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Luizão Maia – a sua grande contribuição para o samb a
Luizão Maia – his great contribution to samba.
Lucas Nascimento Ferreira 1
RESUMO: O presente artigo se propõe a demonstrar a importância e contribuição do contrabaixista brasileiro Luizão Maia ao gênero musical “Samba”. Os seguintes aspectos foram analisados: a acentuação do tempo ‘2’ (dois) na mesma intenção do surdo da percussão e também a adição de artifícios rítmicos, entre eles o uso de ghost notes (notas fantasmas) nas levadas. Faz-se também no presente trabalho a transcrição de uma de suas maiores apresentações, mostrando a musicalidade aonde destacam-se estes dois aspectos desenvolvidos por ele (acentuação rítmica do segundo tempo (2) e aplicação de ghost notes no samba). Tais inovações tornaram-se importantes para a música e o contrabaixo mantendo-se presentes na contemporaneidade em gravações deste gênero musical.
PALAVRAS-CHAVE : Contrabaixo elétrico. Luizão Maia. Samba. Acentuação do tempo dois. Notas fantasmas.
ABSTRACT : This article proposes to demonstrate the importance and contribution of Brazilian bass player Luizão Maia to the musical genre "Samba". The following aspects were analyzed: the accentuation of time '2' (two) in the same intention of the deaf person of the percussion and also the addition¹ of rhythmic artifices, among them the use of ghost notes² in the levadas. The present work also transcribes one of his greatest presentations, showing the musicality where he emphasizes these two aspects developed by him (rhythmic accentuation of the second time (2) and application of ghost notes in samba). Such innovations have become important for music and bass while remaining present in contemporaneity in recordings of this musical genre. KEYWORDS: Bass guitar. Luizão Maia. Samba. Time two accent. Ghost notes.
INTRODUÇÃO
No dia 03 de abril de 1949, na cidade do Rio de Janeiro, nasce Luiz Oliveira
da Costa Maia, precisamente em Vila Isabel, como ele fazia questão de destacar
com orgulho, e citar Noel Rosa, como um dos símbolos do bairro que dizia: “Vila
Isabel dá samba”.
Conforme citado por Pescara, 2013, Luizão começou a “dar samba” enquanto
observava seus irmãos tocarem e ensaiarem em sua casa e buscava imitá-los:
Quando paravam, e deixavam o violão de lado, ele o pegava e repetia alguns acordes feitos por eles. Desta forma aprendeu a tocar
1 Aluno do 6º período do Curso de Licenciatura em Música (EaD), da Universidade Vale do Rio Verde – Unincor – Três Corações/MG
e descobriu com o violão seu talento natural para a música. (PESCARA, 2013).
Aos quinze anos, substituiu o violão pelo contrabaixo acústico. Com ele
gravou alguns discos de música brasileira, mas achava que o instrumento não era
“escutado” como ele desejava que fosse, percebeu que com o elétrico era mais
“ouvido”. Na mesma época começou a tocar jazz com o saxofonista Victor Assis
Brasil, e em seguida formou o respeitado grupo Formula 7. Por ele passaram o
guitarrista Hélio Delmiro, Marcio Montarroyos no trompete, Cláudio Caribé na
bateria, João Luis na outra guitarra e Hélio Celso no piano.
Luizão Maia revelou-se no cenário da música brasileira, “libertando” o baixo
para trilhar outros caminhos até então nunca atribuídos ao instrumento. A linguagem
utilizada no instrumento baixo elétrico antes de Luizão era completamente diferente.
A participação do contrabaixo na música brasileira era restrita apenas ao
baixo acústico e anteriormente ao violão de 7 (sete) cordas que muito inspirou o
contrabaixo elétrico posteriormente. As linhas executadas pelo contrabaixo acústico
eram extremamente simples, apenas repetindo a marcação do tempo com as
fundamentais (tônicas) do acorde.
Luizão adotou de forma pioneira a utilização do baixo elétrico em fins dos
anos 1960 e em pouco tempo demonstrava total domínio sobre o instrumento e
consequentemente sobre o gênero samba.
No presente trabalho através de pesquisa bibliográfica e discográfica
analisaremos aspectos que forneçam subsídio para relação entre a atuação do
músico com a contribuição do mesmo para o aperfeiçoamento instrumental na
execução do samba.
DESENVOLVIMENTO
No Brasil, considera-se no meio musical Luizão Maia como “o pai do baixo
elétrico no samba” conforme afirma Randi, 2015. Se na atualidade os contrabaixistas
tocam o samba acentuando o tempo ‘2’, na mesma intenção do surdo da percussão,
indubitavelmente foi ele o difusor e criador desta técnica de execução.
Uma nova forma de se tocar o samba foi desenvolvida por Luizão Maia que
perdura até os dias de hoje e consiste na simulação do efeito sonoro imitando o
surdo, com diferenças de intensidade (dinâmicas), variedades rítmicas de notas (não
existentes no surdo, pois ele atua apenas como marcação em semínimas).
Um destes recursos é a colocação e execução nas linhas das chamadas
“ghost notes”, ou notas mortas, na condução do baixo. Ela é a nota que interfere
sem ser necessariamente tocada melodicamente, fazendo como dissemos um tipo
de sonoridade percussiva. Luizão descobriu desta forma, um novo tempero que se
tornou o swing, o balanço na execução de linhas de baixo no samba.
Uma das características marcantes deste músico era a valorização das
dinâmicas musicais de sua mão direita que possuía uma “pegada” e técnica únicas,
priorizando o trabalho com esta mão, que se destacava muito acima de efeitos e de
amplificadores.
Possuía um timbre muito característico graças a uma técnica desenvolvida de
se tocar pizzicato com o uso mesclado dos dedos e das unhas. Podemos citar
também como elemento formador de seu timbre inconfundível o uso por vários anos
de um velho Fender Precision Bass2.
Os registros discográficos das composições no baixo elétrico são
consideravelmente fáceis de serem encontrados já que Luizão Maia foi responsável
pelo gravação das linhas de baixo elétrico na maioria dos discos de artistas
brasileiros nas décadas de 1970 e 1980.
Contabilizam-se mais de setecentas músicas em mais de uma centena de
discos. Percebe-se a sua assinatura em clássicos da MPB que marcaram a história
de vários movimentos importantes no Brasil.
Como em expressões, frases, refrões que se perpetuaram nas vozes
estrelares deste país. E quem estava ali no baixo era ele: Luizão! O que podemos
perceber é que junto com Luizão está a história dos anos esplendorosos da MPB,
conforme observamos abaixo:
2 Fender Precision Bass - primeiro modelo de baixo elétrico, criado e introduzido no mercado por Leo
Fender, em 1951 e que ainda é fabricado e utilizado amplamente no mundo todo.
Ouçam clássicos que fizeram a história e descubram Luizão! Ouçam Elis Regina, Chico Buarque, Gal Costa, Sivuca, Leni Andrade, Maria Betânia, Tim Maia. Ouçam, com um bom fone de ouvido para escutar bem o baixo! Independente do seu estilo ou gosto musical, pois cultura sempre faz bem e informação não ocupa espaço. Ouçam! Pois além de ouvir Luizão, vão degustar boa música. Nosso orgulho. O melhor produto de exportação. A música brasileira! (ROCHA, 2009, p.25).
Luizão Maia em suas gravações deixou clara a importância de linhas bem
executadas pelo acompanhamento do contrabaixista. Importante se faz salientar-se
que a valorização de trabalhos solos com ênfase instrumental de músicos
contrabaixistas é hipervalorizada na contemporaneidade, tornando-se quase que
uma obrigatoriedade o registro discográfico de um trabalho solo para comprovação
da competência musical performática.
Neste viés parte-se para uma predileção aos músicos que tocam de forma
mais virtuosística, induzindo-se a uma à reduzida importância àqueles que
acompanham de forma mais singela, atentando-se a valorização do cantor, tal qual
Luizão Maia sempre fez, conforme vemos abaixo:
E estejam atentos a um detalhe: Luizão Maia gravava em uma época em que o arranjador não levava ao estúdio de gravação a música escrita, mas apenas dava sua sugestão de harmonia e sua ideia do que tinha em mente. A partir destas informações, deixava por conta dos músicos a criação de todo o ambiente do arranjo. Ali na hora. E Luizão gravou desta forma uma enormidade de discos com arranjos de baixo absurdamente perfeitos, lindíssimos, bons de ouvir, que davam o clima e faziam diferença na música (ROCHA, 2009, p.32).
Mesmo não possuindo estudo formal em música, mas consciente da
necessidade de ter conhecimento em leitura musical, o músico Luizão Maia
estudava constantemente, se aperfeiçoando e pesquisando.
Ele afirmava que em se tratando de orquestras os músicos recebiam com
antecedência o que iriam tocar, já em, situações de estúdio de gravação era
surpreendido com o material a ser gravado apenas no momento em que adentrava
ao estúdio.
Mesmo sendo no samba a sua destacada marca registrada como baixista,
Luizão como músico exímio tocava também outros estilos e ritmos. Acompanhou
vários jazzistas consagrados tais como: os guitarristas Lee Ritenour, George Benson
e Toots Thielemans, o pianista Herbie Hancock e os saxofonistas Wayne Shorter e
Sadao Watanabe. Destacam-se os gêneros baião, bolero, valsa, blues, xote,
sambaião, música latina com os que mais tinha afinidade em execução, e
obviamente sua relação íntima com a performance do contrabaixo no samba.
Fazendo menção rápida às origens do samba, este gênero musical tem
origem no início do século XX no Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia. Seus
precursores são, entre outros: Francisco Alves, Henrique Volenger, Araci Cortes e
Donga (compositor de Pelo Telefone primeiro samba gravado – 1917).
Basicamente compostas em compasso binário, as melodias do samba e seu
acompanhamento são extremamente sincopados com deslocamentos dos tempos
fortes e fracos dentro dos compassos.
O contraste existente entre o pulso marcado nos dois tempos existentes no
samba (com acento forte no segundo tempo) e as muitas figuras sincopadas da
melodia e dos instrumentos de percussão mostram claramente ritmos poli rítmicos
que caracterizam o estilo. Podemos dividir a secção rítmica do samba em três níveis
poli rítmicos simultâneos: Os surdos tocam os tempos 1 e 2, os chocalhos,
pandeiros, caixas, reco-reco e ganzás tocam as semicolcheias e os instrumentos de
acentuação(tamborins, agogôs, cuícas) tocam os acentos das síncopes conforme
ilustram as figuras abaixo:
Figura 1 - (Fonte: The Brazilian Guitar Book – Nelson Faria)
Legenda: A Acentuação no tempo 1 e 2
Figura 2 – (Fonte: Música Brasileira para Contrabaixo – Adriano Giffoni) Legenda: Acentuação no 2° tempo
Figura 3 – (Fonte: Música Brasileira para Contrabaixo – Adriano Giffoni) Legenda: Acentuação no 2° tempo
Observando-se a figura 3 acima temos a divisão rítmica típica do samba
executada em instrumentos de percussão como o pandeiro e transcrita para
contrabaixo elétrico ao se tocar a primeira e a última das semicolcheias de cada
tempo e utilizando-se da segunda e da terceira semicolcheias apenas como apoio
rítmico de forma percussiva, ou seja, como notas “mortas” ou “fantasmas”
alcançando-se uma sonoridade muito elaborada do baixo que deve ser aguda, para
não se confundir com a percussão existente no samba.
Na música, uma nota fantasma ou em inglês ghost note é uma nota musical
com um valor rítmico, mas nenhuma altura melódica discernível de seu instrumento
quando tocada. Na notação musical elas são representadas por um "X" grafado na
pauta, conforme a figura abaixo:
Figura 4 - Ilustração da nota morta em notação musical e tablatura de guitarra (Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Ghost_note#/media/File:Deadnote.png)
No contrabaixo elétrico, as notas fantasmas podem ser executadas abafando-
se as cordas, quer com a mão direita, quer com a mão esquerda, o que cria um som
percussivo e o efeito amplamente utilizado na execução de sambas sendo o pioneiro
nesta utilização o baixista tema deste trabalho.
Figura 5 - notas de fantasmas indicadas por cabeças de nota em forma de "x". (Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Ghost_note#/media/File:Bass_ghost_note_groove.png)
Analisando interpretações como na música “Na Baixa do Sapateiro”, de Ary
Barroso, na versão da cantora Elis Regina, percebe-se a elaboração da linha de
baixo de Luizão Maia tanto harmônica quanto ritmicamente ao reproduzir no baixo as
células rítmicas do surdo e sua interação com a bateria principalmente na
valorização das notas graves junto ao bumbo. Importante a utilização mista de dedo
e unha para executar o pizzicato deixando-o mais claro.
No quadro abaixo podemos observar uma análise de destaques na execução
melódica e rítmica do baixo elétrico na composição “Cai dentro” de Baden Powell e
Paulo César Pinheiro, interpretada pela cantora Elis Regina e com as linhas de baixo
de Luizão Maia.
Figura 6 – Características da linha de baixo tocada por Luizão Maia em “Cai dentro”. (Fonte: http://www.coverbaixo.com.br/luizo-maia)
Na sequencia destacamos a partitura completa da transcrição da linha de
baixo da música “Cai Dentro” aonde o baixista prioriza tanto a condução rítmica
quanto inserções melódicas mais elaboradas como as presentes nos compassos 16
e 17 que trazem convenções executadas por todo o conjunto.
Figura 7 – Linha transcrita do baixo executado por Luizão Maia destacando a acentuação do tempo 2 . (Fonte: http://www.coverbaixo.com.br/luizo-maia)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desenvolvimento do presente estudo possibilitou o conhecimento de alguns
aspectos da vida e da obra do contrabaixista Luizão Maia de modo a relacionarmos
sua vivência musical com a criação dos artifícios rítmicos utilizados por ele em suas
adaptações ao gênero musical o samba o que o tornaram relevante referência para
o meio musical popular no Brasil e em especial aos contrabaixistas.
Utilizando-se desses artifícios rítmicos principalmente no tocante a
acentuação do segundo tempo no compasso de samba e ao simular a intenção
rítmica do surdo, percebe-se o elemento percussivo no pizzicato e a utilização de
notas fantasmas ou notas mortas o que amplia além da possibilidade melódica do
contrabaixo elétrico em uma incursão rítmica mais elaborada o que foi infundido por
Luizão Maia em sua abordagem em execução no instrumento baixo elétrico, sendo
amplamente utilizada por instrumentistas que estão inseridos em estudos ou
profissionalmente na execução de música brasileira em especial o samba.
Este trabalho buscou demonstrar a afinidade rítmica existente entre melodia e
percussão no instrumento contrabaixo elétrico de forma a valorizar pesquisa
bibliográfica e discográfica sobre um dos precursores do contrabaixo elétrico no
Brasil analisando partitura com elementos que o caracterizaram como referência na
execução de samba e simulacro de instrumentos percussivos juntamente com
melodias.
Destaca-se a importância desta pesquisa para a valorização do estudo de
repertório em ritmos brasileiros em especial o samba e sua aplicação em estudos
específicos de contrabaixo elétrico e dada a amplitude do tema não esgotamos o
assunto mas enaltece-se a importância para o aprimoramento e aperfeiçoamento em
ritmos brasileiros tanto para fins didáticos quanto em performance musical.
REFERÊNCIAS
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