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Universidade Presbiteriana Mackenzie 1 A VISÃO IMEDIATA DA IMPRENSA BRASILEIRA ACERCA DOS ATENTADOS TERRORISTAS EM NOVA YORK Lucas Teixeira (IC) e Denise Paiero (Orientadora) Apoio: PIVIC Mackenzie Resumo Os atentados ao World Trade Center em Nova York, no dia 11 de setembro de 2001 foi um dos ataques terroristas mais reproduzidos e discutidos pela imprensa mundial. Foi assunto nas redes de televisão, jornal e revista ao redor do globo. A presente pesquisa pretende analisar a cobertura imediata feita pela revista Veja e pelo jornal Folha de S. Paulo acerca dos ataques. Pretende analisar de que forma ocorreu essa cobertura e se houve ou não algum tratamento preconceituoso. Palavras-chave: jornalismo; terrorismo; imprensa Abstract The attacks on the World Trade Center in New York on September 11, 2001 were one of the most reproduced and discussed terrorist attacks by the world press. This subject was on the television networks, newspapers and magazines around the globe. This study intends to analyze the immediate coverage made by Veja magazine and the newspaper Folha de S. Paulo about the event. Intends to analyze how this coverage occurred and if had or not any prejudicial treatment. Key-words: journalism; terrorism; press

Lucas borges

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Em parceria com a Professora Helena Abascal, publicamos os relatórios das pesquisas realizados por alunos da fau-Mackenzie, bolsistas PIBIC e PIVIC. O Projeto ARQUITETURA TAMBÉM É CIÊNCIA difunde trabalhos e os modos de produção científica no Mackenzie, visando fortalecer a cultura da pesquisa acadêmica. Assim é justo parabenizar os professores e colegas envolvidos e permitir que mais alunos vejam o que já se produziu e as muitas portas que ainda estão adiante no mundo da ciência, para os alunos da Arquitetura - mostrando que ARQUITETURA TAMBÉM É CIÊNCIA.

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Universidade Presbiteriana Mackenzie

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A VISÃO IMEDIATA DA IMPRENSA BRASILEIRA ACERCA DOS ATENTADOS

TERRORISTAS EM NOVA YORK

Lucas Teixeira (IC) e Denise Paiero (Orientadora)

Apoio: PIVIC Mackenzie

Resumo

Os atentados ao World Trade Center em Nova York, no dia 11 de setembro de 2001 foi um dos ataques terroristas mais reproduzidos e discutidos pela imprensa mundial. Foi assunto nas redes de televisão, jornal e revista ao redor do globo. A presente pesquisa pretende analisar a cobertura imediata feita pela revista Veja e pelo jornal Folha de S. Paulo acerca dos ataques. Pretende analisar de que forma ocorreu essa cobertura e se houve ou não algum tratamento preconceituoso.

Palavras-chave: jornalismo; terrorismo; imprensa

Abstract

The attacks on the World Trade Center in New York on September 11, 2001 were one of the most reproduced and discussed terrorist attacks by the world press. This subject was on the television networks, newspapers and magazines around the globe. This study intends to analyze the immediate coverage made by Veja magazine and the newspaper Folha de S. Paulo about the event. Intends to

analyze how this coverage occurred and if had or not any prejudicial treatment.

Key-words: journalism; terrorism; press

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Introdução

Os atentados ao World Trade Center em Nova York, no dia 11 de setembro de 2001,

trouxeram à tona uma tendência do terrorismo contemporâneo: a criação de fatos

espetaculares que, mais do que o ato em si, visam à sua repercussão através dos meios de

comunicação.

O termo terrorismo adotado por nós refere-se ao “uso do terror como prática de violência

para a consecução de um objetivo político”. (MELO NETO, 2002, p. 22) O que tem se

observado, no entanto, é a utilização de recursos terroristas para a obtenção de destaque e

cobertura midiática. Segundo Wainberg,

Tais ocorrências [atentados terroristas contra civis] são premeditadas e visam prioritariamente atrair a atenção da mídia. Neste sentido, costuma-se também dizer que o terror é uma forma de comunicação violenta. (2005, contracapa)

Essa questão de comunicação, fundamental nos dias atuais, abre espaço para a discussão

de como se dá essa cobertura midiática acerca desses eventos que, conforme já afirmamos,

visam em grande parte às páginas dos jornais, revistas e sites e também à cobertura do tele

e do rádiojornalismo.

Ao cumprir sua função de informar, o jornalismo acaba por construir a compreensão pública

acerca desses atos terroristas. Nesta pesquisa, propomos analisar a visão midiática sobre o

atentado terrorista a Nova York, no dia 11 de setembro de 2001. O objetivo é analisar a

cobertura imediata após os atentados, verificando o discurso construído pela mídia acerca

desse evento, mesmo antes de qualquer apuração mais aprofundada ou de um

encaminhamento mais longo das investigações. Para essa cobertura, analisaremos tanto os

textos publicados sobre os eventos, quanto às imagens que ilustravam as páginas de

cobertura e também o projeto de hierarquização da informação, ou seja, o que foi

considerado mais ou menos importante na distribuição das notícias na página.

Na manhã do dia 11 de setembro de 2001, dois aviões, um da American Airlines e outro da

United Airlines, colidiram com as duas torres do World Trade Center, o maior prédio de

negócios de Nova York. O grupo terrorista Al Qaeda foi considerado culpado pelo atentado.

Nosso foco foi a cobertura brasileira do atentado. Para isso, escolhemos as cinco edições

seguintes aos ataques do Jornal Folha de S. Paulo, o jornal com maior circulação do país,

que tem a tiragem média de 302 mil exemplares em dias úteis e 365 mil aos domingos

(segundo site oficial da Folha), e a edição seguinte da Revista Veja, a revista com maior

número de leitores do país, que tem a circulação média de um milhão de revistas por

semana (segundo o site Publiabril, da editora da revista).

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A escolha de um corpus construído logo após os acontecimentos nos permitiu observar se

há uma visão pré-concebida da mídia acerca do atentado e de seus possíveis executores.

Verificamos também que aspectos dos eventos são destacados por cada cobertura

jornalística e onde elas assemelham e se diferenciam entre si.

Outra questão que tem estado em discussão nos meios acadêmicos diz respeito ao

preconceito que se desenvolveu contra os árabes ou os seguidores do islamismo logo após

tais atentados. Sobre isso, Wainberg afirma que

O ataque às torres gêmeas de Nova York, em 11 de setembro de 2001, foi realizado por terroristas mulçumanos, por isso mesmo, encontrou campo fértil num imaginário ocidental que estereotipou um Islã militante e agressivo. (2005, p. 50)

A partir dessas considerações observaremos se, de fato, nessa cobertura imediata existe

uma tendência a tratar esses grupos com preconceito, atribuindo a eles uma possível culpa

pelos atentados, antes mesmo de qualquer investigação.

Os conceitos de moderado e extremista foram amplamente utilizados não só pelo governo americano e por pensadores conservadores. A mídia reproduziu esses rótulos na maioria das vezes em que tratou do islamismo. (DORNELES, 2002, p. 221)

Hoje, no jornalismo, muito se discute sobre a necessidade de transparência dos meios em

relação à produção de notícias. Ao mesmo tempo, observa-se uma tendência a coberturas

internacionais direcionadas para uma única visão ocidental e americanizada. Quando o

assunto é terrorismo, estamos nos referindo aos grandes inimigos da cultura ocidental

contemporânea, ou seja, é de se esperar que certo direcionamento preconceituoso apareça

já nos primeiros momentos do fato ocorrido. No entanto, esse direcionamento, ao ser tratado

com a naturalidade de quem se vê como uma das partes envolvidas – a vítima – no

episódio, não esteja sendo percebido pelos veículos de comunicação nem pelo seu público

consumidor.

Imagine uma televisão que adota um alinhamento automático com o governo de seu país, recomenda a seus repórteres que sejam patriotas, admite declaradamente a propaganda contra o “inimigo” e censura pronunciamentos de quem é contrário ao discurso oficial. Não seria uma aberração para os padrões ocidentais da chamada liberdade de expressão? Imagine então que esse canal tem o nome de Al Jazira. Seria difícil então imaginar o bombardeio que ele receberia da imprensa desse lado de cá do mundo? Mas como essa televisão não se chama Al Jazira, mas sim CNN, nossos padrões de reação são outros. (DORNELES, 2002, p. 130)

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Essa citação do jornalista Carlos Dorneles deixa evidente a falta de transparência presente

na cobertura jornalística quando o assunto é terrorismo e a dificuldade de olhar para o

próprio desvio da função do jornalismo pelas mídias envolvidas. Ainda segundo Dorneles,

A imprensa somente revela os fatos, não toma partido; não é responsável por acontecimentos, apenas os registra. Esse dogma jornalístico jamais soou tão irreal como depois do 11 de setembro. Muitos episódios, como a própria guerra do Afeganistão, tiveram participação ativa da imprensa. É impossível, hoje, separar o que foi apenas a intenção pura e simples do governo Bush e o que foi facilitado, possibilitado pela influência da mídia. (2002, p. 270)

Com este trabalho, pretendemos trazer à tona como se dá a cobertura brasileira sobre os

episódios de terror, se o nosso jornalismo está ou não contaminado com essas visões

preconceituosas e direcionadas acerca de episódios que são notícia obrigatória.

A mass culture e o Marketing do Terror

Para entendermos por que e como a mídia tratou os atentados terroristas que foram

analisados, é importante, primeiro, considerar alguns conceitos, tais como o que o sociólogo

francês Edgard Morin chama de Cultura de Massas (mass culture).

O jornalismo, assim como toda a área da comunicação de um modo geral, vai se

desenvolver no mundo capitalista totalmente influenciado por essa mass culture. Segundo

Morin,

a cultura de massa integra e se integra ao mesmo tempo numa realidade policultural; faz-se conter, controlar, censurar (pelo Estado, pela Igreja) e, simultaneamente, tende a corroer, a desagregar as outras culturas. (...) Embora não sendo a única cultura do Século XX, é a corrente verdadeiramente maciça e nova deste século. (...) Alguns de seus elementos se espalharam por todo o globo. Ela é cosmopolita por vocação e planetária por extensão. (1962, p. 16)

É a cultura da pós-Segunda Guerra, que se desenvolverá em um mundo bipolar, dividido

entre o capitalismo desenfreado do Ocidente e o comunismo fechado do Oriente.

Mas, por ser desenvolvida e difundida principalmente em países como Estados Unidos e

França, “a cultura de massa favorecerá em profundidade, numa segunda fase, o

desenvolvimento dos valores e dos modelos do individualismo, do bem-estar e do

consumo.” (MORIN, 1962, p. 165)

Ela terá o consumo como maior estimulante, pois “toda produção de massa destinada ao

consumo tem sua própria lógica, que é a de máximo consumo” (MORIN, 1962, p. 35). E será

essa lógica que fará os jornais irem se adaptando às necessidades da publicidade.

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O fim da fronteira entre informação e entretenimento obrigou o telejornalismo a se adaptar ao ritmo das mensagens publicitárias: ninguém que tenha acabado de passar pelo impacto visual proporcionado pelas mensagens da Coca-Cola ou Marlboro suportaria uma sequência longa (mais do que trinta segundos) ou densa sobre algum evento. (ARBEX JR, 2002, p. 51)

Para conseguir acompanhar esse ritmo, é formada uma espetacularização da notícia. “Os

temas fundamentais do cinema – a aventura, a proeza, o amor, a vida privada – são

igualmente privilegiados junto à informação.” (MORIN, 1962, p. 99) O fantástico e o que é

considerado “cena de filme” começará a ser muito valorizado pela imprensa, especialmente

a televisão que pode mostrar, em sequência, tudo o que aconteceu. Com o advento da

câmera no celular, então, basta um anônimo estar no local, filmar e mandar para a

emissora. Em cinco minutos essas imagens podem rodar o mundo.

Essa lógica do consumo não só gera uma vontade momentânea, como uma futura também.

Quanto mais a imprensa fornece essas “cenas” para o público, mais o público quer vê-las.

“A presença no sensacionalismo do horrível (...) é atenuada pelo modo de consumo

jornalístico; o sensacionalismo é consumado (...) à mesa.” (MORIN, 1962, p. 115)

O sensacionalismo tomará conta da imprensa mundial para que ela consiga preencher essa

demanda do público. E, claro, quanto maior a demanda do público, maior o interesse dos

anunciantes publicitários pelo veículo.

Mesmo essa lógica sendo mais antiga que a cultura de massas, já que os anúncios de

produtos em um jornal vêm desde o início do século XIX, “com o tempo, tornaram-se a parte

mais importante de suas receitas.” (ARBEX JR, 2002, p. 35)

Essa lógica consumista cria uma nova tendência, pois

se no passado a publicidade tinha como objetivo vender produtos, no mundo contemporâneo ela estabelece modelos a serem seguidos, padrões físicos, estéticos, sensuais e comportamentais. (ARBEX JR, 2002, p. 60,61)

Dentro desse contexto, podemos entender melhor qual o objetivo dos responsáveis pelo

ataque fazerem o que fizeram da forma que fizeram. Isso nos leva a outro conceito

importante que seria o chamado Marketing do Terror, criado pelo estudioso brasileiro

Francisco Paulo de Melo Neto.

Mas primeiro é importante esclarecer que ele diferencia ataques chamados terroristas, como

os tratados nessa pesquisa, de atos de guerra.

O ato terrorista não é um ato de guerra. (...) Ao contrário, o ato terrorista é uma fúria descabida, um ato isolado, inesperado, covarde, porque surge das sombras e não dá nenhuma possibilidade de defesa. (2002, p. 21)

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Porém, o próprio Francisco adverte:

O ataque terrorista aos Estados Unidos demonstraram ao mundo o surgimento de um novo tipo de terrorismo. Para o especialista americano Ian O. Lesser, o novo terrorismo tem as seguintes características: utilização de ataques em maior escala com um enorme número de vítimas fatais, escolha de alvos simbólicos e ataques sem objetivos claramente definidos. (2002, p. 28)

Ao estudar tais atos e sua repercussão no mundo e, em especial, nos meios de

comunicação, ele criou o termo do Marketing do Terror. O qual

é um tipo de marketing às avessas. Suas ações e características constituem o avesso do que denominamos de marketing moderno. Utiliza as redes de TV como promotores do seu espetáculo trágico e bárbaro. Não é uma mídia para si, mas contra si. Não investe em mídia. É a mídia que investe nele. (2002, p. 17)

Assim, pode-se entender e analisar melhor como a mídia internacional (no nosso caso, a

brasileira) trata de imediato atentados terroristas como os selecionados por nós. O

tratamento dessas catástrofes como espetáculo é determinante na forma que a notícia é

passada. É fazendo esse marketing que muitas vezes a mídia, mesmo sem saber, já

começa a sua cobertura.

11 de Setembro de 2001 – Nova York

A colisão de dois aviões, um da American Airlines e outro da United Airlines, nas torres do

World Trade Center, em Nova York, na manhã do dia 11 de setembro de 2001 é

possivelmente o atentado terrorista mais conhecido na história. As televisões ao longo do

mundo inteiro passaram horas transmitindo ao vivo o que estava acontecendo e também foi

assunto de grande parte das publicações impressas, inclusive no Brasil.

Veja

Esse fatídico dia foi uma terça-feira. A revista Veja data as suas edições na quarta-feira

seguinte à distribuição, por isso, a edição Nº 1717 foi datada no dia 12 de setembro, mas

chegou às bancas no domingo anterior, dia 9.

A edição seguinte (Nº 1718), datada no dia 19 de setembro, é que foi distribuída no domingo

seguinte ao ocorrido, dia 16 de setembro. Foi uma edição especial sobre os atentados, sem

nenhuma matéria nacional ou internacional que não fosse relacionada a eles. Essa foi a

edição escolhida por nós.

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Tendo isso em vista, é importante levar em consideração que os jornalistas da revista

tiveram por volta de cinco dias para apurar os acontecimentos e as informações oficiais

divulgadas até então e escreverem suas reportagens.

Tal informação é importante, pois o presente artigo fez a análise da cobertura imediata e,

por mais que cinco dias pareçam um período curto de tempo, é, na verdade, um período

bastante considerável, visto que os jornais diários, como a Folha, tiveram que publicar suas

matérias apenas um dia depois.

A imagem escolhida para a capa não foi uma montagem, algo muito frequente nas edições

da revista, mas sim uma foto do exato momento em que o segundo avião sequestrado

colidiu com a torre sul. Embaixo, o seguinte título: O Império Vulnerável, e ao lado, algumas

chamadas para as matérias internas, escritas em branco com fundo preto, o que certamente

ajuda no tom pesado da capa.

Como é uma edição especial apenas sobre os atentados, as Páginas Amarelas, conhecido

espaço de entrevista, a Carta ao Leitor e as colunas de opinião abordaram o assunto. Até o

índice foi escrito sobre uma foto de bombeiros retirando um homem dos escombros. O único

trecho da revista que não trata do assunto é a sessão A Semana, que abordou de algumas

questões da política nacional.

A proposta do editorial, que na revista tem o nome de Carta ao leitor, já foi exposta no título:

O que incomoda o terror. Nesta parte é prevista a opinião da revista, a qual se espera que

seja embasada em fatos e, no mínimo, coerente.

Mas o que temos em dois grandes parágrafos é um discurso repleto de pré-julgamentos o

qual prega que “o que os radicais não toleram, mais que tudo, é a modernidade”. (p. 9) E

continua: “É a existência de uma sociedade em que os justos podem viver sem ser

incomodados e os pobres têm possibilidades reais de atingir a prosperidade com o fruto de

seu trabalho. Esse é o verdadeiro anátema dos terroristas que atacaram os Estados

Unidos”. (p. 9)

Além de nos fazer pensar se tal editorial foi mesmo escrito por um brasileiro, visto seu tom

extremamente patriota, também nos passa a imagem de que, seja qual for o país árabe que

vieram tais “fundamentalistas”, é um país regido pelo atraso, no qual o desenvolvimento e o

trabalho duro não são considerados qualidades.

A ideia de que os países árabes e mulçumanos são pobres, atrasados e têm inveja do progresso americano também se tornou como nas páginas dos jornais. Um contraponto (...) veio do economista americano Jeffrey Sachs. Ele escreveu um artigo negando que a cultura islâmica represente uma barreira ao crescimento. ‘É falso que algumas culturas sejam estáticas e adversárias da mudança enquanto outras sejam, de alguma maneira, singularmente modernas.’ (...) ‘A ideia de um mundo islâmico unificado e

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conservador é tão errônea quanto a de uma sociedade ocidental moderna e única’. (DORNELES, 2002, p. 222)

Em suma, várias culturas, modos de vida e preceitos morais foram unificados, simplificados

e destruídos em poucas linhas de um texto cheio de preconceitos e com pouquíssimo – ou

nenhum – embasamento teórico.

A reportagem especial, na qual a revista está toda baseada, começa com uma foto de

Manhattan num dia de sol, ainda com as torres do World Trade Center, e a seguinte

inscrição: Este mundo nunca mais será o mesmo.

A matéria principal, A Descoberta da Vulnerabilidade, começa mesmo nas duas páginas

seguintes. Dessa vez, com duas fotos que mostram o avião da United Airlines segundos

antes de colidir e colidindo com a segunda torre.

Como o título e a própria capa já apontavam, a matéria começa com o foco na repercussão

que os atentados geraram nos Estados Unidos e no mundo. Para isso, a revista afirma que

o acontecido representa o “fim do mito da invulnerabilidade do território americano” (p. 48).

Mais uma vez as letras são brancas com fundo preto, o que dá um tom mais sério, pesado e

até de luto a esse trecho da matéria.

A matéria segue narrando o acontecido e o que o então presidente George W. Bush fez

naquele dia. Para fazer um contraponto e reforçar o sentimento de vulnerabilidade proposto

pela revista, os Estados Unidos são chamados de “superpotência” ou “a nação mais

poderosa do planeta” (p. 50).

Outro fato a se apontar é que desde o começo a matéria comete o erro da generalização,

tratando sempre dos “americanos” ou do “povo americano”, como se todos os envolvidos

pudessem ser definidos assim ou como se todos os cidadãos americanos pensassem da

mesma maneira.

A situação se agrava um pouco quando a matéria sugere que “os americanos acham que é

preciso dar o troco” (p. 48), mas usa como única fonte o subsecretário de Defesa do

governo Bush, Paul Wolfowitz. Tal fonte que, obviamente, confirma a tese. A opinião de

diferentes cidadãos comuns, que estatisticamente representa melhor “os americanos” que

apenas um homem do governo, foi dispensada. Faltou pluralidade no desenvolvimento do

discurso e no uso das fontes.

Nas páginas 50 e 51, além de mais uma foto do World Trade Center pegando fogo (dessa

vez com a legenda: Nova York em chamas), consta um pequeno mapa que mostra a rota

dos quatro aviões sequestrados naquela manhã e os seus horários de decolagem e colisão.

Esse recurso, que é muito usado pela revista, ajuda o leitor a entender o percurso feito pelas

aeronaves, além do preciso detalhamento do horário.

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A matéria segue levantando questões que abordam a reação dos Estados Unidos e ainda

dá as alternativas prováveis que Bush iria seguir. É nesse contexto que a revista usa a sua

primeira fonte, que não declarações do presidente ou do subsecretário. A matéria cita um

trecho do editorial do respeitado jornal americano Washington Post, o qual fala das

dificuldades que Bush iria enfrentar.

Nas próximas quatro páginas, somos bombardeados por fotos de prédios em chamas,

escombros, pessoas chorando e até alguém se atirando de uma das torres. Mesmo que

indiretamente, a revista acaba por reforçar o que os atos tanto pretendem: propagar o medo

e a sensação de insegurança por meio da sua imagem.

Não sabemos se o desabamento das torres fora previsto pelos terroristas. O importante é que o espetáculo de destruição maximizou a exposição do terror na mídia. Ao dar total cobertura do evento, a mídia tornara-se a grande aliada do terrorismo, como afirmam Umberto Eco e George Steiner. (MELO NETO, 2002, p. 108)

Na antemão das imagens, a matéria aborda vários temas para contextualizar – ou pelo

menos tentar – o leitor. Para explicar, por exemplo, essa vontade de vingança já citada

foram abordados assuntos como o relativismo cultural, além do uso de mais fontes, como

um ex-secretário de Estado e combatente do Vietnã e o ex-presidente do Conselho de

Segurança Nacional do governo Clinton. Ambos a favor da retaliação.

Mesmo essa contextualização, embora simplista, ser um ponto positivo para a matéria, ela é

abalada pela pluralidade de fontes, que continua deixando a desejar, pois, embora pareça

plural colocar dois homens de visões diferentes apontando para o mesmo rumo, não é.

Continua faltando membros de outras classes que não seja a dos envolvidos no poder.

Algumas falas parecem estar ali apenas para confirmar o discurso de vulnerabilidade e

vingança proposto pela matéria.

Discurso esse que, segundo Melo Neto, está previsto no objetivo dos terroristas:

A lógica do marketing do terror é perfeita. Inicialmente, gera cenas de catástrofe muito admiradas pela imprensa. Com isso, assegura a sua ampla veiculação. Em seguida, desperta polêmicas de interesse da mídia: a autoria dos atentados, a cobertura das ações, a estratégia utilizada pelos terroristas, as vulnerabilidades dos Estados Unidos como país hegemônico, a natureza e a abrangência da reação americana e de seus aliados. (2002, p. 106)

A matéria segue com generalizações, mas dessa vez sobre “o outro lado”. Quando começa

a falar sobre a identificação dos culpados, que, a essa altura, já haviam sido identificados, a

matéria insiste em falar dos “árabes” e “mulçumanos”, a única diferenciação entre qualquer

grupo dentro dessas amplas definições vem nesse trecho igualmente simplista e

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preconceituoso: “Há mais de 1 bilhão de mulçumanos espalhados por quase todos os

países. Na maioria, são moderados. A minoria radical, no entanto, tem uma disposição

fanática para matar e morrer e se une num ódio incontrolável contra os Estados Unidos, em

sua opinião um país satânico.” (p. 56 e 57)

É muito difícil e improvável que o jornalista que escreveu a matéria tenha feito um estudo ou

uma pesquisa abordando os mais de um bilhão de mulçumanos espalhados pelo mundo. E,

mesmo se tivesse o feito, definir uma religião apenas baseado em um grupo menor é, no

mínimo, uma generalização indevida. Até mesmo os mulçumanos que não são considerados

radicais pela matéria são chamados de “moderados”, o que significa que, se você for um

mulçumano, você tem que ser, no mínimo, moderado.

A foto dividida entre as páginas 56 e 57 mostra um grupo de homens armados

comemorando no meio da rua. A legenda, intitulada A favor do terrorismo, diz: “Palestinos

comemoram atentados contra os americanos em um campo de refugiados no Líbano:

alegria com a desgraça do ‘grande Satã’”.

Esse trecho não só é repleto de pré-julgamentos, como também cria a noção dos Estados

Unidos como o país correto que foram atacados pelos anticristos do século XX. É evidente

que eles foram vítimas de um ataque inesperado, covarde e desumano. Isso tem que ser

dito. Porém criar uma bipolaridade, na qual existe um povo “do bem” e outro povo “do mal”,

é desnecessário.

A luta do bem contra o mal, tão repetida pelo presidente George W. Bush em seus discursos,foi levada a sério pela imprensa e por grande parte dos pensadores acadêmicos, fartamente utilizados para satanizar o islamismo. (DORNELES, 2002, p. 219)

Melo Neto complementa:

No caso dos atos terroristas, os Estados Unidos são mostrados como o país “do bem”, covardemente atingido, e os terroristas, como a imagem “do mal”. O marketing do terror sabe explorar a estratégia de manipulação exercida pela mídia americana (...), bem como o seu maniqueísmo exacerbado, que se expressa nas ações de demonização dos mulçumanos, de caricaturização do islamismo e da depreciação do exotismo do Oriente. (2002, p. 113)

Esse assunto é tratado na matéria Assassinato em Nome de Alá. Porém o que chama a

atenção é que a sua proposta vai ao sentido inverso: de quebrar alguns preconceitos e

equívocos freqüentes no que se refere aos mulçumanos. Usa como fontes professores e

estudiosos de universidades respeitadas, como Harvard e USP.

A matéria tenta fazer uma diferenciação entre os radicais e os chamados por ela de

“moderados”, mas, assim como a anterior, acaba caindo em lugar-comum na sua narrativa.

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Ela chega a tratar uma religião como raça ou doença: “Com o liberalismo religioso na maior

parte do Ocidente, os mulçumanos também se espalham com alguma facilidade” (p. 82). O

verbo “espalhar” está empregado de forma similar ao tratamento de uma praga ou doença

contagiosa.

Nela também está presente um recurso muito utilizado pela Veja: um quadro na parte

inferior que resume alguns acontecimentos históricos. Nesse, intitulado A cara das guerras,

propõe: “Confira como mudou a natureza dos conflitos nos últimos 500 anos, período em

que consolidou o domínio da civilização cristã e ocidental no mundo.”

Quadros como esse são interessantes no que desrespeito à contextualização, porém é no

mínimo pretensioso definir 500 anos de história do mundo em apenas quatro pequenos

parágrafos. Essa redução não é apenas simplista como favorece a generalização. Esse

pequeno recorte de quatro traços importantes na história se encaixa na visão simplificadora

da matéria e fica acaba parecendo o bastante, mas é, no fim, uma contextualização

descontextualizada que não acrescenta muito.

O Inimigo Número 1 da América é a matéria mais bem elaborada da edição. Com um título

que tinha tudo para endossar preconceitos e lugar-comum, a matéria não só dá um resumo

da biografia de Osama Bin Laden, como dá também um pequeno histórico, não tão

detalhado, de alguns ataques terroristas que os Estados Unidos sofreram. A matéria não

demoniza nem glorifica o líder acusado dos atentados e, ao final, como nada foi provado,

chega até a assumir que ele pode ser ou não o responsável.

Ainda sim, o tom presente na edição como um todo já é representado no editorial, no final,

especialmente: “Eles [terroristas/fundamentalistas/mulçumanos] são enviados da morte, da

elite teocrática, medieval, tirânica que exerce o poder absoluto em seus feudos. Para eles, a

democracia é satânica”. (p. 9) A generalização os torna iguais. Eles são todos parecidos e

maus. Diferentes de “nós”, o Ocidente, democrático e justo. “Nós” somos o bem e “eles”, o

mal.

A edição especial conta com mais algumas matérias que tratam do assunto, como a reação

de alguns passageiros dos aviões seqüestrados ou filmes americanos que tratam de

terrorismo, mas que não são interessantes para a análise proposta aqui, pois não chegam a

tratar dos ataques em si ou dos responsáveis.

Folha de São Paulo

Já no dia seguinte, quarta-feira, dia 12 de setembro, a Folha de S. Paulo publicou mais de

vinte matérias, entre notícias e colunas de opinião, sobre os atentados. Embora a pesquisa

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aborde a cobertura imediata como um todo, algumas matérias, tais como sobre a

repercussão econômica e relacionadas ao Brasil, não são interessantes, pois não nos

ajudam a ver como a mídia trata o terrorismo.

A manchete e a capa dessa edição, como não poderiam deixar de ser, tratam dos ataques.

A manchete EUA SOFREM MAIOR ATAQUE DA HISTÓRIA – sim, em caixa alta – é

ilustrada pela repetida imagem do exato momento em que o avião 747 da United Airlines

bate na torre sul do World Trade Center.

Pelos alvos escolhidos, todos de grande valor simbólico para os americanos, o terror seduziu a mídia com o espetáculo de suas imagens. É o marketing do terror produzindo imagens de impacto para a mídia. (MELO NETO, 2002, p. 104)

A imagem é tão surreal que parece vir da ficção. Parece que estamos prestes a abrir um

livro, a vermos um espetáculo. Sob a legenda um pouco sensacionalista de Guerra na

América, temos quase certeza que, dentro dessas páginas, presenciaremos algo fantástico.

O universo do sensacionalismo tem isso em comum com o imaginário (...): infringe a ordem das coisas, viola os tabus, compele ao extremo a lógica das paixões. (...) É esse universo do sonho vivido, da tragédia vivida e de fatalidade que valorizam os jornais modernos do mundo ocidental. (MORIN, 1962, p. 100)

Dentre várias matérias informativas, sobre atrasos nos aeroportos e confusão nas linhas

telefônicas, a matéria escrita por Sérgio Dávila, um dos enviados da Folha em Nova York,

chama atenção.

Escrita de forma narrativa, em Horror em Nova York – Corpos e destroços compõem o

cenário, o jornalista conta de forma detalhada como foi o seu trajeto do prédio do jornal até o

World Trade Center, á quinze quadras. Ele narra não só o efeito físico nos arredores

causado pelo desabamento de uma das torres, como a reação das pessoas que se

encontravam na rua.

Um bom exemplo de jornalismo literário que não se prendeu a clichês e pode dar a nós, que

estávamos há milhares de quilômetros, uma noção de como as coisas estavam por lá.

Já outras matérias como Crianças de Nova York enfrentam clima de guerra após atentado e

NY vive caos, com filas parar doar sangue e estocar comida e dinheiro não são

propriamente sensacionalistas, mas, mesmo sem saber, aderem ao mecanismo quase

automático de usar palavras de efeito, como “colapso”, “guerra” e “caos”, para narrar os

acontecimentos. O que não é falso ou talvez nem indevido, é apenas digno de se ressaltar.

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Uma das matérias que mais chama a atenção na edição é “Nações renegadas” podem ter

colaborado. Escrita por um jornalista enviado aos Estados Unidos, a matéria já começa

mostrando de onde veio a opinião expressa no título: “Uma opinião era dominante entre as

dezenas de analistas ouvidos ontem pelas TVs americanas”.

Especialista por especialista e veículo por veículo, ele vai reproduzindo as opiniões que,

como já dito, convergem em um ponto dominante: que o grupo terrorista não agiu sozinho,

mas teve ajuda de países como Afeganistão, Iraque, Irã ou Líbia. O interessante a se

ressaltar nessa matéria não é apenas questionar por que um correspondente dentro dos

Estados Unidos precisou recorrer às TVs americanas e não foi atrás das suas próprias

fontes, mas sim ressaltá-la como uma prova de que a Folha de S. Paulo acabou aderindo às

infundadas opiniões que tomaram conta de alguns veículos americanos.

Ao invés de ir atrás de outras fontes e escrever uma matéria que confirme ou não tais

opiniões, o jornal preferiu pegar depoimentos de especialistas em TVs locais para tomar

como verdade única. É cabível perguntar o que acha, então, um especialista (ou estudioso)

de algum dos países acusados de darem apoio ao grupo. Será que a opinião continuaria

“dominante”?

Em sua coluna de opinião, intitulada Zona de Guerra, Janio de Freitas é o primeiro a fazer

um levantamento interessante, que sempre é lembrado por estudiosos do assunto: no

mesmo dia dos ataques, por exemplo, os Estados Unidos estavam bombardeando o Iraque.

Sem se dar conta ou se importar, a imprensa compra uma briga – a Folha e a Veja seguiram

esse caminho – de forma completamente imparcial e injusta. O fato de os atentados

terroristas terem sido cometidos por árabes mulçumanos, informação que ainda não havia

sido provada no dia seguinte, já é motivo para que a mídia faça julgamentos sobre todo um

povo e uma cultura.

Tais opiniões que, na maioria das vezes, não têm embasamento teórico nenhum são

passadas como verdade absoluta para o público. O bombardeio americano foi ignorado

pelos dois veículos pesquisados. Nenhum julgamento moral, como foi feito repetidas vezes

com o povo árabe, foi feito com a atitude americana. A coluna do Janio de Freitas elucida

isso.

É na quinta-feira, dia 13 de setembro, que um dos principais nomes do jornal se pronuncia

em uma coluna, intitulada Guerra Invisível, assinada por ele. Otávio Frias Filho, ao invés de

fazer um julgamento ou análise do ato terrorista em si, faz uma pequena retrospectiva do

cenário do terrorismo internacional e fala das possíveis conseqüências de tais atos. Quase

dez anos depois, podemos ver que ele acertou em algumas de suas previsões, como “um

presidente até aqui fraco deverá fortalecer-se por efeito da coesão nacionalista interna”

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(George W. Bush foi reeleito em 2004, dessa vez, sem questionamento na contagem de

votos) e “intervenções em nome da ‘civilização’, como nas guerras do Golfo e dos Bálcãs,

contarão com apoio internacional mais amplo e talvez se tornem rotina” (em resposta direta,

os Estados Unidos começaram a Guerra do Afeganistão, que não acabou até hoje, e foram

apoiados por países como o Reino Unido).

Mais lúcido que a maioria, o artigo de Frias Filho não se refere ao que aconteceu em Nova

York como “guerra”, o nome que consta no título se refere a o que, segundo ele, seria o

substituto da Guerra Fria, previsão essa que ainda não pode ser confirmada ou descartada.

Nessa edição também consta uma reunião de análises sobre diferentes pontos ligados aos

ataques. Dentre elas, está a entrevista de Maurício Santos Dias com o historiador Kennedy

Maxwell. Com perguntas diretas e bem feitas, o jornalista toca em pontos como a situação

dos árabes residentes nos Estados Unidos, a atitude da imprensa e a reação americana.

Porém o melhor texto dessa edição, e provavelmente de toda a cobertura, foi um artigo do

escritor israelense Asmo Oz. O texto aborda o assunto de uma forma sensível e

extremamente sensata, sem fazer julgamento nenhum, nos lembra: “nenhum ser humano

decente se esqueça de que a imensa maioria dos árabes e outros muçulmanos não é

cúmplice do crime nem se regozija com ele. Quase todos estão tão chocados e aflitos

quanto o resto da humanidade”.

Tal afirmação, evidentemente, parece óbvia, porém, como estamos mostrando, esse

sentimento de vingança e ódio levou a muitos, inclusive membros da imprensa, proferirem

palavras preconceituosas e generalizadas em relação às pessoas de origem árabe ou da

religião mulçumana. Ainda mais por não ter sido um texto escrito para o jornal, foi um ponto

alto de sua cobertura tê-lo publicado.

Na sexta-feira, dia 14 de setembro, mais uma vez, além das matérias técnicas sobre os

seguros e a paralisação da Bolsa, o que mais chama atenção são os comentários, artigos e

análises.

Milly Lacombe, enviada da Folha em Los Angeles, entrevistou Larry Wright, escritor de Nova

York Sitiada – que virou filme – e escreveu um artigo. No livro (1997) e no filme (1998), a

cidade fica sob lei marcial no comando do exército enquanto terroristas detonam bombas.

Os terroristas culpados eram árabes.

O artigo, intitulado A Profecia, é prudente ao lembrar que ainda não se sabia naquele dia

quais eram os culpados, os “inimigos”. Uma das partes que ela transcreve é um importante

lembrete proferido por Wright: “Isso me apavora. Não podemos cair na tentação nazista de

generalizar e eleger uma raça como inimiga."

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Outra análise do mesmo dia que aborda e ficção é o artigo de Sérgio Rizzo chamado

Fantasia nunca se atreveu a imitar o horror da realidade. Ele faz uma abordagem sobre

vários momentos do cinema os quais tiveram relação com o tema, como filmes sobre

sequestro de avião e os chamados “filmes-catástrofe”.

Marcio Aith, de Washington, escreveu um comentário que trata sobre o preconceito que os

árabes e descendentes estavam sofrendo. Ele próprio, descendente de sírios e libaneses,

chegou a sofrer preconceito.

Os temas patriotismo e insegurança foram abordados por Álvaro Pereira Júnior, enviado

especial em São Francisco. No texto Patriotismo toma conta dos americanos em todo o

país, ele expõe como o patriotismo e amor à bandeira americana aumentaram em grande

escala após os ataques e lembra que “comunidade islâmica enfrenta manifestações de

hostilidade”.

A edição trás ainda uma matéria sobre um marroquino preso no Brasil que disse ter

informações privilegiadas sobre os atentados. Até a embaixada americana no Brasil e o FBI

entraram no caso que, como lembrou o jornal, poderia não passar de um blefe. Mas serve

para expor o clima que estava instalado, não só nos Estados Unidos.

A Folha do dia 15 de setembro, um sábado, trouxe duas matérias sobre o comportamento

americano e o comportamento mundial perante os ataques. Em Bush é ovacionado em

visita a NY, Sérgio Dávila mostra que, mesmo o presidente que enfrentava oposição na

cidade e estado de Nova York, foi muito aplaudido e elogiado devido ao clima de euforia

patriota. Em Mundo unido contra o terror, o jornal fala das diversas manifestações que

ocorreram ao redor do mundo em memória às vitimas, mas lembrou ainda que, mesmo

havendo milhares de mulçumanos prestando homenagens, vários templos foram pichados e

o clima de xenofobia estava aumentando no país.

Mais um artigo escrito por Marcio Aith, Mídia filtra tragédia e poupa Bush, trás uma análise

interessante para a pesquisa. Segundo ele, o clima patriótico presente no país durante

aqueles dias guiou o tratamento dos jornais norte-americanos em relação a Bush. “A

prioridade dos meios de comunicação tem sido a de ‘curar’ feridas emocionais causadas

pelo desastre na população”, escreveu ele. Isso fez com que a imprensa e as redes

televisivas transmitissem mais e mais as imagens e dramas pessoais das famílias, mas não

fizesse perguntas chaves, como, por exemplo, como os terroristas conseguiram furar o

sistema de inteligência americano, considerado o melhor do mundo.

Um dos editoriais publicados nesse dia foi mais um ponto alto da cobertura da Folha.

Intitulado de Pela Culatra, ele trata do preconceito contra o mundo árabe e como os ataques

podem ter afetado Estados como o da Palestina. Ele ressalta um ponto importantíssimo, que

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foi ignorado pela revista Veja: analisa que, mesmo não tendo ainda certeza dos culpados,

fica difícil não associar à imagem árabe, já que várias imagens e vídeos exibem

comemoração nas ruas, todavia, o jornal lembra que “a esmagadora maioria dos palestinos,

como a esmagadora maioria dos seres humanos, condena com vigor crimes dessa

natureza”. Fala ainda que já culpar os árabes pelos ataques é “uma visão distorcida e com

contornos racistas”. Foi um editorial bem escrito, analítico e nada hipócrita.

O jornal publicou ainda uma análise financeira de Andrew Hill, do Financial Times, sobre os

efeitos dos atentados no mercado, intitulada Amanhã é o dia D.

O último dia previsto na nossa análise, 16 de setembro, o domingo, teve duas análises de

colunistas sobre o antiamericanismo, que, em contraponto à crescente xenofobia nos

Estados Unidos, vinha também crescendo no mundo.

Contardo Calligaris em uma grande análise da ação terrorista chamada A face oculta do

antiamericanismo faz a seguinte pergunta sobre os ataques a um dos maiores símbolos

americanos: “o show era para quem?”. Explica que a aposta dos terroristas era que, em

vários lugares do mundo, muita gente gostou de ver um dos maiores símbolos do

capitalismo e materialismo ser derrubado. O imaginário foi à mil.

Citando pesquisas feitas pelas redes de televisão e sites, ele mostra que a grande maioria

dos americanos entrevistados era a favor de uma retaliação. Esta briga de sentimentos

repercutiu no mundo inteiro. Para ele, era um bom momento para reflexão sobre todas

essas questões.

Já para Elio Gaspari, em Celso Furtado comprou a teoria do Grande Satã, esse

antiamericanismo cresceu no Brasil, e isso se deve em parte a um sentimento de

inferioridade presente em nós. Ambos tentam mostrar que muitas vezes culpamos os

Estados Unidos por problemas internos.

O que é interessante na publicação dos dois artigos é mostrar que a Folha, pelo menos

nessas cinco primeiras edições, não embarcou em sentimento algum. Não formou um “lado

bom, lado ruim”, seja ele os Estados Unidos ou qualquer país árabe. A análise sobre os

acontecimentos está mais presente no jornal diário que, com o passar dos dias, foi

dedicando cada vez menos espaço para o ocorrido.

Conclusão

Ao se fazer a análise mais detalhada da cobertura feita pelas duas mídias, podemos chegar

a certas conclusões – algumas alarmantes – sobre cada cobertura específica e sobre

algumas diferenças entre elas.

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A falta de cuidado com as generalizações foi muito presente na cobertura da Veja. A maioria

do material publicado não procurou diferenciar a nacionalidade dos cidadãos árabes, como

se identificá-los como “árabes” fosse o bastante. Raramente lê-se “iraquianos”,

“paquistaneses” ou “iranianos”, são todos “árabes”.

A situação piora quando a generalização parte para a religião. Não são apenas árabes, são

mulçumanos. Para a revista, não importa se o cidadão nasceu no Afeganistão ou nos

Estados Unidos, sendo mulçumano, ele só tem duas escolhas: ser “radical” ou “moderado”.

Mais que uma generalização, é um preconceito.

Já a Folha de S. Paulo procurou não criar muitos rótulos. Pouquíssimas vezes foram usados

em suas análises termos de generalização.

Isso denota outro grave problema presente durante quase toda a cobertura da Veja: a falta

de embasamento teórico. Quando se trata com uma cultura tão diferente da nossa, espera-

se que seja feito com cuidado, para que o jornalista mostre o diferente para o leitor, e não

endosse os preconceitos. Mas essa cobertura, tratando os mulçumanos desse modo, por

exemplo, fez o contrário: rotulou e tratou de forma simplista misturando culturas, nações e

religião. Passa a impressão que tudo é um só. Enquanto isso, os ensaios da Folha

procuraram emitir suas opiniões, em sua maioria, embasadas em pesquisas, entrevistas e

vivência (já que havia enviados por todo o país).

Na revista Veja, como já foi dito, foram raras as vezes em que as matérias foram

apresentadas com algum contexto histórico ou cultural necessário. Quando isso ocorreu,

como no uso do quadro citado, foi de forma rasa e nada esclarecedora. O leitor foi

apresentado a um grande número de informações, a maioria delas relatava os

acontecimentos recentes e outra parte tentava explicar o porquê desses acontecimentos.

Nessa segunda parte está o problema.

Ao tentar fazer essa explicação, regidas pelo editorial, as matérias analisadas caiam no

lugar comum do preconceito, cometendo o erro que Francisco de Melo Neto advertiu:

confundir atos terroristas com atos de guerra. E pior: a revista reforçou a ideia de que era

uma guerra do Ocidente contra o Oriente.

Muitas vezes tínhamos a impressão de que o ataque terrorista estava ameaçando não só a

democracia norte-americana, como a mundial, inclusive a brasileira. Ao fazer essa leitura

mal embasada, a revista reforçou o objetivo do ato terrorista: propagou insegurança e fixou

a marca do medo.

Todavia, em parte por ser um jornal, quase todas as matérias presentes na Folha não

tinham nem um histórico. Como vimos, ao tratar de vários incidentes, raramente era

construído um quadro contextualizado.

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Ambas as coberturas também não pouparam em imagens. Desde as imagens das torres

explodindo até imagens de pessoas se jogando delas. Legendadas com mensagens

sensacionalistas como Nova York em chamas, elas foram determinantes na formação de um

clima de insegurança e medo. Em suma, tudo que um atentado pretende.

Por fim, a grande diferença entre a cobertura da Veja e da Folha está presente na parte que

deveria, teoricamente, ser a mais analítica e coerente: o editorial. Sem fundamento teórico

algum, do começo ao fim, a Carta ao leitor não só reforçou preconceitos como muniu os

preconceituosos de novos argumentos infundados.

Sem deixar bem claro se está se referindo especificamente aos terroristas que atacaram os

Estados Unidos ou aos mulçumanos ou árabes de uma forma geral, lemos uma carta de

repúdio. Mas não de repúdio apenas aos ataques, a generalização é tão grande e tão mal

feita que deixa o leitor em dúvida se o repúdio não é a todo um povo.

Já a Folha teve os editorias – um deles assinado, inclusive – e as análises de opinião seu

ponto forte, pois vários assuntos acerca dos atentados, principalmente mídia e preconceito,

foram discutidos nesses espaços de forma analítica e na maioria das vezes coerentes. O

jornal, no entanto, pecou ao, muitas vezes, usar como fonte redes de televisão americanas.

Uma cobertura como a feita pela revista Veja não deve ser pensada apenas como um

exercício mal feito de jornalismo, mas também como uma questão ética, que não está na

proposta deste trabalho analisar. Porém, ao publicar matérias com tantas falhas, a revista

deixa o leitor leigo, que confia nela para se informar, a mercê de preconceitos.

É trabalho do jornalista e dos veículos midiáticos passarem a informação da maneira mais

imparcial possível e com menos preconceitos arrobados. A cobertura de uma revista tão

respeitada não tomou esse cuidado e, em alguns momentos, fez o contrário: reforçou

preconceito contra uma religião, algumas nações e algumas culturas. Sem querer eleger

qual o melhor veículo, ambas tiveram seus pontos altos e baixos, só que uma teve mais

pontos que positivos e a outra, mais negativos. São nesses pontos positivos, como textos

analíticos e mais imparciais possível, que devemos nos espelhar para fazer bom jornalismo.

Referências

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Contato: lucas.bteixeira@gmail; [email protected]