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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE DO PARANÁ UENP
CAMPUS JACAREZINHO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA JURÍDICA
LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO
O DIREITO À EDUCAÇÃO INFANTIL E SUA
INCLUSÃO NA LINHA DE AÇÃO DE
POLÍTICAS SOCIAIS BÁSICAS DO ESTADO:
AVANÇOS E DESAFIOS
Jacarezinho - PR
2016
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE DO PARANÁ UENP
CAMPUS JACAREZINHO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA JURÍDICA
LUIZ HENRIQUE BATISTA DE OLIVEIRA PEDROZO
O DIREITO À EDUCAÇÃO INFANTIL E SUA
INCLUSÃO NA LINHA DE AÇÃO DE
POLÍTICAS SOCIAIS BÁSICAS DO ESTADO:
AVANÇOS E DESAFIOS
Dissertação de Mestrado apresentada ao
programa de Pós-graduação em Ciência
Jurídica do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Estadual do
Norte do Paraná – UENP – Campus
Jacarezinho, como pré-requisito à obtenção do título de Mestre em Ciência Jurídica.
Área de Concentração: Teorias da Justiça:
Justiça e Exclusão.
Linha de pesquisa: Responsabilidade do
Estado: questões críticas.
Candidato: Luiz Henrique Batista de
Oliveira Pedrozo.
Orientador: Prof. Dr. Fernando de Brito
Alves
Jacarezinho - PR
2016
Autorizo a reprodução e divulgação total e parcial desse trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
PEDROZO, Luiz Henrique Batista de Oliveira.
O direito à educação infantil e sua inclusão na linha de ações de políticas sociais
básicas do Estado: Avanços e Desafios/Luiz Henrique Batista de Oliveira Pedrozo.
Jacarezinho (PR): UENP/Campus de Jacarezinho, 2016.
Xi, 192f.: il.; 2 cm.
Orientador: Dr. Fernando de Brito Alves
Dissertação (Mestrado) – UENP/Campus de Jacarezinho/Programa de Pós-
graduação em Ciência Jurídica, 2016.
Referências Bibliográficas: f. 176-189.
1. Teorias da Justiça. 2. Responsabilidade do Estado. 3. Direito à Educação
Infantil. I. Alves, Fernando de Brito. II. Universidade Estadual do Norte do
Paraná, Campus de Jacarezinho, Programa de Mestrado em Ciência Jurídica.
III. Título
PEDROZO, L. H. B. O. O Direito à Educação Infantil e sua Inclusão na Linha de Ação de
Políticas Sociais Básicas do Estado: Avanços e Desafios. Dissertação de Mestrado
apresentada a Universidade Estadual do Norte do Paraná – campus Jacarezinho, como
requisito à obtenção do título de Mestre em Ciência Jurídica.
Aprovado em:
Banca Examinadora
Professor Dr. ______________________________ Instituição: ________________________
Julgamento: _______________________________ Assinatura ________________________
Professor Dr. ______________________________ Instituição: ________________________
Julgamento: _______________________________ Assinatura ________________________
Professor Dr. ______________________________ Instituição: ________________________
Julgamento: _______________________________ Assinatura ________________________
Dedico este trabalho a todos os professores
que a vida me deu de presente e a todas as
crianças que não tiveram ou que ainda tentam
a mesma sorte.
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente à Universidade Estadual do Norte do Paraná e à
Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Ciência Jurídica, por terem me dado a honra
de retornar na condição de mestrando, aos mesmos bancos acadêmicos onde em 2002 me
formei bacharel em direito e aprendi a arte de ser um bom jurista.
Ao meu querido e paciente orientador, professor Dr. Fernando de Brito Alves, por
acreditar em mim e no meu potencial, e por ter se tornado um verdadeiro amigo no decorrer
desta jornada. Obrigado por me fazer aprender e a gostar ainda mais de filosofia política, e
por me ajudar a polir e aproveitar o lado crítico de minhas ideias. Obrigado por ter sido
sempre compreensivo, por ter sanado todas as minhas dúvidas e por ter acolhido minhas
iniciativas, mostrando-me o caminho de uma pesquisa com qualidade.
Ao professor Dr. Renato Bernardi, por ter aceitado participar da minha banca de
qualificação, por ter feito sugestões importantes à finalização da pesquisa e por ter colaborado
imensamente com os debates promovidos em sala de aula, sem os quais esse trabalho com
certeza ficaria mais pobre.
Ao professor Dr. Jorge Sobral da Silva Maia, que ao participar da minha banca de
qualificação sugeriu leituras importantíssimas que não apenas enriqueceram o trabalho final,
como também me motivaram a dar continuidade aos estudos sobre o assunto.
À querida professora Dra. Ana Elisa Spaolonzi Queiroz Assis, da Faculdade de
Educação da UNICAMP, que tão prontamente se dispôs a me auxiliar nos estudos sobre
Educação, fornecendo-me um vasto material de suas pesquisas e apresentando-me grande
parte dos autores da área educacional que compõem este trabalho.
À querida amiga e professora Dra. Fabiana Polican Ciena, por me ajudar sempre que
possível, emprestando livros, me convidando para eventos sobre educação e direito e, por me
ajudar a dar corpo a tantas ideias iniciais.
À Maria Natalina da Costa, responsável pela Secretaria do Programa de Mestrado em
Ciência Jurídica, por toda compreensão e auxílio.
À estimada tia Meire, pelo carinho com que revisou “o português” de cada página
escrita e pela dedicação em me transmitir suas experiências e percepções na arte de educar.
Ao estimado Rodrigo César dos Santos Vida, por toda compreensão, dedicação e
apoio na revisão e formatação deste trabalho. Obrigado pela sua paciência e pela
espontaneidade em ajudar sempre.
Aos amigos, Douglas Oliveira, Leonardo Camargo Marangoni, Karina Ayumi
Tanno, Simoni Takahashi Oliveira Brito, Marianna Reghin Welani, Bruna Fernanda Costa,
Thaís Mariane Silva e Cilene Silva Lima pela colaboração e incentivos extra sala,
especialmente, nas discussões sobre os estudos sobre as políticas públicas nos municípios, nas
desconstruções necessárias à revisão do pensamento e, no fornecimento dos dados necessários
à análise de caso.
Aos meus queridos amigos da turma 11, por fazerem dos nossos encontros de final
de semana sempre tão produtivos e acolhedores. O que sinto por vocês é gratidão, no mais
puro sentido da palavra!
Aos meus pais e eternos professores, Darci José Pedrozo e Irene Batista de Oliveira
Pedrozo, pelo amparo, pelos conselhos, por toda educação e carinho recebidos, ingredientes
indispensáveis à minha formação enquanto homem e cidadão.
Aos meus irmãos, Fabiana Batista de Oliveira Pedrozo e Marcus Vinícius Batista de
Oliveira Pedrozo, por me ensinarem cada um ao seu modo, a exercitar minha paciência,
minha compaixão, minha solidariedade e tolerância.
Ao meu afilhado querido, Agnus Petrus de Oliveira, por me provar a cada dia o real
significado da expressão “filho do coração”.
Aos meus sobrinhos amados, Maria Clara Pedrozo Jorge, Marcus Vinícius Batista de
Oliveira Pedrozo Filho, Lorenzo Batista de Oliveira Pedrozo e Ana Carolina Batista de
Oliveira Pedrozo, por servirem de toda inspiração e estímulo nos estudos sobre Educação
Infantil.
À Tia Idê (in memorian), minha primeira professora, por ter me ensinado muito mais
que letras, números e palavras, por ter sido a primeira pessoa a me ensinar que “não se foge
da escola”, e que a escola pode sim ser um lugar onde uma criança pode desejar estar.
“A criança é o pai do homem.”
William Wordsworth
PEDROZO, L. H. B. O. O Direito à Educação Infantil e sua Inclusão na Linha de Ação de
Políticas Sociais Básicas do Estado: Avanços e Desafios. 184 p. Dissertação (Mestrado).
Universidade Estadual do Norte do Paraná – campus Jacarezinho. 2016
RESUMO
Desde os tempos do Brasil Colônia, a educação dada às crianças pequenas era mais
intimamente ligada à assistência, ao cuidado, que à formação humana e social propriamente
dita. Por conta disso, ainda é comum encontrar quem defenda a ideia de creche e pré-escola
como sendo lugares que devem se dedicar única e exclusivamente aos cuidados das crianças
enquanto os pais trabalhadores estão fora. Uma ideia que desde a promulgação da
Constituição Federal de 1988 não pode ser mais admitida, uma vez que com a nova ordem
constitucional, a educação passou a ser considerada também, um direito que deve ser
garantido a toda e qualquer criança. A par disso, o presente trabalho busca explicar como o
acesso à creche e à pré-escola evoluiu desde a promulgação da Magna Carta, partindo de uma
política puramente assistencialista direcionada preferencialmente às mulheres pobres, até
alcançar o status de direito fundamental a ser garantido pelo Estado a toda criança com idade
entre 0 e 5 anos. Promove uma análise crítica acerca das atribuições repassadas aos entes
municipais com relação ao planejamento e efetivação da política educacional infantil,
valendo-se da realidade fática de um dos municípios do Estado do Paraná para demonstrar
não apenas as dificuldades enfrentadas, mas também, a forma como o Poder Judiciário tem
cobrado essa implementação. Nesse sentido, aborda a questão dos planos decenais de
educação para explicar como a adoção de medidas programáticas e progressivas podem ser
definidas de forma dialógica entre as esferas de poder e os atores sociais, sobretudo, o
Ministério Público, como forma de viabilizar um melhor planejamento e gestão da política
pública, evitando-se a intervenção posterior, via decisões judiciais, no orçamento público
municipal. Atenta, ainda, para o fato de o Ministério Público ter de rever também a sua forma
de atuação, uma vez que tem desempenhado parcialmente o seu papel com relação a essas
políticas públicas quando se concentra basicamente na atuação fiscalizadora dos atos da
administração pública posteriores à definição das estratégias e dos orçamentos, quando na
verdade deveria se dedicar também à participação ativa no processo de elaboração, definição,
deliberação e planejamento da política educacional, inclusive junto aos conselhos de direito.
Palavras-Chave: Educação Infantil; direito fundamental; planejamento; participação.
PEDROZO, L. H. B. O. The Right to Childhood Education and its inclusion in the State
Basic Social Policy Action Line: Progress and Challenges. 184 p. Thesis (MS). State
University of Northern Paraná - campus Jacarezinho. 2016
ABSTRACT
Since when Brazil was a Portuguese colony, early childhood education was focused on
welfare and caring instead of in the human social development. Because of that historic
background, it is still common to find who defends the idea of kindergarten and preschools as
places exclusively focused on those principles – places for children caring while their parents
are working. However, after promulgation of Brazilian Federal Constitution in 1988, this idea
could no longer be supported, once the new constitutional order came to see education as a
guaranteed to any child. Aware of this, this study sought to explain how access to
kindergartens and preschools has changed since the promulgation of the Magna Carta and
over time, coming from a welfare policy aimed at poor women to a fundamental, assured right
to be granted by the State to any child from 0 to 5 years old. In addition, this study promotes a
critical analysis of the powers transferred to municipal entities regarding planning and
realization of children's educational policy, drawing upon the factual reality of a specific city
of the Paraná State in order to demonstrate not only the difficulties encountered but also the
way the Judiciary has charged that implementation. In this sense, it addresses the issue of
decennial plans of education to explain how the adoption of programmatic and progressive
measures can be defined in dialogue between the spheres of power and the social actors,
particularly the Public Ministry, in order to enable better planning and management of public
policy, avoiding further intervention through judicial decisions in the municipal budget. Yet,
this study also highlights the urgent need of the Public Ministry to review the way it operates,
since it has only partially played its role with respect to those policies when it focuses
primarily on the supervisory role of the acts of government after the definition of the
strategies and budgets, when in fact it should be dedicated also to active participation in the
process, resolution, deliberation and planning of educational policy, along with the right
council.
Key words: Early childhood education; fundamental rights; planning; participation
LISTA DE FIGURAS
Figura 1
Distribuição etária da população do Brasil e do Estado do Paraná 142
Figura 2 O processo administrativo de formulação dos Planos de Educação nos
Municípios
149
Figura 3 Distribuição etária da população do município de Ibiporã em
comparação com a do Estado do Paraná e do Brasil
157
LISTA DE TABELAS
Tabela 1
Estrutura do Sistema Educacional antes de 1971 46
Tabela 2 Quadro comparativo entre as meta do atendimento a educação infantil
conforme os PNE 2001-11 e 2014-2025.
119
Tabela 3 Número de matrículas na Educação Infantil do Paraná segundo
dependência administrativa.
144
Tabela 4 Número de matrículas no Paraná por etapa e dependência
administrativa.
144
Tabela 5 Número de matrículas realizadas no atendimento infantil em âmbito
nacional em 2012.
145
LISTA DE ABREVIATURAS
AEE: Atendimento Escolar Especializado
AMP: Associação dos Municípios do Paraná
CAPES: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CEPAL: Comissão Econômica para a América Latina e Caribe
CF: Constituição Federal
CMEI: Centro Municipal de Educação Infantil
CNCC: Comissão Nacional Criança e Constituinte
CNE: Conselho Nacional de Educação
COEDI: Coordenação Geral de Educação Infantil
COEPRE: Coordenação de Educação Pré-escolar
DCNEI: Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil
DUDCA: Declaração Universal dos Direitos da Criança e do Adolescente
DUDH: Declaração Universal dos Direitos Humanos
EC: Emenda Constitucional
ECA: Estatuto da Criança e do Adolescente
FNDE: Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
FUNDEB: Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos
Profissionais da Educação
FUNDEF: Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do
Magistério.
IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INEP: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
LDB (ou LDBEN): Lei de Diretrizes e Bases do Ensino Nacional
LDO: Lei de Diretrizes Orçamentárias
LOA: Lei Orçamentária Anual
MDS: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
MEC: Ministério de Educação e Cultura
MP: Ministério Público, Parquet
OCDE: Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
ONG: Organização Não-governamental
OOSC: Out of School Children
PAR: Plano de Ações Articuladas
PARFOR: Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica
PDE: Plano de Desenvolvimento da Educação
PDE-E: Plano de Desenvolvimento da Escola
PME: Plano Municipal de Educação
PNAD: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PNE: Plano Nacional de Educação
PPA: Plano Plurianual
RCNEI: Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil
SRM: Salas de Recursos Multifuncionais
STF: Supremo Tribunal Federal
UIS: Instituto de Estatísticas da UNESCO
UNDIME: União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação
UNESCO: Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Sigla em inglês
UNICEF: Fundo das Nações Unidas para a Infância. Sigla em inglês
UPP: Unidade de Polícia Pacificadora
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...............................................................................................................................15
1 A EVOLUÇÃO DA EDUCAÇÃO NO BRASIL ATÉ 1988: UMA ABORDAGEM PRÉVIA E
NECESSÁRIA À COMPREENSÃO DO DIREITO À EDUCAÇÃO INFANTIL .......................20
1.1 A RELAÇÃO ENTRE EDUCAÇÃO E OS DIREITOS SOCIAIS – PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES ..............20 1.2 UM RESGATE HISTÓRICO-LEGAL DA EDUCAÇÃO NAS CARTAS CONSTITUCIONAIS.....................25
1.2.1 Constituições de 1824 a 1967 ............................................................................................25
1.2.2 Constituição Federal de 1988 ............................................................................................48 1.3 RAÍZES DO ATRASO: O PERCURSO HISTÓRICO DO ATENDIMENTO À CRIANÇA NUMA SOCIEDADE
QUE CUSTOU A APRENDER O QUE É INFÂNCIA.................................................................................54
1.3.1 Primeiro período (1500 a 1874): Brasil Colônia ...............................................................57
1.3.2 Segundo Período (1874-1889): Brasil Império ..................................................................59
1.3.3 Terceiro período (1889- 1930): Primeira República .........................................................62
1.3.4 Quarto período (1930-1988): da Era Vargas à Constituição Cidadã .................................65 1.4 A NOVA VISÃO POLÍTICO SOCIAL ACERCA DA CRIANÇA E DA EDUCAÇÃO INFANTIL ..................74
2 A NOVA BASE LEGAL DA EDUCAÇÃO INFANTIL E SUA AFIRMAÇÃO ENQUANTO
PRIMEIRA ETAPA DA EDUCAÇÃO BÁSICA, DIREITO DA CRIANÇA, OPÇÃO DA
FAMÍLIA, DEVER DO ESTADO E ATRIBUIÇÃO DO MUNICÍPIO .......................................81
2.1 A CONSTRUÇÃO DE UM NOVO CONCEITO DE EDUCAÇÃO INFANTIL NO PERÍODO PÓS-1988:
MARCOS LEGAIS ............................................................................................................................81
2.1.1 O ECA e a Educação Infantil ............................................................................................87
2.1.2 A questão da gratuidade da Educação Infantil ..................................................................96
2.1.3 A Lei nº 9.394/1996 (LDBEN) e a política nacional de Educação Infantil .........................98
2.1.4 Planejamento (PPA, LDO e LOA; PDE e PAR; PPP e PDE-Escola)...............................104 2.2 AS POLÍTICAS DE FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL DE ACORDO COM A LDBEN ...... 106 2.3 OS PLANOS DE EDUCAÇÃO .................................................................................................... 110
2.3.1 Novo plano para necessidades antigas: as metas e as estratégias do PNE (2014/2024)
voltadas à Educação Infantil ...................................................................................................114
2.3.2 Comparativo entre as metas do PNE atual com seu antecessor .......................................118 2.3.3 Situação atual de implementação do PNE 2014-24 com base nos dados do IBGE (2013-14)
e do Observatório do PNE .......................................................................................................120 2.3.4 Outras políticas públicas federais relacionadas à Educação Infantil: descrição e análise
...............................................................................................................................................123
3 O DIAGNÓSTICO DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL, NO PARANÁ, E OS PLANOS
MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO: PERSPECTIVAS E DESAFIOS NO PLANEJAMENTO
LOCAL DA POLÍTICA EDUCACIONAL VOLTADA À CRIANÇA PEQUENA. ..................134
3.1 A EDUCAÇÃO INFANTIL NA AMÉRICA LATINA E A SITUAÇÃO DO BRASIL EM COMPARAÇÃO COM
OS OUTROS PAÍSES MUNDO. ......................................................................................................... 134 3.2 O DIAGNÓSTICO DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL E NO ESTADO DO PARANÁ ................... 141 3.3 A CONTEXTUALIZAÇÃO DA CONSTRUÇÃO DOS PLANOS MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO............... 147 3.4 AS DIVERGÊNCIA DE OPINIÕES ENTRE O JUDICIÁRIO E O EXECUTIVO ACERCA DA EDUCAÇÃO
INFANTIL..................................................................................................................................... 151
3.5 A JUDICIALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO INFANTIL PELA ÓPTICA DE UM DOS MUNICÍPIOS
PARANAENSES: ANÁLISE DE CASO................................................................................................ 156 3.5.1 A prestação do direito à educação face o mínimo existencial e a reserva do possível:
análise da sentença .................................................................................................................164
3.5.2 A razoabilidade da decisão judicial ante as perspectivas do caso concreto .....................169
CONCLUSÃO ...............................................................................................................................172
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................176
ANEXOS .......................................................................................................................................190
15
INTRODUÇÃO
Quando se fala em Educação Infantil, logo se interroga acerca da importância da
escola na vida daquelas crianças, que de tão pequenas mal sabem falar o próprio nome. De um
modo geral, a sociedade não leva em consideração o aprendizado da criança pequena para
definir o papel da creche e pré-escola na vida desses pequenos, e por compreenderem a
educação como estritamente ligada à leitura e às operações aritméticas, quase sempre reforça
o entendimento de que o dever maior dessas instituições é promover o cuidado com a
alimentação, as vestimentas, a higiene e a integridade física das crianças enquanto os pais
estão trabalhando.
Algumas crianças vivem em ambientes bem estruturados que as incentivam a se
desenvolver, e por serem crianças de famílias que participam ativamente dos processos de
aprendizado, acompanhando de perto cada passo do desenvolvimento físico, mental, social e
cultural, protegendo-as das mais variadas formas de estresses e violências, a escola funciona
como um complemento, como mais um instrumento de estímulo.
No entanto, imensamente maior é o número de crianças pequenas que sobrevivem
em condições precárias, em lares inseguros, faltosos de estrutura afetiva, educacional,
financeira e moral, em famílias com pouco ou sem nenhuma condição de prover-lhes um
ambiente favorável ao desenvolvimento humano completo. Sem estímulos no seio familiar ou
na comunidade em que vivem essas crianças, cujas chances de desenvolvimento são
reduzidas, têm na escola um elemento essencial, portanto indispensável à sua construção
cidadã. Para essas crianças a escola não só é culturalmente enriquecedora como é considerada
elemento-chave na definição das experiências basilares da futura vida adulta. Nesses casos, o
papel da creche e da pré-escola é trabalhar primordialmente, de forma articulada às famílias,
as necessidades, as habilidades, os desejos, os comportamentos e medos das crianças
pequenas, para que estas possam de fato avançar rumo ao Ensino Fundamental com condições
de se sentirem acolhidas, integradas à sociedade. É nesta fase da vida da criança que se
reforçam as bases para a educação formal posterior que lhe será cobrada pelo mercado de
trabalho.
Comprovadamente, a criança que não recebe na infância os devidos estímulos chega
ao ensino fundamental com dificuldades de acompanhar o ritmo daqueles que foram
suficientemente estimulados. Isso acaba prejudicando não apenas a criança, mas toda a
sociedade, que perde com a diminuição do capital humano. Daí a necessidade de o Estado
16
incentivar e assegurar, através de diferentes e articulados programas sociais, que cada geração
seja efetivamente melhor educada, mais produtiva, mais saudável e mais comprometida com o
futuro do país em comparação com a anterior.
A existência das creches e pré-escolas permite que famílias, em especial as de baixa
renda e escolaridade, garantam a seus filhos um estímulo adequado no tempo certo. Para
alguns especialistas, se os estímulos psicoeducacionais começam apenas na faixa dos 3 ou 4
anos, pode-se perder preciosas oportunidades de se promover avanços intelectuais e
comportamentais e os danos na vida da criança nestas condições podem ser irreversíveis.
Sob a óptica da criança pequena, pouco importa quem cuidará dela, basta que o
adulto encarregado disso saiba acolhe-la, alimentá-la e estimulá-la de forma adequada em prol
do seu desenvolvimento físico, mental e moral. Mas, quando a criança alcança a faixa dos 3
anos de idade, a falta da escola não pode mais ser ignorada, porque é nessa fase que a criança
precisa realmente se socializar, conviver, interagir com outras crianças. O contato direto com
outros indivíduos promove a troca de experiências, e é através dessa interação que a criança
de fato aprende a controlar comportamentos e sentimentos, e descobre através das
brincadeiras a melhor forma de explorar suas habilidades, muitas das quais não aprenderá
com livros didáticos ou exercícios para se fazer em casa.
Daí falar-se que a educação é reconhecida antes de tudo como um ato político,
porque deflagra todo um processo de construção continuada do homem em sociedade, um
processo complexo mas necessário à integração de todas as relações interpessoais firmadas no
decorrer de sua existência e que depende, por sua vez, da articulação entre Administração
Pública e demais atores sociais, em especial da sociedade civil organizada, do Ministério
Público, da comunidade escolar, das famílias e dos conselhos de direito, na forma de
definições estratégicas da política educacional em total consonância com a realidade social.
Foi com base nessa ideia de educação como ato político que se delinearam as
primeiras páginas deste trabalho, voltadas a elucidar o leitor acerca do real papel da Educação
Infantil na vida de uma criança com idade entre 0 e 5 anos, e das especificidades que a
Educação Infantil têm em relação às demais etapas da Educação Básica, especificidades estas
responsáveis por colocá-la no rol das prioridades estratégicas para o desenvolvimento humano
do país.
Para determinar porque estas instituições, antes consideradas fora do sistema
nacional de educação, atualmente são reconhecidas como sendo instituições educativas
necessárias à primeira etapa da Educação Básica, investigou-se os motivos pelos quais os
Municípios merecem maior e melhor apoio para manter e gerir estas instituições, e porque a
17
educação da criança pequena, agora prevista em Lei, deixou de ser interesse dos pais ou
responsáveis e passou a ser um direito do menor, gerando uma responsabilidade tanto para a
família quanto para o Estado.
A par de todo o contexto histórico da Educação no Brasil, mais especificamente
antes da Constituição Federal de 1988, há de se observar que os pais ou responsáveis legais,
sob pena de serem criminalmente responsabilizados por “abandono intelectual”, eram
obrigados a matricular seus filhos apenas no ensino fundamental aos sete anos de idade, e
forçá-los a estudar até os 14 anos. Observa-se também que, por muito tempo, quase nada se
falava a respeito da obrigatoriedade da Educação Infantil em creches e pré-escolas, visto que a
educação da criança pequena era considerada uma obrigação exclusiva da família.
Somente com as alterações promovidas pela Constituição Federal (CF) de 1988, pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 1990, e pela Lei de Diretrizes e Bases do
Ensino Nacional (LDBEN, Lei nº 9394/1996), a Educação Infantil passou a ser encarada
como etapa importante para a formação de um indivíduo dócil, sociável e produtivo à
sociedade, e a matrícula da criança na pré-escola deixou de ser uma prerrogativa dos pais para
se tornar obrigatória aos 4 anos de idade. Uma mudança de paradigma consagrada pela
Emenda Constitucional (EC) nº 59, de 11 de novembro de 2009, que garantiu aos Municípios
a implantação progressiva da medida até 2016.
Como se verá, foi em decorrência da conquista dos direitos da criança no Mundo,
que a Educação Infantil se constituiu num importante segmento educacional e também num
desafio para o Brasil na construção de uma escola democrática e popular capaz de assumir a
identidade do meio na qual está inserida. Nesse sentido, parte-se da premissa de que pensar a
Educação Infantil é compreender o conjunto de transformações das questões políticas, sociais,
ambientais, políticas, culturais e econômicas que a realidade a todos impõe no decorrer da
história.
Contudo, apesar de sua veemente importância, a Educação Infantil no Brasil continua
a receber tratamento inferiorizado quando comparada à educação oferecida a jovens e adultos,
o que evidencia uma ideia retrograda por parte do Estado amparada por um preconceito
fortemente enraizado no meio social no sentido de que crianças são “adultos incompletos”,
uma espécie de cidadãos em segundo plano. Esse tipo de mentalidade política, de certa
forma, retroalimenta a visão assistencialista que o Estado tem para com as políticas
educacionais voltadas à criança pequena, e justifica o foco maior da política social no direito
dos pais trabalhadores, ao invés do da criança.
18
Através da análise de um caso concreto de judicialização da política pública
educacional infantil a pesquisa visa demonstrar as duas faces da questão: a gestão da
Educação Infantil por parte do ente municipal e a visão do judiciário acerca da política
pública. Sendo assim, o presente trabalho aborda os resultados da investigação acerca dos
Planos de Educação, focalizando como o Ministério Público e o poder judiciário tem encarado
o processo de formulação e implementação das políticas públicas educacionais voltadas à
infância. Isso porque o objetivo maior deste trabalho é justamente analisar a relação entre as
dificuldades enfrentadas pelo Município para planejar e promover de forma indiscriminada e
universal uma Educação Infantil considerada ideal tal qual exige a Constituição Federal, e os
motivos pelos quais atores sociais, a exemplo das famílias e do Ministério Público, ao invés
de participarem ativamente do processo de elaboração e definição dessas políticas públicas,
manifestam acanhado interesse ou tem preferido permanecer na retaguarda, consentindo ainda
que indiretamente que o gestor público mantenha em suas mãos a obrigação de definir
“sozinho” as estratégias para suprir as obrigações do Município para com a população.
Nesta esteira, lança-se a lume também uma discussão acerca da importância da
participação dos atores sociais na tomada de medidas de combate às falhas que vez ou outra
são apontadas no processo de implementação das políticas públicas educacionais por parte
dos Municípios, e como a abertura de canais de participação nos processos administrativos
que antecedem a definição dessas políticas públicas podem proporcionar uma maior eficiência
dos planos decenais de educação.
Para tanto, o trabalho foi organizado em três capítulos, na forma de uma pesquisa
qualitativa voltada à revisão e análise bibliográfica do tema conciliada ao estudo de caso
concreto. Serviram de fontes doutrinas, legislações, jurisprudências, notícias, infográficos,
tabelas e artigos impressos e ou veiculados nos meios eletrônicos sobre o tema. A pesquisa
bibliográfica consistiu prioritariamente na análise histórica da educação no Brasil e na
interpretação de documentos oficiais sobre direitos das crianças como a CF/88; a LDBEN, o
ECA, a Declaração Universal dos Direitos da Criança e do Adolescente (DUDCA), bem como
documentos elaborados pelo Ministério de Educação e Cultura (MEC), pelo Instituto
Nacional de Ensino e Pesquisa (INEP), pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) e pelo Ministério das Relações Sociais e Saúde da Finlândia (Ministry of Social
Affairs and Health), uma vez que a Finlândia foi apontada em toda a literatura consultada
como sendo um exemplo de excelência em educação.
Nos dois primeiros capítulos foi apresentada uma síntese da evolução histórica das
políticas educacionais empreendidas no Brasil e das principais reformas que levaram ao
19
reconhecimento do direito à Educação Infantil. Nesta parte do trabalho, a intenção foi delinear
uma sequência lógica e cronológica dos principais fatos históricos relacionados aos avanços
na educação brasileira até a promulgação da CF/88.
No terceiro capítulo, foi realizado um estudo comparativo entre a política
educacional infantil brasileira e a de outros países, e uma análise jurídica que privilegia caso
concreto de judicialização da política educacional infantil no Estado do Paraná (Ação Civil
Pública – Processo nº 3838-97.2013.8.16.0090), como forma de se explicar os desafios
impostos a uma educação de qualidade e demonstrar a maneira “generalista” como os
Municípios vem planejando, implementando e gerindo suas políticas sociais voltadas à
Educação Infantil sem uma efetiva participação do Ministério Público e demais atores sociais.
Por fim, insta salientar que procedimentos de análise estatísticas feitos pelo IBGE,
INEP e alguns observatórios sociais permitiram estruturar o estudo de caso e conciliar um
aporte sobre a realidade do município de Ibiporã, no contexto dos 399 municípios
paranaenses, e que a colaboração da Procuradoria Geral daquele município foi de extrema
importância à análise e compreensão do caso jurídico que integra este estudo.
20
1 A EVOLUÇÃO DA EDUCAÇÃO NO BRASIL ATÉ 1988: UMA ABORDAGEM
PRÉVIA E NECESSÁRIA À COMPREENSÃO DO DIREITO À EDUCAÇÃO
INFANTIL
Neste primeiro capítulo será abordada, de maneira objetiva, a forma como se deu o
desenvolvimento da Educação no Brasil desde a chegada dos portugueses. Para isso, traçamos
uma linha do tempo permeada de fatos marcantes e relevantes ao planejamento, formalização
e transformação do ensino e da aprendizagem, valendo-nos das principais ideias que
influenciaram a construção da identidade do povo brasileiro no decorrer de mais de cinco
séculos.
1.1 A relação entre educação e os direitos sociais – primeiras considerações
Interar-se da história da Educação é importante para contextualizar as conquistas no
campo da Educação Infantil. A humanidade sempre se preocupou em aprimorar os
conhecimentos do homem adulto, e por muitos séculos delegou ao esquecimento o potencial
intelectual das crianças. Consideradas no mais das vezes seres inacabados, de menor
importância, sem vontades e desejos próprios, muitas criança experimentaram ao longo da
evolução das sociedades humanas as mais diferentes formas de violência e outras tantas ainda
sucumbem, todos os anos, à frente de confrontos armados, vítimas de trabalhos forçados
exploração sexual e de violência doméstica.
Até o início do século XIX não se considerava possível que uma criança pudesse, de
fato, aprender à base das brincadeiras, e o ato de brincar era praticamente negligenciado para
dar lugar às atividades laborais consideradas essenciais ao sustento da família. A educação
que se dava às crianças era muito diferente daquela que se conhece nos dias de hoje:
assemelhava-se ao adestramento dado a animais, quase sempre acompanhado de castigos
dolorosos e humilhações.
O tratamento sutil, carinhoso e com retidão é algo relativamente novo na história da
Educação Infantil. Graças a estudiosos e amantes da pedagogia como Pestalozzi, Fröbel,
Piaget e Vygotski, o modo de pensar a educação das crianças pequenas foi mudando
paulatinamente. A necessidade de não mais se dissociar cuidados de educação da necessidade
de se acompanhar mais proximamente o desenvolvimento dos pequenos, da organização de
ambientes que estejam de acordo com os anseios das faixas etárias e das famílias atendidas é
21
que, por fim, acabaram gerando demanda diversa daquelas comumente incidentes ao Ensino
Fundamental.
A história da educação brasileira demonstra justamente isso, que a exemplo de tantos
outros países do mundo, o processo evolutivo da formação cidadã no Brasil se deu de trás
para frente, ou seja, pensou-se durante séculos a formação primeiramente do adulto e se
delegou à clandestinidade a importância de se trabalhar o gérmen do capital humano na
infância.
Por ser a ferramenta mais eficaz ao crescimento pessoal, a educação é
indiscutivelmente valorizada por todo e qualquer país considerado desenvolvido, assumindo o
status de direito humano justamente por estar ligada intimamente à dignidade humana, além
de contribuir para ampliá-la à medida que promove o conhecimento, o saber, o discernimento
e a tolerância. Nesse sentido explicita Claude (2005, p. 37):
(...) pelo tipo de instrumento que constitui, trata-se de um direito de
múltiplas faces: social, econômica e cultural. Direito social porque, no
contexto da comunidade, promove o pleno desenvolvimento da personalidade humana. Direito econômico, pois favorece a auto-suficiência
econômica por meio do emprego ou do trabalho autônomo. E direito
cultural, já que a comunidade internacional orientou a educação no sentido de construir uma cultura universal de direitos humanos. Em suma, a
educação é o pré-requisito fundamental para o indivíduo atuar plenamente
como ser humano na sociedade moderna.
É com esse espírito que o art. 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos
(DUDH) de 1948 postula que toda pessoa tem direito à instrução, reforçando claramente a
ideia de que a educação, além de ser um direito de todos e um dever do Estado, é um dos
conceitos que compõem o princípio da dignidade da pessoa humana ao considerá-la
indispensável ao pleno desenvolvimento do homem. Se não, vejamos:
Artigo XXVI
1. Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelos
menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será
obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem
como a instrução superior, esta baseada no mérito.
2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento
da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos
humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a
compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos
raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol
da manutenção da paz.
3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos (ONU, 1948).
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Daí falar-se que esse documento inaugura o “princípio da dignidade da pessoa
humana” e a sua amplitude nos textos legais ao relacionar “dignidade” com a palavra
“humana” cinco vezes no texto com diferentes composições: duas vezes no preâmbulo e as
outras vezes, nos artigos I, XXII e XXIII. Em nenhum momento se utiliza a expressão
“dignidade da pessoa humana”. (ASSIS, 2012).
Outro documento considerado de suma importância à questão da educação como
direito e que traz à tona a questão da necessidade de se garantir uma instrução básica foi a
Declaração Mundial sobre Educação para Todos, realizada em Jomtien, Tailândia, em 1990,
segundo o qual restou definido:
ARTIGO 3º - UNIVERSALIZAR O ACESSO À EDUCAÇÃO E
PROMOVER A EQUIDADE
1. A educação básica deve ser proporcionada a todas as crianças, jovens e adultos. Para tanto, é necessário universalizá-la e melhorar sua qualidade,
bem como tomar medidas efetiva para reduzir as desigualdades.
2. Para que a educação básica se torne equitativa, é mister oferecer a todas as crianças, jovens e adultos, a oportunidade de alcançar e manter um
padrão mínimo de qualidade e aprendizagem (UNESCO, 19901)
Estes documentos foram dois dentre tantos outros utilizados na composição da
legislação nacional sobre o direito à educação. Tanto uma declaração quanto a outra
influenciaram na reafirmação do direito à educação em ordenamentos jurídicos em todo o
mundo. Ainda assim, muitos governantes continuam a encarar a educação como estratégia a
longo prazo sem a devida atenção.
A afirmação da educação enquanto direito nos ordenamentos jurídicos tem permitido
o seu reconhecimento enquanto política pública indispensável não só ao exercício de outros
direitos, mas também à compreensão do mundo e das pretensas soluções dos diferentes
conflitos sociais, porque a educação promove também a tolerância, como bem explica
Oliveira e Adrião (2007, p. 15):
Ao longo dos últimos séculos, a educação tornou-se um dos requisitos para que os indivíduos tenham acesso ao conjunto de bens e serviços disponíveis
na sociedade, constituindo-se em condição necessária para se usufruírem
outros direitos constitutivos do estatuto da cidadania. O direito à educação é hoje reconhecido como um dos direitos fundamentais do homem e é
consagrado na legislação de praticamente todos os países.
1 Disponível na íntegra em http://unesdoc.unesco.org/images/0008/000862/086291por.pdf. Acesso em 20 out.
2015.
23
Sob essa perspectiva, a educação enquanto um direito humano que deve ser garantido
a todo e qualquer cidadão do mundo, quando positivado num determinado ordenamento
jurídico (Constituição) ganha status de direito fundamental. Nesse sentido explica Canotilho
(1998, p. 25):
As expressões direitos do homem e direitos fundamentais são
frequentemente utilizadas como sinônimas. Segundo a sua origem e significado poderíamos distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem
são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos; direitos
fundamentais são direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos
e limitados espacio-temporalmente. Os direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intertemporal e
universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objetivamente vigentes
numa ordem jurídica concreta.
Ainda que na língua portuguesa a palavra ‘direito’ sirva para designar tanto a letra da
lei (a norma escrita, em inglês Law) quanto o direito propriamente dito (em inglês Right), o
fato desse direito estar previsto na letra da Lei não quer dizer que, na prática, vem sendo
garantida a sua existência ou a sua efetivação. Por essa razão, é tão importante que se
compreenda o texto legal (direito objetivo) para relacionar a norma escrita com o direito em si
(direito subjetivo), e assim melhor determinar e planejar uma política pública que nos leve
diretamente de onde estamos (Law) para onde queremos chegar (Right) (ASSIS, 2012).
No caso específico do direito à educação, deve-se compreender que se trata de um
direito que beneficia, ao mesmo tempo, seus titulares e a sociedade onde esses titulares
vivem; e que, dialeticamente, a busca e o exercício desse direito à educação (direito objetivo e
subjetivo à educação) dão amplitude ao processo de emancipação do cidadão e seu
desenvolvimento em sociedade, que por consequência promove a extensão do princípio da
dignidade da pessoa humana. Esse, inclusive, é o entendimento de Assis (2012, p. 35):
(...) a interpretação do direito à educação na perspectiva do princípio da
dignidade da pessoa humana, que considera o processo educativo de extrema
importância para o desenvolvimento humano, não justificará ignorar algumas finalidades práticas da norma, ao contrário, justamente por entender
as limitações da própria norma, limitações estas impostas pelo próprio
constituinte, é que se torna possível aceitar a efetivação do direito à educação de forma plena, ou seja, que não esteja reduzida a uma vaga na
sala de aula.
Com base nisso, existiria o embasamento jurídico para discordar de alguém que por
ventura tentasse convencer outrem de que o direito à educação se resume a ter direito a
matrícula na escola, ou um lugar na sala de aula. O direito à educação vai muito além desses
24
atos administrativos em concreto: pressupõe um lugar na sociedade e não pode ser
simbolizado pelo número de cadeiras e carteiras existentes nas escolas públicas, Municipais
ou Estaduais. É um direito que precisa ser vivenciado, percebido, sentido, como bem
esclarece Assis (2012, p. 2):
[...] o direito à educação deve ser efetivado mediante a garantia de se ter uma
educação ética, com vistas à responsabilidade social e na construção de um
ser humano íntegro.
A par disso, analisa-se nesta oportunidade como o Direito à educação primeiramente
se desenvolveu em solo brasileiro e como ele foi traçado nas diferentes Constituições, no
intuito de se promover uma melhor compreensão acerca das possíveis relações entre as Leis
que tratam da Educação Infantil, cerne da pesquisa.
De igual maneira, relaciona-se Law (direito objetivo) e right (direito subjetivo) para
melhor pensar e estudar as políticas públicas educacionais, sempre na perspectiva de right, até
o advento da Constituição Federal de 1988.
Para tanto, inicia-se a análise da educação propriamente dita pelo tratamento dado a
ela no período compreendido entre 1824-1890, quando o Brasil pós-Constituição de 1824
conheceu as primeiras tentativas, ainda que descontínuas, de se organizar a educação como
responsabilidade Estatal, passando aos anos 1890-1931, quando foram criados os primeiros
modelos de escolas primárias nos estados, na forma de grupos escolares, para uma melhor
compreensão sobre o que de fato aconteceu entre os anos 1931-1967, quando houve a
regulamentação da educação em âmbito nacional (SAVIANI, 2005).
Por fim, a partir da análise histórica das décadas iniciais do século XX, busca-se
elucidar como a consolidação da ordem capitalista no país contribuiu para o reconhecimento
da educação como questão nacional. E, por consequência, como o Brasil despertou para o
problema da extensão da escolarização e se empenhou para promover um sistema de ensino
que viabilizasse a incorporação cada vez maior de pessoas nas escolas, processo que se
completará mais recentemente, quando o Estado passa a focar a permanência da criança na
escola na tentativa de efetivar esse direito fundamental previsto no artigo 5º da CF/88
(BRASIL, 2002).
Observar o passado da Educação ajuda a compreender as falhas institucionais
apontadas no presente, e pode ajudar a estabelecer uma relação de confiança entre Estado e
sociedade à medida que se garante ao cidadão desde muito cedo o direito de se apropriar da
cultura de seu povo e a ter a real noção de pertencimento. É através da interação social que o
25
ser humano aprende e se desenvolve para enfrentar os desafios que a vida impõe, nada mais
justo e coerente, portanto, que se invista cada vez mais numa educação voltada para a vida
coletiva, de modo que a criança possa compreender a importância do sociabilizar, do
compartilhar e do respeitar as diferenças agregando valores até sua idade adulta.
1.2 Um resgate histórico-legal da educação nas cartas constitucionais
Partindo do pressuposto de que a história se constrói a cada dia, e com ela a
identidade de cada cidadão, passamos a uma breve análise das principais constituições
brasileiras como forma de ilustrar não apenas o tratamento dado à Educação antes da
Constituição Federal de 1988, como também a evolução do direito à Educação até sua real
instituição como meio formador do individuo e mola propulsora da cidadania.
1.2.1 Constituições de 1824 a 1967
Nos anos que se seguiram à Constituição de 1824, o Brasil não apenas começou a
experimentar a sensação de ser um país livre de Portugal, como passou a desenvolver em seu
meio político e intelectual uma necessidade crescente de reafirmar sua identidade através da
criação de um Estado Nacional, centralizador, intervencionista e antiliberal. Ocorre que, sem
uma construção sólida da nacionalidade do povo através da educação, quase nada poderia ser
feito. Foi então que inúmeros projetos de valorização da educação começaram a ganhar
espaço nas discussões políticas embasadas neste ideário reformista.
A partir de 1910 o Brasil passou a encarar a educação e as possibilidades de
intervenção no processo educativo de forma superestimada, a ponto de se acreditar que
através da educação poderiam ser solucionados todos os problemas do país: sociais,
econômicos e políticos (SHIROMA; MORAES; EVANGELISTA, 2011). Nesse período, a
ordem capitalista também começou a se consolidar no país, voltando-se para o campo
educacional como um setor a ser estruturado, regulado e melhor explorado para atender a
todas as necessidades do mercado de trabalho (AZEVEDO, 2001). Nessa fase, o país desperta
para o problema do analfabetismo e da baixa qualidade de sua mão de obra, e passa a se
empenhar para promover a incorporação de um número cada vez maior de pessoas nas escolas
26
– um processo que se completará mais recentemente, quando o Estado passa a focar a
permanência da criança na escola (BRASIL, 2002).
Convém, esclarecer, que a educação sempre foi um tema presente em todas as
constituições brasileiras, tanto na imperial de 1824 quanto nas demais do período republicano,
mas o fato de ter previsão constitucional nunca fez dela um direito plenamente efetivado ou
mesmo universalizado (ASSIS, 2012).
Os primeiros registros das instituições escolares no Brasil remontam a 1549,
coincidindo, não por acaso, com a chegada dos primeiros jesuítas que criaram na então
colônia portuguesa “a primeira escola brasileira” (MATTOS, 1958). No claro intuito de dar
continuidade ao processo de imposição cultural, essas escolas jesuíticas baseavam-se no
modelo europeu vigente naquela época, promovendo educação em pelo menos três grandes
frentes: (1) catequizando os índios, (2) propagando a fé cristã e (3) divulgando a cultura
europeia. Assim, ensinavam os povos que aqui estavam, a ler, a escrever e a trabalhar dentro
dos padrões portugueses (MATTOS, 1958).
De acordo com os relatos históricos, os jesuítas vieram ao Brasil iniciar sua obra
educativa em cumprimento às ordens da coroa portuguesa. Porém, D. João III, que antes havia
se comprometido em garantir o custeio do ‘ensino evangelizador’ ministrado pela igreja
porque tinha interesses na imposição da cultura portuguesa e dominação do território
brasileiro, logo passou a enviar verbas apenas para a manutenção e a vestimenta dos jesuítas,
não ajudando financeiramente para que houvesse, por exemplo, construções (escolas) ou
qualquer outro tipo de estrutura material necessárias ao ensino e aprendizado dos nativos e
colonos (SAVIANI, 2014).
Visando não abandonar o processo de evangelização católico em terras brasileiras,
esses religiosos passaram então a aplicar todos os recursos que chegavam na estruturação dos
seus colégios – situação de penúria relatada em certa carta atribuída ao Padre Manoel da
Nóbrega de Agosto de 1552: “nós, no vestido remediamo-nos com o que ainda do reino
trouxemos, porque a mim ainda me serve a roupa com que embarquei... e no comer vivemos
por esmolas” (HUE, 2006, p. 68 apud SAVIANI, 2014, p. 31). Segundo consta, essa situação
só foi contornada a partir de 1564 com o plano da redízima, que destinava dez por cento de
todos os impostos arrecadados da Colônia brasileira à manutenção dos colégios jesuíticos
(SAVIANI, 2014).
Durante todo o período colonial (1500-1822) o Reino de Portugal continuou a exigir
a imposição de sua cultura, sua dominação com relação a índios e negros escravos,
repassando à sociedade civil – representada pela Igreja Católica – esse dever (a educação).
27
Daí falar-se que a educação jesuítica no Brasil ter começado como instrumento de imposição
cultural, ou seja, dominação.
Quando o Brasil garante sua independência (1822), a estrutura de suas classes sociais
começa a se amoldar. Neste momento a educação, que antes servia à dominação, assume
duplo papel: passa a reproduzir uma ideologia adotada pela sociedade ao mesmo tempo em
que reafirma a estrutura de classes que já existia (BRASIL, 2002).
A Constituição Imperial de 1824, a primeira do Brasil independente, continha poucas
indicações sobre educação. Por essa razão, seu artigo 179 é apontado por grande parte da
literatura como sendo a mais significativa passagem sobre educação na Declaração de
Direitos do Cidadão. Vejamos:
Artigo 179: A inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a
propriedade, é garantida pela Constituição do Império pela maneira seguinte:
[...] 32. A instrução primária é gratuita a todos os cidadãos (BRASIL, 1986).
grifos nossos
É preciso atentar-se no fato de que na Constituição de 1824 se falava em gratuidade
da instrução primária, sem se preocupar, contudo, em tratar através de qualquer artigo
específico às diretrizes e considerações acerca do direito à educação. Assim esclarece Oliveira
e Adrião (2007, p. 17):
Do ponto de vista da legislação, essa declaração de gratuidade coloca o
Brasil entre os primeiros do mundo a fazê-lo. Entretanto, o analfabetismo era
a condição de instrução da maioria da população e o Poder Público não desenvolveu esforços para transformar a educação em política pública. Além
disso, a concessão do direito à educação apenas aos “cidadãos” restringia sua
abrangência, pois a maioria da população era constituída de escravos. Essa
situação, de exclusão da maioria do acesso à escola, manter-se-ia por todo o período imperial.
As duas expressões de destaque: “cidadãos brasileiros” e “todos”, tinham, portanto,
um significado ímpar quando compreendidas no contexto social da época.
De acordo com essa Constituição, consideravam-se cidadãos os nascidos no país
ainda que de pais estrangeiros e que não estivessem a serviço da sua nação, quer fossem
libertos ou ingênuos (art. 6º, I, CF/1824); os filhos de pai brasileiro e ilegítimos de mãe
brasileira, nascidos em país estrangeiro, que viessem estabelecer domicílio (art. 6º, II,
CF/1824); e os filhos de pai brasileiro que estivesse em país estrangeiro a serviço do Império
sem que viessem estabelecer domicílio (art. 6º, III, CF/1824); todos os nascidos em Portugal
28
que, à época da proclamação da Independência das Províncias, aqui aderiram expressa ou
tacitamente pela continuação de sua residência (art. 6º, IV, CF/1824); e os estrangeiros
naturalizados (art. 6º, V, CF/1824).
Deste modo, mesmo reconhecendo “libertos” e “ingênuos” como sendo cidadãos
brasileiros, a verdade é que essa Constituição mantinha restrito o exercício da cidadania
àqueles que possuíam poder aquisitivo, valendo-se, portanto, do antigo “sistema de castas”
enraizado na sociedade, fazendo com que o termo “todos”, usado naquela época, fosse
diferente da ideia que temos de “todos” nos dias de hoje (ROMANELLI, 2001).
Nesse tempo, embora já houvesse sido abolida a escravidão, a predominância da
cultura escravocrata continuava fortemente enraizada nas representações sociais, contribuindo
incisivamente para que se cunhasse uma orientação conservadora das práticas educacionais
como forma de configurar uma valorização própria da escola.
Isso acabou desencadeando, posteriormente, a estruturação de um sistema dual de
ensino no país, inspirado no modelo europeu mas com especificidades da realidade brasileira.
Por consequência, uma das partes desse sistema de ensino passaria atender à demanda
educacional das elites, formando bacharéis e letrados, habilitados para exercer os cargos
públicos na burocracia e outras atividades liberais, enquanto que a outra parcela ficaria
encarregada da educação do povo, destinando-se à população livre e pobre, promovendo a
gênese das futuras redes de ensino público e gratuito, como bem expõe Azevedo (2001, 20-
21):
Produziu-se, assim, como reflexo da rígida estratificação da sociedade
brasileira, uma dicotomização da escola. O sistema de ensino que se
pretendeu reservar aos pobres, fechado e impermeável, não encontrava correspondência nem equiparação com o outro sistema, próprio das elites.
Seus usuários teriam aí suas únicas possibilidades de instrução. Uma vez que
seu objetivo era preparar para o trabalho, o acesso a ele significava, de certa forma um fator de desqualificação social. Socialmente reconhecida era a
educação ornamental, ou seja, a educação “bacharalesca e livresca”.
Quem frequentou-o, entretanto, não foram os pobres. As poucas vagas ofertadas serviram a outra clientela: as camadas médias emergentes. As
escolas primárias públicas acabaram por atender à demanda por educação
dessas camadas. O mesmo ocorreu com ensino vocacional feminino, o qual
adquiriu certo prestígio social por atribuição da clientela. Isto é verdadeiro, sobretudo, para os cursos normais. Nesse contexto, é sobre as escolas que
ensinam os ofícios masculinos que incidiria o estigma da educação dos
pobres. São estas, pois, que realmente desenvolveram algum tipo de educação popular.
29
Durante os 49 anos correspondentes ao Segundo Império (1840-1888), o Governo
Imperial não investiu mais que 1,80% do seu orçamento em educação. Estudos apontam que
desse total, cerca de 0,47% foi destinado à instrução primária, comprovando-se, pois, os
investimentos irrisórios em educação popular (CHAIA, 1965, p. 129-131 apud SAVIANI,
2008).
Sobre esta questão, disse certa vez Lemme (2005, p. 166):
As poucas escolas públicas existentes nas cidades eram frequentadas pelos filhos das famílias de classe média. Os ricos contratavam preceptores,
geralmente estrangeiros, que ministravam aos filhos o ensino em casa, ou os
mandavam a alguns poucos colégios particulares, leigos ou religiosos,
funcionando nas principais capitais, em regime de internato ou semi-internato. Muitos desses colégios adquiriram grande notoriedade.
Em todo o vasto interior do País havia algumas precárias escolinhas rurais,
em cuja maioria trabalhavam professores sem qualquer formação profissional, que atendiam às populações dispersas em imensas áreas: eram
as substitutas das antigas aulas, instituídas pelas reformas pombalinas, após
a expulsão dos jesuítas, em 1763. As classes intelectuais viviam fascinadas pela cultura francesa e, na literatura, continuávamos submetidos aos modelos
portugueses.
Com a Proclamação da República adveio a Constituição de 1891, que por sua vez
nada acresceu ao texto constitucional anterior no que tange à questão da educação.
A nova ordem constitucional não afirmava tampouco garantia a gratuidade do
ensino, nem mesmo o primário, o que restringia ainda mais o exercício da cidadania, pois
além dos direitos estarem atrelados à questão do poder aquisitivo, também eram vinculados ao
grau de escolaridade dos brasileiros (OLIVEIRA; ADRIÃO, 2007). Contudo, mesmo não
tendo sido consagrada no texto federal, a garantia do direito à educação não era matéria
estranha ao debate educacional, de modo que ao longo desse Primeiro Período Republicano
(1883-1930) tornou-se hegemônica a ideia de se garantir a gratuidade e a obrigatoriedade do
ensino primário, que na ocasião era chamado de ensino fundamental. Isso se deveu em parte
ao fato de que muitas constituições estaduais formuladas após a Constituição de 1891 haviam
mantido a concepção instituída por ocasião do Ato Adicional de 1834, que entendia ser a
instrução elementar responsabilidade estadual, e passaram a prever que a escolarização
primária gratuita e obrigatória e/ou a gratuidade em seu texto (OLIVEIRA; ADRIÃO, 2007).
Como consequência, pessoas analfabetas, por exemplo, não podiam ser consideradas
alistáveis, logo eram inelegíveis, tornando-se por fim, não eleitoras (art. 70 CF/1891). Assim
explica Freire (2014, p. 21):
30
[...] Criam uma imagem preconceituosa sobre os trabalhadores do campo e
sobre todos os demais setores marginalizados, do processo político. Passam a associar com muita facilidade a “ignorância”, isto é, a ausência de cultura
formal no estilo das classes médias e dos oligarcas, à “indolência” e à
“inércia”. Adotam uma atitude paternalista – mais verbal que efetiva – em
relação às massas marginalizadas, e completa-se a mistificação.
Somente com o fim da Primeira Guerra Mundial (1918) que a Educação no Brasil
passou a uma transformação mais acelerada. Para suprir as necessidades do país durante o
conflito, a indústria brasileira havia se diversificado, experimentando um desenvolvimento
que exigiu uma melhor qualificação da mão de obra, e influenciou diretamente na quantidade
e qualidade das escolas (LEMME, 2005).
Ainda, as necessidades do mercado de trabalho no panorama pós-Grande Guerra
estimularam fortemente o crescimento demográfico dos centros urbanos (mediante oferta de
vagas de emprego, maior renda per capita, e maiores facilidades em comparação com a vida
no campo). Isso fez com que aumentasse o desejo das pessoas, em especial da classe média
urbana liberal (dependente da elite agrária desde os tempos do Império), em alcançar
melhores condições de vida através da escolarização, fazendo da Escola uma via de validação
social (AZEVEDO, 2001).
A partir de 1920, o Brasil começou a vivenciar mais intensamente uma
movimentação ideológica, alimentada pelas muitas transformações econômicas, políticas e
sociais deflagradas anos antes, até que em 1922, a “mocidade militar” das forças armadas
(especialmente do Exército) se rebelou contra o predomínio do poder das oligarquias agrárias
nas políticas do país, culpando-as por todas as manifestações de atraso social e político
impostos ao povo. Ao agir assim, esse movimento nacionalista favoreceu a visibilidade do
grupo urbano industrial que procurava fraturar o poder das oligarquias tradicionais como meio
de viabilizar interesses próprios (LEMME, 2005; AZEVEDO, 2001).
Ao mesmo tempo, os meios culturais estavam em efervescência. Tomados por um
forte sentimento nacionalista, pregavam a moralização da política e o nosso rompimento com
os modelos europeus que ditavam um modo de vida aos brasileiros. Essa ânsia de
transformação que agitava o país repercutiu intensamente nos setores educacionais, fazendo
aflorar pela primeira vez uma preocupação incisiva com relação às elevadas taxas de
analfabetismo, interpretadas como a verdadeira causa de todas as mazelas sociais da nação
(LEMME, 2005; AZEVEDO, 2001). Assim diz Lemme (2005, p. 167):
31
Os educadores brasileiros, por seus elementos mais progressistas, em breve,
estavam também engajados na crítica à nossa precária “organização” escolar e aos nossos atrasados métodos e processos de ensino. E como resultado
dessas preocupações, abriu-se o ciclo das reformas de educação e ensino. As
idéias e diretrizes que procuravam concretizar-se nas realizações dessas
reformas, evidentemente, não surgiram por geração espontânea na cabeça dos educadores. Elas eram impulsionadas, de um lado, pelas condições
objetivas caracterizadas pelas transformações econômicas, políticas e sociais
que delineamos anteriormente. De outro lado, começaram a chegar até nós, da Europa do pós-guerra, um conjunto de idéias que pregavam a renovação
de métodos e processos de ensino, ainda dominados pelo regime de coerção
da velha pedagogia jesuítica. Esse movimento de renovação escolar, que passou a ser conhecido como o da “Escola Nova” ou “Escola Ativa”,
baseava-se nos progressos mais recentes da psicologia infantil, que
reivindicava uma maior liberdade para a criança, o respeito às características
da personalidade de cada uma, nas várias fases de seu desenvolvimento,
colocando o “interesse” como o principal motor de aprendizagem.
Em 1930, no encalço da “Crise mundial de 1929” e dos movimentos sociopolíticos
desencadeados ainda no início da década de 20, as lutas por participação popular nas decisões
políticas e econômicas do país agigantaram-se, culminando num importante evento, de caráter
econômico, político e social que passou para a história como sendo a “Revolução de 1930”.
Essa revolução, embora não tenha significado o fim das elites rurais que se alternavam no
poder (“Política do Café com Leite”), representou uma clara ruptura com os outros grupos
sociais que não tinham espaço no aparelho do Estado (LEMME, 2005).
Em 03 de novembro de 1930, depois de um conturbado processo eleitoral, a
Revolução levou Getúlio Vargas ao poder e pôs fim ao ciclo da República dos Oligarcas
(posteriormente “República Velha”), encerrando, por consequência, a vigência da 1ª
Constituição Republicana (1891), dando início à Segunda República ou “República Nova”
(LEMME, 2005).
Sobre a Revolução de 1930, diz ainda Oliveira e Adrião (2007, p. 17):
A Revolução de 1930 trouxe consigo a promessa de modernização do país,
consolidando a perspectiva que atribuiu papel central à educação na
construção da nacionalidade, o que reflete na criação do Ministério da
Educação e Saúde e na estruturação de um sistema nacional de ensino, centralizado e articulado com os interesses políticos do governo.
Mas, o “Governo Revolucionário” de viés nacionalista e populista, apesar de ter
tomado providências importantes na seara da Educação, como a criação de Universidades por
todo o Brasil, agia de forma fragmentária, num mesmo critério do Governo Federal anterior,
pouco fazendo em favor dos graves problemas do ensino popular. Diante dessa situação,
32
muitos educadores de renome congregados à Associação Brasileira de Educação passaram a
promover conferências e debates nacionais como forma de pressionar o Governo Federal a
tomar posições mais afirmativas e abrangentes com relação à situação da Educação no país.
Empenhados, definiram uma verdadeira Política Nacional de Educação que em 1932 deu
origem a um documento redigido por Fernando de Azevedo e dirigido “Ao Povo e ao
Governo”, que ficou conhecido como Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, no qual se
propunha “A reconstrução educacional no Brasil” com base na reivindicação de uma escola
básica única e de um ensino público obrigatório, gratuito e laico (LEMME, 2005).
O Manifesto dos Pioneiros, por sua vez, sofreu fortes críticas por defender como
ideal um sistema de ensino em que a educação popular de massas e a formação especializada
se complementavam numa espécie de mecanismo eficiente e não autocrático de recrutamento
dos mais capazes em todas as camadas da sociedade (OLIVEIRA, 2004).
[...] A perspectiva dos pioneiros, portanto, corrobora uma noção democrática
de elite, àquela baseada na educação. Nesta concepção, à medida que a
educação for estendendo a sua influência, despertadora de vocações, vai penetrando até as camadas mais obscuras, para aí, entre os próprios
operários, descobrir “o grande homem, o cidadão útil” que o Estado tem o
dever de atrair submetendo a uma prova constante as ideias e os homens, para os elevar e selecionar, segundo o seu valor ou a sua incapacidade [...]
(GARCIA, 2002 apud OLIVEIRA, 2004, p. 952).
Algum tempo depois, com o advento da Constituição de 1934, muitas outras ideias
importantes voltadas ao sistema de educação puderam ser tratadas pela primeira vez, como é o
caso do planejamento e financiamento da política educacional:
A Constituição de 1934 foi a primeira a estabelecer a necessidade de
elaboração de um Plano Nacional de Educação que coordenasse e supervisionasse as atividades de ensino em todos os níveis. Foram
regulamentadas as formas de financiamento do ensino oficial em cotas fixas
para a Federação, os Estados e os Municípios, fixando-se ainda as
competências dos respectivos níveis administrativos. Implantou-se a gratuidade e obrigatoriedade do ensino primário, e o ensino religioso tornou-
se optativo. Parte dessa legislação foi absorvida pela Constituição de 1937,
na qual estiveram presentes dois novos parâmetros: o ensino profissionalizante e a obrigação das indústrias e dos sindicatos de criarem
escolas de aprendizagem, na sua área de especialidade, para os filhos de seus
funcionários ou sindicalizados. Foi ainda em 1937 que se declarou obrigatória a introdução da educação moral e política nos currículos.
Portanto, paulatinamente, a sociedade brasileira passou a tomar consciência
da importância estratégica da educação para assegurar e consolidar as
mudanças econômicas e políticas que estavam sendo empreendidas (BRASIL, 2002, p. 22).
33
Por meio da Constituição de 1934 fortaleceu-se a ideia de um sistema educacional
longe das influências da Igreja católica, contemplando um pensamento educacional mais
completo e independente, pois teve como referência o Manifesto dos Pioneiros de 1932, que
defendia uma educação obrigatória e laica (CURY; FERREIRA, 2010).
Foi a primeira vez que o Estado se mostrou preocupado com a criação de um sistema
educacional próprio. Assim, atribuiu-se à competência privativa da União a obrigação de
traçar as diretrizes da educação nacional (art. 5º, XVI, da CF/1934), garantindo um lugar
específico ao tema no Título V, (“Da Família, da Educação e da Cultura”) Capítulo II,
denominado “Da Educação e da Cultura”2, e a incorporação de outros assuntos considerados
importantes, como por exemplo a necessidade de um Plano Nacional de Educação que
contemplasse entre outros direitos, o ensino primário integral gratuito e de frequência
obrigatória extensivo aos adultos (OLIVEIRA; ADRIÃO, 2007; CURY; FERREIRA, 2010).
Sobre a Constituição de 1933-34 explica ainda Oliveira e Adrião (2007, p. 18):
A Constituição de 1933-1934 definiu os marcos legais dessa
institucionalização, sendo, por isso, palco de acirrada disputa. Inspirada na
Constituição Alemã de 1919, a chamada Constituição de Weimer, e na
Constituição Espanhola de 1931, a Constituição de 1934 incorporou os direitos sociais aos direitos do cidadão. O ideário liberal da Escola Nova,
difundido no país a partir de meados dos anos 1920, exerceu profunda
influência na constituição de um ideário educacional independente da Igreja Católica.
Apesar desse ideal ter sofrido algumas derrotas em aspectos importantes, o
texto final da Constituição de 1934 apresentou inúmeras inovações em relação às anteriores.
A Constituição de 1934 durou pouco, mas foi responsável por introduzir a educação
como um “direito de todos” (art. 149) em substituição à expressão “cidadãos brasileiros”
presente no texto constitucional anterior (ASSIS, 2012). Sendo a positivação dos direitos
sociais sua principal característica, não obstante tenha determinado através do art. 156 que a
União e os municípios deveriam aplicar nunca menos que 10% e os estados 20% da
arrecadação dos impostos “na manutenção e desenvolvimento dos sistemas educacionais”.
No seu art. 150, referente às competências da União, foram definidas as normas para
a elaboração do Plano Nacional de Educação, no qual se explicitava a extensão desse direito à
educação, como: (a) ensino primário integral gratuito e de frequência obrigatória, extensivo
2 Art. 149: A educação é direito de todos e deve ser ministrada pela família e pelos Poderes Públicos, cumprindo
a estes proporcioná-la a brasileiros e estrangeiros domiciliados no País, de modo que possibilite eficientes fatores
da vida moral e econômica da Nação, e desenvolva num espírito brasileiro a consciência da solidariedade
humana (BRASIL, 1986)
34
aos adultos, e (b) a tendência à gratuidade do ensino educativo ulterior ao primário, a fim de
torná-lo mais acessível (BRASIL, 1986).
No entanto, as expressões usadas no art. 149 fizeram com que a própria Constituição
comprometesse esse princípio da gratuidade ao restringir o entendimento do termo “todos” ao
imputar primeiramente à família e depois ao Estado o dever de proporcionar a educação.
Lembremo-nos de que o Brasil, até a Revolução de 1930, estava sob a égide da política do
“Café com Leite”, onde o Estado de São Paulo (grande produtor de café) revezava com Minas
Gerais (cuja política econômica era calcada na produção de leite) a alternância do Poder à
frente do Governo do país. E que, em razão disso, sob forte influência da política econômica
vigente, a educação foi sendo cada vez mais valorizada como instrumento de produção das
próprias relações de produção (BRASIL, 2002).
Nesse sentido, ao questionar a definição da instituição responsável por promover a
educação, se a família ou o Estado, Assis (2012) faz a seguinte crítica:
[..] se o indivíduo não pertencesse a uma família que tivesse condições de
educá-lo – e isso não significava apenas ter pais letrados – ele não teria
acesso à educação. Ao mencionar “não acesso”, nos referimos, portanto, à
maioria da população que, na época, era formada por: escravos recém libertos, ou seus filhos, os quais não obtiveram qualquer garantia ou suporte
que acompanhasse sua libertação; e também, os membros das famílias rurais,
já que grande parte dos imigrantes eram alocados na colheita e plantação. Além disso, a educação proporcionada deveria possibilitar “eficientes fatores
da vida moral e econômica da nação” (art.149, CF/34), objetivo condizente
com a obrigação restrita sobre quem compunha a coletividade abarcada nesse termo “todos”. Podemos entrever que o ranço da compreensão de
cidadania atrelada ao poder aquisitivo, fortemente presente na primeira
constituição, permanece nesta Carta. (CARVALHO, 2002 apud ASSIS,
2012, p. 41).
Mesmo tendo vigorado por aproximadamente três anos, promovendo uma
compreensão restrita de cidadania, a CF/34 foi a primeira das constituições brasileiras a
abarcar os Ensinos Fundamental e Médio e a Educação Superior3 (ASSIS, 2012), de modo
que as polaridades e opções políticas que com ela afloraram são ainda consideradas centrais
nos debates sobre educação (OLIVEIRA; ADRIÃO, 2007). Foi sob a égide da CF/34 que o
processo de desenvolvimento da educação encontrou terreno fértil ao fortalecimento dos
primeiros focos de importantes movimentos pela Educação, definidos como “o entusiasmo
pela educação” e o “otimismo pedagógico”, ambos ancorados nas concepções europeias do
3 A Educação Infantil só passou a reconhecida como política pública de responsabilidade do Estado a partir de
1996 com a LDB.
35
positivismo e da Escola Nova. O primeiro disseminava a ideia de que os problemas sociais do
país poderiam ser resolvidos por meio da universalização da escola básica a todos os
cidadãos, ao passo que o segundo pregava a necessidade de se exigir, antes de tudo, qualidade
no ensino público (ASSIS, 2012).
Entretanto, é importante frisar que, entre 1920 e 1936 o ensino continuou
praticamente estagnado: o número de analfabetos em relação à população total se manteve no
índice de 65% entre 1900 e 1920 (o número absoluto aumentou de 6.348.869, em 1900, para
11.401.715 em 1920). E, apesar da industrialização e do avanço da urbanização ocorridos na
década de 30, os índices de escolarização permaneceram muito aquém do necessário por
conta dos escassos investimentos do Estado neste sentido: os investimentos federais em
ensino passaram de 2,1%, em 1932, para 2,5% em 1936; os estaduais foram reduzidos de 15%
para 13,4% e os municípios ampliaram de 8,1% para apenas 8,3% no mesmo período
(RIBEIRO, 2003, p. 117 apud SAVIANI, 2008).
Em 1937, quando Getúlio Vargas sob o pretexto de combater o comunismo e garantir
a unidade e segurança nacional, promoveu o golpe de Estado e instalou o Estado Novo de
características centralizadoras e controladoras, a onda de debates educacionais não resistiu e a
Educação passou a refletir, por consequência, as tendências fascistas do governo ditatorial
(ARANHA, 2002).
Tão logo assumiu o poder, Getúlio Vargas fechou o Congresso Nacional e, em 10 de
novembro daquele ano, Francisco Campos (primeiro ministro da Educação após 1930) redigiu
a Constituição decretada por Getúlio Vargas. Com isso, a Constituição da República
Federativa do Brasil perdeu não só o adjetivo “República”, tornando-se a Constituição dos
Estados Unidos do Brasil, mas também a cidadania. Embora tivesse espaço reservado na parte
dedicada aos Direitos e Garantias Individuais, a cidadania passou a ser encarada de forma
reduzida, diante da implementação do regime autoritário e fascista no país (ASSIS, 2012).
Inspirada no texto constitucional polonês, essa Constituição ficou conhecida como a
“Polaca” e era estruturada de uma forma que a definição das responsabilidades quanto à
educação ficava na parte relativa à família, mais especificamente no art. 125, segundo o qual:
A educação integral da prole é o primeiro dever e o direito natural dos pais.
O Estado não será estranho a esse dever, colaborando, de maneira principal ou subsidiária, para facilitar a sua execução ou suprir as deficiências e
lacunas da educação particular (BRASIL, 1986).
36
Assim, os deveres da União para com a política educacional, que antes eram tratados
em um tópico específico sobre Educação na Carta Constitucional de 1934, foram transferidos
ao Título sobre a Organização Nacional. E, muito embora tenha sido mantida a preocupação
com a uniformidade do sistema de Ensino, era visivelmente claro através da leitura do art. 128
da CF/37 a proposital substituição do verbo oferecer pelo verbo contribuir, como manobra
legal para se reforçar a atuação subsidiária do Estado com relação ao direito à educação, tal
qual definida no art. 125. De igual maneira, o art. 129 também reforçava a atuação supletiva
do Estado face à rede particular de ensino, ao deixar claro que era ela quem viria primeiro
para sanar as necessidades educacionais, entrando o Estado apenas em segundo plano,
simplesmente para sanar aquilo que a rede privada não pudesse resolver (ASSIS, 2012).
Na CF/37, a orientação político-educacional era explicitamente voltada aos interesses
capitalistas do Estado, que preocupado apenas com a preparação de um maior contingente de
mão de obra voltava-se à sustentação da Educação pré-vocacional e profissional. Na parte
dedicada à educação utilizava termos muito semelhantes às concepções católicas sobre ensino
e aprendizagem para definir a política pública (OLIVEIRA; ADRIÃO, 2007).
Isso priorizava ainda mais a escola particular na efetivação do direito do cidadão à
educação. A Constituição não mencionava esse direito como dever do Estado e encarava a
educação como sendo o primeiro dever e o direito natural de todos os pais com relação aos
filhos, omitindo-se quanto ao direito da criança, ou melhor, subordinando o direito desta ao
dos pais, não levando em conta a possibilidade de contradição entre eles, como seria, tempos
depois, reconhecido através do Código Penal ao impor sanções ao crime de “abandono
intelectual” e ao colocar na condição de Réus os pais ou responsáveis omissos (OLIVEIRA;
ADRIÃO, 2007).
Tem-se, portanto, que, diferentemente da CF/34 – que apontava a educação como um
dever da família e do Estado –, a CF/37 enfatizava o papel secundário, subsidiário, quase
“marginal” do Poder Público, com relação ao direito do povo à educação, transmitindo
inclusive a falsa ideia de um sistema público gratuito.
O art. 130 da CF/37 declarava a gratuidade do ensino primário de uma forma tão
nebulosa que abria espaço para se decidir o contrário.
O ensino primário é obrigatório e gratuito. A gratuidade, porém, não exclui o
dever de solidariedade dos mesmos para com os mais necessitados; assim,
por ocasião da matricula, será exigida aos que não alegarem, ou notoriamente não puderem alegar a escassez de recursos, uma contribuição
módica e mensal para a caixa escolar (BRASIL, 1986).
37
Ou seja, permitia o acesso à educação mediante cobrança, salvo nos casos de
comprovação de “escassez de recursos” por parte dos alunos. Assim esclarece Assis (2012, p.
43):
A família ainda era ator principal quando se tratava de educação, agora
muito mais aparente do que antes. Na nova redação, o direito à educação é, em verdade, um dever camuflado de direito: “Art. 125 – A educação integral
da prole é o primeiro dever e o direito natural dos pais.” Ainda que na
continuação do artigo haja a indicação de que o Estado não irá eximir-se,
atuando seja de forma principal ou subsidiária, dois pontos ficam bem claros com relação a este subsídio. Em primeiro lugar podemos apontar que,
indiscutivelmente, a família é a primeira responsável pela educação da prole,
em se eximindo, será tido como falta grave (art. 127, CF/37). Em segundo momento, o dever de educar da família é que permite a existência do direito
à educação, e a efetivação deste direito depende de certas condições, dentre
elas, financeiras. Então, da mesma forma que o dever de educar da família aparece com mais força na Constituição de 1937, a relação “poder aquisitivo
X possibilidade de educar”, também. “Aos pais miseráveis assiste o direito
de invocar o auxílio e proteção do Estado para a subsistência e educação de
sua prole.” (art. 127, CF/1937). Ora, se a educação fosse de fato um direito, não criaria o direito de requerer este direito. Fica nítida a transformação do
direito num dever, restrito aos que podem fazê-lo.
Tais medidas tornaram clara a falta de interesse do Estado em dar prioridade à
Educação, a menos que aqueles que deveriam oferecê-la (família e rede particular) acabassem
fomentando valores que não fossem interessantes para a manutenção da “ordem social”.
Dessa forma, propositadamente, o Estado se comportava ao mesmo tempo de forma ausente e
presente na tarefa de educar seus cidadãos: ausente no que dizia respeito ao dever de fazer;
presente nos momentos em que se sentia ameaçado e tinha que puni-los (ASSIS, 2012).
Acerca da gratuidade do ensino, Oliveira e Adrião (2007, p. 19-20) explicam:
A gratuidade, tratada como exceção, não sendo garantida de forma
generalizada, introduzia a intenção de realizar a “equalização social” via educação, abstraindo-se os aspectos mais gerais do problema; ou seja, era o
surgimento, em termos legais, do discurso preocupado com a redistribuição
de renda via educação, restringindo-se o acesso gratuito apenas aos mais necessitados. Este é tipicamente o processo de substituição de um direito,
extensivo a todos, por uma exceção, sujeita a critérios a serem definidos,
muitas vezes regidos pela lógica do favor.
Percebe-se que, até 1939, as marcas do autoritarismo do Governo foram bastante
fortes e com influências diretas na educação, de modo que as questões educacionais eram
atribuídas somente à União impedindo-se assim, que Estados e Municípios viessem a legislar
ou executar políticas em matéria educacional sem a prévia aprovação do Governo Federal. Os
38
primeiros sinais de mudança começam a aparecer somente três anos mais tarde, quando foram
criadas as Leis Orgânicas do Ensino e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
(SENAI), expondo justamente o interesse maior do Governo com a educação
profissionalizante (GOTTEMS, 2014).
Com a queda da ditadura do Estado Novo e sob os ventos democráticos reforçados
com o final da segunda guerra, é promulgada a nova Constituição dos Estados Unidos do
Brasil em 17 de setembro de 1946 (OLIVEIRA; ADRIÃO, 2007).
Muito embora o adjetivo “República” não tenha sido reincorporado ao texto
constitucional na oportunidade, a nova Carta Constitucional, ao dispor de forma clara e
precisa no seu primeiro artigo que todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido,
não deixava dúvidas quanto aos ideais republicanos e o regime representativo, requisitos
essenciais à efetivação do Estado Democrático de Direito.
Da mesma forma que a Constituição de 1934, o texto constitucional de 1946 atribuía
à União o dever de legislar sobre as bases e diretrizes da educação nacional, e de forma
simples e direta retomava essa ideia com relação ao Governo Federal, reforçando a
necessidade de se unificar o Sistema de Ensino, o que culminou com a aprovação da primeira
LDB, e desencadeou um tímido processo de democratização da educação e de destinação de
recursos para tal fim. Nesse sentido, esclarecem Oliveira e Adrião (2007, p. 20):
Retomava a ideia, presente no texto de 1934 e abandonada no de 1937, da educação como direito de todos. A redação “será dada no lar e na escola”
substituía “ministrada pela família e pelos Poderes Públicos”, de 1934,
evidenciando a influência das concepções católicas em ambas as constituintes.
A formulação da gratuidade ulterior ao primário apenas para aqueles que
comprovassem insuficiência de recursos – portanto, prevista como exceção –
diferia da de 1934, que previa a democratização deste nível de ensino para todos por meio da progressiva instituição da gratuidade.
Na CF/46 o direito à educação vinha expressamente declarado no artigo 166, e
melhor definido nos artigos 168 e 172:
Art. 166: A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola. Deve
inspirar-se nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana. (...)
Art. 168: A legislação do ensino adotará os seguintes princípios: I – o ensino
primário é obrigatório e só será dado na língua nacional; II – o ensino primário oficial será gratuito para todos; o ensino oficial ulterior ao primário
sê-lo-á para quantos provarem falta ou insuficiência de recursos.
(...)
39
Art. 172: Cada sistema de ensino terá obrigatoriamente serviços de
assistência educacional que assegurem aos alunos necessitados condições de eficiência escolar (BRASIL, 1986).
Nessa perspectiva, muito embora o texto constitucional não vinculasse diretamente o
Estado à promoção do Ensino, a Educação antes setorizada, passou a ser tratada como um
direito de todos, atribuindo ao Poder Público a competência para ministrá-la nas diferentes
áreas e estabelecendo a liberdade de atuação privada (GOTTEMS, 2014).
Contudo, esse texto constitucional enfatizava pouco o papel das famílias de
promover a educação dos seus filhos, de modo que não reforçava aquela ideia antes
disseminada e defendida na CF/37 de um dever familiar de educar. Ao contrário, encarava de
certa forma a educação como fruto natural dos laços familiares, logo, algo que deveria ser
naturalmente desenvolvido no ambiente familiar, e que por isso mesmo não precisava ser
imposto através de Lei (OLIVEIRA, 1996).
Ao desvincular direito à educação dessa ideia de “obrigação particular”, a nova
ordem Constitucional não só tornou o ensino uma obrigação do Sistema Público, como
também, uniu novamente as categorias ‘obrigatoriedade’ e ‘gratuidade’ (art. 168).
Expressamente, esse artigo consagrou princípios aplicáveis à legislação educacional,
muitos dos quais foram preservados e ou aprimorados pelas legislações estaduais, como a
gratuidade e obrigatoriedade do ensino primário e a manutenção da previsão do ensino pós-
primário de forma gratuita em algumas delas.
A Constituição de Mato Grosso é o único caso apontado na literatura de legislação
estadual que tratava da obrigatoriedade do ensino: “o ensino primário é obrigatório para
crianças de 07 e 14 anos”. E, no que pertine à gratuidade, as Constituições dos Estados de São
Paulo, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte e Bahia foram as únicas apontadas como
sendo pioneiras na afirmação do “ensino oficial gratuito em todos os graus” (NÓBREGA,
1952).
Entretanto, embora tenha sido encarada como uma grande conquista, a gratuidade do
ensino por si só não foi suficiente para solucionar o problema da Educação, uma vez que não
se determinou ao Estado Nação a obrigação de expandir o ensino primário em todo o país. De
igual maneira, a Lei Maior também não abordou temas importantes, como por exemplo, o
amparo material necessário à educação primária e profissional dos menos favorecidos,
impossibilitando a reivindicação desse direito público subjetivo frente à União (MIRANDA,
1953).
40
Mesmo assim, incontestavelmente, foi a partir da CF/46 que o direito à educação
passou a se consolidar como direito de todos e obrigação do Estado (prioritariamente dos
Estados Federados e Distrito Federal e, subsidiariamente, por parte da União), com previsão
no art. 170. Nesse sentido expõem Cury e Ferreira (2010, p. 10):
A promulgação da Constituição Federal de 1946 proporcionou um novo
alento à educação, posto que na sua essência não se diferencia da
Constituição de 1934, repondo e assimilando os avanços por ela introduzidos, inclusive no que diz respeito à adoção do princípio do ensino
primário obrigatório (art. 168, I)
Por conta da CF/46 todas as empresas (industriais, comerciais ou agrícolas) com
mais de cem empregados foram obrigadas a oferecer ensino primário e gratuito a todos os
seus empregados e seus filhos (art. 168, III, CF/46). Tratou-se de uma tentativa do Estado em
fomentar uma ideia, ainda que embrionária, de responsabilidade social, para maquiar aquilo
que poderia ser encarado cedo ou tarde como sua omissão. Assim, esclarece Assis (2012, p.
47):
[...] o Estado estava obrigando o particular a trabalhar com aquilo que hoje chamamos de responsabilidade social, e mais, estava propondo a inversão de
valores colocando em primeiro plano o desenvolvimento humano e em
segundo, o desenvolvimento econômico. Em verdade, quando se oferece
subsídios para o crescimento intelectual e técnico de um funcionário, haverá um reflexo em sua produtividade; preocupar-se com o desenvolvimento
humano é, em contrapartida, preocupar-se com o desenvolvimento
econômico também, pois ele faz parte daquilo que completa o homem, já que educação e trabalho são conceitos que se relacionam.
Conta-se que de um modo geral prevaleceu o entendimento de que cabia ao Estado
tão somente proteger a infância da atuação abusiva dos adultos, ficando a cargo dos pais a
obrigação precípua de promover a educação de base dos seus filhos. Explicações absurdas
teriam sido usadas para reforçar a não obrigatoriedade do ensino primário em todo o território
nacional, em especial a de que a pobreza dos pais proletariados dificultava melhores
condições de nutrição e vestimenta de seus filhos, e que a intenção de se transformar a
educação primária em obrigatória poderia fazer com que o Estado incorresse em grave
injustiça ao expor no ambiente escolar toda essa vulnerabilidade em que viviam essas pessoas
(MAXIMILIANO, 1954).
Apesar das diversas falhas apontadas nesse sistema educacional e as muitas
tentativas de correção através de emendas ao texto constitucional, a partir dos anos 50 o Brasil
41
começou a perceber com maior nitidez o avanço gradativo das suas taxas de alfabetização,
fenômeno que se manteve até por volta de 1960. Sobre tal período, explica Freire (2014, p.
23):
Acelera-se a urbanização e a industrialização, mas, até 1950, perto da
metade da população vivia no campo, e a industrialização jamais pôde sair
de uma condição complementar em relação à produção agrária para a exportação. A nova burguesia industrial cresce em importância, mas não
conseguiu afirmar-se com autonomia perante o capital agrário e bancário e,
posteriormente, perante o capital estrangeiro. A emergência das classes populares, associada à crise das elites, conduz à redefinição do esquema de
poder, que agora tem que resultar de um compromisso com as massas. Mas
estas não conseguiram jamais impor a hegemonia e tiveram que subordinar-
se aos grupos burgueses emergentes interessados, em seu próprio proveito, na ampliação da participação política.
Graças a um trabalho conjunto realizado pela maioria dos Municípios existentes, por
volta de 1947 foram eficazmente implantadas classes de ensino supletivo nas escolas, um
estímulo que promoveu nos anos seguintes o aumento de boa parte das matrículas em cursos
profissionais ou pré-profissionais de ensino médio. Ou seja, como a população urbana havia
crescido, o índice de alfabetização tinha conseguido acompanhar satisfatoriamente a
modificação desse perfil populacional. Por consequência, boa parte da população que estava à
margem do sistema estava, agora, incorporada a este (BRASIL, 2002).
Porém, outro importante aspecto caracterizava a expansão do ensino no Brasil: o seu
baixo rendimento interno:
Em que pese os altos índices de expansão das matrículas, o sistema
era incapaz de assegurar o acesso da população escolar do nível
elementar de ensino aos níveis médio e superior. Assim, o sistema era
marcado por alto grau de seletividade, que se traduzia no fato de que a
cada 1.000 alunos admitidos na primeira série da escola primária em
1960 apenas 56 conseguiam ingresso no ensino superior em 1971
(BRASIL, 2002, p. 25).
Esse quadro da educação permaneceu sem muitas alterações até meados de 1960.
Nessa década, o Brasil desfrutava de uma democracia que nunca antes havia conhecido. Com
isso, pensamentos de vanguarda que permeavam os meios acadêmicos passaram a render
melhores frutos, como prática inclusiva nas escolas, graças a uma geração de educadores que
tiveram contato com aqueles ideais liberais voltados à luta por um ensino público laico e de
qualidade nos anos 30, em oposição àquilo que configurava o ensino privado, subvencionado
pelos cofres públicos (ARANHA, 2002).
42
Ressurgia assim uma nova vertente da “Escola Nova”, movimento político-
educacional introduzido no âmbito jurídico-legal brasileiro pelas mãos de Rui Barbosa, mas
que encontrava em pensadores da estirpe de Rousseau, Pestalozzi e Freidrich Fröebel, o
embasamento filosófico de suas propostas pedagógicas voltadas à formação de educandos
proativos tanto em sala quanto em sociedade (LEME, 2005; ASSIS, 2012; ARANHA, 2002).
Na América Latina o movimento “escola novista” tinha ganhado força sob a
influência do filósofo e pedagogo John Dewey. Porém, teria sido com a adesão de pensadores
considerados de elite na década de 30, em especial Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo e
Manuel B. Lourenço Filho, que o movimento verdadeiramente se alavancou e passou a
promover a reforma social através da educação. Com isso, além de constatarem as falhas no
sistema educacional da época, esses estudiosos incentivaram propostas de reforma geral da
educação que defendiam, como já dito, um novo modelo de escola: única, pública, laica,
gratuita e obrigatória, gerando grandes debates entre publicistas e privatistas, em especial na
década de 60 (GOTTEMS, 2014).
Assim explica Lourenço Filho (1950, p. 133):
As classes deixavam de ser locais onde os alunos estivessem sempre em
silêncio, ou sem qualquer comunicação entre si, para se tornarem pequenas sociedades, que imprimissem nos alunos atitudes favoráveis ao trabalho em
comunidade.
Depois de muita mobilização e calorosas discussões, em 1961 foi aprovada a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que dentre outras coisas reforçava a
iniciativa privada ao direito de prestar serviços educacionais.
Assim, ainda que não fosse mais prevalente a ideia de que o Estado tinha que se
manter afastado das questões educacionais, a maior parte do texto desta Lei trazia em seu bojo
um claro idealismo liberal, principalmente quando concedia aos setores privados maior
segurança ao assumirem (diga-se de passagem, com fins lucrativos) parte da responsabilidade
originária do Estado de prestar serviços educacionais, desafiando-os a se reorganizarem. De
igual maneira, essa lei autorizava o Estado a “retomar” a política de subvenção da iniciativa
privada no que tange ao oferecimento dos serviços educacionais à população, permitindo
também uma flexibilidade nas grades curriculares, ao invés de fixar um currículo base a ser
seguido em todo o território nacional (BRASIL, 2002; ARANHA, 2002). Lembremo-nos que
a Constituição de 1937 autorizava a União assim proceder, mas por conta das mudanças na
43
ordem econômica e pressão política à época, os repasses de recursos financeiros nesses
moldes ficaram obstados durante um bom tempo.
Quanto à estrutura do Ensino, esta se manteve praticamente sem alterações: Ensino
pré-primário (composta por creches e pré-escolas, chamados de escolas maternais e jardins de
infância); Ensino primário (que tinha ao todo quatro anos de duração, com a possibilidade de
se acrescer mais dois anos ao final caso o aluno tivesse interesse na inserção numa espécie de
programa de artes aplicadas); Ensino médio (subdividido em dois ciclos: o ginásio, que
correspondia ao ensino secundário com duração de quatro anos, e o colegial, que correspondia
ao ensino técnico, cuja duração era de três anos, voltado para a área industrial, agrícola,
comercial, e o magistério), e por último o Ensino Superior, composto por faculdades e
universidades (BRASIL, 2002).
Contudo, não se pode negar que a LDB assegurou a educação como um direito a ser
concedido a todos tanto no lar quanto na escola, uma vez que garantia à família a liberdade de
escolher o gênero de educação a ser ministrada aos seus filhos, à medida que possibilitava à
iniciativa privada a ministrar o ensino em todos os graus desde que respeitadas as exigências
da lei (GOTTEMS, 2014).
Nesse sentido, reforça Cunha (__,p.4):
Em uma democracia até então nunca vivida no país é promulgada em 21 de
dezembro de 1961 a Lei 4.024 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional – LDB, que dá às escolas maior autonomia na sua organização administrativa, disciplinar e didática, desafiando o ensino privado a se
reorganizar, questionando o modelo educacional vigente e propugnando uma
educação alternativa aos modelos tradicional e técnico-desenvolvimentista.
A renovação dos estabelecimentos de ensino estende-se a todo setor privado, e modo que mesmo durante a ditadura militar é possível continuar com a
renovação pedagógica.
Em 1964 o Brasil sofre novo golpe militar, e a Constituição publicada três anos mais
tarde traz consigo retrocessos, principalmente à seara educacional. Muitas reformas realizadas
nesse triste momento da história nacional carrearam reflexos negativos que amargaram a vida
acadêmica e estudantil durante um bom tempo. Assim esclarece Oliveira e Adrião (2007, p.
21):
A ditadura decorrente do Golpe Militar de 1964, embora inicialmente se
tenha mantido dentre dos parâmetros estabelecidos pela Constituição de
1946, ao recorrer crescentemente a medidas de exceção, acabou necessitando
de outro ordenamento jurídico. Este veio com a Constituição de 1967 que, apesar de enviada ao Congresso para discussão e aprovação, teve prazos
44
bastante exíguos para apreciação e votação, num ambiente de evidente
constrangimento do Poder Legislativo.
Assim, ainda que pela primeira vez em uma Constituição Federal tenha figurado a
obrigatoriedade do ensino às pessoas de sete a quatorze anos de idade, não havia mais a
previsão constitucional de investimentos públicos no setor educacional, o que agravou muito
a situação estrutural e funcional das escolas públicas. Nesse sentido ressalta Saviani: “A
Constituição do regime militar, de 1967, e a Emenda de 1969 voltaram a excluir a vinculação
orçamentária: a Emenda Constitucional de 1969 indiretamente restabeleceu a vinculação
orçamentária apenas para os municípios ao determinar, na alínea ‘f’ do § 3º, inciso II do
artigo 15, que o Estado poderá intervir no município que não aplicar no ensino primário, em
cada ano, pelo menos 20% da receita tributária municipal. (SAVIANI, 2014, p. 33) Contata-
se, então, que o orçamento da União para educação e cultura caiu de 9,6%, em 1965, para
4,31% em 1975” (SAVIANI, 2008, p. 33).
As instalações que já não podiam ser consideradas, em sua grande maioria,
adequadas ao ensino de crianças e jovens ficaram ainda mais sucateadas. Os salários dos
profissionais da educação foram praticamente achatados, provocando desestímulo tanto de
professores quanto de alunos, repetência e evasão escolar (GOTTEMS, 2014). O caos no
meio educacional estava mais do que nunca instituído.
A Constituição de 1967 mantinha a gratuidade e obrigatoriedade limitada do ensino,
concentrando-se no atendimento à faixa etária dos sete aos quatorze anos. Essa Constituição
preservou aquela responsabilidade social das empresas no que tange à educação de
funcionários e filhos de funcionários, mas promoveu certa flexibilização dessa obrigação ao
permitir que, ao invés do efetivo oferecimento de vagas para o ensino, houvesse a substituição
por salário-educação – contribuição patronal criada com a finalidade de suplementar os
recursos públicos destinados à manutenção e ao desenvolvimento do ensino, se constituindo
numa fonte adicional ao ensino fundamental público. O objetivo quando da sua criação era o
de eliminar o analfabetismo no Brasil. Tem sua origem na Constituição de 1946, quando é
definido, no artigo 178, inciso II, que as empresas com mais de cem empregados eram
obrigadas a “manter o ensino para seus empregados e filhos destes” (CORTES, 1989) De
igual maneira, permitiu que o apoio técnico e financeiro à rede particular de ensino pudesse
novamente ser feito pelo Poder Público através da concessão das chamadas “bolsas de estudo”
à iniciativa particular (ASSIS, 2012). Essa inclusive, era a redação do texto legal da época:
45
Art. 168: A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola;
assegurada a igualdade de oportunidade, deve inspirar-se no princípio da unidade nacional e nos ideais de liberdade e de solidariedade humana. [...]
§ 3 – A legislação do ensino adotará os seguinte princípios e normas;
[...]
II – o ensino dos sete aos quatorze anos é obrigatório para todos e gratuito nos estabelecimento primários oficiais;
4
III – o ensino oficial ulterior ao primário será, igualmente, gratuito para
quantos, demonstrando efetivo aproveitamento, provarem falta ou insuficiência de recursos. Sempre que possível, o Poder Público substituirá o
regime de gratuidade pelo de concessão de bolsas de estudo, exigido o
posterior reembolso no caso de ensino de grau superior (BRASIL, 1986).
Nesse mesmo período percebe-se um importante fenômeno social: o contingente da
classe média voltou a crescer. Os empresários da educação interessados nessa clientela e na
ótima oportunidade de expandirem seus negócios passaram a propagar as qualidades do
ensino privado em relação ao público, bem como facilitar o acesso desse segmento às suas
instituições de ensino. Nessa época a educação, que já era vista claramente como mercadoria,
recebeu pesados investimentos privados, o que contribuiu para estruturação de um verdadeiro
e forte setor a partir dos anos 70 (ASSIS, 2012). Assim explica Cunha (__,p.05):
O desenvolvimento econômico do país, a precária qualidade do ensino
público e a melhora crescente da qualidade do serviço educacional prestado
pela escola particular propiciam o crescimento do setor privado, isto é
motivado por empresários e dirigentes extremamente competentes e organizados na gestão educacional.
Acontece o crescimento rápido do ensino privado, inicialmente na educação
básica, e, a partir dos anos 1990, também no ensino superior. Vale destacar que o crescimento do setor é quem garante a formação de profissionais com
qualificações que atendem as demandas dos setores produtivos.
É importante observar, porém, que a estrutura que se tinha do sistema de ensino até
1970 era composta por 4 níveis básicos para atendimento de diferentes faixas etárias (tabela 1,
abaixo), e que o ensino obrigatório, infelizmente, ainda correspondia apenas à escola primária
com duração normal de quatro anos.
4 A gratuidade dos 7 aos 14 anos só se tornaria uma ampliação do período de escolarização obrigatória para oito
anos com a Lei nº 5.692/71, com a criação do ensino de primeiro grau.
46
Tabela 01 – Estrutura do Sistema Educacional antes de 1971.
Nível Duração Faixa etária
Pré-escola 3 anos De 4 a 6
Escola primária 4 anos De 7 a 10 Ginásio 4 anos De 11 a 14
Colégio 3 anos De 15 a 17 Ensino Superior De acordo com a área escolhida A partir dos 18 anos
Fonte: Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, e Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968.
Ainda assim, há estudos que apontam a década de 70 como sendo o período em que a
escola brasileira conheceu as mais significativas transformações pedagógicas, uma vez que
neste período mudaram-se os métodos de ensino, a forma de ensinar e, por consequência, os
livros didáticos, tendo sido editada a Emenda Constitucional nº 01, de 1969 (também
conhecida como Constituição de 1969) onde se explicitava o dever do Estado em garantir a
educação compulsória a todos (OLIVEIRA; ADRIÃO, 2007).
De acordo com Charlot (2007), essas crescentes modificações permitiram de forma
gradativa que a escola viesse a ser reconhecida mais do que nunca, como “elevador social”.
Isso porque as pessoas começaram a entender que o acesso à educação poderia melhorar suas
condições de vida.
Assim, à medida que as instituições de ensino passaram também a ser pensadas mais
profundamente na lógica econômica e social do desenvolvimento da nação, e essa nova
política educacional passou a ter uma boa aceitação social, possibilitou-se uma geração de
novos empregos qualificados.
Então, diante da possibilidade de se ter mais tempo de escolaridade, as pessoas
vislumbravam a possibilidade de ocupar melhores cargos, e isso ao que tudo indica foi o que
acabou satisfazendo não só as classes médias, mas também as classes menos favorecidas, as
quais passaram a ver no acesso à escola a possibilidade de melhorar de vida e ascender
socialmente (FREIRE, 2014).
Diante disso, o Estado mostrou-se motivado a arquitetar e a colocar em prática o
plano de formação da escola fundamental de nove anos para atender estudantes de 6 a 15 anos
de idade. Desse modo, logo se passou a discutir menos a questão da qualidade da escola, e as
indagações acerca da “justiça da escola” passou a ser o cerne das novas discussões
(CHARLOT, 2007).
A desigualdade social face à escola e na escola, bem como o direito à igualdade de
oportunidades e tratamento, passaram a configurar o novo pano de fundo onde as instituições
de ensino estavam inseridas. Por consequência, a dedicação aos estudos (já pouco encarada
47
como atividade intelectual prazerosa) se tornou cada vez mais uma obrigação, uma forma de
imposição social e ou familiar, no sentido de se frequentar os bancos escolares e passar de ano
a qualquer custo. Isso, de acordo com muitos estudiosos do ramo da educação, pode ter sido a
mola propulsora do processo de declínio da formação cidadã em nosso país (GOTTEMS,
2014).
Apesar de os textos legais (Constituição e LDB) terem garantido a universalização
do ensino e tornado obrigatória a frequência e a ampliação dos anos de estudo, pode-se dizer
que o direito à educação não conseguiu ser efetivado até o início da década de 80
(GOTTEMS, 2014).
O Brasil tinha conseguido impulsionar seu crescimento econômico, mas ainda
continuava avarento com relação a investimento em educação. Nesse sentido, explica Gottems
(2014, p. 116):
Sem dinheiro, a educação no Brasil foi marcada por uma rede de escolas
insuficiente para atender a demanda, professores despreparados e mal
remunerados, centralização de recursos orçamentários, resultando na perda de qualidade do ensino público.
O país começa a acelerar seu processo de democratização ao final de 1983. Em
resultado, finalmente é promulgada a Emenda Constitucional nº 24, que garante a fixação
mínima de investimentos públicos em educação: através do artigo 176, § 4, da referida
Emenda, ficou determinado que a educação deveria receber no mínimo 13% da arrecadação
feita pela União, e 25% daquela obtida por parte dos Municípios e Distrito Federal, o que
trouxe novamente à tona a questão da destinação vinculada de recursos (GOTTEMS, 2014).
Porém, a regulamentação desse dispositivo só veio acontecer dois anos mais tarde
(em 1985), fazendo com que a vinculação de recursos viesse a ocorrer efetivamente somente
no exercício financeiro de 1986, como bem expõe Gottems (2014, p. 116):
A vinculação tardia de receitas orçamentárias não garantiu melhores condições educacionais para o Brasil e, embora tivesse assegurado a
universalização do acesso à educação, a baixa qualidade da escola pública
acabou por manter a segregação das classes sociais. Permaneceram na escola pública, de baixa qualidade e incapaz de atender a
demanda, a massa popular, enquanto que os ricos passaram para a particular
onde havia melhor qualidade do ensino.
E foi assim, amparado em sistema educacional deficiente que o Brasil, num processo
de redemocratização, chega ao início da década de 80 às portas de mais uma nova ordem
48
constitucional. Nessa nova fase, motivado pelo ideal de sucesso econômico-financeiro o
Governo Brasileiro concentra sua atuação político-administrativa na tentativa de replicar
experiências bem sucedidas de outras nações sem, contudo, observar o esforço diuturno
dessas mesmas nações em manter boas escolas e bons professores com pesados investimentos
na política educacional (GOTTEMS, 2014). Assim reforça Castro (1994, p. 17):
Não é novidade e nem segredo que a educação é importante para o
desenvolvimento de um país. No entanto, jamais levamos isto a sério.
Deitado em berço esplêndido, tendo Deus como conterrâneo, achamos que
era só investir em maquinaria e estradas. Adotamos um modelo onde bastava que um ou outro visse as luzes e guiasse os demais. Até que deu certo. Na
verdade, podemos dizer que o milagre brasileiro foi haver chegado tão longe
em seu desenvolvimento com pouca educação. Mas, infelizmente para o Brasil, nossos concorrentes levaram a educação a
sério. Tudo indica que suor, capital e jeitinho não sejam suficientes para
prosseguir na trajetória ascendente que vivemos no último século.
De fato, a situação do país não podia ser considerada confortável, mas o orgulho do
Estado com o crescimento da economia obliterava o descaso com os recursos humanos,
sobretudo com relação à educação de crianças e jovens. Do ponto de vista econômico, o
Brasil estava se saindo bem no cenário mundial, mesmo tendo investido pouco na educação
pública. Isso reforçava a falsa ideia (ainda impregnada na mentalidade política de muitos
governantes) de que a educação não é algo assim tão importante para o desenvolvimento da
Nação, podendo sim ficar em segundo plano (CASTRO, 1994).
Pode-se dizer que aquele ideário superestimado das primeiras décadas do século XX,
como dito anteriormente, de que na educação poderia estar a chave para a solução de todos os
problemas sociais, ou pelo menos de boa parte deles, foi se modificando a cada mudança de
governo.
1.2.2 Constituição Federal de 1988
Por muitos anos o Brasil se deixou levar pela ideia de Estado mínimo para justificar
medíocres investimentos em educação.
Entre os anos 60 e 70 foi possível perceber que as exceções com relação a pesados
investimentos em educação deixaram de sê-lo, e a regra (“muita educação, muito
crescimento”) se tornava cada vez mais dominante mundo afora. Sob esta lógica, os países
que frearam a educação, dentre eles o Brasil, definitivamente murcharam no crescimento e
aumentaram desigualdades (CASTRO, 1994).
49
A herança educacional deixada pela ditadura militar no Brasil retroalimentava
diferentes problemas socioeconômicos, muitos dos quais ainda são existentes. O modelo
industrial brasileiro, por exemplo, baseava-se na tecnologia moderna, mas era dependente de
uma dosagem “a conta gotas” de recursos humanos para manejá-lo, e passou a sofrer mais
acentuadamente a partir da década de 1980 as consequências da falta de mão de obra
qualificada. Isso, infelizmente, contribui para que o nome do Brasil fosse lançado ao rol
daqueles que empacaram no meio de uma trajetória político-econômica que poderia ser
considerada brilhante (CASTRO, 1994).
Em agravamento à situação havia ainda muita diferença na educação oferecida em
cada uma das diferentes regiões do país, algumas das quais, com um gritante déficit de
creches e escolas, o que reduziu a quase zero a credibilidade governamental para solucionar
problemas da área.
Foi então que, em meio a esse panorama de desigualdades relacionadas à educação,
surgiram inúmeros debates para a elaboração de um novo pacto social, uma nova Constituição
que pudesse assegurar, dentre os direitos, o de todo e qualquer cidadão ter acesso à escola e ao
conhecimento. Sobre esse período, disse certa vez Aguilar (2000, p. 107):
A década de 80 significou para o Brasil, para a Argentina, como também
para o resto da América Latina, a iniciação do conturbado processo de transição à democracia e de manutenção e de consolidação das suas
instituições.
Deste modo, em 1988, como partes do processo de redemocratização do país, foram
criados dispositivos legais mais complexos e extremamente importantes à efetivação do
direito à educação, em especial a CF/88, o ECA (Lei nº 8.069/90) e a LDBEN (Lei nº
9.394/96). Como bem explica Gottems (2014, p. 117):
Além de restabelecer as liberdades individuais, o novo texto constitucional
assegurou direitos erigidos às cláusulas imodificáveis, dentre os quais o direito à educação, estabelecendo a destinação mínima de recursos públicos
para o seu desenvolvimento, garantindo liberdade e igualdade no processo
educativo.
Sob a vigilância da Constituição Federal de 1988 ocorre a consolidação do direito à educação, caracterizado por um conjunto de direitos que envolvem
não só o acesso à escola, mas, a liberdade, a igualdade de oportunidades, o
investimento público etc, que paulatinamente, passa a ser construído ganhando contornos cada vez mais marcantes.
50
No primeiro artigo da CF/88, foi apresentado o princípio da dignidade da pessoa
humana como um de seus princípios fundamentais. Um pouco mais à frente, no artigo 6º,
adveio de forma clara e precisa o rol dos direitos sociais ligados a este principio: “são direitos
sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados” (BRASIL, 1988).
Ao mesmo tempo a CF/88 restabeleceu a vinculação de impostos para financiamento
do ensino no país, fixando 18% para a União e 25% para estados e municípios (SAVIANI,
2008) demonstrando uma maior preocupação com suporte financeiro necessário à política
pública educacional se comparado às outras Cartas Constitucionais.
Portanto, quando a Constituição passou a conferir tal tratamento à educação, tornou-
se a primeira na história do Brasil a reconhecer explicitamente o direito à educação (em todos
os seus níveis e etapas) como um dos direitos fundamentais sociais, ou seja, como um dos
direitos concebidos sob a égide da dignidade da pessoa humana (OLIVEIRA; ADRIÃO,
2007).
Consequentemente, a educação deixou de ser compreendida como uma necessidade
isolada do ser humano para ser concebida como uma forma de crescimento e evolução
coletiva, dividindo harmoniosamente o espaço com tantos outros direitos sociais, como o
trabalho, a saúde e a assistência (ASSIS, 2012).
Sobre a importância da Educação, ressalta Bobbio (1992, p.75):
Não existe atualmente nenhuma carta de direitos, para darmos um exemplo
mais convincente, que não reconheça o direito à instrução – crescente, de resto, de sociedade para sociedade – primeiro elementar, depois secundária e
pouco a pouco até mesmo universitária. Não me consta que, nas mais
conhecidas descrições do estado de natureza, esse direito fosse mencionado. A verdade é que esse direito não fora posto no estado de natureza porque não
emergia na sociedade da época em que nasceram as doutrinas jusnaturalistas,
quando as exigências fundamentais que partiam daquelas sociedades para
chegarem aos poderosos da Terra eram principalmente exigências de liberdade em face das Igrejas e dos Estados, e não ainda de outros bens,
como o da instrução, que somente uma sociedade mais evoluída econômica e
socialmente poderia expressar.
A par disso observa-se que a importância dada à educação foi justamente o grande
diferencial da CF/88 em comparação às suas antecessoras. Como bem disse Ulysses
Guimarães em seu discurso de apresentação da nova Carta Política:
Hoje, 5 de outubro de 1988, no que tange à Constituição, a Nação
mudou. A Constituição mudou na sua elaboração, mudou na definição
51
dos poderes, mudou restaurando a Federação, mudou quando quer
mudar o homem em cidadão, e só é cidadão quem ganha justo e
suficiente salário, lê e escreve, mora, tem hospital e remédio, lazer
quando descansa. Num país de 30.401.000 analfabetos, afrontosos
25% da população, cabe advertir: a cidadania começa com o alfabeto.5
Daí falar-se que a Magna Carta não compreende a educação como política pública
pura e simples. O que se percebe, na verdade, é que a ordem constitucional atual reconhece a
educação como um importante agente transformador da realidade social, capaz de erradicar a
pobreza, dirimir as desigualdades regionais e impulsionar o desenvolvimento nacional
(GOTTEMS, 2014).
É nesse sentido que afirma também Oliveira (1995, p. 3):
[...] a Carta Constitucional de 1988 representa um salto de qualidade
relativamente à legislação anterior, deslocando o debate da efetivação deste
direito, da esfera jurídica para a esfera da luta social, isto porque, através da
maior precisão da redação e detalhamento de tal declaração, suprimiram-se os obstáculos legais formais à universalização do ensino fundamental para
todos e em todas as idades, introduzindo-se, explicitamente, até mesmo, os
instrumentos jurídicos para sua efetivação.
Tem-se ainda que, por conta do art. 22, inciso XXIV da CF/88, a competência para
legislar sobre as diretrizes e bases da educação no país pertence privativamente à União, e que
cabe aos demais entes federados promoverem o acesso à educação (art. 23, V, CF/88). Isso de
certa forma fez com que a consolidação do ensino público se tornasse mais efetiva do que em
qualquer outro ordenamento jurídico, rendendo à educação um espaço próprio, uma sessão
específica (Capítulo III, Seção I) no corpo da Magna Carta.
Porém, ao mesmo tempo em que a Carta Constitucional declara a educação um dever
do Estado, ela reconhece a família e a sociedade como coadjuvantes no processo educativo
(art. 205, CF/88) quando define a educação como “direito de todos e dever do Estado e da
família”, que será “promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao
pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho”.
Da leitura do artigo 214, por sua vez, depreende-se que compete ao Congresso
Nacional a edição de lei que estabeleça o plano nacional de educação, de duração decenal,
5 Trecho do discurso disponibilizado na íntegra em: http://www.fesppr.br/~francisco/Constit.htm. Acesso:
02/09/15
52
visando à articulação ao desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, bem como a
integração das ações do Poder Público que conduzam à erradicação do analfabetismo,
universalização do atendimento escolar, melhoria na qualidade do ensino, formação para o
trabalho, promoção humanística, científica e tecnológica do país.
Antes, porém, o legislador preocupou-se em dar especial atenção aos princípios que
norteiam o ensino (art. 206) e aos deveres do Estado com relação à prestação e efetivação do
direito à educação (art. 208). Dentre eles a igualdade de condições para o acesso e
permanência; liberdade de aprender; ensinar; pesquisar; e divulgar o pensamento, a arte e o
saber; o pluralismo de ideias; a gratuidade e a gestão democrática. Assim esclarece Kozen
(2000, p. 660):
Afirmado como o primeiro e mais importante de todos os direitos sociais, fez-se compreender a educação como um valor de cidadania e de dignidade
da pessoa humana, itens essenciais ao Estado Democrático de Direito e
condição para realização dos ideais da República, de construir uma
sociedade livre, justa e solidária, nacionalmente desenvolvida, com a erradicação da pobreza, da marginalização, das desigualdades sociais e
regionais e livre de quaisquer formas de discriminação (art. 3º da
Constituição Federal), o imaginário de nação inscrito a Carta Magna brasileira.
Logo, a ideia de que o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público
subjetivo e que o não oferecimento pelo poder público, ou sua oferta insuficiente e irregular,
pode importar em responsabilidade da autoridade competente (crime de improbidade),
conforme o artigo 208, VII, parágrafos 1º e 2º da CF/88, ganhou ainda mais força ao
encontrar guarida na interpretação da nova ordem constitucional.
Isso porque, em sendo a educação um direito fundamental social, há a exigência de
prestações positivas por parte do Estado, direta ou indiretamente, enunciadas por meio de
normas constitucionais, a fim de possibilitarem melhores condições de vida aos mais fracos,
reforçando direitos que tendem a concretizar a ‘igualização’ de situações sociais desiguais,
sendo, portanto, direito que se liga também à igualdade. (SILVA, 2006)
Na opinião de Alves, o princípio da igualdade, sobretudo quando interpretado à luz
de uma hermenêutica constitucional comprometida com o espírito do Constituinte, implica
que seja promovida a igualdade material pelo Estado. Assim, a igualdade e liberdade, em uma
instância, e igualdade e diferença em outra, não são antitéticas, mas instâncias seletivas de
valor que podem ser conciliadas tendo em vista a promoção da justiça social e a redução da
discriminação e da marginalização de grupos sociais inteiros (ALVES, 2010).
53
A par disso, impossível não compreender o processo educativo, o “educar” como
sendo o mais significativo instrumento de justiça social, um direito primordial que deve ser
garantido pelo Estado em nome da igualdade material, uma vez que todos os outros direitos se
tornam em vão, se o homem não tiver o mínimo de condições para compreender sua
ignorância e superá-la, a fim de reverter sua situação social (ASSIS, 2012). Assim esclarece
Souza (2010, p. 88):
Com efeito, a igualdade de oportunidades e a asseguração do mínimo existencial somente poderão surgir se a todos for assegurado o direito a
processo educacional adequado. Nessa quadra, difere a educação de outros
direitos sociais e fraternos, igualmente consagrados pela Magna Carta: a
educação é premissa – e não proposta. Em outras palavras, o acesso
efetivo à educação é condicionante para o próprio e efetivo exercício dos
demais direitos fundamentais eleitos pelo legislador constituinte.
De igual maneira a dignidade da pessoa humana deve ser compreendida como
qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano, que o faz merecedor do mesmo respeito
e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando neste sentido, um complexo
de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa garantir as condições existenciais
mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover a sua participação ativa e
corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais
seres humanos (SARLET, 2001).
Neste contexto, é possível concluir pela forte relação entre o princípio da dignidade
humana e o direito à educação no texto Constitucional de 1988, não só por voltar-se a
educação à tutela daquela, mas também por preservar elementos culturais da personalidade e
da identidade social. De igual maneira, é possível compreender que a CF/88 reconhece essa
versatilidade da Educação no fornecimento de meios necessários para que o indivíduo reverta
sua realidade e se prepare para um futuro mais promissor convivendo entre iguais, tornando-
se sujeito consciente de seus direitos e deveres (ASSIS, 2012).
Não por acaso, atribui-se à CF/88 as maiores conquistas tanto no campo dos direitos
quanto na educação. E, como se verá adiante, foi graças a essa nova ordem constitucional que
as crianças passaram a ser reconhecidas como sujeitos de direitos independentemente da idade
e condição social.
54
1.3 Raízes do atraso: o percurso histórico do atendimento à criança numa sociedade que
custou a aprender o que é infância
Nesse tópico procuramos contextualizar as leituras sobre o direito à educação a fim
de prover inteligibilidade dos principais fatos históricos ligados à Educação Infantil no Brasil,
porém, evitamos esgotar ou dissecar desnecessariamente cada um dos períodos da história do
nosso país. O intuito é justamente levar o leitor a compreender que as falhas no sistema
educativo diagnosticadas muitas vezes ao final do ensino médio ou nas faculdades, podem ter
sido deflagradas num ensino básico pobre e insuficiente.
A par disso, partimos do pressuposto de que as ideias e os sentimentos disseminados
socialmente acerca da família e da infância são considerados fenômenos recentes na história
da humanidade.
Durante séculos pouca ou nenhuma importância se deu às crianças, consideradas
seres passivos e incompletos. De um modo geral, as famílias não tinham função afetiva e se
responsabilizavam apenas pelo sustento e proteção dos pequenos até que alcançassem
determinada idade (PULINO, 2001).
Era através do convívio direto com adultos e outras crianças maiores que os
pequeninos à medida que iam crescendo se interavam das práticas sociais, crenças e costumes
e se ‘educavam’ quase que autonomamente até que pudessem enfim, ter alguma utilidade
social enquanto mão de obra barata nas mais diferentes atividades laborais.
[...] não existe conceito de infância antes do século XVII; as crianças
são percebidas como sendo inferiores na escala social e, por isto não
são dignas de consideração...as relações pais/filhos são meramente
formais; os pais são seres inacessíveis e as crianças inferiores, e, por
isto, suas demandas e necessidades não são suficientemente
valorizadas ao ponto de serem atendidas... a partir do século XVIII e
início do XIX, ao mesmo tempo em que a infância é ressignificada,
freqüentemente as crianças são brutalizadas, exploradas e submetidas
a indignidades (POLLOCK apud CORAZZA, 2002, p. 88-89).
Mas foi primeiro na Europa, com a Revolução Industrial (1820-1840), que a questão
da exploração do trabalho infantil passou a ganhar maior importância em virtude da evidente
degradação física a que muitas crianças foram submetidas.
Com o processo de industrialização veio a necessidade de substituir a força humana
no mercado de trabalho pela força motriz. Consequentemente, mais crianças e mulheres
55
passaram a ocupar espaços nas indústrias como uma maneira, inclusive, de se reforçar o
orçamento familiar.
Neste sentido, disse certa vez Marx (1988, p. 875-876):
[...] milhares de braços tornaram-se de súbito necessários. [...] Procuravam-
se principalmente pelos pequenos e ágeis. [...] Muitos, milhares desses pequenos seres infelizes, de sete a treze ou quatorze anos foram despachados
para o norte. O costume era o mestre (o ladrão de crianças) vesti-los,
alimentá-los e alojá-los na casa de aprendizes junto à fábrica. Foram
designados supervisores para lhes vigiar o trabalho. Era interesse destes feitores de escravos fazerem as crianças trabalhar o máximo possível, pois
sua remuneração era proporcional à quantidade de trabalho que deles podiam
extrair. (...) Os lucros dos fabricantes eram enormes, mais isso apenas aguçava-lhes a voracidade lupina. Começaram então a prática do trabalho
noturno, revezando, sem solução de continuidade, a turma do dia pelo da
noite o grupo diurno ia se estender nas camas ainda quentes que o grupo noturno ainda acabara de deixar, e vice e versa. Todo mundo diz em
Lancashire, que as camas nunca esfriam.
O mundo capitalista vivenciava, portanto, uma reorganização social importante à
medida que o mercado de trabalho alterava a forma como as famílias cuidavam e educavam
seus filhos, como bem explica Paschoal e Machado (2009, p. 80):
[Na Europa], o nascimento da indústria moderna alterou profundamente a
estrutura social vigente, modificando os hábitos e costumes das famílias. As mães operárias que não tinham com quem deixar seus filhos, utilizavam o
trabalho das conhecidas mães mercenárias. Essas, ao optarem pelo não
trabalho nas fábricas, vendiam seus serviços para abrigarem e cuidarem dos
filhos de outras mulheres.
Nesse sentido reforça Rizzo (2003, p. 31):
Criou-se uma nova oferta de emprego para as mulheres, mas aumentaram os
riscos de maus tratos às crianças, reunidas em maior número, aos cuidados
de uma única, pobre e despreparada mulher. Tudo isso, aliado a pouca comida e higiene, gerou um quadro caótico de confusão, que terminou no
aumento de castigos e muita pancadaria, a fim de tornar as crianças mais
sossegadas e passivas. Mais violência e mortalidade infantil.
A ideia da pré-escola surge na Europa, então, como reflexo dessas grandes
transformações sociais de modo que as primeiras instituições estruturam-se como entidades
assistencialistas dedicadas a afastar as crianças pobres do trabalho servil que era fortemente
incentivado pelo sistema capitalista que se alavancara. Assim a função primeira dessas
instituições era a de guarda das crianças (ABRAMOVAY; KRAMER, 1984).
56
Quando o Brasil inicia seu processo de industrialização começa a enfrentar questões
sociais semelhantes. Muitas eram as famílias preocupadas em sobreviver, e por conta disso, o
trabalho infantil, a falta de cuidados com as crianças, os maus tratos, o elevado índice de
mortalidade e o desprezo pela infância foram ignorados por mais tempo. (PASCHOAL;
MACHADO, 2009).
Sobre esse comportamento social, explica Ariès (1981, p. 57):
Não se pensava, como normalmente acreditamos hoje, que a criança já contivesse a personalidade de um homem. Elas morriam em grande número.
[...] Essa indiferença era uma conseqüência direta e inevitável da demografia
da época. Persistiu até o século XIX, no campo, na medida em que era
compatível com o cristianismo, que respeitava na criança batizada a alma imortal [...] A criança era tão insignificante, tão mal entrada na vida, que não
se temia que após a morte ela voltasse para importunar os vivos. [...]
Desse modo, somente a partir da segunda metade do século XIX, uma nova função é
atribuída às pré-escolas: a de compensar as deficiências e as misérias que assolavam as vidas
das crianças, sobretudo, os efeitos da negligência familiar (BOGATSCHOV; MOREIRA
2009).
[...] relacionada mais à ideia de ‘educação’ do que à assistência. São criados,
por exemplo, os jardins da infância por Froebel, nas favelas alemãs; por
Montessori nas favelas italianas; por Reabody, nas americanas etc. [...]
(ABRAMOVAY; KRAMER, 1984, p. 29).
Percebe-se, portanto, que a preocupação com o atendimento à infância remonta a
fatos não muito distantes. Nos EUA e na Europa, por exemplo, só foram registrados avanços
significativos nessa área com o término da Segunda Grande Guerra.
Em se tratando de Brasil, o quadro das instituições destinadas às crianças pequenas,
antes de alcançar à concepção atual de educativo era formado basicamente de creches e
jardins de infância6 dedicados ao atendimento exclusivamente assistencialista (que depois, tal
qual aconteceu na Europa, passou a ser compensatório ou preparatório).
Nesse sentido ressaltam Paschoal e Machado (2009, p.82):
6 O alemão Friedrich Wilhelm August Fröbel foi o criador do primeiro jardim de infância que se tem notícia, na
Bavária e em Estrasburgo, no final do século XVIII. Discípulo do renomado educador suíço João Pestalozzi, foi
o primeiro educador a enfatizar o brinquedo, a atividade lúdica, e a apreender o significado da família nas
relações humanas na sua defesa pelo ensino sem obrigações. Pregava a educação espontânea, o “aprender a
aprender”. Fröbel deu o nome de jardim de infância (Kindergarten, literalmente “jardim das crianças” em
alemão) aos espaços por ele criados para promover a educação de crianças, porque as comparava a plantas de um
jardim onde os professores eram os jardineiros (FERRARI, ____). Contudo, o jardim de infância nos moldes
brasileiros não teria sido pensado para esses pequenos (KUHLMANN JR.; BARBOSA, 1998).
57
Diferentemente dos países europeus, no Brasil, as primeiras tentativas de
organização de creches, asilos e orfanatos surgiram com um caráter assistencialista, com o intuito de auxiliar as mulheres que trabalhavam fora
de casa e as viúvas desamparadas. Outro elemento que contribuiu para o
surgimento dessas instituições foram as iniciativas de acolhimento aos órfãos
abandonados que, apesar do apoio da alta sociedade, tinham como finalidade esconder a vergonha da mãe solteira (...).
Para que se possa compreender a evolução do atendimento à infância no Brasil,
optou-se pela divisão histórica feita por Kramer (2001) que ao analisar o assunto, o dividiu
em 4 (quatro) períodos a saber: de 1500 a 1874; de 1874 a 1899; de 1889 a 1930 e, finalmente
de 1930 em diante. Chamando-se a atenção para a necessidade de se observar atentamente a
relação entre a concepção de ‘criança’ com ‘sociedade’ em cada período.
1.3.1 Primeiro período (1500 a 1874): Brasil colônia
A investigação acerca do direito à educação no Brasil exige antes de tudo um olhar
para o passado, um olhar que busque na linha do horizonte as primeiras caravelas que se
lançaram ao mar rumo ao novo continente, movidas pela promessa de se alcançar uma terra
rica, de belas paisagens, mas habitada por gente selvagem sem ‘ares de civilidade’. Uma gente
que, ainda assim, merecia ter a alma salva tanto pelo trabalho, quanto pela cruz, armas de
dominação do homem branco ainda nos dias de hoje.
Isso se faz necessário, justamente porque a história da educação formal em terras
brasileiras começa com a chegada dos primeiros padres jesuítas, os primeiros a se
interessarem pela forma diferenciada como os povos indígenas tratavam suas crianças, e que
aos poucos foram assimilando tais práticas nos seus sistemas educacionais como forma de
viabilizar o processo de evangelização e conquista dos nativos (RAMOS, 2011).
Em 1760 quando Marquês de Pombal ordena a expulsão dos jesuítas e promove a
reforma do ensino, os religiosos são substituídos por sargentos e surgem os primeiros colégios
de disciplina militar, voltados basicamente ao doutrinamento dos mais jovens dentro dos
ideais portugueses.
Apesar dos esforços, as reformas pombalinas não vingaram, serviram apenas para
desarranjar a sólida estrutura educacional construída pelos jesuítas e transformar nosso
sistema educativo num caos completo. Por consequência, as poucas escolas que existiam
deixaram de funcionar, e o contingente de crianças pobres perambulando pelas ruas das
58
cidades cresceu significativamente (RAMOS, 2011). Sobre a organicidade da educação
promovida pelos jesuítas, Niskier (2001, p.34) faz a seguinte ressalva:
A organicidade da educação jesuítica foi consagrada quando Pombal os
expulsou levando o ensino brasileiro ao caos, através de suas famosas ‘aulas régias’, a despeito da existência de escolas fundadas por outras ordens
religiosas, como os Beneditinos, os franciscanos e os Carmelita.
Na época, o que se entendia por atendimento às crianças resumia-se única e tão
somente a poucos meios alternativos de amparo a crianças pobres. Eram as chamadas “Casas
dos Expostos”, “Rodas dos Excluídos” ou “Rodas dos Enjeitados”, que recebiam esses nomes
por acolherem apenas crianças abandonadas, maquiando muitas vezes a prática do
infanticídio.
Essas instituições funcionavam geralmente junto às “Casas de Misericórdia” ou
orfanatos e se utilizavam de uma espécie de porta giratória onde a mãe que não tinha
condições de cuidar do filho recém-nascido, sem que sua identidade fosse revelada,
depositava a criança para que alguém do lado de dentro pudesse dar o devido atendimento ao
bebê ou encaminhá-lo a outra instituição ou família que pudesse acolhê-lo (KRAMER, 2001).
Especificamente sobre o abandono de crianças nessas instituições, Rizzo (2003, p.
37) traz uma explicação socioeconômica bastante pertinente:
As crianças eram sempre filhas de mulheres da corte, pois somente essas
tinham do que se envergonhar e motivo para se descartar do filho
indesejado; as pobres precisavam de seus filhos para ajudar no trabalho, e dos filhos das escravas precisavam os senhores abastados.
Até meados de 1874, a “Roda dos Excluídos” era considerada a única instituição no
Brasil que dava algum tipo de atendimento às crianças em situação de total abandono, tendo
registrado seu funcionamento até 1950, quando foi definitivamente extinta (KRAMER, 2001;
PASCHOAL; MACHADO, 2009). Porém, há de se considerar que a maioria destas
instituições, foi criada basicamente para “esconder a vergonha” e “desonra” de mulheres de
famílias abastadas que tiveram gravidez indesejada.
59
1.3.2 Segundo período (1874-1889): Brasil Império
Nesse tempo, o Brasil vivia à base da escravidão, e a sociedade escravocrata tinha
uma forma muito peculiar de educar seus filhos. Isso porque, quanto mais rica a família,
menor era a quantidade de filhos e maior era a distância dos pais com relação à educação da
prole.
A concepção de carinho familiar era diferente da que se tem hoje, o contato direto
entre pais e filhos resumia-se a poucas ocasiões, e na maioria das vezes acontecia quando era
necessário repreender ou explicar mais veementemente aos mais novos acerca das tradições
do grupo familiar (RAMOS, 2011).
Era comum que mulheres abastadas delegassem a criação de seus filhos aos cuidados
de determinadas escravas, intituladas “amas de leite”. Para isso, escolhiam dentre as escravas
as que tinham filhos pequenos e que estavam amamentando, as que tinham melhores
condições físicas e que produzissem leite em abundância, para que assim, pudessem
desempenhar a contento, o papel de “mães substitutas” (RAMOS, 2011).
Essas mulheres tinham por obrigação amamentar, cuidar das roupas, da alimentação,
da saúde, do sono e das brincadeiras das crianças. E, não raras vezes, eram obrigadas a
abandonar seus próprios filhos para acompanhar o crescimento e desenvolvimento dos filhos
de seus senhores.
Como nem todas as famílias tinham condições financeiras de ter e manter sua própria
ama de leite, muitas alugavam escravas lactantes por um determinado período. Ocorre que, as
precárias condições de saúde e higiene que muitas delas viviam, acabavam por colaborar com
a disseminação de doenças entre as crianças de menor faixa etária, o que segundo alguns
historiadores, contribuiu significativamente para a elevação do número de óbitos neste
período (RAMOS, 2011).
Mesmo assim, as pessoas faziam questão da presença da “ama de leite” na família,
não apenas para que as “senhoras” pudessem se dedicar à beleza pessoal, aos cuidados da
casa, ao lazer e a outros afazeres ligados à tradição familiar e da alta sociedade, mas porque
culturalmente imaginava-se que o leite das escravas negras era muito superior ao leite
produzido por mulheres brancas, e que isso poderia contribuir para que se tivessem herdeiros
fortes e sadios (RAMOS, 2011).
A partir de 1850 a política escravocrata passa a sofrer as primeiras grandes perdas
com a publicação da Lei Eusébio de Queiroz que proibiu o tráfico de escravos.
60
Em 1871, com a Lei do Ventre Livre foi concedida a liberdade a todos os escravos
nascidos após a data de promulgação do ato. Como consequência, milhares de libertos, na
maioria crianças pobres e negras foram despejados. Muitas delas, sem ocupação e relegadas à
própria sorte passaram a ocupar as ruas das principais centros urbanos sobrevivendo de
esmolas e pequenos delitos (RAMOS, 2011).
Importante salientar que, com a Guerra do Paraguai (1864-1870), o Império havia
tomado algumas medidas para diminuir a quantidade de crianças abandonadas nas ruas,
utilizando-se do recrutamento forçado. Nesse triste episódio da nossa história, marcado por
uma verdadeira caça às crianças, muitas famílias pobres tentaram esconder seus filhos do
recrutamento, ou subornaram com o pouco que lhes restavam, os oficiais do exército, que
revistavam as casas em busca de crianças para “servirem na guerra”, principalmente no
manejo de canhões e outras armas letais. O número de crianças-soldado mortas durante a
Guerra foi enorme. Porém, a quantidade de famílias pobres continuava elevada e elas deram
conta de rapidamente voltar a povoar as ruas (RAMOS, 2011).
Logo, no período compreendido entre 1874 e 1889, os índices de desnutrição,
acidentes domésticos e mortes infantis teriam alcançado patamares alarmantes, fazendo com
que alguns segmentos da sociedade sentissem a necessidade de colaborar no combate aos
problemas que afetavam em cheio a população infantil, em especial nas camadas mais pobres
(KRAMER, 2001; DIDONET, 2001).
Foi aí que alguns médicos, na maioria higienistas, aproveitaram-se dos avanços que a
medicina obtivera a partir de 1870 e passaram a difundir noções básicas de prevenção e
cuidados com várias doenças, mostrando-se preocupados, sobretudo, com os elevados índices
de mortalidade infantil. Engajados neste propósito, eles passaram a organizar junto a
empresários, educadores e religiosos entidades filantrópicas dedicadas à elaboração de
espaços onde as crianças pudessem receber cuidados com higiene, alimentação e saúde, fora
do âmbito familiar (KRAMER, 2001).
À base desse sentimento de combate à morte prematura, desenvolveu-se mais
fortemente no país a associação automática da ideia da creche com o assistencialismo, uma
ideia que muitos representantes do Estado têm até hoje (DIDONET, 2001).
Outro fato historicamente importante é que o atendimento à infância passa a se
espelhar nos modelos europeus de atenção à criança onde creches serviam aos filhos das
mulheres que trabalhavam fora (em geral, operárias), às crianças desamparadas, órfãs ou
abandonadas, e os jardins de infância, ao atendimento de crianças de classes mais abastadas.
Desta forma, creches ganhavam conotação assistencial ao passo que jardins de infância eram
61
encarados como sendo de natureza educacional, como bem explicam Nunes; Corsino e
Didonet (2011, p. 16-17):
Assim, as creches geralmente visavam a cuidado físico, saúde, alimentação, formação de hábitos de higiene, comportamentos sociais. Incluíam, por
vezes, orientações à família sobre cuidados sanitários, higiênicos pessoais e
ambientais, orientações sobre amamentação e desmame, preparação de
alimentos e relacionamento afetivo. O jardim-de-infância inspiração froebeliana, tinha outro olhar para a criança: seu desenvolvimento físico,
social, afetivo e cognitivo, por meio das atividades lúdicas, do movimento e
da autoexpressão.
Graças a essa visão dicotomizada de infância, composta de um lado por crianças de
famílias pobres, negras, descendentes de escravos, indígenas, abandonadas, órfãs ou com
deficiência; e do outro, crianças brancas, bem alimentadas e nutridas, nascidas em famílias
com boas condições financeiras, que perdurou no Brasil por mais de um século consequências
terríveis ligadas a estigmas sociais, exclusão e preconceitos, traduzidas posteriormente, em
duas expressões que se tornaram de certa forma paradigmáticas: “criança” e “menor”,
conforme entendimento de Nunes; Corsino e Didonet (2011, p. 19):
A “criança” era a branca, bem nutrida, de sorriso cativante, filha de família de classe média e alta, cujo futuro poderia ser previsto como de bem-estar,
desenvolvimento e felicidade. O “menor” era a criança negra, desnutrida, de
família pobre ou desestruturada, altamente vulnerável à doença e candidata a engrossar a estatística da mortalidade infantil ou, se sobrevivesse, a
marginalizar-se e tornar-se um risco social; ou seja, o filho do proprietário
(colonizador, descendente de europeu, branco) tornou-se “criança”, enquanto o filho do despossuído (negro, descendente de escravo, pobre) tornou-se
“menor”.
Por fim, vale relembrar que o homem branco “colonizador” aprendeu com os índios,
e depois com os negros, o que de fato é ser criança, observando a forma como estes
estimulavam o desenvolvimento de seus filhos através de brincadeiras. E que, com o passar
do tempo, em meio ao processo de dominação, o homem branco se apropriou culturalmente
disso e passou a negar ao negro, ao índio e também ao pobre o direito de brincar, de ser
criança e de ter infância, impondo-lhes, sobretudo, trabalho.
62
1.3.3 Terceiro período (1889- 1930): Primeira República
Em que pese as primeiras iniciativas educacionais para a primeira infância (na forma
de jardins) datarem de 1875, 1894 e 1909 na cidade do Rio de Janeiro, e de 1896 na cidade de
São Paulo, a atenção com o bem estar infantil começa a acontecer timidamente, mas de forma
gradual no país apenas entre os anos de 1889 e 1930.
Em 1880, por iniciativa privada proveniente da área da saúde, mas com visão de
assistência integral à criança, é fundado na cidade do Rio de Janeiro pelo médico higienista e
pediatra Arthur Moncorvo Filho o Instituto de Proteção e Assistência à Infância no Brasil,
para estimular a criação de creches e jardins de infância em todo o território nacional e
comprometer o Governo na organização de serviços públicos para a criança7 (NUNES;
CORSINO; DIDONET, 2011).
Tamanha foi a importância desse Instituto que até hoje o Ministério da Educação,
cita-o como uma das primeiras tentativas de construção do conceito de interrelação entre
assistência, saúde e educação para as crianças no país, como bem explicita Nunes, Corsino e
Didonet (2011, p. 19):
O Instituto exerceu grande influência nas concepções sobre criança e
sociedade, na responsabilidade pública em relação à saúde, integração social
e desenvolvimento das crianças; mas estava voltado, com a concepção
médico-social e higienista, para as crianças das classes pobres, com as quais queria comprometer as classes média e alta. Suas atividades expandiram-se
por vários estados, articulou-se com organizações e movimentos europeus e
pan-americanos e, pela dinâmica de sua atuação, ofereceu um modelo organizacional e institucional ao governo sobre a assistência à criança pobre.
Este modelo associava responsabilidade governamental, inclusive
orçamentária, à caridade e ao voluntariado social, no atendimento à criança pobre.
Pelos objetivos, vê-se que havia intenção de realizar uma ação global, que
abarcava saúde, a assistência e a educação, promovida e orientada pelo
mesmo órgão. Em seu escopo, juntavam-se creches, jardins de infância, atendimento a crianças filhas de famílias empobrecidas, crianças com
deficiência, saúde de bebês e infância desvalida.
Vale frisar que esse “movimento” foi abraçado por pessoas importantes do meio
social e político que “se preocupavam” com a situação das crianças pobres no país. Mas, foi
7 Ao instituto foram atribuídos objetivos diversificados e amplos: I. Atender menores de 8 anos. II. Elaborar leis
que regulassem a vida e a saúde dos recém-nascidos. III. Regular o serviço das amas de leite. IV. Velar pelos
menores trabalhadores e criminosos. V. atender as crianças pobres, doentes, defeituosas, maltratadas e
moralmente abandonadas. VI. Criar maternidades, creches e jardins de infância. (NUNES; CORSINO;
DIDONET, 2011, p. 19)
63
considerado um passo importante no atendimento à infância, em razão de sua clara oposição
ao abandono promovido através da “Roda dos Expostos”.
Por enfrentar muitas dificuldades práticas como a falta de apoio governamental para
promover a extensão almejada e, por sofrer críticas pesadas, dentre elas, a de que reunia
medidas profiláticas para recuperar, reencaminhar e inserir estas crianças na sociedade como
mão de obra barata a serviço dos proprietários, o “movimento” acabou não prosperando
(NUNES; CORSINO; DIDONET, 2011).
Em 1889, surgiu no Rio de Janeiro a primeira creche brasileira, ao lado da Fábrica de
Tecidos Corcovado em atendimento às operárias. Em 1908, também no Rio de Janeiro, foi
fundada a primeira creche popular destinada ao atendimento de crianças com no máximo 02
anos de idade que fossem filhos de operários, criando-se, um ano depois, o “Jardim de
Infância” Campos Salles para atendimento de crianças maiores, com idade entre 3 e 6 anos
(KUHLMANN JR., 1998).
No ano de 1919, o médico Arthur Moncorvo Filho, fundador do extinto Instituto de
Proteção e Assistência à Infância, utilizando-se dos recursos remanescentes e da mesma
concepção de infância do Instituto, cria o Departamento da Criança no Brasil sob a
responsabilidade do Estado, como forma de alavancar a divulgação de estudos sobre a
situação de vulnerabilidade das crianças brasileiras, realizar congressos e cursos, velar pela
aplicação das leis de amparo à infância e fomentar iniciativas consideradas necessárias ao
desenvolvimento e amparo das crianças e das grávidas, enfim levar conhecimento acerca da
realidade infantil no Brasil e procurar solução para os problemas diagnosticados (NUNES;
CORSINO; DIDONET, 2011; KRAMER, 2001).
Contudo, para alguns estudiosos da educação, a criação desse departamento
demonstrava na verdade a utilização dos argumentos médicos e psicológicos de uma forma
bastante preconceituosa contra crianças pobres, à medida que promovia em nome da ciência a
propagação da “ideia determinista” de que crianças pobres, quando não disciplinadas e
amparadas, se tornavam criminosas ou vadias (LOPES; MENDES; FARIA, 2005).
A partir de 1920, os setores públicos começaram a sinalizar interesse no
atendimento às crianças pequenas, porém muito timidamente (NASCIMENTO, 2012). Sobre
isso elucida Kuhlmann Jr (2000, p. 8):
Embora as creches e pré-escolas para os pobres tenham ficado alocadas à
parte dos órgãos educacionais, as suas interrelações se impuseram, pela
própria natureza das instituições. No estado de São Paulo, desde dezembro de 1920, a legislação previa a instalação de Escolas Maternais, com a
64
finalidade de prestar cuidados aos filhos de operários, preferencialmente
junto às fábricas que oferecessem local e alimento para as crianças. As poucas empresas que se propunham a atender os filhos de suas trabalhadoras
o faziam desde o berçário, ocupando-se também da instalação de creches.
Em 1922 acontece o I Congresso de Proteção à Infância como meio de se propagar
dentre especialistas os estudos feitos sobre a situação das crianças e alertar sobre a
necessidade de se transpor a fase então vigente de confiar o trabalho da atenção às crianças às
instituições privadas de caridade. Mais uma vez, pertinente se mostra o entendimento de
Kuhlman Jr (2000, p. 8) sobre o assunto:
A concepção da assistência científica, formulada no início do século XX, em consonância com as propostas das instituições de educação popular
difundidas nos congressos e nas exposições internacionais, já previa que o
atendimento da pobreza não deveria ser feito com grandes investimentos. A educação assistencialista promovia uma pedagogia da submissão, que
pretendia preparar os pobres para aceitar a exploração social. O Estado não
deveria gerir diretamente as instituições, repassando recursos para as entidades.
Como resultados dos debates, foram feitas recomendações para elaboração e
aprovação de leis específicas relativas aos direitos das crianças, assim como leis
determinantes dos exames pré-nupciais, do ensino obrigatório de puericultura enquanto
subespecialidade da pediatria que foca no desenvolvimento infantil em seus diferentes
aspectos. Ocasião em que foram sugeridos ainda: a extinção das “Rodas dos Expostos”; a
regulamentação dos institutos de assistência infantil; a criação de espaços próprios nos locais
de trabalho para que as mães pudessem promover o aleitamento (sugestão convertida em Lei,
em 1943 com a publicação da Consolidação das Leis de Trabalho – CLT), a notificação
obrigatória dos nascimentos (NUNES; CORSINO; DIDONET, 2011). Sobre isso, mais uma
vez explica Kuhlman Jr (2000, p. 8):
No Brasil, vive-se nesse período o deslocamento da influência européia para
os EUA, fenômeno que encontra expressão marcante na criação do Dia da Criança, no 3º Congresso Americano da Criança, realizado no Rio de Janeiro
em 1922, juntamente com o 1º Congresso Brasileiro de Proteção à Infância.
Associava-se a data da descoberta do Novo Mundo com a infância, que deveria ser educada segundo o espírito americano.
Há de se lembrar que nesse período o cenário político mundial passava por
significativas mudanças enquanto os Estados Unidos firmavam-se como potência, de modo
que o Brasil, seguindo a tendência mundial, mostrava-se cada vez mais receptivo às
65
influências da cultura norte-americana. Contudo, foi no período pós Segunda-Guerra, mais
especificamente entre os anos 1960 e 1975, que a relação entre Brasil e Estados Unidos mais
se fortaleceu, contribuindo para a consolidação de um sistema educacional preocupado com a
modernidade e com as necessidades e pressões do mercado de trabalho. Por conseqüência,
uma série de experiências educacionais daquele país, centradas no ler, escrever e calcular
passou a servir de modelo aos governantes brasileiros, mas nenhuma delas contemplava a
importância da Educação Infantil e uma maior conexão entre sociedade e indivíduo.
1.3.4 Quarto período (1930-1988): da Era Vargas à Constituição Cidadã
Na década de 30, início da Era Vargas, por meio da chamada Cruzada Pró-Infância,
liderada por Pérola Byinton, criaram-se “parques infantis” para atendimento de crianças com
idade entre 3 e 7 anos. Nesses parques haviam equipes formadas por pediatras, médicos,
enfermeiras e cuidadoras, cujas responsabilidades consistiam em assistir às crianças pequenas
com cuidados básicos necessários à higiene e saúde, dando-lhes inclusive um reforço
educacional com relação à moral, ao civismo e aos bons costumes. Assim esclarece Kuhlman
Jr (2000, p. 9):
Uma nova instituição, o parque infantil, começa a se estruturar no município de São Paulo, vinculada ao recém-criado Departamento de Cultura (DC)
com a nomeação de Mário de Andrade para a sua direção, em 1935, nela
permanecendo até 1938, e de Nicanor Miranda para a chefia da Divisão de Educação e Recreio, cargo que exerce até 1945. Com a criação do DC, o
parque infantil é regulamentado e inicia sua expansão, refreada em 1940, na
gestão de Prestes Maia. Uma característica distinta da instituição era a sua
proposta de receber no mesmo espaço as crianças de 3 ou 4 a 6 anos e as de 7 a 12, fora do horário escolar.
No ano de 1933, foi realizado na cidade do Rio de Janeiro mais um Congresso
Nacional de Proteção à Infância, onde o jurista Anísio Teixeira (considerado personagem
central da Educação no Brasil e um dos precursores do movimento da “Escola Nova”8 no
país), na condição de convidado especial, chamou a atenção para a necessidade de transcender
a visão restrita da criança pré-escolar ao seu aspecto físico e de saúde, uma vez que o
8 Movimento educacional que teve sua origem na Europa por volta de 1920, cujo foco era a educação como
agente transformador da realidade social. No Brasil, ficou conhecido também como Escola Progressista, e ganha
força a partir de 1930 visando, sobretudo, um sistema educacional de ensino público, livre e capaz de combater
as desigualdades sociais.
66
desenvolvimento implicava formação de habilidades mentais e a socialização, funções
atribuídas à educação (NUNES; CORSINO; DIDONET, 2011).
No mesmo ano, na cidade de Teresina, capital do Piauí, foi criado o primeiro jardim
de infância oficial, chamado Lélia Avelino, com o objetivo de proporcionar desenvolvimento
artístico da criança de 4 a 6 anos de idade e de servir como experiência às futuras professoras
da Escola de normalistas “Antonino Freire”. Para que esse jardim de infância pudesse
realmente funcionar, foram escolhidas algumas professoras para participar de um Curso de
Aperfeiçoamento em Educação Infantil, na cidade do Rio de Janeiro em 1932 (KUHLMAN
JR., 2000).
Em 1934 adveio a primeira conquista das mães trabalhadoras: a lei passou a
assegurar o direito à creche no local de trabalho como forma de viabilizar a inserção da
mulher no mercado de trabalho, permitindo-lhes cuidar mais proximamente da educação e
desenvolvimento de seus filhos pequenos. Direito este que posteriormente foi incorporado à
Lei trabalhista (CLT), segundo a qual e de acordo com Campos (1999, p.120):
[...] estabelecimentos em que trabalharem pelo menos trinta mulheres, com mais de dezesseis anos de idade, a dispor do local de trabalho apropriado em
que seja permitido às empregadas guardar, sob vigilância e assistência, os
seus filhos no período de amamentação.
Surgiram assim, as primeiras creches criadas por empresas privadas destinadas aos
filhos de empregados, que mais tarde acabaram levando ao processo de democratização do
ensino infantil.
Por volta de 1935, quando os primeiros resultados positivos dos “parques infantis”
começaram a aparecer, a União avocou a responsabilidade por eles, tornando-os oficiais e
públicos sob a justificativa de que deveria promover a formação cidadã de todos os “pequenos
brasileiros”. Contudo, mesmo tendo status de espaços públicos, o acesso aos serviços que
eram prestados nesses locais era restrito, vez que dedicados exclusivamente às crianças das
classes operárias, o que fortalecia a ideia de atendimento assistencial (FILÓCOMO, 2005).
Em 1940, sob a justificativa de que necessitava coordenar as atividades relacionadas
à maternidade, à infância e à adolescência – atribuições que eram de responsabilidade do
Departamento da Criança, criado por Moncorvo Filho, extinto em 1938 – o governo federal
cria o Departamento Nacional da Criança (DNCr), no âmbito do então Ministério da
Educação e Saúde Pública (MESP) para estabelecer normas para o funcionamento das
creches, promovendo a publicação de livros e artigos sobre o assunto (NUNES; CORSINO;
67
DIDONET, 2011). Tal departamento era dirigido por Olinto de Oliveira, médico higienista e
um dos participantes do Congresso realizado em 1922 (KHULMANN JR., 2000).
No mesmo ano, na cidade de Porto Alegre, foram criados em diversas praças
públicas jardins de infância inspirados em Fröbel. Esses espaços eram dedicados ao
atendimento de crianças com idade entre 4 e 6 anos e funcionavam por meio período
(KHULMANN JR., 2000).
E em 1953, decide-se criar um Ministério específico para o atendimento à saúde
pública, separando-o da educação, com isso, o Departamento Nacional da Criança passa à
responsabilidade de um novo Ministério (Ministério da Educação e Cultura, MEC), e
posteriormente, por volta de 1970 é transformado em coordenação de Proteção Materno-
Infantil (hoje suas atribuições foram repassadas à Coordenação de Saúde Mental). Sobre o
assunto ressaltam Nunes, Corsino e Didonet (2011, p. 21):
A progressiva especialização dos setores da administração pública, com
ministérios, autarquias, institutos, fundações com competências
particularizadas, sublinha a tendência à independência destes setores no planejamento, na formulação e na execução dos programas. Aqueles
voltados para a criança não se isentam dessa tendência, apesar das diretrizes
políticas e técnicas que visam a reforçar o conceito de integralidade da criança e garantir ações que promovam o desenvolvimento harmônico dos
diferentes aspectos do sujeito (NUNES; CORSINO; DIDONET, 2011, p.
21).
Na década de 1960, devido à crescente procura por vagas na faixa etária dos 4 a 6
anos, foram criadas diversas instituições voltadas a esse fim, sob a denominação de creches,
parques infantis, jardins de infância, escolas maternais e pré-escolas, que até então contavam
com pouca ou nenhuma supervisão dos órgãos públicos competentes.
Como resultado de um processo de reforma educacional que se iniciara em 1946 e
que buscava colocar no centro das discussões a responsabilização do Estado para com a
Educação é aprovada a primeira Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional – Lei nº
4.024, em 20 de dezembro de 1961.
Conhecida por LDB/61 essa lei preconizava a inclusão dos jardins de infância no
sistema de ensino como classes de pré-primário, tendo sido a primeira lei brasileira a
organizar os sistemas de ensino, dividindo-os em educação pré-primária (com 3 anos de
duração), ensino primário (4 anos), educação em grau médio (3 anos) e ensino superior (com
duração variável), destinando a educação pré-primária ao atendimento de crianças com menos
de sete anos (NASCIMENTO, 2012).
68
O problema é que, muito embora tenha incentivado a criação e manutenção de
instituições de educação pré-primária, por ‘iniciativa própria’ ou em esquema de cooperação
com os poderes públicos, no título próprio dedicado ao financiamento da educação (Título
XII) não fez menção ao ensino pré-primário. Assim, o artigo 92, que definia a vinculação
financeira e tratava da destinação dos recursos aos fundos específicos, nada dizia acerca do
financiamento do ensino pré-primário (NASCIMENTO, 2012). E, sobre a educação pré-
escolar, especificamente, Rizzo (2003, p. 38) faz o seguinte apontamento:
A educação pré-escolar do pobre continuou, ainda por muitos anos, sendo responsabilidade filantrópica, de caráter assistencialista e eventual,
especialmente, e dependente das intenções das primeiras damas, que, na
expectativa da falta do que fazer, ocupariam assim o seu tempo, dando vazão aos seus instintos de proteção à infância (RIZZO, 2003, p. 38).
Consequentemente, continuou a prevalecer a velha política de apoio governamental a
instituições filantrópicas, assistenciais e ou comunitárias a custos baixos, reforçando-se o
“ranço” assistencialista da Educação Infantil.
Com o golpe militar de 1964 (e os governos militares ditatoriais que se estenderam
até 1985) interrompe-se bruscamente o curso das mudanças na área educacional sob o
pretexto de serem propostas comunizantes e subversivas. Dessa forma, o regime militar impôs
à educação brasileira uma característica antidemocrática, com prisões de professores e alunos,
invasão de universidades e proibições de funcionamento de entidades estudantis entre outras
medidas (NASCIMENTO, 2012). A Educação Infantil, que já era negligenciada, passou a ser
ainda mais esquecida.
Mesmo assim, ainda que às escondidas, pessoas ligadas a diferentes segmentos da
sociedade civil organizada, preocupadas com o destino da educação no país, se reuniam e
orquestravam manifestações em favor de um melhor atendimento educacional às crianças em
todo o Brasil.
O bloqueio dos canais institucionais de representação popular – como
os partidos políticos, as câmaras legislativas, os sindicatos e
associações de massas – estimulou o uso dos laços primários de
solidariedade na sobrevivência diária da população. Relações de
vizinhança, parentesco, compadrio ou amizade permitiam a proteção
imediata dos indivíduos diante de um clima social de medo. Foi em
boa parte o desenvolvimento desses laços diretos entre as pessoas, que
confiavam umas nas outras, que deu origem a vários movimentos de
base (SINGER e BRANT apud ROSEMBERG, 1989, p. 96).
69
No ano de 1967, quando o Departamento Nacional da Criança (DNCr) já estava
situado no Ministério da Saúde, é lançado o Plano de Assistência ao Pré-escolar direcionado
ao atendimento de crianças com no máximo 2 anos de idade. Com base nesse plano, houve a
inclusão e criação de novas escolas maternais e jardins de infância como instituições
auxiliares às famílias no que tange ao dever de promover a educação dos filhos pequenos.
Assim, atribuía-se a esse tipo de estabelecimento a obrigação de promover o desenvolvimento
integral e harmonioso da criança, através da utilização das suas experiências de vida que
favorecessem a formação de hábitos sadios e estimulassem a capacidade de adaptação
progressiva ao meio social, o que de certa forma escancarava a preocupação com o
atendimento integral que fosse capaz de articular educação e cuidado (NUNES; CORSINO;
DIDONET, 2011).
Ocorre que o Ministério da Educação não se ocupava da Educação Infantil, furtando-
se de promover sua ampla cobertura. Com isso, as ações públicas dedicadas à infância
continuavam a pairar na esfera do assistencialismo, e seguiam a esteira das iniciativas
privadas que buscavam apoio público voltando-se ao atendimento de crianças pobres.
Adotava-se assim, o modelo de uma educação de baixo custo, uma “educação pobre para
pessoas pobres” (NUNES; CORSINO; DIDONET, 2011; ROSEMBERG, 1992).
O ingresso do MEC na seara da Educação Infantil só aconteceu em 1974, quando foi
criado o Serviço de Educação Pré-escolar no âmbito da Secretaria de Ensino Fundamental,
que acabou sendo elevado à Coordenação de Educação Pré-escolar (COEPRE), que anos mais
tarde foi renomeada de Coordenação Geral de Educação Infantil (COEDI) (NUNES;
CORSINO; DIDONET, 2011).
Insta salientar que dentre tantos outros projetos educacionais criados no ano de 1967,
o Movimento Brasileiro pela Alfabetização (MOBRAL) foi o que mais teve atenção por parte
do governo. Esse projeto passou a existir com a publicação da Lei nº 5.379/67 tendo como
embasamento a alfabetização funcional de jovens e adultos, sobretudo nas regiões norte e
nordeste do país, visando única e exclusivamente ensinar o estritamente necessário para a
inserção dessas pessoas no mercado de trabalho como mão de obra barata. E, anos mais tarde,
passou a promover a celebração de convênios com instituições privadas como forma de
garantir o oferecimento da Educação Infantil em todo o território nacional (NASCIMENTO,
2012).
Na década de 1970, ainda sob regime militar, disseminou-se a proposta de educação
compensatória, a partir da ideia de que as pré-escolas poderiam influenciar a diminuição da
70
evasão e da repetência escolar por proporcionar estimulação educacional que o ambiente
familiar das crianças pobres não proporcionava.
Sobre esse assunto, Kramer (2001, p. 34) faz o seguinte apontamento:
(...) a incapacidade da criança aprender no ambiente escolar é atribuída à
inadequação da família, principalmente da mãe, e à inadequação do meio, ou por não fornecer estimulação suficiente, ou por fornecê-la em excesso e de
forma desorganizada (KRAMER, 2001, p. 34).
E conclui seu pensamento dizendo:
(...) essa abordagem engendrou um fatalismo sociológico, culpando o meio, e serviu às pedagogias da compensação que pretendiam corrigir a
desigualdade social através da ação pedagógica, negando assim a própria
desigualdade social (KRAMER, 2001, p. 35).
Importante dizer que, algum tempo depois, esse modelo de educação adotado pelo
Estado evolui para um modelo de educação formal que necessitava apenas de salas de aula e
era considerado de baixo custo quando comparado aos parques infantis, que requisitavam
amplos espaços para variadas atividades. Não obstante, os parques infantis passaram a ser
vistos como entidades estritamente assistencialistas, e logo foram substituídos pelas escolas
de Educação Infantil, cujo cunho era preparatório para o então chamado primeiro grau.
Ainda, por volta de 1975 aumentou a pressão social para que o Estado passasse a
atender a demanda por creches, porém apenas ações populares embasadas em um atendimento
precário às crianças pequenas representaram uma alternativa real às mães trabalhadoras, e
foram capazes de minimizar o problema da falta de vagas. Com relação a esta situação, aponta
Tiriba (2002, p. 179):
[...] ao invés do poder público, foram as camadas mais pobres da população
que assumiram a educação das crianças pequenas, graças à garra de suas
educadoras, à solidariedade de pequenos comerciantes locais (quitandeiros, padeiros, açougueiros) e graças ao apoio dos moradores das comunidades,
que cederam a casa, o fogão, os temperos para comida ou mesmo seu
trabalho voluntário.
Contudo, mesmo com a predominância do aspecto assistencial e de saúde no
atendimento dado à criança, órgãos prestadores de serviços sociais como a Legião Brasileira
de Assistência - LBA (criada em 1942) passaram a implantar programas de creches parecidos
com o Projeto Casulo (criado em 1977) que incluíam o componente da educação pré-escolar
71
como forma de se buscar o equilíbrio na qualidade do serviço prestado (NUNES; CORSINO;
DIDONET, 2011).
Ao fim da década de 70, em centros urbanos importantes do país, a exemplo de Belo
Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro, as pressões das classes trabalhadoras aumentaram com
relação aos seus direitos trabalhistas, o que incentivou a organização de mães trabalhadoras
em torno da necessidade de creches para colocarem seus filhos pequenos, como forma de lhes
garantir o exercício do trabalho extradomiciliar necessário ao orçamento doméstico. Foi
embasado nessa demanda que nasceu o Movimento de Luta por Creche, um movimento que
buscava não apenas um lugar para se acomodar crianças durante o expediente de trabalho dos
pais, mas que reivindicava, sobretudo, atividades de cuidado conciliadas a um programa
educacional. Com a contribuição da mídia esse movimento alcançou visibilidade social e
acabou se alastrando por todos os Estados do país (NUNES; CORSINO; DIDONET, 2011).
Ao longo das décadas, as poucas conquistas não se fizeram sem conflitos.
Com o avanço da industrialização e o aumento das mulheres de classe média
no mercado de trabalho, aumentou a demanda pelo serviço das instituições de atendimento à infância (...) Os movimentos feministas que partiram dos
Estados Unidos tiveram papel especial na revisão do significado das
instituições de atendimento à criança porque as feministas mudaram seu enfoque, defendendo a idéia de que tanto as creches quanto as pré- escolas
deveriam atender a todas as mulheres, independentemente de sua
necessidade de trabalho ou condição econômica. O resultado desse
movimento culminou no aumento do número de instituições mantidas e geridas pelo poder público (HADDAD apud PASCHOAL; MACHADO,
2009, p. 84).
As famílias menos favorecidas buscavam atendimento integral nas instituições
públicas ao passo que, as entidades particulares, que funcionavam meio período, focavam no
conteúdo pedagógico e ofereciam às famílias com melhores condições financeiras uma
melhor preparação de seus filhos ao ensino regular. Havia, portanto, uma diferença muito
grande no tipo de educação oferecida a esses dois grupos, demonstrando graus de
desenvolvimento diversos: os serviços educacionais oferecidos às crianças pobres eram
pautados na idéia de carência e deficiência, enquanto que a educação oferecida às crianças de
famílias mais abastadas tinha por base o estimulo criativo e a sociabilidade infantil
(KRAMER, 2001).
Na década de 1980, o desenvolvimento desse modelo de “educação preparatória”
alcançou seu auge quando em São Paulo foi criada a Escola Municipal de Educação Infantil
(EMEI), que embora apoiada no pressuposto de educar, assistir e recriar crianças de 4 a 6
72
anos tornou-se, na prática, uma escola preparatória à primeira série do Ensino Fundamental.
Esse modelo, que ficou popularmente conhecido como “prézinho”, visava a alfabetização das
crianças e a supressão das carências e deficiência dos menos favorecidos, com o objetivo de
diminuir os índices de repetência na primeira série. Paralelamente, apoiado por movimentos
sindicais e populares, instituições filantrópicas e comunitárias se espalharam por todo
território nacional, mas não foram suficientes em prover vagas para a demanda existente.
Surgem, então, as “creches caseiras”, cujo atendimento era feito na casa de uma das mães
vizinhas, sem nenhuma outra orientação senão o modelo familiar de cuidados com a criança.
Esse mesmo modelo era observado também nas creches públicas que tinham como cuidadoras
as “mães crecheiras”, sem nenhuma formação específica. A dificuldade em se obter subsídios
governamentais para a implementação de vagas foi, em parte, consequência das críticas feitas
pelos acadêmicos, que temiam a retirada de verba das escolas alfabetizadoras.
No Brasil, até o final do século XX, os formatos predominantes de
atendimento às crianças de zero a seis anos (creche e jardim de infância),
embora poucos, acabaram por desobrigar o Estado de sua responsabilidade para com a educação das crianças na primeira infância, o que aos poucos foi
construindo a ideia de que a creche é destinada aos pobres e a pré-escola
(jardim de infância), aos mais abastados. Apesar de haver controvérsias sobre essa dicotomia creche/jardim de infância, registros evidenciam que,
desde seu surgimento, os jardins - de- infância, mantidos, sobretudo, por
iniciativas privadas, foram oferecidos às crianças maiores (quatro a sete
anos) e tinha como público-alvo crianças filhas de classe média – mães que podiam cuidar de seus filhos até essa idade. As creches, por sua vez, iniciam
atendendo a filhos de operárias e domésticas, crianças a partir dos primeiros
meses de vida, e predominantemente eram mantidas pela iniciativa filantrópica, com algumas poucas exceções. O fato é que para o Estado
restou apenas supervisionar e subsidiar as entidades que atendiam as
crianças desfavorecidas socialmente. O atendimento à criança de zero a seis anos ficou historicamente vinculado às ações dos ministérios: da Saúde, da
Previdência e da Assistência Social e da Justiça, mas não foi assumido
integralmente por nenhum deles, pois não constituiu dever do Estado até
1988, o que fez com que a responsabilidade ficasse por conta das empresas empregadoras de mães e entidades sociais, mediante convênios (MOTTA,
apud LEITE FILHO, 2008, p. 21-22)
Foi somente com a CF/88 que as crianças de 0 a 6 anos passaram a ser vistas como
sujeitos de direito. Graças a isso, o atendimento educacional passa a ser dever do Estado,
garantindo a todas as crianças – e não somente àquelas provindas de famílias carentes – o
direito, por opção da família, de frequentar as instituições educacionais. Esse dever foi
reiterado em 1990 com a promulgação do ECA e reforçado pela LDBEN de 1996, iniciando-
se um processo de transferência de responsabilidade quanto ao atendimento de educar e cuidar
73
à pasta da Educação. A pressão dos movimentos sociais junto à Assembleia Constituinte
possibilitou a inserção das creches e das pré-escolas no sistema de ensino. Por consequência,
as creches públicas que antes estavam vinculadas à área da assistência social, passaram à
responsabilidade do setor educacional, como bem ressaltam Nunes; Corsino e Didonet (2011,
p-16-17).
Com a Constituição Federal de 1988, o Brasil começou um processo de
transferência de responsabilidade quanto ao atendimento de educar e cuidar
da primeira infância para o setor educacional. Esta Constituição traz como
característica a ênfase no estabelecimento de políticas públicas universais, a concepção de educação como um direito de todas as crianças desde o
nascimento e a concepção de criança cidadã, sujeito de direitos, cujo
desenvolvimento é indivisível. Estabelece como dever do Estado garantir a educação de 0 a 6 anos de idade, no sistema formal institucional, e afirma a
educação infantil como a primeira etapa da educação básica.
Com a CF/88, a educação passa a ser reconhecida explicitamente como política
pública, surgem discussões acerca da qualidade do ensino e o tema da inclusão social ganha
destaque, reforçam-se as lutas por melhorias nos espaços físicos dedicados ao ensino e na
qualificação dos profissionais da educação. Quase que ao mesmo tempo, surge uma nova base
jurídica para sedimentar o instável terreno legal por onde caminhava a Educação Infantil,
levando ao reconhecimento da criança enquanto ser social e cidadãos de pouca idade.
Ademais, dentre todas as constituições que o Brasil já teve, a de 1988 é considerada a
que mais detalhes apresenta com relação ao direito à educação, não restringido suas
finalidades com relação a ele na simples premissa “direito de todos”. Na verdade, ela projeta
as possibilidades de efetivação plena deste direito ainda que vinculadas a certas limitações
(ASSIS, 2012); limitações estas, como se verá adiante, permitem a universalização
progressiva da educação básica respeitando o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
Assim, o texto constitucional, ao colocar a Educação Infantil como uma prerrogativa
constitucional indisponível, no sentido de que toda e qualquer criança tem direito a frequentar
creche e pré-escola, qualificou o direito à educação neste patamar como direito fundamental,
por consequência um direito que não pode ser afetado por avaliação meramente discricionária
da Administração Pública, muito menos sujeito a razões de cunho pragmático-governamental.
74
1.4 A nova visão político social acerca da criança e da educação infantil
Foi devido a uma cultura de negligência para com a infância, reforçada durante o
período ditatorial, que o Brasil demorou a enxergar as creches e as pré-escolas como sendo
espaços educacionais onde o cuidado e o processo educativo são trabalhados intimamente. E
foi por conta da assimilação de uma ideologia liberal ligada a uma cultura norte-americana de
se educar para o mercado de trabalho que os investimentos em educação se centraram, por
décadas, quase que exclusivamente no ensino médio e profissionalizante.
Por longos anos, as creches e pré-escolas foram consideradas entidades meramente
assistenciais voltadas única e exclusivamente ao cuidado, idealizadas em caráter supletivo em
relação à família, não raras vezes na forma de verdadeiros asilos, depósitos de crianças pobres
e ou órfãs onde se aplicava métodos de uma educação compensatória.
Como bem explicita Abreu (2004, p. 4) em síntese, era essa a situação da Educação
Infantil até 1988:
Na Constituição e legislação educacional vigentes até 1988, o atendimento
às crianças até 6 anos não era concebido como uma atividade de natureza
educacional. Predominava a concepção segundo a qual tratava-se de um
atendimento de caráter predominantemente ou exclusivamente assistencial. Até a publicação da nova LDB em 1996, não existiam diretrizes nacionais
para a educação pré-escolar, referida apenas em dispositivo da Lei nº
5.692/71 – Reforma do Ensino de 1º e 2º graus, integrado ao capítulo do ensino de 1º grau (art. 19, § 2º), estabelecendo que os sistemas de ensino
velarão para que as crianças de idade inferior a sete anos recebam
conveniente educação em escolas maternais, jardins de infância e instituições equivalentes.
Assim, transferiu-se aos sistemas a incumbência de regulamentar a educação
nessa faixa etária, o que resultou em significativa diversidade de normas
educacionais. Em conseqüência, até 1996, a maioria dos sistemas estaduais de ensino
normatizou a oferta educacional nas faixas etárias de dois a quatro anos, em
maternais, e de quatro a seis anos, em jardins de infância, não regulamentando o atendimento de zero a dois anos, oferecido nas creches.
As pré-escolas, que funcionavam em escolas públicas e privadas de 1º e / ou
2º grau, integravam os sistemas de ensino. Ao contrário, a pré-escola oferecida em instituições específicas e as creches públicas e privadas
integravam os sistemas de saúde e/ou assistência social9.
Passados os vinte anos de ditadura, o país começou a vivenciar uma forte
mobilização social em busca da construção de um novo modelo de Estado onde a democracia
9 Disponível em: http://www2.camara.leg.br/documentos-e-pesquisa/publicacoes/estnottec/arquivos-
pdf/pdf/2004_10128.pdf
75
fosse levada a sério e as crianças fossem valorizadas enquanto cidadãs. Entre os anos 1986 e
1988 diferentes propostas foram apresentadas por inúmeras organizações sociais à
Assembleia Nacional Constituinte, muitas das quais relacionadas à área da criança. Nesse
sentido ressaltam Nunes, Corsino e Didonet (2011, p. 28):
É o grande acontecimento nacional que traz à tona sonhos e aspirações
abafadas, mobilização e pressão para conquistar direitos negados, que cria
espaço político para a emergência de grupos excluídos e ignorados pelas elites sociais e econômicas durante séculos. Um destes grupos são as
crianças. No dia da promulgação da Constituição Federal, em 05 de outubro
de 1988, o presidente da Assembléia chama-a de “Constituição cidadã”, o que se aplica muito bem para o modo como as crianças entram nessa Carta:
não mais subalternas, mas cidadãs, guindadas do último lugar na lista das
iniciativas políticas e administrativas do governo para o topo da prioridade
absoluta, sujeitos de direito, pessoas com dignidade intrínseca, independentemente de quaisquer circunstâncias (NUNES; CORSINO;
DIDONET, 2011, p. 28).
A fim de se organizar os debates e selecionar as propostas apresentadas à Assembleia
Nacional Constituinte foi criada uma comissão interministerial com representantes das
organizações sociais interessadas na defesa dos direitos das crianças. Essa comissão recebeu o
nome de Comissão Nacional Criança e Constituinte (CNCC) e buscava uma articulação
intersetorial e interinstitucional com todas as pastas governamentais e com todas as
organizações da sociedade civil envolvidas com os interesses da criança. Tinha como
propósito, portanto, relacionar as competências das pastas da Educação, não somente com as
da Assistência e da Saúde, mas com os demais órgãos governamentais que tinham
competências relativas às crianças juntamente com as organizações da sociedade civil que
tinham a infância como foco de seus trabalhos (NUNES; CORSINO; DIDONET, 2011).
A CNCC deu origem ao Movimento Nacional Criança e Constituinte que logo se
espalhou por todo o território nacional com a criação de outras comissões em todos os estados
da federação no claro intuito de incentivar a participação popular (NUNES; CORSINO;
DIDONET, 2011). Estimulados pela ideia amplamente difundida de que o poder constituinte
configurava “um movimento ininterrupto de construção do novo” (BERCOVICI, 2013),
mobilizaram-se os mais diferentes segmentos da sociedade, na forma de manifestações
públicas, reuniões, seminários, congressos, debates, abaixo-assinados e assembleias para
sugestão e discussão de pontos considerados importantes à dignidade da criança brasileira,
num esforço coletivo para assegurar constitucionalmente “[...] os princípios e as obrigações
do Estado com as crianças” (BITTAR; SILVA; MOTTA, 2003, p. 30) abalando-se, assim, as
76
antigas estruturas, conforme inclusive, é o entendimento de Nunes; Corsino e Didonet (2011,
p. 28):
Foram realizadas manifestações públicas, reuniões, seminários, congressos, assembleias e debates nos mais diversos ambientes, para recolher sugestões.
As crianças foram atores muito presentes nesse processo. Os meios de
comunicação deram espaço jamais visto para a causa. A extensão e a
profundidade do movimento geraram um clima de intensa participação, interesse e pressão política em favor da criança.
Pressionada por esses movimentos sociais a Assembleia Nacional Constituinte
acabou incluindo as creches e as pré-escolas no sistema educativo através do artigo 208, da
CF/88 nos seguintes termos:
O dever do Estado para com a educação10
será efetivado mediante a garantia
de:
I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria;
II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade do ensino médio;
III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;
IV – atendimento em creche e pré-escola às crianças de 0 a 6 anos11
de
idade; V – acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística segundo a capacidade de cada um;
VI – oferta de ensino noturno regular, adequada às condições do educando;
VII – atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático escolar, transporte,
alimentação e assistência à saúde (BRASIL, 1988). Grifo nosso.
E, de igual maneira, através do artigo 7º, inciso XXV assegurou a todos os
trabalhadores, independente se urbanos ou rurais, homens ou mulheres, o direito à assistência
gratuita dos seus filhos nas creches e pré-escolas12
. Assim ressalta Ferreira (2008, p. 35):
A Constituição deixa claro que o objetivo dos direitos sociais, ou seja, da
educação, é o bem-estar e a justiça social, a fim de assegurar a todos
10
Na opinião de Luiz Antônio Cunha (1991), o constituinte deveria ter se utilizado do termo “ensino” ao invés
de “educação”, porque o conteúdo do artigo procura explicitar justamente o que é específico da instituição
escolar 11 Importante salientar que posteriormente por força da Lei nº 11.274/2006 as crianças com seis anos de idade
passaram a ser matriculadas no ensino fundamental (cuja duração normal é de nove anos) e as pré-escolas
passaram a oferecer educação infantil às crianças com idade de quatro a cinco anos (LIBEANEO, OLIVEIRA e
TOSCHI, 2013). 12 No texto original aprovado pela Constituinte foi garantido às crianças o acesso à creche e à pré-escola desde o
nascimento até os seis anos de idade. Com a EC nº 53/2006 a idade limite caiu de seis para cinco.
77
existência digna, com a diminuição das desigualdades, possibilitando o
desenvolvimento pessoal e social; para tanto, busca erradicar o analfabetismo, universalizar o atendimento escolar, melhorar a qualidade do
ensino [...]
Foi a partir deste momento que a Educação Infantil deixou a linha de ação da política
assistencialista do Estado, de alcance limitado às pessoas necessitadas, para integrar de vez a
linha de ação das políticas sociais básicas do Estado, tornando-se “direito de todas as
crianças”. Essa mudança, por sua vez, representou um avanço extraordinário, posto que o
legislador, além de conferir posição privilegiada à Educação Infantil, normatizou-a a um só
tempo como direito fundamental13
e como direito público subjetivo, conferindo ao cidadão a
faculdade de exigir a prestação prometida pelo Estado (FERREIRA, 2008).
Sobre o inciso IV do artigo 208 da CF/88, dedicado inicial e especificamente à
educação das crianças com idade entre 0 e 6 anos (lembrando que essa faixa etária
posteriormente foi alterada por força da Lei 11.274/2006), Oliveira e Adrião (2007, p. 26)
fazem a seguinte observação:
[...] além da extensão do direito à educação a essa faixa etária, abre-se a
possibilidade de considerá-la parte do conceito de educação “básica”. Com isso, incorpora-se esta etapa da educação básica ao sistema regular, o que
exige regulamentação e normatização no âmbito da legislação educacional
complementar. Isso não ocorria na vigência da Constituição anterior, pois
esta etapa era “livre”, não sujeita à normatização educacional. Outra consequência é a mudança na concepção de creches e pré-escolas, passando-
se a entendê-las cada vez mais como instituições educativas e menos de
assistência social.
Com relação à ênfase dada pela CF/88 à educação enquanto direito fundamental,
Kozen (1999, p. 9) promove o seguinte comentário:
Até à vigência da atual Constituição, a educação no Brasil era vista
genericamente como uma necessidade e um importante fator de mudança
social, subordinada, entretanto, e em muito, às injunções e aos acontecimentos políticos, econômicos, históricos e culturais.
A educação, ainda que afirmada como direito de todos, não possuía, sob o
enfoque jurídico e em qualquer de seus aspectos, excetuada a
obrigatoriedade da matrícula, qualquer instrumento da exigibilidade,
13 Para Fernando de Brito Alves os direitos fundamentais, dentre eles o direito à educação, são uma espécie de
“espaço vedado” de núcleo duro da democracia, estando, portanto, imunes aos acordos, compromissos e
negociação políticas que devem apenas, portanto, alcançar aspectos secundários da vida das pessoas. Para o
autor, eles são reconhecidos na medida em que os seus destinatários principais se organizam e reivindicam o
reconhecimento desses direitos, que podem ser novos, em sentido estrito, ou decorrer da ampliação de
concepções restritivas de direitos antigos (ALVES, 2010).
78
fenômeno de afirmação de determinado valor como direito suscetível de
gerar efeitos práticos e concretos no contexto pessoal dos destinatários da norma. A oferta de ensino e a qualidade dessa oferta situava-se, em síntese,
no campo da discricionariedade do administrador público, ladeada por
critérios de conveniência e oportunidade.
Tem-se, portanto, que a evolução constitucional do direito à educação, em especial,
da Educação Infantil, não significa como muitos afirmam, a sua “legalização”, mas
simplesmente, que se passou a reconhecê-la como um direito social e fundamental,
possibilitando o desenvolvimento de ações em favor de todos os considerados responsáveis
pela sua concretização, isto é, o Estado, a família, a sociedade e a comunidade escolar
(FERREIRA, 2008).
Ao incluir as creches e as pré-escolas no capítulo dedicado à educação, como parte
integrante da esfera “Educação Infantil”, a Constituição “Cidadã” conferiu a todas as crianças
o direito a ter acesso a esses espaços desde o nascimento, reforçando o caráter universalista
dessa política pública. De igual maneira, as creches e as pré-escolas, deixaram de ser
consideradas meras instituições dedicadas aos cuidados de crianças necessitadas para
assumirem definitivamente a posição de espaços educacionais onde o atendimento à criança
mescla educação e cuidado de forma intimamente relacionada e onde os serviços são
prestados a toda e qualquer criança, independentemente de sua classe ou condição financeira.
Vale dizer que em toda sua história o Brasil nunca havia promulgado uma
Constituição que tratasse dos direitos educacionais e dos direitos da criança de uma forma tão
clara e específica, sem vinculá-los à família. E esse foi um dos grandes passos do país rumo
ao reconhecimento das crianças enquanto sujeitos sociais e cidadãs.
Ao conferir às crianças o direito a um desenvolvimento integral e ao afirmar ser
dever do Estado de garantir esse direito, a CF/88 demonstra seu diferencial em comparação às
suas antecessoras que, diga-se de passagem, limitavam-se ao uso de termos e expressões que
remetiam, ainda que indiretamente, à ideia de caridade e ou cuidado, como por exemplo:
“assistir”, “velar” ou “amparar” a maternidade e a criança (CAMPOS; ROSENBERG;
FERREIRA, 1993).
Importante lembrar ainda que, após a CF/88, foram aprovados o ECA em 1990 e a
LDBEN em 1996, instrumentos legais que refletiam essa nova concepção de criança e
Educação Infantil consagrada pela Constituição e que promoveram uma mudança radical na
“forma diminutiva” como a criança era encarada pela sociedade da época.
Através desses instrumentos legais, a ideia que se tinha acerca da “infância” e da
“criança” foi sendo remodelada para algo muito mais amplo que o termo “menor”, a ponto de
79
influenciar não apenas os discursos políticos, mas também às medidas sociopolíticas adotadas
pelo Estado.
Justamente nessa fase do processo de redemocratização do país a criança deixa de ser
vista como um simples corpo que precisa de cuidado, ou como mera estatística de problema
social, para ser reconhecida enquanto cidadã, enquanto pessoa produtora de cultura e sujeito
de direitos, cujas garantias à sua dignidade não poderiam mais ser fracionadas em áreas
independentes de acordo com seu aspecto físico, social, afetivo, cognitivo, devendo ser
garantida de forma integral e indivisível em nome do seu total desenvolvimento (NUNES;
CORSINO; DIDONET, 2011).
Sobre essa questão, reforçam Nunes e Kramer (2014, p.35):
É consenso no Brasil, e matéria de lei, que as crianças de todas as raças/etnias, religiões, classes sociais, origens e locais de moradia, gêneros,
independentemente da condição socioeconômica dos pais, têm direito à
educação de qualidade que amplie seu desenvolvimento, seu universo
cultural, o conhecimento do mundo físico e social, a constituição de sua subjetividade e a autoestima.
As práticas educativas, em todos os tipos de instituições, devem respeitar e
acolher as crianças em suas diferenças e deficiências, entendendo que são cidadãs de direitos à proteção e à participação social, a experiências culturais
nas quais se combinam saberes de experiência, fruto de vivências das
crianças, e conhecimentos que integram a natureza, a produção e o patrimônio cultural, na perspectiva da formação humana.
Na efervescência do novo processo democrático14
ocorreram, portanto, significativas
mudanças legais e institucionais por parte do Governo Federal que promoveram grandes
avanços no campo da educação: aumentaram-se os números das matrículas, e por força dos
movimentos sociais houve também melhora na qualidade dos sistemas municipais e estaduais
de ensino (NUNES; KRAMER, 2014).
Mesmo assim, os gestores públicos continuaram a conceber o direito à Educação
Infantil como sendo simplesmente o direito a ter uma vaga na sala de aula. Uma mentalidade
política absurdamente equivocada, porque esse direito, como anteriormente demonstrado,
pressupõe muito mais que isso, ele reivindica um lugar na sociedade, que não pode ser
simbolizado pelo número de cadeiras e carteiras existentes nas creches ou escolas públicas,
municipais ou estaduais, “é um direito que deve ser, sobretudo, vivenciado, percebido,
sentido” (ASSIS, 2012).
14 Segundo a concepção liberal, o processo democrático cumpre a tarefa de programar o Estado no interesse da
sociedade. Já para a concepção republicana [...] a política não se esgota nessa função de mediação. (ALVES,
2013, p. 109)
80
É inegável, do ponto de vista jurídico, que a Lei confere status de direito
fundamental à Educação Infantil, impondo ao Estado por efeito de alta significação social o
dever de dar condições de acesso a creches e pré-escolas a todas as crianças. Todavia, na
prática, a falta de planejamento e de critérios bem definidos e transparentes por parte da
Administração Pública, de um modo geral, continua a contribuir muito para o
comprometimento de direitos sociais e culturais ligados ao desenvolvimento e bem-estar na
infância.
81
2 A NOVA BASE LEGAL DA EDUCAÇÃO INFANTIL E SUA AFIRMAÇÃO
ENQUANTO PRIMEIRA ETAPA DA EDUCAÇÃO BÁSICA, DIREITO DA
CRIANÇA, OPÇÃO DA FAMÍLIA, DEVER DO ESTADO E ATRIBUIÇÃO DO
MUNICÍPIO
Neste capítulo abordaremos como a Educação Infantil depois de muitos anos
negligenciada no Brasil, ingressou em um processo sociopolítico que mesmo lento, permitiu-
lhe a adequação à finalidade constitucional de promover a formação cidadã. Para isso, será
demonstrado como a política pública voltada à garantia desse direito vem sendo
regulamentada, planejada, financiada e ofertada pelo Poder Público em suas esferas locais.
2.1 A construção de um novo conceito de educação infantil no período pós-1988: marcos
legais
Como demonstrado nas páginas anteriores, o processo educativo no Brasil deu-se
primeiramente como instrumento de colonização e percorreu um longo caminho até alcançar
nos anos 90 status de “alternativa de ascensão social” e de “democratização das
oportunidades”.
Muito embora a educação tenha sido elevada à condição de direito constitucional por
força da CF/34, e desde então tenha se incorporado progressivamente na legislação pátria, ela
só conseguiu ser efetivamente detalhada, precisada e explicitada com o advento da CF/88, que
a reconheceu como um componente básico dos direitos do homem e um direito social
proeminente, um pressuposto necessário ao exercício adequado de outros direitos sociais,
políticos e civis (MACHADO; OLIVEIRA, 2001).
Entretanto, essas mudanças só foram possíveis em 1988, porque com o fim da
ditadura, movimentos sociais diversos inflamaram-se ainda mais na reivindicação de direitos
sociais antes negados pelo Estado, que por sua vez definia a educação praticamente como
peça-chave no processo de dominação de classes no cenário político-econômico mundial da
época, onde a estratégia liberal era, e ainda continua sendo, fazer da educação prioridade do
Governo para criar escolas de acordo com o tipo social tornando-as aparelho ideológico da
sociedade voltada ao capital, à propriedade privada e ao consumo.
82
Os movimentos sociais surgem como um novo canal de representação, um
novo instrumento de participação política das classes populares, opondo-se, num primeiro momento, ao regime autoritário imposto pela ditadura. O novo
é destacado em tudo, e o que justifica chamá-los de “novos movimentos
sociais” é, sobretudo, sua capacidade inovadora, “vista em seu potencial para
criar e experimentar formas diferentes de relações sociais cotidianas e novas formas de fazer política” (VEIGA, 2005, p. 32).
Não se pode negar que, com a onda de movimentos sociais no início dos anos 80 e
com a promulgação da CF/88, renovou-se a esperança do povo brasileiro num país governado
democraticamente, onde os ideais de justiça e justiça social estivessem intimamente ligados.
Foi com esse intuito, inclusive, que o Deputado Ulysses Guimarães, ao entregar o resultado
final da Assembleia Nacional Constituinte, da qual era presidente, proferiu discurso em data
do dia 05 de outubro de 1988, tratando carinhosamente a Carta Política pelo apelido de
“Constituição Cidadã” ou a “Constituição Coragem”:
A CONSTITUIÇÃO CORAGEM.
O homem é o problema da sociedade brasileira: sem salário, analfabeto, sem
saúde, sem casa, portanto sem cidadania. A Constituição luta contra os bolsões de miséria que envergonham o país.
Diferentemente das sete Constituições anteriores, começa com o homem.
Graficamente testemunha a primazia do homem, que foi escrita para o homem, que o homem é seu fim e sua esperança. É a Constituição Cidadã.
Cidadão é o que ganha, come, sabe, mora, pode se curar.
A Constituição nasce do parto de profunda crise que abala as instituições e convulsiona a sociedade.
Por isso mobiliza, entre outras, novas forças para o exercício do governo e a
administração dos impasses. O Governo será praticado pelo Executivo e o
Legislativo. Eis a inovação da Constituição de 1988: dividir competências para vencer
dificuldades, contra a ingovernabilidade concentrada em um, possibilita a
governabilidade de muitos. É a Constituição da coragem. Andou, imaginou, inovou, ousou, ouviu, viu,
destroçou tabus, tomou partido dos que só se salvam pela Lei.
A Constituição durará com a democracia e só com a democracia sobrevivem
para o povo a dignidade, a liberdade e a justiça.15
Logo, a partir do momento que a Constituição Federal de 1988, assim expressou:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a
moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
15 Disponível na íntegra em: http://www.fesppr.br/~francisco/Constit.htm. Acesso: 02/09/15
83
A Educação, mais do que um direito, passou a ser concebida como um dever do
Estado – em um amplo sentido. Por consequência, esta ganhou contornos bastante complexos,
de maneira que as muitas contingências que a cercam e os fatores que a determinam passaram
a ser objetos de leis, políticas e programas nacionais diversos, deflagrados pela nova ordem
constitucional (CURY, 2002).
Contudo, poucos percebem que essa definição do dever estatal para com a Educação
pressupõe, na verdade, a existência de questões que concitam atenção, interesse e mobilização
de fatores sociais (OZLAK e O’DONNEL, 1976 apud CAMPOS, 1990), ou seja, pressupõe
“demanda”, que por sua vez dá vazão à formulação, ao planejamento e à qualificação do que
se define por política pública.
Nesta perspectiva, a política pública:
diz respeito a um conjunto de mecanismos e procedimentos mediante os
quais se elabora a agenda do que virá ser a pauta de prioridades políticas a
ser posta em prática de forma planejada e escalonada no tempo. Isso requer:
formulação da política; tomada de decisão; determinação de objetivos e critérios; identificação e comparação de alternativas que, por sua vez, vão
exigir pesquisas e diagnósticos para subsidiar escolhas e decisões; avaliação,
para aferir impactos associados às decisões; e definição precisa de recursos (PEREIRA, 1996, p. 71).
Sugere-se, com isso, que a política pública (seja ela qual for) surge de uma questão
social que passa a ser problematizada, e que consequentemente, mobiliza recursos por parte
do demandatário (alguma instância da sociedade civil) e do demandado (o Estado, nesse caso
representado pelo poder público) (VEIGA, 2005). Por conta disso, o mesmo raciocínio pode
ser aproveitado com relação ao direito à Educação Infantil, dada a íntima, dinâmica e notória
ligação entre as necessidades das crianças, a demanda que essas necessidades geram, e a
reivindicação por vagas. Seguindo esta mesma linha de raciocínio, ressalta Veiga (2005, p.
147-148):
O ato de demandar exige uma ação, um movimento em direção ao alvo ou
objetivo que se pretende. Quem demanda, demanda de alguma coisa a
alguém, o que pressupõe a existência do sujeito demandado.
A demanda pode surgir espontaneamente, a partir de uma necessidade experimentada por um indivíduo ou compartilhada com outros, como
também pode ser constatada por quem não vive diretamente a situação, e que
de certa forma induz pessoas ou grupos que a vivenciam a tomarem consciência dela. Às vezes, uma simples informação ou esclarecimento pode
gerar uma demanda.
Surgindo espontaneamente ou não, no momento em que uma demanda social
se revela para as pessoas, desperta-lhes o interesse por se agruparem,
84
motivados que estão por encontrarem uma forma de superar as dificuldades
ou suprir as necessidades emergentes.
É importante esclarecer que, muito embora a demanda pela Educação Infantil sempre
tenha existido, foi somente com o advento da CF/88 que mecanismos voltados à garantia
desse “direito novo”, dentre eles o ECA e a LDBEN, puderam projetar a obrigação legal do
Estado no desenvolvimento intelectual dos cidadãos desde a tenra idade (MACHADO;
OLIVEIRA, 2001). Ainda que dados estatísticos apontem a expansão do atendimento em
creches e pré-escolas entre os anos 1970 e 1990, tal fato se deu não por uma iniciativa do
Governo, mas por conta de ações sociais de combate à pobreza e ou propostas voltadas à
melhoria do desenvolvimento do Ensino Fundamental, sustentadas por modelos de baixo
investimento em espaços, materiais, equipamentos e recursos humanos, apoiadas por
organizações internacionais, dentre elas a Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura – UNESCO (NASCIMENTO, 2010).
Depois da promulgação da CF/88 levaram-se alguns anos para o aparecimento da
Educação Básica na legislação como conceito novo (dentro do artigo 4º da LDBEN/96),
capaz de definir a um só tempo um direito do cidadão e um dever do Estado atrelado à oferta
qualificada (CURY, 2008). Por conta disso, Cury (2008, p. 294) faz questão de destacar:
A expressão “educação básica” no texto de uma Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional – LDBEN – é um conceito, um conceito novo, é um
direito e também uma forma de organização da educação nacional. Como conceito a educação básica veio esclarecer e administrar um conjunto
de realidades novas trazidas pela busca de um espaço público novo. Como
um princípio conceitual, genérico e abstrato, a educação básica ajuda a
organizar o real existente em novas bases e administrá-lo por meio de uma ação política consequente.
Daí falar-se também que foi através da CF/88 que o olhar sobre a Educação ganhou
uma nova significação, embora dicotomizada16
entre “Educação Superior” e “Educação
Básica”, atribuindo-se especialmente a esta última um conceito avançado – mais que inovador
para um país que, por séculos, renegou a seus cidadãos, de modo elitista e seletivo, o direito
ao conhecimento – e que veio esclarecer e administrar um conjunto de realidades novas
16 Como se verá adiante, a LDBEN de 1996 regulamenta pontos do capítulo sobre educação da CF/88, e em seu
título V (o maior deles), declara que a educação escolar brasileira se compõe de dois níveis: educação superior e
educação básica, sendo apenas esta última formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio.
(LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2013)
85
trazidas pela busca de um espaço público novo (CURY, 2008). Ressalta ainda Cury (2008, p.
294):
Como conceito novo, ela traduz uma nova realidade nascida de um possível histórico que se realizou e de uma postura transgressora de situações
preexistentes, carregadas de caráter não democrático.
Como direito, ela significa um recorte universalista próprio de uma
cidadania ampliada e ansiosa por encontros e reencontros com uma democracia civil, social, política e cultural.
E é aí que se situa o papel crucial do novo conceito inclusive como nova
forma de organização da educação escolar nacional. Essa nova forma atingiu tanto o pacto federativo quanto a organização pedagógica das instituições
escolares. Esse papel o é como tal porque à educação lhe é imanente o de ser
em si um pilar da cidadania e o é ainda mais por ter sido destinado à educação básica o condão de reunir as três etapas que a constituem: a
educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio.
A Educação Básica surgiu, então, com o escopo ideológico de promover o
desenvolvimento do educando, garantindo-lhe uma formação comum indispensável ao
exercício da cidadania, fornecendo-lhe meios para progredir, tanto no trabalho quanto nos
estudos complementares posteriores, sendo a Educação Infantil e os Ensinos Fundamental e
Médio suas etapas (LIBÂNEO, OLIVEIRA E TOSCHI, 2013).
Como resultado, a Educação Infantil passou a ser aceita e compreendida como a raiz
da Educação Básica, o Ensino Fundamental seu tronco, e o Ensino Médio seu acabamento
(CURY, 2008).
A CF/88, além de ter sido a única a tratar de forma suficientemente clara e precisa
acerca do direito à Educação Infantil sem desmerecer outras modalidades e níveis do processo
educativo, direcionados igualmente ao desenvolvimento integral do ser humano, foi
responsável pela consagração de outra importante vitória dos movimentos sociais envolvidos
nas discussões que permearam o processo constituinte: posicionou estrategicamente a
Educação Infantil como sendo a primeira etapa da Educação Básica, reforçando a necessidade
de se investir na formação cidadã desde o berço (MOREIRA; LARA, 2012).
Nesse sentido já disse certa vez, Marshall (1967, p. 73):
A educação das crianças está diretamente relacionada com a cidadania, e,
quando o Estado garante que todas as crianças serão educadas, este tem em
mente sem sombra de dúvida, as exigências e a natureza da cidadania. Está tentando estimular o desenvolvimento de cidadãos em formação. O direito à
educação é um direito social de cidadania genuíno porque o objetivo da
educação durante a infância é moldar o adulto em perspectiva. Basicamente, deveria ser considerado não como o direito da criança frequentar a escola,
86
mas como o direito do cidadão adulto ter sido educado. (...) A educação é
um pré-requisito necessário da liberdade civil.
Tem-se como certo, portanto, que a “Constituição Cidadã”, além de redefinir os
princípios da República e restabelecer o Estado de Direito, inseriu a criança num contexto de
cidadania e definiu novas relações entre ela e o Estado, resgatando o ideal iniciado em 20 de
Novembro de 1959 com a DUDCA decorrente da DUDH de 1948, renovando o tratamento
governamental dispensado à Educação Infantil e inserindo-a num “campo de afirmação de
direitos” – direito da mulher ao trabalho remunerado, direito da família à guarda e cuidados
dos filhos pequenos e direito das crianças pequenas à educação (VEIGA, 2005).
Já a DUDCA (1959) diz o seguinte:
A criança tem direito a receber educação escolar, a qual será gratuita e
obrigatória, ao menos nas etapas elementares. Dar-ser-á à criança uma educação que favoreça sua cultura geral e lhe permita – em condições de
igualdade de oportunidade – desenvolver suas aptidões e sua
individualidade, seu senso de responsabilidade social e moral, chegando a ser um membro útil à sociedade.
O interesse superior da criança deverá ser o interesse diretor daqueles que
têm a responsabilidade por sua educação e orientação; tal responsabilidade incumbe, em primeira instância, a seus pais.
A criança deve desfrutar plenamente de jogos e brincadeiras, os quais
deverão estar dirigidos para a educação; a sociedade e as autoridades
públicas se esforçarão para promover o exercício deste direito.17
Com base nisso, faz-se necessário definir o que é “infância” e quem pode ser
denominado “criança” para se compreender a real vontade do legislador e a lógica que se faz
presente tanto no ECA quanto na nova LDBEN. Na língua portuguesa, o termo “infância” é
entendido como o período de vida de um ser humano compreendido entre seu nascimento e a
puberdade. Em termos etimológicos, a palavra “infância” advém do termo em latim infari,
que significa “o que é incapaz de falar”, sendo, portanto, o infante (a criança) “aquele que não
fala” ou “aquele que não tem voz” (KHULMANN JR., 2015). Contudo, para o ECA, criança
é a pessoa de até 12 anos de idade incompletos e adolescente a pessoa com idade entre 12 e 18
anos (art. 2º). Nesse contexto, o ECA assume a responsabilidade de redefinir o antigo
conceito de criança, ao demonstrar que, embora não tendo ela voz, possui direitos como
qualquer pessoa, merecendo ser devidamente representada nas suas reivindicações, sobretudo
com relação ao direito à educação.
17 Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/c_a/lex41.htm. Acesso em 01/11/2015
87
Foi esse caminho que tornou possível, ainda que de forma lenta e gradual, a
passagem da Educação Infantil tutelada pelo assistencialismo, dependente de migalhas
orçamentárias distribuídas a todo setor social, a outro plano decisório (VEIGA, 2005) que
rompeu com o velho paradigma de que creches e pré-escolas representavam espaços “de favor
estatal aos mais pobres”.
Os avanços no aparato jurídico brasileiro, ocorridos nos anos de resgate
democráticos pós-1988, alavancados pelo ECA e pela LDBEN, asseguraram o acesso à
Educação Infantil como direito de toda criança com idade entre 0 e 5 anos. Por consequência,
essa primeira etapa da Educação foi subdivida, em duas fases: a creche, para crianças entre 0
e 3 anos, e a pré-escola, para crianças de 4 e 5 anos.
Ocorre que, como se verá adiante, a oferta de creches por parte do Estado não se
constituiu como obrigação, e vem sendo ofertada pelo Poder Público de acordo com a
demanda específica. O mesmo não se podendo falar da segunda fase da Educação Infantil
(pré-escola), cuja oferta pública tornou-se recentemente legalmente obrigatória ao Estado
dada a imposição da matrícula aos pais.
2.1.1 O ECA e a Educação Infantil
A Convenção sobre os Direitos da Criança (1989) com vigência internacional em
outubro de 1990, foi ratificada pelo Brasil também em 1990, mesmo ano de promulgação do
ECA.
O referido Estatuto, sendo um instrumento legal resultante da luta de organismos
progressistas da sociedade civil, consagrou a Educação Infantil enquanto política pública e
dever do Estado, explicitando a nova e acertada concepção de criança tanto como ator social,
quanto pessoa em desenvolvimento e sujeito de direitos. Com isso, o Brasil se tornou o
primeiro país a adequar sua legislação aos princípios da Convenção (ASSIS, 2012).
Sobre a originalidade do ECA, Bazílio e Kramer (2011, p.25) formulam dois
consideráveis apontamentos, que merecem transcrição:
Em primeiro lugar, temos que considerar a ampla participação de setores da
sociedade civil na mobilização e redação da nova lei. Trata-se de anos
gloriosos. Ao contrário dos códigos de menores elaborados por experts, o novo texto legal incorpora a ação de um movimento social. Na segunda
metade dos anos 1980, impulsionados pela necessidade de mudanças, fim da
censura e consequentes denúncias da ineficácia da ação de órgãos como
88
Funabem ou Febem, redemocratização do pais e do processo constituinte de
1988, a sociedade brasileira vislumbrou um sonho. Era uma utopia ou um desejo que colocava a infância como portadora de direitos, quando se
criticava o descaso, a omissão. Condenava-se a violência, os internatos, e
colocava-nos em marcha na construção da cidadania.
Em segundo lugar, porque do ponto de vista conceitual o Estatuto abandona o paradigma da “infância em situação irregular” e adota o princípio da
“proteção integral à infância”. Nesta perspectiva, o texto legal deixa a
simples prescrição sobre os deveres e responsabilidades do Estado quando o “menor” por ação (autor de infração penal) ou omissão (ausência de família
ou meios de subsistência) precisa de amparo ou tutela e avança no sentido de
compor um texto que coloca sob seu arco todos aqueles brasileiros menores de dezoito anos. Não estamos mais diante de uma lei da exceção, mas
incluindo e explicitando direito de todos.
O reconhecimento desses “direitos de todos” por parte do ECA se deu no art. 4º, na
forma de garantias aos direitos da criança e do adolescente (à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar, bem como o
direito de estar à salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão), direitos que passaram à “absoluta prioridade” não apenas das
instituições educativas organizadas para este fim, mas também à família, à sociedade e ao
Estado (artigo 227, caput, da CF).
O artigo 4º do ECA praticamente transcreve o art. 227 ao mesmo tempo em que
reafirma o caput do art. 20518
, ambos da CF, quando determina que, primeiro a família e,
supletivamente, a sociedade e o Estado têm o dever de assegurar, por todos os meios, de todas
as formas e com “absoluta prioridade” todos os direitos necessários a um ser humano
civilizado (LIBERATTI, 2008). Com essa estratégia, o Estatuto parte das relações locais para
as relações globais quando trata das responsabilidades para com a Educação. Senão, vejamos:
Art. 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos
referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Parágrafo único: A garantia de prioridade compreende:
a) a primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância
pública;
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais
públicas;
18 Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho.
89
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas
com a proteção à infância e à juventude (BRASIL, 1990).
Assim, além de regulamentar o direito da criança e do adolescente à Educação, o
ECA serviu para fortalecer o artigo 227 da CF, promovendo a proteção integral dos mais
jovens com relação aos perigos do mundo adulto, regulamentando através do seu art. 5º, o que
corresponde à última parte da referida norma constitucional:
Artigo 227. É dever da família, da sociedade, e do Estado assegurar à criança
e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988). grifos
nossos
Percebe-se que, ao dispor acerca da “absoluta prioridade”, a Constituição exige que
os direitos da criança e do adolescente figurem no primeiro lugar na escala de preocupação
dos governantes. Em outras palavras, os direitos e os interesses da criança e do adolescente
devem prevalecer sobre qualquer outro interesse quando seu destino estiver em discussão
(LIBERATTI, 2008). Assim destaca Liberatti (2008, p. 17):
Por absoluta prioridade entende-se que, na área administrativa, enquanto não existirem creches, pré escolas, postos de saúde, atendimento preventivo e
emergencial às gestantes, dignas moradias e trabalho, não se deveriam
asfaltar ruas, construir praças, sambódromos, monumentos artísticos etc., porque a vida, a saúde, o lar, a prevenção de doenças são mais importantes
que as obras de concreto que ficam para demonstrar o poder do governante.
No que diz respeito ao dever de proteção integral às crianças e aos adolescentes, o
ECA (art. 3º e 4º) demonstra a clara intenção do legislador em viabilizar à criança melhores
condições a um saudável e completo desenvolvimento físico, mental e psicológico, tanto no
seio familiar quanto fora dele, proporcionando-lhe meios de aprimorar-se e crescer com
liberdade de criação e acesso às fontes de cultura (art. 58). Avaliza, portanto, a ideia de que o
papel das entidades educacionais, em especial as creches e pré-escolas, é de complementar a
ação da família, não compensá-la, substituindo-a.
Logo, a Educação não é incumbência apenas do Poder Público. A família também é
um importante sujeito dentro desse processo, e sua ausência dificulta em demasia as
atividades desenvolvidas pelas entidades educacionais em prol tanto do titular do direito, no
90
caso a criança, quanto da coletividade. Sobre essa previsibilidade legal da proteção integral,
Moreira e Lara (2012. p. 130) fazem algumas considerações:
O ECA foi elaborado e sancionado em forma de lei logo após a promulgação da Constituição Federal de 1988, e estabeleceu garantias e direitos para a
infância e a adolescência.
Assim, a Constituição de 1988 e o ECA mudaram o panorama da criança e
do adolescente no Brasil, especialmente no tocante às políticas sociais, pois foi a partir desses diplomas que foram legalmente reconhecidos esses
direitos, os quais podem ser exercidos junto à família, à sociedade e ao
Estado. Os direitos assegurados pelo ECA constituem a chamada proteção integral, pela qual as crianças e adolescentes devem ser protegidos
juridicamente nos aspectos, saúde, a educação, transporte, lazer e cultura.
Da leitura do art. 53 e incisos do referido Estatuto pode-se constatar a preocupação
do legislador em reforçar muitos outros princípios que regem o direito à educação e que estão
presentes no art. 206 e incisos da Carta Constitucional. Com especial destaque para o seu
inciso V, que indica o acesso à escola pública e gratuita próxima à residência como uma
alternativa a evitar a evasão escolar e ou a desistência, vislumbra-se o claro intuito de
viabilizar o direito à educação e primar, por consequência, pelo Princípio da Dignidade da
Pessoa Humana (ASSIS, 2012).
Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno
desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na Escola;
II - direito de ser respeitado por seus educadores; III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias
Escolares superiores;
IV - direito de organização e participação em entidades estudantis;
V - acesso à Escola pública e gratuita próxima de sua residência. Parágrafo único. É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo
pedagógico, bem como participar da definição das propostas educacionais
(BRASIL, 1990). grifos nossos
Este dispositivo merece uma atenção especial, primeiramente por reproduzir e
enfatizar o conteúdo do artigo 205 da CF (que assegura o acesso de todos à educação,
determinando como dever do Estado e da família promover sua distribuição e implementação,
visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para a vida, para o exercício da
cidadania e à sua qualificação profissional), e depois por corporificar a intenção da DUDCA
que dispõe em seu 7º princípio que as crianças não só têm o direito de receber educação
gratuitamente como deverão obrigatoriamente frequentar as escolas ao menos no primeiro
91
grau, ficando a cargo dos governos fornecerem os meios necessários à promoção da cultura e
da capacitação necessárias ao enfrentamento da vida em sociedade (LIBERATTI, 2008).
Pela leitura do caput do art. 53 do ECA, percebe-se claramente a intenção do
legislador em promover um maior contorno à educação antes de definir suas finalidades. Não
por acaso, expressa que ela (a Educação) deve visar o pleno desenvolvimento da pessoa,
preparando-a para a cidadania e qualificando-a para o trabalho, conforme disposto também no
artigo 1º da LDBEN/96.
Disso pode se concluir que a complexidade do direito à educação acabou exigindo
que sua descrição na legislação pátria, de um modo geral, fosse feita de forma mais minuciosa
a fim de viabilizar, em especial às crianças, uma série de prerrogativas passíveis de serem
exigidas do Poder Público. Entendimento este, reforçado pelas ideias de Liberatti (2008, p.
51) sobre o assunto:
Na verdade, quando o Estatuto assegura à criança e ao adolescente igualdade
de condições de acesso e permanência na escola, o direito de serem
respeitados por seus educadores, o direito de contestar critérios de avaliação, o direito de organização e participação em atividades estudantis e o acesso à
escola pública e próxima à sua residência, nada mais está fazendo que
regulamentar a necessidade de se alfabetizarem de forma digna, o que os levará a ter uma convivência sadia e equilibrada na sociedade.
No entanto, ao tratar da temática da Educação Infantil em específico, o ECA através
do art. 54, inciso IV, impõe ao Estado o dever de assegurar o atendimento de crianças de zero
a seis anos em creches e pré-escolas, em descompasso com o que diz a nova redação do art.
208 da CF/88, segundo a qual o atendimento nesses estabelecimentos deverá ser oferecido às
crianças com idade entre zero e cinco anos19
. Com relação aos demais níveis de ensino
(fundamental e médio) o Estatuto, não obstante ter sofrido profundas modificações através da
Lei nº 12.010/09, também continua com a redação sem congruência com as Emendas
Constitucionais que vieram depois de sua publicação (EC nº 14/96, nº 53/06 e nº 57/06)
apresentando compatibilidade apenas com o texto constitucional original (ASSIS, 2012, p.
64).
19 De acordo com Nunes, Corsino e Didonet (2011), foi por força do artigo 208, inciso IV da CF/88, que ao
Estado foi imposto o dever de garantir a educação infantil a todas as crianças com idade até 6 anos. Ocorre que,
com o advento da EC nº 53/2006, deu-se nova redação aos arts. 7º, 23, 30, 206, 208, 211 e 212 da Constituição
Federal e ao art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, consequentemente a faixa etária
atendida pela Educação Infantil baixou para 5 anos, ao estabelecer o inicio do ensino fundamental obrigatório
aos 6 anos de idade.
92
Mas, apesar disso, ainda que o compromisso firmado seja de uma grandeza ainda não
vivenciada por toda sociedade, merecendo revisões, não se pode ignorar o quão profunda é a
proposta constitucional replicada no Estatuto quando se fala em Educação.
Na opinião de Nunes, Corsino e Didonet (2011), o ECA também motivou o
reposicionamento das responsabilidades dos Governos (Federal, Estaduais e Municipais) para
com a Educação no país, ao forçar uma melhor organização do Poder Público na definição, no
planejamento, na execução e avaliação da política pública educacional, em especial voltada à
criança. No entanto, é importante esclarecer que essa reorganização só tornou-se mais
evidente quando o Brasil, seguindo orientação da UNESCO, passou a classificar a Educação
em níveis (educação básica, ensino fundamental e médio) através da EC nº 53/2006, para
melhor definir as competências dos entes públicos.
Em reforço ao argumento, os autores em questão destacam ainda três pontos que
consideram importantes em relação às mudanças carreadas na legislação:
I. a descentralização político-administrativa da atenção aos direitos da
criança- à União cabe formular a política nacional e diretrizes gerais; aos
municípios, bem como ao Distrito Federal, o atendimento, contando para
isso, com a cooperação técnica e financeira da União e do estado; II. a participação da sociedade, por meio de suas organizações
representativas, na formulação das políticas públicas, no planejamento das
ações e no controle da ação do Estado, em todos os níveis; III. a criação do Sistema de Garantia de Direitos da criança e do
adolescente, que começa a contribuir para que as crianças tenham acesso à
creche e à pré-escola e nela recebam educação integral de qualidade. O conselho tutelar, os Conselhos Nacional, Estaduais e Municipais dos Direitos
da Criança e do Adolescente, o Ministério Público e outras organizações da
sociedade são chamados a zelar por que os direitos da criança sejam
atendidos, entre eles, o direito à educação a partir do nascimento (NUNES; CORSINO; DIDONET, 2011, p. 33).
Por derradeiro, há de se fazer ainda que de forma breve, uma análise crítica acerca da
obrigação dos pais e o dever do Estado para com a Educação Infantil.
Tentar iniciar uma explanação acerca das obrigações de pais e mães na educação de
seus filhos é tarefa que intimida, ante o universo e extensão do assunto. No entanto, para os
fins propostos neste trabalho, focou-se a atenção apenas para alguns aspectos do tema, a
começar pelo disposto no artigo 55 do ECA.
Este artigo estatui que os pais ou responsáveis possuem a obrigação de matricular
seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino. Em um primeiro momento é preciso apontar
que as obrigações dos pais relativas à educação da criança e do adolescente se estendem, por
93
força do princípio da proteção integral, dentre outros, aos tutores e guardiões eventualmente
incumbidos da tutela ou guarda. Devido seu caráter obrigatório, nesse ponto se reconhece a
existência de regras que possibilitam a punição do pai ou responsável, em se tratando do
descumprimento das determinações expostas, tanto na esfera administrativa, caso do artigo
129, V do ECA, como na esfera criminal, conforme preceitua o artigo 246 do Código Penal,
ao tratar do crime de abandono intelectual.
Num segundo momento, ao observar o relacionamento entre a “Escola” (no sentido
lato da palavra) e os pais ou responsáveis, verifica-se que o problema está longe de ser tão
somente a matrícula. Hoje, impor a matrícula de uma criança em uma entidade de ensino,
embora na opinião de muitos equivalha à transferência de responsabilidade, significando uma
educação compensatória, é na verdade ato que reflete a tendência da legislação pátria em
impor à família o dever de participação na educação de seus filhos nos termos do artigo 229
da Constituição Federal.
Antes, porém, é preciso compreender o significado de família nesse novo contexto,
vez que, ao se falar de “família” atualmente, não se pode atribuir a ela o mesmo significado
que tinha há alguns anos, quando se referia apenas a um casal (homem e mulher) com filhos.
Atualmente, a palavra “família” ganhou um significado mais amplo e diferenciado, dada a
existência de crianças criadas por pais ou mães solteiros, irmãos mais velhos, avós, casais
homoafetivos dentre outras particularidades.
De acordo com dados fornecidos pelo último Censo Demográfico, realizado pelo
IBGE no ano de 201020
, o número de famílias constituídas apenas por pai, mãe e filhos não
pode ser considerado maioria no Brasil. Os estudos apontam que aproximadamente 50,1% dos
domicílios são compostos atualmente por grupos familiares que não se encaixam neste
padrão. Logo, apenas metade dos lares de toda a Nação tem “formação tradicional”.
Ainda assim, dois projetos de Lei tramitam em Brasília (DF) e tentam discutir e
definir o que é família, um na Câmara dos Deputados, o outro, no Senado Federal. O primeiro
(Projeto de Lei nº 6.583/2013) intitulado “Estatuto da Família” é de autoria do Deputado
Federal Anderson Ferreira (PR-PE) e considera entidades familiares única e exclusivamente
aqueles núcleos sociais formados a partir da união entre homem e mulher, ou compostas por
apenas um dos pais e seus filhos. De acordo com esse projeto, núcleos sociais formados por
casais homoafetivos, por netos criados por avós, crianças criadas por tios ou primos, irmãos
20 Disponível na integra em:
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/familias_e_domicilios/default_familias_e_domici
lios.shtm. Acesso em: 17 nov. 2015
94
criados sozinhos e todos os demais tipos diferentes de relações familiares já amplamente
reconhecidas pelo poder judiciário brasileiro e pelas entidades de direito internacional
estariam à margem da sociedade. Já o segundo projeto (Projeto de Lei nº 470/13), batizado de
“Estatuto das Famílias”, de autoria da senadora Lidíce da Mata (PSB-BA), contrariamente ao
primeiro, visa garantir o reconhecimento e o amparo aos diferentes grupos familiares pautados
não apenas nos laços de consanguinidade ou matrimoniais, mas especialmente nas relações de
afeto.
Com relação ao “Estatuto da Família”, especificamente, as críticas tem sido pesadas
e severamente fundamentadas, mas com toda a razão. Primeiro, porque esse projeto de lei tem
cunho claramente religioso, ofendendo a laicidade do Estado. Segundo, porque o seu
conteúdo é retrógrado e fundamentalista do ponto de vista social ao impor à sociedade
conceitos morais e sexuais aceitos apenas por um determinado grupo, segregando aqueles que
não se encaixam no perfil. Em terceiro, por tentar discutir tardiamente questões já pacificadas
pelo Supremo, que inclusive já reconheceu a união entre pessoas do mesmo sexo.
Independente dessas discussões políticas acerca da necessidade de se estereotipar os
núcleos familiares, o fato é que, para fins de uma educação democrática, a forma como se
constitui a família pouco importa, interessando à eficácia da Lei, única e tão somente, o modo
como essa família, construída sob a base do afeto, interage no processo educacional da
criança, interferindo positivamente no aprendizado e na construção do seu caráter.
Comprovadamente, a criança que é acompanhada por seus familiares no processo
educacional, tem chances muito maiores de se tornar uma criança mais realizada, mais
confiante e feliz, capaz de alcançar resultados mais satisfatórios no processo de aprendizagem
e a uma evolução mais acentuada no ambiente escolar.
Por isso, o dispositivo que trata do dever da família em matricular as crianças merece
uma interpretação mais abrangente, com base no princípio da proteção integral, no sentido de
que já não basta a matrícula numa dessas entidades educacionais: é necessário que a família
acompanhe e vivencie as dificuldades que a criança normalmente enfrenta no ambiente
educacional, é preciso debater e contribuir na mediação dos conflitos e participar ativamente
do controle de qualidade dos serviços educacionais prestados àqueles que “não tem voz”.
Parte-se do princípio de que, se a família falha com seu dever, a escola pode ajudá-la a
diagnosticar.
Matricular a criança na pré-escola, até a alguns anos, não era considerada obrigação
para os pais. Antes e depois da publicação da LDBEN/96, a legislação educacional brasileira
obrigava aos pais matricularem seus filhos a partir da primeira série do ensino fundamental,
95
aos sete anos. Havia, portanto, a prerrogativa de se matricular ou não o filho pequeno na
creche e na pré-escola.
De 1988 a 2014 a obrigatoriedade do ensino recaia apenas sob o ensino fundamental.
Ou seja, apenas no que diz respeito a esta etapa, o Estado, por força da Lei, tinha o dever de
dar às pessoas condições de frequentar a escola e de estudar (HORTA, 1998; CURY;
FERREIRA, 2010), exigindo-se dos pais ou responsáveis a obrigação de matricular seus
filhos na escola e de acompanhar o desenvolvimento deles durante todo o processo
educacional, como salienta Horta (1998, p. 10):
[...] diferentemente dos outros direitos sociais, o direito à educação está
estritamente vinculado à obrigatoriedade escolar. A educação considerada
como um direito humano fundamental difere dos outros serviços que as sociedades tradicionalmente oferecem a seus membros. O direito à educação
não se reveste exatamente da mesma dimensão que, por exemplo, o direito à
assistência médica gratuita, à alimentação mínima, à habitação decente ou ao socorro em caso de catástrofe natural. Estes são serviços que a sociedade
proporciona àqueles que os solicitam. Em geral, os cidadãos podem escolher
entre utilizá-los ou prescindir deles e inclusive, adaptá-los, via de regra, a
seus interesses individuais. A educação, ao contrário, é, via de regra, obrigatória, e as crianças não se encontram em condições de negociar formas
segundo as quais a receberão. Paradoxalmente, encontramo-nos, assim
diante de um direito que é, ao mesmo tempo, uma obrigação. O direito a ser dispensado da educação, se esta fosse a preferência de uma criança ou de
seus pais, não existe. Assim, ao direito de educar por parte do Estado
corresponde a obrigatoriedade escolar para determinada camada da população infanto-juvenil.
Ocorre que a não obrigatoriedade da matrícula nas creches e pré-escolas por muitos
anos acabou servindo para que os Municípios (entes públicos prioritariamente responsáveis
por esta etapa da Educação) negligenciassem a política pública educacional dedicada à
infância. Por isso, de um modo geral no Brasil cada vez mais se investia menos na construção
de creches e pré-escolas, e as listas de espera por vagas começaram a crescer no âmbito das
Secretarias Municipais de Educação fomentando uma avalanche de Ações Judiciais contra as
prefeituras.
Mais recentemente ocorreram algumas alterações na legislação que vincularam o
dever do Estado de oferecer vagas nas pré-escolas à obrigação dos pais de matricularem seus
filhos nessas instituições educacionais, situação que acabou gerando um verdadeiro “nó
jurídico”, que será por sua vez analisado em capítulo à parte.
96
2.1.2 A questão da gratuidade da Educação Infantil
Uma vez definida como direito social fundamental, a educação deve ser
obrigatoriamente garantida pelo Estado a todos os seus cidadãos, de forma igualitária e
gratuita.
Por “gratuidade” entende-se a oferta de ensino público em estabelecimentos oficiais
em todos os níveis (do nível básico ao superior). Porém, com relação ao ensino fundamental
(que até pouco tempo era considerada a única etapa obrigatória), a lei exige que o ensino
gratuito deva ser garantido também àqueles que não tiveram acesso aos estudos na idade
própria (HORTA, 1998).
Durante muitos anos o direito à educação gerou obrigatoriedade escolar ao cidadão e
não ao poder público de fornecer educação gratuita e de qualidade a todos (CURY;
FERREIRA, 2010). Quando houve a inclusão do direito à Educação Infantil no rol dos
direitos sociais passou-se a exigir não apenas a gratuidade do acesso aos espaços físicos
correspondentes, mas também qualidade na prestação do serviço e disponibilidade de vagas
próximas à residência da criança.
Nesse sentido esclarecem Cury e Ferreira (2010, p. 125):
(...) a necessidade social e econômica impõe à população um mínimo de
conhecimento obrigatório ao mesmo tempo em que se impõem limites à
liberdade individual. Por outro lado, a educação passou a ser reconhecida como um direito fundamental (direito humano) advindo da positivação deste
direito, com implicação na questão da obrigatoriedade do ensino. O acesso
ao ensino, até como antídoto à ignorância, torna-se uma exigência para cuja
efetivação os dispositivos legais positivados são um instrumento para assegurar sua oferta.
Antes de 1988 a educação era organizada para atender uma determinada parcela da
comunidade. Foi graças à positivação do direito à educação na Constituição que o ideal de
universalidade do ensino ganhou status de “direito de todos”. O que, de certa forma, justifica
ser a CF/88 a única a colocar a gratuidade como princípio da educação e dever do Estado
juntamente com a obrigatoriedade (CURY; FERREIRA, 2010; ASSIS, 2012).
Sobre toda essa inovação trazida pela nova ordem constitucional, Assis (2012, p. 52)
faz o seguinte apontamento:
(...) esta modificação ocorreu porque o constituinte percebeu que para
obrigar a realização de algo é preciso oferecer condições para que o não
cumprimento desta obrigação reste, exclusivamente, em uma falha daquele
97
que deve cumprir, ou seja: um direito sempre constitui um dever; logo, o
princípio a ser seguido para a cobrança da obrigatoriedade é o oferecimento, em igualdade, de condições de acesso e permanência na escola. Se o Estado
oferece condições para o devido cumprimento da obrigação, ele pode cobrar
a efetivação desta obrigação, caso contrário, não. Força-se o Estado a, de
fato, oferecê-lo. Não há como o Estado fugir do seu dever de oferta.
Da análise da legislação verifica-se que mesmo depois de publicada a CF/88, tanto a
gratuidade quanto a obrigatoriedade não eram questões que comportavam todos os níveis de
educação. Tanto é que, se analisarmos o teor das Emendas Constitucionais 14/96 e 59/09,
veremos que na EC nº14/96 apenas o Ensino fundamental era contemplado, ao passo que no
tempo da EC nº 59/09 somente era considerada educação obrigatória e gratuita aquela
oferecida à faixa etária entre 4 e 17 anos, não necessariamente da pré-escola ao ensino médio
(ASSIS, 2012).
Como já abordado, as “obrigatoriedade” e “gratuidade” foram tratadas em conjunto
pela primeira vez no texto constitucional de 1934, diferentemente daquilo que comumente se
vê na literatura sobre educação no sentido de que ensino obrigatório sempre correspondeu a
ensino gratuito. De igual maneira, pode-se concluir que não há linearidade na relação entre
“obrigatoriedade” e “gratuidade” pelo simples fato de a Lei procurar em diferentes momentos
da história do país considerar a necessidade de se determinar quando o nível de ensino é um e
ou outro (SOUZA & SILVA, 1997; CURY, 2008; DRAGONE, 2010; ASSIS, 2012). Sobre o
assunto Assis (2012, p. 54) faz o seguinte apontamento:
Se a Primeira Fase do Ensino Fundamental era apenas gratuita no texto de
1824, a partir do texto de 1934 ela passou a ser obrigatória e gratuita. É certo
que a característica de gratuidade surgiu antes da de obrigatoriedade ao longo do texto constitucional no que diz respeito à Segunda Fase do Ensino
Fundamental, ao Ensino Médio e a Educação Superior; também é certo que a
gratuidade está sempre junto da obrigatoriedade ainda que esta seja
progressiva.
Ainda com relação à obrigatoriedade do Ensino no Brasil, importante frisar a pouca
contribuição da Emenda Constitucional nº 53/0621
(responsável pela criação do Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da
Educação, FUNDEB), visto que quando essa Emenda foi publicada, o Brasil perdeu a
oportunidade de tornar obrigatória também a toda a Educação Infantil, e não apenas a pré-
21 A Emenda Constitucional nº 53/2006 criou o FUNDEB regulamentado pela Lei nº 11.494/2007 e pelo Decreto
nº 6.253/2007, em substituição ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério (FUNDEF), que vigorou de 1998 a 2006. Fonte:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&id=12407/
98
escola e os ensinos fundamental e médio (ASSIS, 2012). Tal omissão pode ser constatada
tanto na redação inicial da CF/88 quanto na posterior alteração proporcionada pela emenda
14, quando também não foram observadas quaisquer referências à obrigatoriedade da
Educação Infantil, sendo que, como se verá, somente com o advento da EC nº 59, a Educação
Infantil na etapa da pré-escola (04 a 05 anos) passa a ser obrigatória (CURY; FERREIRA,
2010).
Sobre a referida Emenda Constitucional Assis (2012, p. 55) firma o seguinte
posicionamento:
Com a EC nº 59/09 um fato diferenciado ocorre, o texto designa a
gratuidade e obrigatoriedade num recorte etário, como no texto de 1967,
e não mais por nível de ensino, como nas Constituições anteriores, mas curiosamente mantém a progressiva universalidade da gratuidade do Ensino
Médio com a permanência do inciso II do artigo 208, e deixa de fora a da
gratuidade e obrigatoriedade das creches, pois abarca apenas crianças a partir de 4 anos, excluindo as de 0 a 3 anos (art. 208, IV CF/88) -. grifos
nossos
Dessa problemática envolvendo o corte etário no atendimento à Educação Infantil
decorreu boa parte desta pesquisa, não apenas por ser a Educação Infantil uma modalidade
ainda negligenciada por significativa parcela dos governantes, mas por ser ela a modalidade
considerada gérmen da formação cidadã.
Conforme se verá mais adiante, atribuiu-se aos Municípios a responsabilidade pela
qualidade da educação nas creches e pré-escolas, sem levar-se em conta a condição político
social de muitos deles.
2.1.3 A Lei nº 9.394/1996 (LDBEN) e a política nacional de Educação Infantil
O direito de acesso à creche e à pré-escola assegurado de forma pioneira pela
Constituição Federal de 1988 às crianças pequenas foi reafirmado pelo ECA. Com isso,
tornaram-se necessárias diretrizes nacionais gerais, a fim de se regulamentar adequadamente o
dever estatal com relação à Educação e promover as bases comuns nacionais à Educação
Infantil e aos Ensinos Fundamental e Médio.
Em 20 de dezembro de 1996 foi sancionada então a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDBEN) para traduzir e diagramar o passo a passo do acesso a esse
99
direito, o que significou um marco importante na consolidação das intenções tanto da CF
quanto do ECA para com a Educação Infantil no país.
Com o advento da LDBEN/96 a criança é posicionada em seu lugar de direito na
sociedade e a nova Educação Infantil (que não considera a criança pequena como incapaz
social) começou a enfrentar muitos outros desafios, porém, nenhum deles foi capaz de
comprometer o importante avanço proporcionado ao Brasil por meio do reconhecimento
social e legislativo dos direitos da criança (VEIGA, 2005).
O uso da expressão “Educação Infantil” como primeira etapa da Educação Básica, no
corpo desta lei que é considerada a mais importante da Educação, significou o
reconhecimento da essencialidade da formação cidadã logo nos primeiros anos de vida
deixando-a em pé de igualdade com relação às demais modalidades de ensino.
Art. 26. Os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do
ensino médio devem ter base nacional comum, a ser contemplada, (...) por uma parte diversificada (...).
§ 1º (...) devem abranger, obrigatoriamente, o estudo da língua portuguesa e
da matemática, o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social política, especialmente do Brasil.
§ 2º O ensino da arte (...)
§ 3º A educação física, integrada à proposta pedagógica da escola (...)
(BRASIL, LDB, 1996).
É o que se depreende, inclusive, da leitura do art. 22 da LDBEN: “a educação básica
tem por finalidade desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável
para o exercício da cidadania e fornecer – lhes meios para progredir no trabalho e nos estudos
posteriores”. E do art. 9º da Resolução nº 05/2009 que fixa as Diretrizes curriculares nacionais
para a Educação Infantil22
(DCNEI) que devem ser implementadas de acordo com as
orientações do MEC (art.12):
Art. 9º. As práticas pedagógicas (...) devem ter como eixos norteadores as
interações e a brincadeira, garantindo experiências que:
I – promovam o conhecimento de si e do mundo (...); II – favoreçam a imersão das crianças nas diferentes linguagens (...);
III – possibilitem às crianças experiências (...) com a linguagem oral e escrita
(...); IV- recriem, em contextos significativos para as crianças, relações
qualitativas, medidas, formas e orientações espaço temporais;
22 A Resolução nº 05, de 17 de dezembro de 2009 é de autoria do Ministério da Educação em conjunto com o
Conselho Nacional de Educação e a Câmara de Educação Básica. Tendo sido publicada no Diário Oficial da
União, Brasília, 18 de dezembro de 2009, Seção 1, p. 18.
100
VI – possibilitem situações (...) para a elaboração da autonomia das crianças
nas ações de cuidado pessoal, auto-organização, saúde e bem-estar; VII – possibilitem vivências éticas e estéticas (...) que alarguem seus padrões
de referência e de identidades no diálogo e reconhecimento da diversidade;
VII – incentivem a curiosidade (...) das crianças em relação ao mundo físico
e social, ao tempo e à natureza; IX – promovam o relacionamento e a interação das crianças com (...)
música, artes plásticas e gráficas, cinema, fotografia, dança, teatro, poesia e
literatura; X- promovam (...) o não desperdício dos recursos naturais;
XI – propiciem a interação e o conhecimento pelas crianças das
manifestações e tradições culturais brasileiras; XII – possibilitem a utilização de (...) recursos tecnológicos e midiáticos.
(BRASIL, MEC/SEB, 2009).
A LDBEN, ao reservar tratamento especial à Educação Infantil através de
dispositivos específicos da Seção II, do capítulo II (Da Educação Básica) conferiu-lhe um
destaque nunca antes promovido pelas legislações anteriores. Vejamos:
Art. 29 A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem com
finalidade o desenvolvimento integral da criança até os seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a
ação da família e da comunidade.
Art. 30 A educação infantil será oferecida em: I – creches ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade; II – pré – escolas para
crianças de quatro a seis anos de idade.
Art. 31 Na educação infantil a avaliação far – se – á mediante
acompanhamento e registro de seu desenvolvimento, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental (BRASIL, 1996).
Além do que já foi comentado e transcrito, alguns outros apontamentos com relação
a organização da Educação Infantil e ao tratamento que lhe é dado pela LDBEN, merecem
especial atenção23
:
I. A lei consagra a Educação Infantil como uma parte extremamente importante
do processo desenvolvimento do indivíduo na sociedade em todos os seus aspectos e a
reconhece como sendo o alicerce necessário ao desenvolvimento integral e integrado da
criança menor de seis anos, demonstrando ser impossível nessa fase da vida se dissociar
educação de cuidado. Nesse sentido, a creche tem de acordo com a LDBEN o papel de iniciar
essa educação integral, da mesma forma que a pré-escola tem, de continuá-la (NUNES,
CORSINO; DIDONET, 2011).
23 Informações coletadas a partir dos debates ocorridos no 15º Fórum Nacional da UNDIME. Mata de São João -
BA, junho de 2015.
101
II. Creches e pré-escolas possuem características de trabalho de ação social
quando se envolvem com as famílias buscando meios para que estas possam ser socialmente
promovidas, e seguem modelos diferentes do modelo escolar, o que as torna diferenciadas em
comparação às escolas propriamente ditas.
Tanto a creche quanto a pré-escola não são voltadas exclusivamente à atividade
educacional, e justamente por isso não podem ser consideradas escolas em sentido estrito.
Tratam-se de entidades educativas com características próprias, que conciliam na sua atuação
a educação e o cuidado. Por essa razão, crianças vão às creches e pré-escolas não
simplesmente para assimilar conhecimentos, mas para trocá-los, trabalhá-los, compartilhá-los
e serem estimuladas a avançar (VEIGA, 2005).
III. A LDBEN determina que todas as creches e pré-escolas estejam integradas aos
respectivos sistemas de ensino24
. Na oportunidade de sua publicação, a lei concedeu um prazo
de três anos àquelas instituições que já existiam e as que tinham acabado de serem criadas
para cumprirem com a nova regra.
IV. O papel da Educação Infantil é complementar à ação da família e da
comunidade. A Educação oferecida pelas creches e pré-escolas deve dialogar com aquela que
é dada à criança no seio familiar e no grupo comunitário a qual ela pertence, deve ser
promovida de forma articulada com essas duas outras esferas por onde a criança transita. Daí
falar-se que o desenvolvimento da criança deve se dar de forma integrada. As instituições que
se dedicam à Educação Infantil devem promover a ampliação das experiências, dos
conhecimentos, dos interesses e das habilidades da criança em nome de um melhor processo
de transformação da natureza humana e da convivência pacífica em sociedade.
V. Na Educação Infantil a avaliação não tem por objetivo promover e nem
configurar pré- requisito ao ingresso às outras etapas da Educação Básica, a LDBEN se
posiciona de forma clara e objetiva quanto a impossibilidade de se reter as crianças na pré-
escola para se forçar a alfabetização. A lei não admite, portanto, que se impeça o acesso da
criança ao ensino fundamental no ano em que completa sete anos de idade. Agora, 6 anos.
VI. De acordo com a LDBEN, os meios de avaliação nas instituições de Educação
Infantil devem pressupor referências, critérios e objetivos que pugnem pela orientação
adequada da criança, isto é, devem primar pelo aprimoramento das técnicas usadas na ação
24 Insta salientar que para Libâneo; Oliveira; Toschi (2013, p. 327) sistema de ensino é toda a organização
administrativa, pedagógica e curricular da Educação Escolar. No âmbito dos municípios compreende as
instituições de ensino fundamental, médio e de educação infantil, mantidas pelo poder público municipal; as
instituições de educação infantil, criadas e mantidas pela iniciativa privada, bem como os órgãos municipais de
educação Assim, para esses autores, o sistema educacional brasileiro é considerado institucional e não
reconhece como equivalentes ao dever do Estado com a educação as modalidades não formais.
102
educativa conciliando acompanhamento e registros dos avanços e entraves no
desenvolvimento da criança, exigindo do profissional da Educação Infantil que desenvolva
habilidades de observação e que repense a todo tempo suas práticas, de modo a mantê-las
sempre atualizadas e aperfeiçoadas às necessidades dos seus educandos. Com isso, exige que
o projeto pedagógico da instituição e a atuação do professor/educador sirvam de referência à
criança, estimulando-a a aprender através das brincadeiras e atividades lúdicas.
VII. Exige-se ainda, o cumprimento de carga horária anual de 800 horas,
distribuídas por no mínimo 200 dias de trabalho educacional; atendimento de criança de, no
mínimo, 4 horas diárias para turno parcial e de 7 horas para a jornada integral; controle de
frequência mínima de 60% do total de horas, documentação que permita atestar os processos
de desenvolvimento e aprendizagem da criança.
É forçoso dizer ainda, que mesmo fora da seção especial dedicada à primeira etapa
da educação, existem outros artigos na LDB, que buscam definir aspectos relevantes aos
direitos educacionais das crianças. Quando a Lei trata, por exemplo, em seu capítulo IV, “Da
organização da Educação Nacional”, determina um regime de colaboração entre os entes
federativos (União, estados, Distrito Federal e os municípios) na a organização dos chamados
sistemas de ensino, muito embora cada um tenha o seu. Assim, deixa a cargo do município a
responsabilidade principal para com a Educação Infantil, atribuindo às esferas federal e
estadual o papel coadjuvante, na forma de suporte técnico e financeiro aos sistemas
municipais de educação.
Ao promover em sete de seus artigos as diretrizes para a formação e valorização do
profissional da Educação Infantil, a LDBEN também incentivou grandemente a
profissionalização da Educação oferecida às crianças pequenas, contribuindo ainda mais para
que a Educação Infantil passasse a ser vista em sua completude, ou seja, como direito da
criança, opção da família, dever do Estado e atribuição do Município25
(VEIGA, 2005).
Neste quesito, a LDBEN exige que os profissionais da Educação Infantil
(professores) sejam preferencialmente diplomados, ou seja, tenham formação em curso de
licenciatura, de graduação plena admitida como formação mínima o magistério oferecido em
nível médio na modalidade normal: aceita em caráter de excepcionalidade, como forma de
viabilizar a educação naquelas regiões do país onde faltam profissionais com formação
superior. Nesse sentido explicitam os artigos 61 e 62 da LDBEN:
25 A EC nº 53/2006 ao alterar a redação do artigo 30, inciso IV, modificou a competência dos Municípios
tornando-os responsáveis pela manutenção dos programas de educação infantil e de ensino fundamental
mediante a cooperação técnica da União e do estado.
103
Art. 61. Consideram-se profissionais da educação escolar básica os que,
nela estando em efetivo exercício e tendo sido formados em cursos reconhecidos, são: (Redação dada pela Lei nº 12.014, de 2009)
I – professores habilitados em nível médio ou superior para a docência na
educação infantil e nos ensinos fundamental e médio; (Redação dada pela
Lei nº 12.014, de 2009) II – trabalhadores em educação portadores de diploma de pedagogia, com
habilitação em administração, planejamento, supervisão, inspeção e
orientação educacional, bem como com títulos de mestrado ou doutorado nas mesmas áreas; (Redação dada pela Lei nº 12.014, de 2009)
III – trabalhadores em educação, portadores de diploma de curso
técnico ou superior em área pedagógica ou afim (Incluído pela Lei nº 12.014, de 2009).
Parágrafo único. A formação dos profissionais da educação, de modo a
atender às especificidades do exercício de suas atividades, bem como aos objetivos das diferentes etapas e modalidades da educação básica, terá como
fundamentos: (Incluído pela Lei nº 12.014, de 2009)
I – a presença de sólida formação básica, que propicie o conhecimento dos fundamentos científicos e sociais de suas competências de trabalho;
(Incluído pela Lei nº 12.014, de 2009)
II – a associação entre teorias e práticas, mediante estágios supervisionados e
capacitação em serviço; (Incluído pela Lei nº 12.014, de 2009) III – o aproveitamento da formação e experiências anteriores, em instituições
de ensino e em outras atividades. (Incluído pela Lei nº 12.014, de 2009).
Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em
universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação
mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nos 5 (cinco)
primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida em nível médio na modalidade normal. (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013)
(...)
Art. 62-A. A formação dos profissionais a que se refere o inciso III do art.
61 far-se-á por meio de cursos de conteúdo técnico-pedagógico, em nível
médio ou superior, incluindo habilitações tecnológicas. (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013).
(...)
Ademais, há de se frisar que com a publicação da LDBEN ressurgiu a intenção de se
criar em dimensão nacional um plano de educação a longo prazo. Por sua força e influencia
restou estabelecido que a União, em parceria com estados e municípios, enviaria ao
Congresso Nacional um plano, com diretrizes e metas para os dez anos posteriores. Seguindo
tal determinação, em 1988 tramitou no congresso o projeto de lei n°4155, que propunha a
criação do Plano Nacional de Educação. Porém, somente no início de 2001 esse projeto foi
devidamente aprovado, pela Lei n° 10.172.
104
2.1.4 Planejamento (PPA, LDO e LOA; PDE e PAR; PPP e PDE-Escola)26
Antes de se colocar em prática toda e qualquer ação, independentemente de ela
envolver maiores esforços ou gastos, é necessário planejar. Partindo-se dessa premissa, há de
se reconhecer a importância do planejamento na definição também das prioridades sociais a
serem atendidas por um governo, seja ele federal, estadual ou municipal.
Não por acaso a CF prevê em seu art. 165 ciclos de planejamento para todos os entes
federados, obrigando-os a elaborar cada qual o seu Plano Plurianual (PPA), a Lei de
Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). O PPA é uma lei
ordinária que expressa o plano de governo e apresenta as principais indicações dos rumos das
ações do Poder Executivo na forma de programas. Visando assegurar a continuidade na
transição entre os governos, a vigência de um PPA é de quatro anos não coincidentes com os
mandatos dos governantes: o primeiro ano de um governo corresponde ao último ano de
execução do PPA elaborado pelo governo anterior e assim sucessivamente. A LDO fixa as
grandes linhas no uso de recursos, estabelecendo metas e prioridades do PPA e criando um
elo deste com a LOA, que por sua vez faz um detalhamento da destinação dos recursos ano a
ano. (TODOS PELA EDUCAÇÃO, RELATÓRIO. 2015, p. 72).
A intenção da Constituição é justamente que esses instrumentos sejam formulados
adequada e transparentemente para definir da melhor forma possível as rotinas orçamentárias
e financeiras dos governos, prevendo os gastos e investimentos que poderão ser feitos a médio
e longo prazo. Mais do que isso, na verdade, espera-se que eles assumam ações articuladas
entre diferentes programas de governo, ou prioridades definidas com a participação da
sociedade civil, e um exemplo disso são os próprios Planos Decenais de Educação.
Dentre os instrumentos legais mais utilizados pelo Estado para gerir as políticas
públicas educacionais e implementá-las em todo o território nacional estão o Plano de
Desenvolvimento da Educação (PDE) e o Plano de Ações Articuladas (PAR). O primeiro,
lançado em 2007, tem por objetivo principal agregar em um único instrumento todas as ações
do governo federal voltadas à Educação. Para isso, buscou-se reformular o regime de
colaboração entre os entes federados, estabelecendo 28 metas através do chamado Plano de
Metas Compromisso Todos pela Educação (BRASIL, 2015)27
26 Disponível em: http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/education/education-for-all/. Acesso em 23 set. 2015
27 Disponível na íntegra no Portal Todos Pela Educação, em http://www.todospelaeducacao.org.br/. Acesso em
15 jan 2016.
105
Já o PAR constitui uma etapa do próprio PDE, e busca colocar à disposição dos entes
federados (estados, municípios e DF) certos mecanismos que se mostrem eficazes à avaliação
e implementação da política pública educacional, especialmente aquelas voltadas à questão da
qualidade. Na esfera escolar, os principais instrumentos de planejamento que devem estar
bem articulados com o “planejamento da macroestrutura” do setor educacional são justamente
o Projeto Político Pedagógico (PPP) e o Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE - Escola,
mais conhecido por “PDEE”), sendo este último indispensável ao recebimento de recursos por
parte do Governo Federal. Com relação ao PPP, tem ele previsão na LDBEN (art. 12, I) na
parte em que delega aos estabelecimentos de ensino o dever de oferecer e executar as
propostas pedagógicas, que obviamente devem ser estudadas, elaboradas e discutidas em
conjunto com os professores e coordenação pedagógica da instituição, em nome do princípio
da gestão democrática previsto no art. Art. 13, II da LDBEN, dando-se ciência aos pais
(LDBEN, Art. 12, VII). Por promover prioritariamente a participação dos professores no
planejamento pedagógico da escola em prol do aperfeiçoamento da gestão democrática e
inclusiva, o PDE-E é considerado um instrumento para uso específico da gestão escolar.
Ainda que tenha sido idealizado como ferramenta de apoio técnico financeiro, sua prioridade
é o planejamento estratégico situacional da escola, tendo como foco a identificação dos
problemas e desafios enfrentados pela comunidade escolar, e a partir daí ajudar a desenvolver
meios de melhorar os resultados (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2015).
Por fim, é importante salientar o quanto o planejamento vem obtendo espaço nas
discussões acadêmicas e jurídicas acerca da definição e desenvolvimento das políticas
públicas. É bem verdade que na prática, muitos políticos e governantes ainda defendem a
forma burocrática e metódica conferida ao planejamento da política pública, especialmente a
educacional, no decorrer dos anos. Todavia, cada vez mais tem se abandonado a ideia de um
planejamento amparado por procedimentos fragmentados, preocupados com a divisão e
controle do trabalho e das ações. Mais do que nunca tem se falado muito na gestão
democrática e no planejamento participativo da educação, tanto dentro quanto fora da escola,
o que tem exigido não apenas dos governantes e dos gestores públicos, mas de toda a
sociedade, repensar a forma como a política pública tem sido planejada e definida, uma vez
que “planejar” no contexto democrático importa obrigatoriamente na definição de estratégias
após amplos debates e discussões, implica em processos transparentes de redefinição de
funções, de formas de desenvolvimento e de organização. Exige participação efetiva, não
simulações.
106
2.2 As políticas de financiamento da Educação Infantil de acordo com a LDBEN
O financiamento, como se sabe, é fator decisivo para a execução de toda e qualquer
política educacional. Para o Brasil, tem assumido caráter estratégico no esforço de atingir os
objetivos e metas de Educação para Todos. Isto foi possível graças a um conjunto de medidas
adotadas nos últimos anos que contribuíram para promover não apenas o aumento do gasto
público em educação, como também conquistar maior equidade na oferta de serviços. Os dois
principais mecanismos redistributivos adotados pelo país foram os fundos antes mencionados
– o FUNDEF e o FUNDEB –, que ao lado do Salário-Educação tiveram importância central
para assegurar as conquistas obtidas em relação aos resultados.
Como nas estratégias antes referidas, também em matéria financeira, a Constituição
de 1988 orienta a definição das ações de governo. O instrumento regulador aqui é a
vinculação de recursos, medida que compromete os entes federados a aplicar um percentual
de sua receita proveniente de impostos em educação. Assim é que: a União aplicará
anualmente nunca menos de 18%, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, 25%, no
mínimo, da sua arrecadação de impostos, na manutenção e desenvolvimento do ensino (CF
Art. 212 e LDBEN Art. 69).
Tais receitas podem financiar todos os níveis e modalidades de educação escolar, aí
incluindo a Educação Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio) e a
Educação Superior, mas a prioridade deve ser dada à Educação Básica.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 211, elenca quatro tipos de sistemas
de ensino que devem ser desenvolvidos no Brasil: o Federal (garantido pela União), os
Estaduais (garantido por cada um dos Estados), o Distrital (garantido pelo Distrito Federal), e
os Municipais (garantido por cada um dos municípios) em prol de um Sistema Nacional de
Educação.
O Sistema Nacional de Educação é tema que vem suscitando o
aprofundamento da compreensão sobre sistema, no contexto da história da
educação, nesta Nação tão diversa geográfica, econômica, social e culturalmente. O que a proposta de organização do Sistema Nacional de
Educação enfrenta é, fundamentalmente, o desafio de superar a
fragmentação das políticas públicas e a desarticulação institucional dos
sistemas de ensino entre si, diante do impacto na estrutura do financiamento, comprometendo a conquista da qualidade social das aprendizagens, mediante
conquista de uma articulação orgânica (MEC, 2013b).
107
Assim, a CF atribui à União uma responsabilidade direta na garantia do Ensino
Superior, e deixa a cargo dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios o oferecimento da
Educação Básica, sob a égide de uma ação normativa, supletiva e redistributiva da União. Há,
contudo, alguns Estados e Municípios que estão obrigados a investir percentuais maiores em
educação, porque suas constituições e leis orgânicas assim o exigem. É o caso do Estado de
São Paulo, que todos os anos precisa investir pelo menos 30% da sua arrecadação na
manutenção e desenvolvimento do ensino.
Importante frisar que foi em 1996, na mesma oportunidade em que a LDBEN
regulamentou a Educação Infantil, que restou determinada a municipalização desta etapa da
Educação e do Ensino Fundamental, sob a justificativa de que a municipalização desse
“segmento” da Educação viabilizaria ao gestor público um melhor planejamento da política
pública, atendendo melhor às necessidades locais e dando origem à aprovação da Lei 9.424/96
que criou o FUNDEF, que basicamente instituía mecanismos de redistribuição de receitas,
em regime de colaboração (NASCIMENTO, 2011).
Com a institucionalização do FUNDEF, 60 dos 25% mínimos exigidos pela
Constituição para a educação passaram a ser reservados apenas ao Ensino Fundamental, como
forma de viabilizar a universalização e a gratuidade deste nível de ensino (nos moldes da
antiga redação do inciso I do artigo 208 da CF/88, modificado em essência pela Emenda
Constitucional nº 59 de 2009) (ASSIS, 2012). Porém, em números, 60% desses 25% de
recursos arrecadados junto aos Estados, DF e Municípios, correspondia a apenas 15% do total
que era repassado ao FUNDEF todos os anos. Ademais, o parâmetro utilizado pelo MEC para
promover a distribuição da verba pública era centrada no número de alunos do ensino
fundamental atendidos em cada uma das redes (Emenda Constitucional nº 14/96).
Justamente por focar apenas no financiamento e valorização do Ensino Fundamental,
o FUNDEF, ao invés de melhorar a situação da Educação Infantil, acabou por asfixiá-la.
(NASCIMENTO, 2011). Sem recursos – humanos, estruturais e financeiros – suficientes para
promover o atendimento à demanda por creches e pré-escolas, e melindrosos com as
imposições da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101 de 5 de maio de
2000) que, entre outras alterações na gestão financeira dos poderes municipais, estaduais e
federal, estabeleceu por meio do artigo 19 que “a despesa total com pessoal, em cada período
de apuração e em cada ente da Federação, não poderá exceder os percentuais da receita
corrente líquida” (BRASIL, 2000), a maioria dos Municípios brasileiros tiveram queda na
oferta dessa etapa educacional, por não poderem comprometer parcelas maiores de suas
despesas com a contratação de pessoal acima do percentual estabelecido, o que acabou
108
motivando a busca de “meios alternativos” que não implicassem em gastos maiores na folha
de pagamento, e que de um modo geral fossem mais baratos aos cofres públicos (CORREA,
2011).
Tomando como referência principal essas duas medidas encaminhadas pelo
executivo e aprovadas no legislativo – Fundef e LRF – podemos afirmar que se desenhou, na prática, uma conjuntura bastante favorável à “privatização”
do atendimento, especialmente na creche. Se, por um lado, já tínhamos uma
história de atendimento em creches conveniadas desde antes da década de
1970, nos anos 1990 temos um novo reforço para tal opção por parte do Estado (CORREA, 2011, p. 22).
Nesse período registrou-se de forma mais acentuada a terceirização da Educação
Infantil pelos Municípios através de Convênios com entidades comunitárias e filantrópicas
(CORREA, 2011). Também nesse período, como parte da política de Estado focada na
descentralização financeira com controle centralizado, foi publicado o “Referencial Curricular
Nacional para a Educação Infantil”. Esse documento, muito embora não tivesse caráter
obrigatório, foi divulgado e distribuído como se assim fosse entre os profissionais da
Educação Infantil de todo o país. No intuito de forçar a adesão ao documento, o Governo
Federal vinculou a liberação de recursos destinados à formação de professores atuantes na
primeira etapa da Educação Básica, à adoção do RCNEI como currículo oficial, o que lhe
rendeu severas críticas (CORREA, 2011).
Pouco tempo depois, foram aprovadas as “Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Infantil”, de caráter obrigatório. Ocorre que a resolução que aprovou essas
diretrizes não teve o impacto esperado sob a organização do trabalho desenvolvido por
creches e pré-escolas, justamente porque muitas delas, por serem comunitárias ou
filantrópicas, sequer eram conhecidas pelo Poder Público (CORREA, 2011).
Em 1999, três anos após a publicação da LDBEN, o MEC firmou uma parceria com
a Fundação Orsa e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME) para
por colocar em prática o chamado “Prêmio de Qualidade na Educação Infantil”, cujo objetivo
era justamente premiar projetos educativos desenvolvidos com crianças com idades entre zero
e seis anos, como forma de viabilizar novas práticas pedagógicas e valorizar os profissionais
considerados pró-ativos no processo de melhoria da Educação Infantil. Mas, por não
considerar as condições objetivas em que o trabalho pedagógico se realiza e atribuir ao
professor e ao educador a maior parcela de responsabilidade sobre a qualidade da Educação,
109
essa iniciativa estatal não contribuiu para a ampliação de vagas em creches e pré-escolas,
tampouco para a melhoria da qualidade das ofertas (CORREA, 2011).
Na verdade, a criança de 0 a 6 anos é quase ausente na política educacional do governo federal. Tal ausência é percebida, por exemplo, no Plano
Plurianual 2000-2003, em que a educação infantil não apresenta sequer o
status de programa, ao contrário dos outros níveis de ensino e até mesmo das
modalidades de ensino (BARRETO, 2003, p. 59).
Com o Censo Escolar realizado em 2002, a participação da União passou a ser
cobrada com mais afinco, porque na oportunidade restou comprovado que a atuação dos
Estados e dos Municípios ocorria de forma diferenciada: recaia sob os Municípios a quase
totalidade do atendimento nas creches (98%), pré-escolas (92%) e 1ª a 4ª série do ensino
fundamental (71%), ao passo que a atuação dos Estados mantinha-se concentrada no ensino
médio (97%), 5ª a 8ª série do ensino fundamental (64%) e educação especial (57%). Ao
mesmo tempo constatou-se que havia um “certo equilíbrio” no que se referia à educação de
jovens e adultos, porque Municípios e Estados atendiam uma média de 48% e 52% dos alunos
matriculados, respectivamente.
Contudo, o Brasil só conseguiu proceder a universalização do Ensino Fundamental
em 2007, ocasião em que a idéia do FUNDEF estendeu-se para toda a Educação Básica,
originando-se assim o FUNDEB, que surgiu como promessa de reparação dos danos no
processo de educação e garantia de recursos adequados para a Educação Infantil, tendo como
base o rateamento desses recursos de acordo com o número de matriculas na Educação Básica
(MEDEIROS; NOGUEIRA; BARROSO, 2012).
Dessa forma, mediante regime de colaboração, restou definido que a União aplicará
anualmente nunca menos de 18%, e que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios 25%,
no mínimo da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências na
manutenção e desenvolvimento do ensino (CF Art. 212 e LDB Art. 69). Porém, quando se
compreende que essas receitas não servem ao financiamento apenas da Educação Infantil, mas
de todas as modalidades e níveis de estudo, incluindo-se toda a Educação Básica (Educação
Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio) e a Educação Superior, percebe-se com mais
clareza a necessidade de se rever o pacto de colaboração em maior suporte aos Municípios.
Atualmente, a Educação Infantil é reconhecida como um direito de todos, que deve
ser oferecido em creches e pré-escolas comprometidas com a metodologia e a prática
pedagógica, muito embora as diferenças nas condições de acesso e frequência nos níveis de
110
investimentos (tanto estrutural quanto na formação docente, por exemplo) em comparação
com as demais modalidades da educação básica (ensino fundamental e médio) ainda façam
dessa modalidade de educação um segmento à margem da política educacional, que tem
passado por um processo crescente de demanda, situação que tem preocupado bastante os
entes públicos municipais, cujas finanças não comportam a gama de políticas públicas que
vem sendo municipalizadas sem maiores suportes dos governos Federal e Estadual.
2.3 Os planos de educação
Ao se falar em Planos de Educação, é preciso compreendê-los como sendo
importantes documentos, com força de lei, necessários à imposição de diretrizes, metas e
estratégias para se alcançar, num período de dez anos, uma educação de qualidade em todo o
país. Não por acaso, são considerados os principais instrumentos da política pública
educacional, tendo por objetivo abordar conjuntamente os atendimentos educacionais
necessários a todo território nacional. Por conta disso, a formulação dos planos pressupõe o
envolvimento de todas as redes de ensino, privadas e públicas, abarcando todos os níveis e
modalidades de ensino, tanto na esfera federal, quanto na estadual e municipal.
Assim, cada ente federativo tem por incumbência desenvolver o seu próprio plano
decenal28
, levando em consideração a adaptação das regras gerais elencadas no Plano
Nacional de Educação à sua própria realidade.
Desta feita, os Planos de Educação, de um modo geral, são considerados
instrumentos de combate à descontinuidade administrativa das políticas públicas
educacionais, à medida que norteiam não apenas a gestão educacional em seus diferentes
níveis, mas também a forma como se dará a participação cidadã e o controle social. A ideia de
se criar um Plano de Educação capaz de viabilizar, em longo prazo, a coordenação e a
fiscalização da política educacional, é algo que o Brasil tem tentado desenvolver desde a
década de 1930. Sendo certo que sua origem remonta à criação do Conselho Nacional de
Educação (1931) e à divulgação do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932).
Do conjunto de atribuições dadas ao Conselho Nacional de Educação, extraia-se a
responsabilidade pela elaboração de uma espécie de Plano Nacional de Educação (PNE) e do
Manifesto dos Pioneiros, que recebeu esse nome por ter sido elaborado por renomados
28 Conforme previsto no artigo 1º da Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014.
111
intelectuais brasileiros ligados à Educação, advinha a reivindicação de uma política
educacional forte para todo o país, um PNE que devidamente amparado por regras bem
definidas de execução não sucumbisse à descontinuidade administrativa dos governos.
Como bem se viu no capítulo primeiro, o referido Manifesto chegou a influenciar
fortemente a elaboração da Constituição Federal de 1934, que por essa razão definiu como
sendo competência do governo federal “fixar o plano nacional de educação, compreensivo do
ensino de todos os graus e ramos, comuns e especializados; e coordenar e fiscalizar a sua
execução, em todo o território do país”. Em 1937, o Conselho Nacional de Educação
apresentou à Câmara dos Deputados uma proposta para o tal plano, mas esta não chegou a ser
concluída porque neste período, dado o golpe militar, os trabalhos no Congresso Nacional
foram suspensos.
A ideia de se criar um PNE só foi retomada por volta de 1960, quando o Conselho
Federal de Educação, preocupado com a situação da Educação no país, elaborou um esboço
para aplicação dos recursos federais, mas tal ideia acabou sendo abandonada antes mesmo de
ser encaminhada ao Poder Legislativo.
Entre 1970 e 1980, sob novo domínio ditatorial, foram apresentadas algumas outras
propostas de planos para a Educação, mas estas sempre vinham atreladas a ideais de
planejamento centralizado do governo, sem espaço para participação dos profissionais da
educação e da comunidade escolar. Com o processo de redemocratização do país e a intensa
mobilização social, em 1988 a Constituição Federal renovou a intenção de se criar um PNE ao
incorporar como sendo uma das obrigações do Estado a fixação de medidas de duração
plurianual em prol do ensino no país (art. 214).
Foi somente com a publicação da LDBEN, em 1996, que se determinou um prazo
(de 1 ano) para que a União procedesse ao encaminhamento do projeto do PNE à análise e
debate ao Congresso Nacional. Este plano, por sua vez, veio a ser aprovado apenas em 2001,
através da Lei nº 10.172 (com vigência prevista para o período 2001-10), somando, assim, 13
anos de desrespeito à vontade constitucional.
O PNE (2001-10) surgiu do embate entre dois projetos que tramitavam
simultaneamente no Congresso Nacional, sendo um de proposta da sociedade civil organizada
e o outro do próprio Governo. Seu objetivo, todavia, não fora alcançado, pois não se
identificava nesse plano uma base real para o planejamento de uma Educação Nacional,
tampouco esse traduzia anseios sociais e os esforços políticos em prol da Educação, ficando
sem utilidade aos olhos da sociedade civil.
112
Outro ponto foi a questão orçamentária, que sem sombra de dúvidas foi um dos mais
fortes entraves à aceitação do Plano como política de Estado. Várias foram as restrições
impostas através de vetos presidenciais à ampliação dos recursos considerados indispensáveis
ao alcance das metas propostas, inviabilizando boa parte delas.
Apesar de ter falhado em boa parte de suas metas, o PNE 2001-10 merece
reconhecimento quanto seu caráter pedagógico, tendo recebido boas críticas ao evidenciar os
interesses e embates existentes na sociedade brasileira sobre a política educacional,
possibilitando a criação de novos marcos para a organização e gestão da educação nacional.
Em vista de um melhor planejamento da Educação, o PNE previra que os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios elaborassem seus próprios planos decenais correspondentes.
Contudo, ao final do período de sua vigência, constatou-se que cerca de metade dos Estados
(entre eles o Paraná) e Municípios ainda não haviam elaborado seus respectivos planos, mais
uma vez evidenciando a falta de interesse dos governantes em assumir o compromisso para
com a Educação em suas respectivas esferas de competência.
O período entre 2010 e 2014 foi marcado por um hiato legislativo: o PNE 2001-10
havia chegado ao fim, mas uma nova proposta de plano em sua substituição ainda não havia
sido aprovada. Esse lapso, contudo, poderia ter sido evitado se antes do término do PNE
2001-10 as propostas educacionais para a próxima década tivessem sido, em tempo,
eficientemente elaboradas e discutidas no Congresso Nacional. O que sugere a diversidade
dos interesses e dos embates que a política educacional enfrenta nos bastidores do poder,
sobretudo com relação a seu financiamento (SAVIANI, 2008).
No dia 25 de junho de 2014, mediante sanção da Lei nº 13.005 pela presidente Dilma
Rousseff, restou aprovado o novo PNE, com vigência prevista para o período de 2014 a 2024.
Dentre outras medidas, o PNE 2014-24 prevê a necessidade de os Estados e Municípios
brasileiros, no ano de 2015, elaborarem e reverem seus respectivos planos educacionais
através da submissão das propostas a amplos processos participativos, visando, portanto, a
gestão democrática da política pública educacional, como forma de comprometer os governos
com sua execução e a sociedade com seu acompanhamento e monitoramento.
Todas as metas propostas no atual PNE convergem para um modelo de visão
sistêmica da Educação apresentando um conjunto de diretrizes e estratégias que visam
contemplar todos os níveis, modalidades e etapas educacionais (MEC, 2013).
Sobre o PNE, ressaltam Ximenes e Grinkraut (2014, p. 79):
113
A aprovação do novo Plano Nacional de Educação (PNE), publicado através
da Lei nº 13.005/2014, traz um conjunto de desafios para as políticas públicas voltadas à efetivação do direito à educação infantil, assim como
para a interpretação dos deveres jurídicos que devem ser assumidos pelo
poder público, principalmente pelos municípios, com a necessária
colaboração da União e dos estados. O PNE, longe de significar o esgotamento de um ciclo de regulamentação do
direito à educação, abre uma nova etapa de proteção jurídica e de
planejamento público para sua efetivação, na qual está prevista a edição de novas normas, além da revisão e adequação de políticas em curso, tendo
como instrumento principal, no âmbito local, planos de educação dos
municípios e estados.
De acordo com um levantamento feito pela ONG “Educação & Participação”29
, até
abril de 2015 apenas 1,31% dos municípios brasileiros tinham plano de educação em vigor,
sendo que mais de 97% do total sequer havia iniciado os debates necessários à seleção das
propostas para estruturação do plano. Quanto aos estados, o panorama apontado não era muito
diferente: dos 26 estados brasileiros, 19 ainda não tinham plano vigente até a data, incluindo o
Estado de São Paulo e todos os três estados do Sul do país.
Em 25 de junho de 2015, às vésperas do PNE 2014-24 completar um ano, o então
ministro da Educação Renato Janine Ribeiro foi convidado a participar do seminário da
Comissão de Educação, denominado “O PNE e o Futuro da Educação”, para discutir e avaliar
o primeiro ano de vigência do plano. Nessa ocasião, Ribeiro afirmou à imprensa que 90% dos
estados e municípios haviam cumprido o primeiro objetivo estabelecido pela referida Lei
Federal 13.005/14, ou seja, haviam elaborado seus próprios planos educacionais. O evidente
salto no número de municípios preparados em dois meses aponta que houve aceleração e
urgência na aprovação dos documentos, fato que pode ter comprometido gravemente a
qualidade dos planos municipais. Ademais, a rapidez com que esses processos foram
concluídos sugere que muitos desses planos são, na verdade, meras cópias adaptadas do PNE,
como bem explicam Ximenes e Grinkraut (2014, p. 95):
Evidentemente, uma vez que esses processos de aprovação ou adequação
devem se guiar pelas diretrizes da participação democrática, da contextualização e da autonomia regulada dos demais entes federados, não
se espera que os planos locais sejam cópias adaptadas do PNE, mas
documentos que, partindo de suas diretrizes, metas e estratégias, expressem
os desafios e acúmulos específicos que a comunidade escolar e a sociedade civil de cada ente federativo venham a apontar. Esse não deve ser um
processo de regulamentação puramente técnico, mas um riquíssimo
29 Trata-se de uma iniciativa da Fundação Itaú Social, em parceria com outras entidades importantes como o
Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Disponível em: http://www.educacaoeparticipacao.org.br.
Acesso: 13 set. 2015
114
momento de consolidação da democracia participativa no planejamento e
gestão da educação brasileira.
Os aspectos político e jurídico dos planos (nacional, estaduais e municipais) propõem
a necessidade de ampla discussão e debates através de seminários, conferências, palestras e
audiências públicas, antes de serem submetidos à aprovação do Legislativo e sanção do
Executivo. Se estes planos não seguiram essa trajetória rumo à promoção de canais de
participação da comunidade envolvida, dificilmente coexistirão de forma harmoniosa e
sintonizada. A participação e o diálogo durante todo o processo de formulação dos planos
devem ser entendidos como meios que proporcionam uma visão mais nítida da realidade
local, o que permite um melhor diagnóstico dos problemas e uma melhor definição das
estratégias da política pública educacional com relação às particularidades de cada situação,
aumentando as chances de sucesso de cada compromisso e responsabilidade assumidos de
forma transparente. Logo, participação e diálogo, além de definirem, também devem ser
considerados requisitos essenciais à eficiência dos próprios planos.
2.3.1 Novo plano para necessidades antigas: as metas e as estratégias do PNE (2014/2024)
voltadas à Educação Infantil
O planejamento da educação é considerado complexo porque resulta de um processo
interligado a diferentes níveis e etapas de trabalho, indo desde os sistemas de ensino,
passando pelas redes e escolas até chegar às salas de aula, pelas mãos de cada professor. Por
conta disso, exige-se um plano de aplicabilidade nacional com estratégias e metas definidas.
Para Ximenes e Grinkraut (2014), o atual PNE não pode ser considerado como uma
ilha em meio ao universo normativo, justamente por existir todo um arcabouço constitucional,
legal e jurisprudencial que o antecede e que se coloca hierarquicamente acima de seu
conteúdo, conduzindo forçosamente a interpretação de suas metas e estratégias que, diga-se
de passagem, encontram um panorama bem diferente daquele enfrentado pelo plano anterior.
Por conta de uma interpretação constitucional favorável no Supremo Tribunal Federal (STF)
firmada em 2005, atualmente não mais se discute se o direito à Educação Infantil é ou não um
direito exigível, ou seja, judiciável: a Educação Infantil não mais será tratada como mera
norma “programática”, mas sim como prerrogativa constitucional indisponível deferida às
crianças, sendo exigível independentemente de regulamentações, uma vez que seu conteúdo
115
básico pode ser extraído diretamente do texto da Constituição (XIMENES; GRINKRAUT,
2014).
De acordo com o próprio MEC, foi através da EC nº 59/2009, que a condição do
PNE foi reconsiderada, deixando de ser uma disposição transitória da LDBEN para ser uma
exigência constitucional:
A Emenda Constitucional nº 59/2009 (EC nº 59/2009) mudou a condição do
Plano Nacional de Educação (PNE), que passou de uma disposição
transitória da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº
9.394/1996) para uma exigência constitucional com periodicidade decenal, o que significa que planos plurianuais devem tomá-lo como referência. O
plano também passou a ser considerado o articulador do Sistema Nacional de
Educação, com previsão do percentual do Produto Interno Bruto (PIB) para o seu financiamento. Portanto, o PNE deve ser a base para a elaboração dos
planos estaduais, distrital e municipais, que, ao serem aprovados em lei,
devem prever recursos orçamentários para a sua execução. Diante desse
contexto, não há como trabalhar de forma desarticulada, porque o foco central deve ser a construção de metas alinhadas ao PNE. Apoiar os
diferentes entes federativos nesse trabalho é uma tarefa que o Ministério da
Educação (MEC) realiza por intermédio da Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino (SASE). O alinhamento dos planos de educação nos
estados, no Distrito Federal e nos municípios constitui-se em um passo
importante para a construção do Sistema Nacional de Educação (SNE), pois esse esforço pode ajudar a firmar acordos nacionais que diminuirão as
lacunas de articulação federativa no campo da política pública educacional
(MEC, 2013, p. 05).
O atual PNE se subdivide em 20 metas a serem cumpridas ao longo de sua vigência,
cada qual com diferentes prazos, objetivos e estratégias, sendo que as metas 1; 05-07; 12; 14-
20 tratam direta ou indiretamente da Educação Infantil. Essas 12 metas enumeram abordagens
e desafios do plano, tratando especificamente da alfabetização com articulação de estratégias
desenvolvidas na pré-escola, da educação em tempo integral, do fomento à qualidade da
educação básica através da autoavaliação, do incentivo ao transporte gratuito e de programas
suplementares, do incentivo à melhoria da formação de professores, da estruturação das redes
públicas, do suporte aos profissionais da educação, da gestão democrática e da ampliação dos
investimentos públicos. Esse grande número de metas relacionadas à Educação Infantil tornou
ainda mais evidente a necessidade de o Estado ampliar o número de vagas e reflexamente
promover o aumento das redes.
O direito à Educação Infantil, tal como proposto no art. 208 da CF e no ECA,
constitui exatamente a meta 01 a ser alcançada pelo atual PNE. O objetivo dessa primeira
meta inclui “universalizar, até 2016, a Educação Infantil na pré-escola oferecida para as
116
crianças de 4 a 5 anos de idade, e ampliar a oferta de Educação Infantil em creches até que se
atenda, no mínimo, 50% das crianças até 03 anos”. E, para cumpri-la, o PNE define a adoção
de dezessete estratégias, a ser implementada cada uma em períodos diferentes:
1.1. definir, em regime de colaboração entre a União, os estados, o Distrito
Federal e os municípios, metas de expansão das respectivas redes públicas de educação infantil segundo padrão nacional de qualidade, considerando
as peculiaridades locais;
1.2. garantir que, ao final da vigência deste PNE, seja inferior a dez por
cento a diferença entre as taxas de frequência à educação infantil das crianças de até três anos oriundas do quinto de renda familiar per capita
mais elevado e as do quinto de renda familiar per capita mais baixo;
1.3. realizar, periodicamente, em regime de colaboração, levantamento da
demanda por creche para a população de até três anos, como forma de
planejar a oferta e verificar o atendimento da demanda manifesta; Estimular
a oferta de matrículas gratuitas em creches por meio da concessão de certificado de entidade beneficente de assistência social na educação.
1.4. estabelecer, no primeiro ano de vigência do PNE, normas,
procedimentos e prazos para definição de mecanismos de consulta pública
da demanda das famílias por creches; 1.5. manter e ampliar, em regime de colaboração e respeitadas as normas de
acessibilidade, programa nacional de construção e reestruturação de escolas,
bem como de aquisição de equipamentos, visando à expansão e à melhoria da rede física de escolas públicas de educação infantil;
1.6. implantar, até o segundo ano de vigência deste PNE, avaliação da
educação infantil, a ser realizada a cada dois anos, com base em parâmetros nacionais de qualidade, a fim de aferir a infraestrutura física, o quadro de
pessoal, as condições de gestão, os recursos pedagógicos, a situação de
acessibilidade, entre outros indicadores relevantes;
1.7. articular a oferta de matrículas gratuitas em creches certificadas como
entidades beneficentes de assistência social na área de educação com a
expansão da oferta na rede escolar pública;
1.8. promover a formação inicial e continuada dos(as) profissionais da educação infantil, garantindo, progressivamente, o atendimento por
profissionais com formação superior;
1.9. estimular a articulação entre pós-graduação, núcleos de pesquisa e
cursos de formação para profissionais da educação, de modo a garantir a elaboração de currículos e propostas pedagógicas que incorporem os avanços
de pesquisas ligadas ao processo de ensino-aprendizagem e às teorias
educacionais no atendimento da população de zero a cinco anos; 1.10. fomentar o atendimento das populações do campo e das comunidades
indígenas e quilombolas na educação infantil nas respectivas comunidades,
por meio do redimensionamento da distribuição territorial da oferta, limitando a nucleação de escolas e o deslocamento de crianças, de forma a
atender às especificidades dessas comunidades, garantido consulta prévia e
informada;
1.11. priorizar o acesso à educação infantil e fomentar a oferta do atendimento educacional especializado complementar e suplementar
aos(às) alunos(as) com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e
altas habilidades ou superdotação, assegurando a educação bilíngue para crianças surdas e a transversalidade da educação especial nessa etapa da
educação básica;
117
1.12. implementar, em caráter complementar, programas de orientação e
apoio às famílias, por meio da articulação das áreas de educação, saúde e assistência social, com comunidades indígenas e quilombolas foco no
desenvolvimento integral das crianças de até três anos de idade;
1.13. preservar as especificidades da educação infantil na organização das
redes escolares, garantindo o atendimento da criança de zero a cinco anos em estabelecimentos que atendam a parâmetros nacionais de qualidade, e a
articulação com a etapa escolar seguinte, visando ao ingresso do(a) aluno(a)
de seis anos de idade no ensino fundamental; 1.14. fortalecer o acompanhamento e o monitoramento do acesso e da
permanência das crianças na educação infantil, em especial dos beneficiários
de programas de transferência de renda, em colaboração com as famílias e com os órgãos públicos de assistência social, saúde e proteção à infância;
1.15. promover a busca ativa de crianças em idade correspondente à
educação infantil, em parceria com órgãos públicos de assistência social,
saúde e proteção à infância, preservando o direito de opção da família em relação às crianças de até três anos;
1.16. o Distrito Federal e os municípios, com a colaboração da União e dos
estados, realizarão e publicarão, a cada ano, levantamento da demanda
manifesta por educação infantil em creches e pré-escolas, como forma de
planejar e verificar o atendimento;
1.17. estimular o acesso à educação infantil em tempo integral, para todas as
crianças de zero a cinco anos, conforme estabelecido nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, PNE, 2014).
Como se percebe, tanto por seu conteúdo quanto em razão da agenda de
regulamentações que propõe, o PNE atualiza questões sobre a exigibilidade desse direito à
educação, em resposta à crescente participação e pressão que nos últimos anos o Sistema de
Justiça tem realizado por promoção ao acesso à Educação Infantil (XIMENES;
GRINKRAUT, 2014).
As estratégias 1.1, 1.3-1.5, 1.7, 1.10 e 1.16 ressaltam com mais clareza a importância
da colaboração entre União, estados e municípios, a fim de promover a necessária ampliação
do número de vagas, especialmente nas regiões com carência de redes. Para tanto, invocam a
necessidade de um adequado levantamento sobre a demanda por vagas, como forma de se
identificar as regiões mais carentes e possibilitar parcerias com creches certificadas como
entidades beneficentes de assistência social, de modo a alcançar seus objetivos.
Sobre o assunto explica ainda Ximenes e Grinkraut (2014, p. 80):
(...) sobre o conteúdo do direito e o lugar do PNE no sistema normativo, está
relacionado o papel central que as estratégias do Plano dedicam à questão da
demanda. Nada menos que cinco das 17 estratégias presentes na Meta 1 regulam obrigações relativas a esse aspecto, seja o levantamento periódico e
publicação da demanda geral manifesta, a identificação e mobilização de
grupos demandatários específicos, como beneficiários de programas sociais,
ou ainda a chamada “busca ativa” de crianças que por razões de pobreza,
118
abandono ou outras dificuldades não tenham manifestado intenção de
frequência à creche e à pré-escola.
A partir das estratégias 1.2, 1.7, 1.10-1.12, 1.14 e 1.15 se constata a preocupação do
PNE com relação às crianças de famílias de baixa renda, mais expostas ao processo de
exclusão social, especialmente aquelas que vivem no campo, nas comunidades indígenas ou
quilombolas, e também aquelas com deficiência ou que apresentam transtornos globais do
desenvolvimento ou superdotação, ignoradas tanto pelo Poder Público quanto pela sociedade.
Portanto, esse conjunto de estratégias visa democratizar o acesso à educação, permitindo que
as crianças em condições de vulnerabilidade ou hipossuficiência tenham o mesmo tratamento
dado àquelas que não estão ou nunca estiveram em tais condições.
Além de democratizar o acesso à Educação Infantil e ampliar o número de vagas nas
creches e pré-escolas, a essencialidade do plano obriga que o gestor público assegure
infraestrutura adequada e formação inicial e continuada aos professores, como forma de
garantir a qualidade de ensino.
As estratégias 1.5, 1.6, 1.8, 1.9, 1.13, 1.14 e 1.17 apresentam a clara preocupação do
plano com as normas de acessibilidade, a melhoria das redes físicas, quadro de pessoal – nos
parâmetros nacionais de qualidade –, curriculum articulado com a etapa escolar seguinte, e o
estímulo ao acesso infantil em tempo integral.
2.3.2 Comparativo entre as metas do PNE atual com seu antecessor
O antigo PNE previa que, nos cinco primeiros anos de sua vigência, fosse criado um
número de vagas suficiente para comportar 60% das crianças entre 4 e 5 anos30
nas pré-
escolas, sendo que essa abrangência, ao final de seu período, deveria ser de pelo menos 80%.
Para com essa faixa etária, e a partir do estabelecido pelo PNE 2001-11, o novo PNE prevê a
universalização da pré-escola até 2016, conforme determinado pela EC nº 59/2009, que
ampliou a faixa de obrigatoriedade do ensino para a população entre 4-17 anos.
A meta apresentada pelo PNE 2014-24, nesse sentido, não inova, apenas reafirma o
que já havia sido estabelecido na CF. No que se refere a crianças entre 0 e 3 anos o antigo
PNE previa um aumento no número de vagas para comportar 30% dessa população no
30Até 2005 a educação infantil atendia crianças entre 0-6 anos. A partir de 2005, a Lei 11.114/05 alterou a
LDBEN tornando obrigatória a matrícula das crianças de 6 anos no Ensino Fundamental. A educação infantil
passou, então, a atender crianças entre 0-5 anos.
119
primeiro lustro, e terminaria sua vigência com 50% de abrangência. O novo PNE, contudo,
não fixa uma meta inicial, mas uma meta final de 50%, mantendo praticamente a mesma meta
14 anos depois e, acabando por repetir quase que integralmente, nesse ponto, o texto do seu
antecessor (XIMENES; GRINKRAUT, 2014):
Tabela 2 – Quadro comparativo entre as meta do atendimento a Educação Infantil
conforme os PNE 2001-11 e 2014-2024.
PNE 2001-11 PNE 2014-24
Objetivos e metas [...] 1.3.1 Amplia a
oferta da Educação Infantil de forma a
atender, em 5 anos, a 30% da população
de até 3 anos de idade e 60% da
população de 4-6 anos (ou 4 e 5 anos) e,
até o final da década, alcançar a meta de
50% das crianças de 0-3 anos e 80% das
de 4-5 anos.
Meta 1: universalizar, até 2016, a
Educação Infantil na pré-escola para as
crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de
idade, e ampliar a oferta de Educação
Infantil em creches de forma a atender, no
mínimo, 50% (cinquenta por cento) das
crianças de até 3 (três) anos até o final da
vigência deste PNE. Fonte: Planos Nacionais de Educação 2001-11 e 2014-24.
De acordo com dados fornecidos em 2014 pelo portal “Todos pela Educação”,
organização da sociedade civil e de interesse público que monitora a Educação no Brasil, há
20 anos apenas 7% das crianças encontravam-se devidamente matriculadas na creche e pré-
escola. Percentual que no ano de 2014 foi elevado a 23%, em que pese tenha se mantido a
mesma meta que a do PNE anterior.
Obstante os mesmos objetivos, o PNE 2014-24 inova nas estratégias que adota para
alcançar a universalização pretendida. Além disso, a meta de 50% de alunos matriculados em
creches prevista por esse PNE diz respeito a uma abrangência mínima estabelecida, sem
metas intermediárias. Isso abre espaço para que, na implementação das estratégias e na
disseminação dos planos municipais de educação (PMEs), possa-se almejar a realização de
objetivos superiores, adequados às realidades específicas e, principalmente, à demanda
popular por esse direito (XIMENES; GRINKRAUT, 2014).
Apesar da timidez de propósitos da meta 1 em relação às crianças de 0 a 3
anos, suas estratégias apontam a possibilidade de se avançar na ampliação da
garantia desse direito, bem como nas condições de permanência e qualidade da oferta. Tal afirmação sustenta-se no conteúdo de várias das 17 estratégias
estabelecidas nessa meta, as quais, se implementadas, poderão no fim das
contas garantir o atendimento de toda a demanda manifesta, superando-se o patamar mínimo de 50% da população na referida faixa etária. Destacam-se
nesse sentido as estratégias relacionadas ao acesso, a expansão das redes
públicas, ao levantamento de demanda e à busca ativa. (XIMENES;
GRINKRAUT, 2014, p. 84)
120
O plano atual trata em suas diretrizes da necessidade de se promover a educação
inclusiva de crianças com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento, superdotação,
indígenas, quilombolas e daquelas que residem no campo, diferentemente do PNE anterior no
qual a questão fora tratada de modo superficial (XIMENES; GRINKRAUT, 2014).
As estratégias adotadas pelo PNE 2014-24 preveem um levantamento de dados para
precisar a demanda de vagas em creches e pré-escolas, algo que não fora previsto por seu
antecessor, como forma de fortalecer o acompanhamento e o monitoramento do acesso e da
permanência dessas crianças nas instituições.
A grande inovação trazida pelo novo PNE se concentra na estratégia 1.2, considerada
uma estratégia de equalização na qual a frequência dos alunos estratificados segundo renda
familiar não deve distar em mais de 10%. Em 2013, de acordo com a Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE/PNAD), essa
diferença era de 28,9%.
Considerando que atualmente essa diferença de oportunidades de acesso é
absurda, ou seja, que o exercício do direito à educação infantil não
obrigatória no Brasil é fortemente marcado por uma discriminação em
função da renda das famílias, essa estratégia de equalização, quando realizada, terá impacto direto no alcance da própria meta. Enquanto apenas
15,9% das crianças de 0 a 3 anos estavam matriculadas em 2012, essa
frequência chegava a 44,5% entre o quintil mais rico, significando uma diferença de 28,6% (BRASIL; IBGE/ PNAD, 2012). Ampliar o atendimento
das crianças de até 3 anos e ao mesmo tempo reduzir significativamente essa
diferença nas taxas de frequência entre a população mais rica e a população mais pobre, sem retroceder em nenhuma das faixas, exigirá um esforço
significativo de equalização por meio da ação do Estado. Acompanhar a
evolução desse indicador, em nível nacional e em cada ente federado, será
essencial nas avaliações periódicas de implementação do atual PNE (XIMENES; GRINKRAUT, 2014, p. 87).
Nesse sentido, visa-se justamente contribuir para que uma parcela maior da
população, especialmente negra e pobre, tenha mais acesso aos serviços prestados pelas
creches e pré-escolas.
2.3.3 Situação atual de implementação do PNE 2014-24 com base nos dados do IBGE (2013-
14) e do Observatório do PNE31
31 Disponível em: www.todospelaeducacao.org.br. Acesso: 20/09/15
121
De acordo com dados fornecidos pelo IBGE/PNAD no ano de 2013, 87,9% das
crianças com idade entre 4 e 5 anos encontravam-se devidamente matriculadas na Educação
Infantil. O novo plano visa ampliar até 2016 esse percentual para 100% a fim de garantir a
universalização da pré-escola. Contudo, não será essa uma tarefa fácil, uma vez que os 12%
faltantes quando convertidos em números absolutos ultrapassam a quantia de 700 mil
indivíduos. Para o Observatório do PNE, esse número é ainda maior se reformulado com base
nos dados fornecidos pelo MEC32
, alcançando os 18,6%.
No entanto, para autores como Ximenes e Grinkraut (2014), a discrepância nos
indicadores pode ser atribuída não somente à periodicidade da coleta dos dados, mas a outros
fatores, como as diferenças metodológicas na delimitação da idade da criança e na data de
referência das informações, ou ainda em razão das distintas interpretações atribuídas à
variável “frequência à creche”.
Desafio similar é observado com relação à cobertura de 50% das crianças em idade
de creche, pois os mesmos dados de 2013 confirmam que a cobertura de 25%, prevista no
plano anterior, só foi ultrapassada no ano de 2012.
Por outro lado, dados divulgados em 2014-15 pelo MEC e pelo Observatório do PNE
mostram que entre os anos de 2008 e 2011 houve um aumento acentuado de creches públicas
em relação ao número total de creches. No entanto, entre os anos de 2011-12 esse percentual
decaiu e vem se mantendo estável desde 2013.
Ainda conforme o Observatório, no que diz respeito à estratégia 1.8, a formação
profissional superior dos professores na área da Educação Infantil aumentou
significativamente, enquanto que a formação em magistério em nível médio caiu
drasticamente. O número daqueles que possuem apenas nível médio também aumentou, e
manteve-se próximo a zero aqueles que possuem apenas ensino fundamental. Acusa, ainda,
que em relação ao número de matrículas na área rural a Educação Infantil não teve aumento
significativo, tendo inclusive decrescido em 2013, nesse período o número de matrículas nas
creches aumentou de 112.043 para 160.701 e nas pré-escolas decresceu, passando de 775.830
para 715.493.
Quanto às matrículas em creches existentes nas comunidades indígenas, essas teriam
passado de 1.183 para 2.232 e na pré-escola de 17.206 para 20.380, demonstrando um
crescimento de 18.389 matrículas no ano de 2007 para aproximadamente 22.612 em 2013. A
mesma evolução das matrículas foi percebida em terras quilombolas, passando de 19.509 em
32 Disponível na integra no portal Planejando a Próxima Década do MEC.
122
2007 para 32.650 no ano de 2013. O número de matriculas feitas nas creches em 2007 saltou
de 1.874 para 6.148 em 2013, já nas pré-escolas os dados demonstram que houve um
incremento sendo que em 2007 eram 17.635 matrículas e em 2013, 26.512 crianças atendidas.
No que pertine à intenção do PNE de estimular o acesso à Educação Infantil em
tempo integral (estratégia 1.17), que equivale à jornada igual ou superior a sete horas diárias,
os dados fornecidos pelo MEC e transpostos no portal “Todos pela Educação” demonstram
um pequeno aumento de 1,7%, o que elevou de 26,7% em 2011 para 28,4% em 2013,
evidenciando as dificuldades enfrentadas pelos governos municipais para colocar em prática
as propostas postas no papel.
Indicadores referentes às chamadas “metas de expansão”, nominalmente: demanda
por vagas em creches e pré-escolas; condições físicas obrigatórias das redes; dados referentes
às pesquisas; atendimento educacional especializado; programas de orientação e apoio às
famílias, bem como com relação às formas de se proceder às buscas ativas por crianças com
idade entre 4-5 anos não matriculadas na pré-escola e monitoramento do acesso e
permanência das crianças nessa faixa etária na segunda etapa da Educação Infantil, ainda não
estão disponíveis. O não cumprimento da estratégia 1.4, que visava “estabelecer, no primeiro
ano de vigência do PNE, normas, procedimentos e prazos para definição de mecanismos de
consulta pública da demanda das famílias por creches”, definida para ser atingida até 25 de
Junho de 2015, revela que há complexidade no atendimento à criança em longo prazo, e em se
tratando de Educação, soluções simplistas inexistem.
Muitas prefeituras ainda enfrentam problemas de assistência técnica para definir e
executar seus projetos, e dar vazão à estruturação da Educação Infantil em seus territórios,
pois falta mão de obra qualificada, não apenas para construir os chamados CMEIs – Centros
Municipais de Educação Infantil –, mas também para mantê-los em funcionamento. Muitos
enfrentam grave dificuldade financeira por não possuírem forte arrecadação, o que restringe
ainda mais seus gastos com pessoal. Sem arrecadação suficiente ficam impedidos de contratar
professores devidamente qualificados e preparados para a função que o projeto pedagógico
exige. Por consequência, fica prejudicada a qualidade da prestação de serviços educacionais.
Comprovadamente, os entes municipais gastam muito mais com pessoal do que com as obras
propriamente ditas, tornando imperiosa a revisão do suporte financeiro dado pelos estados e
pela União aos Municípios.
123
2.3.4 Outras políticas públicas federais relacionadas à Educação Infantil: descrição e análise
Muito embora não haja consenso na literatura sobre o conceito ou definição exata de
política pública, uma coisa é certa: nenhum Estado ou Governo atua de forma a atender as
necessidades sociais sem antes organizar o seu conjunto de ações, ou seja, sem a definição de
uma “agenda”.
A importância de se estudar políticas públicas é justamente entender o processo de
elaboração e execução dos vários projetos, programas e planos que constituem ou que
deveriam constituir a “agenda” dos diversos setores da Administração Pública, avaliando sua
relação com os processos políticos e os vários questionamentos científicos existentes,
principalmente quando se trata de políticas educacionais voltadas às crianças com menos de 5
anos. A par disso vale discorrer, ainda que sucintamente, acerca dos principais projetos em
desenvolvimento que visam atender a demanda por Educação Infantil e aos cuidados especiais
para com a Infância.
a) Brasil Carinhoso
Lançado em 2012, é um programa voltado à primeira infância (crianças com idade
entre 0-48 meses) que reúne ações de cuidado integral, segurança alimentar e nutricional. Visa
garantir o acesso e a permanência de crianças pobres na Educação Infantil.
O “Brasil Carinhoso” faz parte de um programa de maior proporção, chamado
“Brasil sem Miséria”, e por trabalhar aspectos do desenvolvimento infantil ligado à renda, à
educação e à saúde da criança, é desenvolvido de forma articulada por três ministérios
diferentes: Ministério da Educação e Cultura, Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome (MDS) e o Ministério da Saúde.
Através de recursos suplementares repassados pelo Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE) aos Municípios e ao Distrito Federal o programa
“Brasil Carinhoso” tem por estratégia expandir a quantidade de matrículas nas creches
públicas ou conveniadas ao poder público e melhorar o atendimento às crianças com idade
entre 0-48 meses. Seu objetivo é justamente fazer com que os serviços de Educação Infantil
cheguem de forma qualitativa também às famílias mais pobres, principalmente aquelas que
124
têm renda familiar inferior a 70 reais por pessoa, por isso dá maior atenção às crianças de
famílias beneficiadas pelo Bolsa Família.33
Assim, mediante comprovação por parte do Município e do Distrito Federal de que
foram abertas novas vagas e novas turmas de Educação Infantil, o MEC autoriza a
antecipação dos valores do FUNDEB, evitando-se assim que esperem pela divulgação dos
resultados do Censo Escolar da Educação Básica para receber recursos.
O MDS por sua vez, com base nas informações do censo escolar do ano anterior,
autoriza o repasse de 50% mais recursos por vaga ocupada por crianças beneficiárias do Bolsa
Família em creches públicas ou em instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas,
sem fins lucrativos, conveniadas com o poder público. Esta parte do recurso poderá ser
utilizada pelos Municípios e Distrito Federal para custear gastos com a alimentação34
e
higiene pessoal das crianças nas creches e pré-escolas35
.
O programa Brasil Carinhoso tem sido importante, inclusive, na prevenção e no
tratamento de problemas de saúde considerados corriqueiros nos primeiros anos do
desenvolvimento da criança, como a avitaminose e anemia, promovendo a distribuição de
Vitamina A e Sulfato Ferroso, além de oferecer gratuitamente medicamentos para tratamento
de asma.
b) Proinfantil
Lançado em 2005 em caráter emergencial, esse programa se propõe a promover,
através de cursos à distância, a qualificação ideal daqueles profissionais da educação que não
possuem a formação mínima exigida para atuarem no magistério e nível médio, incentivando
a inserção de profissionais para atuarem em sala de aula na Educação Infantil. O curso tem
duração de dois anos e tem por objetivo principal dar condições de crescimento profissional a
quem atua nas redes públicas e privadas sem fins lucrativos, especificamente na área da
Educação Infantil, promover a valorização do magistério e contribuir para a prestação
qualitativa dos serviços educacionais ofertados às crianças com idade entre 0 e 5 anos.
c) Pradime
33 No caso estas famílias recebem uma complementação de renda que corresponde a R$ 70 por mês. Fonte:
Relatório de Gestão – Secretaria Executiva/MEC- exercício 2013). Disponível em: www.portal.me.gov.br.
Acesso 18 dez. 2015. 34 Desde que sejam alimentos permitidos nos normativos do Programa Nacional de Alimentação Escolar
(PNAE). 35 Disponível em: http://www.fnde.gov.br/fnde/legislacao/itemlist/tag/Censo%20Escolar. Acesso 15 jan. 2016.
125
O MEC, em parceria com a UNDIME, criou o programa de apoio aos dirigentes
municipais de educação, que tem por objetivo fortalecer a atuação dos dirigentes da educação
municipal na gestão de sistemas de ensino e das políticas educacionais, configurando, na
verdade, mais uma ação do governo federal para viabilizar o cumprimento das metas e
estratégias estabelecidas pelo PNE. No que concerne à Educação Infantil, esse programa tem
sua importância na busca pelo aumento do padrão nacional de qualidade de educação, porque
valoriza e dá apoio aos gestores da educação básica que proporcionam espaços de diálogo
entre a esfera pública e a comunidade escolar, propiciando trocas de informação, experiências
e técnicas que podem aperfeiçoar o funcionamento das instituições e do processo de formação
cidadã nas escolas. Esse programa é articulado na forma de dois tipos de atividades:
presenciais e cursos à distância. Nesse sentido, explica o MEC36
:
A primeira propicia a participação dos dirigentes municipais em encontros
com representantes do MEC, do MEC/FNDE e da UNDIME, dentre outros,
onde são discutidos diversos programas e temas relacionados à política educacional. Neles são realizadas palestras, oficinas e também apresentações
de exemplos bem sucedidos de gestão da educação municipal. A segunda
iniciativa, o curso à distância, é um espaço de aperfeiçoamento e formação dos dirigentes municipais de educação em nível de extensão e, em alguns
casos, especialização. O curso aborda as diversas temáticas que estão sob sua
responsabilidade, abrangendo o planejamento e a avaliação do sistema
educacional, o financiamento e a gestão orçamentária, a infraestrutura física e a logística de suprimentos bem como a gestão de pessoas, considerando o
ambiente de governança democrática. Neste espaço virtual de aprendizagem,
além do curso propriamente dito, o aluno ainda encontrará um espaço propício para o intercâmbio de ideias e experiências, contando com o apoio e
orientação de professores consultores (BRASIL. MEC, 2014).
d) Proinfância37
No ano de 2007, como parte das ações do PDE do MEC foi criado o Programa
Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a Rede Escolar Pública de
Educação Infantil (Proinfância), cujo objetivo é prestar a municípios e ao Distrito Federal a
assistência técnica e financeira necessária à ampliação das redes e a qualidade da
infraestrutura escolar desde a construção de creches e pré-escolas públicas à aquisição de
36 Disponível em http://portal.mec.gov.br/. Acesso 22 set. 2015. 37 Disponível em http://www.fnde.gov.br/index.php/programas/proinfancia/proinfancia-apresentacao. Acesso 22
set. 2015.
126
mobiliários, equipamentos eletroeletrônicos e instalações padronizadas e adequadas ao ideal
funcionamento.
Quando eleita para seu primeiro mandato, em 2010, Dilma Roussef fez desse
programa uma das suas principais bandeiras eleitorais, prometendo até o final de seu mandato
a entrega de mais de 6 mil creches. Porém, os mesmos problemas enfrentados por seu
antecessor (Luiz Inácio Lula da Silva) com relação ao prazo de entrega das obras vem sendo
enfrentados por ela, agora em seu segundo mandato (2014-18).
Em que pese a quantidade de recursos empenhados e as metas ambiciosas, o baixo
número de unidades entregues opera com uma realidade frustrante para aqueles que
idealizavam tal ação como a solução cabal da histórica deficiência por creches. A lentidão na
entrega das obras pelas empreiteiras contratadas pelos Municípios não é nada original, e vem
sendo apontada como o principal problema à concretude ideal do programa.
Muitos Municípios não possuem servidores qualificados nem a capacidade
administrativa necessária à gestão dos recursos destinados à execução desse programa e o
ritmo lento da execução dos trabalhos colocam em risco o cumprimento do PNE recém
aprovado, que prevê a universalização do acesso escolar de crianças com idade entre 4-5 anos
até 2016.
A ideia principal do programa é, portanto, fomentar a ampliação de vagas na
Educação Infantil, através de financiamento de obras novas e reformas. De acordo com o
MEC, entre os anos de 2007 e 2014, o Programa investiu na construção de 2.543 escolas, por
meio da formalização de convênio e até o início de 2015 mais de 2.500 municípios já haviam
recebido apoio do FNDE para compra de móveis e equipamentos, como mesas, cadeiras,
berços, geladeiras, fogões e bebedouros.
A partir de 2011, o Proinfância passou a fazer parte do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC 2), ganhando maior visibilidade, relevância, e consequentemente, mais
investimentos (o orçamento previsto foi de 7,6 bilhões de reais) em atendimento às queixas
dos prefeitos de que os municípios não têm condições de arcar nem mesmo com mínimo das
obras consideradas necessárias.
Atualmente, o Proinfância é considerado uma das importantes ações do governo
federal em prol da ampliação do atendimento educacional à infância que necessita de
melhores mecanismos de monitoramento e avaliação, apesar dos muitos desafios impostos à
sua implementação, como a falta de terrenos em algumas regiões, a ausência de planejamento
para execução (que deve considerar as especificidades de cada região), problemas na
contratação, licitação, cadastramento de funcionários, termos de compromisso e,
127
especialmente, a dificuldade de dar continuidade à manutenção das obras depois de
concluídas.
De acordo com informações publicadas pelo Observatório de Favelas38
, um
levantamento realizado pelo PNAD em parceria com o MEC, em 2012, constatou que
somente 2,54 milhões (cerca de 24,2%) de crianças entre 0 e 3 anos estavam matriculadas em
creches. Ainda segundo o Observatório, dados do IBGE apontam, com relação a pré-escola,
que faltam cerca de 1 milhão de vagas para atender crianças de 4 e 5 anos, reforçando a ideia
de que o Proinfância deve ser encarado pelo governos como sendo apenas um meio para
dirimir os efeitos dessa demanda. Um balanço divulgado pelo MEC em meados de março de
2015 confirma essa situação ao indicar que foram investidos mais de R$ 10 bilhões e
contratadas 8.787 creches por todo o país desde o ano de 2007, das quais cerca de 2.533 estão
concluídas, outras 3.989 encontram-se em construção, estando o restante (cerca de 2.265
unidades) sem sair do papel.
Ainda, de acordo com o Observatório do PNE, mesmo se todas as unidades
estivessem com o cronograma de entrega em dia, seriam elas insuficientes para comportar
toda a demanda e garantir assim, a universalização.
Para Vital Didonet, em entrevista à revista Carta Fundamental em junho de 2015,
um dos primeiros defeitos desse programa foi não ter consultado os entes municipais acerca
de suas especificidades nem levado em consideração a amplitude e a diversidade regional no
planejamento arquitetônico das instituições. “Foi uma decisão que necessitava de um
planejamento conjunto com os municípios. O diálogo levaria a um planejamento
diversificado”, pondera.
Essa situação, segundo muitos gestores municipais, tem dificultado a eficiência dos
serviços prestados justamente porque, os projetos arquitetônicos idealizados de forma
padronizada, que o FNDE chama de “metodologias inovadoras de construção” não levam em
consideração as necessidades e especificidades locais. Assim, a idéia de uma licitação
nacional por “ata de registros de preços”, na intenção de acelerar o processo licitatório que
precede a liberação do dinheiro, não tem dado muito certo, visto que o mesmo projeto que é
executado no interior nordestino tem servido de base para construção de creches nos Estados
do Amazonas, Goiás, Paraná, Rio Grande do Sul, regiões diversificadas não apenas pela
constituição étnica da população, mas principalmente por conta do clima.
38 Disponível em http://www.observatoriodefavelas.org.br/noticias-analises/educacao-nao-ha-vagas/ Acesso 10
set. 2015.
128
Muitos municípios não possuem caixa próprio, e por dependerem desses recursos
federais para cumprirem com a obrigação para com a Educação ficam adstritos às regras
impostas pelo governo federal, não podendo mudá-las nem adaptá-las porque a verba é
“carimbada”.39
Desde maio de 2015 o MEC e o FNDE tem autorizado que os próprios municípios
procedam à licitação adequando o procedimento de liberação da verba pública às suas
necessidades. Mas, para que um Município possa receber esse recurso, ele tem que contar
com uma equipe de servidores bem treinados para promover e fiscalizar o processo licitatório,
além de cumprir com a contrapartida de doar um terreno para a construção da creche e ou pré-
escola e se comprometer com a manutenção do espaço. O Município, por meio dos seus
servidores encarregados das Comissões de Processos Licitatórios, é responsável por obter
todos os orçamentos necessários à licitação levando em consideração as variações de preço de
uma região para outra. Como o FNDE é o órgão responsável por administrar e repassar os
recursos40
ele fiscaliza a liberação do pagamento às empreiteiras de acordo com a etapa
concluída.
Embora seja uma tentativa de descentralização, os recursos tem sido insuficientes e
muitos Municípios ainda enfrentam grandes dificuldades uma vez que o próprio processo
licitatório não é simples e faltam-lhes mão de obra qualificada para instrumentalizar, dirigir e
fiscalizar a lisura do procedimento necessário à liberação da verba pública.
e) Pronacampo
O Programa Nacional de Educação do Campo é um programa do governo federal
destinado às populações rurais e quilombolas. Seu objetivo é dar apoio técnico e financeiro
aos estados, municípios e ao Distrito Federal para a implementação da política de educação do
campo visando à ampliação do acesso e a qualificação da oferta da Educação Básica e
Superior, por meio do aumento da qualidade da educação, promovendo infraestrutura
educacional em áreas rurais, formação inicial e continuada de professores, maior inclusão das
39 No segundo semestre de 2015, os prefeitos foram informados que o FNDE oferecerá dois novos modelos de
plantas como forma de viabilizar a necessidade de cada Município, e que prometeu melhorar o diálogo com os
dirigentes em nome da eficiência do programa e garantia da otimização do gasto público. O FNDE também
prometeu acompanhar as obras in loco ao invés de exigir apenas fotos como comprovação da conclusão das
etapas mediante elaboração de um plano para dirimir os transtornos carreados pela baixo ritmo da execução do
programa. 40 O valor por aluno, quase 1,5 mil reais para quem estuda meio período, aumenta 50% quando essa criança é
beneficiária do Bolsa Família. Dados disponíveis no site: www.fnde.gov.br. Acesso 12 set. 2015.
129
populações rurais, disponibilizando material especifico aos estudantes do campo e
quilombolas, em todas as modalidades de ensino.
O programa trabalha com a educação contextualizada, articulando o conhecimento
científico com os saberes das comunidades. As ações desenvolvidas são voltadas ao acesso e
permanência na escola, à aprendizagem e à valorização do universo cultural das populações
do campo, atendendo a reivindicações de sistemas de ensino e movimentos sociais (BRASIL,
MEC, 2013).
Estruturado a partir do decreto nº 7.352/2010, esse programa se embasa em uma série
de outras ações que se voltam ao acesso e permanência na escola, à aprendizagem e à
valorização do universo cultural das populações do campo e quilombolas, firmando-se em
quatro eixos, a saber: Gestão e práticas pedagógicas; formação inicial e continuada de
professores; educação de jovens e adultos e educação profissional; infraestrutura física e
tecnológica (BRASIL, MEC, 2013, p. 03).
f) Atendimento Escolar Especializado (AEE)41
No âmbito da política nacional de educação especial na perspectiva da educação
inclusiva, o Atendimento Escolar Especializado (AEE) visa atender os alunos com
deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, no
ensino regular. Esse programa integra o PDE, destinando apoio técnico e financeiro aos
sistemas de ensino para garantir o acesso ao ensino regular e a oferta do AEE.
O AEE conta com o apoio do Programa Implantação de Salas de Recursos
Multifuncionais (SRM), que incentiva a oferta do AEE como recurso complementar ou
suplementar à escolarização de estudantes público-alvo da educação especial. As SRMs
dispõem de equipamentos, mobiliários e materiais pedagógicos e de acessibilidade, destinados
a atender às especificidades educacionais dos alunos.
Os objetivos do programa incluem apoiar a organização da educação especial na
perspectiva da educação inclusiva; assegurar o pleno acesso dos alunos público alvo da
educação especial no ensino regular em igualdade de condições com os demais alunos;
disponibilizar recursos pedagógicos e de acessibilidade às escolas regulares da rede pública de
ensino; promover o desenvolvimento profissional e a participação da comunidade escolar.
41 http://portal.inep.gov.br/web/educacenso/duvidas-educacao-especial. Acesso 18 jan. 2016
130
g) Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica - PARFOR42
O Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (PARFOR) foi
instituído para atender o disposto no artigo 11, inciso III do Decreto nº 6.755, de 29 de janeiro
de 2009, que prevê a “Oferta emergencial de cursos de licenciaturas e de cursos ou programas
especiais dirigidos aos docentes em exercício há pelo menos três anos na rede pública de
educação básica, que sejam: a) graduados não licenciados; b) licenciados em área diversa da
atuação docente; e c) de nível médio, na modalidade Normal; com a finalidade de organizar,
em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, a
formação inicial e continuada dos profissionais do magistério para as redes públicas da
educação básica”.
O Programa fomenta a oferta de turmas especiais em cursos de licenciatura para
docentes em exercício na rede pública da educação básica que não tenham formação superior
ou que mesmo tendo essa formação se disponham a realizar curso de licenciatura na
etapa/disciplina em que atua em sala de aula. Esse programa oferece, ainda, a oportunidade de
obter uma segunda licenciatura aos professores já licenciados que estejam em exercício há
pelo menos três anos na rede pública de educação básica e que atuem em área distinta da sua
formação inicial. Além desses o PARFOR oferece formação pedagógica para docentes ou
tradutores/intérpretes de Libras graduados não licenciados que se encontram no exercício da
docência na rede pública da educação básica.
A Plataforma Paulo Freire é um sistema eletrônico criado em 2009 pelo Ministério
da Educação, com a finalidade de realizar a gestão e acompanhamento do PARFOR. Nesse
sistema, a CAPES publica a relação dos cursos superiores ofertados pelas Instituições de
Educação Superior para os professores da rede pública de educação básica que podem
escolher quais licenciaturas cursar, realizar sua inscrição, cadastrar e atualizar seu currículo.
h) Programa Fora da Escola Não Pode!43
Em 2010, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e o Instituto de
Estatística da UNESCO (UIS) deram início à Iniciativa Global Out of School Children
(OOSC) pelas Crianças Fora da Escola. No Brasil, o projeto é desenvolvido em parceria com
42 http://www.capes.gov.br/educacao-basica/parfor. Acesso 12 set. 2015. 43 http://www.unicef.org/brazil/pt/activities_26691.htm. Acesso 12 set. 2015.
131
a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, e a iniciativa inclui a mobilização “Fora da
Escola Não Pode”.
Durante o 15º Fórum Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação, promovido
pela UNDIME entre os dias 16 e 19 de junho de 2015 em Mata de São João - BA, ocorreu o
lançamento oficial da parceria entre o Instituto TIM e a UNICEF. O instituto oferecerá a
mesma tecnologia utilizada em ações já desenvolvidas pela Pastoral da Criança e pelo projeto
“Agentes da TransformAção”, desenvolvido em Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no
Rio de Janeiro: um sistema de busca ativa via software livre. A ideia é ofertar a ferramenta de
forma gratuita aos municípios para que eles possam, por meio de profissionais de diferentes
áreas das prefeituras, ONGs e outras instituições, identificar através de interações com a
comunidade, casos de crianças que estão fora das escolas. Nesse ínterim, todos terão acesso à
mesma base de dados, e o sistema permitirá que cada município faça o acompanhamento de
suas crianças fora da escola, cruze informações por meio de filtros, identifique as maiores
demandas, classifique-as por bairro ou faixa etária, consulte os casos que estão em aberto e os
casos solucionados, entre outras ações. A perspectiva é que com esse tipo de informação os
gestores públicos tenham mais subsídios para monitorar e tomar decisões sobre como
enfrentar a exclusão escolar em suas localidades.
A exclusão escolar é um fenômeno complexo e a sua superação requer mais
do que boa vontade. É preciso que o Estado cumpra o seu dever
constitucional e que haja a participação e o compromisso de toda a sociedade e de cada um de nós para garantir o acesso, a permanência, a aprendizagem e
a conclusão da educação básica na idade certa (UNICEF BRASIL, 2012, p.
10-11).
Apesar da grande expectativa de ver o Brasil proporcionando nos próximos anos,
para cada criança e adolescente fora da escola, o direito de aprender, muita coisa ainda há de
ser feita, inclusive com relação àqueles que mesmo estando matriculados nas escolas e que
estão fortemente sujeitos à evasão escolar e ao abandono intelectual, dada a situações cada
vez mais reforçadas por outros fatores agravadores do quadro de vulnerabilidade, como a
discriminação e o trabalho infantil.
A meta estipulada para este ano dificilmente será cumprida, e os desafios a serem
enfrentados são, de fato, enormes. É o que comprova um estudo publicado no ano de 2012
pelo UNICEF em parceria com a Campanha Nacional pelo Direito à Educação44
, realizado
com base em microdados do censo demográfico realizado pelo IBGE no ano de 2010, e que
44 Disponível em: http://www.unicef.org/brazil/pt/br_oosc_ago12.pdf. Acesso: 25 set. 2015.
132
aponta que mais de 3,8 milhões de crianças e adolescentes com idade entre 4-17 anos ainda
estão fora da escola. Esse estudo indicou, ainda, uma maior exclusão em relação às crianças
na faixa etária entre 4-5 anos (dada a falta de creches e pré-escolas), seguidas daquelas com
idade entre 15-17 anos que deveriam estar matriculadas no ensino médio. Os números
confirmam também que os jovens mais vulneráveis à exclusão escolar são as crianças e os
adolescentes negros, indígenas, deficientes, residentes em regiões rurais da Amazônia, do
Semiárido Nordestino ou nas periferias dos grandes centros (BRASIL, 2012).
De acordo com o Relatório de Monitoramento Global de Educação para Todos, feito
pela UNESCO (2015), até 2014 o número de países que institucionalizaram a obrigatoriedade
da Educação pré-escolar aumentou para 40. Contudo, o mesmo documento revela outra
estatística nada animadora: em um quinto dos países do mundo, menos de 30% das crianças
estarão matriculadas nas escolas até o final de 2015.
Além dos programas já citados existem outros, não menos importantes, que
fomentam o desenvolvimento da Educação Infantil, vale dizer:
- Programa Nacional de Biblioteca da Escola: que tem como expectativa criar em
todos os centros de Educação Infantil um acervo mínimo de 50 títulos literários (referenciadas
pelos próprios professores) voltados às crianças com idade entre 0-5 anos, com estimativa de
distribuição para 316.357 turmas de Educação Infantil.
- Programa Nacional de Alimentação Escolar: implantado em 1955, contribui para a
formação de hábitos alimentares saudáveis, por meio da oferta de alimentação escolar
adequada aliada a ações de educação alimentar e nutricional. De caráter suplementar, esse
programa prevê um valor repassado pela União a Estados e Municípios definido pela
modalidade de ensino, atualmente variando entre R$ 0,30 (para cada aluno matriculado no
ensino fundamental, médio, e educação de jovens e adultos, por dia letivo) até R$ 1,00
(creches) (FNDE, 2012a).
- Programa Dinheiro Direto na Escola: que visa facilitar a aquisição de gêneros de
primeira necessidade em volumes considerados pequenos, de forma a evitar que as escolas
atendidas esperem pela conclusão de processos licitatórios sem a real necessidade. A
estimativa, de acordo com dados fornecidos no 15º Fórum de Política Nacional de Educação
Infantil, é de que até o momento 78.130 escolas tenham sido beneficiadas por este programa.
- Compra Governamental de Brinquedos como material pedagógico de Educação
Infantil: ainda que os municípios, estados e Distrito Federal possam adquirir Brinquedos com
recursos próprios ou de outras fontes (doação, por exemplo) para facilitar o trabalho
desenvolvido pelas creches e pré-escolas públicas e conveniadas, materiais necessários à
133
“brinquedoteca” podem ser adquiridos mediante adesão à ata de registros de preços no Pregão
Eletrônico nº 35/2014 (FNDE, 2012b).
A par disso tudo e à guisa de conclusão, este capítulo buscou interpretar, portanto, o
diálogo entre o passado e o presente sobre as políticas públicas para a Educação Infantil, de
modo que, por meio das legislações, pode-se observar que a CF/88, pela primeira vez,
estabeleceu que a Educação Infantil fosse tratada como um direito da criança, uma opção da
família e um dever do Estado. Percebe-se também o esforço da Carta Magna em promover
uma mudança no gerenciamento das políticas públicas ao descentralizar as ações da União
para os entes municipais, e ao deixar a União no papel de colaboradora, no que diz respeito ao
apoio técnico e financeiro – apoio este que, apesar de necessário, não tem sido significativo
ante a crescente demanda por vagas nas instituições de responsabilidade municipal.
134
3 O DIAGNÓSTICO DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL, NO PARANÁ, E OS
PLANOS MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO: PERSPECTIVAS E DESAFIOS NO
PLANEJAMENTO LOCAL DA POLÍTICA EDUCACIONAL VOLTADA À
CRIANÇA PEQUENA.
Neste último capítulo ressaltamos a importância da Educação Infantil enquanto
instrumento de formação social e de construção de um pensamento crítico, à medida que pais,
profissionais da educação e crianças, convidados a participar de debates democráticos acerca
da política pública, assumem com protagonismo os papéis de cidadãos. Para isso, procuramos
diagnosticar a realidade da educação ofertada às crianças e compreender através do estudo de
um caso em concreto o que ainda precisa ser efetivamente feito pelos municípios brasileiros
para melhorar a situação de nossas crianças.
3.1 A Educação Infantil na América Latina e a situação do Brasil em comparação com
os outros países mundo.
Ao se analisar a forma como países desenvolvidos trabalham a política educacional,
tem-se como clara constatação que estes, em sua maioria, encaram como investimentos e não
como despesas todo o dinheiro gasto com educação. Especificamente nos países com PIB
elevado e adeptos da democracia representativa, como os países-membros da Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o amparo educacional à criança
pequena é tratada com seriedade e dedicação.
Não por acaso, desde a década de 90, a OCDE têm se dedicado a investigar e estudar
a relação entre uma educação de boa qualidade na infância e a construção cidadã do povo.
Desde então, tem comprovado através de dados científicos e socioeconômicos que na maioria
dos países que compõem o bloco, e dentre eles os países nórdicos (Finlândia, Islândia,
Noruega, Dinamarca e Suécia) e alguns países da América do Sul (México e Chile), as
crianças que desde cedo são submetidas a boas experiências de estímulo físico, cognitivo,
social, emocional, tem obtido melhores resultados ao longo da vida (UNESCO, 2002).
Mais recentemente, as pesquisas nesses países têm avançado no sentido de que os
serviços voltados à Educação Infantil, além de atenuarem os efeitos da pobreza na vida de
muitas crianças, servem para diagnosticar e prevenir situações que levam ao fracasso escolar,
servindo, sobretudo, como instrumento de inclusão social ao proporcionarem, em condições
135
de igualdade, que crianças oriundas de famílias pobres ou em situações de vulnerabilidade
tenham oportunidades de acesso a uma educação de qualidade (UNESCO, 2002).
Por outro lado, outros estudos tem comprovado que possuir um PIB elevado não é
obrigatoriamente sinônimo de pesados investimentos em educação pública, muito menos
garantia de qualidade de vida a todos os cidadãos. Isso porque até mesmo dentre as nações
que integram a OCDE há aquelas de tradição ideológica liberal, voltadas mais fortemente ao
mercado, à propriedade privada e ao consumo, e que por conta dessa situação se esforçam
menos com relação às políticas sociais, inclusive aquelas direcionadas às crianças pequenas. É
o caso dos EUA, do Reino Unido e da Austrália (CHOI, 2002).
O mesmo já não se pode falar dos países escandinavos, principalmente Finlândia e
Noruega, pois nesses países a dedicação do Estado para com as políticas sociais de proteção à
criança e à família supera todas as expectativas se comparada com o resto do mundo. A
Finlândia, em especial, desde a publicação dos primeiros resultados do PISA (Programa
Internacional de Avaliação de Alunos) em 2001 vem despontando no ranking dos países com
melhor desempenho estudantil e menor desigualdade social.
Inevitável não associar o sucesso desse país no campo da educação aos fatores
políticos, sociais, culturais e econômicos que a favorecem e que obrigatoriamente precisam
ser relativizados na comparação com os outros países. A Finlândia é uma nação relativamente
jovem, de regime democrático parlamentar, e os processos que a levaram à qualidade
educacional experimentada até os dias de hoje também são recentes (BRITTO, 2013).
A Finlândia possui apenas 342 municípios distribuídos por 12 províncias, e sua
população é de aproximadamente 5,4 milhões de habitantes em um território de 338 mil km².
Uma realidade social bem diferente da brasileira, com mais de 5.500 municípios e 200
milhões de habitantes. Contudo, o sucesso da educação finlandesa não se resume a essas
particularidades: está mais intimamente ligado à estrutura evoluída do seu sistema educativo e
às experiências do país na reforma educativa iniciada logo após o término da segunda guerra
(BRITTO, 2013).
A partir de 1960 o governo finlandês passou a se dedicar firmemente na promoção de
uma política pública capaz de garantir ao mesmo tempo o bem-estar da família e à qualidade
de vida das crianças. Para isso, vêm instituindo significativamente um sistema de subsídios
para amparar o desenvolvimento infantil, contribuindo financeiramente com aqueles pais que
necessitam de uma complementação da renda para garantir o desenvolvimento completo dos
seus filhos e não se desligarem definitivamente do mercado de trabalho (FINLAND, 2006).
136
A Educação Infantil na Finlândia não é considerada obrigatória, e mesmo assim não
deixou de ser considerada e respeitada pelo Estado como um direito dos pais e das crianças.
Naquele país, a qualidade de vida dos cidadãos é enorme, muitos teriam condições de arcar
com os custos de uma educação privada. No entanto, o número de creches financiadas pelo
Governo supera muito o número de instituições particulares.
Todas as creches finlandesas passam a aceitar as matriculas das crianças a partir dos
9 meses de idade. Antes dessa idade é concedido pelo Governo aos pais “licença parental”,
uma espécie de licença gestante que dura exatos nove meses e que pode ser divida entre mãe e
pai. Ao final dessa licença a lei finlandesa impõem aos municípios a responsabilidade pela
educação pré-escolar das crianças até elas alcançarem 7 anos, idade em que podem passar a
frequentar o ensino fundamental (ZANFELICI, 2009).
Como o serviço de creche é opcional, os pais que preferem não matricular seus filhos
aos nove meses de vida recebem outro tipo de ajuda financeira do Estado até que a criança
complete 3 anos, uma espécie de auxílio financeiro cujo valor pode variar entre 300 e 500
Euros, dependendo da condição financeira da família e das necessidades sociais dos pais
(ZANFELICI, 2009).
Quando a criança finlandesa completa 3 anos de idade, independentemente de os pais
estarem trabalhando, é feito o cadastro da criança na creche para obtenção da vaga. Algumas
creches possuem filas de espera, e nesses casos, quando os pais não encontram vagas e
precisam voltar a trabalhar, o Governo local garante-lhes um amparo financeiro para prover
os devidos cuidados da criança enquanto trabalham fora.
Mas, além das creches públicas existem as creches “abertas”, que são locais onde as
mães podem dividir os cuidados com as crianças como forma de desenvolver-lhes a
socialização. São creches comunitárias, subsidiadas pelo poder público, mas que tem nas
próprias mães (auxiliadas pedagogicamente por uma professora formada) o espírito de seu
funcionamento. Na Finlândia, pouquíssimas são as creches particulares, sendo a maioria delas
destinadas às crianças filhas de pais estrangeiros (ZANFELICI, 2009).
Ainda com relação às creches públicas finlandesas, no ato da matrícula os pais são
submetidos a uma entrevista com uma equipe formada pela própria instituição, como uma
forma de conhecer e avaliar as particularidades de cada criança matriculada, seus aspectos
físicos, emocionais e educacionais. As creches funcionam em período integral (das 6h30 até
17hs), e as turmas são formadas por doze a vinte crianças no máximo. Cada sala é
acompanhada obrigatoriamente por três professoras (uma titular, com mestrado e as outras
duas, auxiliares com formação em nível médio/magistério), porém todas são igualmente
137
participativas e responsáveis para com as crianças. Todas as atividades são definidas em
conjunto, com a participação das crianças, como forma de incentivá-las a opinar, respeitar
regras, a entrar em consenso, a dividir as atividades e a se solidarizar com colegas, e as
brincadeiras são divididas em pequenos grupos que se revezam entre si.
Também destoa absurdamente da realidade brasileira a forma como o Estado e o
povo finlandês valorizam o profissional da educação, tratando-os com respeito,
profissionalismo e responsabilidade. Por conta disso os professores finlandeses, além de
serem bem remunerados, são dotados de autonomia para trabalharem os conteúdos nas salas
de aula. Obviamente, existe um currículo nacional básico a ser seguido, mas este serve apenas
como instrumento inicial para o desenvolvimento das atividades pedagógicas.
Na Finlândia os diretores das instituições de ensino não são pagos para controlar o
trabalho dos professores e não interferem na forma como as aulas são ministradas. A
descentralização do poder é levada a sério. Os professores finlandeses possuem total
liberdade para se revezarem nos trabalhos, debater métodos, discutir didáticas, escolher livros
e adotarem ou não a tecnologia como instrumento de trabalho. Como resultado, o currículo
escolar finlandês é amplamente debatido e gerido com a participação da comunidade escolar.
Há ainda incentivo do governo para se promover a formação continuada dos profissionais da
educação (para lecionar é preciso ter mestrado), o que explica o alto grau de qualificação dos
professores no país e a elevada disputa pelos cursos de pedagogia e pós na área (FINLAND,
2006).
Do ponto de vista estrutural, as creches finlandesas também chamam a atenção e
fogem totalmente do padrão de creche e pré-escola que se conhece no Brasil (onde as
instituições quase sempre são padronizadas, sem levar em conta as especificidades da região e
as necessidades das crianças atendidas ou precariamente improvisadas). São ambientes
alegres, coloridos, espaçosos e bem divididos, equipados com playground, refeitórios,
brinquedotecas, dormitórios, banheiros adaptados e oficinas de atividades. Cada creche
procura dar ênfase a uma atividade artística ou esportiva e os pais levam isso também em
consideração antes de matricularem seus filhos. Assim, é possível encontrar na Finlândia
creches que estimulam mais as crianças no campo da música, outras através da pintura, e
outras tantas, através dos esportes.
As crianças que frequentam essas creches recebem no mínimo três refeições
balanceadas por dia (café da manhã, almoço e lanche da tarde) de acordo com cardápio
elaborado por nutricionistas designados para acompanhar o desenvolvimento nutricional
infantil em cada uma das entidades cadastradas, dando especial atenção àqueles alunos que
138
possuem restrições alimentares ou que mereçam especial atenção por conta de suas
necessidades especiais.
De tempos em tempos as creches promovem uma avaliação entrevistando os pais, e
as professoras responsáveis por cada turma emitem relatórios que obrigatoriamente são
encaminhados aos pediatras pagos pelo poder público para acompanhar o desenvolvimento
infantil nas instituições (ZANFELICI, 2009).
Com relação às crianças com necessidades especiais ou que precisam de atendimento
médico especializado, os municípios finlandeses disponibilizam profissionais para prestarem
o atendimento diretamente nas creches quando a condição financeira dos pais não lhes
permite pagar pelo serviço.
Para cumprimento das metas de atendimento, os processos de gestão são tão
transparentes e participativos que municípios com condições financeiras diferentes têm
igualmente garantido eficiência na implementação da política pública. Daí falar-se que na
Finlândia nem as creches e nem as escolas sofrem com falta de dinheiro e materiais
necessários ao funcionamento.
Todavia, a realidade da Finlândia embora promissora e merecedora de ser elevada à
regra, ainda é exceção se comparada com a realidade fática do Brasil e de outros países da
América Latina e do mundo, onde estudos comparativos recentes têm demonstrado que as
despesas públicas com a Educação Infantil por estudante, não tem alcançado 1/3 dos
investimentos feitos pelos países mais desenvolvidos. E, mesmo dentre os países latino-
americanos o Brasil continua dentre os piores. O México, por exemplo, em 2010, visando
atender em suas creches e pré-escolas crianças com idade a partir dos 3 anos, investiu por
aluno aproximadamente 4.970 reais, enquanto que, no mesmo ano, o Brasil investiu 4733
reais e a Argentina, 5.441 reais. Investimentos considerados muito abaixo da média calculada
pela OCDE nos países mais desenvolvidos, que segundo cálculos da própria organização foi
de 14.069 reais45
(OCDE, 2013).
É bem verdade que nas últimas décadas houve uma maior cobertura dos principais
serviços de amparo ao desenvolvimento infantil, especialmente no que diz respeito a creches e
pré-escolas. Porém, para as organizações internacionais multilaterais voltadas aos cuidados
com a Infância, dentre elas a UNICEF e a UNESCO, os países latino-americanos ainda estão
muito atrasados em comparação com outros países em desenvolvimento. Segundo dados da
45 Disponível na integra em http://www.oecd.org/edu/Panorama%20de%20la%20educacion%202013.pdf.
Acesso: 02/10/2015
139
UNESCO (2015), essa cobertura passou de 59% em 1999 para 74% em 2012. Apesar dos
avanços, outro estudo46
realizado pela Comissão Econômica para a América Latina e Caribe
(CEPAL) entre os anos de 2006 e 2013 demonstrou em percentuais a grande desigualdade no
atendimento dado às crianças com idade entre 3 e 6 anos em diferentes países da América
Central e do Sul: Guatemala 10,2%; Nicarágua: 35,5%; Honduras: 32,4%; México: 74%;
Argentina: 70%; Brasil: 77,4%; Chile: 76,7%; Colômbia: 60%; República Dominicana:
12,3%; Equador: 93,7%; El Salvador: 66,4%; Panamá: 64,1%; Paraguai: 72,2% e Peru:
68,6%.47,48
Sabe-se que esses percentuais ocultam muitas das disparidades existentes tanto intra
quanto inter países, inclusive com relação aos segmentos etários efetivamente atendidos pelos
governos locais, e que as médias nacionais escondem muito mais discrepâncias que só podem
ser desvendadas e compreendidas se levada em consideração a distribuição regional das
matrículas no interior de cada um dos países e o atendimento que vem sendo dado por classes
sociais (CAMPOS, 2012) Por esse motivo, unânime tem sido a opinião tanto no meio
acadêmico quanto no político social, que a situação da Educação Infantil ainda é muito
preocupante.
Alguns dos principais organismos internacionais multilaterais que atuam na América
Latina (UNICEF, UNESCO, Banco Mundial e CEPAL) há algum tempo vêm chamando a
atenção para a intensificação do processo de infantilização da pobreza, e têm recomendando,
de forma mais incisiva, que os governos locais invistam mais recursos na Educação Infantil
não apenas para se evitar atrasos no processo de aprendizagem das crianças, mas para
incentivar a formação de “capital humano” necessário ao desenvolvimento futuro das nações.
(CAMPOS, 2012). A ascensão de estudos científicos diversos comprovando que a infância é
o período da vida humana mais propenso ao desenvolvimento cerebral, tem contribuído para o
embasamento dessas reivindicações, reforçando ainda mais o “entendimento pedagógico” de
que é na infância que se deve melhor trabalhar valores sociais e “brechas morais” que podem
ser potencializadas negativamente na vida adulta, como o preconceito nas suas mais variadas
formas. É neste contexto que a educação na infância ganha um novo sentido de urgência e em
46 Disponível em http://www.cepal.org/ Acesso 15 out. 2015.
47 Dados disponibilizados em http://www.cepal.org/es/publicaciones/26112-programas-para-el-cuidado-y-el-
desarrollo-infantil-temprano-en-los-paises-del. Acesso 15 out. 2015.
48 Os dados de Guatemala, Nicarágua e Honduras referem-se aos anos de 2006, 2009 e 2010, respectivamente.
Os outros dados são todos referentes a 2012.
140
caráter estratégico, posto que a educação nos primeiros anos de vida é reconhecida atualmente
como sendo a forma mais eficaz de se romper com o círculo vicioso da pobreza material e
moral (CAMPOS, 2012).
As crianças que crescem em condições onde se encontram presente riscos
má nutrição, abuso, maus tratos, violência, estresse e falta de estímulos se encontram em inferioridade de condições para desenvolver a capacidade de
aprender e, por consequência, de alcançar um bom desempenho na escola e
em níveis mais complexos de habilidades sociais, emocionais e intelectuais
que favoreçam uma inserção plena e integrada a sociedade. A consideração integral do desenvolvimento das crianças na primeira infância inclui as
dimensões de saúde, nutrição, higiene, educação, saneamento, acesso à água
potável, cuidado, afeto e proteção (UNESCO, 2010, p. 27)49
.
Cientes dessa necessidade e da crescente difusão dos direitos das crianças nos países
da América Latina, muitos governantes latino-americanos têm assumido novos compromissos
e novas responsabilidades para com a Educação Infantil, fazendo com que novas ações sociais
e novos programas sejam desenvolvidos (CAMPOS, 2012) para impedir retrocessos nas
conquistas já obtidas em prol desse direito social fundamental.
O problema é que a ampla difusão desses compromissos em meio a acordos e
protocolos firmados com organismos multilaterais não são por si só suficientes para garantir o
cumprimento das obrigações assumidas pelos países signatários para com a Educação. Ainda
são muitos os obstáculos impostos ao exercício desse direito, especialmente com relação aos
investimentos que se mostram necessários. Com isso, as melhorias no atendimento quando de
fato acontecem, ocorrem a passos lentos ou precariamente, deixando a Educação Infantil
quase sempre à mercê de poucos investimentos ou de uma má gestão dos recursos.
Apesar de todas as discussões, análises, debates e apontamentos, tanto no meio
político quanto no judicial sobre a Educação Infantil, a ideia de uma “política pobre para
pessoas pobres” encontra-se bastante enraizada na mentalidade dos gestores públicos e dos
agentes políticos. O ranço do assistencialismo ainda permeia a esfera pública, fazendo com
que aconteça, na prática, “políticas pequenas para crianças pequenas” (CAMPOS, 2012).
49
Do original em espanhol: Los niños que crecen en entornos en los que están presentes riesgos de
malnutrición, abuso, maltrato, violencia, stress y falta de estimulación, se encuentran en inferioridad de
condiciones para desarrollar la capacidad de aprender y, por lo tanto, de lograr un buen desempeño en la
escuela y en niveles más complejos de habilidades sociales, emocionales e intelectuales que favorezcan una
plena e integrada inserción en la sociedad. La consideración integral del desarrollo de los niños en la primera
infancia abarca tanto las dimensiones de salud, nutrición, higiene, educación, saneamiento ambiental, acceso a
agua potable, cuidado, afecto y protección.
141
Os dados supramencionados, além de diagnosticarem o quanto a infância ainda é
negligenciada pelos países que compõem a periferia do capitalismo mundial na América
Latina, sugerem o quanto o Brasil já avançou no campo da Educação Infantil. No entanto,
reforçam a ideia do quanto ainda precisa ser feito para que se obtenham os mesmos resultados
satisfatórios já obtidos por outros países da América Latina em condições socioeconômicas
inferiores (CAMPOS, 2012).
É o que concluiu também o Reduca Observatory (2015), responsável pela pesquisa
dos avanços educacionais nos países da América do Sul em parceria com a CEPAL e o
Observatório brasileiro Todos pela Educação, segundo o qual na América Latina muito ainda
tem que ser feito, em especial com relação às crianças pequenas que residem no campo e que
possuem metade das chances de conseguirem vagas em centros educacionais adequados se
comparadas com aquelas que vivem nas cidades, justamente porque inexistem creches e pré-
escolas em boa parte das áreas rurais.50
Daí falar-se, e com razão, que o problema da Educação Infantil não é uma
exclusividade da má política social brasileira, mas sim uma realidade econômico-social que
afeta em cheio muitos outros países no mundo, especialmente na América Latina, onde o
discurso do avanço social vem sendo paulatinamente substituído pelo do não retrocesso.
Nesse ponto, serão analisados dados específicos da Educação Infantil no Estado do
Paraná, a fim de demonstrar o que vem sendo feito no Brasil, centrando-se a análise critico-
comparativa dos dados coletados e divulgados por observatórios sociais, pela Confederação
Nacional dos Municípios e pela Associação dos Municípios do Paraná.
3.2 O diagnóstico da Educação Infantil no Brasil e no estado do Paraná
Considerando o tamanho continental do Brasil e as muitas diferenças no
planejamento e gestão da política educacional em cada um dos estados e municípios da
federação, o presente estudo limitou-se a analisar com maior atenção a atual situação do
Estado do Paraná, para melhor compreender como os municípios desse estado da Federação
têm cumprido com suas responsabilidades legais para com a Educação Infantil e como a
judicialização do direito à educação vem afetando também a implementação da política
pública no país.
50 Disponível em http://www.reduca-al.net/files/observatorio/Primera_Infancia.pdf. Acesso 02/10/2015
142
Ao analisar comparativamente a pirâmide etária do Estado do Paraná com a do Brasil
(figura 1A-B), percebe-se uma distribuição bastante similar entre os grupos: em ambos,
Estado e País, há um pico populacional entre as idades de 15 e 19 anos para ambos os sexos,
com acentuado declínio entre as faixas de idade mais avançada especialmente entre homens.
Figura 1 – Distribuição etária da população do Brasil (A) e do Estado do Paraná (B).
Fonte: IBGE. Censo Demográfico (2010).51
O detalhamento da população nacional de indivíduos com idade entre 0 e 3 anos, de
acordo com os últimos censos (populacional divulgado pelo IBGE em 2010 e censo escolar
realizado pelo MEC em conjunto com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
51 Disponível em http//:www.censo2010.ibge.gov.br/resultados.html. Acesso em: 10 out. 2015
143
Educacionais Anísio Teixeira – INEP – em 2013) contabilizava 10.925.892 crianças. Desse
total, apenas 21,2% encontravam-se matriculadas na creche.
Porém, dados divulgados pelo PNAD em 2011, ao mesmo tempo em que apontam
um salto de 48,07% em 1995 para 81,7% em 2011 no atendimento de crianças com idade
entre 4 e 5 anos e de 8,62% em 1995 para 22,95% em 2011, sugerem uma margem maior de
exclusão e desigualdades na Educação Infantil ao levarem em consideração outros critérios
como renda familiar, cor, etnia, e região atendida.
De acordo com o PNAD e o portal “Todos pela Educação”, em 2011 o percentual de
crianças brancas e amarelas atendidas nas creches brasileiras era de 25,5% em comparação
aos 20,5% de crianças negras e pardas matriculadas. Sendo certo que ao menos 1 milhão de
crianças com idade entre 4 e 5 anos estavam fora da escola nesse mesmo período.
Considerando apenas o Estado do Paraná durante o mesmo período, a população na
faixa etária entre zero e 3 anos era de 1.129.214 crianças, e destas apenas 14,8% (166.950)
estavam devidamente matriculadas. Com relação à população de indivíduos com idade entre 4
e 5 anos, a população nacional era de 5.596.169 crianças, das quais 78,2% estavam na pré-
escola. No Paraná, os dados embora não tão transparentes52
, revelaram um total de 602.198
crianças nessa mesma faixa etária, das quais 34,4% (207.450) estavam matriculadas.
Considerando atender um mínimo de 98% da população nessas faixas etárias até o fim da
vigência do plano, constata-se que é necessário criar, ainda, ao menos 389.704 novas vagas
em creches e 387.337 novas vagas nas pré-escolas até 2024 para atender a contento a
demanda por vagas no Paraná53
.
Os dados do Censo Escolar da Educação Básica fornecidos pelo INEP54
, por sua vez,
demonstram que no estado do Paraná o total de matrículas na Educação Infantil teve uma
ampliação mais expressiva nos quatro últimos anos (tabela 3), especialmente nas redes
municipais de ensino, nas quais as matrículas nas creches e pré-escolas aumentaram 19,5%,
52 No Estado do Paraná adota-se o Sistema Estadual de Registro Escolar (SERE) para armazenar dados de todas as redes municipais. Cada Município é obrigado a fornecer os dados obtidos no ato da matrícula com relação ao
perfil social e étnico de cada criança atendida pela rede. Contudo, só tem acesso a esses dados quem possui um
cadastro e uma autorização específica, o que acabou impossibilitando o acesso a dados específicos e atualizados
capazes de demonstrar o percentual de crianças negras, pardas, brancas e amarelas matriculadas em cada etapa
da Educação Infantil e em cada escola municipal analisada durante a pesquisa. 53 Dados fornecidos pela Confederação Nacional dos Municípios e pelo MEC/INEP 2014. Disponíveis em
http://www.cnm.org.br e http://portal.inep.gov.br/basica-censo-escolar-matricula. Acesso em 29 set. 2015 54 Dados de 2014. Disponível em http://www.agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2015-02/matriculas-nas-
creches-tem-menor-crescimento-desde-2008. Acesso 29 set. 2015.
144
por influência direta do financiamento desta etapa da educação por meio da Lei nº
11.494/2007 e pela Lei nº 12.796/201355
.
Tabela 3 – Número de matrículas na Educação Infantil do Paraná segundo dependência
administrativa.
Ano Estadual Federal Municipal Particular TOTAL
2010 372 114 228.831 89.472 318.789 2011 363 93 244.814 93.179 338.449
2012 467 102 261.829 99.153 361.551
2013 494 108 273.469 102.188 376.259 Fonte: Censo Escolar da Educação Básica56.
Além disso, ao se analisar as duas subetapas de ensino da Educação Infantil no
estado (tabela 4), pode-se observar que a rede municipal de ensino foi responsável por
aproximadamente 73,6% dos atendimentos nas creches, e por pelo menos 71,9% dos
atendimentos dados pelas pré- escolas (PARANÁ, PEE, 2015, p. 35).
Tabela 4 – Número de matrículas no Paraná por etapa e dependência administrativa. Etapa Ano Estadual Federal Municipal Particular TOTAL
Creche
2010 - 64 96.354 39.104 135.522
2011 - 50 105.778 39.914 145.742
2012 4 70 117.830 42.831 160.735 2013 - 68 123.465 44.153 167.686
Pré-escola
2010 372 50 132.477 50.368 183.267
2011 363 43 139.036 53.265 192.707
2012 463 32 143.999 56.322 200.816 2013 494 40 150.004 58.035 208.573
Fonte: Censo Escolar da Educação Básica57.
Chama a atenção a existência de uma variação de 23,7% nos atendimentos das
creches no período compreendido entre 2010-13, e de 13,8% nas pré-escolas, quando
contabilizadas as redes pública e privada (PARANÁ, PEE, 2015).
Tomando por base dados fornecidos pelo MEC/INEP em 2012, pode-se constatar
ainda que as redes municipais de ensino proporcionam juntas mais de 70% de todo o
atendimento nacional à Educação Infantil, seguidas pelas redes privadas (28,8%) estaduais
(0,8%) e federal (0,035%) conforme demonstrado na tabela 5:
55 Conforme informações extraídas do documento-base do PEE-PR, disponível em: http://www.seti.pr.gov.br.
Acesso 15 out. 2015. 56 Vide nota 55.
145
Tabela 5 – Número de matrículas realizadas no atendimento infantil em âmbito
nacional em 2012. Federal Estadual Municipal Privado Total
Ed. Infantil 2.554 57.825 5.129.749 2.105.384 7.295.512
Ensino Fundamental 24.704 9.083.704 16.323.158 4.270.932 29.702.498
Ensino Médio 126.723 7.111.741 72.225 1.066.163 8.376.852
Ed. Profissional 105.828 330.174 20.317 607.336 1.063.655
Ed. Especial 749 22.213 35.263 141.431 199.656
Ed. de Jovens e Adultos 15.878 2.116.259 1.643.767 130.973 3.906.877
Brasil 276.436 18.721.916 23.224.479 8.322.219 50.545.050 Fonte: MEC/INEP/DEED (2012).
O Governo Federal, quando se apropria desses dados, sugere melhorias nos serviços
públicos e explica a crescente municipalização da política pública educacional voltada às
crianças pequenas como sendo resultado de uma maior eficiência e cobertura dos serviços
educacionais prestados à infância, reflexo de uma maior agilidade e transparência na
prestação dos serviços, levando-nos a acreditar num maior envolvimento direto do poder local
na captação das demandas, no controle de gastos e na inspeção do cumprimento das metas
estabelecidas (MENEZES, 2001). Contudo, evidencia-se que tal idealismo não se revela na
prática, pois o aumento no número de matrículas, por si só, não reflete a qualidade com que o
serviço é oferecido à população tampouco contempla as dificuldades que cada municipalidade
enfrenta para concretizá-las. Ademais, constata-se que no Brasil um grande número de
municípios foi criado após 1988 a fim de desafogar a União, Estados e Municípios maiores de
certas responsabilidades para com a população, e que, multiplicando-se os Municípios,
avultaram-se também as responsabilidades constitucionais (GASPARINI; MEL0, 2003).
Em 1990 o Brasil contabilizava 4491 municípios, atualmente o número é de 557057
.
O desenvolvimento precário de muitos desses novos municípios é produto de o repasse das
verbas destinadas aos entes municipais não ter acompanhado o fenômeno de municipalização
das políticas públicas. (TOMIO, 2002) Assim, para cumprir com suas responsabilidades
legais, muitos municípios utilizaram de alternativas mais baratas para gerir suas necessidades
locais, e consequentemente a qualidade dos serviços prestados quase sempre é duvidosa.
Logo, o panorama não apresenta a transferência de poder decisório pela União ou Estado ao
Município (como proposto), mas sim o deslocamento de problemas, encargos e atribuições
sem suporte técnico e financeiro suficiente. A União continua a deter os maiores percentuais
de arrecadação enquanto redistribui entre as esferas menores – os Municípios – mais
responsabilidades. Em 2003, cerca de 80% dos Municípios não se sustentavam com receita
57 Para fins estatísticos, o IBGE considera que o Brasil tem 5570 municípios, incluindo Brasília – a capital
federal – e Fernando de Noronha, que oficialmente é um território estadual de Pernambuco
146
tributária própria e viam no Fundo de Participação Municipal a principal fonte de renda
(GASPARINI; MELO, 2003).
Apesar dos esforços que têm elevado a qualidade do ensino no Brasil, não se pode
negar o estímulo dado à desigualdade social quando se permitiu o decréscimo da participação
da União na articulação da política pública educacional, e quando se fomentou a elaboração e
a organização de uma Educação Infantil a partir da criação de sistemas de ensinos autônomos,
pautados em realidades municipais diferentes: dados do Ministério da Educação fornecidos no
site do governo federal no ano de 2011 demonstram que naquele ano, para cada 100 cidades
do Brasil, pelo menos 15 não possuíam ao menos uma sala para acomodar e atender crianças
na faixa de zero a 03 anos. Ao todo se estimou 827 municípios nessa mesma situação de
precariedade.
Dentre os estados da federação, o Maranhão foi apontado por dois anos consecutivos
como sendo o Estado com menor número de creches e pré-escolas e um dos que menos
investiu em Educação Infantil. Noutro extremo, o Estado do Paraná tem se mantido como
sendo um dos que mais prioriza a Educação Infantil, mas sem muitos resultados.
De acordo com a Associação dos Municípios do Paraná (AMP), os municípios que
tem colocado a Educação Infantil em primeiro plano são justamente aqueles que apresentam
índices de desenvolvimento social superiores, demonstrando a relação direta entre educação e
desenvolvimento social. E, estudos elaborados nos últimos anos por diferentes observatórios
sociais indicam que a qualidade do ensino público nos municípios paranaenses têm tornado
evidente a real ordem dessa relação58
.
Os resultados obtidos até então indicam que as mesorregiões Norte Central, Norte
Pioneiro e Noroeste do Estado foram as que mais concentraram resultados de eficiência nos
anos de 2008 a 2010, evidenciando que os municípios dessas localidades têm otimizado a
alocação dos seus recursos públicos, graças a uma melhor gestão do poder executivo local em
comparação aos demais municípios do Estado do Paraná. Os estudos indicam ainda que os
municípios com melhor desempenho econômico não são necessariamente os mais eficientes,
o que explicaria o fato de regiões como a Metropolitana de Curitiba, Centro-Ocidental,
Centro-Oriental e Centro-Sul concentrarem a maioria dos resultados considerados de forte
ineficiência no período analisado. Também permite verificar que os gastos com educação nos
primeiros anos do ensino fundamental na maioria dos municípios do Estado do Paraná
58 Foram consultados os seguintes Observatórios Sociais: http://www.rededeolhonosplanos.org.br,
http://www.deolhonosplanos.org.br, http://www.observatoriodopne.org.br e o site da Associação dos Municípios
do Paraná, disponível em http:// www.ampr.org.br/.
147
apresentaram Ineficiência Moderada entre 2008 e 2010, e que pouquíssimos municípios
apresentaram grau de Eficiência 100% apontando, por fim, uma redução significativa do
número de municípios eficientes entre os anos de 2005 e 2009 (SAVIAN; BEZERRA, 2013).
Logo, pode-se dizer que esses dados reforçam a tese aventada pela OCDE e já
discutida anteriormente, no sentido de que um PIB elevado não pode ser considerado como
indicativo de maiores e melhores investimentos em educação e demais políticas sociais.
3.3 A contextualização da construção dos planos municipais de educação
Como restou demonstrado até então, mesmo a CF prevendo desde a sua promulgação
a necessidade dos Planos de Educação (art. 21459
), o primeiro PNE só foi criado em 2000
(2000-10). Depois desse período, durante quatro anos o Brasil ficou sem nenhum plano de
Educação porque o documento base contendo as propostas para o PNE sucessor, remetido ao
Congresso ainda no ano de 2010, por questões políticas, demorou muito para ser analisado e
discutido, vindo a ser aprovado apenas em 2014, através da Lei nº 13.005.
Até 2014, muitos estados brasileiros ainda não tinham planos de educação próprios, a
exemplo do Estado do Paraná, que nunca teve um Plano Estadual de Educação. Contudo, faz-
se necessário notar que na esfera municipal o tratamento dado à Educação sempre foi
diferente: os Municípios, em sua maioria, há muitos anos procuram se organizar para cumprir
com suas responsabilidades, ainda que de forma deficiente. Com a aprovação do novo PNE,
todos os estados da federação, o Distrito Federal e os Municípios foram obrigados a aprovar,
no curtíssimo prazo de 1 ano, seus próprios planos, a fim de garantir não só a otimização dos
gastos públicos com Educação, mas também viabilizar a qualidade dos serviços educacionais
prestados à sociedade.
Art. 8o Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão elaborar seus
correspondentes planos de educação, ou adequar os planos já aprovados em
lei, em consonância com as diretrizes, metas e estratégias previstas neste PNE, no prazo de 1 (um) ano contado da publicação desta Lei (BRASIL,
PNE, 2014). – grifo nosso
59 De acordo com a CF, os planos de educação terão duração plurianual (de 4 foi para 10 anos) e diretrizes,
objetivos, metas e estratégias bem definidos.
148
Assim, as estratégias e propostas tanto dos Planos Municipais de Educação (PME)
quanto dos Planos Estaduais de Educação (PEE) tiveram de ser discutidas e definidas nos
mesmos moldes do PNE compondo, ao final, um conjunto de metas [coletivas] articuladas na
forma de um modelo sistêmico em prol da Educação, originando assim, virtualmente, um
Sistema Nacional de Educação.
Partindo, pois, da premissa de que quanto mais planos alinhados o Brasil tiver, mais
próximo de um Sistema Nacional estará, pode-se dizer que promover um Sistema Nacional de
Educação capaz de garantir o planejamento estratégico situacional da Educação nos Estados e
Municípios é, de fato, o principal objetivo desse novo PNE. Tanto que o PNE pressupõe
organização em prol de uma ação conjunta pela Educação no país, e como todo plano, este só
existe porque também existe um problema social na forma de demanda, que precisa ser
resolvido por meio de uma política pública. Pela sua essência, se os demais entes federativos
não se envolverem, essa corrente, esse processo em benefício da Educação possuirá elos
fragilizados. O PNE, ao contrário do que muitos imaginam, não impõe metas aos estados e
municípios: o plano respeita a autonomia estrutural e funcional desses entes federativos, mas
exige um balizamento de suas ações àquilo que se busca executar no nível Nacional. Das suas
metas é que se faz os diagnósticos nos Municípios, e quanto mais verídico for o diagnóstico,
mais claras e evidentes são as estratégias de cada PME para mudar ou melhorar a realidade da
Educação local.
Segundo Bucci (1997) há, inclusive, certa proximidade entre a noção que se tem de
política pública e a que se tem de plano, embora política possa consubstanciar um programa
de ação governamental que não exprima, necessariamente, o instrumento jurídico que
configura o plano. Nesse sentido explica:
A política é mais ampla que o plano e se define como o processo de escolha
dos meios para a realização dos objetivos do governo com a participação dos agentes públicos e privados. Políticas públicas são os programas de ação do
governo para a realização de objetivos determinados num espaço de tempo
certo. A expressão mais frequente das políticas públicas é o plano (embora com ele não se confunda), que pode ter caráter geral, como é o Plano
Nacional de Desenvolvimento, ou regional, ou ainda setorial, quando se
trata, por exemplo, do Plano Nacional de Saúde, do Plano de Educação etc. Nesses casos, o instrumento normativo do plano é a lei, na qual se
estabelecem os objetivos da política, suas metas temporais, os instrumentos
institucionais de sua realização e outras condições de implementação
(BUCCI, 1997, p. 94).
A mesma autora, ao dar continuidade ao assunto noutra oportunidade, conclui:
149
A política pública transcende os instrumentos normativos do plano ou do
programa. Há, no entanto, um paralelo evidente entre o processo de formulação da política e a atividade de planejamento. Note-se a correlação
de ambos, no sentido de que, ao contrário do que muitos sustentaram nos
anos 60, o planejamento não é uma atividade vazia de conteúdo político.
Trata-se de função eminentemente técnica, voltada à realização de valores sociais [..] (BUCCI, 1997, p.96).
Nas esferas municipais, são as Secretarias Municipais de Educação (SMEs) que
desempenham esse papel importante no planejamento e na execução da política educacional local,
sendo, portanto, indispensáveis ao processo que antecede e sucede a formulação do PME: é através
das SMEs que se define as primeiras comissões que coordenarão os processos de formulação dos
planos de educação decenais; é através delas que se elaboram as propostas que irão compor o
documento base; são elas as reais responsáveis por ampliar os debates que a Lei exige, por entregar o
documento final à análise do Executivo e, por fim, enviar o projeto de lei para votação no Legislativo
(figura 2).
Figura 2 – O processo administrativo de formulação dos Planos de Educação
nos Municípios.
Fonte: AMP – Associação dos Municípios do Paraná (2015)60
Por funcionarem como indutoras dos Planos de Educação nos Municípios, as
Secretarias Municipais de Educação são, por consequência, peças importantes no
planejamento específico da Política Pública de Educação Infantil, de responsabilidade integral
60 Disponível em http//:www.ampr.org.br. Acesso 02 jul.2015
150
dos Municípios. São elas que identificam os agentes interessados e definem mecanismos de
articulação dos mesmos, visando à consecução de objetivos e estratégias para alcançá-los.
Tal entendimento se encaixa perfeitamente naquilo que Carlos Matus (1993) já dizia
sobre planejamento:
(...) planejar é tentar submeter o curso dos acontecimentos à vontade
humana, não deixar que nos levem e devemos tratar de ser condutores de
nosso próprio futuro, trata-se de uma reflexão pela qual o administrador público não pode planejar isoladamente, esta se referindo a um processo
social, no qual realiza um ato de reflexão, que deve ser coletivo, ou seja,
planeja quem deve atuar como indutor do projeto (MATUS, 1993, p. 13).
Assim, não há como adequar ou elaborar planos (sejam eles, municipais, estaduais ou
distritais) de forma desvinculada do PNE (art. 211, CF). Exige-se, contudo, alinhamento entre
os planos, não simplesmente a propagação de réplicas como normalmente tem acontecido.
Compete ao Município investir nunca menos de 25% de sua arrecadação em gastos
com Educação (art. 212, da CF/88), e logo cada PME deve considerar a totalidade dos
insumos que se julgarem necessários à sua execução, tanto aqueles a serem previstos no
orçamento quanto aqueles que se pode buscar apoio ou recursos. Portanto, é fundamental que
o PME esteja bem estruturado e vinculado a outros instrumentos de planejamento,
principalmente orçamentário, como o PPA, a LDO e a LOA.
É na constituição desse processo sistêmico que são criadas as metas municipais, em
respeito, logicamente, àquelas estratégias existentes no PME anterior que estavam dando
certo. O PME pode até se limitar a essas estratégias, mas como vai compor um sistema maior
e dinâmico, tem que proporcionar ação. Por isso, a sugestão dada aos Municípios na
oportunidade de elaboração dos PMEs foi justamente trabalhar uma Lei Geral para sintetizar
as ideias principais do Plano, deixando as metas e estratégias para serem desenvolvidas em
anexo. Assim, o Plano Educacional não se finda com a Lei. Caberá aos Conselhos
Educacionais monitorar, avaliar e propor as ações necessárias à concretização das diretrizes e
metas.
A meta 01, por ser totalmente dedicada à Educação Infantil, é de responsabilidade
direta do Município. Por essa razão, o PME deve indicar com clareza quais ações a
Municipalidade desenvolverá com apoio da União e do Estado para garantir o direito à creche
e à pré-escola, colocando na prática a ideia de corresponsabilidade.
No entanto, para que os Municípios possam elaborar uma meta de atendimento à
Educação Infantil alinhada com o PNE, é necessário fazer o diagnóstico de sua própria
151
situação, a começar pelo real levantamento de quantas crianças estão matriculadas e quantas
ainda não estão, para melhor compreender o seu percentual de atendimento em comparação
com a meta assumida pelo PNE.
O Município tem por obrigação construir suas próprias estratégias, sob pena de seu
PME ficar fadado ao fracasso. O Município também deve estar comprometido a promover
uma busca ativa por crianças em idade correspondente a Educação Infantil (0-5 anos),
procurando estabelecer parcerias com órgãos públicos de assistência social, saúde e proteção à
infância ao mesmo tempo em que preserva o direito de opção da família em relação às
crianças menores de três anos. Por essa razão é tão importante que cada ente Municipal
estabeleça, no primeiro ano de vigência do seu Plano, normas, procedimentos e prazos para
conseguir definir os mecanismos de consulta pública de demanda das famílias por creches.
Todos os municípios precisam articular estratégias para alcançar a universalização da
pré-escola até 2016. Independente de qual seja o percentual de atendimento atual, cada
Municipalidade tem que estimular o crescimento da oferta de creches de forma que a média
nacional alcance os 50% estabelecidos. Uma cidade cujo atendimento já alcançou esse
percentual não deve se contentar em mantê-la, mas expandi-la rumo aos 100%.
3.4 AS DIVERGÊNCIA DE OPINIÕES ENTRE O JUDICIÁRIO E O EXECUTIVO ACERCA DA
EDUCAÇÃO INFANTIL
Em 2004, quando a legislação previa que a Educação Infantil deveria abarcar
crianças com idade entre zero e seis anos, o Superior Tribunal Federal (STF) em sede de
decisão monocrática proferida pelo Ministro Marco Aurélio e publicada em 24 de maio de
2004 reafirmou o entendimento dos tribunais estaduais no sentido de que é obrigação dos
municípios aparelharem-se para atender de forma irrestrita os ditames constitucionais da
Educação Infantil, pouco importando a deficiência de caixa:
CRECHE E PRÉ-ESCOLA - OBRIGAÇÃO DO ESTADO - IMPOSIÇÃO -
INCONSTITUCIONALIDADE NÃO VERIFICADA - RECURSO EXTRAORDINÁRIO - NEGATIVA DE SEGUIMENTO.
1. Conforme preceitua o artigo 208, inciso IV, da Carta Federal,
consubstancia dever do Estado a educação, garantindo o atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade. O Estado -
União, Estados propriamente ditos, ou seja, unidades federadas, e
Municípios - deve aparelhar-se para a observância irrestrita dos ditames constitucionais, não cabendo tergiversar mediante escusas relacionadas
152
com a deficiência de caixa. Eis a enorme carga tributária suportada no
Brasil a contrariar essa eterna lengalenga. O recurso não merece prosperar,
lamentando-se a insistência do Município em ver preservada prática, a
todos os títulos nefasta, de menosprezo àqueles que não têm como
prover as despesas necessárias a uma vida em sociedade que se mostre
consentânea com a natureza humana.2. Pelas razões acima, nego seguimento a este extraordinário, ressaltando que o acórdão proferido pela
Corte de origem limitou-se a ferir o tema à luz do artigo 208, inciso IV, da
Constituição Federal, reportando-se, mais, a compromissos reiterados na Lei Orgânica do Município - artigo 247, inciso I, e no Estatuto da Criança e do
Adolescente - artigo 54, inciso IV. 3. Publique-se. (STF, Decisão
Monocrática, RE nº 356.479-0, Rel. Min. Marco Aurélio. J. em 30/04/04, DJU em 24/05/04)
Em agosto de 2011, o STF manteve condenação ao Município de São Paulo em
relação à criação de vagas em creches e pré-escolas para crianças com idade entre zero e
cinco anos em unidades próximas de suas residências ou do endereço de trabalho de seus
responsáveis legais, sob pena de multa diária por criança não atendida. Para tanto, afastou a
tese da Administração Pública calcada na impossibilidade de intervenção do Poder Judiciário
na esfera Administrativa e reconheceu, na mesma decisão, a possibilidade de imposição de
astreintes ao Poder Público Municipal, reafirmando o entendimento jurisprudencial no sentido
de que a destinação de recursos públicos deve seguir uma ordem de prioridade constitucional
fundada na dignidade da pessoa humana, tendo em perspectiva a intangibilidade do mínimo
existencial e a vedação do retrocesso social, julgando improcedente, portanto, a cláusula da
reserva do possível invocada pelo Município (STF. 2ª T. ARE nº 639337 AgR/SP. Rel. Min.
Celso de Mello. J. em 23/08/2011).
Ainda em 2011, seguindo a decisão do Supremo, os Tribunais de Justiça dos Estados
brasileiros, a exemplo do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, começaram a
consolidar suas jurisprudências, mantendo decisões monocráticas que, em sede de Ações
Civis Públicas ajuizadas pelo Ministério Público, concederam tutela antecipada em face da
Fazenda Pública, permitindo o bloqueio de valores caso o ente público Municipal não
atendesse a demanda por Educação Infantil em seus territórios, rechaçando a existência das
chamadas “listas de espera”.
No Rio Grande do Sul, o Município de Caxias do Sul foi um dos primeiros a sofrer
condenação por não ter garantido atendimento em creche e pré-escolas a todas as crianças
com idade entre zero e seis anos de idade (TJRS. 7ª C. Cív. AP. Cível nº 70038831905. Rel.:
Roberto Carvalho Fraga. J. em 10/01/2011).
Em Santa Catarina, o Tribunal de Justiça manteve sentença que reconheceu como
prerrogativa do Ministério Público Estadual "promover o inquérito civil e a ação civil pública
153
para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à
adolescência", bem como "zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais
assegurados às crianças e adolescentes, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais
cabíveis" (art. 201, V e VIII, da Lei n. 8.069/90). Para esse tribunal, o direito à educação
(incluindo a matrícula de crianças em creches e pré-escolas) deve ser reconhecido como um
direito social, catalogado no rol de direitos fundamentais de segunda geração, constituindo-se
como cláusula pétrea, nos termos do art. 60, § 4º, IV, da Constituição Federal de 1988. Razão
pela qual, cabe ao Estado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) atuar
prioritariamente na prestação de direitos educacionais, inclusive no que concerne ao
atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade (art. 205 c/c 208,
IV, da Constituição Federal), não lhe competindo arguir o caráter programático de tais normas
para eximir-se de sua obrigação constitucional (TJSC. 2ª C. Dir. Públ. Ap. Cív. nº
2008.001690-4. Rel. Des. Cid Goulart. J. em 13/06/2011).
Já no Estado do Paraná, o Tribunal de Justiça julgou procedente Ação Civil Pública
condenando o Município de Araucária a ampliar o número de vagas em creche e pré-escolas,
reconhecendo o pedido como juridicamente possível na medida em que “não há óbice no
ordenamento acerca da pretensão”. Para tanto, afirmou ser a Vara de Infância e Juventude a
competente para o julgamento da Ação, em razão da matéria (que remete à garantia e
salvaguarda dos direitos constitucionalmente garantidos às crianças e adolescentes) e ter o
Ministério Público Estadual legitimidade para ajuizar a Ação. De igual maneira, declarou que
o Poder Judiciário não invade a competência do Executivo e Legislativo quando determina a
implementação de políticas públicas constitucionalmente previstas, com base no artigo 208,
inciso IV, da Constituição Federal, e no artigo 54, inciso IV, do ECA, ainda mais quando
possível constatar com base na previsão orçamentária anual que é possível ao Município dar
cumprimento integral à determinação contida na sentença (TJPR. 4ª C. Cível. AC nº
0758095-0, do Foro Regional de Araucária da Região Metropolitana de Curitiba. Rel. Des.
Luís Carlos Xavier. J. em 26/07/2011).
Em 2013, a LDBEN foi alterada pela Lei nº 12.796/2013. Essa Lei tornou obrigatória
a pré-escola e, por consequência, passou a exigir controle de frequência das crianças com
idade entre 4 e 5 anos nos estabelecimentos de ensino, proibindo que durante o ano letivo
(composto, no mínimo, por 200 dias) a criança venha a ter mais que 80 faltas. De igual
maneira, a referida lei fez com que o ensino obrigatório, que antes abrangia apenas a etapa do
ensino fundamental, passasse a corresponder à educação básica oferecida dos 4 aos 17 anos.
154
Todas essas mudanças acabaram por agravar a situação jurídica dos entes públicos
municipais, posto que a nova Lei ao impor aos pais a obrigação de matricular seus filhos na
pré-escola tornou exigível a oferta imediata de vagas por parte dos Municípios, mesmo tendo
eles prazo até 2016 para promover a universalização progressiva dessa parte da Educação
Infantil. Consequentemente, cresceram as demandas judiciais neste sentido e as condenações
na forma de judicialização da política pública.
No Paraná, por exemplo, dados do IBGE indicaram um contingente de 301.099
crianças com idade entre 4 e 5 anos em 2010. Contudo, observou-se que o número de
matrículas efetivadas no ano de 2012 no estado foi de 206.638 para essa mesma faixa etária,
segundo dados do INEP. Assim, considerando que o crescimento vegetativo estimado da
população nesse estado não vem sofrendo grande variação nos anos subsequentes, sugere-se
que já em 2012 havia uma necessidade urgente em se ampliar as vagas nas redes municipais
de ensino.
Com base nesses dados, o estado do Paraná contempla aproximadamente 70% das
matrículas necessárias à faixa etária atendida em pré-escolas. Para o ano de 2016, a fim de
atender a EC nº 59 de 11 de Novembro de 2009, os municípios paranaenses devem criar, ao
todo, 94.461 novas vagas, adequando-se, assim, às metas propostas pelos PNE e PMEs.
Paralelamente existe outra discussão que tem dividido opiniões em todo o país,
relacionada à idade de ingresso no primeiro ano do ensino fundamental. Antes dos atuais
planos nacional, estaduais e municipais entrarem em vigor, a idade de ingresso na primeira
série do ensino fundamental era de 7 anos completos. Como já visto, os novos planos
estabeleceram que essa idade passasse a ser de 6 anos, diferentemente do que fala a LDBEN,
e introduz uma “data de corte”, com base em resolução do Conselho Nacional de Educação
(CNE), para aceitação de matrículas de crianças com 6 anos completos até 31 de Março do
ano vigente. Essa data considera a formação infantil e sua maturidade enquanto respeita o
período de seu desenvolvimento lúdico – tese apoiada por pedagogos e psicólogos. Contudo,
uma ação civil pública movida pelo MP em 2007 (ano de implantação do ensino fundamental
de 9 anos) questionou a legalidade dessa “data de corte”, prevendo que toda criança que
completasse 6 anos no ano vigente teria direito a vaga.
No ano de 2014, uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) aplicável apenas
ao Estado de Pernambuco indicou que a data de corte estipulada em 31 de março pelo CNE
deveria ser respeitada. No acórdão da decisão, a Primeira Turma do STJ confirmou que o
CNE é competente para fixar a idade mínima para as etapas de ensino. Enquanto isso tramita
no STF uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ajuizada pela
155
Procuradoria Geral da União em 2013 contra resoluções do Conselho Nacional de Educação
que definem as datas de corte para matriculas no Ensino Fundamental.
No Estado do Paraná, o Conselho Estadual de Educação deliberou em favor do dia
31 de março como data limite, seguindo orientação do CNE, que recentemente deliberou uma
“regra de transição” a ser aplicada até 2017, a fim de sanar tal questão e promover o gradual
avanço das crianças já matriculadas da pré-escola ao ensino fundamental em todos os Estados.
Nessa regra, as crianças que hoje estão matriculadas na pré-escola e completarão 6 anos em
2016 poderão cursar o primeiro ano do ensino fundamental independentemente da data de
aniversário. Ao mesmo tempo foi conferida às escolas autonomia para se adequar as regras,
de modo a facilitar essa transição. Após esse período, a “data de corte” passa a ser válida para
as novas matrículas, e é um recurso considerado importante à padronização nacional do
ensino. Novamente, o MP alega ilegalidade no uso desse procedimento – um ato que, como
veremos mais a frente, questiona o próprio MP quanto ao seu envolvimento na formulação e
definição dos planos decenais de educação.
A questão continua gerando discussões. Para os que defendem a matrícula da criança
de seis anos no Ensino Fundamental independentemente da data de corte, o ingresso
antecipado significa maiores ganhos no que diz respeito à aprendizagem e superação do
fracasso escolar, resultando num melhor desempenho da vida escolar. Baseiam-se no
argumento de que as crianças oriundas de classe média que iniciam mais cedo o processo de
escolarização apresentam maiores taxas de sucesso ao longo de seus estudos. Já para aqueles
que não concordam, o ingresso antecipado tende a prejudicar o processo de aprendizado, uma
vez que a criança precisa ter certa maturidade para melhor assimilar as responsabilidades que
o Ensino Fundamental requer. Para esses, o desrespeito a “data de corte” expõe reflexamente
o desrespeito que ainda se tem com relação à infância e com a Educação Infantil: é dar mais
importância a interesses econômicos em detrimento dos interesses pedagógicos. (PANSINI;
MARIN, 2011, p. 91). Enquanto aguardam uma definição da situação pelo STF, a maioria dos
municípios sinaliza favoravelmente às orientações feitas pelos Conselhos de Educação
(nacional e estaduais) e pela adoção da data de corte em 31 de março a partir de 2017.
156
3.5 A judicialização da Educação Infantil pela óptica de um dos municípios
paranaenses: análise de caso61
Todos os 399 municípios paranaenses são obrigados pela Lei Complementar nº
131/2009 a prestarem contas de suas ações via portal eletrônico na internet. A par disso,
seguindo o critério de classificação de municípios por porte desenvolvido pelo próprio IBGE
em 2010, constatou-se que o Estado do Paraná possui 312 municípios na categoria pequeno
porte 1 (até 20.000 habitantes); 55 municípios na categoria pequeno porte 2 (entre 20.000 e
50.000 habitantes); 14 municípios na categoria médio porte (com população entre 50.000 até
100.000 habitantes), e 18 municípios considerados de grande porte (ou seja, com mais de
100.000 habitantes)62
. Em nível nacional se observa que o país possui 90,57% de municípios
ditos de pequeno porte; 5,37% de médio porte e 4,06% de grande porte. Assim, porque esses
dados sugerem que a distribuição de municípios de segundo porte é bastante próxima entre o
país e o estado do Paraná, logo a análise do espaço amostral do estado refletirá o perfil
nacional.
O município de Ibiporã, localizado na região norte do Paraná, constitui-se de
aproximadamente 49 mil habitantes, fazendo com que este seja considerado um município de
pequeno porte 2 segundo o IBGE. A representatividade de sua realidade se coaduna com
aquela vivenciada pela maioria dos entes municipais que compõem o Estado do Paraná, cujas
características, por sua vez, são bem próximas às demonstradas pela realidade nacional,
inclusive quando se compara os dados das três pirâmides etárias (Brasil, Paraná e Município
de Ibiporã, figura 3). Assim, a escolha desse município como objeto de estudo justifica-se por
constituir um bom indicador.
61 Esse tema foi anteriormente abordado no artigo “A qualidade da educação básica infantil como fruto da gestão
democrática: análise crítica e propostas à luz do caso em concreto no município de Ibiporã – Paraná.”,
apresentado pelo autor do presente trabalho no V Simpósio Internacional de Análise Crítica do Direito da
Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP) em Agosto de 2015.
62 É importante salientar que de acordo com o censo demográfico feito pelo IBGE no ano de 2010,
aproximadamente 28,1% da população brasileira vive em municípios considerados de porte médio (53,6 milhões
de pessoas); 17,1% vivem em municípios com população abaixo de 20 mil habitantes (32 milhões) e 54,7% da
população vive em 283 municípios cuja população é maior que 100 mil (104 milhões). Valores aproximados.
157
Figura 3 – Distribuição etária da população do município de Ibiporã em comparação com a do Estado do Paraná
e do Brasil.
Fonte: IBGE. Censo Demográfico (2010).
Em Ibiporã, as dificuldades para se atender a crescente demanda por creches e pré-
escolas ultrapassa as discussões acerca de questões orçamentárias, indo da falta de ações
conjuntas capazes de nortear o planejamento familiar à implementação eficaz de outras
políticas por parte dos outros entes federativos, passando pela “falta de interesse” da
população na participação efetiva da política local – problema esse apontado por muitos como
sendo um dos maiores desafios a serem enfrentados pelos Planos de Educação.
De acordo com Alves (2013) a participação popular, embora não valorizada, tem
grande peso na gestão de políticas públicas porque promove a transparência na deliberação e
visibilidade das ações que são tomadas no governo e permite maior expressividade das
demandas sociais, provocando um avanço na promoção da igualdade e equidade da política
pública, de modo a oxigenar a funcionalidade da Administração Pública nas ações estatais de
defesa do interesse público e alargamento de direitos (ALVES, 2013). Contudo, no caso de
Ibiporã, o desinteresse pela gestão democrática não parte apenas da população, mas também
de quem deveria primar por ela, inclusive, representantes do legislativo, do judiciário e do
Ministério Público.
A rede municipal de ensino em Ibiporã é formada por 29 instituições63
. Desse total,
14 são escolas e 15 são CMEIs. Entre as escolas, três (Escola Municipal Alberto Spiaci,
Escola Municipal Ivanildes Nalin e Escola Municipal Vera Lúcia), além de atenderem alunos
de outras etapas educacionais (ensino fundamental, educação especial e EJA), possuem
também turmas de berçário I e II, Maternal, Pré I e II, contabilizando um total de 5.319 alunos
atendidos, dos quais 2.182 são de Educação Infantil. O número de crianças matriculadas em
cada turma varia de instituição para instituição, mas a maioria delas possui mais de 20
63
Conforme detalhamento feito no Anexo I.
158
crianças matriculadas por sala. Cada uma das escolas conta com um grupo de funcionários
bastante reduzido (educadores, professores, atendentes de berçário e monitores de creches),
sendo que nem todas possuem profissionais habilitados à prestação adequada da Educação
Infantil.
A estruturação das carreiras do magistério na rede municipal de Ibiporã compreende
aos cargos de professor e educador, ambas regulamentadas pela Lei Municipal nº 2.432/2010,
o chamado PCCR (Plano de Cargos, Carreira e Remuneração) do Magistério Público
Municipal. Os educadores são os profissionais incumbidos de desenvolver as funções de
magistério junto às creches e pré-escolas, ao passo que aos professores atribui-se as funções
de magistério a partir da primeira série do Ensino Fundamental. Para o cargo de Educador
exige-se do candidato aprovado em concurso público apenas 2º grau completo (nível
magistério) ou formação em pedagogia (sem necessidade de especialização), além de
comprovação de experiência em Educação Infantil. A jornada de trabalho é de 30 e 40 horas
semanais e a remuneração varia entre R$ 1.438,33 e R$ 1.917,78 dependendo da carga horária
contratada.
Com relação ao cargo de professor, exige-se do candidato aprovado em concurso a
comprovação de sua formação superior em pedagogia (sem necessidade de comprovação de
especialidade ou experiência), com previsão de jornada de trabalho equivalente a 20 horas
semanais/por padrão e a remuneração é de R$ 1.207,66.
Importante esclarecer ainda que em alguns CMEIs, outro grupo de servidores (cargos
em extinção) com formação apenas em 2º grau, divide a função de cuidado e higiene das
crianças com os educadores infantis, são os chamados atendentes de berçário e os monitores
de creche. Dentre esses profissionais, apenas aqueles com formação em magistério percebem
remuneração equivalente aos educadores, sendo que para os demais, o salário não ultrapassa
R$ 954,88.
Em dados gerais, o Município de Ibiporã conta com um total de 22 atendentes de
berçário, 156 educadores infantis e 1 monitor de creche para atender toda a rede na Educação
Infantil, todos do sexo feminino.
Nas creches, o atendimento é dividido entre turmas de berçário I (para crianças de até
1 ano de idade), turmas de berçário II (para crianças de 1 a 2 anos de idade) e maternal (para
crianças com idade entre 2 e 3 anos). Cada turma de berçário é formada em média por 20
crianças, e o atendimento é prestado em geral por duas atendentes de berçário, ou uma
atendente de berçário e uma educadora. Nas turmas maternais, as salas são compostas em
média por 25 crianças que ficam aos cuidados de apenas uma educadora, que em algumas
159
ocasiões conta com ajuda de estagiárias dos cursos pedagogia. Nas pré-escolas, as turmas são
compostas por crianças com idades entre 4 e 5 anos, e comportam em média 23 alunos por
sala, cada sala atendida por apenas uma educadora infantil.
Apesar de todas essas especificidades, quando da elaboração de seu plano plurianual
vinculado à participação de recursos públicos, o Município de Ibiporã definiu fundos para a
reforma, construção e ampliação de centros de Educação Infantil e escolas, perfazendo a
previsão de gastos, para 2010, de R$ 439.440,00 (quatrocentos e trinta e nove mil,
quatrocentos e quarenta reais); para 2011, de R$ 700.000,00 (setecentos mil reais); idêntico
valor para o ano de 2012, e para o ano de 2013, a quantia de R$ 1.000.000,00 (um milhão de
reais), totalizando a previsão de gastos em R$ 2.839.440,00 (dois milhões, oitocentos e trinta
e nove mil, quatrocentos e quarenta reais). Na ocasião, comunicou-se o MP da importância da
sua participação na definição do orçamento. Este, porém, não manifestou interesse, e deixou a
cabo única e exclusivamente dos conselhos municipais, gravemente deficientes, definirem as
prioridades de atendimento e diretrizes ao administrador público e ao poder legislativo.
Neste caso, efetivamente, os investimentos foram bem elevados, mas se voltaram
quase que totalmente para as questões físico-estruturais das entidades educacionais, deixando
para último plano a melhoria das condições de trabalho dos profissionais do magistério. A
Diretoria de Contabilidade do Município, ao apurar pormenorizadamente os valores
aplicados, concluiu que investimentos por parte do Município em Educação Infantil havia
sido de R$ 6.248.907,33 (seis milhões, duzentos e quarenta e oito mil, novecentos e sete reais
e trinta e três centavos), destinados a obras de construção, reforma e ampliação das creches
municipais.
Em números de atendimento, isso retratou que, em 2010, o Município atendeu nas
creches a 210 novas crianças, chamando-as à matrícula nos Centros Municipais de Educação
Infantil; em 2011, além daquelas já atendidas, outras 536 crianças haviam sido devidamente
matriculadas, e ao final de 2012, o número de novos atendimentos havia chegado à casa dos
1.58264
, quase dez vezes mais que em 2010.
Apesar desses números, o Ministério Público Estadual promoveu Ação Judicial65
em
face do Município com o fixo pedido de que o ente público viesse a implementar, em exíguo
64 Todos esses dados foram repassados ao Ministério Público Estadual quando da instrução do Inquérito Civil por ele motivado. 65 A Ação Civil Pública com preceito cominatório de obrigação e pedido de antecipação de tutela, promovida
pelo Ministério Público do Estado do Paraná em face do Município de Ibiporã (Processo nº 3838-
97.2013.8.16.0090), foi embasada em dados fornecidos pelo IBGE acerca da taxa bruta de natalidade e em
160
prazo, 320 (trezentos e vinte) novas vagas de Educação Infantil para o atendimento a crianças
com idade entre 0 a 5 anos, sob a justificativa de que foram inúmeras as reclamações feitas
por mães naquela promotoria e que o Poder Público Municipal não vinha atendendo a
totalidade das demandas por vagas nas creches tal qual exige a Constituição Federal.
Em sede de defesa, o Município juntou aos autos cópia do Decreto Municipal nº
057/2013, o qual dispõe sobre diretrizes e procedimentos a serem adotados para o
cadastramento e matrícula de crianças com idade de 04 (quatro) meses a 03 (três) anos,
candidatas às vagas em turmas de berçário I e II nas instituições da rede municipal de ensino
infantil de Ibiporã, a fim de comprovar que houve regulação, planejamento e definição de
critérios objetivos bastante claros a ordenar a educação básica infantil e, assim, afastar toda e
qualquer alegação no sentido de que houve inadimplência quanto às suas obrigações legais de
inserção educacional de infantes.
Neste sentido, procurou reforçar enfaticamente a negativa ao pedido de antecipação
de tutela feito pelo Ministério Público, pedido este que já havia sido denegado pelo juízo e
que estava sendo reavaliado em sede de agravo de instrumento, embasando-se na necessidade
de estrutura adequada e funcionários suficientes para promover todos os atendimentos
considerados urgentes, além de esclarecer os riscos que tal medida imporia ao ideal
atendimento e a toda sociedade caso houvesse a inserção obrigatória de gastos não previstos
no orçamento. Para tanto, invocou o artigo 2º da Constituição Federal, que trata da separação
dos poderes, para sustentar a tese no sentido de não compete ao Poder Judiciário atuar em
questões afetas à implementação das políticas públicas, considerando se tratar de poder
discricionário marcado pela conveniência e oportunidade, tal qual preceitua a doutrina:
O controle judicial, entretanto, não pode ir ao extremo de admitir que o juiz se substitua ao Administrador. Vale dizer: não pode o juiz entrar no terreno
que a lei reservou aos agentes da Administração, perquirindo os critérios de
conveniência e oportunidade que lhe inspiram a conduta. A razão é simples: se o juiz se atém ao exame da legalidade dos atos, não poderá questionar
critérios que a própria lei defere ao administrador. Assim, embora louvável a
moderna inclinação de ampliar o controle judicial dos atos discricionários,
não se poderá chegar ao extremo de permitir que o juiz examine a própria valoração administrativa, legítima em si e atribuída ao administrador. Insta-
se, pois, no exame do âmbito dentro do qual pode ser viável a atuação do
administrador – situação que se configura com a reserva do possível, vale dizer, o conjunto de elementos a serem sopesados pela Administração,
reivindicações diretas feitas por munícipes ao Parquet para obtenção imediata de mais de 340 vagas em creches
municipais.
161
necessários à conclusão da possibilidade ou não do cumprimento de certo
objetivo (CARVALHO FILHO, 2007, p. 44).
Apoiando-se, pois, em números e estatísticas, a defesa apresentada pelo Município se
preocupou em demonstrar ao Judiciário, única e tão somente, a ausência de omissão frente às
questões estruturais necessárias ao atendimento da política pública educacional, como forma
de afastar a efetiva intervenção judicial fundamentada na busca pela execução do direito
fundamental, ao passo que poderia ter trazido à baila dados mais específicos com relação, por
exemplo, ao percentual de crianças negras, pardas, pobres e deficientes efetivamente
atendidas pela rede, dados acerca das melhorias salariais dos profissionais da educação, bem
como fornecer maiores detalhes acerca dos projetos voltados para melhora do programa de
merenda escolar e do atendimento odontológico oferecido em um dos centros de atendimento
infantil às crianças de baixa renda. Deixando, por fim, a ênfase na impossibilidade de se
esgotar a demanda por vagas e alcançar o total atendimento, única dificuldade em específico,
comum a países desenvolvidos que tem investido em Educação Infantil, tal como a Finlândia.
Em nenhum momento se procurou demonstrar nos autos que a participação do
Ministério Público é considerada bem-vinda e necessária à etapa de elaboração e
planejamento das políticas públicas educacionais e do orçamento, e o que deveria ser
encarado como imperativo constitucional com relação à participação no processo de
elaboração das políticas públicas vem sendo considerado pelas próprias instituições
democráticas mera liberalidade, prerrogativa ou faculdade.
Sob essa óptica, percebe-se que o ente municipal deixou passar in albis uma ótima
oportunidade de promover ao julgador no incurso do processo uma visão panorâmica da
problemática aventada de modo que, ao final, pudesse exigir pela via inversa a participação
efetiva do Ministério Público nos processos administrativos ligados à política social – que,
diga-se de passagem, por precederem a implementação das políticas públicas que estão sob
sua responsabilidade, devem ser democráticos.
A política pública é tida, pelo senso comum, como procedimento linear em
que fases perfeitamente distintas sucedem-se, de modo a se partir da
formação, passando pela implementação, finalizando com a avaliação. É necessário ao jurista o conhecimento do ciclo da política pública para tornar
possível o controle jurídico de seu processo e de seus resultados.
Desde logo, é preciso ter claro que a política pública dá-se por ciclos, não sendo possível discernir de forma definitiva suas fases, por se verificar um
processo de retroalimentação, onde a avaliação não é feita ao final, mas no
curso da execução. Isto introduz novos elementos no quadro inicialmente
proposto, modificando-o, de forma a adequá-lo à realização do objetivo (MASSA-ARZABE, 2006, p. 70).
162
Logicamente, devem existir muitos outros interesses por detrás dessa inércia, tanto
por parte da Administração Pública – que prefere manter distância dos canais de participação
popular e deliberação democrática das políticas públicas, em nome de uma “pseudo-melhor
atuação” por parte do gestor – quanto por parte do próprio Ministério Público e do Judiciário
– instituições democráticas que não se interessam, no mais das vezes, em entender como
funciona a máquina pública e em se inteirar dos meandros que permeiam o planejamento e o
orçamento público. Por entendê-los como complexos ou técnicos demais, estas instituições
preferem focar suas atuações na fiscalização e imposição de medidas com base no puro
“legalismo”, ao passo que deveriam ser proativos quando da elaboração das políticas públicas,
convocando ou se fazendo presentes em audiências públicas ou em conselhos de direitos, sem
a necessidade de serem “convidados” para isso.
Desta feita, ao mesmo tempo em que o alto significado social e o irrecusável valor
constitucional de que se reveste o direito à Educação Infantil, que é garantia de proteção à
criança, não podem ser menosprezados pelo Estado ante a omissão seja na elaboração, seja na
implementação e efetivação das políticas públicas, sob pena de se incorrer em grave e injusta
frustração de um compromisso constitucional que visa à preservação dos direitos da
população, não pode o Judiciário fechar os olhos para a omissão que recai sob os atores
sociais, especialmente o Ministério Público, que tem por dever funcional participar
ativamente do procedimento de definição dessas políticas públicas, justamente porque é nesta
fase que se deve descortinar os prognósticos necessários à satisfação adequada do interesse
público, que ele próprio Ministério Público fiscaliza. Nesse sentido concorda Ciena (2008, p.
189):
Há necessidade de um povo participativo das decisões políticas, mas
enquanto as funções executivas e legislativas não efetivam o direito fundamental à educação, resta ao Poder Judiciário dar suporte a este povo.
Quebra-se hoje o paradigma de que o Poder Legislativo detém o monopólio
da interpretação da Constituição Federal.
Os princípios são desde logo aplicados pelo Poder Judiciário, sem a necessidade de nova atuação do Poder Legislativo. Surge a figura do juiz
constitucionalista, aplicando um valor da Constituição Federal. O juiz passa
a ser o guardião das promessas constitucionais. A promessa da democracia somente começará a ser guardada quando o direito à educação for efetivado.
Sobre o perfil ideal do promotor de justiça junto às políticas públicas pertinentes,
faz-se o seguinte pensamento:
163
Não será, certamente, aquele que se seduz pelo poder enquanto poder,
embora com um novo figurino, mas impregnado de similar coronelismo político, com matreira habilidade midiática na exposição desnecessária de
pessoas e valores. E sim o de protagonista de uma nova agenda social
composta por políticas públicas efetivamente comprometidas com a doutrina
dos direitos humanos. Preocupado em alargar o acesso popular ao Judiciário, trazendo para a arena jurídica um novo jeito de operar o Direito, da ótica das
questões realmente relevantes para a sociedade, sob o signo da justiça social,
por meio do dístico multifário e difuso (GIACÓIA, 2007, p. 283).
Sabe-se que a sociedade possui pouca cultura política e que a gestão democrática é
um dos desafios mais duros que o país deverá enfrentar para reverter sua condição
sociopolítica. Porém, é institucional o papel do Ministério Público de atuar pró-ativamente
nos diálogos a serem travados entre a sociedade e o Poder Público, principalmente para
balizar as condutas e evitar que a participação administrativa necessária à gestão democrática
continue a ser encarada pelos gestores públicos como sendo uma “ciranda de interesses”.
Contudo, esse tipo de atuação não pode ser concebida a título de prerrogativa, como insiste
em afirmar o próprio Ministério Público do Estado do Paraná. É, a bem da verdade, um
importante dever que se torna ainda mais claro, quando se passa a conceber que as demandas
sociais, muito embora devam ser interpretadas por aqueles que ocupam espaços de poder, são
influenciadas por uma “agenda” criada pela própria sociedade através da pressão política e da
mobilização dos diferentes segmentos sociais (ALVES, 2013). Cabe, portanto, ao Parquet,
auxiliar a sociedade na formação dessa Agenda e impedir que a política pública continue
sendo confundida com programa de governo.
(...) políticas públicas são aqui entendidas como o “Estado em ação”. Ação
não é, contudo, sinônimo de atividade. É uma ação sistemática e qualificada,
de um determinado governo, com o objetivo precípuo de intervir em contextos sociais específicos a fim de promover a inclusão. Isso faz com que
as políticas públicas guardem profunda relação com a política (ALVES,
2013, p. 232).
Há de se compreender que o Ministério Público deve rever sua atuação e promover
ações no campo preventivo, ainda que fora dos gabinetes ou para além do expediente regular
de trabalho, promovendo audiências públicas, reuniões com conselhos de direito diversos,
ações conjuntas, entre outras formas de parceria (NUNES, 2012). Servindo não somente como
órgão fiscalizador, mas como articulador junto à Administração Pública para garantir ao
cidadão, especialmente às crianças, o acesso à educação de qualidade.
164
A participação do Ministério Público na elaboração das políticas públicas
passa, em primeiro plano, pelo conhecimento da realidade de cada um dos Municípios, Estados e da União no que concerne ao atendimento dos direitos
sociais, buscando, em conjunto com os Poderes Executivo e Legislativo,
Conselhos de Gestão e sociedade civil organizada definir prioridades a fim
de que eventuais falhas nesse atendimento sejam devidamente corrigidas, indicando a melhor forma de fazer com que os orçamentos públicos
contemplem recursos suficientes para tanto (GONÇALVES, 2009, p. 26).
Neste vértice, fica difícil falar em eficiência nas ações de fiscalização promovidas
pelo Ministério Público, se este não mantém contatos periódicos com os demais atores sociais
ligados à educação no Município, não realiza reuniões junto aos conselhos ligados à política
de educação, não ouve os professores ou não promove parcerias com outros órgãos de
controle, inclusive Tribunais de Contas nesse sentido.
3.5.1 A prestação do direito à educação face o mínimo existencial e a reserva do possível:
análise da sentença
Entende-se por mínimo existencial (legado constitucional) a teoria que norteia o
estabelecimento das metas prioritárias dentro do orçamento público na formulação e execução
das políticas públicas, de forma que só depois de serem disponibilizados os recursos
necessários é que serão discutidas as demandas que merecem atendimento.
Todavia, a limitação fática e jurídica invocada como justificativa para a não
efetivação dos direitos fundamentais prestacionais é que tem recebido a denominação de
reserva do possível, segundo a qual deve sempre existir uma reserva orçamentária para
garantir as necessidades públicas básicas da coletividade que não podem ser afetadas para o
custeio de despesas específicas de um ou mais cidadãos individualmente.
No caso envolvendo o Município de Ibiporã, o juiz da causa, seguindo essa linha de
raciocínio, entendeu que a cláusula de reserva do possível não se reveste de caráter absoluto,
ainda mais quando esbarra em direitos fundamentais inseridos no mínimo existencial. Porém,
compreendeu a necessidade de se analisar a proporcionalidade da prestação e a razoabilidade
de sua exigência para tornar efetivas as prestações positivas reclamadas do Município, como
destacado no trecho abaixo extraído da sentença em comento:
(...) não se pode tolerar que a reserva do possível seja utilizada como meio a
tornar legitima a negligência do Estado em viabilizar e tornar efetivas as
políticas públicas necessárias ao custeio inerentes aos direitos dos indivíduos
165
ainda em formação. Desculpa genérica para a omissão estatal no campo da
efetivação dos direitos fundamentais não poderá ser acatada, ainda mais quando da existência de controvérsias sobre o não desperdício das verbas
públicas, sua regular aplicação aos fins para os quais foram orçadas ou
mesmo sua desnecessária vinculação a áreas não prioritárias do ponto de
vista da efetivação dos direitos fundamentais.66
Assim, desconsiderou o magistrado o argumento de possível falta de previsão
orçamentária especifica para suportar as despesas em relação à criação de novas vagas nas
creches e pré-escolas municipais, visto que no decorrer do processo demonstrou ainda o
Ministério Público que o Prefeito do Município de Ibiporã havia criado por meio das Leis
Municipais nº 2.594/2013 e 2.601/2013 duas novas Secretarias Municipais e promovido a
inclusão de dois novos cargos no rol da categoria dos cargos comissionados.
Se o município possui recursos financeiros para gerar todos esses novos
cargos, deverá dispor de recursos para o investimento e implementação de vagas na educação infantil, visto ser prioridade absoluta garantida pela
Constituição Federal.
E mais, em caso de escassez de recursos, caberá ao Município, primeiramente, dispor dos cargos comissionados e dos servidores em estágio
probatório, até que se alcance a efetivação integral ao atendimento das
políticas públicas prioritárias, definidas no texto constitucional. (trecho da
sentença)67
– grifo nosso
De igual maneira, rechaçou a tese defensiva de que a discricionariedade do Poder
Executivo mostrava-se ameaçada, fundamentando na doutrina moderna a robustez do seu
argumento.
[...] discrição administrativa não pode significar campo de liberdade para o administrador, dentre as várias hipóteses abstratamente comportadas pela
norma, eleja qualquer delas no caso concreto. Em última instância, o que se
está dizendo é o seguinte: o âmbito de liberdade do administrador perante a norma, não é o mesmo âmbito de liberdade que a norma lhe quer conferir
perante o fato. Está se afirmando que a liberdade administrativa, que a
discrição administrativa é maior na norma de direito, do que perante a situação concreta. Em outras palavras: que o plexo de circunstancias fáticas
vai compor balizas suplementares à discrição que está traçada abstratamente
na norma (que podem, até mesmo, chegar ao ponto de suprimi-la) pois é isto
que, obviamente, é pretendido pela norma atributiva de discrição, como condição de atendimento de sua finalidade (MELLO, 2008, p. 36).
66 AÇÃO CIVIL PÚBLICA Autos nº 3838-97.2013.8.16.0090
166
A par disso, mais uma vez questiona-se: Se o Ministério Público e a sociedade civil
organizada tivessem acompanhado de perto todo o procedimento, inclusive aquele que deu
origem à criação de novos cargos comissionados. Se inteirado do trâmite junto à Câmara
Municipal para tais gastos públicos, vez que houve publicidade desses atos legislativos, o
desfecho dessa situação poderia ter sido diferente?
Certamente sim. O Ministério Público, dada sua autonomia, possui condições de
atuar preventivamente e repressivamente para uma boa aplicação das verbas públicas, e
poderia incentivar iniciativas de controle popular em apoio à uma melhor atuação dos
conselhos ligados à educação, exigindo os orçamentos detalhados da Educação Básica
(porque os orçamentos genéricos dificultam a compreensão da informação, o ideal
acompanhamento do procedimento, servindo de subterfúgio para a realização de desvios e
fraudes); poderia utilizar-se de suas prerrogativas para exigir mais fiscalização e transparência
da folha de pagamentos da Secretaria Municipal de Educação; poderia acompanhar mais
proximamente os trabalhos dos conselhos educacionais e auxiliá-los na fiscalização de bens e
prestação de serviços ligados à Educação e à movimentação dos recursos do FUNDEB e do
FNDE para a Educação Infantil.
A par disso, poderia também ter obstado o direcionamento de verbas públicas para a
criação de novos cargos em lugar do total adimplemento das obrigações para com a Educação
Básica. Mesmo porque, atualmente, além das informações que podem ser obtidas junto às
prefeituras, é possível ter acesso sobre muitos dados referentes à Educação Infantil junto a
banco de dados disponibilizados em sites especializados em pesquisas, análises e estatísticas,
tais como: MEC, INEP, IBGE, sites de ONGS, observatórios sociais ou nas próprias
Secretarias de Educação.
O conceito de fiscalização trazido por este art. 30 da CF deve ser estendido à
dimensão não só curativa de problemas na prestação dos serviços, mas também e fundamentalmente preventiva, haja vista que ela deve ser
permanente, tanto para evitar os problemas que não deseja, como para
oportunizar um espaço permanente de participação qualitativa ao atendimento das demandas que buscam os serviços alcançar, revitalizando-
os em níveis de eficácia social maximizada. Tal concepção por certo vem ao
encontro dos interesses comunitários que dão causa e sentido à prestação dos serviços públicos, com legitimidade renovada pela inclusão e ação social dos
seus usuários na conformação conceitual e de respostas às suas necessidades
(LEAL, 2008, p. 18).
Neste ponto, por fim, repousa também a importância dos Conselhos de Direito,
também chamados de Conselhos de Políticas Públicas, que diante do insucesso de alguns dos
167
meios de controle do poder público podem servir como nova alternativa a esta função. À
medida que algumas decisões do Poder Executivo vão sendo submetidas prioritariamente ao
crivo desses órgãos colegiados, promovendo-se uma espécie de prestação continuada de
gestão de serviços públicos, o principal interessado (o povo) passa a ter participação
permanente na gestão democrática da política pública.
Esses conselhos, sobretudo os de Educação, constituem-se como verdadeiros órgãos
públicos de composição prioritariamente paritária entre poder público e sociedade, o que lhes
dá condições de funcionalidade em prol de uma abertura democrática na gestão dos projetos,
programas e políticas financiados com recursos públicos (ALVES, 2013). Sobre o mau
aproveitamento histórico dos conselhos enquanto espaços de interlocução e sobre a
importância dos mesmos enquanto instrumentos de participação popular ressalta Alves
(2013):
É possível constatar um déficit de participação popular generalizado na
gestão das políticas públicas. Desde a década de 70, ouve-se da necessidade
de se “reduzir a democracia” para se “garantir a governabilidade”, já que uma pretensa “sobrecarga de democracia” estaria associada a uma “crise de
governabilidade”, possibilitando a elaboração de teorias elitistas da
democracia, como já tivemos oportunidade de descrever, quando nos referimos aos modelos agregativos.
Esse déficit democrático começa ser compensado na América Latina, na
década de 90, quando ocorra abertura política com a adoção de um modelo
democrático de regime político, que era capaz de assegurar , além da participação formal, por meio de eleições periódicas, outros mecanismos de
participação popular, como a constituição de conselhos, que integraram
paritariamente representantes do poder público e da comunidade, com competência para estabelecer, gerir e avaliar políticas públicas desenvolvidas
pelos governos (ALVES, 2013, p. 233).
Um dos grandes problemas com relação à funcionalidade dos conselhos nos
Municípios, sem dúvida, tem sido justamente assegurar que a escolha dos membros seja feita
de forma democrática, sob a perspectiva da sociedade civil, não do Poder Público. Na maioria
dos Conselhos existentes, os membros não são eleitos por voto universal, e os representantes
populares são praticamente indicados pelos gestores públicos sem qualquer tipo de delegação
explícita. Por conta disso, ao menos do ponto de vista governamental, não é incomum que a
representação em conselhos de direitos se faça por quem não tenha capacidade de decidir e
sem efeito vinculante à Administração Pública, o que esvazia substantivamente as
deliberações e discussões no âmbito dos próprios conselhos, tornando-os inócuos e ou
meramente ilustrativos (ALVES, 2013).
168
Na tentativa de mudar essa situação, representantes do Ministério Público dos
Estados e o CONANDA – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente –
uniram forças para promover, pela primeira vez em todo o Brasil, a escolha dos membros dos
Conselhos Tutelares através da eleição municipal por voto popular não obrigatório. Em 04 de
outubro de 2015, superando as expectativas, a população em peso compareceu às urnas para
eleger, dentre os candidatos, cinco membros e dois suplentes. Logo, com base em tal
participação voluntariosa ressalta-se que não há necessidade de se impor o voto, mas sim de
prestar os devidos esclarecimentos à população.
Outra medida que vem sendo estudada há algum tempo e que potencialmente pode
surtir bons efeitos à gestão das políticas públicas junto aos conselhos de direito, especialmente
nos municípios menores, é o aproveitamento da capacidade postulatória das procuradorias
municipais frente à defesa das prerrogativas dos Conselhos de Direito. De acordo com Alves
(2013), essa medida não implicaria em qualquer tipo de impasse jurídico e garantiria a
inclusão dos Conselhos de Direito, no rol de legitimados para a propositura de ação civil
pública, constante no art. 5º da Lei 7347/1985 em nome da boa gestão e da garantia aos
direitos fundamentais sociais, especialmente o direito à educação.
A realização do direito à educação beneficia o indivíduo, mas principalmente
enriquece toda a sociedade, uma vez que concretiza a democracia, os
princípios republicanos, o desenvolvimento da sociedade, reflexamente interessando ao próprio Estado. É indispensável ao desenvolvimento
humano, ao crescimento humano sustentável, à erradicação da pobreza, à
fiscalização dos poderes estatais, etc. (REZENDE; BREGA FILHO,
2015, p. 205)
No próprio Município de Ibiporã houve uma experiência nesse sentido que deu certo:
o Ministério Público e Procuradoria Geral desse município uniram esforços para auxiliar a
Secretaria Municipal da Assistência Social e o Conselho Municipal da Criança e do
Adolescente antes, durante e depois da eleição para a escolha dos cinco representantes do
Conselho Tutelar Municipal, oferecendo suporte técnico e treinamentos tanto daqueles que
ajudaram no processo eleitoral tanto quanto dos que, em data do último dia 04 de outubro,
venceram o pleito e tomaram posse no dia 10 de janeiro de 2016. Ademais, foi graças a todo
um trabalho conjunto de conscientização social que, de um total de aproximadamente 35.955
eleitores cadastrados, mais de 2.500 pessoas compareceram voluntariamente ao local de
votação.
169
3.5.2 A razoabilidade da decisão judicial ante as perspectivas do caso concreto
Ainda com relação afeta às vagas nas creches e pré-escolas do Município de Ibiporã,
além de o Poder Judiciário não ter acolhido a alegação do Município para o não atendimento
total da demanda por creches e pré-escolas, este reafirmou entendimento jurisprudencial no
sentido de que a existência de uma lista de espera serve como prova documental da
inobservância do dever legal de disponibilizar nos centros municipais de Educação Infantil
vagas para todas as crianças de zero a cinco anos. Da mesma forma, ainda que não tenha feito
o juiz da causa qualquer ponderação em relação à necessidade de um Ministério Público mais
proativo, necessário à prevenção contra o “mau gasto” público, pode-se dizer que a
condenação sofrida pelo ente Municipal foi razoável.
Primeiro, tem-se que o magistrado compreendeu a impossibilidade de o Município
esgotar a lista de espera alocando de forma imediata toda e qualquer criança que necessitar de
vaga nos centros educacionais sem desrespeitar as regras impostas pela Lei em nome da
aprendizagem e do estímulo pedagógico. Para tanto, condenou o Município a suprir a
demanda reprimida bem como aquela que vier a surgir em todo o seu território, concedendo-
lhe, contudo, o prazo de 4 (quatro) anos a contar de 2014 para obedecer um cronograma de
implantação protocolizado em juízo em data do dia 31 de março de 2015, cronograma este
que deverá ser contemplado no Plano Orçamentário Plurianual subsequente, sob pena de
multa cominatória diária, por cada criança que deixar de ser atendida, no valor de R$ 500,00
(quinhentos reais).
Condenou ainda o Município a realizar uma previsão de recursos necessários à
criação e ao aumento do número de vagas nos CMEIs nas propostas de leis orçamentárias dos
anos de 2015 e seguintes (Plano Plurianual, LDO e LOA), devendo ainda, quanto as já
definidas, promover a alocação e/ou remanejamento dos recursos necessários na proposta e/ou
Lei Orçamentária para 2015, com posterior execução prioritária do orçamento no setor, de
acordo com o disposto nos artigos 4º, caput e parágrafo único, alíneas “b”, “c” e “d” e 259,
parágrafo único, do ECA e Lei Complementar nº 101/2000, sob pena de multa diária de R$
1.000,00 (mil reais) (conforme artigo 461, § 5º, do Código de Processo Civil combinado com
artigo 213, § 2º, do ECA), ordenando a destinação desse valor ao fundo gerido pelo Conselho
dos Direitos da Criança e do Adolescente do Município, nos moldes do artigo 214 do ECA
combinado com os artigos 11 e 13 da Lei nº 7.347/1985.
Por fim, em hipótese de descumprimento do Município, condenou o ente público a
ter de celebrar convênio com creches e escolas particulares até que todas as crianças que
170
procurem o serviço sejam devidamente matriculadas, com base no artigo 461 e parágrafos,
aplicados subsidiariamente, em consonância com os artigos 152 do ECA e 19 da Lei nº
7.347/85.
É curioso que os eventos citados ocorridos em Ibiporã, mesmo condenáveis em todas
as suas interpretações, não foram suficientes para que o Poder Público, compreendido em suas
três esferas, o Ministério Público e a sociedade civil organizada revisassem a forma de sua
participação na elaboração e gestão da política pública, visto que quando da apresentação e
discussão do projeto do plano decenal de educação, esse foi tratado com certa desconfiança e
descrédito por todos esses segmentos. Continuou-se a engendrar ações pouco articuladas entre
si, com mínima adesão da comunidade envolvida, sem a participação efetiva do Ministério
Público e das Secretarias Municipais, escancarando a falta de diálogo entre as esferas do
poder. Por consequência, os mesmos segmentos sociopolíticos que se mantiveram inertes
durante todo o processo de discussão e elaboração do projeto do plano hoje colocam em
dúvida a funcionalidade e a eficácia do próprio plano, e questionam se as atitudes adotadas
pelo gestor de fato vão de encontro ao que deseja a coletividade, apontando a pouca
similaridade e entrosamento dos planos decenais com as reais necessidades locais. Essa falta
de diálogo entre as esferas, como observado em Ibiporã, estagna potencialmente todo o
sistema educacional e compromete a qualidade final da educação, exemplificando um quadro
político administrativo que supostamente se repete em todo território nacional.
Essa realidade tristemente evidencia que o problema da Educação Infantil, em
especial, não se esgota simplesmente sanando a falta de recursos, erigindo estruturas
adequadas, provendo melhor formação e valorização dos professores, melhores indicações
dos gestores escolares e melhor aproveitamento do tempo das crianças em sala de aula.
Demonstra a complexidade da política pública ante a importância em se valorizar as
experiências e as opiniões de professores e pedagogos na reconstrução da educação de
qualidade, e a premente necessidade de se trabalhar a participação popular na melhoria da
gestão dos recursos públicos.
Inexiste cidadania e democracia onde inexiste educação de qualidade. O
indivíduo que não recebeu prestação educacional ou a recebeu inadequadamente não é sujeito de direitos e obrigações, mas sim objeto. E
como tal, se torna passível de dominação, de exclusão e de marginalização.
Não é livre, pois não há liberdade onde o ensino é mecânico, com fins de adestramento e alienação. (REZENDE; BREGA FILHO, 2015, p. 221)
171
Por isso, a participação popular, sem sombra de dúvidas, é considerada por muitos a
medida que no momento mais se faz necessária, motivando inclusive uma mudança no
pensamento coletivo de que a boa educação não se faz somente com obras e discursos
populistas, mas na riqueza do diálogo promovido pelos atores sociais – uma mudança que,
apesar de lenta, deve ser gradual e continuamente aplicada pelos gestores, pois sua
solidificação se dá não no curto período de um mandato, mas no conjunto do exercício da
democracia.
172
CONCLUSÃO
Através de uma retrospectiva histórica da Educação Infantil foi possível demonstrar
que, num primeiro momento, os espaços destinados ao atendimento da criança foram
idealizados por uma sociedade patriarcal que visava descartar a criança nascida de mãe
solteira, e que essa ideia posteriormente foi dando espaço ao acolhimento de filhos de pais
pobres que trabalhavam fora de casa.
De igual maneira, pode-se constatar que o direito à creche e à pré-escola foi
conferido primeiro como direito da família, não da criança, e que foi por conta desse estigma
puramente assistencialista que a consolidação da creche e da pré-escola enquanto instituições
encarregadas de cuidar e educar crianças demorou a acontecer, apesar dos significativos
avanços na esfera dos direitos sociais que culminaram com a inserção na CF/88 do direito de
cidadania das crianças.
Restou evidenciado que, somente com o advento da LDBEN no ano de 1996, é que o
Brasil de fato conferiu às creches e às pré-escolas o papel complementar ao da família no que
diz respeito ao cuidado e educação das crianças pequenas. Mas que, ainda assim, continua-se
a desconsiderar, na prática, que a articulação entre escola (no sentido lato da palavra) e
família faz parte de praticamente todas as propostas pedagógicas, e que essa
complementaridade não se dá de forma tão natural e simples.
De acordo com o estudo, o Brasil jamais teve um planejamento efetivamente
articulado das políticas públicas necessárias à melhoria das condições de vida das famílias e
das crianças, o que sugere que, por não haver incentivo à geração de conhecimento mútuo e
cooperação com os núcleos familiares e escolas, maiores avanços na seara do atendimento
educacional infantil e sua gestão democrática demorarão a acontecer.
Nesta perspectiva, a questão da qualidade da Educação Infantil não pode ser
suficientemente explorada no decorrer da pesquisa, principalmente porque, com relação a esta
etapa da Educação Básica, inexistem instrumentos de avaliação direta dos alunos ou dos seus
pais, o que exigiria uma efetiva análise das unidades de ensino para se obter dados. Por conta
disso, concentrou-se na análise de um caso em concreto de judicialização da política
educacional para associar um diagnóstico jurídico ao tema do trabalho.
Mesmo assim, alguns resultados mostraram-se interessantes e merecem reflexão.
Primeiro, o estudo demonstrou que com a municipalização da política pública educacional
voltada à criança pequena a colaboração da União no pacto federativo pela Educação Básica
permaneceu tímida, mesmo sendo a União o ente da federação que mais detém arrecadações
173
fiscais. Segundo, a falta de recursos financeiros foi invocada por todos os Municípios cujos
julgados foram analisados. Em terceiro, dentre os fatores que supostamente fomentam a
judicialização da política pública educacional, sobressai a falta de diálogo entre as esferas de
poder, tanto nos processos administrativos anteriores quanto nos posteriores à fase de
implementação da política pública, indicando que de fato há uma resistência institucional por
parte do Ministério Público e Tribunais em dialogar com as outras esferas do Poder Público e
de participar das discussões necessárias à formulação, implementação e gestão das políticas
públicas, sobretudo educacionais. Como consequências diretas, a política pública educacional
infantil tem sido feita de maneira improvisada e sem muita qualidade, ao mesmo tempo em
que a gestão democrática e a participação popular firmam-se como as metas mais difíceis de
serem articuladas pelos planos decenais de educação.
Pode-se observar ainda que aliada à falta de interesse dos atores sociais em participar
dos processos de discussão e planejamento da política educacional infantil está o interesse da
Administração Pública em centralizar a forma como pontua as prioridades em nome do
interesse público, para confundi-lo com seus próprios interesses e fortalecer a gestão
autoritária dos espaços educacionais, o que sugere o fortalecimento dos conselhos de direito
como medida a contribuir para um melhor cumprimento das metas que compõem os Planos
decenais de educação, sobretudo às ligadas à gestão democrática.
A análise de caso, por sua vez, serviu para ilustrar não apenas o quão generalista tem
sido os argumentos em favor da judicialização da política pública educacional, mas também a
fragilidade dos fundamentos dados pela Administração Pública para justificar a dificuldade no
atendimento à demanda social. Identificou-se nos argumentos de ambos os lados que a
questão estrutural das creches e pré-escolas compõe o centro nerval das discussões, e que a
necessidade de se focar na qualidade do ensino infantil mediante a valorização dos
professores e educadores, peças indispensáveis no processo de aprendizagem e evolução das
crianças tem sido ignorada ou tratada com superficialidade.
De forma geral, a pesquisa trouxe dados importantes para conhecimento da gestão
municipal da Educação Infantil e compreensão dos efeitos negativos da judicialização da
política pública, principalmente quando é desconsiderada a premente necessidade da
consolidação do diálogo face os profissionais da educação, elementos indispensáveis à
implementação e qualidade da política educacional.
Em especial, pode-se afirmar que todo o estudo serviu para reforçar a ideia já
concebida de que não se devem esperar grandes avanços sociais através de pequenos retoques
nas políticas públicas, e que os problemas no processo de ensino e aprendizagem, violências
174
verbais e ou físicas enfrentados nos ensinos fundamental e médio poderiam ser minimizados
se houvesse o emprego de uma infraestrutura sólida (pedagógica, humana e financeira) desde
a Educação Infantil.
Tudo leva a crer que, se houvesse investimentos em políticas públicas centradas no
acesso, permanência e acompanhamento dessas crianças que constituem a Educação Infantil,
as chances de se ter bons resultados na formação do cidadão mais humanizado e solidário em
relação aos seus pares seriam maiores. E que, os primeiros passos dados na escola
representam um nível importante na evolução global da criança e na troca de experiências
necessárias à vida adulta.
Por fim, foi possível compreender que o ato de ler, o de escrever e o de realizar
atividades de raciocínio lógico-matemático são objetivos educacionais, mas que trabalhar o
lúdico com a criança tem também um caráter educativo que merece ser considerado. Daí a
importância de se investir na formação e valorização docente, na construção de um currículo
básico em consonância com a realidade dessa modalidade, melhores condições de trabalho
pedagógico, estreitamento do vínculo professor-aluno, por meio da permanência desse
professor por mais anos com a mesma turma, como alternativas capazes de consolidar o
processo educativo e de se valorizar um ambiente físico escolar que possa despertar na
criança o prazer de estar na escola.
Mais especificamente, em relação às crianças que vivem em situação de risco, ou em
condições economicamente menos favorecidas, constatou-se que a Educação Infantil tem uma
importância muito mais relevante, porque é na escola que poderão manusear livros, ouvir e
criar histórias, brincar e interagir, ter os primeiros contatos com os números, as letras e a
escrita de seu próprio nome – inclusive receber as orientações de higiene pessoal que, muitas
vezes, os seus responsáveis não lhes repassam. São crianças que sofrem o “abandono escolar”
em razão da discriminação enfrentada no interior da própria escola, ou que não são acolhidas
nos seus casulos familiares como deveriam. A elas que as políticas públicas devem dedicar
eficientemente maior atenção, oportunizando-lhes o conforto pedagógico e as condições de
permanência em escolas dignas, pois promover o direito à Educação Infantil não é só
regulamentar o direito à matrícula.
Acredita-se que uma Educação Infantil que se preocupa em acolher a todos deve
estar aberta a oferecer a cada criança o que de melhor a educação pode contribuir para a sua
formação, sem acorrentá-la à obrigação “de transformar a sociedade” logo que adentra o
ambiente educativo. Para isso, entende-se como inevitável romper com o paradigma do
assistencialismo sem implantar uma prática centrada na educação estritamente formal. E que,
175
é preciso saber dosar o lúdico com as primeiras letras, porque é isso que faz dessa modalidade
de educação um diferencial em relação às demais, e torna possível o processo de
reconhecimento da criança como indivíduo participativo da sociedade.
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ANEXOS
191
Tabela Suplementar 1: Estatística das matrículas de 29 instituições de ensino de Ibiporã-PR. As colunas
destacadas se referem às modalidade englobadas pela educação infantil.
INSTITUIÇÃO
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IO I
BE
RÇ
ÁR
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2º
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5º
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OL
AS
1 ALDIVINA MOREIRA - - - - - 23 26 30 34 24 - - - - - 137
2 ALICE ROMA - - - - - 73 66 83 72 75 - - - 12 - 381
3 ALMERINDA F. - - - - - - 39 48 27 20 - 10 - - - 144
4 CARLOS GUIMARÃES - - - - - 51 86 102 90 63 10 - - 12 118 532
5 ALBERTO SPIACI 29 39 41 60 55 51 75 58 68 80 7 9 - - 284 856
6 HELENA KAKITANI - - - - - 24 26 26 26 46 - - - 10 - 158
7 IVANILDES NALIN 15 20 19 22 25 25 23 24 28 28 - - - - - 229
8 MARIA INÊS - - - - - 56 46 69 47 60 - 7 - - 134 419
9 MÁRIO DE MENEZES - - - - - 26 27 25 29 25 - 9 - - - 141
10 NELSON SPERANDIO - - - - - 65 73 60 59 47 - - - - - 304
11 ROTARY CLUB - - - - - 53 99 86 98 59 11 16 - - - 422
12 VERA LÚCIA 30 20 24 24 25 21 25 25 28 28 - - - - - 250
13 CASTELO BRANCO - - - - - - 21 24 - 15 - - - - - 60
14 SEBASTIÃO LUIZ - - - - - 23 17 24 15 13 - - - - - 92
CE
NT
RO
S
15 ARACY SALINET 24 40 36 40 44 - - - - - - - - - - 184
16 BARBARA MACHADO 21 18 24 39 38 - - - - - - - - - - 140
17 CANTINHO FELIZ 15 20 23 44 31 - - - - - - - - - - 133
18 CARINHO MATERNO 15 19 23 18 23 - - - - - - - - - - 98
19 CAESMI - - - - - - - - - - - - 24 - - 24
20 CLAUDIO ROMANO 28 39 48 40 42 - - - - - - - - - - 197
21 DÁLGIMA E.M. BORGES 15 20 25 18 25 - - - - - - - - - - 103
22 IDALINA S. SOBREIRA 15 19 23 23 24 - - - - - - - - - - 104
23 REC. DOS BAIXINHOS - - 9 32 44 - - - - - - - - - - 85
24 MÂEZINHA DO CÉU 29 42 39 44 58 - - - - - - - - - - 212
25 MARIA CRISTINA 15 20 35 38 33 - - - - - - - - - - 141
192
26 MARIA DO CARMO 30 22 22 25 24 47 - - - - - - - - - 170
27 MENINO DEUS 15 10 21 18 9 - - - - - - - - - - 73
28 PRECIOSO TESOURO 7 12 7 7 15 - - - - - - - - - - 48
29 ZILDA ROMANO 15 20 19 17 22 - - - - - - - - - - 93
318 380 438 509 537 538 649 684 621 583 28 51 24 34 536 5930
Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Ibiporã. Agosto de 2015
Tabela Suplementar 2: Total de alunos matriculados
por modalidade de ensino.
Total Ensino Fundamental 3075
Total Educação Infantil 2182
Total Educação Especial 103
Total Educação de Jovens e Adultos 34
Total Mais Educação 536
Total de alunos 5319
Total de matrículas 5930 Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Ibiporã. Agosto de 2015