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1 JOSÉ JOÃO LANCEIRO DA PALMA LUTAS SOCIAIS E CONSTRUÇÃO DO SUS: o movimento de saúde da zona leste da cidade de São Paulo e a conquista da participação popular na saúde São Paulo 2013 Tese apresentada à Universidade Federal de São Paulo para obtenção do título de Doutor em Ciências

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JOSÉ JOÃO LANCEIRO DA PALMA

LUTAS SOCIAIS E CONSTRUÇÃO DO SUS:

o movimento de saúde da zona leste da cidade de São Paulo

e a conquista da participação popular na saúde

São Paulo

2013

Tese apresentada à Universidade Federal de São Paulo para obtenção do título de Doutor em Ciências

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LUTAS SOCIAIS E CONSTRUÇÃO DO SUS:

o movimento de saúde da zona leste da cidade de São Paulo

e a conquista da participação popular na saúde

JOSÉ JOÃO LANCEIRO DA PALMA

São Paulo

Maio de 2013

Tese apresentada à Universidade Federal de São Paulo para obtenção do título de Doutor em Ciências Orientadora: Profa. Dra. Elisabeth Niglio de Figueiredo

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ficha catalográfica provisória

elaboração do autor

* *** Palma, José João Lanceiro da. Lutas sociais e construção do SUS: o movimento de saúde da zona leste da cidade de São Paulo e a conquista da participação popular na saúde. – São Paulo: J.J.L. Palma, 2013. 212p. Orientadora: Profa. Dra. Elizabeth Niglio de Figueiredo. Tese (doutorado) – Universidade Federal de São Paulo. 1. Participação Social. 2. Movimentos Sociais. 3. Conselhos de Saúde. 4. Reforma Sanitária. 5. Política de Saúde/história. 6. Sistema Único de Saúde/história. 7. Saúde Pública/história. I. Título.

*** (**) CDU *****

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Para o Severino, que participou desta pesquisa, e nos deixou muito cedo.

Para a Zulmira, para o seu Naelson e para a Ivaneide, com muito carinho e respeito.

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AGRADECIMENTOS

Este estudo só foi possível com o apoio de muita gente, amigos e amigas, companheiros e

companheiras, que dos mais variados modos contribuíram em sua realização. Também a

todos e todas que já pesquisaram este tema, ou que com ele têm compromisso. Esta tese é

fruto de trabalho coletivo, voltado para outros coletivos. E espera contribuir na luta, tão

antiga quanto atual, pelo SUS e por uma sociedade mais justa. Sintam-se todos presentes

aqui. Este trabalho também é de vocês.

Agradeço ainda:

ao pessoal do Movimento de Saúde da Zona Leste e Sudeste, e da União de

Movimentos Populares de Saúde da cidade de São Paulo, pelo seu exemplo na luta

pelo SUS e pela participaçãosocial, sem vocês esta tese não teria existido.

ao Centro de Direitos Humanos de Sapopemba e a todos os participantes da

pesquisa CDHS/MSZL, em especial a cada pesquisadora e pesquisador. Às

coordenadoras do campo, Ana Maria de Oliveira Campos, Lucirene Aparecida

Carignato e Roberta dos Reis Neuhold, e ainda a Cláudia Maria Afonso de Castro, do

MSZL, Ivaneide Carvalho, do CDHS, Marisilda Silva, da Alesp, e Paulo Fortes, da FSP-

USP, que inventaram grande parte disso tudo e fizeram acontecer.

a Marisilda Silva, amiga e companheira de trabalho desde antes, pela presença em

todo o processo e pelo prazer da companhia. Se não bastasse, também pela revisão

crítica e cuidadosa dos originais e sua normalização.

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a Ana Brêtas, parceira fundamental nesta caminhada, responsável por me colocar

nessa aventura. Gratíssimo. E a João Marcolan, também culpado disso.

a Elizabeth Niglio de Figueiredo, minha querida orientadora, pela confiança,

paciência e apoio nesse processo, me ensinando o caminho das pedras.

aos colegas do Núcleo de Estudo e Pesquisa sobre Saúde, Políticas Públicas e Sociais,

onde se insere o presente projeto, por manterem viva sua rica experiência junto aos

movimentos populares e moradores de rua. A você também, Cristina Wafae.

às professoras Janice Schirmer e Lucila Amaral Carneiro Vianna, da Escola Paulista de

Enfermagem, que sedia o núcleo, pela confiança, apoio e acolhimento.

a Paulo Fortes, João Marcolan, Ana Brêtas e Nivaldo Carneiro Junior, pelas valiosas

dicas, comentários e sugestões, nos seminários e na qualificação, que contribuíram

em muito para este resultado final.

a Fatima, Raphael e Bruna, pelo amor e companheirismo na vida, e pelo apoio,

compreensão e paciência nesse período.

à Capes, pela bolsa, que teve um papel importante para a sobrevivência do

pesquisador.

Obrigado a todos, por tudo.

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RESUMO PALMA, José João Lanceiro da. Lutas sociais e construção do SUS: o movimento de saúde da zona leste da cidade de São Paulo e a conquista da participação popular na saúde. 2013. Tese (Doutorado). Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, 2013. A participação social é a principal marca distintiva do SUS – Sistema Único de Saúde. Institucionalizada na Constituição Federal de 1988 e pela Lei 8142/1990, tem como principais instrumentos os Conselhos de Saúde e as Conferências, nas esferas municipal, estadual e nacional de governo, com caráter deliberativo, periodicidade regular e composição paritária, com 50% de representantes dos usuários, 25% de trabalhadores da saúde e 25% de gestores e prestadores de serviços, configurando a mais importante experiência de democracia participativa em curso no país. No Brasil, desde meados dos anos 1970, ainda sob a ditadura, moradores de bairros pobres, desassistidos e periféricos da zona leste da cidade de São Paulo, iniciariam lutas populares por melhores condições de vida, conquistando unidades de saúde e nelas criando conselhos, com participação de trabalhadores e gestores. E passariam a eleger conselhos populares de saúde nos bairros, visando organizar a luta pela saúde e articulá-la às demais lutas sociais em curso. Essas experiências estariam na origem dos atuais conselhos de saúde, que se constituiriam, em grande parte, como fruto dessas lutas. O estudo realiza uma reconstrução histórica desse período, até 2007, do ponto de vista dos movimentos e da participação social, buscando mapear a presença e atuação exemplar do Movimento de Saúde da Zona Leste (MSZL) na construção do SUS e dos conselhos de saúde, junto a um amplo conjunto de militantes, entidades e movimentos, a partir da realidade social concreta da cidade de São Paulo. Com base em pesquisa participante realizada pelo MSZL em 2007, com 914 entrevistas, estuda ainda o perfil sócio-demográfico de seus integrantes e, com a desagregação de seus dados em séries históricas, evidencia mudanças na composição de sua base social, nas características de seu ativismo, nas percepções e motivações sobre o próprio movimento, o SUS e sua participação nos conselhos institucionais e conselhos populares de saúde, buscando uma compreensão de sua dinâmica histórica. Entre outros resultados, a pesquisa mostra uma renovação do movimento no período recente e mudanças internas que indicam sua atualização, junto às mudanças que o próprio movimento veio imprimindo à sociedade. Descritores: Participação Social. Participação Comunitária. Movimentos Sociais. Conselhos de Saúde. Sistema Único de Saúde/história. Reforma Sanitária. Política de Saúde/história. Saúde Pública/história.

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ABSTRACT PALMA, José João Lanceiro da. Lutas sociais e construção do SUS: o movimento de saúde da zona leste da cidade de São Paulo e a conquista da participação popular na saúde / Social fights and the formation of the Unified Health System: the health movement from the East zone of the city of São Paulo and the conquest of popular participation in health. 2013. (Thesis) –Universidade Federal de São Paulo, São Paulo (BR), 2013. Social participation is the main hallmark of SUS - Unified Health System. Institutionalized in the Federal Constitution of 1988 and the Law 8142/1990, has as its main instruments Health Councils and Conferences, at the municipal, state and national government levels, with deliberative, regular periodicity and parity composition, with 50% of representatives of society, 25% of health workers and 25% of managers and service providers, setting the most important experience of participative democracy underway in the country. In Brazil, since the mid-1970s, still under the dictatorship, residents of poor neighborhoods and underserved peripheral zone east of the city of São Paulo would initiate popular struggles for better living conditions, health units and conquering them by creating councils, with participation workers and managers. And would elect the popular health advice in neighborhoods, in order to organize the struggle for health and articulate it to other social movements underway. These experiences were the source of current health councils, which were constituted, largely as a result of these struggles. The study conducts a historical reconstruction of the period, until 2007, from the standpoint of social movements and participation, seeking to map the presence and activities of the exemplary Movement Health East Zone (MSZL) in the construction of SUS and health councils, next to a large group of activists, organizations and movements from the concrete social reality of the city of São Paulo. Based on participant research conducted by MSZL in 2007, with 914 interviews, still studying the socio-demographic profile of its members, and based on the breakdown of your data in historical series, shows changes in the composition of its social base, the characteristics of their activism, perceptions and motivations of the movement itself, the NHS and its participation in the councils institutional and popular health advice, seeking an understanding of their historical dynamics. Among other findings, the survey shows a renewal movement in the recent period and internal changes that indicate your upgrade, along with the changes that the movement itself came to the printing in the society. Keywords: Social Participation. Consumer Participation. Social Movements. Health Councils. Brazilian Unified Health System/history. Health Reform in Brazil. Health Policy/ history. Public Health/ history.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Quadro 1 – Número e distribuição prevista das vagas para a sociedade civil na 8ª

CNS. 72

Figura 1 – Administrações regionais de saúde, distritos e unidades de saúde na cidade de São Paulo, 1992. 83

Quadro 2 – Comparativo do número e da proporção de conselhos gestores, 1992 e 1995. 99

Figura 2 – Fluxo financeiro do PAS. 105

Quadro 3 – Conselhos Populares de Saúde nas zonas leste e sudeste de São Paulo, 1998. 110

Quadro 4 – Entidades conveniadas com a SMS-SP para a implantação do PSF, em 2001. 115

Quadro 5 – Estabelecimentos de saúde em atividade* por tipo de atendimento, segundo esfera administrativa, no município de São Paulo, 2002. 121

Figura 3 – Ilustração do cartunista Bira feita para o MSZL. 124

Quadro 6 – Eleições dos conselhos populares de saúde na cidade de São Paulo, 1978-2007. 142

Figura 4 – Localização da pesquisa na região metropolitana da grande São Paulo. 145

Figura 5 – Zona leste e as três áreas em que foi dividida para realização da Pesquisa CDHS/MSZL, São Paulo, 2006. 147

Figura 6 – Reprodução da capa da publicação Uma Fotografia, CDHS/MSZL, 2007. 150

Figura 7 – Proporção de entrevistados por local de nascimento, MSZL, 2006. 152

Tabela 1 – Número e proporção de entrevistados segundo o sexo e a atividade econômica informada, MSZL, 2006. 153

Figura 8 – Número e proporção de entrevistas por década de entrada, MSZL, 2006. 156

Figura 9 – Proporção de entrevistados segundo o sexo, por década de entrada, MSZL, 2006. 157

Tabela 2 – Número e proporção de entrevistados segundo a escolaridade, por década de entrada, MSZL, 2006. 158

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Tabela 3 – Número e proporção de entrevistados segundo a faixa etária no começo da participação, por década de entrada, MSZL, 2006. 159

Tabela 4 – Número e proporção de entrevistados por faixa etária, MSZL, 2006. 159

Tabela 5 – Principais categorias de motivos para participação no movimento, por década de entrada, MSZL, 2006. 160

Figura 10 – Proporção de entrevistados que participavam do movimento à época da pesquisa, por década de entrada, MSZL, 2006. 162

Tabela 6 – Principal motivo para deixar de participar do movimento à época da entrevista, por década de entrada, MSZL, 2006. 163

Figura 11 – Principal motivo de ordem pessoal para deixar de participar do movimento à época da entrevista, MSZL, 2006. 165

Figura 12 – Principais mudanças que a participação no movimento de saúde trouxe para a vida pessoal, MSZL, 2006. 166

Tabela 7 – Principal conquista por década de entrada, MSZL, 2006. 167

Tabela 8 – Entrevistados que responderam que não houve conquistas/houve poucas conquistas segundo a participação atual ou não no movimento, por década de entrada, MSZL, 2006. 168

Figura 13 – Membros de conselho gestor à época da pesquisa, por década de entrada, MSZL, 2006. 169

Figura 14 – Membros de conselho popular de saúde à época da pesquisa, por década de entrada, MSZL, 2006. 170

Figura 15 – Participação em outros movimentos, conselhos, sindicatos e partidos políticos, por década de entrada, MSZL, 2006. 171

Tabela 9 – Propostas de ação mais frequentes visando o direito à saúde, MSZL, 2006. 172

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LISTA DE SIGLAS

ABCD Identifica Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul e Diadema, cidades de região tradicionalmente industrial do Estado de São Paulo

Abrasco Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva

AI-5 Ato Institucional n° 5

AMA Unidade de Assistência Médica e Ambulatorial

AMI Assistência Médico-Individual

AMSESP Associação dos Médicos Sanitaristas do Estado de São Paulo

Aneps Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular e Saúde

ANMM Associação Nacional dos Movimentos de Moradia

ANS Agência Nacional de Saúde

APSP Associação Paulista de Saúde Pública

ARS Administrações Regionais de Saúde

ASSES Associação dos Servidores da Secretaria Estadual de Saúde

BID Banco Interamericano de Desenvolvimento

CDHS Centro de Direitos Humanos de Sapopemba “Pablo Gonzáles Olalla”

Cebes Centro Brasileiro de Estudos da Saúde

Cebrap Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

CEBs Comunidades Eclesiais de Base

Cedec Centro de Estudos de Cultura Contemporânea

Cefor Centro de Formação dos Trabalhadores da Saúde

CES-SP Conselho Estadual de Saúde

CGT Confederação Geral dos Trabalhadores

CMP Central de Movimentos Populares

CMS-SP Conselho Municipal de Saúde

CNBB Conferência Nacional dos Bispos de Brasil

CNS Conferência Nacional de Saúde

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CNS Conselho Nacional de Saúde

CNTSS Confederação Nacional dos Trabalhadores em Saúde e Seguridade Social

Conam Confederação Nacional de Associações de Moradores

Conasems Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde

Conass Conselho Nacional de Secretários de Saúde

Conclat Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras

Contag Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura

Cosems Conselho de Secretários Municipais de Saúde

CPI Comissão Parlamentar de Inquérito

CPV Centro Pastoral Vergueiro

CUT Central Única dos Trabalhadores

Denasus Departamento Nacional de Auditoria do SUS

DS Distritos de Saúde

FAS Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social

Fiocruz Fundação Osvaldo Cruz

FMI Fundo Monetario Internacional

FSM Fórum Social Mundial

Fumdes Fundo Municipal de Saúde

HSPM Hospital do Servidor Público Municipal

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

Inamps Instituto Nacional de Assistência Médica da Presidência Social

IS Instituto de Saúde

MEC Ministério da Educação

MPAS Ministério da Previdência e Assistência Social

MS Ministério da Saúde

MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra

MSZL Movimento de Saúde da Zona Leste

NOB Norma Operacional Básica

OMS Organização Mundial da Saúde

ONGs Organizações Não-Governamentais

OP Orçamento Participativo

OPAS Organização Pan-Americana da Saúde

OSCIPs Organizações Sociais de Interesse Público

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OSs Organizações Sociais

Pacs Programa de Agentes Comunitários de Saúde

PAISM Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher

PAS Plano de Atenção à Saúde

PCB Partido Comunista Brasileiro

PCdoB Partido Comunista do Brasil

PDS Partido Democrático Social

PDT Partido Democrático Trabalhista

PFL Partido da Frente Liberal

PIB Produto Interno Bruto

PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro

Pnad Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

PPA Plano de Pronta Ação

Pro-AIM Programa de Aprimoramento das Informações de Mortalidade

PSDB Partido da Social Democracia Brasileira

PSF Programa de Saúde da Família

PT Partido dos Trabalhadores

SES-SP Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo

SGEP-MS Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde

SindSaúde-SP Sindicato dos Trabalhadores Públicos da Saúde no Estado de São Paulo

SMS-SP Secretaria Municipal de Saúde

SOF Serviço de Orientação Familiar

SUDS Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde

SUS Sistema Único de Saúde

UBS Unidade Básica de Saúde

UCA Unidade de Cobertura Ambulatorial

UMM União dos Movimentos de Moradia

UMPS União de Movimentos Populares de Saúde da Cidade de São Paulo

UNE União Nacional dos Estudantes

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 15 Capítulo 1

O PROCESSO DA PESQUISA E AS QUESTÕES TEÓRICAS E METODOLÓGICAS 33 Capítulo 2

DOS CONSELHOS POPULARES AOS CONSELHOS DE SAÚDE 48 Capítulo 3

O GOVERNO LUIZA ERUNDINA E A CONSTRUÇÃO PARTICIPATIVA DO SUS 81 Capítulo 4

DESMONTE, PRIVATIZAÇÃO E RESISTÊNCIA: MALUF, PITTA E O PAS 97 Capítulo 5

O GOVERNO MARTA SUPLICY: RECONSTRUÇÃO DO SUS E PARTICIPAÇÃO 113 CAPÍTULO 6

O INÍCIO DO PERÍODO SERRA-KASSAB, A CONSOLIDAÇÃO DAS OSs E A PARTICIPAÇÃO LIMITADA 134 Capítulo 7

MOVIMENTO DE SAÚDE DA ZONA LESTE: UM AUTORRETRATO 144 CONSIDERAÇÕES FINAIS

173

BIBLIOGRAFIA CITADA

178

ANEXOS

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INTRODUÇÃO

O SUS COMO CONQUISTA DA LUTA SOCIAL

O Sistema Único de Saúde (SUS) surge como conquista de um longo processo de acúmulo e

de lutas que, pelo menos desde a metade dos anos 1970, veio envolvendo inúmeros grupos

sociais, entre os quais donas de casa, trabalhadores da saúde e sindicalistas, estudantes,

docentes e pesquisadores, gestores públicos e militantes dos mais diversos movimentos

sociais, que se constituíam no mesmo período.

O SUS tem raízes históricas nas lutas sociais dos anos 1970 e 1980, junto à emergência de

todo um conjunto de novos sujeitos sociais, que viriam marcar a cena do período, gerando

importantes transformações, que ainda se fazem presentes em nossos dias1.

Na Região Metropolitana da Grande São Paulo, em particular, viriam a se desenvolver

algumas das mais importantes lutas sociais do período, ainda sob a ditadura, e entre esses

novos personagens iríamos encontrar moradoras e moradores das periferias, então em

processo de grande expansão, grupos de mães, participantes das novas comunidades de

base da igreja católica, membros das nascentes oposições sindicais e entidades populares,

estudantes e operários, além de militantes de esquerda, organizados ou não, entre muitos

grupos sociais. No campo da saúde, àqueles passaram a se somar estudantes e jovens

médicos sanitaristas, que então assumiam por concurso público a direção de Centros de

Saúde, e que, junto a outros trabalhadores e militantes, passavam a estimular a organização

popular e as lutas pelo direito à saúde e por melhores condições de vida e trabalho2.

1 - Apud GOUVEIA, Roberto; PALMA, José João Lanceiro da. O SUS: na contramão do neoliberalismo e da

exclusão Social. Estudos Avançados, v. 13, n. 35, 1999 (Dossiê saúde). 2 - A esse respeito veja-se, em especial, SADER, Eder. Quando novos personagens entraram em cena:

experiências, falas e lutas dos trabalhadores da Grande São Paulo, 1970-1980. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,

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O surgimento desses novos movimentos populares animava a sociedade civil e afrontava a

ditadura vigente. Em 1977 o movimento estudantil ganharia as ruas, em seguidos protestos

contra o regime militar, enquanto um novo sindicalismo trazia à cena a força dos

trabalhadores, como nas emblemáticas greves e manifestações ocorridas nas cidades do

ABCD paulista. Movimentos que, em seu conjunto, apontavam para o fim da ditadura e a

possibilidade de um novo período histórico no Brasil.

No campo da saúde, os movimentos sociais e populares, ao mesmo tempo que estimulavam

o pensamento crítico que se desenvolvia nas universidades3, promoviam avanços na luta

pelo direito à saúde, reforçados pela conquista de novas unidades de saúde, especialmente

na região leste da cidade de São Paulo. Seria nessa região que emergiria, a partir da metade

dos anos 1970, um movimento popular de saúde que, organizado de modo autônomo e

independente do Estado, passava a eleger conselheiros populares em eleições públicas nos

bairros e a promover atos públicos, caravanas e mobilizações, somando-se a outros

movimentos, gerando condições sociais e políticas para o devir de um novo sistema de

saúde, público e universal. Não só o “posto de saúde”, mas também o hospital – um sistema

integral, organizado conforme as necessidades do povo das periferias e que, uma vez

conquistado, passaria a contar com mecanismos de controle popular. Encontram-se nessas

lutas algumas das raízes mais profundas do que viriam a ser os princípios do SUS e, em

especial, de seus mecanismos de controle e participação social.

1995; e SINGER, Paul; BRANT, Vinicius Caldeira. (Orgs.). São Paulo: o povo em movimento. 3. ed. Petrópolis: Vozes/Cebrap, 1982. 3

- Uma revisão dessa produção pode ser encontrada em NUNES, Everardo Duarte. Sobre a sociologia da saúde: origens e desenvolvimento. São Paulo: Hucitec, 1999. São marcantes desse período, e ainda atuais: DONNANGELO, Maria Cecília Ferro. Medicina e sociedade. São Paulo: Pioneira, 1975; DONNANGELO, Maria Cecília Ferro; PEREIRA, Luiz. Saúde e sociedade. 2. ed. São Paulo: Duas Cidades, 1979; AROUCA, Sérgio. O dilema preventivista: contribuição para a compreensão e crítica da Medicina Preventiva. Rio de Janeiro: Fiocruz; São Paulo: Unesp, 2003; MENDES-GONÇALVES, Ricardo Bruno. Medicina e história: raízes sociais do trabalho médico. 1979. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo; COHN, Amélia. Previdência social e processo político no Brasil. São Paulo: Ed. Moderna, 1980; LUZ, Madel T. As instituições de saúde no Brasil: instituição e estratégia de hegemonia. Rio de Janeiro: Graal, 1978; SINGER, Paul; CAMPOS, Oswaldo; OLIVEIRA, Elizabeth M. de. Prevenir e curar: o controle social através dos serviços de saúde. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1988; MERHY, Emerson Elias. O capitalismo e a saúde pública. 2. ed. Campinas: Papirus, 1987; COSTA, Nilson do Rosário. Lutas urbanas e controle sanitário. Petrópolis: Vozes; Rio de Janeiro: Abrasco, 1985; BRAGA, José Carlos de Souza; PAULA, Sérgio Góes de. Saúde e previdência: estudos de política social. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1986; OLIVEIRA, Jaime A.; TEIXEIRA, Sonia Maria Fleury. A (im)previdência social: 60 anos de história da previdência no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1986; MACHADO, Roberto et al. Danação da norma: a medicina social e a constituição da psiquiatria no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1978; entre outros.

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Será em meio à complexidade desses múltiplos processos históricos, não lineares, por vezes

contraditórios, que esta pesquisa buscará demonstrar a presença do Movimento de Saúde

da Zona Leste (MSZL), que se constitui nesse período, junto a outros movimentos sociais e

populares, na conquista, defesa e exercício daquilo que é a principal marca distintiva do SUS

diante de outros sistemas de saúde4: o controle e a participação social, com base em

mecanismos inovadores gestados pela própria sociedade, em suas lutas – os Conselhos e as

Conferências de Saúde.

Assim, em que pesem todos os limites e as dificuldades, que também conformam o SUS, os

Conselhos de Saúde encontram-se presentes hoje em todos os 5.565 municípios brasileiros,

envolvendo mais de 80.000 conselheiros, constituindo-se na mais vasta rede de mecanismos

de controle e participação social do país, conformados não apenas como espaços públicos

de acompanhamento, fiscalização e debate, mas também de deliberação e controle das

políticas de saúde, nas três esferas de governo, municipal, estadual e nacional. Espaços que

também muitas vezes se constituem como locais de disputa e conflito, e de expressão das

lutas sociais e populares, lutas que historicamente vêm contribuindo, de modo decisivo, para

a democratização do Estado, da gestão e das políticas públicas, das ações e dos serviços de

saúde, servindo como importante exemplo a outros setores sociais.

MOVIMENTOS SOCIAIS E REFORMA SANITÁRIA

Apesar da vasta produção existente nas Ciências Sociais sobre os movimentos sociais5, é

4 - A propósito dos sistemas de saúde em outros países e da questão da participação, veja-se: BACKMAN,

Gunilla et al. Health systems and the right of health: an assessment of 194 countries. Lancet, v. 372, n. 9655, p. 2047-2085, dec. 2008; SILVA, Eduardo Moreira da Silva; CUNHA, Eleonora Schettini M. Experiências internacionais de participação. São Paulo: Cortez, 2010. (Pensando a democracia participativa, vol. 1); BERLINGUER, Giovanni; TEIXEIRA, Sonia Maria Fleury; CAMPOS, Gastão Wagner de Sousa. Reforma sanitária: Itália e Brasil. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Cebes, 1988; e SERAPIONI, Mauro; ROMANI, Oriol. Potencialidades e desafios da participação em instâncias colegiadas dos sistemas de saúde: os casos de Itália, Inglaterra e Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 22, n. 11, p. 2411-2421, nov. 2008. 5 - Uma revisão das diversas correntes de pensamento e de sua produção na área pode ser encontrada em

GOHN, Maria da Glória. Novas teorias dos movimentos sociais. São Paulo: Loyola, 2008. Estudos sobre a produção acadêmica a partir dos anos 1970 encontram-se em KAUCHAKJE, Samira. 35 anos de pesquisa sobre movimentos sociais: permanências e diversidades nas teses e dissertações realizadas na USP e Unicamp.

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interessante notar, no campo da Saúde Coletiva, em especial nos estudos sobre a “reforma

sanitária brasileira”, sua relativa ausência. Por vezes, quando tratados, o são a partir de

fragilidades ou problemas, ou a partir de supostas adequações ou inadequações a teorias

prévias, sujeitos no mais das vezes relegados a um papel secundário, periférico ou mesmo

inexistente.

Esta pesquisa é sobre sua presença.

Buscando identificar origens dessa questão, Eduardo Stotz6 chama atenção para o “caráter

marginal” dessa temática na Saúde Coletiva, identificando ainda um “atraso teórico” em

grande parte dos estudos acadêmicos do movimento da reforma sanitária, nos quais se faria

presente uma “forte circularidade das ideias dentro de um pensamento marcadamente

militante”, deixando na obscuridade importantes aspectos da realidade:

O atraso teórico pode ser interpretado, pois, como uma consequência do predomínio, no movimento reformista, de preocupações relacionadas à definição do arcabouço jurídico-legal e ao trabalho de engenharia institucional capazes de conformar um novo padrão de proteção social na saúde.

Ou nas palavras de Sonia Fleury7:

... a estratégia reformista de ocupação de espaços ‘estratégicos’ e a quase absolutização da mudança ao nível formal da institucionalidade democrática encaminharam a Reforma Sanitária para fora das organizações sociais, acuando-as nas torres da academia, nos gabinetes da burocracia e nas ante-salas do Parlamento. A pergunta que permanece nos debates é em que medida esta estratégia estava informada por um paradigma no qual as estruturas tomaram o lugar dos sujeitos, enfim, da própria história?

Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, DF, n. 3, jan./jul. 2010 (Dossiê movimentos sociais e ação coletiva), e em CAVALCANTI, Maria de Lourdes Tavares et al. Participação em saúde: uma sistematização de artigos publicados em periódicos brasileiros – 1988/2005. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, n. 17, v. 7, p. 813-1823, 2012. Veja-se ainda AVRITZER, Leonardo. Introdução. In: AVRITZER, Leonardo. (Org.). A dinâmica da participação local no Brasil. São Paulo: Cortez, 2010, p.7-56. 6 - STOTZ, Eduardo Navarro. Movimentos sociais e saúde: notas para uma discussão. Cadernos de Saúde

Pública, Rio de Janeiro, v. 10, n. 2, p. 264-268, abr./jun. 1994. 7 - Idem, ibidem.

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Trata-se aqui de uma crítica às leituras estruturalistas – mecânicas e reducionistas, da obra

de Marx e de Gramsci, bem como de suas implicações tanto na produção teórica como na

ação política do movimento da reforma sanitária.

As dificuldades encontradas na busca de superação dessa abordagem são também

indicativas de sua força e da complexidade do tema. Assim, para além dos estudos que se

utilizam da transposição de teorias, categorias ou conceitos, no mais das vezes formulados

nos países centrais, buscando demonstrar nossa “adequação” ou “inadequação” diante

determinados modelos teóricos, ou ainda ignorando as diferentes histórias e socialidades

entre os movimentos “do norte” e “do sul”, conforme a crítica de Boaventura de Sousa

Santos8, encontraremos ainda outros estudos que, mesmo partindo de perspectivas

diversas, acabam por encobrir ou naturalizar os conflitos e as relações de poder entre as

diferentes classes ou segmentos sociais e o Estado, o que no caso brasileiro pode ser

explicado, ao menos em parte, como reflexo da estratégia “de ocupação de espaços

institucionais” – com todas as suas implicações teórico-conceituais e práticas.

Como mostra Amélia Cohn9, a criação e a institucionalização do SUS é fruto da ação de

múltiplos sujeitos, presentes, desde metade da década de 1970, tanto na universidade como

nas esferas municipal, estadual e federal de gestão, nos sindicatos de trabalhadores, nas

corporações profissionais, nos inúmeros movimentos sociais e em entidades então recém-

criadas, como a Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco) e o

Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes), este último congregando militantes da

universidade e dos serviços, e editando a revista Saúde em Debate.

A esse processo denominou-se “movimento da reforma sanitária” – termo não unívoco e

que guarda em seu interior importantes tensões e conflitos, pouco explicitados, em parte

dada a clandestinidade a que eram submetidos, sob a ditadura militar, os partidos e as

organizações de esquerda do período, a exemplo do Partido Comunista Brasileiro (PCB), que

então, majoritariamente, optava pela política de “ocupação de espaços institucionais”, em

especial no Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS)– no qual viria a se localizar

8 - SANTOS, Boaventura de Sousa. Renovar a teoria crítica e reinventar a emancipação social. 7. ed. São Paulo:

Boitempo, 2007. 9 - COHN, Amélia. Caminhos da reforma sanitária. Lua Nova, São Paulo, n. 19, nov. 1989.

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o Instituto Nacional de Assistência Médica da Presidência Social (Inamps) –, no Ministério da

Saúde (MS) e na Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), entre outros.

Esses conflitos, ocultos no campo da esquerda sanitária, expressavam-se não apenas na

crítica mais ou menos velada ao privilégio dado à ação institucional por parte dos

reformistas, ainda sob o regime militar, com seus inevitáveis limites, compromissos e

constrangimentos, mas, especialmente, nas implicações dessa lógica sobre os objetivos

estratégicos do movimento da reforma sanitária, como se observa, por exemplo, no período

do histórico movimento pelas eleições diretas (Diretas Já, 1984) que, derrotado, assistiria ao

surgimento do governo da “nova república”, com um programa de saúde elaborado sob

forte influência da parcela de militantes da “reforma sanitária” que já havia optado pela

atuação no interior do aparelho de Estado. Esse setor, que então abandonava a oposição,

teria sua ação fortemente condicionada à lógica da governabilidade e da institucionalidade,

no interior de um governo conservador, eleito indiretamente, em um período histórico que

viria a ser marcado pelo avanço e posterior hegemonia do neoliberalismo10.

Gastão Wagner de Sousa Campos, em embate com Sonia Fleury nas páginas da revista Saúde

em Debate11, buscava identificar e criticar o que ironicamente definia como a “teoria oficial

da reforma sanitária”, com o “predomínio de proposições originárias de instituições estatais

contra aquelas provenientes de segmentos da sociedade civil”. Resgatando a importância da

8ª Conferência Nacional de Saúde (1986), afirmava que, “embora convocada pelo governo

(...) suas resoluções pertencem à sociedade civil, representam um embate entre os limites

da política oficial e a vontade dos que dela participaram (...) para além do que pretendiam as

autoridades constituídas e o bloco politicamente dominante”, ainda que, na sequência do

processo político, tenha sofrido uma “redução na abrangência e no conteúdo de suas

resoluções finais” 12.

10

- Veja-se COHN, Amélia. Caminhos da reforma sanitária. Lua Nova, São Paulo, n. 19, nov. 1989; e OLIVEIRA, Jaime A. Reformas e reformismo: para uma teoria política da reforma sanitária (ou, reflexões sobre a reforma sanitária de uma perspectiva popular). In: COSTA, Nilson do Rosário et al. (Orgs.). Demandas populares, políticas públicas e saúde. Petrópolis: Vozes; Rio de Janeiro: Abrasco, 1989 (v. 1). 11

- TEIXEIRA, Sonia Maria Fleury. A análise necessária da reforma sanitária. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, n. 22, p. 25-27, out. 1988; e CAMPOS, Gastão Wagner de Sousa. Tréplica: o debate necessário à construção de uma teoria sobre a reforma sanitária. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, n. 23, p. 7-12, dez. 1988. 12 -

CAMPOS, Gastão Wagner de Sousa, op. cit.

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As divergências expressavam-se tanto na produção acadêmica quanto na ação política.

Desse modo, o movimento popular de saúde chega a ser conceituado como “o fantasma da

classe ausente”, em texto acadêmico que defendia a lógica institucional da “política de

ocupação de espaços”13. Fantasma que seria responsabilizado por problemas de uma

reforma sanitária da qual, curiosamente, não teria participado. Esse autocentramento

desqualificador da ação de outros sujeitos sociais na formulação do SUS, ou a possível

invisibilidade desses fantasmas, pode ser compreendido, ao menos em parte, por um

desconhecimento da realidade social para além dos centros elaboradores situados no Rio de

Janeiro e em Brasília, invisibilidade que também pode ser evidenciada no discurso de

importantes dirigentes estatais do período, como é visível nos depoimentos colhidos por

Vicente Faleiros e outros14.

A Constituição Federal de 1988, promulgada na sequência da 8ª Conferência Nacional de

Saúde (1986), após importante mobilização social durante o período constituinte, traria em

seu texto final os princípios e as diretrizes do que viria a ser o SUS, representando a mais

importante conquista das lutas do povo brasileiro pelo seu direito à saúde, tomado como

direito de todos e dever do Estado, fundado nos princípios da universalidade, integralidade,

equidade e participação.

MOVIMENTOS SOCIAIS E PRÁTICAS DE SAÚDE

A emergência dos novos sujeitos históricos dos anos 1970 e 1980 corresponde ao

surgimento de todo um conjunto de novos movimentos sociais, em praticamente todas as

áreas da vida social. No campo da saúde, em especial, veremos sua participação não apenas

no plano da luta política e por direitos, mas também no plano da transformação das práticas

13

- Veja-se, entre outros: ESCOREL, Sarah. Reviravolta na saúde: origem e articulação do movimento sanitário. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1998; RODRIGUES NETO, Eleutério. A via do parlamento. In: TEIXEIRA, Sonia Maria Fleury (Org.). Saúde e democracia: a luta do Cebes. São Paulo: Lemos Editorial, 1997; e ESCOREL, Sarah. Saúde: uma questão nacional. In: TEIXEIRA, Sonia Maria Fleury (Org.). Reforma sanitária: em busca de uma teoria. São Paulo: Cortez; Rio de Janeiro: Abrasco, 1989. 14

- FALEIROS, Vicente de Paula et al. A construção do SUS: histórias da reforma sanitária e do processo participativo. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2006.

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de saúde15. Destacam-se aqui, entre muitos, o movimento feminista, o movimento da luta

antimanicomial, o novo sindicalismo e organizações não-governamentais (ONGs) que

emergem da luta contra a Aids, em período mais recente.

É importante destacar a importância desses movimentos na origem de todo um conjunto de

novos saberes e práticas contra-hegemônicos, cujas possibilidades de realização histórica se

ampliavam junto à presença dos demais movimentos.

Inicia-se assim o enfrentamento de todo um conjunto de práticas de saúde fundadas na

higienização, controle, normatização e disciplinarização, em especial dos pobres, das

mulheres, das crianças, dos trabalhadores e dos desviantes da ordem social, práticas de

saúde que, no conjunto de sua ação social visavam garantir a manutenção e o bom

funcionamento da estrutura social e a reprodução da sociedade de classes, através de sua

medicalização16.

Será a entrada em cena de novos sujeitos sociais que possibilitará a criação de todo um

conjunto de outros campos de conhecimento e de práticas, com forte sentido

emancipatório.

Assim, será da crítica e da luta do movimento feminista contra as práticas de controle e de

violência física e institucional contra o corpo da mulher e seus direitos reprodutivos, marcas

da ginecologia e obstetrícia tradicionais, que virá a nascer um novo e fecundo campo de

conhecimento e de práticas, a saúde da mulher17.

Do mesmo modo, da crítica às instituições psiquiátricas e suas práticas de vigilância,

contenção, segregação e exclusão social, através do movimento da luta antimanicomial,

15 -

Apud MENDES-GONÇALVES, Ricardo Bruno. A saúde no Brasil: algumas características do processo histórico nos anos 80. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v.5, n.1, p. 99-106, jan./mar. 1991. 16 -

Utilizamos aqui o termo de Ivan Illitch em ILLICH, Ivan. A expropriação da saúde: nêmesis da medicina. 4. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981. A esse respeito, veja-se ainda: DONNANGELO, Maria Cecília Ferro; PEREIRA, Luiz, op. cit.; SINGER, Paul; CAMPOS, Oswaldo; OLIVEIRA, Elizabeth M. de, op. cit.; AROUCA, Sérgio, op. cit; MACHADO, Roberto et al., op. cit; FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 3. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1982; DELEUZE, Gilles. Conversações. São Paulo: Editora 34, 2008; HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Multidão: guerra e democracia na Era do Império. Rio de Janeiro: Record, 2005. 17

- Veja-se: COSTA, Ana Maria. Participação social na conquista das políticas de saúde para mulheres no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, v. 14, n. 4, p. 1073-1083, 2009; PINTO, Célia Regina Jardim. Uma história do feminismo no Brasil. São Paulo: Perseu Abramo, 2003; MACHADO, Leda Maria Vieira. Atores sociais: movimentos urbanos, continuidade e gênero. São Paulo: Annablume, 1995; OLIVEIRA, Vera Aparecida de. Memórias de mulheres dos movimentos sociais da zona leste de São Paulo: histórias de resistência. 2007. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, entre outros.

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surgirá o campo da saúde mental18. Dos enfrentamentos do novo sindicalismo contra a

“medicina do trabalho”, voltada à manutenção da produção e à seleção e controle da força

de trabalho, que surgirá o campo da saúde do trabalhador19 e, em meio à epidemia da Aids,

será a partir da luta do movimento gay contra o preconceito e a segregação que se buscará

derrotar a hegemonia do velho higienismo social e sua infectologia, abrindo espaços para

novos conhecimentos e práticas sociais, através da criação de programas e ações

inovadoras, participativas e emancipatórias20.

Registre-se ainda o papel desempenhado pelos movimentos populares, como os de moradia,

saneamento e educação, por creches, transporte e trabalho, entre muitos, no

enfrentamento de determinantes sociais do processo saúde-doença, mantendo viva uma

agenda para além da assistência ao doente, muitas vezes atuando articulados aos

movimentos de saúde e incidindo nos processos de controle e participação social do SUS,

especialmente nos conselhos de saúde exigindo – cuja importância exige o desenvolvimento

de estudos específicos.

PARA UMA ABORDAGEM CRÍTICA DO SUS

Nesses mais de vinte anos de existência, em que pesem todos seus problemas e dificuldades,

os avanços promovidos pelo SUS são incontestáveis e comprovados por inúmeros estudos

epidemiológicos, análises de acesso e cobertura e estudos qualitativos os mais diversos,

sendo evidentes tanto seus impactos positivos nos indicadores de saúde como a extensão,

diversidade e criatividade de suas ações e seus programas, em todos os níveis de atenção,

18

- Veja-se: AMARANTE, Paulo (Coord.). Loucos pela vida: a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2009; MAIA, Rousiley C.M.; FERNANDES, Adélia B. O movimento antimanicomial como agente discursivo na esfera pública política. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 17, n. 48, fev. 2002, entre outros. 19

- Veja-se: ANTUNES, Ricardo. O novo sindicalismo no Brasil. Campinas: Pontes, 1995; CPV/Instituto Lidas. Projeto Memória Operária. São Paulo: CPV, 2007. CD-ROM; RIBEIRO, Herval Pina; Lacaz, Francisco Antonio de Castro (Orgs.). De que adoecem e morrem os trabalhadores? São Paulo: Diesat/Imesp, 1984; entre outros. 20

- Veja-se: RAMOS, Silvia. O papel das ONGs e a construção de políticas de saúde: a Aids, a saúde da mulher e a saúde mental. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 9, n. 4, p. 1067-1078, 2004; SANTOS, Gustavo F. C. Mobilizações homossexuais e estado no Brasil: São Paulo (1978-2004). Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 22, n. 63, fev. 2007; entre outros.

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servindo de exemplo para inúmeros países que buscam melhorias em seus sistemas de

saúde21.

Ainda assim, como mostra Amélia Cohn22:

... se não quisermos nos condenar ao conforto das vitórias passadas e delas viver (...) há que sobre elas se debruçar de forma crítica na busca de suplantar os limites e dificuldades que esses mesmos processos impõem para que se avance na própria implementação dos princípios e diretrizes do SUS, agora aggiornados à ‘nova’ realidade de 20 anos depois. Nesse sentido, minha tese é a de que, diante do esgotamento, exatamente devido ao seu sucesso, mas também pela sua insuficiência constatada nesses 20 anos de Reforma Sanitária original, há que se enfrentar com galhardia essas insuficiências hoje relegadas, na maior parte dos casos, ao tabu de um buraco negro (...) Em decorrência, a tarefa, portanto, que se impõe para a nossa comunidade é a de pelo menos apontar as insuficiências da Reforma Sanitária dos anos 70, 80 e parte dos 90 para, a partir desse quadro, retomar o que foi uma de suas principais características: sua capacidade propositiva, que surpreendeu os demais setores quando da Assembléia Nacional Constituinte, com sua proposta organizacional para a saúde: o SUS.

Trata-se aqui do desafio de retomar e atualizar, desde uma perspectiva crítica, sentidos

transformadores originais que vieram se esvaziando no tempo, junto a possibilidades não

realizadas, buscando mobilizar as energias emancipatórias aí presentes, “nesse espaço

virtual onde reside grande parte da força transformadora do SUS”23. Para tanto, faz-se

necessário reconhecer os problemas que hoje se anunciam:

21

- A esse respeito, veja-se, entre outros: Health conditions and health-policy innovations in Brazil: the way forward. Lancet, v. 377, n. 9782, p. 2042-2053, May 2011. Disponível em: <http://www.thelancet.com/series/health-in-brazil>. Acesso em: 26 jan. 2012; BRASIL. Ministério da Saúde. Painel Panorâmico: Brasil. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2007 (Painel de Indicadores do SUS, 3); IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar 2010. Rio de Janeiro, 2011. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 26 jan. 2012; MACINKO, James; GUANAIS, Frederico C E; SOUZA, MARINHO DE SOUZA, Maria de Fátima. Evaluation of the impact of the program on infant mortality in Brazil, 1990-2002. Journal of Epidemiology and Community Health, v. 60, n. 1, p. 13-19, Jan. 2006. 22

- COHN, Amélia. A reforma sanitária brasileira após 20 anos de SUS: reflexões. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 25, n. 7, p. 1614-1619, jul. 2009. 23

- Idem, ibidem.

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25

A partir da década de 90, e mais acentuadamente nos anos recentes, verifica-se um deslocamento na produção acadêmica e não acadêmica, das grandes questões envolvidas na proposta original da Reforma Sanitária (...) para estudos de caráter pragmático e tecnicista. Não se trata aqui de atribuir juízos de valor a um e outro, mas tão somente de apontar a perda do caráter reflexivo da produção do campo, subsumida pela visão tecnicista da implantação ou implementação do SUS24.

Esse deslocamento na produção teórica no campo da saúde coletiva traz consigo implicações

também no campo teórico-conceitual, ocasionando um esvaziamento dos sentidos originais

de muitos conceitos, que necessitam ser (re)qualificados, sob o risco de expressarem mais

ambiguidades do que clarezas, com todas as consequências teóricas e práticas que daí

podem advir.

É importante notar neste momento o progressivo esvaziamento dos conteúdos

emancipatórios presentes na proposta original da Reforma Sanitária, que foram sendo

esterilizados e substituídos pela crescente tecnificação das propostas, estudos e análises,

levando a um esvaziamento da produção crítica e impactando a própria ação política,

ocasionando assim a despolitização dos debates e das próprias ações de saúde, em todas as

esferas, inclusive a técnica.

É importante não esquecer que esse fenômeno veio ocorrendo em um ambiente mundial de

desmonte das políticas sociais e dos aparatos técnicos e institucionais do Estado, muitas

vezes entregues à lógica do mercado, em um processo próprio do neoliberalismo, por

décadas. Na sociedade brasileira contemporânea, em que pese o sentido contra-

hegemônico do SUS e das demais políticas sociais, ainda são notáveis as heranças desse

processo, e muitas vezes insuficientes ou contraditórias as respostas, mesmo porque ainda

produzidas, reproduzidas ou contaminadas pela cultura, pelo pensamento e pelas práticas

próprias do mercado e do capital25.

Tome-se, por exemplo, a baixa capacidade regulatória do Estado, exercida por agências

criadas junto ao processo de privatização de bens e serviços públicos na década de 1990,

com estrutura, legislação e normas elaboradas para servir, em última instância, à lógica e às

24

- COHN, Amélia. A reforma sanitária brasileira após 20 anos de SUS: reflexões. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 25, n. 7, p. 1614-1619, jul. 2009. 25

- Veja-se a esse respeito: LAURELL, Asa Cristina (Org.). Estado e políticas sociais no neoliberalismo. São Paulo: Cortez/Cedec, 1995.

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regras do capital – e não à lógica do SUS, no caso da saúde. Trata-se aqui de um mercado

poderoso e complexo, no qual se destacam, além da indústria farmacêutica, de

imunobiológicos e de equipamentos, as empresas privadas de planos de saúde e

seguradoras ligadas ao capital financeiro. Estas últimas, planos e seguradoras, afora isenções

fiscais do Estado, têm com o SUS uma relação de parasitagem – utilizando-se de seus

serviços de emergências, medicamentos de alto custo e serviços de alta complexidade,

conforme seus interesses, e nele despejando, após décadas de pagamento, a grande maioria

dos que se aposentam – e assim perdem o acesso a planos coletivos. Note-se ainda que aos

planos e seguros privados não interessa um sistema público, universal e de qualidade – mas

a manutenção dos problemas, iniquidades e privilégios hoje existentes, que servem à sua

manutenção e crescimento26.

Nesse contexto ocorre a crescente terceirização da gerência dos serviços públicos de saúde,

seja por Organizações Sociais (OSs), por Organizações Sociais de Interesse Público (OSCIPs)

ou por fundações privadas, estas últimas, em geral articuladas a instituições de ensino, que

se expandiram por todo o país, mais especialmente no Estado de São Paulo, transformando-

se por vezes em grandes empresas.

É importante notar que esse processo tem origem junto à proposta de “reforma do Estado”

de 1995 que, fundada em bases neoliberais, propunha como “estratégia de transição” a

“transferência do setor estatal para o público não-estatal”, sob a forma de "organizações

sociais", processo de visava não apenas o setor saúde, mas “tendo prioridade os hospitais, as

universidades e escolas técnicas, os centros de pesquisa, as bibliotecas e os museus”, que,

além de recursos orçamentários, passariam a contar com uma maior “parceria com a

sociedade, que deverá financiar uma parte menor mas significativa dos custos dos serviços

prestados”27.

26

- Veja-se: BAHIA, Ligia et al. Cobertura de planos privados de saúde e doenças crônicas: notas sobre utilização de procedimentos de alto custo. Ciência & Saúde Coletiva, v. 9, n. 4, p. 921-929, 2004; e BAHIA, Ligia. Padrões e Mudanças no Financiamento e Regulação do Sistema de Saúde Brasileiro: impactos sobre as relações entre o Público e Privado. Saúde e Sociedade, v. 14, n.2, p. 9-30, mai./ago. 2005. Veja-se ainda: Relatório de Gestão, janeiro de 2004 a abril de 2010, da Agência Nacional de Saúde Suplementar (disponível em: www.ans.gov.br), e IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Economia da Saúde: uma perspectiva macro econômica 2000-2005. Rio de Janeiro: IBGE, 2008 (Estudos e pesquisas, n. 9). 27

- Apud BRASIL. Presidência da República. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, Câmara da Reforma do Estado. Brasília, DF, 1995. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/publi_04/COLECAO/PLANDI8.HTM>. Acesso em: 26 jan. 2012.

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27

Como desdobramentos da proposta, viriam a ser aprovadas a Lei das Organizações Sociais

(1988)28, a Lei das OSCIPs (1999)29 e a Lei de Responsabilidade Fiscal (2000)30. Estudo do

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Instituto de Pesquisa Econômica

Aplicada (Ipea ) 31 revela que em 1980 existiam cadastradas cerca de 44 mil entidades sem

fins lucrativos no Brasil, número que cresceria para 107.332 em 1996, para 275.895 em 2002

e para 338.162 em 2005, crescimento que ocorre em grande parte no bojo desse processo.

A Lei de Responsabilidade Fiscal, por sua vez, ao limitar os gastos “de despesa total com

pessoal” para a União (50%), estados (60%) e municípios (60%), ao mesmo tempo que,

paradoxalmente, os liberava para contratar por OSs, levou a uma grande retração dos

concursos públicos e à contratação de funcionários por meio de empresas terceirizadas, no

interior de um processo que passa a ser apresentado como uma espécie de “caminho

único”, de pretensa irreversibilidade, ante o simultâneo sucateamento do setor público.

Para uma melhor compreensão das implicações desses processos sobre o SUS e seus

mecanismos de participação, vejamos três dimensões do problema:

I

A primeira dimensão diz respeito à invasão dos serviços públicos de saúde pela racionalidade

própria do setor privado, reduzindo o conteúdo emancipatório presente nos princípios da

universalidade, equidade, integralidade e participação a substitutos contábeis, tais como

número de procedimentos, metas de produção, otimização de equipamentos e margens de

28

- BRASIL. Lei nº 9.637, de 15 de maio de 1998. Dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações sociais, a criação do Programa Nacional de Publicização, a extinção dos órgãos e entidades que menciona e a absorção de suas atividades por organizações sociais, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 18 maio 1998, retificado em 25 maio 1988. 29

- BRASIL. Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999. Dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, institui e disciplina o Termo de Parceria, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 24 mar. 1999. 30

- BRASIL. Lei complementar nº 101, de 4 de maio de 2000. Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 maio 2000. 31

- IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. As fundações privadas e associações sem fins lucrativos no Brasil 2005. Rio de Janeiro: IBGE, 2008 (Estudos e pesquisas, n. 8).

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lucro, promovendo uma inversão através da qual a racionalidade econômica passa a presidir

a organização dos serviços, fazendo com que as dimensões econômicas subsumam as

dimensões sociais, culturais, políticas e epidemiológicas na organização das ações e dos

serviços de saúde, com o desaparecimento de referências quanto ao enfrentamento das

iniquidades, à ação intersetorial e às determinações sociais do processo saúde-doença.

Por essa lógica, própria do capital, medicamentos, consultas e outros procedimentos passam

a ser produzidos como mercadorias, dispostas em mercado, e seus usuários, de cidadãos

plenos de direitos, passam a ser tomados como clientes ou consumidores, reforçando a

cultura individualista e consumista presente na sociedade, e nela se fortalecendo.

Deste modo, passa a ocorrer um claro esvaziamento do debate sobre a dimensão política da

atenção à saúde, substituída pela hipertrofia da dimensão técnica – pretensamente neutra,

e que subsume o social, agora devidamente fatorado e transformado em custos e produção.

É importante ainda notar que este processo implica necessariamente em mudanças nos

próprios processos de trabalho em saúde, que ganham novas racionalidades e sentidos, e

assim também se transformam.

Esse mecanismo de terceirização da gerência das unidades otimiza ainda a abertura dos

serviços públicos a outros interesses privados, facilitando, pela sua lógica, intransparência e

ausência de controle pela sociedade, desvios de várias naturezas, seja pela escolha de

pacientes e patologias, selecionados pelo custo, seja por esquemas de privilegiamento de

pacientes de consultórios ou empresas de saúde para procedimentos e medicamentos pagos

pelo SUS, para o clientelismo político ou ainda por tentativas de reserva ou venda direta de

serviços a quem por eles possa pagar, retomando, em novos tempos, a velha prática de

divisão social em pacientes de primeira e segunda classe, presentes nos antigos hospitais e

santas casas32.

Por fim, como questão menos visível, mas não menos importante, a recusa de prestação de

determinadas ações de saúde, mesmo que garantidas em lei, como o direito ao aborto legal

32

- A esse respeito veja-se PALMA, José João Lanceiro da. Os trabalhadores em saúde: agentes, práticas e instituições de saúde em São Paulo, 1917-1945. 1996. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo.

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29

ou mesmo a distribuição de preservativos no combate à Aids, por parte de alguns serviços

públicos agora gerenciados por entidades religiosas.

II

Uma segunda dimensão do problema diz respeito ao impacto dessas novas formas de gestão

sobre a participação social e os mecanismos de controle público. Na grande maioria dos

serviços com gerência terceirizada, em especial os de natureza hospitalar, assim como na

maior parte dos hospitais de ensino, inexistem conselhos gestores ou espaços públicos

abertos à participação livre, autônoma e direta da comunidade.

A gestão dos serviços públicos de saúde por OSs e a contratação de sua força de trabalho

pelo regime da Consolidação da Legislação do Trabalho (CLT) na forma que vem se

processando, além de colocar fim aos concursos públicos e a toda uma série de direitos

conquistados nas lutas sindicais, vem isolando e atomizando os trabalhadores por serviço,

por empresa, inviabilizando ainda planos de cargos e carreiras no SUS. Deste modo, passa a

ser cada vez mais raro o servidor público concursado, substituído pelo funcionário de

fundações e empresas privadas, com a consequente quebra de vínculos de pertencimento

ao SUS e ao serviço público, além de contribuir para a desestruturação do movimento

sindical dos trabalhadores públicos da saúde – um dos pilares da construção do SUS.

A introdução da lógica privada nos serviços públicos de saúde sob gerência terceirizada tem

reduzido ou mesmo impedido o controle e a participação da população organizada na esfera

local, e impactado o funcionamento dos conselhos municipais ou estaduais de saúde que,

têm seu papel reduzido, nesses casos, à simples checagem do cumprimento ou não das

metas previstas nos contratos de gestão firmados entre as OSs e o Estado, de cuja

elaboração também não participaram, demonstrando assim o esvaziamento da dimensão

política da participação e do controle, reduzido a uma dimensão cartorial e constatativa, em

que pesem fortes resistências de setores organizados da sociedade civil, em especial dos

sindicatos de trabalhadores e movimentos sociais e populares.

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30

III

Em terceiro lugar, ressalte-se que os serviços públicos estatais sob gerência pública, por sua

vez, não estão imunes à racionalidade privada, nem a desvios de naturezas diversas,

servindo muitas vezes complementarmente, como vimos, aos interesses e necessidades do

capital. Assim, para além das dificuldades e restrições impostas ao setor público por

legislações e estruturas arcaicas – com raízes na história política e institucional da

Previdência Social brasileira33, bem como a grande dimensão do setor privado, lucrativo ou

não, na estrutura de serviços existentes, são notáveis, na esfera da gestão pública, os

crônicos problemas de baixo financiamento e falta de autonomia para contratação e

reposição de trabalhadores, e para manutenção e investimento, problemas que dificultam

ou impedem mudanças e melhoras. É nesse cenário de inviabilização, por vezes proposital,

da gestão pública e de seus equipamentos que se abrem caminhos para a terceirização dos

serviços e para a busca de legitimidade social desse processo como nova política pública34.

Por outro lado, é aqui, onde a gerência e a gestão se encontram sob controle estatal – que

nem sempre é sinônimo de público – que a participação da sociedade se faz presente de

modo mais intenso, seja por meio dos conselhos gestores locais e distritais, seja nos

conselhos municipais e estaduais de saúde, e nas conferências, permitindo que, para além

da análise contábil dos contratos de gestão, ou do debate sobre como resolver localmente

carências e problemas administrativos, se incida diretamente sobre as políticas de saúde e

sobre a lógica das ações e dos serviços.

Encontra-se aqui o maior desafio da participação nos tempos atuais – o da reconquista do

SUS como projeto de transformação social – e de suas possibilidades emancipatórias.

CONTROLE E PARTICIPAÇÃO SOCIAL

33

- A esse respeito veja-se: COHN, Amélia. Previdência social e processo político no Brasil. São Paulo: Ed. Moderna, 1980; OLIVEIRA, Jaime A.; TEIXEIRA, Sonia Maria Fleury, op. cit.; e BRAGA, José Carlos de Souza; PAULA, Sérgio Góes de, op. cit. 34

- A esse propósito, veja-se: COHN, Amélia; ELIAS, Paulo Eduardo. O público e o privado na saúde: o PAS em São Paulo. São Paulo: Cortez: Cedec, 1999.

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31

No que diz respeito às práticas de controle e participação social, é importante notar, junto às

suas potencialidades emancipatórias, toda uma série de limites, fragilidades e problemas,

que vêm servindo de freios a seu pleno funcionamento. Trata-se de questões de natureza

bastante diversa, que vão de dificuldades organizacionais e de funcionamento, muitas vezes

propositalmente produzidas, a constrangimentos ao exercício do caráter deliberativo dos

conselhos, assimetrias de poder entre os conselheiros e mesmo fragilidades dos próprios

movimentos quanto à sua capacidade de intervenção, articulação e mobilização.

Como mostra Amélia Cohn35:

(...) [o] controle público, talvez a herança mais marcada pela experiência do passado na área, nem sempre é a favor da proposta de inovação. Evidenciam-se nos estudos a respeito (...) vícios nos processos de representação, falta de rotatividade dos representantes da sociedade, e a proeminência do Executivo na dinâmica do funcionamento dos Conselhos de Saúde.

Ao que podemos somar ainda processos de cooptação de conselheiros para o interior de

lógicas gerenciais ou políticas, especialmente nos níveis locais, ou sua captura por interesses

privados, nem sempre evidentes, em ambos os casos levando a um esvaziamento das

possibilidades emancipatórias do controle e da participação social.

A esse respeito, escreve Boaventura Sousa Santos36:

Ao perigo de perversão e de descaracterização não estão, de modo nenhum, imunes as práticas de democracia participativa. Também elas, que visam ampliar o cânone político e, com isso, ampliar o espaço público e os debates e demandas sociais que o constituem, podem ser cooptadas por interesses e atores hegemônicos para, com base nelas, legitimar a exclusão social e a repressão da diferença (...) Mas a perversão pode ocorrer por muitas outras vias: pela burocratização da participação, pela reintrodução do clientelismo sob novas formas, pela

35

- COHN, Amélia. A reforma sanitária brasileira após 20 anos de SUS: reflexões. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 25, n. 7, p. 1614-1619, jul. 2009. 36

- SANTOS, Boaventura de Sousa. (Org.). Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

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32

instrumentalização partidária, pela exclusão de interesses subordinados através do silenciamento ou da manipulação das instituições participativas. Estes perigos só podem ser evitados por intermédio da aprendizagem e da reflexão constantes para extrair incentivos para novos aprofundamentos democráticos. No domínio da democracia participativa, mais do que em qualquer outro, a democracia é um princípio sem fim e as tarefas de democratização só se sustentam quando elas próprias são definidas por processos democráticos cada vez mais exigentes.

Será com base nesse quadro geral é que se desenvolverá o estudo.

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33

Capítulo 1

O PROCESSO DA PESQUISA E AS QUESTÕES TEÓRICAS E METODOLÓGICAS

Este estudo situa-se no campo da Saúde Coletiva e tem por objetivo investigar a presença do

MSZL no processo de criação, construção e defesa do SUS – em especial de seus mecanismos

de controle e participação social – sua principal marca distintiva. Visa ainda apreender as

transformações internas por que passou o movimento, junto às mudanças que ele próprio

imprimiu à sociedade.

Para tanto, parte-se da hipótese de que esse movimento, dado seu caráter exemplar – e sua

articulação junto à emergência de outros atores e movimentos nesse mesmo período –

exerceu forte influência sobre os demais movimentos de saúde37, tendo tido, junto com

eles, um papel fundamental no processo de construção do SUS, em todas suas dimensões, e

desde suas origens, junto às lutas sociais pelo direito à saúde. Em especial, na criação e

constitução dos conselhos de saúde.

O objeto deste estudo é o Movimento de Saúde da Zona Leste da cidade de São Paulo.

Objeto que pela sua própria natureza é movimento, e cuja apreensão será buscada com base

em uma perspectiva sócio-histórica. Para tanto, a pesquisa inspira-se no método dialético e

na teoria histórico-crítica38.

37

- A esse respeito, veja-se o estudo de DOIMO, Ana Maria. A vez e a voz do popular: movimentos sociais e participação política no Brasil pós-70. Rio de Janeiro: Relume-Dumará/Anpocs, 1995. Eduardo Stotz oferece um importante relato histórico da educação popular em saúde, revisitando experiências de organização popular nos anos 1970-1980, movimento que serviu como importante polo difusor das experiências do MSZL e dos conselhos populares e de saúde. Acompanhará esse período até a criação da Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular e Saúde (Aneps). Veja-se: STOTZ, Eduardo Navarro. A educação popular nos movimentos sociais da saúde: uma análise das experiências nas décadas de 1970 e 1980. Trabalho, Educação e Saúde, v.3, n.1, p.9-30, 2005. O caráter exemplar da experiência do MSZL e dos conselhos populares e de saúde é ainda reforçado por BÓGUS, Cláudia Maria et al. Programa de capacitação permanente de conselheiros populares de saúde na cidade de São Paulo. Saúde e Sociedade, v.12, n. 2, p.56-67, jul./dez. 2003. 38

- Apud BRUYNE, Paul de; HERMAN, Jacques; SCHOUTHEETE, Marc de. Dinâmica da pesquisa em ciências sociais. 5. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1991. Veja-se também MENDES-GONÇALVES, Ricardo Bruno. O

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34

Como mostra Ricardo Bruno Mendes-Gonçalves39:

E essa opção deriva de que a concepção mesma do objeto de conhecimento, marcado de historicidade concreta, dizendo respeito diretamente à realização em curso de uma totalidade social viva e dinâmica, essa natureza impõe ao investigador uma aproximação não neutra de seu objeto, mas necessariamente polarizada em relação às possibilidades históricas de reatualização daquela totalidade. E é nessa polarização que se redefinem, no processo mesmo de realização da pesquisa, os objetivos inicialmente postos para o trabalho.

Trata-se assim de uma opção teórica e metodológica que impacta todo o processo da

pesquisa, bem como sua arquitetura:

Ao contrário de um procedimento protocolarmente delimitado de saída, no caso da investigação sobre os objetos sociais, a pesquisa se faz predominantemente em processo, na resolução de tensões permanentes entre os pólos epistemológico, teórico, morfológico e técnico internos a ela, e também na interação com o espaço mais amplo em que a investigação se orienta inclusive pelo significado vivo de seu objeto, o qual “foge” permanentemente dos pontos sucessivos em que foi por último entrevisto e assume incessantemente novas determinações. A pesquisa é processual,

porque é processual a realidade a que ela se aplica40.

O estudo tem por base uma realidade social concreta, a cidade de São Paulo, no período

compreendido entre a segunda metade dos anos 1970 – quando da emergência de todo um

conjunto de novos movimentos sociais e populares – até o ano de 2007, quando são

apresentados os resultados de uma pesquisa realizada pelo Movimento de Saúde da Zona

Leste (MSZL), sobre si próprio e a situação do direito à saúde na região.

Em relação à emergência desse novo sujeito histórico, que marca o início deste trabalho,

mostra Marilena Chauí41:

processo da pesquisa, as questões teóricas e metodológicas. In: MENDES-GONÇALVES, Ricardo Bruno. Tecnologia e organização social das práticas de saúde. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Abrasco, 1994; e o Diccionario Histórico-Crítico del Marxismo. Instituto de Teoria Crítica de Berlim, [s.d.]. Disponível em: <http://dhcm.inkrit.org/>. Acesso em: 18 jan. 2012. 39

- MENDES-GONÇALVES, Ricardo Bruno. Tecnologia e organização social das práticas de saúde. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Abrasco, 1994, p.32. 40

- Idem, ibidem, p.33. 41

- Marilena Chauí, no prefácio a SADER, Eder, op. cit., p.10-11.

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35

Por que sujeito novo? Antes de mais nada, porque criado pelos próprios movimentos sociais populares do período: sua prática os põe como sujeitos sem que teorias prévias os houvessem constituído ou designado (...) O novo sujeito é social: são os movimentos sociais populares em cujo interior indivíduos, até então dispersos e privatizados, passam a definir-se, a reconhecer-se mutuamente, a decidir e agir em conjunto e a redefinir-se a cada efeito resultante das decisões e atividades realizadas (...) Referido à Igreja, ao sindicato e às esquerdas, o novo sujeito neles não encontra o velho centro, pois já não são centros organizadores no sentido clássico e sim “instituições em crise” que experimentam “a crise sob a forma de um descolamento com seus públicos respectivos” precisando encontrar vias para reatar relações com eles. (...) Crise da Igreja, que conduz à reformulação de seu discurso e de sua prática, graças à “matriz discursiva da teologia da libertação”. Crise das esquerdas que, sob o impacto das derrotas das décadas anteriores e dos impasses internacionais ainda não reformularam a “matriz discursiva marxista”, embora tragam “em seu benefício um corpo teórico consistentemente elaborado a respeito dos temas da exploração e da luta sob (e contra) o capitalismo”. Crise do sindicalismo que, entretanto, graças à “matriz discursiva do novo sindicalismo”, supera a ausência de tradições populares (com que conta a matriz religiosa) e da sistematicidade teórica (com que conta a matriz marxista), vindo a ocupar um lugar institucional cuja eficácia será decisiva para repensar e praticar os conflitos na esfera trabalhista e, com isso, alargar a percepção dos antagonismos que regem a sociedade de classes. Em suma, os antigos centros organizadores, em crise, são desfeitos e refeitos sob a ação simultânea de novos discursos e práticas que informam os movimentos sociais populares, seus sujeitos.

*

No que diz respeito ao modo de investigação42, em face das características peculiares do

objeto e à natureza da informação disponível – a pesquisa recorrerá a técnicas de análise

documental e a métodos quantitativos para análise de séries históricas. E considerando as

escolhas teóricas e metodológicas adotadas, realizará sua análise com base em uma

42

- Apud BRUYNE, Paul de; HERMAN, Jacques; SCHOUTHEETE, Marc de, op.cit, p.223-251.

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36

reconstrução histórica do período, do ponto de vista dos movimentos sociais – evitando

reiterar o que Gastão Wagner de Sousa Campos nomeou “história oficial do SUS”43.

Este trabalho divide-se em sete capítulos, cinco deles correspondendo a essa reconstrução

histórica (capítulos de 2 a 6), nela se buscando a presença do MSZL junto ao processo de

construção do SUS e seus mecanismos de participação e controle social. Já o capítulo 7

analisa e aprofunda resultados da pesquisa do CDHS/MSZL nos anos de 2006 e 2007, que

realizou um diagnóstico participativo da situação do direito à saúde na região leste da cidade

de São Paulo, junto a um perfil de seus militantes e ex-militantes, e de suas motivações e

opiniões sobre passado, presente e futuro do movimento.

*

Desse modo, a reconstrução histórica do período, da segunda metade dos anos 1970 a 2007,

confere historicidade aos dados da pesquisa do CDHS/MSZL, especialmente quando estes

são desagregados por década, em séries históricas, permitindo sincronicidade entre eles e

cada um dos períodos estudados.

*

Os capítulos de 2 a 6, de caráter mais historiográfico, utilizam fundamentalmente fontes

secundárias, analisadas com base em técnicas de análise documental44.

A periodização adotada, à exceção do capítulo 2 (Dos conselhos populares aos conselhos de

saúde), corresponde às sucessivas rupturas na história política da cidade, marcadas por

mudanças de governos municipais, que levariam a sucessivas construções e desconstruções

do SUS, com todos os seus impactos nos mecanismos de controle e participação social.

43

- CAMPOS, Gastão Wagner de Sousa, op. cit. 44

- Apud BRUYNE, Paul de; HERMAN, Jacques; SCHOUTHEETE, Marc de, op.cit., p. 199-219.

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37

Para tanto, foi realizada uma busca sistemática de publicações na base Scielo45, visitas

presenciais a alguns arquivos e centros de documentação46, além de visitas virtuais aos

acervos eletrônicos do Cebes, Abrasco, Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

(Cebrap), Pólis - Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais, Centro de

Estudos de Cultura Contemporânea (Cedec), Instituto de Saúde da SES-SP (IS), Fiocruz e

Ministério da Saúde, a que se somaram arquivos pessoais colecionados a longo tempo.

Desse modo, a revisão bibliográfica acompanhou todo o processo da investigação.

Para a estruturação da pesquisa foi também utilizada uma “linha do tempo” – concebida

como um conjunto de linhas assimétricas, móveis e instáveis, que serviram para marcar a

presença (ou ausência) no tempo dos fenômenos de interesse, as relações que estabeleciam

entre si, no processo de construção do SUS e no contexto mais geral da sociedade47. Essas

“linhas”, de inspiração cartográfica48, serviram como auxílio à organização e sistematização

da pesquisa, facilitando uma leitura sincrônica e diacrônica dos fenômenos e processos em

curso.

*

Já o capítulo 7 baseia-se na pesquisa realizada pelo CDHS/MSZL49 entre julho de 2006 e

dezembro de 2007, da qual foi utilizado seu cadastro final, na forma de banco de dados,

45

- Disponível em: <http://www.scielo.org/>. A pesquisa utilizou as raízes dos termos participação, conselhos e movimentos, bem como suas combinações com as raízes dos termos social, popular, saúde e SUS. A base Scielo é uma biblioteca eletrônica com ampla coleção de artigos e periódicos mantida por meio de projeto Fapesp/Bireme/CNPq. 46

- Foram visitados o Centro Pastoral Vergueiro (CPV-SP), a Casa de Oswaldo Cruz (Fiocruz/MS/RJ) e consultados os arquivos do MSZL e do SindSaúde-SP. 47

- Foi construída uma “linha” para cada sujeito processo social de interesse: MSZL, demais movimentos sociais, sindicais e de saúde, movimento da reforma sanitária, governos em suas várias esferas, e sociedade. 48

- Veja-se, entre outros: PASSOS, Eduardo; KASTRUP, Virgínia; ESCÓSSIA, Liliana da. Pistas do método da cartografia: pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Ed. Sulina, 2009; GUATTARI, Félix; ROLNIK, Suely. Micropolítica: cartografias do desejo. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1999; e DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capiltalismo e esquizofrenia. São Paulo: Editora 34, 2009, v. 1. 49

- A pesquisa foi realizada dentro de dois projetos patrocinados pela Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde (SGEP-MS), por meio de convênio entre a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS-OMS) e o Centro de Direitos Humanos de Sapopemba “Pablo Gonzáles Olalla” (CDHS). O primeiro

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38

além de relatórios e outros materiais elaborados durante seu processo, também trabalhados

com base em técnicas de análise documental50.

Do conjunto de dados e informações produzidos pelo CDHS/MSZL, é utilizado apenas um

recorte, que diz respeito ao perfil sócio-demográfico de seus membros e características de

seu ativismo, por referência às suas relações com o SUS.

A possibilidade de desagregação da informação sobre os participantes da pesquisa

CDHS/MSZL em séries históricas, utilizando-se a variável “década de entrada no movimento”

(1970, 1980, 1990 e 2000), além de propiciar maior historicidade de seus dados, torna ainda

possível uma percepção de mudanças internas ao movimento, na composição de sua base

social, nas características de seu ativismo, em mudanças nas percepções e motivações sobre

o próprio movimento, o SUS, os Conselhos Populares e os Conselhos de Saúde.

Uma descrição detalhada de seu processo e sua metodologia encontra-se no capítulo 7 e o

questionário completo no Anexo 1.

*

Do ponto de vista teórico-conceitual, é importante notar que alguns conceitos centrais

utilizados neste estudo encontram-se em disputa, com sentidos por vezes opostos, cuja

utilização necessita ser aqui explicitada. Destacamos, especialmente, o conceito de

participação e o de controle social, pela sua centralidade na pesquisa.

Sobre o conceito de participação, Maria da Glória Gohn oferece um quadro das diferentes

concepções, mostrando tratar-se de um termo ambíguo, que se transforma conforme o

quadro interpretativo de quem o utiliza51:

projeto, denominado “Avaliação do Direito à Saúde na Zona Leste da Cidade de São Paulo”, aconteceu no período de julho a dezembro de 2006, e o segundo, “Direito à Saúde na Zona Leste da Cidade de São Paulo”, foi realizado de junho a dezembro de 2007. 50

- Apud BRUYNE, Paul de; HERMAN, Jacques; SCHOUTHEETE, Marc de, op.cit., p. 199-219.

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39

Participação é uma das palavras mais utilizadas no vocabulário político, científico e popular da modernidade. (...) Podemos analisá-la segundo três níveis básicos: o conceptual, o político e o da prática social. O primeiro apresenta um alto grau de ambiguidade e varia segundo o paradigma teórico em que se fundamenta. O segundo, dado pelo nível político, usualmente é associado a processos de democratização (em curso ou lutas pela sua obtenção), mas também pode ser utilizado como um discurso mistificador em busca da mera integração social de indivíduos, isolados em processos que objetivam reiterar os mecanismos de regulação e normatização da sociedade, resultando em políticas sociais de controle social. O terceiro – as práticas, relaciona-se ao processo social propriamente dito; tratam-se de ações concretas engendradas nas lutas, movimentos e organizações para realizar algum intento. Aqui a participação é um meio viabilizador fundamental. Ainda que as lutas por participação política e social tenham raízes bastante antigas na sociedade brasileira, a emergência da participação na saúde só viria a ocorrer a partir das décadas de 1970-1980, junto às primeiras experiências da Medicina Comunitária.

Daquele momento, até hoje, a marca mais importante da participação comunitária é a

concepção instrumental que a orienta: a mobilização utilitária dos indivíduos em ações

elaboradas externamente a eles, com origem em propostas de autoridades, técnicos ou

religiosos, em geral através de programas assistenciais voltados a comunidades pobres52.

Em seu clássico Saúde e sociedade53, Cecília Donnangelo irá buscar a emergência da

Medicina Comunitária como desenvolvimento de duas propostas de reorganização da

prática médica, a Medicina Integral e a Medicina Preventiva54, como projeto de extensão de

cobertura simplificada a populações pobres. Sua difusão pela América Latina ganharia corpo

na década de 1970, por meio de algumas experiências locais, com o suporte da Organização

Mundial de Saúde (OMS) e Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) – tendo a

Conferência Internacional sobre Cuidados Primários em Saúde – a Conferência de Alma-Ata,

51

- GOHN, Maria da Glória. Conselhos gestores e participação sócio-política. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2003, p.14. A esse respeito, veja-se também: CORTES, Soraya M. Vargas. As origens da ideia de participação na área de saúde. Saúde em Debate, São Paulo, n. 51, p. 30-37, jun. 1996; DONADONE, Julio César; GRÜN, Roberto. Participar é preciso! mas de que maneira? Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, DF, v. 16, n. 47, out. 2001, p. 111-125; e CARVALHO, Gilson C. M. de. Participação da comunidade na saúde. Passo Fundo, Ifibe/Ceap, 2007. 52

- GOHN, Maria da Glória. Conselhos gestores e participação sócio-política. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2003, p. 49-50. 53

- DONNANGELO, Maria Cecília Ferro; PEREIRA, Luiz, op. cit. 54

- Uma importante crítica aos limites e aos determinantes destas propostas está formulada AROUCA, Sérgio. op. cit.

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realizada em 1978, como marco referencial55. Processos estes que se encontram na origem

do programa de saúde da família no Brasil.

A emergência da Medicina Comunitária ocorreria nos Estados Unidos, no contexto das

grandes lutas pelos direitos civis e contra o racismo da década de 1960, período de

progressiva marginalização dos pobres e desempregados e de emergência de outros

importantes movimentos contestatórios na sociedade americana56.

Articulada a outros programas de assistência social, estas políticas visavam a integração dos

marginalizados e controle dos desviantes através da mobilização de recursos locais, bem

como o envolvimento-participação de ativistas em seu planejamento e administração,

visando, em última instância, a incorporação desses setores sociais ao american way of life,

na perspectiva estadunidense de comunidade.

Na saúde, um modelo para esses esforços se encontrava nos comprehensive neighborhood

health centers, que a partir de 1967 passavam a permitir que desempregados adquirissem

treinamento específico e pudessem participar como trabalhadores dos programas de

medicina comunitária – na própria área geográfica em que vivessem.

Buscava-se assim, a um só tempo, a integração dos pobres e marginalizados à comunidade,

visando harmonizá-los à ordem social existente, o controle dos desviantes e a diminuição de

tensões sociais, além de maior eficiência técnica e redução de custos, com base em uma

proposta que não se confrontava com a estrutura privada dos serviços de saúde nem com a

ordem médica estabelecida57.

Note-se que este processo ocorreria no contexto da Guerra Fria e da reação à Revolução

Cubana, e que o recurso à participação seria fartamente utilizado por políticas

intervencionistas como a Aliança para o Progresso, gerenciada por agências recém-criadas,

como a United States Agency for International Development (Usaid ) e o Banco

55

- ONU. Declaração de Alma-Ata. Conferência Internacional sobre Cuidados Primários em Saúde. Alma-Ata, URSS, 1978. Disponível em: <http://opas.org.br/coletiva/uploadArq/Alma-Ata.pdf>. Acesso em: 26 maio 2011. Veja-se ainda MERHY, Emerson Elias. Alma-Ata: qual é o jogo? Disponível em: <http://uff.br/saudecoletiva/professores/merhy/artigos-19.pdf>. Acesso em: 26 maio 2011; e MACIOCCO, Gavino; STEFANINI, Angelo. From Alma-Ata to the Global Fund: the history of internacional health policy. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, Recife, v. 7, n. 4, p. 479-486, out./dez. 2007. 56

- Veja-se, entre outros: SOUZA, Rodrigo Farias de. A nova esquerda americana: de Port Huron aos Weathermen (1960-1969). Rio de Janeiro: FGV, 2009. 57

- DONNANGELO, Maria Cecília Ferro; PEREIRA, Luiz, op.cit., p.88-94.

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Interamericano de Desenvolvimento (BID), além de outros órgãos de cooperação

internacional, como o Banco Mundial. Esses processos de “participação da comunidade”

visavam, além da criação de controles e hegemonia, diminuição de custos – como pela

autoconstrução de moradias e obras públicas, e a cooptação de intelectuais e lideranças

populares58.

No Brasil, ainda que as práticas de Medicina Comunitária tenham mantido, em maior ou

menor grau, o uso instrumental da participação, no qual a população é alvo, e sua

mobilização subordinada à lógica das ações e dos programas de saúde, viriam a surgir, na

dependência da dinâmica social local, mudanças de seus sentidos originais, com a conquista

de espaços participativos e mesmo a criação de conselhos de saúde democráticos, ou seja,

abertos à livre participação popular, respeitando sua auto-organização, muitas vezes com

poder deliberativo. Estes dois modelos de participação, instrumentais ou emancipatórios, se

fazem ainda hoje presentes nas ações e nos serviços de saúde.

Desse modo, diante da polissemia59 desse conceito – utilizaremos o termo Participação

Social como aquela que é conquista da mobilização e da luta social, no embate entre

conservadorismo e emancipação, ou ainda, como prática social livre de mecanismos de

coerção, manipulação e intrumentalização, seja por parte do Estado, das igrejas, de técnicos

ou outras organizações privadas da sociedade. E que pode se expressar nos mais variados

espaços, com diferentes formas e sentidos.

Nessa luta, que também é semântica, os simulacros de participação, fundados em visões

utilitaristas, deverão ser adjetivados no texto, com base em cada experiência concreta. Por

outro lado, é importante deixar claro que a participação social não invalida propostas de

mobilização coletiva provenientes dos serviços de saúde, como no caso do combate a

vetores, mas reforça-as, quando discutidas e planejadas em conjunto.

*

58

- A esse respeito, veja-se: RIBEIRO, Natalina; RAICHELIS, Raquel. Revisitando as influências das agências internacionais na origem dos conselhos de políticas públicas. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 109, p.45-67, jan./mar. 2012. 59

-Nos termos presentes em BOURDIEU, Pierre. O Poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.

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Uma segunda questão diz respeito à utilização do termo controle social. Com origem na

Sociologia, tradicionalmente se refere ao conjunto dos mecanismos produtores e

reprodutores da ordem social, designando o controle do Estado por sobre a sociedade e seus

indivíduos, visando garantir a ordem sobre os desvios e os conflitos sociais.

Esses mecanismos, que são simultaneamente “internos” e “externos” ao indivíduo e aos

grupos sociais, referem-se tanto aos “aparelhos de estado” como a escola, medicina, justiça

ou o sistema carcerário, como a instituições como as igrejas, a família, os meios de

comunicação ou a indústria cultural, tendo o poder de conformar, adaptar, disciplinar e

controlar a vida em sociedade, visando garantir hegemonia e coesão social.

No campo da saúde, entretanto, o conceito de controle social vem sendo largamente

utilizado como o controle da sociedade sobre o Estado, suas políticas, ações e serviços.

Termo que surgiria pela primeira vez em documentos oficiais no relatório final da 8ª

Conferência Nacional de Saúde, em 1986:

Para assegurar o direito à saúde a toda a população brasileira é imprescindível: (...) 5º - Estimular a organização da população e sua interferência nos núcleos decisórios, nos vários níveis, assegurando o controle social sobre as ações do governo (...) mediante representação e participação, através de conselhos eleitos pela

comunidade (...)60 Note-se ainda que esse conceito também vem passando por importantes críticas e

desenvolvimentos, de Michel Foucault e Gilles Deleuze a Antonio Negri – que trazem novas

abordagens da questão do poder e dos processos de controle e dominação, seja com base

no estudo das sociedades disciplinares e de controle ou com a introdução de novos

conceitos, como os de biopoder e biopolítica61. E que, entre os grandes pensadores

60

- Transcrição da leitura do relatório final da 8ª Conferência Nacional de Saúde, na sessão plenária fnal, pelo professor Guilherme Rodrigues da Silva (relator-geral), tema I: saúde como direito (Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, Rio de Janeiro, fundo: coleção VIII CNS, Cx.6, 00077, p.645), grifo nosso. Note-se ainda a presença dos “conselhos eleitos pela comunidade” refletindo a experiência dos conselhos populares de saúde da zona leste da cidade de São Paulo. 61

- A esse respeito, veja-se, entre outros: FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 3. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1982; FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. 20. ed. Petrópolis: Vozes, 1999; FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. 19. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2009; DELEUZE, Gilles. Conversações. São Paulo: Editora 34, 2008; HARDT, Michael; NEGRI, Antonio, op. cit.

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contemporâneos, o filósofo István Mészáros utiliza a noção de controle social como

necessidade urgente da sociedade sobre o processo destrutivo do capitalismo sobre o meio

ambiente e o próprio futuro da humanidade62.

Ainda assim, mesmo tendo conquistado uso amplamente hegemônico na área da saúde, o

termo controle social continua sendo amplamente utilizado em outras áreas com seu

sentido original63.

Frene a isso, optaremos pelo seu uso nos termos que o setor saúde vem utilizando, controle

social como controle da sociedade sobre as políticas, ações e serviços de saúde, ao mesmo

tempo que o considerando como sinônimo de controle público.

*

Surge aqui uma terceira questão, que deriva das anteriores - a da utilização, como

sinônimos, dos termos participação e controle social, cuja implicação mais imediata é ocultar

a distinção entre o caráter consultivo ou deliberativo dos conselhos de saúde.

O SUS, desde suas origens, gerou uma multiplicidade de espaços participativos, com as mais

diversas formas e naturezas, e que hoje marcam parte significativa de suas políticas e ações.

Espaços que vêm sendo compreendidos por alguns intelectuais e gestores como esferas

públicas, no sentido habermasiano do termo – nelas incluindo os Conselhos de Saúde.

Cabe notar que esse conceito – de esfera pública – como formulado pelo filósofo alemão

Jῠrgen Habermas64, amplia o debate sobre a participação e a teoria democrática, dizendo

respeito à produção de espaços públicos fundados na livre interação entre sujeitos e no

debate face a face, regido por critérios comunicacionais que, através da razão

argumentativa, entre iguais, buscam acordos e consensos que possam influenciar

62

- Veja-se: MÉSZÁROS, István. A necessidade do controle social. 2. ed. São Paulo: Editora Ensaio, 1993. 63

- Veja-se ainda, no caso da saúde: CARVALHO, Antonio Ivo de. Conselhos de saúde no Brasil: participação cidadã e controle social. Rio de Janeiro: Fase/Ibam, 1995; e VALLA, Victor Vincent. Controle social ou controle público? Brasília, DF, I Conferência Nacional de Vigilância Sanitária, 2001. (mimeo.). 64

- HABERMAS, Jῠrgen. Mudança estrutural da esfera pública. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984.

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diretamente a ação da administração pública, ainda que não lhes cabendo papel

deliberativo, função do Estado65.

Por outro lado, os conselhos de saúde – e também as conferências – têm como característica

central exatamente seu caráter deliberativo, conquistado em lutas sociais, sendo

institucionalizados em lei. Compostos por sujeitos deliberativos, que atuam em uma

experiência de democracia participativa, na qual a administração pública abre mão de parte

de suas prerrogativas, postas em um campo de disputa, onde se enfrentam diferentes

projetos políticos66.

Residem exatamente aí, no processo conflituoso de disputa de hegemonia67, e também de

maiorias, as restrições, por parte de muitas administrações de Estados e municípios, ao

caráter deliberativo dos conselhos, assim como a busca de controle sobre esses colegiados,

seja pela negação de seu caráter deliberativo, seja pela criação, imposição ou manutenção

de dificuldades ao seu funcionamento, por tentativas de cooptação e controle de seus

membros, e ainda, muitas vezes, e de modo importante, pelo exercício do saber competente

da autoridade técnica por sobre a dimensão política destes espaços68 – mecanismos cujo

sucesso ou fracasso dependerão do nível de organização, da capacidade de intervenção,

articulação e mobilização dos movimentos e entidades populares e sindicais, e da dinâmica

social e política local.

65

- AVRITZER, L. Teoria democrática, esfera pública e participação local. Sociologias, Porto Alegre, v. 1, n. 2, p. 18-41, jul./dez, 1999; e GOHN, Maria da Glória. Conselhos gestores e participação sócio-política. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2003, p. 40-42. 66

- A respeito da democracia participativa e sua relação com os movimentos sociais veja-se, entre outros, SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2005; e SANTOS, Boaventura de Sousa; AVRITZER, Leonardo. Introdução: para ampliar o cânone democrático. In: SANTOS, Boaventura de Souza (Org.). Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2003, p. 39-82. 67

-Entende-se o conceito de hegemonia “como a capacidade econômica, política, moral e intelectual de estabelecer uma direção dominante na forma de abordagem de uma determinada questão (...) e que todo processo hegemônico produz um processo contra-hegemônico, no interior do qual são elaboradas formas econômicas, políticas e morais alternativas”, existindo, portanto, para cada concepção hegemônica na sociedade uma concepção contra-hegemônica, de acordo com Antonio Gramsci apud SANTOS, Boaventura de Souza (Org.). Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2003, p. 41. 68

- A esse respeito, veja-se: CHAUÍ, Marilena. Cultura e democracia: o discurso competente e outras falas. 11. ed. São Paulo: Cortez, 2006; e VALLA, Victor Vincent. Sobre a participação popular: uma questão de perspectiva. Cadernos de Saúde Pública. Rio de Janeiro, v. 14, supl. 2, p. 7-18, 1998.

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45

*

Por fim, a busca de uma definição geral do que venham a ser movimentos sociais tem se

demonstrado inócua, seja pela grande diversidade destes, pelas diferenças entre o ocorre

nos países centrais e periféricos, ou pelas características dos locais onde se produzem as

teorias hegemônicas – quase sempre ao norte do equador – com definições que pouco ou

nada explicam, como mostra Boaventura de Sousa Santos, colocando em dúvida a

possibilidade de sua explicação por uma única definição ou teoria69.

De todo modo, a importância dos movimentos sociais é assim mostrada por Pierre

Bourdieu70:

A história social ensina que não existe política social sem um movimento social capaz de impô-la, e que não é o mercado, como se tenta convencer hoje em dia, mas sim o movimento social que “civilizou” a economia de mercado (...)

Maria da Glória Gohn, por sua vez, busca em Alain Touraine – formulador da noção de novos

movimentos sociais – quais seriam as características básicas desse conceito: “possuem uma

identidade, têm um opositor e articulam ou se fundamentam num projeto de vida e

sociedade”71.

O conceito de novos movimentos sociais, em sua origem, diz respeito especialmente aos

movimentos dos países centrais, dos Estados Unidos e da Europa, que emergem no período

pós-1968, tipicamente formados por movimentos ecologistas, pacifistas, feministas,

antirracistas, de consumidores e de auto-ajuda, além dos movimentos com caráter mais

popular, como dos “sem” (sem-documentos, sem-moradia, sem-trabalho), que embora, em

seu conjunto, também presentes nos países “do Sul”, neles encontrarão uma diversidade

muito maior, além de características próprias e variáveis, como no caso da América Latina.

Nesta, será frequente a presença dos movimentos populares, assim chamados para

69

- SANTOS, Boaventura de Sousa. Os novos movimentos sociais. In: SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2005, p. 256-70. 70

- BOURDIEU, Pierre. Contrafogos 2: por um movimento social europeu. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. 71

- GOHN, Maria da Glória. Movimentos sociais e redes de mobilizações civis no Brasil contemporâneo. Petrópolis: Vozes, 2010, p. 16.

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demarcar sua base social e política, em contraste com os movimentos de “classe média”

daqui e dos países centrais72.

Assim, a América Latina será marcada por uma grande diversidade de movimentos

populares, das populações indígenas do altiplano dos Andes, na Bolívia, Peru e Equador, aos

zapatistas, no México; do movimento operário do ABCD, no Brasil, aos piqueteiros, na

Argentina, cocaleiros, na Bolívia e no Peru, sandinistas, na Nicarágua, bolivarianos na

Venezuela, entre muitos, com maior ou menor visibilidade, muitas vezes nascidos na

ilegalidade ou na insurgência, quase sempre criminalizados, e que viriam a assumir o

governo central em muitos desses países, subvertendo o mapa social e político da região.

Note-se ainda, no Brasil, a presença de movimentos camponeses, como o Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) e a Via Campesina; dos movimentos ecologistas e

ambientalistas, alguns de base popular – como o movimento dos atingidos pelas barragens;

da forte presença do movimento negro e do movimento feminista, dos movimentos de

moradia, com forte presença em muitas cidades; dos movimentos de familiares e amigos dos

mortos e desaparecidos pela ditadura brasileira; o movimento estudantil, e ainda, como

expressões mais recentes, a marcha mundial das mulheres, os movimentos de lésbicas, gays,

bissexuais, travestis e transgêneros e inúmeros movimentos culturais e da juventude, cuja

manifestação vem aumentando no Brasil, marcados por rápida capacidade de articulação,

pelo uso de novas tecnologias de comunicação e pela criatividade de suas ações73.

Movimentos que tomados em seu conjunto, e somados aos movimentos sindicais,

potencializam-se mutuamente, gerando novas interfaces e possibilidades de aprendizado e

de ação conjunta – não sem contradições e conflitos –, e que têm em espaços como o Fórum

72

- SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2005; GOHN, Maria da Glória (Org.). Movimentos sociais no início do século XXI: antigos e novos atores sociais. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2003; e MOURIAUX, René; BEROUD, Sophie. Para uma definição do conceito de “movimento social”. In: LEHER, Roberto; SETÚBAL, Mariana. (Orgs). Pensamento crítico e movimentos sociais: diálogos para uma nova praxis. São Paulo: Cortez, 2005. 73

- A esses movimentos poderíamos somar a ação de grupos sociais como os punks, cyberativistas e blogueiros progressistas, entre outros, com atuação potencialmente emancipatória. Por outro lado, é importante que se note a existência de diversos grupos sociais racistas, supremacistas, fundamentalistas, xenófobos e homofóbicos, como no caso dos skinheads e diversos agrupamentos religiosos, que não serão tratados aqui.

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Social Mundial locais de reconhecimento mútuo, troca de experiências e busca de novas

formas de articulação, como redes74.

*

Do ponto de vista desta pesquisa, o MSZL será tomado como parte inseparável desse

contexto, na medida em que tem, na presença dos demais movimentos, sua própria

condição de existência. Desse modo, a luta pelo SUS e a conquista dos conselhos de saúde

são inseparáveis dessa ação coletiva, de muitos, em muitas frentes, ao longo do tempo.

74

- A esse respeito, veja-se: SCHERER-WARREN, Ilse. Das mobilizações às redes de movimentos sociais. Sociedade e Estado. Brasília, v. 21, n. 1, p. 109-130, jan./abr. 2006; e GOHN, Maria da Glória. Movimentos sociais e redes de mobilizações civis no Brasil contemporâneo. Petrópolis: Vozes, 2010.

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Capítulo 2

DOS CONSELHOS POPULARES AOS CONSELHOS DE SAÚDE

As primeiras iniciativas de organização popular na luta pela saúde neste novo período

surgiriam por volta da segunda metade da década de 1970, na periferia leste da cidade de

São Paulo:

– Antes nós só tínhamos participado de grupos de igreja. Lá a gente só rezava, rezava e aquilo não me satisfazia, começa a contar Zulmira. Não estava levando a nada. Vinha o pessoal da favela e contava as misérias, né? Aí a gente juntava as mulheres e dizia: – Na próxima reunião cada uma traz um quilo de qualquer coisa pro pessoal da favela, tá? As mulheres traziam com muito gosto, mas não resolvia nada. As crianças morrendo, muito doentes e sem atendimento médico (...) Foi em 1976 que a gente resolveu lutar pela conquista de um centro de saúde. Neste ano apareceram no Jardim Nordeste a chamado de D. Angélico uns estudantes de medicina para atender principalmente o pessoal da favela. Um dia passaram um filme (...) A luta começou assim, com cinco mulheres. Umas vinham daquele grupo da igreja, outras não (...) e fomos reunindo todo mundo. Mas como fazer pra conseguir um Centro de Saúde? (...) então começamos a ver onde ir pra saber como conseguir um posto (...) – Fomos em 13 senhoras falar com o Dr. Jackson (chefe do departamento em Guarulhos). Ele mandou a gente procurar uma casa para alugar que satisfizesse as exigências da Secretaria de Saúde e onde pudesse funcionar provisoriamente o centro de saúde, recorda Zuleide. (...) Depois de pronta a casa, o Dr. Jackson prometeu que viria inaugurar em março de 1977. Perguntamos: -- Podemos distribuir uns panfletozinhos prá comunicar ao povo que nesta data vai inaugurar o posto? Ele disse que podia (...) No dia marcado para a inauguração 150 mães com seus filhos e registros estavam em frente ao posto de saúde (...) só que não tinha nada dentro (...) Já fomos passando um abaixo-assinado e pegamos mais de 150 assinaturas (...)

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Quando o abaixo-assinado estava com 5.000 assinaturas, a Comissão de Saúde decidiu alugar um ônibus e ir até a Secretaria de Saúde para entregá-lo nas mãos do Secretário e apresentar pessoalmente as reivindicações. O dinheiro para pagar o ônibus foi conseguido através de rifas de uma panela de pressão e uma garrafa térmica, que tinham sobrado de uma quermesse da igreja. (...) Em outubro de 1978 o então secretário da saúde, Dr. Walter Leser, recebeu uma caravana de 55 senhoras. Nessa oportunidade foram feitas as seguintes reivindicações: mais médicos para o centro de saúde para poder aumentar as matrículas; leite em pó; uma participação do povo no posto de saúde, isto é, um conselho para o posto de saúde que saísse do povo do bairro.75

A periferia leste da cidade de São Paulo era então composta de zonas de ocupação

relativamente recentes, em expansão, associadas a intenso fluxo migratório e ausência de

condições mínimas de moradia e equipamentos públicos, como escolas, creches, transporte,

asfalto, iluminação, água encanada e esgoto. À pobreza das regiões mais distantes se

associava um forte crescimento de favelas e cortiços nas regiões mais centrais. Neste

cenário, a luta por equipamentos públicos de saúde se associava imediatamente às demais

lutas e demandas locais, que se expraiavam numa região com mais de dois milhões de

habitantes, das várzeas do Rio Tietê, ao nordeste, até as regiões próximas ao ABCD e sudeste

da capital76.

Como mostram Paul Singer e Vinicius Caldeira Brant, a emergência dos movimentos

populares na década de 1970 dar-se-ia de forma fragmentária, numa conjuntura de forte

repressão política, em que eram frequentes prisões, torturas e assassinatos pelo aparelho de

Estado – dificultando, mediante violência, insegurança e medo, a articulação das pessoas e

dos grupos envolvidos nas lutas sociais77.

75

- Extraído de QUE HISTÓRIA É ESSA? Conselhos populares. São Paulo: CPV/GEP Urplan-PUC-SP, n. 1; 2 ed., ago. 1988, p. 28-43. 76

- Veja-se, entre outros: CAMARGO, Candido Procópio et al. São Paulo, 1975: crescimento e pobreza. 4. ed. São Paulo: Loyola, 1976; COHN, Amélia et al. A saúde como direito e como serviço. São Paulo: Cortez: Cedec, 1991; IBASE. Saúde e trabalho no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1982; FASE - Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional. A saúde em estado de choque. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo/FASE, 1986. 77

- SINGER, Paul; BRANT, Vinicius Caldeira (Orgs.), op.cit. Sobre o processo histórico de urbanização da região leste da cidade de São Paulo, veja-se: ROLNIK, Raquel. Reestruturação urbana da metrópole paulistana: análise de territórios em transição. Relatório de pesquisa. Campinas: PUC-Campinas, jan. 2000. CD-ROM.

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A interdição dos canais de representação e expressão política, como partidos, sindicatos e

organizações populares, associada à censura aos meios de comunicação e à cultura, junto a

todo um conjunto de leis de exceção, acabava por estimular os laços primários de

solidariedade, como relações de trabalho, vizinhança, parentesco ou amizade, gerando toda

uma série de movimentos moleculares, como associações comunitárias, clubes de mães,

circulos esportivos, movimentos culturais, comissões de fábrica, grupos de oposição sindical

e tendências estudantis, localizados e dispersos, tendo por base relações de confiança

mútua entre seus membros, que passavam, lentamente, a se articular e a se expandir.

Outra característica, também fruto dessas contradições, seria a forte autonomia daqueles

movimentos em relação ao Estado, aos partidos, às associações tradicionais de bairro e

mesmo à hierarquia das igrejas – liberdade e independência que viria a se constituir em

importante marca desses novos movimentos78.

Há de se ressaltar o papel fundamental desempenhado por setores da Igreja Católica na

organização popular e na resistência ao regime militar, especialmente por meio de suas

Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) que, com organização e características muito variadas,

país afora, apoiadas pela práxis da Teologia da Libertação, teriam chegado a mais de 50 mil

no final dos anos 1970. Constituindo-se em espaço de encontro, organização e reflexão – e

mesmo de abrigo a militantes e grupos de oposição –, essas comunidades encontram-se na

origem de parcela considerável dos movimentos populares que florescem no período – em

claro conflito com setores da mesma igreja que haviam participado decisivamente do golpe

de março de 196479.

*

O ano de 1974 marcaria a crise do “milagre econômico”, período de extraordinárias taxas de

crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), à custa de um perverso aumento das

iniquidades sociais, do arrocho salarial e da deterioração das condições de vida e trabalho de

78

- SINGER, Paul; BRANT, Vinicius Caldeira (Orgs.), op.cit. 79

- Veja-se, entre outros: CAMARGO, Candido Procopio; SOUZA, Beatriz Muniz de; PIERUCCI, Antônio Flávio de Oliveira. Comunidades eclesiais de base. In: SINGER, Paul; BRANT, Vinicius Caldeira (Orgs.), op.cit.

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grande parte da população. Aquele ano seria marcado pelo auge de uma grande epidemia

de meningite, que denunciava o sucateamento dos serviços de saúde pública, e que o

governo tenta controlar através da manipulação de informações e da censura à imprensa.

Nesse mesmo ano a mortalidade infantil, cuja tendência histórica de queda já havia se

invertido em 1966, atingiria seu pico, junto a recordes de acidentes de trabalho, 780 mil

apenas no Estado de São Paulo, mostrando a superexploração e as péssimas condições de

trabalho, finalizando-se o ano com avanço significativo da oposição nas eleições80.

Diante dessa conjuntura adversa, e potencialmente explosiva, o regime militar, lançaria uma

série de medidas de caráter compensatório, visando diminuir tensões sociais e buscar

legitimidade, já que não mais podia tratar a “questão social” exclusivamente com repressão.

Seria, então, formulada toda uma série de políticas sociais, consubstanciadas no II Plano

Nacional de Desenvolvimento.

Nesse processo, ainda em 1974, seria criado o Ministério da Previdência e Assistência Social

(MPAS), no interior do qual, em 1977, seria estruturado o Inamps, órgão responsável pela

formulação de políticas e financiamento de toda a Assistência Médico-Individual (AMI). Ao

Ministério da Saúde, sucateado, sem recursos e sem poderes, caberia a formulação da

política nacional de saúde – na prática restando-lhe apenas alguns programas verticais de

saúde pública, de imunização e de vigilância sanitária e epidemiológica.

Desse modo, assiste-se ao deslocamento da AMI para o centro do sistema de saúde, com o

Estado comprando serviços do setor privado, o que viria a marcar a próxima década. Seria

igualmente marcante a extensão da cobertura previdenciária, que passaria a atingir a quase

totalidade da população urbana e parte da rural. Em contraste com o progressivo

sucateamento das ações e dos programas de saúde pública, de caráter coletivo, executados

pelo Ministério da Saúde. A participação dos trabalhadores na gestão do sistema

previdenciário já havia sido há muito suprimida.

A criação do Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social (FAS), em 1974, com grande

montante de recursos, permitiria empréstimos subsidiados para construção, ampliação e

80

- A esse respeito, veja-se: BARATA, Rita de Cássia Barradas. Meningite: uma doença sob censura? São Paulo: Cortez, 1988; CAMARGO, Candido Procópio et al., op. cit.; BRANT, Vinicius Caldeira (Org.). São Paulo: trabalhar e viver. São Paulo: Brasiliense: Comissão de Justiça e Paz, 1989; KOWARICK, Lúcio (Org.). As lutas sociais e a cidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.

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equipagem da rede privada lucrativa, que viria a ter grande expansão no período – em

contraste com o que ocorreria com os serviços públicos –, garantindo-se ainda clientela e

pagamento pelos serviços prestados, um negócio altamente rentável e sem riscos.

Para se ter uma ideia da dimensão desse processo, note-se que de 1974 a 1977, o número

anual de internações aumentou 66%, o de consultas médicas 158% e o de exames

diagnósticos e terapêuticos 120%81.

Desse modo, junto à expansão, no mesmo período, das empresas de medicina de grupo,

também subsidiadas pelo Estado, geram-se as bases materiais do empresariamento privado

da saúde no Brasil capitalizado por recursos públicos, que, de certo modo, marca até hoje os

serviços de saúde.

Assim, a um só tempo, o Estado autoritário garante os interesses do capital, não apenas dos

proprietários de hospitais, mas também, e de modo importante, o das poderosas indústrias

farmacêuticas e de equipamentos; serve aos interesses das indústrias de ponta, através do

subsídio à contratação de empresas de medicina de grupo – voltadas para a seleção da força

de trabalho, a diminuição do absenteísmo e o aumento da produtividade. E ainda permite,

no seu conjunto, a diminuição de tensões sociais, seja pela medicalização dos problemas

sociais, em escala ampliada, seja pela sua resposta ao problema das filas e da desassistência,

“concedendo” um maior acesso, inclusive à população não-previdenciária, que através do

Plano de Pronta Ação (PPA) ganha direito às emergências, ambulatorizando-as, e assim

contribuindo decisivamente para uma cultura até hoje não superada. Além de gerar mais um

excelente negócio para os proprietários de hospitais, tanto pela escala desse atendimento,

quanto pelas fraudes de seu descontrole. É importante notar que aqui se encontram

importantes raízes da atual organização dos serviços de saúde, e da compreensão do

crescimento e hegemonia do setor privado. Demonstrando ainda, por fim, que, apesar da

grande ampliação dos serviços de AMI no período, esta, dissociada de qualquer ação

epidemiologicamente orientada, em nada conseguiu alterar os padrões de morbidade e

mortalidade do período.

81

- Calculado com base em tabelas do INPS extraídas de OLIVEIRA, Jaime A.; TEIXEIRA, Sonia Maria Fleury, op. cit., p.219-220. Embora não tenham sido localizados dados sobre o número de hospitais construídos ou ampliados no período, há indicação de cerca de 520 propostas de empréstimo, na quase totalidade voltados ao setor hospitalar privado, 63% das quais provenientes das regiões sudeste e sul.

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53

*

O assassinato do jornalista Vladimir Herzog, em 25 de outubro de 1975, em dependências do

Exército, junto a mais uma onda de prisões, marcaria uma inflexão na luta contra o regime

militar. Mesmo sob forte cerco e repressão, mais de oito mil pessoas participariam de culto

ecumênico na catedral da Sé, em São Paulo, reunindo, além de diversas comunidades

religiosas, grande número de associações civis e entidades populares, sindicatos, gente do

povo, estudantes, artistas e personalidades, na primeira grande reunião pública no Brasil

após o Ato Institucional n° 5 (AI-5), de dezembro de 196882.

*

Um mapeamento dos novos movimentos populares na São Paulo do final dos anos 1970

mostrará a presença, além dos movimentos de saúde, de movimentos pela melhoria dos

transportes, de moradores de loteamentos clandestinos, movimentos por água, por creches,

de moradores de favelas, mulheres e negros, além do Movimento do Custo de Vida – que

pelo seu nível de organização e dimensão seria uma das marcas do período –, além de

experiências como as da Assembléia do Povo, de Campinas, e do Conselho Popular de

Osasco, no Estado de São Paulo, cada qual trazendo consigo uma rica história. A estes,

somam-se movimentos com maior participação das classes médias, especialmente os

culturais – no campo da música, do teatro, do cineclubismo e do jornalismo –, o movimento

feminista, o movimento homossexual, os movimentos pela anistia e o movimento estudantil,

que a partir de 1977, enfrentando a polícia, ganharia as ruas83.

82

- Para a citação das datas de acontecimentos políticos do período utilizou-se fundamentalmente a cronologia de BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. Fé na Luta: a Comissão Justiça e Paz de São Paulo, da ditadura à democratização. São Paulo: Lettera.doc, 2009, p.367-412. 83

- O levantamento de movimentos sociais presentes no período estudado teve como base: SINGER, Paul; BRANT, Vinicius Caldeira (Orgs.), op.cit.; SADER, Eder, op. cit; JACOBI, Pedro. Movimentos sociais e políticas públicas. São Paulo: Cortez, 1989; GOHN, Maria da Glória. História dos movimentos e das lutas sociais: a construção da cidadania dos brasileiros. São Paulo: Loyola, 1995; DOIMO, Ana Maria, op. cit.; KOWARICK, Lúcio

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Além desses, com maior visibilidade no período, muitos outros se faziam presentes, ou se

encontravam em construção, especialmente a partir de 1978, quando se ampliam em muito

as mobilizações até então sufocadas, abrindo-se um novo período no enfrentamento ao

regime, marcado pelas grandes greves operárias do ABCD paulista.

O novo movimento sindical, forjado junto às oposições sindicais e às comissões de fábrica, e

em franca oposição ao sindicalismo até então vigente, marcaria forte presença no período.

Assim, além das greves do ABCD, os anos de 1978 e 1979 seriam marcados pela greve dos

trabalhadores do Hospital das Clínicas de São Paulo e do Hospital do Servidor Público

Estadual; pelas primeiras greves dos bancários desde 1964; dos trabalhadores em limpeza

urbana; dos metalúrgicos da capital; dos professores da rede estadual de ensino; dos

motoristas e cobradores de ônibus e da grande campanha salarial unificada de 1979, que

envolveria cerca de 200 mil trabalhadores, registrando-se aqui apenas as maiores.

Movimentos que também se faziam presentes em outros estados, como nas greves dos

motoristas de ônibus, bancários, professores e metalúrgicos do Rio de Janeiro; de

professores, bancários e metalúrgicos em Minas Gerais; dos bancários gaúchos ou dos

canavieiros em Pernambuco, entre muitas.

Importante notar o caráter de afrontamento ao regime presente nessas greves, duramente

reprimidas, com prisões, intervenções e por vezes mortes, e o apoio popular que se

manifestava através de inúmeras formas da solidariedade, como os Fundos de Greve e a

coleta de alimentos para os desempregados – dos quais participavam ativamente os

movimentos sociais, em uma conjuntura bastante adversa e de grande desemprego, na qual

ser grevista era uma tomada de posição de alto risco.

Além do registro dessas presenças, é importante notar novidades que as acompanhavam,

como a ruptura do silêncio e o desocultamento de muitos outros mecanismos de opressão.

Nesse processo, os movimentos foram levados a duros enfrentamentos, sendo frequentes

atos de desobediência civil e de ação direta, desafiando proibições e promovendo mudanças

não apenas na ordem social, mas também na esfera pessoal, da família e da vida cotidiana.

(Org.); QUE HISTÓRIA É ESSA? Conselhos Populares, op. cit.; e CPV – Centro Pastoral Vergueiro. A propósito dos movimentos populares. São Paulo, n. 2-3, abril/set. 1983.

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Por outro lado, os movimentos sociais muitas vezes se chocavam com tradições da antiga

esquerda, que por vezes os compreendia como diversionismos, diante da contradição

fundamental entre capital e trabalho, tal como definida pelo marxismo clássico84. A

especificidade de muitas dessas lutas, como no caso do movimento feminista, do

movimento negro ou dos movimentos contraculturais, era classificada como “desvio”, pois

se acusava esses movimentos de perderem atenção do que deveria ser o foco fundamental

da luta de classes. É importante notar que essa posição fortalecia o surgimento de um novo

campo de esquerda, crítico das ortodoxias e do “socialismo realmente existente” no leste

europeu, com desdobramentos importantes a partir daquele período.

Os movimentos demonstrariam também criatividade em suas manifestações e atos, com o

uso do teatro, da música, da poesia, de pesquisas e da produção gráfica, associados a uma

mobilidade cada vez maior de seus participantes que, à medida que saíam do isolamento,

passavam a transitar entre diversos movimentos, que muitas vezes se articulavam, se

dissolviam e se recompunham, trazendo novos aportes e experiências, além da circulação de

questões comuns a todos, como as de gênero e etnia. Produziam-se processos de

aprendizado cultural e político nas próprias lutas, local privilegiado de formação de

consciência de seus participantes.

*

No campo dos serviços de saúde, a retomada de iniciativas progressistas viria a ocorrer a

partir de 1975, na segunda gestão do médico sanitarista Walter Leser à frente da Secretaria

de Estado da Saúde de São Paulo, buscando retomar a noção do Centro de Saúde como eixo

organizador do sistema, a integração horizontal dos antigos programas verticais

especializados (como os de tuberculose e hanseníase) e a implantação da carreira de médico

84

- A esse respeito, veja-se SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2005, p.258.

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sanitarista, que viria a assumir a gestão dos centros de saúde e distritos, renovando a saúde

pública paulista, como já havia tentado, sem sucesso, em sua primeira gestão (1967-1970)85.

Como mostra José da Silva Guedes86:

“Nesse momento, o Leser conta com o apoio do Ministério da Saúde, onde estavam o [José Carlos] Seixas, o [João] Yunes, o José Otávio Mercadante, egressos daquele período anterior. (...) Nesse período, com o apoio desse pessoal (...) foi feito um convênio com a Secretaria Estadual de Saúde e a Faculdade de Saúde Pública para criar o que foi chamado de ‘curso curto’ de Saúde Pública. Isso foi importante porque o curso tradicional durava um ano e formava 30 pessoas, 15 eram estrangeiras.”

Nesse processo, seriam formados 396 sanitaristas, 315 dos quais, por concurso público,

ingressariam na carreira, passando a assumir a direção de Centros de Saúde, Distritos e

Regionais, além de oferecer quadros para o nível central da Secretaria. Em muitos casos,

esses sanitaristas passariam a se articular entre si e com os movimentos sociais presentes

em suas áreas de atuação, dinamizando os movimentos e participando da luta social87.

Desde os primeiros anos da década de 1970, mas especialmente a partir das eleições

municipais de 1976, passariam a se desenvolver experiências inovadoras na área da saúde

em cidades como Campinas (SP), Niterói (RJ), Paulínia (SP), Austin (baixada fluminense, RJ),

Montes Claros (MG), Caruaru (PE), Pariquera-Açu (SP) e Londrina (PR), algumas

impulsionadas pelo Programa de Interiorização dos Serviços de Saúde (Piass- MS), além de

experiências docente-assistenciais, como o Projeto Barra Funda (Santa Casa de São Paulo) e

o Centro de Saúde-Escola Samuel Pessoa, no Butantã (FMUSP).

*

85

- NEMES FILHO, Alexandre. Os médicos sanitaristas e a política de saúde no Estado de São Paulo no período de 1976 a 1988. 1992. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo. 86

- FALEIROS, Vicente de Paula et al., op.cit. p.56. 87

- Vários desses sanitaristas viriam a ter atuação de destaque no campo da saúde pública, e em alguns casos seriam eleitos parlamentares ou prefeitos, como Eduardo Jorge Martins Alves Sobrinho, Roberto Gouveia do Nascimento, Carlos Alberto Pletz Neder, José Augusto Ramos e David Capistrano Filho.

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Outra vertente do período encontrava-se nos Departamentos de Medicina Preventiva e

escolas de Saúde Pública, que atuavam tanto na produção de conhecimento e formação de

pessoal como na análise, debate e proposições sobre a organização dos serviços, das

práticas e das políticas de saúde. É importante notar que esse importante desenvolvimento

do pensamento crítico em saúde dava-se ainda num contexto de forte repressão88.

A criação do Cebes, em 1976, articulando intelectuais, técnicos e gestores, além de docentes

e pesquisadores, de modo plural, junto à publicação da revista Saúde em Debate, é um

marco desse período, servindo como espaço de articulação e de difusão que rapidamente se

expande por todo o país. Ainda no terceiro número de sua revista, o Cebes já tinha

representantes em 16 Estados e, a partir de 1977, em parceria com a editora Hucitec,

iniciaria uma série própria, com o lançamento de importantes títulos, os três primeiros de

autoria, respectivamente, de Carlos Gentile de Melo, Samuel Pessoa e Giovanni Berlinguer89.

A Associação dos Médicos Sanitaristas do Estado de São Paulo (AMSESP) também seria

reativada em 1976 e cumpriria, por meio de debates, publicações e encontros, além de sua

ação sindical, um importante papel no campo da saúde pública paulista, até o fim da carreira

do médico sanitarista, em 1987. Caberia então à Associação Paulista de Saúde Pública

(APSP), fundada em 1972, dar continuidade aos grandes encontros da saúde pública e à

organização dos trabalhadores da Saúde Coletiva90.

Em 1978 a AMSESP promoveria, em parceria com outras entidades, o 1º Encontro por

Melhores Condições de Saúde, no auditório da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, com

cerca de 700 participantes, em uma tentativa de aproximação entre técnicos e movimentos

sociais. Participam quase 70 entidades, entre as quais 21 associações populares, 20

associações de trabalhadores da saúde (sendo cinco de médicos residentes), oito instituições

88

- Desde 1964, no processo de repressão contra as universidades, professores e estudantes foram presos, afastados ou mortos, como no caso da professora Rosa Kucinsky (USP) e dos estudantes Honestino Guimarães (UnB) e Alexandre Vanucci Leme (USP), em 1973. Sobre o processo de perseguição e aposentadoria de professores da USP, ver ADUSP. O livro negro da USP: o controle ideológico da universidade. São Paulo: Brasiliense, 1979; e HILDEBRANDO, Luiz. O fio da meada. São Paulo: Brasiliense, 1990. Sobre a repressão na Fiocruz, veja-se LENT, Herman. O massacre de Manguinhos. Rio de Janeiro: Avenir, 1978; e CARVALHO, Vladimir. Barra 68: sem perder a ternura. 2000. 1 filme (80 min.), sobre a invasão da UnB. 89

- PAULA, Sílvia Helena Bastos de et al. A criação de Saúde em Debate, revista do Cebes: narrando a própria história. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 81, p. 148-155, jan./abr. 2009. 90

- NEMES FILHO, Alexandre, op.cit.

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de ensino, três sindicatos de outras áreas e três jornais populares, além de estudantes de

oito instituições da área da saúde, incluindo centros acadêmicos 91.

Outras entidades e movimentos de trabalhadores da saúde merecem também destaque no

período, em especial o Movimento de Renovação Médica (Reme) que, criado em 1976,

articulado ao novo sindicalismo, viria a assumir o Sindicato dos Médicos de São Paulo e o

Conselho Regional de Medicina, ainda em 1978, e a Associação Médica Brasileira (AMB), em

1981. O Movimento de Renovação Odontológica, que também emerge nesse período, além

de atuar na organização da categoria, passa a ter um interessante papel na proposição de

políticas setoriais e na construção de alternativas tecnológicas na área de saúde bucal. Por

fim, a Associação dos Servidores da Secretaria Estadual de Saúde (ASSES), criada em 1979,

no bojo das greves e mobilizações da saúde e do funcionalismo, teria como primeiro

presidente um médico sanitarista e estaria na origem do Sindicato dos Trabalhadores

Públicos da Saúde no Estado de São Paulo (SindSaúde-SP), criado em 1988, quando a nova

Constituição Federal passa a permitir a sindicalização de trabalhadores públicos. A partir de

então, apoiaria a criação da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Saúde e

Seguridade Social (CNTSS) da Central Única dos Trabalhadores (CUT), organizando-se

nacionalmente, tendo um papel destacado em todas as mobilizações das próximas

décadas92.

Ressalte-se ainda a presença do movimento estudantil da área da saúde, bastante ativo no

período, e seus grandes encontros anuais, como os Encontros Científicos dos Estudantes de

Medicina (ECEMs), reunindo milhares de estudantes para debater saúde e política, junto ao

processo de reorganização da União Nacional dos Estudantes (UNE), bem como do

Movimento dos Médicos Residentes, responsável por greves nacionais e significativas

mobilizações no período, também marcando presença junto aos demais movimentos.

A Abrasco, outro personagem central na construção do SUS, reunindo docentes e

pesquisadores dos departamentos de Medicina Preventiva e Social, e das Escolas de Saúde

Pública de todo o país, seria criada em 1979, e conquistaria papel de destaque desde seu

91

- ENCONTRO POR MELHORES CONDIÇÕES DE SAÚDE, 1, São Paulo,1983. Textos de saúde pública. São Paulo: APSP, v. 2, abr. 1983. Veja-se a listagem completa dos participantes no Anexo. 92

- Veja-se CAMPOS, Gastão Wagner de Sousa. Os médicos e a política de saúde. São Paulo: Hucitec, 1989. v. 1. NEMES FILHO, Alexandre, op.cit.

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nascimento, vindo a produzir parte significativa dos documentos técnicos e proposições que

subsidiaram a 8ª Conferência Nacional de Saúde93.

*

Diante de tantos atores sociais, muitas vezes portadores de diferentes projetos políticos, é

importante destacar uma questão fundamental: em que pesem suas especificidades,

divergências, conflitos e contradições que, inevitavelmente, se fariam presentes em um

coletivo tão amplo de movimentos, partidos, correntes, entidades e instituições, existia um

entendimento mínimo que permitia ações comuns – seja porque todos tinham um inimigo

comum – o regime militar –, seja porque estavam envolvidos nos debates sobre a

construção de um novo sistema de saúde, no qual o Cebes, entidade plural, tinha um

importante papel.

Exemplo disso é o documento A questão democrática na área da saúde, que, embora

elaborado pela diretoria nacional do Cebes, visando o 1º Simpósio sobre Política Nacional de

Saúde da Câmara Federal, em outubro de 1979, sintetizava o acúmulo desse coletivo de

atores, como admite o relator do simpósio Eleutério Rodrigues Neto94, expressando em

poucos pontos grande parte dos princípios e diretrizes do que viria a ser a proposta do

Sistema Único de Saúde, já com esse nome, seis anos antes da 8ª Conferência Nacional de

Saúde.

*

Em março de 1979 seria eleito o Conselho Popular de Saúde do Jardim Nordeste95, na

periferia leste da cidade de São Paulo, por voto direto e secreto, com 8.146 votantes. No

93

- Veja-se, entre outros, PAIM, Jairnilson Silva. Reforma sanitária brasileira: contribuição para a compreensão e crítica. 2007. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Salvador. 94

- RODRIGUES NETO, Eleutério, op. cit., p. 66. 95

- Apud NEDER, Carlos Alberto Pletz. Participação e gestão pública: a experiência dos movimentos populares de saúde no município de São Paulo. 2001. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Ciências Médicas,

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mesmo processo, seria eleita a Comissão de Saúde, organização popular autônoma e

independente, voltada às lutas mais gerais do bairro e suporte à ação dos conselheiros da

unidade de saúde.

Em 30 de setembro, após intensa mobilização e panfletagens na porta das igrejas, nas feiras

livres, nas escolas, no comércio e nas ruas, além de um trabalho casa a casa, ocorreria uma

assembléia popular no bairro, com cerca de 800 participantes. A pauta incluía a

reivindicação de telefones públicos e ônibus à noite, de um melhor transporte –

determinantes sociais da saúde do bairro –, e também mais médicos para o Centro de Saúde

e a publicação dos nomes do Conselho Popular eleito em Diário Oficial.

Em 27 de outubro de 1979, as 12 conselheiras eleitas, todas mulheres, tiveram seus nomes

publicados.

Estava instituído o primeiro Conselho Popular de Saúde da Cidade de São Paulo96.

*

Em meio a processos tão intensos e variados, as greves dos metalúrgicos do ABCD viriam a

desempenhar um papel decisivo, alterando a correlação de forças na sociedade. O processo

de distensão política – anunciado pelo governo, e por ele mesmo contraditado pela censura

à imprensa, pela continuidade das cassações de parlamentares de oposição, prisões, mortes,

atentados, intervenções em sindicatos e pelo próprio fechamento do Congresso Nacional –

Universidade Estadual de Campinas, Campinas. Os conselhos populares tinham por objetivo a fiscalização e o trabalho junto às unidades de saúde, contando em suas reuniões com trabalhadores do serviço e gestores – uma espécie de embrião do que viriam a ser os Conselhos de Saúde. Já as Comissões de Saúde tinham um foco mais amplo de atuação, visando organizar a atuação popular nos diversos conselhos que existissem na região, articular suas lutas e participar da luta mais geral da população. 96

- Os Conselhos de Saúde foram instituídos junto à Reforma Administrativa da Secretaria de Estado da Saúde, pelo Decreto nº 50.192/1968, artigo 68. Previam a participação das elites da “sociedade civil”, tais como membros do Rotary e Lions Club, da Igreja, diretores de escola e delegados de polícia, experiência que não se consolidou. Por pressão dos movimentos populares, e com forte apoio dos sanitaristas, inclusive dos que trabalhavam na SES-SP, sua composição foi alterada no início da gestão do então secretário Adib Jatene, em 1981, pelo Decreto nº 15.545, passando os Conselhos de Saúde a ser compostos por representantes dos movimentos populares de saúde e eleitos diretamente.

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não indicava um controle desse processo de “abertura” pelo governo militar, mas a

emergência de uma nova realidade que fugia a seu controle.

Como mostra Eder Sader97:

Era a manhã ensolarada de 1º de maio de 1980, e as pessoas que haviam chegado ao centro de São Bernardo para a comemoração da data se depararam com a cidade ocupada por 8 mil policiais armados, com ordens de impedir qualquer concentração. Já desde as primeiras horas daquele dia as vias de acesso estavam bloqueadas por comandos policiais que vistoriavam ônibus, caminhões e automóveis que se dirigiam à cidade metalurgica. Pela manhã, enquanto um helicóptero sobrevoava os locais previstos para as manifestações, carros de assalto e brucutus exibiam a disposição repressiva das forças da ordem (...) Movidos pela solidariedade à greve formaram-se comitês de apoio em fábricas e bairros da Grande São Paulo. Pastorais da Igreja, parlamentares da oposição, Ordem dos Advogados, sindicatos, artistas, estudantes, jornalistas, professores assumiram a greve do ABC como expressão da luta democrática em curso. A resposta viera pronta: os sindicatos promotores da greve foram postos sob intervenção e 12 de seus dirigentes presos; membros da Comissão de Justiça e Paz e pessoas da oposição haviam sido sequestrados por agentes dos serviços de segurança (...) Alguns minutos depois das 9 horas, o bispo D. Claudio Humes iniciava a missa para 3 mil pessoas que lotavam a Igreja da Matriz, num clima de tensão, sem saber o que se passaria em seguida quando da programada passeata proibida. Nas ruas ao redor, pequenos grupos ficavam dando voltas, trocando sinais, escondendo as bandeirolas trazidas. De repente, correu o rumor de que a polícia militar iniciara a dispersão de manifestantes que estavam em frente à igreja. Alguns reagiram a pedradas. Dois operários foram levados feridos para dentro da Matriz (...) Até que [ o comando da polícia ] recebeu ordens de Brasília para evitar enfrentamentos de alcance imprevisível e permitir a concentração. A notícia correu rapidamente, e os pequenos grupos foram se juntando, e só então seus participantes se deram conta de que constituíam uma multidão impressionante, calculada em 120 mil pessoas, a maior até então desde a implantação do regime militar. O maravilhoso espanto com a dimensão visível daqueles pequenos grupos, agora reunidos, consolidou uma imagem evocada cada vez que os que o viveram falam sobre os movimentos sociais [dessa] década (...) Não é por acaso que a canção de Vandré, aliás entoada naquela manhã de maio logo na saída da praça da Matriz e até chegarem ao Estádio da Vila Euclides foi incorporada como peça obrigatória nos ritos dos tempos de resistência.

97

- SADER, Eder, op.cit., p. 27-29.

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[ “vem, vamos embora, que esperar não é saber, quem sabe faz a hora, não espera acontecer” ]

Nessa representação a luta social aparece sob a forma de pequenos movimentos que, num dado momento, convergem fazendo emergir um sujeito coletivo com visibilidade pública. O que acontecera na manhã do 1º de maio de 1980 parecia condensar a história de todo o movimento social que naquele dia mostrava a cara ao sol”.

*

Em 1981 ocorreria a eleição unificada de 18 Conselhos de Centros de Saúde, elegendo 313

conselheiros com 90.457 votos, com base na União de Bairros (Jardim Nordeste e bairros

próximos), Comissão de Saúde da Vila Curuçá e Movimento de Saúde da região de São

Mateus. Sua posse conjunta ocorreria em 15 de novembro de 1981 em ato-denúncia contra

a ausência de eleições democráticas, na praça de São Mateus98.

Um boletim da Associação dos Médicos Sanitaristas do Estado de São Paulo (Amsesp)

saudava a posse dos novos Conselheiros Populares de Saúde99:

(...) Em várias vilas destes Distritos começaram a crescer há alguns anos movimentos populares que reivindicam, entre outras coisas, melhores condições de saúde. Muitos bairros organizaram Comissões de Saúde. Algumas regiões chegaram a unificar dezenas destas Comssões em Movimentos de Saúde regionais. Com estes instrumentos o povo passou a exigir das autoridades água encanada, Centros de Saúde, Hospitais, Ambulatórios do Inamps etc. Realizaram caravanas e assembléias populares com milhares de moradores. Muitas vitórias já foram alcançadas. Algumas já concretizadas como a construção de dezenas de novos Centros de Saúde. Outras ainda estão em promessa como os Hospitais Públicos e Ambulatórios do Inamps. Em 1981 as Comissões de Saúde abriram um caminho novo nas reivindicações populares. Resolveram generalizar uma experiência que estava restrita ao Bairro do Jardim Nordeste de formação de Conselhos Populares para controlarem o funcionamento dos Centros de Saúde.

98

- Apud NEDER, Carlos Alberto Pletz, op.cit. 99

- Extraído de AMSESP. Boletim Informativo, 23 (5) São Paulo, 1981, apud NEMES FILHO, Alexandre, op. cit., p. 70-73.

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Esta aspiração unificou dezenas de Comissões de Saúde de bairros que iam de São Miguel a Tatuapé, de Ermelino Matarazzo e Itaquera a São Matheus. Moradores de todos estes locais passaram a reunir-se regularmente para pensar os métodos de divulgação, eleição e atuação dos Conselhos. Durante 7 meses as Comissões trabalharam na divulgação da ideia, fazendo centenas de reuniões nas ruas, igrejas, clubes, etc. Neste processo foram surgindo os candidatos: trabalhadores, funcionários, donas de casa, aposentados, etc. De 24/10 a 08/11 realizaram-se as eleições. Livres, diretas, com direito de voto aos soldados e analfabetos e coordenadas pelo próprio povo! (Quem será que falou que o povo não sabe votar?) 97.000 pessoas votaram. Em bairros como o Iguatemi onde vivem 20.000 habitantes com cerca de 10.000 adultos, 6.000 votaram. Em São Rafael com 30.000 habitantes dos quais 15.000 adultos, 13 000 votaram. Isto demonstra a representatividade e a extensão que atingiu o trabalho realizado pelas Comissões de Saúde. No dia 08/11 foi a apuração. Realizada em locais públicos com a presença de médicos dos Centros de Saúde como observadores. Em 15/11 numa praça de São Matheus tomaram posse os 18 Conselhos formados em média por 10 membros efetivos cada um. Dr. Adib, apesar de convidado, não compareceu. Estiveram presentes elementos dos Distritos Sanitários da área. Foi uma festa completa com discurso, foguetes e sanfoneiros. (...) Respaldados pelas Comissões de Saúde que continuarão a existir como organismos abertos e independentes, os Conselhos já começaram a atuar. Realizaram reuniões com o povo e funcionários. Encaminham reivindicações e sugestões. E querem saber tudo sobre o funcionamento dos Centros de Saúde (...) Por outro lado estão cobrando do Secretário da Saúde o cumprimento dos Artigos 10, 11 e 12 do Decreto 15.545 de 26/1/81, exigindo a oficialização dos Conselhos100 (...) O povo está vencendo a partida de goleada mas os “cartolas” estão querendo anular o jogo no “tapetão”. Será que o Controle Popular vai mesmo levantar a cabeça? Ou a burocracia vai conseguir “controlar o controle”? Acompanhem os próximos capítulos.

(do correspondente da Zona Leste) P.S. Os sanitaristas estão convidados a participar do jogo. A entrada é grátis.

*

100

- Publicada no Diário Oficial do Estado, de 17 de dezembro de 1981, marca mais uma vitória do movimento.

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Em fevereiro de 1980, no Colégio Sion, em São Paulo, após um amplo processo de debates

sobre a reestruturação partidária, envolvendo o conjunto das forças progressistas, seria

criado o Partido dos Trabalhadores (PT), tendo por base social o novo sindicalismo, urbano e

rural, de todo o país, parcela considerável dos militantes dos novos movimentos sociais,

militantes de esquerda de diversas origens e importantes intelectuais ligados à universidade,

na rara condição de partido nascido das lutas sociais. Depois da reforma partidária, o agora

Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), continuaria atuando como “frente”,

e servindo como legenda partidária ao PCB, ao PCdoB (Partido Comunista do Brasil), que só

viriam a ser legalizados em 1985, além de outros agrupamentos de esquerda. Sob a

liderança de Leonel Brizola, seria criado o Partido Democrático Trabalhista (PDT), compondo-

se assim o conjunto da nova oposição partidária, permitindo agora uma maior explicitação

de posições101.

No campo do movimento sindical, em agosto de 1981 seria realizada a 1ª Conferência

Nacional das Classes Trabalhadoras (Conclat), na Praia Grande, São Paulo, reunindo 5.036

delegados, representando 1.091 entidades sindicais – a primeira grande reunião intersindical

desde 1964. Nela, entre outras deliberações, seria criada a Comissão Nacional Pró-Central

Única dos Trabalhadores, que organizaria a primeira greve geral pós-ditadura, em julho de

1983. Em agosto desse ano, no 1º Congresso Nacional da Classe Trabalhadora, em São

Bernardo do Campo (SP), com mais de cinco mil trabalhadores presentes, seria criada a

CUT102.

Aqui, mais uma vez, a exemplo do ocorrido no processo da reforma partidária,

evidenciariam-se conflitos que, no seu conjunto, viriam a configurar campos distintos na luta

social, que se expressariam também nos movimentos sociais e nos demais campos da ação

política. Assim, fruto das divergências com o “novo sindicalismo”, e com apoio do PCB e do

PCdoB, seria criada, ainda em 1982, a Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), em uma

frente sindical que também seria conhecida como Conclat.

101

- A esse respeito veja-se BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita, op.cit. e GOHN, Maria da Glória. História dos movimentos e das lutas sociais: a construção da cidadania dos brasileiros. São Paulo: Loyola, 1995. 102

- Ver BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita, op.cit. e GOHN, Maria da Glória. História dos movimentos e das lutas sociais: a construção da cidadania dos brasileiros. São Paulo: Loyola, 1995.

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No campo dos movimentos populares, por sua vez, o início dos anos 1980 seria marcado

pelo crescimento da luta dos trabalhadores rurais, que resultaria na criação, em 1984, do

MST, bem como o crescimento dos movimentos urbanos por moradia, nascidos

especialmente com a ocupação de terras urbanas e de antigos prédios abandonados em

áreas centrais, resultando na criação da União dos Movimentos de Moradia (UMM), em

1987, e da Associação Nacional dos Movimentos de Moradia (ANMM). Além dessas, a

criação da Confederação Nacional de Associações de Moradores (Conam), em 1982, passava

a aglutinar associações de amigos de bairro e movimentos sociais locais, especialmente na

periferia de algumas grandes cidades, com maior presença no Rio de Janeiro.

Para uma melhor compreensão da conjuntura de crise social do período, o ano de 1983 seria

marcado pelo Movimento dos Desempregados, que derrubaria grades no Palácio dos

Bandeirantes, em São Paulo, sede do governo estadual, no início do governo Franco

Montoro (PMDB), promoveria ocupações de órgãos públicos e acampamentos,

conquistando uma visibilidade até então negada pela mídia – já livre da censura –, e pelo

poder público, conquistando vitórias, como terrenos para assentamentos e empregos

temporários, e tendo servido, apesar de sua expontaneidade, mas com base em suas

práticas de ação direta, como exemplo para outros movimentos sociais. A explosividade da

questão social se expressaria ainda em quebra-quebras de trens e ônibus, especialmente em

São Paulo e no Rio de Janeiro, em revoltas contra a péssima qualidade dos serviços,

superlotação, atrasos e quebras constantes. Registram-se ainda no período saques a

supermercados, não apenas na região sudeste, e a armazens de estocagem de alimentos na

região nordeste103.

*

Ao mesmo tempo, a crise chegava à Previdência Social e aos serviços de saúde. Como

mostram Jaime Oliveira e Sonia Fleury104, tratava-se de uma “tripla crise”. Por um lado uma

103

- Ver BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita, op.cit. e GOHN, Maria da Glória. História dos movimentos e das lutas sociais: a construção da cidadania dos brasileiros. São Paulo: Loyola, 1995. 104

- OLIVEIRA, Jaime A.; TEIXEIRA, Sonia Maria Fleury, op. cit.

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“crise ideológica”, posteriormente “político-institucional”, geradas pela incapacidade de

mudanças na lógica médico-individual-privatista do sistema, mesmo depois de sucessivos

planos (PrevSaúde 1, PrevSaúde 2, Conasp), dadas as profundas articulações entre Estado,

setor privado e capital – sob o comando destes últimos –, e a absoluta falta de base social

das propostas dos técnicos e dirigentes progressistas e de seus projetos racionalizadores.

Por outro lado, explodia a “crise financeira”, que levaria à decretação da “falência” do

sistema, em virtude da crise econômica mais geral do país e dos custos da expansão recente

dos serviços, como vimos, exigindo-se agora medidas racionalizadoras e mudanças

administrativas e institucionais, que permaneceriam no centro do debate e da ação política

de importantes setores da própria reforma sanitária, imersos na institucionalidade, até pelo

menos 1993, quando da extinção do Inamps105.

*

Desde as eleições dos Conselhos Populares de Saúde de 1981, quando 95 mil moradores

votaram, e de sua posse conjunta, como vimos, no bairro de São Mateus, em São Paulo, os

conselheiros passaram a elaborar o Regimento Interno dos Conselhos dos Centros de Saúde,

prevendo a presença obrigatória das chefias das unidades nas reuniões, eleições livres

mediante apresentação de chapas e ação prioritária dos conselhos junto às unidades de

saúde, com direito à fiscalização das ações desenvolvidas e da qualidade do atendimento,

podendo ter acesso a documentos e participar das decisões106.

O regimento tratava de ampliar e consolidar a institucionalização e o poder dos Conselhos

de Saúde, ao mesmo tempo que mantinha a autonomia e a independência das Comissões de

Saúde, também eleitas, cujo papel, externo às unidades de saúde, era organizar tanto a

intervenção nos Conselhos como as lutas mais gerais do bairro e da sociedade, de modo a

105

- Há uma vasta literatura a respeito desse processo. Veja-se, entre outros: BRAGA, José Carlos de Souza; PAULA, Sérgio Góes de, op. cit.; CONASEMS - Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde. Movimento sanitário brasileiro na década de 70: a participação das universidades e dos municípios. Brasília, DF, 2007; FALEIROS, Vicente de Paula et al., op.cit. 106

- Apud NEDER, Carlos Alberto Pletz, op.cit.

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manter uma estrutura organizativa autônoma e independente do Estado, das igrejas e dos

partidos.

A proposta foi encaminhada à Secretaria de Estado da Saúde em maio de 1982, mas só seria

aprovada e publicada no Diário Oficial em agosto de 1983107, na véspera de uma grande

caravana do movimento de saúde, que além dessa reivindicação buscava respostas a

reivindicações encaminhadas anteriormente.

Em março de 1983 seria realizado o I Encontro dos Movimentos e Conselhos de Saúde da

Zona Leste, com a presença de cerca de 150 pessoas de 37 bairros – do Movimento de Saúde

de São Mateus, do Movimento de Saúde do Jardim Nordeste e das Comissões de Saúde que

formavam a União de Bairros, seria aprovada a unificação de todos os movimentos da região

e das lutas gerais priorizadas pelas Comissões de Saúde, além de um programa de lutas de

curto, médio e longo prazo 108.

Estava criado o Movimento de Saúde da Zona Leste.

*

Na sexta-feira, 26 de agosto de 1983, o jornal Folha de S. Paulo publicaria uma matéria,

assinada pelo jornalista Simon Widman, cobrindo a manifestação da véspera:

TRÊS MIL DO MOVIMENTO DE SAÚDE COBRAM SOLUÇÕES DE

SECRETÁRIOS

Foram à Secretaria de Saúde em 60 ônibus e negociaram por três horas

“Democracia é assim mesmo”, conformava-se ontem o secretário da Saúde do Estado, João

Yunes, quando retornava a seu gabinete, após três horas de negociações com perto de 3 mil

107

- Trata-se da Resolução SS nº 44, de 24 de agosto de 1983. 108

- MACHADO, Leda Maria Vieira, op. cit. e NEDER, Carlos Alberto Pletz, op.cit.

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pessoas do Movimento de Saúde da Zona Leste. O encontro, que teve diversos lances de

nervosismo das duas partes, ocorreu debaixo de forte sol no estacionamento da Secretaria,

onde Yunes mandou montrar um tablado e instalar aparelhagem de som.

Conforme estava previsto, às dez horas chegaram os moradores da Zona Leste conduzidos por

uma caravana de 60 ônibus que congestionou o trânsito nas imediações da avenida Dr.

Arnaldo, onde se situa a Secretaria. O Movimento queria ouvir de Yunes, do secretário da

Higiene e Saúde do município, José Guedes, e do secretário regional de Planejamento do

Inamps, Lupércio de Souza Cortez Jr., as respostas à pauta de reivindicações entregue no

último dia 5 onde pedem, basicamente, a construção de quatorze Centros de Saúde, seis

hospitais, um ambulatório e melhoria no atendimento médico na região através da contratação

de novos funcionários.

Apesar da organização do movimento, que segundo suspeitam assessores de Yunes conta com

a orientação de pessoas ligadas ao PT, o nervosismo não permitiu que os ítens fossem

objetivamente discutidos. Pouco antes do encerramento da discussão, Vera Cruz, integrante

da comissão de Negociações, desabafou que “nada do que pedimos foi atendido por inteiro,

tudo ficou no ar, não conseguimos amarrar nada”.

Para o secretário João Yunes, contudo, dentro das possibilidades orçamentárias grande parte

das reivindicações foram atendidas. E as promessas feitas por ele, por Guedes e por Cortez Jr.

foram assinadas publicamente, conforme pediam em coro os populares. Para Guedes e Yunes

existem fatores que fogem às suas atribuições e impedem a aprovação integral dos pedidos,

que, ressaltaram, são justos. Os escassos recursos destinados à saúde (5,5% do orçamento

municipal e apenas 2,6% do Estado) e a dificuldade dem obter verbas federais para o setor

foram alguns dos obstáculos apontados.

De concreto, os manifestantes levaram a promessa de que até o final de novembro será

iniciada a construção de cinco Centros de Saúde, cinco hospitais (dois do Estado e três

municipais) serão implantados tão logo seja liberada a verba solicitada à Caixa Econômica

Federal (e já aprovada, no caso do Estado), e instalação de um ambulatório do Inamps desde

que se encontre um imóvel adequado para ser alugado para essa finalidade.

Yunes também se comprometeu a estudar as necessidades reais de funcionários e garantiu que

até setembro a região receberá 182 mil latas de leite em pó por mês. “O governo anterior nos

deixou sem leite e com uma dívida de 600 milhões de cruzeiros somente nesse ítem, assinalou

o secretário.

Tensão

As negociações anunciavam-se tensas desde a chegada dos moradores da Zona Leste.

Munidos de centenas de faixas gritavam slogans como “chora Yunes, Yunes chora (...) é

chegada a sua hora” e outros de rimas mais fortes, do tipo “al, al, al, queremos hospital”.

Interrompido diversas vezes aos gritos de “chega de enrolação” e “demagogo”, José Guedes

perguntou, irritado, se tinha que responder “ao povo, à pauta de reivindicações ou às

interferências de vocês”.

Mas não foi somente o secretário municipal que se mostrou nervoso. João Yunes considerou

um desrespeito e “gozação pessoal” a afirmação de uma mulher que ao protestar contra a falta

de leite em pó dirigiu-se a ele comentando estar “gordinho e corado”. “Desrespeito não vou

admitir – reagiu Yunes retirando-lhe o microfone, para retrucar que “a senhora também está

bem gordinha”.

Alguns incidentes serviram para exaltar ainda mais os ânimos, como a quebra – acidental,

segundo garantiu Yunes – da aparelhagem de som, substituída em poucos minutos. O clima

em que transcorreu o encontro não desanimou os secretários para manterem novos contatos

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diretos com a população. “Temos que ser coerentes com nosso discurso”, assinalou João

Yunes, lembrando que a participação da comunidade foi um dos pontos básicos da campanha

eleitoral do PMDB. Por esse motivo, já confirmaram a participação na assembléia do

Movimento de Saúde da Zona Leste, marcada para o dia 27 de novembro, em hora e local a

serem confirmados.

Fonte: Extraído de WIDMAN, Simon. Três mil do movimento de saúde cobram soluções de secretários. Folha de S. Paulo, São Paulo, 16 ago. 1983. Geral, p. 15.

*

Em novembro de 1983, na praça Charles Miller, em frente ao Estádio do Pacaembu, em São

Paulo, alguns milhares de pessoas iniciavam o que possivelmente tenha sido o maior

movimento social da história do Brasil – o Movimento pelas Diretas Já109.

Tratava-se de um movimento suprapartidário, apoiado por inúmeras entidades e

movimentos, que visava eleger de forma direta o próximo presidente da República, e não

pelo Colégio Eleitoral, instrumento criado pelo regime militar em 1967. Para tanto, o

movimento exigia a aprovação de uma emenda constitucional, apresentada pelo então

deputado Dante de Oliveira (PMDB), que instituía as eleições diretas para presidente.

Desse começo relativamente tímido, ignorado pela mídia, o movimento rapidamente se

espalhou pelo país, reunindo, já em 25 de janeiro de 1984, cerca de 300 mil pessoas no Rio

de Janeiro. Entre os vários grandes comícios realizados por todo o país em abril, Goiânia

reuniria 250 mil pessoas, o Rio de Janeiro contaria mais de um milhão na Candelária, e São

Paulo mais de um milhão, mobilizando intensamente a sociedade.

A oito dias da votação da emenda constitucional, o general Figueiredo, então presidente da

República, decretaria o Estado de Emergência em Brasília, ocasionando grandes protestos na

cidade, sitiada pelos militares.

Em 24 de abril de 1984, véspera da votação, um monumental “panelaço” ocorreu em

diversas cidades, tomando as ruas e engrossando concentrações populares e vigílias,

marcando de modo emocionante, para quem o viveu, a possibilidade de novos tempos.

109

- BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. Fé na Luta: a Comissão Justiça e Paz de São Paulo, da ditadura à democratização. São Paulo: Lettera.doc, 2009.

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Em 25 de abril a emenda constitucional seria rejeitada. Faltaram 22 votos.

*

A derrota das diretas na Câmara dos Deputados provocaria uma divisão no movimento.

Enquanto um setor significativo buscava sua continuidade, realizando comícios em Estados

como Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina, Minas Gerais e Goiás, outro setor –

composto pelo PMDB, PCB e PCdoB, passa a discutir abertamente a ida ao Colégio Eleitoral,

com candidatura própria, que seria apoiada por “dissidentes” do regime.

Desse modo, poucos meses depois, em agosto de 1984, na convenção do PMDB, seria

aprovada a indicação de Tancredo Neves à presidência, pelo colégio eleitoral, tendo como

vice José Sarney, influente líder civil da ditadura, agora representando a “frente liberal”.

Imediatamente se inicia a elaboração do programa de governo e, no seu interior, um

programa de saúde escrito sob forte influência de membros da reforma sanitária ligados ao

PMDB e ao PCB.

Em janeiro de 1985 o Colégio Eleitoral elegeria Tancredo Neves presidente do Brasil. Em 15

de março, com a doença do presidente eleito, José Sarney seria empossado. Iniciava-se a

“Nova República”. Que contava, entre seus quadros, com destacados militantes do

movimento da reforma sanitária. Como mostra José Gomes Temporão, além da nomeação

de Hésio Cordeiro para a presidência do Inamps110:

“Quando a gente entra em 1986, o [Sérgio] Arouca era presidente da Fiocruz, o Eleutério [Rodrigues Neto] era secretário-executivo do MS, o [José] Agenor [Álvares da Silva] era secretário de planejamento do MS e eu secretário de planejamento do Inamps.”

Esse grupo, em que pese todo o poder conquistado, e seus limites, conflitos e contradições

internas, era agora governo. E falava agora de dentro do aparelho de Estado. Representando

um dos campos – e não a totalidade, do movimento da reforma sanitária. Sendo sua história,

110

- FALEIROS, Vicente de Paula et al., op.cit., p.76.

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a partir de agora, fortemente marcada pela institucionalidade, constituindo parte

fundamental, mas apenas parte, da história mais geral do movimento da reforma sanitária.

Em junho de 1985 o presidente José Sarney encaminha ao Congresso a Proposta de Emenda

Constitucional convocando a Assembleia Nacional Constituinte, de caráter congressual,

prevista para após as eleições de 1986, e que ainda iria a voto. Cerca de um mês depois, em

23 de julho, seria publicado o Decreto n° 91.466, que convocava a 8ª Conferência Nacional

de Saúde (8ª CNS) e estipulava seus temas e sua composição.

A 8ª CNS, marco histórico da luta pelo direito à saúde, ocorreria entre os dias 17 a 21 de

março de 1986, em Brasília, sendo precedida por 23 encontros estaduais, e teria como uma

de suas principais marcas a participação, em parte conquistada por seus próprios

participantes111.

Em que pese ter a 8ª Conferência contado oficialmente com 1.014 delegados, caravanas e

representantes de entidades e movimentos de todo o país não contemplados na composição

oficial, deslocariam-se para Brasília e elevariam esse número para cerca de 4.000

participantes, três mil a mais que o inicialmente previsto, conquistando com sua presença a

participação de todos, elevando o número de grupos de discussão de 38 para cerca de cem e

permitindo uma Plenária Final aberta a todos os participantes.

É interessante descrever a composição oficial inicialmente prevista, que, além de expressar

limites postos pelas negociações internas no âmbito do governo, representavam, de certo

modo, tanto uma concepção tática de correlações de força, como uma visão de sociedade,

que pode ser apreendida com base na escolha e na dimensão de suas representações. Note-

se que não se tratou de um processo ascendente, com escolhas realizadas nas reuniões e

pré-conferências preparatórias, como viria a ocorrer nas futuras conferências, mas de uma

lista de instituições e entidades pré-definida a partir de Brasília, sendo interessante, em

especial, uma observação atenta da representação da chamada “sociedade civil” (uma lista

completa de entidades participanes encontra-se no Anexo 4).

Assim, dos mil delegados inicialmente previstos, quinhentos seriam provenientes de órgãos

e instituições do setor público, metade dos quais (250) do governo federal (80 do MS, 80 do

111

- Os dados referentes à 8ª CNS foram extraídos do Acervo do Departamento de Arquivo e Documentação, Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, Rio de Janeiro, Coleção VIII CNS.

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MPAS, 40 do Ministério da Educação (MEC) – incluindo faculdades e hospitais universitários

e 50 de outros ministérios). O nível estadual (secretarias de Saúde) contaria com 110

delegados, de todos os estados, em número variável, a exemplo das secretarias municipais

de saúde (que teriam 33 delegados para as capitais e 77 para outras cidades). A

representação de parlamentares contaria com 30 membros, de todos os partidos, 23 dos

quais representando legislativos estaduais.

As outras 500 vagas destinavam-se à chamada “sociedade civil”, na qual os movimentos

sociais encontravam-se em pequeno número e os movimentos populares de saúde

praticamente ausentes, sendo “representados” por uma única entidade, a Conam.

Veja-se o quadro a seguir:

Quadro 1 – Número e distribuição prevista das vagas para a sociedade civil na 8ª CNS.

Nº de vagas

% em relação à sociedade civil

% em relação ao total de

delegados

Trabalhadores urbanos CUT 50 10% 5%

Conclat 50 10% 5%

Trabalhadores rurais Contag 50 10% 5%

Associações de moradores Conam 50 10% 5%

Partidos políticos * 20 4% 2%

Profissionais de saúde * 100 20% 10%

Produtores privados * 75 15% 7,5%

Outras entidades civis * 105 21% 10,5%

Fonte: 8ª CNS – Critérios de representatividade e preenchimento de vagas. Acervo do Departamento de Arquivo e Documentação, Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, Rio de Janeiro, Coleção VIII CNS, Caixa 1. Nota: * Detalhamento dos participantes no Anexo 4.

A transcrição da leitura da proposta de relatório final, pelo professor Guilherme Rodrigues

da Silva, relator-geral, ao Plenário da 8ª CNS, traz elementos importantes para a

compreensão da proposta de participação e controle social que saía da conferência e que

viria nortear os debates na Assembleia Nacional Constituinte e na criação do SUS.

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O relatório final apresentava propostas não apenas dos 38 grupos de discussão em que se

dividiram os delegados “oficiais”, mas de 135 grupos, aí incluídos outros 97 em que se

dividiram os demais participantes, acatados pela relatoria-geral.

Como expressa a fala do relator à Plenária Final112:

(...) a preocupação foi fazer com que o relatório final, efetivamente, refletisse a opinião da maioria dos delegados aqui. A combinação disso com o grupo dos participantes foi para nós realmente muito interessante, porque nós esperávamos, francamente, muito mais discordâncias do que terminamos verificando. O trabalho que foi feito pela comissão que fez a condensação dos relatórios desses participantes (palmas) a contribuição que apareceu em cada um dos ítens, por parte dos participantes, enriqueceu de uma forma extraordinária esse relatório final. Foram incorporadas várias sugestões, porque eram extremamente pertinentes e importantes. E aquilo que não pode, realmente, ser colocado sob uma forma de consenso, aparece já sob a forma de destaque prévio para apreciação soberana dessa assembléia (...)

Interessa-nos aqui, em especial, as questões relativas à questão da participação e do

“controle social” – termo que surge aqui, na conferência, e que, diferentemente de

formulações anteriores, até então genéricas, explicita com clareza a questão dos Conselhos

de Saúde. Essa formulação surgirá em meio ao Tema I – Direito à Saúde, do relatório final

aprovado113:

“Para assegurar o direito à saúde a toda a população brasileira é imprescindível: 1º) garantir a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte livre e soberana, precedida da revogação da legislação autoritária remanescente; 2º) assegurar na Constituição, a todas as pessoas, as condições fundamentais de uma existência digna, protegendo o acesso a emprego, educação, alimentação, remuneração justa e propriedade da terra aos que nela trabalham; 3º) renegociar a dívida externa em bases mais favoráveis à soberania e aos interesses nacionais. 4º) implantar uma

112

- Extraído da transcrição da plenária final da 8ª CNS (Acervo do Departamento de Arquivo e Documentação, Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, Rio de Janeiro, Coleção VIII CNS, Caixa 6, 00077, p.639-640). 113

- Extraído da transcrição da plenária final da 8ª CNS (Acervo do Departamento de Arquivo e Documentação, Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, Rio de Janeiro, Coleção VIII CNS, Caixa 6, 00077, p. 645), grifos nossos. É interessante notar o desaparecimento de parte do item 5 (“...mediante representação e participação, através de conselhos eleitos pela comunidade”) na edição do Relatório Final da 8ª CNS publicada pelo MS e MPAS. A transcrição original das fitas é clara, e contém o trecho suprimido, que foi aprovado pela Plenária Final da conferência, sem qualquer destaque em contrário.

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reforma agrária que responda às necessidades e aspirações dos trabalhadores rurais; 5º) estimular a organização da população e sua interferência nos núcleos decisórios, nos vários níveis, assegurando o controle social sobre as ações do Estado, mediante representação e participação, através de conselhos eleitos pela comunidade; 6º) fortalecer os Estados e Municípios para o adequado financiamento das ações de saúde.”

Note-se, na formulação “conselhos eleitos pela comunidade”, uma clara referência à

experiência concreta que vinha se desenvolvendo em São Paulo, dos Conselhos de Saúde.

No que diz respeito à vasta literatura sobre a 8ª CNS, há um consenso de que o relatório

final irá servir de base, como uma espécie de plataforma, coletiva, para a atuação do

movimento sanitário e dos movimentos sociais no processo constituinte.

*

Em 1º de fevereiro de 1987 seria instalada a Assembleia Nacional Constituinte. As eleições

de 1986 dariam vitória esmagadora ao PMDB, que elegeria todos os governadores, à

exceção de Sergipe, e 54% dos deputados constituintes.

Cenário que rapidamente se deterioraria, com o fracasso do chamado “plano cruzado”, que

havia sido artificialmente sustentado até as eleições, e que levaria agora, já em fevereiro de

1987, à decretação de moratória da dívida externa, em um ano que acabaria com 415,83%

de inflação acumulada, pequena diante dos 1.037,56% do ano seguinte. Desemprego,

arrocho salarial, impunidade diante dos assassinatos no campo e repressão contra

movimentos grevistas fariam parte da cena.

A Constituinte mostrar-se-ia um duro campo de disputa, em face de uma maioria

conservadora e da forte e articulada presença do poder econômico e do latifúndio. Nesse

longo processo, cerca de 18 meses, até a promulgação da nova Constituição Federal, em 5

de outubro de 1988, o movimento sanitário e os movimentos de saúde demonstrariam

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grande capacidade propositiva, e acabariam surpreendendo a todos – e em parte a si

próprios – pelas vitórias alcançadas. Nas palavras de Sonia Fleury114:

“A saúde inovou porque nós tinhamos um projeto, que tinha sido construído durante um longo período (...) um projeto consolidado e pronto, através de várias frentes de discussão e de luta, e a direita e o centro não tinham.”

O principal espaço de organização do movimento nesse período foi a Plenária Nacional de

Saúde, estruturada basicamente por entidades com organização nacional, como o Cebes, a

Abrasco, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de

Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), a CUT, a CGT, a Conam e a Associação Nacional

dos Docentes do Ensino Superior (Andes), além de diversas corporações profissionais, como

a Federação Nacional dos Médicos, Associação Brasileira de Enfermagem, o Conselho

Nacional de Farmácia e o Conselho Nacional de Medicina, que servia de base logística, quase

todas as entidades com sede em Brasília. A estas, somavam-se alguns sindicatos locais e

assessores parlamentares, além de núcleos ligados à Universidade de Brasília.

A coleta de assinaturas para a Emenda Popular da Saúde, a ser apresentada à Assembleia

Nacional Constituinte, acabaria por denunciar a falta de base social do movimento da

reforma sanitária. Este se mostrava, mais uma vez, distante e dissociado dos movimentos

sociais e populares, ainda que muitas vezes acabasse falando em seu nome.

Mantida essa estratégia de organização do movimento, francamente cupulista, a Emenda

Popular da Saúde recolheria apenas 54.133 subscrições, ainda que fosse o centro da

mobilização das entidades, em contraste com as mais de três milhões de assinaturas da

Emenda pela Reforma Agrária ou mais de um milhão de assinaturas da Emenda pelo Ensino

Público.

Nas palavras de Eleutério Rodrigues Neto, do Cebes115:

114

- FALEIROS, Vicente de Paula et al.,op.cit., p.98. 115

- RODRIGUES NETO, Eleutério, op.cit., p.78.

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As dificuldades encontradas na colheita de assinaturas evidenciou o quanto o “movimento” estava distante das entidades realmente populares, de base, na sua prática de todo dia. Foi nos locais em que o movimento popular de saúde era mais forte, como São Paulo, que os resultados foram mais expressivos. Isso evidenciou mais ainda a necessidade de que o “movimento” da saúde, da Reforma Sanitária, buscasse seus verdadeiros aliados que estão especialmente fora das academias e das corporações.

Em 5 de outubro de 1988, com a promulgação da nova Constituição Federal, iniciava-se um

novo período na história da saúde no Brasil.

Como mostra Eduardo Jorge, deputado constituinte eleito pelo PT-SP e médico sanitarista

originário da luta pela saúde na zona leste116:

“Em relação à participação popular, desde o processo pré-8ª CNS, pré-Constituinte, Constituinte e pós-Constituinte, com a regulamentação, se não houvesse a participação da militância política, dos movimentos sindicais e do movimento popular, não haveria o sistema de saúde, não haveria o SUS. Essa proposta, toda ela, nasce com o pressuposto de que a participação popular influencia na formulação, a participação popular é o elemento estruturante dentro desse sistema. Então, sem ela, não haveria esse sistema, haveria outro, outro tipo de reforma, não essa com seus princípios: universalização, integralidade, equidade, descentralização, democratização.”

*

A vitória de Fernando Collor à presidência da República, em novembro de 1988, abre um

período simultaneamente de resistência, em defesa das conquistas recentes, em risco, e de

avanço – pela luta e mobilização, tanto pela regulamentação do SUS, através das Leis

Orgânicas 8080 e 8142, de 1990, como pelas possibilidades abertas por novos governos

municipais progressistas, também eleitos no final de 1988, e que iniciarão a implementação

do SUS, como no caso de São Paulo, Campinas, Santos, Porto Alegre e Vitória.

Nesses processos, mais uma vez os movimentos sociais e populares da área de saúde

cumprirão um papel importante, em uma conjuntura nacional e internacional adversa,

116

- FALEIROS, Vicente de Paula et al.,op.cit., p. 96.

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marcada pelo rápido avanço do neoliberalismo – que será marca não apenas do governo

Collor, mas mantido e aprofundado por seus sucessores.

Os vetos de Collor a partes da Lei 8.080 (Lei Orgânica da Saúde), aprovada pelo Congresso

Nacional em 19 de setembro de 1990, incidem diretamente sobre as questões relativas à

participação social. O artigo 11, vetado, previa as Conferências e os Conselhos de Saúde em

cada esfera de governo, com caráter deliberativo. São ainda vetados dispositivos relativos ao

financiamento, à transferência de recursos do Fundo Nacional de Saúde diretamente aos

municípios e a incorporação do Inamps pelo Ministério da Saúde, entre outras questões.

Diante das reações imediatas do campo sanitário, membros da Plenária Nacional de Saúde

conseguem o compromisso do MS no envio de um novo projeto que recolocasse as questões

vetadas. Esse projeto, elaborado com participação da Plenária e de deputados, é aprovado

pela Câmara em tempo recorde, recuperando a totalidade das questões referentes à

participação social, parcialmente as questões relativas ao financiamento e deixando outras

para regulamentação por portarias ou nova legislação. Trata-se aqui de uma importante

vitória.

Em 28 de dezembro de 1990, como vimos, seria sancionada a Lei 8142, aprovada pelo

Congresso Nacional, que dispõe sobre a “participação da comunidade” na gestão do SUS,

nos termos da Constituição Federal de 1988 e da recente Lei 8080. Em seu texto117:

Art. 1º O Sistema Único de Saúde (SUS), de que trata a Lei no. 8080, de 19 de setembro de 1990, contará, em cada esfera de governo, sem prejuízo das funções do Poder Legislativo, com as seguintes instâncias colegiadas: I – a Conferência de Saúde; e II – o Conselho de Saúde. § 1º. A Conferência de Saúde reunir-se-á a cada quatro anos com a representação dos vários segmentos sociais, para avaliar a situação de saúde e propor as diretrizes para a formulação da política de saúde nos níveis correspondentes, convocada pelo Poder Executivo ou, extraordinariamente, por este ou pelo Conselho de Saúde. § 2º O Conselho de Saúde, em caráter permanente e deliberativo, órgão colegiado composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, atua na formulação de estratégias e no controle da execução da

117

- BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Coletânea de normas para o controle social no Sistema Único de Saúde. 2. ed. Brasília, DF: Editora MS, 2007 (Série E. Legislação de Saúde), p. 29-30, grifos nossos.

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política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera do governo. § 3º O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems) terão representação no Conselho Nacional de Saúde. § 4º A representação dos usuários nos Conselhos de Saúde e Conferências será paritária em relação ao conjunto dos demais segmentos. § 5º As Conferências de Saúde e os Conselhos de Saúde terão sua organização e normas de funcionamento definidas em regimento próprio, aprovadas pelo respectivo conselho. (...) Art. 4º Para receberem os recursos, de que trata o art. 3º desta Lei, os Municípios, os Estados e o Distrito Federal deverão contar com: I – Fundo de Saúde; II – Conselho de Saúde, com composição paritária de acordo com o Decreto no. 99.438, de 7 de agosto de 1990; III – Plano de Saúde IV – Relatórios de Gestão que permitam o controle de que trata o § 4º do art. 33 da Lei n. 8080, de 19 de setembro de 1990. (...) Parágrafo único. O não atendimento pelos Municípios, ou pelos Estados, ou pelo Distrito Federal, dos requisitos estabelecidos neste artigo, implicará em que os recursos concernentes sejam administrados, respectivamente, pelos Estados ou pela União. (...) Art. 7º Revogam-se as disposições em contrário.

Estavam agora institucionalizados em lei federal os Conselhos e as Conferências de Saúde.

Em meio a um processo conflituoso, contra a vontade política do então governo Collor, e na

contramão do neoliberalismo, que avançava a passos largos, os Conselhos de Saúde

conquistavam seu caráter permanente e deliberativo, além de composição paritária entre

usuários e demais segmentos. O desrespeito à nova lei ameaçava a transferência de recursos

financeiros estaduais e/ou federais para município ou Estado, conforme o caso118.

*

118

- Além das denúncias dos próprios conselheiros, e de suas entidades, o cumprimento dessa disposição legal tem sido acompanhado pelo Ministério Público e por auditorias tanto do Ministério da Saúde, por meio do Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Denasus), como pelos Tribunais de Contas e pela Controladoria Geral da União (CGU), com impacto significativo (vide respectivos relatórios de gestão).

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Vitória de muitos atores e fruto de um processo institucional bastante conturbado, para os

movimentos populares a lei federal representava uma conquista da luta iniciada ainda nos

anos 1970, quando da criação e institucionalização dos primeiros Conselhos de Saúde. Não

se tratava aqui de experiência tecnocrática ou arroubo parlamentar, mas do fruto de um

processo histórico que havia criado importantes bases sociais e políticas. Cabia agora, a este

conjunto tão diverso de sujeitos sociais, em especial os movimentos populares e sindicais,

utilizá-la como instrumento de luta, numa conjuntura adversa, fazendo-a valer.

É interessante notar que, quando da aprovação da Lei 8142, já existiam ao menos 311

conselhos municipais em funcionamento, distribuídos em 24 Estados, em todas as regiões do

país119. Não apenas em capitais, como São Paulo, Fortaleza, Florianópolis, Cuiabá e Maceió,

mas em cidades de todos os portes, onde também se desenvolviam experiências

participativas de implantação do SUS. Isso representava cerca de 7% dos municípios

existentes à época, onde viviam cerca de 19% da população brasileira120. Um indício

importante de que sua criação, longe da “prática cartorial” que marca a origem de diversas

instituições, era fruto de um processo de acúmulo que, com todos os seus conflitos e

contradições, acabaria por forjar uma aliança estratégica entre movimentos, trabalhadores

da saúde e gestores progressistas, demonstrando o poder instituinte desse coletivo.

Em 1991, primeiro ano após a promulgação da lei, seriam criados 1.351 conselhos

municipais, que se ampliariam para 3.178, até 1994, e para 4.689 em 1998, quando já

estavam presentes em 85% dos municípios brasileiros, onde residiam 93% da população.

Em 2012 existem 5.565 conselhos, um em cada município brasileiro 121.

Estimamos em mais de 80 mil o número de conselheiros municipais de saúde no Brasil122.

119

- Cadastro do Conselho Nacional de Saúde, Disponível em: <http://formsus.datasus.gov.br/site/unidade.php?id_aplicacao=13>. Acesso em: 15 fev. 2011. 120

- Os dados aqui utilizados representam o número de municípios existentes em cada ano e respectiva população estimada, apud IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Perfil dos municípios brasileiros: séries estatísticas & séries históricas, série POP300, revisão 2008, projeção da população do Brasil, 1980-2050. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 10 mar. 2011. 121

- Note-se que a dinâmica de criação de novos conselhos, especialmente entre 1990 e 1997, é fortemente influenciada pela criação de novos municípios, tendo sido criados 550 em 1993 e 533 em 1997. A partir desse ano passa a ocorrer certa estabilização. Dados disponíveis em: <http://www.ibge.gov.br>. 122

- Para esta estimativa, utilizamos a base de dados do Cadastro Nacional de Conselhos de Saúde, do Conselho Nacional de Saúde/MS, disponibilizada na internet, com informações de 5.483 municípios. Após limpeza de eventuais inconsistências, foram contados 79.141 conselheiros, faltando dados para 82 municípios. A estimativa foi calculada com base na proporção relativa de cada segmento (usuários, trabalhadores e

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*

A Lei 8.142, de 1990, que institucionaliza os Conselhos e as Conferências de Saúde, ecoa a

luta dos movimentos populares desde os anos 1970, e os conselhos populares de saúde.

gestores/prestadores) no universo de 5.565 municípios, bem como a média e mediana do número de conselheiros por conselho (14 e 12, respectivamente). Utilizou-se a mediana (12) para estimar os 82 municípios faltantes, o que resultou em mais 984 conselheiros.

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Capítulo 3

O GOVERNO LUIZA ERUNDINA E A CONSTRUÇÃO PARTICIPATIVA DO SUS

As eleições municipais de novembro de 1988, com a vitória de Luiza Erundina, do Partido dos

Trabalhadores, ao mesmo tempo que sinalizavam uma ruptura, abriam possibilidades de um

novo tempo na gestão pública da cidade de São Paulo. Tratava-se da primeira vitória

eleitoral de um partido de esquerda na cidade, contra uma poderosa tradição conservadora

e elitista, que desde sempre havia marcado sua história política.

Tratava-se da eleição de uma mulher, nordestina, de origem popular, socialista e ativista das

lutas sociais, cuja vitória – até certo ponto inesperada, produziria marcas profundas tanto na

cultura política como nas práticas administrativas da cidade, em cada área de atuação da

prefeitura, e em seu próprio interior.

É interessante notar que, desde o processo interno de “prévias” no interior do PT, para

escolha do futuro candidato a prefeito, ou prefeita, ocorria um debate que dividia as pré-

candidaturas e seus apoiadores, envolvendo a questão da participação popular e dos

conselhos em um governo democrático-popular. A vitória da futura prefeita nas prévias

sinalizava uma radicalização das possibilidades da participação social e popular na gestão da

cidade.

No dia 1º de janeiro de 1989 seria empossada a nova prefeita, e nos próximos dias indicado

seu secretariado123, em meia a grandes expectativas populares.

No campo da Saúde, o desafio era a construção do SUS, projeto político que trazia consigo

um forte sentido emancipatório. Iniciava-se uma mudança radical nos rumos da saúde na

cidade.

123

- Entre os secretários, estariam Paulo Freire, na Educação; Marilena Chauí, na Cultura; Paul Singer, no Planejamento; Perseu Abramo, na Comunicação; Eduardo Jorge, na Saúde; Aldaíza Sposati, na Secretaria das Administrações Regionais, e Ermínia Maricato, na Habitação e Desenvolvimeno Urbano.

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Os novos gestores, assessores e coordenadores de áreas – mesmo as administrativas – eram

na maior parte das vezes provenientes da luta pelo SUS, trazendo consigo as mais variadas

experiências, afetos, vínculos e compromissos com os movimentos sociais, dos quais, até

então, haviam participado como militantes.

A então Secretaria de Higiene e Saúde estruturava-se em dois departamentos. De um lado,

com mais poder, estrutura, recursos e autonomia, o Departamento Médico-Hospitalar de

Urgência, responsável pela rede de hospitais e prontos-socorros municipais. De outro, o

Departamento de Saúde da Comunidade, responsável pela precarizada rede de unidades

básicas, ou “postos de atendimento médico”, de origem mais recente e com pouca tradição

de saúde pública124.

Note-se que nesse período, pré-municipalização, competia à esfera estadual a gestão de sua

própria rede de centros de saúde e ambulatórios, as ações de vigilância sanitária e

epidemiológica e a gestão dos demais hospitais públicos, inclusive os do antigo Inamps,

agora “estadualizados”, com o advento do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde

(SUDS).

Uma primeira medida da nova gestão municipal foi a total reorganização das estruturas do

nível central da Secretaria, com a integração dos serviços ambulatoriais e hospitalares em

um sistema municipal único, com a imediata descentralização das ações e serviços. Para

tanto foram criadas dez Administrações Regionais de Saúde (ARS) – espécie de secretarias

regionais –, cada qual composta vários Distritos de Saúde (DS), inicialmente cinco, que

chegariam a 32, em 1992125.

124

- É interessante notar que, para além da fiscalização dos “Códigos de Conduta” municipais, voltados ao saneamento do meio ambiente, a rede municipal de serviços de saúde tem origem no início do século XX com a criação do primeiro “Pronto-socorro municipal”, localizado no Páteo do Colégio. A respeito da história dos serviços de saúde em São Paulo, veja-se SPOSATI, Aldaíza. (Coord.) A secretaria de Higiene e Saúde da cidade de São Paulo: história e memórias. São Paulo: PMSP-DPH, 1985 (Série registros, 6); e PALMA, José João Lanceiro da. Para entender o novo Código Sanitário. In: GOUVEIA, Roberto. Saúde pública, suprema lei: a nova legislação para a conquista da saúde. São Paulo: Mandacaru, 2000, p. 85-96. 125

- Apud NEDER, Carlos Alberto Pletz, op.cit. Veja-se também JUNQUEIRA, Virgínia. Saúde na cidade de São Paulo (1989 a 2000). São Paulo: Instituto Pólis; PUC-SP, 2001. (Observatório dos Direitos do Cidadão: acompanhamento e análise das políticas públicas da cidade de São Paulo, 3); e COUTINHO, Joana Aparecida. A participação popular na gestão da saúde de São Paulo. Lutas Sociais, São Paulo, v. 2, p. 125-138, jun. 1997.

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Figura 1 – Administrações regionais de saúde, distritos e unidades de saúde na cidade de São

Paulo, 1992.

Fonte: Extraído de Boletim informativo Participação e Saúde, n. 4, fev. 1992, São Paulo, Cedec, apud BÓGUS, Cláudia Maria. Participação popular em saúde: formação política e desenvolvimento. São Paulo: Annablume; Fapesp, 1998, p.96.

Simultaneamente, à medida que eram contratados emergencialmente trabalhadores, e se

recompunham estoques de materiais e medicamentos, visando reverter o sucateamento e

manter os serviços em funcionamento, descentralizavam-se atribuições e recursos às ARS e

aos DS, que passavam a contar com unidades orçamentárias e estruturas de recursos

humanos, o que visava dotá-los de capacidade para realização de concursos e contratação

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de pessoal, e maior agilidade na compra de serviços e materiais para manutenção e reforma

de prédios, aquisição de medicamentos, equipamentos e material de consumo126.

No mesmo processo, passavam a ser instituídos conselhos gestores nas unidades de saúde,

além de conselhos distritais e regionais, com caráter deliberativo e composição paritária,

50% de representantes de usuários, sendo a outra metade composta por 25% de

trabalhadores e 25% de gestores e prestadores de serviços.

*

Ainda em 1989 seria criado o Conselho Municipal de Saúde de São Paulo (CMS-SP), contando

com representantes dos movimentos populares em sua composição. Seriam ainda eleitos

conselhos gestores em 50 Unidades Básicas de Saúde (UBSs).

*

1989, último ano do governo Sarney, seria marcado por uma profunda crise econômica, que

culminaria com uma inflação anual de 764,86%. Nesse difícil contexto, em defesa dos

salários, e por mudanças, ocorreriam importantes greves, envolvendo bancários,

metalúrgicos, ferroviários, funcionários públicos federais, trabalhadores dos correios,

portuários, previdenciários e eletricitários, entre muitos outros. Naquele mesmo ano, o MST

faria sua primeira ocupação no Estado de São Paulo, com cerca de 700 famílias, em uma

fazenda abandonada no Pontal do Paranapanema, violentamente reprimida pela Polícia

Militar, inaugurando um período de conflitos fundiários e acampamentos precários à beira

de cercas, nas estradas paulistas127.

126

- Em 1992, 28 dos 32 Distritos de Saúde existentes contavam com unidades orçamentárias próprias, e todos com estruturas de recursos humanos, compostas por núcleos de desenvolvimento e formação, seleção e concursos e administração. 127

- Veja-se GOHN, Maria da Glória. História dos movimentos e das lutas sociais: a construção da cidadania dos brasileiros. São Paulo: Loyola, 1995; e BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. Fé na Luta: a Comissão Justiça e Paz de São Paulo, da ditadura à democratização. São Paulo: Lettera.doc, 2009.

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Em 1989, seria também realizado o congresso de fundação do SindSaúde-SP, fazendo valer a

mudança constitucional que permitia a sindicalização de trabalhadores públicos. E em

novembro ocorreria a queda do muro de Berlim, simbolizando o fim dos regimes autoritários

do Leste Europeu. Nesse mesmo mês, a eleição de Fernando Collor de Mello, primeiro

presidente eleito pelo voto popular após a ditadura, marcaria o início do neoliberalismo no

governo federal. A recessão e o desemprego, promovidos pelos planos econômicos

monetaristas, com o início do desmonte de estruturas estatais, “enxugamento” do setor

público por demissões e o início de privatizações de bens públicos, com todas as suas

implicações sociais, seriam uma marca de toda a década de 1990.

*

No campo da saúde, no plano federal, é importante ressaltar os impasses e as ambiguidades

que viviam os técnicos e intelectuais do “movimento da reforma sanitária” presentes no

interior do governo da “Nova República”. Estes, embora detendo cargos estratégicos no

Ministério da Saúde, no Inamps e em outros órgãos, encontravam-se limitados pelos

compromissos políticos, institucionais e econômicos de um governo cada vez mais

conservador, reduzindo a discussão do SUS e de seus princípios emancipatórios a um debate

político-administrativo sem participação da sociedade.

A criação do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS), em 1987, ocorrera no

bojo de uma crise econômica e uma conflituosa discussão sobre a descentralização do

Inamps, com a transferência de parte de suas estruturas e recursos para Estados e

Municípios, o fim do pagamento por produtividade – que até então igualava o setor público

e o privado – buscando-se uma alternativa a um modelo centrado nos hospitais e a serviço

do capital privado.

Como mostrava Aparecida Linhares Pimenta, em texto do período128:

128

- PIMENTA, Aparecida Linhares. O SUS e a municipalização à luz da experiência concreta. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 1, 1993. A autora atuou como gestora de importantes experiências, tendo sido secretária de Saúde de Bauru, Santos, Amparo e Diadema, todos municípios do Estado de São Paulo.

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O SUDS também teve sua implantação sujeita às realidades locais e às disputas políticas dentro do aparelho do Estado. Não só a “estadualização” do INAMPS, como também a “municipalização” dos serviços básicos de saúde (que é um dos objetivos do SUDS), se deram de maneira extremamente diversificada (...) (...) os recursos para investimentos no setor, ao contrário dos recursos para custeio, dependiam de negociações político-partidárias entre os governos estaduais e municipais, com discriminação evidente dos municípios que não eram do mesmo partido do governo do Estado. (...) muitas distorções do Sistema de Saúde permanecem com o SUDS: continuam existindo dois Ministérios, sendo que em alguns Estados conseguiu-se diminuir o peso das estruturas do Inamps e, embora o controle do setor privado da medicina tenha passado pelas Secretarias Estaduais de Saúde a lógica mercantilista continua tendo papel determinante dentro do Sistema.

As idas e vindas desse processo, e suas ambiguidades, refletiam disputas e interesses no

interior do governo federal, envolvendo dirigentes oriundos do campo da “reforma

sanitária”. Em 1991, o Inamps – que pela legislação já deveria ter sido extinto – elabora a

Norma Operacional Básica no 1 (NOB 91), retomando a lógica de pagamento por produção,

remunerando melhor as atividades médico-hospitalares, de caráter curativo e individual, em

detrimento das ações coletivas, que por vezes sequer constavam de suas tabelas.

É época de alta inflação, “tetos”, “glosas”, AIHs e UCAs129. Gestores municipais e conselhos

de saúde não têm acesso às informações da rede contratada. A relação entre o Inamps e os

municípios torna-se contábil. Paradoxalmente, a NOB 91 passa a exigir que Estados e

Municípios tenham Conselhos Municipais ou Estaduais de Saúde e plano de carreiras para se

habilitarem a receber recursos.

Nesse período ocorre também, no caso de São Paulo, uma retração nos investimentos do Governo Estadual para as redes municipais e municipalizadas. Com o avanço da municipalização, a Secretaria de Estado da Saúde deixa de financiar o custeio de medicamentos e outros insumos da rede, mantendo exclusivamente o pagamento de pessoal, e ainda assim com salários bastante baixos. Desta forma os municípios passam a contar somente com recursos do próprio orçamento e o pagamento pelo Inamps de faturas dos serviços produzidos130.

129

- Autorização de Internação Hospitalar e Unidade de Cobertura Ambulatorial, respectivamente, emitidos individualmente a cada procedimento. Por glosa entendia-se a não aceitação de AIHs ou UCAs por critérios de auditoria, por possíveis fraudes, erros no preenchimento ou incorreções formais. 130

- PIMENTA, Aparecida Linhares, op.cit., p.37.

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*

Note-se que o que começava a acontecer em São Paulo não era algo novo e isolado. Desde

1976 ocorriam experiências progressistas na área da saúde em cidades como Londrina (PR),

Campinas (SP), Montes Claros (MG), Lages (SC), Piracicaba (SP) e Niterói (RJ), que se

estenderiam, após as eleições de 1982, a municípios como Itu (SP), Bauru (SP), Cambé (PR),

Uberlândia (MG) e Cuiabá (MT), entre outros131.

A partir de 1989, com a vitória do PT em diversas cidades, entrariam em cena experiências

como as de São Paulo, Campinas e Santos, Icapuí (CE), Angra dos Reis (RJ), Vitória (ES) e

Porto Alegre (RS). Nesta, teria início uma das mais importantes e inovadoras experiências de

gestão participativa – o Orçamento Participativo (OP)132.

*

Em São Paulo, a questão dos trabalhadores em saúde ganharia centralidade, em face da

insuficiência de pessoal, das inadequações em sua composição e distribuição, da ausência de

equipes multiprofissionais e das necessidades de expansão da rede, o que levaria à

realização de cerca de 50 concursos, elevando a força de trabalho de aproximadamente 24

mil trabalhadores, em 1988, para cerca de 42 mil, em 1992133.

A criação do Centro de Formação dos Trabalhadores da Saúde (Cefor), em 30 de março de

1990, permitiria a formação de cerca de 172 sanitaristas, de todas as ARS e os DS, incluindo

significativa parcela de seus dirigentes, além da realização de cursos de aprimoramento em

saúde mental, saúde da mulher, saúde do trabalhador, recursos humanos e vigilância em

saúde, a formação em serviço de cerca de 1.000 auxiliares e técnicos de enfermagem e

131

- PIMENTA, Aparecida Linhares, op.cit. 132

- Veja-se AVRITZER, Leonardo. Modelos de deliberação democrática: uma análise do orçamento participativo no Brasil. In: SANTOS, Boaventura de Sousa. Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009 (4ª ed), p. 563-597. 133

- Ver NEDER, Carlos Alberto Pletz, op.cit., e JUNQUEIRA, Virgínia, op. cit.

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saúde bucal, e a formação supletiva em primeiro grau para mais de 1600 trabalhadores da

rede, entre outras atividades de formação permanente, buscando-se metodologias

problematizadoras e com base no trabalho concreto dos serviços134.

Até o final da gestão, em 1992, ocorreria de modo simultâneo à readequação e expansão da

rede física – no aguardo da municipalização – a criação de serviços e ações vinculados a

novos programas de saúde.

Assim, para além da construção de seis hospitais, com a abertura de 800 leitos, ou da

reforma e ampliação de 175 Unidades Básicas de Saúde135, entre outros incrementos,

passavam a ocorrer mudanças nas próprias práticas de saúde, estimuladas, em especial, pela

implantação de políticas inovadoras, especialmente em áreas como as da saúde mental,

saúde da mulher e saúde do trabalhador.

Note-se aqui, mais uma vez, a presença da participação social. A formulação e a

implantação dessas políticas tiveram forte presença de movimentos sociais, em especial os

da luta antimanicomial, do movimento feminista e do movimento sindical.

Desse modo, programas como o de saúde mental estariam presentes, até 1992, em 14

serviços de emergência hospitalar, três enfermarias para internações de curta duração e 129

Unidades Básicas de Saúde, contando ainda com 14 hospitais-dia, dos quais três infantis, e

18 centros de convivência e cooperativas, em parques e centros esportivos136. Estruturados

com base em um forte compromisso com as práticas emancipatórias que estão na sua

origem. O campo da saúde da mulher, por sua vez, se fazia presente na implantação do

Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PAISM), construído com participação do

movimento feminista, nas UBSs, hospitais, maternidades e serviços de emergência, atuando

na perspectiva dos direitos reprodutivos, estimulando o planejamento familiar e a

autonomia das mulheres, criando os primeiros serviços de aborto legal da cidade e de apoio

134

- Os cursos de saúde pública foram realizados em convênio com a Faculdade de Saúde Pública da USP, que dividia com o Cefor o desenho geral do curso e as atividades teóricas e práticas. Cerca de 800 trabalhadores de nível superior participaram de cursos de formação técnica e pedagógica para os cursos de nível médio e para a implantação do sistema 192 – futuro Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). O Cefor contava ainda com um centro de documentação e multimeios e uma gráfica. 135

- NEDER, Carlos Alberto Pletz. Prestação de Contas da SMS. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=95DkoHSR-k4>. Acesso em: 06 de abril de 2013. 136

- LOPES, Isabel Cristina. A revolução da saúde mental em SP. Psi, Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, ano 19, n. 127, mar./abr. 2001.

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às mulheres vítimas de violência, incluindo abrigos e moradias temporárias, trabalhando na

humanização do nascimento e do parto, buscando fazer valer o direito ao acompanhante de

livre escolha da mulher – entre outras ações. O programa de saúde do trabalhador, por

outro lado, além de passar a incorporar progressivamente ações de vigilância sobre o meio

ambiente e condições de trabalho, instituiria uma rede de Centros de Referência, com forte

participação de sindicatos em seus conselhos gestores, que buscavam garantir as ações

externas das equipes de vigilância, ante a resistência das empresas e mesmo de fiscais da

esfera estadual, que se opunham à municipalização dessas ações.

É importante ainda destacar que, além de várias outras ações programáticas em curso, como

as voltadas à saúde bucal, do idoso, da criança e do adolescente e ao enfrentamento da

epidemia da Aids e à implantação de um sistema pré-hospitalar de urgências, outros

processos mais gerais de mudança encontravam-se simultaneamente em andamento. Não

apenas nas UBSs, mas também nas emergências, prontos-socorros e hospitais, no

acolhimento à demanda espontânea ou nos processos participativos de diagnóstico de

saúde e territorialização das unidades e distritos.

O projeto “hospital aberto”, que visava garantir o direito ao acompanhante nas internações,

geraria amplo debate – e grandes resistências, especialmente entre equipes médicas e de

enfermagem –, indicando a insuspeitada capacidade de mudança provocada pela presença e

pelo olhar do acompanhante, não mais apenas nos horários de visita, impactando desde a

arquitetura das enfermarias, refeitórios, entradas e corredores dos hospitais até as próprias

rotinas e processos de trabalho.

A criação do Centro de Informações Epidemiológicas da SMS, por sua vez, serviria como

instrumento fundamental para o acompanhamento, monitoramento e avaliação das ações

em bases epidemiológicas, servindo ainda, junto com a experiência exemplar do Programa

de Aprimoramento das Informações de Mortalidade (Pro-AIM), à democratização das

informações em saúde e ao controle social.

A introdução do “quesito cor” nos sistemas de informação é mais uma marca da presença

dos movimentos sociais. Nesse caso, proposta do movimento negro que viria a se constituir

em ferramenta para a luta contra a discriminação étnica e racial, que nascia articulada a um

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processo mais geral de enfrentamento da violência institucional dos próprios serviços de

saúde.

*

Note-se que esses processos, seja pela sua inovação, seja pela sua radicalidade, ao mesmo

tempo que promoviam mudanças, geravam toda uma série de resistências, conflitos e

contradições.

Essa “invasão” do Estado pelos movimentos sociais e populares, passava a politizar o espaço

técnico e a desvelar toda uma série de iniquidades de gênero, cor e classe social, tanto nos

serviços de saúde como nas suas instituições. E essa presença dos movimentos nos

Conselhos Gestores das unidades e dos Distritos, no Conselho Municipal de Saúde e nas

conferências, contribuía ainda para desvelar antigas relações de poder, constitutivas das

estruturas até então hegemônicas, com suas hierarquias e rituais, que, postos em questão,

passariam a gerar mudanças na cultura institucional, nos próprios serviços e nas práticas,

impactando também os movimentos.

*

Desde sua criação, em 1983, o MSZL realizava encontros anuais, debatendo plataformas de

luta, prioridades e organização interna. Em 1989 seria realizado seu VII Encontro, que define

como estratégia o fortalecimento do trabalho nos bairros e a busca de unificação dos

movimentos populares na cidade, de modo a:

(...) reforçar o caráter de Conselhos Populares livres e independentes, para organizar a luta (...) [e] garantir a participação popular em todas as instâncias de decisão conquistadas pela lei do SUS137.

137

- Deliberação do VII Encontro do MSZL, apud NEDER, Carlos Alberto Pletz, op.cit., Anexo 5.

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Ante o desafio de dar consequência à conquista de conselhos gestores em todas as unidades

de saúde, inclusive as hospitalares, nos Distritos e no Conselho Municipal de Saúde – criado

em 24 de junho de 1989 –, os movimentos populares de saúde deparavam-se com a

inquietação da “institucionalidade”. Por um lado, evidenciava-se a necessidade de se

fazerem presentes em toda a cidade, defrontando-se com grandes diferenças no estágio de

organização nas diversas regiões, e mesmo em seu interior, que refletiam suas diferentes

histórias e tempos próprios138. Por outro, as dificuldades e os limites dos conselheiros,

vindos da luta social, diante da complexidade das questões técnicas e administrativas

levadas aos conselhos, e em meio à necessidade de neles fazer valer os interesses

populares139. E ainda uma terceira questão, central, que diz respeito às estratégias do

movimento para garantir sua autonomia no interior das instâncias participativas, com base

na eleição de conselhos populares, livres e independentes, voltados tanto à luta social nos

bairros como à organização da intervenção de seus militantes nos conselhos institucionais.

Durante o Governo Democrático e Popular, diferentemente do que aconteceu com a maioria dos movimentos, os Movimentos de Saúde das Zonas Leste e Sudeste, contando com lideranças experientes e que sofreram os efeitos de descontinuidades político-institucionais, esforçaram-se para preservar os seus próprios espaços e para não serem absorvidos pela intensa dinâmica vinda do governo municipal. Esta preocupação está registrada nas resoluções de seus Encontros Anuais, do seminário de participação popular realizado em 1990 e dos documentos em que justificam o apoio dado por eles, naquele período, à Plenária Municipal de Saúde e às mobilizações pela municipalização da saúde na Capital e contra o congelamento de verbas municipais para a saúde. (...) Observa-se, em seus documentos, que o Movimento de Saúde da Zona Leste delimita melhor o trabalho dos conselhos populares de saúde em relação aos conselhos gestores e defende a proposta de conselhos populares de saúde cada vez mais autônomos, articulados aos movimentos de saúde e a outras entidades populares de cada região, com o objetivo de retomar o trabalho anteriormente desenvolvido pelas comissões de saúde nos bairros e enfatisar a questão do direito à cidadania e à qualidade de vida.

138

- Uma breve revisão das histórias políticas e sociais dos movimentos populares de saúde nas diferentes regiões da cidade, e de sua organização, pode ser encontrada em NEDER, Carlos Alberto Pletz, op. cit., p.115-124. 139

- É importante notar que o movimento de saúde sempre contou com apoio de assessores externos, especialmente de sanitaristas e outros trabalhadores da rede pública de saúde.

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Do ponto de vista da formação, como mostra Cláudia Bógus140, a partir de 1987 iniciava-se

um importante processo de Cursos de Formação Política visando tanto a capacitação de

conselheiros como a formação de lideranças, e de multiplicadores no interior do MSZL.

Assim, nos anos de 1987 e 1988, seriam realizados quatro cursos centralizados, com cinco

meses de duração, em período integral, com ajuda de custo aos alunos. Em 1989 seriam

realizados “mini-cursos”, com três meses de duração, em bairros da zona leste, sob

responsabilidade de 12 multiplicadores que haviam participado do curso anterior, e em 1992

mais quatro cursos, centralizados e com duração de três meses. O MSZL sairia desse

processo com uma entidade própria, denominada Saúde é Vida, conquistando autonomia

para a captação direta de recursos e elaboração e formalização de seus próprios projetos141.

Em agosto de 1990, ocorreria a 1ª Conferência Municipal de Saúde e, menos de um ano

depois, em maio de 1991, a segunda, indicando o dinamismo do período.

Ainda em 1991 seriam realizadas novas eleições dos Conselhos Populares de Saúde, sendo

eleitos 1469 conselheiros, representando 91 Conselhos Populares de Saúde, com mais de

200 mil votantes. Essas eleições teriam por base um novo regimento, que diferenciava os

conselhos populares de saúde dos conselhos gestores, proposta que vem do IX Encontro do

MSZL, realizado naquele mesmo ano.

Na luta pela municipalização do SUS, que se defrontava com a resistência do governo

estadual, o movimento realizou debates, atos e manifestações locais, em diversos bairros da

cidade, e uma concentração de protesto que reuniu mais de cinco mil pessoas em frente da

Secretaria de Estado da Saúde142, em agosto de 1991. Muitos atos se sucederiam.

O X Encontro do MSZL, em 1992, incluiria em seu programa de lutas a municipalização, a

ampliação do controle popular nas unidades de saúde, inclusive as privadas e filantrópicas, o

140

- BÓGUS, Cláudia Maria, Participação popular em saúde: formação política e desenvolvimento. São Paulo: Annablume; Fapesp, 1998, p. 27-30. 141

- Os cursos seriam realizados com apoio financeiro da Inter-American Foundation (IAF), o que permitiu tanto a concessão de “bolsas de estudo” aos alunos como a remuneração da equipe técnica. Tanto o projeto como os recursos foram inicialmente intermediados pela ONG Serviço de Orientação Familiar (SOF), que em conjunto com o movimento assume os cursos até 1991. Um ano antes, em agosto de 1990, seria criada pelo MSZL a entidade Saúde é Vida, que a partir de agosto de 1991 assume diretamente o projeto e sua administração, apud BÓGUS, Cláudia Maria, Participação popular em saúde: formação política e desenvolvimento. São Paulo: Annablume; Fapesp, 1998, p. 28. 142

- BÓGUS, Cláudia Maria. Participação popular em saúde: formação política e desenvolvimento. São Paulo: Annablume; Fapesp, 1998, p. 23.

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fortalecimento dos Conselhos de Saúde e a preparação do movimento para a 9ª Conferência

Nacional de Saúde (9ª CNS). Aprovava ainda, na linha de buscar a unificação dos

movimentos, sua participação na Pró-Central de Movimentos Populares143.

Outro indicador de participação é a Plenária Municipal de Saúde, congregando entidades e

movimentos interessados na questão saúde, que contava em 1992 com cerca de 200

entidades/movimentos cadastrados, cerca 80 participando regularmente de suas atividades,

e realizando a escolha das entidades e movimentos que comporiam o Conselho Municipal de

Saúde144.

A realização da 3ª Conferência Municipal de Saúde, em setembro de 1992, com 3.116

participantes é outro marco do período.

*

Para além da saúde, aconteceria também em 1992, no Rio de Janeiro, a ECO-92 – como ficou

conhecida a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento –,

durante a qual se realiza um fórum com cerca de 1.500 ONGs e movimentos ambientalistas e

ecologistas de todo o planeta. Em julho seria aprovado pelo Congresso Nacional o Estatuto

da Criança e do Adolescente, cuja elaboração – e aprovação – contou com importante

participação de entidades e movimentos, substituindo o Código de Menores, de 1927.

É importante relembrar que o conjunto de acontecimentos desse ano seria profundamente

marcado pela conjuntura do processo de impeachment do presidente Fernando Collor de

Mello, que se iniciaria em maio, com a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito

(CPI), e evoluiria, apoiado pelos altíssimos índices de rejeição do governo, para uma série de

grandes manifestações populares, em todo o país, nos meses de agosto e setembro, com

forte participação de entidades e movimentos estudantis – que originariam o chamado

movimento dos “caras-pintadas” – e que culminaria com o afastamento temporário do

143

- Apud NEDER, Carlos Alberto Pletz, op. cit., Anexo 5. 144

- COHN, Amélia; ELIAS, Paulo Eduardo; JACOBI, Pedro. Participação popular e gestão de serviços de saúde: um olhar sobre a experiência do município de São Paulo. Saúde em Debate, São Paulo, n. 38, mar. 1993, p. 91.

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presidente, pela Câmara dos Deputados, no final de setembro, e sua renúncia e aprovação

do impeachment pelo Senado, em dezembro.

A 9ª CNS, realizada em agosto de 1992, após sucessivos adiamentos, contaria com a

participação de cerca de três mil delegados e 1.500 observadores, incluindo delegações de

outros países, tendo sido precedida por conferências municipais em mais de 2.500 cidades, e

seria marcada pela denúncia das políticas neoliberais em curso, que colocavam em risco a

própria existência do SUS. A forte presença do movimento sindical da saúde reforçava a

importância do debate sobre os trabalhadores da saúde – e se define a realização de uma

Conferência Nacional de Recursos Humanos em Saúde. Com a presença de movimentos e

entidades populares e de gestores progressistas – tripé que havia sustentado grande parte

das conquistas até então –, buscava-se a construção de um movimento em defesa do SUS,

de seus trabalhadores, dos mecanismos de controle e participação social e da

municipalização.

A Carta da 9ª CNS, debatida e aprovada pelo Plenário da Conferência, ilustra o sentimento

do período145:

145

BRASIL. Ministério da Saúde. IX Conferência Nacional de Saúde: relatório final. Brasília, DF: MS, 1993, p.15.

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Fonte: Extraído de BRASIL. Ministério da Saúde. IX Conferência Nacional de Saúde: relatório final. Brasília, DF: MS, 1993, p.15.

*

Em São Paulo, ao final de 1992, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS-SP) contaria com 165

Conselhos Gestores, sendo 142 em unidades de saúde, três em ARS e 20 em DS, além do

Conselho Municipal de Saúde e do Conselho do Fundo Municipal de Saúde (Fumdes)146. Após

quatro anos de negociações, apenas agora, no final da gestão municipal, seriam

municipalizadas 51 unidades básicas de saúde, pequeno número diante da dimensão da rede

estadual, que manteria todas as demais estruturas sob seu controle.

146

- NEDER, Carlos Alberto Pletz, op. cit., p.159.

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*

Nas eleições municipais de novembro, o candidato do PT, senador Eduardo Suplicy, seria

derrotado por Paulo Salim Maluf, do Partido Democrático Social (PDS), assinalando o fim do

primeiro governo democrático e popular da cidade de São Paulo. E, pelas mudanças que se

anunciavam, inviabilizando a plena institucionalização de muitos dos processos

democratizantes ainda em curso, entre os quais a plena implantação do SUS na cidade. Em

dezembro de 1992, o presidente Fernando Collor de Mello teria seu impeachment aprovado

pelo Senado. Na cidade de São Paulo, iniciaria-se um longo período de retrocessos.

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Capítulo 4

DESMONTE, PRIVATIZAÇÃO E RESISTÊNCIA: MALUF, PITTA E O PAS

A posse do novo prefeito Paulo Salim Maluf, em 1º de janeiro de 1993, marcaria uma nova

ruptura político-administrativa na cidade de São Paulo. Tratava-se da vitória de um

adversário histórico do “petismo”, que o havia derrotado quatro anos atrás. Político criado

pela ditadura, e seu antigo agente, significava uma antítese às políticas participativas e

emancipatórias que vinham sendo desenvolvidas não apenas na área da saúde, mas

também, e de modo importante, em áreas como habitação popular, transportes, segurança,

cultura, assistência social e educação.

No caso da saúde, o início do governo seria assinalado por uma rápida centralização político-

administrativa, com o esvaziamento dos conselhos gestores e mecanismos de participação e

a paralisação imediata dos projetos contra-hegemônicos em curso, por toda a cidade.

Desse modo, as ARS e os DS perderiam sua autonomia, bem como seus recursos financeiros,

que seriam centralizados no gabinete do secretário de Saúde, onde antigas estruturas

voltavam a se fazer presentes. Os conselhos gestores das unidades, dos DS e das ARS seriam

esvaziados, seja pela ausência dos gestores nas reuniões, seja por ameaças e represálias aos

trabalhadores membros dos conselhos, pela sonegação de informações, retirada do apoio

técnico-administrativo e tentativas de proibir o acesso dos conselheiros aos serviços e

mesmo a reuniões antes públicas. Ocorreria ainda o desmantelamento sistemático de

experiências que pudessem ser vistas como “marcas” da gestão anterior, bem como o rápido

sucateamento da rede municipal, arrocho salarial e perda da qualidade dos serviços – e de

sua estrutura física –, estratégia que se mostraria importante para a legitimação da proposta

que se gestava: o Plano de Atenção à Saúde (PAS)147.

147

- A esse respeito, veja-se: COHN, Amélia; ELIAS, Paulo Eduardo, op. cit.; NEDER, Carlos Alberto Pletz, op. cit.; JUNQUEIRA, Virgínia, op. cit.

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É importante notar que esses processos autoritários, e muitas vezes truculentos, geravam

fortes contradições, que se expressariam na forma de resistência e conflito, outra marca

importante do período.

Nesse processo, estabeleceria-se ainda uma relação ambígua entre a SMS-SP e o Conselho

Municipal de Saúde, a primeira não aceitando a composição e o caráter deliberativo do

segundo que, legalmente instituído, com composição, atribuições e funcionamento regidos

pela Lei federal 8142/1990, era pré-requisito para a transferência de recursos federais para

o município. Em meio a esse conflito, ao sucateamento da rede e ao desmonte do SUS na

cidade, o Conselho Municipal de Saúde viria a se constituir em importante instrumento de

resistência e de luta. Chegaria a ser expulso da Secretaria Municipal de Saúde, à qual

retornaria após mobilização vitoriosa, e se manteria em funcionamento durante todo o

período Maluf-Pitta, conseguindo aprovar resoluções contra a implantação do PAS e,

utilizando suas prerrogativas legais, convocar conferências municipais, mesmo contra a

vontade da administração municipal – como a 7ª Conferência Municipal de Saúde, realizada

em 1998, à revelia da SMS-SP e da prefeitura.

As plenárias municipal e estadual de saúde também se constituiriam como importantes

espaços de articulação e resistência. Local em que movimentos populares da saúde,

movimentos sociais e sindicatos dos trabalhadores da saúde e do funcionalismo se

articulavam, socializando informações e impulsionando as lutas contra o desmonte do SUS e

a implantação do PAS, contra a situação dos serviços de saúde do Estado e outras lutas

gerais do período.

O MSZL, agora mais articulado aos demais movimentos populares de saúde da cidade, havia

definido no seu XI Encontro Anual, em 1993, a estratégia de reforço às plenárias municipal e

estadual de saúde, o fortalecimento dos Conselhos Populares de Saúde – compreendidos

como espaços livres e independentes de organização da luta popular – e a promoção de uma

grande manifestação unificada no Palácio das Indústrias, então sede da prefeitura, em

defesa dos serviços públicos e da cidadania, entre outros atos de protesto e resistência.

*

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Ainda em 1993 seriam eleitos 179 Conselhos Populares de Saúde, com 2.941 conselheiros e

mais de 250 mil votantes, em 26 bairros e sub-regiões da cidade148.

*

Do ponto de vista dos conselhos gestores, é interessante notar que, embora seu número

tenha diminuído acentuadamente no governo Maluf, e seu funcionamento estivesse

profundamente limitado, em 1995 ainda resistiam cerca de 88 conselhos gestores de

unidades de saúde.

Quadro 2 – Comparativo do número e da proporção de conselhos gestores, 1992 e 1995.

1992 1995

Governo Luiza Erundina Governo Paulo Maluf

218 UBS 246 UBS*

132 Conselhos Gestores 61% 88 Conselhos Gestores 36%

Fonte: Documento do II Encontro dos Conselhos de Saúde do Município de São Paulo realizado em 1992, na SMS-SP, apud COUTINHO, Joana Aparecida, p.130. Nota: * O incremento deve-se à municipalização de algumas unidades de saúde.

Ao final do governo Luiza Erundina, existiam conselhos gestores em 61% das 218 unidades

de saúde, proporção que apresentava diferenças significativas de região para região,

variando de 20% a 51% entre as dez ARS. Por outro lado, em 1995, no governo Paulo Maluf,

persistiam conselhos gestores em 36% das unidades, o que pode ser considerado um marco

de resistência, em meio a um mar de dificuldades. Esses conselhos também se distribuíam

148

- Pela primeira vez, as eleições se espalhariam por toda a cidade. Foram eleitos conselhos populares de saúde em Cidade Tiradentes, Vila Carmosina, São Mateus, Itaquera, Guaianases, Itaim Paulista, São Miguel Paulista, Ermelino Matarazzo, Penha de França, Tatuapé, Sapopemba, Vila Prudente, Ipiranga, Santana/Tucuruvi, Jaçanã, Pirituba, Perus, Moinho Velho, Grajaú/Interlagos/Parelheiros, Pedreira/Cupecê, Campo Limpo, M´Boi Mirim, Parada de Taipas, Anhanguera, Santo Amaro e Jabaquara, apud NEDER, Carlos Alberto Pletz. op. cit., p.156.

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desigualmente entre as regiões. Como exemplo, existiam conselhos gestores em 61% das

UBSs de Santo Amaro/Parelheiros e nenhum em Perus/Pirituba – região que teve seus seis

conselhos gestores fechados, coincidentemente na área aonde viria a ocorrer a primeira

tentativa de implantação de um módulo do PAS.

*

No plano federal, na área da saúde, o ano de 1993 seria marcado pela aprovação de nova

Norma Operacional Básica nº 93 (NOB 93)149, amplo conjunto de medidas e dispositivos que

apontavam para a municipalização plena dos serviços de saúde, definindo estágios, pré-

requisitos e novos mecanismos de financiamento, como o fim dos convênios e o início da

transferência de recursos “fundo-a-fundo” para os municípios habilitados na categoria

“gestão semi-plena”. A NOB 93 criaria ainda novos mecanismos de pactuação, as Comissões

Intergestores Tripartite (CIT), na esfera federal – envolvendo MS, Conass e Conasems –, e as

Comissões Intergestores Bipartites (CIB), nos Estados – formadas pelas secretarias estaduais

de Saúde e pelos Conselhos de Secretários Municipais de Saúde (Cosems). Ambas

subordinadas aos respectivos Conselhos de Saúde, nacional e estadual, que também

passavam a servir como instância de recurso. Desse modo, e em conformidade com a Lei

8142/90, competia ao Conselho Nacional de Saúde (CNS), instância máxima do SUS, além do

debate, aprovação e controle das políticas nacionais de saúde, atuar no acompanhamento

dos processos de municipalização e de transferência de recursos federais, o que viria, no

futuro, a impactar fortemente o PAS na cidade de São Paulo.

Nesse mesmo ano seria finalmente aprovada a extinção do Inamps, pela Lei federal no 8689,

de 27 de julho de 1993, durante o governo Itamar Franco, tendo Henrique Santillo como

ministro da Saúde.

149

- BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 545, de 20 de maio de 1993. A esse respeito veja-se, entre outros: PUGIN, Simone; NASCIMENTO, Vania Barbosa do. Principais marcos e mudanças institucionais no setor saúde. São Paulo: Cedec, dez. 1998 (Série Didática, n. 1); DUARTE, José Ênio Servilha. A municipalização da saúde nos 20 anos do SUS. Boletim do Instituto de Saúde. SES-SP, out. 2008 (edição especial: 20 anos de SUS); FALEIROS, Vicente de Paula et al., op.cit., p.146-149.

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101

*

Em outubro de 1993 ocorreria o 1º Congresso Nacional de Movimentos Populares, em Belo

Horizonte/MG, quando seria fundada a Central de Movimentos Populares (CMP).

Participariam do Congresso cerca de 950 delegados, de 22 Estados, incluindo representantes

de movimentos de moradia, saúde, transporte e direitos humanos, do movimento negro, de

mulheres, da criança e adolescente, de homossexuais, moradores de rua, portadores de

necessidades especiais e movimentos indígenas, entre outros. São Paulo participaria com

166 representantes150.

É interessante notar que o surgimento da CMP não implicou em um alinhamento

automatico, ou mesmo na participação imediata do movimento popular de saúde de São

Paulo, ainda que a articulação dos movimentos fosse necessária e desejável.

Depoimentos colhidos por Carlos Neder151 a esse respeito indicam a existência de uma

relação ambígua entre o movimento e a CMP, marcada, de um lado, pelo receio de

participação em espaços compreendidos mais como uma articulação de “lideranças” do que

propriamente de “movimentos”, que poderiam levar a nova entidade a um caráter

“cupulista” e distante das lutas sociais concretas – em contradição com princípios do

movimento, como os da democracia interna e da autonomia.

Quando a gente pensa em entidades, por exemplo, a Conam (Confederação de Associações de Moradores), dá muito a ideia de poder, de você hierarquizar as coisas, ou seja, sempre tem as pessoas que vão mandar e as que vão executar. E isso a gente tem visto muito em Sociedades Amigos de Bairro, onde têm uma visão muito presidencialista e centralizadora. O movimento é diferente. O movimento tem direção, mas a direção é o colegiado. Ninguém vai mandar o outro fazer, todo mundo vai fazer. Pode ter as pessoas mais experientes, que vão estar à frente do movimento, e isso é compreensível por todos nós152.

150

- SILVA, Maria Lúcia Carvalho da; WANDERLEY, Mariangela Belfiore; PAZ, Rosangela Dias Oliveira da. Fóruns e movimentos sociais. São Paulo: Instituto Pólis; PUC-SP, 2006. (Observatório dos Direitos do Cidadão: acompanhamento e análise das políticas públicas da cidade de São Paulo, 27), p.44-47, onde se encontra um resumo de suas origens e trajetória. 151

- NEDER, Carlos Alberto Pletz, op. cit., p. 134-140. 152

- Idem, ibidem, p. 137.

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102

Por outro lado, e para além da dicotomia entre “basismo” e “aparelhismo”, os depoimentos

reforçam a hipótese de que o movimento popular de saúde poderia contribuir para o

enfrentamento dessa discussão, sem se desnaturar, e somar-se a uma atuação mais geral e

unificada no interior das lutas sociais, intervindo tanto em sua organização como nas

práticas da CMP, e ainda, através dela, podendo se fazer presente em espaços estratégicos

como o Conselho Nacional de Saúde (CNS), do qual nunca participou153. Desse modo, as

relações entre o movimento e a CMP seriam marcadas por sucessivas aproximações e

afastamentos, até o período presente.

*

Em 1º de janeiro de 1995, Fernando Henrique Cardoso, do Partido da Social Democracia

Brasileira (PSDB), tomaria posse como presidente da República, eleito em primeiro turno, no

bojo do “Plano Real”, após um longo período de hiperinflação. No governo de São Paulo

tomava posse Mário Covas, também do PSDB. Iniciava-se um ciclo de governança neoliberal

que perduraria por longo período.

*

Em setembro de 1995 seria promulgada a Lei municipal 11.866, que instituía o Plano de

Atenção à Saúde (PAS), depois da tentativa frustrada de sua implantação por decreto.

O PAS tinha por base o gerenciamento de hospitais e UBSs da prefeitura por “cooperativas”,

entidades privadas constituídas por funcionários licenciados da própria SMS-SP, criadas para

esse fim. Por meio de “convênios” e “termos de permissão de uso”, o poder público

153

- Note-se que o CNS, recriado em 1991, tem origens na Plenária Nacional de Saúde, desde antes do processo constituinte. Esta, com papel importante nesse processo até o início dos anos 1990, era composta nuclearmente por entidades de caráter nacional com sede em Brasília, especialmente conselhos profissionais da saúde, federações profissionais, centrais sindicais e entidades como a Abrasco e o Cebes, sendo apoiada por técnicos vinculados a órgãos do MS e da MPAS, núcleos da UnB, assessores parlamentares e algumas ONGs, o que garantiu sua estruturação a longo prazo. A Conam, entidade nacional, até o tempo presente, continuava formalmente representando os movimentos populares junto ao CNS. Desse modo, percebe-se que o CNS tem raízes e origens históricas diferentes das dos conselhos municipais, e estaduais, o que explica sua composição até o tempo presente e a relativa ausência de outros movimentos, de base social local.

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passaria a ceder hospitais e unidades de saúde para a implantação do programa, que seria

progressivamente instalado a partir de janeiro de 1996.

A estrutura da secretaria é alterada, sendo criados “módulos de saúde”, no lugar das ARS e

dos DS, e estes repassados, com seus equipamentos, às novas “cooperativas”. Estas, por sua

vez, estruturavam-se de modo articulado com o governo municipal, e sua base política na

Câmara, que já havia aprovado, sem ressalvas, o projeto de lei do governo.

Iniciava-se também um duro período de resistência e de lutas, tendo à frente o Conselho

Municipal de Saúde – já sem a participação dos gestores municipais – e seus aliados nos

Conselhos Estadual e Nacional de Saúde, as entidades e os movimentos sociais e populares,

os sindicatos dos funcionários municipais e da saúde, de categorias e os conselhos

profissionais.

*

Nesse interim, uma auditoria realizada pelo Departamento Nacional de Auditoria do SUS

(Denasus-MS) revelava sérias irregularidades associadas a um processo de sucateamento da

SMS-SP, em sua preparação para o PAS. Relatório da auditoria comprova que apenas 18%

dos recursos financeiros recebidos do governo federal eram aplicados na saúde, sendo o

restante aplicado no mercado financeiro. Apontava ainda o bloqueio à atuação do CMS-SP

no acompanhamento, controle e avaliação da política municipal de saúde, bem como de

seus recursos financeiros, afrontando os artigos 194 e 198 da Constituição Federal e a Lei

8142/90, entre outros dispositivos.

Por fim, o relatório do Denasus-MS sugeria a apuração de responsabilidades pelo uso

irregular de recursos públicos, e, diante dos fatos, posicionava-se contra o repasse de verba

pública federal para a implantação e manutenção do PAS154.

154

- COUTINHO, Joana Aparecida, op.cit., p. 132. Entre outras irregularidades, foram localizadas 19 contas bancárias relativas ao Fundo Municipal de Saúde (Fumdes), inclusive em bancos do Paraná e do Rio Grande do Sul, sem qualquer controle ou conhecimento por parte do Conselho Municipal de Saúde.

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104

*

Outra face da truculência na implantação do PAS diz respeito ao tratamento dado aos

trabalhadores concursados da SMS-SP que se recusavam a aderir ao plano. Muitos foram

transferidos compulsoriamente para outras secretarias, como as de Educação, Esportes,

Bem-Estar Social, Verde e Meio Ambiente, Obras e Governo, ou convidados a se demitir.

Em uma das transferências, 15 médicos tiveram como lugar de “lotação” um ônibus estacionado ao lado da regional de saúde de Pirituba-Perus, considerado irregular pelo Conselho Regional de Medicina (...) Nestas transferências, psiquiatras estariam indo trabalhar na Guarda Civil Metropolitana, cirurgiões na Secretaria do Verde etc. Segundo o CRM, há ainda funcionários removidos ue não sabem para onde vão. O presidente do Sindicato dos Professores Municipais, Cláudio Gomes Fonseca, afirma que há ginecologistas e especialistas em raio-x trabalhando nas escolas. É o caso da Escola de Primeiro Grau Jean Mermoz, que recebeu 14 funcionários da saúde que não têm o que fazer no novo local de trabalho155.

Do ponto de vista dos serviços, o PAS significava, ao lado do desmantelamento do que

restava de ações coletivas, em áreas como a saúde mental, da mulher, do idoso, da criança e

do adolescente, ou ainda do controle da tuberculose e outras doenças transmissíveis, um

retorno a um modelo centrado na atenção médico-individual, com características próprias.

Nos serviços ambulatoriais seria encontrado um padrão de atendimento rápido e

sintomático – do tipo “queixa-conduta”– com todas as suas implicações para a saúde

pública, uma vez que dissociado de outras ações preventivas, ou mesmo de futuro

acompanhamento. Nos casos hospitalares, uma progressiva seleção de pacientes de “baixo-

custo”, remetia sempre que possível os demais para hospitais estaduais e filantrópicos do

SUS. Note-se que esse modelo derivava não das necessidades de saúde, mas dos

mecanismos de financiamento propostos, de pré-pagamento por população estimada,

independentemente do atendimento, ou de sua qualidade, no qual as “sobras” eram

divididas pelos cooperados.

155

- COUTINHO, Joana Aparecida, op.cit., p.134.

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A figura a seguir ilustra bem como ocorria esse processo.

Figura 2 – Fluxo financeiro do PAS.

Fonte: Extraído de KEINERT, Tânia M.M. Política pública de saúde, inovação e o Plano de Atendimento à Saúde do município de São Paulo. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 37, n. 3, jul./set. 1997, p.84.

Acrescente-se à figura anterior mais dois tipos de “gastos”: os salários dos diretores, que se

equiparavam ao de executivos de grandes empresas, e o lucro das “gerenciadoras” que

obrigatoriamente eram contratadas por cada cooperativa, recebendo uma porcentagem fixa

dos repasses, também fonte de futuros problemas com a polícia e com a Justiça.

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106

Note-se ainda que alguns serviços, seja pela sua natureza não assistencial, pelo seu custo,

pelo desinteresse das cooperativas, ou por interesses da própria SMS-SP, seriam mantidos

junto à administração pública, a exemplo do Hospital do Servidor Público Municipal (HSPM),

dos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador e das unidades de DST/Aids.

*

É importante ressaltar que o sucesso inicial do PAS não se deve apenas a um bem-sucedido

esquema de marketing, mas tem base em uma significativa melhora das condições de

atendimento da rede municipal, que durante três anos havia sido deliberadamente

sucateada.

Uma compreensão crítica desse fenômeno deve levar em consideração pelo menos duas

ordens de questões. Uma primeira diz respeito aos serviços. Previamente à implantação do

PAS foi realizado um investimento significativo em pinturas, pequenas reformas, adaptações

e compra de mobiliário, em diversas unidades, transformando, ao menos externamente, a

aparência de uma rede que havia sido fisicamente sucateada. A contratação de

recepcionistas e a distribuição de cartões plásticos, à maneira de cartões bancários, para

identificar os usuários cadastrados, proporcionou efeitos simbólicos importantes na

população mais carente – reforçando a ideia do PAS como “o plano de saúde dos pobres”. A

elevação dos salários dos funcionários das cooperativas, diante do arrocho salarial dos

últimos anos, mais a contratação de um número significativo de trabalhadores pelas

cooperativas – em substituição aos que se recusavam a aderir ao PAS – tinha como

contrapartida um ritmo intensivo de trabalho, que aumentou fortemente a produção de

serviços. Por fim, a implantação de um modelo de atenção “queixa-conduta”, além de

permitir o trabalho com equipes mínimas, médico-enfermeiro-auxiliar, tornava as consultas

rápidas, diminuindo o tempo de espera, com eficiência sintomática em muitos casos,

mantendo “invisíveis” os danos de médio e longo prazo tanto à saúde individual como à

saúde coletiva da cidade, abandonada nesse modelo.

Uma segunda questão, mais geral, diz respeito à articulação das “cooperativas” na estrutura

mais geral de produção, e suas semelhanças com as propostas de “Reforma do Estado”, que

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107

então se gestavam em Brasília, e que previam a transferência dos serviços públicos de saúde

executados pelo Estado para organizações privadas sem fins lucrativos, as Organizações

Sociais.

Portanto, o PAS significava uma proposta que vinha no sentido hegemônico no período, o

neoliberalismo.

Com seu caráter privado, livre das amarras de qualquer controle público pela sociedade,

respondia ainda aos interesses clientelísticos e eleitorais do novo governo, e ao

enriquecimento de diretores de cooperativas e de empresas “de gestão” que, sem

necessidade de investimentos de capital, utilizavam a capacidade instalada pelo setor

público, em um capitalismo sem riscos.

A “focalização” do PAS nas populações mais pobres, via atenção simplificada e de baixo

custo, vinha ao encontro das propostas de “cesta básica” de patologias e procedimentos a

serem garantidos pelo Estado, estimulando a expansão do mercado de planos e seguros de

saúde “para os que podem pagar”, de modo harmônico às propostas de agências

internacionais como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco

Interamericano de Desenvolvimento (BID) que, em meio às sucessivas crises financeiras do

período, e como contrapartida de seus empréstimos, passavam a monitorar as políticas

sociais no Brasil e indicar seus rumos.

Saudado pela imprensa e pelos setores empresariais da sociedade, o PAS seria apresentado

na campanha eleitoral de 1996 à prefeitura de São Paulo, como uma “vitrine”, exemplo

bem-sucedido de política pública, e sua continuidade seria uma das propostas centrais do

candidato Celso Pitta, do mesmo partido do prefeito Paulo Maluf e que, eleito, tomaria

posse em 1º de janeiro de 1997.

Nesse processo, é importante notar, ao lado de um forte apoio ao PAS o relativo “silêncio”

dos meios de comunicação diante dos sucessivos protestos e manifestações públicas, não

apenas dos trabalhadores da saúde e movimentos sociais, mas também de sanitaristas,

pesquisadores, legisladores e membros do judiciário; da gravidade das crescentes denúncias

de desvios, corrupção, fraudes, desassistência, e suas implicações na para a saúde pública.

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É importante ainda registrar o “silêncio” do Ministério da Saúde ante o não cumprimento da

legislação federal, e o da Secretaria de Estado da Saúde em São Paulo, que continuava

recebendo em seus hospitais e serviços os pacientes de “alto custo” descartados pelo PAS.

*

Nessa conjuntura adversa, o MSZL não escaparia de uma crise mais geral, enfrentada em

maior ou menor grau pelo conjunto dos movimentos sociais, incluído o movimento sindical,

e que marcaria o período156.

Ainda em 1994, e pela primeira vez desde sua criação, o MSZL não realizaria seu encontro

anual, momento estratégico de organização e planejamento de suas lutas. Seu XII Encontro,

em 1995, debateria a linha política e o futuro do movimento, mas seria marcado por

divergências e divisões internas, que decorriam, entre outras causas, da relação que suas

lideranças estabeleciam com os parlamentares que ajudavam a eleger e à profissionalização

de quadros do movimento. Uma situação, como mostra Carlos Neder, que revelava não

apenas uma “crise de direção”, mas um “desencanto crescente das lideranças com o modo

de ser do movimento e suas disputas internas”157. A proposta aprovada de eleição dos

Conselhos Populares em 1996 não se concretizaria.

*

Em 1997 ocorreria o XIII Encontro do MSZL158, em um ano assinalado pela retomada da

organização do movimento. Define-se, como eixo de atuação, seu fortalecimento rumo à

criação de uma entidade que congregasse o conjunto dos movimentos populares de saúde

da cidade e a eleição dos Conselhos Populares de Saúde.

156

- A esse respeito veja-se, entre outros: GOHN, Maria da Glória. A crise dos movimentos populares nos anos 90

. In: GOHN, Maria da Glória. Movimentos sociais e educação. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2009, p. 97-113;

DOIMO, Ana Maria. Ascenção e crise do “movimento popular” no Brasil pós-70. In: DOIMO, Ana Maria. op. cit., p. 73-224. 157

- NEDER, Carlos Alberto Pletz, op. cit., p.115 e Anexo 5. 158

- Idem, ibidem, Anexo 5.

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Em 20 e 21 de junho, ocorreria o I Encontro dos Movimentos Populares de Saúde, com mais

de 200 representantes de todas as regiões da cidade, e seria criada a União de Movimentos

Populares de Saúde da Cidade de São Paulo (UMPS). Seus encontros ganhariam caráter

anual e a nova entidade uma vida cotidiana, voltada às lutas sociais159.

Em 1998, já com apoio da UMPS, ocorreria nova eleição dos Conselhos Populares de Saúde

da zona leste e sudeste, estimulando-se seu caráter livre e independente. Seriam eleitos 52

conselhos, totalizando 1.039 conselheiros, com 65.839 votantes160.

Dos conselheiros eleitos, 1003 participariam de cursos de capacitação organizados em

conjunto pela FSP-USP e pelo movimento de saúde, divididos em 52 turmas por toda a

cidade, mas sendo a maioria na região leste e sudeste161.

O quadro a seguir dá importantes pistas sobre a organização e a distribuição dos conselhos

populares pelas regiões, ajudando a entender sua força e capilaridade, e as características

próprias que assume em cada bairro ou região naquele período.

159

- NEDER, Carlos Alberto Pletz, op. cit., p. 142-143. A coordenação da UMPS, eleita no II Encontro, em 1998, seria composta por dois representantes de movimentos de saúde da região central, dois da zona norte, dois da noroeste, quatro da oeste, quatro da sul, dois da sudeste e seis da leste. Foram ainda destinadas três vagas para representantes de outros movimentos sociais ligados à área da saúde. 160

- SILVA, Maria Lúcia Carvalho da; WANDERLEY, Mariangela Belfiore; PAZ, Rosangela Dias Oliveira da, op.cit., p.31. 161

- BOGUS, Cláudia Maria et al. Programa de Capacitação Permanente de Conselheiros Populares de Saúde na cidade de São Paulo. Saúde e Sociedade, v.12, n.2.p.56-67, jul-dez 2003.

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Quadro 3 – Conselhos Populares de Saúde na zona leste e sudeste de São Paulo, 1998.

Região Nº de conselhos

na região Nº de conselhos

no bairro Nº de conselheiros

eleitos Nº de

votantes

São Mateus 1 8 218 20.529

Itaquera 1 3 66 5.461

Guaianases 1 66 139 2.332

Itaim Paulista 1 7 132 6.264

São Miguel 1 - 32 3.211

Erm. Matarazzo 2 3 103 2.482

Penha 1 3 74 7.461

Tatuapé 1 2 62 3.931

Sapopemba 1 1 54 46.484

Vila Prudente 1 - 28 3.842

Ipiranga 1 6 110 3.127

Jabaquara 1 - 21 2.515

Total 13 39 1.039 65.839 Fonte: BÓGUS, Cláudia Maria et al. Programa de capacitação permanente de conselheiros populares de saúde na cidade de São Paulo. Saúde e Sociedade, v.12, n. 2, p.56-67, jul./dez. 2003, p.59.

*

Ainda em 1998, com o crescimento das mobilizações pela retomada do SUS, era cada vez

mais visível a crise do PAS, e sua insustentabilidade política, técnica e financeira. Ficavam

cada vez mais aparentes seus problemas, os interesses em jogo e os esquemas de

corrupção162. O não reconhecimento, pela prefeitura, do Conselho Municipal de Saúde e de

seu poder deliberativo, levaria ao fim do repasse de recursos financeiros do SUS, conforme a

Lei 8142/1990.

Para fazer frente a essa situação, o governo municipal aprovaria a Lei 12.546, de 7 de janeiro

de 1998, que “criando” um Conselho Municipal de Saúde cuja composição seria, porém,

162

- Veja-se, como exemplo: Relatório da CPI do PAS, disponível em: <www1.camara.sp.gov.br/central_de_arquivos/vereadores/cpi-pas.pdf>. Acesso em: 8 /11/2012.

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disciplinada por decretos e portarias, numa tentativa de impedir a participação dos

movimentos populares163.

A derrota de Paulo Maluf, candidato ao governo do Estado nas eleições de 1998 simbolizava

também a primeira grande derrota política do PAS, na qual, mais uma vez, os movimentos

sociais teriam um papel importante. Mário Covas seria reeleito governador, com apoio da

esquerda, no segundo turno.

Além de inúmeros atos localizados contra o PAS, em hospitais e outros serviços de saúde da

cidade, e juntando suas forças, foram realizadas nesse período duas “marchas” com

significativa participação popular, a primeira, em 30 de junho de 1999, entre as Secretarias

Municipal de Saúde, então na Avenida Paulista, e a Secretaria Estadual de Saúde, na Avenida

Dr. Arnaldo – tendo como reivindicações o fim do PAS e a (re)implantação do SUS na cidade,

a retomada da municipalização, a democratização do CMS e a realização da IX Conferência

Municipal, com participação do poder público e o respeito à legislação do SUS. Nova marcha

ocorreria em 7 de Abril de 2000, Dia Mundial da Saúde – data que há muitos anos é marcada

por atos e manifestações das entidades e movimentos da saúde da cidade.

Em face da inviabilidade de exclusão dos movimentos populares do CMS-SP, da necessidade

de manter os recursos financeiros do SUS e da progressiva falência, também política, do PAS,

a prefeitura recuaria de sua posição em relação à composição do CMS-SP164, seriam

retomados conselhos gestores em algumas unidades e a realização, agora com apoio da

SMS-SP, da 10ª Conferência Municipal de Saúde, em 1999, e a da 11ª, em 2000, que

discutiria o fim do PAS e a retomada do SUS165.

*

Em 29 de outubro de 2000, em segundo turno, nas eleições para a prefeitura de São Paulo, o

ex-prefeito Paulo Maluf seria novamente derrotado nas urnas, agora pela candidata do PT,

163

- A esse respeito, veja-se COHN, Amélia; ELIAS, Paulo Eduardo, op.cit. 164

- SÃO PAULO (Município). Decreto nº 38.576, de 5 de novembro de 1999. 165

- NEDER, Carlos Alberto Pletz, op. cit., p. 162.

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112

Marta Suplicy, que teria 58,5% dos votos, e que trazia em sua plataforma de governo o fim

do PAS e a retomada do SUS, fazendo da saúde um dos principais temas do debate eleitoral.

Iniciava-se um novo período na história do SUS na cidade de São Paulo.

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113

Capítulo 5

O GOVERNO MARTA SUPLICY: RECONSTRUÇÃO DO SUS E PARTICIPAÇÃO

Em janeiro de 2001 teria início o novo governo democrático e popular na cidade de São

Paulo, agora sob o comando da prefeita Marta Suplicy, do PT. A nova gestão iniciava-se após

oito anos de desmonte, truculência e privatização das políticas públicas da cidade, como

pudemos acompanhar no caso da saúde, a exemplo das demais áreas.

Como mostra Eduardo Jorge Martins Cardoso, novamente empossado secretário municipal

da Saúde166:

A Secretaria Municipal da Saúde (SMS) estava fraturada em vários pedaços: treze mil funcionários no que sobrou da Secretaria; dezessete mil trabalhadores nas falsas cooperativas, sendo cinco mil funcionários e doze mil não concursados; dez mil servidores públicos “exilados” em outras Secretarias. Uma mega movimentação de pessoal feita com o máximo de prudência e tolerância foi concluída em julho de 2001. Parte dos treze mil funcionários da SMS foi remanejada para cobrir claros em áreas carentes; cinco mil funcionários [que haviam aderido às cooperativas] retornaram à SMS; os doze mil contratados irregularmente nas cooperativas foram dispensados; dez mil trabalhadores foram contratados de emergência e cinco mil servidores “exilados” retornaram. O mais importante é que a estratégia de fazer uma transição respeitando a lei municipal e os prazos dos contratos das cooperativas (26/6/2001) possibilitou completar esta dificílima operação administrativa sem que a rede entrasse em colapso, fato que muitos previam como inevitável (...) Entre 2001 e 2003 realizamos concursos públicos. Os contratados de emergência foram substituídos por funcionários concursados e atingimos, em 2003, o total de 44 mil trabalhadores da saúde na SMS (...) A remuneração dos profissionais foi recuperada (...) Os estoques de medicamentos foram repostos. A recuperação física dos serviços começou lentamente, pois o estrago é muito grande e o orçamento modesto.

166

- ALVES SOBRINHO, Eduardo Jorge Martins; CAPUCCI, Paulo Fernando. Saúde em São Paulo: aspectos da implantação do SUS no período de 2001-2002. Estudos Avançados, São Paulo, v. 17, n. 48, p. 209-27, 2003.

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114

A retomada do SUS na cidade de São Paulo seria pautada por cinco grandes eixos167:

1) “Reconstruir a SMS-SP” – com base na recomposição e reorganização de sua força de

trabalho e sua infraestrutura.

2) “Trazer o SUS para São Paulo” – retomando o diálogo com os governos federal e

estadual e somando às cerca de 250 UBSs municipais outras 200 sob gestão estadual;

solicitando Gestão Plena Municipal junto ao SUS e buscando trazer à gerência

municipal todos os hospitais e os serviços especializados estaduais sediados na

Capital, bem como o acompanhamento dos serviços de saúde privados, filantrópicos

e lucrativos, conveniados com o SUS.

3) “Distritalização” – com a criação, ainda em janeiro de 2001, de 41 Distritos de Saúde

(com 250 mil habitantes em média), sob comando de autoridades sanitárias locais, e

neles buscando, com base em processos de territorialização, integrar ações de

promoção, prevenção e vigilância, tratamento e reabilitação. O número de distritos

seria alterado para 39, após a criação das 31 subprefeituras do município de São

Paulo. Os dirigentes dos DS passariam por um curso de especialização em gerência

de serviços básicos de saúde, promovido pelo Cefor, Opas e Faculdade de Saúde

Pública da USP.

4) “Modernização da Gestão” – visando a informatização da SMS-SP – estancada nos

últimos oito anos – e a implantação do Cartão SUS. Em dois anos (2001-2002) seriam

cadastrados cerca de quatro milhões de usuários.

5) “Programa de Saúde da Família” – enquanto principal prioridade da equipe da SMS-

SP. Até o início do novo governo municipal, a Secretaria Estadual de Saúde (SES-SP)

havia implantado cerca de 180 equipes na capital, com base em um projeto

denominado Qualis. Com o novo governo municipal, seriam cerca de 700 as equipes

no final de 2002, cobrindo cerca de dois milhões de habitantes, tendo por meta, até

2004, um total de 1.700 equipes.

Para a execução do último eixo – o Programa de Saúde da Família –, a SMS-SP assinaria

convênios com 12 entidades privadas de caráter não-lucrativo, as chamadas “entidades

parceiras”, absorvendo, modificando e ampliando o Programa de Saúde da Família (PSF), da

167

- ALVES SOBRINHO, Eduardo Jorge Martins; CAPUCCI, Paulo Fernando, p. 211-212. Um sexto eixo, o “acolhimento”, era considerado transversal aos demais.

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SES-SP, iniciado na cidade em 1996 com a denominação de Qualis/PSF, e que no fim do ano

2000 contava com cerca de 180 equipes168.

Quadro 4 Entidades conveniadas com a SMS-SP para a implantação do PSF, em 2001.

Entidade Participação anterior

no projeto Qualis

1 Associação Congregação Santa Catarina sim – 2 anos

2 Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Hospital Albert Einstein

não

3 Associação Saúde da Família sim*

4 Cejam – Centro de Estudos e Pesquisas “Dr. João Amorim” não

5 FFM – Fundação Faculdade de Medicina sim*

6 IAE/UNASP – Instituto Adventista de Ensino não

7 Associação Comunitária Monte Azul não

8 Casa de Saúde Santa Marcelina sim – 4 anos

9 Fundação Zerbini sim – 3 anos

10 SPDM – Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina

não

11 Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo não

12 Unisa/OSEC – Organização Santamarense de Educação e Cultura

s/d

Fonte: TAMBELLINI, Elaine F. A participação das organizações parceiras na atenção básica em saúde no município de São Paulo. 2008. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Nota: * Sob coordenação da Fundação Zerbini.

Encontram-se nessa lista as mantenedoras e fundações de apoio dos principais hospitais

universitários públicos e filantrópicos da cidade, compostas por congregações religiosas,

fundações privadas de apoio, uma sociedade de ex-alunos, um centro de estudos, uma

universidade privada e duas ONGs com trabalho junto a comunidades populares.

168

- Número de equipes citado por ALVES SOBRINHO, Eduardo Jorge Martins; CAPUCCI, Paulo Fernando, op.cit., p. 212.

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Cinco destas instituições participavam do projeto Qualis. O PSF chegaria à cidade de São

Paulo em 1996, no bairro de Itaquera, zona leste, fruto de um convênio entre o Ministério

da Saúde, a SES-SP e o Hospital Santa Marcelina. Na região seriam implantadas 40 equipes

até 1999, cada uma composta por médico, enfermeiro, auxiliar de enfermagem e quatro

agentes comunitários de saúde, e responsável por 800 a 1.000 famílias169. O território de

cada equipe, por sua vez, seria dividido em quatro micro-áreas, cada qual confiada a um

agente comunitário, trabalhador com papel central na equipe. Em 1997, o projeto seria

ampliado para a região de Vila Nova Cachoeirinha, na zona norte, e do Parque São Lucas e

Sapopemba, na região sudeste; em 1998, para o Jardim Guairacá, na zona sul, e Vila

Espanhola, na zona norte da cidade170.

Note-se que o projeto, em que pese seu discurso participativo, não previa a existência de

conselhos ou mecanismos de controle público, em contraste com o que ocorria em outras

unidades de seu entorno. Aqui, a participação social irá se apresentar em sua vertente de

participação comunitária, com seu caráter mais instrumental, como meio, ferramenta, para

o envolvimento de sua “população-alvo” – as famílias de seu território – tendo por base a

“mobilização da comunidade”, essencial ao projeto, a ser realizada a partir dos

trabalhadores do PSF.

Nas palavras de David Capistrano Filho171:

A implantação do Qualis/PSF começou por onde deveriam ter início todas as iniciativas de renovar nosso sistema de saúde: pela mobilização da comunidade. Cada um dos bairros, conjuntos habitacionais e favelas teve a oportunidade de reunir seus moradores, de conhecer detalhadamente as propostas, de debatê-las com os técnicos responsáveis pela construção do programa. E cada técnico teve a oportunidade de conhecer a história daquelas comunidades, suas formas de convivência e organização, a hierarquia de seus problemas estabelecida por quem os sofre, as suas aspirações e frustrações.

169

- A partir de 1998 ampliou-se a cobertura de cada equipe para 1.200 famílias, considerando a diminuição do tamanho médio da família paulistana de baixa e média renda daquele período, estimado entre 3,7 a 4,3 pessoas, apud CAPISTRANO FILHO, David. O programa de saúde da família em São Paulo. Estudos Avançados, São Paulo, v. 13, n. 35, 1999, p.91. 170

- Idem, ibidem. 171

- Idem, ibidem, p. 92.

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As raízes do Qualis/PSF estão plantadas nesse solo de participação. É a partir de tais raízes que floresce uma relação de respeito entre médicos, enfermeiras e agentes comunitários. É a partir delas que melhor se compreende a cultura sanitária predominante na população, fruto da acumulação acrítica de saberes julgados científicos no passado, mas também resultantes de esforços ingentes para sobreviver em meio a toda sorte de privações e adversidades. Conhecer o que há de útil e eficaz no saber da população foi uma decorrência natural desses contatos, bem como o afã de legitimar aquelas práticas que dão resultado, mas não são reconhecidas, usando o método científico. Essa é uma das características diferenciais do PSF paulistano em implantação.

Encontra-se assim, em meio a diferentes projetos de extensão de cobertura e às lutas sociais

pela saúde, a presença, também simultânea, de diversas concepções e práticas de

participação – táticas ou estratégicas, instrumentais ou emancipatórias – com todos seus

limites, problemas e contradições, conflitos e complementaridades, e que se transformam

mutuamente, com base nas diferentes histórias e realidades locais, configurando uma

dialética da participação.

A aprovação da implantação do PSF nos moldes propostos pela SMS-SP, em 2001, seria

aprovada pelo Conselho Municipal de Saúde por apenas um voto de diferença172,

expressando um conjunto de dúvidas e questionamentos que se encontrava em debate no

período. Os argumentos críticos baseavam-se fundamentalmente em três ordens de

questões, não excludentes entre si. Uma primeira dizia respeito à ausência de controle

público sobre as ações e os serviços desenvolvidos pelas “entidades parceiras”, dado seu

caráter privado, ainda que filantrópico, e a diversidade de interesses em jogo. Uma segunda

questão, mais ampla, dizia respeito ao risco de redução dos princípios da universalidade e

integralidade do SUS a um projeto “destinado aos pobres, e pobre como eles”, incapaz de

substituir outras estratégias de atenção básica, e sua necessária multiprofissionalidade –

apresentando-se como um projeto ao gosto das políticas focalistas, privatizantes e de “cesta

básica” voltada aos pobres, propugnadas pelo Banco Mundial, FMI e outros organismos de

cooperação internacional. Por fim, registre-se ainda a existência de uma crítica à face

controlista do PSF que, ampliando sua jurisprudência sobre a vida social das famílias, e

opinando sobre seus hábitos e comportamentos, poderia se constituir em um espaço de

disciplinarização e controle dos indivíduos e de seus corpos, de medicalização de conflitos e

172

- ALVES SOBRINHO, Eduardo Jorge Martins; CAPUCCI, Paulo Fernando, op.cit., p. 217.

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tensões, extrapolando o campo da saúde, e servindo, como mostram muitos estudos da

medicina social, como instrumento de reprodução da própria estrutura de classes da

sociedade.

Por outro lado, a seu favor, a SMS-SP buscava demonstrar a garantia de controle público,

que, aliás, se exercia ali, naquela votação, associada à estruturação de uma ampla rede de

mecanismos de participação e controle social, que voltava a se fazer presente em todos os

DS e em muitas unidades de saúde municipais. A isto se somava o forte impacto do PSF nos

indicadores de vida e saúde de inúmeros municípios, confirmado por grande número de

estudos epidemiológicos, afora a premente necessidade de rápida transformação da

situação em que se encontravam os serviços de saúde na capital, especialmente em suas

regiões mais periféricas173.

Ao final de 2001, a SMS-SP completaria cerca de 491 equipes na cidade, sendo 344 do PSF e

147 do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (Pacs), indicando uma cobertura

potencial de 590 mil famílias, ou 2.350 milhões pessoas, o que correspondia a cerca de

22,6% da população da cidade no período174.

*

Do ponto de vista da democratização e da descentralização da gestão, junto à criação das

subprefeituras – definida pela Lei Orgânica do Município –, o novo governo municipal criaria

o Conselho do Orçamento Participativo (OP), com plenárias consultivas e deliberativas nas

diversas regiões, visando discutir prioridades – inicialmente nas áreas da saúde e da

educação – em uma experiência de início bastante mobilizador, mas que viria a sofrer

173

- A respeito do impacto do PSF nos indicadores de saúde veja-se, entre outros: MACINKO, James; GUANAIS, Frederico C E; SOUZA, MARINHO DE SOUZA, Maria de Fátima. Evaluation of the impact of the program on infant mortality in Brazil, 1990-2002. Journal of Epidemiology and Community Health, v. 60, n. 1, p. 13-19, Jan. 2006, p. 13-19; e BRASIL. Ministério da Saúde. Panorâmico: Brasil. Brasília, DF: Organização Pan-Americana da Saúde, 2007 (Painel de Indicadores do SUS, 3). 174

- Cálculado com base nos padrões de cobertura estimada por equipe e tamanho médio das famílias de baixa e média renda projetados pela SMS-SP, em relação à população total da cidade, conforme dados do DATASUS, disponível em: http://ww2.prefeitura.sp.gov.br/cgi/tabcgi.exe?secretarias/saude/TABNET/POPIDADE/popidade.def>. Acesso em: 1 mar. 2013.

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dificuldades pela carência de recursos financeiros para investimento, e seu posterior custeio,

dada a crise econômica do país, o subfinanciamento estadual e federal e a herança recebida

do governo anterior.

No campo da saúde, já em maio de 2001 seriam criados conselhos deliberativos (com 50%

de representantes de usuários, 25% de trabalhadores e 25% de gestores) em todas as

unidades de saúde, inclusive as hospitalares, retomando a experiência do governo

democrático-popular de Luiza Erundina175. Esse processo seria aprovado em lei176, de autoria

do vereador Carlos Neder (PT), institucionalizando e regulamentando os Conselhos Distritais

e Conselhos Gestores das Unidades de Saúde, com caráter permanente e deliberativo,

destinados ao planejamento, à avaliação, à fiscalização e ao controle das ações e das

políticas de saúde, em sua área de abrangência. Os conselheiros passavam a ter mandato de

dois anos, e suas reuniões, periodicidade mensal, podendo ser convocadas

extraordinariamente, por 50% de seus membros, ou pela direção da unidade. Os Conselhos

Distritais passavam ainda a servir como instância de recurso aos Conselhos Gestores das

Unidades, e o CMS-SP como instância de recurso aos Conselhos Distritais. A lei obrigava

ainda que a direção das unidades e DS disponibilizassem todas as informações que se

fizessem necessárias, além de garantir condições adequadas ao pleno funcionamento dos

conselhos, proibindo-se qualquer forma de remuneração a seus membros, cujo trabalho

passava a ser considerado, oficialmente, de relevância pública177.

Ainda em janeiro de 2002 seria aprovada, pela Câmara Municipal, a lei que criava cinco

autarquias hospitalares, que visavam modernizar e conferir agilidade à gestão dos hospitais

e prontos-socorros municipais, dentro das normas do direito público. Cada autarquia

passaria a contar com um conselho deliberativo e fiscalizador, instância máxima de

deliberação e controle, composto por 12 membros, dos quais três indicados pela

175

- SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Saúde. Portaria nº 1.131/2001. Diário Oficial do Município, 29 maio 2001. Note-se que entre 1989 e 2002 foram criados cerca de 165 Conselhos Gestores de unidades, sendo 142 em UBS, 20 em DS e 3 em ARS, além do CMS e do Conselho do Fundo Municipal de Saúde, apud NEDER, Carlos Alberto Pletz, op.cit.. 176

- SÃO PAULO (Município). Lei nº 13.325, de 8 de fevereiro de 2002. 177

- Veja-se SACARDO, Gislaine A.; CASTRO, Iracema Ester do N. Saúde: conselho municipal. São Paulo: Instituto Pólis; PUC-SP, 2002. (Observatório dos Direitos do Cidadão: acompanhamento e análise das políticas públicas da cidade de São Paulo, 8).

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administração, três por seus trabalhadores e seis pelos usuários de cada uma de suas áreas

de abrangência178.

Os novos espaços participativos constituíam-se desafio para os movimentos de saúde, dada

a dimensão da rede e da cidade – e a forte ampliação do número de novos conselheiros viria

a impactar a própria base social do MSZL e da UMPS.

Note-se que o processo de municipalização em curso ocorreria em dois períodos distintos –

entre junho e dezembro de 2001, com a passagem para a gestão municipal de 141 UBSs e 12

ambulatórios de saúde mental, e abril de 2002, com a transferência de outras 59 UBSs,

incluindo cerca de 200 equipes do Qualis/PSF.

Em novembro de 2002 a SMS-SP solicitaria sua inclusão na categoria de Gestão Plena do

SUS, o que só viria a ocorrer em julho de 2003, ainda que sem a municipalização dos

hospitais estaduais e de outros serviços especializados. Ao mesmo tempo, contava-se com

uma precária participação estadual no financiamento da saúde, restando à cidade de São

Paulo apenas as “sobras” dos recursos já pactuados com outros municípios179.

Nesse cenário, é importante compreender o conjunto de serviços de saúde existentes na

cidade, para além da atenção básica, sintetizado no quadro fornecido por Zilda Pereira da

Silva, com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2002, do

IBGE180:

178

- SÃO PAULO (Município). Lei nº 13.271, de 4 de janeiro de 2002. 179

- Apud PINTO, Nicanor R. S.; TANAKA, Oswaldo Y. ; SPEDO, Sandra M. Política de saúde e gestão no processo de (re)construção do SUS em município de grande porte: um estudo de caso de São Paulo, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 25, n. 4, p. 927-938, abr. 2009. 180

- SILVA, Zilda Pereira da. A política municipal de saúde (2001-2003). São Paulo: Instituto Pólis: PUC-SP, 2004. (Observatório dos Direitos do Cidadão: acompanhamento e análise das políticas públicas da cidade de São Paulo, 19).

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Quadro 5 Estabelecimentos de saúde em atividade* por tipo de atendimento, segundo

esfera administrativa, no município de São Paulo, 2002.

Esfera administrativa Com internação Sem internação Exclusivamente

SADT** Total

Total 177 1.210 382 1.769

Público 47 384 6 437

Federal 2 2 - 4

Estadual 27 84 4 113

Municipal 18 298 2 318

Privado 130 826 376 1.332

com fins lucrativos 87 779 370 1.236

sem fins lucrativos 43 47 6 96 Fonte: IBGE. Pesquisa de Assistência Médico-Sanitária (AMS), apud SILVA, Zilda Pereira da. A política municipal de saúde (2001-2003). São Paulo: Instituto Pólis; PUC-SP, 2004. (Observatório dos Direitos do Cidadão: acompanhamento e análise das políticas públicas da cidade de São Paulo, 19), p.16. Notas: * Inclui estabelecimentos em atividade parcial na data da pesquisa. ** Serviço de Apoio à Diagnose e Terapia.

Em 2002 a cidade de São Paulo contava com 177 hospitais, 1.210 serviços ambulatoriais –

dos mais diversos tipos – além de 382 estabelecimentos de apoio à diagnose e terapia.

Destes, 75% eram privados, 18% municipais e 6,5% estaduais. O conjunto da rede somava

185 mil postos de trabalho.

A rede hospitalar disponibilizava 24.957 leitos (2,6 por mil habitantes), dos quais 62% de

propriedade privada, metade prestando serviços ao SUS. Dos demais leitos, o Estado

responderia por 26% e a prefeitura por 11%.

A pesquisa mostra ainda uma forte concentração de serviços de média e alta complexidade

– que tornavam a cidade importante polo tecnológico – e uma profunda desigualdade no

direito de acesso, não apenas a esses serviços, mas também à atenção básica. Como mostra

Zilda Pereira181, enquanto em 2002 a subprefeitura da Sé, na região central, realizava 2,3

consultas/habitante/ano, a da Cidade Tiradentes, no extremo leste, realizava 0,5.

181

- SILVA, Zilda Pereira da, op.cit., p. 17-18.

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A prefeitura de São Paulo era então responsável por 318 serviços, dos quais 298

ambulatoriais, 18 com internação e dois de apoio diagnóstico e terapêutico.

*

No sábado, 10 de março de 2001, ocorreria o IV Encontro da UMPS182, com cerca de 500

participantes, debatendo a nova conjuntura municipal, o fortalecimento dos movimentos

populares de saúde na cidade, a formação dos conselhos gestores e a futura eleição dos

conselhos populares nas zonas leste e sudeste, que seria agora organizada com base no

território dos distritos de saúde.

A plataforma da chapa “Saúde é Vida”, do MSZL e Sudeste, expressava uma visão de saúde

fortemente comprometida com a luta por melhores condições de vida, e com a necessidade

de sua articulação com os demais movimentos sociais183:

1 – Pesquisar as condições de vida, os problemas dos bairros e regiões e os serviços de saúde existentes; 2 – Buscar as causas dos problemas encontrados, refletindo sobre a política social e econômica da região. Acompanhamento dos conselhos eleitos com formação através de oficinas, cursos, debates, seminários e atividades gerais; 3 – Lutar por melhores condições de vida e saúde, tais como: canalização de córregos, asfalto, iluminação, lixões, transportes e outros. Calendário de lutas conjuntas com outros movimentos; 4 – Organizar as lutas de saúde e outras reivindicações, articulando com a União de Movimentos Populares de Saúde. Fortalecimento da UMPS enquanto espaço de articulação dos movimentos, unificando suas lutas; (...) 7 – Pelo controle social a nível local, regional, municipal, estadual e nacional. Garantir os espaços de participação popular já conquistados;

182

- O I Encontro da UMPS ocorreria em 20 e 21 de junho de 1997, com cerca de 200 participantes, e aprovaria a criação da própria entidade, discutindo sua organização e lutas unificadoras. O II Encontro, em 8 de agosto de 1998, com cerca de 150 participantes, buscou aprofundar a organização dos movimentos de saúde na cidade, a formação política e a luta contra o PAS, definindo um plano de lutas. Já o III Encontro, em 16 de outubro de 1999, com cerca de 100 participantes, comemorou os 20 anos do Conselho de Saúde do Jardim Nordeste, realizando uma recuperação histórica dos movimentos de saúde, além de debater propostas para o fim do PAS e a organização da 9ª Conferência Municipal de Saúde, que seria realizada em dezembro de 1999, apud NEDER, Carlos Alberto Pletz, op. cit., p. 141. 183

- Idem, ibidem, p.143.

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8 – Participação dos movimentos nas plenárias de saúde, assegurando a unificação e a articulação das lutas com todos os segmentos, sindicatos, entidades, ONGs. Em defesa do serviço público de saúde; municipalização com controle social; efetiva implantação do SUS e contra a privatização da saúde (...)

Em agosto de 2001 seriam eleitos, com 249.872 votos, 182 conselhos populares de saúde,

dos quais 16 distritais, com um total de 3.336 conselheiros, representando 13 bairros e

distritos da zona leste, além de dez bairros e distritos de outras regiões184. O resultado da

eleição evidenciava a presença do movimento – além de uma forte concentração nas zonas

leste e sudeste, onde tem raízes históricas –, em algumas outras regiões, ao mesmo tempo

que mostrava a diversidade de formas de organização dos movimentos de saúde na cidade,

com histórias, ritmos e dinâmicas próprias.

*

Entre dezembro de 1999 e maio de 2002, o MSZL publicaria o boletim A voz do

movimento185, que buscava divulgar suas principais lutas e mobilizações e intensificar a

comunicação entre os diversos bairros e conselhos. Logo em sua estreia, na seção “Fazendo

Memória”, o boletim entrevistava Zulmira Alvarenga, uma das fundadoras e principais

lideranças do MSZL, buscando relembrar a 8ª Conferência Nacional de Saúde:

Zulmira: Nossa! Faz tanto tempo ... Será que ainda me lembro dos detalhes? Quem deu o tom à 8ª Conferência Nacional de Saúde foram os movimentos populares. Apresentamos várias propostas e todas foram muito bem discutidas. Houve muita articulação dos movimentos para estarem presentes nos “momentos chaves” da

184

- Participaram do processo, na zona leste, os distritos de Cidade Tiradentes, Guaianases, Itaquera, Cidade Lider, São Mateus, Itaim Paulista, São Miguel, Curuçá, Ermelino Matarazo, Penha, Vila Matilde, Vila Formosa e Moóca, que elegeram 2.364 conselheiros, 113 conselhos populares de saúde locais e 11 distritais, com 176.172 participantes. Das demais regiões participaram Pirituba, Perus, Ipiranga, Sapopemba, Jabaquara, Vila Prudente, Sacomã, Vila Mariana, Campo Limpo e Butantã, elegendo 972 conselheiros, 53 conselhos populares de saúde locais, cinco conselhos populares distritais, com 73.700 participantes na eleição. Detalhamento pode ser encontrado em A VOZ do movimento. São Paulo: MSZL: Novib: Cedec, dez. 2001 (n. 4). 185

- Seis números foram públicados nesse período, com apoio editorial do Cedec/Novib.

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Conferência. Foi o maior avanço em termos de participação social. Esse foi o gancho para que mais tarde, na Constituinte, se garantissem a Lei do SUS e a Participação Social neste sistema.

Figura 3 – Ilustração do cartunista Bira feita para o MSZL.

Fonte: Extraído de A VOZ do movimento. São Paulo: MSZL: Novib: Cedec, maio 2002 (n. 6).

*

A virada do século também seria marcada por intensa crise econômica e social, fruto em

grande parte das políticas neoliberais desse período, especialmente a partir do governo

Collor, e intensificadas pelo governo Fernando Henrique Cardoso. Estas, caracterizadas pela

“reordenação estratégica do Estado”, com a redução de seu papel em favor dos mercados, e

pelo chamado “ajuste fiscal”, preconizado por organismos internacionais, como o Banco

Mundial e FMI – e pré-requisito para tomada de sucessivos empréstimos –, levariam a um

progressivo esvaziamento, desmonte e privatização das políticas públicas e de proteção

social, além de uma desregulamentação do mercado de trabalho – atingindo fortemente

direitos conquistados em uma longa história de lutas sociais, especialmente pelos

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movimentos sindicais, na contramão do desenvolvimento social interno e do enfrentamento

das iniquidades186.

Esse agravamento das condições de vida e trabalho e suas implicações para o campo da

saúde e para o SUS eram assim retratados pela Abrasco187:

Os dados de emprego e renda na década de 1990-2000 expressam uma retração na oferta de postos de trabalho, decorrentes de condições estruturais relacionadas às mudanças tecnológicas dos processos produtivos, mas, sobretudo, de fatores recessivos associados às políticas de ajuste econômico. (...) Além disso, aprofundou-se a desigualdade social manifesta por elevação crescente na concentração de renda, com impactos sobre situações de pobreza e exclusão social, tanto dos que estão fora do mercado de trabalho quanto dos assalariados com precárias condições de trabalho e de remuneração. A fome, a miséria e a crescente violência no campo e na cidade ainda compõem um quadro dramático que envergonha a nação. (...) A coexistência de regiões com elevadas taxas de mortalidade infantil e materna, a persistência da desnutrição e da pobreza, as ameaças recorrentes de surtos epidêmicos, a cronicidade das endemias (...) e a brutal expansão da violência urbana apontam novos desafios para o SUS.

*

Por outro lado, e como resposta a esses processos, movimentos sociais e populares das mais

variadas naturezas passavam a ganhar maior visibilidade na cena pública. O congresso

nacional do MST, realizado em agosto de 2000, em Brasília, reunindo cerca de dez mil

representantes de 23 Estados, é um marco desse período188. Também ganham relevância

movimentos como os dos trabalhadores públicos da educação e da saúde, que realizam

importantes greves, e a consolidação do movimento negro, de mulheres e de homossexuais,

junto ao crescimento dos movimentos indígenas e de ecologistas, entre muitos outros. A

crise social, a falência de políticas públicas, o desemprego e a informalização do mercado de

186

- Veja-se FALEIROS, Vicente de Paula et al., op.cit., p.157-161; e SADER, Emir; GENTILI, Pablo. (Orgs.). Pós-neoliberalismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2010. Reimpressão. 187

- Atualizando a agenda da Reforma Sanitária Brasileira. Boletim Abrasco, Rio de Janeiro, n. 79, out./dez. 2000. Encarte. apud PAIM, Jairnilson Silva, op.cit., p.195. 188

- Apud BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita, op.cit., p.411.

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trabalho trariam ainda à cena movimentos como o dos caminhoneiros, perueiros, camelôs,

aposentados e desempregados – levando a vários tipos de enfrentamentos189. O aumento da

violência urbana, por sua vez, estaria na origem dos movimentos “pela paz”, que se

apresentariam como resposta de setores das classes médias e altas, sendo ainda marcantes

inicativas de ONGs da sociedade civil pelos direitos humanos e em projetos como a Ação da

Cidadania contra a Fome, buscando a criação de novas redes de solidariedade e novas

formas de ação da sociedade civil.

*

A realização do Fórum Social Mundial (FSM), em janeiro de 2001, na cidade de Porto Alegre,

seria outro marco desse período. Reunindo quase 20 mil participantes, cerca de 800

organizações e movimentos de 117 países – e forte presença da juventude – a primeira

edição do FSM realizou cerca de 400 oficinas autogestionárias, além de conferências,

encontros, reuniões, assembleias e manifestações culturais, servindo, além da troca de

experiências, à articulação de inúmeras redes e outras formas de organização, em sua

maioria horizontais e não hierárquicas, que viriam a se desdobrar em atos e ações políticas,

marcadas por uma ampla diversidade e pluralidade. Ocorrendo na mesma data do Fórum

Econômico Mundial, que se reunia em Davos, na Suíça, o FSM constituía-se como

contraponto à globalização capitalista, sob o lema “um outro mundo é possível”190.

Entre as dezenas de documentos e manifestos produzidos em Porto Alegre, encontra-se a

Declaração da Assembleia dos Movimentos Sociais, assinada por 188 entidades, redes e

movimentos de todo o planeta191:

189

- Uma revisão dos movimentos nesse período pode ser encontrada em GOHN, Maria da Glória (Org.). Movimentos sociais no início do século XXI: antigos e novos atores sociais. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2003. Chamavam-se de perueiros os trabalhadores do transporte informal e de camelôs aos vendedores ambulantes presentes nas cidades. 190

- O I FSM seria organizado por oito entidades, sete das quais brasileiras – CUT, Associação Brasileira de Organizações não Governamentais (Abong), Associação Brasileira de Empresários pela Democracia (Cives), Centro de Justiça Global (CJT), MST, Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional (Fase), Instituto Brasileiro de Análises Sócio-Econômicas (Ibase) e Ação pela tributação das transações financeiras em apoio aos cidadãos (Attac). 191

- Disponível em: <http://www.forumsocialmundial.org.br/>, acesso em 8 mar. 2013.

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(...) Somos mulheres e homens, camponesas e camponeses, trabalhadoras e trabalhadores, profissionais, estudantes, desempregadas e desempregados, povos indígenas e negros, vindos do Sul e do Norte, que temos o compromisso de lutar pelos direitos dos povos, a liberdade, a segurança, o emprego e a educação. Somos contra a hegemonia do capital, a destruição de nossas culturas, a monopolização do conhecimento e dos meios de comunicação de massas, a degradação da natureza e a deterioração da qualidade de vida através das mãos das corporações transnacionais e das políticas anti-democráticas. (...) A globalização reforça um sistema sexista, excludente e patriarcal (...) A igualdade entre homens e mulheres é uma dimensão central de nossa luta. Sem essa igualdade, outro mundo jamais seria possível (...) A globalização neoliberal desata o racismo, continuidade do verdadeiro genocídio de séculos de escravidão e colonialismo, que destruíram as bases civilizatórias das populações negras da África (...) Expressamos especialmente nosso reconhecimento e solidariedade com os povos indígenas em sua histórica luta contra o genocídio e o etnocídio e em defesa de seus direitos, recursos naturais, cultura, autonomia, terra e território. (...) A vida e a saúde devem ser reconhecidos como direitos fundamentais e as decisões econômicas devem ser submetidas a esse princípio. (...) Demandamos uma Reforma Agrária democrática com o uso por parte do campesinato da terra, da água e das sementes (...) Nos recusamos firmemente a aceitar a guerra como caminho para resolver conflitos. Estamos contra o armamentismo e o comércio de armas. Exigimos o fim da repressão e da criminalização dos protestos sociais. (...) Essas propostas formam parte das alternativas elaboradas pelos movimentos sociais do mundo todo. Baseiam-se no princípio de que os seres humanos e a vida não são mercadorias. (...) Chamamos todos os povos do mundo a se unirem a esta luta pela construção de um futuro melhor. O Fórum Social Mundial (...) é um caminho para a soberania de nossos povos e para um mundo justo.

É possível notar aqui a presença de um novíssimo sujeito social, que emerge junto aos

grandes protestos antiglobalização – ou altermundistas – e que também está na origem do

FSM.

Uma das principais articulações desse processo havia ocorrido nas montanhas de Chiapas,

no México, no Primeiro Encontro Internacional pela Humanidade e contra o Neoliberalismo,

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promovido pelos zapatistas, em 1996192. Reunindo mais de seis mil pessoas de diversos

movimentos sociais ao redor do planeta, o encontro se repetiria em 1997, na Espanha, e em

1998, em Genebra, na Suíça, quando seria criada a Ação Global dos Povos (AGP),

organização horizontal e não hierárquica que teria papel determinante nos chamados Dias

de Ação Global, envolvendo desde organizações camponesas, indígenas e sindicatos

combativos até ecologistas e um sem-número de coletivos sociais, dos mais diversos tipos,

em diversos países, inclusive o Brasil193.

Esse novo sujeito social apareceria com toda sua força em Seattle, nos EUA, em 1999,

quando mais de 700 organizações e movimentos, com mais de 75 mil pessoas nas ruas,

impedem a realização da chamada “rodada do milênio” da Organização Mundial do

Comércio (OMC), entre 30 de novembro e 4 de dezembro, reunião que contaria com a

participação de ministros e representantes de 135 países. Apesar da violenta repressão

policial, que se inicia já na madrugada do primeiro dia daquela rodada, estimulando os

conflitos de rua, e perdura pelos próximos dias, na “Batalha de Seattle”. O movimento é

vitorioso e inviabiliza o encontro. Daí até a reunião do G8194 em Gênova, na Itália, em julho

de 2001, esse movimento irá adquirir grande repercussão, suspendendo ou alterando o

rumo de importantes momentos de articulação do capitalismo mundial e colocando em

xeque a legitimidade de suas instituições e decisões195.

A reunião de Gênova, marcada por violentíssima repressão policial, assinala o final de um

ciclo de lutas, conferindo ao FSM renovado papel como espaço de encontro e articulação de

parte significativa de novos e novíssimos sujeitos sociais.

192

- O movimento zapatista irrompe em janeiro de 1994, data de início do Tratado de Livre-Comércio entre México, Estados Unidos e Canadá, portando características próprias e inovadoras frente ao discurso e às práticas da esquerda tradicional. A esse respeito veja-se, entre outros, DURÁN, Ramón Fernándes. La conflitividad político-social mundial en el siglo XX: de la lucha de clases al movimiento antiglobalización. Disponível em:<www.rebelion.org/docs/99858,pdf>. Acesso em: 10 abril 2010. 193

- Como exemplo dessa articulação, o MSZL participaria em 1999 de evento global chamado pela AGP, a Marcha a Brasília, que envolveria cerca de 50 mil participantes da CUT, do MST, da CMP, da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), da Conferência Nacional dos Bispos de Brasil (CNBB), entre outros. 194

- Reunião de chefes de Estado das sete principais economias, mais a Rússia. 195

- Um detalhamento desse processo pode ser encontrado em ANDREOTTI, Bruno Leonardo Ramos. Poder e resistências: movimentações da multidão – uma cartografia dos movimentos antiglobalização. 2009. Dissertação (Mestrado) Pontifícia Universidade Católica, São Paulo; e GOHN, Maria da Glória (Org.). Movimentos sociais no início do século XXI: antigos e novos atores sociais. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2003.

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*

A vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores, nas eleições à Presidência

da República – com forte apoio dos movimentos sociais –, e sua posse em 1º de janeiro de

2003, abriria um novo período na história do Brasil, com implicações em todos os espaços da

vida social e transformações profundas nas condições de vida e trabalho, em especial dos

setores populares.

Esse período será também marcado por uma significativa ampliação da participação social,

desde a formulação do Plano Plurianual e a instituição das Mesas Permanentes de

Negociação – envolvendo governo, movimento sindical e movimentos sociais – aos

conselhos e conferências nacionais196.

Assim, dos conselhos nacionais já existentes, seis serão reformulados, com ampliação de

seus mecanismos de democracia interna e participação, e outros 18 serão criados até 2007,

indicando tratar-se de uma política de Estado, que viria a pautar as políticas públicas. É

importante ainda notar, ao menos nos 31 conselhos nacionais com maior inserção da

sociedade civil, o estágio de autonomia das entidades e movimentos da sociedade civil na

escolha de seus representantes, que se faz por meio de assembleias – em 12 casos, incluído

o da saúde, e nos demais conforme o previsto em seus regimentos internos, portarias ou

decretos, no mais das vezes pactuados com essas organizações. Desses 31 conselhos

nacionais, apenas dois têm os representantes da sociedade indicados pelo governo, o

Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República (CDES) – 12

membros do governo e 90 da sociedade civil – e o Conselho Social do Mercosul – 20 do

governo e 40 da sociedade. Entre os 31 conselhos, 24 têm participação paritária ou

majoritária da sociedade civil em relação ao governo197.

Apenas no período 2003-2006, em estreita relação com os respectivos conselhos, e quase

sempre precedidas de etapas estaduais, e por vezes municipais, seriam realizadas 42

196

- A esse respeito veja-se AVRITZER, Leonardo. Sociedade civil e participação no Brasil democrático, In: AVRITZER, Leonardo (Org.). Experiências nacionais de participação social. São Paulo: Cortez, 2009. (Pensando a democracia participativa, vol. 2). 197

- Um quadro detalhado encontra-se em ALMEIDA, Gerson. A participação social no governo federal, In: SILVA, Eduardo Moreira da Silva; CUNHA, Eleonora Schettini M., op. cit.; e em LAMBERTUCCI, Antonio Roberto. A participação social no governo Lula. In: AVRITZER, Leonardo. (Org.). ibidem, p.70-89.

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conferências nacionais, 18 das quais realizadas pela primeira vez, mas que viriam a se

incorporar ao calendário e às agendas de formulação das políticas públicas setoriais.

Destacam-se aí a I Conferência Nacional das Cidades, do Meio Ambiente, dos Esportes, das

Políticas para Mulheres, da Igualdade Racial, dos Direitos da Pessoa com Deficiência, dos

Direitos do Idoso, dos Povos Indígenas e da Economia Solidária198.

No caso da saúde, além da realização de duas conferências nacionais nesse período (2003 e

2007), ocorre um claro fortalecimento de seu Conselho Nacional. Como mostra Leonardo

Avritzer199, no governo Lula o ministro da Saúde estará presente em 91% das reuniões –

contra 14% no governo FHC, a representação da sociedade civil passa a ser eleita por

critérios próprios – em vez de ser indicada pelo governo, além de se registrarem importantes

avanços tanto na formação política de conselheiros como na comunicação do CNS com os

conselhos municipais, e na construção do Cadastro Nacional de Conselhos200.

*

Na cidade de São Paulo continuava a rápida (re)criação dos mecanismos de participação,

especialmente junto às unidades e distritos de saúde. Nas palavras de Eduardo Jorge201:

A democratização em São Paulo partiu dos sobreviventes/resistentes do Conselho Municipal de Saúde (é o primeiro do Brasil, formado em 1989) que haviam sido esmagados nos anos anteriores e chegamos já [no começo de 2003] a quase outros trezentos conselhos distritais, locais, de autarquias etc. De trinta conselheiros fomos para mais de quatro mil. Seguimos com dezenas de cursos de formação de conselheiros sobre o SUS. E a participação social ganhou

198

- Apud LAMBERTUCCI, Antonio Roberto, op.cit., p.88-89. 199

- AVRITZER, Leonardo. Sociedade civil e participação no Brasil democrático, In: AVRITZER, Leonardo (Org.). Experiências nacionais de participação social. São Paulo: Cortez, 2009. (Pensando a democracia participativa, vol. 2), p. 43-44. Um levantamento das principais políticas e ações do Ministério da Saúde nesse período, e de seus impactos nos indicadores sociais e epidemiológicos podem ser encontrados em BRASIL. Ministério da Saúde. Panorâmico: Brasil. Brasília, DF: Organização Pan-Americana da Saúde, 2007 (Painel de Indicadores do SUS, 3); e na coleção Saúde Brasil, publicada anualmente pelo MS/SVS, a partir de 2004. 200

- Disponível em: <http://conselho.saude.gov.br/>, no linque SIACS, Fortalecimento do Controle Social. Acesso em: 10 mar. 2013. 201

- ALVES SOBRINHO, Eduardo Jorge Martins; CAPUCCI, Paulo Fernando, op.cit., p.217, colchetes do autor.

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vivacidade desde a intervenção local no acolhimento na porta da Unidade Básica de Saúde, até no acompanhamento do orçamento municipal de saúde. Questões chaves da nossa agenda municipal foram decididas no voto. Por exemplo, a adoção em abril de 2001 da estratégia da saúde da família (...) o projeto de lei criando as cinco autarquias municipais hospitalares foi decidido no voto pelos dois mil delegados da [XI] Conferência Municipal de Saúde (70% a favor, 30% contrários).

Seriam também desse período a I Conferência Municipal de DST/Aids, em novembro de

2002, a I Conferência Municipal de Medicamentos e Assistência Farmacêutica, no mesmo

mês, e a I Conferência Municipal de Saúde da População Negra, em abril de 2003202.

Em fevereiro de 2003, com a saída de Eduardo Jorge da secretaria, assume o médico

Gonçalo Vecina Neto, mantendo um discurso de continuidade, à exceção de uma mudança

de enfoque no PSF, que, apesar de seu potencial, mostrava-se insuficiente para substituir o

conjunto da atenção básica. É então proposta uma revisão de suas metas, que se mostravam

de difícil execução, não apenas pelas limitações financeiras da SMS-SP – e insuficiência de

aporte de recursos da SES-SP e do MS –, como por um conjunto de outras dificuldades, entre

elas as de fixação de médicos nas regiões periféricas – apesar da remuneração diferenciada

– e as produzidas pelos diferentes regimes de trabalho e diferentes salários entre os

trabalhadores da SMS-SP e das “entidades parceiras”, muitas vezes dividindo o mesmo

trabalho e espaço físico.

*

Em maio de 2003, a UMPS realizaria uma pesquisa de satisfação com usuários de 221 UBSs,

dos quais 51% consideravam ter ocorrido uma melhora com a transição do PAS para o SUS, e

15% uma piora. A unidade local era avaliada positivamente por cerca de 70% dos

entrevistados, e 62% a procuravam no próprio bairro. Porém, 30% dos entrevistados não

tinham conseguido o atendimento procurado, especialmente dentistas, consultas com

202

- Apud SILVA, Zilda Pereira da, op.cit.. Relatório e propostas aprovados na 11ª CMS podem ser encontrados em: <http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/saude/arquivos/cms/XI_Conf_Mun_Saude.pdf> (acessado em 10 mar. 2013).

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assistente social e saúde mental, que correspondiam a metade desses casos. Do total de

pesquisados, 18% não tinham conseguido consulta médica, e estas correspondiam a 49% do

total das demandas nos serviços de saúde. Ressaltam-se a falta de ginecologistas e de

medicamentos de uso continuado. O tempo médio de espera era de uma hora e quarenta

minutos203.

*

As eleições para os Conselhos Populares de Saúde de 2004 elegeriam 1.253 conselheiros,

com 51.826 votantes, constituindo 79 conselhos populares em 14 subprefeituras. Note-se

que, ao mesmo tempo que crescem fortemente os conselhos institucionalizados,

envolvendo cerca de 4 mil conselheiros – metade dos quais usuários –, ocorre uma

diminuição significativa dos conselhos populares – como vimos, organização livre e

independente das estruturas do Estado –, indicando uma migração da militância, ao menos

de parte importante dela, destes para aqueles.

Assim, em comparação com as eleições de 2001, ocorreria uma importante diminuição tanto

do número de conselheiros populares, 62% a menos, quanto do número de

participantes/votantes em suas eleições, quase 80% menor. O esvaziamento observado nos

conselhos populares nesse momento, contrapondo-se à expansão dos conselhos gestores

das unidades e distritos – que passavam a consumir grande parte das energias do

movimento –, apresentava-se como um desafio da participação conquistada.

Em setembro de 2003 seria realizada a 13ª Conferência Municipal de Saúde, sob o tema

“Consolidando o SUS nas subprefeituras com efetivo controle social”. Com 1.362 delegados,

precedida por 31 pré-conferências regionais, elegeria delegados para o 9º Congresso

Estadual de Saúde e para a 12ª Conferência Nacional de Saúde. Na conferência municipal, o

novo secretário de Saúde elegeria como pontos para o debate o aprofundamento da

descentralização para as subprefeituras; a municipalização plena; a questão da informação e

203

- SILVA, Zilda Pereira da, op.cit., p. 57-58.

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da informatização na SMS-SP; a formação permanente dos trabalhadores da rede e a

expansão do Cefor; a redignificação dos trabalhadores da saúde; o aprofundamento do

controle social; a necessidade de ampliação dos recursos financeiros; a necessidade de

maior regulação dos planos e seguros de saúde, dependentes do SUS, além da discussão

sobre as “entidades parceiras” e a questão da renovação ou mudanças de seus contratos,

relativos ao PSF, ao qual se encontravam circunscritas204.

No final de 2004 o MS registrava a existência de 619 equipes do PSF na cidade, cobrindo

cerca de 20% da população205, cuja distribuição indicava importantes focos de segregação

sócio-espacial206. Esse número representava 36% da meta original de 1.700 equipes,

proposta ao início do governo, e 74% da meta revisada em 2003, de 833 equipes, proposta

pelo secretário Gonçalo Vecina Neto.

*

Em novembro de 2004, o candidato do PSDB, José Serra, venceria as eleições para a

prefeitura da cidade de São Paulo, em segundo turno, com 55% dos votos válidos, contra a

ex-prefeita Marta Suplicy, do PT.

204

- SILVA, Zilda Pereira da, op.cit., p. 55-56. 205

- Apud PINTO, Nicanor R. S.; TANAKA, Oswaldo Y. ; SPEDO, Sandra M., op.cit., p. 933. 206

- Veja-se o estudo de BOUSQUAT, Aylene; COHN, Amélia; ELIAS, Paulo Eduardo. Implantação do programa saúde da família e exclusão sócio-espacial no município de São Paulo, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 22, n. 9, p. 1935-1943, set. 2006.

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Capítulo 6

O INÍCIO DO PERÍODO SERRA-KASSAB, A CONSOLIDAÇÃO DAS OSs

E A PARTICIPAÇÃO LIMITADA

A vitória de José Serra, tendo como vice Gilberto Kassab, do Partido da Frente Liberal (PFL),

inauguraria um novo período na gestão municipal, que duraria até 2012.

O início do novo governo seria marcado pela centralização administrativa, pelo

esvaziamento das subprefeituras e pela desativação dos mecanismos de participação

existentes, tendo como justificativa a racionalidade administrativa.

Assim, logo no início da gestão, as 31 coordenadorias de saúde seriam reduzidas a cinco. A

lei que criava o Conselho de Representantes de cada subprefeitura, aprovada pela Câmara

Municipal em julho de 2004, seria suspensa por liminar do Tribunal de Justiça do Estado de

São Paulo. E a lei que institucionalizava o conselho do Orçamento Participativo, aprovada em

maio de 2005, seria integralmente vetada pelo executivo municipal207.

É importante notar que, embora as coordenadorias de saúde tenham sido desativadas, seus

conselhos gestores –– continuariam se reunindo à margem da administração central, e

mantendo contato com os conselhos gestores das unidades, trocando informações e

buscando manter vivos os mecanismos de participação. Desse modo, além de se manterem

organizados, produziam informação sobre o agravamento dos problemas na rede de

serviços, como a falta de recursos humanos em muitas unidades, especialmente de médicos

na periferia, medicamentos e materiais.

A rápida passagem do primeiro secretário de Saúde, o médico Cláudio Lottemberg, sinalizava

os rumos pretendidos pelo governo. Presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira

207

- KAYANO, Jorge. A política municipal de saúde, 2005-2006. In: TEIXEIRA, Ana Claudia; KAYANO, Jorge; TATAGIBA, Luciana. Saúde: controle social e política pública. São Paulo: Instituto Pólis: PUC-SP, 2007. (Observatório dos Direitos do Cidadão: acompanhamento e análise das políticas públicas da cidade de São Paulo, 29).

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Hospital Albert Einstein, mantenedora desse hospital e parceira no PSF, o novo secretário

tentaria incrementar parcerias entre os setores público e privado, visando naquele primeiro

momento a contrtação de pessoal e transferência de tecnologia.

Já em maio de 2005, seria substituído por Maria Cristina Cury, diretora da Faculdade de

Medicina da Universidade de Santo Amaro (Unisa), entidade privada cuja mantenedora – a

Organização Santamarense de Educação e Cultura (Osec) – era “parceira” do PSF municipal e

administrava, na qualidade de OS, o Hospital Geral do Grajaú, da SES-SP, do qual a nova

secretária também era diretora.

Sua primeira missão seria implantar serviços de pronto-atendimento em 30 unidades da

SMS-SP, dando início ao projeto das futuras Unidades de Assistência Médica e Ambulatorial

(AMAs), que deveriam contar com turnos de 12 horas diárias, de segunda a sábado, visando,

a um só tempo, desafogar a demanda dos prontos-socorros e servir como “marca de

governo”. Essas unidades seriam geridas por Organizações Sociais, com todas as suas

prerrogativas, sendo as primeiras 15 financiadas pelo governo do Estado, que também

entraria com seu conhecimento nesse tipo de parceria.

O envio pelo governo à Câmara dos vereadores do projeto de lei das OSs municipais, sem

comunicação prévia ao Conselho Municipal de Saúde, implicaria em resolução pedindo a

retirada do projeto. A SMS-SP não homologaria a decisão da plenária do Conselho Municipal

e, refletindo a importância dos interesses em jogo, teria início um sério tensionamento nas

relações, que chegariam quase ao limite da ruptura – experiência já vivenciada pelo CMS-SP

à época do PAS, naquela ocasião com importantes consequências. Mesmo com o recuo da

SMS-SP, que acabaria homologando e publicando no Diário Oficial do Município a resolução

contrária ao seguimento do projeto sem debate prévio no conselho, o projeto de lei seguiria

seu curso legislativo e seria aprovado em janeiro de 2006208.

Ainda em dezembro de 2005, com cerca de 700 delegados, ocorreria a 13ª Conferência

Municipal de Saúde, marcada por forte contestação às propostas do governo municipal.

Entre suas deliberações, a manutenção e fortalecimento dos 31 conselhos de saúde das

subprefeituras e a suspensão do processo de implantação das AMAs, com o

redirecionamento dos recursos financeiros para a ampliação da rede de UBSs e

208

- KAYANO, Jorge, op. cit. p. 22-23.

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ambulatórios de especialidades. Evidenciava-se nesse momento a intenção do governo de

não mais realizar concursos públicos, transferindo toda a contratação de pessoal para

terceiros, OSs e “entidades parceiras”, além de buscar transformar as UBSs e centros de

saúde em unidades de pronto-atendimento209.

O respeito do governo municipal às instâncias de participação e controle social era assim

mostrado por Luciana Tatagiba e Ana Claudia Teixeira em pesquisa sobre o CMS-SP210:

Durante o período que acompanhamos as reuniões, também foi possível perceber uma intenção deliberada de estender as discussões visando a não-decisão dos temas mais polêmicos. Em muitos casos, quando a estratégia não era bem sucedida, procedia-se ao esvaziamento da reunião, em muitos casos de forma acintosa, provocativa e sarcástica: “Quando o governo está em desvantagem na votação, como irá acontecer nesta reunião relatada, este lidera o esvaziamento da sala por parte de seus aliados, para que não haja quórum. Isso ficou explícito nesse dia, pois uma conselheira de seu segmento foi provocada quando fez menção de segui-lo para fora da sala, e acabou ficando. Ele, lá de fora, batia no vidro e fazia sinal para que ela saísse, na frente de todos os presentes, escancaradamente. Nesta reunião, as coisas aconteceram de maneira muito escancarada e com dois blocos bastante definidos (...). Isso é feito de forma extremamente clara e aberta. A retirada do governo é feita também com ar debochado, eles saem rindo da sala, demonstrando que estão esvaziando a votação” (Diário de campo, 23/03/2006).

Em 31 de março de 2006, o prefeito José Serra renunciaria, candidatando-se a governador

do Estado, e quem assume a prefeitura é seu vice, Gilberto Kassab, do PFL.

Como mostra Jorge Kayano211, a lei municipal das OSs, embora aprovada, acabaria não

sendo utilizada naquele momento. As dificuldades de inauguração do Hospital de Cidade

Tiradentes, na zona leste, que deveria ser o primeiro próprio da prefeitura a ser repassado

para uma OS, antes das eleições de 2006, levariam à opção de decretar a “estadualização”

do hospital. Tentava-se, assim, acelerar o processo de transferência da gerência para uma

209

- KAYANO, Jorge, op. cit., p. 50. 210

- TATAGIBA, Luciana; TEIXEIRA, Ana Claudia. O papel do CMS na política de saúde em São Paulo. In: TEIXEIRA, Ana Claudia; KAYANO, Jorge; TATAGIBA, Luciana, op. cit., p.99. 211

- KAYANO, Jorge, op. cit., p.22-23.

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OS – dentro do modelo de parceira adotado pela SES-SP desde 1998 –, na contramão da

municipalização e do SUS. Ao decreto de estadualização seguiu-se forte reação de juristas,

do CMS-SP e do MSZL, que o entendiam como ilegal e contraditório com os princípios do

SUS. Passado o período eleitoral, outro decreto devolveria o hospital ao município – cuja

construção fora conquista de antiga luta dos movimentos sociais da região.

Se o episódio mostra a íntima relação entre os governos municipal e estadual e a harmonia

na condução da política de saúde, a eleição de José Serra governador do Estado sinalizaria o

aprofundamento ainda mairor dessas ligações, com a consolidação do modelo das OSs na

área da Saúde tanto no Estado como agora na cidade de São Paulo.

Ao final de 2006 encontrariam-se em funcionamento 35 AMAs, com previsão de 50 até

2007, ocupando espaços das UBSs, e mesmo de prontos-socorros. Seus funcionários,

contratados por diferentes OSs, conviviam, no mesmo local de trabalho com servidores

públicos concursados – com diferentes salários e vínculos –, estimulando a crescente

“canibalização” da força de trabalho existente, que passava a migrar entre serviços e OSs,

levando a uma precarização ainda maior do trabalho e à desestruturação da luta sindical.

Por outro lado, o modelo de pronto-atendimento adotado, baseado na “queixa-conduta” e

dissociado da rede básica e de ações de saúde coletiva, se por um lado aparentemente

ampliava o acesso, por outro diminuía a potencialidade dos serviços, com reflexos

inevitáveis a longo prazo tanto na saúde do indivíduo como no quadro de morbi-mortalidade

da população da cidade.

*

Em janeiro de 2007, o Brasil contava com 70 Organizações Sociais, 25 delas na área da

saúde212. Desse total, 27 estavam sediadas no Estado de São Paulo, sendo 17 da área de

212

- Veja-se SANO, Hironobu; Abrucio, Fernando Luiz. Promessas e resultados da nova gestão pública no Brasil: o caso das organizações sociais de saúde em São Paulo. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 48, n. 3, jul./set. 2008.

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saúde. Nove destas gerenciavam 18 hospitais, um ambulatório, um laboratório e um centro

de referência em saúde do idoso.

As Organizações Sociais chegariam ao Estado de São Paulo em 1998, com a Lei

Complementar 846, que passava a permitir a qualificação pelo governo estadual de

entidades privadas e sem fins lucrativos, com atuação há mais de cinco anos nas áreas da

saúde e da cultura, para a gestão de novos equipamentos públicos, por meio de contratos de

gestão.

Tendo por base o modelo proposto pelo governo federal, com base no projeto de “reforma

do Estado”, o projeto do governador Mário Covas sofreria alterações na Assembléia

Legislativa, fruto do debate e da mobilização de entidades, movimentos, sindicatos,

conselheiros de saúde, parlamentares, gestores, pesquisadores e juristas. Mesmo não

conseguindo maioria entre os deputados para vetar o modelo ou alterá-lo de forma

significativa, aquele conjunto de forças introduziu duas limitações ao projeto do Executivo:

poderia ser utilizado apenas para novos equipamentos e, nestes, o atendimento deveria ser

100% pelo SUS213.

A questão da participação e do controle social ficou fora da proposta e da lei aprovada.

Assim, o projeto das Organizações Sociais, entidades nascidas no seio do pensamento

neoliberal que dominava o período, teria a participação e o controle social reduzidos à

chamada accountability – ou “prestação de contas”, técnica centrada na análise dos

resultados e cumprimento de metas previstos nos contrato de gestão214. Contratos que

passariam a ser elaborados sem qualquer participação da sociedade civil, e cujos

indicadores, de base econométrica, afastavam a dimensão política do debate, subsumida

pela dimensão técnica215. De acordo com a lei das OSs216:

213

- O ponto culminante desse movimento, antes da votação, foi a audiência pública realizada em 15 de abril de 1998 que durante todo o dia reuniu, no plenário da Assembleia Legislativa do Estado, centenas de representantes da sociedade civil e parlamentares, em debate com a direção da SES-SP, obrigando o governo a vários recuos. 214

- Veja-se: SANO, Hironobu; Abrucio, Fernando Luiz, op.cit., e IBAÑES, Nelson et al. Organizações sociais de saúde: o modelo do Estado de São Paulo. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 6, n. 21, p. 391-404, 2001. 215

- A esse respeito veja-se, em especial, IBAÑES, Nelson et al., op.cit. 216

- SÃO PAULO (Estado). Lei complementar nº 846, de 04 de junho de 1998. Dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações sociais e dá outras providências. Diário Oficial do Estado, São Paulo, 5 jun. 1998.

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Artigo 9º (...) § 2º - Os resultados atingidos com a execução do contrato de gestão serão analisados, periodicamente, por comissão de avaliação indicada pelo Secretário de Estado competente, composta por profissionais de notória especialização, que emitirão relatório conclusivo, a ser encaminhado àquela autoridade e aos órgãos de controle interno e externo do Estado. § 3º - A comissão de avaliação da execução do contrato de gestão das organizações sociais da saúde, da qual trata o parágrafo anterior, compor-se-á, dentre outros membros, por 2 (dois) integrantes indicados pelo Conselho Estadual de Saúde, reservando-se, também, 2 (duas) vagas para membros integrantes da Comissão de Saúde e Higiene da Assembléia Legislativa e deverá encaminhar, trimestralmente, relatório de suas atividades à Assembléia Legislativa.

Note-se aqui a presença de dois membros do Conselho Estadual de Saúde e outros dois da

Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa, na comissão de avaliação dos contratos, que

não constavam da proposta original, acrescentados após a audiência pública, que embora

não representando uma mudança de fundo, pela sua absoluta insuficiência, serviam como

tentativa de minimizar a ausência de participação e controle social, visando agregar

legitimidade ao projeto.

Como mostram Nivaldo Carneiro Jr. e Paulo Eduardo Elias217 estudando as OSs em São Paulo,

há uma forte centralidade da SES, mais exatamente das estruturas ligadas ao gabinete do

secretário, que definem quais as entidades parceiras, estabelecem metas de produção,

indicadores de avaliação e acompanhamento dos contratos, enquanto as gerências das OSs

articulam, diante das metas – estabelecidas em um debate do qual também participam –,

prazos, meios e volume de recursos. Todo o processo ocorre sem a participação da

sociedade civil, de conselhos ou mesmo de câmaras técnicas. No estudo realizado pelos

pesquisadores, a organização de serviços encontrada na zona leste da cidade indica o

pronto-socorro como porta de entrada do serviço, por ordem de chegada – salvo urgências e

emergências tecnicamente definidas –, em um modelo de atenção do tipo “queixa-conduta”,

dissociado do restante da rede. Esses e outros achados corroboram a hipótese inicial dos

217

- CARNEIRO JR., Nivaldo; ELIAS, Paulo Eduardo. Controle público e equidade no acesso a hospitais sob gestão pública não estatal. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 40, n. 5, p. 914-920, 2006.

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autores de que as OSs, em que pese sua autonomia, não contemplam a efetivação do

controle público nem a equidade no acesso aos serviços.

É interessante ainda notar a ausência do gestor municipal nesse processo, uma vez que

diversos desses hospitais deveriam estar sob sua gestão, conforme prevê o SUS.

*

Nota-se assim, naquele momento, examinado o conjunto dos serviços públicos de saúde da

cidade, uma sobreposição de diversas sub-redes, com interesses e coordenações próprios,

desarticuladas entre si e muitas vezes de seus territórios, disputando, numa mesma unidade,

recursos e espaços, ou mesmo trabalhadores, como no caso dos médicos em regiões

periféricas; com práticas assistenciais muitas vezes descoladas da epidemiologia e da saúde

coletiva, e contraditórias com os princípios do SUS – como os da integralidade, da equidade

e da participação, configurando uma política regressiva diante dos avanços anteriores.

Entre estas sub-redes, encontraríamos o PSF municipal, gerenciado por cerca de 12

“entidades parceiras”; a rede própria municipal de hospitais e prontos-socorros; a rede

municipal de UBSs e unidades especializadas; as AMAs, gerenciadas por OSs, e ainda a rede

hospitalar estadual não municipalizada também gerenciada por OSs.

Do ponto de vista do controle e da participação, nota-se em São Paulo uma situação

particularmente adversa, em face da desorganização dos serviços e da impermeabilidade,

nesse governo, aos conselhos e às práticas participativas. Os movimentos sociais, inclusive o

sindical, já tendo enfrentado em sua história outros momentos difíceis, resistem.

*

Enquanto isso, na esfera federal e em muitos estados e municípios do país, nota-se o avanço

do SUS e de suas políticas218, em um período marcado pelo Pacto pela Saúde219, instrumento

218

- Um levantamento e uma análise dessas políticas e das mudanças de cobertura no período podem ser encontrados em BRASIL. Ministério da Saúde. Panorâmico: Brasil. Brasília, DF: Organização Pan-Americana da Saúde, 2007 (Painel de Indicadores do SUS, 3); e na COLEÇÃO SAÚDE BRASIL. Brasília, DF: Ministério da Saúde.

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que, substituindo as antigas normas operacionais, propõe mecanismos de orçamentação

global fundo-a-fundo a cada estado e município, com base em contratos de gestão

pactuados entre as três esferas de governo – com responsabilização dos gestores –,

discutidos, aprovados, acompanhados e avaliados pelos respectivos conselhos de saúde, na

perspectiva do enfrentamento dos problemas de saúde de cada município e região,

considerando suas diferentes características sociais e epidemiológicas.

*

Em 2007 seria realizada nova eleição para os Conselhos Populares de Saúde, desta vez

exclusivamente nas regiões leste e sudeste da cidade. Seriam eleitos 750 conselheiros e

constituídos 33 conselhos, com 33.369 votantes. Apesar do número expressivo, e da

mobilização no encontro do MSZL que deu posse aos conselheiros, nota-se uma nova e

importante diminuição do número de pessoas envolvidas na organização livre e

independente do movimento. Em relação às eleições de 2004, que já havia apresentado

resultados menores em relação à eleição anterior, haveria agora uma queda de 58% no

número de conselhos populares eleitos, de 40% no total de conselheiros e a menor votação

desde o início da década de 1980, 36% menor que a de 2004.

219 - Veja-se, entre outros, KAYANO, Jorge, op.cit.; e BRASIL. Ministério da Saúde. Coleção pacto pela saúde. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/saude/profissional/area.cfm?id_area=1021>. Acesso em: 13 mar. 2013.

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Quadro 6 – Eleições dos conselhos populares de saúde na cidade de São Paulo, 1978-2007.

Ano No de CPS No de conselheiros No de votos Regiões

1979 1 13* 8.146 1 (leste)

1981 18 313 90.457 1 (leste)

1985 50 1.000 170.000 2 (leste/sudeste)

1988 80 1.500 200.000 2 (leste/sudeste)

1991 91 1.469 200.000 2 (leste/sudeste)

1993 179 2.941 250.000 26 bairros

1998 52 1.039 65.839 2

2001 166 3.336 249.872 23 distritos

2004 79 1.253 51.826 14 subprefeituras

2007* 33 750 33.369 2 (leste/sudeste)

Fonte: OLIVEIRA, Celina Maria José de. Participação popular dos movimentos populares de saúde de São Paulo, s/d, apud SILVA, Maria Lúcia Carvalho da; WANDERLEY, Mariangela Belfiore; PAZ, Rosangela Dias Oliveira da. Fóruns e movimentos sociais. São Paulo: Instituto Pólis; PUC-SP, 2006. (Observatório dos Direitos do Cidadão: acompanhamento e análise das políticas públicas da cidade de São Paulo, 27). Nota: *Os dados referentes a 2007 são de MOVIMENTO popular de saúde da zona leste: uma fotografia. São Paulo: CDHS: MSZL, 2007.

A realização das eleições para os conselhos populares de saúde apenas nas zonas leste e

sudeste da cidade indica uma retração desta experiência às regiões aonde se originou e tem

história. Por outro lado, a explicação da diminuição do número de conselhos e conselheiros

por conta da migração de esforços para a manutenção dos conselhos institucionalizados,

dadas suas dificuldades na nova gestão, explicam apenas parcialmente o fenômeno – uma

vez que a conjuntura adversa à participação, por conta da expansão das OSs, deveria tornar

o espaço dos conselhos populares ainda mais estratégicos para o movimento, considerando

que esse enfrentamento não será resolvido no curto prazo, exigindo novas ações por parte

do movimento, que para tanto necessita preservar e ampliar sua organização independente.

*

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Nesse período, através de um convênio entre o Centro de Direitos Humanos de Sapopemba,

a Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde e a Opas, com

apoio e participação direta do MSZL, seria realizada uma pesquisa participante visando

compreender a situação do direito à saúde na região – e também a situação do movimento

nesta nova conjuntura, as mudanças pelas quais veio passando e suas perspectivas de futuro

– na perspectiva de seus próprios participantes.

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Capítulo 7

MOVIMENTO DE SAÚDE DA ZONA LESTE: UM AUTORRETRATO

Entre julho de 2006 e dezembro de 2007 desenvolveu-se na região leste da cidade de São

Paulo um processo de pesquisa participante que envolveu mais de mil pessoas, entre

militantes, ex-militantes e pessoas próximas do Movimento de Saúde da Zona Leste da

cidade de São Paulo220.

Ressalte-se de início que, tão importante quanto a informação produzida, foi o processo da

pesquisa. Da formulação do projeto à opção pelas entrevistas individuais, da elaboração dos

questionários e preparação da equipe ao processo de campo, da análise inicial dos

resultados a sua “devolução” ao movimento, em debates e plenárias, pelas sub-regiões da

zona leste da cidade de São Paulo, envolvendo mais uma vez os entrevistados e outros

membros do movimento, buscou-se gerar um processo de aprendizado e de produção

coletiva de conhecimento221.

Visava-se, assim, um diagnóstico participativo sobre a situação do direito à saúde na região

e, simultaneamente, a construção de um perfil de dos militantes e ex-militantes do MSZL,

sua trajetória, motivações para entrada, continuidade ou saída do movimento, sua opinião

sobre vitórias e conquistas, problemas e dificuldades, além de buscar captar transformações

220

- A pesquisa contou com recursos da Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde, por meio de convênio entre a Opas e o Centro de Direitos Humanos de Sapopemba “Pablo Gonzáles Ollalla”. Uma descrição pormenorizada da pesquisa e de seus resultados encontra-se em: CDHS – Centro de Direitos Humanos do Sapopemba “Pablo Gonzáles Ollalla”. Avaliação do direito à saúde na zona leste da cidade de São Paulo: relatório técnico. São Paulo, 2007; e CDHS – Centro de Direitos Humanos do Sapopemba “Pablo Gonzáles Ollalla”. Direito à saúde na zona leste da cidade de São Paulo: relatório técnico. São Paulo, 2008. 221

- Sobre as experiências de pesquisa participante que influenciaram o projeto, e suas teorias, veja-se: BRANDÃO, Carlos Rodrigues (Org.). Pesquisa participante. 8. ed. São Paulo: Brasiliense, 2001; BRANDÃO, Carlos Rodrigues (Org.). Repensando a pesquisa participante. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1999; THIOLLENT, Michel. Crítica metodológica, investigação social e enquete operária. 2. ed. São Paulo: Pólis, 1981; THIOLLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação. 14. ed. São Paulo: Cortez, 2005; e FREIRE, Paulo et al. Vivendo e aprendendo. 8. ed. São Paulo: Brasiliense, 1985. .

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ocorridas na vida pessoal, por conta da militância, e suas opiniões atuais sobre o passado,

presente e futuro do movimento.

Figura 4 – Localização da pesquisa na região metropolitana da grande São Paulo.

Fonte: Extraído de Prefeitura do Município de São Paulo, adaptado.

Como mostra a publicação Uma fotografia222:

Na idealização do projeto tinhamos em mente realizar uma experiência que radicalizasse na produção participativa de conhecimento, o que para nós significava decidir todas as fases do processo com base no debate e ir se apropriando coletivamente dessa construção. Tudo isso com objetivo de dar início a um processo participativo de formação permanente do movimento de saúde, visando criar

222

- Revista elaborada para a divulgação dos resultados da pesquisa. MOVIMENTO popular de saúde da zona leste: uma fotografia. São Paulo: CDHS: MSZL, 2007.

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mecanismos de ampliação da consciência social, da participação e da auto-organização.

Para tanto, a pesquisa seria desenvolvida por um coletivo de 30 pesquisadores, membros do

próprio movimento, contando com apoio de três coordenadoras de campo (uma para cada

área em que se dividiu a região). Estas, juntamente com duas lideranças do CDHS e do MSZL

e um pequeno grupo de assessores, que atuaram desde o planejamento inicial da pesquisa e

seu acompanhamento até sua análise final e elaboração do caderno de resultados,

comporiam a coordenação da pesquisa223.

Na escolha dos 30 pesquisadores – na prática reduzidos a 28, já que dois deixaram a equipe,

por motivos pessoais –, buscou-se obter um grupo que pudesse atuar em toda a extensa

porção leste do município de São Paulo, onde a partir dos anos 1970 o movimento popular

de saúde foi se organizando. Com esse propósito, dividiu-se a região em três áreas, e de

cada uma vieram cerca de dez pesquisadores224.

223

- Uma lista completa dos participantes da pesquisa encontra-se no Anexo 2. 224

Embora não tenham sido definidas em referência à divisão administrativa do município, mas com base na existência de focos de organização do movimento, essas áreas podem ser assim descritas: a área 1 compreende os distritos de Ermelino Matarazzo e Ponte Rasa (subprefeitura de Ermelino Matarazzo), Vila Jacuí, São Miguel e Jardim Helena (subprefeitura de São Miguel) e Vila Curuçá e Itaim Paulista (subprefeitura de Itaim Paulista); a área 2, os distritos de Cangaíba, Penha, Vila Matilde e Artur Alvim (subprefeitura da Penha), Itaquera, Cidade Líder, Parque do Carmo e José Bonifácio (subprefeitura de Itaquera), Lajeado e Guaianases (subprefeitura de Guaianases) e Cidade Tiradentes (subprefeitura de Cidade Tiradentes); a área 3, os distritos de Belém, Mooca, Tatuapé e Água Rasa (que, junto com outros distritos, compõem a subprefeitura da Mooca); Carrão, Vila Formosa e Aricanduva (subprefeitura Aricanduva); Vila Prudente, São Lucas e Sapopemba (subprefeitura de Vila Prudente); São Mateus, Iguatemi e São Rafael (subprefeitura de São Mateus).

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Figura 5 – Zona leste e as três áreas em que foi dividida para realização da Pesquisa

CDHS/MSZL, São Paulo, 2006.

Fonte: Extraído de CDHS – Centro de Direitos Humanos do Sapopemba “Pablo Gonzáles Ollalla”. Avaliação do direito à saúde na zona leste da cidade de São Paulo: relatório técnico. São Paulo, 2007

A coordenação e o coletivo de pesquisadores optaram, como estratégia metodológica, pela

elaboração e aplicação de um questionário, que acabou sendo composto por 26 questões

fechadas e 15 questões abertas, na forma de um roteiro de entrevista. O número proposto

de 30 questionários por entrevistador, totalizando 900, além de factível, foi tomado pela

coordenação da pesquisa como altamente representativo do universo de militantes e ex-

militantes. Para a seleção dos entrevistados, optou-se por uma técnica denominada “rede”

ou “bola de neve”, pela qual cada entrevistado indicava outros três, que eram

sequencialmente procurados, até se conseguir uma entrevista, reiniciando-se em seguida o

processo. Pretendia-se assim, assumidamente, privilegiar as redes de relações existentes, e

caminhar por meio delas225.

225

Anotações da equipe coordenadora da pesquisa nas atividades preparatórias do trabalho de campo destacavam que “(...) Essa estratégia possibilita a ampliação do universo de atores participantes do diagnóstico e privilegia as redes de relações construídas entre eles, além de mostrar o que é que cada um entende por

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Especial atenção foi destinada à preparação dos agentes da pesquisa, uma vez que o

processo formativo era um dos objetivos centrais do projeto. Visando garantir condições de

deslocamento e alimentação, foram destinadas “bolsas” de apoio aos pesquisadores, o que

viria a se mostrar como uma estratégia acertada para a consecução da pesquisa. Antes do

início do campo foram realizados quatro encontros regionais, com a presença dos

coordenadores de campo (que também se reuniam semanalmente), e propiciados espaços

continuados para reflexão em grupos, oficinas de trabalho para definição e pré-testes dos

instrumentos de pesquisa e organização dos processos de trabalho. Os questionários foram

testados, debatidos e validados pelo coletivo dos pesquisadores. Uma oficina final de

capacitação ocorreu nos primeiros dias de agosto de 2006, marcando o início do trabalho de

campo. Apenas em 2006, ocorreriam cerca de 60 reuniões, além das reuniões semanais da

coordenação, que acompanharam todo o projeto.

As entrevistas aconteceram na maioria das vezes na própria casa dos entrevistados,

gerando, em diversas ocasiões, pelos relatos pessoais e dos relatórios, um emocionado

processo de reencontros e redescobertas, tanto nas entrevistas como nas reuniões plenárias

que viriam a ser realizadas.

O trabalho de campo foi concluído em novembro de 2006, com 914 militantes e ex-

militantes entrevistados.

No mês de novembro do mesmo ano, teve início o processo de difusão da informação

produzida e análise coletiva dos resultados. As questões “fechadas”, relativas ao perfil

socioeconômico e cultural dos entrevistados, foram digitadas e passaram a compor um

banco de dados, estruturado e revisado no período. Do mesmo modo, as questões “abertas”

passaram a ser sistematizadas e tipificadas pela coordenadenação com base em debates

realizados com os pesquisadores, permitindo o início da elaboração dos resultados que

seriam utilizados no processo de análise participativa, nas subregiões.

A sistematização das respostas às “questões abertas” foi concluída nos primeiros meses de

2007 e exigiu de coordenadores e pesquisadores intenso trabalho que incluiu a elaboração

movimento de saúde (deixaremos a critério das pessoas dizerem o que acham que é um participante do movimento de saúde, o que pode variar muito de entrevistado para entrevistado)”. Esta última observação tem relação direta com o modo de organização do movimento popular de saúde, não só na zona leste, mas em toda a cidade de São Paulo, e é preciso tê-la em mente para a compreensão do movimento.

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das então chamadas “pré-categorias” a partir da análise de uma amostra das entrevistas em

oficinas de trabalho, nas quais pesquisadores e coordenadoras de área debruçaram-se sobre

todas as entrevistas, com releitura dos questionários e vários debates. O esforço visava

obter categorias que pudessem captar a diversidade das manifestações dos entrevistados às

15 questões abertas. Definida essa fase, as respostas foram tabuladas e incluídas no banco

de dados.

A partir de junho de 2007 iniciou-se a fase de “devolução” da informação produzida.

Para tanto, foram organizados quatro seminários, convocados no movimento e entre os

entrevistados de cada área. Desses encontros participaram cerca de 367 pessoas, 80% das

quais haviam sido entrevistadas. Neles foram apresentados os resultados da pesquisa e

aprofundada a sua análise, visando ainda preparar o encontro anual do MSZL e a publicação

dos resultados.

Dos seminários nas regiões, duas questões nos parece muito importantes. A primeira é que o SUS é uma conquista de nossa luta e dela não arredaremos pé. O momento é de avanço. A segunda é que a saúde é determinada pelas nossas condições de vida e trabalho, pelo modo como nossa sociedade vive, se organiza e produz. Por isso a defesa do direito à saúde e a luta por uma sociedade feliz e saudável se dá junto com as demais lutas, por uma sociedade livre, justa e igualitária. Esta tem sido a nossa história, essa é a nossa bandeira226.

Em paralelo, em um processo até certo ponto dinamizado pela pesquisa, e à luz dos debates

em curso, foi organizado novo processo de eleição dos Conselhos Populares de Saúde da

região leste e sudeste, retomando a histórica experiência de auto-organização do MSZL.

A pesquisa foi um instrumento de animação para todos nós, mesmo aqueles que tinham se afastado um pouco, mas que não deixaram de acreditar nas conquistas e bandeiras que construímos e não se intimidam na hora de fazer uma reivindicação, de fazer uma luta, mesmo que pequena. Essa é a dinâmica do nosso movimento. Ele não é um órgão centralizado, criado e regido por normas escritas. Somos reconhecidos pela defesa do que pensamos e queremos, por nossa mobilização e ação227.

226

- MOVIMENTO popular de saúde da zona leste: uma fotografia. São Paulo: CDHS: MSZL, 2007, p. 31. 227

- Ibidem, p.4.

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Figura 6 – Reprodução da capa da publicação Uma Fotografia, CDHS: MSZL, 2007.

Fonte: Extraído de MOVIMENTO popular de saúde da zona leste: uma fotografia. São Paulo: CDHS: MSZL, 2007.

Em dezembro de 2007 seria realizada a plenária final da pesquisa, junto ao Encontro Anual

do MSZL, e lançada a publicação Uma fotografia, com resultados e análises.

No mesmo ato, seriam empossados 750 conselheiros populares, representando 33 bairros,

eleitos com 33.369 votos, buscando retomar esse espaço próprio do movimento,

necessidade que havia sido fortemente apontada no processo participativo de análise dos

resultados da pesquisa.

*

Das 914 entrevistas, participaram 733 mulheres (80%) e 181 homens (20%). Suas idades

variavam de 24 a 91 anos, sendo que apenas 8% tinham menos de 40 anos e 2% menos de

30, contra 76% com mais de 50 anos, representando em seu conjunto mais de 30 anos de

história do movimento.

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151

A esse respeito, como disse um dos entrevistados: “quando se tem 18 anos, saúde e doença

não são preocupações. Por outro lado, o movimento sempre teve jovens trabalhadores e

estudantes, principalmente da área da saúde, como parceiros na luta. É esse espaço para a

participação do jovem que precisa estar sempre garantido228.”

Entre as características sócio-demográficas dos entrevistados, 58% se declararam brancos,

38% negros (12% pretos e 26% pardos), 1,2% indígenas (11 pessoas) e 0,8% amarelos (sete

pessoas)229. É interessante notar que os dados do IBGE para a região metropolitana da

Grande São Paulo, para o mesmo período230, indicam que 60% das pessoas se declaravam

brancas, 30% pardas, 7% pretas, 2% amarelas e 0,4% indígenas. Em que pesem os limites de

comparação entre esses dados, que têm por base universos e histórias sociais distintos, o

achado de um maior número de pretos e indígenas autodeclarados na pesquisa do MSZL

serviu como desencadeador de debates sobre a assunção da condição negra e indígena

entre a população em geral e os militantes do movimento.

Do ponto de vista da religiosidade, 82% se declararam católicos, 9% evangélicos, 5%

espíritas, 2% sem religião, 1% adeptas de cultos afrobrasileiros e 1% com outras religiões,

denotando a força da tradição católica e de suas CEBs na conformação do movimento, em

que pese a profunda mudança de orientação dessa igreja no período mais recente.

Quanto à escolaridade, mais da metade (52%) declarou ter oito anos ou menos de ensino

formal, 36% chegaram ao ensino médio e 12% ao ensino superior. Ou ainda, em detalhe, dos

914 entrevistados, 35% tinham ensino fundamental incompleto, 15% fundamental completo

e 2% se declararam analfabetos. Do total de entrevistados, 22% completaram o ensino

médio e outros 6% realizaram cursos técnicos profissionalizantes. Dos 12% que acessaram o

nível superior, 6% o tinham completado até a ocasião da entrevista e 2% tinham pós-

graduação. Como mostra Uma fotografia, diversos entrevistados contaram que a militância

no movimento os animou a voltar a estudar e educar melhor os filhos, do ponto de vista

formal, e até mesmo a ingressar em faculdades.

228

- MOVIMENTO popular de saúde da zona leste: uma fotografia. São Paulo: CDHS: MSZL, 2007, p.14. 229

- Conforme os padrões de classificação do IBGE. 230 -

PNAD 2006, IBGE, apud MOVIMENTO popular de saúde da zona leste: uma fotografia. São Paulo: CDHS: MSZL, 2007, p. 16.

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152

Em relação ao estado civil, 60% declararam-se casados ou em união estável, 17% viúvos, 9%

divorciados ou desquitados e 13% solteiros. Quanto ao local de nascimento, um achado

surpreendeu parte dos pesquisadores: 46% dos entrevistados eram paulistas e 26% nascidos

na capital.

Figura 7 – Proporção de entrevistados por local de nascimento, MSZL, 2006.

n= 909 Fonte: Pesquisa CDHS/MSZL.

Em relação ao trabalho e às condições de vida, é interessante notar as diferentes inserções

sociais entre homens e mulheres– refletindo também diferentes perfis etários. Assim, nota-

se um número significativamente maior destas trabalhando como assalariadas ou

autônomas, em relação aos homens, quadro que se inverte em relação aos aposentados e

pensionistas. Apenas 21% das mulheres militantes e ex-militantes do MSZL trabalhavam

como “donas de casa” e era muito baixo o número de desempregados:

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153

Tabela 1 – Número e proporção de entrevistados segundo o sexo e a atividade econômica

informada, MSZL, 2006.

Atividade econômica informada

Mulheres Homens

N % N %

Assalariado, autônomo e outros 41 34

Aposentado e pensionista 25 49

Dona de casa 22 -

Renda da família 8 14

Programa social 2 1

Desempregado 1 1

Não informou 1 1

Total 100% 100%

n=914 Fonte: Pesquisa CDHS/MSZL.

Do ponto de vista do acesso a bens e serviços, é interessante notar que 7% não contavam

com telefone fixo e 57% não tinham celular, 21% não tinham máquina de lavar roupa e 61%

não tinham frízer em casa – embora só 2% não tivessem geladeira. Do total de

entrevistados, apenas 32% tinham acesso a algum tipo de plano privado de saúde – ainda

que como dependentes – contra cerca de 53% da população paulistana no período231 –, e

60% não tinham carro na família. Indicando, pelos padrões econométricos tradicionais,

pertencerem, em sua grande maioria, aos extratos menos favorecidos da população – as

chamadas camadas populares. Embora 42% das casas tivessem computador, 74% dos

entrevistados não tinham e-mail. Para além de notícias obtidas em reuniões e materiais dos

sindicatos e movimentos – muitas vezes precários – os principais meios de informação

encontrados foram o rádio, os telejornais e a grande imprensa, cuja utilização diária era de

81%, 63% e 15%, respectivamente.

231

- SILVA, Zilda Pereira da, op.cit., p.18, com base em dados da ANS.

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154

*

A pesquisa do CDHS/MSZL visava, junto à construção de um perfil sócio-econômico de seus

integrantes que, acreditava-se, passava por mudanças, avaliar coletivamente a situação do

movimento e suas perspectivas, diante de um novo tempo. Em particular, buscava

diagnosticar a situação do direito à saúde na zona leste da cidade de São Paulo e, com base

nessa compreensão, atualizar e ampliar sua capacidade de organização e de luta, ante uma

conjuntura que se mostrava adversa.

Do vasto conjunto de informações produzido, e já parcialmente apresentado e debatido em

plenárias nas subregiões e encontros do movimento, utilizaremos aqui apenas uma pequena

parte, recortada com base nas categorias de análise que norteiam este estudo, ou seja, a

questão da participação e do controle social no SUS.

Trata-se de buscar uma compreensão das mudanças ocorridas no interior do próprio

movimento, em sua base social, nesses mais de 30 anos, tanto em seu perfil sócio-

demográfico como nas características de seu ativismo. Mudanças estas que se associam

àquelas que o movimento veio imprimindo na construção do SUS, e nesse processo também

se transformando.

Para tanto, utilizaremos do recurso de construção de séries históricas, tendo por base a

variável “década de entrada no movimento”, buscando sua correspondência com os

períodos estudados nos capítulos anteriores. Desse modo, buscamos conferir historicidade

aos números apresentados, que representam coletivos sociais em movimento, que se

constituíam nos processos de luta social que lhes dão sentido.

*

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155

Um dos mais importantes achados da pesquisa CDHS/MSZL diz respeito ao significativo

ingresso de novos militantes a partir do ano 2000, indicando um processo de renovação. É

importante ressaltar que esses novos sujeitos expressavam, de modo autônomo, seu

pertencimento ao MSZL e às suas lutas, diferentemente do que poderiam avaliar alguns

antigos militantes.

O processo histórico que lhes dá origem no movimento é descrito no capítulo 5, e ocorre

especialmente junto ao processo de retomada dos conselhos gestores de unidades e

distritos à época da gestão Marta Suplicy, trazendo consigo um forte componente

institucional.

É interessante notar, na figura a seguir, as dimensões relativas do volume de ingressos no

movimento em cada década, que tem seu auge nos anos 1980, marcados ao seu final pela

vitória de Luiza Erundina à prefeitura de São Paulo, em um período de intensa participação

popular. O refluxo da década de 1990, assinalado, como vimos, pelo desmonte do SUS e dos

mecanismos de participação e controle social, à época do PAS, representaria uma das mais

adversas conjunturas da história do movimento. A primeira década de 2000, inconclusa

quando da realização do campo da pesquisa – em 2006 –, incorporaria um dos maiores

volumes de militantes de toda a história do movimento, desde a década de 1980.

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156

Figura 8 – Número e proporção de entrevistados por década de entrada, MSZL, 2006

n= 908 Fonte: Pesquisa CDHS/MSZL.

A proporção de mulheres e homens no movimento, ainda que no total acumulado seja de

4:1, apresenta variações quando se considera a década de entrada no movimento, como

mostra a figura abaixo. Deste modo, se na origem do movimento, nos anos 1970, a relação

entre mulheres e homens era de 3,7:1, a década de 1980 seria marcada por uma intensa

feminilização do movimento, atingindo 6:1, proporção que diminui, na década de 1990, para

4,5:1. É importante notar, nos anos 2000, um forte incremento da participação masculina,

que atinge 25% dos novos participantes, numa proporção de 3:1, a menor de toda série

histórica. O cruzamento dos dados de participação masculina com os de inserção econômica

indica que apenas 35% dos homens que ingressaram a partir do ano de 2001 trabalhavam

como assalariados ou autônomos. A maioria constituía-se por aposentados, e como

mostram os questionários, muitos deles somaram-se à luta do movimento de saúde depois

de ausentar-se da atuação sindical.

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157

Figura 9 – Proporção de entrevistados segundo o sexo, por década de entrada, MSZL, 2006.

n= 909 Fonte: Pesquisa CDHS/MSZL.

*

No que diz respeito à escolaridade formal por década de entrada no movimento, nota-se um

progressivo aumento no número de militantes com ensino médio, à custa das pessoas com

ensino fundamental. É interessante ainda observar, em toda a série histórica, o baixo

número de integrantes com nível superior, mesmo que incompleto, notando-se uma queda

acentuada deste número na década de 2000 comparativamente aos anos 1980. Por outro

lado, as décadas de 1990 e 2000 seriam marcadas por significativo ingresso de militantes

com nível médio, além do crescimento do número de pessoas com cursos técnicos

profissionalizantes.

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158

Tabela 2 – Número e proporção de entrevistados segundo a escolaridade, por década de

entrada, MSZL, 2006.

Escolaridade

Década do início da participação Total

1970 1980 1990 2000

N % N % N % N % N %

Analfabeto 1 1 5 2 4 2 3 1 13 1

Fundamental incompleto 60 45 121 38 60 30 78 30 319 35

Fundamental Completo 27 20 47 15 29 15 35 14 138 15

Médio Incompleto 5 4 22 7 20 10 22 9 69 8

Médio Completo 24 18 54 17 51 26 73 28 202 22

Curso profissionalizante 5 4 18 6 10 5 20 8 53 6

Superior Incompleto 3 2 13 4 7 4 10 4 33 4

Superior Completo 5 4 26 8 11 6 14 5 56 6

Pós-graduado 3 2 10 3 5 3 2 1 20 2

Total geral 133 100 316 100 197 100 257 100 903 100 n= 903 Fonte:Pesquisa CDHS/MSZL

Quanto à idade dos participantes do MSZL, a informação produzida merece destaque na

análise. Nota-se uma tendência importante de aumento das idades de ingresso no

movimento, década a década, desde os anos 1970 aos 2000.

Esse fenômeno é mais visível entre os que ingressaram com menos de 40 anos.

Relativamente, esse número que era de 72% na década de 1970, seria de 65% na de 1980,

41% na de 1990, diminuindo para 34% na de 2000. Em contrapartida, na faixa dos 50-59

anos, este número irá crescer de 4% entre os ingressantes na década de 1970 – e 8% na de

1980 – para 19% na de 1990 e 25% na de 2000. O que se repetirá, ainda que com menores

números absolutos, nas faixas dos 60-69 anos e dos 70 anos e mais.

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159

Tabela 3 – Número e proporção de entrevistados segundo a faixa etária no começo da

participação, por década de entrada, MSZL, 2006.

Faixa etária

Década de entrada no movimento

1970 1980 1990 2000

n % n % n % n %

10-19 anos 7 5 7 2 7 4 - -

20-29 anos 35 26 71 22 26 13 28 11

30-39 anos 55 41 131 41 48 24 59 23

40-49 anos 28 21 81 26 71 36 73 29

50-59 anos 5 4 26 8 37 19 64 25

60-69 anos 3 2 1 0 9 5 27 11

70 anos ou + - - - - - - 5 2

Total 133 100 317 100 198 100 256 100

n=904 Fonte: Pesquisa CDHS/MSZL.

Evidentemente, o acumulado com o envelhecimento provocado pelo passar das décadas,

levaria a um quadro no qual, em 2006, apenas 2% dos membros do MSZL teriam menos de

30 anos (contra 31% nos anos 1970) e 76% mais de 50 anos (contra 6% nos anos 1970),

como pode ser visto na tabela a seguir:

Tabela 4 – Número e proporção de entrevistados por faixa etária, MSZL, 2006.

Faixa etária N %

20-29 anos 20 2

30-39 anos 54 6

40-49anos 145 16

50-59 anos 274 30

60-69 anos 272 30

70 anos ou + 149 16

Total 914 100

n=914 Fonte: Pesquisa CDHS/MSZL.

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Note-se ainda que a renovação do movimento, a partir dos anos 2000, manteria esta

tendência. Dos ingressantes nesse período, 38% teriam 50 anos ou mais, e 13% mais de 60

anos, refletindo um ingresso menor de pessoas mais jovens.

*

Uma questão importante da pesquisa – e preocupação fundamental do MSZL – era

identificar as motivações que levaram indivíduos singulares a se mobilizar e constituir como

movimento social. A tabela a seguir busca agregar as principais respostas.

Tabela 5 – Principais categorias de motivos para participação no movimento, por década de

entrada, MSZL, 2006.

Principal motivo para o início da participação Década de entrada

1970 1980 1990 2000

Infraestrutura para o bairro/melhoria da qualidade de vida 22% 13% 11% 9%

Melhoria do acesso/luta por serviços de saúde 13% 9% 7% 5%

Melhoria da qualidade dos serviços de saúde 5% 9% 14% 12%

Luta por direitos/transformação e justiça social/participação/SUS

13% 9% 11% 9%

Necessidade de ajudar ao próximo/contribuir com a comunidade

13% 10% 11% 16%

Atuação anterior na igreja e/ou CEBs 13% 14% 9% 3%

Convite 10% 17% 18% 23%

Busca de conhecimento/conscientização (para si e para os outros)

2% 5% 7% 7%

Atuação anterior em movimentos sociais e/ou sindicais 2% 7% 4% 5%

Busca de participação em grupo social 1% 2% 2% 2%

Problemas de saúde pessoais e/ou de familiares e conhecidos 3% 2% 5% 4%

Outros motivos 2% 3% 4% 5%

Não respondeu 0% 0% 1% 1%

Total 100% 100% 100% 100% n= 908 Fonte: Pesquisa CDHS/MSZL.

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161

Notem-se aqui grandes mudanças no “principal motivo para o início da participação” no

decorrer das décadas. Especialmente o forte contraste entre os anos 1970 e os anos 2000,

motivado em grande parte pelas próprias conquistas dos movimentos sociais no período.

Assim, a década de 1970 teria, ainda sob a ditadura, a luta por melhores condições de vida,

pelo direito a serviços de saúde e pela democracia como as principais motivações de

ingresso das pessoas, constituindo desse modo as raízes do MSZL. Atente-se também para o

forte papel das CEBs, que continuará se fazendo presente pela década de 1980.

Deste modo, é importante observar as mudanças na frequência, como motivo de ingresso,

do “direito de acesso a serviços de saúde” e “infraestrutura para o bairro/melhoria da

qualidade de vida” década a década, em visível decréscimo, em contraste com “melhoria da

qualidade dos serviços de saúde”, que cresce fortemente a partir da década de 1990, junto à

motivação “necessidade de ajudar ao próximo/contribuir com a comunidade”, nos anos

2000 – que refletem a progressiva conquista de serviços de saúde, melhoria da

infraestrutura dos bairros e melhores condições de vida - além da própria consolidação do

SUS.

Note-se ainda a profunda queda na influência da igreja católica sobre o movimento: fator

determinante da participação de 13% dos militantes nos anos 1970, é apontada como

motivadora da participação por 3% dos ingressantes após 2001.

É interessante ainda mencionar a presença da categoria “convite” como principal motivo de

participação. Aparentemente vago, o termo foi utilizado espontaneamente como o

animador da participação de 10% das pessoas que entraram no movimento na década de

1970, chegando a 23% nos anos 2000. A referência, útil para os ativistas do movimento, está

expressa em relatos como “(...) e então recebi um convite, não quis fazer desfeita e fui.

Gostei. Aquilo foi mexendo comigo e até hoje continuo participando (...) agora com muito

mais informação e consciência” ou “(...) deixei de participar porque nunca mais fui

convidada”.

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162

Figura 10 – Proporção de entrevistados que participavam do movimento à época da

pesquisa, por década de entrada, MSZL, 2006.

n= 904 Fonte: Pesquisa CDHS/MSZL.

É sempre importante ressaltar a não linearidade e o ritmo próprio dos movimentos sociais,

diferentes entre si e em suas reações aos diversos contextos e conjunturas. A pesquisa

analisa a participação ou não dos militantes do MSZL em uma específica conjuntura, a do

ano de 2006, tratada no capítulo 6, com base nas respostas oferecidas no contexto de cada

entrevista.

Nesse aspecto, chama atenção a presença ainda ativa, naquele momento, de 42% das

pessoas que constituíram o movimento ainda nos 1970, parcela proporcionalmente superior

à dos que continuaram a participar tendo entrado nos anos 1980 e semelhante à dos

participantes que chegaram na década de 1990. Trata-se aqui da autodenominada “velha

guarda” do movimento, ainda ativa, apesar do longo caminho percorrido e dos muitos anos

já vividos.

Os que começaram a participar do movimento na década de 1980, em maior número, têm

proporcionalmente a menor presença relativa, 36%. Entre os que ingressaram no

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163

movimento nos anos 1990, 43% se mantêm em atividade. O maior contingente relativo em

atividade ficou com os que chegaram depois de 2001: 58%.

Visto de outro modo, considerando-se agora a soma dos participantes ativos no momento

da entrevista, de todas as décadas (n=407), o maior volume presente, em números

absolutos, viria daqueles que ingressaram na década de 2000, que representavam cerca de

36% do total de militantes em atividade, aos quais se somariam cerca de 28% provenientes

dos anos 1980, 21% dos anos 1990 e 14% vindos da década de 1970.

*

Por outro lado, é importante analisar os motivos de não participação, ao menos no

momento da entrevista, de um contingente expressivo de militantes, que também se

distribui de modo desigual entre os ingressantes nos quatro períodos considerados, que

como vimos, vivenciaram diferentes experiências.

Tabela 6 – Principal motivo para deixar de participar do movimento à época da entrevista,

por década de entrada, MSZL, 2006.

Principal motivo para a não participação Década de entrada

1970 1980 1990 2000

Problemas de ordem pessoal 66% 69% 67% 55%

Problemas relacionados com o MSZL 22% 21% 17% 26%

Problemas relacionados com a população 5% 1% 1% 0%

Problemas relacionados com o poder público 3% 3% 6% 6%

Problemas nas instâncias de controle social 1% 0% 2% 2%

Outros 3% 5% 7% 12%

Total 100% 99% 100% 101% n=409 Fonte: Pesquisa CDHS/MSZL.

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164

Note-se que os problemas de ordem pessoal foram indicados como a principal causa de não

participação à época da entrevista, merecendo uma análise mais detalhada. Por outro lado,

os afastamentos por problemas relacionados com o próprio movimento também são

expressivos, mostrando-se mais significativos para aqueles que ingressaram após o ano de

2000 (26%).

Entre os problemas relacionados com o próprio movimento, destacavam-se três: a crítica a

uma possível partidarização do movimento, cujos membros, em sua maioria, e desde sua

origem, têm fortes vínculos com o PT, tendo participado ativamente de sua criação – diante

de uma sensível queda no número de filiados a partidos no período mais recente; a

transformação de lideranças populares em militantes de mandatos parlamentares, trazendo

para o interior do movimento disputas externas a ele e conflitos de interesses, e, por fim,

problemas organizativos de variadas naturezas que, pela sua cronicidade, pareciam a muitos

insolúveis232.

Por outro lado, ressaltam-se entre os principais motivos de ordem pessoal para o

afastamento do movimento, aqueles ligados a questões de gênero, como o afastamento da

militância por oposição familiar, o cuidar de parentes e a dupla jornada de trabalho, que se

oculta no “trabalhar fora”. Também é significativa, ainda que usual nos movimentos sociais,

a mudança de militância para outras áreas, que aqui envolveu 9% das respostas.

232

- Carlos Neder faz um levantamento detalhado da situação organizativa e material do movimento, marcada, de modo geral, pela precariedade de recursos materiais e financeiros, e pela informalidade. Em relação aos partidos políticos, das 19 microrregiões de toda a cidade de São Paulo por ele estudadas, em 1995, 89,5% mantinham contatos frequentes, sendo que 13 mencionaram o PT, quatro o PCdoB, quatro o PSDB, além de menções ao PSB, PTB, PPB e Progressistas (sic). Quatorze das dezenove microrregiões não contavam com membros profissionalizados, que somavam então apenas cinco pessoas, duas pagas pelo próprio movimento ou entidade de apoio e outras três por parlamentares, apud NEDER, Carlos Alberto Pletz, op. cit., p. 52-63.

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165

Figura 11 – Principal motivo de ordem pessoal para deixar de participar do movimento à

época da entrevista, MSZL, 2006.

n=328 Fonte: Pesquisa CDHS/MSZL.

*

No que se refere ao impacto da participação no movimento na vida de cada pessoa e

tomando-se, por ora, o conjunto das entrevistas, observa-se a capacidade transformadora

dessa atividade, que na maioria das vezes abre horizontes, gerando consciência, autonomia,

autoestima e conhecimento, vínculos de solidariedade e novas possibilidades de ser no

mundo.

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166

Figura 12 – Principais mudanças que a participação no movimento de saúde trouxe para a

vida pessoal, MSZL, 2006.

n= 899 Fonte: Pesquisa CDHS/MSZL.

Relatos como os que seguem233, extraídos das entrevistas, revelam a força das experiências

vividas na luta social também marcadas por desilusões e derrotas que junto com as

vitórias mesmo que aparentemente pequenas ou parciais constituem a matéria dos

processos de formação de consciência e conferem sentidos à mudança:

“Com a força do movimento, conseguimos pavimentação de ruas, acabar com o esgoto a céu aberto, uma creche (...)” “(...) impedimos a construção do cadeião e conquistamos a Fatec (...)” “Compreendi que as soluções não são isoladas, compreendi o mundo e a sociedade.” “Comecei a me assumir como negra e como mulher.”

233

- Extraídos de MOVIMENTO popular de saúde da zona leste: uma fotografia. São Paulo: CDHS: MSZL, 2007.

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167

É interessante notar que mais de 90% dos entrevistados fazem referência a conquistas do

movimento, cuja percepção irá variar, mais uma vez, de modo importante com a década de

entrada – marcando uma diferença entre aqueles que ingressaram no movimento nas

décadas de 1970 e 1980 e aqueles que entraram nos anos 1990 e 2000.

Tabela 7 - Principal conquista por década de entrada, MSZL, 2006.

Conquistas do movimento de saúde Década de entrada

1970 1980 1990 2000

Ampliação e conquista de direitos (SUS, infraestrutura e qualidade de vida para o bairro/região, participação e controle social, consciência e organização popular)

34% 29% 23% 24%

Melhoria do acesso / extensão de cobertura de serviços de saúde (hospitais, UBSs, PSF, medicamentos, vacinação, outras ações de saúde)

45% 47% 41% 33%

Melhoria da qualidade dos serviços de saúde (humanização, programas para idosos, mulheres, saúde mental, saúde bucal e de outras ações)

14% 16% 15% 21%

Não houve conquistas / houve poucas conquistas 5% 4% 10% 11%

Outras respostas 2% 4% 9% 9%

Total 100% 100% 100% 100%

n= 853 Fonte: Pesquisa CDHS/MSZL.

Assim, para além das mudanças nas percepções entre acesso/extensão de cobertura e

qualidade dos serviços, já vistas anteriormente, note-se uma tendência, no decorrer das

décadas, de diminuição da importância relativa do agregado “ampliação e conquista de

direitos”, entre os quais o SUS, que varia de 34% entre os que ingressaram na década de

1970 para 23-24% no caso dos que iniciaram a participação nas décadas de 1990 e de 2000.

Nesse conjunto de dados, chama ainda atenção a ampliação daqueles que afirmavam que

“não houve conquistas/houve poucas conquistas”. Os percentuais das duas primeiras

décadas (5% em1970, 4% em1980) dobram nas últimas décadas (10% em 1990, 11% em

2000), indicando essa percepção num grupo significativo que mantém identidade com o

MSZL. Desagregando-se esses dados entre ativos e não ativos no momento da entrevista,

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168

nota-se que provém destes últimos, os não ativos, o maior volume de respostas negativas,

em uma proporção de 2:1 entre os que ingressaram nas décadas de 1990 e 2000.

Tabela 8 - Entrevistados que responderam que não houve conquistas/houve poucas

conquistas segundo a participação atual ou não no movimento, por década de entrada,

MSZL, 2006.

1970 1980 1990 2000 Total

N % N % N % N % N %

NP* 2 2% 8 3% 12 7% 16 7% 38 4%

P** 5 4% 3 1% 6 3% 9 4% 23 3%

Total 7

11

18

25

61

n= 61 Fonte: Pesquisa CDHS/MSZL. Notas: * NP - não participante do movimento no momento da entrevista. ** P - participante do movimento no momento da entrevista.

*

A participação em conselhos gestores se mostraria relativamente alta entre ingressantes de

todas as décadas, ainda que com intensidade maior nos anos 1990 e 2000. Em termos

absolutos, haveria, no conjunto, um maior número de participantes egressos das décadas de

1980 e 2000, como vimos referidas a épocas de criação/retomada de conselhos gestores.

Note-se ainda que 39% dos participantes em conselhos gestores ingressaram no movimento

na década de 2000.

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169

Figura 13 – Membros de conselho gestor à época da pesquisa, por década de entrada, MSZL,

2006.

n= 394 Fonte: Pesquisa CDHS, 2007.

*

Em relação aos conselhos populares de saúde, nota-se uma variação também desigual

conforme a década de ingresso. Em termos relativos, ela será mais intensa entre os egressos

das décadas de 1970 e 1990, períodos de ainda inexistência ou de bloqueio dos conselhos

gestores.

Por outro lado, em números absolutos, nota-se que os maiores contingentes de

participantes dos conselhos populares são relativos aos que ingressaram nas décadas de

1980 e 2000, que somados correspondem a cerca de 61% do total de conselheiros populares

em 2006. Vista década a década, cerca de 15% seriam provenientes dos anos 1970, 23% dos

anos 1980, 23% dos anos 1990 e 38% dos anos 2000, período de entrada do maior

contingente ativo.

Note-se ainda que cerca de metade dos que ingressaram no movimento a partir dos anos

2000 participavam em 2006 de conselhos populares de saúde.

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Figura 14 – Membros de conselho popular de saúde à época da pesquisa, por década de

entrada, MSZL, 2006.

n=397 Fonte: Pesquisa CDHS/MSZL.

*

A figura a seguir busca sintetizar a presença do conjunto dos entrevistados em outros

espaços participativos, para além da saúde, suas proporções relativas e seus movimentos

internos no tempo.

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Figura 15 – Participação em outros movimentos, conselhos, sindicatos e partidos políticos,

por década de entrada, MSZL, 2006.

n= 914 Fonte: Pesquisa CDHS/MSZL. Nota: Respostas múltiplas.

Tomada no conjunto, a figura indica uma diminuição progressiva do volume dessa

participação já a partir dos militantes egressos da década de 1990, atingindo seu mais baixo

patamar com os egressos dos anos 2000.

Essa diminuição é mais visível na filiação a partidos políticos, que cairá de 51%, entre os

ingressantes nos anos 1970, para 29% entre os que ingressaram no pós-2001. O mesmo

ocorrerá com a participação em movimentos das igrejas – notamente a católica –, que cairá

de 52% para 43% considerando-se os que passaram a atuar nas décadas de 1980 e de 2000.

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172

Ainda considerando estes períodos, a participação no movimento sindical cairá de 14% para

5%. E embora a participação em conselhos fora da área de saúde tenha se mantido

relativamente estabilizada no mesmo período, ocorreria uma diminuição de 4 a 6% na

participação em outros movimentos sociais, considerando todas as décadas anteriores.

Atente-se para o fato de que esses dados expressam mudanças qualitativas, não apenas na

composição social do movimento, mas com reflexos em sua ação política e expressão social.

Por fim, retomamos o conjunto dos entrevistados, buscando pistas sobre propostas para o

futuro do movimento.

Tabela 9 – Propostas de ação mais frequentes visando o direito à saúde, MSZL, 2006.

Ações propostas %

Reivindicação e denúncia 26%

Mobilização, organização e união 25%

Novas estratégias, novas bandeiras 11%

Conscientização e informação 9%

Fiscalizar os serviços de saúde e o cumprimento das leis 3%

Fortalecer as instâncias de participação 3%

Resgatar formas de organização do início do movimento 2%

Articular-se com outros movimentos populares 2%

Outras respostas 19%

Total 100% n= 914 Fonte: Extraído de MOVIMENTO popular de saúde da zona leste: uma fotografia. São Paulo: CDHS: MSZL, 2007, p. 30.

Note-se aqui, em sua quase totalidade, um conjunto de propostas centradas em uma

perspectiva da mobilização e de luta por direitos que, expressando-se à época das

entrevistas, retomam antigas raízes que, desde sua origem, têm dado sentido ao

movimento, e que continuam se fazendo presentes.

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173

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Se voceis pensa que nóis fumos embora Nóis enganemos voceis

Fingimos que fumos e vortemos Ói nóis aqui traveis

marchinha cantada nas manifestações do movimento234

.

Muitos estudos já falaram da crise dos movimentos populares, de seu fantasma e mesmo de

seu fim. Nesta pesquisa pudemos apreender sua presença, junto a todo o processo de

constituição do SUS, desde suas origens – especialmente naquilo que constitui sua principal

marca distintiva – seus mecanismos de participação e controle social.

Entre todos os “achados” da pesquisa, um merece destaque inicial: em que pesem todos

seus limites e dificuldades, o MSZL se mostrava vivo, atuante, em renovação e passando por

mudanças. Mudanças que são em parte resultado de suas próprias conquistas, que também

o transformavam, impactando sua base política e social.

A pesquisa mostra um incremento de 28% no total de seus membros, entre 2000 e 2006, o

maior desde a década de 1980. Renovação que traz consigo uma série de mudanças, como o

aumento da participação masculina – cujo ingresso passa a ser de um homem para cada três

mulheres, além de um crescimento da escolaridade de nível médio, com a incorporação de

um número significativo de técnicos e técnicas. O conjunto de indicadores sócio-

demográficos dos entrevistados, por sua vez, indica que, em que pesem todas as mudanças,

o MSZL continua sendo um movimento social de forte base popular.

234

- Recuperada pelo documento Músicas de Protesto, durante a pesquisa. A marchinha é de autoria de Geraldo Blota e Joseval Peixoto. Pode ser acessada na interpretação dos Demônios da Garoa em http://www.letras.com.br/#!demonios-da-garoa/oi-nois-aqui-traveis (acessada em 25/março/2013).

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174

Note-se ainda a progressiva entrada de pessoas mais velhas, especialmente no período mais

recente. Se nos anos 1970 apenas 2% dos participantes tinha mais de 60 anos, esse número

passaria a 13%, após 2000. Ou ainda, 38% dos novos ingressantes teriam mais de 50 anos,

contra apenas 6% no início do movimento. Dos 914 entrevistados, em 2006, apenas 8%

tinham menos de 30 anos. Nota-se assim um evidente deslocamento etário do conjunto do

movimento que, embora não seja um problema em si, necessita ser considerado,

especialmente em sua relação com a juventude e com os demais movimentos.

Outro conjunto de mudanças diz respeito às motivações de entrada no movimento e

algumas características de seu ativismo. Se nos anos 1970 eram as lutas por melhores

condições de vida, infraestrutura para os bairros e serviços de saúde que constituíram o

movimento, ainda sob a ditadura, ocorrerá, em parte fruto de suas próprias conquistas, uma

inversão rumo à qualidade dos serviços, com base em novas necessidades, trazendo consigo

questões como a mudança do modelo assistencial, da saúde da mulher, da saúde mental e

do trabalhador, da participação e dos conselhos de saúde, questões por vezes antigas que

emergem de novas formas, em um novo tempo, ainda marcado pelas lutas que garantiram

sua possibilidade.

Outra tendência importante diz respeito à diminuição da participação em outros

movimentos, para além da saúde, já visível entre os egressos dos anos 1990, e que se

expressará com mais intensidade entre os novos ingressantes dos anos 2000, com reflexos

importantes em toda a dinâmica do movimento. Tomando como polos os anos 1970 e os

anos 2000, a militância partidária terá uma queda de 51% para 29%, a militância em

movimentos da igreja cairá de 52% para 43%, e a militância no movimento sindical diminuirá

de 16% para apenas 5%.

Enquanto isso, no âmbito da saúde, a militância nos conselhos gestores virá a consumir

grande parte das energias do movimento, mobilizando entre 63% e 68% de seus membros

ativos, proporção significativamente maior que a dos militantes nos conselhos populares,

que embora ativos e mantendo seu processo de renovação, vêm apresentando tendência à

queda de participação no período mais recente. Considerando a história do movimento,

reside aqui seu maior risco – a diminuição de sua capacidade de organização livre e

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175

independente diante das demandas da participação institucional, com todos os problemas

que daí podem advir.

Os dados indicam ainda um conjunto de militantes que não vivenciou as experiências e lutas

das décadas anteriores, tendo ingressado no movimento no período pós-2001,

especialmente a partir da (re)construção dos conselhos gestores distritais e de unidades. Por

outro lado, esse grupo mostra forte identificação com os princípios do SUS e sua defesa,

vivenciando, à época das entrevistas, um período adverso, marcado pelo avanço das OSs e

sua impermeabilidade à participação e ao controle social.

*

O percurso da pesquisa possibilitou identificar a presença do MSZL em todo o processo de

constituição do SUS, desde suas origens, em especial na conquista de seus mecanismos de

participação e controle social, e ainda em sua efetivação e defesa, reforçando os

pressupostos e hipóteses iniciais. Nesse sentido, cabe ainda destacar a importância do MSZL:

na criação dos primeiros conselhos populares de saúde, experiência que rapidamente

se difundiria, e se tornaria exemplar aos demais movimentos de saúde, servindo de

de base ao desenho dos futuros conselhos institucionais, especialmente quanto à

representação paritária entre usuários e demais segmentos, à presença marcante da

participação popular e à inclusão dos trabalhadores da saúde e gestores em sua

composição, constituindo-se, do ponto de vista da democracia participativa, na

primeira e mais importante experiência de controle público de políticas sociais no

Brasil.

na defesa dos princípios do SUS e na resistência às ofensivas neoliberais dos anos

1990 e 2000, especialmente ante às propostas de desmonte dos princípios

constitucionais do SUS e da implantação do PAS e das OSs.

na luta pelo caráter deliberativo do Conselho Municipal de Saúde e das conferências;

bem como na capacidade e ousadia de transformar essas instâncias em espaços de

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resistência, local de disputa e de expressão dos conflitos e das lutas sociais, em

muitos momentos, como na resistência ao PAS.

O estudo mostra ainda a presença simultânea, e em disputa, de diferentes projetos de

participação, em especial da participação instrumental, herdeira da medicina comunitária, e

da participação que almeja caráter deliberativo e que é potencialmente fundada em

princípios emancipatórios – com origem nos movimentos e na luta social, portadora de

projetos políticos de novas práticas de saúde e de uma nova sociedade.

Observa-se ainda fortes resistências ao caráter deliberativo dos conselhos, que se expressam

em todo um conjunto de tentativas de esvaziamento, desqualificação, colonização e

controle por parte de governos contrários à participação. Bloqueios que se tornam mais

evidentes a partir da implantação das OSs, instituições avessas à participação direta e ao

controle público, e que buscam reduzi-los a mecanismos de prestação de contas, ou

accountability, de contratos de gestão também elaborados sem participação social, livres do

debate público, buscando substituir sua dimensão política por uma dimensão técnica e

contábil, na contramão dos princípios do SUS.

*

Desde 1999, quando da “batalha de Seattle”, passando pelas várias edições do Fórum Social

Mundial, pela “primavera árabe” e pelos movimentos Occupy, há sinais de emergência de

um novíssimo sujeito social, com característica ao mesmo tempo global e local, que vem se

destacando na luta contra o neoliberalismo, e indicando um possível novo ciclo de lutas

sociais. Nesse novo cenário, também marcado por forte crise do capitalismo financeiro,

movimentos sociais e populares vêm se fazendo presentes, conquistando espaços e mesmo

governos, como é o caso de vários países da América do Sul.

O MSZL, por sua vez, não ficou preso ao passado, e sabe dele tirar sua força, modificando-se

e trazendo à pauta novas questões – que podem ajudá-lo a se atualizar e se reinventar,

nesse novo tempo. Nessa articulação com os demais “novos sujeitos sociais” – já não tão

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novos – e com setores expressivos dos movimentos sindicais, dos governos progressistas –

que ajudou a eleger – e dos novíssimos movimentos sociais e da juventude, reside uma das

possibilidades de construção daquilo que o MSZL aponta, desde os anos 1970 – uma

sociedade mais livre, justa, feliz, saudável e igualitária.

*

Para tanto, do ponto de vista da luta pela saúde, trata-se de atualizar o movimento, visando

a construção de uma base social e política capaz de sustentar o projeto contra-hegemônico

que é o SUS, e nele garantir a efetivação da participação e do controle social, servindo de

exemplo às demais políticas públicas, e abrindo possibilidades à construção de um novo

tempo.

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189

ANEXOS

ANEXO 1 – Questionário da pesquisa do CDHS/MSZL 190

ANEXO 2 – Participantes da equipe da pesquisa do CDHS/MSZL 203

ANEXO 3 – Lista de entidades participantes do I Encontro por melhores condições de Saúde, São Paulo 205

ANEXO 4 – Número e distribuição de vagas para a sociedade civil previsto para a 8ª Conferência Nacional de Saúde, Brasília 206

ANEXO 5 – Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa 211

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190

ANEXO 1

QUESTIONÁRIO DA PESQUISA CDHS/MSZL

Nome do pesquisador(a)

Entrevista n° Data / /2006 Tempo da entrevista

1. IDENTIFICAÇÃO

Nome

Endereço

Bairro

CEP -

Telefone - Celular -

E-mail

Nascimento

Data / / Cidade

Estado

Se não nasceu em São Paulo, em que ano veio morar nesta cidade?

Sexo Feminino Masculino

Cor (autoreferida) Branca Preta Parda

Amarela Indígena

Escolaridade Analfabeto

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191

Fundamental incompleto, cursou até a

ª série

Fundamental completo

Médio incompleto, cursou até a ª série

Médio completo

Técnico profissionalizante

Qual?

Superior incompleto

Superior completo

Qual?

Pós-graduação

Qual?

Profissão

Atividade atual (fonte de renda)

Religião (pode ter mais de uma)

Afrobrasileira

Católica

Espírita

Evangélica. Qual?

Não tem religião

Outra. Qual?

Estado civil Solteiro(a) ou sem união estável

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Casado(a) ou com união estável

Viúvo(a)

Divorciado(a)

Desquitado(a)

Condições de vida (marcar com um x quando a pessoa possuir)

Telefone fixo Telefone fixo

Rádio Televisão Videocassete DVD

Geladeira Frízer Máquina de lavar

Computador Acesso à internet em casa

Carro Plano ou convênio de saúde

Sua moradia é

Própria, já quitada

Própria, financiada

Alugada

Cedida

Outros. Qual?

Quantas pessoas residem na sua moradia?

Quantos cômodos são utilizados como dormitório na sua moradia?

Fontes de informação

Você usa internet? Sim Não

Você acessa e-mail? Sim Não

Você assiste a telejornais? (ler as alternativas)

Todos os dias

Três vezes por semana

Uma vez por semana

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193

Não assiste

Você lê jornais? (ler as alternativas)

Todos os dias

Três vezes por semana

Uma vez por semana

Eventualmente

Não lê

Você ouve rádio? Sim Não

Se responder que sim, quais as 3 emissoras de rádio que mais ouve:

1.

2.

3.

Lazer

O que você faz quando tem tempo livre?

2. PARTICIPAÇÃO NO MOVIMENTO DE SAÚDE

Em que década você começou a participar do Movimento de Saúde?

1970

1980

1990

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194

A partir de 2000

Que idade você tinha quando começou a participar do Movimento de Saúde?

10 -19 anos

20 -29 anos

30 -39 anos

40 -49 anos

50 -59 anos

60 -69 anos

70 anos ou mais

Você trabalhava fora quando começou a participar do Movimento de Saúde?

Não

Sim. Em que trabalhava?

O que levou você a participar do Movimento de Saúde?

Você alguma vez já foi membro de:

Conselho Popular de Saúde Não

Sim.

Onde?

Conselho Gestor Não

Sim.

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195

Onde?

Conselho Municipal de Saúde Não

Sim. Onde?

Você atualmente é membro de:

Conselho Popular de Saúde Não

Sim.

Onde?

Conselho Gestor Não

Sim. Onde?

Conselho Municipal de Saúde Não

Sim. Onde?

Você atualmente participa do Movimento de Saúde?

Sim

Não

As próximas quatro perguntas devem ser feitas apenas aos entrevistados(as)

que responderam SIM, que participam atualmente do Movimento de Saúde.

Por que motivos você participa do Movimento de Saúde?

Em sua opinião, como está atualmente o Movimento de Saúde?

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196

De acordo com sua resposta anterior, a que você atribui essa situação?

De quantas reuniões ligadas às atividades do Movimento de Saúde você participa

em média por mês?

A próxima pergunta deve ser feita apenas aos entrevistados(as)

que responderam NÃO participam atualmente do Movimento de Saúde.

Por que você deixou de participar das atividades do Movimento de Saúde?

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197

As próximas perguntas devem ser feitas a todos(as) os(as) entrevistados(as)

Em sua opinião, quais foram as conquistas do Movimento de Saúde?

Em sua opinião, quais são os principais problemas e dificuldades que o

Movimento de Saúde enfrenta atualmente?

3. SOBRE OS DIREITOS À SAÚDE

Em relação à saúde, quais direitos você considera que estão garantidos na região

em que você mora?

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Ainda em relação à saúde, quais direitos você considera que ainda não estão

garantidos na região em que você mora?

Em sua opinião, por que esses direitos não estão garantidos?

O que você considera que o Movimento de Saúde pode fazer para que todos esses

direitos sejam garantidos?

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199

4. SITUAÇÃO ATUAL DE DIREITOS ESPECÍFICOS

Como está o acesso aos serviços de especialidades médicas do Sistema Único de

Saúde (SUS) na região em que você mora?

Como está a distribuição de medicamentos nas unidades de saúde da região em que

você mora?

5. PARTICIPAÇÃO EM OUTROS MOVIMENTOS SOCIAIS, CONSELHOS E ENTIDADES

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200

Você atualmente participa de outros movimentos ou entidades populares?

Não

Sim. Quais?

Você atualmente participa de algum conselho fora da área de saúde?

Não

Sim. Quais?

Você atualmente participa de algum sindicato?

Não

Sim. Qual?

Você atualmente participa de movimentos ou atividades ligados à sua igreja?

Não

Sim. Quais?

O que mudou na sua vida com a participação em entidades e movimentos

populares?

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5. QUESTÕES SUPLEMENTARES

Você já trabalhou em assessoria a algum mandato parlamentar?

Sim

Não

Você trabalha atualmente na assessoria a algum mandato parlamentar?

Sim

Não

Você é filiado a algum partido político?

Sim

Não

Você tem em casa algum material sobre a história do Movimento de Saúde?

Cartilhas

Fotografias

Slides

Fitas de vídeo

Outros. Quais

Gostaríamos que você nos indicasse 3 pessoas da região em que você mora que participam ou

participaram do Movimento de Saúde para que elas também sejam entrevistadas.

1. Nome

Endereço

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202

Telefones

2. Nome

Endereço

Telefones

3. Nome

Endereço

Telefones

Centro de Direitos Humanos de Sapopemba “Pablo Gonzáles Olalla”

Movimento Popular de Saúde da Zona Leste

Comentários do(a) pesquisar(a)

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ANEXO 2

PARTICIPANTES DA EQUIPE DA PESQUISA

PELAS ENTIDADES PROMOTORAS:

Cláudia Maria Afonso de Castro (MSZL)

Ivaneide Carvalho (CDHS)

ASSESSORES:

José João Lanceiro da Palma (SGEP / MS)

Marisilda Silva (ALESP / SP)

Paulo Antonio de Carvalho Fortes (FSP / USP)

COORDENADORAS:

Ana Maria de Oliveira Campos

Lucirene Aparecida Carignato

Roberta dos Reis Neuhold

PESQUISADORAS E PESQUISADORES

Ana Gloria Oliveira M de Aniz

Aparecida Lucia dos Santos Alves

Fernanda Cristina L do Nascimento

Íris Helena Camilo da Silva

Laise Cunha Camilo da Silva

Luzia da Silva Pinto

Manoela Alexandrina dos Santos

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Manoela Marques Silva

Maria Algaba de Lima

Maria Áurea Negreiros do Nascimento

Maria da Cruz Santos Silva de Souza

Maria da Trindade Mampim

Maria Ferreira dos Santos (Alda)

Maria Leda dos Santos

Maria Luzanira

Maria Macedo da Costa

Marli Mejia Laranjeira

Matilde Aires Chaves

Mirta Maria Gonzaga Fernandes

Osvaldina Batista dos Santos

Prudenciana Martins Apariz

Roseli Aparecida Pinto

Ruth Geraldina C de Souza

Severino Ramos da Silva

Silvia de Oliveira Florencio

Silvia Nogueira Lourenço

Sonia Aparecida Cipriano

Sueli Ribeiro Martinho

Valeria Paganele dos Santos

APOIO ADMINISTRATIVO:

Maria Helena Moraes de Souza

Suzana Rodrigues De Aldemir

BANCO DE DADOS:

Miriam Regina de Souza

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ANEXO 3

LISTA DE PARTICIPANTES DO 1º ENCONTRO POR MELHORES

CONDIÇÕES DE SAÚDE, SP, 1978

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ANEXO 4

NÚMERO E DISTRIBUIÇÃO DE VAGAS PARA A SOCIEDADE CIVIL

PREVISTO PARA A 8ª CNS

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208

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(cont.)

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ANEXO 5

PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA SOBRE O PROJETO DE PESQUISA

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