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Universidade do Grande Rio Prof. José de Souza Herdy – UNIGRANRIO Luciana Andrade Pais Rosa JOGOS, BRINCADEIRAS, LEITURA E ESCRITA: RELAÇÕES IMPORTANTES NA EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS SURDAS Duque de Caxias 2010

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Universidade do Grande Rio Prof. José de Souza Herdy – UNIGRANRIO

Luciana Andrade Pais Rosa

JOGOS, BRINCADEIRAS, LEITURA E ESCRITA: RELAÇÕES IMPORTANTES NA

EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS SURDAS

Duque de Caxias 2010

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LUCIANA ANDRADE PAIS ROSA

JOGOS, BRINCADEIRAS, LEITURA E ESCRITA: RELAÇÕES IMPORTANTES NA

EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS SURDAS

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Pós-graduação em Letras e Ciências Humanas da Universidade do Grande Rio Prof. José de Souza Herdy, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Letras e Ciências Humanas Área de concentração: Letras e Ciências Humanas Orientadora: Prof.ª Drª Haydéa Maria Marino de Sant’Anna Reis Co-orientador: Prof. Dr. Rogério Casanovas Tílio

Duque de Caxias 2010

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CATALOGAÇÃO NA FONTE/BIBLIOTECA – UNIGRANRIO

R788j Rosa, Luciana Andrade Pais.

Jogos, brincadeiras, leitura e escrita: relações importantes na educação de crianças surdas / Luciana Andrade Pais Rosa. – 2010.

140 f. ; 30 cm. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Letras e Ciências Humanas) – Universidade do Grande Rio “Prof. José de Souza Herdy” Escola de Educação, Ciências, Letras, Artes e Humanidades, 2010. “Orientador: Profª. Haydéa Maria Mariano de Sant’Ana Reis”. “Co-Orientador: Prof. Rogério Casanovas Tílio Bibliografia: 130-137 1. Letras. 2. Educação Infantil. 3. Mediação. 4.Surdez.. I. Reis, Haydéa Maria Mariano de Sant’Ana. II. Tílio, Rogério Casanovas. III.Universidade do Grande Rio “Prof. José de Souza Herdy.” IV. Título.

CDD - 400

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Dedico este trabalho aos meus pais e padrinhos que foram o alicerce de toda a minha formação pessoal e profissional e que sempre me apoiaram em todas as minhas escolhas.

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AGRADECIMENTOS

A DEUS, pela oportunidade de realizar este sonho.

Ao meu marido Welington, pelo incentivo em meus estudos, carinho e paciência

nas horas difíceis.

Ao meu filho Ygor, por compreender minha dedicação aos estudos e torcer por

esta conquista.

Aos meus irmãos, especialmente à Ângela Maria pelas orações.

Ao amigo Miguel Arcanjo do Nascimento que me incentivou a iniciar esta

caminhada.

A todos os amigos da UNIGRANRIO e do CAP/INES, pelo incentivo durante

todo o curso, especialmente à amiga Ana Lucia do Nascimento que me acompanhou nessa

caminhada e pela sua presença em todos os momentos.

Aos Professores Doutores da UNIGRANRIO que durante esse período me

incentivaram e vibraram com cada conquista.

Ao meu co-orientador Professor Drº Rogério Tílio que com muita sabedoria me

apoiou e acreditou na relevância deste tema, pela paciência e atenção dispensadas nas horas

difíceis, tornando mais fácil e possível essa conquista.

À Profª Drª Haydéa Maria Marino de Sant’Anna Reis, pelo tempo dedicado a este

trabalho e pela leveza de gestos e de fala, pelas intervenções precisas, pelo pensar o trabalho

conjuntamente na condução do processo de orientação.

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Brincando se aprende a viver Michael Sullivan e Dudu Falcão

No final do arco-íris mora uma criança, que pintou no céu as cores da esperança,

para fazer do mundo um lugar feliz. O sopro de uma brisa sopra o cata-vento, cada coisa tem seu tempo e seu momento:

um dia do mestre, um dia do aprendiz. Refrão:

E brincando se aprende a viver, cantando para não esquecer que adulto também é criança.

E brincando se aprende a crescer, e o adulto não pode perder a doce magia da infância.

Na estrela mais brilhante a luz da alegria, tudo no mundo tem o dom da fantasia,

é só procurar dentro do coração. O planeta Terra gira pelo universo. O poeta gira em torno do seu verso,

escrevendo a vida em forma de canção.

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RESUMO

A presente pesquisa teve por objetivo conceber a relevância atribuída pelas professoras da

educação infantil do CAP/INES aos jogos e às brincadeiras no processo ensino-aprendizagem,

especialmente no desenvolvimento da leitura e da escrita como fenômenos que envolvem

habilidades, comportamentos e conhecimentos. Para compreender o funcionamento lúdico da

criança e o papel do outro nas aprendizagens, esta pesquisa ancorou-se na abordagem

histórico-cultural proposta pelos estudos de Vigotski [1978 (2007)]. O delineamento

metodológico esteve voltado para o estudo de caso tendo como principal ferramenta de coleta

de dados a observação direta e o questionário respondido pelas professoras, sujeitos desta

pesquisa. Os resultados revelaram que os jogos e as brincadeiras estão presentes nas práticas

pedagógicas das professoras da educação infantil do CAP/INES e que esses fornecem um

contexto apropriado para que o desenvolvimento da leitura e da escrita ocorra a partir das

perspectivas das próprias crianças, o que vem legitimar o potencial educativo dos jogos e das

brincadeiras. A pesquisa em questão deverá promover iniciativas na área da educação infantil,

especial e inclusiva, incentivando os docentes a refletirem sobre suas práticas e auxiliando-os

a encontrarem nos jogos e nas brincadeiras um recurso que promove oportunidades de

desenvolvimento e aprendizagem para a criança surda.

PALAVRAS-CHAVE: Jogos e Brincadeiras, Leitura e Escrita, Mediação, Educação Infantil,

Surdez

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ABSTRACT

This research aimed at designing the importance given by teachers from kindergarten CAP/

INES games and play in the teaching-learning process, especially in the development of

reading and writing as phenomena involving skills, behaviors and knowledge. To understand

the novelty of the child and the role of others in learning, this study was anchored in the

historical-cultural approach proposed by the studies of Vigotski [1978 (2007)]. The

methodological design was focused on the case study with the primary data collection tool for

direct observation and questionnaire answered by teachers, subjects in this research. The

results revealed that games and the games are present in the pedagogical practices of teachers

from kindergarten CAP/INES and that these provide an appropriate context for the

development of reading and writing occurs from the perspectives of children themselves,

which comes to legitimize the educational potential of games and entertainments. The

research project will promote initiatives in the area of early childhood education, special and

inclusive, encouraging teachers to reflect on their practices and helping them to find in games

and play a resource that promotes learning and development opportunities for deaf children.

KEYWORDS: games and jokes, reading and writing, mediation, child education, deafness

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

a.C. Antes de Cristo AEL Assistente Educacional em Libras ASL American Sign Language CA Classe de Alfabetização CAP Colégio de Aplicação dB Decibéis DIESP Divisão de Estudos e Pesquisas ECA Estatuto da Criança e do Adolescente FENEIS Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos IESP Instituto Educacional São Paulo INES Instituto Nacional de Educação de Surdos ISBE Instituto Superior Bilíngue de Educação L1 Primeira Língua L2 Segunda Língua LDB Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional LIBRAS Língua Brasileira de Sinais LOF Leitura orofacial LOL Leitura labial LSF Langue de Signes Française MEC Ministério da Educação e Cultura Nc Nota de campo PCNs Parâmetros Curriculares Nacionais RCNEI Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil SEDIN Serviço de Educação Infantil

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TCLE Termo de Consentimento e Livre Esclarecimento UERJ Universidade do Estado do Rio de Janeiro UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura UNIGRANRIO Universidade do Grande Rio UVA Universidade Veiga de Almeida ZDP Zona de Desenvolvimento Proximal

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1. Caracterização do SEDIN ..................................................................................... 64 Tabela 2. Perfil das Professoras ............................................................................................ 65 Tabela 3. Nível de Formação das Professoras ...................................................................... 65 Tabela 4. Estrutura do Questionário...................................................................................... 69

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1. Os meios e a frequência com que as professoras se atualizam ......................... 74 Quadro 2. Nível de clareza, disponibilidade e envolvimento das professoras com o tema pesquisado ......................................................................................................... 76 Quadro 3. Formas de Comunicação ................................................................................... 77 Quadro 4. Conceito de Jogos e Brincadeiras ...................................................................... 87 Quadro 5. Dia da brincadeira??? ........................................................................................ 88 Quadro 6. Articulação Conteúdo curricular/Jogos e Brincadeiras ..................................... 90 Quadro 7. Interação com os brinquedos, com os objetos e com os colegas ....................... 97 Quadro 8. Conceito de letramento...................................................................................... 101 Quadro 9. Produção textual espontânea ............................................................................. 106 Quadro 10. Articulação Jogos e Brincadeiras/Leitura e Escrita ........................................ 113 Quadro 11. Postura do professor nas atividades de letramento ......................................... 116 Quadro 12. Postura dos pais em relação aos jogos e as brincadeiras nas atividades de leitura e escrita ............................................................................................... 117 Quadro 13. Jogos e brincadeiras/Leitura e escrita ............................................................. 122

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................ 14

1 REFERENCIAL TEÓRICO ........................................................................... 23

1.1 Educação de Surdos: Do passado ao presente, da exclusão à inclusão ....... 23

1.2 Surdez: alguns aspectos significativos ............................................................ 27

1.2.1 A língua brasileira de sinais ............................................................................. 30

1.2.2 A linguagem, a língua e o processo de letramento da criança surda .............. 34

1.3 A Educação Infantil e a brincadeira: propostas e desafios ......................... 40

1.3.1 Vigotski: brincadeira e desenvolvimento .......................................................... 44

1.3.2 Os jogos, as brincadeiras e os brinquedos ........................................................ 47

1.3.3 O brincar da criança surda ............................................................................... 51

1.3.4 O professor, a criança e as aprendizagens ....................................................... 54

2 METODOLOGIA E CONTEXTO DE PESQUISA ..................................... 58

2.1 Proposta de estudo ........................................................................................... 59

2.2 O contexto da pesquisa .................................................................................... 62

2.2.1 Local escolhido para pesquisa .......................................................................... 62

2.2.1.1 Serviço de educação infantil-SEDIN .................................................................. 63

2.2.2 Os participantes ................................................................................................. 64

2.2.3 Aproximação com a escola ................................................................................ 66

2.3 Instrumentos de coleta de dados ..................................................................... 67

2.3.1 Questionário ...................................................................................................... 67

2.3.2 Observação ......................................................................................................... 70

3 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS COLETADOS ................ 73

3.1 Contextualizando a análise .............................................................................. 73

3.1.1 O contexto escolar ............................................................................................. 73

3.1.2 As professoras e os alunos do SEDIN .............................................................. 74

3.1.3 A educação infantil e a criança surda .............................................................. 84

3.2 Jogos e brincadeiras: sua importância para criança surda ......................... 86

3.3 Jogos e brincadeiras/Leitura e escrita: uma prática possível na educação

de crianças surdas ............................................................................................

101

CONCLUSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................ 124

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................... 130

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ANEXO I Termo de Solicitação de Campo ...................................................... 138

ANEXO II Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ................................ 139

APÊNDICE I Questionário ............................................................................... 140

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INTRODUÇÃO

O meu interesse em relação à surdez iniciou-se na escola primária quando tive, na

4ª série, como colega de turma um menino surdo, que apesar de oralizar muito bem, também

utilizava gestos para se comunicar. Carlos Alberto usava uma prótese auditiva, porém, todas

as vezes que se deparava com situações difíceis desligava-a e fechava os olhos, desligando-se

completamente do mundo. Ele ficava bastante incomodado quando a professora lhe colocava

para sentar lá no final da sala ou quando ela falava virada para o quadro ou em qualquer

situação que ela não olhasse para ele. Para a professora ele era muito rebelde, pois tinha

dificuldade de aceitar coisas simples, que qualquer outro aluno fazia com naturalidade, como

por exemplo, trocar de lugar. O que a professora não sabia era que ao tratá-lo igual aos outros,

ela não reconhecia a sua diferença e, portanto, não respeitava as suas limitações e tampouco

adaptava suas ações às necessidades desse aluno. No final do ano, cansado de meias

informações, como ele mesmo falava, Carlos Alberto saiu da escola, mas deixou em mim o

encantamento por esse universo.

O encantamento semeado na infância resultou profissionalmente em uma

experiência de dezenove anos como professora do Serviço de Educação Infantil-SEDIN do

Colégio de Aplicação do Instituto Nacional de Educação de Surdos – CAP/INES. O

envolvimento com as questões da infância, da criança e do desenvolvimento infantil de

crianças surdas não restringiu minha atuação à sala de aula, mas proporcionou-me também,

através das assessorias técnicas e seminários dos quais participei como palestrante, contatos

com diversos professores que atuam nesse segmento.

As inquietações mais frequentes desses profissionais estavam atreladas ao

processo de aquisição da leitura e da escrita na educação infantil, o que me estimulou a

aprofundar meus conhecimentos nessa área. Desses estudos surgiram reflexões que me

despertaram o interesse em compreender melhor como tais práticas vinham sendo propostas

na educação infantil do CAP/INES reconhecido como Centro Referência na Área da Surdez.

A preocupação com o desenvolvimento da leitura e da escrita na educação infantil

torna-se pertinente, principalmente quando nos deparamos com estatísticas como essa: no dia

10 de março de 2009, a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro realizou uma

avaliação para identificar o nível de alfabetização dos estudantes dos 4º, 5º e 6º anos do

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ensino fundamental. Cerca de 14% dos 210 mil alunos foram considerados analfabetos

funcionais1

As crianças surdas, filhas de pais ouvintes, dificilmente são expostas à língua de

sinais precocemente e por isso têm suas possibilidades comunicativas reduzidas quando

comparadas com as crianças ouvintes, pois não adquirem naturalmente a língua majoritária,

ou seja, a língua oral comum à maioria das pessoas ouvintes. Tal fato contribui para que essas

.

Atualmente o que vemos é uma sociedade onde as práticas de leitura e escrita

vêm se multiplicando a cada dia, e uma prática educacional que, na maioria das vezes, não

acompanha esse crescimento e que ainda acredita ser suficiente ensinar a criança a ler e a

escrever palavras isoladas, decodificar signos. A proposta de sistematização do ensino na

primeira infância vem crescendo tanto que não há mais tempo para as crianças

experimentarem, criarem, inventarem, construírem, interagirem, brincarem... O “ensinar” tem

sido uma prática mais comum na educação infantil do que o “experimentar”. Tal constatação

reflete nas ações dos profissionais desse segmento que a cada dia cobram das crianças

habilidades e conhecimentos que elas ainda não possuem.

Cabe aqui destacar que as experiências com o letramento não anulam as técnicas

para alfabetização, mas essas sozinhas não mais capacitam o homem para se relacionar com

suas práticas sociais, pois o limitam muito em suas possibilidades. É preciso saber fazer usos

da leitura e da escrita; é imprescindível ler e escrever coisas com sentido.

Apesar de vivermos em uma sociedade letrada, muitas de nossas crianças são

privadas de presenciar atos reais de leitura e escrita. A situação da criança surda, filha de pais

ouvintes, é bem mais complexa, pois envolve a defasagem lingüística proveniente, entre

outros fatores, do bloqueio de comunicação que se instaura entre pais e filhos com a

descoberta da surdez. Sacks (1990) faz uma comparação bastante curiosa dessa realidade

linguística que vive a criança surda:

Ela estava longe de ser estúpida; mas como nasceu surda, seu vocabulário, adquirido devagar e com a maior dificuldade, ainda era pequeno demais para lhe permitir a leitura por diversão ou prazer. Em consequência, quase não havia meios pelos quais pudesse absorver as informações diversas e temporariamente inúteis que as outras crianças inconscientemente adquirem através da conversa ou da leitura ao acaso. Quase tudo o que ela sabia lhe fora ensinado ou tivera de aprender. E isto é uma diferença fundamental entre as crianças que ouvem e as que nascem surdas [...]. (SACKS,1990, p. 28).

1 É considerado um analfabeto funcional a pessoa que - mesmo com a capacidade de decodificar minimamente as letras, geralmente frases, sentenças e textos curtos - não desenvolve a habilidade de interpretação de textos. (www.todospelaeducação.org.br – acessado em 05/02/2010)

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crianças apresentem um déficit no seu desenvolvimento global, que inclui dificuldades de

ordem emocional, social e cognitiva.

Ao ingressar na educação infantil, as crianças surdas deparam-se com algumas

dificuldades, dentre elas a de comunicação e socialização. Os profissionais que lidam com

essa realidade vivem em constante busca de recursos e estratégias para interagir com essas

crianças que a priori encontram-se em processo de aquisição de uma língua, seja ela oral ou a

língua de sinais. Nesse contexto, diferentes formas de linguagens são utilizadas para estimular

e promover a interação e a aprendizagem desses sujeitos. Para subsidiar esta prática, torna-se

fundamental a ação do educador como mediador nesse processo, ajudando a criança surda na

sua formação, ampliando suas linguagens, desafiando o raciocínio, construindo conceitos, etc.

Os jogos e as brincadeiras tornam, na maioria das vezes, mais fácil a interação da

criança nesse novo universo, pois já fazem parte da sua realidade em seu próprio meio. As

atividades que envolvem esse tipo de linguagem são influenciadas por diversos fatores

externos, como os objetos, outras crianças e os adultos. Sobre essa relação, Kato, 2004, p. 120

afirma “que o homem nasce com algum tipo de equipamento inato, que lhe permite interagir

com os objetos de seu ambiente e deles extrair significado”.

Sabemos que a infância é o período em que a criança, surda ou ouvinte, faz as

mais importantes observações, experimentos e descobertas de sua vida e que toda

aprendizagem é construída a partir de desafios propostos na interação com o outro. O trabalho

desenvolvido na educação infantil de surdos deverá oportunizar e incentivar a criança a

vivenciar situações significantes que a auxilie na construção do conhecimento. Os jogos e as

brincadeiras são, por excelência, o meio mais fácil para a criança alcançar tais objetivos, pois,

através dessa prática, ela desenvolve importantes capacidades. “A ação do professor em

relação ao brincar, enquanto mediador do processo pedagógico, envolve muitos

procedimentos, muitas vezes silenciosos, para que a brincadeira alcance toda a sua plenitude”

(MARTINS, 2009, p. 31).

O grande privilégio da criança é poder aprender brincando. As aprendizagens

nesse período se constroem a partir da vivência, das experiências e, especialmente, a partir da

interação com o outro; é através e por meio da brincadeira que a criança experimenta, cria,

inventa, constrói, aprende, interage, resolve problemas...

Nesse contexto, faz-se necessário destacar que a brincadeira é considerada,

então, um processo de relações entre a criança e o outro, e que o educador desenvolve um

papel muito importante nessa relação, pois é ele quem irá dinamizar e favorecer a

aprendizagem das crianças surdas. A eficiência da interatividade aluno/professor cria

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oportunidades educacionais que preconizam a relação entre a teoria e a prática e o brincar e o

aprender. Martins (2009, p. 32) afirma que “a brincadeira é, sem dúvida, uma ação educativa

para infância e deve ser considerada com todos os seus atributos na Educação Infantil, e sem a

efetiva ação do professor ela não encontrará a sua plena possibilidade”.

Todas essas reflexões abordadas até aqui foram amadurecendo durante o curso

de mestrado; algumas trouxeram questionamentos que motivaram o desenvolvimento desta

pesquisa, que concebendo a perspectiva social da constituição do indivíduo e tentando

compreender o funcionamento lúdico da criança surda bem como o papel do outro nas

aprendizagens desse sujeito, se ancorou na abordagem histórico-cultural proposta pelos

estudos de Vigotski [1978 (2007)].

Reconhecendo, portanto, que o brincar tem um papel central nesse contexto

educacional, e motivada pela inter-relação existente entre teoria/prática,

brincadeira/aprendizagem e pela necessidade de mostrar que na primeira infância o mundo

deve ser experimento e não sistematizado, especialmente no que diz respeito às práticas de

leitura e escrita, optei por estudar as seguintes questões de pesquisa:

• Como os jogos e as brincadeiras, que sempre estiveram associados a uma

prática recreativa, podem oferecer à criança surda subsídios para o

desenvolvimento de vários sistemas e de habilidades necessárias para a

construção de conhecimentos sobre a leitura e a escrita?

• Quais práticas de leitura e escrita são experimentadas pelos alunos da

educação infantil do CAP/INES que os auxiliam na compreensão do

Português como segunda língua?

• Em que contexto essas práticas de leitura e escrita acontecem?

• Qual o papel do professor nesse contexto?

Dentro deste contexto, parti da seguinte hipótese: por conhecerem as

necessidades e limitações das crianças surdas, os professores da educação infantil do

CAP/INES concebem em suas práticas os jogos e as brincadeiras como um meio possível para

alcançar os objetivos curriculares de leitura e escrita, pois acreditam que eles oferecem às

crianças um ambiente rico de significados e que a criatividade presente nessas atividades não

cristaliza o ato pedagógico.

Por esta pesquisa tratar de compreender uma instância singular, optei pelo estudo

de caso (Martins, 2008; Yin, 2001; Lüdke & André, 1986; Gil, 1989), como delineamento

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metodológico que me oportunizaria maiores chances de estudar mais profundamente e captar

diretamente as informações sobre as possibilidades oferecidas pelo lúdico no processo de

letramento de crianças pré-escolares surdas, alunas do Centro de Referência na Área da

Surdez, local escolhido para a realização desta pesquisa. Os sujeitos desta pesquisa foram as

cinco professoras da educação infantil do CAP/INES. Esse número de sujeitos representa a

totalidade de docentes regentes de turma na pré-escola.

Para conduzir tal estudo, utilizei como instrumento de coleta de dados um

questionário misto destinado às professoras e a observação direta em sala de aula das suas

práticas. Para os registros foram realizadas filmagens e notas de campo, onde foram descritas

conversas informais. A pesquisa em questão foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa da

UNIGRANRIO, e recebeu parecer favorável à sua realização.

A presente pesquisa teve como objetivo principal conceber a relevância atribuída

pelas professoras da educação infantil do CAP/INES aos jogos e às brincadeiras no processo

ensino-aprendizagem, especialmente no desenvolvimento da leitura e da escrita como

fenômenos que envolvem habilidades, comportamentos e conhecimentos. Nesse contexto

foram estabelecidos os seguintes objetivos específicos:

• Identificar na literatura especializada as relações entre jogos, brincadeiras

e educação;

• Identificar através dos questionários e das observações qual o lugar

atribuído pelos professores aos jogos e às brincadeiras no contexto escolar;

• Analisar o brincar da criança surda;

• Analisar a importância da língua de sinais no contexto escolar,

principalmente para o desenvolvimento de atividades de jogos,

brincadeiras e letramento;

• Observar o comportamento do professor como mediador no processo

educacional, especialmente durante a realização de atividades de

letramento;

• Analisar através dos questionários e das observações a prática do professor

quanto às relações estabelecidas entre jogos e brincadeiras em contextos

de desenvolvimento da leitura e da escrita em sala de aula.

Elenquei para este trabalho um conjunto de temas que estão intrinsecamente

interligados e que serão aqui desenvolvidos através de referencial teórico indispensável e

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articulados de forma a oferecer um conhecimento mais detalhado e consistente desse estudo

que se apresenta dividido em três capítulos, (i) Referencial teórico, (ii) Metodologia e

Contexto de Pesquisa e (iii) Análise e Interpretação dos dados Coletados, além desta

Introdução e das Conclusões e Considerações Finais.

O capítulo 2, REFERENCIAL TEÓRICO, propõe ponderação sobre a parte

teórica que norteia os discursos desenvolvidos durante a pesquisa. Esse Capítulo foi

subdividido em seções representadas pelos temas tratados neste estudo. Na primeira seção,

“Educação de Surdos: Do passado ao presente, da exclusão à inclusão”, apresentei um

breve histórico sobre a educação de surdos no Brasil, bem como a trajetória e a importância

do INES na construção dessa história. Destaquei nessa seção as diferentes abordagens

metodológicas que sempre tiveram relevância nos estudos sobre surdez. Para tanto, ancorei-

me principalmente nos seguintes autores: Rocha (2007), Mazzotta (2001), Beyer (2005),

Guarinello (2007), Goldfeld (2002).

Na segunda seção, intitulada “Surdez: alguns aspectos significativos”, discuti

alguns aspectos relevantes em relação à surdez e como esses aspectos influenciam no

desenvolvimento do sujeito surdo. Apresentei a concepção de surdez sobre dois prismas, o

primeiro a partir dos aspectos físico-biológicos, e o segundo como uma diferença cultural.

Para falar sobre esses e outros aspectos da surdez usei, entre outros autores, a Série

Audiologia/INES (2005), Goldfeld (2002) e Marchesi(1995).

A segunda seção foi divida em duas subseções. Na primeira, “A língua brasileira

de sinais”, abordo questões sobre a função dessa língua e o que ela representa para

comunidade surda, definições e, também, a legislação que a reconhece como meio legal de

comunicação e expressão. Com esse intuito, ancorei-me em autores como Skliar (2000),

Fernandes (1999), Goldfeld (2002), Rocha (2007), Soares (2002), Guarinello (2007), Sacks

(1989), Brito (1993), entre outros.

Na outra subseção, “A linguagem, a língua e o processo de letramento e o da

criança surda”, apresentei definições importantes sobre os conceitos de “língua” e de

“linguagem”, abordei questões relevantes sobre a comunicação e o desenvolvimento

linguístico da criança surda filha de pais ouvintes. Discuti sobre o processo de letramento, a

importância do outro nas práticas de leitura e escrita e como essas vêm sendo propostas para a

criança surda. Para tanto, procurei fazer um diálogo com diversos autores, entre eles

Fernandes (1999), Goldfeld (2002), Skliar (1998), Vigotski (1984 [2007]; 1987 [2008] ),

Bakhtin (1990), Marcushi (2008), Soares (2002), Fiorin (2007) e em documentos como

RCNEI (1998).

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Na terceira seção, intitulada “A Educação Infantil e a brincadeira: propostas e

desafios”, apresentei um breve histórico sobre a educação infantil, no qual destaquei os

autores que já consideravam, desde o século XVI, o brincar no processo educacional. Ainda

nessa seção, abordei os documentos que garantem à criança o direito à educação e abordei,

também, a importância de um ensino a partir de práticas prazerosas e significativas. Discuti,

ainda, a importância de se reconhecer as diferenças e especificidades das crianças surdas para

o desenvolvimento de uma proposta pedagógica que respeite as adversidades. Para falar sobre

as funções dessas instituições, usei documentos oficiais como RCNEI – Referencial

Curricular para Educação Infantil, PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais, LDB – Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional e a visão de Meyer (2003), Kramer (2003), Vigotski

(1984 [2007]), entre outros.

A terceira seção foi divida em quatro subseções. Na primeira, “Vigotski:

brincadeira e desenvolvimento”, considerando a perspectiva social da constituição do

indivíduo, apresentei as inferências da abordagem histórico-cultural e as teorias de Vigotski

[1978 (2007)] sobre brinquedo e desenvolvimento infantil, bem como o conceito de ZDP e

mediação.

Na segunda subseção, “Os jogos, as brincadeiras e os brinquedos”, defini

primeiramente os termos “jogos, brincadeiras e brinquedos”, dando especial atenção à

importância deles no desenvolvimento global da criança surda, assim como a função do

mediador neste processo; discuti também o papel do jogo no contexto social, além da sua

representação como atividade simbólica mais importante da idade infantil e como a criança

age num cenário imaginário. Para falar sobre o papel dos jogos e das brincadeiras e sua

importância para as aprendizagens da criança, reportei-me a diversos autores, dentre os quais

destaco Kishimoto (2006), Benjamin (1984), Winnicott (1977), M. Bakhtin (1990), Vigotski

(1984 [2007]), Brougère (1998).

Na terceira subseção, “O brincar da criança surda”, discuti os modos como as

crianças estão vivendo suas infâncias e como as brincadeiras mediam a compreensão que esse

sujeito constrói sobre o mundo em que vive. Procurei compreender, a partir do referencial

teórico indispensável, como as crianças surdas articulam suas experiências linguísticas com o

brincar, bem como a dinâmica utilizada por elas para organizarem essa atividade. Para isso,

ancorei-me em autores como Martins (2009), Vigotski (1984 [2007]), Silva (2002), Goldfeld

(2002), Góes (1997), e em documentos, como RCNEI (1998).

Na última subseção, “O professor, a criança e as aprendizagens”, considerei a

formação do profissional da educação infantil do passado ao presente. Acreditando que a

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brincadeira constitui, portanto, uma ação educativa, evidenciei para os profissionais que

atuam com crianças nessa faixa etária, surdas ou ouvintes, a importância de se compreender

as questões relacionada à infância, ao brincar e à educação infantil. Destaquei, também, a

importância do professor como agente gerador de ZDP, pontuando que a aprendizagem

também ocorre a partir da intervenção das crianças e que em toda brincadeira se constrói

conhecimentos. Para tratar dessas questões baseei-me em diversos autores, dentre os quais

destaco Wajkop (1999), Vigotski (1984 [2007]), e em documentos, como RCNEI (1998).

No capítulo 3, METODOLOGIA E CONTEXTO DE PESQUISA, procurei

fazer um delineamento minucioso dessa pesquisa, com descrição de todas as etapas que

compõem a metodologia, obedecendo ao rigor científico exigido. Lembro que a metodologia

utilizada, os instrumentos de coleta de dados e os principais procedimentos realizados durante

a pesquisa de campo e o contexto desta já foram mencionados anteriormente. Dentre os

autores que ajudaram no detalhamento histórico-conceitual-metodológico desse capítulo,

destaco Martins, (2008); Yin, (2001); Lüdke & André, (1986); Gil, (1989) Minayo (1993).

No capítulo 4, ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS

COLETADOS, na análise dos dados coletados foram considerados primeiramente os

posicionamentos dos sujeitos ao longo da pesquisa. A coerência desses sujeitos sobre o tema

investigado foi projetada nessa análise a partir dos instrumentos de coleta de dados.

Triangulando os dados depurados no questionário com as constatações registradas nas

observações e o referencial teórico imprescindível nesse contexto, tornou-se possível analisar

tanto a relação dos sujeitos desta pesquisa com os jogos e as brincadeiras no processo ensino-

aprendizagem quanto as práticas em que os jogos e as brincadeiras vinham sendo propostos

nas atividades de letramento para crianças surdas, que não dominavam o Português e se

encontram em processo de aquisição da língua de sinais.

Na CONCLUSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS, procurei articular os dados

obtidos através da análise com iniciativas que contribuíssem na educação de crianças surdas.

Através dos resultados foi possível reconhecer as professoras, sujeitos desta investigação,

como educadoras comprometidas com suas práticas, o que contribui efetivamente com o

desenvolvimento dos alunos que participaram desta pesquisa. Considerei importante

evidenciar a necessidade que existe na educação infantil de os seus profissionais direcionarem

seu olhar para as questões sobre o brincar, a criança e a educação infantil. Os resultados

revelaram que os jogos e as brincadeiras estão presentes nas práticas pedagógicas das

professoras da educação infantil do CAP/INES e que esses fornecem um contexto apropriado

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para que o desenvolvimento da leitura e da escrita ocorra a partir das perspectivas das próprias

crianças, o que vem legitimar o potencial educativo dos jogos e das brincadeiras.

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1 REFERENCIAL TEÓRICO

Com o intuito de contextualizar este estudo, optei por iniciá-lo com uma breve

revisão histórica sobre a educação de surdos no Brasil. Procurei resgatar também nessa

história, a trajetória do Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES como Centro de

Referência Nacional na Área da Surdez e como local escolhido para o desenvolvimento desta

pesquisa. Conhecer essas histórias foi o primeiro e fundamental passo para compreender

muitas questões abordadas no decorrer deste trabalho. Entretanto, cabe lembrar que não tive a

pretensão de desenvolver um estudo aprofundado sobre os fatos históricos, mas de situar o

leitor no que se refere à trajetória da educação de surdos até os dias de hoje.

1.1 Educação de Surdos: Do passado ao presente, da exclusão à inclusão

Na Antiguidade, as pessoas deficientes eram abandonadas e afastadas do convívio

social, pois eram vistas pela sociedade como seres inferiores e merecedores de pena. Sobre a

situação dos surdos nesse período, Silva (2008, p. 19) acrescenta que “passando pelos gregos,

pelos romanos e pela Igreja, de Santo Agostinho até a Idade Média, os surdos eram

considerados inferiores e, portanto, não tinham chance de salvação”. Complementando a

contribuição de Silva, Sacks (1990) revela que os surdos, antes do século XVIII, eram

considerados loucos, quase imbecis. A situação de pessoas com surdez pré-linguística antes de 1750 era de fato uma calamidade: incapazes de desenvolver a fala e, portanto, mudos, incapazes de comunicar-se livremente até mesmo com seus familiares, restritos a alguns sinais e gestos rudimentares, isolados [...] privados de alfabetização e instrução, de todo o conhecimento do mundo, forçados a fazer trabalhos mais desprezíveis, vivendo sozinhos, muitas vezes à beira da miséria, considerados pela lei e pela sociedade como pouco mais do que imbecis. (SACKS 1990, p. 27).

A educação de surdos no cenário mundial teve início na Espanha, no século XVI,

tendo como um dos primeiros professores Ponce de Léon (1520 - 1584). O que se sabe sobre

o trabalho desse professor é que ele utilizava um tipo de alfabeto manual para ensinar o aluno

a falar, uma vez que naquela época a tradição era guardar segredo sobre o método utilizado.

A primeira escola para o ensino de surdos foi fundada em 1755, em Paris, por

L'Epée, que “em seu trabalho, utilizava os sinais pelos quais os surdos se comunicavam entre

si e também inventou outros, que denominava de sinais metódicos, usados para o

desenvolvimento da linguagem escrita.” (ROCHA, 2007a, p. 18). L`Epée foi uma pessoa

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muito importante na educação de surdos, pois acreditava que todo surdo deveria ter acesso à

educação e por isso transformou sua casa em escola pública. Ele foi o primeiro a sinalizar que

o surdo tinha uma língua.

No Brasil, a educação de surdos teve início graças aos esforços de Ernesto Hüet, e

seu irmão. Mazzotta (2001) descreve que, ao chegar ao Rio de Janeiro, o francês Hüet foi

apresentado ao Marquês de Abrantes que o levou ao então Imperador D. Pedro II, que acolheu

seus planos de fundar uma escola de “surdos-mudos2

Outro fato importante que faz parte da história da educação dos surdos e que está

legitimado na Constituição Federal de 1988 é o direito à educação, à informação e à

comunicação. O Art. 208, inciso III, desta Constituição garante o atendimento educacional

”, ordenando que lhe facilitassem essa

tarefa. Em 26 de setembro de 1857, D. Pedro II fundou o Imperial Instituto dos Surdos-

Mudos.

De acordo com Rocha (2007a), nos dois primeiros anos, esse estabelecimento

funcionou nas dependências do Colégio de M. De Vassimon, sendo transferido

posteriormente para uma casa no morro do Livramento. O Instituto funcionou em vários

endereços, até que, em 18 de março de 1881, foi transferido para um prédio na Rua das

Laranjeiras, onde permanece até hoje.

Em 1957, exatamente após cem anos de sua fundação, o Imperial Instituto dos

Surdos-Mudos passaria a se chamar Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES, nome

esse que permanece até os dias de hoje. Rocha (2007b, p. 77) explica que “a substituição da

palavra ‘Mudo’ pela palavra ‘Educação’ refletia o ideário de modernização da década de 50

no Brasil, no qual o Instituto e suas discussões sobre educação de surdos também estavam

inscritos”.

O destaque dado ao INES está atribuído à sua relevância na construção da história

e na perpetuação desta na educação de surdos no Brasil. Entretanto, segundo Mazzota (2001,

p. 32), outras Instituições, “seja por sua importância no momento mesmo de sua criação ou

pela força que vieram a adquirir no seu funcionamento ou, ainda, pelo papel desempenhado

na evolução da educação especial”, também ajudaram a construir essa história, como, por

exemplo, o Instituto Santa Terezinha (1929) na cidade de Campinas (SP), a Escola Municipal

Helen Keller (1951) na cidade de São Paulo, o Instituto Educacional São Paulo – IESP

(1954), entre outros.

2 Qualquer alteração auditiva pode ocasionar prejuízos no desenvolvimento da linguagem oral. Por esse motivo, durante séculos os surdos foram chamados de surdos-mudos, o que deu origem ao nome do primeiro Instituto dedicado à educação desses sujeitos. Essa nomenclatura é atualmente considerada equivocada.

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especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino. Este

Artigo vem inserir no cenário legal um novo paradigma direcionado à educação inclusiva.

Os princípios que norteiam as políticas públicas relacionadas à inclusão

educacional da pessoa surda podem ser conferidos em diversas leis, decretos, portarias,

resoluções e documentos internacionais como, por exemplo, na Declaração Mundial de

Educação para Todos, firmada em Jomtien, na Tailândia, em 1990, e na Declaração de

Salamanca, na Espanha, em 1994, na Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais

Especiais: Acesso e Qualidade. Sobre a questão da inclusão, Silva (2002) chama a atenção

para a seguinte questão:

As políticas sociais devem estar atentas para as novas tendências educacionais de integração da criança deficiente à escolarização regular, tendo em vista que a sala de aula pode-se tornar um espaço de segregação mais do que realmente confronto e local para trabalhar as diferenças. Se não forem oferecidas condições fundamentais para o desenvolvimento dessas crianças, isto é, se não forem permitidos o uso de sinais e sua construção com outros sujeitos surdos, o discurso de integração social estará enfatizando prioritariamente uma política de dominação. (SILVA, 2002, p. 28).

O alicerce de toda legislação que garante direitos aos surdos, como pessoas com

necessidades educacionais especiais, estão embasados na Constituição Federal de 1988, como

é o caso do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei 8.069/90), no Art. 53, inciso I, e

no Art. 54, inciso III, e, também, o caso da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional –

LDB (Lei 9.394/96) no Art. 4º, inciso III, que vêm ratificar o disposto no Art. 208, inciso III,

da referida Constituição. A Lei 10.098/00, nos Art. 17, 18 e 19, garante aos deficientes

sensoriais acessibilidade aos sistemas de comunicação e sinalização. Outra lei importante

nesse contexto é a Lei 10.436/02, que reconhece a Língua Brasileira de Sinais – Libras como

meio legal de comunicação e expressão, pois garante ao surdo condições adequadas de acesso

à educação.

As diferentes abordagens metodológicas e filosóficas constituem um papel de

total relevância na trajetória da educação de surdos. Atualmente, convivemos com essas três

abordagens que incluem o Oralismo, a Comunicação Total e o Bilinguismo. As três

abordagens possuem adeptos em todo mundo e contribuem para “reflexões na busca de um

caminho educacional que de fato favoreça o desenvolvimento pleno dos sujeitos surdos,

contribuindo para que sejam cidadãos em nossa sociedade”. (LACERDA, 1996 apud SILVA,

2008, p. 26).

As três abordagens metodológicas coexistem e cada uma vem conquistando,

através do tempo, espaço e relevância na educação de surdos no Brasil. A história dessas

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metodologias revela que, em 1880, no Congresso Internacional de Milão o uso da língua de

sinais foi oficialmente proibido, e o método oral foi escolhido como o mais adequado na

educação dos surdos. Alexandre Graham Bell foi o mais importante defensor do Oralismo e

usou sua fama, como gênio da tecnologia, para influenciar no resultado da votação, pois seu

principal objetivo era eliminar a língua de sinais. As idéias defendidas nesse Congresso

prevaleceram aproximadamente até o final do século XX. A situação vivida pelos surdos

naquela época pode ser ilustrada com a seguinte citação: Historicamente, quando uma tribo vencia a outra nas batalhas, a primeira atitude dos vencedores era a proibição da língua dos vencidos, o que provocava um processo de aculturação daquela comunidade. Dominar a natureza e transformá-la é um ato propriamente humano e o produto é sua cultura e sua historia, obra não sobrenatural, mas humana. Quando a cultura surda é reprimida pela visão colonialista do ouvinte, esta sofre inúmeros retrocessos. A única coisa própria do ser humano é sua linguagem, pois somente a partir dela ele poderá se transformar em um ser individual, social e cultural. (TESKE, 1998, p. 153).

O Oralismo é uma filosofia que privilegia o ensino da língua oral, enfatiza a

estimulação auditiva e a leitura orofacial3

De acordo com Guarinello (2007), o final da década de 1970 é marcado por

movimentos de reivindicação pela língua e cultura das minorias linguísticas. Os surdos, como

membros de uma comunidade minoritária, passam a reivindicar o uso da língua de sinais

como primeira língua – L1, e a aprendizagem da língua majoritária como segunda língua –

. A língua de sinais é proibida, e o principal objetivo

é “permitir à criança adquirir a língua falada pela maioria das pessoas como a língua natural

para usá-la em casa e na escola e, consequentemente, viver normalmente no ‘mundo ouvinte’,

sendo a integração total o resultado ideal”. (FREEMAN, CARBIN e BOESE, 1999, p. 106).

A Comunicação Total também se preocupava com a aprendizagem da língua oral

pelo surdo, mas seu foco não estava voltado para o domínio da fala, mas para a competência

comunicativa. Segundo Freeman, Carbin e Boese (1999, p. 108) “a Comunicação Total não

define sucesso apenas pela inteligibilidade da fala e perfeição da leitura orofacial; as

habilidades orais são consideradas valiosas, mas não exclusivas”. Essa filosofia propõe o uso

da língua de sinais, de gestos naturais, expressão corporal, linguagem plástica, ou seja, todos

os recursos que facilitam a comunicação, não excluindo técnicas e recursos que desenvolvam

o ensino da língua oral, a estimulação auditiva e a leitura orofacial.

3 Leitura orofacial (LOF) ou leitura labial (LOL) desenvolve o hábito na pessoa surda de ler nos lábios e compreender uma mensagem falada através dos olhos, substituindo a audição pela visão. Por meio da LOF ou LOL o surdo tem conhecimento do que se fala, mesmo que o locutor esteja à distância ou em um ambiente ruidoso.

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L24

4 A filosofia bilíngue se distingue de duas maneiras quando se refere à aquisição da L2. Para alguns autores, a L2 deverá ser a modalidade oral da língua de seu país, seguida da modalidade escrita; para outros, apenas a modalidade escrita será necessária.

. Surge, então, o Bilinguismo que permite o surdo assumir sua surdez, sua história e sua

cultura. Goldfeld (2002) sustenta que o conceito mais importante trazido por essa filosofia é

de que: Os surdos formam uma comunidade, com cultura e línguas próprias. A noção de que o surdo deve, a todo custo, tentar aprender a modalidade oral da língua para poder se aproximar o máximo possível do padrão de normalidade é rejeitada por essa filosofia. Isto não significa que a aprendizagem da língua oral não seja importante para o surdo, ao contrário, este aprendizado é bastante desejado, mas não é percebido como único objetivo educacional do surdo nem como uma possibilidade de minimizar as diferenças causadas pela surdez. (GOLDFELD, 2002, p. 43).

1.2 Surdez: alguns aspectos significativos

É sabido que os homens se relacionam no mundo através dos sentidos. A surdez,

que resulta da privação total ou parcial de um desses sentidos, constitui um aspecto

importante a ser abordado neste trabalho. Para tanto, faz-se necessário compreender a surdez e

alguns aspectos significativos que envolvem o tema em questão. De acordo com Cesáreo

(2005): A imagem que a pessoa constrói do mundo é o resultado da inter-relação constante de todas as suas sensações. Basta, portanto, uma interferência com qualquer um dos canais sensoriais, para que a imagem do mundo seja, de qualquer maneira, deformada, falsa, alterada. (CESÁRIO, 2005, p. 23).

Para compreender a surdez e suas consequências no desenvolvimento da pessoa

surda é necessário primeiramente nos apropriarmos de alguns conceitos básicos e definições

sobre o aparelho auditivo, a audição e a surdez propriamente dita. O aparelho auditivo

encontra-se “localizado no osso temporal e possui duas funções de vital importância para o

homem: o equilíbrio, que possibilita estabilidade e locomoção; e a audição, que possibilita a

aquisição e o desenvolvimento da linguagem e da comunicação”. (SÉRIE AUDIOLOGIA/

INES, 2005, p. 7).

A audição não é propriamente um aspecto da surdez, mas, ao conceituá-la, torna-

se mais fácil a compreensão do leitor sobre as consequências de sua privação. Segundo

Demetrio (2005, p. 258), “a audição é um sentido social tanto quanto intelectual. É através da

audição que a criança estabelece os primeiros contatos sociais primários adquirindo o sentido

cultural de tudo que ocorre em sua volta”.

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A audição, por sua vez, pode ser considerada a mais importante modalidade

sensorial para o desenvolvimento do ser humano. Qualquer alteração auditiva pode trazer

consequências para o desenvolvimento social, emocional, cultural e intelectual do ser

humano. Aristóteles já dizia que “para atingir a consciência humana, tudo deveria penetrar por

um dos órgãos do sentido, e ele considerava a audição o canal mais importante de

aprendizado.” (GUARINELLO, 2007, p. 20). Complementando a idéia de Aristóteles,

Cesáreo (2005, p. 23) afirma que “não é possível aprender a linguagem5

5 No caso do surdo, só não é possível aprender a linguagem oral espontaneamente.

espontaneamente,

sem a integridade de TODAS as potencialidades mentais e físicas. A primeira dessas funções

é a capacidade auditiva”.

As definições mais frequentes que se tem sobre a surdez se limitam aos aspectos

físico-biológicos e têm seu paradigma baseado na normalidade funcional do mundo do

ouvinte. A Série Audiologia/INES (2005, p. 11) sugere que a surdez seja “uma redução ou

ausência da capacidade para ouvir determinados sons, devido a fatores que afetaram as

orelhas externa, média e/ou interna”.

Por conceber primordialmente a importância da questão físico-biológica, muitos

estudos, ainda hoje, reconhecem os surdos como deficientes, uma vez que eles apresentam

uma privação em seu aparato sensorial e, consequentemente, um desenvolvimento

diferenciado. Victorio (2005, p. 65) afirma que “qualquer alteração auditiva, independente do

tipo e grau, é capaz de alterar o comportamento da criança e acarretar alterações no seu

desenvolvimento”.

Nessa perspectiva torna-se, então, importante entender que, quanto mais cedo for

o diagnóstico da surdez, menores serão suas consequências no desenvolvimento da criança

surda. Sobre a idade de início da surdez, Marchesi (1995, p. 199) afirma que “não há dúvida

alguma de que o momento da perda auditiva tem uma clara repercussão sobre o

desenvolvimento infantil. Quanto mais idade tiver a criança, maior experiência com o som e

com a linguagem oral ela possui, o que facilita sua posterior evolução linguística”.

A idade com que a surdez ocorre, ou seja, se é pré-natal (durante a gestação,

podendo ser hereditária ou não hereditária), peri-natal (durante o nascimento) ou pós-natal

(depois do nascimento) é uma variável que influi significativamente na evolução da criança

surda. Ainda nessa perspectiva físico-biológica, torna-se indispensável destacar que outros

fatores também são determinantes nesse processo, como, por exemplo, o grau e o tipo de

surdez.

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Através dos meios para diagnóstico, é possível determinar o tipo (perda auditiva

de transmissão ou condução, sensorioneural e mista), a localização (orelhas externa, média,

interna ou a nível central) e o grau (leve, moderada, severa, acentuada ou profunda) de perda

auditiva. Marchesi (1995, p. 199) afirma que “o grau de intensidade da perda auditiva é,

possivelmente, a dimensão que tem maior influência no desenvolvimento das crianças surdas,

não somente nas habilidades linguísticas, mas também nas cognitivas, sociais e educacionais”.

Segundo a Série Audiologia/INES (2005, p. 35), a classificação do grau de perdas

auditivas se dá da seguinte forma:

I – Segundo Padrão ANSI (1969)

0 / 25dB6

O tipo, o grau e a idade de início da surdez constituem informações relevantes

para esta pesquisa, pois são consideradas variáveis importantes nos processos evolutivos da

criança surda. Entretanto, a surdez está atrelada a um conjunto de aspectos que inviabilizam

→ normal

26 / 40dB → perda leve

41 / 55dB → perda moderada

55 / 70dB → perda acentuada

71 / 90dB → perda severa

acima de 90 dB → perda profunda

A referida Série (2005) também ilustra com exemplos o que cada criança ouve a

partir da sua perda:

Perda leve → escuta os sons, desde que estejam um pouco mais alto. Perda moderada → numa conversação, pergunta muito “hem?” e ao telefone não escuta com clareza, trocando muitas vezes a palavra ouvida por outra foneticamente semelhante (pato/rato, réu/mel, cão/não). Perda acentuada → já não escuta sons importantes do dia-a-dia como, por exemplo, o telefone tocar, a campainha, a televisão, necessitando sempre do apoio visual para entender o que foi dito. Perda severa → escuta sons fortes como latido do cachorro, avião, caminhão, serra elétrica, mas não é capaz de escutar a voz humana sem a prótese auditiva. Perda profunda → escuta apenas os sons graves que transmitem vibração (helicóptero, avião, trovão). (SÉRIE AUDIOLOGIA/INES, 2005, p. 35-36).

6 dB são os decibéis que medem a intensidade do som.

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conclusões generalizadas sobre esses sujeitos como, por exemplo, o nível e a idade de início

de exposição à língua de sinais. Novaes (2005) destaca ainda:

O uso de aparelho de amplificação ou implante coclear, início da intervenção, expectativa e disponibilidade da família, condições sócio-econômicas e culturais, aspectos cognitivos e afetivos, disponibilidades de serviços na comunidade, alterações morfológicas ou outros comprometimentos. (NOVAES 2005, p. 34).

Apesar de reconhecer a importância dos aspectos físico-biológicos para esta

pesquisa, não me limitarei a compreender a surdez apenas a partir deste prisma, mas

concebendo-a principalmente como uma diferença cultural. Rompendo a concepção de surdez

como deficiência, Skliar (1998, p. 13) a define “como um espaço de produção de diferenças

construído histórica e socialmente por meio de práticas de significação e de representação

compartilhadas e vivenciadas nos conflitos sociais entre surdos (as) e ouvintes”.

Cabe, então, esclarecer que o desenvolvimento da criança surda não depende de

variáveis exclusivamente fisiológicas, mas também dos aspectos sociais, emocionais e

culturais nos quais a criança surda está inserida. Cada surdez é determinada por diferentes

variáveis e por isso existem “muitos subgrupos dentro do grupo de crianças surdas”.

(MARCHESI 1995, p. 199).

A exposição precoce de uma criança surda à língua de sinais, por exemplo, pode

ser mais importante para o seu desenvolvimento linguístico e cognoscitivo do que a

preocupação com os fatores físico-biológicos, além de ser fundamental para sua integração

social.

Os surdos são pessoas e, como tais, dotados de linguagem assim como todos nós. Precisam apenas de uma modalidade de língua que possam perceber e articular facilmente para ativar seu potencial linguístico e, consequentemente, os outros potenciais e para que possam atuar na sociedade como cidadãos normais. Eles possuem o potencial. Falta-lhes o meio. E a LIBRAS é o principal meio que se lhes apresenta para “deslanchar” esse processo. (BRITO,1997 apud SILVA, 2008, p. 34)

1.2.1 A língua brasileira de sinais

A língua de sinais é, portanto, uma língua representativa da comunidade surda, cujos membros apresentam uma diferença que não está baseada no padrão de normalidade ou de anormalidade, mas em especificidades culturais.

(SILVA, 2002, p.52)

Segundo Skliar, (1998, p. 23) “os surdos criaram, desenvolveram e transmitiram,

de geração em geração, uma língua cuja modalidade de recepção e produção é viso-espacial”.

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A língua de sinais não é um sistema linguístico universal, visto que cada comunidade surda

tem a sua, como, por exemplo, nos Estados Unidos é a American Sign Language – ASL; na

França é Langue de Signes Française – LSF; e a Libras no Brasil. Rocha (2007b, p. 77) afirma

que a Libras sofreu “forte influência francesa em função da nacionalidade do fundador do

instituto7

A Libras desempenha com perfeição a mesma função de qualquer língua auditivo-

oral. Sobre essa questão, Guarinello (2007, p. 50) afirma com muita propriedade que “as

línguas processadas pelo canal auditivo-oral e de sinais fazem uso de canais diferentes, porém

igualmente eficientes para a transmissão da informação linguística”. Entretanto, pelo simples

, e foi espalhada por todo Brasil pelos alunos que regressavam aos seus Estados

quando do término do curso”.

Em 1984, a UNESCO (United Nations Educational, Scientific and Cultural

Organizations) declarou que as línguas de sinais deveriam ser reconhecidas como um sistema

linguístico legítimo, devendo merecer o mesmo status de qualquer sistema linguístico. Quase

duas décadas depois, em 24 de abril de 2002, o Brasil tem a Libras reconhecida como meio

legal de comunicação e expressão através da Lei 10.436. Em 22 de dezembro de 2005, esse

decreto é aprovado pelo então Presidente da República, Luis Inácio Lula da Silva. Essa

conquista se deu a partir do movimento liderado pela Federação Nacional de Educação e

Integração de Surdos – FENEIS e algumas lideranças surdas do INES. Sobre esse

reconhecimento da Libras, Gomes (2006) faz a seguinte análise: A legislação de Libras se embasa na Constituição Federal, que é o alicerce de todo e qualquer direito existente no ordenamento jurídico nacional, especialmente nos direitos à educação, à informação e à comunicação, que só se figuram plenos no momento em que estão presentes condições adequadas de acesso, e, para o Surdo, essa viabilidade se materializa a partir da Língua de Sinais. (GOMES, 2006, p. 17).

Os surdos profundos não escutam a maioria dos sons, eles percebem apenas os

sons graves que transmitem vibração, como um avião, britadeira, trovão, etc. Muitos surdos,

principalmente os com surdez severa ou profunda, se comunicam através da Libras, que é

definida por Guarinello (2007) como:

Uma língua viso-espacial que se articula por meio das mãos, das expressões faciais e do corpo. Nas línguas de sinais as relações gramaticais são especificadas pela manipulação dos sinais no espaço. A Libras segue as mesmas regras das outras línguas de sinais; elas são produzidas em um espaço na frente do corpo que se estende do topo da cabeça até a cintura, tendo uma distância entre a mão direita e a esquerda estendidas lateralmente. (GUARINELLO 2007, p. 51).

7 Instituto Nacional de Educação de Surdos - INES

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fato de a Libras ser utilizada por uma minoria e não ter um sistema de escrita, muitos não a

reconhecem como língua, mas como um simples conjunto de gestos.

Muitos estudiosos consideram as línguas de sinais como línguas naturais, pois o

indivíduo a adquire mediante sua exposição a ela, ou seja, demanda de prática para seu

aprendizado. Sobre essa questão Quadros diz: Tais línguas são naturais internamente e externamente, pois refletem a capacidade psicobiológica humana para a linguagem e porque surgiram da mesma forma que as línguas orais – da necessidade específica e natural dos seres humanos de usarem um sistema linguístico que passaram de geração em geração de pessoas surdas. São línguas que não se derivaram das línguas orais, mas fluíram de uma necessidade natural de comunicação entre pessoas que não utilizam o canal auditivo-oral, mas o canal espaço-visual como modalidade linguística. (QUADROS 1997, p. 47).

De acordo com Góes (1997) a maioria das crianças surdas, cerca de 95%, são

filhas de pais ouvintes e consequentemente não tiveram a oportunidade de adquirir

naturalmente a língua utilizada por seus familiares. Para aprender a Libras é necessário que o

surdo esteja exposto a esta língua, da mesma forma que as crianças ouvintes precisam estar

expostas ao Português para aprendê-lo.

Nesse contexto, Dizeu e Caporalli (2005) acrescentam que, ao adquirir uma

língua, a criança passa a construir sua subjetividade, pois ela terá recursos para sua inserção

no processo dialógico de sua comunidade, trocando idéias, sentimentos, compreendendo o

que se passa em seu meio e adquirindo, então, novas concepções de mundo. A utilização de

uma língua não se limita à aprendizagem da gramática e aos seus usos corretos. Assim se

expressa Marcushi (2008) ao dizer que: Pode-se admitir, ainda, que a língua é uma atividade cognitiva. Pois ela não é simplesmente um instrumento para reproduzir ou representar idéias (pois a língua é muito mais do que um espelho da realidade). A língua é também muito mais do que um veiculo de informação. A função mais importante da língua não é informacional e sim a de inserir os indivíduos em contextos sócio-hitóricos e permitir que se entendam. (MARCUSHI, 2008, p. 67).

Estima-se que no Brasil sejam faladas mais de 180 línguas, entretanto, devido à

maioria linguística falar a língua portuguesa, fica evidente a hierarquia que esta mantém em

detrimento às demais línguas. No Brasil existem muitas políticas linguísticas; ainda assim,

convivemos com uma repressão linguística que vem sendo imposta pela cultura hegemônica

que reconhece somente o Português como língua mais desenvolvida. Sabemos, portanto, que

não existe uma forma linguística melhor do que a outra; o que existe são línguas

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“funcionalmente mais desenvolvidas que outras” (Soares, 2002, p. 39). A autora acrescenta

ainda que:

O estudo das línguas de diferentes culturas deixa claro, da mesma forma, que não há línguas mais complexas ou mais simples, mais lógicas ou menos lógicas: todas elas são adequadas às necessidades e características da cultura a que servem, e igualmente validas como instrumentos de comunicação social. (SOARES, 2002, p. 39).

A Libras representa para a comunidade surda muito mais do que uma simples

possibilidade de comunicação, pois é através dela que o surdo significa o seu mundo, preserva

sua cultura, afirma sua identidade, além de estabelecer-se como sujeito, num universo

majoritário onde são privilegiadas as práticas ouvintes.

Como se sabe, a língua, além de ser o principal veículo de comunicação, é também o mais importante meio de identificação do indivíduo com sua cultura e o suporte do conhecimento da realidade que nos circunda. O problema das minorias linguísticas é, pois, muitas vezes, não apenas a privação de sua língua materna, mas, sobretudo, a privação de sua identidade cultural. (BRITO, 1993, p. 41)

Nem todo indivíduo fluente em Libras e nem todo surdo detêm a cultura surda8

8 Para saber sobre cultura surda, ler: STROBEL, Karin. “As imagens do outro sobre a cultura surda”, Florianópolis, Editora UFSC: 2008.

.

Muitos intérpretes, por exemplo, são proficientes em Libras, porém não são modelos dessa

cultura, daí a importância de possibilitar à criança surda o convívio com outros surdos,

especialmente os adultos inseridos nesse contexto. De acordo com Strobel (2008, p. 22), “é

por meio da cultura que um povo se constitui, integra e identifica as pessoas e lhes dá o

carimbo de pertencimento, de identidade. Neste caso, a existência de uma cultura surda ajuda

a construir as identidades das pessoas surdas dentro da sociedade”. De acordo com a

pesquisadora surda Perlin (1998), citada por Strobel (Ibid.,), essas identidades são: múltiplas e multifacetadas, podendo ser definidas em várias categorias, sempre dependendo de suas vivências sociais; assim como vemos aqueles que nasceram ouvintes e ensurdeceram, aqueles que tiveram contato tardio com a comunidade surda, aqueles que continuam com uma identidade dividida entre os dois mundos e aqueles que se guiaram sempre pela experiência visual. (PERLIN, 1998 apud STROBEL, 2008, p. 22).

A parceria do surdo adulto com o professor é fundamental e deverá ser constante

na educação da criança surda, pois essa interação a ajuda na sua formação, ampliando suas

linguagens, desafiando o raciocínio, construindo conceitos, etc. É importante esclarecer que o

fato de ser surdo não habilita esse sujeito a desempenhar tal função. Para Bulhões (2006), o

candidato a essa função deverá ter entre outras características:

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• Proficiência em LIBRAS, suas gramáticas e seus contextos; • Consciência da identidade surda e suas culturas, convivência na

comunidade surda; • Conhecimento em Língua Portuguesa, Políticas, Cultura dos Ouvintes,

etc.; • Compreensão do seu papel junto ao professor e aos alunos; • Postura profissional (ética, responsabilidade, modelo em identidade surda

e em LIBRAS e respeito); • Ter a formação do Ensino Médio. (BULHÕES, 2006, p. 8).

Todo esse contexto vem ratificar a importância do surdo adulto, falante da língua

de sinais, como mediador não só no processo de aprendizagem dessa língua, mas em todo

contexto educacional. O surdo adulto, diferentemente do intérprete que tem a função de

traduzir a fala do professor, é o profissional9

Linguagem é um sistema de comunicação natural ou artificial, humano ou não humano. Assim, podemos nos referir à linguagem corporal (humana), às expressões faciais, às reações de nosso organismo (tanto aos estímulos do meio, como de nosso pensamento ou, mesmo, dos aspectos Fisiológicos), à

que de acordo com Bulhões (2006, p.9) deverá

contribuir na construção (i) “da identidade surda, (ii) de estratégias de comunicação para o

desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem específico para surdos e (iii) facilitar a

aquisição de informações e conceituações através da LIBRAS (conhecimento do mundo)”.

1.2.2 A linguagem, a língua e o processo de letramento da criança surda

Não se pode aprender a ler sem construir

sentido, nem escrever sem produzir textos. (ELIE BAJARD, 2001, p. 81)

Os termos “linguagem” e “língua” encontram-se presentes na maioria dos estudos

sobre surdez. Muitas vezes esses termos aparecem na literatura como sinônimos. Atribuo isso

ao fato de que muitas línguas não possuem duas palavras diferentes para esses termos. No

inglês, por exemplo, a palavra language é usada tanto para referir-se a “linguagem” quanto a

“língua”; o que as diferencia é o contexto.

Nesta pesquisa me apropriarei inúmeras vezes dos termos em questão, o que torna

imprescindível suas definições. Segundo a linguista Fernandes (1999, p. 65), quando os

conceitos são “bem diferenciados, ajudam-nos a definir os campos de atuação de nossas

investigações e a sabermos interpretar, com eficácia, os textos que nos chegam às mãos”. Para

a autora:

9 No CAP/INES esse profissional é denominado Assistente Educacional em Libras – AEL.

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linguagem de outros animais, aos sinais de transito, à musica, à maneira de nos vestirmos, à pintura, enfim, todos os meios de comunicação, sejam cognitivos (internos), socioculturais (relativos ao meio) ou da natureza como um todo. Língua é um tipo de linguagem e se define como um sistema abstrato de regras gramaticais. (FERNANDES, 1999, p. 64).

A linguagem pode ser definida como um dos aspectos mais importantes no

desenvolvimento de qualquer ser humano. Segundo Goldfeld (2002, p. 56), “a linguagem

possui além da função comunicativa, a função de constituir o pensamento”. A autora

acrescenta ainda que Vygotsky e Bakhtin compartilham a idéia de que o processo de

aquisição da linguagem pela criança segue do meio social para o individual, e, segundo ela,

Bakhtin “afirma ser a linguagem, os signos, os mediadores entre a ideologia e a consciência”.

(GOLDFELD, 2002, p. 56)

Devido à falta de uma língua, a criança surda em idade pré-escolar encontra-se em

alguns aspectos em desvantagem em relação à criança ouvinte. A defasagem linguística pode

ser considerada o aspecto mais relevante no desenvolvimento deste sujeito. A criança surda,

filha de pais ouvintes, não adquire naturalmente a linguagem oral e por isso mantém, na

maioria das vezes, uma comunicação fragmentada e incompleta em seu ambiente familiar,

fato que colabora para o déficit linguístico apresentado por esta criança ao ser inserida na pré-

escola.

Para Silva (2002, p. 40), esta situação se deve ao fato de que “o curso de

construção da língua e a constituição do sujeito linguístico parecem percorrer vias distintas

daquelas observadas em pais e filhos ouvintes”. Complementando a contribuição de Silva

(2002) no que diz respeito à construção da linguagem, Vitto (2005) cita Vygotsky ao afirmar

que: A linguagem, assim, se constitui a partir do nascimento, pois, os adultos não falam só entre si, mas com a criança. Nesta fase, os adultos, através da linguagem, chamam a atenção da criança para os objetos, ações ou pessoas, e estão, desta forma, possibilitando a organização de sua percepção visual e auditiva. (VYGOTSKY, 1996 apud VITTO, 2005, p. 148).

Ao entrar na educação infantil, essa criança, na maioria das vezes se comunica

através de gestos, pois não conhece a língua dos seus pais, nem a sua própria língua, salvo os

filhos de pais surdos. Para compensar a falta de informação auditiva, o surdo busca outros

caminhos para se inserir nesse ambiente. O aparecimento da linguagem escrita pode

representar para a criança surda uma nova oportunidade de visualizar o que antes lhe parecera

tão difícil. Segundo Pedalino (2007, p. 104), “Sem língua, existe a necessidade absoluta de

ver para entender. Não se pode ter idéias, formular propostas, perguntas ou hipóteses; não é

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possível organizar um discurso lógico (...) A ausência da língua impede o conhecimento do

mundo”.

A linguagem escrita vem sendo construída pela humanidade há milhares de anos.

Durante esse período o homem criou diferentes códigos escritos: pictográficos, logográficos

ou ideográficos, silábicos e alfabéticos. As pinturas rupestres (desenhos feitos nas paredes das

cavernas) foram utilizadas pelos homens na Pré História como a principal forma de

comunicação. Esse tipo de representação não possuía uma padronização e por isso não foi

reconhecida como escrita.

Historicamente, a mais antiga forma de escrita foi criada na Mesopotâmia, por

volta de 4.000 anos a.C., onde os sumérios usavam peças de argila ou placas de barro para

gravar relações do cotidiano (administrativas, econômicas e políticas). Desde sua criação, a

escrita é tida como representação da atividade humana. Desse modo Tfouni (2004) acrescenta:

É, de fato, o resultado tão exemplar da atividade humana sobre o mundo, que o livro, subproduto mais acabado da escrita, é tomado como uma metáfora do corpo humano: fala-se nas “orelhas” do livro; na sua página de “rosto”; nas notas de roda-“pés”, e o capítulo nada mais é do que a “cabeça” em latim. (TFOUNI, 2004, p. 10).

O processo de transmissão da escrita foi bastante lento, pois durante muito tempo

seu emprego esteve limitado apenas às pessoas que representavam o poder e a dominação

existentes na sociedade, os chamados intelectuais. Durante esse processo a escrita sofreu

importantes modificações, entre elas a de sua função social. Atualmente, a linguagem escrita é

mais complexa que na época de sua criação, mas grande parte da humanidade está em contato

com os usos práticos desse tipo de linguagem no seu cotidiano, seja através de uma lista de

compras, de um texto literário, uma receita culinária ou até mesmo um bate-papo num site de

relacionamentos.

Os avanços tecnológicos são os maiores responsáveis pelas transformações que

ocorreram com a escrita desde a sua invenção. O computador, por exemplo, “modifica não

somente a prática cotidiana da elaboração de texto, mas também o modo de edição e de

difusão” (BAJARD, 2001, p. 9). Dessa forma a escrita tem se tornado um instrumento

importante na relação entre os homens e suas culturas.

Em nossa sociedade, tanto os adultos como as crianças têm suas práticas sociais

circundadas por diferentes gêneros textuais. Desde muito cedo as crianças interagem com

palavras escritas expostas em outdoors, rótulos de embalagens, jornais, gibis, placas, letreiros,

meios de transportes, livros; enfim, são infinitas as possibilidades para a criança mergulhar no

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universo das palavras. Sobre isso o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil

– RCNEI diz que:

Nas sociedades letradas, as crianças, desde os primeiros meses, estão em permanente contato com a linguagem escrita. É por meio desse contato diversificado em seu ambiente social que as crianças descobrem o aspecto funcional da comunicação escrita, desenvolvendo interesse e curiosidade por essa linguagem. (RCNEI 1998, v. 3, p. 127).

Ratificando e complementando o exposto no RCNEI, Geraldi (1996, p. 62) afirma

que vivemos em uma sociedade letrada e por isso, “o aluno muito antes de ‘escrever’ convive

com a linguagem escrita e sabe, portanto, o que é escrita e o que não é escrita. Mais: ele sabe

alguns dos usos sociais da escrita, algumas de suas funções e o seu valor numa sociedade

como a nossa”. Entretanto, cabe aqui ressaltar que o nível de inferências e as hipóteses que a

criança elaborará sobre essa escrita dependerão de sua exposição a esse tipo de linguagem.

Ajudando a refletir sobre essa questão, o RCNEI destaca que: A constatação de que as crianças constroem conhecimentos sobre a escrita muito antes do que se supunha e de que elaboram hipóteses originais na tentativa de compreendê-la amplia as possibilidades de a instituição de educação infantil enriquecer e dar continuidade a esse processo. (RCNEI, 1998, v. 3 p. 123).

Nesse contexto torna-se relevante questionar se os processos de ensino propostos

pelas instituições de educação infantil estimulam e permitem que as crianças vivenciem

situações interessantes e significativas sobre a escrita em sala de aula, a partir das suposições

elaboradas por elas sobre esta linguagem, antes mesmo de chegarem à escola. Nessa

perspectiva Geraldi (1996, p. 63) considera ser necessário “transformar a sala de aula em um

tempo de reflexão sobre o já-conhecido para aprender o desconhecido e produzir o novo”. Sob

esta ótica, Silva (2008) acrescenta a seguinte reflexão:

A escola deve se tornar um espaço onde escrever deixe de ser um mero exercício mecânico, distante da realidade do aprendiz, sem significado real, para tornar-se uma atividade prática, exercida com propósito definido, dirigida a um leitor especifico, com objetivo de proporcionar prazer ao sujeito que escreve. Um lugar onde o ato de escrever possa vir a ser um processo dinâmico, sujeito a revisões e mudanças. (SILVA, 2008, p. 39).

As crianças elaboram sozinhas suas suposições sobre os usos da escrita, entretanto

é principalmente através da mediação e da interação com o outro mais experiente que ela irá

sistematizar e conhecer os aspectos formais dessa linguagem. Durante muito tempo, a

aprendizagem da escrita ocorreu de forma mecânica, vazia e estéril, por meio da memorização

das letras, sílabas e palavras. Hoje, o principal desafio do professor não é garantir à criança a

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capacidade de escrever, mas a descoberta dos usos dessa linguagem. Para um melhor

entendimento sobre esta questão, reporto-me à Soares (2003) que, com muita propriedade,

explica que: Há, assim, uma diferença entre saber ler e escrever, ser alfabetizado, e viver na condição e estado de quem sabe ler e escrever, ser letrado (atribuindo a essa palavra o sentido que tem literate10

Segundo a lógica da teoria da deficiência cultural, o déficit lingüístico é atribuído à “pobreza” do contexto linguístico em que vive a criança, particularmente no ambiente familiar. Argumenta-se que o desenvolvimento da linguagem da criança depende, fundamentalmente, da quantidade e

em inglês). Ou seja: a pessoa que aprende a ler e a escrever – que se torna alfabetizada – e que passa a fazer uso da leitura e da escrita, a envolver-se nas práticas sociais de leitura e de escrita – que se torna letrada – é diferente de uma pessoa que não sabe ler e escrever – é analfabeta – ou, sabendo ler e escrever não faz uso da leitura e da escrita – é alfabetizada, mas não é letrada, não vive em estado ou condição de quem sabe ler e escrever e pratica a leitura e a escrita. (SOARES, 2003, p. 36).

Considerando o que foi abordado até aqui, posso dizer que o nível de autonomia

que a criança adquire para pensar sobre a escrita está ligado à sua exposição a esse tipo de

linguagem. Assim como a linguagem escrita, a leitura também faz parte do universo infantil

desde muito cedo, por isso é importante para a criança presenciar no seu dia a dia situações

que envolvam atos de leitura, pois mesmo sem saber ler, no sentido mais primário da palavra,

o convívio da criança com livros, jornais, gibis, embalagens, revistas, rótulos, etc. irá

influenciá-la nas primeiras descobertas sobre o mundo da leitura. Diria até que é a partir da

interação com esses diferentes materiais e linguagens que a criança extrai e dá sentindo ao que

está vendo, construindo, assim, suas primeiras “leituras”. De acordo com Fiorin (2007, p. 73),

“a primeira função da linguagem não é ser representação do pensamento ou instrumento de

comunicação, mas expressão da vida real”.

Apesar de vivermos em uma sociedade letrada, é indiscutível a dificuldade que

muitas de nossas crianças encontram para ser inseridas num contexto que estimule a leitura o

mais precocemente possível. Normalmente, embora as crianças provenientes de famílias

analfabetas ou com baixa instrução cheguem à escola com suposições sobre a escrita, como

foi dito no parágrafo anterior, elas apresentam uma considerável defasagem linguística e,

consequentemente, muita dificuldade para expor suas idéias e pensamentos. Sobre isso Soares

diz que:

10 Literate é, pois, o adjetivo que caracteriza a pessoa que domina a leitura e a escrita, e literacy designa o estado ou condição daquele que é literate, daquele que não só sabe ler e escrever, mas também faz uso competente e frequente da leitura e da escrita. (SOARES, 2003, p. 36).

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qualidade das situações de interação verbal11

Mesmo participando dessas práticas sociais que envolvem a leitura e a escrita, a

criança surda, diferentemente da ouvinte, necessita de subsídios que a auxilie a desenvolver

capacidades como, por exemplo, a percepção, a atenção e a memorização para chegar a

compreender que a escrita alfabética representa a linguagem. Tais capacidades devem ser

estimuladas a partir de um processo lúdico e prazeroso que priorize a criatividade da criança e

entre ela e os adultos, particularmente entre ela e a mãe. (SOARES, 2002, p. 21).

Sabemos que quanto antes a criança vivenciar situações mediadas pela prática da

leitura, mais rapidamente ela deverá progredir em relação à compreensão da mesma. A

educação infantil vai gradativamente ajudando a formar os bons leitores ao favorecer a

utilização de uma infinidade de materiais úteis e interessantes, oportunizando assim, a

manipulação de diferentes tipos de textos, que irão incentivar leituras variadas, não só desses

textos escritos, mas do mundo no qual a criança está inserida, ou seja, as leituras do seu dia-a-

dia. O importante é que as instituições de educação infantil ampliem as experiências das

crianças e permitam que, a partir de suas vivências, elas construam significados relevantes

para todas as suas leituras.

Devido ao bloqueio de comunicação que se instaura entre pais e filhos com a

descoberta da surdez, a maioria das crianças surdas, ao ingressar na educação infantil, faz

poucos questionamentos a respeito da leitura e escrita, o que a difere da criança ouvinte nesse

estágio. Sabemos, entretanto, que a infância, tanto da criança ouvinte quanto da surda, é o

período em que acontecem as mais importantes observações, experimentos e descobertas da

vida de uma criança. Por isso devemos aproveitar esse momento para construir com ela,

através de vivências reais e variadas, conhecimentos que envolvam os usos da leitura e da

escrita e sua função social, respeitando, assim, o ritmo, a realidade e os interesses de cada um,

bem como o contexto histórico, social e cultural no qual esse sujeito se encontra inserido. Para

elucidar este pensamento, cito Marcushi (2008) quando este diz:

O meio em que o ser humano vive e no qual ele se acha imerso é muito maior que seu ambiente físico e seu contorno imediato, já que está envolto também por sua história, sua sociedade e seus discursos. A vivência cultural humana está sempre envolta em linguagem e todos os textos situam-se nessas vivências estabilizadas simbolicamente. Isto é um convite claro para o ensino situado em contextos reais da vida cotidiana. (MARCUSHI, 2008, p. 173).

11 É importante entendermos que no caso da criança surda essa interação poderá ser verbal (crianças oralizadas) ou através da língua de sinais. O destaque aqui é dado à interação e à “pobreza” do contexto linguístico.

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esteja completamente desvinculado de exercícios preparatórios e mecânicos. Segundo Kato

(2004, p. 99), “para saber como ensinar algo para alguém é preciso entender o quê e como

esse alguém aprende em virtude da intervenção externa”.

Partindo desta perspectiva, podemos pensar numa educação infantil para surdos

que oportunize e incentive as crianças vivenciarem situações interessantes de leitura e escrita,

de forma que elas se sintam atraídas por essas práticas. Ter a consciência de que o saber

“fazer uso da leitura e da escrita transformam o indivíduo, levam o indivíduo a um outro

estado ou condição sob vários aspectos: social, cultural, cognitivo, linguístico, entre outros”

(SOARES, 2003a, p. 38) é condição fundamental para que as crianças coloquem em ação

conjunta o desenvolvimento de tais aspectos. Sob esta perspectiva, torna-se, então,

imprescindível se deslocar o “eixo no processo ensino-aprendizagem: o direcionamento deixa

de ser definido por quem ensina e passa a constituir-se a partir de quem aprende”

(FERREIRO, 1993 apud SILVA, 2008, p. 39), ou seja, pensa-se no papel da criança nesse

processo.

1.3 A Educação Infantil12

Segundo Martins (2009), as primeiras preocupações com a educação infantil,

ocorreram no início do século XVII. A autora apresenta em sua obra todo o processo da

educação das crianças. De acordo com seus estudos (Ibid.), Comenius (1592-1657) em sua

Didática Magna, já considerava o brincar no processo educacional ao apontar que “do lado de

fora, nas imediações da escola, deve haver espaço para brincar e andar (pois as distrações não

devem ser negadas às crianças de quando em quando)...” (COMENIUS, 2002, p. 170 apud

MARTINS, 2009, p. 18). No século posterior, Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) “ao

considerar a criança, enquanto naturalmente boa e o movimento, enquanto essencial na

educação da infância, identifica o brincar com algo que lhe é inerente” (Ibid., p. 18). Ainda

segundo Martins (Ibid., p. 18) na mesma época, Johann Heinrich Pestalozzi (1746–1827)

“considerava que a educação da criança se dava pela atividade, pelas ações e não pelas

palavras em si, relevando, assim, o brincar e a ginástica em sua pedagogia”.

e a brincadeira: propostas e desafios

12 No Brasil, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional divide a educação infantil em dois momentos, chamando o equipamento educacional que atende crianças de 0 a 3 anos de creche e o que atende crianças de 4 a 6 anos de pré-escola.

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No final do século XIX e início do século XX, o destaque é dado a Ovide Decroly

(1871-1932), John Dewey (1859-1952) e Maria Montessori (1870-1952) que, segundo

Kramer (1994), juntos: influenciaram a criação do movimento escolanovista, mas apesar de contribuírem efetivamente para a superação da pedagogia “tradicional”, onde o brincar era considerado como algo improdutivo e com pouco valor educativo, é preciso entender os limites de suas propostas, em especial por não levarem em conta a heterogeneidade social. (KRAMER, 1994 apud Martins, 2009, p. 20).

As primeiras organizações que atenderam crianças pequenas surgiram nos Estados

Unidos por volta do século XIX. Friedrich Fröebel (1782-1852) foi o criador dos jardins de

infância e “embora não tenha sido o primeiro a analisar o valor educativo do jogo, Froebel foi

o primeiro a colocá-lo como parte essencial do trabalho pedagógico, ao criar o jardim de

infância com uso dos jogos e brinquedos” (KISHIMOTO, 2002, p. 61). A autora revela (Ibid.,

p. 57) que Froebel, enquanto filósofo do período romântico, “acreditou na criança, enalteceu

sua perfeição, valorizou sua liberdade e desejou a expressão da natureza infantil por meio de

brincadeiras livres e espontâneas. Instituiu uma pedagogia tendo a representação simbólica

como eixo do trabalho educativo [...]”

De acordo com Valle (2008), em 1899, foi fundado no Rio de Janeiro o primeiro

Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Brasil, cuja proposta inicial era meramente

assistencialista, destinada a cuidar dos filhos das mulheres das classes menos favorecidas

economicamente, que começaram a trabalhar para atender ao grande movimento de

industrialização e urbanização, bem como aos filhos das empregadas domésticas. “As creches

populares atendiam somente o que se referia à alimentação, à higiene e à segurança física.

Eram chamadas de Casa dos Expostos ou Roda.” (VALLE, 2008, p. 64).

Mais tarde, com o intuito de combater o fracasso escolar no atual ensino

fundamental, a pré-escola adota a teoria da prontidão, em que, através de exercícios de

treinamento de habilidades para aprender a ler e escrever, a criança estaria pronta para

começar sua vida escolar. Essas teorias marcaram durante muito tempo o demérito da pré-

escola, que não fazia parte do contexto educacional.

Somente muito tempo após o surgimento da pré-escola é que as crianças surdas

começaram a frequentar esse seguimento com professores especializados. De acordo com

Silva (2005, p. 7), “a Educação Infantil foi criada no INES em meados da década de 1960,

chamada na época de ‘Jardim de Infância’ e foi um projeto das professoras Ismênia e Isléa de

Lima”.

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A Educação Infantil, que era direito dos filhos da mulher trabalhadora, hoje é

dever do Estado e direito de toda criança, condição essa reconhecida na Constituição Federal

de 1988, no Art. 208, inciso IV. O direito a essa educação também tem destaque em outros

documentos, como o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA e a lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional – LDB (Lei nº 9.394/96), que reconhece a necessidade da

Educação Infantil no panorama educacional brasileiro.

No Art. 29 do capítulo sobre Educação Básica, seção II, a Educação Infantil é

vista como a primeira etapa da Educação básica e “tem como finalidade o desenvolvimento

integral da criança até seis anos de idade em seus aspectos físico, psicológico e social”. De

acordo com a LDB, a educação deverá complementar a ação da família e da comunidade,

promovendo a integração entre os aspectos físicos, sociais, emocionais e cognitivos da

criança.

Na atualidade, as pessoas com necessidades especiais têm direito garantido à

educação a partir da educação infantil. A LDB, no Art. 58, parágrafo 3º, dispõe que “a oferta

de educação especial, dever constitucional do Estado, tem início na faixa etária de zero a

cinco anos, durante a educação infantil”.

A Educação Infantil passou a ter uma função pedagógica com objetivos próprios,

voltados para a importância da primeira infância, que favorecessem as observações, os

experimentos e as descobertas. Para Meyer (2003, p. 27), faz-se necessário entender que esse

período “não é uma imitação da escola de Ensino Fundamental”, nem tampouco um período

de prontidão, onde são treinadas habilidades. Sobre a função dessa instituição, Kuhlmann Jr.

(2000) afirma que: Se a criança vem ao mundo e se desenvolve em interação com a realidade social, cultural e natural, é possível pensar uma proposta educacional que lhe permita conhecer esse mundo, a partir do profundo respeito por ela. Ainda não é o momento de sistematizar o mundo para apresentá-lo à criança: trata-se de vivê-lo, de proporcionar-lhe experiências ricas e diversificadas. (KUHLMANN Jr, 2002 apud MEYER, 2003, p. 27).

Toda instituição de educação infantil deve desenvolver seu trabalho pautado no

respeito às diferenças e às diversidades e ter como principal objetivo o desenvolvimento

global de seus alunos. Para Kramer (2003), o trabalho escolar é entendido como o aquele que

deve garantir o acesso aos conhecimentos produzidos historicamente pela humanidade e

formar, simultaneamente, indivíduos críticos, criativos e autônomos, capazes de agir no seu

meio e transformá-lo.

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Segundo Kramer (2005), no âmbito da educação infantil, em que se prioriza um

ensino de práticas prazerosas e significativas, torna-se essencial oferecer aos alunos um

ambiente que propicie a manifestação e ampliação de suas aprendizagens e conhecimentos.

Para a autora (Ibid.,), é preciso pensar nesse espaço como um ambiente harmônico e

educativo que favoreça o “estabelecimento de inúmeras relações das crianças entre si e com o

meio natural e sócio-cultural, o que envolve espaço, materiais adequados e de fácil acesso às

crianças, bem como profissionais que façam as mediações entre as crianças e esses recursos”.

(KRAMER, 2005, p. 214).

Qual educação infantil devemos pensar para a criança surda? Assim como as

crianças ouvintes, as crianças surdas são seres ativos, que precisam de oportunidades para se

tornar competentes para enfrentar os desafios e as adversidades que lhes serão impostas pela

vida. Nessa perspectiva não há, portanto, como se pensar em uma educação infantil para

crianças surdas sem privilegiar e considerar o contexto histórico, social e cultural no qual

esses sujeitos encontram-se inseridos.

É preciso reconhecer as diferenças e especificidades das crianças surdas e assim

pensar num ambiente educacional oportuno para o seu desenvolvimento global. De acordo

com Kramer (2003, p. 23), “a diferença deve ser considerada para que se possam alcançar os

mesmos objetivos, independente da origem sócio-econômica ou cultural das crianças”. Ainda

nesse contexto, a autora (Ibid.,) chama a atenção para a importância dos estudos

antropológicos ao fazer as seguintes suposições: Se os estudos históricos nos ajudam a situar a proposta pedagógica no contexto político mais amplo; se os estudos sociológicos orientam nossa definição sobre o papel que atribuímos à escola e quanto aos conhecimentos que deve dar acesso; se, ainda, as pesquisas de cunho psicológico nos fornecem subsídios valiosos para planejar e desenvolver nosso currículo, os estudos antropológicos exigem que levemos em conta o contexto de vida mais imediato das crianças e as próprias características específicas dos professores e da escola como instituição. (KRAMER, 2003, p. 22).

O reconhecimento das adversidades presentes em qualquer contexto educacional,

regular ou especial, inicia-se na construção da proposta pedagógica que deverá estar

respaldada e delineada a partir de uma sólida fundamentação teórica. Os Parâmetros

Curriculares Nacionais – PCNs, elaborados por equipes de especialistas ligadas ao Ministério

da Educação – MEC, têm por foco estabelecer uma referência curricular para a educação de

todo o país, objetivando a eficiência da educação escolar brasileira. Os PCNs da educação

infantil foram escritos em forma de referenciais e orientações pedagógicas.

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O RCNEI foi organizado em uma coleção de três volumes, sendo o primeiro um

documento introdutório que situa e fundamenta as concepções de criança, de educação, de

instituição e do profissional. Os outros dois volumes foram elaborados no âmbito da

Formação Pessoal e Social (Identidade e Autonomia) e do Conhecimento de Mundo

(Movimento, Música, Artes Visuais, Linguagem Oral e Escrita, Natureza e Sociedade e

Matemática). O RCNEI tem por objetivo contribuir tanto com a implantação ou

implementação de práticas educativas de qualidade, quanto com as políticas e programas de

educação infantil, constituindo-se dessa forma uma proposta flexível e não obrigatória.

1.3.1 Vigotski: brincadeira e desenvolvimento

Atualmente existem diversos paradigmas teóricos sobre a importância da

atividade lúdica13

Vigotski (1896-1934) foi o primeiro psicólogo moderno e o principal autor da

corrente teórica histórico-cultural. Silva (2002) explica que essa perspectiva em questão

na infância. Construídos sob diversos enfoques, os referenciais, em geral,

relacionam a brincadeira da criança a comportamentos naturais e/ou sociais. Muitos

estudiosos e pesquisadores como Piaget (1971), Winnicott (1975), Brougère (1995), Kishimoto

(2002), Vigotski [(2007)], entre outros, teorizam sobre o brincar e reconhecem a brincadeira

como um momento de engrandecimento infantil, fundamental para que a criança desenvolva-

se em pelo menos um desses aspectos: social, emocional, afetivo, cognitivo e/ou físico.

Para compreender a importância da relação do brincar da criança surda com a

aprendizagem, ancoro-me nos referenciais teóricos de Vigotski. O autor contribui com

questões importantes sobre o funcionamento lúdico na infância, o que tem corroborado

sobremodo com as reflexões sobre o valor do jogo no desenvolvimento infantil. Vigotski

(2007, p. 112) estabelece uma relação estreita entre jogo e aprendizagem, pois para ele “é

enorme a influência do brinquedo no desenvolvimento de uma criança”.

Vigotski assim como Piaget dedicaram-se a estudar o desenvolvimento mental do

homem, desde a infância até a adolescência. O conceito biológico de desenvolvimento de

Piaget, como uma questão de maturação, vinculados à experiência individual, foi rejeitado por

Vigotski, pois para ele os processos cognoscitivos estão mais vinculados à cultura do que à

herança biológica.

13 A atividade lúdica poderá estar relacionada a brinquedos concretos quanto às situações de faz-de-conta, abrangendo tanto a atividade individual e livre quanto coletiva e com regras. É a atividade que a criança executa livremente com prazer.

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“compreende o desenvolvimento do homem e a história do funcionamento de ordem superior

como intrinsecamente relacionados às possibilidades de intercâmbios sociais” (p. 33),

assumindo “como centralidade, o papel da linguagem no desenvolvimento humano”. (p. 108).

A abordagem histórico-cultural abre novos caminhos para um melhor

entendimento do funcionamento psíquico do homem bem como sua relação com o meio

revelando, assim, os mecanismos pelos quais a cultura e a história atuam sobre a formação

dos processos mentais superiores da criança, como, por exemplo, a memória, a imaginação, a

percepção, a atenção e a capacidade de planejamento, funções essas tipicamente humanas.

Sob esta ótica, Maranhão (2007) cita a análise que Rego (1995) faz da obra vigotskiana: Na perspectiva vigotksiana o desenvolvimento das funções intelectuais especificamente humanas é mediado socialmente pelos signos e pelo outro. Ao internalizar as experiências fornecidas pela cultura, a criança reconstrói individualmente os modos de ação realizados externamente e aprende a organizar os próprios processos mentais. O indivíduo deixa, portanto, de se basear em signos externos e começa a se apoiar em recursos internalizados (imagens, representações mentais, conceitos etc). (REGO 1995 apud MARANHÃO, 2007, p. 30).

Ainda sobre as formulações da corrente histórico-cultural, Silva (2006) acrescenta

que, de acordo com essa linha, A especificidade humana só pode ser explicada como atrelada ao advento da cultura, mais especialmente do trabalho social; gerador da necessidade de trocas interpessoais e da criação coletiva de sistemas simbólicos. A consciência não é uma energia anterior/superior em si, não é inata, pois se constituiu nos processos de apropriação e criação da esfera cultural. (SILVA, 2006, p. 122).

Vigotski (2007) toma o brinquedo como um elemento indispensável no

desenvolvimento e na aprendizagem infantil. O brincar envolve a totalidade do sujeito surdo,

pois amplia suas linguagens, desafia seu raciocínio, desenvolve suas competências e

inteligências. Sobre as possibilidades implícitas no brincar, Fontana e Cruz (1997) fazem as

seguintes considerações: Brincar é, sem dúvida, uma forma de aprender, mas é muito mais que isso. Brincar é experimentar-se, relacionar-se, imaginar-se, expressar-se, compreender-se, confrontar-se, negociar, transformar-se, ser. Na escola, a despeito dos objetivos do professor e de seu controle, a brincadeira não envolve apenas a atividade cognitiva da criança. Envolve a criança toda. É prática social, atividade simbólica, forma de interação com o outro. Acontece no âmago das disputas sociais, implica a constituição do sentido. É criação, desejo, emoção, ação voluntária. (FONTANA e CRUZ, 1997, p. 139 apud MARTINS, 2009, p. 29-30).

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Vigotski, como um dos principais estudiosos e pesquisadores a conceber a

brincadeira como uma atividade humana criadora, desenvolveu interessantes estudos sobre os

aspectos cognitivos do jogo, enfatizando em sua teoria o desenvolvimento e a aprendizagem

da criança. De acordo com Vigotski (2007, p. 114), a criança expande seus conceitos por meio

do brinquedo e da imaginação, aprendendo a agir numa esfera cognitiva em vez de numa

esfera visual externa. “No brinquedo, no entanto, os objetos perdem sua força determinadora.

A criança vê um objeto, mas age de maneira diferente em relação àquilo que vê”. Borba

(2006) descreve com muita propriedade a visão do autor sobre as atividades de brincadeiras.

De acordo com Vygotsky (1987), o brincar é uma atividade humana criadora, na qual imaginação, fantasia e realidade interagem na produção de novas possibilidades de interpretação, de expressão e de ação pelas crianças, assim como de novas formas de construir relações sociais com outros sujeitos, crianças e adultos... O autor compreende que, se por um lado a criança de fato reproduz e representa o mundo por meio das situações criadas nas atividades de brincadeiras, por outro lado tal reprodução não se faz passivamente, mas mediante um processo ativo de reinterpretação do mundo, que abre lugar para a invenção e a produção de novos significados, saberes e práticas. (BORBA, 2006, p. 35).

Para Vigotski o brinquedo é um mundo ilusório e imaginário, onde os desejos

não-realizáveis da criança podem ser realizados. Ao projetar-se nesse mundo, a criança está

ensaiando seus valores futuros, bem como antevendo seus papéis sociais; portanto, essa

“habilidade de aprender com o passado para interferir no presente não nasce com o homem,

mas já a partir dos três anos de idade a criança é capaz de perceber que determinadas

situações só poderão ser aprendidas no futuro e outras, imediatamente”. (MARANHÃO,

2007, p. 31).

Outro conceito importante desenvolvido por Vigotski que merece destaque neste

estudo é o da zona de desenvolvimento proximal - ZDP, instrumento que auxilia psicólogos e

educadores a compreender o curso interno do desenvolvimento humano. A Zona de

Desenvolvimento Proximal é conceituada por Vigotski (2007, p. 97) como sendo a “distância

entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução

independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da

solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros

mais capazes”. De acordo com o autor, a brincadeira cria essa zona de desenvolvimento

proximal, quando as ações da criança ultrapassam o desenvolvimento real possibilitando e

impulsionando novas aprendizagens.

Foi na década de 1930, através do conceito da ZDP, que Vigotski “desenvolveu,

do ponto de vista da instrução, os aspectos centrais da sua teoria da cognição: a transformação

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de um processo interpessoal (social) num processo intrapessoal, os estágios de internalização;

o papel dos aprendizes mais experientes”. (STEINER e SOUBERMAN, 2007, p. 164).

1.3.2 Os jogos, as brincadeiras e os brinquedos

“Brincar não é perder tempo, é ganhá-lo. É

triste ter meninos sem escola, mas mais triste é vê-los enfileirados em salas sem ar, com exercícios estéreis, sem valor para a formação humana”.

Carlos Drummond de Andrade

Pesquisas sobre a importância do brincar na infância e suas consequências no

desenvolvimento e na aprendizagem infantil têm se tornado cada vez mais objeto de estudo de

diferentes campos, como, por exemplo, o sociocultural, o pedagógico, o filosófico, o

psicológico, entre outros. O interesse crescente de diversas áreas sobre essa temática está

relacionado às novas concepções atribuídas ao jogo:

O jogo é, pois, um “quebra-cabeça”... Não é, como se pensava, simplesmente um método para aliviar tensões. Também não é uma atividade que “prepara” a criança para o mundo, mas é uma atividade real para aquele que brinca. Verdadeiramente brincamos, envolvemo-nos com paixão no jogo, sem precisarmos, em absoluto, saber o que ele significa. (FRIEDMANN 1998 in MARANHÃO 2007, p. 47).

Para Valle (2008, p. 58), a relação do brincar com a educação data de longos

tempos, pois, segundo a autora, “os jogos já eram utilizados em Roma e na Grécia, para o

aprendizado das letras”. Ela acrescenta que “com o advento do Cristianismo, esse interesse

cedeu lugar a uma educação mais séria, que valorizava a disciplina, e os jogos passaram a ser

vistos como inúteis ou até prejudiciais”. Torna-se, portanto, importante destacar que, mesmo

sendo objeto de estudo de diferentes áreas, ainda no século XXI a relação do brincar com a

aprendizagem mantêm resquícios do período do Cristianismo.

Borba (2006, p. 34) ratifica essa realidade afirmando que pelo menos nas

sociedades ocidentais a brincadeira “ainda é considerada irrelevante ou de pouco valor do

ponto de vista da educação formal, assumindo frequentemente a significação de oposição ao

trabalho, tanto no contexto da escola quanto no cotidiano familiar”. A relação do jogo com o

desenvolvimento cognitivo ainda é uma questão que demanda muito estudo no cenário da

educação brasileira.

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Após séculos de estudos e pesquisas sobre a importância do brincar na infância,

ainda hoje é comum em nossa sociedade, surgirem dúvidas quanto à utilização dos termos

jogos, brinquedos e brincadeiras. Para Neto (2003), isso se deve ao fato de existir na língua

portuguesa distinção entre o jogar e o brincar, o que não ocorre em outras línguas como, por

exemplo, no alemão (spielen), no inglês (to play), no espanhol (jugar) e no francês (jouer),

onde apenas um termo é utilizado para significar as duas atividades. Kishimoto (2006, p. 17)

afirma que no Brasil, esses termos “ainda são empregados de forma indistinta, demonstrando

um nível baixo de conceituação deste campo”.

A definição desses termos consiste numa tarefa nada fácil, uma vez que não existe

uma teoria aceita universalmente para defini-los, pois cada grupo, cada espaço geográfico e

cada cultura os vivenciam diferentemente, a partir do contexto em que se encontram inseridos,

implicando, assim, diferentes formas de brincar. É comum, por exemplo, vermos crianças

brincando de bonecas como se essas fossem suas filhas, entretanto, esse mesmo brinquedo nas

mãos de uma criança indígena, pode representar um símbolo de divindade, de adoração.

Uma mesma conduta pode ser jogo ou não-jogo em diferentes culturas, dependendo do significado a ela atribuído. Por tais razões fica difícil elaborar uma definição de jogo que englobe a multiplicidade de suas manifestações concretas. Todos os jogos possuem peculiaridades que os aproximam ou distanciam. (KISHIMOTO 2006, p. 15).

Para Wittgenstein (1991), a dificuldade de se compreender o termo ‘jogo’ está

relacionada ao fato deste pertencer a uma grande família com semelhanças e diferenças que se

envolvem e se cruzam mutuamente. Para o autor (Ibid.,), são as semelhanças que permitem

classificar jogos de faz-de-conta, de construção, de regras, de palavras, políticos, dentre

outros. Sobre as características comuns e as especificidades apresentadas pelo jogo, o autor

faz uma consideração bastante relevante para a compreensão do termo em questão:

Refiro-me a jogos de tabuleiro, de cartas, de bolas, torneios e esportivos, etc. O que é comum a todos eles? Não diga: Algo deve ser comum a eles, senão não se chamariam jogos – mas veja se algo é comum a todos – Pois, se você os contemplar, não verá na verdade algo que seja comum a todos, mas verá semelhanças, parentescos, e até toda uma série deles. Como disse: não pense, mas veja! Considere, por exemplo, os jogos de tabuleiro, com seus múltiplos parentescos. Agora passe para os jogos de cartas: aqui você encontra muitas correspondências com aqueles da primeira classe, mas muitos traços comuns desaparecem e outros surgem. Se passarmos aos jogos de bola, muita coisa comum se conserva, mas muitas se perdem. – São todos recreativos? Compare o xadrez com o jogo da amarelinha. Há, em todos, um ganhar e um perder ou uma concorrência entre os jogadores? Pense nas paciências. Nos jogos de bola há um ganhar e um perder, mas se a criança atira a bola na parede e a apanha outra vez, este traço desaparece. Veja que papéis desempenham a habilidade e a sorte. E como é diferente a habilidade do xadrez e no tênis. Pense agora nos brinquedos de roda: o elemento de

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divertimento está presente, mas quantos dos outros traços característicos desaparecem! E assim podemos percorrer muitos, muitos outros grupos de jogos e ver semelhanças surgirem e desaparecerem, (WITTGENSTEIN, 1991, p. 38-39).

Para Kishimoto (2006, p.16-17), o nó sobre esse conglomerado de significados a

respeito do termo ‘jogo’, começou a ser desatado a partir de pesquisadores do Laboratoire de

Recherche sur Le Jeu et Le Jouet, da Université Paris-Nord, como Gilles Brougère (1981,

1993) e Jacques Henriot (1983, 1989), ao apontarem três níveis de diferenciações, sendo o

primeiro, o resultado de um sistema linguístico que funciona dentro de um contexto social, ou

seja, a imagem de jogo é construída conforme “valores e modo de vida, que se expressa por

meio da linguagem”. Dependendo do lugar, da época e do sentido que cada sociedade lhe

atribui, o jogo poderá assumir diferentes significações, como é o caso da boneca citada

anteriormente.

No segundo e no terceiro níveis o jogo pode ser visto como um sistema de regras

e um objeto consecutivamente. As regras e os objetos podem distinguir um jogo do outro. O

sistema de regras permite “superposição com a situação lúdica, ou seja, quando alguém joga,

está executando as regras do jogo e, ao mesmo tempo, desenvolvendo uma atividade lúdica”.

(KISHIMOTO, 2006, p. 16).

Os objetos são a materialização do jogo que, por si só, não podem ser confundidos

com o brinquedo, pois, segundo Kishimoto (2006, p. 18), este “supõe uma relação íntima com

a criança e uma indeterminação quanto ao uso, ou seja, a ausência de um sistema de regras

que organizam sua utilização. O brinquedo estimula a representação, a expressão de imagens

que evocam aspectos da realidade”. Na concepção de Brougerè (2006, apud Souza, 2009, p.

57), esses objetos “podem ser tanto criados pelo mundo adulto, concebidos para as

brincadeiras infantis, quanto criados pelas próprias crianças a partir de qualquer material, pois

o que confere a um objeto como um brinquedo é a sua função lúdica”. Sobre o valor

expressivo do brinquedo, Brougère (1995) faz a seguinte afirmação: O brinquedo estimula a brincadeira ao abrir possibilidades de ações coerentes com a representação: pelo fato de representar um bebê, uma boneca-bebê desperta atos de carinho, de troca de roupa, de dar banho e o conjunto de atos ligados à maternagem. Porém, não existe no brinquedo uma função de maternagem, há uma representação que convida a essa atividade num fundo de significação (bebê) dada ao objeto num meio social de referência. (BROUGÈRE, 1995, p. 15).

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Ao agir nesse cenário imaginado, a criança ensaia comportamentos e situações da

vida real projetando-se nas atividades dos adultos. Como essas atividades (ser motorista, ser

médico, andar a cavalo) não podem ser imediatamente satisfeitas, pois estão aquém de suas

reais possibilidades, as crianças representam esses papéis através dessas situações imaginárias

que, de acordo com Vigotski (2007, p. 110), “já contêm regras de comportamento, embora

não possa ser um jogo com regras formais estabelecidas a priori”. Sobre a relação do

brinquedo com as regras, o autor acrescenta a seguinte questão: O que restaria se o brinquedo fosse estruturado de tal maneira que não houvesse situações imaginárias? Restariam as regras. Sempre que há uma situação imaginária no brinquedo, há regras – não as regras previamente formuladas e que mudam durante o jogo, mas as que têm sua origem na própria situação imaginária. Portanto, a noção de que uma criança pode se comportar em uma situação imaginária sem regras é simplesmente incorreta. Se a criança está representando o papel de mãe, então ela obedece às regras de comportamento maternal. (VIGOTSKI, 2007, p. 111).

Para Vigotski (2007), o brinquedo preenche as necessidades da criança em

compreender o mundo adulto e, por isso, considera restrita a visão de brinquedo vinculada

estritamente à satisfação, ao prazer. Winnicott (1975, p. 80) acrescenta que ao brincar as

crianças buscam mais que prazer, elas brincam para o domínio de suas angústias como forma

de controlar suas idéias e impulsos. A brincadeira é para o autor essencial para o

desenvolvimento de uma personalidade sadia, “é no brincar, e somente no brincar, que o

indivíduo, criança ou adulto, pode ser criativo e utilizar sua personalidade integral: e é

somente sendo criativo que o indivíduo descobre o eu (self)”.

O jogo, segundo Vigotski (2007), é fruto de experiências adquiridas pela criança

no contexto social e representa a atividade simbólica mais importante da idade infantil. Para

ele (Ibid., p. 112), o conceito de jogo é construído a partir da situação imaginária e das regras,

pois, “da mesma forma que uma situação imaginária tem que conter regras de

comportamento, todo jogo com regras contém uma situação imaginária”. Essa relação

sugerida por Vigotski é esclarecida por Kishimoto (2006) da seguinte forma: A existência de regras em todos os jogos é uma característica marcante. Há regras explícitas, como no xadrez ou amarelinha, regras implícitas como na brincadeira de faz-de-conta em que a menina se faz passar pela mãe que cuida da filha. São regras internas, ocultas, que ordenam e conduzem a brincadeira. (KISHIMOTO, 2006, p. 24)

A brincadeira é, portanto, considerada um processo de relações entre a criança e o

outro e a criança e o brinquedo. Para Brougère (1995), o brincar não é inato, mas fruto de uma

aprendizagem social, pois, desde o nascimento, a criança está inserida nesse contexto, e seus

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comportamentos, inevitavelmente, estão impregnados por esse ambiente. Para o autor (Ibid., p.

97), “não existe na criança uma brincadeira natural. A brincadeira é um processo de relações

interindividuais, portanto, de cultura. É preciso partir dos elementos que ela vai encontrar em seu

ambiente imediato, em parte estruturado por seu meio, para se adaptar às suas capacidades”.

Tais reflexões me permitem pensar que o conceito que melhor define o brincar é

aquele que une num mesmo espaço imaginação e criação, que consegue articular passado,

presente e futuro, que suscita o desenvolvimento e a aprendizagem, potencializando a

construção do conhecimento. Na tentativa de compreender melhor o brincar, recorro à

definição de Silva (2006) que esboça o seguinte conceito:

O brincar é um espaço de apropriação e constituição pelas crianças de conhecimentos e habilidades no âmbito da linguagem, da cognição, dos valores e da sociabilidade. E que esses conhecimentos se tecem nas narrativas do dia-a-dia, constituindo os sujeitos e a base para muitas aprendizagens e situações em que são necessários o distanciamento da realidade cotidiana, o pensar sobre o mundo e o interpretá-lo de novas formas, bem como o desenvolvimento conjunto de ações coordenadas em torno de um fio condutor comum. (SILVA, 2006, p. 39).

1.3.3 O brincar da criança surda

É importante definir que quando falo de criança neste trabalho, estou me referindo

a “um sujeito social e histórico, que faz parte de uma organização familiar que está inserida

em uma sociedade, com uma determinada cultura, em um determinado momento histórico”.

(RCNEI,1998, v.1, p. 21).

A infância é como esses seres podem ou não viver as suas vidas nesse período,

que deve ser entendido como um período precioso e singular na vida de cada ser humano.

Para Kishimoto (2006, p. 19), “a infância é, também, a idade do possível. Pode-se projetar

sobre ela a esperança de mudança, de transformação social e renovação moral. A infância é

portadora de uma imagem de inocência”. A infância vai variar de acordo com o lugar e modo

de vivê-la, pois para Martins (2009) ela é: uma produção humana e não devemos identificá-la enquanto um processo natural, mas, sim, influenciado pelas condições sociais e culturais dos diferentes grupos. Desta forma, os modos de viver esta etapa da vida dependem diretamente dos costumes da comunidade em que ela está inserida. (MARTINS, 2009, p. 6-7).

As pesquisas envolvendo a infância e a criança aumentam a cada dia e tornam-se

interesse de estudo de diferentes áreas de conhecimento, como a Psicologia, a Pedagogia, a

Antropologia, a Filosofia e a Sociologia. Esse interesse se deve ao fato de que as mudanças

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ocorridas nos últimos anos vêm influenciando os modos como as crianças estão vivendo suas

infâncias. Sobre essa questão Barbosa e Horn (2008) afirmam que: Passou-se de uma concepção segundo a qual as crianças eram vistas como seres em falta, incompletos, apenas a serem protegidos, para uma concepção das crianças como protagonistas, do seu desenvolvimento, realizado por meio de uma interlocução ativa com seus pares, com os adultos que as rodeiam, com o ambiente no qual estão inseridas. As crianças são capazes de criar teorias, interpretações, perguntas, e são co-protagonistas no processo de conhecimento. (BARBOSA e HORN 2008, p. 28).

Ratificando e complementando o exposto acima, Corsaro (1997 apud Souza,

2009, p. 52) afirma “que as crianças não estão simplesmente internalizando a sociedade e a

cultura, mas estão ativamente contribuindo para a produção cultural e a mudança a partir de

uma dinâmica na qual simultaneamente as crianças afetam as sociedades em que vivem e por

elas são também constituídas”.

Nesse contexto é possível pensar a concepção de criança como uma noção

historicamente construída que se modifica ao longo dos tempos. A criança, portadora de uma

natureza própria, pensa e age de forma bastante peculiar, ela não é uma miniatura dos adultos,

mas “um ser que tem características, sensibilidade e lógica próprias” (MEYER, 2003, p. 44).

Complementando o conceito de Meyer, o RCNEI (1998, v.1, p. 21) afirma que as crianças

“possuem uma natureza singular, que as caracteriza como seres que sentem e pensam o

mundo de um jeito muito próprio”.

De acordo com o RCNEI (1998, v.1, p. 21), “as crianças revelam seu esforço para

compreender o mundo em que vivem, as relações contraditórias que presenciam e, por meio

das brincadeiras, explicitam as condições de vida a que estão submetidas e seus anseios e

desejos”. A construção desse cenário imaginativo e de fantasia é interpretada pela criança

através de uma ação criadora, a partir daquilo que ela vivencia, vê e/ou ouve, expressando

assim como a cultura interfere nos seus desejos e necessidades. “Quanto maior a experiência

humana, quanto mais ricos os elementos de que a imaginação dispõe, maior a atividade

criadora.” (VYGOTSKY, 1987b apud SILVA, 2002, p. 85).

A imaginação e o desenvolvimento linguístico estão intrinsecamente relacionados

ao funcionamento lúdico. Retomando o que já foi considerado em outros momentos, fica

evidente que as crianças surdas filhas de pais ouvintes, que não aprenderam naturalmente a

língua oral e encontram-se em fase de aquisição da Libras e/ou da língua falada,

desenvolvem-se linguisticamente de forma diferenciada em relação a uma criança ouvinte.

Para Silva (2002, p. 93), essa criança não tem acesso ao mundo pelos mesmos recursos

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linguísticos que seus pais, o que acarreta peculiaridades na formação de seus processos

simbólicos, pois sua percepção e compreensão do mundo percorrem via distinta das crianças

ouvintes que “possuem uma sintonia de experiência lingüística com seus pais”.

Desse modo, é imprescindível compreender como as crianças surdas articulam

suas experiências linguísticas com o brincar, bem como a dinâmica utilizada por elas para

organizarem essa atividade. Para tanto, torna-se fundamental entender primeiramente em que

contexto cultural as crianças surdas encontram-se inseridas. De acordo com a abordagem

histórico-cultural, toda criança recria e assume em suas brincadeiras personagens e papéis

sociais vivenciados no seu contexto social. A criança surda, filha de pais ouvintes, mesmo

sem ter acesso à linguagem utilizada pelos seus pais, convive e experimenta diariamente o

universo cultural no qual estes estão inseridos, apropriando-se desse contexto na composição

de suas atividades lúdicas, nas encenações, no faz-de-conta, na construção de papéis e

personagens.

Os jogos e as brincadeiras, como atividade importante do desenvolvimento pré-

escolar, expõem as crianças a uma pluralidade de linguagens, dando-lhes acesso a um

ambiente rico de significados. A criança surda para participar desse ambiente utiliza-se de

diferentes ações e recursos expressivos (gestual e corporal) e da Libras (em processo de

aquisição) para construção de toda ação simbólica presente no funcionamento lúdico. Desde sinalizar, até manipular objetos e fazer gestos, o uso das mãos é fundamental para a criança surda. No entanto, sua “multifuncionalidade” acaba por estruturar outra forma de compor o brincar, pois com a mão se articula: o sinal, os gestos e a manipulação de objetos, requerendo um modo de funcionamento lúdico diferenciado, se comparado às crianças ouvintes, que possuem seu canal expressivo independente da mão, na via oral. (SILVA, 2002, p. 104)

Sobre a atividade da brincadeira no período pré-escolar, Goldfeld (2002, p. 78)

afirma que essas “são reais e sociais, é com base nelas que a criança assimila a realidade

humana. A fantasia não surge aleatoriamente, ela surge no percurso pelo qual a criança

penetra na realidade.” A autora diz que essa atividade é uma atividade generalizada14

Góes (1997), uma das primeiras pesquisadoras a organizar um trabalho sobre o

brincar de surdos, realizou uma pesquisa com um grupo de crianças surdas, em processo de

aquisição da língua de sinais, em situação de brincadeira. Ela observou que há uma tendência

e

acrescenta que a generalização se inicia basicamente pela linguagem, tornando-se uma

atividade difícil para a criança surda.

14 A criança usa as características gerais de um personagem para representá-lo. Para representar um motorista, ele representará a classe e não um motorista especificamente.

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de a criança surda utilizar recursos gestuais e a expressão corporal para interagir nas

brincadeiras. Foi observado que, mesmo com limitações linguísticas, as crianças encenam

episódios de faz-de-conta de forma bem articulada; elas brincam assumindo diversos papéis

das atividades adultas, como, por exemplo, a representação da classe de motoristas,

cabeleireiros, etc.

A pesquisa mencionada anteriormente revelou que a construção da ação simbólica

e a capacidade de abstração estavam presentes nas atividades observadas. Góes atribui essa

condição ao uso da língua de sinais que, mesmo em processo de aquisição, já garantia ao

grupo pesquisado condições de um funcionamento mental de ordem complexa. Ratificando a

observação de Góes sobre a importância da língua de sinais na atividade pesquisada, Silva

(2002, p. 105) acrescenta que “a língua de sinais é fundamental para o desenvolvimento da

atividade lúdica, pois a complexidade da atividade e a flexibilização dos objetos estão

relacionadas ao uso de sinais”.

Para as crianças surdas, brincar significa entender, perceber e conhecer o mundo

que a cerca, mais que isso, significa conhecer seu próprio mundo. Através das interações com

o outro que ocorrem por meio de múltiplas possibilidades, principalmente através dos jogos e

das brincadeiras, essas crianças vivenciam situações de aprendizagem que contribuem para

seu desenvolvimento enquanto sujeito social, histórico e cultural. Segundo Martins (2009): Brincar tem importância fundamental no sentido de nos fazer humanos, pois a brincadeira permite a elaboração da realidade e a apropriação da experiência social do grupo em que vive a criança, favorece a sua comunicação com outras crianças formando hábitos sociais em direção a ações e objetivos comuns, percebendo nosso papel no grupo e desenvolvendo a capacidade de autoorganização. (MARTINS, 2009, p. 16).

1.3.4 O professor, a criança e as aprendizagens

Embora não existam muitas informações sobre o professor que atua na educação

infantil, é sabido que “muitos destes profissionais ainda não têm formação adequada, recebem

remuneração baixa e trabalham sob condições bastante precárias” (RCNEI, 1998, v.1, p. 39).

De acordo com RCNEI (Ibid.,), a constatação dessa realidade nacional tornou-se objeto de

muitos debates que indicaram a necessidade de uma formação mais abrangente e unificadora,

que determinasse a formação de um novo profissional que, de fato, atendesse às demandas das

crianças na faixa etária da educação infantil.

Em resposta a esse debate, a LDB dispõe, no título VI, art. 62, que a formação de

docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura,

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de graduação plena. Tal fato demandou uma reformulação profunda nas instituições de

educação infantil, que passou a exigir de seus profissionais, além de uma competência

polivalente15

Que o adulto seja elemento integrante das brincadeiras, ora como observador e organizador, ora como personagem que explicita ou questiona e enriquece o desenrolar da trama, ora como elo de ligação entre as crianças e os objetos. E, como elemento mediador entre as crianças e o conhecimento, o adulto

, o conhecimento sólido e consistente a respeito das concepções sobre a criança e

o desenvolvimento infantil, que fundamentam as práticas sociais e os trabalhados realizados

na educação infantil.

Esse novo profissional deve responder não só às demandas atuais de educação da

criança de zero a seis anos, como se responsabilizar pela implementação e/ou implantação de

uma proposta curricular de qualidade que, segundo o RCNEI (1998, v 1, p. 41), dependerá,

“principalmente dos professores que trabalham nas instituições”. No contexto desta pesquisa,

torna-se fundamental o entendimento do professor sobre os jogos e as brincadeiras, enquanto

uma forma diferenciada de atividade para o processo educacional de crianças surdas. Para

tanto é importante que esse profissional conceba não só na teoria, mas nas suas ações, o

entrelaçamento entre a criança, a infância, o brincar e a educação infantil.

O professor desempenha um importante papel na relação da criança surda (i) com

a construção do conhecimento que se processa de forma integrada e global, (ii) no processo de

constituição da sua identidade e da autonomia (iii). Para Vigotski (2007), o processo de

aprendizagem não inclui apenas aquele que aprende nem tampouco aquele que ensina, mas a

relação entre essas pessoas.

Partindo desse pressuposto, devemos, então, considerar que a ação do professor na

pré-escola, como mediador, deverá ser sempre desafiadora, privilegiando através da atividade

lúdica as habilidades criativas da criança surda, desafiando-a a romper estigmas, a transpor

barreiras, transformando, assim, limitações em possibilidades. Sobre o papel desafiador do

professor, Allessandrini (1994 apud Maranhão, 2007, p. 39) diz que “aprendemos quando

adquirimos conhecimento. Situações de aprendizagem desafiadoras geram no indivíduo a

necessidade interna básica de, talvez, romper com seus próprios limites”.

A brincadeira constitui, portanto, uma ação educativa relevante para a criança

surda devendo ser considerada com todos os seus atributos na educação infantil. A posição

assumida pelo professor durante as brincadeiras dimensiona suas possibilidades. Wajskop

(1999) fala com muita propriedade sobre a efetiva participação do professor nas brincadeiras.

15 Ser polivalente significa que ao professor cabe trabalhar com conteúdos básicos essenciais até conhecimentos específicos provenientes das diversas áreas do conhecimento (RCNEI, 1998, v.1, p. 41).

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deve estar sempre atento às primeiras, acolhendo suas brincadeiras, atento às suas questões, auxiliando-as nas suas reais necessidades e buscas em compreender e agir sobre o mundo em que vive. (WAJSKOP 1999, p. 38).

As relações estabelecidas entre as crianças e os adultos deverão ser preservadas e

oportunizadas, uma vez que os adultos constituem sujeitos importantes nas experiências que

serão vivenciadas pelas crianças, principalmente as surdas. Nessas relações, torna-se

fundamental a interferência do professor, pois é a partir do outro que criança aprende a

observar, a comparar, a imitar, a criar capacidades para expandir-se. Desse modo o professor

deverá motivar a criança a interagir com o outro, transformando a sala de aula em um

ambiente privilegiado de negociações e de produção de novos sentidos. A motivação é

suscitada por meio de atividades estimuladoras e desafiantes que devem ser compatíveis com

as necessidades e expectativas dos alunos. Nesse contexto é importante que o aluno tenha a

consciência de que:

As pessoas que se situam no entorno do aprendiz não são objetos estáticos e passivos, mas companheiros dinâmicos que guiam, regulam, selecionam, comparam, analisam, registram o desenvolvimento. São, pois, agentes do desenvolvimento humano que atuam sobre a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP). (ANTUNES 2002, p. 28).

O professor, como responsável pela aprendizagem significativa, pelo

conhecimento científico, é indiscutivelmente o mais importante agente gerador de ZDP.

Entretanto, é notório que a aprendizagem também ocorra com a intervenção de outras crianças

na ZDP, o que acontece normalmente de forma não intencional. A criança aprende também

enquanto brinca, apesar de não estar preocupada com nenhum tipo de aprendizado, entretanto,

em toda brincadeira se constrói conhecimentos. De acordo com Leite (2002): É o outro que me constitui sujeito, que me mostra quem sou – é na relação com o diferente de mim que vou alicerçando ou desconstruindo hipóteses, modelos. A possibilidade de experienciar sentimentos fortes e contraditórios, colocar-me em múltiplos papéis, de exercitar o poder, dizer o indivisível, viver o inimaginável – enfim, na interação com o outro, a brincadeira alarga as fronteiras entre a fantasia e a realidade colaborando significativamente na construção da identidade das crianças. (LEITE, 2002, p. 67).

É no brinquedo, através da interação com o outro, que a criança irá estimular suas

faculdades intelectuais, a iniciativa individual, testar hipóteses, desenvolver a linguagem,

favorecer avanços nos processos da aprendizagem e comunicação. Sobre a intervenção do

brinquedo na ZDP, Vigotski (2007) faz a seguinte consideração: (...) o brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal da criança. No brinquedo a criança sempre se comporta além do comportamento habitual de

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sua idade, além de seu comportamento diário; no brinquedo é como se ela fosse maior do que é na realidade. Como no foco de uma lente de aumento, o brinquedo contém todas as tendências do desenvolvimento sob forma condensada, sendo ele mesmo uma grande fonte de desenvolvimento. (VIGOTSKI 2007, p. 122).

Com o intuito de ratificar a fundamentação teórica exposta nesta seção, apresento

o depoimento de Armando Guimarães Nembri (2008), que, hoje Mestre em Educação pela

Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, e professor da Universidade Veiga de

Almeida – UVA, descreve a importância da brincadeira na sua escolarização enquanto sujeito

surdo. Este depoimento foi retirado do texto de sua autoria “Ser surdo no mundo ouvinte”.

A educação, a parte técnica propriamente dita, baseava-se, e muito, na utilização do lúdico como forma de desenvolver o cognitivo, as habilidades e a coordenação. Como foi dito por minha mãe, neste tempo eu só brincava, pois, de alguma forma, brincando, comunicava-me com todos ao meu redor. Aprendia que o olho falava, que a face falava, que o corpo falava e, assim, interagia com todos que me rodeavam. As brincadeiras que admitiam várias performances, interpretações e situações eram as mais utilizadas (balançar o corpo como se fosse dança, caixinhas coloridas para empilhar, livros coloridos com flores, animais e bosques – também para colorir –, chutar uma bola, pelúcias de cores diversas, etc.). Segundo a professora Adyr Thereza16

16 A professora Adyr Thereza lecionava no INES e é mãe de Armando Guimarães Nembri.

, eram as brincadeiras que trariam a noção da realidade que eu vivia; eram as brincadeiras que trariam os significados do mundo em que eu vivia. (NEMBRI, 2008, p. 62).

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2 METODOLOGIA E CONTEXTO DE PESQUISA

“Uma pesquisa é sempre, de alguma forma,

um relato de longa viagem empreendida por um sujeito cujo olhar vasculha lugares muitas vezes já visitados. Nada de absolutamente original, portanto, mas um modo diferente de olhar e pensar determinada realidade a partir de uma experiência e de uma apropriação do conhecimento que são, aí sim, bastante pessoais.”

(DUARTE, 2002, p. 14)

Ao realizarmos uma pesquisa científica, definimos imediatamente algumas

questões, enquanto outras vão aparecendo no decorrer do estudo. A pesquisa científica exige

certo grau de formalidade e para ser reconhecida como tal deverá respeitar alguns pré-

requisitos. Gil (1989, p. 19) afirma que “na realidade, a pesquisa desenvolve-se ao longo de

um processo que envolve inúmeras fases, desde a adequada formulação do problema até a

satisfatória apresentação dos resultados”. Complementando a contribuição desse autor, Lüdke

e André (1986, p. 1) acrescentam que para “se realizar uma pesquisa é preciso promover o

confronto entre os dados, as evidências, as informações coletadas sobre um determinado

assunto e o conhecimento teórico acumulado a respeito dele”. Há de se compreender,

portanto, que antecedendo essas fases estão as razões que determinam a realização de uma

pesquisa.

A palavra “pesquisa” vem ganhando tanta popularização que tem preocupado os

teóricos, cientistas, pesquisadores e estudiosos quanto ao comprometimento do seu verdadeiro

sentido. Então, o que é pesquisa? As definições de pesquisa encontram-se referendadas nos

estudos de autores como Minayo (1993), Demo (1996), Lakatos e Marconi (1996), Barros e

Lehfeld (2003), entre outros. De acordo com Lakatos e Marconi (1996, p. 15): “Pesquisar não

é apenas procurar a verdade; é encontrar respostas para questões propostas, utilizando

métodos científicos”. Para Barros e Lehfeld (2003, p. 30) a pesquisa “é a exploração, é a

inquirição e é o procedimento sistemático e intensivo que têm por objetivo descobrir, explicar

e compreender os fatos que estão inseridos ou que compõem uma determinada realidade”.

Definida a partir de uma concepção mais filosófica, Minayo (1993) vê a pesquisa como: atividade básica das ciências na sua indagação e descoberta da realidade. É uma atitude e uma prática teórica de constante busca que define um processo intrinsecamente inacabado e permanente. É uma atividade de aproximação sucessiva da realidade que nunca se esgota, fazendo uma combinação particular entre teoria e dados. (MINAYO, 1993, p. 23).

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Pelas definições apresentadas acima, é possível verificar que a pesquisa não

constitui um simplório processo investigativo, mas a compreensão aprofundada dos

problemas estudados. Isto posto, apresento neste capítulo o conjunto de procedimentos

metodológicos que ofereceu suporte a esta pesquisa. O capítulo está constituído de

informações referentes (i) à proposta de estudo, (ii) ao contexto da pesquisa e aos

instrumentos de coleta de dados (iii).

2.1 Proposta de Estudo

Os estudos dos fenômenos educacionais encontram-se situados entre as ciências

humanas e sociais. Durante muito tempo esses fenômenos foram estudados a partir dos

modelos que serviram às ciências físicas e naturais, pois acreditavam “na possibilidade de

decompor os fenômenos educacionais em suas variáveis básicas, cujo estudo analítico, e se

possível quantitativo, levaria ao conhecimento total desses fenômenos” (LÜDKE e ANDRÉ,

1986, p. 3).

Com a evolução dos estudos na área da educação, a abordagem analítica,

considerada durante muito tempo como única forma de se fazer pesquisa, cedeu espaço aos

modelos investigativos mais abrangentes que permitiam compreender a complexidade

humana, já que a linguagem e o comportamento humano seriam os principais objetos de

estudo das ciências humanas e sociais.

Dessa forma, a racionalidade cedeu espaço à subjetividade que superou os

problemas identificados no modelo de pesquisa positivista que acreditava na possibilidade (i)

de se trabalhar com a complexidade humana e dela isolar variáveis, (ii) tratar de forma

quantitativa os seres humanos, suas relações sociais e comportamentos e analisar o homem

estatisticamente (iii) como quem estuda Matemática e Física, por exemplo. Sobre essa questão

Tílio (2001) afirma que: Em uma pesquisa qualitativa, os dados coletados são interpretados à luz de bases teóricas existentes na área, e não agrupados em categorias para serem tratados estatisticamente. Quando a principal fonte de dados é o ser humano, o que ocorre na área das Ciências Sociais, não faz sentido trabalhar com dados estatísticos apenas, pois não há como agrupar diferentes seres humanos, caracterizados por sua diversidade e pertencentes a diferentes realidades sociais, em categorias homogêneas. (TÍLIO, 2001, p.77).

Surge então uma nova forma de fazer pesquisa completamente desprovida da

preocupação em produzir dados numéricos: a pesquisa qualitativa. Segundo Silva e Menezes

(2005) na pesquisa qualitativa:

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Há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto é, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode ser traduzido em números. A interpretação dos fenômenos e a atribuição de significados são básicas no processo de pesquisa qualitativa. Não requer o uso de métodos e técnicas estatísticas. O ambiente natural é a fonte direta para coleta de dados e o pesquisador é o instrumento-chave. É descritiva. Os pesquisadores tendem a analisar seus dados indutivamente. O processo e seu significado são os focos principais de abordagem. (SILVA e MENEZES, 2005, p. 20).

Hoje em dia a pesquisa qualitativa ocupa um reconhecido lugar entre os

pesquisadores do campo das ciências humanas, especialmente na área da educação. A riqueza

de dados como as expressões corporais, as alterações das feições, as interações, as mediações,

o comportamento, por exemplo, fundamentais para esta pesquisa só poderiam ser coletadas a

partir de um estudo qualitativo. Assim, para analisar toda essa dimensão subjetiva tornou-se

fundamental a escolha dessa abordagem.

Apesar de ser cada vez mais tendenciosa a utilização das metodologias

qualitativas nos estudos dos fenômenos que envolvem os seres humanos e suas relações,

sobretudo no campo das ciências humanas, ainda “parecem existir muitas dúvidas sobre o que

realmente caracteriza uma pesquisa qualitativa, quando é ou não adequado utilizá-la e como

se coloca a questão do rigor científico nesse tipo de investigação” (LÜDKE e ANDRÉ, 1986,

p. 11).

Ajudando a compreender melhor a pesquisa qualitativa, Bogdan & Biklen (1982

apud, LÜDKE e ANDRÉ, 1986, p. 13) afirmam que esta “envolve a obtenção de dados

descritivos, obtidos no contato direto do pesquisador com a situação estudada, enfatiza mais o

processo do que o produto e se preocupa em retratar a perspectiva dos participantes”. Nesse

contexto, Lüdke e André (Ibid.,) citam as cinco características básicas apresentadas e

discutidas por Bogdan & Biklen (1982) que configuram uma pesquisa qualitativa: 1. A pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como sua fonte direta de

dados e o pesquisador como seu principal instrumento; 2. Os dados coletados são predominantemente descritivos; 3. A preocupação com o processo é muito maior do que com o produto; 4. O “significado” que as pessoas dão às coisas e à vida são focos de atenção

especial pelo pesquisador; 5. A análise dos dados tende seguir um processo indutivo. (BOGDAN &

BILEN, 1982 apud LÜDKE e ANDRÉ, 1986, p. 11-13).

Dentro desta abordagem qualitativa, optei pela realização de um estudo de caso

para conduzir esta pesquisa, não somente porque ele “possibilita a penetração em uma

realidade social, não conseguida plenamente por um levantamento amostral e avaliação

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exclusivamente quantitativa” (MARTINS, 2008, p. 9), mas, principalmente, pelo “seu

potencial para estudar as questões relacionadas à escola”. (LÜDKE e ANDRÉ, 1986, p. 13).

O estudo de caso é definido por Yin (2001, p. 32) como uma “investigação

empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real,

especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente

definidos”. Completando esta definição, Lüdke e André (1986, p. 21) acrescentam que a

principal preocupação desse modo de pesquisa está na “compreensão de uma instância

singular. Isso significa que o objeto estudado é tratado como único, uma representação

singular da realidade que é multidimensional e historicamente situada”.

Por ser o estudo de caso atualmente adotado na investigação de fenômenos das

mais diversas áreas do conhecimento, muitos autores têm se preocupado em defini-lo.

Contudo chamou-me à atenção a definição dada por Yong (apud Gil, 1989) já na década de

1960, quando se referiu ao estudo de caso como sendo: Um conjunto de dados que descrevem uma fase ou a totalidade do processo social de uma unidade, em suas várias relações internas e nas suas fixações culturais, quer seja essa unidade uma pessoa, uma família, um profissional, uma instituição social, uma comunidade ou uma nação. (YONG, 1960, p. 269 apud Gil, 1989, p. 59).

O estudo de caso caracteriza-se por grande flexibilidade, o que permite que cada

caso seja conduzido de uma determinada forma, sendo impossível estabelecer um roteiro

rígido. Todavia, Gil (1989, p. 121) afirma que “na maioria dos estudos é possível distinguir

quatro fases: a) delimitação da unidade-caso; b) coleta de dados; c) análise e interpretação dos

dados; d) redação do relatório.” Para o autor (Ibid., p. 121) delimitar a unidade-caso não

constitui tarefa simples. Ele considera como unidade “uma pessoa, uma família, uma

comunidade, um conjunto de relações ou processos (como conflitos no trabalho, segregação

racial numa comunidade, etc.) ou mesmo uma cultura”.

O que caracteriza um estudo de caso é o fato de o universo de pesquisa ser

limitado ao “estudo de um caso, seja ele simples e específico, como o de uma professora

competente de uma escola pública, ou complexo e abstrato, como o das classes de

alfabetização (CA) ou do ensino noturno”. (LÜDKE e ANDRÉ, 1986, p. 17). Considerando que

um estudo de caso visa a preservar o que cada caso apresenta de único e particular, foi possível

enfatizar a complexidade natural das situações oportunizadas pelos professores aos alunos do

CAP/INES, levando em conta o contexto em que elas estão inseridas. Desde modo o estudo de

caso me permitiu (i) explorar o caráter unitário do objeto desta pesquisa, (ii) descrever a situação

no contexto em que estava sendo feita a investigação, permitindo também a analise das situações

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organizacionais reais (iii). Para tanto foi necessário compreender primeiramente que num estudo

de caso “o caso é sempre bem delimitado, devendo ter seus contornos bem definidos no

desenrolar do estudo. O caso pode ser similar aos outros, mas é ao mesmo tempo distinto,

pois tem um interesse próprio, singular”. (Ibid., p. 17).

O estudo de caso, então, é uma categoria de pesquisa, cujo objeto é uma unidade

que se analisa profundamente. O estudo de caso possibilita ao pesquisador debruçar-se sobre

uma situação específica e dela extrair o que há de mais essencial e característico. Lüdke e

André (1986, p. 17) destacam que nesse tipo de investigação o interesse está naquilo que o

caso “tem de único, de particular, mesmo que posteriormente venham a ficar evidentes certas

semelhanças com outros casos e situações”.

Nesse contexto, evidencio que a metodologia a ser utilizada é uma das primeiras

questões a ser pensada num trabalho de pesquisa, pois, quando bem definida, torna mais fácil

o desenvolvimento dos procedimentos. Segundo Fiorese (2003, p. 27) o “método

(metodologia) é o conjunto de processos pelos quais se torna possível desenvolver

procedimentos que permitam alcançar um determinado objetivo”. Sobre a importância da

escolha metodológica, Duarte (2002, p. 140) faz a seguinte comparação: “a definição do

objeto de pesquisa assim como a opção metodológica constituem um processo tão importante

para o pesquisador quanto o texto que ele elabora ao final”. Fazendo uma analogia posso dizer

que a metodologia exerce para o pesquisador a mesma função da bússola para os navegantes.

2.2 O contexto da pesquisa

2.2.1 Local escolhido para a pesquisa

A pesquisa foi realizada no Colégio de Aplicação do Instituto Nacional de

Educação de Surdos CAP/INES. A atual sede do INES, localizado na Rua das Laranjeiras,

232, no bairro Laranjeiras no Rio de Janeiro, foi construída em 1915 pelo arquiteto francês

Gustav Lully que a projetou num estilo neoclássico. Atuando há mais de um século e meio na

educação de surdos no Rio de Janeiro, o INES passa, a partir de 1993, através de ato

ministerial, a ser reconhecido como Centro Nacional de Referência na Área da Surdez. Com

esta nova atribuição são realizadas ações que subsidiam todo o país. A relevância histórica,

cultural, social, adquirida durante todos esses anos, faz do INES um espaço único de educação

de surdos no Brasil, motivo que me incentivou a escolhê-lo como local para a realização desta

pesquisa que se desenvolveu no Setor de Educação Infantil.

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Com 153 anos de história na educação de surdos no Brasil, o Instituto Nacional

de Educação de Surdos – INES, órgão do Ministério da Educação – MEC, tem como missão

institucional a produção, o desenvolvimento e a divulgação de conhecimentos científicos e

tecnológicos na área da surdez em todo território nacional, bem como o subsídio à Política

Nacional de Educação, na perspectiva de promover e assegurar o desenvolvimento global da

pessoa surda, sua plena socialização e o respeito às suas diferenças. Contribui, também, na

prevenção da surdez na sociedade brasileira17

O projeto pedagógico adotado nessa Instituição parte de uma abordagem

bilíngue/bicultural

.

O INES, como Centro de Referência Nacional na Área da Surdez, possui um

colégio de Aplicação – CAP/INES – que atende atualmente cerca de 600 alunos, com surdez

severa ou profunda, matriculados da educação infantil ao ensino médio e um Instituto

Superior Bilíngue de Educação – ISBE que é responsável pelo primeiro curso Bilíngue de

Pedagogia do Brasil (Português/Língua Brasileira de Sinais – Libras).

18

Na época da pesquisa de campo, o SEDIN encontrava-se dividido em dois

segmentos: educação precoce, que atendia às crianças de 0 a 3 anos, e pré-escola, que atendia

, onde a instrução é passada em Libras (L1), e o Português é ministrado

como segunda língua (L2), na modalidade escrita. Sobre essa abordagem, Skliar (2000, p.145)

sustenta a idéia de que “a experiência prévia com uma língua contribui para a aquisição da

segunda língua, dando à criança as ferramentas heurísticas necessárias para a busca e a

organização dos dados linguísticos e o conhecimento, tanto geral como específico, da

linguagem”.

2.2.1.1 Serviço de Educação Infantil – SEDIN

A proposta curricular da Educação Infantil do INES está em consonância com o

Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil – RCNEI, pois acredita no aluno

como aquele que constrói seu conhecimento, e no professor como mediador entre o aluno e o

conhecimento e entre o aluno e seus pares. O que difere o trabalho realizado no INES dos

realizados nas demais instituições são os aspectos linguísticos característicos da surdez, onde

as atividades curriculares são desenvolvidas em Libras – L1 e Português – L2.

17 As informações sobre a missão institucional do INES estão no site www.ines.gov.br 18 A presença de duas línguas na educação implica o desenvolvimento de uma identidade bicultural, uma vez que os (as) surdos (as) estão imersos (as) nas questões culturais que envolvem comunidades surdas e ouvintes (PEDREIRA 2007, p. 20).

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às crianças de 3 a 6 anos aproximadamente. A pré-escola, segmento escolhido para a

pesquisa, funcionava neste ano letivo de 2010 com cinco turmas divididas em dois turnos. O

turno da manhã atendia ao Maternal, Jardins II e III, e o turno da tarde aos Jardins I e III,

compreendendo um total de 31 alunos distribuídos de acordo com a tabela abaixo:

Tabela 1 Caracterização do SEDIN

O segmento da educação precoce não fez parte deste estudo por apresentar

características muito próprias desta faixa etária que precisavam ser respeitadas. Os alunos

desse segmento eram atendidos individualmente com a presença dos seus responsáveis.

Participavam, também, desse atendimento, a professora e a assistente educacional em libras, o

que constituía a priori um universo de pelo menos três adultos para uma criança que ainda se

encontrava em período de adaptação, fato que me levou à referida decisão.

O SEDIN disponibilizava para seus alunos uma estrutura bastante condizente com

as necessidades das crianças nessa faixa etária. Todos os espaços eram amplos, limpos,

arejados e de fácil acesso. O 1º andar encontrava-se assim organizado: cinco salas de aula,

uma brinquedoteca, dois parques sendo um com brinquedos fixos (balanço, escorrega, trepa-

trepa) e tanque de areia, e o outro com brinquedos móveis e uma casinha de boneca, uma

piscina, um banheiro, uma sala de professores e sala da coordenação. O 2º andar tinha um

pátio coberto, duas salas de aula, uma sala de Psicomotricidade, uma sala de Artes e um

banheiro. Segundo a coordenadora do setor, uma sala de aula do 2º andar está reservada para a

construção de um laboratório de informática.

2.2.2 Os Participantes

Sobre a importância da escolha dos participantes, Duarte (2002, p. 141) afirma

que “os sujeitos que vão compor o universo de investigação é algo primordial, pois interfere

Turmas Turno Alunos Total de alunos

1 º 2 º Meninos Meninas

Maternal X 2 3 5

Jardim I X 3 4 7

Jardim II X 1 6 7

Jardim III X 3 3 6

Jardim III X 3 3 6

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diretamente na qualidade das informações a partir das quais será possível construir a análise e

chegar à compreensão mais ampla do problema delineado”.

Para a seleção dos participantes usei dois critérios: 1) estar atuando como

professor regente em sala de aula da pré-escola; 2) dispor-se a participar da pesquisa,

assinando termo de consentimento esclarecido (anexo II). A seguir, apresento a caracterização

das 0519

Tabela 2

professoras que participaram desta pesquisa. A Tabela 2 mostra o perfil dessas

profissionais a partir do cômputo dos seus dados pessoais. As informações abaixo foram

obtidas através das questões do Bloco 1.

Perfil das Professoras

A Tabela 3 apresenta o nível de formação dessas professoras caracterizado da

seguinte maneira:

Tabela 3 Nível de Formação das Professoras

Participantes Normal Especialização

Ed. Infantil* Especialização

Ed. Surdos* Curso Sup Especialização

Ed. Especial**

Mestr. Doutor.

P1 sim sim sim Pedagogia sim não não

P2 sim sim sim Pedagogia sim sim não

P3 sim não não Pedagogia*** não não não

P4 sim sim sim Pedagogia sim não não

P5 sim sim sim Teologia

Artes **** não não não

* Pós-médio ** Pós-graduação *** Cursando **** Incompleto

19 Total de professoras regentes na pré-escola do SEDIN.

Participantes Idade Tempo de docência

Tempo de docência com surdos

Tempo de docência na educação infantil- INES

P1 55 20 anos 18 anos 10 anos

P2 52 30 anos 30 anos 20 anos

P3 26 03 anos 03 anos 03 anos

P4 55 33 anos 16 anos 16 anos

P5 42 18 anos 16 anos 06 anos

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2.2.3 Aproximação com a Escola

Um aspecto específico desta pesquisa que merece ser contemplado está ligado às

atividades por mim desenvolvidas como pesquisadora-autora, ao mesmo tempo em que

trabalhava no local de desenvolvimento da mesma. Essa dupla pertinência me preocupou

muito, pois somente aos poucos fui desvinculando a professora da pesquisadora. Lüdke e

André (1986) analisam as lições aprendidas durante a elaboração de duas dissertações de

mestrado. Em um desses estudos a situação da pesquisadora é bastante semelhante à minha.

Sobre essa questão, as autoras (Ibid.) fazem o seguinte comentário: É interessante notar que ela nunca deixou de assumir, quer durante o estudo, quer no relato escrito, o seu caráter de membro da instituição estudada. Assim, tanto os colegas que participaram do estudo, como os seus leitores de agora podem situar perfeitamente a perspectiva de onde ela o focalizou. (LÜDKE e ANDRÉ, 1986, p. 59).

Tendo a percepção de que no estudo de caso, contrário ao modelo tradicional de

pesquisa, o pesquisador age como o principal instrumento de coleta de dados, captando

diretamente as informações importantes, procurei tomar cuidado para não impregnar com as

minhas concepções as análises presentes durante vários estágios da pesquisa, já que o

pesquisador “funciona como verdadeiro filtro das constatações que comporão a massa de

dados” (LÜDKE e ANDRÉ, 1986, p. 56). Para o pesquisador que realiza a pesquisa no seu local

de trabalho, Martins (2008) faz a seguinte alerta:

Quando o pesquisador-autor conduz um Estudo de Caso em organização de que ele faz parte, cuidados devem ser tomados para se evitarem contaminações das análises e interpretações, fruto de impressões e juízo de valores do profissional que, circunstancialmente, desenvolve em seu local de trabalho uma pesquisa científica que objetiva a compreensão e solução de um problema restrito. (MARTINS, 2008, p. 10).

O fato de trabalhar na instituição não me garantia nenhum tipo de privilégio em

relação aos outros pesquisadores. Assim, seguindo os tramites normais, expus para as

professoras (i) os objetivos da pesquisa, (ii) os procedimentos éticos e os procedimentos

metodológicos (iii). Para tanto, tratei o assunto com bastante transparência e clareza,

explicando a postura por mim assumida enquanto pesquisadora. Isto posto, Martins (2008, p.

10) explica que “o papel do pesquisador deve ser claro para aqueles que lhe prestam

informações, não podendo ser confundido com elementos que inspecionam, avaliam ou

supervisionam atividades.”

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As professoras não só aceitaram como demonstraram interesse e disponibilidade

para participar da pesquisa em questão. Para realizar a pesquisa no INES, foi necessário

apresentar ao setor responsável (DIESP – Divisão de Estudos e Pesquisas) uma cópia do

projeto de pesquisa acompanhado do Termo de Solicitação de Campo (anexo I) expedido pela

Universidade do Grande Rio – UNIGRANRIO, que confirmava ser a pesquisa um trabalho de

dissertação do mestrado. Confirmada a relevância da pesquisa, fui autorizada a realizar a

mesma no setor de educação infantil – SEDIN, conforme havia solicitado. O próximo passo

consistia em esclarecer às professoras os objetivos desta pesquisa bem como os

procedimentos metodológicos adotados para a realização da mesma. As professoras, como

sujeitos deste estudo, receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE que

enfatiza o processo ético da pesquisa.

A realização do trabalho de campo estava condicionada à apresentação do

projeto deste estudo ao Comitê de Ética em Pesquisa da UNIGRANRIO, conforme condição

imposta pelo Conselho Nacional de Saúde20

O questionário foi um dos instrumentos de coleta de dados utilizado nesta

pesquisa para verificar o posicionamento dos sujeitos com os aspectos que a norteavam. Para

evitar a possibilidade de interpretações dúbias e garantir detalhamentos consistentes que

para pesquisas envolvendo seres humanos. Em

13 de novembro de 2009 o referido Comitê emitiu um parecer favorável, considerando

aprovado este trabalho, com as considerações de bem estruturado e com sólida fundamentação

teórica. Após tais procedimentos formais, foi iniciada a coleta de dados.

2.3 Instrumentos de coleta de dados

A coleta de dados precisa apresentar, de forma clara, os instrumentos para a

obtenção de informações, para que assim a pesquisa possa obter cunho técnico e científico.

De acordo com Martins (2008, p. 72) “se a coleta de dados não for corretamente planejada,

todo trabalho de pesquisa do Estudo de Caso poderá ser posto em risco, e tudo que foi feito

anteriormente perdido.” Os instrumentos escolhidos para a coleta de dados desta pesquisa

foram: questionário (apêndice I) e observação.

2.3.1 Questionário

20 Resolução nº 196, de 10 de outubro de 1996.

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contribuíssem de fato com as questões que estavam sendo investigadas, optei por organizá-lo

ao nível dos respondentes, entretanto, com uma linguagem simples e direta. Para Martins

(2008, p. 73) “o pesquisador deve ser capaz de fazer boas perguntas, isto é, fazer-se entender,

e interpretar as respostas obtidas.”

O questionário foi construído especialmente para esta pesquisa a partir das

informações veiculadas na literatura especializada. As perguntas desse instrumento buscam

atender ao objetivo primordial desta investigação, ou seja, conceber a relevância atribuída

pelas professoras da educação infantil do CAP/INES aos jogos e às brincadeiras no processo

ensino-aprendizagem, especialmente no desenvolvimento da leitura e da escrita como

fenômenos que envolvem habilidades, comportamentos e conhecimentos.

Depois de organizado, cuidei para que o questionário fosse analisado e discutido

detalhadamente, submetendo-o em novembro de 2009 ao pré-teste cujo objetivo era “evitar

possíveis vieses contido nas questões, corrigir possíveis falhas existentes quanto da

formulação das questões, o acréscimo de novas questões” (RICHARDSON, 2008, p. 67).

Complementando a indicação do pré-teste sugerida por Richardson, Martins (2008) acrescenta

que:

A análise dos dados coletados, como resultado desse trabalho, evidenciará possíveis falhas, inconsistências, complexidade de questões formuladas, ambiguidades, perguntas embaraçosas, linguagem inacessível etc. [...] O que se deseja no pré-teste, que pode ser aplicado mais de uma vez, é o aprimoramento e o aumento da confiabilidade e validade, ou seja, garantias de que o instrumento se adéque totalmente à finalidade da pesquisa. (MARTINS, 2008, p. 39).

Sobre esse trabalho preliminar, Gil (1989) lembra que muitos pesquisadores

esquecem essa tarefa, entretanto é somente a partir dela que instrumentos como o

questionário, por exemplo, são validados para o levantamento. O autor (Ibid., p.95) acrescenta

que o pré-teste deve estar apenas “centrado na avaliação dos instrumentos enquanto tais,

visando garantir que meçam exatamente aquilo que pretendem medir.” Participaram do pré-

teste duas professoras especializadas em surdez, entretanto vale lembrar que os sujeitos desta

pesquisa não participaram dessa amostra. Fizeram-se necessárias algumas alterações em

relação à ordem das questões e o acréscimo de alguns detalhes no bloco 1, questão 2.

A versão final do questionário foi distribuída às professoras pela própria

pesquisadora, no dia 05 de março de 2010, no horário e no próprio local de trabalho dessas

profissionais. Cientes das instruções de preenchimentos e da confidencialidade atribuída pela

pesquisadora às informações prestadas, foi dado às professoras um prazo de 10 dias para a

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devolução dos mesmos, o que a priori garantiu-lhes maior tempo para avaliar as questões

elaboradas para esse instrumento, bem como formular suas respostas. O questionário foi

disponibilizado aos professores por meio eletrônico, ficando a critério das mesmas a

utilização desse recurso.

Para Silva e Menezes (2005, p. 33) o questionário deve ser “limitado em

extensão” e, portanto objetivo. Já para Martins (2008, p. 39) “não há regra que oriente o

tamanho de um questionário. Será necessário restringi-lo à exata dimensão das variáveis do

tema que está sendo tratado”. Constituído então de 29 questões classificadas em 5 blocos, o

questionário direcionado às professoras foi elaborado com questões fechadas, abertas e mistas

respeitando as características sugeridas por Martins (2008):

• Devem ser claras e compreensíveis para os respondentes; • Não devem causar desconforto aos respondentes; • Devem abordar apenas um aspecto, ou relação lógica, por vez; • Não devem induzir respostas; • A linguagem utilizada deve ser adequada às características dos

respondentes. (MARTINS, 2008, p.38).

O questionário foi organizado em 6 blocos de questões, distribuídos de acordo

com a tabela abaixo:

Tabela 4 Estrutura do Questionário

Blocos Questões Direcionamento das questões

1 – Dados pessoais 2 – Formação continuada 3 – Organização e Funciona- mento 4 – A Prática pedagógica, os Jogos e as brincadeiras 5 – Letramento

1 2 3

1 e 2

3, 4 e 5

1 2

1

2, 3, 4, 5 e 6

1, 2, 3, 4, 5 e 6

Identificação Formação acadêmica Tempo de docência, inclusive na educação infantil e de surdos Participação em eventos de atualização na área da educação infantil e de surdos Interesse na literatura especializada em edu- cação infantil e surdez Informações sobre as turmas Informações sobre os alunos (faixa etária, tipo de surdez, forma de comunicação, ...) Visão do direcionamento que deve ter o tra- balho pedagógico na educação infantil Conceito de jogos e brincadeiras, como esses vêm sendo proposto no SEDIN, a relação desses com o desenvolvimento do currículo e com o processo ensino-aprendizagem Conceito de letramento, como esses vêm sendo proposto no SEDIN, a relação desses

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As respostas depuradas a partir desse instrumento foram organizadas em uma

encadernação. Por razões éticas, as professoras foram identificadas nos questionários como

P1, P2, P3, P4 e P5.

2.3.2 Observação

Era fundamental para esta pesquisa o contato direto do pesquisador com os

diversos aspectos constituintes dos significados que as professoras atribuíam aos jogos e às

brincadeiras no processo ensino-aprendizagem, especialmente nas práticas de letramento. Para

tanto seria necessário um instrumento que recolhesse as ações dos sujeitos em seu contexto

natural, a partir de sua perspectiva e seus pontos de vista. Nessa perspectiva, identifiquei a

observação direta como o instrumento que, de fato, me possibilitaria investigar a relação

sujeito/prática/meio. Lüdke e André (1986, p. 26) afirmam que a “observação ocupa um lugar

privilegiado nas novas abordagens de pesquisa educacional. [...] possibilita um contato

pessoal e estreito do pesquisador com o fenômeno pesquisado”.

Para uma observação se tornar um instrumento fidedigno de investigação

cientifica, é necessário não só um planejamento, mas uma preparação prévia do pesquisador,

pois não basta apenas colocar-se perto do objeto de estudo uma vez que “observar não é

apenas ver” (MARTINS, 2008, p. 24). Sobre o papel do observador Martins (Ibid., p. 24)

destaca que este “deve ter competência para observar e obter dados e informações com

6 – Jogos e brincadeiras/ Leitura e escrita

1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7

com o desenvolvimento do currículo e com o processo ensino-aprendizagem, a relação da professora e do aluno com a leitura e a escrita, a relação do déficit linguístico com as baixas suposições que a criança surda faz sobre a leitura e a escrita. Como essa prática é concebida pela escola, pais, professores e alunos, a postura das professoras frente essa realidade, a relevância atribuída aos jogos e às brincadeiras no contexto de aprendizagem da leitura e da escrita, a frequência com que as práticas envolvendo a leitura e a escrita e os jogos e as brincadeiras vem sendo proposta, o que o professor sabe e o precisa saber sobre essa prática.

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imparcialidade, sem contaminá-los com suas próprias opiniões e interpretações. Paciência,

imparcialidade e ética são atributos necessários ao observador”.

Ao definir a observação como instrumento mais adequado para investigar um

determinado problema, o pesquisador precisará decidir qual o seu papel nesse processo. O

papel do observador, segundo Lüdke e André (1986, p. 26), pode alternar “dentro de um

continuum que vai desde a total explicitação até a não-revelação”. Lüdke e André (Ibid.,)

explicam que esses papéis variam do (i) observador total, ou seja, o pesquisador não interage

com o grupo ao (ii) participante total, onde o grupo não sabe a verdadeira identidade do

pesquisador nem tampouco o propósito do estudo. Devem ser consideradas ainda as versões

intermediárias com o (iii) o observador como participante; nesse caso são revelados tanto a

identidade do pesquisador quanto os objetivos do estudo, e o participante como observador

(iv), aquele que revela apenas parte do que pretende.

Acredito que assumir o papel de observador como participante foi fundamental

para ratificar a minha presença como pesquisadora e não ser confundida como uma professora

da instituição interessada em avaliar, inspecionar ou supervisionar a prática dos sujeitos. De

acordo com Martins (2008, p. 25) “o grande desafio do investigador é conseguir aceitação e

confiança dos membros do grupo social onde realiza o trabalho de campo”. O autor (Ibid.,)

acrescenta que o êxito de uma pesquisa dessa natureza dependerá da capacidade do observador

integrar-e ao grupo harmoniosamente.

Conforme mencionado, colocar-se próximo ao objeto de estudo e olhá-lo não

torna a observação um instrumento científico, é preciso olhar e registrar. A observação exige

um registro adequado que garanta confiabilidade e pertinência e que mostre de maneira

convincente que foram coletadas as evidências relevantes, eliminado impressões emotivas e

interpretações fluidas, sem dados comprobatórios, “sem desviar demasiado de seus focos de

interesse” (LÜDKE e ANDRÉ, 1986, p. 30).

As observações podem ser registradas de formas muito variadas. Optei nesta

pesquisa por utilizar anotações escritas e filmagens. As anotações escritas foram feitas em

forma de notas de campo nas quais foram essencialmente descritas as falas e comentários das

professoras em conversas informais nos momentos em que a filmadora estava desligada, e as

observações pessoais do pesquisador. As notas de campo foram identificadas na análise como

Nc. As filmagens foram feitas em mini DVD e copiadas posteriormente para 13 DVDs. Os

DVDs foram numerados, etiquetados com seus conteúdos e arquivados.

Bogdan e Biklen (1994 p. 205 apud SOUZA, 2009, p.96) propõem que todo

material coletado seja rigorosamente organizado. Tal organização tem como objetivo

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“aumentar a nossa própria compreensão desses mesmos materiais e de nos permitir apresentar

aos outros aquilo que encontramos”. Com o encerramento da pesquisa de campo, organizei o

material coletado em duas encadernações. Uma contendo a depuração dos questionários e das

notas de campo, e a outra com as transcrições das filmagens. Esse material foi utilizado na

análise sem intenção cronológica, sendo invalidadas as informações consideradas

incompatíveis com esta investigação. Por razões éticas e para preservar a identidade das

pessoas citadas, todos os nomes próprios que apareceram neste trabalho são fictícios.

As filmagens foram transcritas na íntegra. Para transcrevê-las, foi necessário

convencionar os seguintes códigos:

Itálico→ uso somente de sinais ( ) → uso somente da fala / / → fala + sinais abc a b c → palavras escritas por meio do alfabeto manual

→ palavras escritas

[ ] → contextualização ABC → gesto natural P→ professor A →Aluno As →Alunos AEL → assistente educacional em Libras

Lüdke e André (1986) afirmam que outra dimensão em que a observação pode

variar está relacionada ao período de permanência do observador em campo. Para elas os

estudos na área de educação têm sido muito mais curtos quando comparados com os estudos

antropológicos e sociológicos. As observações desta investigação foram realizadas pela

pesquisadora individualmente, durante um período de 06 semanas entre os meses de março e

abril de 2010, o que representou uma média de 10 dias em cada turma, respeitando os horários

da instituição: das 8:00 às 12:00h – turno da manhã, e das 12:30 às 16:30h – turno da tarde.

Durante esse período as filmagens só foram interrompidas quando os alunos tinham aulas de

Educação Física, Artes, Música e literatura infantil – Biblioteca, ou atendimento

fonoaudiológico, pois essas atividades eram realizadas por outros profissionais que não os

sujeitos desta pesquisa. Isso não ocorreu com libras, pois o AEL trabalha em função da

atividade proposta pela professora da turma e juntamente com ela.

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3 ANÁLISE DOS DADOS

3.1 Contextualizando a Análise

Como foi tratado no capítulo de Metodologia, esse estudo utilizou-se de

questionário e observação direta para a coleta de dados. Na observação direta, foram

realizadas filmagens e registros em forma de notas de campo. A análise desses dados se

constituiu a partir da triangulação dos resultados depurados de cada instrumento. A

convergência desses resultados possibilitou um diálogo entre mim e as teorias revisadas, o

que foi extremamente importante para a contextualização das situações observadas e que

contribuiu para garantir a confiabilidade desse estudo, permitindo-me fazer uma análise mais

consistente e significativa do mesmo, construindo, dessa forma, o conhecimento sobre o fato

pesquisado.

3.1.1 O contexto escolar

Por se tratar de um setor que atende crianças muito pequenas, a presença de

qualquer pessoa altera o comportamento dos alunos. No primeiro dia de observação, os alunos

do Maternal ficaram me olhando muito desconfiados e não se aproximaram de mim. Como

essa turma ainda estava em período de adaptação, optei por deixá-la para o final, iniciando a

observação pelas turmas de Jardim III. Os alunos do Jardim III, tanto do turno da manhã

quanto da tarde, se mostraram muito receptivos, portanto curiosos para saber o que eu estava

fazendo ali. Certa, então, de que a observação seria extremamente relevante para a presente

investigação e de que a aceitação de uma pessoa adulta pelas crianças é no mínimo

desafiadora e de que poderia interferir na proposta da pesquisa, procurei construir com os

alunos uma relação de cumplicidade a partir de pequenos gestos.

A filmadora despertou muita curiosidade nos alunos e os mais variados

sentimentos, que iam da timidez ao exibicionismo. Antes das aulas começarem, os alunos se

familiarizavam com a filmadora. Cada aluno filmou um pouquinho e depois assistiu o que

havia filmado. Para alguns alunos esse contato com a filmadora efetivamente supriu a

curiosidade, mas para outros não. É possível verificar essa situação nas cenas abaixo:

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Aos poucos a filmadora foi sendo incorporada à realidade dos alunos que, ao

realizarem algo diferente, chamavam a pesquisadora para filmar. A filmadora se tornou um

estímulo à criatividade: “Anna Letícia põe sua cobra no chão e a movimenta para torná-la

mais real, faz a cobra subir pelas pernas da pesquisadora” “Paula faz uma pulseira e chama a

pesquisadora para filmá-la, ela faz muitas poses como se fosse uma modelo” “Maria olhou

para a pesquisadora, apontou para o coração de massinha e fez um coração com as mãos” “O

aluno André olha para a pesquisadora e fala que faltaram 3 amigos e faz o sinal de cada um”.

3.1.2 As professoras e os alunos do SEDIN

Compreender o papel das professoras do SEDIN como mediadoras no processo de

desenvolvimento da leitura e da escrita por crianças surdas a partir da utilização dos jogos e

das brincadeiras é uma questão importante para o desenvolvimento desta pesquisa.

Considerei, então, fundamental verificar primeiramente o perfil profissional de cada

professora, investigando para tanto (i) a frequência com elas se atualizam, (ii) os meios que

buscam para se atualizarem e a postura delas em relação a essa prática (iii). Para (i) e (ii)

ofereci as seguintes opções:

Quadro 1 Os meios e a frequência com que as

professoras se atualizam

Cena 1 Jardim II

A professora escreve bom dia

A professora mostra o primeiro crachá e pergunta:

no quadro, pega os crachás com os nomes dos alunos e inicia a rotina. Cada aluno recebe seu crachá após reconhecer o seu nome, digitalizá-lo e fazer o seu sinal.

P- (quem veio hoje?) Ela pede ao aluno Renan para olhar para ela, pois o mesmo se distrai olhando para a filmadora.

Cena 2 Jardim II

A professora explica aos alunos que a Perla não havia faltado, ela só não estava presente naquele dia porque ela só tem aula às terças e quintas feiras. O aluno Thiago se distrai toda hora com a filmadora. A professora comenta que a filmagem está sendo novidade para ele.

Com que frequência você participa de cursos (seminários, congressos, palestras, fóruns) de atualização na área da educação infantil?

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As respostas depuradas acima me permitem visualizar que as professoras P1, P2 e

P3 procuram se atualizar com mais frequência do que as P4 e P5. O Quadro 1 evidencia

também uma maior frequência em cursos (seminários, congressos, palestras, fóruns)

relacionados à surdez do que à educação infantil. Atribuo, portanto, tal constatação não à falta

de interesse das professoras aos temas ligados à educação infantil, mas ao fato do INES, como

Centro de Referência Nacional na Área da Surdez, promover frequentemente cursos,

seminários, congressos, palestras e fóruns relacionados à surdez. O público alvo dessas

atividades são os pais de alunos, estudantes e profissionais das mais variadas áreas e

instituições, sendo essas extensivas também aos profissionais do CAP/INES, o que contribui

sobremodo para as referidas atualizações.

Afigurando-se a importância dos livros no contexto educacional como fonte de

saber e de cultura, é possível verificar nas respostas do Quadro 1 que as professoras buscam

nas leituras um caminho de atualização tanto na área da educação infantil quanto da surdez.

Nessa perspectiva, as professoras indicaram Vigotski, Piaget, Paulo Freire, Emilia Ferreiro,

Magda Soares, Oliver Sacks, Márcia Goldfeld como os autores que mais gostavam de ler.

Cabe ressaltar que outros autores de igual importância foram citados, entretanto apresentei

apenas os mencionados em mais de dois questionários.

( ) mensalmente ( ) bimestralmente ( ) semestralmente (x) anualmente P1, P2 e P3 (x) raramente P4 e P5 ( ) não participo Com que frequência você participa de cursos (seminários, congressos, palestras, fóruns) de atualização na área da surdez? (x) mensalmente P1, P2 e P3 ( ) bimestralmente ( ) semestralmente (x) anualmente P4 e P5 ( ) raramente ( ) não participo Com que frequência você lê livros, artigos ou textos sobre: Educação infantil – mensalmente ( P1, P2 e P3) / freqüentemente ( P4 e P5) Educação de surdos – mensalmente ( P1, P2 e P3) / freqüentemente ( P4 e P5) Educação infantil e surdez – mensalmente ( P1, P2 e P3) / freqüentemente ( P4 e P5) Não costumo ler sobre esses temas - _________________________

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Antes de iniciar as observações, busquei através dos questionários conhecer um

pouco mais os sujeitos desta pesquisa. Para tanto elaborei questões que me revelariam o nível

de clareza, disponibilidade e envolvimento que cada profissional acreditava ter com o tema

pesquisado. O quadro abaixo demonstra os resultados dessa questão:

Quadro 2 Nível de clareza, disponibilidade e envolvimento

das professoras com o tema pesquisado

As respostas depuradas no Quadro acima revelam que, com exceção da professora

P5, as demais assumem não ter total clareza sobre relação jogos e brincadeiras/leitura e escrita

na construção do conhecimento da criança surda. Entretanto, o que mais me chamou atenção

no Quadro 2 está relacionado ao fato de que a maioria dessas professoras têm uma vasta

experiência na educação de surdos, e, no entanto, não hesitaram em escolher a opção 5 para

demonstrarem o nível de disponibilidade para refletirem sobre suas práticas a partir do

resultado desta pesquisa. As professoras revelarem, também, que seria muito interessante

estudar sobre o tema em questão.

Como se percebe, os sujeitos desta pesquisa são as professoras da educação

infantil do CAP/INES; entretanto, o êxito desta é inerente à interação dessas profissionais

com seus alunos. Por se tratar de uma investigação que envolve crianças surdas, entendi que

para analisar as ações e práticas dessas profissionais nesse universo específico não poderia

restringir-me a compreender somente a cultura infantil, mas seria fundamental conhecer a

cultura desses sujeitos, bem como os aspectos relevantes da surdez.

Se você tivesse que dar uma nota de 1 a 5, sendo 1 insuficiente e 5 excelente, sobre o nível de clareza que você tem em relação a função dos jogos e das brincadeiras no processo de construção do conhecimento da criança surda, que nota você se daria?

1 ( ) 2 ( ) 3 (x) P6 4 (x) P1, P2 e P3 5 (x) P5

Usando o mesmo critério, sendo 1 não disponível e 5 totalmente disponível, que nota você daria para o nível de disponibilidade que você teria para refletir sobre sua prática, a partir dos resultados deste estudo?

1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) 4 ( ) 5 (x)

Se a orientadora pedagógica lhe apresentasse uma proposta de estudo sobre Jogos e Brincadeiras, que nota você atribuiria ao seu interesse nesse assunto. Lembrando que 1 não vai acrescentar em nada e que 5 será muito interessante.

1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) 4 ( ) 5 (x)

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Partindo da constatação de que todos os alunos do SEDIN possuem um laudo de

surdez bilateral severa e/ou profunda e que apenas um desses alunos é filho de pais surdos,

deparo-me com uma questão muito peculiar da surdez que é a forma como esses alunos se

comunicam ao chegarem à educação infantil.

A impossibilidade de adquirirem naturalmente a língua utilizada pelos seus

familiares e o retardamento da exposição à língua de sinais levam essas crianças a se

comunicarem na maioria das vezes através de gestos, o que não lhes dá subsídios suficientes

para interpretar o mundo que os cerca. Inseridas nesse contexto, as crianças surdas chegam à

educação infantil não só com um déficit linguístico, mas com uma defasagem no seu

desenvolvimento global.

Ao interrogar as professoras sobre a forma de comunicação dos seus alunos,

obtive as seguintes respostas:

Quadro 3 Formas de Comunicação

P1 “Comunicação total- gestos, oral e Libras”

P2 “Comunicação total- gestos, Libras e oral

P3 “Gestos e Libras”

P4 “Gestos e Libras”

P5 “Com gestos naturais e Libras”

Conforme o apresentado no Quadro 3 referente à forma de comunicação dos

alunos do SEDIN, observei uma unanimidade para as resposta “Gestos e Libras”. Duas

professoras responderam que seus alunos também se comunicam oralmente. A P2 acrescenta

em relação à linguagem oral o seguinte detalhamento à sua resposta: “de acordo com o

potencial de cada aluno”.

Uma análise importante sobre a forma de comunicação dos alunos do SEDIN está

no fato de que quando as crianças surdas chegam à educação infantil elas se comunicam

basicamente por meio de gestos, conforme exposto anteriormente. Contudo, as respostas das

professoras sinalizam para uma comunicação em Libras, fato referendado pelos autores Sacks

(1998), Quadros (1997), Skliar (1998), Goldfeld (2002), Guarinello (2007) entre outros, que

sustentam a ideia de que o aprendizado da língua de sinais se dá mediante a exposição do

sujeito a essa língua, exatamente como acontece com o aprendizado do Português para

crianças ouvintes. Sacks (1998) acrescenta que:

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As crianças surdas precisam ser postas em contato primeiro com pessoas fluentes na língua de sinais, sejam seus pais, professores ou outros. Assim que a comunicação por sinais for aprendida, e ela pode ser fluente aos três anos de idade, tudo então pode decorrer: livre intercurso de pensamento, livre fluxo de informações, aprendizado da leitura e escrita e, talvez, da fala. Não há indícios de que o uso de uma língua de sinais iniba a aquisição da fala. De fato, provavelmente, ocorre o inverso (SACKS, 1998, p. 44).

Os resultados obtidos no Quadro 3 encontram-se evidenciados nas seguintes

cenas:

Cena 3 Maternal

A professora organizou fichas com os nomes e a fotos dos alunos. A Mara põe as mãos nas xuxinhas que estão prendendo seu cabelo, aponta para a foto da sua ficha, onde ela também está com as xuxinhas e aponta para ela, querendo dizer que aquela da foto é ela. A aluna movimenta a boca como se estivesse falando. O Pablo dá gargalhadas com a atitude da colega.

Cena 4 Jardim I

A professora iniciou a rotina explorando a localização temporal: ontem, hoje e amanhã. No mural a professora colocou gravuras de crianças fazendo o sinal em Libras dos dias da semana. Ela começou a rotina perguntando aos alunos que dia da semana foi ontem. Mauro- 3ª feira P- /3ª feira/ (bate aqui, legal Mauro!) A professora cumprimenta o aluno batendo em sua mão e dando um soquinho. P- /ontem, Thiago/ O aluno levanta a mão para a professora cumprimentá-lo também P- (NÃO, não vou bater não. Você não me respondeu) P- ontem, PASSADO A professora aponta para a gravura de 3ª feira Thiago- 3ª feira P- /3ª feira, certo/ Ela cumprimenta o aluno batendo em sua mão e dando um soquinho. P- (que legal!) P- /Sandro, ontem?/ Sandro-3ª feira P- /3ª feira, certo/ A professora cumprimenta o aluno batendo em sua mão e dando um soquinho. P- /Alice? Ontem/ PASSADO, QUE DIA? Alice- 2ª feira P- NÃO, OLHA Mauro - 3ªfeira P- OLHA PRA ELE. /tá te mostrando/ Alice- 3ª feira

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Observei na sequência das cenas que há uma evolução bastante interessante na

forma de comunicação dos alunos, bem como na fluência e utilização da Libras. O registro da

cena 3 foi feito em uma turma de Maternal, onde a aluna usa apenas recursos gestuais para se

comunicar. Na cena 4, verifiquei que a professora usa a Libras para realizar a atividade de

rotina com seus alunos, entretanto, em alguns momentos ela utiliza os gestos naturais como

recurso para facilitar a comunicação com a aluna Alice que entrou esse ano no CAP/INES e

nunca havia frequentado outra escola. Nas cenas 5 e 6 é possível observar a presença da

Libras proporcionando aos alunos um fluxo muito bom de informação e construção do

pensamento. O que difere os dois episódios é que na cena 5 a professora aparece como

mediadora da conversa, e na cena 6 a interação acontece entre duas alunas sem a intervenção

de um adulto.

P- /isso, certo, bom/

Cena 5 Jardim III

Paula- depois, mergulhar eu, depois P- /depois, no futuro, a professora está dodói, ela vai voltar aí vai poder piscina, vai poder piscina, pode, depois/ P- agora, professora Educação Física dodói, casa, descansando, depois volta. A aluna Anna Letícia explica para os colegas o que a professora falou Anna Letícia - Depois Educação Física, brincar, correr, nadar. Certo? P- Hoje, nome, escrever, brincadeira, A aluna Paula volta à estória da piscina Paula- dormir, acordar, eu vou para piscina [faz o sinal de positivo para os colegas]

Cena 6 Jardim III

Paula bate com a massinha na mesa para criar outro objeto, e Maria chama sua atenção por causa do barulho. Maria- olha, bebê dormindo Luciana. Luciana bebê dormindo. Não pode /pow, pow, pow/. Não pode. A Paula entende o que a colega está lhe falando e faz o gesto de que vai bater bem devagar, com calma para não acordar o bebê que está na barriga. Maria- não pode, não pode. Você castigo, Luciana falou bebê não pode /pow, pow, pow/. Não pode. Paula- desculpa

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Ao analisar as cenas acima verifiquei que a interação professor/aluno e

aluno/aluno é, na maioria das vezes, mediada pela Libras, portanto, o que me chamou atenção

nessa interação é o fato de que tanto as professoras (numa proporção infinitamente maior)

quanto os alunos, trazem incorporados às suas falas fragmentos da linguagem oral, o que pode

inviabilizar o uso adequado da língua de sinais. Há de se entender, sobretudo, que o fato das

professoras conhecerem e utilizarem a Libras não os garante a fluência e o domínio das

estruturas dessa língua. De Paula (2009) faz uma análise bastante interessante sobre essa

questão:

Frequentemente o professor ouvinte faz trocas no uso de sinais por ter um conhecimento “dicionarizado” da língua de sinais e, portanto, não fluente. Assim, o professor ouvinte tem dificuldade para articular a polissemia da língua que domina- o português- e as possibilidades de “tradução” para a língua que utiliza com menor fluência – Libras (DE PAULA, 2009, p. 413).

Desse contexto surge a necessidade de oferecer à criança, o mais precocemente

possível, o convívio com surdos usuários da Libras. No SEDIN essa relação se dá através da

pessoa do Assistente Educacional em Libras – AEL – que oferece à criança não só um suporte

linguístico para o desenvolvimento e consolidação da Libras, mas reais possibilidades de

identificação com a cultura surda. Para ilustrar a importância da atuação do AEL, selecionei

as cenas21 abaixo. Nas duas cenas as professoras utilizaram o mesmo material para realizar

uma atividade com rótulos.

Sem a presença do AEL C

21 Para essa ilustração, selecionei primeiramente as cenas e dessas escolhi alguns fragmentos que ilustravam a atuação dos AEL.

om a presença do AEL

Cena 7 Jardim III Cena 8 Jardim III

Close up As- ESCOVAR OS DENTES P-ESCOVAR OS DENTES, /certo/ Serenata de Amor Os alunos fizeram o gesto de desenrolar o papel do bombom e comer P- (uhhhh!) /Delícia, né/ P- /você gosta de chocolate, você gosta muito, né?/ Sabonete Dove

Close up Maria- ESCOVAR OS DENTES As- ESCOVAR OS DENTES A AEL faz o sinal correto de pasta de dente e os alunos repetem Serenata de Amor Anna Letícia - bala P- bala, bala? Maria- chocolate P e AEL chocolate A AEL mostra que o sinal de bombom é diferente do de chocolate Sabonete Dove

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Os episódios selecionados para as cenas 7 e 8 contribuíram para demonstrar a

importância da atuação do AEL na educação infantil. Verifiquei que em ambas as cenas os

alunos usam gestos naturais para fazerem a leitura global dos rótulos. Na cena 7, observei

pelas respostas da professora que a atividade tinha o seu objetivo mais focado na leitura

global dos rótulos do que propriamente na forma como esta leitura estaria sendo realizada.

As- TOMAR BANHO P- certo (muito bem) Operadora Vivo As- TELEFONE P- /sabe, inteligente/ Margarina Qualy As- margarina P- /que lindo/ Fósforo Paraná As- FÓSFORO Bianka- BUM, BUM fogo Daniel- fogo, fogo P- fogo, (isso mesmo acender o fogo do fogão)

As- BANHO Paula- CHUVEIRO A professora pede para os alunos olharem para a AEL, pois ela vai mostrar o sinal certo de sabonete. Os alunos repetem com a AEL o sinal de sabonete. Operadora Vivo Anna Letícia - TELEFONE O aluno José faz o sinal de telefone na cabeça e a professora o mostra que é na orelha. Margarina Qualy As- MARGARINA P- Onde? Anna Letícia - pão, pão, pão, pão P- Pão. É pra beber ou pra comer? Anna Letícia - pode comer AEL- sinal certo margarina Ela repete o sinal várias vezes e pede aos alunos que eles repitam o sinal correto de margarina P- qual o sinal certo?/ Anna Letícia – margarina P- gostoso com pão. Gosta? Entenderam? Fósforo Paraná As- FÓSFORO P- fósforo A AEL chama a atenção dos alunos para o sinal correto de fósforo, os alunos copiam o sinal. P- cuidado, perigoso A aluna Anna Letícia conta uma cena que ela presenciou com fogos de artifício, ela faz referência ao barulho produzido por esse artefato. P- cuidado, perigoso, não pode brincar com fogo

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Analisando a cena 8, pude observar que o objetivo da professora era o mesmo exposto

anteriormente, portanto é evidente que a participação do AEL amplia tal objetivo dando outro

rumo à atividade. Torna-se notório que nos episódios da cena 8 o AEL ora partilha dos

conhecimentos já adquiridos pelos alunos, ora constrói novas aprendizagens, dando sempre

sentido à representação do objeto.

Pelo exposto até o momento, torna-se inquestionável a importância do surdo

adulto para o desenvolvimento linguístico das crianças surdas. Considero importante destacar

que os AEL não só transmitem a língua de sinais como representam para os alunos do

SEDIN, na maioria das vezes, a primeira referência social e cultural que eles têm em relação à

surdez. A proposta da educação infantil é que os AEL aproveitem todas as situações para

vivenciarem com seus alunos experiências que os auxiliem na construção da sua própria

identidade, como está evidenciado na cena que se segue:

Ao desligar a filmadora, a professora Adriana fez um comentário interessante

sobre a atividade do telefone: “muitos ainda não têm a consciência da surdez, daí a

importância de vivenciar com eles essas situações” (fonte: Nc – Nota de campo). Comecei a

observar o comportamento dos alunos e presenciei então diversas situações que confirmavam

o comentário acima como, por exemplo, um aluno contando segredo no ouvido do outro ou

gritando para chamar o colega que estava longe ou de costas.

Cena 9 Jardim III

P- Como surdo fala ao telefone? Pode? Surdo? Como, como surdo fala ao telefone? A professora estimula os alunos a pensarem se o surdo fala ao telefone igual ao ouvinte. P- surdo diferente! escreve mensagem e envia, não fala. Escreve a mensagem e envia. A professora finge que envia uma mensagem para o celular da AEL. A AEL mostra que, para receber a mensagem, é preciso que o celular vibre. Ela pega o celular, vê a mensagem e já sabe quem a enviou. AEL- Adriana A AEL envia uma mensagem para a professora que mostra aos alunos que, para o ouvinte o telefone não precisa vibrar, basta que ele toque. A professora lê a mensagem e também sabe quem a enviou. P- Cleide P- entenderam?

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Acredito que para criança surda, esse processo deva ser bastante complexo, pois

de uma hora para outra ela se vê inserida num universo onde tem a necessidade de partilhar

elementos culturais que até então lhes eram totalmente desconhecidos. Para Pedreira (2007)

isso é inevitável uma vez que os surdos estão imersos nas questões culturais tanto da

comunidade surda quanto ouvinte. Normalmente as crianças surdas, no caso específico dos

alunos do CAP/INES, se deparam com essa realidade já na educação infantil, quando se vêem

desafiadas a circular pelos dois mundos.

É fato que todo esse processo pressupõe um começo e que, no caso dos 30 alunos

da educação infantil do CAP/INES, esse começo se dá na cultura ouvinte, a cultura dos seus

pais. Durante as filmagens, pude verificar que o SEDIN constitui um ambiente extremamente

favorável para se observar interações que emergem da introjeção da cultura ouvinte, fato que

pode ser comprovado com as seguintes cenas:

Cena 10 Maternal e Jardim III

O Pablo pega o telefone e conversa com alguém. Ele passa o telefone para o André que continua a conversa. Pablo mostra ao André a base do telefone. André continua falando ao telefone de uma forma um tanto quanto espalhafatosa, fazendo caras e bocas. Pablo ri da forma como André fala ao telefone.

Cena 11 Maternal

Mara pega três quadrados dos blocos lógicos, junta-os, põe no ouvido e sai dançando como se estivesse ouvindo rádio.

Cena 12 Maternal

Ramon permanece olhando o tempo todo sem participar de nenhuma atividade, até que decide pegar uma peça da construção de Pablo que se irrita. Pablo põe o dedo no rosto de Ramon e briga com ele como se estivesse falando, sem emitir nenhum som. Mara se aproxima e faz carinho na cabeça do Ramon. Ela briga com o Pablo exatamente da mesma forma como ele brigou com Ramon, movimentando os lábios sem emitir nenhum som.

Cena 13 Jardim III

O André põe óculos, pega um brinquedo parecido com um prato e uma vara e faz o movimento de um maestro.

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As cenas acima foram marcadas por comportamentos que evidenciaram a

presença da cultura ouvinte na rotina de crianças surdas. Inicialmente não haveria nada de

surpreendente nessas cenas se não fosse o fato do aluno Pablo ser filho de pais surdos, o que

me permite considerar que todo sujeito surdo, independente do ambiente familiar do qual ele

provém, está conectado a um contexto bicultural, condição essa referendada nas cenas 10 e

12. Concluo, portanto, que a criança surda, mesmo a filha de pais surdos, demonstra desde

cedo em suas brincadeiras seu pertencimento à sociedade ouvinte majoritária.

3.1.3 A educação infantil e a criança surda

O maior desafio da educação infantil não está somente em desenvolver um trabalho que

respeite às diferenças e às diversidades, mas, principalmente, em buscar a compreensão da

infância, bem como conceber a criança como um ser que percebe o mundo de um jeito muito

próprio. O entendimento e o embasamento teórico sobre a relação educação

infantil/infância/criança encontram-se referendadas nos estudos de Meyer (2003), Kramer

(2003), Vigotski, (2007), Barbosa e Horn (2008), nos RCNEI (1998), entre outros. Sobre esse

período, cito Kuhlmann Jr. (2002 apud MEYER, 2003) a afirmar que: se a criança vem ao mundo e se desenvolve em interação com a realidade social, cultural e natural, é possível pensar uma proposta educacional que lhe permita conhecer esse mundo, a partir do profundo respeito por ela. Ainda não é o momento de sistematizar o mundo para apresentá-lo à criança: trata-se de vivê-lo, de proporcionar-lhe experiências ricas e diversificadas. (KUHLMANN Jr., 2002 apud MEYER, 2003, p. 27)

Tendo como base a proposta da autora sobre a educação infantil, questionei as

professoras do SEDIN se elas concordavam com esse pensamento e se na prática essa teoria

funcionava com a criança surda. Em relação a esses questionamentos, houve unanimidade

para a resposta SIM. O detalhamento da P4 resumiu e englobou a opinião das demais

professoras: Muitas vezes é a escola que irá proporcionar essa vivência a esse aluno, pois os pais às vezes não têm essa condição. Nesse período a criança deve partir do concreto para o abstrato, a criança tem que explorar, manusear, vivenciar. Ao permitir a criança essa vivência, ela vai construir, criar e desenvolver-se social, emocional e cognitivamente, construindo, assim, seu conhecimento de mundo.

O cruzamento dos dados coletados me permitiu constatar que as professoras da

educação infantil do INES têm a consciência de que esse período não é um período de

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prontidão, no qual a aprendizagem deva ser sistematizada, mas o momento único de

proporcionar experiências ricas e diversificadas aos seus alunos (cf. seção 2.3). Para ilustrar

melhor essa questão, reporto-me às seguintes cenas:

Cena 14 Jardim I

O Mauro pede a gravura do sorvete. Mauro - sorvete P- /é sorvete, tá?. Isso aqui é gelado?/ Mauro faz o gesto de que come com a colher. P- /eu sei, come com a colher. É gelado ou quente? Os alunos não sabem responder se o sorvete é gelado ou quente. A professora acha que eles não têm esse conceito, então ela pega uma pedra de gelo para eles experimentarem o que é gelado. Ela faz o sinal de gelado e pede para eles segurarem o gelo. O Mauro e o Sandro seguram a pedra de gelo e fazem o sinal de gelado. A professora põe água em duas canecas, em uma, gelada, e na outra, quente (morna). Ela pede aos alunos para segurarem as canecas com as duas mãos. Para cada caneca ela dava o sinal de quente ou gelado. Depois ela jogava um pouco dessa água nas mãos dos alunos e perguntava se água estava quente ou gelada.

Cena 15 Maternal

Os alunos que ainda estão em período de adaptação não conhecem os sinais dos fenômenos da natureza. A professora, entã,o decide ir com eles para fora da sala para verem o sol. P- /o sol, o sol/ Mara tenta fazer o sinal de sol. P- /olha, Mara, ó, sol/ Mara - sol P- /isso, o sol/ A professora pega os alunos no colo para eles verem o sol. O Ramon fechou os olhos, pois não queria participar da atividade. Enquanto isso Mara experimentava o sinal que acabará de aprender: sol. P- (o sol, o sol. Isso Mara, ehhh) A professora explica que quando tem sol faz calor

Cena 16 Maternal

A professora está experimentando com os alunos os sentidos, então ela prepara uma atividade de olfato e paladar. Limão Os alunos passam o dedo no limão e experimentam o gosto azedo. A professora insere o sinal de azedo. Depois eles experimentam o açúcar. P- /uhhh, doce, doce. Gostoso/ A Mara enfia o dedo dentro do copo para provar mais. Os outros

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Nas cenas transcritas acima, observei que em diversos momentos os alunos são

estimulados a experimentarem situações que normalmente são sistematizadas por meio de

atividades estéreis e sem sentido para a criança. Cabe aqui destacar que as cenas 14 e 15

surgiram da necessidade de compreensão dos alunos a respeito de um determinado tema,

diferente da cena 16, que havia sido planejada pela professora. É fundamental que o professor

da educação infantil tenha essa capacidade de improvisação.

Pude observar que as professoras do SEDIN procuravam o tempo todo

transformar as adversidades em oportunidades de aprendizagem. Nas três cenas houve uma

preocupação muito grande das professoras em aproveitar as situações vivenciadas pelos

alunos para ampliar o vocabulário. Portanto, o que mais me chamou atenção foi a necessidade

dessas profissionais de contextualizarem as experiências, tornando essa aprendizagem

funcional para a criança surda. Vigotski (2008) afirma que a criança que possui um déficit

sensorial não se desenvolve menos que as outras, apenas de forma diferente.

3.2 Jogos e brincadeiras: sua importância para a criança surda

Aliar o processo de desenvolvimento da leitura e da escrita de crianças pré-

escolares surdas à utilização dos jogos e das brincadeiras foi extremamente relevante para o

desenvolvimento dessa pesquisa. Para tanto, tornou-se necessário além do trabalho de

observação da prática das professoras, analisar através dos questionários e das notas de campo

a relevância atribuída por essas profissionais aos jogos e às brincadeiras no desenvolvimento

da prática pedagógica.

Para analisar as questões relacionadas aos jogos e as brincadeiras, busquei

estabelecer uma conexão entre o pensamento e a ação das professoras em relação a essa

alunos não quiseram provar o açúcar. Foi oferecido o sal e em seguida uma geléia de morango para eles provarem. A Mara provou a geléia várias vezes. A professora pegou uma maçã e a comparou com a geléia. P- (isso aqui, ó, ó, ó, ó, mole, mole, mole) P- /Isso aqui ó, ó, ó, maçã. Dura, ó, dura, dura, é/ A professora oferece a maçã para os alunos verem como ela é dura, mas eles não aceitaram. Só a Mara participou da atividade. P- /dura. Viu? Ó, tem PAPAZINHO mole e tem duro. Viu? Viu? Esse aqui é duro, e esse aqui ó, mole, mole/

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prática. Considerei importante, então, verificar primeiramente o conceito que cada professora

atribuiu aos jogos e brincadeiras. Para essa questão obtive as seguintes respostas:

Quadro 4 Conceito de Jogos e Brincadeiras

As respostas acima me permitiram fazer as seguintes considerações:

1- com exceção da P5, todas as demais professoras conceituaram “Jogos e

Brincadeiras” como palavras sinônimas;

2- todas as professoras se referiram aos “Jogos e às Brincadeiras” como um

recurso didático que ajuda a desenvolver o cognitivo.

Analisando, então, as respostas das professoras, diria que é muito comum

encontrarmos, inclusive na literatura, os termos “jogos” e “brincadeiras” sendo utilizados

como sinônimos22

22 Kishimoto (2004, p. 29) autora de obras que definem os termos jogos e brincadeiras, utiliza no seu texto O brincar e a linguagem uma nota de rodapé para explicar que no referido texto “os termos brincar, jogo e brincadeira serão utilizados como sinônimos”.

. Atribuo essa condição ao fato de que os estudos sobre “Jogos e

Brincadeiras”, bem como suas referidas definições (cf, seção 2.3.2), têm se tornado objeto de

interesse de muitos teóricos em diferentes áreas de conhecimento, onde cito, por exemplo, os

estudos de Kishimoto (2002, 2004, 2006), Vigotski (2007), Winnicott (1975, 1977), Brougére

(1995, 1998) entre outros. Esse contexto tem contribuído com uma riqueza de concepções,

teorias e significados distintos a respeito dos jogos e das brincadeiras, o que, a priori, provoca

polêmicas dificultando tanto a compreensão quanto a definição dos termos em questão. Isto

posto, há de se entender por que é tão comum a utilização de termos diferentes, no caso jogos

ou brincadeiras, para se referir a uma mesma atividade.

P1 “Atividade preparatória para o desenvolvimento da criança.”

P2 “É uma atividade preparatória do desenvolvimento da língua escrita.”

P3 “Atividades que proporcionam maior raciocínio e interação por parte dos alunos, tornando mais prático o trabalho de inserção de conteúdos mais formais.” P4 “Como sendo uma atividade que sempre fará parte, principalmente no segmento da educação infantil. O jogo desenvolve o cognitivo dos nossos alunos e o próprio conhecimento de mundo.” P5 “Jogos – formas de desenvolver a iniciativa e a criatividade Brincadeiras- formas de trabalhar a aprendizagem de uma maneira lúdica. Está ligada ao prazer.”

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Como foi demonstrado no Quadro 4, cada professora conceituou os jogos e as

brincadeiras de uma forma diferente; entretanto, ao analisar suas respostas, observei que

implicitamente a maioria dos conceitos legitimavam o jogo principalmente como uma

atividade que propiciava o desenvolvimento da criança. A P3 sugeriu também que os jogos e

as brincadeiras são “atividades que proporcionam maior raciocínio e interação por parte dos

alunos”; a P4 acrescentou ao seu conceito a ideia de que o jogo desenvolve não só o

cognitivo, mas “o próprio conhecimento de mundo”; e a P5 usou termos como iniciativa,

criatividade e prazer para construir tais conceitos.

Chama-me atenção nesse contexto o fato de que ao longo das observações pude

verificar que, na prática, as atividades do SEDIN são na sua maioria proposta a partir dos

jogos e das brincadeiras. Esta realidade me permite pensar que essas profissionais

compreendem a importância do lúdico para o desenvolvimento infantil, a partir do momento

que atribuem a essas atividades possibilidades que estão muito além das respostas depuradas

no Quadro 4. Para aprofundar a compreensão desse contexto, cito Metrrau e Almeida (1995)

ao afirmarem que: Toda a energia lúdica se solta e fornece ao professor mil e uma técnicas e possibilidades de uso de um dos maiores recursos no processo ensino-aprendizagem: a observação do brincar e do brinquedo, e suas relações com o mundo infantil e com o um mundo da escola, da casa, da vida, enfim. (METRRAU e ALMEIDA, 1995, p. 91).

Para ratificar o exposto no parágrafo anterior encontrei subsídios nas respostas

depuradas a partir da seguinte pergunta: “Existe o dia da brincadeira na sua turma? Comente

sua resposta”.

Quadro 5 Dia da brincadeira???

P1 “Não. As brincadeiras surgem com os temas apresentados e a disponibilidade da criança.” P2 “Não. Porque estou sempre motivando esta atividade, então não tem um dia marcado.” P3 “Não. A brincadeira faz parte do cotidiano escolar, não havendo necessidade de se criar um dia específico.” P4 “Não. Todos os dias são propícios para que se façam brincadeiras. Pois é através das brincadeiras que nossos alunos irão aprender. É através das experiências lúdicas que eles irão adquirir conhecimento e desenvolver- se globalmente.”

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Todas as professoras responderam que não existe o “dia da brincadeira” nas suas

turmas, o que demonstra a compreensão dessas profissionais em relação à função dessa

atividade num contexto pré-escolar. Ao analisar os comentários que as professoras emitiram a

essa resposta, percebi que a utilização dos jogos e das brincadeiras configura uma prática

consciente e presente em todo o processo educacional no SEDIN.

Vale esclarecer que o “dia da brincadeira” compreende na realidade um período

de um determinado dia da semana, normalmente 6ª feira, em que os alunos podem brincar

livremente. Esse dia ainda configura uma prática comum em muitas pré-escolas, e isso está

relacionado ao fato de que, cada vez mais cedo, os professores desse segmento precisam dar

conta de uma infinidade de conteúdos curriculares, mais especificamente de Linguagem e

Matemática, que “preparem” seus alunos para a etapa seguinte, o ensino fundamental. Essa

cobrança também é sentida pelas professoras do SEDIN como mostra o comentário da

professora Marilene do Jardim III:

Eu queria ir hoje ao parquinho, mas não vai dar tempo. O Jardim III exige uma melhor divisão do tempo porque o conteúdo é muito maior. A gente precisa mandar as crianças preparadas para a 1ª série, mas não podemos esquecer que o Jardim III faz parte da pré-escola. Cobram muito da gente, a preocupação é que as crianças aprendam logo a ler e a escrever. O grande desafio do professor é justamente equilibrar isso tudo é saber aproveitar os jogos e as brincadeiras para dar conta de tanto conteúdo. (fonte: Nc)

Foi possível observar que a fala da professora Marilene “O grande desafio do

professor é justamente equilibrar isso tudo, é saber aproveitar os jogos e as brincadeiras

para dar conta de tanto conteúdo” encontra-se legitimada não só na prática das professoras

do SEDIN como no RCNEI (1998), documento elaborado pelo MEC, que dá grande destaque

à importância dos jogos e das brincadeiras na infância (cf, seção 2.3). Para entender melhor a

concepção dessas profissionais em relação à articulação conteúdo curricular/jogos e

brincadeiras, elaborei os seguintes questionamentos:

1) É possível estabelecer relação entre jogos e brincadeiras e desenvolvimento do

currículo? Justifique.

2) Com que frequência você propõe atividades curriculares, utilizando jogos e

brincadeiras?

Para essas questões depurei as seguintes respostas como se vê no quadro abaixo

P5 “Não. Existe o ‘momento da brincadeira’; é nesse momento do brincar que as crianças se sentem, se tocam , trocam, aprendem através da interação com o outro. A função do brincar na infância é muito importante para que a criança desenvolva o seu sistema emocional, psíquico e cognitivo.”

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Quadro 6 Articulação Conteúdo curricular/Jogos e Brincadeiras

Os dados depurados na pergunta 1 revelaram a opinião das professoras em relação

a uma possível articulação entre conteúdo curricular/jogos e brincadeiras. Todas as

professoras responderam que é possível, sim, estabelecer essa relação e justificaram suas

respostas demonstrando acreditar que, na fase compreendida pela educação infantil, o

processo educacional deve estar vinculado a uma prática pedagógica que conceba os jogos e

as brincadeiras como meio de desenvolver o conteúdo curricular. É acreditando nessa

perspectiva, que tais atividades se fazem presentes “praticamente todos os dias” no SEDIN,

conforme demonstram as cenas abaixo:

Pergunta 1 Pergunta 2

P1 “Sim. É a faixa etária em que a brincadeira estimula o aprendizado.” P2 “Sim. O aluno nessa faixa etária aprende brincando.” P3 “Sim. Os conteúdos estabelecidos no currículo podem, na maioria das vezes, ser lançados através de jogos e brincadeiras” P4 “Sim. Pois é através de experiências com as atividades lúdicas que os alunos irão fazer descobertas, e são essas descobertas que levarão os alunos a vivenciar e a ter conhecimento do mundo. Os jogos e brincadeiras estarão sempre com os objetivos voltados tanto para o nosso planejamento quanto para o interesse demonstrado pela criança.” P5 “Sim. Porque não se pode perder o prazer do Brincar, já que faz parte do ser criança, da descoberta na infância e da construção da criança como sujeito.”

Praticamente todos os dias Praticamente todos os dias Praticamente todos os dias Praticamente todos os dias Praticamente todos os dias

Cena 17 Jardim III

A professora fez uma brincadeira com os alunos na qual ela desenhou nas mãos de cada um diferentes quantidades de bolinhas. Cada mão tinha uma quantidade, e alguns alunos tinham a mesma quantidade. Eles escondiam as mãos para trás e, quando a professora mostrava a quantidade com os dedos, quem tivesse a mesma quantidade da professora colocava a mão na mesa. P- 1 Daniel tinha uma bolinha e esticou rapidamente o braço. A Isabella colocou a mão errada. P- (deixa eu ver, cadê? 1?) Isabella trocou rapidamente a mão. P- (ahhhhh, tá ok, muito bem!) P- (agora) ESCONDE A MÃO

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P- (vamos lá heim?) P- 3 Yago e Daniel colocaram as mãos. Daniel viu que estava errado colocou a mão rapidamente para trás. P- /certo, Yago, 3/ P- 4 Bianka, Yago e Isabella colocaram a mão. Somente a Bianka e o Yago tinham a referida quantidade. P- (4, muito bem!) A professora ajudou a aluna Isabella que estava com dificuldade de relacionar a quantidade apresentada por ela com a que estava desenhada na sua mão. A professora apontou para a mão da Bianka e contou para Isabella ver. P- 1, 2, 3, 4 Apontou para a mão da Isabella e mostrou-lhe que só havia uma bolinha desenhada em sua mão. A professora continuou a atividade mostrando o numeral – digitalizado ou representado graficamente. P- 5 O Yago põe a mão com 4, a professora conta e diz que está errado. Bianka - 5 P- (ahhhh, muito bem. Olha aqui, ó, 1, 2, 3, 4, 5) P- 1 Yago pegou o braço do Daniel e colocou na mesa, e Bianka apontou para a mão da Isabella que tinha uma bolinha. P- (isso, muito bem, 1, certo. Foi o amigo, né? Isabella também 1, muito bem, muito bem, Isabella!) P- (agora vamos lá: ESCONDE A MÃO, ESCONDE) P- 4 Yago e Bianka - 4 P- /ai, que lindo/ P- (1, 2, 3, 4. Muito bem, Yago)

Cena 18 Jardim II

A professora explica as regras do jogo aos alunos: só pode virar depois que ouvir o tambor, não pode esconder no mesmo lugar, não pode avisar onde está escondido. Ela pede a um aluno para esconder um objeto para ela procurar. Após encontrar o objeto, ela inicia a atividade com os alunos. Os objetos escondidos são as formas geométricas. O Renan fecha os olhos e o Paulo esconde. O Paulo esconde exatamente no mesmo lugar que o outro aluno havia escondido para a professora. P- /não. Outro lugar. Outro, outro lugar. Outro lugar, ó, pensa diferente. Aqui já/ O aluno escolhe outro lugar P- /Tá bom. Certo. Agora senta. Não é pra pegar jogo, é pra sentar/ A professora toca o tambor, e o Renan vai procurar o objeto. P- /ahhh, ele ouviu. Agora, ó, vai procurar o quadrado verde. Cadê?/

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Nas duas cenas as professoras usaram o lúdico para desenvolver com os alunos

conteúdos curriculares. Na cena 17, a professora iniciou a atividade explorando a relação

quantidade/quantidade e evoluiu para numeral/quantidade, quando foi trabalhada tanto a

identificação do numeral digitalizado quanto a sua representação gráfica. Na cena 18, o

objetivo da professora era explorar as características das figuras geométricas. Para tanto foi

utilizado o jogo “chicotinho queimado” em que os alunos, sem perceberem, estavam

construindo uma tabela de tripla entrada (cor, forma e tamanho).

Para brincar com as crianças surdas de “chicotinho queimado” a professora

precisou fazer adaptações ao jogo. Após o objeto ser escondido, a professora tocava o tambor

ao invés de gritar “chicotinho queimado 1, 2, 3” para avisar ao aluno que estava com olhos

fechados que ele poderia ir procurar o objeto. Ao terminar a atividade, a professora fez o

seguinte comentário:

depois eu vou convencionar com eles alguns códigos para ‘perto, longe, muito perto e muito longe’. Eu penso em trabalhar com cores, mas não sei o que eles irão sugerir. Acho que vai ser muito interessante. Para a criança surda é muito abstrato usar ‘tá quente, tá frio, tá congelando, vai queimar’; é complicado, né? (fonte: Nc)

A maioria dos jogos, como o “chicotinho queimado”, surgiram a partir de uma

perspectiva para ouvinte. Seguindo essa tendência, os professores do SEDIN foram

questionados sobre a sua conduta frente a essa realidade. Houve unanimidade para a resposta

“faço adaptações”. A professora P4 acrescenta o seguinte detalhamento à sua resposta: “faço

adaptações necessárias para que ele seja utilizado pela criança surda; caso contrário, procuro

jogos que atendam à necessidade do meu aluno. Outra possibilidade é construirmos os jogos

juntos, professor-aluno”.

Pelo exposto até aqui, pude perceber que os alunos do SEDIN estão inseridos em

uma prática em que há o predomínio do lúdico. Para entender a importância desse contexto,

cito Metrrau e Almeida (1995, p. 91) ao afirmarem que “brincando, os alunos fazem

perguntas e fornecem, eles mesmos, as respostas, e assim vão aos poucos ganhando o

Rapidamente ele encontra o objeto P- (Achou. Muito bem!) A professora pede ao Renan para escolher a figura que ele quer esconder. Ele escolhe o quadrado grande. P-/É o grande? Verde. O quadrado graaaannnde/ A professora repete a mesma dinâmica com todos os alunos. A cada rodada ela introduz novos elementos aumentando a dificuldade da brincadeira.

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mundo”. Foi analisando a contribuição desses autores que concluí de onde vem a motivação

que incentiva as professoras do SEDIN a manterem incorporadas às suas práticas a articulação

conteúdo curricular/jogos e brincadeiras.

Há, portanto, de se aceitar que o predomínio do lúdico no processo ensino-

aprendizagem dificilmente será apreciado em outra fase da vida escolar desses alunos surdos.

É experimentando e vivenciando esse processo dinâmico que verdadeiramente esses alunos

estarão preparados para suas futuras aprendizagens. Cabe aqui destacar que na educação

infantil esse processo não se dá apenas através de atividades orientadas, mas, principalmente,

por meio de contextos informais mediados entre o real e a fantasia comum a toda criança,

havendo nesse contexto um forte predomínio dos jogos de faz-de-conta.

Vigotski (2007) foi um dos primeiros estudiosos a conceber a brincadeira como

uma atividade humana criadora (cf, seção 2.3.1) para ele o lúdico tem forte influência no

desenvolvimento infantil; através do jogo a criança desenvolve a linguagem, o pensamento e a

concentração. Segundo o autor, no início da idade pré-escolar, a criança envolve-se num

mundo ilusório e imaginário muito importante para o seu desenvolvimento cognitivo.

Nesse mundo de faz-de-conta a criança penetra numa esfera vedada que para ela

representa, na maioria das vezes, uma realidade longe de ser alcançada.

Ela brinca daquilo que já vivencia (filha); daquilo que ainda não pode ser (mãe, médica, professora); daquilo que o código social censura (ladrão, bêbado, seqüestrador); daquilo que aspira ser (pai, mecânico, astronauta); e assim por diante (GÓES 2000, p. 123).

Ao tentar reproduzir o mundo dos adultos, ela combina em seus jogos situações

reais com elementos da sua ação fantasiosa. É reproduzindo o cotidiano da vida adulta que a

criança adquire uma melhor compreensão de si e do seu universo. A experiência que cada

criança tem da realidade externa amplia gradualmente o material disponível para suas

imaginações.

A criança surda filha de pais ouvintes não tem acesso a essa realidade externa da

mesma forma que a criança ouvinte, que compartilha com seus pais dos mesmos recursos

linguísticos. Isto posto, questionei as professoras se o déficit linguístico, normalmente

apresentado pelas crianças surdas na faixa etária da pré-escola, interfere nas atividades de

jogos e brincadeira. A professora P1 não respondeu a essa questão; as professoras P2, P3 e P5

responderam que SIM e justificaram suas respostas amparadas na dificuldade de comunicação

apresentada por essas crianças. A professora P4 respondeu que NÃO, completando com o

seguinte detalhamento “acredito que o déficit linguístico até limita o desenvolvimento de uma

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brincadeira, dificulte na divisão de papéis, na organização das regras, mas não impede que a

criança busque outros caminhos para realização das mesmas”.

Para compreender como a criança surda articula sua experiência com o brincar,

mais especificamente com os jogos de faz-de-conta, selecionei a seguinte cena:

Para analisar a cena 19, é necessário considerar que esse episódio ocorreu em uma

turma de Maternal que estava em período de adaptação, e na qual os alunos se comunicavam

basicamente por gestos e através de alguns sinais isolados da língua de sinais. Observei que as

alunas, apesar de permanecerem o tempo todo na mesma cena, não conseguiam brincar juntas.

Atribuo essa condição primeiramente à falta de uma língua, o que dificulta a priori a divisão

de papéis, fato que contribui para que a brincadeira se torne um momento de atrito e disputa

por lideranças. Portanto, um aspecto de fundamental importância que não pode passar

despercebido nessa análise é o fato de que crianças nessa faixa etária de 3 anos de idade até

Cena 19 Maternal

De repente cada uma pega um copinho, e a Mara serve água, suco, café... Alguma coisa para elas beberem. A Sofia oferece um pouco para o Ramon que permanece num canto da sala sem entrar na brincadeira. A Mara pega o copo para colocar mais um pouco de água. A Sofia não gosta e se irrita. Quando a Mara lhe entrega o copo, ela joga todo o líquido do copo fora. A Sofia pega uma boneca, coloca-a sentada ao seu lado, prepara a comidinha e dá na boca da boneca. Quando ela volta a mexer a comidinha, ela repara que o ovo está dentro da panela. Ela pega o ovo e mostra para a pesquisadora. Enquanto isso a Mara estava preparando uma mamadeira para o bebê. Ela pega justamente a boneca com que a Sofia estava brincando para dar a mamadeira. Sofia faz queixa para a professora que a orienta a pegar a outra boneca. Mara sai de perto da Sofia e disfarçadamente pega também a outra boneca. A professora fala para ela dar uma boneca para a amiga e ela finge não entender o que a professora está falando. Pega, então, a tampa de uma panela e pergunta a professora se é aquilo que ela está mandando dar para a Sofia. A professora diz que não, para ela dar a boneca. Mara pega um copo e pergunta se é aquilo que é pra dar para Sofia. P- /não, a boneca!/ Ela pega a boneca e balança em seus braços. P- /dá pra ela/ Mara finalmente entende e não só dá a boneca para Sofia como a mamadeira também. Elas põem as bonecas no colo e dão a mamadeira para elas. A professora comenta sobre a perfeição com que a Sofia segura o bebê. “Parece que estamos vendo uma mãe amamentando o filho”.

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brincam umas com as outras, mas dificilmente conseguem dividir brinquedos e ideias; a

brincadeira ainda é muito individual.

Baseando-me nas considerações da professora P4 e nas contribuições de Góes

(1997), uma das primeiras pesquisadoras a estudar o brincar de surdos, verifiquei que a falta

da Libras até limitou as interações na brincadeira, mas não inviabilizou que os alunos do

Maternal encenassem episódios de faz-de-conta. A cena mostra que os alunos buscaram

recursos através dos gestos e da expressão corporal para recriar e assumir papéis sociais

característico desse tipo de jogo. A fala da professora “parece que estamos vendo uma mãe

amamentando o filho” (fonte: filmagem) veio dar maior visibilidade ao jogo de faz-de-conta

encenado por crianças surdas em processo inicial de aquisição de uma língua.

Ao alimentar as bonecas, as alunas estavam reconstituindo através de uma esfera

imaginária o comportamento maternal inacessível para elas. Essa atividade, portanto, como

qualquer outra de faz-de-conta, era governada por regras, “não as regras previamente

formuladas e que mudam durante o jogo, mas as que têm sua origem na própria situação

imaginária” (VIGOTSKI 2007, p. 111). Segundo o mesmo autor (2007, p. 110) todo

brinquedo tem suas regras, “a criança imagina-se como mãe e a boneca como criança e, dessa

forma, deve obedecer às regras do comportamento maternal”.

Outro aspecto importante defendido por Vigotski (2007, p. 114-115) está

relacionado à ação e ao significado do brinquedo na idade pré-escolar. Para ele “no brinquedo

os objetos perdem sua força determinadora. A criança vê um objeto, mas age de maneira

diferente em relação àquilo que vê, [...] o pensamento está separado dos objetos e a ação surge

das ideias, e não das coisas”. Evidencio essa teoria nas cenas abaixo:

Cena 20 Maternal

O Pablo e a Mara pegaram um saco cheio de peças de encaixe e começaram a brincar. Enquanto o Pablo construía, ele transformava sua construção em diferentes brinquedos. Nem sempre ele dizia o que estava fazendo, mas representava com movimentos cada brinquedo que ele construía. Depois de um tempo que ele estava encaixando as peças, pegou uma peça, foi para onde ele começou a construção, colocou essa peça que estava na sua mão em cima das outras que estavam encaixadas como se fosse uma rua e a deslizava como se fosse um carro andando na rua. Quando chegou ao final da rua, ele continuou a construção usando inclusive a peça que lhe servira de carrinho. A construção vai crescendo, até que ele começa a arrastá-la pelo chão. Ele olha para a pesquisadora e faz o sinal de cobra. Continua puxando a cobra pela sala, até que resolve sair com ela da sala, deixando-a atravessada no corredor. Pablo se afasta da cobra, vem correndo e a pula, pula de um lado para o outro. Ramon puxa a cobra para dentro da sala, Pablo a puxa imediatamente para

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As cenas 20 e 21 ilustraram com muita propriedade a teoria de Vigotski (2007) ao

afirmar que criança na idade pré-escolar alcança uma condição no brinquedo que lhe permite

agir independente daquilo que ela está vendo. Ficou evidente em ambas as cenas que as idéias

transformaram os objetos em brinquedos e brincadeiras. Na cena 20, observei que conforme a

brincadeira foi se desenvolvendo, Pablo atribuiu a um mesmo objeto diferentes significados

que variaram de acordo com a sua necessidade. O aluno não precisou nomear suas

construções para significá-las, pois elas estavam explicitadas na sua relação com as mesmas.

Nesse contexto Brougère (1995, p. 99-100) destaca que “a brincadeira é uma mutação do

sentido, da realidade: as coisas tornam-se outras. É um espaço à margem da vida comum, que

obedece a regras criadas pela circunstância. Os objetos, no caso, podem ser diferentes daquilo

que aparentam”.

Vigotski (2007, p. 122) coloca que “a criança desenvolve-se, essencialmente,

através da atividade de brinquedo”. O autor explica que isso acontece porque o brinquedo cria

uma zona de desenvolvimento proximal da criança, onde ela age como se fosse maior do que

é na realidade. É dessa interação com os brinquedos, com os objetos e com os colegas, que as

crianças expressam as lembranças que trazem da realidade.

Segundo Vigotski (2007, p. 123) “o brinquedo é muito mais a lembrança de

alguma coisa que realmente aconteceu do que imaginação”. Isto posto, observei que de fato a

maioria das brincadeiras dos alunos do SEDIN nascem da lembrança que cada um traz da sua

realidade, mas se desenvolvem a partir da interação dessa criança com o outro, seja ele um

fora, se abaixa e repete a cena do carrinho. A Mara senta-se ao seu lado bloqueando a passagem da sala, ele então entrega a peça para a Mara e manda-a fazer igual a ele. Ela brinca com a peça como se fosse um carrinho, e ele vai orientando-a em relação às curvas da pista. Eles resolvem colocar o brinquedo em cima da mesa. O comprimento do brinquedo ultrapassou o da mesa. Pablo faz com os dedos o movimento de uma pessoa andando sobre o brinquedo, o que indique ser aquela construção uma ponte, pois, ao chegar no final da construção, Pablo faz o gesto da pessoa caindo e morre de rir.

Cena 21 Jardim I

Os outros alunos recortaram suas gravuras rapidamente, apenas o Thiago teve um pouco de dificuldade para utilizar a tesoura corretamente. Enquanto a professora auxiliava o Thiago, os alunos Sandro, Kátia e Mauro fizeram rolinhos com as gravuras que haviam recortado e as utilizavam como binóculos.

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brinquedo, um objeto, um colega ou professor. Essa relação está expressa nas mais variadas

situações do cotidiano desses alunos, como demonstra o quadro abaixo:

Quadro 7 Interação com os brinquedos, os objetos e com os colegas

Edificações Edificações Brincadeira com monstro Trabalho Trabalho Atividades domésticas Atividades domésticas

Cena 22 Jardim III O André usa as formas geométricas para construir casas, ele apoia sua construção na base do brinquedo. O retângulo vira uma casa e o triangulo é o telhado; os triângulos menores formam duas casas e, assim, ele vai fazendo sua construção. Quando estava tudo pronto, ele passou rodando o círculo na frente das casas como se fosse um carro. Cena 23 Jardim II Conforme a professora ia distribuindo os blocos lógicos, os alunos já iam construindo diferentes coisas. O Renan olhou para a pesquisadora e mostrou o carro que ele construiu. O Saulo fez um castelo. A professora continuou oferecendo mais peças. O Renan fez uma rampa onde ele rolava o círculo de um lado, passava pela rampa e caía do outro lado. Depois ele falou que o círculo era uma moto. Cena 24 Jardim III Anna Letícia coloca em cada dedo da mão esquerda peças azuis, e da mão direita, peças verdes; olha para a pesquisadora e finge que é um monstro. Depois ela faz a mesma brincadeira com o colega que nem olha para ela, só balança a cabeça negativamente e faz o sinal de mentira. Cena 25 Jardim III Maria faz uma bola com a massinha a joga para o alto como os meninos que jogam bolinhas no sinal. Cena 26 Jardim III Yago pega uma maleta e se despede da esposa para ir para o trabalho, dá muitos beijos nela. Ele leva o bebê com ele. Como não tinha outra maleta na sala, o Daniel pegou uma casinha que tem uma alça e a transformou em maleta. Ele também foi para o trabalho levando o filho. Cena 27 Maternal A AEL pega uma boneca e conversa com ela em Libras. As alunas Sofia e Mara do maternal, que estão brincando de empurrar o carrinho de bebê, param e olham para a AEL que fala para elas que o bebê é surdo. As meninas continuam brincando. A Sofia levanta o carrinho do bebê. AEL- cuidado, bebê cai A aluna põe o carrinho no chão. Cena 28 Jardim III Bianka transformou a tábua de passar roupas em uma mesa. Antes de começar a brincadeira de comidinha, Bianka se arrumou

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Atividades domésticas Comemorações

colocando duas pulseiras coloridas no braço. Próximo ao fogão, Yago acendeu o fogo, encostou a mão na panela e se queimou, pois a mesma estava muito quente. A Bianka tirou a panela do fogo e a colocou sobre a mesa e também se queimou com a panela quente. Enquanto Yago observava, Bianka colocou os ingredientes na panela para preparar a comida. Ele também a ajudou colocando água na comida. Isabella entrou na cena da brincadeira e Bianka a pediu para pegar água na geladeira e colocar num pote para ela fazer a comida. Isabella abriu a geladeira pegou uma garrafa e a entregou para Bianka que despejou a água em um recipiente e a jogou dentro da panela. Enquanto Bianka se distraiu guardando os utensílios que estavam sobre a mesa, Yago pegou uma concha e provou a comida. Ele queimou a língua ao experimentar a comida. A comida ficou pronta, e Bianka a arrumou em um prato. Bianka pediu o bebê ao Yago que o colocou em seus braço;, ela deu um beijo na testa do bebê e lhe deu a comidinha. Quando terminou, colocou-o deitado no colchão. Yago pegou o bebê para trocar a roupa e o fez ninar no seu colo. Os dois voltaram com os bebês da rua. P- pai? filho seu. P- /vem cá, você. Você é a mamãe?/ Bianka balançou a cabeça afirmativamente. P- /é, ó, filhos?/ Bianka balançou novamente a cabeça que sim. P-(Todos esses? Uhhhh) Yago foi para o trabalho. Quando retornou, falou para a pesquisadora que tinha ido trabalhar e que o trabalho era muito longe. Yago foi abraçar sua esposa. O abraço foi tão forte que ela quase caiu do banco. Ele estava com tanta fome que devorou tudo que estava na mesa. P- está com fome? Yago balança a cabeça afirmativamente e foi se deitar. P- já acordou? Yago – sim P- bom dia! Ele sentou para tomar o café Bianka pediu para Yago esperar um pouco, pois ela estava fazendo bolo. Cena 29 Maternal A aluna Clara vai para o cantinho da cozinha para fazer comidinha. Ela pega uma faca e descasca os legumes. Em uma panela ela coloca os ovinhos que estão na geladeira e mistura tudo, fazendo a comidinha. Maria também vai para o cantinho da cozinha, pega uma cesta de frutas e legumes, coloca sobre a mesa, se senta e descasca algumas frutas. Ela corta as frutas e os legumes dentro de uma panela. O André pega a comida que a Clara preparou e leva para a professora comer. Cena 30 Jardim III Eles arrumaram a mesa com o bolo em um canto da sala, apagam as luzes para cantar parabéns. A professora pegou uma vela para colocar no bolo e a acendeu. P- /cadê o neném?/

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O Quadro 7 demonstrou que, ao brincar com os papéis sociais assumidos na

maioria das vezes pelos adultos, os alunos estavam reconstituindo uma esfera de situações

inacessíveis para eles naquele momento. Mesmo no faz-de-conta foi possível perceber o

cuidado dos alunos para exibir um comportamento compatível com o papel que estavam

exercendo. Durante as brincadeiras foram representadas situações do nosso cotidiano através

da interação aluno/brinquedo/objeto e ou aluno/aluno/professor.

Cabe, portanto, esclarecer que o conceito de papel social que está sendo

considerado para a realização desta pesquisa está relacionado à organização de funções. Sob

esta ótica, Tílio (2001) cita a leitura que Castells (1999) faz sobre a distinção entre identidade

e papel social:

Castells (1999), seguindo uma tradição existente na Sociologia, diferencia papel e identidade. Segundo ele, ao conjunto de atributos culturais possuídos pelo indivíduo – “ser trabalhador, mãe, vizinho, militante socialista, sindicalista, jogador de basquete, freqüentador de uma determinada igreja e fumante, ao mesmo tempo” (Castells, 1999:22-23) – dá-se o nome de papéis, “guardando-se o termo identidade para aqueles papéis internalizados pelos atores sociais na construção do significado” (Castells, 1999:23). Castells (1999:23) afirma que “identidades organizam significados, enquanto papéis organizam funções” e argumenta que um papel pode vir a se tornar uma identidade, mas não necessariamente. (TILIO, 2001, p. 19-20).

Nas cenas 22 e 23 foram apresentadas situações de edificações onde os alunos

construíram casas, ruas, rampas e castelos. Essas cenas, bem como as cenas 24, 25, 28, 30 e

31, como demonstrarei abaixo, me permitiram visualizar a teoria de Vigotski (2007, p. 115),

Comemorações

Bianka pegou uma cadeira, e colocou o bebê sentado na frente do bolo. Todos cantaram parabéns. Depois dos parabéns, a professora pega o bebê, e todos dão um beijinho em sua testa. Os alunos vão chamar a assistente de alunos para ver a festa que eles organizaram. Cena 31 Jardim III Maria faz um bolo com a massinha, põe uma velinha no centro e o decora com corações. Ela e a Paula cantam parabéns. A Maria corta o bolo, e a Paula o distribui. O Marcos não aceita o bolo. Maria- bolo. Gostoso, chocolate A Paula oferece um pedaço ao José que põe o bolo na boca e o mastiga com muita vontade. Elas oferecem o bolo à estagiária e a Professora. P e estagiária- gostoso A Maria coloca refrigerante no copo e manda a Paula oferecer à pesquisadora. O José pega um copo de refrigerante e bebe. Maria arranca o copo da mão dele. As duas oferecem o refrigerante a todos na sala.

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ao afirmar que a criança na idade pré-escolar rege suas ações pelas idéias e não pelos objetos,

pois, pela primeira vez, há uma “divergência entre os campos do significado e da visão”.

Na cena 24, a aluna usa as peças de um jogo para se transformar em um mostro.

Entretanto, durante o período de observação, constatei que esse tipo de jogo que envolve

elementos e fatos do mundo fantástico, como brincadeiras de heróis, monstros, fadas, entre

outros, foram consideravelmente menos frequentes nos enredos encenados pelos alunos do

que os acontecimentos da realidade. Outro aspecto relevante nessa cena está relacionado ao

fato de que a aluna precisava da interação do colega, ou seja, que ele embarcasse na sua

fantasia para dar continuidade ao faz-de-conta, o que efetivamente não aconteceu.

As cenas 25, 26, 27, 28 e 29 reproduziram as relações predominantes do meio

ambiente e da realidade desses alunos. Nas cenas 25 e 26, os objetos, juntamente com a ação,

indicavam o papel que estava sendo representado. A maleta e a casinha, por exemplo,

sugeriam o pai indo e vindo do trabalho. Constatei que as representações de situações

domésticas foram as que mais se fizeram presentes nos jogos de faz-de-conta. Atribuo,

portanto, essa constatação à proximidade da criança com essa realidade. Nas cenas 27, 28 e

29, as atividades se dividiram entre os cuidados com os filhos e os afazeres domésticos. O que

me chamou à atenção nessas cenas foi o fato dos alunos assumirem diferentes papéis sociais

(marido, pai, profissional) à medida que necessitavam inserir um novo personagem no jogo,

como de fato acontece na vida real.

Observei que nesse universo de faz-de-conta, como retrataram as cenas 30 e 31, as

festas de aniversário constituíam uma lembrança constante no imaginário dos alunos do

SEDIN. Essas cenas demonstraram também como que na brincadeira conjunta a condução da

atividade foi sendo construída a partir das interações, das lembranças e das observações que

cada criança tinha a respeito desse tipo de acontecimento social.

As cenas transcritas no Quadro 7 ratificam a teoria de Vigotski (2007) de que o

brinquedo constitui-se mais da lembrança do que da imaginação e contemplam o fato de que

essa representatividade se dá a partir da interação da criança com o outro (um brinquedo, um

objeto, um colega ou professor).

Mediante o exposto até aqui, verifiquei que, de fato, os jogos e as brincadeiras

encontram-se incorporados às práticas das professoras do SEDIN e que o envolvimento

dessas profissionais com o lúdico é refletido na motivação e interesse demonstrado pelos

alunos em participar das atividades propostas. O SEDIN parece constituir, então, um ambiente

de realidade e fantasia que se utiliza do brincar da criança para dar sentido e significado a um

processo dinâmico e criativo de aprendizagem.

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3.3 Jogos e brincadeiras/Leitura e escrita: uma prática possível na educação de crianças

surdas

Conceber a relevância atribuída pelas professoras da educação infantil do

CAP/INES aos jogos e às brincadeiras no processo ensino-aprendizagem, especialmente no

desenvolvimento da leitura e da escrita como fenômenos que envolvem habilidades,

comportamentos e conhecimentos, constituiu o principal objetivo deste estudo. Para tanto,

tornou-se necessário verificar através dos instrumentos já mencionados se a proposta

pedagógica do SEDIN encontrava-se ancorada em uma prática que articulava a relação entre

os Jogos e brincadeiras a Leitura e escrita. Desse modo, foi necessário analisar as concepções

e as ações dos sujeitos desta pesquisa em relação a tais atividades.

Para compreender melhor as questões que definem a alfabetização e o letramento,

ancorei-me nas contribuições teóricas de autores como: Silva (2008), Fiorin (2007), Vigotski

(2007), Ferreiro (2003), Soares (2002-2003), entre outros (cf seção 2.2.2). O entendimento e

embasamento teórico aprofundado a partir desses estudos me permitiram tratar as questões

dessa análise com mais propriedade. Considerando a complexidade inerente ao tema em

questão, achei pertinente verificar primeiramente a compreensão que as professoras tinham

acerca desse assunto. As professoras foram submetidas ao seguinte questionamento: “O que

você entende por letramento? Marque as opções que lhe ajudariam a formular este conceito”.

Quadro 8 Conceito de letramento23

23 As opções com X foram escolhidas por todos os professores. Apenas a opção “decodificar signos” apresentou divergência de opiniões na elaboração do conceito de letramento.

( ) ler e a escrever palavras isoladas (X) saber fazer uso de leituras e escritas (X) mediação e interação ( ) decodificar signos - P1, P2, P3 ( ) memorização das letras, silabas e palavras (X) suscitar o gosto pela escrita ( ) ensinar as crianças a desenhar letras e construir palavras (X) expor as crianças à diversidade textual (X) formular idéias e hipóteses sobre o texto escrito ( ) aprendizagem da escrita de forma mecânica (X) vivenciar situações interessantes e significativas sobre a escrita (X) perceber a função comunicativa do texto ( ) descontextualizada da realidade da criança (X) construam significados relevantes para todas as suas leituras

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O Quadro acima demonstrou que se não fosse a opção “decodificar signos”,

haveria um consenso por parte das professoras em relação à construção do conceito em

questão. Atribuo, portanto, essa divergência não à falta de concepção dessas profissionais ao

fenômeno chamado letramento, mas ao fato deste constituir algo recém-chegado ao

“vocabulário da Educação e das Ciências Linguísticas” (SOARES, 2003, p. 15), o que

naturalmente provoca dúvidas na compreensão e na construção do sentido a este atribuído.

Soares (2003) relata que a palavra letramento foi introduzida muito recentemente na língua

portuguesa. Segundo a autora, uma das primeiras ocorrências encontra-se no livro de Mary

Kato (1986).

Retomando o conceito de letramento, pude verificar que ele não se constitui

apenas de palavras, mas, principalmente, de ações. A organização do ambiente escolar que

presenciei no SEDIN durante o período das filmagens inevitavelmente evidenciava a

compreensão das professoras em relação às atividades de letramento. Os murais das salas de

aulas expunham diferentes tipos de textos impressos e construídos pelos alunos e professores.

Todas as salas disponibilizavam livros da literatura infantil, gibis, revistas, rótulos, bem como

papel, lápis, tinta, massa de modelagem, entre outros recursos que, no mínimo, aguçam a

curiosidade e o interesse dos alunos pela leitura e escrita.

De fato o contato do aluno com esse tipo de linguagem ajuda-o a começar a

pensar sobre os aspectos funcionais dessa forma de comunicação, portanto, há de se

compreender que a relação do professor nesse contexto é que irá efetivamente promover

situações reais de usos dessas leituras e escritas. Verifiquei essa realidade na fala da

professora Ângela: Não importa o tempo que eu vou ficar fazendo isso; acho que com o surdo é assim mesmo, tem que repetir quantas vezes forem necessárias. Eu quero é que eles pensem sobre a função e o significado da leitura e da escrita e compreendam que aquele cartaz fala sobre a dengue, aquele sobre a gripe A e que aquilo ali são os nomes dos alunos, aquilo são os dias da semana, e assim vai. Eles precisam é diferenciar cada texto e saber pra que serve cada um. Demoro o tempo que for preciso. (fonte: Nc)

Tornar não só o ambiente da sala de aula, mas principalmente o da educação

infantil significativo para seus alunos, conforme relata a professora Ângela, é uma

preocupação evidente na rotina das professoras do SEDIN, que exploram e constroem

diariamente leituras e textos sugeridos nesse espaço. Essa constatação veio ratificar os dados

depurados no questionário sobre a frequência com que as atividades de leitura e escrita são

propostas nos planejamentos dessas profissionais, no qual obtive unanimidade para a opção

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“todos os dias”. A contextualização desse ambiente encontra-se evidenciada nas seguintes

cenas:

Cena 22 Maternal

A professora mostra no mural a foto com o nome do INES. P- /INES, é o INES/ Ela ajuda a aluna Mara a fazer o sinal do INES. A professora chama atenção para os dias da semana que estão expostos no mural em cartelas com desenhos em sinais e a escrita em Português. Ela começa a mostrar os sinais dos dias da semana. Mara chama atenção para o laço no cabelo da menina na gravura de 2 ª feira. P-/é o laço, igual a você/ Mara aponta para a foto do INES e tenta fazer o sinal, a professora a ajuda.

Cena 23 Jardim III O professor escreve no quadro P- Bom dia!P- esqueceram?

o que é isso?

André- bom dia Anna Letícia- bom dia P- o que é isso? Maria- /bom dia/ A professora pede para cada aluno ler o que está escrito. [Um aluno tem dificuldade para fazer o sinal da palavra dia. Muito lentamente o aluno faz cada letra. A colega o auxilia na identificação das letras]. José- d i a O professor aponta a palavra bomP- bom, bom, bom

.

P- d i a P- P- sabe? O que acha que é?

Rio de Janeiro

A professora faz o sinal do Rio de Janeiro. P- depois, foto P- Rio de janeiro,_____de__________deP- dia?, dia?

_________.

A- ???? P- não P- dia? Olha pra lá Aponta o calendário. P- hoje, qual dia? Qual? 7, 6, qual? Dia, qual? A professora dá a dica que o dia de hoje é o que está circulado André- 9 P- 8,Anna Letícia - não, 9.

certo?

A professora pergunta ao André. P- 8,André- certo, certo.

certo?

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É possível observar que as cenas 22, 23 e 24 foram registradas em turmas de

Maternal e Jardim III, que no caso do SEDIN representam o primeiro e o último níveis da pré-

escola. Selecionei propositalmente esses extremos para analisar com mais consistência a

evolução desses alunos com relação à interação deles com os textos expostos nos murais. Para

tanto, tive o cuidado de escolher cenas que abordassem o mesmo assunto numa mesma

situação de sala de aula, a rotina.

Normalmente as atividades de rotina na educação infantil têm o objetivo de

auxiliar a criança no desenvolvimento da noção de tempo. De fato tal objetivo encontra-se

Anna Letícia- não, não. A aluna vai ao quadro e escreve P- certo? certo 9.

9.

P- mês? Anna Letícia - m a r ç o . A professora fala que ela acha que ela não sabe escrever março e pede ajuda à aluna. P- outra vez. Anna Letícia digitaliza a palavra para a professora escrevê-la. A professora escreve morça

[...] Após trabalhar com cada aluno o seu nome, os nomes dos colegas e os sinais de cada um, a professora chama atenção dos alunos para um título no mural que está escrito “

ao invés de março e questiona aos alunos se a palavra está correta. Um aluno é chamado ao quadro para identificar onde está o erro. O aluno compara a palavra que a professora escreveu com a do calendário, mas, não consegue perceber o erro, precisando, assim, da ajuda da colega Anna Letícia que lhe mostra onde está a diferença. Ela apaga o ‘o’ e escreve ‘a’ e no final da palavra apaga o a e escreve o o.

o circo”.

Cena 24 Jardim III A professora escreve a rotina no quadro e vai completando-a com as respostas dos alunos. Aponta para a palavra Isabella- INES

INES

P- /INES/ (Isabella, muito bem!) A professora vai até um cartaz com a foto, o sinal e o nome do INES, aponta para o desenho do INES e repete: P- /o INES/ P- (Bianka) Aponta para a expressão Bianka - boa tarde

Boa tarde

P- (isso) /boa tarde, boa tarde/ P- (agora aqui, ó) A professora aponta para o calendário, com a cartela hojeP- /hoje, hoje/ (isso, hoje é) /3ª feira/ (muito bem) (hoje é) /3ª feira/

na mão

(dia) /9/ Bianka aponta para a professora colocar a cartela hoje em cima da ficha de 3ª feira.

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explícito nas cenas selecionadas acima. Entretanto, o foco desta análise está em mostrar que, à

medida que a professora explora cotidianamente os textos expostos nesse ambiente, os alunos

interagem e extraem seus significados. Ao compreendê-los e significá-los, a criança surda

aumenta visivelmente a capacidade de externar suas idéias, como é possível verificar nas

cenas 23 e 24. Cabe aqui lembrar que a interação do homem com a leitura e a escrita é fruto

de um longo processo que perdura para toda vida.

Embora o objetivo da professora na cena 22 não fosse chamar à atenção da aluna

para o laço de fita, é sabido que nessa fase a criança se identifica com situações e objetos que

a aproximam de sua realidade. Nesse contexto a professora analisa o comportamento da aluna

fazendo o seguinte comentário:

o importante é que, ao fazer essas associações, o aluno para para observar a gravura, o texto, o desenho; o outro começa a ter atenção e isso não é em vão: ele extraí alguma coisa daí. Pra mim esse é o primeiro passo para o desenvolvimento da leitura e da escrita. (fonte: Nc)

O posicionamento da professora destaca que a criança constrói suas primeiras

suposições a respeito da leitura e da escrita a partir do que ela extrai e percebe da sua

interação com o outro, com diferentes materiais e linguagens. Ao assumirem o papel de

incentivadores no processo de descoberta da criança surda sobre a função social da leitura e

da escrita, conforme depurado no questionário, as professoras do SEDIN articulam em suas

práticas estratégias que contemplem nessas atividades o prazer, a espontaneidade e a

criatividade da criança, sendo esta considerada por Mettrau (2007, p. 206) “parceira constante

e o fator determinante na aprendizagem e no acesso à sua autonomia”.

Contudo, observei que no SEDIN as produções espontâneas dos alunos não

surgem apenas nas atividades dirigidas onde implicitamente é sugerida à criança tal prática,

mas principalmente nas atividades livres como desenho, modelagem, pintura, brincadeiras,

dramatizações, recorte e colagem entre outras. “Maria pega a massinha, desenha as letras do

seu nome, olha para a pesquisadora, diz que é ela e digitaliza M a r i a”. Vale ressaltar que as

referidas atividades foram indicadas pelas professoras no questionário como as atividades que

seus alunos mais gostam de participar.

É notório, portanto, que a produção espontânea bem como as inferências que o

aluno faz sobre a leitura e a escrita apareçam com mais frequência nas atividades que ele mais

gosta. Para corroborar tal questão, perguntei às professoras se elas percebiam nessas

atividades os alunos fazendo suposições a respeito da linguagem escrita e, em caso positivo,

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que elas me descrevessem uma situação que tenha lhes chamado atenção a respeito dessa

prática. Obtive como resposta:

Quadro 9 Produção textual espontânea

As respostas do Quadro 9 consolidaram a minha observação a respeito das

variadas situações em que ocorrem as produções textuais dos alunos. Conforme solicitado,

cada professora descreveu uma situação que considerou relevante a respeito dessa prática.

Seus detalhamentos evidenciaram a compreensão real que os alunos do SEDIN têm sobre a

função social dessa forma de linguagem. Mesmo sem saber escrever, convencionalmente,

essas crianças elaboram suposições sobre essa prática, fato este validado nas respostas das

professoras P1 “ensaiando a escrita” e P4 “o aparecimento de letras isoladas que demonstram

a intenção de nomear objetos e até mesmo fatos”.

O nível de autonomia que a criança adquire para pensar sobre a escrita está ligado

à sua exposição a essa prática. Com o intuito de estimular o entendimento das funções dessa

forma de linguagem, o professor, como elemento articulador desse processo, assume muitas

vezes a função de escriba, o que, a priori, incentiva as crianças a produzirem diferentes tipos

de textos, independente de conseguirem grafá-los, fato que foi constatado nas respostas das

professoras P4 e P5 e evidenciado por Soares (2003):

Um indivíduo pode não saber ler e escrever, isto é, ser analfabeto, mas ser, de certa forma, letrado (atribuindo a este adjetivo sentido vinculado a

P1“Sim. É comum vê-los durante atividades com massinha, pintura a dedo, desenho livre, ensaiando a escrita ou mesmo escrevendo.” P2 “Sim. Meios de transporte: confecção de vários transportes e o nome de cada transporte escrito na massinha e, às vezes, até cenas completas.” P3 “Sim. Na modelagem quando o aluno confecciona as letras do nome dele e dos amigos,” P4 “Sim. É feito um passeio com todos os alunos, por exemplo, ao Corpo de Bombeiros. Alguns alunos contam o que viram no passeio fazendo uso da Libras que já conhecem; outros utilizam o desenho para expressar o que foi vivenciado no passeio, sendo comum nesses desenhos o aparecimento de letras isoladas que demonstram a intenção de nomear objetos e até mesmo fatos, e o interesse em pedir ao professor para escrever o que ele desenhou.” P5 “Sim. Profissões: foram confeccionados vários objetos utilizados por determinados profissionais como: médico (estetoscópio), cantor (microfone), fotógrafo (máquina fotográfica), motorista (ônibus). Após concluída a atividade, os alunos pediram à professora para escrever o nome de cada objeto e profissão”

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letramento). [...] Da mesma forma, a criança que ainda não se alfabetizou, mas já folheia livros, finge lê-los, brinca de escrever, ouve estórias que lhe são lidas, está rodeada de material escrito e percebe seu uso e função, essa criança é ainda “analfabeta”, porque não aprendeu a ler e a escrever, mas já penetrou no mundo do letramento, já é, de certa forma, letrada. (SOARES, 2003, p. 24)

Ainda nesse contexto questionei aos professores do SEDIN se era comum em suas

rotinas atividades de produção textual e pedi-lhes que justificassem suas respostas. Todas as

professoras responderam que SIM e deram suas respectivas justificativas, dentre as quais

selecionei os seguintes trechos: “Quando escrevemos no blocão ou quadro de giz os nomes

dos alunos, as informações nos murais da sala, tudo é produção textual”. “O objetivo é que ele

entenda a função social da escrita e os significados da mesma.” “Na educação infantil toda

atividade pode ser mediada pela escrita, desde que a criança perceba a funcionalidade dessa

linguagem”. Essas considerações enfatizam o envolvimento dessas profissionais com o

desenvolvimento dessa prática na pré-escola, fato evidenciado na seguinte cena:

Cena 25 Jardim III

1- A professora escreve no quadro o bilhete para a mamãe P- mamãe, 3ª e 5ª feiras são dias de Educação Física. Trazer : -toalha -chinelo

A professora desenhou um menino e uma menina ao lado da lista do que precisa trazer para piscina e trabalhou o texto com os alunos

-roupa de banho

P- vamos avisar a mamãe o quê? Ela aponta para 3ª feira e pergunta: P-quando?3ª feira! A professora achou melhor escrever o dia da semana ao invés de representá-lo com número, pois nas gravuras do mural os dias da semana aparecem na forma escrita P- A professora aponta para a

Terça- feira e quinta-feira são dias de Educação Física. Mamãe

As- mamãe e faz o sinal mamãe.

Ela mostra aos alunos a palavra P- O QUE É ISSO?

terça.

Os alunos não identificam a palavra. A professora vai até o mural fazendo o sinal de 3ª feira e mostra a palavra ‘terça’ escrita na gravura. Ela aponta então para quinta-feiraAnna Letícia - 5ª feira.

.

Anna Letícia, Maria e Paula- 5ªfeira. A professora explica aos alunos que o bilhete vai avisar à mamãe que 3ª feira e 5ª feira são dias de Educação Física. P- QUE ISSO? Aponta para a palavra Educação Física Paula- Educação Física. P- Educação Física. As- Educação Física.

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A professora vai para o mural e pergunta: P- Que dia Educação física?2ª tem? tem? tem 2ª tem? tem Educação Física? Anna Letícia - não, 3ª feira. P- 3ª feira tem? tem. 4ª feira tem Educação Física? Anna Letícia – NÃO. P- não. P- 5ª feira? Tem. Tem Educação Física 6ª feira? tem 6ªfeira Educação Física, tem? Maria – não. 2- A professora aponta para toalhaP- precisa o quê?

.

Anna Letícia – toalha. A professora aponta para toalhaP- o que é isso?

e pergunta à Maria:

Ela fica pensando e responde: Maria- toalha Sandro- toalha Paula- biquíni P- não. Toalha. A aluna repete o sinal. A professora aponta para chineloAnna Letícia – chinelo.

.

As- chinelo. A professora aponta para roupa de banhoAs- biquíni, sunga.

.

3- A professora lembra mais uma vez que eles não podem se esquecer de avisar a mamãe do que precisa levar para entrar na piscina. Amanhã é terça feira, se a mamãe perguntar o que vocês têm que trazer para aula de Educação Física, o que vocês vão responder? Anna Letícia - toalha, chinelo, biquíni. A professora explica que eles precisam se lembrar de mostrar o bilhete que está guardado na mochila para a mamãe. Ela pergunta a Maria o que ela tem que se lembrar de trazer no dia da piscina. Anna Letícia - toalha, chinelo, biquíni. A professora pergunta ao Sandro se ele tem que trazer biquíni. Sandro- sunga Ela aproveita para perguntá-lo o que ele tem que se lembrar de trazer para entrar na piscina. Ele responde com a ajuda da professora: Sandro- toalha, chinelo, sunga. Professora pergunta à Paula: P- Amanhã, mamãe lembrar o quê? Precisa guardar na mochila? Precisa guardar na mochila, o quê, o quê? Paula- biquíni. 4- A professora explica que agora eles vão copiar o bilhete para entregar à mamãe. Ela fala que esqueceu o dia da piscina. P- quando piscina, quando? Anna Letícia - 3ª feira. P- e depois? Paula - 5ª feira. P- /ahh, obrigada!/

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Cabe esclarecer que a cena selecionada acima não se encontra ilustrada na íntegra.

Com o intuito de mostrar o caminho percorrido pela professora para significar o texto para

seus alunos -crianças pré-escolares surdas- que não acessam a informação escrita da mesma

forma que as crianças ouvintes, selecionei alguns momentos e os dividi em blocos,

numerando-os de 1 a 4. A cena 25 mostra então a professora construindo através da escrita um

sistema de representação de caráter funcional cujo objetivo é desafiar seus alunos, que mesmo

utilizando outro código lingüístico – a língua de sinais –, a reconhecerem nas situações do

cotidiano a função social da escrita e a não desenvolverem futuramente resistência a essa

forma de linguagem.

Ao analisar a cena 25, verifiquei que não houve preocupação da professora em

ensinar os alunos a decifrarem o sistema de escrita, mas em torná-la relevante para as crianças

surdas. Nesse contexto, Jolibert (1994, p. 35) afirma que “não se ensina uma criança a

escrever, é ela quem ensina a si mesma”. Após concluir a atividade, a professora fez o

seguinte comentário a respeito da mesma: “O meu objetivo é que eles percebam a função

comunicativa desse tipo de texto, que um bilhete é diferente de uma bula, de uma receita. Eu

quero antes de tudo que eles compreendam o conteúdo do bilhete e saibam usá-lo em outras

situações”. (fonte: Nc)

Constatei durante as observações que, de fato, a compreensão da função da leitura

e da escrita pelas crianças surdas, com perda severa e profunda, tornar-se-ia muito difícil se

não fosse a mediação e a interação delas com o outro, com diferentes materiais e linguagens.

Neste contexto, não há como negar a importância das estórias infantis e suas imagens como

uma das primeiras referências de leitura e escrita com as quais a criança se encanta e busca

interação.

Num primeiro momento, esse contato se dá por meio da palavra, do sinal, do

gesto daquele que conta a estória. Posteriormente e mais rápido do que imaginamos, a criança

busca seu próprio contato com os livros, manipulando e explorando-os como se fossem um

brinquedo. A criança muitas vezes explora o livro rabiscando-o e até mesmo rasgando-o.

Mesmo sabendo que ao rabiscar um livro a criança está, na maioria das vezes, fazendo

suposições a respeito da escrita, é importante orientá-la a ter o devido cuidado com o material

em questão. No SEDIN o sentido atribuído ao livro não se esgota apenas no seu conteúdo,

mas está, por exemplo, na forma como este é posicionado, como suas páginas são viradas,

como ele é fechado e guardado. Está efetivamente na relação estabelecida pelo mediador entre

o livro e o seu real significado. Nessa perspectiva, um fato que me chamou atenção durante o

período de observação está relacionado à importância dada pelas professoras às informações

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contidas na capa do livro. Tal fato pode ser verificado na cena abaixo. Para tanto considerei

relevante ilustrá-la na íntegra:

Cena 26 Jardim II

Quando terminou de contar a estória, os alunos correram para ver o livro. AEL- Por favor, sentem! A professora permitiu que cada aluno explorasse o livro. O AEL explica aos alunos que eles devem passar as páginas devagar e que é importante ter cuidado com os livros. Ele acrescentou que os livros devem ser vistos de frente para trás e não de trás para frente como alguns alunos fizeram. AEL- Vocês andam pra trás? Yago se levantou, pegou o livro e virou calmamente as páginas e olhou para o AEL como quem pede aprovação. AEL- Certo. Muito bem!. Com o livro nas mãos a professora fala: P- /ontem, a gente viu essa estória aqui, da menina, isso do bolo/ P- /o nome da estória/ Aponta para o quadro P- (viu?) P- bolo

O B o l o

A professora repete várias vezes que “O Bolo” é o nome da estória. P- /agora, tem o nome da pessoa que inventou./ Mostra para os alunos o nome da autora e explica para eles que todo livro tem o nome da pessoa que o escreveu. A professora pega diversos livros para mostra aos alunos os nomes dos autores. P- Ana Maria BoherP- /o nome da pessoa que inventou a estória./

.

P- /aqui na estória tem uma menina/ A n i t a /nome da menina./ P- P- (olha) A n i t a /é o nome da menina da estória./

Anita

A professora cortou três tiras de papel para cada aluno. Uma tira tinha o nome do livro, a outra o nome do autor e a outra o nome da personagem. As tiras ficavam com a professora e conforme eles fossem respondendo iam recebendo suas tiras. P- /qual o nome da estória?/ Ela mostra o livro para ajudá-los a pensar. As- P- (muito bem) /nome da estória/

O bolo

P-/e o nome da pessoa que inventou?/ Os alunos não respondem. P- /foi você quem inventou a estória?/ Yago- não! Bianka – mulher. P- /foi mulher/ /agora, Qual o nome da pessoa inventou, escreveu a estória? Qual?/ Os alunos apontam para a tira Ana Maria BoherP- (Ah! Isso! O nome dela, aqui,

. Ana Maria

P- /Isso, ela inventou a estória, muito bem, certo!/ .)

P- /e agora a estória tem uma menina. Qual o nome da menina?/ Yago aponta para o nome AnitaP- /Igual ao seu nome?/

.

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A aluna Bianka aponta para AnitaP- (esse nome aqui é de quem?)

.

Bianka - A Aponta para o A do nome da autora. P- (não, mas esse nome aqui?) A n i t aA aluna aponta o nome da autora.

(é de quem ? é meu?)

P- /é! Esse daqui é da pessoa que escreveu./ A professora pega a tira com o nome Anita e pergunta ao Yago: P- (esse nome aqui é meu?) Yago- MEU P- SEU? /você é menina?/ Bianka - eu P- (esse aqui? AnitaBianka - menina

?)

P- /é da menina. Qual, qual? A aluna aponta novamente para o nome da autora. P- /que menina é essa?/ Essa menina é você, é você?/ A aluna aponta para o nome da autora. P- /esse é Ana

P- /agora na estória tem uma menina. Qual é? Quem é a menina?

, é esse aqui, quem escreveu, ela escreveu a estória, ela inventou./

Bianka aponta para o desenho da Anita. P- (Ah, muito bem, Anita) P-/isso! muito bem! O nome da Anita! Isso, o nome da menina da estória,/ A professora distribui para os alunos um papel onde eles deveriam colar as tiras respondendo as perguntas por ela já formuladas. P- /primeiro o nome da estória, qual é o nome da estória?/ Yago- AnitaP- /esse é o nome da estória?/

.

A professora aponta para o livro. P- (aqui, esse?) Yago- O BoloP- /isso, esse aqui é o nome da estória./

.

A professora aperta a mão do aluno. P- (muito bem) Ela explica como eles devem colar as tiras no papel, ter cuidado para não colocar muita cola. P- /isso, esse é o nome da estória, certo!/ Cada aluno colou a sua tira com o nome da estória. A professora mostra mais uma vez que a tira que eles colaram é igual ao nome escrito na capa do livro. A professora deixa o livro de cabeça para baixo e o aluno chama sua atenção. P- /obrigada, estava assim. Ninguém ia entender. Certo, obrigada!/ P- /agora o nome, a pessoa que inventou?/ Yago aponta no livro o nome do autor, cada aluno pega a tira com o nome da autora e cola no papel. Antes de colarem o nome da menina, a professora abre o livro na página para ver se eles reconhecem o nome no texto. O aluno Yago aponta para o nome no livro e digitaliza A n i t a. O aluno coloca a tira com o nome da menina em cima do nome dela escrito no texto. Após completar as questões com os nomes que estavam nas tiras, cada aluno deveria escrever o seu próprio nome na última pergunta. Enquanto a professora auxilia a aluna Isabella a escrever o seu

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A cena 26 me revelou que o objetivo das estórias na pré-escola não está aliado

apenas ao estímulo à imaginação e à fantasia, nem tampouco à superação de medos e

angústias. A estória infantil no SEDIN constitui um meio de aproximar e incentivar a criança

surda a vivenciar situações interessantes de leitura e escrita, servindo como ponto de partida

para a construção de novas aprendizagens, assim como a ampliação do vocabulário e,

sobretudo, como efetiva atenuação do déficit linguístico decorrente do bloqueio de

comunicação vivenciado pela criança surda filha de pais ouvintes.

Ao propor atividades de “contação” de estórias, as professoras do SEDIN, além de

desafiar seus alunos a refletir sobre o texto fazendo suposições a respeito da leitura e da

escrita, oferecem condições reais para que eles se desenvolvam nos mais variados aspectos:

cultural, linguístico, social, entre outros. Com relação ao aspecto linguístico, é notório que os

alunos surdos da pré-escola apresentam um déficit em relação às crianças ouvintes no mesmo

período de escolarização, fato esse atribuído ao tempo de exposição de cada criança à sua

língua natural.

Conforme apontado no parágrafo acima, a exposição a uma língua é um aspecto

importante a ser considerado na relação da criança com a leitura e a escrita. Isto posto,

questionei as professoras do SEDIN se o déficit linguístico seria, então, o principal

responsável pelo baixo nível de suposições que a criança surda faz sobre essas linguagens.

Para tal questionamento, houve unanimidade para a resposta NÃO, com a justificativa de que

a exposição a uma língua é de fato um aspecto importante, mas não determinante nesse

processo. Para as professoras do SEDIN, o déficit linguístico de seus alunos está mais

atrelado à falta de estímulos aos usos dessas linguagens, particularmente no ambiente

familiar, do que propriamente a falta de uma língua. Para ilustrar tal posicionamento, destaco

das respostas da P3 e P5 as seguintes considerações: “acho que o déficit não está ligado

somente à dificuldade linguística e, sim, também ao meio em que a criança está exposta, aos

próprio nome, o aluno Yago pega um livro e observa atentamente sua estória. A professora distribui o desenho do rosto da Anita para eles colorirem. Em seguida os alunos coloriram o corpo de Anita, recortaram e o montaram em duas folhas de papel A3 onde já haviam colado as tiras mencionadas anteriormente, que formava um texto com os dados do livro. Cada um usou sua criatividade para completar o desenho. Desenharam pulseiras, meias coloridas, tornozeleiras, pintaram as unhas de Anita. Os alunos expuseram o livro “O Bolo” e suas produções no mural de entrada do setor.

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tipos de estímulos que ela recebe por parte da família e ainda às vivências que ela teve”.

“Acho que tudo vai depender do meio em que ela vive. Se sua família a estimula...”

Durante o período de observação, presenciei em diferentes situações os alunos

sendo estimulados a pensar sobre os usos da leitura e da escrita, o que de fato pode ser

constatado nas cenas 22, 23, 24, 25 e 26. Mediante o exposto até aqui, não há como recusar a

evidência de que as oportunidades oferecidas aos alunos do SEDIN para interagir nessas

situações tornam-se o principal incentivador das suposições que eles fazem a respeito da

leitura e da escrita. Ficou evidente, portanto, na prática das professoras, que para despertar o

interesse de seus alunos e promover a necessidade de usos reais dessas linguagens, eram

preconizadas em suas ações a riqueza e a diversidade de estratégias que promovessem e

facilitassem as experiências deles com tais linguagens.

Nesse contexto, torna-se devidamente oportuno e indispensável mencionar as

efetivas vivências de letramento entrelaçadas aos jogos e às brincadeiras que presenciei

durante a pesquisa de campo no SEDIN. Tais evidências vêm ratificar as respostas dadas

pelas professoras ao seguinte questionamento: O que vem à mente quando você pensa em

jogos e brincadeiras, leitura e escrita? É possível reunir esses conceitos em sala de aula?

Quadro 10 Articulação Jogos e Brincadeiras/Leitura e Escrita

As respostas do Quadro acima revelam não só o nível de compreensão que cada

profissional tem sobre as dimensões funcionais e simbólicas dos jogos e das brincadeiras em

relação ao letramento de crianças pré-escolares surdas, bem como o valor expressivo desses

no processo ensino-aprendizagem. Durante as filmagens, constatei que tais posicionamentos

P1 “Sim, pois o ideal para uma criança da educação infantil é essa possibilidade de ‘aprender’ brincando, criando regras.” P2 “Sim. O ideal na educação infantil é que o aluno aprenda brincando e que, sem perceber, acabe ‘lendo’ e ‘escrevendo’, dentro das suas possibilidades.” P3 “Sim. É possível e necessário, principalmente na educação infantil, quando a dificuldade de abstrair conteúdos mais formais é maior.” P4 “Sim. Ambos fazem parte do currículo da educação infantil. O desenvolvimento da leitura e escrita pode e deve estar relacionado aos jogos e às brincadeiras; o lúdico torna mais prazeroso o desenvolvimento da leitura e da escrita.” P5 “Sim. Na educação infantil isso é o ideal. E deve ser feito de uma maneira lúdica, criativa e desafiadora.”

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assumidos pelas professoras no Quadro 10 encontram-se incorporados às suas práticas, fato

esse ratificado nas respostas dessas profissionais à pergunta sobre a frequência com que as

atividades de leitura e escrita eram propostas a partir de um jogo ou uma brincadeira. Para

tanto as ofereci as opções: (1) todos os dias, (2) duas ou três vezes na semana, (3) uma vez por

semana, (4) raramente e (5) nunca. Obtive unanimidade para opção “todos os dias”. Fica,

portanto, evidenciado no cruzamento de tais respostas que quando os jogos e as brincadeiras

têm um fim em si mesmo não há como separar o brincar do aprender.

Nessas circunstâncias fica o entendimento de que os jogos e as brincadeiras

encontram-se situados em uma esfera educacional que abrange muito mais do que o

divertimento, constituindo-se, portanto, num meio fundamental de construção do

conhecimento. É nesse contexto lúdico que os alunos do SEDIN são estimulados a elaborar

ideias e hipóteses sobre a leitura e a escrita, ampliando, assim, a oportunidade de participar de

atividades linguísticas significativas que estimulem à descoberta e à reflexão, permitindo-lhes

pensar sobre a função social e o significado da Língua Portuguesa, sua segunda língua.

Constatei que, entrelaçados, o lúdico e o letramento se fazem presentes no

processo ensino-aprendizagem de crianças surdas, fato esse articulado a partir da intervenção

das professoras que atuam como elementos estruturantes do ambiente escolar, estabelecendo

dessa forma uma educação infantil propícia para experiências transformadoras que promovem

a criatividade de todos os sujeitos envolvidos nesse processo. Nesse contexto os jogos e as

brincadeiras são, pois, instrumentos valiosos que atuam na totalidade do sujeito. Desse modo,

torna-se possível entender como os jogos e as brincadeiras se fazem presentes no letramento,

o que pode ser verificado na cena abaixo:

Cena 27 Jardim III Jogo da Memória – os nomes dos alunos foram escrito com a letra script e cursiva. P- eu vou tentar encontrar o igual. A professora vira uma ficha. P- procurar, procurar, encontrar igual. Ela vira outra ficha. P- (ahhhhhhh) encontrei, eu encontrei, viva, igual. P- agora vocês vão encontrar igual. A aluna Maria vira a ficha com o nome da Paula, a professora faz o sinal de igual, dizendo que ela tem que tentar descobrir onde está o outro nome Paula. [A aluna encontrou na primeira tentativa o nome da Paula]. A aluna Paula é a próxima a virar as fichas; ela aponta para as fichas com o seu nome e faz o sinal certo. A aluna vira a ficha com o nome José e, sem que a professora perceba, antes de virar a outra ficha, ela desvira a do José e vira a do André. A aluna Maria desvira a ficha com o nome José.

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Antes de iniciar o jogo da memória, a professora havia mostrado na rotina

diferentes formas de se grafar uma palavra. Utilizando fichas de cartolina, ela escreveu o

nome de cada aluno nas letras script e cursiva. Tais fichas foram colocadas em cima da mesa

com os nomes virados para baixo. Cada aluno desvirava uma ficha e tentava reconhecer de

quem era o nome que estava escrito na mesma. A datilologia foi utilizada pela professora

como um recurso para auxiliar os alunos a reconhecerem os nomes na letra cursiva. As fichas

com os nomes foram utilizadas pela professora para organizar o jogo da memória.

Vários são os caminhos que podem ser traçados pelo professor para ajudar à

criança a supor ou até mesmo descobrir os aspectos funcionais da leitura e da escrita. Através

dos jogos e das brincadeiras, as professoras do SEDIN seduzem e instigam seus alunos a

participarem com entusiasmo dessas atividades. A ansiedade demonstrada pela aluna Anna

Letícia na cena 27 pode ser destacada como um exemplo desse entusiasmo e envolvimento

com tal proposta. Há de se compreender, portanto, que o nível de envolvimento desses alunos

em atividades como essa é definido pela postura assumida pela professora na realização da

mesma. Isto posto, questionei as professoras do SEDIN se existe diferença entre o professor

P- (Maria, é ela!) A professora desvira a ficha do José, aponta para a do André e fala que ela tem encontrar a ficha com o mesmo nome. A aluna Maria vira para a pesquisadora e fala que a professora esqueceu [na realidade ela estava querendo dizer que a professora havia se equivocado, uma vez que não viu a aluna virando a primeira ficha.] A aluna Paula não encontra os nomes iguais. O aluno André vira primeiro a ficha com o seu nome e em seguida a ficha com o nome do José. P- igual? O aluno balança a cabeça que não. P- errado. O aluno Marcos vira as fichas com os nomes José e Marcos. A professora manda o aluno José jogar. P- você! Anna Letícia - eu, falta! A aluna chamou atenção da professora que ela ainda não havia jogado. O aluno José vira as ficha José e Anna Letícia. P- igual? O aluno José balança a cabeça negativamente. P- errado! A professora fala para Anna Letícia, que estava ansiosa para jogar. P- (você agora pode.) A aluna vira a ficha com o nome do André P- cadê o igual? A aluna vira a outra ficha com o nome do André e comemora.

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que permite e o que suscita os jogos e brincadeiras para desenvolver atividades de letramento.

Obtive para tal questionamento as seguintes respostas:

Quadro 11 Postura do professor nas atividades de letramento

O detalhamento da P2 revela que a ação pedagógica nem sempre emerge de

objetivos definidos. Uma brincadeira de empilhar e construir objetos com as peças de madeira

de um alfabeto móvel pode, por exemplo, ser ao mesmo tempo (i) uma estratégia adotada pela

professora com o objetivo de possibilitar à criança a manipulação e a familiarização com o

objeto que ela pretende explorar em outro momento; (ii) ser uma atividade livre sem objetivo

pré-definido ou ser direcionada em relação àquilo que se pretende alcançar (iii). Tais

situações vêm ratificar as considerações da P2 em relação ao professor que permite e o que

suscita os jogos e brincadeiras para desenvolver atividades de letramento. Ainda nessa

perspectiva, solicitei aos sujeitos desta pesquisa que selecionassem dentre as opções

“permite”, “suscita”, “permite e suscita” e “outras” aquela que melhor definiria sua postura.

Houve unanimidade para a opção “permite e suscita”.

As respostas do Quadro 11 evidenciaram que o professor que suscita os jogos e

brincadeiras para desenvolver atividades de letramento atua como mediador no processo

ensino-aprendizagem. É possível verificar tal evidência na cena 27, tanto no direcionamento

dado à atividade, em relação àquilo que se pretendia, quanto no comportamento participativo

dos alunos. Ainda nesse contexto, torna-se bastante oportuno e indispensável destacar que,

para efetivar a relação jogo/aprendizagem, a professora não precisou de brinquedos

fantásticos e caros para seduzir seus alunos e oferecer-lhes oportunidades de aprender de

forma significativa. Sobre essa questão Brougère (1995) afirma que: O educador pode, portanto, construir um ambiente que estimule a brincadeira em função dos resultados desejados. Não se tem certeza de que a

P1 “Sim, é essencial que se permita e também incentive.” P2 “Sim. O que permite está utilizando o brincar e o jogar com ou sem objetivo definido, e o que suscita tem objetivo definido.” P3 “Sim. É necessário que o professor esteja sempre presente nas atividades incentivando e mediando.” P4 “Sim. Nem sempre o que permite, suscita.” P5 “Sim. Eu acho que o professor tem que não só permitir como também suscitar a brincadeira.”

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criança vá agir, com esse material, como desejaríamos, mas aumentamos, assim, as chances de que ela o faça; num universo sem certezas, só podemos trabalhar com probabilidades. Portanto, é importante analisar seus objetivos e tentar, por isso, propor materiais que otimizem as chances de preencher tais objetivos.” (BROUGÈRE, 1995, p. 105).

Ao desligar a filmadora, a professora fez o seguinte comentário: “Nossa! Foi

muito legal, eu adoro fazer esse tipo de atividade!” (fonte: Nc). Comentei com ela que de fato

ficou bastante interessante, principalmente pela (i) participação dos alunos, (ii) atividade ter

sido construída desde a rotina e culminar com um jogo, (iii) simplicidade do material utilizado

e abrangência pedagógica implícita na atividade (iv). “É, é uma pena que os pais não

entendam dessa forma.” (fonte: Nc) Esse foi o comentário da professora em relação às minhas

considerações. Foi possível perceber um misto de angústia e preocupação na fala da

professora, sentimentos esses externados também pelas demais professoras durante o período

de observação e constatado no questionário a partir da seguinte pergunta: “Você consegue

perceber alguma restrição por parte da escola, dos pais, dos professores em relação aos jogos

e as brincadeiras nas atividades de leitura e escrita? Resuma com uma palavra o que você

acha que cada um diria a respeito dessa proposta”.

Quadro 12 Postura dos pais em relação aos jogos e as brincadeiras

nas atividades de leitura e escrita

P1 Escola ( ) sim (x) não propõe Pais (x) sim ( ) não desconhecem Professores ( ) sim (x) não incentivam P2 Escola ( ) sim (x) não propor Pais (x) sim ( ) não restringir Professores ( ) sim (x) não aceitar P3 Escola ( ) sim (x) não propor Pais (x) sim ( ) não inútil para vida escolar do filho Professores ( ) sim (x) não aceitar/mediar P4 Escola ( ) sim (x) não apropriado Pais (x) sim ( ) não não compreendem Professores ( ) sim (x) não acham apropriado

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Nas respostas depuradas acima sobre a restrição ao lúdico no processo de

letramento é possível verificar que as professoras foram unânimes ao selecionar a opção NÃO

para a escola e os professores e SIM para os pais. É importante destacar que em relação aos

pais o detalhamento dado pelas professoras constitui apenas uma suposição da opinião deles

sobre esse tipo de atividade. A P3 supõe que os pais diriam que os jogos e as brincadeiras são

inúteis para vida de seus filhos; as P2 e P5 consideram que na opinião dos pais os jogos e as

brincadeiras podem restringir e até mesmo dificultar a aprendizagem; e as P1 e P4 acham que

a restrição a essa proposta está relacionada à falta de conhecimento e compreensão da mesma.

Cruzando os dados depurados no Quadro 12 com a experiência vivenciada por

mim durante as observações diria que as respostas analisadas acima não revelam apenas

suposições, mas as percepções dessas profissionais em relação tal questionamento. Para as

professoras, a ansiedade e a expectativa dos pais em relação à aprendizagem da leitura e da

escrita dificultam-lhes a compreensão e a aceitação de que para aprender a criança não precisa

permanecer sentada diante de atividades e exercícios repetitivos e sem sentido. Mediante essa

realidade há de se conscientizar esses pais que na educação infantil o conhecimento se alcança

através das vivências (cf. Kuhlmann Jr, 2000 apud Meyer, 2003 – seção 2.3, p. 42) e que os

jogos e as brincadeiras constituem recursos ricos e diversificados de aprendizagem.

Os pais, sejam de crianças surdas ou ouvinte, precisam compreender que “a leitura

e a escrita devem ser algo de que a criança necessite” (VIGOTSKI, 2007, p. 143). Para tanto,

torna-se imprescindível a participação e a interação da família com a proposta pedagógica da

escola. Com relação às atividades de letramento, o SEDIN, por exemplo, constitui um

ambiente estruturado que reconhece em sua proposta a importância e a complexidade da

língua portuguesa para a criança surda e busca, portanto, instrumentos para auxiliá-la na

descoberta dessa necessidade. O lúdico não só estimula a criança a interagir nesse processo,

mas a envolve como um todo, constituindo o diferencial na relação dos alunos surdos com a

leitura e a escrita. Mediante o exposto, torna-se absolutamente oportuno e indispensável a

conscientização dos pais sobre as aprendizagens implícitas em um jogo ou uma brincadeira.

Para tanto selecionei trechos das seguintes cenas:

P5 Escola ( ) sim (x) não propiciar Pais (x) sim ( ) não dificultar Professores ( ) sim (x) não agir

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Cena 28 Jardim III

A professora explica a brincadeira para os alunos. Ela vai colocar três rótulos. Após observar bem os três, o aluno vai virar, e ela vai esconder um. Ao desvirar, o aluno deverá saber qual o rótulo está faltando. A Bianka é a primeira a participar.

P- /depois eu falo pra você desvirar, tá bom?/ Pepsi, Close up, Qualy

Ela retira o rótulo P- qual sumiu, qual?

Close up

Bianka - ESCOVAR OS DENTES P- (ai, que lindo!) parabéns! A professora dá um beijo na aluna. P- (muito bem) /acertou!/ P- (agora é você, espera aí) A professora mantém os mesmos rótulos. O Daniel explica que agora ele vai virar e a professora vai esconder um. Daniel, que está com dificuldade de identificar o rótulo escondido pela professora, pede para ela retirar o rótulo que ele quer. Ela esconde o rótulo da QualyP- Qual sumiu?Qual sumiu?

.

O aluno procura debaixo da mesa. P- (não, Daniel, aqui, qual que estava aqui?) Daniel- margarina. P- (Ah, muito bem, você acertou!) A professora troca os rótulos. Rexona, Todynho, Serenata de amor, Omo, e Close upEla retira o

. Rexona

Quando a Bianka desvira o Daniel aponta para o lugar onde estava o rótulo e faz o gesto de apertar o desodorante.

.

Bianka. NÃO, NÃO. P- não pode. A professora repete o gesto que ele fez. P- /é ela que tem que pensar./

Cena 29 Jardim III A professora organizou cartelas com os rótulos trabalhados no dia anterior e brincou de Bingo com os alunos e a AEL. P- refrigerante. André- não tenho. AEL- não tenho. P- refrigerante. P- tem? AEL- não tem. Refrigerante, eu não tenho. A Professora olha para a cartela da AEL e fala que ela tem refrigerante. AEL- Guaraná. É igual? P- diferente. AEL- ah! Diferente! O que a AEL quis mostrar é que mesmo o Guaraná sendo um refrigerante, o sinal dele é diferente. P- LAVAR ROUPA.

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De acordo com o RCNEI (1998, p. 128 – 3v) “a aprendizagem da linguagem

escrita está intrinsecamente associada ao contato com textos diversos, para que a criança

possa construir sua capacidade de ler, e às práticas de escrita, para que possam desenvolver a

capacidade de escrever automaticamente”. Através dos livros, jornais, revistas e rótulos, por

exemplo, a criança, surda ou ouvinte, vai gradativamente tomando consciência não só do

sistema de escrita da língua como das características dessa linguagem.

Segundo Montessori (1965 apud Vigotski 2007, p. 144) “o jardim-de-infância é o

lugar apropriado para o ensino da leitura e da escrita; isso significa que o melhor método é

aquele em que as crianças não aprendam a ler e a escrever, mas sim descubram essas

habilidades durante as situações de brinquedo”. Conforme exposto no decorrer desta pesquisa,

não é objetivo do SEDIN ensinar o aluno a ler e a escrever, mas (i) oferecer-lhe subsídios para

P- LAVAR ROUPA, tem? AEL- não tenho, não tenho. P- não tem? P-revista? André e AEL- VejaP- chocolate, comer.

.

AEL- não tenho, não tenho, não tenho. P- chocolate, não tem? Procura. Chocolate, comer, chocolate, chocolate. André – DOVEP- não, comer pode? pode comer?

.

André – não. P- Então... Comer chocolate, vê? André - Serenata de Amor

.

Cena 30 Jardim III

Brincadeira diferente, olha! A professora colocou três rótulos na mesa Qualy, Ariel e Pepsi

P- Qual, qual pode beber?

. Ela aponta para cada um e pergunta:

A Bianka aponta com o cotovelo para Pepsi

P- /ah, muito bem, Bianka!/

. A professora pede que ela aponte com o dedo.

P- /agora vamos trocar, espera aí!/ A professora substitui o rótulo do Ariel pelo TodynhoP- Pode beber. Não é refrigerante. É de chocolate?

.

A Bianka aponta para o TodynhoP- /Uhhh, muito bem!/

.

O rótulo da Qualy é substituído pelo sabonete DoveP- /qual serve para TOMAR BANHO?/

.

Daniel- DoveP- /uhhhh, muito bem, esse!/

.

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o desenvolvimento dessas linguagens que envolvem um conjunto de capacidades e

conhecimentos que precisam ser estimulando e desenvolvidos na pré-escola, bem como (ii)

mostrar-lhe a função social e os reais usos da língua portuguesa como segunda língua.

Nas cenas 27, 28, 29 e 30, por exemplo, é possível verificar esses dois processos

de aprendizagem acontecendo paralelamente com jogos e brincadeiras. Baseando-me nas

percepções das professoras sobre as restrições dos pais em relação ao lúdico no processo de

aprendizagem, diria que as atividades propostas nas cenas acima dificilmente contemplariam

as expectativas desses em relação à escrita, pois a percepção que o leigo tem dessa

aprendizagem se restringe na maioria das vezes à utilização de lápis, papel e exercícios

preparatórios. Nesse contexto, torna-se de fato muito difícil para os pais terem a percepção de

que, enquanto brincam, as crianças estão sendo estimuladas a desenvolver capacidades

cognitivas e motoras necessárias para a aprendizagem da escrita. Quanto a isso, Montessori

(1965 apud Vigotski 2007, p. 144) contribuiu de forma importante. “Ela mostrou que os

aspectos motores da escrita podem ser, de fato, acoplados com o brinquedo infantil, e que o

escrever pode ser “cultivado” em vez de “imposto”.

Não é raro observar professores da pré-escola utilizando os rótulos (cf. cenas 28,

29 e 30) como recurso para estimular o desenvolvimento da linguagem escrita, uma vez que

esses constituem um texto rico de significados. Quando os “lêem” as crianças não vêem

apenas palavras, mas imagens, cores e formas que as ajudam a extrair e moldar as

informações que necessitam para a leitura em questão. Outro motivo que merece destaque

nesse contexto está relacionado tanto à forma como as professoras transformaram um material

simples em jogos envolventes, quanto às diferentes possibilidades encontradas por elas para

trabalharem com o referido material.

Contudo, o motivo que me levou a selecionar as cenas 27, 28, 29 e 30 não está

apenas no fato de que tal atividade desenvolve a linguagem escrita, pois isso está explícito no

desenvolvimento da mesma, mas, principalmente, porque ao proporem essa atividade a partir

de um jogo ou uma brincadeira, as professoras conseguem de forma lúdica e mais prazerosa

desenvolver e estimular habilidades e comportamentos fundamentais para a aprendizagem da

leitura e da escrita. Thompson (2000, p. 52) define tal aprendizagem como “um processo

complexo que envolve vários sistemas e habilidades, algumas internas outras externas ao

indivíduo, tais como: habilidades linguísticas, perceptuais, motoras, cognitivas, afetivo-

emocionais, ambientais, culturais”. Para ilustrar o exposto, organizei o seguinte quadro:

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Quadro 13 Jogos e brincadeiras/Leitura e escrita

É importante esclarecer que as informações contidas no Quadro 13 apenas

exemplificam algumas habilidades e comportamentos implícitos nas atividades de leitura e

escrita propostas a partir de um jogo ou uma brincadeiras. Vale, portanto, compreender que

tais habilidades ou comportamentos podem estar presentes em outros trechos e cenas, não se

restringindo apenas àqueles por mim selecionados. Também estão implícitos nas cenas

Cena Habilidades e Comportamentos

Episódios

27 27 28 27 28 27 30 28 28

Orientação temporal (sequência de ações) Atenção Percepção visual Memória Relação espacial Capacidade de questionamento Capacidade de entendimento Orientação espacial Capacidade de comunicação

O aluno André vira primeiro a ficha com o seu nome e em seguida a ficha com o nome do José. A aluna vira a ficha com o nome José, sem que a professora perceba. Antes de virar a outra ficha, ela desvira a do José e vira a do André. A aluna Maria desvira a ficha com o nome José.

P- /depois eu falo pra você desvirar, tá bom?/ Pepsi, Close up, Qualy

Ela retira o rótulo Close upP- Qual sumiu, qual?

.

Bianka - ESCOVAR OS DENTES A aluna vira a ficha com o nome do André P- Cadê o igual? A aluna vira a outra ficha com o nome do André e comemora. O Daniel explica que agora ele vai virar e a professora vai esconder um. A aluna chamou atenção da professora que ela ainda não havia jogado. P- Pode beber. Não é refrigerante. É de chocolate? A Bianka aponta para o TodynhoP- /Uhhh, muito bem!/

.

Ela esconde o rótulo da QualyP-Qual sumiu?Qual sumiu?

.

O aluno procura debaixo da mesa. P- (não, Daniel, aqui, qual que estava aqui?) Daniel- margarina. Daniel, que está com dificuldade de identificar o rótulo escondido pela professora, pede para ela retirar o rótulo que ele quer.

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analisadas o desenvolvimento do vocabulário e da capacidade de simbolização necessários

para que a criança surda, que será alfabetizada em uma segunda língua, assuma a tarefa da

leitura e da escrita.

Para construir o conhecimento sobre o fato pesquisado, busquei triangular a teoria

com os dados, as evidências e as informações encontradas na realidade estudada. O

“letramento envolve dois fenômenos bastante diferentes, a leitura e a escrita, cada um deles

muito complexo, pois constituído de uma multiplicidade de habilidades, comportamentos,

conhecimentos” (SOARES, 2003, p. 48). Devem ser estimulados e desenvolvidos na pré-

escola de forma que a criança descubra tais aprendizagens nas situações de brinquedo.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS E CONCLUSÃO

Procurei investigar nesta pesquisa como que os jogos e as brincadeiras poderiam

representar um importante elo no processo ensino-aprendizagem de crianças pré-escolares

surdas, e como tais atividades vêm sendo propostas para o desenvolvimento da leitura e da

escrita. Para compreender essas relações e alcançar um desenvolvimento pleno deste estudo se

fez necessário analisar primeiramente o ambiente e as pessoas que dele participaram.

O INES, como Centro de referência Nacional na Área da Surdez, mantém em seu

Colégio de Aplicação o setor de educação infantil – SEDIN, que, como o local escolhido para

a realização desta pesquisa, promoveu as condições necessárias para o desenvolvimento da

mesma, contribuindo sobremodo com a qualidade das experiências oferecidas. Nesse

ambiente harmônico e educativo, defendido por Kramer (2005), são oferecidas às crianças

surdas tempo, espaço, material, profissionais especializados: elementos reais e imaginários

que juntos fornecem um contexto apropriado para a aprendizagem e o desenvolvimento

infantil.

Vinculados a esse contexto, encontram-se a proposta pedagógica e as ações

desenvolvidas no SEDIN que concebem as aprendizagens como algo que implica a totalidade

da criança surda como um ser sociocultural. Assim sendo, posso concluir que o trabalho

desenvolvido no SEDIN encontra-se respaldado em uma prática pedagógica que não só

possibilita o desenvolvimento pleno desse sujeito como também lhe proporciona uma

experiência transformadora em relação à sua posição participativa na sociedade.

Considerando que o projeto pedagógico adotado pelo CAP/INES parte de uma

abordagem bilíngue/bicultural, onde a Libras é a língua de instrução (L1) e que tanto as

professoras quanto os alunos do SEDIN não têm o domínio dessa língua, busquei também, na

primeira parte da análise, destacar as atribuições do AEL na educação infantil. O fato das

professoras não dominarem a Libras não as impede de fazer o uso da mesma em suas práticas,

conforme observado nas cenas transcritas na análise. A questão é que elas usam o

conhecimento dessa língua de forma mais “dicionarizada” e, portanto, não fluente (DE

PAULA, 2009), o que torna fundamental a presença do AEL na sala de aula. Bulhões (2006,

p. 7) considera primordial a atuação desse profissional na educação de surdos. Ele argumenta

que a “maioria dos professores das escolas, privadas ou públicas, não têm domínio em Libras

no Brasil, e os poucos professores que têm não a possuem como primeira língua”.

Considerando ser o processo ensino-aprendizagem mediado pelas interações

sociais e que a maioria dos alunos do SEDIN são filhos de pais ouvintes, não possuindo,

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portanto, uma língua para participar efetivamente dessas interações, verifiquei nesta pesquisa

a importância da atuação do AEL como facilitador no processo de aquisição da Libras. A

aprendizagem da língua de sinais possibilita à criança surda interagir e comunicar-se com seus

pares, mais que isso, sentir-se pertencente não a um grupo específico, uma vez que ela já

dialoga com a sociedade majoritária, mas a um contexto social e cultural advindo da

exposição à Libras. De Paula (2009, p. 413) ratifica “que é no contexto escolar que a pessoa

surda encontra a possibilidade de construir seu espaço, a partir das interações com outros

surdos e com professores especializados”.

Durante o período de observação experimentei variadas situações que me

possibilitaram verificar que, de fato, a criança surda chega à educação infantil com uma

experiência linguística bastante peculiar. Constatei, portanto, que ao ser expostos a Libras,

essa condição vai sendo superada, pois os alunos vão se apropriando naturalmente dessa

língua, o que lhes possibilitam a estruturação do pensamento e da cognição, além do suporte

às relações interpessoais e culturais mencionadas no parágrafo acima. Assim, a criança surda

vai reestruturando o sistema de compreensão do mundo, significando suas aprendizagens.

Esta constatação foi bastante relevante, pois constituía um dos objetivos específicos desta

pesquisa.

Para pesquisar a relevância atribuída pelas professoras da educação infantil do

CAP/INES aos jogos e às brincadeiras no processo ensino-aprendizagem e entender como

esses podem efetivamente auxiliar no processo de desenvolvimento da leitura e da escrita, foi

necessário verificar primeiramente como a criança surda organiza o seu brincar, o que foi

proposto na segunda parte da análise. Apoiar-me na corrente histórico-cultural foi o primeiro

passo para compreender que as brincadeiras são frutos das relações sociais, históricas e

culturais, e que, portanto, toda criança recria e assume em suas brincadeiras personagens e

papéis sociais vivenciados nesse contexto.

Segundo Vigotski (2007), nas brincadeiras de faz-de-conta as crianças tentam

compreender o mundo adulto, apreendendo regras de comportamento e assumindo papéis

sociais. Ao assumir esses papéis em suas brincadeiras, os alunos do SEDIN demonstraram

diversas vezes as percepções que mantêm sobre a sociedade majoritária, o que me leva a

concluir que, de fato, a experiência lúdica surge de elementos originários e mantidos pela

cultura geral. No faz-de-conta, os alunos ressignificam não só o que vivem, mas o que sentem.

Analisar a criança surda encenando episódios de faz-de-conta não constituiu uma

tarefa muito fácil, pois ao mesmo tempo em que ela mostra perspicácia em buscar meios,

como, por exemplo, gestos, expressão corporal para significar suas ações, ela também esbarra

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numa limitação linguística que muitas vezes esses meios não dão conta de representar.

Contudo, as professoras me fizeram compreender, através das suas práticas, que a busca por

uma superação na brincadeira pressupõe um aprendizado com consequências sobre outros

aprendizados. O convívio com esses alunos me permitiu perceber que as aprendizagens

experimentadas por eles no faz-de-conta enriquecem seu poder de criatividade, a

flexibilização de significados, e ainda ampliam a imaginação e as competências

organizacionais infantis. Esse foi um resultado importante, posto como um dos objetivos

específicos desta pesquisa.

Neste estudo foi possível verificar uma preocupação das professoras em cumprir

os conteúdos curriculares propostos para a educação infantil. A preocupação delas reflete uma

realidade de muitos profissionais desse segmento, que muitas vezes não sabem o que fazer e

como fazer para que as aprendizagens advindas desses conteúdos não se agreguem à mente da

criança como algo imposto e desvinculado da sua realidade, porém conquistado e construído

nas suas interações.

Constatei que a intervenção dos jogos e das brincadeiras nas práticas das

professoras do SEDIN possibilita de fato as aprendizagens significativas, uma vez que

propiciam por meio da atividade lúdica o desenvolvimento e a ampliação dos conhecimentos

infantis. Entretanto, precisa-se ter a consciência que, quando se objetivam determinadas

aprendizagens e apropriação de conceitos propostos pelos conteúdos curriculares, o professor

deverá intervir diretamente, propondo a utilização de jogos que possibilitem à criança atingir

tais objetivos, pois as brincadeiras livres que surgem da espontaneidade e imaginação são, na

maioria das vezes, destituídas de objetivos imediatos. As cenas transcritas para a análise desta

pesquisa demonstraram que as situações de aprendizagens mediadas pelos jogos e

brincadeiras no SEDIN são direcionadas pelos professores a partir de seus objetivos, o que

revela não só a adequada utilização desses recursos bem como a consciência dessas

profissionais em relação à função dos jogos e das brincadeiras no processo ensino-

aprendizagem.

Na terceira e última parte da análise, a ênfase foi dada ao processo de

desenvolvimento da leitura e da escrita de crianças pré-escolares surdas que se encontram

inseridas em um contexto educacional bilíngue/bicultural, onde o Português é ministrado

como segunda língua (L2) na modalidade escrita. Assim como as brincadeiras, a escrita

também é uma atividade cultural produzida historicamente pela humanidade e, portanto,

torna-se desejável que as atividades envolvendo essa prática não se restrinjam ao ensino de

uma habilidade meramente motora fruto de exercícios mecânicos. A leitura também é

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compreendida a partir desse contexto histórico que agrega e demonstra os desejos da

sociedade.

O cruzamento dos dados depurados na prática com a teoria que fundamentou esta

pesquisa mostrou que o acesso ao mundo letrado inicia-se desde os primeiros meses,

principalmente através das histórias infantis. Outro aspecto evidenciado nesse contexto estava

atrelado à importância e a qualidade das interações de leitura e escrita proporcionadas à

criança no contexto familiar. Considerei relevante destacar que tais intercâmbios e

informações normalmente acontecem de forma menos intensa com a criança surda devido à

dificuldade de comunicação, o que influencia sobremodo no nível de suposições que esse

sujeito faz sobre a leitura e escrita e seus usos ao chegarem à educação infantil.

Para promover experiências significativas de leitura e escrita e fazer do SEDIN

um espaço de acesso das crianças surdas ao mundo letrado, as professoras buscam nos jogos e

nas brincadeiras elementos importantes que contribuem com a motivação intrínseca para essas

práticas. Esta pesquisa procurou discutir e mostrar que, através do lúdico, as professoras

inserem seus alunos em um contexto prazeroso e dinâmico onde a leitura e a escrita fazem

sentido para o sujeito surdo.

A pesquisa revelou que a aprendizagem da leitura e da escrita proposta a partir

dos jogos e das brincadeiras incentivava os alunos a fazerem múltiplos usos dessas

linguagens, (i) seja na busca de conhecimentos, (ii) no desenvolvendo do senso crítico, (iii) na

aquisição de informações ou (iv) ao assumirem posicionamentos sobre os mais variados

assuntos, conforme verificado nas cenas citadas na análise. Desse modo a criança surda

desenvolve não só a capacidade de entender melhor o mundo que a cerca como promove

gradativamente a sua autonomia.

Vinculado a esse contexto está a concepção que as professoras do SEDIN têm

sobre o letramento. Para elas as experiências com o letramento não anulam a apropriação das

técnicas para alfabetização, principalmente porque essas são propostas na pré-escola a partir

da utilização dos jogos e das brincadeiras que desvinculam, com muita propriedade, a

aprendizagem do código de exercícios estéreis, transformando essa experiência em algo

minimamente interessante e envolvente para a criança surda. Sobre a dicotomia

letramento/alfabetização, Soares (2003b, p. 3) recomenda que o professor “alfabetize letrando

sem descuidar da especificidade do processo de alfabetização [...]. O aluno precisa entender a

tecnologia da alfabetização. Há convenções que precisam ser ensinadas e aprendidas, trata-se

de um sistema de convenções com bastante complexidade”.

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Ao considerar os objetivos propostos neste estudo, posso concluir que a prática da

leitura e escrita, que envolve habilidades, comportamentos e conhecimentos, vai se

desenvolvendo em um contexto lúdico, extremamente fértil para que a criança surda seja

exposta tanto à complexa tecnologia do ato de ler e escrever quanto a envolver-se a partir do

convívio e hábito estimulados no contexto educacional com os reais usos da leitura e da

escrita.

Esse direcionamento deverá ser ampliado em forma de orientação às famílias, que

sustentam na maioria das vezes a utilização dos jogos e das brincadeiras como algo inútil e,

portanto, dispensável para o desenvolvimento da leitura e escrita. De acordo com os dados

analisados, esses são concebidos pelos familiares como recursos para recreação, sem valor

educativo. Assim, caberá a escola mostrar através das suas ações a dimensão que alcançam as

aprendizagens construídas através de jogos e brincadeiras e que, portanto, a função desses no

processo de desenvolvimento da leitura e da escrita não pode, em hipótese alguma, ser

reduzida a essa única possibilidade, recreativa, já que a brincadeira constitui uma grande fonte

de desenvolvimento (VIGOTSKI, 2007).

Esta pesquisa revelou ser a pré-escola um ambiente rico para as experiências

infantis, onde as aprendizagens se constroem a partir das interações da criança com o outro,

seja ele um brinquedo, um colega ou o professor. Para Vigotski (2007), a relação do homem

com o mundo não é direta, mas mediada. Acerca disso constatei que os conhecimentos e as

aprendizagens que cada aluno constrói foram mediados pelas professoras que os desafiavam a

utilizar os conceitos já aprendidos para experimentar, descobrir, conhecer e reconstruir novos

conceitos de forma mais consistente. É exatamente nessa dimensão, ou seja, explorando o

funcionamento cognitivo das crianças que funciona a Zona de Desenvolvimento Proximal

proposta por Vigotski e evidenciada na análise.

Por meio desta pesquisa, constatei que os jogos e as brincadeiras encontram-se de

fato incorporados às práticas das professoras do SEDIN e que o envolvimento dessas

profissionais com o lúdico é refletido na motivação e interesse demonstrado pelos alunos em

participar das atividades propostas. Destaco, ainda, a importância dessas profissionais nesse

processo, principalmente quanto à habilidade e eficácia demonstrada por elas em transformar

jogos e brincadeiras em poderosos instrumentos de estruturação do conhecimento,

especialmente no contexto de letramento.

Aos professores em exercício na educação infantil, especialmente os que

trabalham com crianças surdas, considero importante enfatizar que é possível, sim, aprender

brincando, pois toda brincadeira evolui para algum aprendizado. Nesse contexto posso

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concluir que o espaço da educação infantil deve constituir-se de um ambiente de realidade e

fantasia onde as interações dos alunos e o brincar da criança deem sentido e significado a um

processo dinâmico e criativo de aprendizagem. A criança que brinca desenvolve-se

plenamente.

Assim, finalizo esta pesquisa tendo a consciência de que, se vislumbramos para o

futuro de nossas crianças uma sociedade verdadeiramente letrada, ensiná-las a ler e a escrever

não será suficiente; será preciso ajudá-las a ter competência para fazer no seu dia-a-dia os

usos reais dessas práticas, o que os jogos e as brincadeiras fazem com muita propriedade.

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_________. Educação e exclusão: abordagens sócio-antropológicas em educação especial. Porto Alegre: Mediação, 2000. SOARES, Magda. Linguagem e escola: Uma perspectiva social. São Paulo: Ática, 2002. _________. Letramento: um tema em três gêneros. 2ª ed, 6ª. reimpr. – Belo Horizonte: Autêntica, 2003a. ________. O que é letramento. Diário do Grande ABC, Santo André, 29 agosto. 2003b. Diário na Escola, p. 3. SOUZA, Fernanda de. Os jogos de mãos: um estudo sobre o processo de participação orientada na aprendizagem musical infantil. Dissertação de Mestrado em Música. Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes. Curitiba, UFPR, 2009. STEINER, Vera John e SOUBERMAN, Ellen. Posfácio. In: VIGOTSKI, Lev Semyonovitch. A Formação Social da Mente. 7ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 149-168. STROBEL, Karin Lilian. Surdos: vestígios culturais não registrados na história. Florianópolis, 2008. Tese de Doutorado em Educação: UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina. TESKE, Ottmar. A relação dialógica como pressuposto na aceitação das diferenças: o processo de formação das comunidades surdas. In SKLIAR, Carlos (org). A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto alegre: Mediação, 1998. p. 139-156. TFOUNI, Leda Verdiani. Letramento e alfabetização. 6ª ed. Coleção Questões da Nossa Época; v. 47. São Paulo: Cortez, 2004. THOMPSON, Rita. Desenvolvimento psicomotor e aprendizagem. In: FERREIRA, Carlos Alberto de Mattos. (Org.). Psicomotricidade da educação infantil à gerontologia: teoria e prática. São Paulo: Lovise, 2000. p. 44-52. TILIO, R. Masculinidades hegemônicas e subalternas: uma análise sócio-discursiva de uma história de vida. Dissertação de Mestrado no Programa Interdisciplinar de Linguística Aplicada. Rio de Janeiro, UFRJ, Faculdade de Letras, 2001. VALLE, Luiza Elena Ribeiro do. Brincar de aprender: uni-duni-tê: o escolhido foi você! Rio de Janeiro: Wak Ed., 2008. VICTORIO, S.C.D. Avaliação da audição da criança. In: BEVILACQUA, M. C. e MORET, A. L. M. Deficiência auditiva: conversando com familiares e profissionais da saúde. São José dos Campos: Pulso, 2005. p. 65-69. VIGOTSKI, Lev Semyonovitch: [1978] trad José Cipolla Neto, Luís S. Menna Barreto, Solange C. Afeche. A Formação Social da Mente. 7ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. _________. [1934] trad. Jeferson Luis Camargo. Pensamento e Linguagem. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

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WAJSKOP, Gisela. Brincar na pré-escola. São Paulo: Cortez, 1999. WINNICOTT, D.W. O brincar & a realidade. Trad. José Octávio de Aguiar Abreu e Vanede Nobre. Rio de Janeiro: Imago Editora LTDA, 1975. _________. A criança e o seu mundo; trad. Álvaro Cabral. 4ª ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1977. WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas: São Paulo: Nova Cultural, 1991. YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e métodos; trad. Daniel Grassi. 2ª ed. Porto Alegre: Bookman, 2001.

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ANEXO I TERMO DE SOLICITAÇÃO DE CAMPO

Rio de Janeiro, ____de______________ de 2009.

Ao DDHCT/INES:

Pelo presente viemos solicitar a autorização para estudo investigativo, do Mestrado em Letras

e Ciências Humanas, da UNIGRANRIO, referente à pesquisa intitulada, JOGOS E

BRINCADEIRAS, LEITURA E ESCRITA: COMO O PROFESSOR REUNE ESSAS

NOÇÕES NA EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS SURDAS, sob orientação da Professora

Doutora Haydéa Maria Marina de Sant’Anna Reis.

Informamos que o referido estudo seguirá as orientações estabelecidas na portaria nº 196/96

do Conselho Nacional de Saúde.

Desde já agradecemos a colaboração,

Atenciosamente,

Pesquisadora:

____________________________________________

Luciana Andrade Pais Rosa

Professora Orientadora:

_____________________________________________ Profª Draª Haydéa Maria Marino de Sant’Anna Reis

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ANEXO II TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE) Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos – CEP/Unigranrio

1- Identificação do responsável pela execução da pesquisa: Título do Projeto: JOGOS E BRINCADEIRAS, LEITURA E ESCRITA: COMO O PROFESSOR REUNE ESSAS NOÇÕES NA EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS SURDAS Coordenador do Projeto: Luciana Andrade Pais Rosa Telefones de contato do Coordenador do Projeto: (21) 3253 4128 / 9318 0081 Endereço do Comitê de Ética em Pesquisa: UNIGRANRIO 2- Informações ao participante ou responsável: a) Você está sendo convidado a participar de uma pesquisa que tem como objetivo estudo conceber qual é o status dado pelo professor de crianças pré-escolares surdas aos jogos e às brincadeiras no desenvolvimento de duas competências linguísticas: ler e escreve. b) Antes de aceitar participar da pesquisa, leia atentamente as explicações abaixo que informam sobre o procedimento. A pesquisa ocorrerá ao longo do segundo semestre do ano letivo de 2009, nas turmas da educação infantil do INES. Haverá a aplicação de um questionário e observação da prática pedagógica dos professores envolvidos nesta pesquisa. Durante essas atividades, estaremos avaliando a real utilização dos jogos e das brincadeiras como recurso que favorece o processo de letramento. c) Você poderá recusar a participar da pesquisa e poderá abandonar o procedimento em qualquer momento, sem nenhuma penalização ou prejuízo. Durante o procedimento de questionário e da observação em sala de aula,você poderá se recusar a responder a qualquer pergunta que, por ventura, possa lhe causar algum constrangimento. d) A sua participação como voluntário não auferirá nenhum privilégio, seja ele de caráter financeiro ou de qualquer natureza, podendo se retirar do projeto em qualquer momento sem prejuízo a Vª.Sª. e) Serão garantidos o sigilo e privacidade, sendo reservado ao participante o direito de omissão de sua identificação ou de dados que possam comprometê-lo. f) Na apresentação dos resultados não serão citados os nomes dos participantes. g) Confirmo ter conhecimento do conteúdo deste termo. A minha assinatura abaixo indica que concordo em participar desta pesquisa e para isso dou meu consentimento.

Rio de Janeiro, _____de ___________________ de 20_____ Participante: _______________________________________ Id: ____________________ Pesquisador: _______________________________________ Id: ____________________

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APÊNDICE

JOGOS E BRINCADEIRAS, LEITURA E ESCRITA: É POSSÍVEL REUNIR ESSAS NOÇÕES NA EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS SURDAS?

Contato Luciana Andrade Pais Rosa Tel: (21) 3253-4128 / 9318-0081 E-mail: [email protected]

QUESTIONÁRIO BLOCO 1: Dados Pessoais 1. Identificação ( )P1 ( )P2 ( )P3 ( )P4 ( )P5

Idade _____

2. Formação acadêmica ( ) Curso normal ( ) Superior __________________ ( ) Especialização educação infantil ( ) Pós-médio ( ) não Pós-graduação ( ) Especialização educação especial ( ) Pós-médio ( ) não Pós-graduação ( ) Especialização educação de surdos ( ) Pós-médio ( ) não Pós-graduação ( ) Mestrado ( ) Doutorado Outras observações _____________________________________________________

3. Tempo de docência

Há quanto tempo você leciona? __________ Há quanto tempo você leciona para surdos? __________ Você já lecionou na educação infantil para ouvintes? _________ Há quanto tempo você leciona na educação Infantil do INES? __________

BLOCO 2: Formação Continuada

1. Com que frequência você participa de cursos (seminários, congressos, palestras) de atualização na área da surdez?

( ) mensalmente ( ) bimestralmente ( ) semestralmente ( ) anualmente ( ) raramente ( ) não participo

2. Com que frequência você participa de cursos (seminários, congressos, palestras, fóruns) de atualização na área da educação infantil?

( ) mensalmente ( ) bimestralmente ( ) semestralmente ( ) anualmente ( ) raramente ( ) não participo

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3. Com que frequência você lê livros, artigos ou textos sobre:

Educação infantil ______________________________________________

Educação de surdos ____________________________________________

Educação infantil e surdez_______________________________________

( ) não costumo ler sobre esses temas.

4. Quais os temas ligados à educação infantil que mais lhe despertam interesse?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

5. Quais os autores desta área que você mais gosta de ler?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

BLOCO 3: Organização e Funcionamento

1. Característica da turma

Turma __________ turno _________ Quantos alunos existem na sua turma?________

2. Característica dos alunos

Qual é a faixa etária deles? _________ Quantos alunos você tem com surdez profunda? ________ E severa?__________ Você tem alunos com outros comprometimentos? Especifique.

______________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Como seus alunos se comunicam? ______________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Quais as atividades que os seus alunos mais gostam de participar? Comente sua resposta. BLOCO 4: Prática Pedagógica/jogos e brincadeiras 1- Segundo Kuhlmann Jr. (2002 apud MEYER¹, 2003, p.27) “se a criança vem ao mundo e se desenvolve em interação com a realidade social, cultural e natural, é possível pensar uma proposta educacional que lhe permita conhecer esse mundo, a partir do profundo respeito por ela. Ainda não é o momento de sistematizar o mundo para apresentá-lo à criança: trata-se de vivê-lo, de proporcionar-lhe experiências ricas e diversificadas.” Você concorda com a autora? Na prática essa teoria funciona com a criança surda? Justifique. ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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2- Se você tiver que conceituar jogos e brincadeiras, como o fará? ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

3- Com que freqüência você propõe atividades curriculares utilizando jogos e brincadeiras? ( ) praticamente todos os dias ( ) todos os dias ( ) raramente

( ) duas ou três vezes na semana ( ) depende do comportamento da turma

( ) não são atividades de sala de aula ( ) outros ____________________________

4- Você respondeu na questão anterior sobre a frequência com que você propõe atividades curriculares, utilizando jogos e brincadeiras. Se a escola, os pais, os professores, você e os seus alunos tivessem que avaliar essa freqüência, como ela seria para: Escola ( ) excessiva ( ) satisfatória ( ) insuficiente Pais ( ) excessiva ( ) satisfatória ( ) insuficiente Professores ( ) excessiva ( ) satisfatória ( ) insuficiente Você ( ) excessiva ( ) satisfatória ( ) insuficiente Alunos ( ) excessiva ( ) satisfatória ( ) insuficiente

5- É possível estabelecer relação entre jogos e brincadeiras e desenvolvimento do currículo? Justifique. _________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

6- Existe o “dia da brincadeira” na sua turma? Comente sua resposta.

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

7- A maioria dos jogos (fabricados ou não) é pensado para crianças ouvintes. Caso você

precise trabalhar com um desses jogos, mas, na hora de utilizá-lo, perceba que este não é

adequado para criança surda, o que você faz?

______________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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BLOCO 5: Letramento 1 O que você entende por letramento? Marque as opções que lhe ajudariam a formular este conceito. ( ) ler e a escrever palavras isoladas ( ) saber fazer uso de leituras e escritas ( ) mediação e interação ( ) decodificar signos ( ) memorização das letras, silabas e palavras ( ) suscitar o gosto pela escrita ( ) ensinar as crianças a desenhar letras e construir palavras ( ) expor às crianças a diversidade textual ( ) formular idéias e hipóteses sobre o texto escrito ( ) aprendizagem da escrita de forma mecânica ( ) vivenciar situações interessantes e significativas sobre a escrita ( ) perceber a função comunicativa do texto ( ) descontextualizada da realidade da criança ( ) construir significados relevantes para todas as suas leituras. 2- A criança surda em idade pré-escolar normalmente apresenta um déficit linguístico em relação à criança ouvinte nesse mesmo período. Sabemos que a dificuldade apresentada por esta criança para expor suas idéias e pensamentos está ligada a esse déficit linguístico, que, a priori, restringe, mas não a impede de chegar à escola com suposições e algum conhecimento prévio a respeito da leitura e da escrita. Nesta situação especificamente, você acredita que a dificuldade linguística é a principal responsável pelo baixo nível de suposições que a criança surda faz a respeito da leitura e da escrita? Comente sua resposta. _______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 3- É possível perceber em atividades de desenho, pintura, modelagem e outras, os alunos fazendo suposições a respeito da linguagem escrita? Em caso positivo, descreva uma situação que lhe chamou atenção a respeito dessa prática. _______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 4- É comum na sua rotina atividades de produção textual? Justifique sua resposta. ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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5- Qual seria o papel do professor no processo de descoberta da criança surda sobre a função social da leitura e da escrita? _________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ BLOCO 6: Leitura e Escrita/Jogos e Brincadeiras 1- Responda esta questão partindo da seguinte proposta: (1) todos os dias, (2) duas ou três vezes na semana, (3) uma vez por semana, (4) raramente e (5) nunca Com que frequência as atividades de leitura e escrita são propostas no seu planejamento? ( ) Com que frequência as atividades de leitura e escrita são propostas a partir de um jogo ou uma brincadeira? ( ) Com que frequência as atividades de leitura e escrita são propostas como trabalho “para casa”? ( ) Com que frequência as atividades de leitura e escrita são propostas como trabalho “para casa” usando, com recurso para o desenvolvimento da mesma, uma atividade de jogo ou brincadeira? ( ) 2- O que vem à mente quando você pensa em jogos e brincadeiras, leitura e escrita? É possível reunir esses conceitos na sala de aula? __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 3- Você consegue perceber alguma restrição por parte da escola, dos pais, dos professores em relação aos jogos e às brincadeiras nas atividades de leitura e escrita? Resuma com uma palavra o que você acha que cada um diria a respeito dessa proposta. Escola ( ) sim ( ) não _________________________ Pais ( ) sim ( ) não _________________________ Professores ( ) sim ( ) não _________________________ 4- Existe diferença entre o professor que permite e o que suscita os jogos e brincadeiras para desenvolver atividades de letramento? _________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 5- E você, como se enquadraria nessa classificação? Como um professor que: ( ) permite ( ) suscita ( ) permite e suscita ( ) outras_______________

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6- Ao entrar na educação infantil, as crianças surdas se deparam com variadas situações de comunicação que necessitam da mediação da leitura e da escrita. Os jogos e as brincadeiras são, por excelência, o meio mais fácil para a construção desses conhecimentos.

Se você tivesse que dar uma nota de 1 a 5, sendo 1 insuficiente e 5 excelente, sobre o nível de clareza que você tem em relação à função dos jogos e das brincadeiras no processo de construção do conhecimento da criança surda, que nota você se daria?

( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) 4 ( ) 5

Usando o mesmo critério, sendo 1 não disponível e 5 totalmente disponível, que nota você daria para o nível de disponibilidade que você teria para refletir sobre sua prática, a partir dos resultados deste estudo?

( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) 4 ( ) 5

Se a orientadora pedagógica lhe apresentasse uma proposta de estudo sobre Jogos e Brincadeiras, que nota você atribuiria ao seu interesse nesse assunto. Lembrando que 1 não vai acrescentar em nada e 5 será muito interessante:

( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) 4 ( ) 5

7- O déficit linguístico, normalmente apresentado pelas crianças surdas na faixa etária da pré-escola, interfere nas atividades de jogos e brincadeira? E de leitura e escrita? Justifique sua resposta

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ Rio de Janeiro:_________________________________________________________

_____________________ ¹ MEYER, Ivanise Corrêa Rezende. Brincar & Viver: Projetos em educação infantil. Rio de Janeiro: Wak, 2003.

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