em que me dais conta da
morte do Bispo D. Mathias de Figueiredo e da quietação e sossego com que
entrou o Cabido no governo eclesiástico como é estilo em Sé vacante sem
haver a menor alteração por haver desatalhado (sic) este dano pelos meios
possíveis.” 84
Dentro da organização eclesiástica na colônia, os bispos,
pertencentes ao alto clero, eram considerados nobres vinculados à coroa real,
estando sua atuação religiosa limitada frequentemente por interesses políticos.
Uma situação que dificultava, também, sua atuação eram as longas vacâncias
existentes entre um bispo e outro, motivadas ou por razões políticas que
retardavam a nomeação do sucessor, ou porque diversos eram os bispos que
tomavam posse por procuração, ocupando efetivamente os cargos bem mais
tarde. Reforça-se essa estreita relação quando se vê que dentre os 32 bispos e
arcebispos que ocuparam as diferentes dioceses, de 1650 a 1750, não se
encontra um brasileiro85.
A figura do bispo se equivalia, neste momento, a de um
funcionário régio que, mediante uma intensa correspondência, certifica à Coroa
portuguesa de sua fidelidade e submissão. A todo momento, encorajavam seus
fiéis a manterem-se dedicados ao Rei e obedecendo suas determinações . Em
84 A.H.U., Códice 256, fl. 178v/ 179. 85 RENOU, René. “O Clero: divulgador da cultura no Brasil”. In: MAURO, Frédéric (org.). O Império
Luso-Brasileiro, 1620-1750. 1a. edição. Lisboa: Editorial Estampa, 1991. Pág. 373
63
alguns momentos, certos bispos foram chamados a Portugal para prestar contas
de sua atuação, ou simplesmente afastados da sede episcopal e exilados, como
foi o caso de D. Manuel Álvares da Costa, bispo de Olinda em 1711, que pela
posição assumida na Guerra dos Mascates em favor dos brasileiros, foi
deportado para o Ceará.86
Apesar das dificuldades encontradas nas novas terras do Brasil,
vários bispos tentaram implantar as resoluções da reforma tridentina, realizando
visitas pastorais, tentando criar seminários e organizando sínodos diocesanos.
D. Constantino Barradas, quarto bispo do Brasil, procurou organizar
Constituições para o bispado da Bahia, impondo a observância de alguns artigos
em 1605. No entanto, não chegando a ser impressas, caiu em desuso, vigorando
ainda no Brasil as Constituições de Lisboa. D. Frei Manuel da Ressurreição,
então arcebispo da Bahia, faleceu em 1691 enquanto realizava visita pastoral
nas províncias do sul. No Maranhão foi sentida a ação pastoral de seus dois
bispos do século XVII, tendo D. Gregório dos Anjos feito uma visita pastoral à
capitania do Pará, e D. Timóteo do Sacramento empreendido uma reforma
moral dos costumes. No bispado de Pernambuco merece destaque a figura de D.
Matias de Figueiredo que, assumindo a diocese em 1688, implementou reformas
e visitas pastorais.
Fugindo de suas atribulações eclesiásticas, os bispos no Brasil
colonial, algumas vezes ocuparam “posição nitidamente política, substituindo
os governadores ou fazendo parte de juntas do governo interino”87, como uma
exigência própria da estrutura do padroado. Já o terceiro bispo da Bahia, D.
Antônio Barreiros, ocupou lugar em duas juntas de governo, que foram
formadas com o falecimento dos governadores Lourenço Veiga, em 1581, e
Teles Barreto, em 1587.
86 AZZI, Riolando. “A instituição eclesiástica durante a primeira época colonial”. Op. cit. Pág. 180. 87 Idem. Pág. 179.
64
As visitas pastorais ou diocesanas permitiam que se estabelecesse
o contato direto do bispo com os fiéis, sendo portanto um momento privilegiado
de legitimação e fortalecimento do poder religioso. Eram necessárias constantes
viagens que lhe permitiam ter um conhecimento maior do “rebanho” sob sua
responsabilidade, o qual era constituído pelos fiéis propriamente ditos, o clero,
as instituições e entidades católicas e os lugares sagrados pertencentes ao
território de sua diocese.
O Concílio de Trento definiu como os prelados88 deveriam fazer
suas visitas, esclarecendo que precisavam ser feitas pelo próprio bispo todos os
anos, em toda a diocese, ou em sua maior parte. Não podendo este realizá-la,
deveria ser substituído pelo vigário geral ou visitador. Caso fosse necessário, as
visitas poderiam ser completadas no ano seguinte. O Concílio de Trento definia
que,
“(...) o intento principal de todas essas visitas será estabelecer a doutrina sã
e ortodoxa, excluídas as heresias, manter os bons costumes, emendar os maus
com exortações e admoestações, acender o povo à religião, paz e inocência: e
estabelecer o mais que o lugar, tempo e ocasião permitir para proveito dos
fiéis, segundo julgar a prudência dos que visitarem.”89.
No círculo imediato do bispo e, servindo de conselho para este, o
cabido dos cônegos era formado por um grupo de 30 a 40 religiosos, que
constituíam o corpo eclesiástico de uma catedral. Em sua maioria eles eram
formados em Coimbra, possuindo assim uma sólida reputação de letrados. Os
cabidos eram, com muita frequência, “coio de intrigas” que por muitas vezes
atrasavam a ação episcopal90. O cabido da Bahia contou inicialmente com
quatro dignidades: o deão, que substituía o bispo na ausência deste; o chantre,
88 “Superior na ordem hierárquica eclesiástica secular, ou regular. Bispo, Provincial, etc”. SILVA,
Antônio de Moraes. Dicionário da Língua Portuguesa, vol. II (F/Z). Op. cit. Pág. 510. 89 Citado em OLIVEIRA, Ronald Polito. “Estudo Introdutório”. In TRINDADE, José da Santíssima, D.
Frei. Visitas Pastorais. Op. cit. Pág. 39. 90 RENOU, René. Op. cit. Pág. 374.
65
que se ocupava da organização dos ofícios; o tesoureiro, que tomava sob sua
responsabilidade os objetos e vestuários litúrgicos e o mestre-escola,
encarregado da educação dos meninos do coro.
O cabido de Olinda foi instalado em 1678 e o do Rio de Janeiro
em 1686, sendo ambos compostos por cinc o dignidades, tendo-se acrescido o
arcediago, seis cônegos de prebenda 91 inteira, dois de meia, quatro ou seis
capelães e quatro meninos de coro. Esta administração episcopal concedia
autorizações e dispensas, sendo formada também por um vigário- geral que,
tendo feito estudos de direito, ocupa-se das causas em juízo, do provisor, que
resolvia os casos propostos pelos curas, e o visitador que, por intermédio dos
livros de devassas, devia dar à hierarquia eclesiástica uma visão clara da
situação espiritual dos fiéis. Os vigários de Vara em cada comarca tinham o
poder de administrar a justiça dentro da administração episcopal. Exigia -se
destes sacerdotes uma boa cultura, prudência, virtude e costumes exemplares.
Com esta organização, a hierarquia da Igreja no Brasil procurava controlar toda
a Colônia e reforçar a administração laica.
Até meados do século XVIII, o trabalho catequético e pastoral foi
em quase sua totalidade de responsabilidade do clero regular, ou seja, das
ordens religiosas 92. Estas, após a chegada dos jesuítas, estabeleceram-se em
todos os núcleos urbanos, sendo as principais responsáveis pela conversão do
“gentio”.
Durante o período colonial, quatro ordens religiosas tiveram um
papel preponderante na formação do aparelho eclesiástico. Estas orde ns foram:
os jesuítas, os franciscanos, os beneditinos e os carmelitas. Tendo se instalado
no Brasil desde o começo de sua colonização, fundaram conventos nas
91 “Coisas que devem ser dadas, rendimentos de um canonicato, renda eclesiástica”. FERREIRA, Aurélio
Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3a. ed. totalmente revista e ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
92 OLIVEIRA, Pedro A. Ribei ro de. Religião e Dominação de Classe: gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1985. Pág. 144.
66
principais cidades, de onde partiam seus religiosos para converter os índios, dar
assistência aos colonos, pregar missões populares e para celebrar os serviços
religiosos nas fazendas, vilas e povoados.
Os jesuítas, tendo chegado no começo da colonização,
organizaram a evangelização e a educação por todo o litoral, de São Vicente à
Itamaracá. Durante os séculos XVII e XVIII, progrediram sua ação
evangelizadora para o interior da colônia, até sua expulsão. O apoio da Coroa
aos jesuítas aumentou consideravelmente no reinado de D. Sebastião, no
período em que era governador -geral do Brasil Mem de Sá. Uma provisão de
1568 já dava conta do início da construção de um colégio na cidade de
Salvador, para que 60 religiosos se ocupassem da conversão dos gentios e do
ensino da doutrina cristã nas aldeias e povoações da capitania da Bahia. Esta
mesma provisão determinava a criação de outro colégio para 50 frades na
capitania de São Vicente, o que acabou não ocorrendo, tendo sido construído
um colégio no Rio de Janeiro93.
Os religiosos da Companhia de Jesus tinham compreendido que,
para uma eficaz doutrinação dos Tupis-Guaranis, fazia-se necessário uma
concentração de esforços para garantir a educação do indígena ainda em sua
infância deste. Essa atitude serviria talvez para erradicar as tradições indígenas
que colidiam frontalmente com o cristianismo, como a antropofagia, a
poligamia e o recurso a feiticeiros. Para a instrução dos indígenas, os jesuítas
recorreram à fundação de colégios, onde os filhos dos nativos eram educados
dentro dos valores e crenças católicas e, de escolas de ler e escrever, tanto para
os filhos dos colonos, quanto para os curumins. A ação evangelizadora da
Companhia de Jesus concentrou-se na catequese geral, no batismo das crianças
93 SILVA, Maria Beatriz Nizza da. “Sociedade, instituições e cultura”. In JOHNSON, Harold e SILVA,
Maria Beatriz Nizza da (org.). O Império Luso-Brasileiro, 1500-1620. 1a . edição. Lisboa: Editorial Estampa, 1992. Pág. 393.
67
e sua educação cristã, na conversão dos principais94 das aldeias e no batismo
dos moribundos.
Sob a direção do Padre Manuel da Nóbrega, os jesuítas fundaram
colégios na Bahia, em Ilhéus, Porto Seguro, Espírito Santo, São Vicente,
Pernambuco, São Paulo e Rio de Janeiro. No entanto, a defesa dos índios
cristianizados dos interesses escravistas dos colonos, provocou numerosos
conflitos que geralmente eram arbitrados pela Coroa portuguesa em favor da
Companhia de Jesus. No estado do Maranhão, por exemplo, as posições dos
jesuítas sobre a liberdade e administração dos índios, levaram à expulsão dos
missionários em 1661 e 1684, sendo estes posteriormente readmitidos nessa
região por imposição régia. Porém o conflito fatal para a Companhia de Jesus
aconteceu entre 1754- 1759, quando os jesuítas tentaram resistir, no Estado do
Pará e Maranhão, à nova orientação política adotada pelo governo de D. José I
de que resultou a proscrição da milícia inaciana da América portuguesa em
1760.
Ao longo de mais de dois séculos, a Companhia de Jesus acumulou
no Brasil um enorme patrimônio formado por propriedades urbanas, engenhos,
fazendas de gado, olarias, boticas, etc.; patrimônio este que, na data de sua
expulsão, estimava mais de 100 contos. Somente os bens do colégio do Recife
valiam mais de 90 contos. No Rio de Janeiro, os jesuítas possuíam a Fazenda
Santa Cruz, cuja criação era formada por aproximadamente 7.658 cabeças de
gado, 1.140 cavalos, todos estes eram cuidados por algo em torno de 700
escravos 95.
Juntamente com os jesuítas, estiveram presentes no projeto
missionário português no Brasil, principalmente, os franciscanos ou
94 “Que tem o primeiro lugar. Da maior graduação, mais nobre. Entre os mais, o que é mais digno de
estimação. O mais importante”. SILVA, Antônio de Moraes. Dicionário da Língua Portuguesa, vol. II (F/Z). Op. cit. Pág. 523.
95 HOORNAERT, Eduardo. “A evangelização do Brasil durante a primeira época colonial”. Op. cit. Pág. 40.
68
“capuchos”, os carmelitas e os beneditinos. Essas três ordens “clássicas”
tiveram uma presença marcante em Olinda, Salvador e Rio de Janeiro. As
ordens religiosas no Brasil constituem a “ponta de lança” da Igreja Católica na
propagação da fé e da cultura.
A segunda ordem a instalar -se no Brasil foi a dos beneditinos.
Muito embora se tenha notícia de alguns missionários de São Bento na década
de 60, só em 1581 se decidiu a instalação formal da ordem na Bahia, sendo
fundada uma abadia em 1584. Em 1586, se instalaram no Rio de Janeiro, em
1592 chegaram à Olinda, em 1596 à Paraíba e em 1598 a São Paulo. Apesar
deste seu rápido desenvolvimento, a invasão holandesa no norte do Brasil, foi
um desastre para a ordem, tendo sido as abadias de Olinda e Paraíba
completamente destruídas e as outras impedidas de prosperar neste período.
A ordem beneditina, que não administrou muitos aldeamentos,
tinha nos mosteiros e fazendas a centralização de suas atividades. Tendo-se isso
em vista, num relatório de 1870, foi descoberto que os beneditinos, com apenas
41 monges em onze mosteiros, naquele momento, possuíam sete engenhos de
açúcar, mais de 40 fazendas, 230 casas e 1.265 escravos 96. A ação da Ordem de
São Bento na Colônia, para Eduardo Hoornaert, “foi pouco missionária, pois
dedicava-se antes à vida contemplativa”97.
Os quatro primeiros frades carmelitas vieram na armada de
Frutuoso Barbosa em 1580. Este vinha, por ordem da Coroa, para conquistar a
Paraíba, no entanto, por causa de uma tempestade, foram obrigados a
desembarcar em Olinda. Foi nesta vila que Jerônimo de Albuquerque lhes fez a
doação de uma ermida dedicada à Santo Antônio e São Gonçalo, tendo eles, já
em 1583, começado a construir seu convento em Olinda com a ajuda do
96 HOORNAERT, Eduardo. “A Igreja Católica no Brasil Colonial”. In: BETHELL, Leslie (org.). História
da América Latina: A América Latina I, vol. 1. 2a. edição. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Brasília, DF: Fundação Alexandre Gusmão, 1998. Pág. 562.
97 HOORNAERT, Eduardo. “A evangelização do Brasil durante a primeira época colonial”. Op. cit. Pág. 56.
69
donatário Jorge de Albuquerque, dos oficiais da Câmara e da população98. A
Ordem Carmelita começou a se espalhar pelo Brasil a partir deste momento. No
norte se estabeleceu em Pernambuco, Paraíba, Maranhão, Pará e Amazonas, e
no sul, pela Bahia, Rio de janeiro, Santos, Santa Catarina, São Paulo e Minas
Gerais. Os carmelitas, nos núcleos urbanos do litoral, perderam logo seu
espírito missionário, prestando então assistência à população urbana, cuja ajuda
contribuirá para a construção de seus magníficos conventos.
Os franciscanos, como os carmelitas, instalaram-se primeiramente
em Olinda, graças aos favores concedidos pelo Governador Jerônimo de
Albuquerque. A partir de 1585, começaram a construir conventos na Paraíba,
em Alagoas, Salvador e Espírito Santo, atendendo, na maioria das vezes, a
pedidos dos colonizadores portugueses apoiados pelas câmaras municipais.
Estabeleceram-se na Colônia, respondendo aos anseios da população que, com
isso procurava reconstruir no Brasil um ambiente semelhante ao de Portugal, os
franciscanos dependiam financeiramente das esmolas oferecidas por estes
moradores coloniais. Sua ação missionária estava restrita à “dilatação das
fronteiras” do Império Católico Português.
Para explicar a eficácia superior das ordens e congregações
religiosas sobre o clero secular, alguns autores apresentam como razões a sua
disciplina interna e sua autonomia econômica 99. Estando localizados nas
principais cidades e vilas, os conventos das ordens regulares funcionavam como
centros de apoio aos frades e missionários. Estes últimos guardavam sempre
uma forte ligação com seu convento de origem, ao qual retornavam depois de
cumpridas as suas tarefas pastorais no interior.
98 COUTO, Domingos Loreto. Desagravos do Brasil e Glórias de Pernambuco. Ed. fac-similada. Recife:
Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1981. Pág. 149. 99 “Muitos observadores da Igreja colonial notaram que o clero regular (ordens religiosas) era muito
melhor do que o secular .(...) Parece que o que tornou os padres religiosos mais efetivos do que os seculares, - e os jesuítas melhores do que todos, - foi o seu maior grau de organização, de independência, de disciplina”. OLIVEIRA, Pedro A. Op. cit. Pág. 145 e BRUNEAU, Thomas C. Catolicismo Brasileiro em Época de Transição. 2a edição. São Paulo: Edições Loyola, 1976. Págs. 42-43.
70
Essa centralização permitiu ao clero regular, principalmente aos
jesuítas, com sua notória disciplina e fidelidade, diversificar suas atividades
sem perder o controle sobre seus membros. Sendo ao mesmo tempo maleáveis e
sólidas, as ordens e congregações se adaptaram plenamente às condições
pastorais do Brasil colonial, onde a dispersão da população e a precariedade dos
meios de comunicação eram fatores de enfraquecimento da administração.
A autonomia econômica era um outro fator de fortalecimento e
hegemonia das ordens religiosas. Além das doações reais, estas ordens recebiam
heranças e doações de particulares, acabando por formar grandes patrimônios.
Em geral, os conventos tinham fazendas e escravos, como informamos
anteriormente, bem como imóveis urbanos, que lhes proporcionavam
rendimentos próprios. Com isso, elas adquiriram meios para manter suas
atividades pastorais sem dependerem completamente do sustento do Estado
português.
Apesar de terem tão importante papel dentro da sociedade
colonial, as ordens religiosas muitas vezes não aceitavam em seus quadros
eclesiásticos os “filhos da terra”, ou seja, os filhos dos moradores das vilas e
povoações onde havia conventos e mosteiros 100. É o que nos informa uma
correspondência de 18 de Agosto de 1727, em que o rei de Portugal, D. João
(1706-1750), através do Conselho Ultramarino, responde a uma carta, de 22 de
Agosto de 1725, enviada pelos oficiais da Câmara de Olinda, em que estes
informavam que
“ (...) os religiosos marianos de Santa Teresa não queriam aceitar noviços
filhos da terras com o pretexto de que quem quisesse ser religioso havia de vir
tomar o hábito a Portugal com grande detrimento desses moradores, e que
isto mesmo diziam os religiosos de São Bento porém por ordem que tiveram
Minha, e do seu Geral convieram em os aceitar suposto não aparecer a dita
100 HOORNAERT, Eduardo. “A evangelização do Brasil durante a primeira época colonial”. Op. cit. Pág.
57.
71
ordem por ser muito antiga, e que isto mesmo deviam obrar os ditos padres
religiosos marianos (...)”.
Essa atitude não era abonada pelo monarca lusitano que, em outro
trecho dessa correspondência, afirma que apesar de entender que essa proibição
nascia “da má criação que eles [moradores] lhes dão cheia de tanta liberdade e
vícios, que não é possível acomodarem-se com a regra que professam os ditos
marianos”; esses religiosos deviam tomar a seguinte atitude:
“(...) para facilitar a que os recolham nos seus conventos convém muito que
eles dêem outra disciplina e os criarem no amor de Deus, com tais virtudes
que justamente mereçam que os recolham na sua religião e por este meio
cessará a queixa que fazem dela, e se escuzará o virem a Portugal os que
houverem de ser religiosos.”101
Tendo sido a principal forma de colaboração da coroa portuguesa
a doação de terras às ordens religiosas, estas acumularam durante todo o
período colonial grandes quantidades de terras e inúmeras fazendas. Elas
recebiam também doações, tanto de autoridades locais, como foi o caso de
Jerônimo de Albuquerque para a ordem carmelita em Olinda, como de pessoas
particulares.
Quase todos os colégios jesuítas sustentavam-se mediante a
administração de fazendas e engenhos recebidos como donativos e heranças.
Ilustra essa informação uma correspondência de 20 de Maio de 1726, em que D.
João (1706-1750) pede informação ao Ouvidor Geral de Pernambuco a respeito
dos engenhos que possuem os padres do Carmo de Goiana e Recife, pois
“(...) o Provedor da Fazenda da Capitania de Itamaracá me deu conta de
haver ali dois engenhos chamados Iapomim e Jacaré que possuem os frades
da Reforma de Nossa Senhora do Carmo dos conventos de Goiana e Recife
que adquiriram por tais ou quais doações que lhe fizeram algumas pessoas, e
101 A.H.U., Códice 259, fl. 143 / 143v.
72
um partido de canas em o engenho de (Mariuná), de que é senhor io o vigário
Manoel de Araújo Dadim (...)”. 102
Curiosamente, em uma carta de 22 de Agosto de 1727,
encontramos este mesmo Padre Manoel de Araújo Dadim, agora vigário da Vila
de Goiana, envolvido na prisão do Bacharel João de Barros da Cunha “por
crime de furto de um negro que fez”. Este sendo amigo do capitão mor daquela
capitania, Jozeph Pereira da Silva, que
“(...) logo acudira o dito preso com um soldado chamado Antonio Bandeira
associado de outros mais todos de infantaria da Ilha de Itamaracá que lhe
assistem de presídio (...) e que o dito soldados Antonio Bandeira junto com o
vigário da mesma Vila [de Goiana] Manoel de Araujo Dadim, que da casa do
dito capitão mor também saiu pretensiosamente, e a força de armas tiraram o
preso das mãos dos oficiais d e justiça (...)” 103
A Coroa portuguesa também amparava os missionários nas tarefas
de catequese e cura espiritual com vários subsídios, entre os quais: as
ordinárias, que eram requeridas pelos frades para cada nova missão fundada; o
viático, que era destinado ao pagamento das viagens dos missionários desde o
litoral até o local das missões; e as côngruas, que eram concedidas a alguns
conventos. As ordens regulares também recebiam do monarca português
isenções alfandegárias e doações de terras. Grandes conflitos foram gerados por
conta destas isenções adquiridas pelas ordens. É o que percebemos através de
várias correspondências administrativas coloniais, entre as quais uma de 22 de
fevereiro de 1680, em que Conselho Ultramarino respondendo a uma carta do
Provedor da Fazenda da Capitania de Pernambuco, João do Rego Barros,
informa
“(...) porque Vossa Alteza não tem naquela Capitania mais renda que os
dízimos; e os religiosos de São Bento, e da Companhia, e do Carmo em três
102 A.H.U., Códice 258, fl. 68v. 103 A.H.U., Códice 259, fl. 147.
73
engenhos, e outras muitas lavouras, e gados de que não pagam o dízimo,
havendo sido antigamente estas terras, e fazendas de homens seculares, que
os pagavam, e fazem agora grande diminuição ao contrato. E dando-se vista a
referida carta do Procurador da Fazenda respondeu se devia mandar ao
Provedor da Fazenda, que cobrasse os dízimos das terras e engenhos dos
padres da Companhia, e de São Bento e se meta na posse de os cobrar como
se fez na Bahia, e Rio de Janeiro (...) e que não consinta que terra que foi
dizimeira deixe de o ser por passar a ser de religiosos que entram nela com o
seu encargo e pensão (...)”.104
Em outra carta de 15 de novembro de 1690, o Conselho
Ultramarino responde aos oficiais da Câmara da Paraíba, que tinham informado
como justificativa
“(...) a causa total dessa diminuição [nos contratos dos açúcares] a
calamidade dos tempos, acrescia a esta outra, que não era a menor o
quererem -se introduzir os clérigos a não pagarem os subsídios dos seus
açúcares, pela isenção que tinham as esmolas eclesiásticas, e não satisfeitos
com estas queriam livrar suas lavouras de engenhos e partidas de canas, que
estavam possuindo por compra que fizeram aos seculares (...). Ao Conselho
parece (...) no que toca a se isentarem os clérigos naquela Capitania de
pagarem os subsídios, que eles os cobrem infalivelmente pela posse (...)”. 105
No entanto, numa tentativa de por um fim a esta querela, as
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, promulgadas em 1707,
apesar de entender que o direito canônico não isentava os clérigos de pagarem
os impostos referentes as suas propriedades, lavouras e heranças, o que
acarretava um grande prejuízo à Fazenda Real e, conseqüentemente, ao
pagamento da folha eclesiástica, irá em seu artigo 426 determinar que, “assim
os mesmos vigários, como os mais clérigos devem dízimos dos frutos, e
novidades que cultivam, e colhem em outras quaisquer propriedades, e
104 A.H.U., Caixa 7, PE, p. a. 105 A.H.U., Códice 265, fl. 63v / 64.
74
terras”106, ou seja os religiosos deveriam sim pagar os impostos referentes aos
seus patrimônios.
Dentre as ordens religiosas, os capuchinhos italianos, que se
estabeleceram a partir de 1700 na Bahia, em Pernambuco e no Rio de Janeiro, e
os carmelitas descalços, que foram introduzidos na Bahia em 1665, eram
considerados os mais dedicados à catequese, a conservação da castidade e ao
desapego material.
É preciso também mencionar o papel dos capelães na instituição
eclesiástica existente na colônia. Ao contrário dos padres seculares que
ocupavam postos eclesiásticos, os capelães eram sacerdotes contratados para a
prestação de serviços religiosos. Confrarias e irma ndades, navios negreiros,
expedições ao sertão, e grandes proprietários rurais eram os principais
interessados em contratar estes religiosos para ser serviço. Eles ficavam
praticamente fora do controle do bispo ou da ordem religiosa a que pertenciam,
passando a se incorporar ao grupo ou família para quem oficiava missa,
administrava os sacramentos e ensinava os preceitos da fé católica. Para
Gilberto Freyre, excetuando-se os jesuítas, que viam nos senhores de engenhos
seus “grandes e terríveis” rivais,
“(...) os outros clérigos e até mesmo frades acomodaram-se, gordos e moles,
às funções de capelães, de padres-mestres. de tios padres, de padrinhos de
meninos; à confortável situação de pessoas da família, de gente de casa, de
aliados e aderentes do sistema patriarcal, no século XVIII muitos deles
morando nas próprias casas-grandes. Contra os conselhos, aliás, do Jesuíta
Andreoni que enxergava nessa intimidade o perigo da subserviência dos
padres aos senhores de engenho e do demasiado contato – não diz claramente,
mas o insinua em meias palavras – com negras e mulatas moças. Ao seu ver
devia o capelão manter-se “familiar de Deus, e não de outro homem”; morar
sozinho, fora da casa-grande; e ter por criada escrava velha. Norma que
106 CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA – 1707. Op. cit. Livro Segundo,
tít. XVI, – “Das pessoas que são obrigadas a pagar dízimos, e dos lugares ao mesmo tempo designados”.
75
parece ter sido seguida raramente pelos vigários e capelães dos tempos
coloniais.” 107
Enfim, tendo-se em vista o Padroado Régio Português, coube
fundamentalmente aos padres seculares a ação da Igreja Católica durante o
período colonial, apesar de terem sido as ordens regulares, em especial os
jesuítas, responsáveis por grande parte da tarefa de manter o culto. No entanto,
o número de sacerdotes seculares aumentou mais a partir do século XVII,
principalmente nos centro urbanos e no litoral. Neste período, já tinham nascido
no Brasil a maioria desses clérigos, tendo porém quase sempre o pai, ou o avô
português.
A partir do século XVIII, porém, quando a colonização já estava
consolidada, a atividade religiosa enfraqueceu e o número de padres começou a
decrescer. Bruneau afirma que, no final do século XIX, “havia somente doze
dioceses e 13 bispos em todo o Brasil, e apenas cerca de 700 padres”108. Essa
estimativa pode parecer exageradamente pequena, mas ainda que se dobrasse
esse número, seriam ainda poucos padres para dar um atendimento religioso
frequente e sistemático a uma população dispersa em vilas e povoados carentes
de meios de comunicação e transporte.
Em sua formação eclesiástica, os clérigos sofriam com a falta de
uma formação mais eficiente, estando restritos aos colégios jesuítas, aos
conventos dos regulares e à instrução fornecida, dentro das catedrais, por
prelados mais exemplares. Um panorama dessa situação nos oferece um
documento do Conselho Ultramarino, de 23 de Fevereiro de 1719, que informa
as condições em que eram ordenados os sacerdotes neste período de vacância
episcopal em Pernambuco:
107 FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala . 32a . edição. Rio de Janeiro: Record, 1992. Pág. 195. 108 BRUNEAU, Thomas C. Op. cit. Pág. 56
76
“Nesta Corte, se acham há muitos tempos, os bispos de Pernambuco e Angola,
e as suas dioceses sem prelados que as hajam de pastorear, seguindo-se de
sua falta grandes danos espirituais, assim na relaxação dos costumes das suas
ovelhas como na mais desordens que costumam acontecer na ausência do seu
verdadeiro pastor; não sendo menos para lastimar os que cometem os
eclesiásticos vendo -se sem bispo que os emende, tendo -se por notícia mui
const ante que o Cabido de Pernambuco há ordenado um excessivo número de
pessoas indignas do estado sacerdotal, o que tem causado grande escândalo
naqueles povos e desconsolação, e porque esta matéria é grave, e convém
muito ao serviço de Deus e de V. Majestade, de que se não continuem estes
desconcertos tão prejudiciais (...)”. 109
Seminários episcopais formados nos moldes tridentinos só foram
erigidos no Brasil, ao longo de todo o período colonial, no Rio de Janeiro
(1739), Minas Gerais (1748), Pará (1749) e Pernambuco (1800).
Podemos afirmar, tomando-se por base as informações
explicitadas, que o clero secular era incomparavelmente menos organizado e
ativo do que as ordens religiosas. Levando-se em consideração a extensão
territorial e a precariedade dos meios de comunicação, é fácil de se imaginar as
dificuldades encontradas pelos bispos coloniais para governarem suas dioceses.
Somava -se a isso a indisciplina do clero e a parcimônia do Estado português na
concessão de recursos financeiros suficientes para a devida administração da
instituição eclesiástica no Brasil.
Precisamos lembrar que as nomeações para os cargos eclesiásticos
eram feitas pela Coroa, cabendo apenas ao bispo conferir a dotação dos cargos
aos escolhidos. Sendo assim, podemos afirmar que um pa dre que tivesse bons
“contatos” políticos e gozasse de influência na Corte podia fazer carreira
eclesiástica ainda que fosse relapso em seus deveres religiosos, enquanto que
um padre zeloso, mas sem influência política, poderia não conseguir galgar
todos os degraus no interior da Igreja Católica. Além disso, estando o bispo
109 A.H.U., Códice 21, fl. 307v.
77
subordinado ao monarca lusitano, a autoridade episcopal ficava enfraquecida
pelo Padroado: quando punido pelo bispo, o clérigo podia recorrer ao rei,
suspendendo-se automaticamente a punição até que o caso fosse julgado em
Portugal pelo Tribunal da Mesa da Consciência e Ordens.
Incapazes de plenamente exercerem sua autoridade e de governar
suas dioceses, os bispos em geral se acomodavam à situação de altos
funcionários do Estado, aproveitando as amenidades da vida urbana, sem se
preocuparem muito com a disciplina do clero nem com a assistência religiosa à
população.
Assim, o clero secular vivia praticamente fora do controle da
autoridade episcopal, estando disperso pelas paróquias e cape las do interior, ou,
o que acontecia com mais frequência, ganhando a vida como capelães de
fazendas ou de confrarias e irmandades. Recebendo uma precária formação,
sobretudo depois da expulsão dos jesuítas e do fechamento de seus seminários,
os padres do hábito de São Pedro, como eram conhecidos os padres seculares,
só pertenciam a elite letrada da colônia porque o restante da população era
quase totalmente analfabeta. De fato, a ordenação sacerdotal era muitas vezes
concedida a candidatos praticamente sem preparo.
Tendo recebido algumas noções de latim com o vigário local ou
com algum professor particular, o jovem dirigia -se a uma sede episcopal, onde
recebia mais algum conhecimento dos sagrados cânones e, em poucos meses,
voltava ordenado sacerdote. Nomeados para alguma paróquia, ou contratado
como capelão, esse padre podia ficar até o dia de sua morte sem voltar a ter
contato com o bispo. Formando-se este quadro realista, podemos ter em mente
que o celibato nem sempre era devidamente observado, vivendo muitos padres
em situação de concubinato sem que isso provocasse um grande escândalo entre
os fiéis.
78
Para Gilberto Freyre, no século XVI, com exceção dos jesuítas –
“donzelões intransigentes”, padres e frades de ordens em grande número se
“amancebaram” com índias e negras; os clérigos de Pernambuco e da Bahia
escandalizaram o padre Nóbrega 110. Através dos séculos XVII e XVIII, e grande
parte de XIX, continuou o livre “arregaçar de batinas para o desempenho de
funções quase patriarcais, quando não para excessos de libertinagem com
negras e mulatas”111. Analisando também esse “relaxamento moral”, Sérgio
Buarque de Holanda, em “Raízes do Brasil”, afirma que
“(...) subordinando indiscriminadamente clérigos e leigos ao mesmo poder
por vezes caprichoso e despótico, essa situação estava longe de ser propícia à
influência da Igreja e, até certo ponto, das virtudes cristãs na formação da
sociedade brasileira. Os maus padres, isto é, negligentes, gananciosos e
dissolutos, nunca representaram exceções em nosso meio colonial. E os que
pretendessem reagir contra o relaxamento geral, dificilmente encontrariam
meios para tanto. Destes a maior parte pensaria como nosso primeiro bispo,
‘que em terra tão nova, muitas coisas se ão de dessimular que castigar’.”112
A esses fatores, acrescenta -se o fator econômico para explicar a
fraca organização do clero secular. Ao adquirir o direito de Padroado, o Estado
português se tornou responsável pela sustentação do clero, tendo tomado para si
o direito de arrecadar os dízimos eclesiásticos nas colônias ultramarinas. O
pagamento feito aos clérigos era denominado côngrua. O conjunto das côngruas
de uma capitania constituía a folha eclesiástica paga pela Junta da Real Fazenda
local e que representava a principal justificativa para a cobrança dos dízimos à
população.
110 “A evitar pecados, [esse clero] não veio, nem se evitarão nunca (...). Outras coisas veio fazer que V.R.
e eu deveríamos chorar”, escrevia Nóbrega ao padre Simão Rodrigues em 1553. Depois de seis anos, ele não tinha mudado de opinião, denunciando numa correspondência a Tomé de Souza, padres que insistiam em manter-se eles próprios amancebados com suas escravas, “que para esse efeito escolhiam as melhores e de mais preço”. Citado em VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos Pecados . Op. cit. Pág. 40.
111 FREYRE, Gilberto. Op. cit. Pág. 443. 112 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26a. edição. São Paulo: Companhia das Letras,
1995. Pág. 119.
79
Nas Constituições Primeiras de 1707, encontram-se vários artigos
referentes à justificação da cobrança dos dízimos pela população. Sobre a
cobrança referente ao que era plantado no Brasil, o artigo 418 regulamentava
que
“(...) conforme a doutrina do Apóstolo S. Paulo, nem o que planta, nem o que
rega, mas Deus é o que dá o incremento dos frutos; e por essa razão em sinal
de seu universal domínio, justamente reservou para si a décima parte de
todos. E assim conforme a direito, se d eve à Igreja o dízimo inteiro de todos
os frutos, e novidades: como são mandioca, milho, arroz, açúcar, tabaco,
bananas, aipins, batatas, favas, feijões, e outros legumes; laranjas, limões,
cidras, hortaliças, e coisas semelhantes.”113
Além da côngrua, os párocos coloniais tinham outras fontes de
rendimento, que dependiam das condições sócio-econômicas de cada freguesia.
Dentre essas, a mais polêmica eram as conhecenças, remuneração pessoal que
os fiéis eram obrigados a pagar por ocasião da Quaresma, no momento em que
cumpriam o preceito da confissão anual e da comunhão pascal. Esse
pagamentos foram no Brasil, juntamente com os dízimos, regulamentados pelas
Constituições Primeiras de 1707, mas variavam bastante de local para local.
Com referência às conhecenças, as Constituições regulamentavam que
“(...) conforme os Sagrados Cânones não só se devem às igrejas e ministros
delas os dízimos prediais, e mistos, como fica dito, mas outros que se
chamam pessoais, que são a décima parte de todo o ganho, e lucro
licitamente adquirido por via de qualquer ofício, artifício, trato, mercancia,
soldada, jornais de qualquer serviço, tirados os gastos, e despesas. E porque
o costume tem alterado essa obrigação, de maneira, que em algumas partes
se paga somente uma conhecen ça de certa quantia em dinheiro segundo o
trato de cada um, e assim se usa neste nosso Arcebispado (...)”.114
113 CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA – 1707. Op. cit. Livro Segundo,
tít. XXIII – “Das novidades, e frutos, e do mais de que se deve pagar dízimos”. 114 Idem. Livro Segundo, tít. XXV – “Dos dízimos pessoais, e conhecenças”.
80
Os atos cotidianos do ritual católico, como batismos, casamentos e
enterros, estavam também sujeitos à uma taxação pelo pároco, e constituíam o
seu pé de altar, ou estola. Por outro lado, a Coroa pagava ainda aos párocos os
guisamentos, ou ordinária, uma modesta contribuição que se destinava à
sustentação das atividades do templo, como a aquisição de cera e de vinho, e
que pertencia à fábrica da igreja.
Mas, o Estado português era extremamente parcimonioso no
pagamento das côngruas do clero. É o que demonstra uma comparação feita das
listas das côngruas anuais que recebiam os ministros da Sé de Olinda em 1677 e
1795. A primeira encontramos numa correspondência do Conselho Ultramarino
de 02 de setembro de 1677, em que este emite um parecer sobre o número de
dignidades que deve haver na nova Sé de Pernambuco, e que nos informa que:
“E dando-se vista do decreto referido ao Procurador da Fazenda com as
cópias das ordinárias que se pagam as dignidades e mais prebendas das sés
da Bahia e Cabo Verde respondeu [a Mesa da Consciência e Ordens] que lhe
parecia que as dignidades, cônegos e mais oficiais de Pernambuco se haviam
de regular no número pelos da Bahia ficando porém com alguma diminuição
nos ordenados para que os da metrópole tenham vantagens deles, assim como
ao Deão cem mil réis por ano, as quatro dignidades, (provisor) e vigário
geral chantre, mestre escola e tesoureiro a oitenta cada um, os cônegos a
sessenta, meios cônegos a trinta (...)”.115
Uma ordem régia de 12 de fevereiro de 1719, em que o cabido de
Olinda faz um requerimento pedindo o aumento de côngrua, confirma-nos esses
valores
“Senhor = Prostrados aos Reais Pés de Vossa Majestade seus humildes
vassalos e oradores, o Deão, Dignidades, Cônegos, e meios Cônegos da Sé da
Cidade de Olinda, Capitania de Pernambuco, lhe representaram com a devida
submissão obrigados da sua necessidade e carestia do tempo que a dita Sé foi
115 A.H.U., Códice 265, fl. 17.
81
criada e erigida de novo no ano de 1678 em que se contam até o presente
quarenta anos, com as limitadas côngruas de cem mil réis ao Deão, oitenta a
cada uma das quatro Dignidades, que são Chantre, Tesoureiro Mor,
Arcediago, e Mestre Escola, sessenta cada um dos seis Cônegos, e trinta a
cada um dos dois meios Cônegos (...)”.116
Guilherme Pereira das Neves nos dá os seguintes valores das
côngruas do cabido de Olinda para o ano de 1795: duzentos mil réis para o
deão, cento e sessenta para cada uma das quatro dignidades, cento e vinte para
cada um dos cônegos, entre os quais o doutoral, magistral e penitenciário, e
sessenta mil réis por ano para cada meio-cônego 117.
Nas principais cidades coloniais, estes religiosos dispunham de
uma irmandade própria, a dos clérigos de São Pedro, sendo conhecidos então
por religiosos da Ordem de São Pedro.Mas, mesmo esta não oferecia uma
igualdade de apoio para todos religiosos, é o que percebemos através de uma
carta de 5 de dezembro de 1732, em que o rei de Portugal, D. João V (1706-
1750), através de uma petição do Padre Cipriano Ferraz de Farias que, tendo
sido excluído da Irmandade por ser pardo, informou o monarca que
“(...) sobre a alteração que fizeram os Irmãos da Mesa da Irmandade dos
Clérigos Sacerdotes, cita na Igreja de S. Pedro da Vila de Recife contra o
estilo, e posse que havia de se admitirem por irmãos sacerdotes brancos, e
pardos e pessoas seculares de um e outro sexo, tomando [a dita Irmandade]
por acordo excluírem da mesma Irmandade clérigos pardos, inovando por este
modo o que sempre se observou (...) o façais admitir por irmão dela na forma
que se erigiu dando quatro mil réis de entrada.”118
Dentro da hierarquia eclesiástica existente, os seculares mais
abastados podiam se inserir nos Cabidos, ocupando uma de suas dignidades,
116 Livro 11o. de Ordens Régias (1717-1720), fl. 115 / 119v. 117 NEVES, Guilherme Pereira das. Op. cit. Pág. 69, 118 A.H.U., Códice 260, fl. 103 / 103v.
82
para as quais se exigia, em princípio, um grau universitário, ou nas Irmandades,
pois estas, como vimos na documento acima, para o caso da Irmandade do
Recife, em 1732, exigiam “quatro mil réis de entrada”. Para o restante da
“massa indistinta de clérigos”, eram oferecidos cargos mais acessíveis como os
de Capelão, cuja atribuição já tratamos anteriormente. Alguns clérigos, no
entanto, preferiam ocupar o cargo de coadjutor 119, recebendo uma remuneração
de até 25$000 réis por ano 120.
Quando os moradores de uma certa povoação sentiam a
necessidade de ter um padre próprio tomando conta de sua capela, fixavam uma
cota para seu sustento e dirigiam ao bispo uma petição, a fim de que lhes fosse
nomeado um sacerdote. A partir de então, iniciava-se um processo, sempre
muito demorado, para o estabelecimento de uma jurisdição própria. Se a
resposta concedida pela Mesa da Consciência e Ordens fosse positiva, um
vigário temporário era nomeado e encaminhava -se ao monarca português uma
petição para que este fosse colado.
Esses vigários, os quais se denominava colados, eram na prática
funcionários da Coroa, favorecidos por um privilégio vitalício. Os bispos
concediam aos padres a missão canônica, segundo a qual eles ficavam
autorizados a administrar os sacramentos em sua juris dição. Pela longa
permanência nas freguesias, esses párocos adquiriam uma importância
fundamental para seus fregueses, sua autoridade, tanto no plano civil, como no
religioso, era incontestável.
O bispo e o provisor mor do reino deveriam emitir um parecer
sobre o pedido da criação da paróquia colada. Chegando o processo às mãos do
Rei, este concedia a colação, determinando a respectiva côngrua de seu vigário.
119“Sacerdote adjunto de um pároco ou bispo, nomeado para ajudá-los ou substituí-los no exercício de
suas funções”. TRINDADE, José da Santíssima, Dom Frei. Op. cit. Pág. 396 (Glossário de Termos). 120 SILVA, Maria Beatriz Nizza da (org.). Dicionário da História da Colonização Portuguesa no Brasil.
Op. cit. Pág. 174.
83
A confirmação de uma paróquia colada indicava o reconhecimento, por parte
das autoridades colonia is e de “El- Rei”, da consolidação de uma área de
ocupação com certa representatividade econômica ou expressão política. Sendo
assim, podemos afirmar que , onde existiam núcleos urbanos e população à qual
se podia cobrar o dízimo, conseguia -se com mais facilidade a nomeação de
vigários colados.
No entanto, os antigos povoados em desenvolvimento, ou mesmo
os novos, necessitavam também da presença de sacerdotes que pudessem
administrar os sacramentos. Afastada a possibilidade de nomear vigários
colados, os bispos contavam apenas com o recurso de estabelecer curatos
através das chamadas paróquias encomendadas. Encomendar uma freguesia
nada mais era do que nomear um pároco temporário e de livre remoção por
ordem do bispo. Ele não era selecionado através de concurso, nem era
examinado pelo seu conhecimento da doutrina, exigindo-se apenas idoneidade
moral.
Esse clérigo deveria ser sustentado pela comunidade. Sendo assim,
tendo-se em vista a precariedade dos auxílios financeiros fornecidos pelos fiéis,
passou a ser normal a prática do recolhimento do pé de altar e das conhecenças
para o sustento do pároco. Essas contribuições eram ao mesmo tempo, segundo
os sacerdotes, insuficientes para seu sustento e, para os fregueses, “uma pesada
carga para sua comum pobreza”121. Para ilustrarmos essa afirmativa, citaremos
o caso do vigário Antonio da Silva e Melo de quem os moradores da Paraíba se
queixavam ao Conselho Ultramarino, por uma carta de 6 de junho de 1731,
“[que o dito vigário] os obrigava com censuras a pagar maiores conhecenças
pela desobriga do que era costume na dita Capitania ”.122
121TORRES-LONDONÕ, Fernando. “Paróquia e comunidade na representação do sagrado na colônia”. In
TORRES-LONDOÑO, Fernando (org.). Paróquia e Comunidade no Brasil – Perspectiva histórica. São Paulo: Paulus, 1997. Pág. 59.
122 A.H.U., Códice 259, fl. 360.
84
As paróquias encomendadas que, até o início do século XVIII,
eram bastantes numerosas, proporcionavam o fortalecimento dos bispos em
relação ao pároco colado, uma vez que nestas eles poder iam remover os
vigários inconvenientes.
No Brasil colonial, as funções básicas do pároco concentrava-se na
administração dos sacramentos, juntamente com o registro destes e a chamada
cura de almas. De acordo com o Concílio de Trento, a paróquia e,
particularmente, o pároco tinham um papel muito importante na reta
administração dos sacramentos. Os casamentos e os batismos deveriam ser
realizados, na maioria das vezes, na igreja paroquial, tendo que ser registrados
nos livros da paróquia. O primeiro confessor da paróquia era o pároco, sendo
ele e seus coadjutores responsáveis pela administração da comunhão e da
extrema - unção.
Além de administrar os sacramentos, o pároco devia proceder a
cura de almas para seus fregueses. Esta “cura de almas” era a chamada ação
pastoral, que compreendia a pregação, o aconselhamento dos fiéis, o ensino da
doutrina cristã, a missa dominical, o cuidado do templo e a assistência aos
pobres. O ensino da doutrina, tanto dentro da própria missa, como através da
instrução das crianças e dos ignorantes, era considerado pelas Constituições
Primeiras 123, promulgadas em 1707, como uma atividade à qual o pároco
deveria se dedicar com todo o esmero.
Ainda dentro de suas funções, cabia ao pároco fazer da igreja um
espaço de oração e de santidade. Ele cuidaria para manter o templo, mesmo
pobre, em bom estado e aparelhada com os paramentos necessários à
administração dos sacramentos, como a pia batismal, o confessionário e o altar.
Garantiria o decoro e o bom comportamento de seus fiéis no interi or da igreja,
separando as mulheres dos homens, fazendo com que as pessoas estivessem em
123CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA – 1707. Op. cit. Livro Primeiro,
tit. III – “Da especial obrigação dos párocos para ensinarem doutrina cristã a seus fregueses”.
85
silêncio, olhando sempre para a frente do altar 124. Muitas vezes, no entanto, o
real ia de encontro com o ideal, como assinalou Luiz Mott, referindo-se às
impressões dos cronistas quanto
“(...) a falta de compostura por parte dos participantes, mau exemplo advindo
dos próprios curas e celebrantes, ora displicentes no trajar, ora irreverentes
nos olhares e risadas, clérigos e leigos ávidos de aproveitar aqueles preciosos
momentos de convívio intersexual a fim de fulminarem olhares indiscretos,
trocarem bilhetes furtivos e, os mais ousados, tocarem maliciosamente o
corpo das nem sempre circunspectas donzelas ou matronas (...)”. 125.
O padre deveria exercer o poder fiscalizador e disciplinador entre
os seus fiéis, usado a sua condição de autoridade, o que era condizente à época.
Para tal atitude contava com os recursos que iam desde a acusação de alguém,
no púlpito, como devasso e pecador ou a exposição de seu nome na porta da
igreja, até medidas que incluíam o uso da violência. Este reforço colonial de um
traço do Concílio de Trento fez do pároco um instrumento de controle e da
paróquia, um espaço de disciplina. Os sacerdotes coloniais tinham o direito
reconhecido de se imiscuírem em muitos assuntos específicos e particulares,
tanto na vida doméstica dos casais, quanto na educação dos filhos, afim de
intervir e fiscalizar a ação dos pais. Na análise de Caio Prado Jr
“(...) de um modo geral, consideram-se os religiosos como zeladores dos bons
costumes; e contam para isso com sanções que vão desde as repreensões,
expondo os faltosos à reprovação pública, até às penalidades mais
específicas, inclusive a maior delas, a excomunhão, que exclui o indivíduo do
grêmio da Igreja. (...) O anátema religioso isolava o atingido por ele num
círculo distante de repulsa geral; fazia dele um banido da sociedade, de seus
semelhantes.”126
124CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA – 1707. Op. cit. Livro Segundo,
tit. I – “Do santo sacrifício da missa: sua instituição, frutos, e efeitos”, e tit. II – “Da preparação interior, e exterior, que se requer nos sacerdotes para dizerem Missa”.
125MOTT, Luiz. “Cotidiano e vivência religiosa: entre a capela e o calundu”. In: SOUZA, Laura de Mello e (org.). História da Vida Privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa. 5a. reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. Págs. 161-162.
126 PRADO JR., Caio. Op. cit. Pág. 330
86
No Brasil colonial, marcado fortemente pelo padroado régio,
coube à Igreja Católica assumir inúmeras funções em nome do Estado
português. Na imensidão de um território, que aumentava cada vez mais com a
conquista do sertão, a representação da freguesia preenchia a falta de
autoridades e jurisdições civis. Mesmo sem ser coladas ou reconhecidas pelo
rei, as paróquias encomendadas, os curatos e as capelanias constituíam espaços
que só muito tempo depois foram devidamente ocupados pelos poderes civis.
Como exemplo dessa “intromissão” dos párocos nas atribuições do
poder civil, usaremos um “Mapa que Mostra o Número dos habitantes das quatro
Capitanias deste Governo: Pernambuco; Paraíba; Rio Grande; e Ceará divididas nas 5
Comarcas Eclesiásticas”, de 31 de outubro de 1791, a que estava o Governador de
Pernambuco, Martinho de Melo e Castro, encarregado de mandar para Portugal, mas
que, na realidade, era elaborado pelos párocos das referidas comarcas, como podemos
perceber no seguinte trecho:
“ (...) A demora que tem havido na Remessa deste Mapa, que se manda enviar de seis
em seis meses, não procede de culpa minha, por que logo no principio do meu Governo
expedi uma Carta de oficio ao Bispo desta Diocese para que com brevidade possível se
me enviassem as Relações distribuídas pelas classes determinadas na dita ordem; e só
em Agosto próximo pretérito é que as ditas Relações me foram entregues, dizendo-me o
Bispo que as longitudes, e faltas que experimentara nos Párocos eram coisas de ter
havido tão grande demora.”127
Através do cumprimento de obrigações religiosas, como o
pagamento do dízimo, ou as desobrigas, a autoridade colonial se fazia presente.
Não era diferente no espaço do poder judiciário, onde a justiça eclesiástica se
fazia presente através das devassas eclesiásticas. Em algumas regiões, os
dízimos eram os únicos tributos cobrados, as desobrigas eram os melhores
censos, as devassas eclesiásticas, a justiça mais efetiva, e o pároco, a única
autoridade 128.
127 A.H.U., Caixa 88, PE, papéis avulsos. 128 TORRES-LONDOÑO, Fernando. “Paróquia e comunidade na representação do sagrado na colônia”.
Op. cit. Págs. 67-68.
87
3o. CAPÍTULO – PERNAMBUCO: CLERO E SOCIEDADE
A DIOCESE DE PERNAMBUCO
período existente entre a restauração de Pernambuco, em 1654, e
a criação de seu bispado, em 1676, foi de intensa reconstrução da
capitania. Sua jurisdição eclesiástica, estando subordinada à diocese da Bahia, ficou,
durante mais de vinte anos, entregue a um vigário geral nomeado pelo bispo da sé
colonial. As principais ordens religiosas que tiv eram praticamente todos os seus
conventos depredados, reiniciaram seus trabalhos apostólicos após reconstruí -los 129.
Neste momento já existia um número significativo de sacerdotes
seculares e frades, em Pernambuco, que viviam nesta capitania e prestavam assistência
religiosa neste território tão extenso e distante da sede da bispado, em Salvador.
Sebastião Galvão nos informa que em Olinda, no ano de 1629, já existia uma numerosa
população,
“(...) sendo constituída por 82 ruas principais. Ela possuía habitações e edifícios
particulares tão suntuosos que até as fechaduras eram de prata. Em todo o Brasil não
havia então nenhum centro populoso mais rico; mas, do mesmo modo que crescera em
opulência, aumentara bastante em desorganização social. Estava dividida em duas
freguesias, possuía um colégio de Jesuítas, um convento de carmelitas, um de
beneditinos, um de franciscanos, um mosteiro de freiras, um hospital de misericórdia
com igreja, os dois templos paroquiais, S. Salvador e S. Pedro Mártir, e mais cinco
capelas filiais. Em seu seio havia 130 padres e frades, [e] um alentado comércio
(...)”.130
129 “A partir de 1654 é realizada a restauração de Pernambuco. Olinda se reedifica aos poucos e goza
outra vez dos foros de capital. Aí residiam os governadores e todas as autoridades. Seus edifícios são reerguidos, seus templos e conventos são reparados e reconstruídos”. VASCONCELLOS, Sebastião Galvão de. Dicionario Chorographico, Historico e Estatistico de Pernambuco, vol. 1 (A-O). Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1908. Pág. 410.
130 Idem. Págs. 409-410.
O
88
Consolidando a importância desta capitania no período anterior à invasão
holandesa, em 1614, foi concedida a autorização para a criação da prelazia de
Pernambuco. Esta ficava independente do bispado da Bahia, mas sendo seu
administrador eclesiástico subordinado ao bispo daquela Sé. A jurisdição desta nova
prelazia estendia -se por todo o norte do Brasil, que abrangia as capitanias de
Pernambuco, Paraíba e Maranhão. A ca pitania de Pernambuco foi escolhida como séde
desta administração tendo-se em vista o seu desenvolvimento econômico, a dificuldade
das visitas para o bispo de Salvador, os costumes do clero já bastante deficientes e a
necessidade de corrigir os inúmeros abusos decorrentes da falta de uma maior vigilância
religiosa.
No entanto essa separação da jurisdição eclesiástica de Pernambuco teve
uma vida curta, sendo encerrada em 1624. Após insistentes pedidos, a pressão exercida
pelo quinto bispo da Bahia, D. Marcos Teixeira, obteve sucesso e o território que tinha
ficado sob a administração da prelazia de Pernambuco voltou a ser anexado ao bispado
da Bahia. A prelazia de Pernambuco teve como único administrador o padre Antônio
Teixeira Cabral, clérigo do hábito de S. Pedro que assumiu em 8 de Fevereiro de 1616.
Na primeira metade do século XVII, nos principais núcleos povoados da
Capitania de Pernambuco, existia um grande número de sacerdotes seculares, nem todos
de atitudes irrepreensíveis, que administravam as paróquias de S. Salvador e S. Pedro de
Olinda, Várzea, S. Lourenço, Muribeca, Santo Antônio do Cabo, Porto Calvo,
Iguarassu, Itamaracá, Serinhaém, Goiana e talvez Ipojuca e Una. As outras igrejas como
a do Hospital da Misericórdia, do Amparo, de Guadalupe em Olinda e até mesmo as
capelas dos engenhos, tinham os seus respectivos capelães. Em paróquias maiores como
a da Várzea, o vigário recebia o auxílio de um padre coadjutor 131.
Contudo, só algum tempo após a expulsão dos holandeses, em 16 de
Novembro de 1676, é que foi erigido o bispado da capitania de Pernambuco. Essa
131 BARATA, Cônego José do Carmo. História Eclesiástica de Pernambuco. Recife: Imprensa Industrial,
1922. Págs. 20-21.
89
elevação ocorreu através da bula Ad Sacram Beati Petri Sedem, expedida pelo papa
Inocêncio XI que, através deste mesmo documento apostólico concedeu à Olinda o foro
de cidade, para que deste modo a mesma pudesse servir de sede para este novo bispado.
Nesta mesma data foi expedida a bula que estabeleceu o bispado do Rio de Janeiro e a
bula que elevou a arcebispado a igreja episcopal da Bahia, com a categoria de primaz e
metropolitano do Brasil.
O novo bispado de Pernambuco abrangia em seu território, pela costa,
desde a foz do rio S. Francisco até Fortaleza, no Ceará. Sobre a totalidade desta
extensão territorial, Pereira da Costa nos dá a seguinte informação:
“A diocese de S. Salvador de Olinda é uma das mais vastas não só no Brasil como de
todo o mundo católico, e outrora foi ainda mais extensa, porque além do território
propriamente pernambucano, que agora a constitui, possui mais os de Alagoas,
Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí, grande número de paróquias situadas na
Bahia, Minas Gerais e Goiás; e com relação ao Ceará cumpre notar, que designando a
bula de criação do bispado de Olinda os seus limites ao Norte até a Fortaleza do
Ceará, isto é a sua atual capital, posteriormente estenderam-se a todo o território da
capitania até os seus extremos do Norte por alvará de D. João V de Portugal, cuja data
se ignora.”132
Para explicar tão grande subordinação administrativa, cumpre informar
que após a expulsão dos holandeses, a capitania de Pernambuco, que dispunha de um
excelente porto natural, ganhou importância e passou a consolidar a sua influência sobre
as capitanias do Nordeste. Por razões de ordem administrativa, a Coroa portuguesa
decidiu hierarquizar as capitanias, classificando as de maior importância como
capitanias gerais, como foi o caso de Pernambuco, e as de menor destaque como
capitanias anexas. E foi neste sistema que ficaram como dependentes de Pernambuco as
capitanias de Itamaracá, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará 133.
132 COSTA, F. A. Pereira da. Anais Pernambucanos, vol 4 (1666-1700) . Prefácio de Evaldo Cabral de
Mello. 2a edição. Recife: FUNDARPE, Diretoria de Assuntos Culturais. Pág. 110. 133 ANDRADE, Manuel Correia de. Op. cit. Pág. 14.
90
Apesar da diocese de Pernambuco ter sido confirmada pelo “Santíssimo”
Papa Inocêncio XI no ano de 1676, como já foi dito anteriormente, Domingos Loreto
Couto informa que apenas em “21 de Maio de 1679, dia em que caiu a festividade do
Espírito Santo, se deu princípio a rezar horas canônicas na Sé de Olinda (...)134”.
O primeiro bispo desta diocese foi D. Estevão Brioso de Figueiredo, que
tendo sido escolhido por D. Pedro II (1683-1706), foi confirmado pelo papa em 16 de
Novembro de 1676. Porém, somente assumiu pessoalmente o governo do novo bispado
em Abril de 1678. Um de seus primeiros atos foi a criação do Cabido da Sé de Olinda,
tendo posteriormente visitado as igrejas desta cidade, das vilas e de povoações vizinhas.
Ele também visitou o Rio Grande do Norte, conseguindo chegar até o Ceará. O governo
de D. Estevão Brioso durou até Novembro de 1683, quando ele retornou à Lisboa,
deixando a administração eclesiástica de Pernambuco entregue ao padre João Duarte do
Sacramento. Quando o Cabido, meses depois exigiu que o padre João Duarte lhe
entregasse o governo da diocese, o mesmo foi confirmado como bispo de Pernambuco.
D. João do Sacramento, no entanto, não chegou a tomar posse do bispado, vindo a
falecer em 10 de Janeiro de 1686.
Seu sucessor, D. Mathias de Figueiredo Mello, foi confirmado pelo papa
Inocêncio XI em 12 de Maio de 1687, mas só tomou posse em 29 de Junho de 1688.
Durante sua administração eclesiástica, D. Mathias, a pedido da Câmara de Olinda,
assumiu o governo civil da capitania de Pernambuco durante o período de 23 de
Setembro de 1688 até 25 de Maio de 1689, quando o entregou à Antônio Luis
Gonçalves da Câmara Coutinho. Desta sua atuação como governador da capitania
podemos destacar um caso, que foi assim descrito por Pereira da Costa:
“Mandando D. Matias afixar editais proibindo que na cidade de Olinda entrasse
pessoa alguma com armas, sucedeu que o coronel Francisco Berenger de Andrada, um
dos homens mais notáveis da terra, não só pela sua família como pela sua fortuna, e
cunhado de João Fernandes Vieira, ou por ignorância ou por imprudência, não
observasse aquela ordem. Mas apesar de todos aqueles predicados não ficou ele sem
134 COUTO, Domingos Loreto. Op. cit. Pág. 187.
91
castigo, porquanto o bispo expediu imediatamente ordem para o prender. Logo, porém,
que o delinqüente teve conhecimento daquela ordem, refugiou -se no Colégio dos
Padres Jesuítas da Cidade, cuja imunidade o protegia; porém o bispo mandou intimar
ao reitor a sua entrega, e não sendo obedecido, mandou imediatamente por o Colégio
em cerco, e efetuou não só a prisão do Coronel Francisco Berenger, como também a
dos padres que se opuseram à sua entrega (...)”.135
Cumpre informar que neste período os infratores pertencentes à
jurisdição eclesiástica eram recolhidos à cadeia pública de Olinda, apesar de ela não ser
um aljube136, que seria o lugar específico para a detenção dos clérigos. Este “arranjo”
no recolhimento dos religiosos, informa-nos uma carta de 16 de Fevereiro de 1686, em
que D. Pedro II (1683-1706) trata com o Ouvidor de Pernambuco de uma petição feita
pelo deão do Cabido de Olinda, “(...) que me representou haver-se concedido ao bispo
Dom Estevão Briozo de Figueiredo que enquanto nessa capitania se não fizesse aljube
para os presos pelo eclesiástico fossem recolhidos nas cadeias públicas (...)”137.
As Constituições de 1707 procuram remediar esta situação estabelecendo
em seu Livro Quatro, no título XV, por quais delitos e aonde deveriam ser presos os
religiosos. Ele determinava que apenas os eclesiásticos que estiverem envolvidos “nos
crimes mais graves e atrozes” sejam presos nos aljubes, estando já condenados ao
degredo perpétuo ou temporário nas galés, ou para Angola e São Tomé. Determina
ainda que os ministros eclesiásticos evitem “prender os clérigos nas cadeias públicas
seculares, que por provisão de S. Majestade servem de aljube neste Arcebispado; e
procuraram que os carcereiros tratem aos que forem presos com boa cortesia (...)”138.
No entanto, vemos, através de uma carta régia expedida pelo Conselho
Ultramarino em 24 de Abril de 1730, que este impasse demorou a ser resolvido. Nela,
D. João V recomenda ao Juiz de Fora da Capitania de Pernambuco, que providenciasse
135 COSTA, F. A. Pereira da. Anais Pernambucanos, vol. 4. Op. cit. Pág. 311. 136 “Cárcere, prisão do bispo”. SILVA, Antônio de Moraes. Dicionário de Língua Portuguesa, vol. I (A-
E). Op. cit. Pág. 90 137 A.H.U., Códice 256, fl. 61. 138 CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA - 1707. Op. cit. Livro Quatro, tít.
XV – “Que os clérigos não sejam presos no aljube senão por casos muito graves”.
92
para que nas cadeias do Recife e Olinda “estejam os clérigos que se mandarem para
elas presos, com toda a decência, pondo-os naquelas casas que serem de prisão às
pessoas mais graves”. O rei de Portugal havia sido informado, por uma petição do bispo
D. Frei José Fialho, dos inconvenientes a que eram submetidos os eclesiásticos
recolhidos às cadeias públicas, “servindo de grande escândalo, e indecência contra o
hábito sacerdotal acharem-se os tais clérigos na companhia de seculares facinorosos,
sendo os mais deles pardos, e negros”139.
Essa situação só foi remediada em 1764, quando o bispo D. Francisco
Xavier Aranha determinou que se construísse em Olinda um edifício destinado ao
recolhimento dos criminosos pertencentes à jurisdição eclesiástica.
Tendo D. Matias de Figueiredo falecido em Junho de 1694, foi sucedido
por D. Frei Francisco de Lima, carmelita que chegou à capitania de Pernambuco em
Fevereiro de 1696. Durante toda a sua administração este bispo empregava todos os
seus rendimentos no recolhimento dos índios para as 30 missões que então existiam
nesta diocese 140. Ele mesmo, apesar de já ter então mais de 70 anos de idade, realizou
visitas pastorais em várias freguesias e aldeias, tendo em uma delas chegado até o Piauí,
onde criou a freguesia de Oeiras em 1696.
Com o falecimento de D. Francisco de Lima em 1704, teve início no
bispado de Pernambuco um longo período de vacância, pois seu sucessor, D. Manoel
Álvares da Costa, só tomou posse desta diocese em Fevereiro de 1710. Foi durante a
administração eclesiástica deste bispo que eclodiu o conflito que normalmente é
denominado pela historiografia de “Guerra dos Mascates”, ocorrida entre os moradores
de Olinda e Recife. Foi durante essa contenda que um bispo novamente assumiu o
governo da capitania no período de Novembro de 1710 até Outubro de 1711, quando o
entregou à Félix Machado de Mendonça.
139 Livro 13o de Ordens Régios (1726-1733), fl. 48v / 49v. 140 BARATA, Cônego José do Carmo.Op. cit. Pág. 50.
93
O sucessor de D. Manoel Álvares da Costa foi D. José Fialho, que
chegou à Pernambuco em Novembro de 1725. Para Domingos Loreto Couto, esse bispo
“(...) na missão e visita que fez penetrando pelo sertão imensas léguas, empresa sempre
difícil pela distância das terras, fragosidade dos caminhos e dificuldade de muitos
incômodos, por todas cortou o incansável, e animoso zelo deste prelado, por dar com a
sua presença consolação as suas ovelhas, e para lhes dar pasto da sua doutrina não só
por meio da visita, com que reforma costumes, mas pelas fervorosas missões, que fazia
nas igrejas que visitava (...)”.141
Este bispo administrou a diocese de Pernambuco até Fevereiro de 1739,
quando foi transferido para o arcebispado da Bahia. Após alguns meses de vacância, o
governo do bispado de Pernambuco foi entregue a D. Frei Luís de Santa Teresa,
carmelita que chegou a esta capitania em 24 de Julho de 1739. Excepcionalmente deste
bispo podemos resgatar algumas informações de sua viagem de Lisboa à Pernambuco.
Em uma carta remetida para sua mãe, em que descreve esta atribulada jornada,
destacamos o seguinte trecho, que achamos mais contundente no que diz respeito as
dificuldades que neste período enfrentavam os que se propunham vir para o Brasil:
“(...) Foram crescendo as doenças em a gente da nau de sorte que de sessenta os
cinqüenta estavam doentes e não havia gente para o serviço da nau, e era em nós
grande o medo de que se levantasse algum temporal por que não havendo quem
trabalhasse certamente nos iríamos a pique. Como esses homens tem tão pouca
caridade uns com os outros estavam os doentes desamparados e iam morrendo. A nossa
família trazia sete Sacerdotes dos quais quatro são religiosos e movidos da sua
caridade tomarão por sua conta servir aos enfermos Corporal e espiritualmente e
trabalharão tanto e com tanto fervor que expuseram as vidas e todos as tivemos em
grande perigo (...) Além disto usam os marítimos defumar os navios quando há doenças
com alcatrão, e era tanto o fumo que faziam com umas velas que levavam cheias de
alcatrão que se afogava agente e desfalecia a cabeça, e como ali se não podia andar em
pe por que se andava por cima de arcas e fardos e estas cobertas são muito baixas aqui
141 COUTO, Domingos Loreto. Op. cit. Pág. 196.
94
e ali pegavam os hábitos e doíam as costas muito e os calçados que tem hábitos mais
finos andavam todos rotos e os traziam em tiras (...)”142
Esta conturbada travessia do Atlântico, ainda explicaria o constante não
cumprimento da visita ad limina , que eram os bispos obrigados a fazerem à Cúria
Romana pelo menos uma vez durante sua administração eclesiástica. Sobre o decorrer
desta viagem, ainda salientamos o seguinte trecho:
“(...) foram morrendo vários nossos da nau e eram tirados de rastos por cima dos
outros enfermos para os amortalhar, amortalhados os levávamos sobre uma tábua ao
convés do navio aonde os púnhamos, e lhe rezávamos seus responsos e lhe cantávamos
a sua encomendação d’alma e os lançávamos ao mar, mas o que causava horror era
ver a nau cercada de tubarões que são uns animais que comem gente e parecem
dragões do mar, e apenas caía o defunto com seu peso aos pés para se ir ao fundo iam
sobre ele como uns raios para o devorar (...)”.143
Deste bispo também destacamos que, quando da sua chegada ao Recife,
tendo sido recebido pelos “prelados das Religiões e várias pessoas da primeira nobreza
desta terra”, encontrou a Sé de Olinda em precário estado de organização. É o que nos
informa uma carta de 13 de Dezembro de 1739, em que D. Frei Luís de Santa Teresa
informa ao rei de Portugal, D. João V (1706-1750), que “devo a Vossa Majestade dar-
lhe conta de todos os particulares deste bispado, e agora o faço especialmente pelo que
toca a esta Sé. Enquanto ao formal e material, se acha em um estado deplorável, por
não haver quem faça as funções nem se saberem as cerimônias”. Comunica ainda que o
Cabido desta catedral estava totalmente desprovido de religiosos, encontrando apenas
nela “o tesoureiro mor que tem oitenta anos, trêmulo e cego” e que as demais
dignidades estavam ausentes pois “o arcediago e [o] chantre foram-se para a Bahia
com o meu antecessor (...), o mestre escola anda fugitivo, e criminoso, os demais
tomam os seus estatutos, e desamparam a Sé”.144
142 Carta de D. Frei Luis de Santa Teresa, em que descreve sua viagem de Lisboa à Pernambuco, ao qual
chegou em 24 de Julho de 1739. 143 Idem. 144 A.H.U., Maço 64, PE, d. o.
95
Podemos afirmar que na segunda metade do século XVIII, a diocese de
Pernambuco era formada por três cidades: Olinda, Paraíba e Natal. Para o Cônego José
do Carmo Barata, o bispado, no que diz respeito à sua administração, era “dividido em
três comarcas eclesiásticas: Olinda, Manga e Ceará ”, sendo suas paróquias distribuídas
em quatro regiões. As regiões existentes ao Norte de Olinda eram compostas por 24
paróquias e curatos, em todos as matrizes eram sustentadas com poucos rendimentos,
sendo construídas em taipa “e pouco dotadas das alfaias145 necessárias, tendo além das
matrizes 240 capelas ou oratórios filiais para a administração dos sacramentos”. Já as
regiões localizadas ao Sul da diocese eram compostas por 19 paróquias e 4 curatos
“com 232 capelas filiais”146.
Em 1757, Domingos Loreto Couto nos informa sobre a divisão da
administração eclesiástica do bispado de Pernambuco neste período:
“Das Freguesias umas tem vigários colados, confirmados por El Rei, outras curas
anuais, todas tem coadjutores, sacristãos, e mestre de música. A freguesia do Recife
tem vigário confirmado que assiste da parte do Recife, dois administradores dos
sacramentos, um sacristão, e um sota sacristão, um prioste, um clér igo do Bangüê, que
acompanha à sepultura os pretos defuntos, que não são Irmãos do Rosário, e um mestre
de capela. Da parte de S. Antônio assiste um coadjutor que é confirmado por El Rei,
dois administradores, e um sacristão. Rende esta freguesia para o seu vigário mais de
cinco mil cruzados. A freguesia da Manga tem vários administradores de sacramento, e
para o vigário rende mais de doze mil cruzados147. A da cidade da Paraíba tem dois
administradores , coadjutor, sacristão e mestre de música, e rende mais de três mil
cruzados; e o mesmo rendimento tem a freguesia de Goiana. (...)Todos os engenhos tem
capelães, que por pensão, que lhe fazem seus donos, e lavradores de canas, são
obrigados a dizer missa em Domingos e dias de preceito para a ouvirem os moradores
do lugar (...)”.148
145 “Objetos e paramentos utilizados em cerimônias e cultos litúrgicos da Igreja Católica. O termo pode
ser empregado tanto no singular quanto no plural. É costume dizer-se alfaias sagradas e, genericamente, ornamentos”. TRINDADE, José da Santíssima, Dom Frei. Op. cit. Pág. 393 (Glossário de Termos).
146 BARATA, Cônego José do Carmo. Op. Cit. Págs. 54-55. 147 A razão de tão grande diferença nos rendimentos do vigário da Manga para os vigárias das outra
freguesias, talvez seja as minas de ouro descobertas nesta região em 1744, “que atraíram uma multidão de gente calculada em quinze mil pessoas”. Citado em BARATA, Cônego José do Carmo. Op. cit. Pág. 55.
148 COUTO, Domingos Loreto. Op. cit. Pág. 188.
96
Neste momento a cidade de Olinda era composta por 3272 habitantes,
que moravam em quase 1000 casas “entre as quais se vêem muitas de boa
arquiteturas”, sendo estes assistidos espiritualmente por 45 sacerdotes seculares e, nos
conventos, por 146 religiosos149. No que se refere a Recife o cônego José do Carmo
Barata informa que “no convento de S. Francisco do Recife residiam regularmente 50
franciscanos, no do Carmo da mesma cidade 45 carmelitas e no da Madre de Deus
mais de 50 sacerdotes” 150.
Sobre os templos das ordens religiosas existentes na época em que
Domingos Loreto Couto escreveu suas crônicas (1757), lê -se:
“(...) tem este bispado dois mosteiros e quatro hospícios de S. Bento, oito conventos de
S. Francisco, um de religiosos barbadinhos italianos, e um hospícios dos esmoles de
Jerusalém. Quatro conventos, e cinco hospícios de carmelitas reformados. Dois
conventos, e dois hospícios de carmelitas observantes, e um convento, e um hospício de
carmelitas descalços. Tem quatro colégios, dois seminários, e um hospício dos padres
jesuítas. Um convento e um hospício dos padres congregados de S. Felipe Néri. Quatro
recolhimentos de donzelas, e mulheres honestas, que vivem em clausura como
religiosas em seus claustros (...)”.151
OS CONTATOS SOCIAIS DO CLERO DENTRO DOS NÚCLEOS URBANOS
COLONIAIS DA CAPITANIA DE PERNAMBUCO
O padre, no que diz respeito ao seu papel social, ficava em meio às
pressões institucionais da Igreja e do Estado português para cumprir as suas funções e
satisfazer as necessidades físicas e afetivas da sua vida cotidiana. Isso talvez explique os
inúmeros conflitos que existiam entre os párocos e os fiéis de uma freguesia por causa
do desmazelo da paróquia ou por abuso de autoridade. Ilustrando essa participação do
149 Idem. Pág. 147. 150 BARATA, José do Carmo. Op. cit. Pág. 57. 151 COUTO, Domingos Loreto. Op. cit. Pág. 188.
97
padre na vida dos fiéis, uma carta do Conselho Ultramarino de 13 de Maio de 1709
informava ao Bispo de Pernambuco, D. Manoel Álvares da Costa, que
“(...) na vila de Goiana, há um convento de religiosos do Carmo com o título de
Reforma em que assistem só três sacerdotes, e que devendo ser como pais espirituais,
conselheiros para o bem e fazem santo pelo contrário, que são causa de haver naqueles
povos as maiores discórdias, inquietações e inimizades (...) que induzidos alguns
particulares pelo religioso Frei Miguel da Assunção, seu conselheiro e amigo,
intentaram com escândalo público, impedir os oficiais da Câmara, que saíam em
Janeiro do dito ano, pondo-se em tal alvoroço aquela Vila, divididas as parcialidades
em bandos que foi preciso ao Governador dessa Capitania mandar infantaria para por
aquele povo em quietação (...)”.152
Da administração eclesiástica, nas diversas capitanias que compunham o
Brasil colonial, sobressaíam mais intensamente os traços que tinham a ver com a
devassidão moral do clero, apesar das tardias resoluções das Constituições Primeiras de
1707. Para Ronaldo Vainfas, no Brasil, “a formação de um ‘clero profissional’ parece
ter malogrado desde o início, o que somado à fragilidade da estrutura eclesiástica
colonial, muito comprometeu a eficácia das resoluções tridentinas”153. Sendo assim,
não foram raros, entre os clérigos, os casos de homossexualismo, de excesso no trajar-
se, de corrupção, de sedução de mulheres, todos esses, além do mais freqüente dos
delitos em que se envolviam os padres: o concubinato. Esse costume era tão público e
generalizado que Vilhena, no final do século XVIII, observava em Salvador que
“(...) há eclesiásticos, e não são poucos, que por aquele antigo e mau hábito, sem
lembrarem-se do seu estado e caráter, vivem assim em desordem com mulatas e negras
de quem por morte deixam os filhos por herdeiros de seus bens; e por estes e
semelhantes modos vêm a parar nas mãos de mulatos presunçosos, soberbos e vadios
muitas das mais preciosas propriedades do Brasil, como são aqui os engenhos, que em
breve tempo se destroem com gravíssimo prejuízo do Estado (...)”.154
152 A.H.U., Códice 257, fl. 242 / 242v. 153 VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos Pecados . Op. cit. Pág. 40. 154 VILHENA, Luís dos Santos. A Bahia no Século XVIII (Vol. 1) . Salvador: Itapuã, 1969. Pág. 136-137.
98
Tollenare, da mesma forma, em princípios do século XIX, nos fornece o
seguinte quadro dos religiosos pernambucanos: “Na maioria estes frades ricos e os
cônegos pouco observam o voto de castidade, tem mulheres e filhos naturais, o que
provoca pouco escândalo; mas, coisas surpreendente: chegam a faze-los legítimos a
fim de lhes conseguir a entrada nas ordens”155.
Quase que inteiramente abandonados a sua própria sorte e situação, em
imensas paróquias, obrigados a um isolamentos asfixiante, que os privava de qualquer
convivência com outros sacerdotes e até de qualquer assistência na hora da morte, esses
padres eram recrutados muitas vezes entre pessoas sem vocação nem condições pa ra o
sacerdócio. Eles “abraçavam” o sacerdócio sem maiores exames ou cuidados, sem
terem recebido uma preparação adequada para o exercício de uma missão, sem dúvida
muito difícil, tendo que suportar grandes dificuldades por força das reduzidas e
atrasadas côngruas fornecidas pela Coroa portuguesa, para a sua sustentação material.
Eram ainda atraídos pelas fáceis promessas da política para a qual eram aliciados, talvez
devido ao seu preparo intelectual, da sua condição de “funcionários públicos” 156 e da
própria influência eclesiástica, dentro da sociedade colonial viviam mergulhados nos
afazeres profanos dos trabalhos da agricultura ou da criação de gados, dos quais já
tratamos anteriormente, com que poderiam vencer as dificuldades econômicas advindas
com o Padroado régio, como era o caso das ordens regulares.
Assim é que estava formado o quadro de deplorável decadência a que
estava reduzido o clero no Brasil, tendo perdurado por todo período colonial e
alcançado o Império, naturalmente com as exceções de praxe. Numa carta régia de 18
de Março de 1693, D. Pedro II (1683-1706), exemplificando a desarmonia existente
dentro dos conventos, informa que “nos conventos da ordem de Santo Antônio dessa
Capitania há umas inquietações e perturbações que alteram aquela paz, e quietação
com que os religiosos devem viver nas clausuras dos seus conventos, dando exemplo
155 TOLLENARE, L. F. Notas Dominicais . Recife: Secretaria de Educação e Cultura, 1978. Pág. 94. 156 AZZI, Riolando. “A instituição eclesiástica durante a primeira época colonial”. Op. cit. Pág. 183.
99
aos povos, e não escândalo”157. Ainda a respeito dos costumes e da vida dos clérigos do
bispado de Olinda, informa -nos o bispo D. Frei Luiz de Santa Teresa na primeira
metade do século XVIII, que “basta dizer que idôneos e probos, como convém são
pouquíssimos (...). São antes um peso do que uma ajuda”158.
Ainda encontramos referências sobre esta desabonadora atitude dos
clérigos em Pernambuco, numa carta do Conselho Ultramarino, de 20 de Julho de 1711,
que informa a resposta dada pelo então Governador de Pernambuco, Sebastião de
Castro e Caldas, a uma ordem de D. João V (1706-1750) que “em carta de 28 de
Janeiro de 1710 [ordenava] que informasse com todo o segredo do procedimento das
religiões que tinham conventos naquela Capitania”. O Governador de Pernambuco
então respondeu que
“(...) lhe parecia conveniente para remédio da dissolução escandalosa com que vivem
os frades do Brasil em grande desserviço de Deus, e de Vossa Majestade (...) [em que
este] mandasse escrever aos provinciais de São Bento e São Francisco do Brasil,
estranhando-lhes o mal procedimento, e dissolução dos seus súditos, e o grande
escândalos que causam com as suas vidas e costumes (...). E que ao de São Francisco
se devia acrescentar que mande recolher para o Convento da Bahia ao Padre Frei
Cosme (...) e faça logo cessar o escândalo que ele causa em ser público criador, e
puador (sic) de cavalos, e negociador na compra e venda deles (...)”.159
Esta primeira metade do século XVIII, foi profundamente marcada por
uma fase de expansão das ordens religiosas já estabelecidas no Brasil e de aumento de
seu poder econômico. Em sua maior parte, estas ordens já possuíam província própria e
já tinham estabelec ido suas casas e conventos nos principais centros populosos da
colônia. No entanto, a partir da segunda metade deste século, a vida religiosa entra
numa fase de crise progressiva, tendo Eduardo Hoornaert detectado “entre as causas
157 Livro 5o I de Ordens Régias (1693-1701), fl. 193. 158 ASSIS, Virgínia Maria Almoêdo de. “Clero e Coroa na Capitania de Pernambuco”. Op. cit. Pág. 150. 159 A.H.U., Códice 265, fl. 258v / 259v.
100
dessa crise da vida relig iosa a própria decadência do espírito religioso dos monges e
frades”160.
As próprias Constituições Primeiras de 1707 nos confirmam esse quadro,
não “fechando os olhos” para a real situação do clero colonial, quando regulamenta no
título XI, de seu Livro Primeiro que
“(...) por se evitarem alguns inconvenientes, mandamos, que constando de certo e
pública notícia, sem proceder inquirição alguma, ser a criança que se quer batizar,
filha de clérigo de Ordens Sacras, ou beneficiados, não se batize na pia da Igreja aonde
seus pais forem vigários, coadjutores, curas, capelães, ou fregueses, mas seja batizada
na da freguesia mais vizinha (não sendo porém a distância de mais de uma légua do
lugar, em que a criança nascer) sem pompa, nem acompanhamento mais, que o dos
padrinhos (...)”.161
E essa decadência assumia vários aspectos. Dentre estes podemos incluir
a procura de bem-estar e comodismo por parte dos religiosos, chegando até a certa
ostentação nos conventos, existindo um relaxamento da disciplina eclesiástica, um
mundanismo, ou fuga para a vida em sociedade, com privilégios e exceções à vida
regular.
Ainda na segunda metade do século XVII, a respeito dessa atitude, é de
se destacar um fato acontecido no momento da prisão do Mestre de Campo do Terço de
Henrique Dias, Antônio Gonçalves Caldeira, “culpado na morte de um capitão preto do
mesmo Terço” e informado por uma carta do Conselho Ultramarino, de 29 de Julho de
1669. Tendo ele, após a prisão, sido encaminhado para a Vila de Olinda “com muitos
sossego e quietação”, quando
“(...) passaram por junto do Mosteiro de Frades Bentos, donde saíram eles de mão
armada, dando e espancando aos oficiais que [o] traziam, e quebrando um braço a um
160 AZZI, Riolando. “A instituição eclesiástica durante a primeira época colonial”. Op. cit. Pág. 222. 161 CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA – 1707. Op. cit. Livro Primeiro,
tít. XI – “Em que tempo, porque pessoas e em que lugar se deve administrar o sacramento de batismo”.
101
capitão, a que acudiu muita gente dos moradores, com que o dito Mestre de Campo
teve lugar de puxar pela espada, tratando de acutilar, e ferir a todos, que obrigados a
todos a defesa, puxaram esse também das suas, e entre tantas recebeu o dito Mestre de
Campo duas feridas, das quais morreu dentro de sete horas, sendo a culpa desta
desgraça os ditos frades bentos, que com tanta dissolução, e descompostura saíram a
rua a quererem tirar o preso (...)”162
No intuito de reprimir esse quadro do clero colonial, foram promulgadas
as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, conforme já dissemos. Nenhum
tipo de delito ou má ação, por parte dos clérigos, parece ter ficado fora de tão amplo
código eclesiástico Nada ficou em entrelinhas, ou em meias-palavras. Os bispos que
ajudaram em sua elaboração pareciam conhecer bem as atitudes de seus sacerdotes,
tendo sido exposto todo tipo de crime ou violação. Essas Constituições, organizadas em
um sínodo diocesano realizado em 1707, em Salvador, tiveram força de lei em todo o
Brasil até a República, expunham uma enorme relação de delitos e sua devida
repreensão, o que denota o diagnóstico de uma situação posta.
Alguns dos delitos que dizem respeito às atitudes do clero e que estão
descritos em vários títulos do seu Livro Terceiro, são assim regulamentados: “proibimos
estreitamente a cada um dos clérigos de nosso Arcebispado, que em nenhuma parte,
nem ainda de caminho tragam pistoletes, pistolas ou bacamartes, nem outra alguma
arma de fogo (...) e será preso, suspenso e degredado ao menos por dois anos para fora
do Arcebispado”163; “que nenhum clérigo ande de noite nesta cidade, e mais vilas, e
lugares deste Arcebispado, onde se correr o sino, depois dele acabado de correr, posto
que seja em hábito clerical; (...) e condenado pela primeira vez em trezentos réis para o
meirinho, e pela segunda me dobro, e não pagando serão presos”164; “proibimos aos
clérigos de ordens sacras de qualquer grau ou condição que sejam, entrar em danças,
bailes, entremezes, comédias ou semelhantes festas públicas de pé ou de cavalo, ou
162 A.H.U., Caixa 5, PE, fl. 248. 163 CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA - 1707. Op. cit. Livro Terceiro,
tít. IV – “Como os clérigos não p odem trazer armas, e que penas haverão se as trouxerem”. 164 Idem, tít. V – “Como os clérigos não podem andar de noite, e por quem poderão ser presos”.
102
andarem mascarados”165; “ordenamos e mandamos que nenhum clérigo de Ordens
Sacras jogue dados, cartas, ou outro algum jogo de parar (...) será preso, e castigado
com mais rigor, conforme merecer a continuação da culpa”166.
Contudo, através de uma correspondência de 21 de Agosto de 1732 do
Conselho Ultramarino para o bispo da capitania de Pernambuco, período posterior a
promulgação destas Constituições, tomamos contato com um delito não regulamentado
por elas. Segundo informa a carta, um clérigo na Paraíba,“o padre Inácio Pereira de
Azevedo” estava envolvido em questões administrativas e “inquietara aquela capitania
intrometendo-se em pelouros de vereadores, e perturbando a paz pública” 167, sendo
com isso afastado daquela jurisdição.
Os períodos em que o bispado ficava vago, antecedentes à posse de um
novo bispo, geralmente eram acompanhados de grande agitação, estando a diocese
entregue ao cabido da Sé de Olinda. Um exemplo disso é o período de 10 anos existente
entre a dispensa de D. Manuel Álvares da Costa e a posse de D. José Fialho, que
afirmou em uma carta pastoral, datada de 19 de Fevereiro de 1726 que “por nos constar
com evidência, estarem ordenados nesta nossa diocese, muitos sujeitos totalmente
iletrados e contra as disposições do Sagrado Concílio Tridentino... havemos por
suspensos a todos de Ordens Sacras que as receberam desde o princípio do ano de mil
setecentos e dezoito até o presente”168.
Para Evaldo Cabral de Mello, “as irregularidades foram tamanhas,
especialmente no período 1715-25, que ao tomar posse do bispado, D. José Fialho
chamou a si os processos de habilitação feitos nos dez anos anteriores; para preservar
as aparências, pretextou-se que o bispo fora informado de que alguns habilitados não
165 Idem, tít. VII – “Como os clérigos não podem entrar em comédias, ou danças, nem festas de cavalos,
nem disfarçar-se com máscaras”. 166 Idem, tít. VIII – “Como os clérigos não devem jogar jogos proibidos, nem dar casa de jogo”. 167 A.H.U., Códice 260, fl. 69. 168 NOGUEIRA, Mons. Severino Leite. O Seminário de Olinda e o seu Fundador o Bispo Azeredo
Coutinho. Prefácio de José Antônio Gonsalves de Mello. Recife: FUNDARPE, 1985. Pág. 53.
103
tinham a idade canônica169 para a ordenação”170 . Este mesmo bispo, segundo Gilberto
Freyre, durante seu governo eclesiástico, fez a seguinte recomendação aos reverendos
párocos de Pernambuco: “que não tivessem escravas em casa de menos de quarenta
anos”171.
Do período de vacância citado ainda encontramos uma carta de 14 de
Outubro de 1722 em que D. João V (1706-1750), através do Conselho Ultramarino, faz
o seguinte relato ao Cabido da Sé de Olinda:
“(...) que eu sou informado que na capitania de Itamaracá é morador há muitos anos
um clérigo a que chamam Augusto Álvares Spinella, o qual devendo tratar das
obrigações que lhe cometem conforme o seu estilo, abusa de todos ocupando-se todo
em procurar ruínas, e discórdias naquele povo sendo este sacerdote tão escandaloso
nos seus costumes que não há morador que deixe de viver dele ofendido (...) portando-
se tão dissolutamente que levando para sua casa e companhia duas sobrinhas filhas de
uma sua irmã legítima com o pretexto de as doutrinar deflorou uma sendo tão pública
esta infâmia que provocou ao pai dela a denunciar deste crime perante o vigário geral
em que não teve castigo, nem se processou, nem outras mais denunciações que deram
contra o mesmo clérigo seu irmão João Álvares Spinella, e Lourenço da Silva e Mello
(...)”.172
No século XVI, padres e frades das mais diversas ordens em grande
número se “amancebaram” com índias e negras, à exceção dos jesuítas, “donzelões
intransigentes”173, segundo afirma Gilberto Freyre. Contudo, apesar de não estarem
envolvidos em delitos de natureza sexual, os jesuítas, segundo Pereira da Costa,
estiveram ligados ao comércio colonial. Ele afirma que “os padres da Companhia de
Jesus eram comerciantes, e em grande escala, avultam as notícias a respeito”, tendo
169 As Constituições de 1707 regulamentavam que as idades para receber as ordens sacras estavam assim
delimitadas: para subdiácono, 22; diácono, 23; presbítero, 25 anos. CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA – 1707. Op. cit. Livro Primeiro, tít. LI – “Das ordens de subdiácono, diácono e presbítero”.
170 MELLO, Evaldo Cabral de. O Nome e o Sangue. Uma fraude genealógica no Pernambuco colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. Pág. 53
171 FREYRE, Gilberto. Op. cit. Pág. 442. 172 A.H.U., Códice 258, fl. 277v. 173 FREYRE, Gilberto. Op. cit. Pág. 443.
104
analisado, além de vários documentos, o seguinte trecho de um poema de Basílio da
Gama, escrito em 1769: “os jesuítas no Brasil tinham uma fragata magnífica, em que o
provincial saía todos os anos a título de visitar a Província: porém na realidade era a
que fazia a maior parte do comércio, que aqueles portos tem entre si (...)” 174.
O comportamento de clérigos em Pernambuco e na Bahia escandalizaram
o padre Manuel da Nóbrega. Através dos séculos XVII e XVIII, os sacerdotes
continuaram com o “livre arregaçar” de batinas para o desempenho de funções quase
patriarcais, quando não para excessos de libertinagem com negras e mulatas. Um
cronista, referindo-se ao século XVIII, faz a seguinte referência aos conventos
coloniais: “centros (...) de ignorância, atrevimento, e libertinagem de costumes”175.
Nas Constituições Primeiras da Bahia, o título XII, do Livro Terceiro,
procurava reprimir estes abusos recomendando que os clérigos deviam “fugir das
companhias, vistas e práticas com mulheres, de que pode haver ruim suspeita, assim
porque não dêem ocasião ao demônio, que sempre vigia para os fazer cair, como
também por evitarem toda a ocasião de escândalo nesta matéria”. Neste título então
estava estabelecido que
“(...) nenhum clérigo de Ordens Sacras de qualquer qualidade, ou condição que seja,
tenha das portas adentro, ou se sirva de mulher alguma, de que possa haver suspeita,
ou perigo ainda que seja escrava sua. E as amas que tiverem para seu serviço serão ao
menos de idade de cinqüenta anos, de tal vida, e costumes de que não possa haver ruim
suspeita (...)”.176
Tratando de outros tipos de delitos em que estavam envolvidos os
c lérigos coloniais, uma cópia de uma carta do bispo D. Frei Luiz de Santa Teresa ao rei
de Portugal, de 14 de Fevereiro de 1743, anexada a uma ordem régia de 14 de
Dezembro deste mesmo ano, tratando da prisão do padre Domingos de Souza, dá conta
174 COSTA, F. A. Pereira. Anais Pernambucanos, vol. 4 (1666-1700) . Op. cit. Págs. 72-74. 175 Citado em FREYRE, Gilberto. Op. cit. Pág. 443. 176 CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA- 1707. Op. cit Livro Terceiro, tít.
XII – “Em que se ordena que os clérigos não possam ter de portas adentro mulheres, em que possa haver suspeita, nem freqüentar a mosteiros de freiras”.
105
a D. João V (1706-1750), “que se acha neste bispado [de Pernambuco] um clérigo
homem pardo e de tão depravados costumes”. Este clérigo, Domingos de Souza, tendo
sido ordenado pelo Cabido de Olinda no tempo de vacância deste bispado,
“(...) foi culpado em vários crimes e no de tirar por meio de um assassino a vida de um
honrado senhor de engenho chamado Mathias Ferreira, de tudo se desembaraçou e se
retirou finalmente para a Manga, jurisdição deste bispado, envolto em crimes, digo
deste bispado distante desta cidade de Olinda 400 léguas. Ali viveu envolto em crimes
acolhendo negros fugitivos a seus senhores, vexando o povo com demandas injustas,
indiciando gravemente de tirar a vida a várias pessoas que juram algumas testemunhas
mandou matar (...)”. 177
Em outra ordem régia, de 14 de Agosto de 1742, D. João deliberou que
“vendo-se o que me escreveu o capitão mor da Paraíba (...) sobre o procedimento do
padre D. Mathias da Glória, e do vigário Antônio da Silva e Mello, representando ser
conveniente aparta-los daquela capitania”. Sobre o padre D. Mathias, o capitão mor da
Paraíba afirmou que a relaxação de seus costumes tinha por causa “a liberdade da
consciência, a vida sensual de ocasião próxima de muitas armas e o mal hábito que
criou de não estar em clausura, [que] o faz assistir destas partes em má fé e andar
metido em arrendamentos de engenhos”178.
Neste período, a formação teológica dos clérigos ainda era bastante
limitada. Mesmo os que tinham condições de adquirir uma formação mais cuidadosa
nos colégios jesuítas, nã o tinham a oportunidade de posteriormente se atualizar. Essa
falta de atualização acontecia devido às distâncias existentes nos territórios coloniais e à
dificuldade de se conseguir qualquer tipo de literatura que aprimorasse educação
eclesiástica dos sacerdotes que viviam principalmente no interior. No sertão, era grande
177 Livro 16o. de Ordens Régias (1742-1684), fl. 180 / 186v. 178 Livro 16o. de Ordens Régias (1742-1684), fl. 44v / 49v.
106
o número de clérigos que sabiam apenas o essencial para a administração dos
sacramentos. Muitos viviam alheios a qualquer aprimoração de seu conhecimento
religioso, conservando apenas o pouco que haviam aprendido na época da recepção das
ordens sacras.
Em Pernambuco, o Colégio dos Jesuítas de Olinda começou a funcionar
com uma escola para meninos e uma turma de latim na década de 1560. No entanto, o
colégio propriamente dito foi oficialmente fundado em 1576, onde “a classe de latim
era freqüentada (...) por 12 estudantes e a escola de ler e escrever por uns 40 rapazes,
filhos de portugueses”179 . Após a expulsão dos holandeses (1654), os jesuítas fundaram
também um colégio no Recife, ocupando um templo calvinista abandonado180.
O seminário episcopal de Pernambuco só teve seus estudos iniciados em
16 de Fevereiro de 1800, pelo bispo D. José Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho.
Ele foi estabelecido no antigo colégio dos jesuítas de Olinda, que ficou abandonado até
1796, quando o prédio e todos os seus pertences foram doados, por ordem do Príncipe
Regente de Portugal, D. João, ao então bispo de Pernambuco, Azeredo Coutinho. Era
intenção deste que funcionasse em Olinda um “colégio para se instruir a mocidade da
nossa diocese no conhecimento das verdades da religião, na prática dos bons costumes,
e nos estudos das artes e ciências, que necessárias para polir o homem e fazer
ministros dignos de servirem à Igreja, e ao Estado”181.
Alguns estrangeiros que estiveram em Pernambuco no começo do século
XIX, deixaram-nos alguns testemunhos sobre a vida e os costumes do clero colonial.
Suas opiniões, ainda que possam estar revestidas de uma mentalidade européia, são
bastantes significativas tendo-se em vista a convivência que eles tiveram com padres e
frades de Olinda e Recife e o seu posicionamento de leigo dentro da sociedade
pernambucana. Um destes estrangeiros foi L. F. de Tollenare, já citado anteriormente, o
179 BARATA, José do Carmo. Op. cit. Pág. 9-10. 180 Idem. Pág. 40-41. 181 Citado em NOGUEIRA, Severino Leite. Op. cit. Pág 4.
107
qual esteve em Pernambuco em 1816. Tratando da importância adquirida pela
administração eclesiástica na sociedade, ao longo de todo o período colonial, ele afirma:
“(...) por mais extensa que seja a autoridade do governador, ela não pode atingir o
menor dos clérigos. Em país em que se abraça o estudo eclesiástico mais
freqüentemente por conveniência de família, ou por interesse, do que por piedade, não
é raro deparar-se com ministros do altar que desonram o seu caráter religioso pela sua
má conduta e mesmo ás vezes por crimes; o governador, entretanto nada pode contra
eles; queixa -se ao bispo que, de ordinário, não inflige outro castigo além de algumas
lições de breviário, ou, nos casos muito graves, da interdição da missa durante algumas
semanas.”182
Quanto ao número e caráter de alguns frades que residiam em
Pernambuco neste período, ele nos apresenta o seguinte relato: “a maior parte é da
ordem de S. Francisco (...). Só os ricos beneditinos e os carmelitas regulares não
mendicante, são excetuados [de viverem das esmolas dos fiéis]; possuem bons
engenhos que administram com muita docilidade e moderação”. Com relação aos
engenhos que possuíam os religiosos, Gilberto Freyre afirma que
“(...) os frades da Ordem a que pertenceu Dom Domingos [Loreto Couto], a de São
Bento, e também do Carmo, foram no Brasil grandes proprietários de terras e de
escravos. Frades senhores de engenho. Os de São Bento tratando muito bem os seus
negros (...). Os do Carmo parece que nem sempre primavam pelo bom tratamento
dispensado aos escravos; um deles, na Bahia, acabou assassinado de modo bárbaro:
cortado em pedacinhos pelos negros (...)”.183
Sobre o envolvimento das ordens religiosas nos conflitos da década de
1710, que trataremos posteriormente, uma carta do Conselho Ultramarino, de 13 de
Setembro de 1715, para o abade dos religiosos do Convento de São Bento de Olinda,
informa-nos que “muitos religiosos nos púlpitos dão motivo com as suas palavras a que
os revoltosos se animem a sublevações e tumultos: e porque este dano se deve (obviar)
182 TOLLENARE, L. F. de. Op. cit. Pág. 93. 183 FREYRE, Gilberto. Op. cit. Págs. 439-440.
108
moderando-se os pregadores e emendando-se de falar nas matérias do governo, e em
qualquer que toque nos tumultos passados”184. À margem deste documento está escrito
que esta mesma ordem deve ser passada ao prior do Convento do Carmo de Olinda, ao
guardião dos religiosos de Santo Antônio do Convento de Olinda e ao reitor dos
religiosos da Companhia de Jesus do Colégio de Olinda.
Nos conventos das ordens também era comum se refugiarem pessoas que
cometiam algum delito. Esse costume existia já em Portugal desde fins da Idade Média,
onde certos cr iminosos indesejáveis podiam se abrigar, ou se homiziar, em certos
lugares legalmente reservados para essa prática, e que eram chamados de coitos ou
homizios. Para Geraldo Pieroni,
“(...) os coutos (sic) e as honras eram terras que gozavam de imunidade, o rei isentava
a cobrança dos impostos nesses territórios. Não sendo necessário fazer prevalecer os
direitos reais nessas terras, os agentes do reino não podiam entrar nelas, pois o
‘intróito’ lhes era proibido. Os coutos, na realidade, eram territórios delimitados por
marcos e padrões também chamados coutos, dentre os quais os mais importantes eram
os asilos eclesiásticos provenientes de doações reais (...)”.185
No Brasil, não existindo esses territórios delimitados, os conventos
absorveram essa prática como nos informa uma carta régia de 27 de Agosto de 1742,
em que D. João V ordena que se dê uma busca no Convento da Madre de Deus no
Recife, para extrair um mineiro que assassinou sua mulher a facadas, e que nele se
refugiou, e informa: “proíbo aos prelados dos conventos que neles retenham
criminosos”. Sobre este caso os religiosos se defendiam, segundo a correspondência,
dizendo que “não podem obrigar a sair o criminoso para fora por não ficarem
irregulares”186.
Sobre essa proibição, encontramos uma carta do Conselho Ultramarino,
de 15 de Novembro de 1729, para o Governador de Pernambuco, Duarte Sodré Pereira.
184 A.H.U., Códice 258, fl. 91v. 185 PIERONI, Geraldo. Op. cit. Pág. 24. 186 Livro 16o. de Ordens Régias (1742-1684), fl. 37v / 39.
109
Nesta correspondência se afirma que “continuamente se estão acoitando nos Conventos
da Vila do Recife os criminosos réus de maiores delitos sem que a justiça os possa
prender em razão de que ainda que se ponha cerco aos ditos criminosos lhes fica fácil
passarem-se para as igrejas cuja imunidade os defende”. Tendo em vista essa prática, o
rei então ordena que “notifiqueis aos prelados dos conventos que neles não retenham os
criminosos porque os conventos se não fizeram para receptáculos de delinqüentes
(...)”187.
No entanto, as Constituições Primeiras promulgadas em 1707,
regulamentava em seu Livro quarto, no título XXXII, que “conforme os Sagrados
Cânones, e leis seculares, a Igreja, por sua religião, e santidade vale, e defende a todos
os que a ela, e seu adro se recolhem, de onde não podem ser presos, nem tirados pela
justiça secular, e seus ministros por casos de crimes”. Segundo este mesmo título
qualquer igreja , capela ou ermida, em que se realize missa, são lugares em que compete
esta imunidade. Para gozar dela, ao criminoso bastava apenas que pegasse nos
“ferrolhos das portas das igreja, capelas ou ermidas”, ou se encostassem nelas ou nas
paredes desses lugares188. Apenas ficavam excluídos dessa imunidade os hereges,
apóstatas, blasfemos, feiticeiros, benzedeiros, etc. Também os ladrões salteadores de
estrada, ou caminhos, que costumavam matar, ferir ou roubar, não podiam se refugiar
nos lugares santos, assim como os escravos, ainda que cristãos, que fugiam dos
senhores “para se livrar do cativeiro”189; o que não é de se estranhar, pois se assim o
fosse isto provocaria o desmantelamento do próprio sistema escravocrata.
Nas cidades coloniais, as igrejas, funcionando como principais núcleos
de convivência da sociedade, eram o lugar onde se podia ter uma maior oportunidade de
se iniciarem os romances. Eram nelas que também, muitas vezes, abrigavam-se os
amantes, prática esta não apenas existente no Brasil, mas também em Portugal e em
outros países da Europa desde a Idade Média. Para Ronaldo Vainfas,
187 A.H.U., Códice 259, fl. 254. 188 CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA – 1707 . Livro Quarto, tít. XXXII
– “Como e em que igrejas, e lugares sagrados os delinquentes gozam da imunidade da Igreja”. 189 Idem, tít. XXXIII – “Das pessoas, e casos em que não vale a imunidade da Igreja”.
110
“(...) o sexo podia ser buscado e praticado em muitíssimos lugares [na colônia]
inclusive na Igreja, o santuário do catolicismo, o que mais uma vez confirma a
confusão entre o sagrado e o profano nas moralidades populares. E não é de admirar
que assim ocorresse, sendo a igreja o espaço por excelência das sociabilidades, do
encontro dominical das famílias, das festas religiosas. Era ali, em meio as missas e
ofícios divinos, que se iniciavam muitos flertes e namoros, quando não adultérios
(...)”.190
O bispo de Pernambuco, D. José Fialho, em sua carta pastoral consultada
por Gilberto Freyre, recomendava aos párocos que proibissem de entrar nas igrejas
negras seminuas, considerando-as em estado de “deplorável indecência”. Era também
um hábito na colônia dançar-se dentro das igrejas nas festas religiosas, principalmente
durante os festejos de São Gonçalo, costume trazido de Portugal para o Brasil.
Ilustrando esta afirmativa, o mesmo D. José Fialho, em Pernambuco, recomendou
também que os padres não deveriam consentir que se fizessem comédias, colóquios,
representações ou bailes dentro das igrejas, capelas ou adros 191.
Anterior a esta deliberação, Pereira da Costa nos informa, a respeito
destas festividades religiosas, um caso de um festejo organizado pelos “moços
solteiros” de uma irmandade dedicada à Santa Catarina, estabelecida na Matriz do
Corpo Santo no Recife. Tendo acontecido no dia 24 de Novembro de 1715, foi
organizada “com grande estrondo e suntuosidade de máscaras, danças, fogueiras,
procissão e festa de igreja. Foi juiz da irmandade neste ano de 1715 Antônio Garcia do
Amaral, que (...) quis que se fizesse no seu ano a dita festa com toda a grandeza; para o
que, na véspera do dia da santa (...) se fabricou defronte da porte da igreja um castelo
de fogo com girândola e rodas de foguetes”..No dia da festa várias pessoas se reuniram
na praça e nas casas vizinhas, um dos expectadores era o próprio vigário da freguesia de
S. Frei Pedro Gonçalves do Recife 192. Por ter acontecido uma explosão durante a
festividade, “houve feridos e mortos, sendo que dentre estes o que causou maior lástima
190 VAINFAS, Ronaldo. “Moralidades brasílicas: deleites sexuais e linguagem erótica na sociedade
escravista”. In: SOUZA, Laura de Mello e. História da Vida Privada no Brasil. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2000. Pág. 258.
191 FREYRE, Gilberto. Op. cit. Pág. 247. 192 Essa freguesia corresponde ao atual Bairro do Recife.
111
foi o vigário, a quem uma trave, caindo do sobrado, o apanhou pelo pescoço, e como a
confusão e escuridão era muita, não foi reconhecido senão depois de morto” 193 .
No Brasil colonial, a ação dos bispos foi muitas vezes absorvida pela
estrutura do padroado português, tendo eles, nas próprias visitas pastorais, tomado
atitudes administrativas e jurídicas, além das que visavam à regulamentação apostólica.
Com essa adequação de seu encargo sacerdotal, os bispos algumas vezes precisaram
ocupar o cago de governador da capitania de Pernambuco. Como já afirmamos, um
desses momentos foi quando D. Frei Manoel Álvares da Costa, escolhido pela Câmara
de Olinda, teve de assumir o governo abandonado por Sebastião de Castro e Caldas em
15 de Novembro de 1710.
No momento em que o conflito se iniciou, esse prelado, que tinha
assumido a diocese a pouco tempo, em 8 de Fevereiro de 1710, encontrava -se em visita
pastoral à Paraíba. Embora tendo nascido e sido criado em Portugal, D. Manuel tinha se
mostrado hostil ao ex-governador Castro e Caldas, e havia protegido o juiz partidário
dos “nobres da terra”, o Dr. Arouche quando os emissários do governador quiseram
prendê-lo. No dia 18 de Junho de 1711, os soldados da Guarnição e os mascates do
Recife ergueram-se contra os senhores de engenho pernambucanos e as tropas auxiliares
paulistas. Bernardo Vieira de Mello que, neste momento visitava a cidade, só foi salvo
de um linchamento pela intervenção do Ouvidor, Dr. Valenzuela Ortiz, que o colocou
em um confinamento severo. O bispo que naquele dia também estava em visita ao
Recife, foi obrigado a aderir ao movimento durant e alguns dias e a publicar uma
circular na qual afirmava que tudo o que acontecera anteriormente seria perdoado e
esquecido. No entanto, poucos dias depois, o bispo seguia para Olinda acompanhado do
Ouvidor, ambos encarregados de pacificar os senhores de engenhos194.
193 COSTA, F. A. Pereira da. Anais Pernambucanos, vol. 5 (1701-1739). Prefácio de José Antônio
Gonsalves de Mello. 2a. edição. Recife: FUNDARPE, Diretoria de Assuntos Culturais, 1984. Págs. 276-277.
194 BOXER, C. R. A Idade de Ouro do Brasil (1695-1750). Dores de crescimento de uma sociedade colonial. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1963. Págs. 112-113.
112
Ao chegar em Olinda, o bispo manifestou-se abertamente contra os
mascates e os intimou a se renderem, ordenou também que todas as provisões e reforços
deveriam ter sua entrada proibida no Recife, viessem da Paraíba ou de qualquer outro
lugar. Apesar desta proibição, os comerciantes do Recife recusaram render -se e
elegeram um dos oficiais da guarnição, João da Mota, como seu líder. Tendo entendido
com essa atitude que seria inevitável o uso da força de armas, o bispo D. Manuel
Álvares da Costa, entregou a governança de Pernambuco a uma junta por ele escolhida
formada por simpatizantes e líderes dos nobres de Olinda.
O bispo manteve-se no palácio episcopal até a chegada do novo
governador, Félix José Machado, onde, segundo Pereira da Costa, “se manteve,
convenientemente defendido, para cuja guarda foi criado um denominado Batalhão
Sagrado, composto de clérigos e de pessoas distintas, acompanhadas de seus criados,
sob o comando do deão Dr. Nicolau Pais Sarmento, batalhão este que noite e dia
rodeava o ilustre prelado”195. Um dos organizadores deste batalhão foi Matias Vidal de
Negreiros que junto com seu genro e mais quarenta escravos, correu para a defesa do
bispo governador. Ainda com relação a este Batalhão, Pereira da Costa afirma que ele
era “comp osto de todos os clérigos com seus escravos e da gente da nobreza, sendo
aclamado coronel-comandante o deão da catedral [de Olinda], Dr. Nicolau Pais
Sarmento. A este Batalhão, que eletrizou os mascates, deve-se em grande parte os
triunfos daquela guerra”196. Curiosamente este mesmo deão foi um dos participantes,
como juiz delegado, do concílio provincial em que se promulgou, em 1707, as
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia.
Do Recife, Domingos Loreto Couto nos apresenta, em meados do século
XVIII, a imagem de uma vila colonial mergulhada no mistério de seus inúmeros
templos e símbolos religiosos de sua fé e de suas devoções. Estas a mantinham, o ano
inteiro, celebrando as festas de seus padroeiros e dos santos de suas inúmeras capelas
altares, arcos e nichos, numa sucessão ininterrupta de religião e lazer. Ele contabiliza a
existência de quarenta e três igrejas, dezoito capelas, dez conventos de religiosos com
195 COSTA, F. A. Pereira da. Anais Pernambucanos, vol. 5 (1701-1739) . Op. cit. Pág. 87. 196 COSTA, F. A. Pereira da. Anais Pernambucanos, Vol. 4 (1666-1700) . Op. cit. Pág. 88-89.
113
oito colégios de filosofia, teologia e moral, dois hospícios de religiosos, dois
recolhimentos de donzelas, no qual “em duzentos e trinta e seis altares oferecem cada
dia o incruento sacrifício do cordeiro imaculado, quinhentos e vinte seis sacerdotes”.
Como se não bastassem tantas e tão opulentas igrejas e capelas, quarenta
e dois oratórios “perfeitos pelo primor de arte e custo, embutidos nas paredes das
casas” reuniam os moradores das diferentes ruas por onde eles se espalhavam, entoando
à hora do Ângelus um murmúrio religioso de preces e cânticos. As irmandades,
confrarias e ordens terceiras reuniam grande parte da população da vila do Recife,
calculada em quinze mil, duzentos e sete pessoas197.
Dentro da sociedade colonial, após as deliberações da Constituições de
1707, o pároco deveria assumir, primeiramente, o papel de autoridade, em detrimento
ao de pastor. Para a Igreja Católica daquele momento, era difícil, mediante o quadro já
exposto, adotar uma ação pastoral que não fosse apoiada pela autoridade eclesiástica.
Para fazer “reinar” a virtude entre os seus fiéis, o sacerdote , definido na moral cristã
como pai e mestre, deveria repreender os que insistissem em seguir os caminhos do
pecado.
Do mesmo modo, os clérigos deveriam fiscalizar e repreender os que não
assistissem regularmente à missa e que não pagassem o dízimo. Para que essa ação
reguladora pudesse ser efetivada, o pároco contava com poderes reconhecidos pelo
direito eclesiástico, podendo admoestar, multar e excluir da igreja os que não se
enquadrassem em seus ditames. Também cabia ao pároco repreender os que fossem
acusados de pecados públicos; ele deveria velar para que os casados vivessem unidos e
fiscalizar a presença de estranhos na paróquia.
Contudo, as condições coloniais já descritas, conspiraram contra esse
modelo idealizado pelas Constituições do Arcebispado da Bahia , promulgadas em 1707.
Como já vimos anteriormente, a eleição dos candidatos ao sacerdócio era precária e
197 COUTO, Domingos Loreto do. Op. cit. Págs. 157-161.
114
muitos deles, conforme denunciaram vários cronistas, estavam mais interessados nos
privilégios obtidos com a função de clérigos do que propriamente nos serviços relativos
a tal função. Sem alcançar êxito no projeto de criação de um seminário, o que só
aconteceu no início do século XIX, os bispos na primeira metade do século XVIII,
viram-se às voltas com as dificuldades da formação sacerdotal, uma vez que fora das
ordens regulares, ela era muito limitada, apesar da existência de cursos de Sagradas
Escrituras e teologia moral.
Soma-se a esse quadro a dificuldade na obtenção de recursos financeiros
para a sobrevivência dos clérigos no período colonial. Tal situação, já explicitada neste
capítulo e no anterior, deixava os párocos e sacerdotes dependentes dos senhores de
engenho, dos fazendeiros, das irmandades e confrarias; ou os conduzia à prática de
atividades lucrativas com o comércio ou agricultura. Nesse sentido, muitos párocos,
coadjutores e clérigos em geral sentiam-se pouco diferentes do restante da população
colonial, adotando assim, em alguns casos, um cotidiano parecido com o dos leigos, a
pesar do distanciamento imposto pelas Constituições Primeiras em 1707. É o que nos
confirma uma correspondência do Conselho Ultramarino de 22 de Março de 1759 que,
tratando do comportamento de alguns clérigos regulares espalhados pelo sertão, ordena
que “contra o despejo destes frades transitados (sic) proceda eu a prisão contra todos
os que houvesse neste bispado, e os remetesse para esse reino”. Especificamente, a
respeito do comportamento do frei Pedro José de Souza nos dá a seguinte informação:
“O Padre Frei Pedro, ou Dom Pedro José de Souza, que se diz comendador de Sancti
spiritus, natural deste Recife, é um destes transitados; e se achava vivendo em uma
grande fazenda de terras, e lavoura, salinas, e fornos de cal, que tem na freguesia de
Maranguape, quatro léguas de Olinda, com grande família de escravos, mulheres e
homens. (...) Mandei com efeito prender o dito frei; ou Dom Pedro José de Souza, para
o remeter nesta frota para esse reino (...) É este religioso homem astuto e com o
cabedal que soube adquirir , comprou esta fazenda e muitos escravos; traficando, e
negociando, e aumentando o pecúlio, sabe repartir com quem lhe haja dissimular, e
ajudar a sua conservação, e aumento dos bens e do poder, querendo entre os seus
vizinhos, que se faça o que ele quer (...)”.198
198 A.H.U., Caixa 49, papéis avulsos.
115
CONSIDERAÇÕES FINAIS
s igrejas e templos erigidos no Brasil, durante o período
colonial, assinalavam a presença do Estado português
através do Padroado Régio, ligação originada na transferência do poder
espiritual do Papa aos monarcas lusitanos. Essa concessão tinha por objetivo
estender a fé primeiro aos territórios ocupados pelos mouros; depois, em 1456,
com D. Henrique até a África e, finalmente, ao Brasil a partir de 1551. A Coroa
portuguesa ficou, assim, responsável por sustentar a propagação do catolicismo
e prover as condições ideais pa ra o culto, podendo para isto propor a criação
das dioceses, apresentar os candidatos a bispos e outros cargos eclesiásticos e
recolher o dízimo.
Com essas prerrogativas, a manutenção do culto da Igreja Católica
era obrigação do monarca português por força da cobrança dos dízimos, mas o
que de fato ocorreu foi que a arrecadação destes teve um crescimento
extraordinário, enquanto que os subsídios, côngruas, esmolas e toda outra forma
de dotação real para o sustento do aparelho eclesiástico jamais atenderam às
necessidades da igreja. Esta foi uma queixa constante de bispos, cabidos,
vigários e da própria população.
Representado no Brasil através da Mesa da Consciência e Ordens,
o rei de Portugal era também responsável pela confirmação dos párocos
coloniais. As funções básicas dos sacerdotes concentravam-se na administração
dos sacramentos juntamente com o registro destes e a chamada “cura de almas”.
De acordo com o Concílio de Trento, na reta administração dos
sacramentos, a paróquia e, particularmente, o pároco cumpriam um papel de
grande importância. A igreja era o espaço básico para a sua administração.
A
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Casamentos e batismos, preferencialmente, deveriam ser feitos no templo
paroquial ou, pelo menos, registrados nos livros da paróquia.
No entanto, a demanda crescente de sacerdotes levaram os bispos,
em muitos casos, a ordenar pessoas que provavelmente não tinham condições
para o sacerdócio. A falta de vocação acabou sendo reforçada pela dificuldade
pessoal para a prática do celibato, o que não era difícil de se entender no
contexto de uma sociedade cuja sexualidade masculina era valorizada e onde a
escravidão e marginalização das mulheres não pertencentes às camadas mais
abastadas as deixava desprotegidas e relativamente vulneráveis diante de
homens que se mostravam carentes de companhia e famílias.
No interior da sociedade colonial, o padre exercia um poder
fiscalizador e disciplinador da população, sendo esta condição patenteada pelo
poder régio da época. Ele contava com recursos que iam desde a acusação de
alguém em público, no púlpito, ou a exposição de seu nome na porta da igreja,
até medidas que incluíam o uso da violência. Este era o reforço colonial de um
dos traços do Concílio de Trento que fez do padre um instrumento de controle e
da paróquia um espaço de disciplina.
Na realidade, no meio colonial, os clérigos pouco se distinguiam
dos leigos, com os quais conviviam intensamente. Entregavam-se a atividades
de natureza econômica e muitas vezes praticavam o concubinato, embora na
maioria das vezes se conservassem fiéis a uma mesma mulher, com quem, ao
longo dos anos, adquiriam numerosa prole. Em seu conjunto, o clero secular no
Brasil colônia se constituiu numa categoria muito diversificada, cujo traço
comum mais distinto permanecia sendo a ausência da disciplina imposta pela
Contra-Reforma católica.
No que diz respeito ao clero regular, os estudos mostram que as
ordens religiosas serviram, do ponto de vista da Coroa portuguesa,
essencialmente como uma reserva estratégica de sacerdotes para a manutenç ão
117
do culto, quase sem ônus para a folha eclesiástica. Em sua maioria, julgavam-se
isentos da jurisdição eclesiástica, recusando-se a admitir as visitas canônicas
dos bispos ou de seus visitadores, o que ocasionava vários conflitos. Os frades
sobretudo tor navam-se objeto de crítica em função de seu comportamento.
Carmelitas e franciscanos, em especial, residiam fora de seus conventos,
possuindo escravos pessoais, envolvendo-se em contrabando, em tumultos e em
concubinatos notórios.
A reforma na Igreja brasileira, na qual se empenhou parte dos
bispos e da hierarquia eclesiástica no início do século XVIII, com a
promulgação da Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, tinha como
um de seus traços característicos o reforço da autoridade dos bispos, sendo esta
reconhecida pelo clero e pela população em geral. Isso significava o exercício
de um controle efetivo dos bispos sobre o clero e por meio deles sobre o Povo.
Era clara e explícita a declaração, nas Constituições, da autonomia
e dos direitos da Igr eja, que deveriam ser respeitados por todo poder, entidade
ou pessoa. Era uma resposta a quase dois séculos de atritos dos bispos com as
autoridades civis e com as ordens religiosas por definições de jurisdição,
competência e direitos. Os religiosos envolv idos em sua elaboração estavam
cientes de seu papel de funcionários de um Estado ao qual eram ligados pelos
Padroado e diante do qual também precisavam defender sua jurisdição religiosa
específica e sua autoridade.
Os bispos determinaram, de acordo com as Constituições
Primeiras, os exames a que deveriam ser submetidos os candidatos ao
sacerdócio. Eles esforçaram-se pelo estabelecimento de seminários ou, pelo
menos, de casas onde os candidatos tivessem uma vida digna do seu futuro
estado. Prescreveram os estudos a que eles deveriam estar sujeitos.
Condenaram, repetidas vezes, o tipo de vida que muitos membros do clero
costumavam ter; dedicando-se a atividades como o comércio; freqüentando
situações e lugares profanos, como festas; vestindo-se sem diferenciar-se dos
118
seculares e convivendo em suas casas com mulheres. Os prelados respondiam
com essas determinações e normas a problemas e excessos que estariam sendo
cometidos pelos clérigos.
Contudo, não tendo alcançado êxito na imediata construção de
seminários episcopais neste período, os bispos viam-se às voltas com uma
precária formação sacerdotal. Uma vez que fora das ordens religiosas, ela era
muito difícil e limitada, por mais que fosse determinada a existência de cursos
para o ensino das Sagradas Escrituras e de teologia moral.
Precisamos também ter em mente que, no período colonial, a
grande maioria de párocos, coadjutores, capelães, frades e clérigos eram
homens vindos das camadas brancas que compunha essa sociedade. As
circunstâncias de sua eleição, formação e vida cotidiana não permitiam que o
padre se afastasse do meio de onde havia saído. Não querendo subsistir nas
condições precárias que lhe eram oferecidas, os sacerdotes que vinham de
famílias abastadas continuavam vivendo nas suas propriedades; e aqueles que
não as tinham viam-se obrigados a desenvolver atividades lucrativas. Dessa
forma sua vida tendia a ser como a dos outros habitantes coloniais, o que não
significava necessariamente uma vida de total devassidão.
Por fim, não podemos deixar de afirmar que, por trás do clérigo
acusado de escândalo por viver em concubinato, poderia estar um homem sem
temperamento para o celibato, porém capaz de ser um bom pai de família, que
legitimava seus filhos e um esposo respeitoso de sua mulher, além de ser um
sacerdote cumpridor do seus ministério. Do mesmo modo, por trás de um padre
tido por desordeiro que provocava a inimizade de seus fiéis, podia estar um
pároco rigoroso, que procurava cumprir com zelo as normas estabelecidas pelo
bispo a quem estava subordinado.
119
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