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1 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA A POSSIBILIDADE DA INCLUSÃO DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA NOS CONTRATOS DAS SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob orientação da Professora MSc.Joseane Aparecida Corrêa. LUÍS FABIANO DE ARAUJO GIANNINI São José (SC), junho de 2004

Luiz Fabiano de Araújo Giannini - Univalisiaibib01.univali.br/pdf/Luiz Giannini .pdf · 2006. 2. 20. · Dedico esta monografia: À Deus pelo que já consegui em minha vida; Aos

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA

A POSSIBILIDADE DA INCLUSÃO DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA NOS

CONTRATOS DAS SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA

Monografia apresentada como requisito parcial

para obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob

orientação da Professora MSc.Joseane Aparecida

Corrêa.

LUÍS FABIANO DE ARAUJO GIANNINI

São José (SC), junho de 2004

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA A POSSIBILIDADE DA INCLUSÃO DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA NOS

CONTRATOS DAS SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA

LUÍS FABIANO DE ARAUJO GIANNINI

A presente monografia foi aprovada como requisito para a obtenção do grau de bacharel em

Direito no curso de Direito na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI / São José – CES

VII.

São José, 21 de junho de 2004.

Banca Examinadora:

_______________________________________________________ Professora. MSc Joseane Aparecida Corrêa - Orientadora

_______________________________________________________ Prof. - Membro

_______________________________________________________ Prof. - Membro

3

DEDICATÓRIA

Dedico esta monografia:

À Deus pelo que já consegui em minha vida; Aos meus avós Renato e Nilda, que sempre acreditaram e me apoiaram para que eu ultrapassa-se mais esta etapa da vida;

E aos meus pais pela enorme dedicação e apoio dado nos momentos de angústia e medo, sempre acolhendo e apoiando

minhas decisões, torcendo para que atingisse o sucesso.

4

AGRADECIMENTOS

Agradeço a professora Joseane pelo grande esforço realizado como

orientadora desta monografia, indicando e mostrando as diretrizes a serem seguidas.

Aos meus tios e pais, Fausto e Iracema, que durante tantos anos de minha

vida e durante o início da minha vida universitária me acolheram em sua casa com muito

zelo e amor.

Aos meus irmãos. A minha avó, Guiomar, pela enorme dedicação que tem

comigo.

Aos colegas do Tribunal de Mediação e Arbitragem de São José, pela

confiança e incentivo depositados nos últimos dois anos. A Maria Letícia que de forma

preciosa colaborou com este estudo.

Aos meus amigos que souberam respeitar e entender o tempo que estive

afastado ajudando desta maneira com que eu concluísse com tranqüilidade este estudo.

5

“É mais fácil desintegrar um átomo do que destruir um preconceito”.

Albert Einstein

6

RESUMO

Esta monografia tem o objetivo de analisar a possibilidade da inclusão da

cláusula compromissória arbitral nos contratos administrativos envolvendo as sociedades

de economia mista. Para desenvolver este trabalho, no primeiro capítulo procurou-se definir

o conceito de arbitragem e da cláusula compromissória. Em ato contínuo, desenvolveu-se a

natureza jurídica da arbitragem e a constitucionalidade da Lei nº 9.307/96. Verificou-se a

relação entre a arbitragem e o acesso à Justiça e por fim uma breve análise histórica

internacional e nacional da arbitragem. No segundo capítulo, foi abordado o contrato

administrativo e suas características principais. Em seguida definiu-se as sociedades de

economia mista e seus aspectos legais. No terceiro e último capítulo foram apontados

pontos favoráveis e contrários a utilização da via arbitral pelas sociedades de economia

mista. Após realizou-se uma análise legal da relação entre a cláusula compromissória e as

sociedades de economia mista e os aspectos sociais que inflem nestas empresas. Abordou-

se a situação internacional do instituto jurídico e os projetos de leis que tramitam no

Congresso Nacional relacionados com o tema. Demonstrou-se através de decisões judiciais

e doutrinas que é possível a inclusão da cláusula compromissória nos contratos das

sociedades de economia mista, quando o litígio tratar apenas de bens patrimoniais

disponíveis, ou seja, não cabe a cláusula compromissória nos casos em que o litígio tratar

de atos decisórios da Administração.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ART. Artigo

CC Código Civil

CF Constituição Federal

CPC Código de Processo Civil

Nº Número

SEM Sociedade de economia mista

STF Supremo Tribunal Federal

TCU Tribunal de Contas da União

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SUMÁRIO

RESUMO LISTA DE ABREVIATURAS INTRODUÇÃO 10 1 NOÇÕES FUNDAMENTAIS SOBRE ARBITRAGEM 12 1.1 CONCEITO DE ARBITRAGEM 12 1.2 ALGUNS ASPECTOS DA ORIGEM DA ARBITRAGEM 12 1.2.1 Contexto histórico universal 12 1.2.2 A arbitragem no Brasil 16 1.3 NOÇÕES FUNDAMENTAIS DA ARBITRAGEM 17 1.3.1 A convenção da arbitragem: cláusula compromissória e compromisso arbitral 17 1.3.1.1 Diferenças entre cláusula compromissória e compromisso arbitral 19 1.3.2 A natureza jurídica das sentenças arbitrais 20 1.4 ASPECTOS CONTROVERTIDOS QUANTO À ARBITRAGEM 21 1.4.1 Natureza jurídica da arbitragem 21 1.4.2 A arbitragem e o acesso à justiça 25 2 OS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS REALIZADOS PELAS SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA 27 2.1 NATUREZA JURÍDICA DAS SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA 27 2.2 OS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS E AS EMPRESAS PÚBLICAS 29 2.3 AS CARACTERISTICAS DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS 31 2.3.1 Supremacia da Administração Pública 31 2.3.2 Finalidade pública 32 2.3.3 Obediência à forma prescrita em lei. 32 2.3.4 Procedimento legal 33 2.3.5 Natureza jurídica de contrato de adesão 33 2.3.6 Natureza intuitu personae 34 2.3.7 Presença de cláusulas exorbitantes 35 2.3.8 Mutabilidade 39 3 A CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS DAS SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA 43 3.1 PREVISÃO LEGISLATIVA 43 3.2 PONTOS FAVORÁVEIS E DESFAVORÁVEIS À INSERÇÃO DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA 46 3.2.1 Indisponibilidade do interesse público 46 3.2.2 Disponibilidade dos bens patrimoniais das sociedades de economia mista 48 3.2.3 Necessidade de reexame necessário 50 3.2.4 Publicidade das decisões arbitrais 51 3.2.5 Foro privilegiado 51 3.3 ASPECTOS SOCIAIS QUE INFLUEM NAS ATIVIDADES DAS SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA 52

9

3.4 ALGUNS EXEMPLOS DA LEGISLAÇÃO ESTRANGEIRA 53 3.5 DECISÕES JUDICIAIS QUE ENVOLVEM À ARBITRAGEM 54 3.5 ESTÁGIO ATUAL DAS DISCUSSÕES LEGISLATIVAS SOBRE O TEMA 57 CONCLUSÃO 59 REFERÊNCIAS 60

10

INTRODUÇÃO

Esta monografia tem como tema a possibilidade da inclusão da cláusula

compromissória arbitral nos contratos administrativos realizados pelas sociedades de

economia mista.

Para tanto procurar-se-á descrever os fundamentos teóricos-jurídicos que

regem o direito arbitral, especialmente, a cláusula compromissória e sua repercussão nas

relações comerciais das sociedades de economia mista, no âmbito interno e externo.

Este trabalho objetivará demonstrar que as sociedades de economia mista poderão utilizar-

se da via arbitral para resolver as controvérsias contratuais que versem sobre questões

administrativas, quando o objeto contratual envolver bens patrimoniais disponíveis, sendo

necessário para este fim à inclusão da cláusula compromissória.

Esta pesquisa foi motivada pela insegurança jurídica que ainda cerca o

instituto da arbitragem, especialmente, quando em um dos pólos da relação jurídica se

encontra uma sociedade de economia mista.

Para alcançar os objetivos desta pesquisa, será adotado o método indutivo.

Separando-se e analisando-se cada aspecto atinente ao tema, estabelecendo as relações

fundamentais, com vistas ao maior grau de compreensão possível sobre a matéria.

Para tal mister utilizar-se-ão de fontes doutrinárias, judiciais e

administrativas, selecionadas em documentos materiais e eletrônicos.

O estudo será dividido em três capítulos para melhor compreensão dos

assuntos a serem tratados.

No primeiro capítulo se abordará as noções fundamentaias da arbitragem e

da cláusula compromissória e sua utilização em contratos regidos pelo direito privado, a

fim de esclarecer a importância desta cláusula e suas implicações legais. No segundo

capítulo serão descritas as características legais e doutrinárias das sociedades de economia

mista e dos contratos administrativos. No terceiro capítulo será desenvolvida a relação

entre a cláusula compromissória e as sociedades de economia mista, descrevendo-se alguns

11

entendimentos doutrinários, judiciais e administrativos sobre a aplicabilidade da primeira

aos contratos administrativos realizados pela segunda.

12

1 NOÇÕES FUNDAMENTAIS SOBRE ARBITRAGEM

1.1 CONCEITO DE ARBITRAGEM

A arbitragem é um meio alternativo de resolução de conflitos, no qual um

terceiro, escolhido pelas partes, profere uma decisão.

O árbitro escolhido pelas partes exerce o papel de juiz, antes só exercido

pelos juízes togados contratados pelo Estado.

Conforme Carmona (1998, p. 43):

A arbitragem é o meio alternativo de solução de controvérsias através da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção privada, decidindo com base nela, sem intervenção estatal, sendo a decisão destinada a assumir a mesma eficácia da sentença judicial – é colocada à disposição de quem quer que seja para solução de conflitos relativos a direitos patrimoniais acerca dos quais os litigantes possam dispor. Trata-se de mecanismo privado de solução de litígios, através do qual um terceiro, escolhido pelos litigantes, impõe sua decisão, que deverá ser cumprida pelas partes.

No ordenamento jurídico a arbitragem é regulada pela Lei nº 9.307, de 23 de

setembro de 1996, também chamada Lei da Arbitragem ou Lei Marco Maciel.

1.2 ALGUNS ASPECTOS DA ORIGEM DA ARBITRAGEM

1.2.1 Contexto histórico universal

A Arbitragem é um dos institutos mais antigos do direito. As comunidades

primitivas utilizavam esse recurso para dirimir seus conflitos, pois ainda não existia a

presença do Estado como mantenedor da ordem.

A população destas comunidades primitivas escolhiam pessoas que tinham

um conceito elevado perante o grupo, normalmente as pessoas mais velhas, que resolviam a

lide utilizando as normas de convivência do grupo para decidir e dar fim ao conflito.

Segundo Fiúza (1995, p. 63):

13

As origens da arbitragem, enquanto meio de composição de litígios, são bem anteriores à jurisdição pública. Em certo momento, as partes litigantes houveram por bem eleger terceiro que os pacificasse, terceiro este não investido dessa função pelo Poder Público.

Mesmo com o surgimento de impérios e grandes sociedades organizadas a

arbitragem sempre foi utilizada como método de resolução de conflitos. Na Grécia a

arbitragem era muito utilizada entre os povos ainda no processo de transição entre as tribos

autônomas e a sociedade grega. Continuando a ser utilizada quando da formação do

Império grego.

Segundo Teixeira e Andreatta (1997, p. 37):

Antigos tratados de paz, de uma importância vital para a economia e o comércio da época porque envolviam o que se pode chamar de esboço de um direito internacional, continham cláusulas compromissórias. Em 445 a C. o tratado de Nícias que objetivava findar um estado de beligerâncias entre Atenas e Esparta, entre outras condições, estabelecia que os eventuais litígios entre os Lacedônios e seus aliados, com os atenienses e seus aliados deveria ser submetidos à arbitragem.

A arbitragem na Grécia era uma prática tão arraigada que os litígios

entregues a um juiz do Estado poderiam ser retirados e entregues a um árbitro e suas

sentenças seriam válidas e cumpridas.

Durante a dominação romana sobre a civilização grega os romanos

incorporaram aos seus institutos jurídicos a arbitragem, devido a sua eficiência junto ao

gregos.

No direito romano ocorreram três fases distintas de decisões judiciais, a

primeira é a legis actiones, a segunda era a per formulas e a terceira era a cognitio

extraordinária.

Na Legis actiones e a per formulas os juízes eram sempre terceiros leigos e

julgavam que sentenciavam com autorização dos magistrados.

Segundo Costa (2002, p. 40):

O período mais antigo, da legis actiones , era demasiadamente solene, restringindo a parte na busca de seus interesses às ações da lei, que eram em número de cinco (legis actio per sacramentum; legis actio per iudicis arbitrive postulationem; legis actio per condictionem; legis actio per manus iniectionem e legis actio per pignoris capionem).

14

Por ser muito formal e só poder utilizar a lei para julgar os casos da época o

árbitro começou a interceder de forma positivista e muitas vezes deixando seu livre

convencimento fora de suas decisões.

Fiúza (1995, p.68) adverte:

Devido, principalmente, ao formalismo cego, o processo das legis actiones vai sendo paulatinamente substituído pelo processo formular. Não se pode precisar data para seu surgimento, mas supõe-se que tenha começado a se delinear, mais ou menos, um século antes de Cristo, concretizando-se com as leges Iuliae, promulgadas no tempo de Augusto, em 17 a. c., ou seja, no ínicio do Alto Império que começara, há pouco, em 27 a c.. Essas leis revogaram definitivamente as antigas legis actiones.

O processo formular teve como maior inovação o poder do árbitro de decidir

através da equidade, dando assim, maior flexibilidade a suas decisões e maior justiça. Este

processo também tinha como característica a facilidade com que os árbitros conseguiam

julgar casos entre os povos dominados pelos romanos, que possuíam uma cultura

completamente diferente da romana, e portanto não se enquadravam nas leis do Império.

Fiúza (1995, p. 69) esclarece:

O processo formular foi sendo substituído pelo chamado processo extraordinário, segundo alguns, já nos fins da República de modo que, após o período clássico, mais ou menos, em meados do terceiro século depois de Cristo, já se encontrava totalmente fora de uso.

O processo extraordinário trouxe pela primeira vez em Roma somente a decisão

estatal, deixando os árbitros afastados da jurisdição. Houve a unificação das funções

jurisdicionais do Império Romano, tendo o juiz romano que impor suas decisões sobre os

povos dominados, sem o auxilio de um árbitro que conhecia os costumes e tradições do

povo local.

Segundo Fiúza (1995, p.69):

A característica básica do processo extraordinário é que se dava fora da ordem estabelecida no processo ordinário da legis actiones e do formular. Nele não havia mais as duas instâncias. O processo romano perde, então seu caráter arbitral, privado, tornando-se público, pois o próprio magistrado decidia as pendências. Nesse momento, surgem os primeiros traços de verdadeiro Poder Judiciário, com funções autônomas e especificas.

15

A arbitragem voltou a ter força e ser o meio mais eficaz de resolução de

conflitos na Idade Média, na qual as terras foram divididas em feudos e não existia um

Estado com força para impor uma decisão sobre a população. Os árbitros passaram a ser

escolhidos pelas partes, porém ainda era utilizada a base da arbitragem de Roma como

alicerce.

Segundo Teixeira e Andreatta (1997, p. 50):

Já na Idade Média com o prestígio do Império Romano e a proliferação do domínio religioso, a arbitragem parece ter chegado a seu apogeu, muito embora praticada sem as garantias de imparcialidade que antes lhe eram inerentes. Os papas tiveram papel preponderante não apenas por servirem pessoalmente de árbitros em demandas que envolviam interesses entre reinados e impérios, mas também porque outorgavam aos seus bispos e cardeais o mesmo direito. Em muitos locais a utilização da justiça arbitral era obrigatória em caso de partilha de bens, ficando os representantes da Igreja com direito de decidir sobre o destino dos patrimônios.

Conforme Teixeira e Andreatta (1997, p.50), com a imparcialidade gerada

pela corrupção envolvendo árbitros e suas sentenças começou a existir a possibilidade de

recursos ao Poder Judiciário dos Estados Europeus, que à época já eram dotados de

soberania.

A Arbitragem voltou a ser utilizada na Europa com credibilidade novamente

na Revolução Francesa, sendo colocada em discussão na Assembléia Constituinte e inserida

na Constituição Francesa de 1789. A sentença arbitral continuava a ter recursos, porém

havia a possibilidade de colocar no compromisso, cláusula proibindo tal ato.

A arbitragem voltou novamente a ser discutida no Século XX, conforme

descreve Carmona (1996, p. 44):

No século XX o interesse pela arbitragem ressurge com força e, aos poucos, o instituto volta a ocupar o prestigio de outrora, renovado e fortalecido em tratados internacionais que se multiplicam. Vê-se na Europa ocidental, em vias de unificação, clara tendência de prestigiar a arbitragem, expurgando o instituto das formas e formalidades inúteis que o estorvavam. A jurisdicionalização da arbitragem – e não sua simples processualização – é tendência inegável, que cedo ou tarde influenciará as leis dos países sul-americanos, que ainda não estão suficientemente adequadas à nova realidade social e econômica deste final de século.

A partir deste momento a arbitragem começou a ser inserida em

ordenamentos jurídicos de diversos países europeus.

16

1.2.2 A arbitragem no Brasil

Desde a colonização portuguesa a arbitragem foi utilizada como forma

alternativa de resolução dos conflitos pela população brasileira.

A Constituição de 1824 estabeleceu de forma expressa, em seu artigo 160, a

possibilidade da resolução extrajudicial de conflitos através de árbitros nomeados pelas

partes.

Segundo Santleben (1999, p. 39):

A primeira constituição brasileira de 1824 previa em seu art. 160 que divergências jurídicas civis fossem decididas por árbitros nomeados pelas partes. Apesar de não encontrar nenhuma instrução pertinente nas Constituições seguintes, a competência dos tribunais de arbitragem se mantinha incontestável.

A partir da Constituição de 1946, com o maior acesso a via judicial para

resolução de conflitos na área comercial e a obrigação da homologação das decisões

arbitrais pelos Juízes Estatais, a arbitragem foi praticamente aniquilada.

Santleben (1999, p. 39) indica:

A constituição de 1946 previa, pela primeira vez, uma garantia expressa da via judicial, também assumida pela Constituição vigente de 1988. Essa disposição representava uma reação contra as restrições impostas aos tribunais sob o governo Getúlio Vargas e não visava a arbitragem.

A arbitragem tinha espaço em nosso Código Civil de 1916 e em nosso

Código de Processo, porém isso não ajudava que na prática ocorre-se a sua utilização, pois

a sentença ou laudos arbitrais precisavam de homologação do Poder Judiciário para que

pudessem ter validade.

Costa (2002, p. 49) esclarece:

No Brasil, a arbitragem passou por momentos de total desinteresse pelos estudiosos do direito, com a conotação de instituto obsoleto, isto porque havia necessidade da homologação das decisões arbitrais pelo Poder Judiciário e a impossibilidade de execução especifica da cláusula compromissória em caso de recusa por uma das partes à submissão do juízo arbitral, por ser considerada mero pactum de compromittendo.

17

A arbitragem só voltou a ser matéria debatida em 1982 com o Projeto de Lei

de autoria do Deputado federal Helio Beltrão, que à época era Ministro Coordenador do

Programa Nacional de desburocratização. Não houve destaque na carta federal de 1988.

Após esse período muitos anteprojetos foram apresentados, mas somente em 1992 com o

projeto de Lei do Senado nº 78, de autoria do então vice-presidente e atual senador da

República Marco Maciel, a arbitragem tomou novo rumo na política judiciária brasileira.

Em 1996, quando o Senador Marco Maciel, encontrava-se ocupando o cargo

de vice-presidente, o Projeto de Lei foi apreciado pelo Congresso e transformado em Lei

nacional no dia 23 de setembro do referido ano. A lei de nº 9.307/96 ganhou o nome de Lei

da Arbitragem ou Lei Marco Maciel, e dispõe sobre as formas de utilização da via arbitral

para a resolução de conflitos, especificando quem pode se valer do instituto e todos os

procedimentos necessários para este fim.

1.3 NOÇÕES FUNDAMENTAIS DA ARBITRAGEM

1.3.1 A convenção da arbitragem: cláusula compromissória e compromisso arbitral

A arbitragem, por ser um instituto de caráter privado, é instituída através de

uma convenção, chamada de convenção de arbitragem. Esta convenção pode ocorrer

através da cláusula compromissória ou do compromisso arbitral.

A cláusula compromissória é a maneira de instituir a arbitragem antes

mesmo do litígio ocorrer, haja vista que a mesma é colocada nos contratos, determinando

que o foro de eleição seja a justiça privada.

A Lei da Arbitragem dispõe sobre a cláusula compromissória em seus

artigos 3º e 4º, a seguir transcritos:

Art 3º As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral. Art 4º A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contato.

18

A Cláusula compromissória segundo os parágrafos 1º e 2º do artigo 3º da Lei

9307/96, deve ser obrigatoriamente por escrito e pode ser inserta no próprio contrato ou em

documento apartado que a ele se refira. Sendo contrato de adesão esta cláusula deverá ser

inserida em negrito e com assinatura especial para essa cláusula.

Assim sendo, ocorrendo um litígio as partes serão obrigadas a procurar um

instituto arbitral para que possam decidir sua pendência. Esta cláusula pode ser vazia ou

cheia. A cláusula vazia é a simples determinação de que o litígio será resolvido pela

arbitragem, não indicando a instituição ou o árbitro que deverá realiza-la, o local e as

normas que serão utilizadas. A cláusula cheia é completa, sendo que quando ocorrer

qualquer divergência sobre o a execução do contrato ou sua interpretação, as partes sabem

desde o inicio quem serão os julgadores.

Da Silva descreve (2003, p.30):

Esclareça-se que a cláusula compromissória é a convenção privada, firmada no contexto de um contrato, mas dele independente, que tem por objeto próprio a diluição de quaisquer controvérsias futuras havidas na interpretação ou execução do contrato que a transporta.

O compromisso arbitral é a maneira de dar início a arbitragem após a ocorrência

da lide. As partes podem de comum acordo desejar instituir a arbitragem para resolução do

conflito mesmo sem a cláusula compromissória. O compromisso arbitral é um contrato no

qual as partes decidem quem serão os árbitros, o local e a maneira como será decidida a

lide.

Conforme Furtado (1998, p.49):

O compromisso é o veículo do juízo arbitral. É o negócio jurídico por meio do qual as partes em litígio se submetem à decisão de um ou mais árbitros, sobre suas controvérsias. É o ato pelo qual as partes em dissídio resolvem constituir o juízo arbitral, fixando-lhe o objeto, e escolhem árbitro. Por ele as partes se comprometem a acatar o decidido.

O compromisso arbitral deverá conter obrigatoriamente em seu texto os

requisitos exigidos pelo artigo 10 da Lei nº 9.307/96, ou seja, a qualificação das partes, a

qualificação dos árbitros, a matéria que será objeto da arbitragem e o lugar em que será

proferida a sentença arbitral.

Segundo Furtado (1998, p.61):

19

A falta de qualquer um desses requisitos essenciais acarreta a nulidade do compromisso. Daí a grande cautela que as partes devem ter na especificação e cumprimento desses itens, que são obrigatórios.

Após a assinatura do compromisso arbitral as partes ficam vinculadas a

aceitação da sentença proferida pelos árbitros escolhidos, tendo que acatar e cumprir as

decisões, caso não ocorra o cumprimento da decisão a parte que obtiver o direito poderá

valer-se da execução forçada, que será realizada pela Justiça comum.

1.3.1.1 Diferenças entre cláusula compromissória e compromisso arbitral

Cláusula compromissória é o meio através do qual as partes elegem a via

arbitral para resolver possíveis litígios que venham a ocorre durante a execução de seu

contrato. Compromisso arbitral é a forma de instituir a arbitragem quando já houve um

litígio, devendo as partes nesta peça deixar claro toda a problemática a ser resolvida pelo

árbitro ou instituto arbitral, bem como todos os requisitos do artigo 10 da Lei nº 9307/96 ou

seja, qualificação do árbitro e das partes e o local e data onde será proferida a questão.

Segundo Costa (2002, p. 30):

A distinção básica entre uma espécie de convenção e outra é que na cláusula compromissória, o conflito ainda não foi deflagrado, obrigando as partes, caso ocorra a desavença que instaurem o juízo arbitral que se dará necessariamente através do compromisso particular ou judicial.

Ainda, conforme Guilherme (2004):

Os arts. 852 e 853 do Código Civil de 2002, admitem o uso dessa cláusula, em que as partes, prevendo divergências futuras, remetem sua solução a árbitros por elas indicados, que serão chamados para dirimir eventuais conflitos que surgirem. Já o compromisso é um contrato em que as partes se obrigam a remeter a controvérsia surgida entre elas no julgamento de árbitros. Pressupõem, portanto, contrato perfeito e acabado, sem que as partes tenha previsto o modo pelo qual solucionarão as discórdia futuras. O compromisso é, portanto, específico para a solução de certa pendência, mediante árbitros regularmente escolhidos.

20

A cláusula compromissória, segundo o art 8º da Lei nº 9307/96, é autônoma,

portanto se o contrato em que estiver contida a cláusula for nulo a mesma continua tendo

validade, devendo ser utilizada.

Art 8º A cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato em que estiver inserta, de tal sorte que a nulidade deste não implica, necessariamente, a nulidade da cláusula compromissória.

1.3.2 A natureza jurídica das sentenças arbitrais

As sentenças arbitrais são títulos executivos judiciais, conforme artigo 584,

VI, do Código de Processo Civil e artigo 31 da Lei da arbitragem, podendo ser executadas

sem que haja a necessidade de um processo de conhecimento. Após a publicação, a

sentença arbitral não pode ser alterada, mediante recurso da parte, apenas poderá ser

anulada conforme o artigo 33 da Lei nº 9.307/96, portanto, salvo a possibilidade de

anulação as partes devem cumprir o que foi determinado pelo árbitro.

O artigo 33 da Lei 9.307/96 dispõe:

Art. 33 A parte interessada poderá pleitear ao órgão do Poder Judiciário competente a decretação da nulidade da sentença arbitral, nos casos previstos nesta Lei.

A Lei 9.307/96 descreve em seu artigo 32, quais são os casos em que a

sentença arbitral é nula.

O artigo 32 da Lei 9.307/96 descreve:

Art. 32 É nula a sentença arbitral se: I – for nulo o compromisso arbitral; II – emanou de quem não podia ser árbitro; III – não contiver os requisitos do artigo 26 desta Lei; IV – for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem; V – não decidir todo o litígio submetido à arbitragem; VI – comprovado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva; VII – proferida fora do prazo, respeitado o disposto no artigo 12, inciso III, desta Lei; e VIII – forem desrespeitados os princípios de que trata o artigo 21, parágrafo 2º, desta Lei.

21

Conforme Furtado (1998, p. 117):

A nulidade da sentença deve ser apreciada à luz do direito positivo. Diga-se, de logo, que a enumeração das causas de nulidade da decisão é taxativa, portanto não se pode ampliar as hipóteses, já que se cuida de nulidade cominada.

A sentença arbitral não precisa de homologação do Poder Judiciário como os

antigos laudos arbitrais1, pois a Lei 9.307/96 garante sua executividade. A sentença arbitral

deverá conter os requisitos descritos no artigo 26 da Lei nº 9.307/96, ou seja, tem que

conter relatório, fundamentação, dispositivo, data e local em que foi proferida a sentença.

Para Furtado (1998, p.105):

É a sentença arbitral a decisão definitiva dos árbitros sobre o conflito de interesses submetido à apreciação do juízo. Sua estrutura formal está expressamente contemplada em Lei. Trata-se de uma verdadeira sentença, tal como a proferida pelo juiz estatal. E, assim carece, como esta última, de preencher requisitos essenciais. A lei os tem como obrigatórios e impõe, mesmo, a decretação da nulidade da sentença, à falta de qualquer deles.

A sentença arbitral contendo os requisitos citados acima poderá a critério da

parte detentora do direito ser executada junto ao Poder Judiciário.

1.4 ASPECTOS CONTROVERTIDOS QUANTO À ARBITRAGEM

1.4.1 Natureza jurídica da arbitragem

A busca pela definição da natureza jurídica da arbitragem não é uma procura

só nacional, todos os países encontram a necessidade de entender como é criada a sentença

prolatada por um juiz leigo.

Existem duas correntes principais sobre a natureza jurídica da arbitragem, uma lhe

confere caráter contratual e a outra jurisdicional.

Costa (2003, p.56,) ensina que:

1 Até a publicação da Lei nº 9.307 em 23 de setembro de 1996, as decisões arbitrais eram chamadas de laudos arbitrais e não constituíam títulos executivos judiciais, necessitando para sua validade da homologação do Poder Judiciário.

22

A averiguação da natureza jurídica da arbitragem tem plena relevância em nosso sistema, pois é ela que vai definir o contorno da obrigatoriedade da sentença arbitral perante a jurisdição estatal e, ainda, delimitar o grau e intensidade de intervenção desta naquela.

A corrente doutrinária privatista ou contratual afirma que a decisão do

árbitro não tem força de sentença, pois, a decisão do mesmo só é reflexo de uma vontade

estabelecida em um contrato (COSTA, p. 56).

Carmona (1996, p. 29) revela que:

A perquirição da adequada natureza jurídica da arbitragem acirrou-se na Europa, especialmente na última década, graças às modificações operadas nos sistemas jurídicos belga, francês e italiano, dispensando-se em muitos casos a homologação do laudo arbitral, de tal forma a dar a este último os mesmos efeitos da sentença estatal.

Assinala, ainda, que os defensores desta tese defendem que:

a. Se é a manifestação de vontade que institui a arbitragem é ela tão-somente sua essência, que tem base puramente contratual; b. Se o árbitro não detém o poder de execução, logo não se vê natureza jurisdicional na sua decisão; c. Se o monopólio da jurisdição é do Estado, falta investidura ao árbitro para tal fim. (CARMONA1993, p.29-32).

A posição contratualista defende que como é pleno o intervencionismo da

jurisdição estatal, a arbitragem é de cunho contratual.

A corrente doutrinária publicista ou jurisdicional defende que a sentença

arbitral tem a mesma força da sentença estatal e por este motivo tem força jurisdicional.

Esta corrente vem ganhando muito espaço, principalmente após a Lei nº

9.307/96, que conferiu força de sentença irrecorrível aos antigos laudos arbitrais.

O conceito da arbitragem jurisdicional foi desenvolvido pelos franceses

Charles Jarrosson e Henri Motulsky (1997, p.27) que afirmavam:

A análise minuciosa a respeito do ato jurisdicional e suas conclusões apontam para uma acepção ampla de natureza jurisdicional na arbitragem.

23

Atualmente há uma tendência no Brasil de se considerar a arbitragem como

jurisdicional. Isto ocorre porque em diversos momentos da Lei nº 9.307/96, aparecem

claramente as características jurisdicionais.

Theodoro Jr. (1999, p.12) esclarece que:

O novo sistema implantado entre nós rompeu completamente com o antigo regime do Código Civil e do Código de Processo Civil, conferindo ao decisório arbitral o nomem iuris de sentença e força de coisa julgada bem como de título executivo judicial sem qualquer interferência da justiça oficial. Além disso, a Lei 9.307/96 declara, expressamente, que o árbitro, no exercício de suas funções, equipara-se aos funcionários públicos, para efeitos da legislação penal, e que, para os fins processuais, é ele juiz de fato e de direito, pelo que sua sentença não fica sujeita a recurso ou à homologação pelo Poder Judiciário.

O caráter jurisdicional da arbitragem decorre da nova força e poder do

árbitro, que aumentou muito com a criação da Lei 9.307/96.

Segundo Alvim (1999, p. 58):

Fácil é concluir que a opção do legislador foi pela atribuição do caráter publicístico ao juízo arbitral, tornando-o um completo equivalente jurisdional, por escolha das partes. Se a justificação de seu cabimento radica-se numa relação negocial privada (a convenção arbitral), o certo é que, uma vez instituído o juizo arbitral, sua natureza é tão jurisdicional como a dos órgãos integrantes do Poder Judiciário.

A constitucionalidade da lei foi questionada em sede de controle

concentrado, por meio da ADIN nº 234-1/.600 (STF, 2004a), sob o argumento de que a

arbitragem fere o princípio da ubiqüidade da justiça ou inafastabilidade da jurisdição

estatal, conforme artigo 5º, XXXV; o princípio do juiz natural, art. 5º, XXXVII; o princípio

do devido processo legal, art. 5º LIV, CF e o princípio de acesso à via recursal, art. 5º, LIV,

todos da Constituição Federal.

Esse Agravo Regimental foi proveniente de uma homologação de sentença

estrangeira oriunda da Espanha envolvendo uma empresa brasileira. Os ministros, por

maioria, confirmaram a validade da sentença arbitral como título executivo judicial. Os

pontos mais discutidos na decisão foram os artigos 6º e 7º da Lei nº 9.307/96, que dispõem

sobre a forma de se instituir a arbitragem, em face da cláusula compromissória e do

compromisso arbitral.

24

Na decisão o Ministro relator Sepúlveda Pertence, acompanhado pelo

Ministro Sidney Sanches, reconhece a constitucionalidade da arbitragem, porém, considera

inconstitucionais os dois artigos. E afirma:

A renúncia à jurisdição estatal na cláusula compromissória ainda é genérica, de objeto indefinido à garantia constitucional de acesso à jurisdição, cuja validade os princípios repelem. (STF, 2004a).

Já no voto do Ministro Marco Aurélio Mello, pronunciou-se favorável à

constitucionalidade dos artigos, enfatizando que:

O legislador foi cuidadoso, não barrou o acesso ao judiciário quando os conflitos envolvem direitos indisponíveis. Os dois artigos não impedem isso, ao contrário, é uma consagração à liberdade e ao princípio da vontade do cidadão garantidos na Constituição (STF, 2004 a) .

A ministra Ellen Gracie Northfleet, último voto pronunciado, computando

nove, num total de onze votos, adotando a posição que se tornou majoritária no Supremo,

declarou:

Não vejo renúncia à tutela judicial neles, mas uma mudança no foco e na ocasião em que se dará o apelo ao Judiciário. O cidadão pode invocar o Judiciário para solucionar os conflitos, mas não está proibido de acessar outros meios. (STF, 2004 a)

O argumento mais forte utilizado pelos ministros para declarar a

constitucionalidade foi o da desmistificação do monopólio da justiça em mãos do Estado-

Juiz, haja vista que a atividade jurisdicional não é de sua exclusividade, por exemplo

quando o Senado Federal julga o Presidente da República por crime de responsabilidade,

art. 52, I, da CF, ele exerce também o poder jurisdicional.

Segundo da Costa (2002, p. 52):

Portanto, é indubitável a constitucionalidade da Lei 9.307/96, o que se justifica pelas razões sucintamente lançadas: a) desmistificação do monopólio estatal da jurisdição, que também se estende ao árbitro; b) autonomia da vontade para acionar ou renunciar a jurisdição estatal (opção do jurisdicionado); c) as partes podem dispor livremente dos bens patrimoniais; d) a própria lei da arbitragem admite em seu bojo mecanismos de intervenção do Poder Judiciário em determinadas circunstâncias, nulidades, execução forçada, direito indisponíveis

25

efetivação das tutelas de urgência; e) em caso de recalcitrância por parte daquele que contratou a cláusula, o compromisso da arbitragem deve ser realizado judicialmente (STF, 2004 a).

A celeuma foi dissipada mediante a declaração da constitucionalidade da Lei

nº 9.307/96, deste ponto em diante a arbitragem ganhou força e passou a ser utilizada com

maior freqüência no Brasil.

Fiúza (1995, p.175) analisa:

Em análise mais detida, devemos destacar dois momentos distintos. Num primeiro momento, temos que reconhecer que a arbitragem, de fato, exclui da apreciação do Poder Judiciário o mérito do litígio. Mas, num segundo momento, vemos a presença essencial do Judiciário. È a ele que são dirigidos os recursos; é ele que revê a decisão dos árbitros buscando nela vícios; é ele, enfim, que faz cumprir a sentença arbitral. Conclui-se, pois, que a arbitragem, só aparentemente, exclui da apreciação do Judiciário lesão ou ameaça a direito.

1.4.2 A arbitragem e o acesso à justiça

A lei da arbitragem proporcionou ao cidadão uma nova opção para resolução

de seus conflitos. Não tendo como objetivo afastar a população da jurisdição estatal. O

acesso à justiça nunca será negado, como preceitua a Constituição Federal.

Segundo Grinover, Dinamarco e Cintra (2002, p.33):

Acesso à justiça não se identifica, pois, com a mera admissão ao processo, ou possibilidade de ingresso em juízo. Como se verá, para que haja o efetivo acesso à justiça é indispensável que o maior número possível de pessoas seja admitido a demandar e a defender-se adequadamente, sendo também condenáveis as restrições quanto a determinadas causas de pequeno valor, interesses difusos; mas, para a integridade do acesso à justiça, é preciso isso e muito mais.

Este novo acesso à justiça fez com que causas que eram até então

menosprezadas pelo tempo que poderiam demorar, tivessem um resultado final mais

rápido. Com isso gerou-se um aumento considerável na demanda de processos (Costa,

2002, p. 46).

O acesso à justiça foi um dos óbices apresentados pelos estudiosos contrários

à arbitragem, alegava-se que a cláusula compromissória arbitral impedia o acesso à justiça

26

estatal. As teorias favoráveis à arbitragem foram reforçadas em razão da decisão do STF no

julgamento da ADIN nº 234-1/.600, pois, conseguiu provar que só se utilizariam da

arbitragem as pessoas que efetivamente tivessem interesse em resolver seus litígios de

forma rápida e ágil. O cidadão que não tiver este interesse não precisa assinar a cláusula

compromissória nos contratos de adesão e não precisa inserir a referida cláusula em seus

contratos bilaterais.

Conforme Grinover, Dinamarco e Cintra, (2002, p.33):

Para a efetividade do processo, ou seja, para a plena consecução de sua missão social de eliminar conflitos e fazer justiça, é preciso, de um lado, tomar consciência dos escopos motivadores de todo o sistema; e, de outro, superar os óbices que a experiência mostra estarem constantemente a ameaçar a boa qualidade do seu produto final.

Todos os meios alternativos de resolução de conflitos contribuem

positivamente para um avanço ao acesso à ordem jurídica justa.

Após a descrição dos aspectos destacados relacionados à arbitragem no

próximo capítulo será feita uma breve abordagem dos contratos administrativos realizados

pelas sociedades de economia, para se definir mais adiante a possibilidade da inserção de

cláusulas compromissórias em tais contratos.

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2 OS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS REALIZADOS PELAS SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA 2.1 NATUREZA JURÍDICA DAS SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA

O fundamento constitucional da existência de tais empresas encontra-se no

artigo 173 e ss. da Constituição Federal, que regula a intervenção estatal na iniciativa

privada, explorando diretamente atividade econômica, de forma excepcional, ou seja,

apenas quando assim recomendarem “os imperativos da segurança nacional ou a relevante

interesse coletivo, conforme definido em lei”.

As sociedades de economia mista pertencem à Administração Pública

indireta, são empresas públicas, dotadas de personalidade jurídica de direito privado,

conforme o artigo 44, II, do Código Civil, criadas mediante lei autorizativa, art. 37, III da

Carta Magna, mas conforme as regras de direito privado, com caráter de sociedade

anônima, sendo gerenciadas pela União, que deverá possuir a maioria, 50% (cinqüenta por

cento) mais um, das ações com direito a voto. Este aspecto as diferenciam das empresas

públicas em sentido estrito, cujo capital social pertence ao Estado por completo.

Conforme Meirelles (2003, p. 359):

As sociedades de economia mista são pessoas jurídicas de direito privado, com participação do Poder Público e de particulares no seu capital e na sua administração, para a realização de atividade econômica ou serviço público outorgado pelo Estado. Revestem a forma das empresas particulares, admitem lucro e regem-se pelas normas das sociedades mercantis, com as adaptações impostas pelas leis que autorizarem sua criação e funcionamento. São entidades que integram a Administração indireta do Estado, como instrumentos de descentralização de seus serviços (em sentido amplo: serviços, obras, atividades).Como pessoa jurídica privada, a sociedade de economia mista deve realizar, em seu nome, por sua conta e risco, serviços públicos de natureza industrial, ou atividade econômica de produção ou comercialização de bens, suscetíveis de produzir renda e lucro, que o Estado reputa de relevante descentralização administrativa é o de utilizar o modelo empresarial privado, seja para melhor atendimento aos usuários do serviço público, ou para maior rendimento na exploração da atividade econômica. Além disso, a sociedade de economia mista permite a captação de capitais privados, assim como a colaboração desse setor na direção da empresa.

28

O Decreto-Lei nº 200/67, com redação dada pelo Decreto Lei nº 900/69,

traça as características fundamentais das sociedades de economia mista:

Sociedade de economia mista [é a] entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou a entidade da Administração indireta.

No âmbito estadual a Lei complementar nº 243/2003, versa sobre as SEM.

As empresas de capital misto podem ser divididas em dois grupos conforme

seu objeto. O primeiro são as empresas prestadoras de serviços públicos e o segundo são as

empresas exploradoras de atividade econômica.

As empresas exploradoras de atividade econômica tem seu regime jurídico

muito semelhante ao das empresas de direito privado, pois não podem ter privilégios sobre

as empresas de capital puramente privado, sob a perspectiva de criar concorrência desleal.

Conforme orienta Mello (2002, p.176):

É compreensível que o regime jurídico de tais pessoas seja o mais próximo possível daquele aplicável à generalidade das pessoas de Direito Privado. Seja pela natureza do objeto de sua ação, seja para prevenir que desfrutem de situação vantajosa em relação às empresas privadas – as quais cabe a senhoria no campo econômico-, compreende-se que estejam, em suas atuações, submetidas a uma disciplina bastante avizinhada da que regula as entidades particulares de fins empresariais.

As empresas prestadoras de serviços ou coordenadoras de obras públicas

sofrem influência maior dos princípios da Administração Pública, pois suas funções têm

caráter público.

Mello (2002, p. 176) afirma que as empresas prestadoras de serviços

públicos são consideradas concessionárias de serviço público.

O artigo 173 da Constituição Federal determina que a exploração de

atividade econômica só poderá ser realizada pelo Estado em caráter suplementar:

Art. 173 – Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

29

As sociedades de economia mista não poderão gozar de vantagens fiscais,

nem utilizar o poder econômico para à eliminação da concorrência, conforme o art. 173, §

2º e 4º que descrevem:

Art. 173,[...], § 2º As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado. § 4º A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.

A Constituição proíbe qualquer tipo de vantagem para as empresas de capital

misto conforme dispõe o artigo 173, § 1º, II:

Art. 173, [...], § 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividades econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: II – a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários.

As sociedades de economia mista concorrem em igualdade com as empresas

privadas, contratando, empregando ou exercendo qualquer atividade comercial.

2.2 OS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS E AS EMPRESAS PÚBLICAS

As empresas públicas, entre as quais as sociedades de economia mista, como

qualquer ente da Administração Pública, estão sujeitas à Lei de Licitações e Contratos, por

determinação do artigo 37, XXI e do art. 173, [...], III, da Carta Magna, e do artigo 1º da

Lei 8.666/93 que dispõem:

Art. 37 A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:[...] XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamentos, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de

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qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. (grifo nosso) Art 1º Esta Lei estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Parágrafo único – Subordinam-se ao regime desta lei, além dos órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. (grifo nosso).

Assim sendo, quando as sociedades de economia mista, precisam adquirir

bens, serviços ou obras de pessoas públicas ou privadas, para a realização dos fins aos quais

se destinam, apesar de possuírem personalidade jurídica de direito privado, o fazem

mediante contrato administrativo.

Segundo Di Pietro (1999, p. 232):

A expressão contratos da administração é utilizada, em sentido amplo, para abranger todos os contratos celebrados pela Administração Pública, seja sob regime de direito público, seja sob regime de direito privado. E a expressão contrato administrativo é reservada para designar tão-somente os ajustes que a administração, nessa qualidade, celebra com pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, para a consecução de fins públicos, segundo regime jurídico de direito público. (grifo nosso).

Segundo Meirelles (2003, p. 205):

Contrato administrativo é o ajuste que a Administração Pública, agindo nessa qualidade, firma com particular ou outra entidade administrativa para a consecução de objetivos de interesse público, nas condições estabelecidas pela própria Administração.

O contrato administrativo tem princípios e regras diferentes do contrato

privado, pois a Administração tem o dever agir em função do interesse público.

Para Justen Filho (1998, p. 467):

O contrato administrativo se identifica como um acordo de vontades entre um órgão da Administração Pública e um particular, que produz direitos e obrigações para ao menos uma das partes. Os contratos administrativos envolvem ajustes de vontade. Deles deriva uma auto-regulamentação da conduta das partes. Mas há pontos de distinção extremamente relevantes entre o contrato (tal como é conhecido no direito privado) e o chamado contrato administrativo. A Administração Pública não pode ser atada e tolhida na consecução do

31

interesse público. O regime de direito público impõe a supremacia e a indisponibilidade do interesse público. Ao admitir a pactuação de acordos entre a Administração e os particulares, o Direito pretende viabilizar e facilitar a consecução do interesse público.

Com efeito, nos contratos administrativos os interesses públicos se

sobrepõem aos privados, fazendo com que nestes contratos não haja igualdade entre as

partes, pelo contrário a Administração Pública age com supremacia.

2.3 AS CARACTERISTICAS DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

O contrato administrativo por ter como um dos contratantes a Administração

Pública, direta ou indireta, tem peculiaridades em relação ao contrato entre particulares.

Essas características decorrem da supremacia da Administração Pública em relação ao

particular, fazendo com que existam cláusulas e relações jurídicas diferenciadas.

Segundo Meirelles (2003. p. 207):

Da sua característica essencial, consubstanciada na participação da Administração com supremacia de poder, resultam para o contrato administrativo certas peculiaridades que os contratos comuns, sujeitos às normas do Direito Privado, não ostentam. Tais peculiaridades constituem, genericamente, as chamadas cláusulas exorbitantes, explícitas ou implícitas em todo contrato administrativo.

Alguns autores, dentre eles, Maria Sylvia Zanella Di Pietro (1999),

descrevem oito características principais do contrato administrativo, que serão adotadas e

explicitadas nesta monografia.

2.3.1 Supremacia da Administração Pública

A Administração Pública tem a obrigação de defender e assegurar os direitos

coletivos e difusos da população. Tal prerrogativa coloca a Administração Pública como

contratante que detém supremacia perante os particulares.

Conforme Di Pietro (1999. p. 242):

32

Nos contratos administrativos, a Administração aparece com uma série de prerrogativas que garantem a sua posição de supremacia sobre o particular; elas vêm expressas precisamente por meio das chamadas cláusulas exorbitantes ou de privilégio ou de prerrogativas, adiante analisadas.

Sendo a Administração o ente responsável pelo controle político e

administrativo do país e o ente privado sendo contratado através de licitação o contrato

nasce com diferenças entre as partes.

2.3.2 Finalidade pública

Quando o contrato envolve como um dos contratantes a Administração

Pública tem como meta o bem estar da coletividade. Os contratos administrativos têm fins

específicos e têm como foco principal a finalidade pública que o contrato visa concretizar.

Segundo Di Pietro (1999, p. 242):

Esta característica está presente em todos os atos e contratos da Administração Pública, ainda que regidos pelo direito privado; às vezes, pode ocorrer que a utilidade direta seja usufruída apenas pelo particular, como ocorre na concessão de uso de sepultura, mas, indiretamente, é sempre o interesse público que a administração tem que ter em vista, sob pena de desvio de poder. No exemplo citado, o sepultamento adequado, nos termos da lei, é do interesse de todos e, por isso mesmo, colocado sob tutela do Poder Público.

Em razão do interesse público podem ocorrer modificações contratuais

durante a execução do mesmo, deixando evidente a finalidade pública dos contratos

administrativos. Estas modificações tem como objetivo principal a melhor execução dos

contratos em função da coletividade.

2.3.3 Obediência à forma prescrita em lei O contrato administrativo é formal e tem por obrigação o controle da

legalidade. Esta formalidade é regida pela Lei nº 8.666 de 21 de junho de 1993, conhecida

como lei das licitações, estabelecendo regras e formas de execução dos contratos. Existem

ainda outras legislações esparsas que se destinam a formalizar os contratos administrativos.

Conforme elucida Di Pietro (1999. p. 242):

33

Para o contrato celebrado pela administração, encontram-se na lei inúmeras normas referentes à forma; esta é essencial, não só em benefício do interessado, como da própria Administração, para fins de controle da legalidade.

Quando os contratos administrativos não cumprem com algum requisito legal estão sujeitos a anulação, podendo perder a validade.

2.3.4 Procedimento legal

Os contratos administrativos são respaldados e regulamentados por diversas

leis em nosso ordenamento jurídico. Quando não são respeitadas essas as leis, pode-se

ocorrer anulações destes contratos.

Conforme Di Pietro (1999. p. 246):

A lei estabelece determinados procedimentos obrigatórios para a celebração de contratos e que podem variar de uma modalidade para outra, compreendendo medidas como autorização legislativa, avaliação, motivação, autorização pela autoridade competente, indicação de recursos orçamentários e licitação.

2.3.5 Natureza jurídica de contrato de adesão Quando ocorre a contratação pela Administração Pública de entes privados,

essa cria as regras e formas de execução dos contratos restando ao contratado aceitar as

imposições. A empresa contratada não pode sugerir nem modificar qualquer cláusula dos

contratos.

Di Pietro (1999. p. 247) esclarece que:

Todas as cláusulas dos contratos administrativos são fixadas unilateralmente pela Administração. Costuma-se dizer que, pelo instrumento convocatório da licitação, o poder público faz uma oferta a todos os interessados, fixando as condições em que pretende contratar; a apresentação de propostas pelos licitantes equivale à aceitação da oferta feita pela Administração.

Existem doutrinadores que alegam ser os contratos administrativos

consensuais, pois o ente privado contratado tem o direito de escolha, podendo ou não se

submeter a tais contratações.

34

Meirelles (2003. p. 206) ressalta:

O contrato administrativo é sempre consensual e, em regra, formal, oneroso, comutativo, e realizado intuitu personae. É consensual porque consubstancia um acordo de vontades, e não um ato unilateral e impositivo da Administração.

Apesar das regras dos contratos administrativos serem impostas pela

Administração, e os entes privados serem contratados através de licitação o contrato é

consensual.

2.3.6 Natureza intuitu personae

Os contratos realizados com a Administração Pública deverão ser

personalíssimos, ou seja, deverão ser executados pelo ente privado contratado. É vedada

qualquer forma de transferência, subcontratação ou cessão a outros para execução do

contrato.

Segundo Meirelles (2003. p. 206):

O contrato administrativo é sempre intuitu personae porque deve ser executado pelo próprio contratado, vedadas, em princípio, a sua substituição por outrem ou a transferência do ajuste.

A Administração Pública tem a prerrogativa de contratar através de licitação

e assim escolher entre os interessados aquele que melhor preencher as necessidades para

execução da obra, fazendo com que desta maneira torne a contratação personalíssima.

Conforme Di Pietro (1999. p. 247):

Todos os contratos para os quais a lei exige licitação são firmados intuitu personae, ou seja, em razão de condições pessoais do contratado, apuradas no procedimento da licitação. Não é por outra razão que a Lei nº8.666/93, no artigo 78, VI, veda a subcontratação, a cessão ou transferência, total ou parcial; essas medidas somente são possíveis se expressamente previstas no edital da licitação e no contrato. Além disso, é vedada a fusão, cisão ou incorporação que afetem a boa execução do contrato.

35

Através do edital de licitação a Administração demonstra os requisitos que o

contratado deverá possuir para poder participar da licitação. A Administração desta maneira

seleciona e dentre os selecionados escolhe a melhor proposta.

2.3.7 Presença de cláusulas exorbitantes.

Nos contratos envolvendo a Administração Pública ocorrem cláusulas que

seriam consideradas abusivas nos contratos entre particulares, pois gerariam privilégios

para uma das partes. Os contratos administrativos têm sempre a Administração Pública

como ente favorecido na relação contratual, gerando assim, um desequilíbrio entre as

partes.

Segundo Rosa (2001, p.100):

Nos contratos administrativos são contempladas hipóteses e cláusulas que asseguram a desigualdade entre os contratantes. Para uma das partes são deferidas prerrogativas incomuns, que extrapolam o direito comum – direito privado -, colocando-se em posição de supremacia. Recebem o nome de cláusulas exorbitantes, porque exorbitam o direito privado, sendo ilegais se previstas em contratos firmados exclusivamente por particulares.

Podem ocorrer diversas modalidades de cláusulas exorbitantes, podendo ter

como beneficiado tanto a Administração Pública como o ente contratado.

Segundo Meirelles (2003. p. 206, Direito Administrativo Brasileiro):

As cláusulas exorbitantes podem consignar as mais diversas prerrogativas, no interesse do serviço público, tais como a ocupação do domínio público, o poder expropriatório e a atribuição de arrecadar tributos, concedidos a particular contratado para a cabal execução do contrato. Todavia, as principais são as que se exteriorizam na possibilidade de alteração e revisão unilateral do contrato; no equilíbrio econômico e financeiro; na revisão de preços e tarifas; na inoponibilidade da exceção de contrato não cumprido; no controle do contrato, na ocupação provisória e na aplicação de penalidades contratuais pela Administração.

Dentre as cláusulas exorbitantes existe a exigência de garantia, pelo qual a

Administração pública pode solicitar do contratado uma garantia para a execução do

contrato. A garantia será solicitada apenas ao contratado na licitação, ficando este obrigado

a cumprir o estabelecido no edital ou no contrato.

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Define Meirelles (2003, p. 217):

As leis administrativas facultam à Administração a exigência de garantia a fim de assegurar a execução do contrato. Por isso mesmo, só pode ser pedida ao licitante vencedor. A escolha da garantia fica a critério do contratado, dentre as modalidades enumeradas na lei. Quando pretendida pela Administração, deverá constar do edital ou convite e ser liberada após execução integral do contrato e, quando em dinheiro, atualizada monetariamente (art. 56 e §§).

Após a licitação o contratado deverá escolher umas das formas especificadas

na lei para oferecer garantia a Administração Pública.

Acerca da garantia, a Lei nº 8.666/93 estabelece:

Art. 56 A critério da autoridade competente, em cada caso, e desde que prevista no instrumento convocatório poderá ser exigida prestação de garantia nas contratações de obras, serviços e compras. § 1º - Caberá ao contratado optar por uma das seguintes modalidades de garantia: I – caução em dinheiro ou título da dívida pública; II – seguro fiança; III – fiança bancária.

A caução permanecerá recolhida e bloqueada até o termino da execução do

contrato, não podendo nem o contratado, nem a Administração Pública movimentar a

quantia enquanto o contrato estiver sendo executado.

Prado esclarece (2000, p. 123):

A caução tem por função assegurar a execução do contrato e ressarcir a Administração em casos de eventuais prejuízos pela inadimplência do contratado. Todavia enquanto o contratado estiver dando fiel cumprimento às obrigações por ele assumidas,a caução é intocável e inapropriável pela Administração.

O contratado poderá perder a garantia quando descumprir o acordado ou

quando ocorrerem multas e indenizações decorrentes da execução contratual, desde que não

recolhidas em tempo hábil.

Salienta Meirelles (2003, p. 217):

A perda da garantia se dá toda vez que seu ofertante faltar com o prometido à Administração, nos termos do edital ou do contrato, ou em conseqüência do desconto de débitos ou de multas em que o contratado incidir e não recolher no devido tempo. Nesses casos, a administração poderá incorporar ao seu patrimônio a caução em dinheiro ou em títulos, até o limite devido pelo

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contratado, ou cobrar do fiador ou do segurador as respectivas garantias por eles prestadas. Reduzida ou perdida a garantia inicial, é licito à Administração exigir sua recomposição para prosseguimento do contrato, sob pena de rescisão unilateral por inadimplência do contratado.

Outra modalidade de cláusula exorbitante é a alteração unilateral, onde

somente a Administração Pública pode modificar o contrato firmado entre as partes no

decorrer da execução. Esta alteração só poderá ser realizada em função do interesse

público.

De acordo com Rosa (2001, p. 100):

A Administração Pública deve, em defesa do interesse público e desde que assegurada a ampla defesa, no processo administrativo, promover a alteração do contrato, ainda que discordante o contratado. Por óbvio, a possibilidade de alteração do que fora pactuado sempre se sujeita à existência de justa causa, presente na modificação da necessidade coletiva, ou do interesse público. Ao particular restará, se caso, eventual indenização pelos danos que vier a suportar.

O artigo 58 da Lei nº 8.666/93 descreve a possibilidade de alteração e rescisão

contratual unilateral por parte da Administração Pública, in verbis:

Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituídos por esta Lei confere à Administração em relação a eles a prerrogativa de : I – Modifica-los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contrato; II – rescindi-los unilateralmente, nos casos especificados no inciso I do artigo 79 desta Lei; III – Fiscalizar-lhes a execução; IV – aplicar sanções motivadas pela inexecução total ou parcial do ajuste; V – nos casos de serviços essenciais, ocupar provisoriamente bens móveis, imóveis, pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato, na hipótese da necessidade de acautelar apuração administrativa de faltas contratuais pelo contrato, bem como na hipótese de rescisão do contrato administrativo.

Ainda sobre a alteração unilateral do contrato, descreve Mello (2002, p.

563):

O poder de alteração unilateral tem sua compostura e extensão qualificadas na lei. Assim, é cabível quando houver modificação do projeto ou das especificações para melhor adequação técnica aos seus objetivos ou quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimos ou diminuição quantitativa de seu objeto (art. 65, I, da Lei 8.666/93), acréscimos ou supressões, estes que, na conformidade do § 2º do mesmo artigo, não podem exceder de 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial do contrato no caso de obras, serviços ou compras, e de 50% (cinqüenta por cento) no caso de

38

acréscimo em reformas de edifícios ou equipamentos (§ 1º do art. 65). Deve-se entender por valor inicial do contrato seu valor substancial, ou seja, com a correção monetária cabível.

Mesmo quando ocorre a modificação unilateral do contrato deve ser mantido

o equilíbrio econômico-financeiro entre as partes, obrigando-se a Administração a

indenizar o contratado em suas perdas e possíveis danos causados pelo contrato.

Conforme Di Pietro (1999, p. 249):

Ao poder de alteração unilateral, conferido à Administração, corresponde o direito do contratado, de ver mantido o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, assim considerada a relação que se estabelece, no momento da celebração do ajuste, entre o encargo assumido pelo contratado e a prestação pecuniária assegurada pela Administração.

A Administração Pública pode também rescindir o contrato unilateralmente

quando ocorrer o inadimplemento das obrigações do contratado perante a execução do

contrato, qualquer situação que torne comprometida a execução do contrato ou qualquer

razão que envolva interesse público.

Segundo Mello (2002, p. 565):

A extinção unilateral do contrato – pela Administração, como é evidente – também só pode ocorrer nos casos previstos em lei (cf. art. 58, II, c/c arts. 78 e 79, I) e deverá ser motivada e precedida de ampla defesa (art. 78, parágrafo único). Fundamentalmente, duas são as hipóteses que a ensejam: a) razões de interesse público obviamente fundadas e justificadas, sem falta do contratado, caso em que fará jus a indenização pelos prejuízos comprovados que houver sofrido (§ 2º do art. 79 da Lei 8.666/93); e b) por falta do contratado, nas hipóteses a que se reportam os artigos mencionados, acarretando, ainda, se o motivo houver sido o descumprimento de cláusulas contratuais, a imediata assunção do objeto, ocupação e utilização do local, instalações e equipamentos materiais e humanos necessários à continuidade da execução do contrato (a serem depois devolvidos com o cabível ressarcimento), execução da garantia contratual para ressarcimento da Administração e dos valores de multas e indenizações cabíveis e, finalmente, retenção dos créditos do contratado até o limite dos prejuízos que haja causado à Administração (art. 80 da Lei 8.666/93).

A Administração Pública tem também o direito e o dever, conforme o inciso

III, do artigo 58 da Lei 8.666/93, de fiscalizar a execução do contrato através de

representante, sendo ainda permitida a contratação de terceiros para assisti-la e subsidia-la.

Segundo Justen Filho (1998, p.495):

39

Outra faculdade da Administração é a fiscalização da execução da prestação. No direito comum, a parte tem o direito de verificar se a prestação foi executada adequadamente pela outra parte. Esse direito se exerce, de regra, no momento em que a prestação é entregue ao credor. Nada impede, porém, que as partes pactuem o direito do credor acompanhar permanentemente o devedor. Desse modo, verificará se a realização da prestação faz-se nos termos devidos. A Administração tem o poder-dever de acompanhar atentamente a atuação do particular.

Quando o contrato esta sendo celebrado a Administração pode inserir

cláusulas que estipulam sanções ao descumprimento parcial ou total do contrato. Estas

penalidades estão previstas no artigo 87 da Lei nº 8.666/93.

O artigo 87 da referida lei aponta as possibilidades de punições pelo

descumprimento do contrato:

Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato, a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções: I – Advertência; II – multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato; III – suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 anos; IV – declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública, enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior.

2.3.8 Mutabilidade Os contratos administrativos, em função das cláusulas exorbitantes, têm uma

variação grande durante a execução, podendo até ser rescindidos. Durante a execução dos

contratos podem ocorrer diversos problemas e fatos alheios a vontade das partes

envolvidas.

Segundo Di Pietro (1999, p. 254):

O assunto tem que ser analisado sob dois aspectos: o das circunstâncias que fazem mutável o contrato administrativo e o da conseqüência dessa mutabilidade, que é o direito do contratado à manutenção de equilíbrio econômico-financeiro.

40

A Administração Pública ao firmar um contrato insere a cláusula rebus sic

stantibus, para que possa ajustar o contrato a nova situação, evitando assim que o contrato

seja rescindido, caso ocorra algum fato imprevisível e que torne impossível a sua execução.

É a Teoria da Imprevisão.

Segundo Meirelles (2003, p. 230):

A teoria da imprevisão consiste no reconhecimento de que eventos novos, imprevistos e imprevisíveis pelas partes e a elas não imputáveis, refletindo sobre a economia ou a execução do contrato, autorizam sua revisão, para ajustá-lo às circunstâncias supervenientes. É a aplicação da velha cláusula rebus sic stantibus aos contratos administrativos, a exemplo do que a ruína do contrato, na superveniência de fatos não cogitados pelas partes, criando ônus excessivo para uma delas, com vantagem desmedida para a outra.

Di Pietro esclarece (1999, p. 260):

Àlea econômica, que dá lugar à aplicação da teoria da imprevisão, é todo acontecimento externo ao contrato, estranho à vontade das partes, imprevisível e inevitável, que causa um desequilíbrio muito grande, tornando a execução do contrato excessivamente onerosa para o contratado.

Quando ocorre este desequilíbrio financeiro a Administração Pública fica

obrigada a ressarcir os prejuízos do contratado, equilibrando novamente a relação

contratual. Este ato é chamado de fato do príncipe.

Segundo Meirelles (2003, p. 233):

Fato do príncipe é toda determinação estatal, positiva ou negativa, geral, imprevista e imprevisível, que onera substancialmente a execução do contrato administrativo. Essa oneração, constituindo uma álea administrativa extraordinária e extracontratual, desde que intolerável e impeditiva da execução do ajuste, obriga o Poder Público contratante a compensar integralmente os prejuízos suportados pela outra parte, a fim de possibilitar o prosseguimento da execução, e se esta for impossível, rende ensejo à rescisão do contrato, com as indenizações cabíveis.

O fato do príncipe esta amparado pelo artigo 65, II, d, da Lei 8.666/93 que

dispõe:

Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos: II- por acordo das partes [...]:

41

d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contrato e a retribuição da Administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobreviverem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou ainda, em caso de força maior, caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.

Sobre este mesmo artigo, do Prado (2000, p. 52) relata:

Fato do príncipe é resultado de lei, regulamento ou outro ato do Poder Público que, em sua decorrência e cumprimento, onere a execução do contrato. Entende-se também, como Fato do Príncipe o descumprimento pela Administração de metas ou programas governamentais, que onere o contrato, impossibilitando o seu cumprimento e exigindo sua revisão pela Administração.

Sendo a Administração Pública responsável pela oneração ou inexecução do

contrato, estará a mesma responsável pelos prejuízos causados ao contratado, tendo que

ressarci-lo no que couber. Quando o fato for extremamente danoso a relação contratual

poderá ser rescindido, não podendo porém o contratado paralisar a execução

automaticamente, salvo quando ocorrerem atrasos no pagamento superior a noventa dias.

Este ato é chamado de fato da Administração.

Rosa (2001, p. 106) elucida:

É o ato da Administração que, incidindo diretamente sobre o contrato, impede a sua regular execução, equiparando-se, nos efeitos, à força maior, como ocorre, por exemplo, na interrupção prolongada e imotivada de pagamentos devidos ao contratado ou na não liberação da área, local ou objeto necessário à execução do contrato.

Ainda sobre o fato da Administração, Meirelles afirma:

Fato da Administração é toda ação ou omissão do Poder Público que, incidindo direta e especificamente sobre o contrato, retarda ou impede sua execução. O Fato da Administração equipara-se à força maior e produz os mesmos efeitos excludentes da responsabilidade do particular pela inexecução do ajuste. É o que ocorre, p. exemplo quando a Administração deixa de entregar o local da obra ou serviço, ou não providencia as desapropriações necessárias, ou atrasa os pagamentos por longo tempo, ou pratica qualquer ato impeditivo dos trabalhos a cargo da outra parte(art. 78, XIV a XVI). Em todos esses casos o contratado pode pleitear a rescisão do contrato, amigável ou judicialmente, por culpa do Poder Público.

42

Portanto não a como confundir o fato príncipe, realizado por paralisação da

execução do contrato sem que nenhuma das partes seja responsável e fato da

Administração, que é a paralisação da execução por culpa e responsabilidade da

Administração.

Di Pietro (1999, p. 258) esclarece:

O fato da administração distingue-se do fato do príncipe, pois, enquanto o primeiro se relaciona diretamente com o contrato, o segundo é praticado pela autoridade, não como parte no contrato, mas como autoridade pública que, como tal, acaba por praticar um ato que, reflexamente, repercute sobre o contrato.

No entanto, não se encontra na Lei de Licitações nenhuma disposição

expressa quanto à possibilidade de inclusão de cláusula compromissória, como se pode

observar da leitura do artigo 52 da Lei nº 8.666/93, que versa sobre as cláusulas contratuais.

No próximo capítulo analisar-se-ão alguns aspectos de leis esparsas que

tratam sobre o tema, bem como o posicionamento da doutrina e dos tribunais judiciais a

respeito da inclusão da cláusula compromissória nos contratos administrativos realizados

pelas sociedades de economia mista.

43

3 A CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

DAS SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA

3 .1 PREVISÃO LEGISLATIVA

Apesar de a legislação brasileira que trata sobre as sociedades de economia

mista permitir a arbitragem nas situações que indica, hoje em dia não há um consenso

doutrinário e judicial a respeito da inclusão das cláusulas compromissórias nos contratos

administrativos das empresas públicas.

Wald (2003, p. 104) esclarece que:

A validade e a eficácia da cláusula compromissória em relação às sociedades de economia mista tornou-se recentemente matéria polêmica, após longos anos nos quais entendeu-se, de modo manso e pacífico, que nada impedia a arbitragem para as empresas com participação estatal. Efetivamente, nos últimos vinte anos, por diversas vezes, as sociedades brasileiras de economia mista submeteram os seus litígios aos Tribunais arbitrais, como ocorreu em relação a Furnas e as subsidiárias diretas ou indiretas da Petrobrás. Com a recente legislação e regulamentação tratando de modo específico da arbitragem no campo das concessões, parecia não haver mais razões para discutir a utilização da arbitragem no setor.

Pode-se concluir da interpretação do artigo 1º da Lei de 9.307/96, que as

relações jurídicas das sociedades de economia mista que versem sobre bens patrimoniais

podem ser objeto de arbitragem

Além do Decreto-lei nº 200/67 e da Lei 9.307/94, outras leis contém

implicitamente a possibilidade de inclusão da cláusula compromissória nos contratos

envolvendo sociedades de economia mista.

Com efeito, tal inclusão, que é decorrência prática da arbitragem, tornou-se

freqüente a partir da Lei nº 8.987/95, denominada Lei de Concessão de Serviços Públicos,

que assim dispõe:

Art 23 São cláusulas essenciais do contrato de concessão as relativas: XV – ao foro e ao modo amigável de solução de divergências contratuais. (grifo nosso).

44

A lei não exclui o foro comum para resolução de conflitos, porém, com esta

referência a lei abre a possibilidade para que, desejando, as empresas públicas possam

introduzir a cláusula compromissória ou arbitral em seus contratos.

Segundo Lemes (1999, p. 195):

A utilização da arbitragem em contratos administrativos de concessão ou permissão, para questões de direitos disponíveis, consoante disposto no art. 23, inciso XV, não é a arbitragem obrigatória ou necessária determinada em outras legislações. Não encontra guarida no ordenamento jurídico brasileiro a arbitragem obrigatória. A Lei nº 8.987/95, faculta à Administração a eleição de diversos modos de solução extrajudiciais de controvérsias, entre eles a arbitragem, que poderá ou não estar previsto, mas o fazendo será estritamente observado pela Administração e futuro licitante a teor da legislação arbitral.

A seu turno, a Lei nº 9.478/97, que disciplina a política energética nacional,

também ressalta as formas de resolução amigável, nela a arbitragem aparece de forma

expressa, possibilitando resolução amigável de conflitos entre usuários, consumidores e

agentes econômicos, em seu artigo 20 que dispõe:

O regimento interno da ANP disporá sobre os procedimentos a serem adotados para a solução de conflitos entre agentes econômicos, e entre estes e usuários e consumidores, com ênfase na conciliação e no arbitramento.

Existem mais dois artigos da referida da Lei nº 9.478/97 que dispõem sobre a

matéria, a saber:

Art 27. Quando se tratar de campos que se estendam por blocos vizinhos, onde atuem concessionários distintos, deverão eles celebrar acordo para a individualização da produção. Parágrafo único. Não chegando as partes a acordo, em prazo máximo fixado pela ANP, caberá a esta determinar, com base em laudo arbitral, como serão eqüitativamente apropriados os direitos e obrigações sobre os blocos, com base nos princípios gerais de Direito aplicáveis. Art 43. O contrato de concessão deverá refletir fielmente as condições do edital e da proposta vencedora e terá como cláusulas essenciais: X - as regras sobre solução de controvérsias, relacionadas com o contrato e sua execução, inclusive a conciliação e a arbitragem internacional.(grifo nosso).

Com a abertura para a inclusão da cláusula compromissória, contida na Lei

45

nº 9.478/97, a Petrobrás conseguiu dispor juridicamente de meios mais rápidos para

resolução de conflitos, equiparando seus contratos, nesta matéria, ao de qualquer outra

empresa concorrente no mercado mundial.

A cláusula compromissória encontra-se inserida no artigo 58, do Estatuto

Social da Petrobrás, e dispõe:

Art 58 - Deverão ser resolvidas por meio de arbitragem, obedecidas as regras previstas pela Câmara de Arbitragem do Mercado, as disputas ou controvérsias que envolvam a Companhia, seus acionistas, os administradores e Conselheiros fiscais, tendo por objeto a aplicação das disposições contidas na Lei nº 6.404, de 1976, neste Estatuto Social, nas normas editadas pelo Conselho Monetário Nacional, pelo Banco Central do Brasil e pela Comissão de Valores Mobiliários, bem como nas demais normas aplicáveis ao funcionamento do mercado de capitais em geral, além daquelas constantes dos contratos eventualmente celebrados pela Petrobrás com bolsa de valores ou entidade mantenedora de mercado de balcão organizado, credenciada na Comissão de Valores Mobiliários, tendo por objetivo a adoção de padrões de governança societária fixados por estas entidades, e dos respectivos regulamentos de práticas diferenciadas de governança corporativa, se for o caso. Parágrafo único. As deliberações da União, através de voto em Assembléia Geral, que visem à orientação de seus negócios, nos termos do art. 238 da Lei nº 6.404, de 1976, são considerados formas de exercício de direitos indisponíveis e não estarão sujeitas ao procedimento arbitral previsto no caput deste artigo.

Note-se que a cláusula compromissória acima exposta contém diversos

requisitos necessários para a formação do julgamento arbitral, entre eles o que poderá ser

resolvido através da arbitragem e que leis utilizar para tal julgamento.

A cláusula compromissória mencionada acima tem o objetivo de vincular a

Companhia, seus acionistas, os administradores e seus Conselheiros Fiscais nas relações

internas, para que ocorrendo litígios os mesmos utilizem a arbitragem como forma de

resolução. Esta cláusula não vincula nenhum terceiro que comercialize com a Petrobrás,

sendo necessário para tal fim a utilização de uma cláusula compromissória no contrato com

o terceiro.

Em relação à possibilidade de resolução de controvérsias entre particulares e

agentes econômicos o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 4º, V, aponta o

princípio do incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de

qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de

solução de conflitos de consumo.

46

Outros diplomas legais já trazem a possibilidade da inclusão da cláusula

compromissória, tais como a Lei nº 9.472/95, Lei geral de telecomunicações, e a Lei

10.233/01, Lei de transportes terrestres e aquaviários.

O art. 38, § 2º, XI, da Lei 10.233/01, dispõe:

Art. 38. As permissões a serem outorgadas pela ANTT e pela ANTAQ aplicar-se-ão à prestação regular de serviços de transporte de passageiros que independam da exploração da infra-estrutura utilizada e não tenham caráter de exclusividade ao longo das rotas percorridas, devendo também ser precedidas de licitação regida por regulamento próprio, aprovado pela Diretoria da Agência, e pelo respectivo edital. § 2° O edital de licitação indicará obrigatoriamente: XI - regras sobre solução de controvérsias relacionadas com o contrato e sua execução, incluindo conciliação e arbitragem;

O texto da lei obriga no edital, a instituição de cláusulas que vinculem a

resolução de conflitos. Entre as possibilidades contidas no texto existe a arbitragem. A

cláusula que vincula a arbitragem nos contratos é a compromissória, sendo desta forma a

cláusula compromissória pode ser inserida nos contratos das sociedades de economia mista

que utilizam esta lei.

3.2 PONTOS FAVORÁVEIS E DESFAVORÁVEIS À INSERÇÃO DA CLÁUSULA

COMPROMISSÓRIA

3.2.1 Indisponibilidade do interesse público

Um dos fatores preponderantes para a aceitação ou não da cláusula

compromissória nos contratos envolvendo empresas de economia mista é a interpretação

quanto ao limites do princípio do interesse público, sendo importante observar a finalidade

do ato da Administração para se saber o que é realmente importante para a população.

Quando trata-se de interesse público pode-se escalonar em primário e

secundário. O interesse público primário é a finalidade que a Administração tem com a

contratação e o interesse público secundário é como será realizado este projeto.

Segundo Meirelles (2003, p. 245):

Para dirimir a questão é importante distinguir o interesse público primário do interesse público secundário. O primeiro é a meta, o objetivo a ser atingido pela

47

Administração no atendimento das necessidades sociais. O segundo é o instrumental, ou seja, é a utilização de meios capazes de permitir a consecução do primeiro. Ao alugar uma casa para instalar um centro de saúde, o interesse público primário está na implantação daquela unidade, constituindo a locação um interesse público secundário, ou derivado do primeiro, já que não existiria sem aquele.

Sobre esta matéria Lemes (2004) ensina:

A arbitragem presta-se para solucionar questões que digam respeito a direitos patrimoniais disponíveis, tudo que possa ser transacionado e disposto em contrato. Na área pública, as questões que dizem respeito aos interesses públicos primários, aqueles em que o Estado decide com poder de império – não são arbitráveis, mas, quando são operacionalizados e têm fins patrimoniais, passam a ser interesses públicos derivados, que são arbitráveis. Assim, por exemplo, compete à Administração decidir se constrói uma estrada ou uma ferrovia, o tamanho dos trilhos ou o tipo de asfalto que serão utilizados (interesse público originário), mas a execução da ferrovia ou da estrada representa interesse público derivado. Esse contrato poderá eleger a arbitragem para solucionar as controvérsias surgidas e que tenham repercussões patrimoniais. Não importa se o contratante é o Estado, uma autarquia (agências reguladoras), uma empresa pública ou sociedade de economia mista. Todos nesses tipos de contratos, podem eleger a arbitragem. Aliás, na Lei Geral das Concessões Públicas, a conciliação e a arbitragem são obrigatórias.

Verifica-se, portanto, que a arbitragem deve apenas resolver litígios

envolvendo interesses públicos secundários, não podendo julgar decisões ou atos tomados

pela administração.

Ainda, conforme Meirelles (2003, p. 246):

A satisfação dos interesses públicos secundários concretiza-se geralmente sob a égide do Direito Privado e se resolve em relações patrimoniais. Relações patrimoniais que, por estarem no campo da liberdade contratual da Administração, são direitos disponíveis. Caio Tácito, com sua clareza habitual, diz que: Na medida em que é permitido à Administração Pública, em seus diversos órgãos e organizações, pactuar relações com terceiros, especialmente mediante estipulação em cláusulas financeiras, a solução amigável é fórmula substitutiva do dever primário de cumprimento da obrigação assumida. Assim como é ilícita, nos termos do contrato, a execução espontânea da obrigação, a negociação- e, por via de conseqüência, a convenção da arbitragem – será o meio adequado de tornar efetivo o cumprimento obrigacional quando compatível com a disponibilidade de bens.

48

3.2.2 Disponibilidade dos bens patrimoniais das sociedades de economia mista

Como exposto acima, aqueles que são desfavoráveis à utilização da arbitragem

em empresas de capital misto afirmam que nos contratos envolvendo a Administração

Pública, mesmo indireta, vigora o princípio da indisponibilidade dos bens públicos, e que

desta forma não poderia ser utilizada a arbitragem como forma de resolver os litígios

envolvendo a Administração, já que a própria Lei 9.307/96 no seu artigo 1º descreve que a

arbitragem só poderá ser utilizada em causas envolvendo bens patrimoniais disponíveis.

Bens Patrimoniais disponíveis são todos os bens passíveis de negociação

comercial, ou seja, todos os bens que as pessoas possam dispor para transação.

Conforme Silva (1999, p. 196):

Direito patrimonial é a designação de caráter genérico dada a toda sorte de direito que se assegure o gozo ou fruição de um bem patrimonial, ou seja, uma riqueza, ou qualquer bem, apreciável monetariamente. Desse modo, o direito patrimonial, em regra, deve ter objetivo um bem, que esteja em comércio ou que possa ser apropriado ou alienado.

O que se confronta dessa forma é a disponibilidade dos bens das sociedades

de economia mista, sendo possível apreciação pelo juízo arbitral somente em causas desta

natureza.

Os bens estatais são divididos, conforme sua natureza, em duas categorias:

de domínio público e de domínio privado.

Os bens de domínio público do Estado são os de uso comum do povo ou de

uso especial. Segundo Di Pietro (1999, p. 520), entre os bens de uso comum e de uso

especial, não existe diferença de regime jurídico, pois ambos estão destinados a fins

públicos. Essa destinação pode ser inerente à própria natureza dos bens (como ocorre com

os rios, estradas, praças, ruas) ou pode decorrer da vontade do Poder Público, que afeta

determinado bem ao uso da Administração, para realização de atividade que vai beneficiar

à coletividade, submetidos a regime jurídico de direito público derrogatório e exorbitante

do direito comum.

O Código Civil, em seu artigo 99, determina:

Art. 99 São bens públicos:

49

I – os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças; II – os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da Administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias.

Os bens públicos do Estado, objeto de direito real ou pessoal

destinados ao capital das empresas públicas e das sociedades de economia mista, são bens

dominicais, cabendo a essas empresas gerenciá-los e aplicá-los conforme a sua necessidade

e interesse comercial, semelhantemente ao que ocorre nas empresas privadas.

O Código Civil em seu artigo 99, III, estabelece:

Art 99 [...] III – os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.

Os bens patrimoniais comportam duas características, conforme esclarece Di

Pietro (1999, p. 525):

1- Comportam uma função patrimonial ou financeira, porque se destinam a assegurar rendas ao Estado, em oposição aos demais bens públicos, que são afetados a uma destinação de interesse geral; a conseqüência disso é que a gestão dos bens dominicais não era considerada serviço público, mas uma atividade privada da Administração; 2- Submetem-se a um regime jurídico de direito privado, pois a Administração Pública age, em relação a eles, como um proprietário privado.

Desta forma, são indisponíveis apenas os bens de uso comum do povo e de

uso especial do Estado, enquanto os bens dominicais são classificados como disponíveis. O

artigo 807 do Código de Contabilidade Pública da União, aprovado pelo Decreto nº 15.783

de 08 de novembro de 1922, expressamente confirma tal análise.

Para Lemes (1999, 194):

A Administração Pública pode submeter-se à arbitragem e é conveniente que o faça quando não se trate de examinar nem decidir sobre a legitimidade de atos administrativos, mas de suas conseqüências patrimoniais.

Sendo assim, as relações jurídicas que envolvam bens de domínio público do

Estado não podem ser resolvidas através da via arbitral. Quando já ocorre o procedimento

arbitral e no decorrer do procedimento for levantada dúvida sobre a disponibilidade do

50

bem, objeto do litígio, o árbitro deverá suspender o procedimento arbitral e encaminhar o

processo para a Justiça Comum, que analisará a disponibilidade ou não do bem, conforme o

artigo 25 da Lei nº 9.307/96.

Todavia, nas relações que digam respeito a transação relacionada a bens

patrimoniais disponíveis à arbitragem torna-se possível.

3.2.3 Necessidade de reexame necessário

Outra afirmação contrária à utilização da arbitragem pelas sociedades de

economia mista é que as empresas governamentais devem sempre recorrer até a última

instância. Esta afirmação é baseada no artigo 475, II do CPC, que dispõe:

Art. 475 Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença: II – proferida contra a União, o Estado e o Município.

Em oposição à idéia de que levar os processos à última instância é algo

positivo para a Administração, sustenta-se que tal fato pode gerar um ônus muito alto e uma

demora muito grande para a realização do ato da Administração. Aduz-se, ainda, que a

inclusão da cláusula agregaria maior rapidez processual na obtenção pelo Estado de seu

objetivo final, que é a satisfação do interesse público, evitando desta forma os problemas com

previsão orçamentária, já que as verbas que poderiam ser destinadas para a realização dos

atos da Administração muitas vezes são utilizadas para cobrir déficits oriundos de processos

judiciais antigos e que muitas vezes vem acompanhado de altas correções monetárias

(PEREIRA, PRADO, 2004, p. A-9).

Os julgados do Tribunal catarinense excluem as sociedades de economia

mista da obrigatoriedade do reexame necessário. O Desembargador Nestor Silveira, no

Processo 96.006961-5, da vara de origem de Bom Retiro, esclarece que a inteligência do

disposto no artigo 475 do CPC, leva ao não conhecimento e declaração de insujeição ao

reexame necessário das sentenças que versem sobre direitos atinentes as sociedades de

economia mista (TJSC, 2004)2.

2 No mesmo sentido acompanham os processos ACMS 5.623, Itajaí, Desembargador Nestor Silveira, AI 10.228, Capital. Des. Orli Rodrigues.

51

3.2.4 Publicidade das decisões arbitrais

Outro entrave na utilização da arbitragem em contratos de empresas públicas

é o sigilo proporcionado pela Lei de Arbitragem. Por ser um instituto privado somente as

partes tem acesso ao processo.

Com efeito, numa análise superficial pode-se supor que os acordos firmados

pelas SEM mediante a arbitragem podem afastar a publicidade dos atos da Administração,

estabelecida no art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988, que é aplicável também às

empresas Públicas.

Ocorre que tal preceito não é obrigatório, não existindo nenhum artigo da

Lei 9.307/96, que indique tal proibição. Sendo assim, as SEM podem de acordo com a sua

vontade expor as decisões emanadas pelos órgãos arbitrais.

3.2.5 Foro privilegiado

As sociedades de economia mista não possuem foro privilegiado para dirimir

seus conflitos, tendo que ingressar com suas ações na Justiça Comum, conforme súmula nº

556 do STF, que descreve:

Súmula 556 É competente a Justiça comum para julgar as causas em que é parte sociedade de economia mista.

Desta forma, nota-se que o próprio STF afirma que as sociedades de

economia mista são equiparadas para fins processuais as empresas privadas.

Castro Nunes (1950, p.279) demonstra a possibilidade de aplicação do juízo

arbitral às questões em que a Fazenda é parte, faz retrospectiva histórica desde o tempo do

Império, salientando que, vedar ao Estado a possibilidade de se submeter à arbitragem,

seria restringir a autonomia contratual do Estado que, como qualquer pessoa, pode prevenir

litígios ou solucioná-los por via transacional, nas questões de natureza contratual ou

privada, pode por conseqüência submeter-se à arbitragem.

52

3.3 ASPECTOS SOCIAIS QUE INFLUEM NAS ATIVIDADES DAS SOCIEDADES DE

ECONOMIA MISTA

As empresas de capital misto têm grande parte do seu capital vindo de

investimentos de acionistas com caráter privado. Esses investimentos são necessários e

importantes para a eficiência destas empresas.

Com a negociação de ações nas bolsas de valores as sociedades de economia

mista sofrem fortes reflexos na produtividade devido a falta de investimento. Um dos

pontos apontados pelos investidores, principalmente externos, para não investir no Brasil é

a lentidão da Justiça. Com a inclusão da cláusula nos contratos Administrativos, estes

investidores que já utilizam normalmente este instituto jurídico passam a ter mais confiança

e investem um maior volume financeiro nestas empresas.

Outro fator importante para as sociedades de economia mista são os

empréstimos realizados para a realização de projetos e investimentos em tecnologia. Sendo

proibidos de inserir a cláusula compromissória, as sociedades de economia mista terão

maior dificuldade em conseguir estes empréstimos, pois a insegurança jurídica do

investidor é maior e ocorrendo qualquer problema em relação ao empréstimo, o mesmo terá

grande dificuldade de receber seu capital investido novamente.

Lemes afirma (1999, p. 206):

A possibilidade de solucionar diferendos comerciais entre Estado e particular é prática corrente no cenário internacional; ademais pode-se reputar como fator de incremento à arbitragem internacional nas últimas décadas. O impulso da arbitragem, em questões que envolvem o Estado ou as empresas públicas, foi intensificado com a proliferação exaustiva de acordos de garantias e promoção de investimentos, não apenas no âmbito bilateral como multilateral, tais como, os firmados no seio do NAFTA e MERCOSUL. Estes acordos asseguram ao investidor estrangeiro igualdade de tratamento com o capital nacional, os quais, em caso de desapropriação, serão indenizados. Relevam-se pela abrangência e alta capilaridade que propriedade imóvel, propriedade imaterial, títulos mobiliários etc. Possibilitam que o investidor estrangeiro acione, por via arbitral, O Estado, receptor do capital, que infringir os termos do acordo. Estes acordos internacionais abrangem também os contratos de concessão de serviço público.

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3.4 ALGUNS EXEMPLOS DA LEGISLAÇÃO ESTRANGEIRA Entre os países do Mercosul, tanto na Argentina quanto no Uruguai é

permitida a utilização da via arbitral para resolução de causas envolvendo empresas estatais

(LEMES, 1999, p. 185).

A Constituição Argentina, no seu artigo 116, não exclui da apreciação da

arbitragem litígios envolvendo o Estado ocorrendo interpretação de que é permitido

utilizar-se.

Segundo Pucci (1997, p. 55):

Não existe nenhuma disposição na lei argentina que proíba o Estado de submeter questões de índole patrimonial, em que não estejam comprometidas sua soberania nem seus poderes públicos, à resolução pela via arbitral. Sempre que o Estado pretenda resolver questões patrimoniais, nas quais não esteja comprometido seu poder de polícia, pode prorrogar a jurisdição dos juízes togados e louvar-se em árbitros.

Ainda conforme descreve Pucci (1997, p. 61):

Na Argentina as controvérsias surgidas em virtude dos contratos de obra pública celebrados entre o Estado argentino e os concessionários, poderão ser resolvidas pelo Tribunal Arbitral de Obras Públicas, criado originalmente pelo Decreto do Poder Executivo Federal nº 11.511, de 1947, atual Decreto nº1.496/91.

Em Portugal a arbitragem é prática comum entre particulares e empresas

estatais, com fundamento nos artigos 1º e 4º, da Lei nº 31/86, especialmente, no artigo a

seguir transcrito:

Art. 1º O Estado e outras pessoas coletivas de direito público podem celebrar convenções de arbitragem, se para tanto forem autorizados por lei especial ou se elas tiverem por objeto litígios respeitantes as relações de direito privado. (PORTAL DO GOVERNO, 2004).

Em Portugal também só poderão ser resolvidos por meio da arbitragem os

conflitos entre Estado e particulares que envolvam bens patrimoniais disponíveis (LEMES,

1999, p. 188).

Na Espanha a arbitragem também é aceita em conflitos entre o Estado e

particulares, porém não ocorre menção na própria lei como em Portugal. Na Espanha a lei

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apenas descreve quem são as pessoas que podem utilizar a arbitragem. Segundo Navarrete

(1991, p. 38), a Lei espanhola nº 36/88, no artigo 1º, estabelece que mediante a arbitragem,

as pessoas naturais ou jurídicas podem submeter convênio prévio à decisão de um ou vários

árbitros as questões litigiosas, surgidas ou que possam surgir, em matéria de livre

disposição conforme o direito. (LEMES, 1999, p. 188).

Na França somente pode ser utilizada a arbitragem em casos esparsos e

quando autorizada pelo Executivo. Segundo Leme (1999, p. 191), apesar da tradição rígida

que remonta ao Código de Processo Civil de 1806 de não permitir que o Estado firmasse

convenção de arbitragem, chegamos a uma sucessão de leis e decretos que flexibilizaram a

mencionada interdição, culminado com a Lei nº 3025 de 1975, que alterou o art. 2.060 do

CPC, permitindo que certas categorias de estabelecimentos públicos industriais e

comerciais previamente autorizados pelo executivo possam concluir convenção de

arbitragem (LEMES, 1999, p. 189).

A resolução de conflitos por arbitragem ocorre em grande parte do mundo

entre empresas estatais e privadas, mostrando-se eficiente e rápida solução de litígios. Em

grandes obras de empresas estatais estrangeiras existe a inserção da cláusula

compromissória.

Segundo Lemes (2004, p. 191):

A estipulação da arbitragem em contratos cujos investimentos são vultosos é pratica universal. O Eurotúnel anglo-francês, as estradas e pontes recentemente construídas em Portugal e a Eurodisney francesa são alguns exemplos de empreendimentos com cláusulas arbitrais.

3.5 DECISÕES JUDICIAIS QUE ENVOLVEM À ARBITRAGEM

Até hoje poucas foram as decisões judiciais sobre esta matéria, restando

ainda dúvidas sobre o tema. Como as decisões arbitrais são reservadas resguardando o

sigilo das partes, a pesquisa fica prejudicada em relação a julgados nesta área, restando

apenas os casos que foram levados ao Judiciário e consequentemente conhecidos. A

decisão, mais conhecida e presente na maioria das doutrinas pesquisadas é a do espólio de

Henrique Lage contra a União, no qual o STF foi favorável ao emprego da arbitragem.

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O STF, em sessão plenária e por unanimidade, em 1973, no Agravo de

Instrumento nº 52.181 –GB, cujo relator é o Ministro Bilac Pinto, negou provimento ao

requerimento do agravante, afirmando a legalidade do juízo arbitral, até mesmo nas causas

envolvendo a Fazenda.

O Ministro Bilac Pinto relatou:

Tenho como incensurável a decisão recorrida, quer no que concerne à constitucionalidade e à legalidade do juízo arbitral.

O Ministro Rodrigues Alckmin afirmou em seu voto:

Não procedem, ainda, as alegações de ofensa à Constituição porque excluída a recorribilidade da decisão. A fixação de valores por terceiros resulta de ato negocial. E ninguém sustentará que a aceitação do negócio jurídico, ou do valor que veio a ser fixado consoante prévio acordo de vontades, não possa ser admitido legítimo e que a regra pacta sunt servanda deve ser tida como inconciliável com o monopólio jurisdicional. Não Há confundir, repita-se, a composição negocial de conflitos de interesse com o exercício da jurisdição.

Outra decisão importante para o tema foi o parecer do TCU, no processo nº

006.098/93-2, que analisou a concessão de exploração da Ponte Rio-Niterói. O parecer

originou a Decisão nº 188/95, publicada em 22/05/1995, que declarou a pertinência da via

arbitral para resolução de controvérsias, envolvendo a Administração Pública indireta.

Segundo Lemes (1999, p. 198), esta decisão, indubitavelmente, deu norte

orientador para as futuras contratações na área federal.

O Subprocurador-Geral, Dr. Lucas Rocha Furtado, em seu parecer afirma:

A utilização da arbitragem encontra, portanto, fundamento legal, sendo descabido falar-se em violação do princípio da legalidade, e constitui forma célere e econômica para a solução de litígios em contratos de concessão, podendo apenas trazer vantagens para a Administração Pública. Deve-se concluir, portanto, que a utilização de árbitros possui amparo legal (Lei 9.987/95) e apresenta-se conveniente para a Administração Pública, não sendo mais possível, após o advento da legislação mencionada, falar-se em ilicitude da cláusula de contrato de concessão celebrado com o consórcio Andrade Gutierrez/Camargo Corrêa [...].

Em seu voto, na decisão 188/95, o Ministro Relator Affonso Martins de Oliveira, alega:

Sobre a utilização da arbitragem para solucionar divergências contratuais, cabe registrar que o edital a considera como forma de evitar a litigiosidade judiciária. Convém lembrar que:

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a) arbitragem aplica-se somente aos direitos disponíveis, não incidindo sobre o interesse público, que é indisponível por não se achar entregue à livre disposição do Administrador; b) Somente quando autorizada pela lei a transigir amigavelmente, a Administração pode eleger árbitro para mediar suas divergências contratuais. Assim, entendo que a Lei nº 8.987/95 conferiu, nas condições acima, base legal para a utilização da arbitragem, acolho parcialmente as conclusões da 1ª SECEX e de douta Procuradoria no sentido de considerar a arbitragem no âmbito da expressão modo amigável de solução de divergências contratuais, desde que observe o princípio da legalidade e a indisponibilidade do interesse público, o que também deve ocorrer nas chamadas concessões mútuas, ou na transação.

Sobre a mesma decisão, o Ministro Revisor Átila Álvares da Silva, afirmou:

Permanece válida a ressalva de que, mesmo quando submetido a juízo arbitral, a solução de qualquer tema controverso que surja na execução do contrato administrativo somente pode ser aceita pelo gestor público se submetido qualquer ato seu – inclusive aquele de aceitação do compromisso ínsito no arbitramento.

Verifica-se, pois, dois requisitos fundamentais para a utilização da

arbitragem, segundo o TCU:

a) a disponibilidade dos direitos; e

b) a autorização legislativa prévia.

Recentemente em julgamento do Recurso Extraordinário nº 253885 (STF,

2004b), em que era Recorrente o Município de Santa Rita do Sapucaí e Recorrida Lázara

Rodrigues Leite, foi questionado novamente a possibilidade da utilização da arbitragem

pelo Estado, o que novamente foi aceito.

Em seu relatório a Ministra Ellen Gracie Northfleet afirma:

Em regra, os bens e o interesse público são indisponíveis, porque pertencem à coletividade. É, por isso, o Administrador, mero gestor da coisa pública, não tem disponibilidade sobre os interesses confiados à sua guarda e realização. Todavia, há casos em que o princípio da indisponibilidade do interesse público deve ser atenuado, mormente quando se tem em vista que a solução adotada pela Administração é a que melhor atenderá à ultimação deste interesse. Assim, tendo o acórdão recorrido concluído pela não onerosidade do acordo celebrado, decidir de forma diversa implicaria o reexame da matéria fático-probatória, o que é vedado nesta instância recursal.

As decisões demonstradas verificam a possibilidade da utilização da

arbitragem na resolução dos litígios envolvendo as SEM. Os fundamentos principais

indicados, são a liberdade das SEM de poder escolher a via arbitral sem prejuízo do

interesse público. As escolhas pela via arbitral ocorreram nestes julgados ainda na fase

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contratual, pois os recursos julgados tinham por objetivo derrubar a legalidade da via

arbitral. Fica evidenciado que em nenhum dos casos as empresas recorrentes assinariam um

compromisso arbitral, pois são contrárias, não ao mérito do problema, mas sim a via

arbitral. Desta forma o que se reconheceu nos julgados foi a possibilidade de inserção da

cláusula compromissória nos contratos das SEM.

3.5 ESTÁGIO ATUAL DAS DISCUSSÕES LEGISLATIVAS SOBRE O TEMA

O ordenamento jurídico brasileiro vem sofrendo transformações gradativas e

mostra-se favorável à utilização da arbitragem em todos os contratos empresariais. Nos

contratos que envolvam sociedades de economia mista esta evolução também vem

acontecendo, seja pela jurisprudência ou pela elaboração de leis que venham de encontro

com essa vertente.

Tramita no Congresso Nacional o projeto das parcerias público-privada,

estando em fase final para aprovação, tendo como principal objetivo, segundo seu artigo 2º,

estabelecer vínculo jurídico para implantação ou gestão, no todo ou em parte, de serviços,

empreendimentos e atividades de interesse público, em que o financiamento e a

responsabilidade pelo investimento e pela exploração incubem, ao partícipe privado.

Este projeto, se aprovado, incluíra a possibilidade de inclusão da cláusula

compromissória nos contratos destas parcerias. O artigo 10, III, e) do referido projeto

descreve:

Art.10 - A contratação de parceria público-privada deve ser precedida de licitação na modalidade de concorrência, observando o seguinte: [...] III – no edital de licitação, poderá se exigir: [...] e) facultar a adoção da arbitragem para solução dos conflitos decorrentes da execução do contrato.

Se aprovado o projeto das parcerias público-privadas a arbitragem ganhará

mais respaldo legal, para poder ser utilizada em empresas públicas.

Em contraposição a inclusão da possibilidade da cláusula compromissória

nas parcerias público-privadas está o texto da emenda constitucional da reforma do

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Judiciário, que veta a arbitragem em contratos Administrativos.

Se aprovada pelo Congresso Nacional a emenda dará fim a possibilidade da

inclusão da cláusula compromissória nos contratos das empresas de capital misto. Este

tema está sendo amplamente discutido no Congresso e tem forte resistência a aprovação. O

próprio Governo Federal, após enviar o projeto a Comissão de Conciliação e Justiça, que

incluiu o veto com aprovação da própria base aliada do Governo sem muitas discussões,

quer a retirada deste item da reforma (Pereira Prado, 2004, p. A-9).

Segundo Pereira e Prado (2004, p. A-9):

A liderança do Governo no Senado Federal apresentará um destaque em plenário a fim de retirar da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Reforma do Judiciário a proibição do uso de arbitragem pelas entidades de direito público. O dispositivo foi incluído no texto pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa com a anuência da base aliada e sem muitas discussões, que estavam concentradas em temas como o controle externo e a súmula vinculante.

O Governo espera reverter este quadro que causa insegurança em

investidores e no próprio executivo, na fase final da tramitação do projeto, conforme

esclareceu o atual Ministro da Justiça, Dr. Marcio Thomas Bastos (2004, p. A-9), em

entrevista ao Jornal Valor Econômico:

Os líderes da base aliada reconhecem o equívoco e preparam-se para corrigir o erro na fase final da tramitação.

A utilização da arbitragem está prevista em outros projetos e leis que seriam

considerados inconstitucionais após a publicação, como as parcerias público-privadas e a

Lei do Petróleo.

Segundo nota do escritório de advocacia Barbosa, Müssnich e Aragão

Advogados (Pereira, Prado, A-9):

As leis de Concessão Públicas, de Petróleo e Telecomunicações e até mesmo empréstimos internacionais contratados pela administração pública contemplam a arbitragem. Se o dispositivo for aprovado, gerará grave insegurança jurídica e provocará grave retrocesso no País, porque afastará os investidores internacionais.

Conforme Lemes (2004):

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Diante deste quadro, é totalmente inoportuna a vedação das entidades públicas em solucionar conflitos por arbitragem incluída no texto da emenda constitucional de reforma do Judiciário, que atualmente tramita no Senado Federal e que será votada nos próximos dias. O desserviço que se presta ao país é incomensurável. Primeiro, que não é necessariamente matéria para estar disposta na Constituição Federal, mas em lei ordinária. Ademais, se fosse o caso, deveria referendar o uso da arbitragem no setor público, tal como já disposto na lei ordinária e reconhecido pela jurisprudência e doutrina. Segundo, contraria o preâmbulo da Constituição, que incentiva a solução pacífica de controvérsias.

Considerando:

O que dizem as disposições das Leis da arbitragem, as Leis das S/A, da Lei

de concessão de serviço público e todas as demais demonstradas, dos argumentos

doutrinários de que a arbitragem através da inserção da cláusula compromissória pode ser

utilizada nos contratos das SEM e as manifestações do STF e do Tribunal de Contas

favoráveis ao procedimento arbitral nos contratos das SEM, pode-se concluir que a cláusula

compromissória é possível nos contratos administrativos que envolvam interesse público

secundário e bens patrimoniais disponíveis, ou seja, quando a sociedades de economia

mista atuam somente no campo privado, não emanando decisões sobre seus atos.