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10 | ESPECIAL | SALVADOR, DOMINGO, 10/12/2006

EXPLORAÇÃO SEXUAL INFANTO-JUVENIL ❚

Stanley: encontrado com uma menina deitada, sem blusa, em seu carro

EDITORIA DE ARTE A TARDE

Porto Seguro

Santa Cruz Cabrália

Itabela

Itamaraju

Guaratinga

BAHIA

Salvador

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“Existe aimagem demulherf á c i l”

QUEM ÉC o o rd e n a d o r ada pesquisaComunicação eTu r i s m o , feita em2002, queanalisa como

a publicidade e a propagandatrabalham a construção da imagemdo turismo da Bahia. É doutoraem letras e especialista em análisedo discurso publicitário. Professorada Universidade Católica doSalvador (Ucsal) e da Faculdadede Turismo da Bahia (Factur).

A TARDE | De onde parte oincentivo ao turismo sexual?SC | Da comunicação.Mapeamos 600 propagandasde revistas, folders e cartazesdestinados ao turismo.Selecionamos 60 para estudo edescobrimos que a imagem damulher é constantementecolocada em primeiro planonas propagandas. Aconteceque, na publicidade, se colocasempre em primeiro plano oproduto à venda, aquele quedesejamos seduzir o leitor aconsumir. Ora, queconsumidor se espera ter comesse tipo de anúncio?

AT | De quem é aresponsabilidade ?SC | Não acredito que sejaculpa do governo. Aresponsabilidade é doscomunicadores e turismólogosquando deixam passar essetipo de propaganda. Nãoadianta o poder públicoestimular campanhas contra oturismo sexual quando não hácolaboração de quem atua naárea. Os publicitários têm deser mais cautelosos. No Sul, naregião do cacau, o turismo évendido em algumaspublicações com charges dehomens olhando a bunda deuma mulher que representa afigura da Gabriela(personagem de Jorge Amado).

AT | Qual seria a solução paraeste problema?SC | Conscientização de quemtrabalha com publicidade,propaganda e turismo. Alémdisso, falta uma fiscalização,mas na publicidade é difícil pornão haver regulamentação éticae de responsabilidade socialpelas conseqüências que essaspropagandas trazem para as o c i e d a d e.

AT | Pior ainda quando asvítimas são crianças eadolescentes?SC | Pois é. E essa exploraçãoacontece com meninas emeninos também. Está sendoconstruída a imagem de quena Bahia a mulher é fácil e que,por causa do calor, todos sevestem com pouca roupa.Nada disso! Na Europa, porexemplo, há praias de nudismoe não se pensa assim. Naverdade, essas pessoas sesubmetem a isso porquepassam fome. Em Maceió,presenciei duas meninas de 14anos que se ofereceram por R$15. Já em São Paulo, na frentede teatros, meninas um poucomais velhas pedem R$ 500, porhora. Ou seja, a coisa acontecede forma diferenciada, masexiste em todo o País.

E N T R E V I S TASÔNIA CALDAS

TURISMO SEXUAL ❚ Em dez anos, apenas quatro visitantes de fora do País foram julgados por exploraçãosexual em Salvador; em cidades turísticas, como Porto Seguro, o delito ocorre explicitamente nas ruas

Justiça condena doisestrangeiros pelo crime

ARQUIVO DERCA

Mário: sexo oral em troca de drogas e dinheiro Luigi foi absolvido pela Justiça por falta de provas

*Um argumento utilizado nadefesa de acusados é a faltada presunção de violência.Quando a vítima exploradasexualmente tem entre 14 e18 anos de idade, alegislação prevê que oadolescente tem domíniosobre o corpo. Se o crimesexual acontecer com vítimade idade inferior a 14 anos,o Código Penal encara ocriminoso como alguém queusou de violência contraalguém incapaz de dominardesejos e emoções. Mas alegislação internacional édiferente. Na Califórnia, porexemplo, a presunção deviolência é válida para todosos menores de 18 anos.

Lawrence Stanley é o único preso

Ernst pagou R$ 20 mil por corrupção de adolescentes

FERNANDO VIVAS | 23/2/2005GERALDO ATAÍDE | 19/5/1998

Traficantes e guias são coniventes com a exploração

Citado no relatório da CPMI, oadvogado norte-americanoLawrence Allen Stanley, 51 anos,é o único estrangeiro condenadoà prisão em regime fechado naBahia por este crime. Mas ele sediz perseguido pela Justiçab ra s i l e i ra .

A palavra da vítima contribuiupara condená-lo. A menina de 12anos encontrada no carro donorte-americano afirmou àJustiça que tinha saído com eleem troca de um “presente de Diadas Crianças”. Testemunhasconfirmaram os fatos.

“Nestes crimes, osdepoimentos da vítima sãomuito valorizados”, diz oadvogado do Centro de Defesados Direitos da Criança e do

FERNANDO AMORIM

EDER LUIS SANTANAE KATHERINE [email protected] e

k f u n k e @ g r u p o a t a rd e . c o m . b r

Cena típica do verão em Salvador:estrangeiro passeia com duas me-ninas dentro do Shopping Barra. Oturista compra presentes para asgarotas. Mas, dessa vez, uma ven-dedora desconfia e chama a PolíciaMilitar. Graças à denúncia, é presoo alemão Ernst Dorzok, 42 anos.Fotos de meninas em poses eróti-cas são encontradas na máquinafotográfica do suspeito.

Infelizmente, o exemplo davendedora ainda não é hábito, epoucas são as pessoas com este ti-po de atitude diante do fato de es-trangeiros andarem impunes en-quanto exploram crianças e ado-lescentes. Levantamento feito porA TARDE mostra que, nos últimosdez anos, apenas quatro estrangei-ros foram julgados pelo crime deexploração sexual infanto-juvenilem Salvador. Dois foram condena-dos e somente um cumpre penaem regime fechado.

Ernst foi preso em fevereiro de2004, depois de sair do shopping e

Adolescente Yves de Roussan(Cedeca), Maurício Freire.

O crime ocorreu em outubrode 2002. Stanley foi detido ao serencontrado com a meninadeitada no banco de trás do seucarro, na Calçada. A criançacontou ter suspendido a blusapara que o gringo semasturbasse, em troca de R$ 30e um biquíni.

No automóvel, estavamtambém 170 fotos sensuais decrianças e adolescentes. Quatromeses antes, Stanley foiindiciado pela Polícia Federalpor promover pedofilia nainternet. Pelos dois crimes, onorte-americano foi condenadoà prisão por nove anos, masaguarda julgamento dos recursos

apresentados às sentenças.Entrevistado no Presídio

Salvador, na Mata Escura, emnovembro, Stanley jurouinocência nos dois casos.Mostrou-se irritado com ascondenações e, sobre asfotografias, disse que as imagensdo site eram feitas comautorização dos responsáveispelas crianças.

Já sobre a menina de 12 anosencontrada em seu carro,sustentou a tese de ter sidovítima de dois policiaisinteressados em extorquirdinheiro: teria apenas dadocarona para uma meninadesconhecida. Dois mesesdepois, outro homem foi presopor explorar a mesma garota.

Cada turista estrangeiro paga R$50 para fazer sexo com Joana*,15 anos. Desde o início deste anoa menina anda pelas ruas deArraial d‘Ajuda, distrito de PortoSeguro, em busca dos visitantesadeptos do sexo fácil. Com aeconomia da região baseada noturismo, adolescentes comoJoana são submetidas àexploração com a conivência eapoio de guias, taxistas, donosde hotéis e traficantes.

Em Arraial, as garotas sãoexploradas sexualmente na PraçaSão Brás, em frente ao móduloda Polícia Militar. Os pontosmais cobiçado são bares elanchonetes da Rua Broadway. Afacilidade para conseguir umadelas se confirma na abordagemconstante dos criminosos.

O assédio aos turistas começana balsa que liga Porto Seguro e

Arraial, onde guias em busca declientes mostram fotos de pontosturísticos. Basta o visitanteperguntar como se consegue“meninas para diversão” que ointeresse em divulgar as belezasnaturais se transforma em atalhoao mercado do sexo. “Conheço

elas. Tenho facilidade paraconseguir. Digo até que você éum conhecido”, diz RogérioDantas, há dez anos guia nare g i ã o.

À noite, é a vez dostraficantes. Bastaram algunsminutos sentados em umalanchonete e a equipe deA TARDE conhece Jean Menezes,19 anos, que se aproxima e pedecigarro. Depois diz ter facilidadepara fazer contato com garotas eoferece cocaína por R$ 30, ograma. Nascido em Jequié, vivehá dois anos em Arraial e faturaem cima do sexo e das drogas.“Você me dá R$ 5 e o preço damenina combina com ela”,diz, após apontar uma garotade 15 anos.

IMPUNIDADE – No meio desseconjunto de ilegalidades, as

meninas sem perspectivas demudança são submetidas àexploração. “Bom é conseguir odinheiro, mas é horrível fazersexo sem tesão e amor”,desabafa Joana, que se mudoupara Arraial após ser contratadacomo babá.

Depois de demitida, Joanaconseguiu abrigo com umamenina de 14 anos acostumadaa ganhar dinheiro com turistas. Aoportunidade de ser exploradaveio com o dono de um mercadoque ofereceu R$ 50 em compras,mais R$ 20 pelo sexo.

“Ainda não me acostumeicom essa vida. Quero conseguirum serviço de doméstica, mas sóparo se for para ganhar mais deR$ 400 por mês”, comenta,depois de lembrar que parou deestudar, mas sonha ser jornalista.

O tenente-comandante da

Polícia Militar em Arraial,Heraldo Neto, admite que aexploração e o tráfico de drogasacontecem a poucos metros domódulo policial, mas alega nãoter efetivo suficiente para contera ação dos criminosos.

Diante do problema, acoordenadora do ProgramaSentinela na região, Maria dasGraças Santos, lamenta a falta decapacitação profissional.

“Isso inclui a polícia e ospróprios conselhos tutelares quedesconhecem os artigos doECA”, diz, ao lembrar deequívocos comuns na cidade, àexemplo de meninas quechegaram a ser detidas, quando,na verdade, é o cliente e oscafetões que devem ser presos.(E .L.S.)

*NOME FICTÍCIO

começar a tirar fotos das meninasno Morro do Cristo, na Barra. As ga-rotas tinham 16 anos e conhece-ram o alemão em um restaurante.Uma delas disse à delegada Simo-ne Malaquias, plantonista da De-legacia de Repressão a Crimes con-tra Criança e Adolescente (Derca),que estava com o namorado ao co-nhecer Ernst.

A delegada acredita que o su-posto namorado era o cafetão, poismostrou ao turista fotos sensuaisdas garotas.

“O estrangeiro comprou para asmeninas sandálias, biquínis, saídade banho, protetor solar e cha-péus”, lembra a promotora de jus-tiça Eliana Bloizi.

Após 16 dias na cadeia, Ernstpôde responder ao processo em li-berdade. Três meses depois, foicondenado a pagar R$ 20 mil a ins-tituições filantrópicas. A pena ain-da está sendo cumprida.

PARAÍSO – As vítimas dos quatrocasos são meninas pobres. Já osgringos, atraídos pelo mito do pa-raíso sexual, viajam para satisfazerseus desejos em cidades turísticascomo Salvador.

A força do estereótipo da Bahiacomo terra do sexo fácil marca ahistória do italiano Mário Sibilla,49 anos, preso em flagrante emmaio de 1998 por exploração se-xual de adolescentes e tráfico dedrogas. Quatro meninas de 13 a 16anos e uma mulher de 25 anos es-tavam em seu apartamento, naBarra. Disseram ganhar crack e di-nheiro em troca de sexo oral.

Mário confessou a exploraçãosexual, mas negou que oferecessedrogas. Disse que preferia o sexooral porque “as meninas do Brasilgeralmente são doentes”. Após ummês preso, pôde responder ao pro-cesso em liberdade, mas não com-pareceu a nenhuma audiência. Asadolescentes negaram os fatos naJustiça e o italiano foi absolvidopor falta de provas.

DESAPARECIDOS – A média detempo entre a instauração de in-quérito e a sentença é de três anose três meses nos crimes de explo-ração sexual infanto-juvenil regis-trados em Salvador desde 1992.

Em 50% dos casos envolvendoestrangeiros, a sentença foi deferi-da em apenas três meses. Mas a ra-

pidez não impediu a fuga do italia-no Luigi Rossini, 53 anos, preso emfevereiro de 2005 por ter feito umprograma com uma adolescentede 17 anos na Barra.

Luigi ficou um mês na cadeiaaté ser concedida liberdade provi-sória. Teve o passaporte retido,mas saiu do País antes de 10 deagosto com documento falso, se-gundo informações do advogadode defesa, Geraldo Brito, e da Po-lícia Federal (PF).

A fuga foi facilitada por um erroda PF ao avisar o Sistema Nacionalde Procurados e Impedidos. Os no-mes dos pais do italiano não foramcadastrados no sistema. Assim,um homônimo foi impedido desair do País, mas não era o LuigiRossini procurado na Bahia.

Não havia como saber se o tu-rista havia deixado o Brasil um mêsdepois do período estimado parasua fuga. “A saída não consta noSistema Nacional de Tráfego Inter-nacional porque, infelizmente, asinclusões não são imediatamentefeitas, por carência de digitadores”,informa ofício da PF à Justiça. Trêsmeses após a prisão, Luigi foi ab-solvido por falta de provas.

❛“Você me dá R$ 5 eo preço da meninacombina com ela”Jean Menezes, traficante emArraial d‘Ajuda ❚

“Conheço elas.Tenho facilidadepara conseguir.Digo quevocê é conhecidomeu”Rogério Dantas, guia turístico ❚