1
10 | ESPECIAL | SALVADOR, DOMINGO, 10/12/2006 EXPLORAÇÃO SEXUAL INFANTO-JUVENIL Stanley: encontrado com uma menina deitada, sem blusa, em seu carro EDITORIA DE ARTE A TARDE Porto Seguro Santa Cruz Cabrália Itabela Itamaraju Guaratinga BAHIA Salvador N ONDE FICA O C E A N O A T L Â N T I C O “Existe a imagem de mulher fácil” QUEM É Coordenadora da pesquisa Comunicação e Turismo , feita em 2002, que analisa como a publicidade e a propaganda trabalham a construção da imagem do turismo da Bahia. É doutora em letras e especialista em análise do discurso publicitário. Professora da Universidade Católica do Salvador (Ucsal) e da Faculdade de Turismo da Bahia (Factur). A TARDE | De onde parte o incentivo ao turismo sexual? SC | Da comunicação. Mapeamos 600 propagandas de revistas, folders e cartazes destinados ao turismo. Selecionamos 60 para estudo e descobrimos que a imagem da mulher é constantemente colocada em primeiro plano nas propagandas. Acontece que, na publicidade, se coloca sempre em primeiro plano o produto à venda, aquele que desejamos seduzir o leitor a consumir. Ora, que consumidor se espera ter com esse tipo de anúncio? AT | De quem é a responsabilidade ? SC | Não acredito que seja culpa do governo. A responsabilidade é dos comunicadores e turismólogos quando deixam passar esse tipo de propaganda. Não adianta o poder público estimular campanhas contra o turismo sexual quando não há colaboração de quem atua na área. Os publicitários têm de ser mais cautelosos. No Sul, na região do cacau, o turismo é vendido em algumas publicações com charges de homens olhando a bunda de uma mulher que representa a figura da Gabriela (personagem de Jorge Amado). AT | Qual seria a solução para este problema? SC | Conscientização de quem trabalha com publicidade, propaganda e turismo. Além disso, falta uma fiscalização, mas na publicidade é difícil por não haver regulamentação ética e de responsabilidade social pelas conseqüências que essas propagandas trazem para a sociedade. AT | Pior ainda quando as vítimas são crianças e adolescentes? SC | Pois é. E essa exploração acontece com meninas e meninos também. Está sendo construída a imagem de que na Bahia a mulher é fácil e que, por causa do calor, todos se vestem com pouca roupa. Nada disso! Na Europa, por exemplo, há praias de nudismo e não se pensa assim. Na verdade, essas pessoas se submetem a isso porque passam fome. Em Maceió, presenciei duas meninas de 14 anos que se ofereceram por R$ 15. Já em São Paulo, na frente de teatros, meninas um pouco mais velhas pedem R$ 500, por hora. Ou seja, a coisa acontece de forma diferenciada, mas existe em todo o País. ENTREVISTA SÔNIA CALDAS TURISMO SEXUAL Em dez anos, apenas quatro visitantes de fora do País foram julgados por exploração sexual em Salvador; em cidades turísticas, como Porto Seguro, o delito ocorre explicitamente nas ruas Justiça condena dois estrangeiros pelo crime ARQUIVO DERCA Mário: sexo oral em troca de drogas e dinheiro Luigi foi absolvido pela Justiça por falta de provas * Um argumento utilizado na defesa de acusados é a falta da presunção de violência. Quando a vítima explorada sexualmente tem entre 14 e 18 anos de idade, a legislação prevê que o adolescente tem domínio sobre o corpo. Se o crime sexual acontecer com vítima de idade inferior a 14 anos, o Código Penal encara o criminoso como alguém que usou de violência contra alguém incapaz de dominar desejos e emoções. Mas a legislação internacional é diferente. Na Califórnia, por exemplo, a presunção de violência é válida para todos os menores de 18 anos. Lawrence Stanley é o único preso Ernst pagou R$ 20 mil por corrupção de adolescentes FERNANDO VIVAS | 23/2/2005 GERALDO ATAÍDE | 19/5/1998 Traficantes e guias são coniventes com a exploração Citado no relatório da CPMI, o advogado norte-americano Lawrence Allen Stanley, 51 anos, é o único estrangeiro condenado à prisão em regime fechado na Bahia por este crime. Mas ele se diz perseguido pela Justiça brasileira. A palavra da vítima contribuiu para condená-lo. A menina de 12 anos encontrada no carro do norte-americano afirmou à Justiça que tinha saído com ele em troca de um “presente de Dia das Crianças”. Testemunhas confirmaram os fatos. “Nestes crimes, os depoimentos da vítima são muito valorizados”, diz o advogado do Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do FERNANDO AMORIM EDER LUIS SANTANA E KATHERINE FUNKE [email protected] e [email protected] Cena típica do verão em Salvador: estrangeiro passeia com duas me- ninas dentro do Shopping Barra. O turista compra presentes para as garotas. Mas, dessa vez, uma ven- dedora desconfia e chama a Polícia Militar. Graças à denúncia, é preso o alemão Ernst Dorzok, 42 anos. Fotos de meninas em poses eróti- cas são encontradas na máquina fotográfica do suspeito. Infelizmente, o exemplo da vendedora ainda não é hábito, e poucas são as pessoas com este ti- po de atitude diante do fato de es- trangeiros andarem impunes en- quanto exploram crianças e ado- lescentes. Levantamento feito por A TARDE mostra que, nos últimos dez anos, apenas quatro estrangei- ros foram julgados pelo crime de exploração sexual infanto-juvenil em Salvador. Dois foram condena- dos e somente um cumpre pena em regime fechado. Ernst foi preso em fevereiro de 2004, depois de sair do shopping e Adolescente Yves de Roussan (Cedeca), Maurício Freire. O crime ocorreu em outubro de 2002. Stanley foi detido ao ser encontrado com a menina deitada no banco de trás do seu carro, na Calçada. A criança contou ter suspendido a blusa para que o gringo se masturbasse, em troca de R$ 30 e um biquíni. No automóvel, estavam também 170 fotos sensuais de crianças e adolescentes. Quatro meses antes, Stanley foi indiciado pela Polícia Federal por promover pedofilia na internet. Pelos dois crimes, o norte-americano foi condenado à prisão por nove anos, mas aguarda julgamento dos recursos apresentados às sentenças. Entrevistado no Presídio Salvador, na Mata Escura, em novembro, Stanley jurou inocência nos dois casos. Mostrou-se irritado com as condenações e, sobre as fotografias, disse que as imagens do site eram feitas com autorização dos responsáveis pelas crianças. Já sobre a menina de 12 anos encontrada em seu carro, sustentou a tese de ter sido vítima de dois policiais interessados em extorquir dinheiro: teria apenas dado carona para uma menina desconhecida. Dois meses depois, outro homem foi preso por explorar a mesma garota. Cada turista estrangeiro paga R$ 50 para fazer sexo com Joana*, 15 anos. Desde o início deste ano a menina anda pelas ruas de Arraial d‘Ajuda, distrito de Porto Seguro, em busca dos visitantes adeptos do sexo fácil. Com a economia da região baseada no turismo, adolescentes como Joana são submetidas à exploração com a conivência e apoio de guias, taxistas, donos de hotéis e traficantes. Em Arraial, as garotas são exploradas sexualmente na Praça São Brás, em frente ao módulo da Polícia Militar. Os pontos mais cobiçado são bares e lanchonetes da Rua Broadway. A facilidade para conseguir uma delas se confirma na abordagem constante dos criminosos. O assédio aos turistas começa na balsa que liga Porto Seguro e Arraial, onde guias em busca de clientes mostram fotos de pontos turísticos. Basta o visitante perguntar como se consegue “meninas para diversão” que o interesse em divulgar as belezas naturais se transforma em atalho ao mercado do sexo. “Conheço elas. Tenho facilidade para conseguir. Digo até que você é um conhecido”, diz Rogério Dantas, há dez anos guia na região. À noite, é a vez dos traficantes. Bastaram alguns minutos sentados em uma lanchonete e a equipe de A TARDE conhece Jean Menezes, 19 anos, que se aproxima e pede cigarro. Depois diz ter facilidade para fazer contato com garotas e oferece cocaína por R$ 30, o grama. Nascido em Jequié, vive há dois anos em Arraial e fatura em cima do sexo e das drogas. “Você me dá R$ 5 e o preço da menina combina com ela”, diz, após apontar uma garota de 15 anos. IMPUNIDADE – No meio desse conjunto de ilegalidades, as meninas sem perspectivas de mudança são submetidas à exploração. “Bom é conseguir o dinheiro, mas é horrível fazer sexo sem tesão e amor”, desabafa Joana, que se mudou para Arraial após ser contratada como babá. Depois de demitida, Joana conseguiu abrigo com uma menina de 14 anos acostumada a ganhar dinheiro com turistas. A oportunidade de ser explorada veio com o dono de um mercado que ofereceu R$ 50 em compras, mais R$ 20 pelo sexo. “Ainda não me acostumei com essa vida. Quero conseguir um serviço de doméstica, mas só paro se for para ganhar mais de R$ 400 por mês”, comenta, depois de lembrar que parou de estudar, mas sonha ser jornalista. O tenente-comandante da Polícia Militar em Arraial, Heraldo Neto, admite que a exploração e o tráfico de drogas acontecem a poucos metros do módulo policial, mas alega não ter efetivo suficiente para conter a ação dos criminosos. Diante do problema, a coordenadora do Programa Sentinela na região, Maria das Graças Santos, lamenta a falta de capacitação profissional. “Isso inclui a polícia e os próprios conselhos tutelares que desconhecem os artigos do ECA”, diz, ao lembrar de equívocos comuns na cidade, à exemplo de meninas que chegaram a ser detidas, quando, na verdade, é o cliente e os cafetões que devem ser presos. (E.L.S.) *NOME FICTÍCIO começar a tirar fotos das meninas no Morro do Cristo, na Barra. As ga- rotas tinham 16 anos e conhece- ram o alemão em um restaurante. Uma delas disse à delegada Simo- ne Malaquias, plantonista da De- legacia de Repressão a Crimes con- tra Criança e Adolescente (Derca), que estava com o namorado ao co- nhecer Ernst. A delegada acredita que o su- posto namorado era o cafetão, pois mostrou ao turista fotos sensuais das garotas. “O estrangeiro comprou para as meninas sandálias, biquínis, saída de banho, protetor solar e cha- péus”, lembra a promotora de jus- tiça Eliana Bloizi. Após 16 dias na cadeia, Ernst pôde responder ao processo em li- berdade. Três meses depois, foi condenado a pagar R$ 20 mil a ins- tituições filantrópicas. A pena ain- da está sendo cumprida. PARAÍSO – As vítimas dos quatro casos são meninas pobres. Já os gringos, atraídos pelo mito do pa- raíso sexual, viajam para satisfazer seus desejos em cidades turísticas como Salvador. A força do estereótipo da Bahia como terra do sexo fácil marca a história do italiano Mário Sibilla, 49 anos, preso em flagrante em maio de 1998 por exploração se- xual de adolescentes e tráfico de drogas. Quatro meninas de 13 a 16 anos e uma mulher de 25 anos es- tavam em seu apartamento, na Barra. Disseram ganhar crack e di- nheiro em troca de sexo oral. Mário confessou a exploração sexual, mas negou que oferecesse drogas. Disse que preferia o sexo oral porque “as meninas do Brasil geralmente são doentes”. Após um mês preso, pôde responder ao pro- cesso em liberdade, mas não com- pareceu a nenhuma audiência. As adolescentes negaram os fatos na Justiça e o italiano foi absolvido por falta de provas. DESAPARECIDOS – A média de tempo entre a instauração de in- quérito e a sentença é de três anos e três meses nos crimes de explo- ração sexual infanto-juvenil regis- trados em Salvador desde 1992. Em 50% dos casos envolvendo estrangeiros, a sentença foi deferi- da em apenas três meses. Mas a ra- pidez não impediu a fuga do italia- no Luigi Rossini, 53 anos, preso em fevereiro de 2005 por ter feito um programa com uma adolescente de 17 anos na Barra. Luigi ficou um mês na cadeia até ser concedida liberdade provi- sória. Teve o passaporte retido, mas saiu do País antes de 10 de agosto com documento falso, se- gundo informações do advogado de defesa, Geraldo Brito, e da Po- lícia Federal (PF). A fuga foi facilitada por um erro da PF ao avisar o Sistema Nacional de Procurados e Impedidos. Os no- mes dos pais do italiano não foram cadastrados no sistema. Assim, um homônimo foi impedido de sair do País, mas não era o Luigi Rossini procurado na Bahia. Não havia como saber se o tu- rista havia deixado o Brasil um mês depois do período estimado para sua fuga. “A saída não consta no Sistema Nacional de Tráfego Inter- nacional porque, infelizmente, as inclusões não são imediatamente feitas, por carência de digitadores”, informa ofício da PF à Justiça. Três meses após a prisão, Luigi foi ab- solvido por falta de provas. “Você me dá R$ 5 e o preço da menina combina com ela” Jean Menezes, traficante em Arraial d‘Ajuda “Conheço elas. Tenho facilidade para conseguir. Digo que você é conhecido meu” Rogério Dantas, guia turístico

*Luigi foi absolvido pela Justiça por falta de provas - ANDI › sites › default › files › legislacao › ATCDW... · 2019-08-06 · Nada disso! Na Europa, por exemplo, há

  • Upload
    others

  • View
    0

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: *Luigi foi absolvido pela Justiça por falta de provas - ANDI › sites › default › files › legislacao › ATCDW... · 2019-08-06 · Nada disso! Na Europa, por exemplo, há

10 | ESPECIAL | SALVADOR, DOMINGO, 10/12/2006

EXPLORAÇÃO SEXUAL INFANTO-JUVENIL ❚

Stanley: encontrado com uma menina deitada, sem blusa, em seu carro

EDITORIA DE ARTE A TARDE

Porto Seguro

Santa Cruz Cabrália

Itabela

Itamaraju

Guaratinga

BAHIA

Salvador

N

ONDE FICA

OC

EA

NO

A

TL

ÂN

TI C

O

“Existe aimagem demulherf á c i l”

QUEM ÉC o o rd e n a d o r ada pesquisaComunicação eTu r i s m o , feita em2002, queanalisa como

a publicidade e a propagandatrabalham a construção da imagemdo turismo da Bahia. É doutoraem letras e especialista em análisedo discurso publicitário. Professorada Universidade Católica doSalvador (Ucsal) e da Faculdadede Turismo da Bahia (Factur).

A TARDE | De onde parte oincentivo ao turismo sexual?SC | Da comunicação.Mapeamos 600 propagandasde revistas, folders e cartazesdestinados ao turismo.Selecionamos 60 para estudo edescobrimos que a imagem damulher é constantementecolocada em primeiro planonas propagandas. Aconteceque, na publicidade, se colocasempre em primeiro plano oproduto à venda, aquele quedesejamos seduzir o leitor aconsumir. Ora, queconsumidor se espera ter comesse tipo de anúncio?

AT | De quem é aresponsabilidade ?SC | Não acredito que sejaculpa do governo. Aresponsabilidade é doscomunicadores e turismólogosquando deixam passar essetipo de propaganda. Nãoadianta o poder públicoestimular campanhas contra oturismo sexual quando não hácolaboração de quem atua naárea. Os publicitários têm deser mais cautelosos. No Sul, naregião do cacau, o turismo évendido em algumaspublicações com charges dehomens olhando a bunda deuma mulher que representa afigura da Gabriela(personagem de Jorge Amado).

AT | Qual seria a solução paraeste problema?SC | Conscientização de quemtrabalha com publicidade,propaganda e turismo. Alémdisso, falta uma fiscalização,mas na publicidade é difícil pornão haver regulamentação éticae de responsabilidade socialpelas conseqüências que essaspropagandas trazem para as o c i e d a d e.

AT | Pior ainda quando asvítimas são crianças eadolescentes?SC | Pois é. E essa exploraçãoacontece com meninas emeninos também. Está sendoconstruída a imagem de quena Bahia a mulher é fácil e que,por causa do calor, todos sevestem com pouca roupa.Nada disso! Na Europa, porexemplo, há praias de nudismoe não se pensa assim. Naverdade, essas pessoas sesubmetem a isso porquepassam fome. Em Maceió,presenciei duas meninas de 14anos que se ofereceram por R$15. Já em São Paulo, na frentede teatros, meninas um poucomais velhas pedem R$ 500, porhora. Ou seja, a coisa acontecede forma diferenciada, masexiste em todo o País.

E N T R E V I S TASÔNIA CALDAS

TURISMO SEXUAL ❚ Em dez anos, apenas quatro visitantes de fora do País foram julgados por exploraçãosexual em Salvador; em cidades turísticas, como Porto Seguro, o delito ocorre explicitamente nas ruas

Justiça condena doisestrangeiros pelo crime

ARQUIVO DERCA

Mário: sexo oral em troca de drogas e dinheiro Luigi foi absolvido pela Justiça por falta de provas

*Um argumento utilizado nadefesa de acusados é a faltada presunção de violência.Quando a vítima exploradasexualmente tem entre 14 e18 anos de idade, alegislação prevê que oadolescente tem domíniosobre o corpo. Se o crimesexual acontecer com vítimade idade inferior a 14 anos,o Código Penal encara ocriminoso como alguém queusou de violência contraalguém incapaz de dominardesejos e emoções. Mas alegislação internacional édiferente. Na Califórnia, porexemplo, a presunção deviolência é válida para todosos menores de 18 anos.

Lawrence Stanley é o único preso

Ernst pagou R$ 20 mil por corrupção de adolescentes

FERNANDO VIVAS | 23/2/2005GERALDO ATAÍDE | 19/5/1998

Traficantes e guias são coniventes com a exploração

Citado no relatório da CPMI, oadvogado norte-americanoLawrence Allen Stanley, 51 anos,é o único estrangeiro condenadoà prisão em regime fechado naBahia por este crime. Mas ele sediz perseguido pela Justiçab ra s i l e i ra .

A palavra da vítima contribuiupara condená-lo. A menina de 12anos encontrada no carro donorte-americano afirmou àJustiça que tinha saído com eleem troca de um “presente de Diadas Crianças”. Testemunhasconfirmaram os fatos.

“Nestes crimes, osdepoimentos da vítima sãomuito valorizados”, diz oadvogado do Centro de Defesados Direitos da Criança e do

FERNANDO AMORIM

EDER LUIS SANTANAE KATHERINE [email protected] e

k f u n k e @ g r u p o a t a rd e . c o m . b r

Cena típica do verão em Salvador:estrangeiro passeia com duas me-ninas dentro do Shopping Barra. Oturista compra presentes para asgarotas. Mas, dessa vez, uma ven-dedora desconfia e chama a PolíciaMilitar. Graças à denúncia, é presoo alemão Ernst Dorzok, 42 anos.Fotos de meninas em poses eróti-cas são encontradas na máquinafotográfica do suspeito.

Infelizmente, o exemplo davendedora ainda não é hábito, epoucas são as pessoas com este ti-po de atitude diante do fato de es-trangeiros andarem impunes en-quanto exploram crianças e ado-lescentes. Levantamento feito porA TARDE mostra que, nos últimosdez anos, apenas quatro estrangei-ros foram julgados pelo crime deexploração sexual infanto-juvenilem Salvador. Dois foram condena-dos e somente um cumpre penaem regime fechado.

Ernst foi preso em fevereiro de2004, depois de sair do shopping e

Adolescente Yves de Roussan(Cedeca), Maurício Freire.

O crime ocorreu em outubrode 2002. Stanley foi detido ao serencontrado com a meninadeitada no banco de trás do seucarro, na Calçada. A criançacontou ter suspendido a blusapara que o gringo semasturbasse, em troca de R$ 30e um biquíni.

No automóvel, estavamtambém 170 fotos sensuais decrianças e adolescentes. Quatromeses antes, Stanley foiindiciado pela Polícia Federalpor promover pedofilia nainternet. Pelos dois crimes, onorte-americano foi condenadoà prisão por nove anos, masaguarda julgamento dos recursos

apresentados às sentenças.Entrevistado no Presídio

Salvador, na Mata Escura, emnovembro, Stanley jurouinocência nos dois casos.Mostrou-se irritado com ascondenações e, sobre asfotografias, disse que as imagensdo site eram feitas comautorização dos responsáveispelas crianças.

Já sobre a menina de 12 anosencontrada em seu carro,sustentou a tese de ter sidovítima de dois policiaisinteressados em extorquirdinheiro: teria apenas dadocarona para uma meninadesconhecida. Dois mesesdepois, outro homem foi presopor explorar a mesma garota.

Cada turista estrangeiro paga R$50 para fazer sexo com Joana*,15 anos. Desde o início deste anoa menina anda pelas ruas deArraial d‘Ajuda, distrito de PortoSeguro, em busca dos visitantesadeptos do sexo fácil. Com aeconomia da região baseada noturismo, adolescentes comoJoana são submetidas àexploração com a conivência eapoio de guias, taxistas, donosde hotéis e traficantes.

Em Arraial, as garotas sãoexploradas sexualmente na PraçaSão Brás, em frente ao móduloda Polícia Militar. Os pontosmais cobiçado são bares elanchonetes da Rua Broadway. Afacilidade para conseguir umadelas se confirma na abordagemconstante dos criminosos.

O assédio aos turistas começana balsa que liga Porto Seguro e

Arraial, onde guias em busca declientes mostram fotos de pontosturísticos. Basta o visitanteperguntar como se consegue“meninas para diversão” que ointeresse em divulgar as belezasnaturais se transforma em atalhoao mercado do sexo. “Conheço

elas. Tenho facilidade paraconseguir. Digo até que você éum conhecido”, diz RogérioDantas, há dez anos guia nare g i ã o.

À noite, é a vez dostraficantes. Bastaram algunsminutos sentados em umalanchonete e a equipe deA TARDE conhece Jean Menezes,19 anos, que se aproxima e pedecigarro. Depois diz ter facilidadepara fazer contato com garotas eoferece cocaína por R$ 30, ograma. Nascido em Jequié, vivehá dois anos em Arraial e faturaem cima do sexo e das drogas.“Você me dá R$ 5 e o preço damenina combina com ela”,diz, após apontar uma garotade 15 anos.

IMPUNIDADE – No meio desseconjunto de ilegalidades, as

meninas sem perspectivas demudança são submetidas àexploração. “Bom é conseguir odinheiro, mas é horrível fazersexo sem tesão e amor”,desabafa Joana, que se mudoupara Arraial após ser contratadacomo babá.

Depois de demitida, Joanaconseguiu abrigo com umamenina de 14 anos acostumadaa ganhar dinheiro com turistas. Aoportunidade de ser exploradaveio com o dono de um mercadoque ofereceu R$ 50 em compras,mais R$ 20 pelo sexo.

“Ainda não me acostumeicom essa vida. Quero conseguirum serviço de doméstica, mas sóparo se for para ganhar mais deR$ 400 por mês”, comenta,depois de lembrar que parou deestudar, mas sonha ser jornalista.

O tenente-comandante da

Polícia Militar em Arraial,Heraldo Neto, admite que aexploração e o tráfico de drogasacontecem a poucos metros domódulo policial, mas alega nãoter efetivo suficiente para contera ação dos criminosos.

Diante do problema, acoordenadora do ProgramaSentinela na região, Maria dasGraças Santos, lamenta a falta decapacitação profissional.

“Isso inclui a polícia e ospróprios conselhos tutelares quedesconhecem os artigos doECA”, diz, ao lembrar deequívocos comuns na cidade, àexemplo de meninas quechegaram a ser detidas, quando,na verdade, é o cliente e oscafetões que devem ser presos.(E .L.S.)

*NOME FICTÍCIO

começar a tirar fotos das meninasno Morro do Cristo, na Barra. As ga-rotas tinham 16 anos e conhece-ram o alemão em um restaurante.Uma delas disse à delegada Simo-ne Malaquias, plantonista da De-legacia de Repressão a Crimes con-tra Criança e Adolescente (Derca),que estava com o namorado ao co-nhecer Ernst.

A delegada acredita que o su-posto namorado era o cafetão, poismostrou ao turista fotos sensuaisdas garotas.

“O estrangeiro comprou para asmeninas sandálias, biquínis, saídade banho, protetor solar e cha-péus”, lembra a promotora de jus-tiça Eliana Bloizi.

Após 16 dias na cadeia, Ernstpôde responder ao processo em li-berdade. Três meses depois, foicondenado a pagar R$ 20 mil a ins-tituições filantrópicas. A pena ain-da está sendo cumprida.

PARAÍSO – As vítimas dos quatrocasos são meninas pobres. Já osgringos, atraídos pelo mito do pa-raíso sexual, viajam para satisfazerseus desejos em cidades turísticascomo Salvador.

A força do estereótipo da Bahiacomo terra do sexo fácil marca ahistória do italiano Mário Sibilla,49 anos, preso em flagrante emmaio de 1998 por exploração se-xual de adolescentes e tráfico dedrogas. Quatro meninas de 13 a 16anos e uma mulher de 25 anos es-tavam em seu apartamento, naBarra. Disseram ganhar crack e di-nheiro em troca de sexo oral.

Mário confessou a exploraçãosexual, mas negou que oferecessedrogas. Disse que preferia o sexooral porque “as meninas do Brasilgeralmente são doentes”. Após ummês preso, pôde responder ao pro-cesso em liberdade, mas não com-pareceu a nenhuma audiência. Asadolescentes negaram os fatos naJustiça e o italiano foi absolvidopor falta de provas.

DESAPARECIDOS – A média detempo entre a instauração de in-quérito e a sentença é de três anose três meses nos crimes de explo-ração sexual infanto-juvenil regis-trados em Salvador desde 1992.

Em 50% dos casos envolvendoestrangeiros, a sentença foi deferi-da em apenas três meses. Mas a ra-

pidez não impediu a fuga do italia-no Luigi Rossini, 53 anos, preso emfevereiro de 2005 por ter feito umprograma com uma adolescentede 17 anos na Barra.

Luigi ficou um mês na cadeiaaté ser concedida liberdade provi-sória. Teve o passaporte retido,mas saiu do País antes de 10 deagosto com documento falso, se-gundo informações do advogadode defesa, Geraldo Brito, e da Po-lícia Federal (PF).

A fuga foi facilitada por um erroda PF ao avisar o Sistema Nacionalde Procurados e Impedidos. Os no-mes dos pais do italiano não foramcadastrados no sistema. Assim,um homônimo foi impedido desair do País, mas não era o LuigiRossini procurado na Bahia.

Não havia como saber se o tu-rista havia deixado o Brasil um mêsdepois do período estimado parasua fuga. “A saída não consta noSistema Nacional de Tráfego Inter-nacional porque, infelizmente, asinclusões não são imediatamentefeitas, por carência de digitadores”,informa ofício da PF à Justiça. Trêsmeses após a prisão, Luigi foi ab-solvido por falta de provas.

❛“Você me dá R$ 5 eo preço da meninacombina com ela”Jean Menezes, traficante emArraial d‘Ajuda ❚

“Conheço elas.Tenho facilidadepara conseguir.Digo quevocê é conhecidomeu”Rogério Dantas, guia turístico ❚