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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA MESTRADO EM HISTÓRIA

SANTAS NORMAS: o comportamento do clero pernambucano sob a vigilância das Constituições Primeiras

do Arcebispado da Bahia – 1707 Anna Laura Teixeira de França Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em História

Orientadora: Profa. Dra. Virgínia Maria Almoêdo de Assis

Recife 2002

3

DEDICATÓRIA

Aos meus pais, Lauro e Eliane, pelo constante apoio e estímulo em minhas conquistas acadêmicas.

A Douglas e Lana, cuja

amizade está para sempre marcada em meu coração.

4

AGRADECIMENTO S

nicialmente gostaria de agradecer a minha orientadora, a Professora

Virgínia Maria Almoêdo de Assis, que me forneceu todo o

conhecimento em Paleografia e cuja presença afetuosa marcou todo este meu percurso

acadêmico. Aos Professores Marcus Carvalho e Carlos Miranda, pelo constante

interesse e aconselhamento ao longo de meu curso de mestrado.

Também agradeço a todos os meus professores, tanto os da graduação,

quanto os do mestrado, em especial a Professora Ana Maria Barros e ao Professor

Marcos Albuquerque, que me iniciaram na pesquisa científica.

Não poderia deixar de agradecer também aos profissionais do

Departamento de História, na pessoa de Rogéria de Sá Feitosa, fiel colaboradora em

nossos “assuntos paleográficos”; ao Programa de Pós-Graduação em História,

principalmente, a Luciane Costa Borba - que faz da burocracia um campo menos

nebuloso para todos nós estudantes - e a Carmem Lúcia de Carvalho dos Santos,

carinhosa guardiã de nossas “fontes de saber”.

Ao longo de minha formação acadêmica, não poderia me esquecer de

alguns colegas que me acompanharam desde a graduação, como Kennya de Lima

Almeida, Edlúcia da Silva Costa, Manuel Nunes Cavalcanti Júnior e Daniela Cisneiros.

Gostaria também de agradecer a Kalina Vanderlei Silva, por seu aconselha mento e

interesse constante em minha formação intelectual, e a Tatiane Trigueiro, pelo

providencial empréstimo das suas cópias das Constituições Primeiras do Arcebispado

da Bahia.

I

5

Especialmente, gostaria de agradecer aos meus amigos Douglas Batista

de Moraes e Lana Virgínia Portela, que tornaram essa minha “estadia” na universidade

um motivo de constante alegria.

Agradeço também a atenção dispensada por José Gomes de Andrade

Filho, Tácito Galvão e Reinaldo Carneiro Leão, em minhas pesquisas no Instituto

Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, cujos documentos foram de

primordial importância para a realização desta pesquisa.

Ao final deste trabalho ainda me deparei com pessoas que ajudaram

grandemente em sua elaboração. Foram elas: José Carlos da Silva, cuja presença

enriqueceu ainda mais o Laboratório de Pesquisa e Ensino de História, e Sherry

Morgana de Almeida que, generosamente, forneceu-me sua elogiável correção

ortográfica.

Finalizando, não poderia deixar de agradecer ao CNPq, cujo apoio

financeiro me acompanha desde a graduação.

6

SUMÁRIO

TÓPICOS PÁGINAS

RESUMO.................................................................................................... 6

INTRODUÇÃO.......................................................................................... 7

1o CAPÍTULO – OS ANTECEDENTES METROPOLITANOS

• A questão do Padroado Régio português...........................

• A Reforma Católica e o Concílio de Trento.......................

• Instrumentos de controle do Estado português..................

13

26

40

2o CAPÍTULO – A ORGANIZAÇÃO DA IGREJA CATÓLICA NO

BRASIL E A REPRESENTAÇÃO DO SACERDOTE NA

SOCIEDADE COLONIAL....................................................

50

3o CAPÍTULO – PERNAMBUCO: CLERO E SOCIEDADE

• A Diocese de Pernambuco.................................................

• Os contatos sociais do clero dentro dos núcleos urbanos

coloniais da Capitania de Pernambuco............................

86

95

CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................... 114

BIBLIOGRAFIA – Fontes e Bibliografia.................................................... 118

7

RESUMO

presente trabalho tem como objetivo analisar o

comportamento do clero, no que tange suas atitudes no

cotidiano da sociedade colonial nos principais núcleos urbanos da capitania de

Pernambuco, no período entre 1650 e 1750. Centralizando este período,

tomamos como principal fonte de análise do comportamento clerical, as

Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, promulgadas em 12 de Julho

de 1707, em um sínodo diocesano organizado pelo arcebispo D. Sebastião

Monteiro da Vide. Estando estas Constituições sintonizadas com as

transformações decorrentes da Reforma Católica, pretendemos verificar a forma

como elas foram aplicadas na prática. Se foram aptas no sentido de reprimir os

possíveis abusos cometidos pelo clero pernambucano que indicassem um certo

desvio dos preceitos canônicos. Procuramos ainda dimensionar a importância do

sacerdote no interior da sociedade colonial, aonde o clero tinha um inegável

prestígio, apesar de seu comportamento, por vezes pouco edificante. Nos

centros urbanos era muito comum, durante o período colonial, que os clérigos

fossem absorvidos por atividades profanas, fosse de caráter comercial, fosse de

participação política. No que diz respeito ao comportamento, podemos afirmar

ainda, que a vida na nova terra oferecia grandes dificuldades para a manutenção

de rígidas normas morais. Esta pesquisa sobre o comportamento clerical, que se

tornava repreensível em alguns momentos talvez devido ao distanciamento da

Sé em Roma, pretende ser uma contribuição à discussão sobre a atuação da

Igreja Católica em Pernambuco, tomando por base a ação reguladora das

Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, promulgadas em 1707.

O

8

INTRODUÇÃO

presente trabalho tem como objetivo analisar o

comportamento do clero, no que tange as suas atitudes no

cotidiano da sociedade colonial nos principais núcleos urbanos da capitania de

Pernambuco. O período escolhido para este estudo está compreendido entre a

Restauração Pernambucana, em 1654, e o final do governo eclesiástico de D.

Frei Luis de Santa Teresa, em 1754, (tendo sido este o único prelado do qual

tivemos contato com uma documentação mais específica) 1.

Centralizando este período, tomamos como principal fonte de

análise do comportamento clerical, as Constituições Primeiras do Arcebispado

da Bahia, promulgadas em 12 de Julho de 1707, em um sínodo diocesano

organizado pelo arcebispo D. Sebastião Monteiro da Vide. Deste amplo código

de leis eclesiásticas usaremos principalmente o livro terceiro, que regulamenta

as atitudes e obrigações dos clérigos, a definição exemplar do seu

comportamento quanto às vestes, residência, procissões, missas e pregações; e o

quarto, que trata das questões jurídicas referentes às imunidades e privilégios

eclesiásticos.

Destas Constituições, que foram as únicas elaborados durante todo

o período colonial, sintonizadas com as transformações decorrentes da Reforma

Católica, pretendemos verificar a forma como elas foram aplicadas na prática.

Se foram aptas no sentido de reprimir os possíveis abusos cometidos pelo clero

pernambucano que indicassem um certo desvio dos preceitos canônicos.

Procuramos ainda dimensionar a importância do sacerdote no

1 Ver 3 o Capítulo, págs. 92-93.

O

9

interior da sociedade colonial, aonde o clero tinha um inegável prestígio, apesar

de seu comportamento. Na Igreja Católica afastada do poder centralizador do

papa por conta do padroado português, abriram-se brechas, no Brasil colonial,

para certos desvios de conduta (que deveria ser exemplar) de vários elementos

do poder eclesiástico. No meio colonial, os “maus” padres, que em alguns

momentos poderiam ser negligentes, gananciosos ou dissolutos, nunca

representaram exceções.

Sob a responsabilidade do governo português, o aspecto mais

realçado da função do clérigo era o seu caráter de funcionário responsável pelos

assuntos eclesiásticos. Como regra geral, o sacerdócio era considerado, nessa

época, como uma profissão, um ofício ou uma carreira à qual a pessoa se

dedicava de um modo análogo às demais profissões então existentes. Recebendo

a côngrua, espécie de provento conc edido pela Coroa portuguesa, o padre

passava a ser considerado como um funcionário público, incumbido de exercer

as funções litúrgicas próprias do catolicismo. Nos centros urbanos era muito

comum, durante o período colonial, que os clérigos fossem absorvidos por

atividades profanas, fosse de caráter comercial, fosse de participação política.

No que diz respeito ao comportamento, podemos afirmar ainda,

que a vida na nova terra oferecia grandes dificuldades para a manutenção de

rígidas normas morais. “Liberdade, promiscuidade e relaxamento moral”,

marcaram o cotidiano da sociedade colonial, onde ainda não se conseguira

impor os padrões de vida europeus.

A condição colonial proporcionava, de certa maneira, uma

facilidade de relações com índias e negras. Sendo assim, a partir de estudos

realizados, podemos afirmar que alguns elementos do clero colonial deixaram-

se envolver por esse clima de permissividade.

Para contextualizar o momento histórico pesquisado, precisamos

ter um entendimento dos acontecimentos da época. Para isso trabalhamos com

10

algumas obras, da historiografia clássica, referentes ao período em destaque,

constituída pelas obras de Sérgio Buarque de Holanda, com Raízes do Brasil, de

Gilberto Freyre, com Casa-Grande & Senzala, e de Caio Prado Jr., com

Formação do Brasil Contemporâneo .

Atualmente esta historiografia se encontra ainda mais enriquecida,

podendo ser destacadas, com referência ao tema deste trabalho, as obras de

Ronaldo Vainfas, com Trópico dos Pecados ; de Eduardo Hoornaert, que

organizou em História da Igreja no Brasil, uma obra de referência sobre o tema

em questão; de Thales de Azevedo, com Igreja e Estado em Tensão e Crise; de

Caio César Boschi, com Os Leigos e o Poder; de Emanuel Araújo, com O

Teatro dos Vícios; de Russell-Wood, com Fidalgos e Filantropos ; de Fernando

Torres-Londoño, com A Outra Família ; de Guilherme Pereira das Neves, com E

Receberá Mercê ; e, especifico para Pernambuco, de Evaldo Cabral de Mello,

com a Fronda dos Mazombos2.

No que tange às fontes impressas também examinamos, no

decorrer deste estudo, alguns relatos de cronistas como Domingos Loreto

Couto, com Desagravos do Brasil e Glórias de Pernambuco (1759) e de L. F.

de Tollenare, com Notas Dominicais (1818). Estas obras são de extrema

importância para uma melhor compreensão da realidade colonial e de suas mais

diversas relações sociais.

Apesar de haver um grande número de pesquisas que têm por tema

o estudo do papel vivenciado pela Igreja Católica na sociedade colonial, os

mesmos se restringem a estudos regionais, focalizando principalmente a Bahia,

Minas Gerais e São Paulo 3. Com isso, faz-se necessário que os mesmos estudos

2 As referências das obras citadas nesta introdução encontram-se na bibliografia desta dissertação. 3 Referente a Bahia, ver os estudos do Ronaldo Vainfas e Luiz Mott sobre cotidiano e comportamento no

período colonial. Sobre este mesmo tema, no que diz respeito a Minas Gerais e São Paulo, ver os trabalhos de Lana Lage Lima e Fernando Londoño.

11

sejam empreendidos em outras regiões brasileiras, cuja importância para

compreensão do período, merece ser destacada para assim termos uma melhor

compreensão da atuação da Igreja no processo de formação da sociedade

brasileira a partir de um quadro mais amplo.

Esta pesquisa sobre o comportamento clerical pretende ser uma

contribuição à discussão sobre a atuação da Igreja Católica em Pernambuco,

tomando por base a ação reguladora das Constituições Primeiras do

Arcebispado da Bahia, promulgadas em 1707.

Nosso estudo não tem a pretensão de esgotar o tema, mas se

propõe a analisar as mudanças ocorridas a partir da elaboração deste conjunto

de leis eclesiásticas que pretendia exercer uma ação reguladora dos costumes

não só dos religiosos, mas também da população colonial. Com ele procuramos

identificar as atitudes dos clérigos não condizentes aos preceitos canônicos, no

período anterior a vigência das Constituição, e que observância foi adotada

posteriormente a sua promulgação.

O período colonial no Brasil se apresenta como um campo de

estudo bastante difícil para o pesquisador, principalmente, devido à escassez de

fontes documentais referentes a História da Igreja. No entanto, no acervo de

fontes manuscritas do Laboratório de Pesquisa e Ensino de História – LAPEH,

pertencente ao Departamento de História da UFPE, encontramos alguma

documentação referente ao tema nos códices do Arquivo Histórico Ultramarino.

Estas fontes são de inegável importância para a compreensão dos

acontecimentos relativos à história colonial do Brasil, sendo compostas por

códices e documentos avulsos, fotografados ou microfilmados, relativos à

história administrativa, política, econômica e eclesiástica. Faz parte também do

acervo do LAPEH, a cópia das Constituições Primeiras utilizadas para a

elaboração desta pesquisa.

12

Também tivemos acesso aos oito Livros de Ordens Régias que

fazem parte do acervo do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico

Pernambucano, e que abrangem o período de 1655 até 1742, existindo porém

uma interrupção entre alguns anos. Curiosamente, foi em contato com esta

documentação que nos deparamos com alguns documentos que são citados

também por Pereira da Costa em seus Anais Pernambucanos . Destes,

principalmente os volumes 4 e 5, se apresentaram como fontes de importância

singular para o recolhimento de dados referentes a atuação e organização da

Igreja Católica na capitania de Pernambuco.

Tendo sido observadas todas estas informações a respeito deste

presente trabalho, organizou-se esta dissertação da seguinte maneira: no 1o

Capítulo – OS ANTECEDENTES METROPOLITANOS, detalhamos as

diversas concessões feitas pela Cúria Romana que paulatinamente transferiram

à Coroa portuguesa, através do Padroado Régio, o encargo da organização e

sustento da Igreja Católica no Brasil. Tratamos ainda das mudanças promovidas

pelo Concílio de Trento, no que diz respeito ao papel assumido pelo sacerdote

perante à sociedade moderna, e a elaboração das Constituições Primeiras do

Arcebispado da Bahia, estando suas normas em sintonia com essas

transformações. E, por último neste capítulo, o funcionamento dos órgãos

burocráticos portugueses ao qual o aparelho eclesiástico colonial estava

subordinado.

No 2o Capítulo – A ORGANIZAÇÃO DA IGREJA CATÓLICA

NO BRASIL E A REPRESENTAÇÃO DO SACERDOTE NA SOCIEDADE

COLONIAL, como está explícito no enunciado, procuramos discutir como

efetivamente estava organizada a instituição eclesiástica, que espaço ocupavam

as ordens religiosas, e qual a importância adquirida pelo sacerdote no interior

da sociedade colonial.

No 3o Capítulo – PERNAMBUCO: CLERO E SOCIEDADE,

analisamos o processo de criação da diocese, ou bispado, de Pernambuco, a

13

atuação dos bispos que a administraram no período em destaque, procurando

ainda destacar seu aspecto de subordinação ao monarca lusitano. Também

discutimos a atuação dos clérigos nos mais diversos setores da capitania, tendo-

se em vista a sua interferência em outros níveis da sociedade. Tentamos

verificar o poder fiscalizador e disciplinador, que o padre exercia no interior da

colônia, centralizando sua condição de autoridade colonial, embora se constate

a sua pouca preparação para este encargo, haja vista não existir em Pernambuco

um seminário de formação sacerdotal até o início do século XIX.

A fragilidade econômica do clero colonial o remetia ao

atrelamento ou à aliança com os outros poderes da sociedade, escapando muitas

vezes do controle dos bispos. O padre ficava em meio às pressões institucionais

da Igreja e do Estado para cumprir as suas funções e satisfazer as suas próprias

necessidades. Não faltam exemplos, neste período, de clérigos que não

cumpriam os seus deveres com relação aos sacramentos, porque administravam

as suas fazendas ou se dedicavam ao comércio.

Esperamos que esta pesquisa permita um melhor entendimento das

atitudes e do comportamento do clérigo, sendo este um elemento ao qual coube

um papel preponderante na formação da sociedade colonial. Dos seus conflitos

e de suas necessidades, estando completamente imerso no cotidiano da paróquia

ou, como capelães, nos engenhos e fazendas.

Na Colônia, as intrigas, as discórdias que freqüentemente

terminavam em crime, as lutas entre famílias que provocava a morte em

dezenas de pessoas, o clima de permissividade que envolvia portugueses e

nativos, que incentivava a poligamia, refletia o conflito entre os valores, as

instituições e as condições materiais e morais do meio. Pode -se afirmar que

essa situação dificultou grandemente a recepção e o desenvolvimento da Igreja

Católica durante todo este período e se refletiu nos períodos seguintes.

14

1o. CAPÍTULO – OS ANTECEDENTES METROPOLITANOS

A QUESTÃO DO PADROADO RÉGIO PORTUGUÊS

instituição do padroado em Portugal está intimamente

ligada à Ordem de Cristo, herdeira da Ordem dos

Templários extinta em 1310, que foi aprovada pelo Papa João XXII em 14 de

março de 1319.

Um profundo sentimento religioso se consolida em Portugal já na

formação do Estado português no período da Reconquista. Esta foi identificada

com as lutas cruzadísticas contra os infiéis, fazendo com que a Igreja em Roma

tivesse grande interesse no sucesso das forças cristãs. As vitórias que foram

sendo alcançadas pelos exércitos de D. Henrique mostraram à Santa Sé a

importância que estes vinham adquirindo no sucesso das lutas militares. Sendo

assim, os interesses do senhorio do condado e os do papado foram aos poucos

convergindo para o reconhecimento da autonomia portucalense ante o reino de

Leão. Sua soberania, por conseqüência, foi reconhecida no tratado de Zamora,

firmado em 1143 entre o duque de Portugal, D. Afonso Henriques (1128- 1185),

e D. Afonso VII, Imperador de Leão, que determinava a independência do

antigo condado, agora reino de Por tugal. 4

Outro fator que merece ser destacado diz respeito ao papel que

cabia às ordens militares no processo da Reconquista. Estas ordens, fundadas

com o intuito de auxiliar os doentes e os peregrinos que iam para a Terra Santa

e, principalmente, para combater os adeptos da fé muçulmana, participaram das

batalhas contra os mouros na Península Ibérica. Seus contingentes, em muitos

4 SALGADO, Graça (org.). Fiscais e Meirinhos: administração do Brasil Colonial. 2a. edição. Rio de

Janeiro: Nova Fronteira. Pág. 24.

A

15

casos, formaram a base dos exércitos cristãos. Como conseqüência dessa

atuação, a várias destas ordens foram concedidas doaçõ es de terras nos reinos

ibéricos. Em Portugal, os maiores beneficiados foram as ordens dos Templários,

de São Bento e de Santiago da Espada. No entanto, estas ordens não se

destacaram apenas por seu aspecto militar, elas também contribuíram para o

povoamento do território português, a partir das regiões que lhes foram

ofertadas. Em torno de seus castelos e fortalezas, desenvolveram-se atividades

agrícolas que levaram ao estabelecimento de novas populações.

Igualmente importante nesse processo de ocupação territorial, foi a

participação das ordens religiosas, dentre as quais se destacou a dos

beneditinos, cujos mosteiros e capelas tornaram-se pólos de concentração de

inúmeras famílias atraídas pela segurança que ofereciam. Desta mesma forma,

desde a Reconquista, “as ordens tomaram a peito a colonização de zonas

desertas ou dizimadas pela guerra, criando novos focos de povoamento e

estimulando a exploração da terra ”.5

No início do século XV, as primeiras tentativas de expansão que

Portugal empreendeu no ultramar foram vistas pela Cúria romana como o

primeiro sintoma de uma nova reação cristã contra o avanço dos turcos pelo

continente europeu. D. Henrique, o Navegador, patrono das expansões

ultramarinas portuguesas, obteve o título de “regedor e conservador” da Ordem

de Cristo, o que lhe fez angariar grande prestígio junto à Sé de Roma 6.

Em 1411, o Infante D. Henrique, enviando um emissário direto ao

Papa, conseguiu indulgência plenária para os que combatessem os mouros sob a

bandeira da Ordem de Cristo, o que equiparava totalmente os empreendimentos

5 SERRÃO, Joaquim Veríssimo. História de Portugal, vol. I. 3a. edição. Lisboa: Verbo, 1980. Pág. 174. 6 LACOMBE, Américo J. “A Igreja no Brasil Colonial". In: HOLANDA, Sérgio Buarque de (dir.).

História Geral da Civilização Brasileira, Tomo I, vol. 2. 7a. edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1993. Pág. 52.

16

portugueses às cruzadas. A partir de então, a Ordem de Cristo foi alvo de várias

concessões da Igreja Romana que se tornaram a base para o padroado

português.

O direito de padroado, dentro das normas da Igreja Católica, nada

mais era do que o direito a um certo grau de controle sobre uma igreja ou capela

local ou nacional, a um administrador civil, em apreço de seu zelo, dedicação e

esforço para difundir a religião Católica, e ainda como estímulo para futuras

“boas obras”. Podemos, então, entender o padroado como sendo o direito de

controle por tudo aquilo que é construído e sustentado pelo padroeiro ou

patrono, devendo-se a este “a honra, o ônus e a utilidade ”7. O sistema de

padroado implantado nas regiões do ultramar português foi instituído por uma

série de bulas papais editadas por quatro papas entre 1452 e 1534.

Em 18 de junho de 1452, o Papa Nicolau V edita a Bula Dum

diversas que concede ao rei de Portugal, tendo em vista o aumento da

cristandade e a exaltação da fé, a faculdade de adquirir os domínios

muçulmanos e infiéis e de possuir os seus bens públicos e particulares.

Uma segunda Bula, a Romanus Pontifex , de 8 de janeiro de 1455,

foi ainda mais específica e, justamente, denominada de “carta do imperialismo

português”, pois começa resumindo as obras de descoberta, conquista e

colonização realizadas pelo Infante D. Henrique desde 1419. Ela doava

novamente os territórios africanos ao rei de Portugal e proibia que alguém

entrasse neles sem licença deste, competindo ao monarca lusitano o direito de

erigir igrejas, oratórios e outros lugares pios. Com o consentimento dos

superiores eclesiásticos, podia enviar sacerdotes, seculares ou regulares, que aí

então residiam e administravam os sacramentos. A Bula ainda autorizava

7 HESPANHA, Antônio Manuel. “Os Bens Eclesiásticos na Época Moderna. Benefícios, Pdroados e

Comendas”. In: TENGARRINHA, José (org.). História de Portugal . São Paulo: EDUSC/UNESP/ Instituto Camões, 2000. Pág. 90.

17

Portugal a estabelecer o monopólio comercial nestes territórios, e quem neles

exercia comércio sem sua licença incorria em excomunhão.

Posteriormente, na Bula Inter caetera, de 13 de março de 1456, o

Papa Calisto III confirmou o que foi estabe lecido pela Romanus Pontifex e, a

pedido de D. Afonso V e do seu tio D. Henrique, concedeu à Ordem de Cristo a

jurisdição espiritual sobre todas as regiões conquistadas por Portugal daquele

momento em diante. Esta Bula passou a conceder o padroado à Ordem de Cristo

nos seguintes termos:

“Decretamos, estatuímos e ordenamos que para sempre a espiritualidade e

toda a jurisdição ordinária, domínio e poder, nas coisas espirituais somente,

nas ilhas, cidades, portos, terras e lugares dos cabos Bojador e Não, e além

daquela região meridional até o Indo... adquiridas e por adquirir... toque e

pertença a esta milícia e ordem, de futuro para sempre... E assim que o prior,

na dita milícia possa e deva colar todos os benefícios, com cura e sem cura,

seculares e religiosos... proferir excomunhões, suspensões, privações,

interditos e outras sentenças, censuras e penas eclesiásticas... decretando que

estas ilhas, terras e lugares... em nenhuma diocese sejam incluídas”8

Uma quarta Bula, a Dum fidei constantiam, editada por Leão X em

7 de junho de 1514, ainda trata da concessão do direito de padroado a Portugal.

É neste documento que se encontra a primeira menção expressa do Padroado

Régio Português nos territórios ultramarinos. O papa concedeu ao rei o direito

de apresentação para todos os benefícios nas terras adquiridas desde 1512 em

diante; nas restantes, esse direito continuava a pertencer à Ordem de Cristo.

Esta concessão não se baseou na dotação de Igrejas, mas nos serviços prestados

pelo rei, sujeitando ao domínio cr istão terras de muçulmanos.

O rei de Portugal, D. Manoel (1495- 1521), conseguiu também, em

8 LACOMBE, Américo J. Op. cit. Pág. 54.

18

1514, através da Bula Praecelsae Devotionis , o direito de provisão de bispados,

paróquias, cargos clericais em geral, em troca de financiamentos para a

construção e conservação dos edifícios do culto e para remuneração do clero.

Isso trouxe importantes conseqüências para a organização da Igreja Católica nas

colônias ultramarinas: nenhum clérigo, a partir de então, saía de Portugal para

as colônias sem autorização explícita do rei, que exigia uma audiência

particular com a declaração de um juramento de fidelidade.

Anterior a esta, a Bula de 1456 já havia concedido ao regente português o

direito de cobrança dos dízimos eclesiásticos, fato que teve a maior importância na

organização da Igreja nas colônias ultramarinas. A Ordem de Cristo, por conseguinte,

interpretou que essa concessão seria feita para financiar a administração eclesiástica da

Coroa, recebendo assim os dízimos pagos pelos habitantes das terras incluídas no

Padroado. Esta cobrança de dízimos já era um expediente utilizado pela Igreja Católica,

na Europa, desde a Idade Média, com o fim de sustentar o culto e os ministros

eclesiásticos. Cada cristão deveria contribuir com a décima parte do que tinha

conseguido com o trabalho da terra, para as despesas das igrejas. Inovando, porém, a

Coroa portuguesa centralizou esta receita, sob o encargo da Ordem de Cristo, e o

tesouro régio, em um “caixa único”. Para esta manobra, foi usada a justificativa de que

seria necessário despender maiores quantias nas regiões onde a catequese era

inexpressiva e a renda diminuta.

Podemos notar através do conteúdo destas Bulas que,

paulatinamente, a aliança existente entre a Igreja Católica e o Estado português

foi se reforçando, existindo uma intensa troca de favores afim de alcançarem

seus objetivos específicos. Para Portugal, interessava o apoio oferecido pela

Igreja Católica no processo de colonização e evangelização nas suas possessões

no ultramar. Por sua vez, a expansão da fé católica nas novas terras

conquistadas, gerava um grande interesse para a Sé Romana.

O efeito cumulativo destas Bulas papais foi o de dar aos monarcas

portugueses e, posteriormente, a outros monarcas europeus, um beneplácito

19

religioso para a atitude de domínio que procurou subjugar todas as raças que

estivessem fora do seio da cristandade 9.

Sendo assim, a Coroa portuguesa, ao longo do século XVI,

período de estabelecimento e consolidação do domínio português sobre o

Brasil, estava unida à Igreja Católic a mediante a instituição do Padroado Régio.

Neste mesmo século, precisamente em 1522, o papa Adriano VI conferiu a D.

João III (1521- 1557) a dignidade de Grão-Mestre da Ordem de Cristo, que, a

partir de então, ficou sendo concedida a todos os reis de Portugal, seus

sucessores.

A concessão do Padroado Régio estabeleceu definitivamente a

aliança entre a Ordem e o Estado português, que até o final do século XV era

permeada de incertezas. As expedições de além-mar, empreendidas

primeiramente para a defesa e di latação da fé católica, tornaram-se logo uma

grande empresa política e comercial em favor da Coroa portuguesa. O sagrado e

o profano, o eclesiástico e o político, estiveram em Portugal, quase sempre

inseparavelmente unidos, tendo a Igreja e o Estado se prestado a um mútuo

auxílio.

Em Portugal, os monarcas e a Igreja Católica mantiveram sempre

uma estreita ligação. Os próprios componentes da família real e de outras

famílias nobres, durante um longo período, fizeram parte da alta hierarquia

eclesiástica lus itana. Esses clérigos não ficaram restritos apenas aos assuntos

religiosos, vários foram os que usaram seu prestígio na política, pleiteando

também um lugar na burocracia civil10.

9 BOXER, C. R. O Império Colonial Português: 1415-1825. São Paulo: Martins Fontes, 1969. Págs. 44-

45. 10 MORAES, Douglas Batista de. Bem Nascer, Bem Viver, Bem Morrer. A administração dos

sacramentos da Igreja Católica em Pernambuco de 1650 a 1790. Mestrado em História. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2001. Pág. 37.

20

Quase todos os arcebispados e bispados no território português, no

século XVI, eram compostos por membros da nobreza lusitana. Eles

procuravam sempre assumir cargos nas prelazias11 mais importantes de

Portugal, que pertenciam a regiões mais desenvolvidas economicamente 12. As

dioceses mais humildes, geralmente localizadas no interior , eram formadas em

sua maioria por prelados pertencentes às camadas mais pobres da população.

No reino português, a Igreja mantinha a sua autoridade em

torno das catedrais, paróquias e ermidas, estabelecendo ao nível urbano e

rural laços sólidos com os fiéis para quem a graça espiritual constituía

uma razão de ser da existência 13. Segundo afirma Caio Boschi, “desde

cedo estabeleceu -se íntima colaboração entre as duas instituições, pois

que, para o Estado Moderno, a unidade política exigia unidade

religiosa ” 14. Essa estreita ligação dos domínios político e religioso se

consolidou com a concessão, feita pela Igreja Católica, do direito de

padroado ao monarca português e seus descendentes.

Posteriormente, as ordens militares portuguesas de São Tiago e de

São Be nto foram unidas sob o comando de um único mestre em 1551, sendo

estas incorporadas através da Bula Praeclara Charissimi concedida pelo Papa

Júlio III à Ordem de Cristo e, conseqüentemente, ao rei português. Foi neste

momento que o rei de Portugal e seus sucessores assumiram os encargos de

administrar o reino e a Ordem de Cristo. Sendo assim, D. João III (1521-1557)

adquiriu o direito de padroado sobre todos os postos, cargos, benefícios e

funções eclesiásticas nos territórios ultramarinos. Não devemos entender essas

concessões como uma apropriação dos reis de Portugal das atribuições

11 “Dignidade, cargo ou jurisdição de um prelado”. TRINDADE, José da Santíssima, Dom Frei. Visitas

Pastorais de Dom Frei José da Santíssima Trindade (1821-1825) . Belo Horizonte: Centro de Estudos Históricos e Culturais, Fund. João Pinheiro; Inst. Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais, 1998. Pág. 403 (Glossário de Termos).

12 “Os arcebispados de Lisboa e Braga eram objetos de desejo dentro da estrutura eclesiástica portuguesa”. MORAES, Douglas Batista de. Op. cit. Pág. 43

13 SERRÃO, Joaquim Veríssimo. História de Portugal, vol. II . 3a. edição. Lisboa: Verbo, 1980. Pág. 322. 14 BOSCHI, Caio César. Os Leigos e o Poder. Irmandades leigas e política colonizadora em Minas

Gerais . São Paulo: Ática, 1986. Pág. 42.

21

religiosas da Igreja de Roma, mas sim, como uma forma “típica” de

compromisso entre a Sé Romana e o Estado português 15.

De modo similar ao Padroado Régio Português, foi concedido à

Espanha o direito de “Patronato”, sendo a “aliança entre o trono e o altar” uma

das principais preocupações comuns dos monarcas ibéricos 16. Igualmente, as

duas Coroas foram autorizadas pelo papado a: erigir ou permitir a construção de

todas as catedrais, igrejas, mosteiros, conventos e ermidas dentro do domínio

dos respectivos padroados; apresentar à Santa Sé uma curta relação dos

candidatos mais convenientes para todos os arcebispados, bispados e abadias

coloniais e para as dignidades e funções eclesiá sticas menores aos respectivos

bispos; administrar jurisdições e receitas eclesiásticas e a rejeitar as bulas e

breves papais que não fossem primeiro aprovados pela chancelaria da coroa de

cada reinado 17.

Na Península Ibérica, a expansão do catolicismo esteve presente

desde os primórdios da conquista ultramarina, estimulada tanto por Roma,

quanto pelos reis, que através do padroado exerciam absoluto controle sobre as

Igrejas espanhola e portuguesa. No entanto, foram muitas as diferenças entre as

Américas espanhola e portuguesa no tocante à organização eclesiástica secular.

Na primeira, a Igreja acompanhou conjuntamente o avanço da conquista, devido

à forte presença da administração metropolitana, de modo que até 1565 já

haviam sido criados quatro arcebispados instalados em São Domingos, México,

Lima e Bogotá 18.

No Brasil, pelo contrário, o progresso da instituição eclesiástica

15 “O Padroado português pode ser definido amplamente como uma combinação de direitos privilégios e

deveres concedidos pelo Papado à Coroa de Portugal, como patrona das missões e instituições católicas romanas em vastas regiões da África, da Ásia e no Brasil”. BOXER, C. R. Op. cit. Pág. 257.

16 BOXER, C. R. A Igreja e a Expansão Ibérica (1440-1770). Lisboa: Edições 70, 1989. (Col. Lugar da História – 11). Pág. 98.

17 Idem. Pág. 100. 18 VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos Pecados. Moral, sexualidade e Inquisição no Brasil. 3a. impressão.

Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997. Pág. 26.

22

parece ter sido lento e arrastado. Toma -se como exemplo o fato de que, apenas

em 1551, o bispado da Bahia foi criado, ficando este por muito tempo como a

única diocese colonial, cabendo- lhe administrar todos os negócios eclesiásticos

na imensa colônia portuguesa. Somente em 1676 serão criadas as prelazias de

Pernambuco e do Rio de Janeiro, elevando-se o bispado da Bahia a

Arcebispado, ficando este como único durante todo o período colonial.

A concessão dos diversos direitos de padroado a Portugal

possibilitou que a Igreja Católica no Brasil, como em todas as colônias

ultramarinas, estivesse mais ligada ao Estado português do que à Cúria Romana.

Sendo assim, mediante às dificuldades de comunicação, Roma estava

incapacitada de exercer sua autoridade eclesiástica na Colônia. A colonização

do Brasil, atendendo às exigências de cunho espiritual da Coroa portuguesa,

visava à conversão dos índios, à expansão da Igreja e à difusão da fé verdadeira

entre aqueles que “viviam na escuridão”. Esse ideal, que está intrinsecamente

ligado à mentalidade dos primeiros colonizadores, pode ser entendido mediante

as palavras proferidas por D. João III (1521- 1557) a Tomé de Sousa, o primeiro

governador do Brasil: “o principal motivo que me levou a colonizar o Brasil é

converter os povos que lá vivem à nossa santa fé católica”19.

Para a Coroa portuguesa, a concessão feita pelas inúmeras bulas,

expedidas por Roma nos séculos XV e XVI, reforça e sustenta o seu direito de

conquista, então, indiscutivelmente, ligado ao direito de padroado. O rei de

Portugal, detentor de várias colônias ultramarinas, está autorizado a ser o

organizador da Igreja Católica no que diz respeito à conquista e à redução.

Segundo afirma Eduardo Hoornaert, “por onde chegam os portugueses eles

plantam o famoso ‘padrão’ que traz as armas reais e a cruz intrinsecamente

19 HOORNAERT, Eduardo. “A evangelização do Brasil durante a primeira época colonial”. In:

HOORNAERT, Eduardo (org.). História da Igreja no Brasil. Primeira Época. 4a. edição. Petrópolis: Vozes, 1992. Pág. 24.

23

ligadas entre si. Portugal goza dos favores da Cúria Romana em negócios de

além- mar”20.

Por ser o Brasil um desses “negócios de além-mar”, para a

organização da Igreja nas terras ultramarinas, ficaram sendo prerrogativas da

Coroa portuguesa: que nenhum clérigo partia de Portugal para o Brasil sem

autorização expressa do rei, tendo os missionários portugueses e estrangeiros

que reunirem-se em Lisboa antes da partida e utilizar exclusivamente comboios

portugueses; os bispos não podiam se corresponder diretamente com a Sé de

Roma e só eram autorizados a encontrarem-se com o papa por ocasião da visita

ad limina , que deveria ser feita pelo menos uma vez durante o mandato do

bispo. Mas, esta ficou sendo impraticável para quase todos os religiosos da

Colônia, devido à distância e aos custos de tal viagem. Podemos afirmar que,

durante os dois primeiros séculos do estabelecimento da Igreja no Brasil, não

houve comunicação desta com Roma.

Será, mediante a todos esses privilégios adquiridos pela Coroa

portuguesa, que no Brasil a Igreja Católica levantará os seus alicerces. Assim,

podemos afirma r que o verdadeiro chefe da Igreja no Brasil, sendo também

responsável pela catequização dos nativos, era o rei de Portugal. Este construiu

em torno de si, para os habitantes da colônia, a figura de um pai que protege e

resolve os problemas. Ele respondia pessoalmente a numerosas cartas, dando

um toque pessoal e paternal a toda correspondência colonial, mesmo para

resolver as situações mais corriqueiras.

Com o padroado, a estrutura da Igreja no Brasil colonial será

marcada por uma forte dependência, estando esta submetida, para o seu

sustento, a um duplo percurso financeiro. Da colônia para o Reino iam os

dízimos, tendo a Ordem de Cristo recebido o privilégio de cobrar a décima

parte de todos os bens móveis, licitamente adquiridos nas possessões do

20 Idem. Pág. 35

24

ultrama r. Do Reino para o Brasil voltavam as redízimas, as quais eram a

contribuição da Coroa para a construção dos templos, o sustento do culto e dos

religiosos.

Ela retornava, quase sempre, em forma de doações e “verbas”

precárias e provisórias, o que deixava o clero em péssima situação na colônia.

Para ilustrar esta afirmação, podemos citar Gabriel Soares de Sousa que, na

década de 1580, comentava o fato de que o bispo da Bahia, para acomodar o seu

Cabido, precisou despender de um grande espaço de sua casa21.

Como conseqüência direta do sustento do corpo eclesiástico pela

Coroa portuguesa, notamos que a criação, tanto de dioceses quanto de

paróquias, será extremamente escassa durante o período colonial. A diocese, ou

bispado, seria todo o território circunscrito pela Santa Sé que, neste caso, teria

passado esse direito ao Estado português, dentro do qual o bispo exerce a

jurisdição espiritual com todos os direitos e regalias nas funções litúrgicas. Já a

paróquia, tendo como área demarcada a freguesia, ficava mais próxima da

sociedade colonial com um pároco, ou vigário, encarregado de ministrar

corretamente os sacramentos e exercendo também um poder fiscalizador e

disciplinador da população. Uma nova paróquia podia ser criada por um bispo,

no entanto, este teria que ser responsável pelo sustento de seu clero, que deveria

ser instruído em seminário, sendo financiados pela Coroa portuguesa. Diante do

quadro apresentado, não é de se estranhar que, apesar de várias tentativas, só a

partir de 1739 foram criados seminários para o clero secular no Brasil.

Com as distâncias existentes entre as dioceses, consequência

direta de seu pequeno número, haverá uma significativa dificuldade no

cumprimento das obrigações apostólicas por bispos e clérigos. Algumas dessas

21 SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado Descritivo do Brasil em 1587. 4a edição. São Paulo: Companhia

Editora Nacional, 1971. Pág. 135.

25

obrigações, das quais se encarregavam o bispo, eram as visitas pastorais

estabelecidas pelo concílio de Trento 22.

Ao clero, durante todo o período colonial, será inerente a marca de

seu caráter de “funcionário” eclesiástico. Esta afirmação se baseia no fato de

que, ne sta época, por receber o religioso sua côngrua 23 do Estado português, o

sacerdócio era considerado como uma profissão. Seria um cargo de funcionário

público, responsável por cumprir as funções litúrgicas próprias do Catolicismo,

sendo esta a religião oficia l da sociedade colonial. Esta situação se prolongou

por todo o período em que o Brasil era uma Colônia e, também, durante o

Império, estando suas raízes no direito do padroado. Segundo Graça Salgado,

“além da integração político-religiosa, a Coroa [portuguesa] se beneficiou, e

muito da sua condição de administradora dos dízimos eclesiásticos, em muitas

regiões talvez a principal fonte da renda colonial”24. Os religiosos, sustentados

mediante a arrecadação dos dízimos pela fazenda real, eram “pagos” pela folha

eclesiástica, uma das três folhas de pagamento da administração colonial

portuguesa.

No Brasil, o trabalho da catequese e pastoral junto aos indígenas,

até meados do século XVIII, coube ao clero regular que após a chegada dos

jesuítas (1549), estabeleceu-se nos principais centros, incorporando-se às

expedições de exploração do interior e assumindo o papel de representante da

cultura cristã e da monarquia nas regiões de fronteira.

Estes clérigos eram vistos pela população da sociedade colonial

como os pr incipais ministradores dos sacramentos, considerados como “um

remédio para os perigos do cotidiano” e uma garantia de ingresso certo na vida

22 HOORNAERT, Eduardo. “A evangelização do Brasil durante a primeira época colonial”. Op. cit. Pág.

135. 23 “Gratificação pecuniária recebida do Poder Civil por eclesiásticos que eram colados (confirmados) em

seus cargos por esta mesma autoridade civil”. TRINDADE, José da Santíssima, Dom Frei. Visitas Pastorais de Dom Frei José da Santíssima Trindade (1821-1825) . Op. cit. Pág. 397 (Glossário de Termos)

24 SALGADO, Graça (org.). Op. cit. Pág. 115.

26

eterna após a morte. Sendo assim, franciscanos, carmelitas, beneditinos e

jesuítas passaram a acumular doações e propriedades que lhes permitiam agir

com uma certa independência da Coroa. Ao mesmo tempo, eles poupavam a

Coroa portuguesa dos gastos com a manutenção do culto e pagamento do clero,

levando as rendas dos dízimos, principal tributo sobre a produção, a serem

aplicadas em outros assuntos que não os da Igreja.

A dificuldade criada por este vínculo econômico existente entre

Igreja e Estado, estabelecido pelo padroado, quase obrigou que nas missões do

interior, onde a situação financeira dos religiosos era mais deficiente, o clero

regular construíssem fazendas para a criação de gado. Esta medida permitiu

uma certa independência financeira com relação à Coroa, no entanto, esta

iniciativa já se deu mediante o fato de que as ordens religiosas estavam um

pouco menos submetidas ao poder do Estado português.

Os seculares, não possuindo este tipo de patrimônio estável,

continuaram ainda mais dependentes de Portugal. Os jesuítas, por exemplo,

num determinado período, possuíram a fazenda Santa Cruz perto do Rio de

Janeir o, em cuja considerável extensão existia uma criação de 7.658 cabeças de

gado, 1.140 cavalos, e 700 escravos. Esta quantidade mão- de-obra aumentou até

o número de 1.205 em 1768. Apesar de inerente a qualquer trabalho manual,

esta necessidade de trabalho escravo nas fazendas dos religiosos destoa de suas

atribuições para a religião Católica.

Com essa atitude, os religiosos se igualaram aos grandes

proprietários, sendo muitos deles verdadeiros fazendeiros, por nomeação

canônica. No entanto, os escravos dos missionários gozavam de alguns

privilégios como: não podiam ser vendidos, recebiam uma instrução religiosa

mais cuidadosa e recebiam os sacramentos de acordo com as normas

estabelecidas pela Igreja Católica. Com essa atitude o clero regular atendeu aos

interesses da Coroa portuguesa, servindo essencialmente de reserva estratégica

27

de sacerdotes para administrar as missões e para a manutenção do culto, quase

que sem ônus para a folha do padroado.

A REFORMA CATÓLICA E O CONCÍLIO DE TRENTO

Um dos reflexos da incipiente e “frouxa” organização eclesiástica

no Brasil, durante o período colonial, foi o atraso com que se elaborou uma

legislação própria para a Igreja que atendesse às necessidades aqui existentes.

Apenas em 1707, o então arcebispo da Bahia, D. Sebast ião Monteiro da Vide,

promulgou as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, fruto de um

sínodo diocesano. A elaboração desta regulamentação, ou corpo de normas,

respondia a uma exigência feita pelo Concílio de Trento, fazendo parte de um

programa maior de evangelização em todos os domínios da vida social e

religiosa. O Livro I das Constituições, que se ocupava da definição da fé e do

dogma, para Thales de Azevedo, “(...) deriva direta e expressamente das

Sagradas Escrituras, da Patrística e do Concílio Tridentino (...)”25.

O Concílio de Trento estabelecia, como objetivo geral, a

reorganização da Igreja Católica diante das crises promovidas pelo avanço da

Reforma Protestante na Europa. Por ser uma das respostas da Reforma Católica,

tratou de temas como o Pecado Original e a Bíblia, reafirmou os sete

sacramentos e tratou da questão das indulgências e do purgatório. Foram

promulgados cânones, ou regras, para todos esses assuntos, tendo sido eles

aprovados pelo Papa.

Este Concílio foi o principal pilar sobre o qual se sustentou a

Reforma Católica, iniciada com o objetivo de renovar o clero, fortalecer as

associações de leigos, reformar as antigas ordens religiosas, depurar as dioceses

de práticas nocivas e, sobretudo, aprimorar a vida espiritual. Na Itália, no final

25 AZEVEDO, Thales de. Igreja e Estado em Tensão e Crise: a conquista espiritual e o padroado na

Bahia. São Paulo: Ática, 1978. Pág. 78.

28

do século XV, foram criadas diversas associações de leigos que procuravam

cuidar dos pobres e doentes. Na Europa, as ordens religiosas mais antigas, que

se compunham de franciscanos, beneditinos, dominicanos, carmelitas e

agostinianos, passaram por profundas reformas em seus regulamentos,

procurando-se restabelecer uma observância mais rigorosa da vida em comum

da pobreza, da clausura, do trabalho e da penitência.

A Igreja Católica, ao longo do século XVI, procurou remediar a

situação da qual estava imersa em seu cotidiano. A exteriorização da religião se

encontrava extremamente misturada às tradições locais, principalmente, na

administração do batismo e nas cerimônias de casamento e de funeral. Para isso

contribuía a falta de um clero paroquial mais preparado, estando o sacerdote

cada vez mais integrado à vida da comunidade. Para Vainfas a Reforma

Católica foi “a reforma de uma Igreja inquieta, sobretudo após o século XVI,

com a distância que a separava dos fiéis, para o que muito contribuíam o

despreparo, o absenteísmo e a ineficácia do clero, desde a alta hierarquia aos

curas paroquiais”26.

Em 1534, Alessandro Farnese tornou-se papa, assumindo o título

de Paulo III. Durante seus quinze anos de pontificado, considerou a reforma da

Igreja como uma necessidade premente e inadiável como uma forma de impedir

os avanços do protestantismo e revigorar a vida religiosa. Assim, mesmo

enfrentando enormes dificuldades, pois muitos se opunham a essas mudanças 27,

ele convocou um Concílio Geral que se reuniu em Trento e foi oficialmente

aberto em 13 de dezembro de 1545. Dele fizeram parte cinco cardeais, 31

bispos, número este que subiu para 176, e 48 teólogos, dentre os quais se

incluiu Abrogio Catarino e Domenico Soto, ambos dominicanos e

representantes de São Tomás de Aquino. Os cinco Superiores Gerais das

Congregações Religiosas e seus membros mais renomados, peritos em teologia

26 VAINFAS, Ronaldo. Op. cit. Pág. 20. 27 “Os reis da Espanha e da França não o apoiaram totalmente, assim como alguns cardeais”. THOMAS,

P. C. Os Concílios Gerais da Igreja . Aparecida, SP: Editora Santuário, 1999. Pág. 141.

29

e direito canônico, também fizeram parte dele. O Concilio de Trento foi dado

por concluído em 4 de dezembro de 1563.

Durante o tempo em que ficou reunido este Concílio assumiram o

poder da Sé de Roma quatro papas. O sucessor de Paulo III, Júlio III, esteve à

frente do cargo de 1550 à 1555 e, apesar de ter praticado o nepotismo e de

possuir uma mentalidade mundana, levou adiante a Reforma Católica. Marcelo

II, que o sucedeu, foi Papa por apenas 21 dias, morrendo logo após ter sido

eleito. Com quase 80 anos, o napolitano Gianpetro Caraffa foi eleito Papa de

1555 à 1559, com o título de Paulo IV. Devido ao seu caráter severo utilizou-se

da Inquisição para perseguir os hereges. Criou o Index librorum prohibitorum,

que formava uma lista de livros cuja leitura ficava sendo proibida aos católicos.

Com sua morte foi substituído por Carlos Borromeu, que quando eleito assumiu

o nome de Pio IV, ficando este no cargo de 1559 à 1565. Neste período o

Concílio de Trento foi concluído 28.

O Concílio de Trento determinou que a Tradição, ou ensinamentos

da Igreja ao longo da história, assim como a Bíblia possuíam igual autoridade.

Essa delimitação ia de encontro com as afirmações de Lutero e Calvino, pois

para estes a Bíblia era a única fonte da fé. Para eles, também, a fé era o único

caminho da salvação, diferentemente dos católicos, que consideravam que, além

da fé, são necessárias boas obras, devendo a graça divina e o esforço humano

operar conjuntamente.

Para a Igreja Católica, a Bíblia não podia mais ser interpretada

livremente, podendo isso conduzir a erros e cisões na Cristandade. O Concílio

manteve a crença no purgatório, a veneração das imagens, o celibato

eclesiástico, a necessidade do jejum, a indissolubilidade do matrimônio, a

suprema autoridade do papa, o latim como idioma litúrgico e a validade dos

sacramentos. Estas decisões rejeitavam o individualismo da religião protestante,

28 MOCELLIN, Renato. No Tempo das Reformas: aspectos da história do cristianismo. Curitiba: Nova

Didática, 2000. Pág. 45.

30

reafirmando a ne cessidade da mediação da Igreja na comunicação “entre a terra

e o céu”.

Em relação aos sacramentos, ou sinais da graça de Deus, a Igreja

Católica manteve a doutrina tradicional. Eram eles: o Batismo, ou sacramento

do nascimento espiritual; a confirmação ou crisma, quando o dom do Espírito

Santo é fortalecido; a Eucaristia, ou transubstanciação, na qual o pão e o vinho,

conservando suas aparências próprias, tornam-se substâncias do corpo e do

sangue de Cristo; a Reconciliação ou Penitência, exame de consciência e

confissão, cuja absolvição era dada pelo sacerdote; o Matrimônio; a Ordem,

sacramento por meio do qual alguns cristãos são elevados à dignidade de

ministros sagrados e a Extrema -Unção, ou Unção dos Enfermos 29. Jean

Delumeau, escrevendo sobre a importância histórica do sacramento da

Penitência, afirmou:

“Que o perdão divino, transmitido pelo padre, tenha reconfortado e

reanimado almas ricas de uma verdadeira sensibilidade religiosa não resta

dúvida. Elas se dirigiam ao confessor, para além de toda coerção legalista,

como a um “diretor de Consciência”, amigo e confidente em que viam um

guia seguro. É preciso evidentemente considerar como um grande

enriquecimento cultural e um profundo refinamento psicológico a prática que

se desenvolveu no século XVIII , sobretudo nas classes abastadas, de ter um

“diretor de consciência”a quem confiar os mais íntimos segredos e que

aceitava orientar os penitentes na difícil navegação rumo à salvação” 30.

No sacramento da Confissão, ou Penitência, o pecador, ou

penitente confessava os seus pecados a um padre, que representava Cristo e

tinha o poder de “absolver” os pecados que tivessem sido confessados com

sinceridade e arrependimento. A partir do século XII, a confissão passou a ser

considerada como um ato de humildade, sendo um reconhecimento que o cristão

fazia de seu estado de pecador. A confissão auricular, isto é, face a face com o

29 Idem. Pág. 48. 30 Citado em MOCELLIN, Renato. Op cit. Pág. 132.

31

sacerdote, era considerada então um ato completo de penitência: contrição,

confissão e satisfação. No entanto, este sacramento, após o Concílio de Trento,

sofreu algumas modificações, sendo a principal delas a instituição da “caixa das

confissões”, ou confessionário, que persiste até os dias atuais.

Este novo equipamento das igrejas paroquiais revela uma

crescente preocupação pela confidencialidade e intimidade espiritual, sendo o

confessionário um compartimento com duas seções, onde ficava o padre e o

penitente separados por uma grade, através da qual podiam falar sem se verem.

Apesar deste cuidado não são poucos os relatos de casos de crimes de

solicitação, nos quais o padre se aproveitava deste momento particular da

confissão para fazer propostas “pouco honestas” às penitentes. Segundo

Geraldo Pieroni, “se esse ‘indigno ato’ fosse provado o padre que o cometeu

seria então castigado segundo os breves apostólicos e de acordo com a

qualidade e as circunstâncias dos seus atos. As punições podiam variar desde a

suspensão dos direitos eclesiásticos até a condenação às galés para os

solicitantes relapsos, isto é para os reincidentes ”31.

A Confissão e a Comunhão deviam ser feitas ao menos uma vez

por ano, preferivelmente na época Pascoal. A Páscoa era entendida como um

dos grandes períodos do ano litúrgico, aquele em que melhor se expressava a

unidade de toda a paróquia em comunhão com Cristo em sua ressurreição.

Sendo vista em geral como uma obrigação um tanto quanto penosa para os fiéis,

a confissão era um momento no qual estes procuravam desincumbir-se da

melhor maneira. Dentro do confessionário, a sós com o penitente, o padre o

inquiria de forma a obrigá - lo a examinar sua consciência, lembrando- lhe da

extensão de suas faltas e os castigos que merecia, e impondo-lhe uma penitência

adequada antes de pronunciar a fórmula de sua absolvição.

31 PIERONI, Geraldo. Os Excluídos do Reino: a inquisição portuguesa e o degredo para o Brasil colônia.

Brasília: Universidade de Brasília, 2000; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2000. Pág. 152

32

Dentro da Reforma Católica a principal mudança estava

sedimentada na distinção do caráter do sacerdote. Para Pierre Chaunu

“assegurar o ofício coletivo e velar pelos ritos de passagem, visitar os doentes,

prepará-los para a morte, aconselhar e conduzir, em todos os domínios, a

comunidade, eis a missão que é, sem cessar, proposta ao clero paroquial, com

o passar dos séculos”32. A Igreja que surgiu da Reforma elevou a representação

da figura do clérigo, colocando- o em um nível diferenciado da população em

geral. Esta distinção entre sacerdotes e leigos foi determinada pela concessão de

certos privilégios sacerdotais, sendo um deles o da superioridade de sua

formação.

Um dos cânones estabelecidos pelo Concílio de Trento foi,

justamente, o da obrigação dos bispos de construírem faculdades, ou colégios,

onde os jovens pudessem viver reclusos, recebendo um treinamento religioso na

expectativa da vida clerical. Os padres do Concílio eram da opinião de que o

bom sacerdote seria aquele que, desde a mais tenra juventude, fosse instruído

conforme os hábitos de oração e religião, antes que os vícios de adulto

pudessem enraizar-se33. Sendo assim, em toda a Europa, foram criados

seminários, ou sementeiras, visando dar aos futuros sacerdotes uma rígida

formação intelectual, especialmente em Teologia, História da Igreja, Latim e na

arte da pregação.

No entanto, ao mesmo tempo que se elevava o posicionamento da

figura do sacerdote dentro da comunidade, a Igreja Católica como o

Protestantismo, procurou um meio de aproximar-se dos fiéis. Para isso, ele

passaram a promover uma maior participação dos leigos nos ritos da Igreja. A

forma protestante de se conseguir isso era questionando a exclusividade do

sacerdócio. Porém, para os católicos, parte da resposta estava em tornar os

32 CHAUNU, Pierre. O Tempo das Reformas (1250-1550). I. A Crise da Cristandade. Lisboa: Edições 70,

1993. Pág. 131. 33 THOMAS, P. C. Op. cit. Pág. 145.

33

sacramentos mais visíveis e acessíveis, e em incentivar os leigos a participar

deles.

Nesta nova era da história da Igreja, o sacerdote foi diferenciado

pela sua preparação profissional e pelo desempenho de seus deveres, tendo sido

estes tomados como missão. Para M. Mullett “a Igreja da Contra -Reforma

pretendia, efetivamente, formar um corpo de sacerdotes de elite altamente

disciplinados e preparados, que trabalhasse para o bem-estar moral, espiritual

e temporal dos leigos”34.

A importância do clero, dentro da Igreja Tridentina, se ressaltava

em dois aspectos. Um dele s era a compreensão do sacerdote como um

representante direto do Papa, diferente do leigo na sua formação, no modo de se

trajar e, principalmente, no comportamento. O outro aspecto a ser destacado,

seria o de que o sacerdote era a pessoa mais habilitada para fazer a intercessão

entre Deus e os fiéis.

Os clérigos não deviam apenas ser melhores que os leigos, eles

tinham que ser diferentes daqueles que os rodeavam. Esta diferença,

estabelecida desde o século XVI, foi marcada por uma valorização da

necessida de de um traje clerical que os distinguisse. Fora a aparência, o padre

deveria também se diferenciar dos fiéis por seu comportamento, devendo este

ser grave, reservado, acessível, mas não afáveis. Eles deveriam levar uma vida

celibatária e manter-se à distância de tabernas e botequins. Todas essas

mudanças eram necessárias neste período, pois a situação do clero, como

explica Vainfas, “era particularmente dramática ao iniciar-se o século XVI, a

começar pela freqüente ausência de vocação sacerdotal e qualificação

profissional dos curas paroquiais”35.

34 MULLETT, Michel. A Contra Reforma e a Reforma Católica nos Princípios da Idade Moderna

Européia. Lisboa: Gradiva, 1985. Pág. 27. 35 VAINFAS, Ronaldo. Op. cit. Pág. 21.

34

A partir do século XVII, houve uma preocupação cada vez maior

em atingir os fiéis durante a celebração da missa. Eles, anteriormente, eram, em

sua maioria, meros expectadores passivos, que em muitos casos nem via m o que

acontecia no altar, ou porque estavam numa capela lateral, ou porque o púlpito

lhes barrava a visão.

Como uma tentativa de remediar esta situação, o púlpito foi

transferido, em algumas igrejas, para o centro desta; o altar se tornou mais

próximo do público, os pregadores começaram a se esmerar na apresentação de

seus sermões, muitas vezes utilizando-se de expedientes teatrais. Tudo se

fazendo para envolver cada vez mais os leigos na vida da Igreja. Essas

transformações denotam, para François Lebrun, um “desejo de tornar o culto

mais vivo e mais comunitário, aproximar o altar, [usar do] teatro do sacrifício

da missa, da assembléia dos fiéis, suprimir a barreira do púlpito, agora

considerado intolerável. Imitando São Pedro de Roma, as igreja tornam-se ‘à

romana’”36.

O posicionamento da Igreja Católica em Portugal e no seu império

ultramarino, estando já fortalecido em 1550, foi ainda mais reforçado pela

Reforma Católica, a qual Portugal rapidamente aderiu. Um reflexo dessa

aceitação dos ditames do Concílio de Trento foi a rápida promulgação de novas

Constituições para os diversos bispados portugueses 37. Segundo Joaquim

Serrão, essas Constituições

“(..)eram textos fundamentais para regular a vida das dioceses, sendo

promulgadas pelos bispos com a assis tência dos respectivos cabidos, ou

marcadamente extra-sinodais quando a sua promulgação partia apenas do

prelado. Tratava-se da lei orgânica por que se regiam os sacerdotes e os fiéis

36 LEBRUN, François. “As Reformas: devoções comunitárias e piedade pessoal”. In: ARIÈS, Philippe; e

CHARTIER, Roger (org.). História da Vida Privada. Da Renascença ao Século das Luzes – 3. 1a. reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. Pág 75.

37 Por ordem cronológica, as de Viseu (1527 e 1556), Braga (1534 e 1538), Évora (1534 e 1565), Lisboa (1536), Algarve (1540), Porto (1541), Miranda (1562 e 1565), Lamego (1563) e Angra (1560). SERRÃO, Joaquim Veríssimo. História de Portugal, vol. III . Op. cit. Pág. 245.

35

em matéria espiritual, regulando os actos do culto, os dias de guarda, a

administração dos sacramentos, a vida quotidiana do cristão, as penas contra

pecados e supertições e outras normas da vida religiosa e social do tempo” 38.

Em Portugal o sentimento religioso impregnava a todos, tendo as

pestes e as calamidades aproximado ainda mais os fiéis da Igreja. As propostas

da Reforma Católica que lá foram adotadas não visavam ao combate das novas

religiões, mas sim procuravam renovar e remodelar as práticas exteriores já

existentes. Para Caio Boschi, “a Igreja em Portugal implementaria sua ação

dentro de uma política contra-reformista, utilizando como instrumentos básicos

a Companhia de Jesus e a Inquisição, ali instaladas desde 1540 e 1532,

respectivamente ”39.

No Concílio de Trento a presença da Igreja portuguesa foi mínima,

mas de destacada atuação, sendo representada sobretudo pelos padres da Ordem

de São Domingos. Este Concílio, dentro de suas determinações, privilegiou,

como já afirmamos, a reorganização hierárquica, a formação do clero e a

criação dos seminários. Ele também apresentou algumas razões para se criarem

novas paróquias, sendo uma delas a de que a distância entre os núcleos de

povoamento e o centro paroquial dificultava a recepção e participação do povo

nos sacramentos e nos cultos divinos. Em Portugal, estando a Igre ja Católica,

após o Concílio Tridentino, mais revigorada em relação à formação intelectual

do clero, já em 1572, começaram a funcionar seminários em Braga, Viseu,

Miranda, Coimbra, Guarda, Portalegre, Funchal e Goa 40.

Dentre os cânones estabelecidos pelo Concílio de Trento, não

havia nenhum que tratasse especificamente da expansão católica no ultramar.

Para Vainfas “eram outras as prioridades, outros os objetivos a alcançar:

38 Idem. Págs. 245-246. 39 BOSCHI, Caio César. Op cit. Pág. 36. 40 ALMEIDA, Marcos Antônio. “A paróquia no Portugal medieval: um esboço histórico do século XII ao

século XVI”. In: TORRES-LONDOÑO, Fernando (org.). Paróquia e Comunidade no Brasil. Perspectiva histórica. São Paulo: Paulus, 1997. Pág. 35

36

defesa dos sacramentos e do direito canônico em face dos ataques protestantes

e modificação da disciplina e da qualidade do corpo eclesiástico, a fim de

capacitá -lo ao exercício da nova pastoral”41. Essa situação só se modificou um

pouco a partir do século XVII, com a criação da Sagrada Congregação da

Propaganda da Fé, fundada em Roma em 1622. Essa instituição procurou

supervisionar, orientar e financiar a obra missionária nas colônias ultramarinas.

No Brasil, a expansão do catolicismo idealizada pela Reforma

Católica, foi de responsabilidade não de Roma, mas sim do rei de Portugal,

sendo este detentor do Padroado Régio. A Igreja colonial, em seus dois

primeiros séculos, teve muito mais destacado o seu caráter de ação missionária,

estando esta sob o controle da Companhia de Jesus. No tocante à organização

eclesiástica secular, o Brasil teve um grande atraso em relação à América

espanhola, tendo sido lenta e arrastada mesmo no litoral.

Um exemplo desta afirmação é o fato de que o bispado da Bahia,

criado em 1551, foi durante muito tempo a única Sé colonial, ficando

responsável por administrar todos os “negócios” eclesiásticos na Colônia.

Apenas em 1676, foram elevadas dioceses no Rio de Janeiro e em Pernambuco,

tendo sido neste momento o bispado da Bahia elevado à arcebispado. Somente

no início do século XVIII, foram promulgadas as Constituições do Arcebispado

da Bahia. Constituições estas que eram uma das exigências do Concílio de

Trento, estando adaptas à realidade colonial com as normas estabelecidas no

Sínodo de 1707, organizado por D. Sebastião Monteiro da Vide, o então

arcebispo da Bahia.

Dentre as resoluções do Concílio de Trento, havia sido determinado que

era de responsabilidade das autoridades episcopais a adaptação deste vasto projeto

reformador às condições de cada localidade. Para que isso ocorresse, deveriam ser

realizados sínodos diocesanos nos bispados, ou arcebispados, ou mesmo convocados

41 VAINFAS, Ronaldo. Op cit. Pág. 25.

37

concílios provinciais, em que se reuniriam bispos de dioceses próximas, dos quais

resultariam a elaboração de Constituições. Em grau comparativo, para Eduardo

Hoornaert, “a importância dos sínodos era ao mesmo tempo maior e menor que a dos

concílios. Menor porque geralmente se destinavam à aplicação da legislação decidida

ao nível provincial correspondente. Maior porque tomavam decisões que se aplicavam

a uma área específica, e porque deles participavam uma parcela expressiva do clero

responsável pela implementação das decisões.”42

A primeira tentativa de elaboração de Constituições episcopais próprias

para o Brasil remonta à 1605, quando D. Constantino Barradas, quarto Bispo da Bahia,

comandou a elaboração de um corpo de normas eclesiásticas que não chegaram a ser

impressas. No Brasil, esse destaque para a elaboração de Constituições próprias pode

ser devidamente compreendida, pois

“Tendo o Ilustríssimo Senhor D. Sebastião Monteiro da Vide, Arcebispo da Bahia, do

Conselho de Sua Majestade, tomado pessoalmente posse em 22 de maio de 1702 do seu

Arcebispado, e informado de que nele se experimentavam muitos, e graves abusos, e

falta na administração da Justiça, e no governo espiritual das almas, achou que a total

causa era não haver Constituições próprias neste Arcebispado, pelas quais, como por

leis certas, e infalíveis julgassem os Ministros, e se governasse os Párocos, e mais

súditos deste Arcebispado.”43

Sendo assim, durante quase dois séculos, os representantes da Igreja na

Colônia viram-se obrigados a se orientarem pelas normas existentes nas Constituições

do Arcebispado de Lisboa, já em conformidade com as resoluções tridentinas,

“adequando suas disposições as peculiaridades da situação colonial através de

decisões práticas e informais”.44

42 HOORNAERT, Eduardo. “A Igreja na América espanhola colonial”. In: BETHEL, Leslie (org.).

História da América Latina. A América Latina Colonial I, vol. 1. São Paulo: Universidade de São Paulo; Brasília: Fundação Alexandre Gusmão, 1998. Pág. 527.

43 CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA – Feitas e ordenadas pelo Ilustríssimo e Reverendíssimo Senhor D. Sebastião Monteiro da Vide em 12 de Junho de 1707 . São Paulo: Typographia 2 de Dezembro, 1853. Relação da Procissão e Sessões do Sínodo Diocesano. Pág. 511.

44 VAINFAS, Ronaldo (org.). Dicionário do Brasil Colonial (1500-1808) . São Paulo: Objetiva, 2000. Pág. 145.

38

A não existência de um corpo de normas eclesiásticas condizentes às

especificidades coloniais e a geral presença de bispos e de padres provenientes de

diferentes dioceses portuguesas, fizeram com que as pa róquias na prática fossem regidas

por diferentes interpretações das normas lusitanas, o que explica a falta de uniformidade

da Igreja brasileira colonial. Na falta de uma ligação direta com Roma, as dioceses

coloniais eram unificadas pelo Padroado português, ficando sob a vigilância da

Inquisição. Para Torres-Londoño, “inimiga das adaptações coloniais, a Inquisição fez o

possível para barrar os sínodos coloniais, que em sua opinião poderiam abrir brechas

para as práticas heréticas”45. Como finalidade, um sínodo definiria as normas ou

Constituições para conciliar as reformas estabelecidas pelo Concílio de Trento e as

práticas católicas existentes no meio colonial. Essas Constituições deveriam ser

encabeçadas e administradas pelo clero.

Foi a partir de toda essa problemática que D. Sebastião Monteiro da

Vide, quinto Arcebispo da Bahia, decidiu “celebrar [um] Concílio Provincial, o qual

nunca nesta América se havia celebrado”46. No entanto, tendo marcado para o dia 12 de

junho o início da celebração dele, o Concílio não pode ser realizado pois estando as

dioceses de Pernambuco e São Tomé desprovidas de bispos que as representasse, e não

tendo o bispo do Rio de Janeiro conseguido chegar a tempo, o Arcebispo contou apenas,

naquele momento, com a presença do bispo do Reino de Angola, D. Luiz Simões

Brandão. Para não perder a oportunidade, pois havia convocado em tempo hábil párocos

de todo o Arcebispado, juntamente com todo o Cabido da Sé de Salvador, ele

determinou então a celebração de um Sínodo Diocesano. Nele foram elaboradas “as

Constituições, de que tanta necessidade havia para destruir os abusos, que cada dia se

experimentavam, reformar os costumes dos clérigos, e mais súditos, compor

controvérsias, e evitar as ocasiões de ofensas de Deus nosso Senhor”47.

45 TORRES-LONDOÑO, Fernando. A Outra Família: concubinato, igreja e escândalo na Colônia . São

Paulo: Edições Loyola, 1999. Pág. 117. 46 CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA - 1707. Op. cit., Relação da

Procissão e Sessões do Sínodo Diocesano. Pág. 512. 47 Idem. Pág. 512.

39

As principais fontes usadas para a elaboração deste conjunto de normas

foram as determinações dos concílios do século XVI, ou seja, o V Concílio de Latrão

(1512) e o Concílio de Trento (1545). Esse concílios marcaram os limites entre as

verdades indiscutíveis da fé e os erros heréticos, numa tentativa de firmar a Igreja

Católica entre os poderes civis por meio da autoridade papal e do poder dos bispos. As

prerrogativas principais determinadas pelo Concílio tridentino e seguidos pelas

Constituições foram: a reforma do clero mediante a construção de seminários, o reforço

dos sacramentos como espaço privilegiado da fé, a autoridade plena dos bispos, a

paróquia como célula básica da Igreja e a visita pastoral como instrumento corretivo de

abusos48.

O Sínodo, realizado entre 12 de junho e 21 de julho de 1707, rendeu

como fruto as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Sendo formadas por

cinco livros, manteve -se vigente por mais de 150 anos, chegando a ser incluídas em

grandes coleções conciliares. Em sua elaboração tomaram parte grande número de altas

personalidades da Igreja no Brasil, tanto do clero secular quanto do regular49. Dentre

estes, foram eleitos como Examinadores Sinodais o Padre Francisco de Mattos, da

Companhia de Jesus; o Padre Domingos Ramos, também da Companhia de Jesus; o

Padre Doutor Frei Roberto de Jesus, Monge de S. Bento; o Padre Doutor Frei Manuel

da Madre de Deus, religioso do Carmo; o Padre Doutor Frei João da Trindade, também

religioso carmelita; Padre Frei Agostinho da Assumpção, religioso de S. Francisco e o

Padre Frei José de Santo Antão, religioso de Santa Tereza.50

Desta assembléia eclesiástica também fizeram parte, representado

Pernambuco, dois “ilustres sacerdotes”, o Dr. Nicolau Pais Sarmento, como um dos

juízes, e Fr. Roberto de Jesus, monge beneditino e doutor em teologia, como um dos

examinadores51.

48 THOMAS, P. C. Op. cit. Págs. 133-147. 49 LACOMBE, Américo J. Op. cit. Pág. 61. 50 CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA - 1707. Op. cit. Relação da

Procissão e Sessões do Sínodo Diocesano. Pág. 522. 51 COSTA, F. A. Pereira da. Anais Pernambucanos, vol. 5 (1701-1739). Prefácio de José Antônio

Gonsalves de Melle. 2a edição. Recife: FUNDARPE, Diretoria de Assuntos Culturais, 1984. Pág. 112.

40

O primeiro dos cinco livros que compõem as Constituições trata dos

aspectos dogmáticos da Igreja Católica, do ensinamento de sua doutrina e de seus

sacramentos, destacando as conside rações especiais quanto ao batismo, penitência e

matrimônio dos escravos. O segundo livro é dedicado às práticas litúrgicas e religiosas,

como a missa, as esmolas, a obrigação dos fiéis de guardarem os domingos e dias

santos, o jejum e os dízimos. O terceiro refere-se às atitudes e às obrigações dos

clérigos, a definição exemplar de seu comportamento, a regulamentação das

indulgências, as obrigações dos cônegos, capelães, sacristãos, ermitães, tesoureiros,

juízes e procuradores e, ainda, a especificação das normas no trato com desobedientes e

excomungados e a catequização dos escravos. O quarto livro especifica as questões

jurídicas referentes às imunidades e privilégios eclesiásticos, as divergências entre as

alçadas secular e religiosa, a edificação das igrejas, capelas e mosteiros, o cuidado com

os testamentos, últimas vontades, sepultamento e exéquias. Conclui-se com o quinto

livro que aborda as questões criminais da justiça eclesiástica quanto aos pecados de

heresia, blasfêmia, feitiçaria, simonia, sacrilégio, falsidade, usura, homicídio e aos

chamados “crimes da carne” tais como sodomia, molície, adultério, incesto, estupro e

concubinato.

O conjunto de regulamentos formado pelas Constituições Primeiras

tornou-se uma obra necessária. Cada paróquia deveria possuir um exemplar, sendo

indispensável para que o pároco soubesse ensinar a doutrina cristã, e preencher

exatamente seus deveres paroquiais. Além disso, as Constituições eram importantes

para todo o sacerdote que desejava mostrar-se digno do seu estado. Seu uso abrangia-se

também aos advogados, para que pudessem tratar das diversas questões eclesiásticas e,

finalmente, eram úteis a todo pai de família para que soubesse se conduzir, como

católico, governar e dirigir seus familiares.

A esse respeito, nas Constituições, encontram-se títulos específicos, tais

como: “Que pessoas serão obrigadas a ter estas Constituições?” e “Das Constituições

que os párocos devem ler a seus fregueses”.52

52 CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBI SPADO DA BAHIA – 1707. Op. cit. Livro Quinto, títs.

LXXIII e LVXXIV.

41

A “santificação” não só do clero, mas também dos fiéis, deveria fazer-se

pelo cumprimento das normas estabelecidas pelas Constituições. A situação do clero no

Brasil colonial era de uma total ausência de recato, o que muito abalava a instituição

eclesiástica. Nem padres, nem freiras davam-se ao trabalho de aparentar a auster idade e

a contenção pudica que seu estado requeria. Não eram raros os casos de

homossexualismo e excesso no trajar-se, de corrupção, de sedução de mulheres, além do

mais frequente dos delitos em que se envolviam os padres: o concubinato53.

Em relação aos sacerdotes, além dos pecados da carne, houve nas

Constituições o cuidado de reprimir também todos os outros possíveis excessos, visto

que há vários títulos dedicados a outros desvios de comportamento. Para ilustrar esta

afirmativa, podemos destacar o título I do Livro Terceiro: “Da obrigação que têm os

clérigos de viver virtuosa e exemplarmente”54. Várias são as páginas especificando

proibições: o padre não podia andar à noite, nem comer nem beber em tavernas; não

podia entrar em teatros ou locais de dança; não participaria de festas carnavalescas ou

em que tivesse de usar máscaras, observaria a perfeita castidade; não tomaria parte em

jogos e não estava autorizado para exercer a medicina ou cirurgia.

INSTRUMENTOS DE CONTROLE DO ESTADO PORTUGUÊS

A quase total55 desvinculação do poder eclesiástico de Roma da

organização do aparelho religioso no Brasil ocorreu mediante a concessão do

padroado régio a Portugal. Normalmente, a estrutura da Igreja Católica tinha

53 ARAÚJO, Emanuel. O Teatro dos Vícios. Transgressão e transigência na sociedade urbana colonial.

2a. edição. Rio de Janeiro: José Olympio, 1997. Pág.. 246. 54 CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA - 1707. Op. Cit. Livro Terceiro,

tít. I. 55 “Ao papa restava apenas confirmar as nomeações dos cargos e funções eclesiásticas propostas pelo rei

de Portugal para as colônias ultramarinas”. AZZI, Riolando. “A instituição eclesiástica durante a primeira época colonial”. In: HOORNAERT, Eduardo (org.). História da Igreja no Brasil, Primeira Época. Petrópolis: Vozes, 1992. Pág. 170.

42

como eixo organizador a hierarquia clerical, forma da pelo papa, bispo e padre,

e que concentrava todo o poder de decisão no papa e na Cúria Romana. No

entanto, no Brasil e nas outras colônias portuguesas, o regime do padroado em

vigor até a proclamação da República, operou uma certa descentralização no

aparelho eclesiástico católico. Os reis de Portugal conquistaram, através da

concessão de várias bulas pontifícias, o direito de se interporem entre a

jurisdição papal e a jurisdição episcopal no governo do aparelho eclesiástico da

colônia.

Ficava a cargo da Coroa portuguesa a decisão sobre a criação de

dioceses e paróquias, a instalação de ordens religiosas e fundação de conventos,

a nomeação para os postos eclesiásticos e, até mesmo, a aprovação de

documentos eclesiásticos. O rei não exercia um poder relig ioso, sendo um leigo

como qualquer outro, mas sim um poder de governo sobre a Igreja existente em

seus domínios. Esse poder de governo tornava o aparelho eclesiástico um

aparelho de Estado, sendo seus agentes submetidos à autoridade do rei.

Durante o período colonial, o direito ao governo eclesiástico era

exercido por meio de um departamento burocrático do Estado português: a

Mesa da Consciência e Ordens. Mas, em determinados momentos, o Conselho

Ultramarino abarcava entre suas disposições os assuntos rela tivos à

administração da Igreja Católica nas colônias portuguesas.

• Mesa da Consciência e Ordens

Esse organismo judicial foi criado em 1532 inicialmente com o

nome de Mesa da Consciência, para cuidar dos casos da consciência do rei,

auxiliando o monarca português na resolução seja nas questões que não

competiam aos dois departamentos de justiça de Portugal, às casas do Cível e

da Suplicação, seja nos processos da Fazenda. Após a concessão feita pelo

43

papa, em 155156, da administração perpétua dos mestrados das três ordens

militares (de Cristo, Santiago da Espada e São Bento de Avis) a D. João III e

seus sucessores, os assuntos referentes a essas instituições passaram a ser

julgados em primeira e última instâncias por essa entidade, que a partir de então

foi denominada de Mesa da Consciência e Ordens 57.

Esse departamento regeu-se inicialmente por um diploma de 1558.

Posteriormente, um novo regimento, de 23 de agosto de 1608, foi elaborado por

ordem de Felipe II de Espanha e posto em vigor por seu filho, Felipe II de

Portugal. Esse regimento, segundo afirma Guilherme Pereira das Neves,

“estabelecia para o tribunal (eclesiástico) um presidente, ‘de tal prudência,

letras e autoridade e qualidade, que bem o possa reger e governar’; cinco

deputados, ‘teólogos e juristas que serão parte eclesiásticos e parte

cavaleiros professos’; um escrivão da câmara e três escrivãs, da câmara para

cada uma das três ordens militares, ‘e não andarão nunca dois ofícios destes

em uma pessoa’. Para todos, com exceção do primeiro, determinava

informação de limpeza de geração e costumes, incluindo as esposas, quando

fosse o caso. Aos deputados, exigia-se pelo menos a licenciatura ‘por exame

da Universidade de Coimbra’ e comprovação de ‘terem cursado doze anos’

(...).” 58

A Mesa estava localizada dentro do Paço Real, onde o presidente e os

deputados reuniam-se todos os dias de manhã, excetuando-se os domingos e dias santos,

e também reuniam-se às tardes, quando os negócios assim o exigiam. O expediente

iniciava-se, estando presente pelo menos três deputados, às oito horas, de outubro a

março e, às sete, de abril a setembro.

56 Assunto já tratado neste capítulo. 57 SILVA, Maria Beatriz Nizza da (org.). Dicionário da História da Colonização Portuguesa no Brasil.

Lisboa: Verbo, 1994. Pág. 539 e SALGADO, Graça (org.). Op. cit. Pág. 39. 58 NEVES, Guilherme Pereira das. E Receberá Mercê: a Mesa da Consciência e Ordens e o clero secular

no Brasil (1808-1828). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1997. Pág. 44.

44

Entre suas atribuições definidas pelo regimento de 1608, constava, além

da administração das três ordens militares, o cuidado com as “coisas espirituais” e a

assistência necessária para o fortalecimento e crescimento do culto divino. Com essa

finalidade, a Mesa examinava, em relação às colônias ultramarinas, as indicações de

sacerdotes para as paróquias e os cabidos das catedrais, para submetê-las à aprovação

do rei. Também era responsável por atender às solicitações dos bispos para a criação de

uma nova freguesia e às queixas dos fiéis a respeito de um pároco relapso.

Contudo, além dessas, a Mesa da Consciência e Ordens foi acumulando

outras responsabilidades, sendo algumas delas: o resgate dos cativos das mãos dos

infiéis; a administração dos bens daqueles que morriam fora do reino (mais conhecida

como Provedoria dos Defuntos e Ausentes); o governo de diversas instituições, tais

como, a Casa das Órfãs e Meninos Órfãos de Lisboa, as capelas reais, vários hospitais e

Universidade de Coimbra; além de inúmeras outras atividades.

No Brasil, os processos da Mesa da Consciência, em geral, tinham início

com a súplica ou de um indivíduo, eclesiástico ou leigo, ou de um grupo, sendo este um

cabido, uma irmandade ou uma Câmara. Às vezes, esses processos poderiam ser

determinados por um decreto real, ou pelo ofício de alguma outra repartição, como

avisos ou portarias. Eles poderiam ter início na própria Mesa, embora isso acontecesse

muito raramente.

Conforme seu teor, o requerimento era então, quase sempre, examinado

pelo procurador geral das Ordens e, quando envolvia gastos financeiros ou se tratasse de

prerrogativas do padroado régio, pelos procuradores da Coroa e Fazenda, que emitiam

seus pareceres. Se necessário, solicitavam-se informações adicionais a outras

autoridades, como aos bispos e cabidos, o que ocorria com bastante frequência, aos

capitães gerais ou governadores, capitães-mores, provedores de defuntos e ausentes e,

até mesmo, aos próprios párocos. Tendo-se inteirado de todas essas opiniões, a Mesa

emitia o seu parecer, sob a forma de uma consulta ao soberano, que após aprecia-la

tomava sua resolução.

45

O âmbito de atuação da Mesa da Consciência e Ordens no Brasil,

compreendia o arcebispado da Bahia (1551/1676), os bispados de Olinda (1676), Rio de

Janeiro (1676), São Luís (1677), Belém (1720), Mariana e São Paulo, as prelazias de

Goiás e Mato Grosso (1745) e, até o retorno de D. João VI a Lisboa em 1821, os

bispados de Funchal (Madeira), Angra (Açores), São Tomé, Cabo Verde, Angola e

Moçambique. Sendo o equivalente ao Conselho Ultramarino no que toca à

administração espiritual, a Mesa avaliava e propunha à decisão régia todos os

candidatos para os benefícios eclesiásticos. Esses cargos, que eram mantidos pela Coroa

portuguesa com os recursos advindos da cobrança dos dízimos, poderiam tanto ser de

vigários colados, como das dignidades existentes nos cabidos. No Dicionário da

Colonização Portuguesa no Brasil, Guilherme P. das Neves afirma que, além desta

função,

“(a Mesa) examinava as súplicas de leigos e clérigos sobre a situação do culto, o que

englobava os pedidos de criação de novas freguesias, a ereção de capelas e ermidas

filiadas, a falta de condições materiais para o exercício das obrigações religiosas, as

questões relativas às irmandades, os conflitos entre a população e os representantes

da Igreja e os destes entre si.” 59

No entanto, as ordens religiosas regulares, cuja atuação foi de

indiscutível importância para o Brasil colonial, não faziam parte do espaço de

competência da Mesa. 60

A atribuição de maior importância para a Mesa da Consciência eram os

provimentos dos benefícios para a colônia, seja de párocos, ou de cônegos. Essa

deliberação acabava tornando-se uma operação complicada, uma vez que, com as

distâncias, a comunicação deficiente e as formalidades existentes, as demoras tornavam-

se consideráveis e multiplicavam-se os enganos, como por exemplo, a destinação de

candidatos para lugares que já não se encontravam vagos, o provimento de um

59 SILVA, Maria Beatriz Nizza da (org.). Dicionário da História da Colonização Portuguesa no Brasil .

Op. cit. Pág. 539. 60 VAINFAS, Ronaldo (org.). Dicionário do Brasil Colonial (1500-1808) . São Paulo: Objetiva, 2000.

Pág. 394.

46

sacerdote de um benefício que já estivesse provido anteriormente, ou de algum outro

para o qual não tinha sido ele o indicado.

Cabia também à Mesa, em virtude da incorporação do Grão-Mestrado da

Ordem de Cristo à Coroa portuguesa, as providências necessárias à manutenção do

culto. Sendo assim, ela devia decidir sobre a criação de novas freguesias, o que envolvia

uma série de questões. Primeiramente, essa criação era concretizada por um

desmembramento de uma ou mais paróquias já existentes, contra o qual, em geral,

protestavam os párocos destas, receosos de que com isso houvesse uma diminuição de

seus rendimentos. Em segundo lugar, a partir do Concílio de Trento, a Igreja Católica

procurou incentivar seus bispos a multiplicarem suas paróquias, que seriam providas

com sacerdotes colados, a fim de assegurar uma cristianização mais extensa e profunda

de seu “rebanho”.

Tomando como exemplo para esse processo de criação de novas

freguesias, apresentamos uma carta régia de 16 de março de 1719, em que o rei de

Portugal, D. João V (1706-1750), pede ao Governador da Capitania de Pernambuco,

Manuel de Sousa Tavares e Távora, que emita um parecer sobre o requerimento feito à

Coroa nos seguintes termos:

“Governador da Capitania de Pernambuco. Eu El Rei como Governador e Perpétuo

administrador que sou do Mestrado, Cavalaria e Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo

vos envio muito saudar. Faço saber que no meu Tribunal da Mesa da Consciência e

Ordens me representaram por sua petição os moradores de Nossa Senhora do Desterro,

ribeira do Capibaribe dessa Capitania, as continuas faltas do pasto espiritual que

experimentam no dito lugar por ficar distante da freguesia, e assim era preciso erigir-

se nele um Curato61. Sobre o que hei por bem, e vos mando informeis com vosso

parecer do conteúdo na referida petição. (...)”

Na petição acima citada, os moradores afirmam

61 “Residência de um cura; povoação pastoreada por um cura”. TRINDADE, José da Santíssima, Dom

Frei. Op. cit. Pág. 397 (Glossário de Termos).

47

“(..) que pelas continuas faltas do pasto espiritual que experimentam naquele lugar por

distas (sic) das três freguesias, que segundo sua repartição tem parte nele, como seja

da freguesia de São Lourenço seis léguas da freguesia de Nossa Senhora da Luz sete

léguas, e da freguesia de Santo Antonio de Tracunhaem quatro léguas, sempre

clamaram aos reverendos bispos lhes fizesse naquele lugar um curato, por verem os

muitos que no bispado se tem feito a Sé (...)”62

Com o estabelecimento da corte portuguesa no Rio de Janeiro em 1808,

foi criado no Brasil, por um alvará de 22 de abril, o Tribunal da Mesa do Desembargo

do Paço e da Consciência e Ordens, que absorveu parte dos encargos do Tribunal do

Reino. Nesse mesmo período, os poderes que a Mesa havia acumulado já tinham

começado a ser contestados, em nome de uma maior autonomia para os bispos e para o

próprio monarca português. No Brasil, a Mesa foi completamente extinta por uma lei de

22 de setembro de 1828, de acordo com a reestruturação administrativa do novo

império, transferindo-se seus papéis para o recém-criado Supremo Tribunal de Justiça e

dispersando-se as suas atribuições entre as mais diversas autoridades.

• Conselho Ultramarino

O Conselho da Índia foi instituído por Felipe II de Portugal (1598-1621)

em 1604, período da União Ibérica, para cuidar da administração do ultramar português.

De acordo com Marcelo Caetano, “o Conselho compôr-se-ia de um Presidente, dois

Conselheiros de Capa e Espada (fidalgos, em regra experimentados na carreira das

armas) e dois Conselheiros letrados, um dos quais seria clérigo formado em Cânones

‘por razão das matérias eclesiásticas que se hão de tratar no Conselho’”63. Esse

departamento era formado também por dois secretários: um para os negócios do Brasil,

Guiné, Ilhas de São Tomé e Cabo Verde e outro para os negócios da Índia; ambos,

porém, recebiam o título de “Secretário da Índia”.

62 Livro 11o de Ordens Régias (1717-1720), fl. 90. 63 Citado em MARQUES, A. H. de Oliveira. História de Portugal, vol. II. 12a. edição. Lisboa: Palas

Editores, 1985. Pág. 108.

48

Era este Conselho que propunha ao rei a nomeação das autoridades e

oficiais para as colônias ultramarinas e passava as Cartas, Provisões, Despachos e

Patentes. Nele se abriam as cartas dirigidas a El-Rei pelas autoridades civis e

eclesiásticas do Ultramar, exceto a primeira via que chegasse da Índia, a qual se

enviaria diretamente ao monarca.

Após a restauração do trono português, D. João IV (1640-1656) criou, em

14 de julho de 1643, o Conselho Ultramarino, inspirado no Conselho da Índia 64. A

mudança do nome parece ter tido como razão o aumento de importância que o Brasil

adquiriu, neste mesmo período, em relação a Índia 65.

O Conselho Ultramarino era formado por três conselheiros: dois fidalgos

de capa e espada, a quem cabia a responsabilidade de tomar conhecimento dos negócios

de guerra e das cartas e papéis dos vice-reis, governadores e capitães; e um letrado, a

quem tocava os negócios da justiça. Ele era presidido sempre por um fidalgo de

primeira nobreza com experiência nos negócios ultramarinos. Seu primeiro presidente

foi o Marquês de Montalvão, D. Jorge Mascarenhas, antigo vice-rei do Brasil.

Competia ao Conselho decidir sobre todas as matérias e negócios que

diziam respeito aos Estados da Índia, Brasil, Guiné, Ilhas de São Tomé e Cabo Verde, e

de todas as mais partes ultramarinas e lugares da África. No entanto, sua maior

atribuição era o provimento de todos os cargos no ultramar, devendo-se excetuar a

indicação para os cargos eclesiásticos. A correspondência e despachos dos ministros,

prelados e quaisquer outras pessoas do Brasil ou das demais colônias ultramarinas,

deviam ser encaminhadas ao Conselho Ultramarino, antes de chegarem à presença do

rei, se fosse o caso. Era, também, de sua responsabilidade regular a partida,

64 COATES, Timothy J. Degredados e Órfãs: Colonização dirigida pela Coroa no Império Português,

1550-1755. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1998. Pág. 33

65“Durante a União Ibérica (1580-1640) cresceu muito a importância das colônias americanas portuguesas, ao mesmo tempo em que o controle das áreas orientais era gradativamente perdido para os concorrentes ingleses e holandeses, através da atuação das companhias das Índias Orientais. O açúcar brasileiro teve sua produção aumentada de 350 mil arrobas, em 1580, para mais de um milhão, em 1628, numa demonstração clara do papel que cumpria em benefício do Tesouro Real”. SALGADO, Graça (org.). Op. cit. Pág. 30.

49

carregamento, armamento e tripulação das naus e navios que partiam para os diversos

domínios portugueses.

Ao Conselho cabia, ainda, o provimento de todos os oficiais de Justiça,

Guerra e Fazenda. Passava por ele, também, as cartas e provisões e as patentes de

despachos que levavam os vice-reis, governadores e capitães, assim como a provisão

dos bispados e mais lugares e negócios eclesiásticos. Os requerimentos e mercês que se

encaminhassem para Lisboa pelos serviços prestados nas conquistas ultramarinas e, da

mesma forma, os que viessem das colônias tinham que dar entrada no Conselho

Ultramarino, que fornecia um parecer para o despacho real quando fosse o caso.

A afluência de papéis para esse departamento era tão grande que obrigou

os conselheiros a organizar o serviço de acordo com os dias da semana: às segundas,

terças e quartas-feiras, despachavam os negócios da Índia; às quintas e sextas-feiras, os

negócios do Brasil; e aos sábados, os negócios da Guiné, Cabo Verde e mais partes

ultramarinas. Para que o Conselho iniciasse seus trabalhos deviam estar presentes, pelo

menos, três de seus membros, sendo um deles obrigatoriamente o presidente.

O Conselho Ultramarino emitia parecer sobre os negócios que tinham de

ser objeto de resolução régia. Algumas vezes era o monarca português que consultava

ou intervinha com um parecer oficial nas questões vindas das possessões ultramarinas, o

que era mais conhecido como uma consulta do serviço real. Em outras vezes um

processo era formado no Conselho por iniciativa dos interessados, que então era

encaminhado à apreciação do rei, o que originava uma consulta de partes. As consultas

mais importantes eram apresentadas pelo presidente à consideração do soberano, logo

quando se iniciava; as outras, no entanto, eram encaminhadas para o secretário de

Estado que as apresenta va ao despacho do rei.

Sendo assim, na maioria das vezes, as deliberações do Conselho eram

extremamente demoradas. Tomando-se por exemplo as queixas originadas no Brasil,

estas muitas vezes eram devolvidas ao seu lugar de origem, para que os governadores e

demais funcionários relacionados fossem informados. Essa demora era agravada pelas

50

distâncias existentes no Império Ultramarino Português, o que fazia com que as

decisões levassem anos para serem despachadas.

Com a transferência da família real portuguesa para o Brasil em 1807, o

Conselho Ultramarino cessou seu funcionamento em Lisboa, pois seus arquivos tiveram

que acompanhar o regente. Com isso, as atribuições do referido departamento

administrativo passaram a ser exercidas pelo Tribunal do Desembargo do Paço,

mediante um alvará de 22 de abril de 1808.

Um exemplo da progressiva “usurpação” das atribuições dos

assuntos eclesiásticos da Mesa pelo Conselho Ultramarino nos é dado por uma

carta régia de 2 de Agosto de 1743, em que D. João V (1706-1750) ordena que

as licenças para fundação de novos conventos e hospícios sejam expedidas pelo

Conselho Ultramarino, não mais pela Mesa da Consciência. Esta resolução foi

uma consequência direta da não obediência as determinações do rei de Portugal

que “por ordem de dezoito de Dezembro de mil seiscentos e oitenta e cinco

[determinava que] se não edificasse mais convento algum sem especial Ordem

Minha e que em vinte sete de Abril de mil setecentos e nove mandara repetir

nova ordem sobre esta matéria”. A construção desses conventos seria de grande

prejuízo para as ordens religiosas que já estavam estabelecidas na Colônia “por

viverem de esmolar e se não acharem esses Estados em termos de poder

sustentar mais religiosos e conventos mendicantes”. Tendo sido estas ordens

expedidas pelo Conselho Ultramarino, não foram reconhecidas, “fazendo [os

religiosos mendicantes] os seus requerimentos [para fundação de novos

conventos] pelo Tribunal da Mesa da Consciência ”66.

66 Livro 16o de Or dens Régias (1742-1687), fl. 150/152.

51

2o. CAPÍTULO – A ORGANIZAÇÃO DA IGREJA CATÓLICA NO

BRASIL E A REPRESENTAÇÃO DO SACERDOTE NA

SOCIEDADE COLONIAL

estreita ligação dos domínios político e religioso nas

conquistas feitas por Portugal no ultramar apoiava-se no

sistema de Padroado, como já explicamos anteriormente. Como Grão-Mestre

das três Ordens (de Cristo, Santiago da Espada e São Bento de Avis), o rei de

Portugal se beneficiava de muitos poderes delegados diretamente pela Sé de

Roma, através das concessões ofertadas pelas diversas Bulas expedidas ao

longo dos séculos XV e XVI. Era ele o encarregado de cobrar os dízimos,

construir as igrejas, autorizar a leitura no púlpito das bulas pontifícias e

delimitar as fronteiras dos territórios sob a administração religiosa.

Este mesmo sistema de padroado também foi concedido por Roma

à Espanha para ser aplicado em seus núcleos de colonização. Sendo assim,

podemos afirmar que, tanto para a Coroa portuguesa, como para a espanhola, a

conquista territorial do Novo Mundo encontrava -se intrinsecamente ligada à

conquista espiritual de seus habitantes.

Mediante a concessão do direito de padroado ao monarca

português, a implantação e a dilatação da fé católica nas colônias do ultramar

ficou sob a responsabilidade da Coroa portuguesa. Por delegação da Cúria

romana, o rei se revestiu do caráter de chefe espiritua l das novas terras

conquistadas. Tendo-se em vista essa prerrogativa, na colonização do Brasil foi

implantado um Estado cristão, sendo o Catolicismo imposto como sua religião

oficial. A missão desse Estado cristão, nas novas terras, era subjugar e

incorporar os nativos à cultura portuguesa e à religião cristã.

A

52

A importância adquirida pelo rei de Portugal na gerência da Igreja

Católica pode ser medida ao levar-se em conta que nenhum clérigo poderia vir

para o Brasil, como para as outras colônias ultramarinas, sem uma autorização

explícita do rei. A preocupação com esse comprometimento, conforme

explicitado no primeiro capítulo, pode ser comprovado através da

correspondência de 7 de julho de 1715 enviada por D, João V (1706- 1750) ao

Governador da Capitania de Pernambuco, Félix José Machado, na qual o

monarca afirma:

“(...) que por ser conveniente a meu serviço vos ordeno examineis se nas

terras das jurisdições desse governo há alguns clérigos, ou frades, que

exercitem jurisdição por ordem do Núncio ou da Sé apostólica sem

consentimento e aprovação Minha dada por escrito, e achando que é verdade

os não deixareis exercitar, ou seja clérigo, ou frade, português ou

estrangeiro, e o fareis presente ao bispo para que os remeta infalivelmente

para este Reino o que assim lhe mando recomendar.” 67

Ao mesmo tempo, podemos observar que esta preocupação decorre de

uma inobservância, por parte das autoridades coloniais, de fiscalizar a entrada no Brasil

dos clérigos autorizados pela Coroa, o que se explicita na carta régia de 21 de março de

1694, enviada por D. Pedro II (1683-1706) ao Governador e Capitão General da

Capitania de Pernambuco, Caetano de Melo de Castro,

“Mandando ver no meu Conselho Ultramarino o que me escreveu por via do Secretário

Roque Monteiro Paim, o Governador do Rio de Janeiro, Antonio Paes de Sande, sobre

o que lhe custaram lançar fora daquela capitania ao prelado que ali achava intitulado

Arcebispo de Samo, representando -me ser conveniente tomar-se resolução no que os

governadores devem obrar, e seguir em semelhantes casos, ou quando ali chegasse

religiosos, ou clérigos, estrangeiros sem licença minha e porque este deve ser geral

para todas as capitanias do Brasil. Me pareceu ordenar-vos /como por esta faço/ não

admiteis na jurisdição deste governo bispos estrangeiros, antes o façais apartar delas, e

67 Livro 10o de Ordens Régias (1711-1718), fl. 62.

53

da mesma maneira todos os religiosos, e clérigos estrangeiros que entrarem nas ditas

capitanias sem permissão minha que é o mesmo que tenho resoluto, e se pratica no

Estado da Índia.”68

Em Portugal, a Igreja Católica, após o Concílio de Trento,

reforçou ainda mais a importância dos atos exteriores da fé. Por essa razão, a

implantação e a organização da Igreja no Brasil colonial foi fortemente marcada

pelo culto, pelas festas, procissões e romarias. Em detrimento da vivência

interior da religião, no período colonial, predominaram as manifestações

públicas da fé católica. Sendo esta a única aceita, e oficialmente reconhecida,

os nascimentos, os casamentos, os enterros e os festejos foram sempre marcadas

pelas cerimônias cristãs.

As festas ocuparam um importante papel dentro da sociedade

colonial, facilitando a integração de diversos extratos sociais, etnias e

religiosidades. Elas também favoreciam uma situação na qual se mesclavam o

sagrado e o profano, o religioso e o político, o erudito e o popular. As festas

eram divididas em dois tipos: as religiosas, dedicadas ao Senhor (nascimento,

morte e ressurreição) e aos santos; e as públicas, promovidas pela monarquia

portuguesa e autoridades coloniais para cele brar ou as coroações dos monarcas

lusitanos, ou o nascimento e casamento dos príncipes. Essas solenidades eram

organizadas com o intuito de fortalecer o poder da monarquia portuguesa, da

burocracia colonial e reforçar a devoção popular.

No Brasil, não se detectava um reflexo direto da autoridade do

papa, sendo a influência deste percebida apenas na confirmação da nomeação de

indivíduos para os cargos e funções eclesiásticas, que eram então indicados

pelo monarca português. Os bispos, o clero e os demais re ligiosos mantinham-

68 Livro 5o de Ordens Régias (1693 -1701), fl. 92.

54

se na dependência da Coroa portuguesa e somente de modo indireto se

relacionavam com a Sé de Roma. Essa desvinculação permitiu que a

organização da Igreja no Brasil adotasse, durante o período colonial,

características próprias bastante distintas das Igrejas na Europa. A criação das

dioceses, ou bispados, estava vinculada às delimitações do Estado português,

sendo estas, por conseguinte, erigidas em número considerado extremamente

irrisório, se levamos em conta o tamanho do território brasileiro no período em

questão.

Esse reduzido número de bispados se evidencia no momento em

que o comparamos com o de Estados de colonização hispânica. Como afirma

Thales de Azevedo,

“(...) quando se criou o Bispado da Bahia, em 1551, já existiam na América

espanhola vinte e duas dioceses com jurisdição sobre colônias de diversa

importância, umas extensas, ricas e povoadas, outras pequeninas, isoladas e

de reduzida população, nas ilhas de Santo Domingo, Porto Rico e Cuba, no

Panamá, no México, em Honduras, na Colômbia, Guatemala, Peru, Equador,

Paraguai e Rio da Prata.” 69.

No entanto, apesar deste “descaso” da Coroa portuguesa, o

colonizador português era um homem católico por natureza. Sua fé, que era

iniciada no seu recesso familiar, complementava-se na sua vida social, no

trabalho, nas viagens, nos bancos das igrejas e nos confessionários. Era nele

interiorizado as noções dogmáticas do Catolicismo, a eficácia sacramental, a

interpretação da morte e a idéia da imortalidade, em maior ou menor grau de

profundidade, tendo-se em vista a profundidade de sua consciência ou a sua

procedência social. As práticas litúrgicas tornaram-se hábitos irremovíveis de

suas mentalidades sob a dupla pressão de sua consciência e da sociedade a qual

pertence. Sônia Siqueira afirma que

69 AZEVEDO, Thales de. Op. cit. Pág. 76.

55

“(...) se nas bagagens dos colonos vinham sementes e charruas, nelas tinham

lugar de importância primordial cruzes e evangelhos, símbolos de um estado

de espírito, de uma necessidade da alma, de um estilo de vida. Fardel igual

traziam clérigos e leigos: vinham iniciar um novo mundo. Mundo português e

quem dizia português, dizia cristão. O transplante cultural alicerçava-se no

da crença. O Cristianismo emigrava. Conscientemente, no ideal missionário

de frades e padres, ou inconscientemente, na religiosidade mais ou menos

aguçada dos homens comuns. O objetivo religioso estava paralelo à

preocupação do ganho. Os colonos vinham para enriquecer, mas sua ação não

excluía a crença de que tinham impregnado a vida interior.” 70

Sendo uma característic a herdada da metrópole portuguesa, no

Brasil formou-se uma sociedade na qual nenhum indivíduo, cercado por

conventos, paróquias, irmandades e confrarias, estava livre à necessidade de

apelar para as instituições religiosas, seja para conseguir emprego, garantir seu

sepultamento, providenciar um dote para garantir o casamento de uma filha, ou

mesmo para se fazer um empréstimo de dinheiro. O serviço social dentro da

sociedade colonial era organizado e executado dentro das confrarias e

irmandades que tinham como sua principal representante as Santas Casas de

Misericórdia.

Para exemplificar essa assistência, usaremos o caso da Santa Casa

de Misericórdia da Bahia, que era ao mesmo tempo hospital, orfanato,

recolhimento para moças “casadoiras”, escola de medicina , farmácia, mecenato

de artistas, proprietária de vários prédios urbanos, fazendas e engenhos, capela

com serviço religioso e estabelecimento responsável pelos sepultamentos 71. A

Santa Casa também foi o primeiro banco de Salvador: “Na cidade de Salvador

quase não se abria testamento em que não fosse destinada alguma soma em

dinheiro para a Santa Casa: emprestava-se assim a quem quisesse a juros de

70 SIQUEIRA, Sônia. A Inquisição Portuguesa e a Sociedade Colonial. São Paulo: Ática, 1978. Págs. 23-

24. 71 Para um estudo mais detalhado sobre a Santa Casa de Misericórdia da Bahia ver: RUSSEL-WOOD, A.

J. R. Fidalgos e Filantropos. A Santa Casa de Misericórdia da Bahia (1550-1755). Brasília: UnB, s/d e OTT, Carlos. A Santa Casa de Misericórdia da Cidade do Salvador . Rio de Janeiro: Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1960.

56

seis por cento, transformando -se assim a irmandade, aos poucos, no primeiro

banco da Bahia.”72.

Permanece inerente à mentalidade do homem colonial, como

afirma Caio Prado Jr., “o fato da onipresença de um conjunto de crenças e

práticas que o indivíduo já encontra dominantes ao nascer, e que o

acompanharão até o fim, mantendo-o dentro do raio de uma ação constante e

poderosa”73. Ele participava e estava envolvido intensamente pelos atos da fé

católica, tendo que ser batizado ao nascer, confessando e comungando nos

momentos exigidos, casando-se e recebendo os cuidados devidos no momento

de sua morte. Era impensável, dur ante todo o período colonial, uma existência à

margem da religião católica e da Igreja.

No Brasil, a Igreja Católica, mais do que uma instituição voltada

exclusivamente para o campo religioso, desempenhou as mais variadas funções,

tais como a de cartório civil, de escola, de centro de serviço social, de

organizadora dos mais diversos festejos e de instituição reguladora da família.

O próprio lazer se praticava no seio da instituição religiosa, com suas

procissões, novenas, quermesses e romarias. O reconhecimento social dos

indivíduos se fazia por meio de rituais religiosos como o batizado, o casamento

e os funerais. Mesmo não dispondo de um aparelho repressivo policial, era a

instituição responsável por zelar pelos costumes, tendo na excomunhão74 seu

instrumento de controle da sociedade. Tendo-se em vista a ligação que existia

entre o Estado português e a Igreja Católica no Brasil, essa excomunhão

implicava a perda dos direitos civis do individuo.

72 OTT, Carlos. Op. cit. Pág. 24. 73 PRADO JR, Caio. A Formação do Brasil Contemporâneo – Colônia. 24a. reimpressão. São Paulo:

Brasiliense, 1996. Pág. 328. 74 “Pena eclesiástica que excluía o indivíduo do gozo de todos os bens espirituais. O excomungado ficava

privado do uso dos sacramentos e da assistência aos ofícios divinos”. TRINDADE, José da Santíssima, Dom Frei. Op. cit. Pág. 399 (Glossário de Termos).

57

Ainda referente à excomunhão, podemos afirmar que ela foi,

durante todo o período colonial, o grande pavor de toda população católica. Do

meirinho ao Vice-Rei, desde o mais humilde colono até os mais opulentos

senhores patriarcais. Todos deveriam tremer só de ouvir aquela voz como de

castigo divino, a maior desgraça que poderia “trancar o caminho” de uma

criatura na vida. Pode -se dizer que a excomunhão chegava a ser tão forte no

espírito do colono, como o inferno ou purgatório na Idade Média. Desta pena

abusavam bispos, vigários e párocos, com uma facilidade incríve l, quer contra

os fiéis em geral, quer contra Ouvidores e Vice-Reis, funcionários da Justiça,

da Fazenda e da Guerra; e até contra os próprios irmãos de crença. Nas

Constituições Primeiras de 1707, este tipo de exclusão social era assim

limitado:

“(...) mandamos aos Párocos, e mais pessoas eclesiásticas, e a todos os

nossos súditos evitem os ditos excomungados declarados, e notórios

percussores de Clérigos, e não comuniquem com eles, assim nas coisas

divinas, como nas humanas, salvando, conversando, comendo, bebendo,

falando, tratando, e fazendo coisas semelhantes; e os que assim o não

cumprirem incorrem em excomunhão menor; e comunicando com eles nos

sacramentos, e Santo Sacrifício da Missa pecam mortalmente, além de

incorrerem na dita excomunhão menor.” 75

O poder eclesiástico também estava implícito na jurisdição

privativa de muitos assuntos de fundamental importância, como era o caso das

questões relacionadas com o casamento, como o divórcio (ou repúdio), a

separação de corpos ou a anulação do mesmo76. Instrumento hábil para essas

regulamentações, as Constituições Primeiras de 1707 esclareciam

cuidadosamente em que casos os cônjuges podiam separar-se77.

75 CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA – 1707. Op. cit. Livro Quinto, tít.

XLVIII – “Dos excomungados, que devem ser evitados”. 76 SILVA, Maria Beatriz da (org.). Dicionário da História da Colonização Portuguesa no Brasil. Op. cit.

Pág. 262. 77 CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA - 1707. Op. cit. Livro Primeiro, tit.

LXXII - “Dos casos em que se pode dissolver o Matrimônio quanto ao vínculo, e separar quanto ao toro, e mútua coabitação dos casados”.

58

Mesmo gozando de tal grau de importância dentro da sociedade

colonial, a Igreja nunca gozou, no Brasil, de independência e autonomia. Os

“negócios” eclesiásticos na colônia, por conta do padroado, sempre estiveram

inteiramente nas mãos do rei de Portugal, que deles se ocupava através da Mesa

da Consciência e Ordens. Em Portugal este tribunal régio foi estabelecido em

1532, sendo constituído por cinco juízes mais um presidente, escolhidos entre

clérigos, tanto seculares como regulares, e leigos. Estes religiosos podiam

conhecer e julgar, como delegados da Sé apostólica, quaisquer processos

envolvendo assuntos eclesiásticos ou civis em que estivessem envolvidos

clérigos, sendo um instrumento para a subordinação e controle dos prelados

coloniais 78.

Sendo responsável pela consolidação do Catolicismo nas colônias

do ultramar, o rei de Portugal D. João III (1521-1557), expressa os seus

objetivos de iniciar a criação de paróquias do Brasil já nas cartas de doação 79

das primeiras capitanias hereditárias. Tomamos como exemplo a de 10 de

março de 1534, que foi outorgada a Duarte Coelho, em que o monarca exprime

a necessidade de uma povoação mais intensa a fim de favorecer uma

organização paroquial na colônia:

“(...) considerando eu, quanto serviço de Deus e meu proveito e bem dos meus

reinos e senhorios e dos naturais e súditos deles é ser a minha costa e terra

do Brasil mais povoada do que até agora foi, assim por se nela haver de

celebrar o culto, e ofícios divinos e se exaltar a nossa santa fé católica com

trazer e provocar a nela os naturais da dita terra infiéis idólatras como pelo

78 SALGADO, Graça (org.). Op. cit. Pág. 114. 79 “A carta de doação era o documento em que o rei concedia ao donatário uma porção de terras e lhe

delegava uma série de atributos de autoridade soberana, ficando estabelecido o direito à sucessão hereditária, respeitada a progenitura e a ordem em benefício do sucessor masculino sobre o feminino”. ANDRADE, Manuel Correia de. Itamaracá. uma Capitania Frustrada. Recife:FIDEM – Centro de Estudos de História e Cultura Municipal, 1999. Pág. 41.

59

muito proveito que se assegura a meus reinos e senhorios e aos naturais e

súditos deles de se a dita terra povoar e aproveitar (...)”. 80.

Em razão do Padroado Régio, o rei de Portugal delegava a Mesa

da Consciência e Ordens os poderes necessários para que esta pudesse erigir as

província s eclesiásticas, que eram entregues às ordens regulares, às dioceses e

às prelazias. Estas últimas, deveriam ter seus territórios divididos pelo

respectivo bispo em seções territoriais denominadas de paróquias. Em cada uma

destas seria delimitada uma população e construída uma igreja matriz, sob a

responsabilidade de um pastor particular, ou cura, que deveria exercer ali suas

funções litúrgicas.

Os curas81, também conhecidos por párocos, vigários, vigários

colados, párocos perpétuos ou párocos proprietários , desempenhavam, no

interior de cada paróquia, as obrigações com os serviços religiosos. Os

principais requisitos para o ofício de cura eram ter bons costumes e limpeza de

sangue, não ser membro de ordem regular, e não ter impedimento físico ou

canônico Havia também os coadjutores para auxiliá- los no trabalho paroquial,

quando o cura estivesse impossibilitado de fazê-lo por motivo de velhice,

doença ou por conta da extensão da paróquia.

Os bispos deveriam ainda repartir suas dioceses em territórios que

compreendessem várias paróquias, denominando-os de comarcas eclesiásticas,

que seriam governadas pelos vigários de vara. Estes executariam a fiscalização

administrativa, referente ao cumprimento das obrigações litúrgicas e das

normas do direito eclesiástico. Ao vigário e vara competia tirar devassas82, dar

80 “Carta de Doação da Capitania de Pernambuco”. In: Doações e Forais das Capitanias do Brasil –

1534- 1536. Maria José Mexia Bigotte Chorão (apresentação, transcrição paleográfica e notas). Lisboa: Instituto dos Arquivos Nacionais / Torre do Tombo, 1999. Pág. 11.

81 “Também conhecido por Cura de Alma, ou sacerdote cuja igreja tem fregueses, que ele é obrigado a ‘curar’, ou doutrinar, e sacramentar, o Cura da Freguesia”. SILVA, Antônio de Moraes. Dicionário da Língua Portuguesa, vol. I (A-E). 4a edição. Lisboa: Impressão Régia, 1831. Pág. 498.

82 “Instrumento extrajudicial e temporário da Igreja Católica ativado por ocasião da presença do visitador do Tribunal Eclesiástico a determinada comunidade”. SILVA, Maria Beatriz Nizza da (org). Dicionário da História da Colonização Portuguesa no Brasil. Op. cit. Pág. 255.

60

sentenças em causas sumárias e fazer os autos das causas a serem enviadas ao

juízo eclesiástico. Este estava subordinado, numa primeira instância, ao bispo e

a seu cabido, que cuidavam não só das causas de cunho religioso, mas também

das de origem civil que envolvessem clérigos de diácono para cima.

Como segunda instância da justiça eclesiástica, cabia ao tribunal

do arcebispado, denominado de Relação Metropolitana, julgar as apelações e

agravos das decisões tomadas na primeira instância e também causas nas quais

bispos ou membros do juízo eclesiásticos estivessem envolvidos. No Brasil este

tribunal só foi instalado após a criação do arcebispado da Bahia, que ocorreu

em 21 de novembro de 1676. Seu regimento só foi escrito e promulgado por D.

Sebastião Monteiro da Vide em 8 de setembro de 1704. Em última instância

estava o Tribunal da Mesa da Consciência e Ordens, órgão responsável por

garantir o entrelaçamento do governo religioso com o temporal, e que ocupava

o papel da Santa Sé no governo eclesiástico das colônias ultramarinas

portuguesas 83.

O primeiro bispado do Brasil, erigido na cidade de Salvador em

1551, ocupou sozinho esta posição durante mais de cem anos. Apesar de seu

caráter de religião oficial e obr igatória no Brasil colonial, o Catolicismo teve

grandes prejuízos na criação de suas dioceses, cujo reduzido número se mostrou

ineficiente ao zelo pastoral devido ao tamanho deste território. Este bispado

estava subordinado ao arcebispado de Lisboa, tendo que seguir, portanto, nas

novas terras as normas estabelecidas pelas suas Constituições.

Somente no final do século XVII foram criados três novos

bispados, tendo-se elevado o da Bahia à condição de arcebispado: o bispado do

Rio de Janeiro, erigido em 22 de novembro de 1676; o bispado de Pernambuco,

criado também na mesma data, abrangendo da foz do rio São Francisco à

capitania do Ceará; o bispado do Maranhão, em 30 de agosto de 1677, que tinha

83 SALGADO, Graça (org.). Op. cit. Pág. 120.

61

sua sede em São Luís e compreendia todo o território desse Estado; e o

arcebispado da Bahia, elevado em 22 de novembro de 1676, tendo a mesma

jurisdição do bispado original.

Ao arcebispado da Bahia ficaram submetidos, além dos bispados

de Pernambuco e Rio de Janeiro, no Brasil, os de Luanda e ilha de São Tomé,

na África. O Bispado do Maranhão continuou sufragâneo do arcebispado de

Lisboa, como o era anteriormente o da Bahia, permanecendo essa situação

inalterada até a independência. Essa divisão eclesiástica acompanhou a divisão

civil da colônia em dois Estados, o do Brasil e do Maranhão, adotada desde

1621.

No século XVIII foram criados mais três bispados: o do Grão-

Pará, em 4 de março de 1719, sendo um desmembramento do bispado do

Maranhão e, como este, estava subordinado ao arcebispado de Lisboa; o de São

Paulo, em 6 de dezembro de 1745, cujo território compreendia os atuais Estados

de São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e parte do sul de

Minas Gerais; e o de Mariana, erigido também na mesma data, ao qual pertencia

a capitania de Minas Gerais. Fora essas, não se criou mais nenhuma diocese em

todo o restante do período colonial no Brasil, permanecendo este ao final de

três séculos com apenas um arcebispado e sete bispados. Sendo estes tão

amplos em território, não era de se estranhar quão poucas condições tinham

seus prelados para exercerem suas obrigações pastorais.

Na sociedade colonial, a diocese constituía um centro

administrativo autônomo, que cuidava das consagrações, das nomeações e do

funcionamento judicial da Igreja Católica. Entre outras coisas, era responsável

pela obra missionária, pela legislação dentro do sínodo diocesano e pela

instrução dos padres nos seminários. Com relação à sua autoridade civil,

indicava os candidatos aos benefícios e interagia com a estrutura administrativa

colonia l.

62

Em cada diocese, o bispo atuava em estreita ligação com o

capitulo da catedral, ou cabido, que ficava encarregado da administração do

bispado no caso de uma vacância prolongada, fato que ocorria com extrema

frequência nas sedes episcopais coloniais, por causa da morte ou da

transferência do ocupante do posto. Apresentamos, como exemplo dessa

substituição, o trecho de uma correspondência régia de 11 de Novembro de

1694, em que D. Pedro II (1683-1706) escreve ao governador de Pernambuco

Caetano de Mello e Castro:

“Viu-se a vossa carta de 30 de Julho deste ano, em que me dais conta da

morte do Bispo D. Mathias de Figueiredo e da quietação e sossego com que

entrou o Cabido no governo eclesiástico como é estilo em Sé vacante sem

haver a menor alteração por haver desatalhado (sic) este dano pelos meios

possíveis.” 84

Dentro da organização eclesiástica na colônia, os bispos,

pertencentes ao alto clero, eram considerados nobres vinculados à coroa real,

estando sua atuação religiosa limitada frequentemente por interesses políticos.

Uma situação que dificultava, também, sua atuação eram as longas vacâncias

existentes entre um bispo e outro, motivadas ou por razões políticas que

retardavam a nomeação do sucessor, ou porque diversos eram os bispos que

tomavam posse por procuração, ocupando efetivamente os cargos bem mais

tarde. Reforça-se essa estreita relação quando se vê que dentre os 32 bispos e

arcebispos que ocuparam as diferentes dioceses, de 1650 a 1750, não se

encontra um brasileiro85.

A figura do bispo se equivalia, neste momento, a de um

funcionário régio que, mediante uma intensa correspondência, certifica à Coroa

portuguesa de sua fidelidade e submissão. A todo momento, encorajavam seus

fiéis a manterem-se dedicados ao Rei e obedecendo suas determinações . Em

84 A.H.U., Códice 256, fl. 178v/ 179. 85 RENOU, René. “O Clero: divulgador da cultura no Brasil”. In: MAURO, Frédéric (org.). O Império

Luso-Brasileiro, 1620-1750. 1a. edição. Lisboa: Editorial Estampa, 1991. Pág. 373

63

alguns momentos, certos bispos foram chamados a Portugal para prestar contas

de sua atuação, ou simplesmente afastados da sede episcopal e exilados, como

foi o caso de D. Manuel Álvares da Costa, bispo de Olinda em 1711, que pela

posição assumida na Guerra dos Mascates em favor dos brasileiros, foi

deportado para o Ceará.86

Apesar das dificuldades encontradas nas novas terras do Brasil,

vários bispos tentaram implantar as resoluções da reforma tridentina, realizando

visitas pastorais, tentando criar seminários e organizando sínodos diocesanos.

D. Constantino Barradas, quarto bispo do Brasil, procurou organizar

Constituições para o bispado da Bahia, impondo a observância de alguns artigos

em 1605. No entanto, não chegando a ser impressas, caiu em desuso, vigorando

ainda no Brasil as Constituições de Lisboa. D. Frei Manuel da Ressurreição,

então arcebispo da Bahia, faleceu em 1691 enquanto realizava visita pastoral

nas províncias do sul. No Maranhão foi sentida a ação pastoral de seus dois

bispos do século XVII, tendo D. Gregório dos Anjos feito uma visita pastoral à

capitania do Pará, e D. Timóteo do Sacramento empreendido uma reforma

moral dos costumes. No bispado de Pernambuco merece destaque a figura de D.

Matias de Figueiredo que, assumindo a diocese em 1688, implementou reformas

e visitas pastorais.

Fugindo de suas atribulações eclesiásticas, os bispos no Brasil

colonial, algumas vezes ocuparam “posição nitidamente política, substituindo

os governadores ou fazendo parte de juntas do governo interino”87, como uma

exigência própria da estrutura do padroado. Já o terceiro bispo da Bahia, D.

Antônio Barreiros, ocupou lugar em duas juntas de governo, que foram

formadas com o falecimento dos governadores Lourenço Veiga, em 1581, e

Teles Barreto, em 1587.

86 AZZI, Riolando. “A instituição eclesiástica durante a primeira época colonial”. Op. cit. Pág. 180. 87 Idem. Pág. 179.

64

As visitas pastorais ou diocesanas permitiam que se estabelecesse

o contato direto do bispo com os fiéis, sendo portanto um momento privilegiado

de legitimação e fortalecimento do poder religioso. Eram necessárias constantes

viagens que lhe permitiam ter um conhecimento maior do “rebanho” sob sua

responsabilidade, o qual era constituído pelos fiéis propriamente ditos, o clero,

as instituições e entidades católicas e os lugares sagrados pertencentes ao

território de sua diocese.

O Concílio de Trento definiu como os prelados88 deveriam fazer

suas visitas, esclarecendo que precisavam ser feitas pelo próprio bispo todos os

anos, em toda a diocese, ou em sua maior parte. Não podendo este realizá-la,

deveria ser substituído pelo vigário geral ou visitador. Caso fosse necessário, as

visitas poderiam ser completadas no ano seguinte. O Concílio de Trento definia

que,

“(...) o intento principal de todas essas visitas será estabelecer a doutrina sã

e ortodoxa, excluídas as heresias, manter os bons costumes, emendar os maus

com exortações e admoestações, acender o povo à religião, paz e inocência: e

estabelecer o mais que o lugar, tempo e ocasião permitir para proveito dos

fiéis, segundo julgar a prudência dos que visitarem.”89.

No círculo imediato do bispo e, servindo de conselho para este, o

cabido dos cônegos era formado por um grupo de 30 a 40 religiosos, que

constituíam o corpo eclesiástico de uma catedral. Em sua maioria eles eram

formados em Coimbra, possuindo assim uma sólida reputação de letrados. Os

cabidos eram, com muita frequência, “coio de intrigas” que por muitas vezes

atrasavam a ação episcopal90. O cabido da Bahia contou inicialmente com

quatro dignidades: o deão, que substituía o bispo na ausência deste; o chantre,

88 “Superior na ordem hierárquica eclesiástica secular, ou regular. Bispo, Provincial, etc”. SILVA,

Antônio de Moraes. Dicionário da Língua Portuguesa, vol. II (F/Z). Op. cit. Pág. 510. 89 Citado em OLIVEIRA, Ronald Polito. “Estudo Introdutório”. In TRINDADE, José da Santíssima, D.

Frei. Visitas Pastorais. Op. cit. Pág. 39. 90 RENOU, René. Op. cit. Pág. 374.

65

que se ocupava da organização dos ofícios; o tesoureiro, que tomava sob sua

responsabilidade os objetos e vestuários litúrgicos e o mestre-escola,

encarregado da educação dos meninos do coro.

O cabido de Olinda foi instalado em 1678 e o do Rio de Janeiro

em 1686, sendo ambos compostos por cinc o dignidades, tendo-se acrescido o

arcediago, seis cônegos de prebenda 91 inteira, dois de meia, quatro ou seis

capelães e quatro meninos de coro. Esta administração episcopal concedia

autorizações e dispensas, sendo formada também por um vigário- geral que,

tendo feito estudos de direito, ocupa-se das causas em juízo, do provisor, que

resolvia os casos propostos pelos curas, e o visitador que, por intermédio dos

livros de devassas, devia dar à hierarquia eclesiástica uma visão clara da

situação espiritual dos fiéis. Os vigários de Vara em cada comarca tinham o

poder de administrar a justiça dentro da administração episcopal. Exigia -se

destes sacerdotes uma boa cultura, prudência, virtude e costumes exemplares.

Com esta organização, a hierarquia da Igreja no Brasil procurava controlar toda

a Colônia e reforçar a administração laica.

Até meados do século XVIII, o trabalho catequético e pastoral foi

em quase sua totalidade de responsabilidade do clero regular, ou seja, das

ordens religiosas 92. Estas, após a chegada dos jesuítas, estabeleceram-se em

todos os núcleos urbanos, sendo as principais responsáveis pela conversão do

“gentio”.

Durante o período colonial, quatro ordens religiosas tiveram um

papel preponderante na formação do aparelho eclesiástico. Estas orde ns foram:

os jesuítas, os franciscanos, os beneditinos e os carmelitas. Tendo se instalado

no Brasil desde o começo de sua colonização, fundaram conventos nas

91 “Coisas que devem ser dadas, rendimentos de um canonicato, renda eclesiástica”. FERREIRA, Aurélio

Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3a. ed. totalmente revista e ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

92 OLIVEIRA, Pedro A. Ribei ro de. Religião e Dominação de Classe: gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1985. Pág. 144.

66

principais cidades, de onde partiam seus religiosos para converter os índios, dar

assistência aos colonos, pregar missões populares e para celebrar os serviços

religiosos nas fazendas, vilas e povoados.

Os jesuítas, tendo chegado no começo da colonização,

organizaram a evangelização e a educação por todo o litoral, de São Vicente à

Itamaracá. Durante os séculos XVII e XVIII, progrediram sua ação

evangelizadora para o interior da colônia, até sua expulsão. O apoio da Coroa

aos jesuítas aumentou consideravelmente no reinado de D. Sebastião, no

período em que era governador -geral do Brasil Mem de Sá. Uma provisão de

1568 já dava conta do início da construção de um colégio na cidade de

Salvador, para que 60 religiosos se ocupassem da conversão dos gentios e do

ensino da doutrina cristã nas aldeias e povoações da capitania da Bahia. Esta

mesma provisão determinava a criação de outro colégio para 50 frades na

capitania de São Vicente, o que acabou não ocorrendo, tendo sido construído

um colégio no Rio de Janeiro93.

Os religiosos da Companhia de Jesus tinham compreendido que,

para uma eficaz doutrinação dos Tupis-Guaranis, fazia-se necessário uma

concentração de esforços para garantir a educação do indígena ainda em sua

infância deste. Essa atitude serviria talvez para erradicar as tradições indígenas

que colidiam frontalmente com o cristianismo, como a antropofagia, a

poligamia e o recurso a feiticeiros. Para a instrução dos indígenas, os jesuítas

recorreram à fundação de colégios, onde os filhos dos nativos eram educados

dentro dos valores e crenças católicas e, de escolas de ler e escrever, tanto para

os filhos dos colonos, quanto para os curumins. A ação evangelizadora da

Companhia de Jesus concentrou-se na catequese geral, no batismo das crianças

93 SILVA, Maria Beatriz Nizza da. “Sociedade, instituições e cultura”. In JOHNSON, Harold e SILVA,

Maria Beatriz Nizza da (org.). O Império Luso-Brasileiro, 1500-1620. 1a . edição. Lisboa: Editorial Estampa, 1992. Pág. 393.

67

e sua educação cristã, na conversão dos principais94 das aldeias e no batismo

dos moribundos.

Sob a direção do Padre Manuel da Nóbrega, os jesuítas fundaram

colégios na Bahia, em Ilhéus, Porto Seguro, Espírito Santo, São Vicente,

Pernambuco, São Paulo e Rio de Janeiro. No entanto, a defesa dos índios

cristianizados dos interesses escravistas dos colonos, provocou numerosos

conflitos que geralmente eram arbitrados pela Coroa portuguesa em favor da

Companhia de Jesus. No estado do Maranhão, por exemplo, as posições dos

jesuítas sobre a liberdade e administração dos índios, levaram à expulsão dos

missionários em 1661 e 1684, sendo estes posteriormente readmitidos nessa

região por imposição régia. Porém o conflito fatal para a Companhia de Jesus

aconteceu entre 1754- 1759, quando os jesuítas tentaram resistir, no Estado do

Pará e Maranhão, à nova orientação política adotada pelo governo de D. José I

de que resultou a proscrição da milícia inaciana da América portuguesa em

1760.

Ao longo de mais de dois séculos, a Companhia de Jesus acumulou

no Brasil um enorme patrimônio formado por propriedades urbanas, engenhos,

fazendas de gado, olarias, boticas, etc.; patrimônio este que, na data de sua

expulsão, estimava mais de 100 contos. Somente os bens do colégio do Recife

valiam mais de 90 contos. No Rio de Janeiro, os jesuítas possuíam a Fazenda

Santa Cruz, cuja criação era formada por aproximadamente 7.658 cabeças de

gado, 1.140 cavalos, todos estes eram cuidados por algo em torno de 700

escravos 95.

Juntamente com os jesuítas, estiveram presentes no projeto

missionário português no Brasil, principalmente, os franciscanos ou

94 “Que tem o primeiro lugar. Da maior graduação, mais nobre. Entre os mais, o que é mais digno de

estimação. O mais importante”. SILVA, Antônio de Moraes. Dicionário da Língua Portuguesa, vol. II (F/Z). Op. cit. Pág. 523.

95 HOORNAERT, Eduardo. “A evangelização do Brasil durante a primeira época colonial”. Op. cit. Pág. 40.

68

“capuchos”, os carmelitas e os beneditinos. Essas três ordens “clássicas”

tiveram uma presença marcante em Olinda, Salvador e Rio de Janeiro. As

ordens religiosas no Brasil constituem a “ponta de lança” da Igreja Católica na

propagação da fé e da cultura.

A segunda ordem a instalar -se no Brasil foi a dos beneditinos.

Muito embora se tenha notícia de alguns missionários de São Bento na década

de 60, só em 1581 se decidiu a instalação formal da ordem na Bahia, sendo

fundada uma abadia em 1584. Em 1586, se instalaram no Rio de Janeiro, em

1592 chegaram à Olinda, em 1596 à Paraíba e em 1598 a São Paulo. Apesar

deste seu rápido desenvolvimento, a invasão holandesa no norte do Brasil, foi

um desastre para a ordem, tendo sido as abadias de Olinda e Paraíba

completamente destruídas e as outras impedidas de prosperar neste período.

A ordem beneditina, que não administrou muitos aldeamentos,

tinha nos mosteiros e fazendas a centralização de suas atividades. Tendo-se isso

em vista, num relatório de 1870, foi descoberto que os beneditinos, com apenas

41 monges em onze mosteiros, naquele momento, possuíam sete engenhos de

açúcar, mais de 40 fazendas, 230 casas e 1.265 escravos 96. A ação da Ordem de

São Bento na Colônia, para Eduardo Hoornaert, “foi pouco missionária, pois

dedicava-se antes à vida contemplativa”97.

Os quatro primeiros frades carmelitas vieram na armada de

Frutuoso Barbosa em 1580. Este vinha, por ordem da Coroa, para conquistar a

Paraíba, no entanto, por causa de uma tempestade, foram obrigados a

desembarcar em Olinda. Foi nesta vila que Jerônimo de Albuquerque lhes fez a

doação de uma ermida dedicada à Santo Antônio e São Gonçalo, tendo eles, já

em 1583, começado a construir seu convento em Olinda com a ajuda do

96 HOORNAERT, Eduardo. “A Igreja Católica no Brasil Colonial”. In: BETHELL, Leslie (org.). História

da América Latina: A América Latina I, vol. 1. 2a. edição. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Brasília, DF: Fundação Alexandre Gusmão, 1998. Pág. 562.

97 HOORNAERT, Eduardo. “A evangelização do Brasil durante a primeira época colonial”. Op. cit. Pág. 56.

69

donatário Jorge de Albuquerque, dos oficiais da Câmara e da população98. A

Ordem Carmelita começou a se espalhar pelo Brasil a partir deste momento. No

norte se estabeleceu em Pernambuco, Paraíba, Maranhão, Pará e Amazonas, e

no sul, pela Bahia, Rio de janeiro, Santos, Santa Catarina, São Paulo e Minas

Gerais. Os carmelitas, nos núcleos urbanos do litoral, perderam logo seu

espírito missionário, prestando então assistência à população urbana, cuja ajuda

contribuirá para a construção de seus magníficos conventos.

Os franciscanos, como os carmelitas, instalaram-se primeiramente

em Olinda, graças aos favores concedidos pelo Governador Jerônimo de

Albuquerque. A partir de 1585, começaram a construir conventos na Paraíba,

em Alagoas, Salvador e Espírito Santo, atendendo, na maioria das vezes, a

pedidos dos colonizadores portugueses apoiados pelas câmaras municipais.

Estabeleceram-se na Colônia, respondendo aos anseios da população que, com

isso procurava reconstruir no Brasil um ambiente semelhante ao de Portugal, os

franciscanos dependiam financeiramente das esmolas oferecidas por estes

moradores coloniais. Sua ação missionária estava restrita à “dilatação das

fronteiras” do Império Católico Português.

Para explicar a eficácia superior das ordens e congregações

religiosas sobre o clero secular, alguns autores apresentam como razões a sua

disciplina interna e sua autonomia econômica 99. Estando localizados nas

principais cidades e vilas, os conventos das ordens regulares funcionavam como

centros de apoio aos frades e missionários. Estes últimos guardavam sempre

uma forte ligação com seu convento de origem, ao qual retornavam depois de

cumpridas as suas tarefas pastorais no interior.

98 COUTO, Domingos Loreto. Desagravos do Brasil e Glórias de Pernambuco. Ed. fac-similada. Recife:

Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1981. Pág. 149. 99 “Muitos observadores da Igreja colonial notaram que o clero regular (ordens religiosas) era muito

melhor do que o secular .(...) Parece que o que tornou os padres religiosos mais efetivos do que os seculares, - e os jesuítas melhores do que todos, - foi o seu maior grau de organização, de independência, de disciplina”. OLIVEIRA, Pedro A. Op. cit. Pág. 145 e BRUNEAU, Thomas C. Catolicismo Brasileiro em Época de Transição. 2a edição. São Paulo: Edições Loyola, 1976. Págs. 42-43.

70

Essa centralização permitiu ao clero regular, principalmente aos

jesuítas, com sua notória disciplina e fidelidade, diversificar suas atividades

sem perder o controle sobre seus membros. Sendo ao mesmo tempo maleáveis e

sólidas, as ordens e congregações se adaptaram plenamente às condições

pastorais do Brasil colonial, onde a dispersão da população e a precariedade dos

meios de comunicação eram fatores de enfraquecimento da administração.

A autonomia econômica era um outro fator de fortalecimento e

hegemonia das ordens religiosas. Além das doações reais, estas ordens recebiam

heranças e doações de particulares, acabando por formar grandes patrimônios.

Em geral, os conventos tinham fazendas e escravos, como informamos

anteriormente, bem como imóveis urbanos, que lhes proporcionavam

rendimentos próprios. Com isso, elas adquiriram meios para manter suas

atividades pastorais sem dependerem completamente do sustento do Estado

português.

Apesar de terem tão importante papel dentro da sociedade

colonial, as ordens religiosas muitas vezes não aceitavam em seus quadros

eclesiásticos os “filhos da terra”, ou seja, os filhos dos moradores das vilas e

povoações onde havia conventos e mosteiros 100. É o que nos informa uma

correspondência de 18 de Agosto de 1727, em que o rei de Portugal, D. João

(1706-1750), através do Conselho Ultramarino, responde a uma carta, de 22 de

Agosto de 1725, enviada pelos oficiais da Câmara de Olinda, em que estes

informavam que

“ (...) os religiosos marianos de Santa Teresa não queriam aceitar noviços

filhos da terras com o pretexto de que quem quisesse ser religioso havia de vir

tomar o hábito a Portugal com grande detrimento desses moradores, e que

isto mesmo diziam os religiosos de São Bento porém por ordem que tiveram

Minha, e do seu Geral convieram em os aceitar suposto não aparecer a dita

100 HOORNAERT, Eduardo. “A evangelização do Brasil durante a primeira época colonial”. Op. cit. Pág.

57.

71

ordem por ser muito antiga, e que isto mesmo deviam obrar os ditos padres

religiosos marianos (...)”.

Essa atitude não era abonada pelo monarca lusitano que, em outro

trecho dessa correspondência, afirma que apesar de entender que essa proibição

nascia “da má criação que eles [moradores] lhes dão cheia de tanta liberdade e

vícios, que não é possível acomodarem-se com a regra que professam os ditos

marianos”; esses religiosos deviam tomar a seguinte atitude:

“(...) para facilitar a que os recolham nos seus conventos convém muito que

eles dêem outra disciplina e os criarem no amor de Deus, com tais virtudes

que justamente mereçam que os recolham na sua religião e por este meio

cessará a queixa que fazem dela, e se escuzará o virem a Portugal os que

houverem de ser religiosos.”101

Tendo sido a principal forma de colaboração da coroa portuguesa

a doação de terras às ordens religiosas, estas acumularam durante todo o

período colonial grandes quantidades de terras e inúmeras fazendas. Elas

recebiam também doações, tanto de autoridades locais, como foi o caso de

Jerônimo de Albuquerque para a ordem carmelita em Olinda, como de pessoas

particulares.

Quase todos os colégios jesuítas sustentavam-se mediante a

administração de fazendas e engenhos recebidos como donativos e heranças.

Ilustra essa informação uma correspondência de 20 de Maio de 1726, em que D.

João (1706-1750) pede informação ao Ouvidor Geral de Pernambuco a respeito

dos engenhos que possuem os padres do Carmo de Goiana e Recife, pois

“(...) o Provedor da Fazenda da Capitania de Itamaracá me deu conta de

haver ali dois engenhos chamados Iapomim e Jacaré que possuem os frades

da Reforma de Nossa Senhora do Carmo dos conventos de Goiana e Recife

que adquiriram por tais ou quais doações que lhe fizeram algumas pessoas, e

101 A.H.U., Códice 259, fl. 143 / 143v.

72

um partido de canas em o engenho de (Mariuná), de que é senhor io o vigário

Manoel de Araújo Dadim (...)”. 102

Curiosamente, em uma carta de 22 de Agosto de 1727,

encontramos este mesmo Padre Manoel de Araújo Dadim, agora vigário da Vila

de Goiana, envolvido na prisão do Bacharel João de Barros da Cunha “por

crime de furto de um negro que fez”. Este sendo amigo do capitão mor daquela

capitania, Jozeph Pereira da Silva, que

“(...) logo acudira o dito preso com um soldado chamado Antonio Bandeira

associado de outros mais todos de infantaria da Ilha de Itamaracá que lhe

assistem de presídio (...) e que o dito soldados Antonio Bandeira junto com o

vigário da mesma Vila [de Goiana] Manoel de Araujo Dadim, que da casa do

dito capitão mor também saiu pretensiosamente, e a força de armas tiraram o

preso das mãos dos oficiais d e justiça (...)” 103

A Coroa portuguesa também amparava os missionários nas tarefas

de catequese e cura espiritual com vários subsídios, entre os quais: as

ordinárias, que eram requeridas pelos frades para cada nova missão fundada; o

viático, que era destinado ao pagamento das viagens dos missionários desde o

litoral até o local das missões; e as côngruas, que eram concedidas a alguns

conventos. As ordens regulares também recebiam do monarca português

isenções alfandegárias e doações de terras. Grandes conflitos foram gerados por

conta destas isenções adquiridas pelas ordens. É o que percebemos através de

várias correspondências administrativas coloniais, entre as quais uma de 22 de

fevereiro de 1680, em que Conselho Ultramarino respondendo a uma carta do

Provedor da Fazenda da Capitania de Pernambuco, João do Rego Barros,

informa

“(...) porque Vossa Alteza não tem naquela Capitania mais renda que os

dízimos; e os religiosos de São Bento, e da Companhia, e do Carmo em três

102 A.H.U., Códice 258, fl. 68v. 103 A.H.U., Códice 259, fl. 147.

73

engenhos, e outras muitas lavouras, e gados de que não pagam o dízimo,

havendo sido antigamente estas terras, e fazendas de homens seculares, que

os pagavam, e fazem agora grande diminuição ao contrato. E dando-se vista a

referida carta do Procurador da Fazenda respondeu se devia mandar ao

Provedor da Fazenda, que cobrasse os dízimos das terras e engenhos dos

padres da Companhia, e de São Bento e se meta na posse de os cobrar como

se fez na Bahia, e Rio de Janeiro (...) e que não consinta que terra que foi

dizimeira deixe de o ser por passar a ser de religiosos que entram nela com o

seu encargo e pensão (...)”.104

Em outra carta de 15 de novembro de 1690, o Conselho

Ultramarino responde aos oficiais da Câmara da Paraíba, que tinham informado

como justificativa

“(...) a causa total dessa diminuição [nos contratos dos açúcares] a

calamidade dos tempos, acrescia a esta outra, que não era a menor o

quererem -se introduzir os clérigos a não pagarem os subsídios dos seus

açúcares, pela isenção que tinham as esmolas eclesiásticas, e não satisfeitos

com estas queriam livrar suas lavouras de engenhos e partidas de canas, que

estavam possuindo por compra que fizeram aos seculares (...). Ao Conselho

parece (...) no que toca a se isentarem os clérigos naquela Capitania de

pagarem os subsídios, que eles os cobrem infalivelmente pela posse (...)”. 105

No entanto, numa tentativa de por um fim a esta querela, as

Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, promulgadas em 1707,

apesar de entender que o direito canônico não isentava os clérigos de pagarem

os impostos referentes as suas propriedades, lavouras e heranças, o que

acarretava um grande prejuízo à Fazenda Real e, conseqüentemente, ao

pagamento da folha eclesiástica, irá em seu artigo 426 determinar que, “assim

os mesmos vigários, como os mais clérigos devem dízimos dos frutos, e

novidades que cultivam, e colhem em outras quaisquer propriedades, e

104 A.H.U., Caixa 7, PE, p. a. 105 A.H.U., Códice 265, fl. 63v / 64.

74

terras”106, ou seja os religiosos deveriam sim pagar os impostos referentes aos

seus patrimônios.

Dentre as ordens religiosas, os capuchinhos italianos, que se

estabeleceram a partir de 1700 na Bahia, em Pernambuco e no Rio de Janeiro, e

os carmelitas descalços, que foram introduzidos na Bahia em 1665, eram

considerados os mais dedicados à catequese, a conservação da castidade e ao

desapego material.

É preciso também mencionar o papel dos capelães na instituição

eclesiástica existente na colônia. Ao contrário dos padres seculares que

ocupavam postos eclesiásticos, os capelães eram sacerdotes contratados para a

prestação de serviços religiosos. Confrarias e irma ndades, navios negreiros,

expedições ao sertão, e grandes proprietários rurais eram os principais

interessados em contratar estes religiosos para ser serviço. Eles ficavam

praticamente fora do controle do bispo ou da ordem religiosa a que pertenciam,

passando a se incorporar ao grupo ou família para quem oficiava missa,

administrava os sacramentos e ensinava os preceitos da fé católica. Para

Gilberto Freyre, excetuando-se os jesuítas, que viam nos senhores de engenhos

seus “grandes e terríveis” rivais,

“(...) os outros clérigos e até mesmo frades acomodaram-se, gordos e moles,

às funções de capelães, de padres-mestres. de tios padres, de padrinhos de

meninos; à confortável situação de pessoas da família, de gente de casa, de

aliados e aderentes do sistema patriarcal, no século XVIII muitos deles

morando nas próprias casas-grandes. Contra os conselhos, aliás, do Jesuíta

Andreoni que enxergava nessa intimidade o perigo da subserviência dos

padres aos senhores de engenho e do demasiado contato – não diz claramente,

mas o insinua em meias palavras – com negras e mulatas moças. Ao seu ver

devia o capelão manter-se “familiar de Deus, e não de outro homem”; morar

sozinho, fora da casa-grande; e ter por criada escrava velha. Norma que

106 CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA – 1707. Op. cit. Livro Segundo,

tít. XVI, – “Das pessoas que são obrigadas a pagar dízimos, e dos lugares ao mesmo tempo designados”.

75

parece ter sido seguida raramente pelos vigários e capelães dos tempos

coloniais.” 107

Enfim, tendo-se em vista o Padroado Régio Português, coube

fundamentalmente aos padres seculares a ação da Igreja Católica durante o

período colonial, apesar de terem sido as ordens regulares, em especial os

jesuítas, responsáveis por grande parte da tarefa de manter o culto. No entanto,

o número de sacerdotes seculares aumentou mais a partir do século XVII,

principalmente nos centro urbanos e no litoral. Neste período, já tinham nascido

no Brasil a maioria desses clérigos, tendo porém quase sempre o pai, ou o avô

português.

A partir do século XVIII, porém, quando a colonização já estava

consolidada, a atividade religiosa enfraqueceu e o número de padres começou a

decrescer. Bruneau afirma que, no final do século XIX, “havia somente doze

dioceses e 13 bispos em todo o Brasil, e apenas cerca de 700 padres”108. Essa

estimativa pode parecer exageradamente pequena, mas ainda que se dobrasse

esse número, seriam ainda poucos padres para dar um atendimento religioso

frequente e sistemático a uma população dispersa em vilas e povoados carentes

de meios de comunicação e transporte.

Em sua formação eclesiástica, os clérigos sofriam com a falta de

uma formação mais eficiente, estando restritos aos colégios jesuítas, aos

conventos dos regulares e à instrução fornecida, dentro das catedrais, por

prelados mais exemplares. Um panorama dessa situação nos oferece um

documento do Conselho Ultramarino, de 23 de Fevereiro de 1719, que informa

as condições em que eram ordenados os sacerdotes neste período de vacância

episcopal em Pernambuco:

107 FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala . 32a . edição. Rio de Janeiro: Record, 1992. Pág. 195. 108 BRUNEAU, Thomas C. Op. cit. Pág. 56

76

“Nesta Corte, se acham há muitos tempos, os bispos de Pernambuco e Angola,

e as suas dioceses sem prelados que as hajam de pastorear, seguindo-se de

sua falta grandes danos espirituais, assim na relaxação dos costumes das suas

ovelhas como na mais desordens que costumam acontecer na ausência do seu

verdadeiro pastor; não sendo menos para lastimar os que cometem os

eclesiásticos vendo -se sem bispo que os emende, tendo -se por notícia mui

const ante que o Cabido de Pernambuco há ordenado um excessivo número de

pessoas indignas do estado sacerdotal, o que tem causado grande escândalo

naqueles povos e desconsolação, e porque esta matéria é grave, e convém

muito ao serviço de Deus e de V. Majestade, de que se não continuem estes

desconcertos tão prejudiciais (...)”. 109

Seminários episcopais formados nos moldes tridentinos só foram

erigidos no Brasil, ao longo de todo o período colonial, no Rio de Janeiro

(1739), Minas Gerais (1748), Pará (1749) e Pernambuco (1800).

Podemos afirmar, tomando-se por base as informações

explicitadas, que o clero secular era incomparavelmente menos organizado e

ativo do que as ordens religiosas. Levando-se em consideração a extensão

territorial e a precariedade dos meios de comunicação, é fácil de se imaginar as

dificuldades encontradas pelos bispos coloniais para governarem suas dioceses.

Somava -se a isso a indisciplina do clero e a parcimônia do Estado português na

concessão de recursos financeiros suficientes para a devida administração da

instituição eclesiástica no Brasil.

Precisamos lembrar que as nomeações para os cargos eclesiásticos

eram feitas pela Coroa, cabendo apenas ao bispo conferir a dotação dos cargos

aos escolhidos. Sendo assim, podemos afirmar que um pa dre que tivesse bons

“contatos” políticos e gozasse de influência na Corte podia fazer carreira

eclesiástica ainda que fosse relapso em seus deveres religiosos, enquanto que

um padre zeloso, mas sem influência política, poderia não conseguir galgar

todos os degraus no interior da Igreja Católica. Além disso, estando o bispo

109 A.H.U., Códice 21, fl. 307v.

77

subordinado ao monarca lusitano, a autoridade episcopal ficava enfraquecida

pelo Padroado: quando punido pelo bispo, o clérigo podia recorrer ao rei,

suspendendo-se automaticamente a punição até que o caso fosse julgado em

Portugal pelo Tribunal da Mesa da Consciência e Ordens.

Incapazes de plenamente exercerem sua autoridade e de governar

suas dioceses, os bispos em geral se acomodavam à situação de altos

funcionários do Estado, aproveitando as amenidades da vida urbana, sem se

preocuparem muito com a disciplina do clero nem com a assistência religiosa à

população.

Assim, o clero secular vivia praticamente fora do controle da

autoridade episcopal, estando disperso pelas paróquias e cape las do interior, ou,

o que acontecia com mais frequência, ganhando a vida como capelães de

fazendas ou de confrarias e irmandades. Recebendo uma precária formação,

sobretudo depois da expulsão dos jesuítas e do fechamento de seus seminários,

os padres do hábito de São Pedro, como eram conhecidos os padres seculares,

só pertenciam a elite letrada da colônia porque o restante da população era

quase totalmente analfabeta. De fato, a ordenação sacerdotal era muitas vezes

concedida a candidatos praticamente sem preparo.

Tendo recebido algumas noções de latim com o vigário local ou

com algum professor particular, o jovem dirigia -se a uma sede episcopal, onde

recebia mais algum conhecimento dos sagrados cânones e, em poucos meses,

voltava ordenado sacerdote. Nomeados para alguma paróquia, ou contratado

como capelão, esse padre podia ficar até o dia de sua morte sem voltar a ter

contato com o bispo. Formando-se este quadro realista, podemos ter em mente

que o celibato nem sempre era devidamente observado, vivendo muitos padres

em situação de concubinato sem que isso provocasse um grande escândalo entre

os fiéis.

78

Para Gilberto Freyre, no século XVI, com exceção dos jesuítas –

“donzelões intransigentes”, padres e frades de ordens em grande número se

“amancebaram” com índias e negras; os clérigos de Pernambuco e da Bahia

escandalizaram o padre Nóbrega 110. Através dos séculos XVII e XVIII, e grande

parte de XIX, continuou o livre “arregaçar de batinas para o desempenho de

funções quase patriarcais, quando não para excessos de libertinagem com

negras e mulatas”111. Analisando também esse “relaxamento moral”, Sérgio

Buarque de Holanda, em “Raízes do Brasil”, afirma que

“(...) subordinando indiscriminadamente clérigos e leigos ao mesmo poder

por vezes caprichoso e despótico, essa situação estava longe de ser propícia à

influência da Igreja e, até certo ponto, das virtudes cristãs na formação da

sociedade brasileira. Os maus padres, isto é, negligentes, gananciosos e

dissolutos, nunca representaram exceções em nosso meio colonial. E os que

pretendessem reagir contra o relaxamento geral, dificilmente encontrariam

meios para tanto. Destes a maior parte pensaria como nosso primeiro bispo,

‘que em terra tão nova, muitas coisas se ão de dessimular que castigar’.”112

A esses fatores, acrescenta -se o fator econômico para explicar a

fraca organização do clero secular. Ao adquirir o direito de Padroado, o Estado

português se tornou responsável pela sustentação do clero, tendo tomado para si

o direito de arrecadar os dízimos eclesiásticos nas colônias ultramarinas. O

pagamento feito aos clérigos era denominado côngrua. O conjunto das côngruas

de uma capitania constituía a folha eclesiástica paga pela Junta da Real Fazenda

local e que representava a principal justificativa para a cobrança dos dízimos à

população.

110 “A evitar pecados, [esse clero] não veio, nem se evitarão nunca (...). Outras coisas veio fazer que V.R.

e eu deveríamos chorar”, escrevia Nóbrega ao padre Simão Rodrigues em 1553. Depois de seis anos, ele não tinha mudado de opinião, denunciando numa correspondência a Tomé de Souza, padres que insistiam em manter-se eles próprios amancebados com suas escravas, “que para esse efeito escolhiam as melhores e de mais preço”. Citado em VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos Pecados . Op. cit. Pág. 40.

111 FREYRE, Gilberto. Op. cit. Pág. 443. 112 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26a. edição. São Paulo: Companhia das Letras,

1995. Pág. 119.

79

Nas Constituições Primeiras de 1707, encontram-se vários artigos

referentes à justificação da cobrança dos dízimos pela população. Sobre a

cobrança referente ao que era plantado no Brasil, o artigo 418 regulamentava

que

“(...) conforme a doutrina do Apóstolo S. Paulo, nem o que planta, nem o que

rega, mas Deus é o que dá o incremento dos frutos; e por essa razão em sinal

de seu universal domínio, justamente reservou para si a décima parte de

todos. E assim conforme a direito, se d eve à Igreja o dízimo inteiro de todos

os frutos, e novidades: como são mandioca, milho, arroz, açúcar, tabaco,

bananas, aipins, batatas, favas, feijões, e outros legumes; laranjas, limões,

cidras, hortaliças, e coisas semelhantes.”113

Além da côngrua, os párocos coloniais tinham outras fontes de

rendimento, que dependiam das condições sócio-econômicas de cada freguesia.

Dentre essas, a mais polêmica eram as conhecenças, remuneração pessoal que

os fiéis eram obrigados a pagar por ocasião da Quaresma, no momento em que

cumpriam o preceito da confissão anual e da comunhão pascal. Esse

pagamentos foram no Brasil, juntamente com os dízimos, regulamentados pelas

Constituições Primeiras de 1707, mas variavam bastante de local para local.

Com referência às conhecenças, as Constituições regulamentavam que

“(...) conforme os Sagrados Cânones não só se devem às igrejas e ministros

delas os dízimos prediais, e mistos, como fica dito, mas outros que se

chamam pessoais, que são a décima parte de todo o ganho, e lucro

licitamente adquirido por via de qualquer ofício, artifício, trato, mercancia,

soldada, jornais de qualquer serviço, tirados os gastos, e despesas. E porque

o costume tem alterado essa obrigação, de maneira, que em algumas partes

se paga somente uma conhecen ça de certa quantia em dinheiro segundo o

trato de cada um, e assim se usa neste nosso Arcebispado (...)”.114

113 CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA – 1707. Op. cit. Livro Segundo,

tít. XXIII – “Das novidades, e frutos, e do mais de que se deve pagar dízimos”. 114 Idem. Livro Segundo, tít. XXV – “Dos dízimos pessoais, e conhecenças”.

80

Os atos cotidianos do ritual católico, como batismos, casamentos e

enterros, estavam também sujeitos à uma taxação pelo pároco, e constituíam o

seu pé de altar, ou estola. Por outro lado, a Coroa pagava ainda aos párocos os

guisamentos, ou ordinária, uma modesta contribuição que se destinava à

sustentação das atividades do templo, como a aquisição de cera e de vinho, e

que pertencia à fábrica da igreja.

Mas, o Estado português era extremamente parcimonioso no

pagamento das côngruas do clero. É o que demonstra uma comparação feita das

listas das côngruas anuais que recebiam os ministros da Sé de Olinda em 1677 e

1795. A primeira encontramos numa correspondência do Conselho Ultramarino

de 02 de setembro de 1677, em que este emite um parecer sobre o número de

dignidades que deve haver na nova Sé de Pernambuco, e que nos informa que:

“E dando-se vista do decreto referido ao Procurador da Fazenda com as

cópias das ordinárias que se pagam as dignidades e mais prebendas das sés

da Bahia e Cabo Verde respondeu [a Mesa da Consciência e Ordens] que lhe

parecia que as dignidades, cônegos e mais oficiais de Pernambuco se haviam

de regular no número pelos da Bahia ficando porém com alguma diminuição

nos ordenados para que os da metrópole tenham vantagens deles, assim como

ao Deão cem mil réis por ano, as quatro dignidades, (provisor) e vigário

geral chantre, mestre escola e tesoureiro a oitenta cada um, os cônegos a

sessenta, meios cônegos a trinta (...)”.115

Uma ordem régia de 12 de fevereiro de 1719, em que o cabido de

Olinda faz um requerimento pedindo o aumento de côngrua, confirma-nos esses

valores

“Senhor = Prostrados aos Reais Pés de Vossa Majestade seus humildes

vassalos e oradores, o Deão, Dignidades, Cônegos, e meios Cônegos da Sé da

Cidade de Olinda, Capitania de Pernambuco, lhe representaram com a devida

submissão obrigados da sua necessidade e carestia do tempo que a dita Sé foi

115 A.H.U., Códice 265, fl. 17.

81

criada e erigida de novo no ano de 1678 em que se contam até o presente

quarenta anos, com as limitadas côngruas de cem mil réis ao Deão, oitenta a

cada uma das quatro Dignidades, que são Chantre, Tesoureiro Mor,

Arcediago, e Mestre Escola, sessenta cada um dos seis Cônegos, e trinta a

cada um dos dois meios Cônegos (...)”.116

Guilherme Pereira das Neves nos dá os seguintes valores das

côngruas do cabido de Olinda para o ano de 1795: duzentos mil réis para o

deão, cento e sessenta para cada uma das quatro dignidades, cento e vinte para

cada um dos cônegos, entre os quais o doutoral, magistral e penitenciário, e

sessenta mil réis por ano para cada meio-cônego 117.

Nas principais cidades coloniais, estes religiosos dispunham de

uma irmandade própria, a dos clérigos de São Pedro, sendo conhecidos então

por religiosos da Ordem de São Pedro.Mas, mesmo esta não oferecia uma

igualdade de apoio para todos religiosos, é o que percebemos através de uma

carta de 5 de dezembro de 1732, em que o rei de Portugal, D. João V (1706-

1750), através de uma petição do Padre Cipriano Ferraz de Farias que, tendo

sido excluído da Irmandade por ser pardo, informou o monarca que

“(...) sobre a alteração que fizeram os Irmãos da Mesa da Irmandade dos

Clérigos Sacerdotes, cita na Igreja de S. Pedro da Vila de Recife contra o

estilo, e posse que havia de se admitirem por irmãos sacerdotes brancos, e

pardos e pessoas seculares de um e outro sexo, tomando [a dita Irmandade]

por acordo excluírem da mesma Irmandade clérigos pardos, inovando por este

modo o que sempre se observou (...) o façais admitir por irmão dela na forma

que se erigiu dando quatro mil réis de entrada.”118

Dentro da hierarquia eclesiástica existente, os seculares mais

abastados podiam se inserir nos Cabidos, ocupando uma de suas dignidades,

116 Livro 11o. de Ordens Régias (1717-1720), fl. 115 / 119v. 117 NEVES, Guilherme Pereira das. Op. cit. Pág. 69, 118 A.H.U., Códice 260, fl. 103 / 103v.

82

para as quais se exigia, em princípio, um grau universitário, ou nas Irmandades,

pois estas, como vimos na documento acima, para o caso da Irmandade do

Recife, em 1732, exigiam “quatro mil réis de entrada”. Para o restante da

“massa indistinta de clérigos”, eram oferecidos cargos mais acessíveis como os

de Capelão, cuja atribuição já tratamos anteriormente. Alguns clérigos, no

entanto, preferiam ocupar o cargo de coadjutor 119, recebendo uma remuneração

de até 25$000 réis por ano 120.

Quando os moradores de uma certa povoação sentiam a

necessidade de ter um padre próprio tomando conta de sua capela, fixavam uma

cota para seu sustento e dirigiam ao bispo uma petição, a fim de que lhes fosse

nomeado um sacerdote. A partir de então, iniciava-se um processo, sempre

muito demorado, para o estabelecimento de uma jurisdição própria. Se a

resposta concedida pela Mesa da Consciência e Ordens fosse positiva, um

vigário temporário era nomeado e encaminhava -se ao monarca português uma

petição para que este fosse colado.

Esses vigários, os quais se denominava colados, eram na prática

funcionários da Coroa, favorecidos por um privilégio vitalício. Os bispos

concediam aos padres a missão canônica, segundo a qual eles ficavam

autorizados a administrar os sacramentos em sua juris dição. Pela longa

permanência nas freguesias, esses párocos adquiriam uma importância

fundamental para seus fregueses, sua autoridade, tanto no plano civil, como no

religioso, era incontestável.

O bispo e o provisor mor do reino deveriam emitir um parecer

sobre o pedido da criação da paróquia colada. Chegando o processo às mãos do

Rei, este concedia a colação, determinando a respectiva côngrua de seu vigário.

119“Sacerdote adjunto de um pároco ou bispo, nomeado para ajudá-los ou substituí-los no exercício de

suas funções”. TRINDADE, José da Santíssima, Dom Frei. Op. cit. Pág. 396 (Glossário de Termos). 120 SILVA, Maria Beatriz Nizza da (org.). Dicionário da História da Colonização Portuguesa no Brasil.

Op. cit. Pág. 174.

83

A confirmação de uma paróquia colada indicava o reconhecimento, por parte

das autoridades colonia is e de “El- Rei”, da consolidação de uma área de

ocupação com certa representatividade econômica ou expressão política. Sendo

assim, podemos afirmar que , onde existiam núcleos urbanos e população à qual

se podia cobrar o dízimo, conseguia -se com mais facilidade a nomeação de

vigários colados.

No entanto, os antigos povoados em desenvolvimento, ou mesmo

os novos, necessitavam também da presença de sacerdotes que pudessem

administrar os sacramentos. Afastada a possibilidade de nomear vigários

colados, os bispos contavam apenas com o recurso de estabelecer curatos

através das chamadas paróquias encomendadas. Encomendar uma freguesia

nada mais era do que nomear um pároco temporário e de livre remoção por

ordem do bispo. Ele não era selecionado através de concurso, nem era

examinado pelo seu conhecimento da doutrina, exigindo-se apenas idoneidade

moral.

Esse clérigo deveria ser sustentado pela comunidade. Sendo assim,

tendo-se em vista a precariedade dos auxílios financeiros fornecidos pelos fiéis,

passou a ser normal a prática do recolhimento do pé de altar e das conhecenças

para o sustento do pároco. Essas contribuições eram ao mesmo tempo, segundo

os sacerdotes, insuficientes para seu sustento e, para os fregueses, “uma pesada

carga para sua comum pobreza”121. Para ilustrarmos essa afirmativa, citaremos

o caso do vigário Antonio da Silva e Melo de quem os moradores da Paraíba se

queixavam ao Conselho Ultramarino, por uma carta de 6 de junho de 1731,

“[que o dito vigário] os obrigava com censuras a pagar maiores conhecenças

pela desobriga do que era costume na dita Capitania ”.122

121TORRES-LONDONÕ, Fernando. “Paróquia e comunidade na representação do sagrado na colônia”. In

TORRES-LONDOÑO, Fernando (org.). Paróquia e Comunidade no Brasil – Perspectiva histórica. São Paulo: Paulus, 1997. Pág. 59.

122 A.H.U., Códice 259, fl. 360.

84

As paróquias encomendadas que, até o início do século XVIII,

eram bastantes numerosas, proporcionavam o fortalecimento dos bispos em

relação ao pároco colado, uma vez que nestas eles poder iam remover os

vigários inconvenientes.

No Brasil colonial, as funções básicas do pároco concentrava-se na

administração dos sacramentos, juntamente com o registro destes e a chamada

cura de almas. De acordo com o Concílio de Trento, a paróquia e,

particularmente, o pároco tinham um papel muito importante na reta

administração dos sacramentos. Os casamentos e os batismos deveriam ser

realizados, na maioria das vezes, na igreja paroquial, tendo que ser registrados

nos livros da paróquia. O primeiro confessor da paróquia era o pároco, sendo

ele e seus coadjutores responsáveis pela administração da comunhão e da

extrema - unção.

Além de administrar os sacramentos, o pároco devia proceder a

cura de almas para seus fregueses. Esta “cura de almas” era a chamada ação

pastoral, que compreendia a pregação, o aconselhamento dos fiéis, o ensino da

doutrina cristã, a missa dominical, o cuidado do templo e a assistência aos

pobres. O ensino da doutrina, tanto dentro da própria missa, como através da

instrução das crianças e dos ignorantes, era considerado pelas Constituições

Primeiras 123, promulgadas em 1707, como uma atividade à qual o pároco

deveria se dedicar com todo o esmero.

Ainda dentro de suas funções, cabia ao pároco fazer da igreja um

espaço de oração e de santidade. Ele cuidaria para manter o templo, mesmo

pobre, em bom estado e aparelhada com os paramentos necessários à

administração dos sacramentos, como a pia batismal, o confessionário e o altar.

Garantiria o decoro e o bom comportamento de seus fiéis no interi or da igreja,

separando as mulheres dos homens, fazendo com que as pessoas estivessem em

123CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA – 1707. Op. cit. Livro Primeiro,

tit. III – “Da especial obrigação dos párocos para ensinarem doutrina cristã a seus fregueses”.

85

silêncio, olhando sempre para a frente do altar 124. Muitas vezes, no entanto, o

real ia de encontro com o ideal, como assinalou Luiz Mott, referindo-se às

impressões dos cronistas quanto

“(...) a falta de compostura por parte dos participantes, mau exemplo advindo

dos próprios curas e celebrantes, ora displicentes no trajar, ora irreverentes

nos olhares e risadas, clérigos e leigos ávidos de aproveitar aqueles preciosos

momentos de convívio intersexual a fim de fulminarem olhares indiscretos,

trocarem bilhetes furtivos e, os mais ousados, tocarem maliciosamente o

corpo das nem sempre circunspectas donzelas ou matronas (...)”. 125.

O padre deveria exercer o poder fiscalizador e disciplinador entre

os seus fiéis, usado a sua condição de autoridade, o que era condizente à época.

Para tal atitude contava com os recursos que iam desde a acusação de alguém,

no púlpito, como devasso e pecador ou a exposição de seu nome na porta da

igreja, até medidas que incluíam o uso da violência. Este reforço colonial de um

traço do Concílio de Trento fez do pároco um instrumento de controle e da

paróquia, um espaço de disciplina. Os sacerdotes coloniais tinham o direito

reconhecido de se imiscuírem em muitos assuntos específicos e particulares,

tanto na vida doméstica dos casais, quanto na educação dos filhos, afim de

intervir e fiscalizar a ação dos pais. Na análise de Caio Prado Jr

“(...) de um modo geral, consideram-se os religiosos como zeladores dos bons

costumes; e contam para isso com sanções que vão desde as repreensões,

expondo os faltosos à reprovação pública, até às penalidades mais

específicas, inclusive a maior delas, a excomunhão, que exclui o indivíduo do

grêmio da Igreja. (...) O anátema religioso isolava o atingido por ele num

círculo distante de repulsa geral; fazia dele um banido da sociedade, de seus

semelhantes.”126

124CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA – 1707. Op. cit. Livro Segundo,

tit. I – “Do santo sacrifício da missa: sua instituição, frutos, e efeitos”, e tit. II – “Da preparação interior, e exterior, que se requer nos sacerdotes para dizerem Missa”.

125MOTT, Luiz. “Cotidiano e vivência religiosa: entre a capela e o calundu”. In: SOUZA, Laura de Mello e (org.). História da Vida Privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa. 5a. reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. Págs. 161-162.

126 PRADO JR., Caio. Op. cit. Pág. 330

86

No Brasil colonial, marcado fortemente pelo padroado régio,

coube à Igreja Católica assumir inúmeras funções em nome do Estado

português. Na imensidão de um território, que aumentava cada vez mais com a

conquista do sertão, a representação da freguesia preenchia a falta de

autoridades e jurisdições civis. Mesmo sem ser coladas ou reconhecidas pelo

rei, as paróquias encomendadas, os curatos e as capelanias constituíam espaços

que só muito tempo depois foram devidamente ocupados pelos poderes civis.

Como exemplo dessa “intromissão” dos párocos nas atribuições do

poder civil, usaremos um “Mapa que Mostra o Número dos habitantes das quatro

Capitanias deste Governo: Pernambuco; Paraíba; Rio Grande; e Ceará divididas nas 5

Comarcas Eclesiásticas”, de 31 de outubro de 1791, a que estava o Governador de

Pernambuco, Martinho de Melo e Castro, encarregado de mandar para Portugal, mas

que, na realidade, era elaborado pelos párocos das referidas comarcas, como podemos

perceber no seguinte trecho:

“ (...) A demora que tem havido na Remessa deste Mapa, que se manda enviar de seis

em seis meses, não procede de culpa minha, por que logo no principio do meu Governo

expedi uma Carta de oficio ao Bispo desta Diocese para que com brevidade possível se

me enviassem as Relações distribuídas pelas classes determinadas na dita ordem; e só

em Agosto próximo pretérito é que as ditas Relações me foram entregues, dizendo-me o

Bispo que as longitudes, e faltas que experimentara nos Párocos eram coisas de ter

havido tão grande demora.”127

Através do cumprimento de obrigações religiosas, como o

pagamento do dízimo, ou as desobrigas, a autoridade colonial se fazia presente.

Não era diferente no espaço do poder judiciário, onde a justiça eclesiástica se

fazia presente através das devassas eclesiásticas. Em algumas regiões, os

dízimos eram os únicos tributos cobrados, as desobrigas eram os melhores

censos, as devassas eclesiásticas, a justiça mais efetiva, e o pároco, a única

autoridade 128.

127 A.H.U., Caixa 88, PE, papéis avulsos. 128 TORRES-LONDOÑO, Fernando. “Paróquia e comunidade na representação do sagrado na colônia”.

Op. cit. Págs. 67-68.

87

3o. CAPÍTULO – PERNAMBUCO: CLERO E SOCIEDADE

A DIOCESE DE PERNAMBUCO

período existente entre a restauração de Pernambuco, em 1654, e

a criação de seu bispado, em 1676, foi de intensa reconstrução da

capitania. Sua jurisdição eclesiástica, estando subordinada à diocese da Bahia, ficou,

durante mais de vinte anos, entregue a um vigário geral nomeado pelo bispo da sé

colonial. As principais ordens religiosas que tiv eram praticamente todos os seus

conventos depredados, reiniciaram seus trabalhos apostólicos após reconstruí -los 129.

Neste momento já existia um número significativo de sacerdotes

seculares e frades, em Pernambuco, que viviam nesta capitania e prestavam assistência

religiosa neste território tão extenso e distante da sede da bispado, em Salvador.

Sebastião Galvão nos informa que em Olinda, no ano de 1629, já existia uma numerosa

população,

“(...) sendo constituída por 82 ruas principais. Ela possuía habitações e edifícios

particulares tão suntuosos que até as fechaduras eram de prata. Em todo o Brasil não

havia então nenhum centro populoso mais rico; mas, do mesmo modo que crescera em

opulência, aumentara bastante em desorganização social. Estava dividida em duas

freguesias, possuía um colégio de Jesuítas, um convento de carmelitas, um de

beneditinos, um de franciscanos, um mosteiro de freiras, um hospital de misericórdia

com igreja, os dois templos paroquiais, S. Salvador e S. Pedro Mártir, e mais cinco

capelas filiais. Em seu seio havia 130 padres e frades, [e] um alentado comércio

(...)”.130

129 “A partir de 1654 é realizada a restauração de Pernambuco. Olinda se reedifica aos poucos e goza

outra vez dos foros de capital. Aí residiam os governadores e todas as autoridades. Seus edifícios são reerguidos, seus templos e conventos são reparados e reconstruídos”. VASCONCELLOS, Sebastião Galvão de. Dicionario Chorographico, Historico e Estatistico de Pernambuco, vol. 1 (A-O). Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1908. Pág. 410.

130 Idem. Págs. 409-410.

O

88

Consolidando a importância desta capitania no período anterior à invasão

holandesa, em 1614, foi concedida a autorização para a criação da prelazia de

Pernambuco. Esta ficava independente do bispado da Bahia, mas sendo seu

administrador eclesiástico subordinado ao bispo daquela Sé. A jurisdição desta nova

prelazia estendia -se por todo o norte do Brasil, que abrangia as capitanias de

Pernambuco, Paraíba e Maranhão. A ca pitania de Pernambuco foi escolhida como séde

desta administração tendo-se em vista o seu desenvolvimento econômico, a dificuldade

das visitas para o bispo de Salvador, os costumes do clero já bastante deficientes e a

necessidade de corrigir os inúmeros abusos decorrentes da falta de uma maior vigilância

religiosa.

No entanto essa separação da jurisdição eclesiástica de Pernambuco teve

uma vida curta, sendo encerrada em 1624. Após insistentes pedidos, a pressão exercida

pelo quinto bispo da Bahia, D. Marcos Teixeira, obteve sucesso e o território que tinha

ficado sob a administração da prelazia de Pernambuco voltou a ser anexado ao bispado

da Bahia. A prelazia de Pernambuco teve como único administrador o padre Antônio

Teixeira Cabral, clérigo do hábito de S. Pedro que assumiu em 8 de Fevereiro de 1616.

Na primeira metade do século XVII, nos principais núcleos povoados da

Capitania de Pernambuco, existia um grande número de sacerdotes seculares, nem todos

de atitudes irrepreensíveis, que administravam as paróquias de S. Salvador e S. Pedro de

Olinda, Várzea, S. Lourenço, Muribeca, Santo Antônio do Cabo, Porto Calvo,

Iguarassu, Itamaracá, Serinhaém, Goiana e talvez Ipojuca e Una. As outras igrejas como

a do Hospital da Misericórdia, do Amparo, de Guadalupe em Olinda e até mesmo as

capelas dos engenhos, tinham os seus respectivos capelães. Em paróquias maiores como

a da Várzea, o vigário recebia o auxílio de um padre coadjutor 131.

Contudo, só algum tempo após a expulsão dos holandeses, em 16 de

Novembro de 1676, é que foi erigido o bispado da capitania de Pernambuco. Essa

131 BARATA, Cônego José do Carmo. História Eclesiástica de Pernambuco. Recife: Imprensa Industrial,

1922. Págs. 20-21.

89

elevação ocorreu através da bula Ad Sacram Beati Petri Sedem, expedida pelo papa

Inocêncio XI que, através deste mesmo documento apostólico concedeu à Olinda o foro

de cidade, para que deste modo a mesma pudesse servir de sede para este novo bispado.

Nesta mesma data foi expedida a bula que estabeleceu o bispado do Rio de Janeiro e a

bula que elevou a arcebispado a igreja episcopal da Bahia, com a categoria de primaz e

metropolitano do Brasil.

O novo bispado de Pernambuco abrangia em seu território, pela costa,

desde a foz do rio S. Francisco até Fortaleza, no Ceará. Sobre a totalidade desta

extensão territorial, Pereira da Costa nos dá a seguinte informação:

“A diocese de S. Salvador de Olinda é uma das mais vastas não só no Brasil como de

todo o mundo católico, e outrora foi ainda mais extensa, porque além do território

propriamente pernambucano, que agora a constitui, possui mais os de Alagoas,

Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí, grande número de paróquias situadas na

Bahia, Minas Gerais e Goiás; e com relação ao Ceará cumpre notar, que designando a

bula de criação do bispado de Olinda os seus limites ao Norte até a Fortaleza do

Ceará, isto é a sua atual capital, posteriormente estenderam-se a todo o território da

capitania até os seus extremos do Norte por alvará de D. João V de Portugal, cuja data

se ignora.”132

Para explicar tão grande subordinação administrativa, cumpre informar

que após a expulsão dos holandeses, a capitania de Pernambuco, que dispunha de um

excelente porto natural, ganhou importância e passou a consolidar a sua influência sobre

as capitanias do Nordeste. Por razões de ordem administrativa, a Coroa portuguesa

decidiu hierarquizar as capitanias, classificando as de maior importância como

capitanias gerais, como foi o caso de Pernambuco, e as de menor destaque como

capitanias anexas. E foi neste sistema que ficaram como dependentes de Pernambuco as

capitanias de Itamaracá, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará 133.

132 COSTA, F. A. Pereira da. Anais Pernambucanos, vol 4 (1666-1700) . Prefácio de Evaldo Cabral de

Mello. 2a edição. Recife: FUNDARPE, Diretoria de Assuntos Culturais. Pág. 110. 133 ANDRADE, Manuel Correia de. Op. cit. Pág. 14.

90

Apesar da diocese de Pernambuco ter sido confirmada pelo “Santíssimo”

Papa Inocêncio XI no ano de 1676, como já foi dito anteriormente, Domingos Loreto

Couto informa que apenas em “21 de Maio de 1679, dia em que caiu a festividade do

Espírito Santo, se deu princípio a rezar horas canônicas na Sé de Olinda (...)134”.

O primeiro bispo desta diocese foi D. Estevão Brioso de Figueiredo, que

tendo sido escolhido por D. Pedro II (1683-1706), foi confirmado pelo papa em 16 de

Novembro de 1676. Porém, somente assumiu pessoalmente o governo do novo bispado

em Abril de 1678. Um de seus primeiros atos foi a criação do Cabido da Sé de Olinda,

tendo posteriormente visitado as igrejas desta cidade, das vilas e de povoações vizinhas.

Ele também visitou o Rio Grande do Norte, conseguindo chegar até o Ceará. O governo

de D. Estevão Brioso durou até Novembro de 1683, quando ele retornou à Lisboa,

deixando a administração eclesiástica de Pernambuco entregue ao padre João Duarte do

Sacramento. Quando o Cabido, meses depois exigiu que o padre João Duarte lhe

entregasse o governo da diocese, o mesmo foi confirmado como bispo de Pernambuco.

D. João do Sacramento, no entanto, não chegou a tomar posse do bispado, vindo a

falecer em 10 de Janeiro de 1686.

Seu sucessor, D. Mathias de Figueiredo Mello, foi confirmado pelo papa

Inocêncio XI em 12 de Maio de 1687, mas só tomou posse em 29 de Junho de 1688.

Durante sua administração eclesiástica, D. Mathias, a pedido da Câmara de Olinda,

assumiu o governo civil da capitania de Pernambuco durante o período de 23 de

Setembro de 1688 até 25 de Maio de 1689, quando o entregou à Antônio Luis

Gonçalves da Câmara Coutinho. Desta sua atuação como governador da capitania

podemos destacar um caso, que foi assim descrito por Pereira da Costa:

“Mandando D. Matias afixar editais proibindo que na cidade de Olinda entrasse

pessoa alguma com armas, sucedeu que o coronel Francisco Berenger de Andrada, um

dos homens mais notáveis da terra, não só pela sua família como pela sua fortuna, e

cunhado de João Fernandes Vieira, ou por ignorância ou por imprudência, não

observasse aquela ordem. Mas apesar de todos aqueles predicados não ficou ele sem

134 COUTO, Domingos Loreto. Op. cit. Pág. 187.

91

castigo, porquanto o bispo expediu imediatamente ordem para o prender. Logo, porém,

que o delinqüente teve conhecimento daquela ordem, refugiou -se no Colégio dos

Padres Jesuítas da Cidade, cuja imunidade o protegia; porém o bispo mandou intimar

ao reitor a sua entrega, e não sendo obedecido, mandou imediatamente por o Colégio

em cerco, e efetuou não só a prisão do Coronel Francisco Berenger, como também a

dos padres que se opuseram à sua entrega (...)”.135

Cumpre informar que neste período os infratores pertencentes à

jurisdição eclesiástica eram recolhidos à cadeia pública de Olinda, apesar de ela não ser

um aljube136, que seria o lugar específico para a detenção dos clérigos. Este “arranjo”

no recolhimento dos religiosos, informa-nos uma carta de 16 de Fevereiro de 1686, em

que D. Pedro II (1683-1706) trata com o Ouvidor de Pernambuco de uma petição feita

pelo deão do Cabido de Olinda, “(...) que me representou haver-se concedido ao bispo

Dom Estevão Briozo de Figueiredo que enquanto nessa capitania se não fizesse aljube

para os presos pelo eclesiástico fossem recolhidos nas cadeias públicas (...)”137.

As Constituições de 1707 procuram remediar esta situação estabelecendo

em seu Livro Quatro, no título XV, por quais delitos e aonde deveriam ser presos os

religiosos. Ele determinava que apenas os eclesiásticos que estiverem envolvidos “nos

crimes mais graves e atrozes” sejam presos nos aljubes, estando já condenados ao

degredo perpétuo ou temporário nas galés, ou para Angola e São Tomé. Determina

ainda que os ministros eclesiásticos evitem “prender os clérigos nas cadeias públicas

seculares, que por provisão de S. Majestade servem de aljube neste Arcebispado; e

procuraram que os carcereiros tratem aos que forem presos com boa cortesia (...)”138.

No entanto, vemos, através de uma carta régia expedida pelo Conselho

Ultramarino em 24 de Abril de 1730, que este impasse demorou a ser resolvido. Nela,

D. João V recomenda ao Juiz de Fora da Capitania de Pernambuco, que providenciasse

135 COSTA, F. A. Pereira da. Anais Pernambucanos, vol. 4. Op. cit. Pág. 311. 136 “Cárcere, prisão do bispo”. SILVA, Antônio de Moraes. Dicionário de Língua Portuguesa, vol. I (A-

E). Op. cit. Pág. 90 137 A.H.U., Códice 256, fl. 61. 138 CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA - 1707. Op. cit. Livro Quatro, tít.

XV – “Que os clérigos não sejam presos no aljube senão por casos muito graves”.

92

para que nas cadeias do Recife e Olinda “estejam os clérigos que se mandarem para

elas presos, com toda a decência, pondo-os naquelas casas que serem de prisão às

pessoas mais graves”. O rei de Portugal havia sido informado, por uma petição do bispo

D. Frei José Fialho, dos inconvenientes a que eram submetidos os eclesiásticos

recolhidos às cadeias públicas, “servindo de grande escândalo, e indecência contra o

hábito sacerdotal acharem-se os tais clérigos na companhia de seculares facinorosos,

sendo os mais deles pardos, e negros”139.

Essa situação só foi remediada em 1764, quando o bispo D. Francisco

Xavier Aranha determinou que se construísse em Olinda um edifício destinado ao

recolhimento dos criminosos pertencentes à jurisdição eclesiástica.

Tendo D. Matias de Figueiredo falecido em Junho de 1694, foi sucedido

por D. Frei Francisco de Lima, carmelita que chegou à capitania de Pernambuco em

Fevereiro de 1696. Durante toda a sua administração este bispo empregava todos os

seus rendimentos no recolhimento dos índios para as 30 missões que então existiam

nesta diocese 140. Ele mesmo, apesar de já ter então mais de 70 anos de idade, realizou

visitas pastorais em várias freguesias e aldeias, tendo em uma delas chegado até o Piauí,

onde criou a freguesia de Oeiras em 1696.

Com o falecimento de D. Francisco de Lima em 1704, teve início no

bispado de Pernambuco um longo período de vacância, pois seu sucessor, D. Manoel

Álvares da Costa, só tomou posse desta diocese em Fevereiro de 1710. Foi durante a

administração eclesiástica deste bispo que eclodiu o conflito que normalmente é

denominado pela historiografia de “Guerra dos Mascates”, ocorrida entre os moradores

de Olinda e Recife. Foi durante essa contenda que um bispo novamente assumiu o

governo da capitania no período de Novembro de 1710 até Outubro de 1711, quando o

entregou à Félix Machado de Mendonça.

139 Livro 13o de Ordens Régios (1726-1733), fl. 48v / 49v. 140 BARATA, Cônego José do Carmo.Op. cit. Pág. 50.

93

O sucessor de D. Manoel Álvares da Costa foi D. José Fialho, que

chegou à Pernambuco em Novembro de 1725. Para Domingos Loreto Couto, esse bispo

“(...) na missão e visita que fez penetrando pelo sertão imensas léguas, empresa sempre

difícil pela distância das terras, fragosidade dos caminhos e dificuldade de muitos

incômodos, por todas cortou o incansável, e animoso zelo deste prelado, por dar com a

sua presença consolação as suas ovelhas, e para lhes dar pasto da sua doutrina não só

por meio da visita, com que reforma costumes, mas pelas fervorosas missões, que fazia

nas igrejas que visitava (...)”.141

Este bispo administrou a diocese de Pernambuco até Fevereiro de 1739,

quando foi transferido para o arcebispado da Bahia. Após alguns meses de vacância, o

governo do bispado de Pernambuco foi entregue a D. Frei Luís de Santa Teresa,

carmelita que chegou a esta capitania em 24 de Julho de 1739. Excepcionalmente deste

bispo podemos resgatar algumas informações de sua viagem de Lisboa à Pernambuco.

Em uma carta remetida para sua mãe, em que descreve esta atribulada jornada,

destacamos o seguinte trecho, que achamos mais contundente no que diz respeito as

dificuldades que neste período enfrentavam os que se propunham vir para o Brasil:

“(...) Foram crescendo as doenças em a gente da nau de sorte que de sessenta os

cinqüenta estavam doentes e não havia gente para o serviço da nau, e era em nós

grande o medo de que se levantasse algum temporal por que não havendo quem

trabalhasse certamente nos iríamos a pique. Como esses homens tem tão pouca

caridade uns com os outros estavam os doentes desamparados e iam morrendo. A nossa

família trazia sete Sacerdotes dos quais quatro são religiosos e movidos da sua

caridade tomarão por sua conta servir aos enfermos Corporal e espiritualmente e

trabalharão tanto e com tanto fervor que expuseram as vidas e todos as tivemos em

grande perigo (...) Além disto usam os marítimos defumar os navios quando há doenças

com alcatrão, e era tanto o fumo que faziam com umas velas que levavam cheias de

alcatrão que se afogava agente e desfalecia a cabeça, e como ali se não podia andar em

pe por que se andava por cima de arcas e fardos e estas cobertas são muito baixas aqui

141 COUTO, Domingos Loreto. Op. cit. Pág. 196.

94

e ali pegavam os hábitos e doíam as costas muito e os calçados que tem hábitos mais

finos andavam todos rotos e os traziam em tiras (...)”142

Esta conturbada travessia do Atlântico, ainda explicaria o constante não

cumprimento da visita ad limina , que eram os bispos obrigados a fazerem à Cúria

Romana pelo menos uma vez durante sua administração eclesiástica. Sobre o decorrer

desta viagem, ainda salientamos o seguinte trecho:

“(...) foram morrendo vários nossos da nau e eram tirados de rastos por cima dos

outros enfermos para os amortalhar, amortalhados os levávamos sobre uma tábua ao

convés do navio aonde os púnhamos, e lhe rezávamos seus responsos e lhe cantávamos

a sua encomendação d’alma e os lançávamos ao mar, mas o que causava horror era

ver a nau cercada de tubarões que são uns animais que comem gente e parecem

dragões do mar, e apenas caía o defunto com seu peso aos pés para se ir ao fundo iam

sobre ele como uns raios para o devorar (...)”.143

Deste bispo também destacamos que, quando da sua chegada ao Recife,

tendo sido recebido pelos “prelados das Religiões e várias pessoas da primeira nobreza

desta terra”, encontrou a Sé de Olinda em precário estado de organização. É o que nos

informa uma carta de 13 de Dezembro de 1739, em que D. Frei Luís de Santa Teresa

informa ao rei de Portugal, D. João V (1706-1750), que “devo a Vossa Majestade dar-

lhe conta de todos os particulares deste bispado, e agora o faço especialmente pelo que

toca a esta Sé. Enquanto ao formal e material, se acha em um estado deplorável, por

não haver quem faça as funções nem se saberem as cerimônias”. Comunica ainda que o

Cabido desta catedral estava totalmente desprovido de religiosos, encontrando apenas

nela “o tesoureiro mor que tem oitenta anos, trêmulo e cego” e que as demais

dignidades estavam ausentes pois “o arcediago e [o] chantre foram-se para a Bahia

com o meu antecessor (...), o mestre escola anda fugitivo, e criminoso, os demais

tomam os seus estatutos, e desamparam a Sé”.144

142 Carta de D. Frei Luis de Santa Teresa, em que descreve sua viagem de Lisboa à Pernambuco, ao qual

chegou em 24 de Julho de 1739. 143 Idem. 144 A.H.U., Maço 64, PE, d. o.

95

Podemos afirmar que na segunda metade do século XVIII, a diocese de

Pernambuco era formada por três cidades: Olinda, Paraíba e Natal. Para o Cônego José

do Carmo Barata, o bispado, no que diz respeito à sua administração, era “dividido em

três comarcas eclesiásticas: Olinda, Manga e Ceará ”, sendo suas paróquias distribuídas

em quatro regiões. As regiões existentes ao Norte de Olinda eram compostas por 24

paróquias e curatos, em todos as matrizes eram sustentadas com poucos rendimentos,

sendo construídas em taipa “e pouco dotadas das alfaias145 necessárias, tendo além das

matrizes 240 capelas ou oratórios filiais para a administração dos sacramentos”. Já as

regiões localizadas ao Sul da diocese eram compostas por 19 paróquias e 4 curatos

“com 232 capelas filiais”146.

Em 1757, Domingos Loreto Couto nos informa sobre a divisão da

administração eclesiástica do bispado de Pernambuco neste período:

“Das Freguesias umas tem vigários colados, confirmados por El Rei, outras curas

anuais, todas tem coadjutores, sacristãos, e mestre de música. A freguesia do Recife

tem vigário confirmado que assiste da parte do Recife, dois administradores dos

sacramentos, um sacristão, e um sota sacristão, um prioste, um clér igo do Bangüê, que

acompanha à sepultura os pretos defuntos, que não são Irmãos do Rosário, e um mestre

de capela. Da parte de S. Antônio assiste um coadjutor que é confirmado por El Rei,

dois administradores, e um sacristão. Rende esta freguesia para o seu vigário mais de

cinco mil cruzados. A freguesia da Manga tem vários administradores de sacramento, e

para o vigário rende mais de doze mil cruzados147. A da cidade da Paraíba tem dois

administradores , coadjutor, sacristão e mestre de música, e rende mais de três mil

cruzados; e o mesmo rendimento tem a freguesia de Goiana. (...)Todos os engenhos tem

capelães, que por pensão, que lhe fazem seus donos, e lavradores de canas, são

obrigados a dizer missa em Domingos e dias de preceito para a ouvirem os moradores

do lugar (...)”.148

145 “Objetos e paramentos utilizados em cerimônias e cultos litúrgicos da Igreja Católica. O termo pode

ser empregado tanto no singular quanto no plural. É costume dizer-se alfaias sagradas e, genericamente, ornamentos”. TRINDADE, José da Santíssima, Dom Frei. Op. cit. Pág. 393 (Glossário de Termos).

146 BARATA, Cônego José do Carmo. Op. Cit. Págs. 54-55. 147 A razão de tão grande diferença nos rendimentos do vigário da Manga para os vigárias das outra

freguesias, talvez seja as minas de ouro descobertas nesta região em 1744, “que atraíram uma multidão de gente calculada em quinze mil pessoas”. Citado em BARATA, Cônego José do Carmo. Op. cit. Pág. 55.

148 COUTO, Domingos Loreto. Op. cit. Pág. 188.

96

Neste momento a cidade de Olinda era composta por 3272 habitantes,

que moravam em quase 1000 casas “entre as quais se vêem muitas de boa

arquiteturas”, sendo estes assistidos espiritualmente por 45 sacerdotes seculares e, nos

conventos, por 146 religiosos149. No que se refere a Recife o cônego José do Carmo

Barata informa que “no convento de S. Francisco do Recife residiam regularmente 50

franciscanos, no do Carmo da mesma cidade 45 carmelitas e no da Madre de Deus

mais de 50 sacerdotes” 150.

Sobre os templos das ordens religiosas existentes na época em que

Domingos Loreto Couto escreveu suas crônicas (1757), lê -se:

“(...) tem este bispado dois mosteiros e quatro hospícios de S. Bento, oito conventos de

S. Francisco, um de religiosos barbadinhos italianos, e um hospícios dos esmoles de

Jerusalém. Quatro conventos, e cinco hospícios de carmelitas reformados. Dois

conventos, e dois hospícios de carmelitas observantes, e um convento, e um hospício de

carmelitas descalços. Tem quatro colégios, dois seminários, e um hospício dos padres

jesuítas. Um convento e um hospício dos padres congregados de S. Felipe Néri. Quatro

recolhimentos de donzelas, e mulheres honestas, que vivem em clausura como

religiosas em seus claustros (...)”.151

OS CONTATOS SOCIAIS DO CLERO DENTRO DOS NÚCLEOS URBANOS

COLONIAIS DA CAPITANIA DE PERNAMBUCO

O padre, no que diz respeito ao seu papel social, ficava em meio às

pressões institucionais da Igreja e do Estado português para cumprir as suas funções e

satisfazer as necessidades físicas e afetivas da sua vida cotidiana. Isso talvez explique os

inúmeros conflitos que existiam entre os párocos e os fiéis de uma freguesia por causa

do desmazelo da paróquia ou por abuso de autoridade. Ilustrando essa participação do

149 Idem. Pág. 147. 150 BARATA, José do Carmo. Op. cit. Pág. 57. 151 COUTO, Domingos Loreto. Op. cit. Pág. 188.

97

padre na vida dos fiéis, uma carta do Conselho Ultramarino de 13 de Maio de 1709

informava ao Bispo de Pernambuco, D. Manoel Álvares da Costa, que

“(...) na vila de Goiana, há um convento de religiosos do Carmo com o título de

Reforma em que assistem só três sacerdotes, e que devendo ser como pais espirituais,

conselheiros para o bem e fazem santo pelo contrário, que são causa de haver naqueles

povos as maiores discórdias, inquietações e inimizades (...) que induzidos alguns

particulares pelo religioso Frei Miguel da Assunção, seu conselheiro e amigo,

intentaram com escândalo público, impedir os oficiais da Câmara, que saíam em

Janeiro do dito ano, pondo-se em tal alvoroço aquela Vila, divididas as parcialidades

em bandos que foi preciso ao Governador dessa Capitania mandar infantaria para por

aquele povo em quietação (...)”.152

Da administração eclesiástica, nas diversas capitanias que compunham o

Brasil colonial, sobressaíam mais intensamente os traços que tinham a ver com a

devassidão moral do clero, apesar das tardias resoluções das Constituições Primeiras de

1707. Para Ronaldo Vainfas, no Brasil, “a formação de um ‘clero profissional’ parece

ter malogrado desde o início, o que somado à fragilidade da estrutura eclesiástica

colonial, muito comprometeu a eficácia das resoluções tridentinas”153. Sendo assim,

não foram raros, entre os clérigos, os casos de homossexualismo, de excesso no trajar-

se, de corrupção, de sedução de mulheres, todos esses, além do mais freqüente dos

delitos em que se envolviam os padres: o concubinato. Esse costume era tão público e

generalizado que Vilhena, no final do século XVIII, observava em Salvador que

“(...) há eclesiásticos, e não são poucos, que por aquele antigo e mau hábito, sem

lembrarem-se do seu estado e caráter, vivem assim em desordem com mulatas e negras

de quem por morte deixam os filhos por herdeiros de seus bens; e por estes e

semelhantes modos vêm a parar nas mãos de mulatos presunçosos, soberbos e vadios

muitas das mais preciosas propriedades do Brasil, como são aqui os engenhos, que em

breve tempo se destroem com gravíssimo prejuízo do Estado (...)”.154

152 A.H.U., Códice 257, fl. 242 / 242v. 153 VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos Pecados . Op. cit. Pág. 40. 154 VILHENA, Luís dos Santos. A Bahia no Século XVIII (Vol. 1) . Salvador: Itapuã, 1969. Pág. 136-137.

98

Tollenare, da mesma forma, em princípios do século XIX, nos fornece o

seguinte quadro dos religiosos pernambucanos: “Na maioria estes frades ricos e os

cônegos pouco observam o voto de castidade, tem mulheres e filhos naturais, o que

provoca pouco escândalo; mas, coisas surpreendente: chegam a faze-los legítimos a

fim de lhes conseguir a entrada nas ordens”155.

Quase que inteiramente abandonados a sua própria sorte e situação, em

imensas paróquias, obrigados a um isolamentos asfixiante, que os privava de qualquer

convivência com outros sacerdotes e até de qualquer assistência na hora da morte, esses

padres eram recrutados muitas vezes entre pessoas sem vocação nem condições pa ra o

sacerdócio. Eles “abraçavam” o sacerdócio sem maiores exames ou cuidados, sem

terem recebido uma preparação adequada para o exercício de uma missão, sem dúvida

muito difícil, tendo que suportar grandes dificuldades por força das reduzidas e

atrasadas côngruas fornecidas pela Coroa portuguesa, para a sua sustentação material.

Eram ainda atraídos pelas fáceis promessas da política para a qual eram aliciados, talvez

devido ao seu preparo intelectual, da sua condição de “funcionários públicos” 156 e da

própria influência eclesiástica, dentro da sociedade colonial viviam mergulhados nos

afazeres profanos dos trabalhos da agricultura ou da criação de gados, dos quais já

tratamos anteriormente, com que poderiam vencer as dificuldades econômicas advindas

com o Padroado régio, como era o caso das ordens regulares.

Assim é que estava formado o quadro de deplorável decadência a que

estava reduzido o clero no Brasil, tendo perdurado por todo período colonial e

alcançado o Império, naturalmente com as exceções de praxe. Numa carta régia de 18

de Março de 1693, D. Pedro II (1683-1706), exemplificando a desarmonia existente

dentro dos conventos, informa que “nos conventos da ordem de Santo Antônio dessa

Capitania há umas inquietações e perturbações que alteram aquela paz, e quietação

com que os religiosos devem viver nas clausuras dos seus conventos, dando exemplo

155 TOLLENARE, L. F. Notas Dominicais . Recife: Secretaria de Educação e Cultura, 1978. Pág. 94. 156 AZZI, Riolando. “A instituição eclesiástica durante a primeira época colonial”. Op. cit. Pág. 183.

99

aos povos, e não escândalo”157. Ainda a respeito dos costumes e da vida dos clérigos do

bispado de Olinda, informa -nos o bispo D. Frei Luiz de Santa Teresa na primeira

metade do século XVIII, que “basta dizer que idôneos e probos, como convém são

pouquíssimos (...). São antes um peso do que uma ajuda”158.

Ainda encontramos referências sobre esta desabonadora atitude dos

clérigos em Pernambuco, numa carta do Conselho Ultramarino, de 20 de Julho de 1711,

que informa a resposta dada pelo então Governador de Pernambuco, Sebastião de

Castro e Caldas, a uma ordem de D. João V (1706-1750) que “em carta de 28 de

Janeiro de 1710 [ordenava] que informasse com todo o segredo do procedimento das

religiões que tinham conventos naquela Capitania”. O Governador de Pernambuco

então respondeu que

“(...) lhe parecia conveniente para remédio da dissolução escandalosa com que vivem

os frades do Brasil em grande desserviço de Deus, e de Vossa Majestade (...) [em que

este] mandasse escrever aos provinciais de São Bento e São Francisco do Brasil,

estranhando-lhes o mal procedimento, e dissolução dos seus súditos, e o grande

escândalos que causam com as suas vidas e costumes (...). E que ao de São Francisco

se devia acrescentar que mande recolher para o Convento da Bahia ao Padre Frei

Cosme (...) e faça logo cessar o escândalo que ele causa em ser público criador, e

puador (sic) de cavalos, e negociador na compra e venda deles (...)”.159

Esta primeira metade do século XVIII, foi profundamente marcada por

uma fase de expansão das ordens religiosas já estabelecidas no Brasil e de aumento de

seu poder econômico. Em sua maior parte, estas ordens já possuíam província própria e

já tinham estabelec ido suas casas e conventos nos principais centros populosos da

colônia. No entanto, a partir da segunda metade deste século, a vida religiosa entra

numa fase de crise progressiva, tendo Eduardo Hoornaert detectado “entre as causas

157 Livro 5o I de Ordens Régias (1693-1701), fl. 193. 158 ASSIS, Virgínia Maria Almoêdo de. “Clero e Coroa na Capitania de Pernambuco”. Op. cit. Pág. 150. 159 A.H.U., Códice 265, fl. 258v / 259v.

100

dessa crise da vida relig iosa a própria decadência do espírito religioso dos monges e

frades”160.

As próprias Constituições Primeiras de 1707 nos confirmam esse quadro,

não “fechando os olhos” para a real situação do clero colonial, quando regulamenta no

título XI, de seu Livro Primeiro que

“(...) por se evitarem alguns inconvenientes, mandamos, que constando de certo e

pública notícia, sem proceder inquirição alguma, ser a criança que se quer batizar,

filha de clérigo de Ordens Sacras, ou beneficiados, não se batize na pia da Igreja aonde

seus pais forem vigários, coadjutores, curas, capelães, ou fregueses, mas seja batizada

na da freguesia mais vizinha (não sendo porém a distância de mais de uma légua do

lugar, em que a criança nascer) sem pompa, nem acompanhamento mais, que o dos

padrinhos (...)”.161

E essa decadência assumia vários aspectos. Dentre estes podemos incluir

a procura de bem-estar e comodismo por parte dos religiosos, chegando até a certa

ostentação nos conventos, existindo um relaxamento da disciplina eclesiástica, um

mundanismo, ou fuga para a vida em sociedade, com privilégios e exceções à vida

regular.

Ainda na segunda metade do século XVII, a respeito dessa atitude, é de

se destacar um fato acontecido no momento da prisão do Mestre de Campo do Terço de

Henrique Dias, Antônio Gonçalves Caldeira, “culpado na morte de um capitão preto do

mesmo Terço” e informado por uma carta do Conselho Ultramarino, de 29 de Julho de

1669. Tendo ele, após a prisão, sido encaminhado para a Vila de Olinda “com muitos

sossego e quietação”, quando

“(...) passaram por junto do Mosteiro de Frades Bentos, donde saíram eles de mão

armada, dando e espancando aos oficiais que [o] traziam, e quebrando um braço a um

160 AZZI, Riolando. “A instituição eclesiástica durante a primeira época colonial”. Op. cit. Pág. 222. 161 CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA – 1707. Op. cit. Livro Primeiro,

tít. XI – “Em que tempo, porque pessoas e em que lugar se deve administrar o sacramento de batismo”.

101

capitão, a que acudiu muita gente dos moradores, com que o dito Mestre de Campo

teve lugar de puxar pela espada, tratando de acutilar, e ferir a todos, que obrigados a

todos a defesa, puxaram esse também das suas, e entre tantas recebeu o dito Mestre de

Campo duas feridas, das quais morreu dentro de sete horas, sendo a culpa desta

desgraça os ditos frades bentos, que com tanta dissolução, e descompostura saíram a

rua a quererem tirar o preso (...)”162

No intuito de reprimir esse quadro do clero colonial, foram promulgadas

as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, conforme já dissemos. Nenhum

tipo de delito ou má ação, por parte dos clérigos, parece ter ficado fora de tão amplo

código eclesiástico Nada ficou em entrelinhas, ou em meias-palavras. Os bispos que

ajudaram em sua elaboração pareciam conhecer bem as atitudes de seus sacerdotes,

tendo sido exposto todo tipo de crime ou violação. Essas Constituições, organizadas em

um sínodo diocesano realizado em 1707, em Salvador, tiveram força de lei em todo o

Brasil até a República, expunham uma enorme relação de delitos e sua devida

repreensão, o que denota o diagnóstico de uma situação posta.

Alguns dos delitos que dizem respeito às atitudes do clero e que estão

descritos em vários títulos do seu Livro Terceiro, são assim regulamentados: “proibimos

estreitamente a cada um dos clérigos de nosso Arcebispado, que em nenhuma parte,

nem ainda de caminho tragam pistoletes, pistolas ou bacamartes, nem outra alguma

arma de fogo (...) e será preso, suspenso e degredado ao menos por dois anos para fora

do Arcebispado”163; “que nenhum clérigo ande de noite nesta cidade, e mais vilas, e

lugares deste Arcebispado, onde se correr o sino, depois dele acabado de correr, posto

que seja em hábito clerical; (...) e condenado pela primeira vez em trezentos réis para o

meirinho, e pela segunda me dobro, e não pagando serão presos”164; “proibimos aos

clérigos de ordens sacras de qualquer grau ou condição que sejam, entrar em danças,

bailes, entremezes, comédias ou semelhantes festas públicas de pé ou de cavalo, ou

162 A.H.U., Caixa 5, PE, fl. 248. 163 CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA - 1707. Op. cit. Livro Terceiro,

tít. IV – “Como os clérigos não p odem trazer armas, e que penas haverão se as trouxerem”. 164 Idem, tít. V – “Como os clérigos não podem andar de noite, e por quem poderão ser presos”.

102

andarem mascarados”165; “ordenamos e mandamos que nenhum clérigo de Ordens

Sacras jogue dados, cartas, ou outro algum jogo de parar (...) será preso, e castigado

com mais rigor, conforme merecer a continuação da culpa”166.

Contudo, através de uma correspondência de 21 de Agosto de 1732 do

Conselho Ultramarino para o bispo da capitania de Pernambuco, período posterior a

promulgação destas Constituições, tomamos contato com um delito não regulamentado

por elas. Segundo informa a carta, um clérigo na Paraíba,“o padre Inácio Pereira de

Azevedo” estava envolvido em questões administrativas e “inquietara aquela capitania

intrometendo-se em pelouros de vereadores, e perturbando a paz pública” 167, sendo

com isso afastado daquela jurisdição.

Os períodos em que o bispado ficava vago, antecedentes à posse de um

novo bispo, geralmente eram acompanhados de grande agitação, estando a diocese

entregue ao cabido da Sé de Olinda. Um exemplo disso é o período de 10 anos existente

entre a dispensa de D. Manuel Álvares da Costa e a posse de D. José Fialho, que

afirmou em uma carta pastoral, datada de 19 de Fevereiro de 1726 que “por nos constar

com evidência, estarem ordenados nesta nossa diocese, muitos sujeitos totalmente

iletrados e contra as disposições do Sagrado Concílio Tridentino... havemos por

suspensos a todos de Ordens Sacras que as receberam desde o princípio do ano de mil

setecentos e dezoito até o presente”168.

Para Evaldo Cabral de Mello, “as irregularidades foram tamanhas,

especialmente no período 1715-25, que ao tomar posse do bispado, D. José Fialho

chamou a si os processos de habilitação feitos nos dez anos anteriores; para preservar

as aparências, pretextou-se que o bispo fora informado de que alguns habilitados não

165 Idem, tít. VII – “Como os clérigos não podem entrar em comédias, ou danças, nem festas de cavalos,

nem disfarçar-se com máscaras”. 166 Idem, tít. VIII – “Como os clérigos não devem jogar jogos proibidos, nem dar casa de jogo”. 167 A.H.U., Códice 260, fl. 69. 168 NOGUEIRA, Mons. Severino Leite. O Seminário de Olinda e o seu Fundador o Bispo Azeredo

Coutinho. Prefácio de José Antônio Gonsalves de Mello. Recife: FUNDARPE, 1985. Pág. 53.

103

tinham a idade canônica169 para a ordenação”170 . Este mesmo bispo, segundo Gilberto

Freyre, durante seu governo eclesiástico, fez a seguinte recomendação aos reverendos

párocos de Pernambuco: “que não tivessem escravas em casa de menos de quarenta

anos”171.

Do período de vacância citado ainda encontramos uma carta de 14 de

Outubro de 1722 em que D. João V (1706-1750), através do Conselho Ultramarino, faz

o seguinte relato ao Cabido da Sé de Olinda:

“(...) que eu sou informado que na capitania de Itamaracá é morador há muitos anos

um clérigo a que chamam Augusto Álvares Spinella, o qual devendo tratar das

obrigações que lhe cometem conforme o seu estilo, abusa de todos ocupando-se todo

em procurar ruínas, e discórdias naquele povo sendo este sacerdote tão escandaloso

nos seus costumes que não há morador que deixe de viver dele ofendido (...) portando-

se tão dissolutamente que levando para sua casa e companhia duas sobrinhas filhas de

uma sua irmã legítima com o pretexto de as doutrinar deflorou uma sendo tão pública

esta infâmia que provocou ao pai dela a denunciar deste crime perante o vigário geral

em que não teve castigo, nem se processou, nem outras mais denunciações que deram

contra o mesmo clérigo seu irmão João Álvares Spinella, e Lourenço da Silva e Mello

(...)”.172

No século XVI, padres e frades das mais diversas ordens em grande

número se “amancebaram” com índias e negras, à exceção dos jesuítas, “donzelões

intransigentes”173, segundo afirma Gilberto Freyre. Contudo, apesar de não estarem

envolvidos em delitos de natureza sexual, os jesuítas, segundo Pereira da Costa,

estiveram ligados ao comércio colonial. Ele afirma que “os padres da Companhia de

Jesus eram comerciantes, e em grande escala, avultam as notícias a respeito”, tendo

169 As Constituições de 1707 regulamentavam que as idades para receber as ordens sacras estavam assim

delimitadas: para subdiácono, 22; diácono, 23; presbítero, 25 anos. CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA – 1707. Op. cit. Livro Primeiro, tít. LI – “Das ordens de subdiácono, diácono e presbítero”.

170 MELLO, Evaldo Cabral de. O Nome e o Sangue. Uma fraude genealógica no Pernambuco colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. Pág. 53

171 FREYRE, Gilberto. Op. cit. Pág. 442. 172 A.H.U., Códice 258, fl. 277v. 173 FREYRE, Gilberto. Op. cit. Pág. 443.

104

analisado, além de vários documentos, o seguinte trecho de um poema de Basílio da

Gama, escrito em 1769: “os jesuítas no Brasil tinham uma fragata magnífica, em que o

provincial saía todos os anos a título de visitar a Província: porém na realidade era a

que fazia a maior parte do comércio, que aqueles portos tem entre si (...)” 174.

O comportamento de clérigos em Pernambuco e na Bahia escandalizaram

o padre Manuel da Nóbrega. Através dos séculos XVII e XVIII, os sacerdotes

continuaram com o “livre arregaçar” de batinas para o desempenho de funções quase

patriarcais, quando não para excessos de libertinagem com negras e mulatas. Um

cronista, referindo-se ao século XVIII, faz a seguinte referência aos conventos

coloniais: “centros (...) de ignorância, atrevimento, e libertinagem de costumes”175.

Nas Constituições Primeiras da Bahia, o título XII, do Livro Terceiro,

procurava reprimir estes abusos recomendando que os clérigos deviam “fugir das

companhias, vistas e práticas com mulheres, de que pode haver ruim suspeita, assim

porque não dêem ocasião ao demônio, que sempre vigia para os fazer cair, como

também por evitarem toda a ocasião de escândalo nesta matéria”. Neste título então

estava estabelecido que

“(...) nenhum clérigo de Ordens Sacras de qualquer qualidade, ou condição que seja,

tenha das portas adentro, ou se sirva de mulher alguma, de que possa haver suspeita,

ou perigo ainda que seja escrava sua. E as amas que tiverem para seu serviço serão ao

menos de idade de cinqüenta anos, de tal vida, e costumes de que não possa haver ruim

suspeita (...)”.176

Tratando de outros tipos de delitos em que estavam envolvidos os

c lérigos coloniais, uma cópia de uma carta do bispo D. Frei Luiz de Santa Teresa ao rei

de Portugal, de 14 de Fevereiro de 1743, anexada a uma ordem régia de 14 de

Dezembro deste mesmo ano, tratando da prisão do padre Domingos de Souza, dá conta

174 COSTA, F. A. Pereira. Anais Pernambucanos, vol. 4 (1666-1700) . Op. cit. Págs. 72-74. 175 Citado em FREYRE, Gilberto. Op. cit. Pág. 443. 176 CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA- 1707. Op. cit Livro Terceiro, tít.

XII – “Em que se ordena que os clérigos não possam ter de portas adentro mulheres, em que possa haver suspeita, nem freqüentar a mosteiros de freiras”.

105

a D. João V (1706-1750), “que se acha neste bispado [de Pernambuco] um clérigo

homem pardo e de tão depravados costumes”. Este clérigo, Domingos de Souza, tendo

sido ordenado pelo Cabido de Olinda no tempo de vacância deste bispado,

“(...) foi culpado em vários crimes e no de tirar por meio de um assassino a vida de um

honrado senhor de engenho chamado Mathias Ferreira, de tudo se desembaraçou e se

retirou finalmente para a Manga, jurisdição deste bispado, envolto em crimes, digo

deste bispado distante desta cidade de Olinda 400 léguas. Ali viveu envolto em crimes

acolhendo negros fugitivos a seus senhores, vexando o povo com demandas injustas,

indiciando gravemente de tirar a vida a várias pessoas que juram algumas testemunhas

mandou matar (...)”. 177

Em outra ordem régia, de 14 de Agosto de 1742, D. João deliberou que

“vendo-se o que me escreveu o capitão mor da Paraíba (...) sobre o procedimento do

padre D. Mathias da Glória, e do vigário Antônio da Silva e Mello, representando ser

conveniente aparta-los daquela capitania”. Sobre o padre D. Mathias, o capitão mor da

Paraíba afirmou que a relaxação de seus costumes tinha por causa “a liberdade da

consciência, a vida sensual de ocasião próxima de muitas armas e o mal hábito que

criou de não estar em clausura, [que] o faz assistir destas partes em má fé e andar

metido em arrendamentos de engenhos”178.

Neste período, a formação teológica dos clérigos ainda era bastante

limitada. Mesmo os que tinham condições de adquirir uma formação mais cuidadosa

nos colégios jesuítas, nã o tinham a oportunidade de posteriormente se atualizar. Essa

falta de atualização acontecia devido às distâncias existentes nos territórios coloniais e à

dificuldade de se conseguir qualquer tipo de literatura que aprimorasse educação

eclesiástica dos sacerdotes que viviam principalmente no interior. No sertão, era grande

177 Livro 16o. de Ordens Régias (1742-1684), fl. 180 / 186v. 178 Livro 16o. de Ordens Régias (1742-1684), fl. 44v / 49v.

106

o número de clérigos que sabiam apenas o essencial para a administração dos

sacramentos. Muitos viviam alheios a qualquer aprimoração de seu conhecimento

religioso, conservando apenas o pouco que haviam aprendido na época da recepção das

ordens sacras.

Em Pernambuco, o Colégio dos Jesuítas de Olinda começou a funcionar

com uma escola para meninos e uma turma de latim na década de 1560. No entanto, o

colégio propriamente dito foi oficialmente fundado em 1576, onde “a classe de latim

era freqüentada (...) por 12 estudantes e a escola de ler e escrever por uns 40 rapazes,

filhos de portugueses”179 . Após a expulsão dos holandeses (1654), os jesuítas fundaram

também um colégio no Recife, ocupando um templo calvinista abandonado180.

O seminário episcopal de Pernambuco só teve seus estudos iniciados em

16 de Fevereiro de 1800, pelo bispo D. José Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho.

Ele foi estabelecido no antigo colégio dos jesuítas de Olinda, que ficou abandonado até

1796, quando o prédio e todos os seus pertences foram doados, por ordem do Príncipe

Regente de Portugal, D. João, ao então bispo de Pernambuco, Azeredo Coutinho. Era

intenção deste que funcionasse em Olinda um “colégio para se instruir a mocidade da

nossa diocese no conhecimento das verdades da religião, na prática dos bons costumes,

e nos estudos das artes e ciências, que necessárias para polir o homem e fazer

ministros dignos de servirem à Igreja, e ao Estado”181.

Alguns estrangeiros que estiveram em Pernambuco no começo do século

XIX, deixaram-nos alguns testemunhos sobre a vida e os costumes do clero colonial.

Suas opiniões, ainda que possam estar revestidas de uma mentalidade européia, são

bastantes significativas tendo-se em vista a convivência que eles tiveram com padres e

frades de Olinda e Recife e o seu posicionamento de leigo dentro da sociedade

pernambucana. Um destes estrangeiros foi L. F. de Tollenare, já citado anteriormente, o

179 BARATA, José do Carmo. Op. cit. Pág. 9-10. 180 Idem. Pág. 40-41. 181 Citado em NOGUEIRA, Severino Leite. Op. cit. Pág 4.

107

qual esteve em Pernambuco em 1816. Tratando da importância adquirida pela

administração eclesiástica na sociedade, ao longo de todo o período colonial, ele afirma:

“(...) por mais extensa que seja a autoridade do governador, ela não pode atingir o

menor dos clérigos. Em país em que se abraça o estudo eclesiástico mais

freqüentemente por conveniência de família, ou por interesse, do que por piedade, não

é raro deparar-se com ministros do altar que desonram o seu caráter religioso pela sua

má conduta e mesmo ás vezes por crimes; o governador, entretanto nada pode contra

eles; queixa -se ao bispo que, de ordinário, não inflige outro castigo além de algumas

lições de breviário, ou, nos casos muito graves, da interdição da missa durante algumas

semanas.”182

Quanto ao número e caráter de alguns frades que residiam em

Pernambuco neste período, ele nos apresenta o seguinte relato: “a maior parte é da

ordem de S. Francisco (...). Só os ricos beneditinos e os carmelitas regulares não

mendicante, são excetuados [de viverem das esmolas dos fiéis]; possuem bons

engenhos que administram com muita docilidade e moderação”. Com relação aos

engenhos que possuíam os religiosos, Gilberto Freyre afirma que

“(...) os frades da Ordem a que pertenceu Dom Domingos [Loreto Couto], a de São

Bento, e também do Carmo, foram no Brasil grandes proprietários de terras e de

escravos. Frades senhores de engenho. Os de São Bento tratando muito bem os seus

negros (...). Os do Carmo parece que nem sempre primavam pelo bom tratamento

dispensado aos escravos; um deles, na Bahia, acabou assassinado de modo bárbaro:

cortado em pedacinhos pelos negros (...)”.183

Sobre o envolvimento das ordens religiosas nos conflitos da década de

1710, que trataremos posteriormente, uma carta do Conselho Ultramarino, de 13 de

Setembro de 1715, para o abade dos religiosos do Convento de São Bento de Olinda,

informa-nos que “muitos religiosos nos púlpitos dão motivo com as suas palavras a que

os revoltosos se animem a sublevações e tumultos: e porque este dano se deve (obviar)

182 TOLLENARE, L. F. de. Op. cit. Pág. 93. 183 FREYRE, Gilberto. Op. cit. Págs. 439-440.

108

moderando-se os pregadores e emendando-se de falar nas matérias do governo, e em

qualquer que toque nos tumultos passados”184. À margem deste documento está escrito

que esta mesma ordem deve ser passada ao prior do Convento do Carmo de Olinda, ao

guardião dos religiosos de Santo Antônio do Convento de Olinda e ao reitor dos

religiosos da Companhia de Jesus do Colégio de Olinda.

Nos conventos das ordens também era comum se refugiarem pessoas que

cometiam algum delito. Esse costume existia já em Portugal desde fins da Idade Média,

onde certos cr iminosos indesejáveis podiam se abrigar, ou se homiziar, em certos

lugares legalmente reservados para essa prática, e que eram chamados de coitos ou

homizios. Para Geraldo Pieroni,

“(...) os coutos (sic) e as honras eram terras que gozavam de imunidade, o rei isentava

a cobrança dos impostos nesses territórios. Não sendo necessário fazer prevalecer os

direitos reais nessas terras, os agentes do reino não podiam entrar nelas, pois o

‘intróito’ lhes era proibido. Os coutos, na realidade, eram territórios delimitados por

marcos e padrões também chamados coutos, dentre os quais os mais importantes eram

os asilos eclesiásticos provenientes de doações reais (...)”.185

No Brasil, não existindo esses territórios delimitados, os conventos

absorveram essa prática como nos informa uma carta régia de 27 de Agosto de 1742,

em que D. João V ordena que se dê uma busca no Convento da Madre de Deus no

Recife, para extrair um mineiro que assassinou sua mulher a facadas, e que nele se

refugiou, e informa: “proíbo aos prelados dos conventos que neles retenham

criminosos”. Sobre este caso os religiosos se defendiam, segundo a correspondência,

dizendo que “não podem obrigar a sair o criminoso para fora por não ficarem

irregulares”186.

Sobre essa proibição, encontramos uma carta do Conselho Ultramarino,

de 15 de Novembro de 1729, para o Governador de Pernambuco, Duarte Sodré Pereira.

184 A.H.U., Códice 258, fl. 91v. 185 PIERONI, Geraldo. Op. cit. Pág. 24. 186 Livro 16o. de Ordens Régias (1742-1684), fl. 37v / 39.

109

Nesta correspondência se afirma que “continuamente se estão acoitando nos Conventos

da Vila do Recife os criminosos réus de maiores delitos sem que a justiça os possa

prender em razão de que ainda que se ponha cerco aos ditos criminosos lhes fica fácil

passarem-se para as igrejas cuja imunidade os defende”. Tendo em vista essa prática, o

rei então ordena que “notifiqueis aos prelados dos conventos que neles não retenham os

criminosos porque os conventos se não fizeram para receptáculos de delinqüentes

(...)”187.

No entanto, as Constituições Primeiras promulgadas em 1707,

regulamentava em seu Livro quarto, no título XXXII, que “conforme os Sagrados

Cânones, e leis seculares, a Igreja, por sua religião, e santidade vale, e defende a todos

os que a ela, e seu adro se recolhem, de onde não podem ser presos, nem tirados pela

justiça secular, e seus ministros por casos de crimes”. Segundo este mesmo título

qualquer igreja , capela ou ermida, em que se realize missa, são lugares em que compete

esta imunidade. Para gozar dela, ao criminoso bastava apenas que pegasse nos

“ferrolhos das portas das igreja, capelas ou ermidas”, ou se encostassem nelas ou nas

paredes desses lugares188. Apenas ficavam excluídos dessa imunidade os hereges,

apóstatas, blasfemos, feiticeiros, benzedeiros, etc. Também os ladrões salteadores de

estrada, ou caminhos, que costumavam matar, ferir ou roubar, não podiam se refugiar

nos lugares santos, assim como os escravos, ainda que cristãos, que fugiam dos

senhores “para se livrar do cativeiro”189; o que não é de se estranhar, pois se assim o

fosse isto provocaria o desmantelamento do próprio sistema escravocrata.

Nas cidades coloniais, as igrejas, funcionando como principais núcleos

de convivência da sociedade, eram o lugar onde se podia ter uma maior oportunidade de

se iniciarem os romances. Eram nelas que também, muitas vezes, abrigavam-se os

amantes, prática esta não apenas existente no Brasil, mas também em Portugal e em

outros países da Europa desde a Idade Média. Para Ronaldo Vainfas,

187 A.H.U., Códice 259, fl. 254. 188 CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA – 1707 . Livro Quarto, tít. XXXII

– “Como e em que igrejas, e lugares sagrados os delinquentes gozam da imunidade da Igreja”. 189 Idem, tít. XXXIII – “Das pessoas, e casos em que não vale a imunidade da Igreja”.

110

“(...) o sexo podia ser buscado e praticado em muitíssimos lugares [na colônia]

inclusive na Igreja, o santuário do catolicismo, o que mais uma vez confirma a

confusão entre o sagrado e o profano nas moralidades populares. E não é de admirar

que assim ocorresse, sendo a igreja o espaço por excelência das sociabilidades, do

encontro dominical das famílias, das festas religiosas. Era ali, em meio as missas e

ofícios divinos, que se iniciavam muitos flertes e namoros, quando não adultérios

(...)”.190

O bispo de Pernambuco, D. José Fialho, em sua carta pastoral consultada

por Gilberto Freyre, recomendava aos párocos que proibissem de entrar nas igrejas

negras seminuas, considerando-as em estado de “deplorável indecência”. Era também

um hábito na colônia dançar-se dentro das igrejas nas festas religiosas, principalmente

durante os festejos de São Gonçalo, costume trazido de Portugal para o Brasil.

Ilustrando esta afirmativa, o mesmo D. José Fialho, em Pernambuco, recomendou

também que os padres não deveriam consentir que se fizessem comédias, colóquios,

representações ou bailes dentro das igrejas, capelas ou adros 191.

Anterior a esta deliberação, Pereira da Costa nos informa, a respeito

destas festividades religiosas, um caso de um festejo organizado pelos “moços

solteiros” de uma irmandade dedicada à Santa Catarina, estabelecida na Matriz do

Corpo Santo no Recife. Tendo acontecido no dia 24 de Novembro de 1715, foi

organizada “com grande estrondo e suntuosidade de máscaras, danças, fogueiras,

procissão e festa de igreja. Foi juiz da irmandade neste ano de 1715 Antônio Garcia do

Amaral, que (...) quis que se fizesse no seu ano a dita festa com toda a grandeza; para o

que, na véspera do dia da santa (...) se fabricou defronte da porte da igreja um castelo

de fogo com girândola e rodas de foguetes”..No dia da festa várias pessoas se reuniram

na praça e nas casas vizinhas, um dos expectadores era o próprio vigário da freguesia de

S. Frei Pedro Gonçalves do Recife 192. Por ter acontecido uma explosão durante a

festividade, “houve feridos e mortos, sendo que dentre estes o que causou maior lástima

190 VAINFAS, Ronaldo. “Moralidades brasílicas: deleites sexuais e linguagem erótica na sociedade

escravista”. In: SOUZA, Laura de Mello e. História da Vida Privada no Brasil. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2000. Pág. 258.

191 FREYRE, Gilberto. Op. cit. Pág. 247. 192 Essa freguesia corresponde ao atual Bairro do Recife.

111

foi o vigário, a quem uma trave, caindo do sobrado, o apanhou pelo pescoço, e como a

confusão e escuridão era muita, não foi reconhecido senão depois de morto” 193 .

No Brasil colonial, a ação dos bispos foi muitas vezes absorvida pela

estrutura do padroado português, tendo eles, nas próprias visitas pastorais, tomado

atitudes administrativas e jurídicas, além das que visavam à regulamentação apostólica.

Com essa adequação de seu encargo sacerdotal, os bispos algumas vezes precisaram

ocupar o cago de governador da capitania de Pernambuco. Como já afirmamos, um

desses momentos foi quando D. Frei Manoel Álvares da Costa, escolhido pela Câmara

de Olinda, teve de assumir o governo abandonado por Sebastião de Castro e Caldas em

15 de Novembro de 1710.

No momento em que o conflito se iniciou, esse prelado, que tinha

assumido a diocese a pouco tempo, em 8 de Fevereiro de 1710, encontrava -se em visita

pastoral à Paraíba. Embora tendo nascido e sido criado em Portugal, D. Manuel tinha se

mostrado hostil ao ex-governador Castro e Caldas, e havia protegido o juiz partidário

dos “nobres da terra”, o Dr. Arouche quando os emissários do governador quiseram

prendê-lo. No dia 18 de Junho de 1711, os soldados da Guarnição e os mascates do

Recife ergueram-se contra os senhores de engenho pernambucanos e as tropas auxiliares

paulistas. Bernardo Vieira de Mello que, neste momento visitava a cidade, só foi salvo

de um linchamento pela intervenção do Ouvidor, Dr. Valenzuela Ortiz, que o colocou

em um confinamento severo. O bispo que naquele dia também estava em visita ao

Recife, foi obrigado a aderir ao movimento durant e alguns dias e a publicar uma

circular na qual afirmava que tudo o que acontecera anteriormente seria perdoado e

esquecido. No entanto, poucos dias depois, o bispo seguia para Olinda acompanhado do

Ouvidor, ambos encarregados de pacificar os senhores de engenhos194.

193 COSTA, F. A. Pereira da. Anais Pernambucanos, vol. 5 (1701-1739). Prefácio de José Antônio

Gonsalves de Mello. 2a. edição. Recife: FUNDARPE, Diretoria de Assuntos Culturais, 1984. Págs. 276-277.

194 BOXER, C. R. A Idade de Ouro do Brasil (1695-1750). Dores de crescimento de uma sociedade colonial. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1963. Págs. 112-113.

112

Ao chegar em Olinda, o bispo manifestou-se abertamente contra os

mascates e os intimou a se renderem, ordenou também que todas as provisões e reforços

deveriam ter sua entrada proibida no Recife, viessem da Paraíba ou de qualquer outro

lugar. Apesar desta proibição, os comerciantes do Recife recusaram render -se e

elegeram um dos oficiais da guarnição, João da Mota, como seu líder. Tendo entendido

com essa atitude que seria inevitável o uso da força de armas, o bispo D. Manuel

Álvares da Costa, entregou a governança de Pernambuco a uma junta por ele escolhida

formada por simpatizantes e líderes dos nobres de Olinda.

O bispo manteve-se no palácio episcopal até a chegada do novo

governador, Félix José Machado, onde, segundo Pereira da Costa, “se manteve,

convenientemente defendido, para cuja guarda foi criado um denominado Batalhão

Sagrado, composto de clérigos e de pessoas distintas, acompanhadas de seus criados,

sob o comando do deão Dr. Nicolau Pais Sarmento, batalhão este que noite e dia

rodeava o ilustre prelado”195. Um dos organizadores deste batalhão foi Matias Vidal de

Negreiros que junto com seu genro e mais quarenta escravos, correu para a defesa do

bispo governador. Ainda com relação a este Batalhão, Pereira da Costa afirma que ele

era “comp osto de todos os clérigos com seus escravos e da gente da nobreza, sendo

aclamado coronel-comandante o deão da catedral [de Olinda], Dr. Nicolau Pais

Sarmento. A este Batalhão, que eletrizou os mascates, deve-se em grande parte os

triunfos daquela guerra”196. Curiosamente este mesmo deão foi um dos participantes,

como juiz delegado, do concílio provincial em que se promulgou, em 1707, as

Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia.

Do Recife, Domingos Loreto Couto nos apresenta, em meados do século

XVIII, a imagem de uma vila colonial mergulhada no mistério de seus inúmeros

templos e símbolos religiosos de sua fé e de suas devoções. Estas a mantinham, o ano

inteiro, celebrando as festas de seus padroeiros e dos santos de suas inúmeras capelas

altares, arcos e nichos, numa sucessão ininterrupta de religião e lazer. Ele contabiliza a

existência de quarenta e três igrejas, dezoito capelas, dez conventos de religiosos com

195 COSTA, F. A. Pereira da. Anais Pernambucanos, vol. 5 (1701-1739) . Op. cit. Pág. 87. 196 COSTA, F. A. Pereira da. Anais Pernambucanos, Vol. 4 (1666-1700) . Op. cit. Pág. 88-89.

113

oito colégios de filosofia, teologia e moral, dois hospícios de religiosos, dois

recolhimentos de donzelas, no qual “em duzentos e trinta e seis altares oferecem cada

dia o incruento sacrifício do cordeiro imaculado, quinhentos e vinte seis sacerdotes”.

Como se não bastassem tantas e tão opulentas igrejas e capelas, quarenta

e dois oratórios “perfeitos pelo primor de arte e custo, embutidos nas paredes das

casas” reuniam os moradores das diferentes ruas por onde eles se espalhavam, entoando

à hora do Ângelus um murmúrio religioso de preces e cânticos. As irmandades,

confrarias e ordens terceiras reuniam grande parte da população da vila do Recife,

calculada em quinze mil, duzentos e sete pessoas197.

Dentro da sociedade colonial, após as deliberações da Constituições de

1707, o pároco deveria assumir, primeiramente, o papel de autoridade, em detrimento

ao de pastor. Para a Igreja Católica daquele momento, era difícil, mediante o quadro já

exposto, adotar uma ação pastoral que não fosse apoiada pela autoridade eclesiástica.

Para fazer “reinar” a virtude entre os seus fiéis, o sacerdote , definido na moral cristã

como pai e mestre, deveria repreender os que insistissem em seguir os caminhos do

pecado.

Do mesmo modo, os clérigos deveriam fiscalizar e repreender os que não

assistissem regularmente à missa e que não pagassem o dízimo. Para que essa ação

reguladora pudesse ser efetivada, o pároco contava com poderes reconhecidos pelo

direito eclesiástico, podendo admoestar, multar e excluir da igreja os que não se

enquadrassem em seus ditames. Também cabia ao pároco repreender os que fossem

acusados de pecados públicos; ele deveria velar para que os casados vivessem unidos e

fiscalizar a presença de estranhos na paróquia.

Contudo, as condições coloniais já descritas, conspiraram contra esse

modelo idealizado pelas Constituições do Arcebispado da Bahia , promulgadas em 1707.

Como já vimos anteriormente, a eleição dos candidatos ao sacerdócio era precária e

197 COUTO, Domingos Loreto do. Op. cit. Págs. 157-161.

114

muitos deles, conforme denunciaram vários cronistas, estavam mais interessados nos

privilégios obtidos com a função de clérigos do que propriamente nos serviços relativos

a tal função. Sem alcançar êxito no projeto de criação de um seminário, o que só

aconteceu no início do século XIX, os bispos na primeira metade do século XVIII,

viram-se às voltas com as dificuldades da formação sacerdotal, uma vez que fora das

ordens regulares, ela era muito limitada, apesar da existência de cursos de Sagradas

Escrituras e teologia moral.

Soma-se a esse quadro a dificuldade na obtenção de recursos financeiros

para a sobrevivência dos clérigos no período colonial. Tal situação, já explicitada neste

capítulo e no anterior, deixava os párocos e sacerdotes dependentes dos senhores de

engenho, dos fazendeiros, das irmandades e confrarias; ou os conduzia à prática de

atividades lucrativas com o comércio ou agricultura. Nesse sentido, muitos párocos,

coadjutores e clérigos em geral sentiam-se pouco diferentes do restante da população

colonial, adotando assim, em alguns casos, um cotidiano parecido com o dos leigos, a

pesar do distanciamento imposto pelas Constituições Primeiras em 1707. É o que nos

confirma uma correspondência do Conselho Ultramarino de 22 de Março de 1759 que,

tratando do comportamento de alguns clérigos regulares espalhados pelo sertão, ordena

que “contra o despejo destes frades transitados (sic) proceda eu a prisão contra todos

os que houvesse neste bispado, e os remetesse para esse reino”. Especificamente, a

respeito do comportamento do frei Pedro José de Souza nos dá a seguinte informação:

“O Padre Frei Pedro, ou Dom Pedro José de Souza, que se diz comendador de Sancti

spiritus, natural deste Recife, é um destes transitados; e se achava vivendo em uma

grande fazenda de terras, e lavoura, salinas, e fornos de cal, que tem na freguesia de

Maranguape, quatro léguas de Olinda, com grande família de escravos, mulheres e

homens. (...) Mandei com efeito prender o dito frei; ou Dom Pedro José de Souza, para

o remeter nesta frota para esse reino (...) É este religioso homem astuto e com o

cabedal que soube adquirir , comprou esta fazenda e muitos escravos; traficando, e

negociando, e aumentando o pecúlio, sabe repartir com quem lhe haja dissimular, e

ajudar a sua conservação, e aumento dos bens e do poder, querendo entre os seus

vizinhos, que se faça o que ele quer (...)”.198

198 A.H.U., Caixa 49, papéis avulsos.

115

CONSIDERAÇÕES FINAIS

s igrejas e templos erigidos no Brasil, durante o período

colonial, assinalavam a presença do Estado português

através do Padroado Régio, ligação originada na transferência do poder

espiritual do Papa aos monarcas lusitanos. Essa concessão tinha por objetivo

estender a fé primeiro aos territórios ocupados pelos mouros; depois, em 1456,

com D. Henrique até a África e, finalmente, ao Brasil a partir de 1551. A Coroa

portuguesa ficou, assim, responsável por sustentar a propagação do catolicismo

e prover as condições ideais pa ra o culto, podendo para isto propor a criação

das dioceses, apresentar os candidatos a bispos e outros cargos eclesiásticos e

recolher o dízimo.

Com essas prerrogativas, a manutenção do culto da Igreja Católica

era obrigação do monarca português por força da cobrança dos dízimos, mas o

que de fato ocorreu foi que a arrecadação destes teve um crescimento

extraordinário, enquanto que os subsídios, côngruas, esmolas e toda outra forma

de dotação real para o sustento do aparelho eclesiástico jamais atenderam às

necessidades da igreja. Esta foi uma queixa constante de bispos, cabidos,

vigários e da própria população.

Representado no Brasil através da Mesa da Consciência e Ordens,

o rei de Portugal era também responsável pela confirmação dos párocos

coloniais. As funções básicas dos sacerdotes concentravam-se na administração

dos sacramentos juntamente com o registro destes e a chamada “cura de almas”.

De acordo com o Concílio de Trento, na reta administração dos

sacramentos, a paróquia e, particularmente, o pároco cumpriam um papel de

grande importância. A igreja era o espaço básico para a sua administração.

A

116

Casamentos e batismos, preferencialmente, deveriam ser feitos no templo

paroquial ou, pelo menos, registrados nos livros da paróquia.

No entanto, a demanda crescente de sacerdotes levaram os bispos,

em muitos casos, a ordenar pessoas que provavelmente não tinham condições

para o sacerdócio. A falta de vocação acabou sendo reforçada pela dificuldade

pessoal para a prática do celibato, o que não era difícil de se entender no

contexto de uma sociedade cuja sexualidade masculina era valorizada e onde a

escravidão e marginalização das mulheres não pertencentes às camadas mais

abastadas as deixava desprotegidas e relativamente vulneráveis diante de

homens que se mostravam carentes de companhia e famílias.

No interior da sociedade colonial, o padre exercia um poder

fiscalizador e disciplinador da população, sendo esta condição patenteada pelo

poder régio da época. Ele contava com recursos que iam desde a acusação de

alguém em público, no púlpito, ou a exposição de seu nome na porta da igreja,

até medidas que incluíam o uso da violência. Este era o reforço colonial de um

dos traços do Concílio de Trento que fez do padre um instrumento de controle e

da paróquia um espaço de disciplina.

Na realidade, no meio colonial, os clérigos pouco se distinguiam

dos leigos, com os quais conviviam intensamente. Entregavam-se a atividades

de natureza econômica e muitas vezes praticavam o concubinato, embora na

maioria das vezes se conservassem fiéis a uma mesma mulher, com quem, ao

longo dos anos, adquiriam numerosa prole. Em seu conjunto, o clero secular no

Brasil colônia se constituiu numa categoria muito diversificada, cujo traço

comum mais distinto permanecia sendo a ausência da disciplina imposta pela

Contra-Reforma católica.

No que diz respeito ao clero regular, os estudos mostram que as

ordens religiosas serviram, do ponto de vista da Coroa portuguesa,

essencialmente como uma reserva estratégica de sacerdotes para a manutenç ão

117

do culto, quase sem ônus para a folha eclesiástica. Em sua maioria, julgavam-se

isentos da jurisdição eclesiástica, recusando-se a admitir as visitas canônicas

dos bispos ou de seus visitadores, o que ocasionava vários conflitos. Os frades

sobretudo tor navam-se objeto de crítica em função de seu comportamento.

Carmelitas e franciscanos, em especial, residiam fora de seus conventos,

possuindo escravos pessoais, envolvendo-se em contrabando, em tumultos e em

concubinatos notórios.

A reforma na Igreja brasileira, na qual se empenhou parte dos

bispos e da hierarquia eclesiástica no início do século XVIII, com a

promulgação da Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, tinha como

um de seus traços característicos o reforço da autoridade dos bispos, sendo esta

reconhecida pelo clero e pela população em geral. Isso significava o exercício

de um controle efetivo dos bispos sobre o clero e por meio deles sobre o Povo.

Era clara e explícita a declaração, nas Constituições, da autonomia

e dos direitos da Igr eja, que deveriam ser respeitados por todo poder, entidade

ou pessoa. Era uma resposta a quase dois séculos de atritos dos bispos com as

autoridades civis e com as ordens religiosas por definições de jurisdição,

competência e direitos. Os religiosos envolv idos em sua elaboração estavam

cientes de seu papel de funcionários de um Estado ao qual eram ligados pelos

Padroado e diante do qual também precisavam defender sua jurisdição religiosa

específica e sua autoridade.

Os bispos determinaram, de acordo com as Constituições

Primeiras, os exames a que deveriam ser submetidos os candidatos ao

sacerdócio. Eles esforçaram-se pelo estabelecimento de seminários ou, pelo

menos, de casas onde os candidatos tivessem uma vida digna do seu futuro

estado. Prescreveram os estudos a que eles deveriam estar sujeitos.

Condenaram, repetidas vezes, o tipo de vida que muitos membros do clero

costumavam ter; dedicando-se a atividades como o comércio; freqüentando

situações e lugares profanos, como festas; vestindo-se sem diferenciar-se dos

118

seculares e convivendo em suas casas com mulheres. Os prelados respondiam

com essas determinações e normas a problemas e excessos que estariam sendo

cometidos pelos clérigos.

Contudo, não tendo alcançado êxito na imediata construção de

seminários episcopais neste período, os bispos viam-se às voltas com uma

precária formação sacerdotal. Uma vez que fora das ordens religiosas, ela era

muito difícil e limitada, por mais que fosse determinada a existência de cursos

para o ensino das Sagradas Escrituras e de teologia moral.

Precisamos também ter em mente que, no período colonial, a

grande maioria de párocos, coadjutores, capelães, frades e clérigos eram

homens vindos das camadas brancas que compunha essa sociedade. As

circunstâncias de sua eleição, formação e vida cotidiana não permitiam que o

padre se afastasse do meio de onde havia saído. Não querendo subsistir nas

condições precárias que lhe eram oferecidas, os sacerdotes que vinham de

famílias abastadas continuavam vivendo nas suas propriedades; e aqueles que

não as tinham viam-se obrigados a desenvolver atividades lucrativas. Dessa

forma sua vida tendia a ser como a dos outros habitantes coloniais, o que não

significava necessariamente uma vida de total devassidão.

Por fim, não podemos deixar de afirmar que, por trás do clérigo

acusado de escândalo por viver em concubinato, poderia estar um homem sem

temperamento para o celibato, porém capaz de ser um bom pai de família, que

legitimava seus filhos e um esposo respeitoso de sua mulher, além de ser um

sacerdote cumpridor do seus ministério. Do mesmo modo, por trás de um padre

tido por desordeiro que provocava a inimizade de seus fiéis, podia estar um

pároco rigoroso, que procurava cumprir com zelo as normas estabelecidas pelo

bispo a quem estava subordinado.

119

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