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LUX OPUS MAGICUM: AS CADEIAS 1 A finalidade das cadeias mágicas é a de formar uma força fluídica coletiva, potencialmente maior do que aquela de que poderia dispor cada um dos componentes operando isoladamente, e assim poder ser utilizada por cada indivíduo participante. Uma cadeia se forma pela “sintonia” dos elementos componentes, quando existe a identidade ou a correspondência, conforme a lei dos números, da atitude interior ou do rito praticado por mais pessoas, seja operando conjuntamente em recolhimento, seja operando em locais diferentes, ainda que uma não saiba da outra, contanto que sejam rigorosamente observadas as normas dos tempos e dos ritos. Uma cadeia pode ser formada intencionalmente e cerimonialmente quando uma ou mais pessoas estabeleçam sua finalidade e determinem adequadamente o rito conforme as normas tradicionas. É também possível a formação espontânea de uma cadeia, assim como é possível que uma pessoa pertença de fato a ela e não o saiba 2 . Neste caso, a condição é uma correspondência de vibrações sutis, que por si só basta para estabelecer o estado de relação e que prescinde de distâncias espaço-temporais. A força coletiva da cadeia constitui um ente verdadeiro e próprio a serviço de quem a formou; é uma coagulação de luz astral, que pode projetar-se em uma “figura” psíquica, e que está estreitamente ligada aos símbolos e às fórmulas que em uma certa comunidade a escola ou tradição iniciática serviu para “fixar”. Para tanto, pode acontecer que o simples traçado de alguns signos tradicionais, ou a simples pronúncia de nomes ou de invocações em circunstâncias aptas, ainda que por parte de um profano, possam provocar fenômenos de iluminação, de aparições ou de realizações aparentemente inexplicáveis. Em uma cadeia mágica estabelecida conscientemente e operante, a força fluídica é o MERCÚRIO em relação ao SOL de um Dirigente. Entre os componentes, a ordem hierárquica é a natural do plano espiritual: aquele que é mais digno se encontra na cúspide; aquele que é apenas o mais forte, abaixo. A “dignidade”pode ser natural na pessoa, ou adquirida, ou conferida por meio de consagração ou de investidura. O reconhecimento hierárquico é um ato de consciência em cada pessoa, que determina as relações de valor espiritual, independentemente do que se encontra na base do juízo comum dos homens: aquele que é capaz disto reconhece imediatamente aquele que lhe resulta superior e a ele se submete, ou então se reconhece superior aos outros e sobre estes tem autoridade. Ainda que elementos de avaliação contaminados por considerações de ordem inferior impeçam o auto- conhecimento mencionado, a ordem hierárquica é formalmente estabelecida pelo SUMO. 1 NOTA da Fraternidade Hermética - SPHCI: o texto que a seguir se oferece aos estudiosos sinceros e de mente aberta, foi originariamente publicado nos cadernos de UR. Os cadernos, publicados entre 1927 e 1928 na Itália, continham textos à época raros (alguns ainda hoje o sendo) e análises profundas – mesmo que sintéticas – de grandes temas tradicionais. A “Corrente de UR” tinha uma finalidade operativa específica, DIVERSA da finalidade prescrita pela Fraternidade Hermética. Contudo, a leitura dos textos de UR oferece, àqueles que tiverem ouvidos para ouvir, elementos teóricos e operativos de natureza incomum. 2 Pode também ocorrer o caso de uma pessoa que opere com outra que forme parte de uma cadeia, ou também siga seus ritos, sem contudo participar ela mesma, apesar de diferentes circunstâncias poderem fazer-lhe crer o contrário. A razão de tais “isolamentos” está quase sempre determinada por uma vontade superior e inviolável que determina o estado de fato conforme o estado de direito – ou dignidade – oferecendo contudo o meio para uma ulterior elevação.

LUX OPUS MAGICUM: AS CADEIAS1 · possa passar despercebido — aparece no primeiro capítulo da obra A Serpente Emplumada. Este

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LUX

OPUS MAGICUM: AS CADEIAS1

A finalidade das cadeias mágicas é a de formar uma força fluídica coletiva, potencialmente maior do que aquela de que poderia dispor cada um dos componentes operando isoladamente, e assim poder ser utilizada por cada indivíduo participante.

Uma cadeia se forma pela “sintonia” dos elementos componentes, quando existe a identidade ou a correspondência, conforme a lei dos números, da atitude interior ou do rito praticado por mais pessoas, seja operando conjuntamente em recolhimento, seja operando em locais diferentes, ainda que uma não saiba da outra, contanto que sejam rigorosamente observadas as normas dos tempos e dos ritos. Uma cadeia pode ser formada intencionalmente e cerimonialmente quando uma ou mais pessoas estabeleçam sua finalidade e determinem adequadamente o rito conforme as normas tradicionas. É também possível a formação espontânea de uma cadeia, assim como é possível que uma pessoa pertença de fato a ela e não o saiba 2. Neste caso, a condição é uma correspondência de vibrações sutis, que por si só basta para estabelecer o estado de relação e que prescinde de distâncias espaço-temporais.

A força coletiva da cadeia constitui um ente verdadeiro e próprio a serviço de quem a formou; é uma coagulação de luz astral, que pode projetar-se em uma “figura” psíquica, e que está estreitamente ligada aos símbolos e às fórmulas que em uma certa comunidade a escola ou tradição iniciática serviu para “fixar”. Para tanto, pode acontecer que o simples traçado de alguns signos tradicionais, ou a simples pronúncia de nomes ou de invocações em circunstâncias aptas, ainda que por parte de um profano, possam provocar fenômenos de iluminação, de aparições ou de realizações aparentemente inexplicáveis.

Em uma cadeia mágica estabelecida conscientemente e operante, a força fluídica é o MERCÚRIO em relação ao SOL de um Dirigente. Entre os componentes, a ordem hierárquica é a natural do plano espiritual: aquele que é mais digno se encontra na cúspide; aquele que é apenas o mais forte, abaixo. A “dignidade”pode ser natural na pessoa, ou adquirida, ou conferida por meio de consagração ou de investidura.

O reconhecimento hierárquico é um ato de consciência em cada pessoa, que determina as relações de valor espiritual, independentemente do que se encontra na base do juízo comum dos homens: aquele que é capaz disto reconhece imediatamente aquele que lhe resulta superior e a ele se submete, ou então se reconhece superior aos outros e sobre estes tem autoridade. Ainda que elementos de avaliação contaminados por considerações de ordem inferior impeçam o auto-conhecimento mencionado, a ordem hierárquica é formalmente estabelecida pelo SUMO.

1 NOTA da Fraternidade Hermética - SPHCI: o texto que a seguir se oferece aos estudiosos sinceros e de mente aberta, foi originariamente publicado nos cadernos de UR. Os cadernos, publicados entre 1927 e 1928 na Itália, continham textos à época raros (alguns ainda hoje o sendo) e análises profundas – mesmo que sintéticas – de grandes temas tradicionais. A “Corrente de UR” tinha uma finalidade operativa específica, DIVERSA da finalidade prescrita pela Fraternidade Hermética. Contudo, a leitura dos textos de UR oferece, àqueles que tiverem ouvidos para ouvir, elementos teóricos e operativos de natureza incomum. 2 Pode também ocorrer o caso de uma pessoa que opere com outra que forme parte de uma cadeia, ou também siga seus ritos, sem contudo participar ela mesma, apesar de diferentes circunstâncias poderem fazer-lhe crer o contrário. A razão de tais “isolamentos” está quase sempre determinada por uma vontade superior e inviolável que determina o estado de fato conforme o estado de direito – ou dignidade – oferecendo contudo o meio para uma ulterior elevação.

O Dirigente pode transmitir a própria dignidade e os próprios poderes com ela; pode também perdê-la ou mudar de grau quando outro aparecer, ou outro que pertença à cadeia se converta em maior do que ele. E então, o Dirigente de uma cadeia e todos seus membros estão efetivamente em relação com a hierarquia espiritual suprema.

O ente de uma cadeia que continua por gerações, através dos membros de uma comunidade ou de uma escola iniciática, assume em si uma tradição, cuja luz e potência não se dissolvem por uma eventual interrupção na trasmissão sobre o plano físico, entrando em um estado virtual, podendo ser retomada em qualquer momento e em qualquer lugar por quem, com reta intenção, volte a operar conforme os ritos, usando os signos e símbolos de tal tradição.

Quando algumas pessoas operam juntas, a cadeia é formada da seguinte forma: se estão em três pessoas, que se disponham em triângulo, com o vértice voltado para o oriente. Que aqui se coloque o maior dentre elas, e que todas olhem para o levante.

Se forem mais pessoas, que formem um círculo, cujo centro seja ocupado pelo maior, ou, se em número suficiente, por aquelas e por outras duas, pré-selecionadas ou designadas, que se disporão como dito precedentemente.

O número total de participantes deve ser invariavelmente ímpar; por outro lado, o círculo que encerra os principais operadores estará composto por um número par.

Diversas são as maneiras de formar um círculo, que são particularmente aplicadas de acordo com a finalidade e o modo de cada uma das operações, e que em cada uma delas é especificamente aplicado. Menciono algumas:

Se há elementos femininos, que sejam perfeitamente alternados com os masculinos. Os components da cadeia: - que se unam pelas mãos; - ou que cada um permaneça livre, evitando todo o contato com o vizinho, olhando todos

para o interior do círculo, ou todos para o exterior, ou, alternados, um para o interior e outro para o exterior;

- permaneçam imóveis durante toda a duração da operação; - ou se movam girando, com movimento idêntico ao dos ponteiros de um relógio, ou com

movimento contrario aos mesmos; - variando em velocidade, ou detendo-se, ou retomando de acordo com o indicado pelo

operador.

O duplo círculo é formado de maneira análoga. Além do que já se disse: - o círculo externo pode ser formado por elementos masculinos, o interno por elementos

femininos, ou vice-versa; - o círculo externo se volta para o exterior, e o interno para o interior, ou vice-versa; - os componentes de um círculo são colocados frente aos componentes do outro, com

referência ao centro, ou não; - o movimento dos círculos é idêntico, ou um é o inverso do outro. O triplo círculo é formado de maneira análoga - com outras variantes - seja na ordem, seja na direção. A vibração da cadeia em seus membros tem tríplice efeito: no físico, no astral e no espiritual, com ações e reações particulares, causas, meios, efeitos, práticas e operações para cada “plano”ou “mundo”. A sintonia de vibração se alcança seguindo todos um idêntico regime de vida, contanto que seja estabelecido ritualmente, com o cumprimento de práticas

idênticas e fixando na luz interior o mesmo símbolo, ou pronunciando exterior e interiormente, com a voz, com a vontade, com o espírito, as fórmulas rituais, seguindo um determinado ritmo e cantando “carmes” adequados para os fins das operações particulares. Cada um deve buscar evocar em si o estado de vibração fluídica, que logo se exalta e potencializa por “simpatia”.

A finalidade das cadeias cerimonialmente convocadas pode ser uma iluminação superior dos componentes ou de um dentre eles, como também uma realização prática e contigente, ou a iniciação de um neófito ao qual o Dirigente da cadeia comunica estados de consciência por “indução” da luz e da potência de toda a cadeia; ou uma outra coisa. Para a ignificação da luz astral, algumas cadeias utilizam formas de crueldade (derviches, flagelantes, etc.), outras utilizam em conjunto formas orgiásticas; ou ainda uma e outra (s) forma (s) combinadas. Os procedimentos são análogos aos já expostos para cada indivíduo particular

COMENTÁRIOS DO PRIMEIRO CAPÍTULO DA OBRA “SERPENTE

EMPLUMADA”: AS TOURADAS POPULARES

Neste impressionante retrato do espírito da cultura mexicana um aspecto — que talvez possa passar despercebido — aparece no primeiro capítulo da obra “A Serpente Emplumada”. Este ponto surge num primeiro momento em que o autor se referindo ao personagem de nome Owen, de nacionalidade americana, e um “grande socialista”. Posteriormente, ao ter o primeiro contato com as touradas mexicanas, e toda aquela energia selvagem, tribal, do povo mexicano, o autor define o comportamento de Owen ao se deparar com o desprezo da outra de personagem, Kate, com o povo mexicano: “Como socialista, Owen desaprova, e como um homem alegre, ele está consternado. Porque o seu real ser, pelo menos o que ainda resta dele, odeia manifestações populescas.”

Outro personagem que acompanha Owen nesta aventura, Kate, de origem irlandesa, nutria em si certo espírito elitista burguês do povo europeu, e como consequência, um desprezo por tudo quanto aspecto que trazia consigo a violência instintiva do populacho mexicano. Desta maneira, tinha um asco por qualquer evento em que tais aspectos se manifestassem, como no caso das touradas. Neste sentido, fica evidente o incomodo de Kate ao se deparar com tal festa tradicional mexicana, a mesma se sentia como numa “prisão”, e num desespero crescente. Desta maneira, na primeira oportunidade, a mesma procurou fugir do local, buscando assim entrar novamente na sua “zona de conforto”, longe de qualquer manifestação instintiva, numa lanchonete, com uma bela torta e um revigorante chá, ao estilo europeu, o que conseguiu ao encontrar um militar de grande patente mexicano, que prontamente a retirou do local.

Fato é, que apesar da repulsa inicial dos dois, como um chamado, algo atraiu os mesmos para esta festa dos “horrores”. Afinal de contas, foi apenas um espírito de curiosidade, ou algum aspecto ignorado presente em suas almas, que os atraiu a tal festa popular?

O lado instintivo e violento do ser humano, ou melhor, esta energia que provoca um misto de repulsa e atração, não é nada mais do que a manifestação da própria vida. O homem ocidental, com toda a sua cultura, seja socialista, ou capitalista, ou de qualquer gênero, acaba por obstruir a entrada destas forças, tornando-se assim vazio por dentro, sem esta virilidade, que faz com que as coisas tenham cores, movimentem, que tenham emoção e graça. Desta maneira, a vida do homem

ocidental torna-se como que cinzas, de caráter excessivamente racional e, até certo ponto, sem sentido.

A cultura mexicana e espanhola, insistindo em sobreviver à onda moderna ocidental, seja de que cunho for (político, religioso, etc.), consegue manter estas fontes de compreensão instintiva da força da vida, que, por mais que seja assediada por uma cultura fria e racionalista, reemerge, com todo o seu aspecto, ao mesmo tempo, assustador e sedutor, mantendo seu espírito próprio, fundamentado na experiência e no deslumbramento, que foi passada de geração em geração pelo povo espanhol e mexicano.

A ESCULÁPIO

Oh médico universal, Esculápio, soberano Peã,

que alivia os dolorosos sofrimentos dos doentes,

oh possuidor das doces doações, portador de saúde aos mortais,

fazendo cessar as doenças, as tristes deusas da morte,

favoreça a vida, oh socorredor que afasta os males,

oh inimigo dos males, esposo da irrepreensível Hígia,

oh beato, oh salvador, venha do feliz destino, ilustre e valorosa prole de Febo Apolo,

e traga um final feliz para a vida.

AESCULAPIUS HIMNUS ORPHEI

MEDICE OMNIUM AESCULAPI HERE PAEAN

MALATIES OMNIUS DOLENTISSIMUS MORBOS LEVIONES

MITIA DONANS POTENS VENI ADDUCENS SANITATE

ET SEDANS MORBOS MALATES FATA MORTIS

MACTE PUER SEMOTOR MALORUM FELICIS FATI

PHOEBI APOLLINIS POTENS GERMEN HONORATISSIMUM

HOSTIS MORBORUM SANITATEM HABENS CONCUBAM IRREPREHENSIBILIS

VENI BEATE SERVATOR VITE FINEM BONUM PREBENS

A MAGIA DO RITO

O Despertar gera despertar. Assim como ergue as coisas caídas no espaço nas primeiras imagens de

"figuras" e de "sinais"; também desperta a ação e forma o seu"Rito".

Conheça a magia do Rito como um prolongamento natural daquela da Imagem. Se as "figuras" são fixações

sutis das forças invisíveis e luminosas que objetivam-se nas coisas físicas e as movem e as mantêm; e se,

em você, acolhê-las é uma rapidez sem tempo apta a fixar a forma de seus movimentos, antes que ela se

traduza na língua dos teus sentidos animais; porém no rito, você se une a este movimento e o anima e o

prolonga no seu próprio ato: seja para transfundir-lhe a luz da tua liberação, seja, formando-se em você

uma nova causa, para agir sobre as correntes e sobre os turbilhões das "figuras", com a finalidade de

reações côngruas.

Conhecimento da Luz etérea, alma psique da natureza, luz-vida, espírito-matéria, interioridade-

exterioridade - entenda nisto a condição primária. Por exaltação de entusiasmo, por violência, por

desespero, ou por absoluta superioridade, ocorre que entre a trama das coisas e dos seres "mortos" esta

Luz tenha aparecido para você de maneira que você saiba evocá-la no espírito. E se nela se acende, se

forma, se satura o ato do rito, eis que invisivelmente símbolos viventes, deuses, potências gloriosas e sem

número se moverão e se cruzarão no alto e um equilíbrio se dissolverá, outro se reorganizará e se fixará,

rigorosamente ritmado sobre a forma e sobre a força do próprio ato.

Os sinais e os ritos - diz Eliphas Levi - são o Verbo operante da vontade mágica. A vontade deve exprimir-se

na ação-rito como em um Verbo perfeito. Uma única negligência, palavra inútil, incerteza, ou desatenção

ou dúvida atinge com falsidade ou impotência toda a operação e as forças convocadas se voltam contra

você.

Quando o gesto se "realiza", ele é realidade. Esta é a lei. E da "realização", por sua vez, a Luz etérea é a

chave como eu te direi agora.

Quando o teu desejo ou a tua vontade alcançam uma força extrema, são ligados a uma representação

intensa, que é a ideia da realização ou do movimento e, ao mesmo tempo, já são um esboço, um início

efetivo justamente deste movimento no qual esta tende a traduzir-se.

O mago se desvincula e sobe mais alto, e suspendendo a sensibilidade periférica, isolando-se em êxtase

ativo do corpo e então do externo, vê luz. No contato com esta luz a representação alcança uma super-

saturação do impulso dinâmico, juntamente com um sentido absoluto, irrefragável, fatal, de certeza.

Então no gesto ritual o impulso torna-se ato, projeta-se em ato, e confirma, testemunha, realiza esta

certeza, inserindo-a, impondo-a no externo. Este lança uma força no externo, através de um mediador que

não conhece a lei do espaço e da resistência, força ou massa material. Então a realização se efetiva: você

verá em silenciosa obediência e exterioridade invisível a reação mover- se, produzir-se.

Como na magia da imagem, assim também na ação ritual saiba que a "similaridade" é o eixo: o rito

exprimindo no veículo diversos nós complexos de forças fluídicas o próprio ata consciência, que na magia

mental age sobre a "figura" dos elementos ou sobre a representação analógica do evento. Por isso, antes

de mais nada, você deve evocar e plasmar simpaticamente na mente exaltada a forma daquilo sobre a qual

quer agir, até que por indução conduzido até um estado de relação com o seu espírito astral, você possa

impor o comando.

Pense, por analogia, àquelas experiências eletromagnéticas, onde se constata que em um circuito

descarregado convenientemente disposto se induz uma improvisa corrente, no instante que um outro

circuito, distinto e distante, se fecha. Na corrente principal, aquela que anima este circuito, você pode

imaginar o desejo que vai saturando a imagem até que, no gesto ritual, acontece o clarão, a liberação do

ato, e neste instante de luz-evidência a força se projeta naquele outro circuito em sintonia, que aqui é a

própria "figura" oculta da coisa. Porém nesta figura o comando lampejando, não mais só na tua mente,

uma côngrua realização desce até o plano real e objetivo.

Para se ter poder sobre as formas, que servem a própria vontade, ocorre então que você saiba penetrar no

"pensamento" que as produz, e apropriar-se delas. Ocorre que você saiba evocar. Evocar um espírito - diz

Eliphas Levi - significa entrar no pensamento dominante deste espírito, fixado pelas "figuras", pelos "sinais"

e pelos pentáculos; e se, neste mesmo sentido, você sabe se elevar mais alto, levará com você este espírito

e ele te servirá. Caso contrário porém, será ele a levar você para o seu círculo, e será você que o servirá:

mesmo sem perceber.

"O semelhante produz o semelhante" - "Evoque"- "Para produzir um efeito, imite-o": então compreenda o

porque da interminável variedade dos ritos que nos povos primitivos obedece a estes princípios da magia

"homeopática" ou "simpática". E você estará próximo de saber quantas supertições existem, naqueles que

aqui sabem só falar de superstição. É que no estado de mágica exaltação, ou êxtase, ou de violento desejo,

a lei de separação entre eu e não-eu interrompendo- se, a imitação produz uma comunicação real e o ato, a

sensação, o movimento se projetam e operam rapidamente como forças da própria realidade, ou dos

outros, sobre os quais vibre a tua magia. A imagem dá vida ao rito; o rito, por sua vez, reage sobre a

imagem, a acende, a exprime, multiplica a sua luz e oculta a sua potência.

Eis então os ritos de imitação - pontos de apoio para a evocação e a fixação no fogo mental, e instrumentos

para a projeção; e assim você escuta quem, em tempos arcaicos ou ainda hoje os povos distantes, desata

nós e sopra, para soltar o vento; quem derrama água para invocar a chuva, ou se molha, como a árida terra

pede as águas que venham do alto; e imitar raios e trovões para atrair a tempestade; e a dança selvagem

das mulheres, para a animação e a irresistível força dos homens distantes na guerra; e através das grandes

luzes das estações, a orgia e o estupro para desenfrear e excitar os obscuros poderes de crescimento, onde

aparecem viçosas colheitas; e no sacrifício cruento invocar o místico poder que arranca da vida animal e

consagra na imortalidade; e ainda, não remotos mas próximos, você verá magos criarem na cera as efígies

daqueles sobre os quais querem operar, e sobre estes vibrar ritualmente os seus atos de morte ou de vida

ou de encantamento; ou estes próprios dramatizarem aquilo que outros por força mágica farão; e atirar

pedras, ou cuspo, para descarregar o cansaço, terror ou falta de ar; e usar a espada contra o invisível, que

nenhuma ponta nunca alcançou; e lentamente dobrar a madeira até o rompimento pela vontade de

destruição, fixada no fogo mental em pessoas ou coisas. E a voz, como expressão, sendo já,

eminentemente, rito, você ouvirá da magia do Verbo: palavras sagradas que te dariam o

poder sobre os elementos, sobre as cidades, sobre os deuses; nomes ocultos, aos quais está ligada a própria

alma de quem os usa, como a chama na madeira. Um único sentido, em tudo isso: gesto- expressão

evocatório que forma e magnetiza a imagem na Luz - e a projeta para o externo.

Você vê, então, concretizar-se um fundo, sobre o qual a pequena figura do homem joga sombras

gigantescas. Eis que do risível drama, com o qual ele reproduz os grandes fenômenos da natureza clareira

de floresta, em charneca deserta, na praia com muito vento, na claridade alpestre ou em um fogo

subterrâneo, de um tal risível drama emanam irresistíveis forças de simpatia, que são o centro, e o eixo, de

um drama cósmico. O rito tira a sua ação do infinito e lança ao infinito: na Luz etérea, que lhe dá

ressurreição, esta se livra do humano, torna-se arrepio que serpeia pelos membros do Homem Cósmico, e

as movimenta.

Em tudo isso, então, você conhece a exaltação até o êxtase de luz, como condição. O Rito, dorme, antes

disso. E se você tem esperança nele, e não sabe que ele é magia só como veículo-expressão de um estado

de verdade - de "fé", se prefere - ou seja: um sentido de poder fazer, sentir que aquilo que deve ser não

"deve" ser, mas É; se você espera e opera não sabendo isso, não realizando isso - e para realizá-lo o contato

é necessário - você será somente um iluso por ridícula superstição.

Muito menor "fixação" da alma e das suas potências com respeito ao corpo físico, com relativa muito maior

facilidade de isolá-lo; preponderância quase exclusiva da imaginação sobre a cerebração em pedaços de

interferência natural entre interior e exterior, entre eu e natureza; e sugestionabilidade, profunda

selvagem violência de desejo e de emoção - telúrica, mais do que humana - por causa destes elementos na

psique primitiva quase espontaneamente os ritos abriam vias e irradiavam um mágico poder; e ao invés,

através dos próprios ritos, um tal poder retrocede em um mito, na pálida vida dos modernos "civilizados".

ABRAXA

UR, 1928

METEMPSICOSE, PALINGENESIA, METACOSMESE, TRANSMIGRAÇÃO, PEREGRINAÇÃO, REENCARNAÇÃO...

Todos sabem dizer que Pitágoras ensinava a metempsicose; mas atrás desta palavra normalmente está um conceito muito mal definido e toda uma confusão entre metempsicose, palingenesia, metacosmese, transmigração, peregrinação, reencarnação...A majoria identifica a metempsicose com a metacosmese universal, em outro lugar diz que o próprio Pitágoras chamou palingenesia das almas (palingenesia) o dogma que a posteridade mais comumente designou com o nome de metempsicose. “Pitágoras disse que existia não a metempsicose, mas a palingenesia”; mas Rhode (Psyche II, pág. 426 edição Laterza) diz que a expressão metempsicose que nós usamos mais comumente, é justamente a menos usada pelos gregos. Observamos depois que uma coisa é a palingenesia e outra é a palingenesia das almas ou as palingenesias da alma. Na nossa opinião a palingenesia, ou seja o renascimento pitagórico, deve ser conectada ao conceito órfico pitagórico do corpo prisão e à possibilidade da alma que “só em casos excepcionais consegue (antes de ser liberada com a morte) revelar-se, na forma de um “conhecimento superior” do qual são poucos os privilegiados: que acontece às vezes nos sonhos proféticos, na excitação estática, no furor báquico”. A palingenesia para a qual Pitágoras preparava os discípulos era aquela dos mistérios de todos os tempos e de todos os lugares, chamada justamente renascimento....Esta excepcional liberação da consciência dos vínculos e das limitações da consciência corpórea traz consigo um dom reconhecido em um modo especialíssimo a Pitágoras, que na terminologia órfica, pitagórica e platônica leva o nome da famosa anamnese, a memória mística que permite o conhecimento. Na concepção escatológica órfica e na correspondente alegoria cerimonial dos mistérios a anamnese era obtida bebendo as águas frescas de Mnemosine (a memória), ao invés daquelas do esquecimento (Letes); e se conseguia naturalmente o conhecimento da aletéia (a verdade). Pitagoricamente o discípulo tentava assimilar-se e identificar-se com Deus, e entende-se que quando se chegava à esta

assimilação ou até mesmo antes disso, a consciência humana conquistava um sentido superior da própria continuidade e a possibilidade de recordar-se.

Mas justamente por isso quando Pitágoras ou Empédocles falam sobre as suas recordações de outras existências é necessário que se entenda que o eu ao qual se referem não é o eu humano mas o eu cósmico, e as suas afirmações devem ser consideradas sob este aspecto especial e essencial.

Ver nesta afirmação que a lenda atribui a Pitágoras a prova que a palingenesia ensinada por ele era a metempsicose vulgarmente entendida, e do caso especialíssimo de Pitágoras sentir-se autorizado a atribuir-lhe uma generalização de tal teoria a todos os homens com base em um postulado democrático e por isso não pitagórico, e confundir a palingenesia iniciática com o processo cósmico da transformação e conservação universal da energia e da matéria, significa entender mal o “Verbo de Pitágoras” nos seus elementos mais importantes. Que historicamente tenha-se verificado uma tal confusão é perfeitamente compreensível, porque o conceito da palingenesia iniciática não é tão fácil de ser compreendido mesmo porque para se ter uma ideia clara é necessária alguma especial experiência interior, sem a qual as palavras que o exprimem serão sempre flatus vocis. O conceito simplicista da reencarnação, tipo espírita ou teosófico, é por sua vez um conceito no qual todos se iludem de entender alguma coisa sem forçar o cérebro.

Também o tema da abstinência das carnes que não é separável do conceito da metempsicose deve ser entendido não como foi entendido ou seja que não se deve comer carnes dos animais porque estes poderiam ser a reencarnação dos nossos parentes ou amigos em existências precedentes, mas como simples prática catártica que tem como objetivo, como a prática da castidade durante os mistérios, facilitar a atuação da palingenesia, tarefa que não deve ser menosprezada. Seria necessário pensar na dieta dos templarios e no vegetarianismo dos teósofos, que não são determinados pelo medo de comer os próprios parentes e amigos, para reconhecer que a abstenção das carnes está ligada não à crença na metempsicose mas ao conhecimento prático das condições da palingenesia.Nesta nossa compreensão e interpretação da metempsicose pitagórica não concordamos, bem o sabemos, com os espíritas, ocultistas, martinistas, teósofos e hoc genus omne; porém concordamos com os antigos hermetistas. Jean d’Espagnet por exemplo (Enchiridion Physicae restitutae 3 ed. Rothomagi 1657, pág. 139) diz que a metempsicose pitagórica não tinha sido compreendida; e Olao Borricchio, citado no Dictionnaire mytho-hermétique de Antoine Joseph Pernety (Paris 1758) no item Metempsycosis, define assim a metempsicose: “Translação da alma de um ser vivente para o corpo de um outro ser que não era vivente senão em potência. Diz-se que Pitágoras tirou inspiração da Metempsicose junto aos sacerdotes no Egito, e isto é verdade; mas os adeptos da filosofia hermética dizem que tenha sido mal explicado este sistema de Pitágoras, e que ele atribuiu a esta palavra um sentido que não possuía. Os sábios do Egito ensinaram a Pitágoras a transmutação metálica, que este filósofo tratou em seguida enigmaticamente em suas obras. Aqueles que não conheciam a Grande Obra entenderam tudo aquilo que ele tinha escrito segundo o sentido apresentado literalmente e não segundo o espírito. A ideia de Pitágoras era aquela de fazer entender que o espírito, ou aquilo que constitui a alma dos metais perfeitos, passava com a transmutação no chumbo, no ferro, e nos outros metais imperfeitos, e os tornava diferentes daquilo que eram antes”.

O FLUIR DA FORÇA NA CORRENTE TERAPÊUTICA

Graziano Curci (1924-1985), presidente da Academia “G. Battista

della Porta” de Bari foi um mestre fiel à tradição hermética que

afunda as suas raízes na mais antiga sabedoria iniciática. Entre os

seus escritos mais importantes recordamos “Cagliostro”, “I

Templari”, “Giordano Bruno”. Em suas numerosas conferências Ele

deixou as sementes de um profundo conhecimento. Conheceu o

Arcano e foi iniciador daquela Arte através da qual se realiza no

homem a transmutação interior. (Salilus)

Os hermetistas praticantes conhecem perfeitamente o

significado das correntes mágicas que desenvolvem as suas forças

através da manifestação da energia dos nervos finalizada a objetivos

bem precisos e com técnicas nas quais a utilização do elemento

vontade possui um caráter preeminente.

Sabem também que tais objetivos consistem na maioria das vezes na tentativa de realizar o

restabelecimento físico e psíquico daqueles que se tornam beneficiários encontrando-se, em

momentos particulares de suas existências, em um estado de desequilíbrio e então necessitados de

tanta força vital necessária para o reequilíbrio total.

De fato trata-se (e não descobrimos nada de novo enunciando-o), de um transvazar de energia

obtida, como já dito com técnicas particulares, e fundado no axioma que a força, que por sua vez é

matéria no estado sutil, projetada lá onde a própria força é carente, realiza o pleno no vazio segundo

o princípio dos vasos comunicantes.

O fenômeno, que é de natureza magnética, constituiu sempre objeto de exame por parte dos

espiritualistas em geral e dos estudiosos das infinitas aplicações concretas das forças psíquicas.

Por quê a finalização do experimento é prevalentemente orientada para o reequilíbrio psíquico

e físico?

A razão existe e é de caráter técnico. Para que se obtenha o resultado é necessário usar a melhor

qualidade de energia da qual o organismo humano disponha, ou seja ocorre que o fator energia

produzido antes e depois projetado seja o mais possível pobre de escórias poluentes.

E qual vibração psíquica pode ser produzida no organismo-homem, doador de força, qual

matéria-energia mais rara, porque indene de participações egoísticas e então poluentes, pode ser

manifestada, com um ato de vontade coordenado, senão aquela finalizada ao reequilíbrio do

próximo sofredor, energia que, pela sua natural destinação, é estranha a qualquer egoísmo ou

interesse particular mas é diretamente reconduzível, através de um objetivo altruístico, a um puro

ato de amor?

Mas além destes cenos genéricos às motivações de base, que obviamente são de um bem mais

amplo alcance, das várias correntes mágicas (de mag, raiz da palavra magister) através das quais

algumas pessoas quiseram experimentar a eficácia de um fluido coletivo, fora, acrescentamos, das

finalidades específicas que estas correntes se propuseram, existe um problema de base, comum a

todas as correntes, e é aquele de endereçar a força, fazê-la defluir sem obstáculos e enfim obter

que a força alcance o objetivo pré-constituído.

Portanto, as nossas reflexões são voltadas, pelo menos neste escrito, exclusivamente a este

aspecto do problema.

De fato, o conceito, que encontra os mais amplos consensos entre os praticantes neste gênero

de experimentos é representado pelo elemento vontade, entendida em uma particular acepção,

isto é como vontade dinamizada, coordenada e finalizada.

Dinamizada porque ativada por especiais exercícios (ritos), coordenada porque reconduzível a

um único denominador que exalta a sua força, finalizada enquanto somatória de energias

direcionadas a um único objetivo.

Pressuposto irrenunciável para que tal vontade se transforme em fato é o defluxo da força do

ente distribuidor (corrente, dirigida por um diretor da corrente) ao beneficiário que deverá oferecer

uma tal disponibilidade e atestação de consenso incondicionado (seja a nível consciente que

inconsciente) à absorção da própria força.

Na breve exposição destas ideias preferimos manter-nos no genérico para evitar exames

específicos, aos quais por outro lado nós não somos contrários, mas achamos que devam ser

enfrentados em um outro momento, mas não podemos deixar de considerar a utilidade do método

usado por algumas correntes e que consiste em pedir ao potencial beneficiário até mesmo um

pedido por escrito e motivado.

Então parece acertado que não somente o beneficiário deve saber que uma corrente de

operadores está trabalhando para ele, mas que ele próprio deva predispor-se receptivo

sintonizando-se com os distribuidores e contudo segundo as modalidades que o específico tipo de

corrente contempla na sua regra.

De fato, a maior parte dos insucessos, que se registram na atuação de um mecanismo, que

mesmo partindo da premissas muito válidas, é devida à falta de observação destas regras.

O fenômeno elétrico, este também magnético, não se realiza se os polos não entram em contato

de acordo com leis que são físicas e irrefutáveis.

***

Então, abstraindo-nos dos pressupostos que tornam válida uma operação de corrente, tema que

no momento não está no centro da nossa atenção, faremos algumas reflexões sobre a possibilidade

de entrar em contato direto com o beneficiário da força, removendo os inevitáveis obstáculos que

se interpõem à absorção desejada.

Para entender melhor o conceito será oportuno referir-nos às operações com objetivo

terapêutico, lá onde a força, limpa, como dissemos, de escórias egoísticas que ofuscam a sua

clareza, encontra no recipiendário um terreno fértil à absorção por efeito da carência ao estado de

morbosidade.

Nestes casos a relação vigente entre o distribuidor (que sintetiza em si a somatória das forças

singulares, com os procedimentos conhecidos por ele, e a exprime à pessoa passiva) e a própria

pessoa passiva que anseia ser inundada de vida e de saúde conquista um valor determinante para

o sucesso da operação.

Então, para que a força deflua ocorre que o beneficiário ame o distribuidor e sinta-se amado por

ele, tenha confiança nele, esteja convencido que ele possa restituir-lhe força e saúde; ocorre, ainda,

que ele perceba (mesmo que seja inconscientemente) um espécie de magnetização por parte do

seu momentâneo beneficiador de maneira que a sua personalidade sinta-se absorvida, confiada,

abrangida pela personalidade ativa, vigilante, consciente e operante do operador que, no caso

específico, se tornará magnetizador.

Portanto o distribuidor, deverá, elemento ativo da relação, transpirar serenidade, segurança e

equilíbrio. Deverá manifestar e infundir confiança, deverá sentir-se e parecer rico de magnetismo

curador através da magia de um gesto tranquilizador, de uma palavra persuasiva e de um sorriso

confortante.

O gesto, às vezes, materializado em uma carícia fugaz, será muitas vezes o meio de contato para

transvaso de fluido, especialmente se este dito contato acontecerá em correspondência de

determinados feixes de nervos ou na raiz do nariz, ou no plexo solar ou nos outros pontos

nevrálgicos indicados nas várias escolas.

A palavra conterá a vibração fônica do pensamento e quanto mais carregada de intenções mais

será eficaz.

O pensamento, será, por sua vez, ato de vontade fria e determinada, por isso o mais isento

possível do desejo que, permitindo participação, produzirá efeitos desequilibrantes ou pelo menos

nulos.

A tal propósito achamos que sejam fundadas as razões daqueles que desaconselham operar a

favor de pessoas ligadas ao operador por efeitos particulares (parentes, amigos) por causa das

dificuldades de purificar a força do desejo do resultado, elemento que por si só é frustrante e

improdutivo, a menos que se tenha condições de fazer o contrário.

Só a vontade formulada na total liberdade interior e exprimida em absoluto, sem desejos

concretos, só a vontade que encarna as forças cósmicas e que se torna ela própria força cósmica,

sublimada por um clarão de amor instantâneo mas nem por isso menos luminoso e vivificante, pode

fazer explodir a vida no caos dos elementos em desarmonia em um corpo sofredor.

Para intuir melhor o sentido destas reflexões não achamos inúti propor como exemplo, além do

fato técnico, a figura de quem exercita por profissão a arte médica.

Todos nós sabemos de quanto magnetismo são carregados os medicamentos que ele prescreve;

todos conhecemos o poder que ele possui de doar esperança ou tristeza através de uma simples

expressão do rosto; todos nós percebemos a ondada de bem só no fato de ele entrar no quarto do

doente.

Se um médico, além de ser um fiel apóstolo da ciência de Esculápio, quisesse fazer alguns

experimentos de corrente e conquistasse familiaridade com os fluidos de correntes, ocultas aos

profanos, mas conhecidas por aqueles praticantes que se tornam sempre mais numerosos dentro e

fora das Universidades públicas e que não de hoje veem as suas afirmações confortadas também

por confirmações por parte da ciência oficial, quais obstáculos se interporiam à sua força benéfica,

qual obstáculo encontraria a corrente (que, não esqueçamos, é magnética) no defluxo, através da

magia de um avental branco, em direção de um corpo atingido pelo sofrimento, agarrado à vida que

lhe escapa?

A figura do médico que mesmo movendo-se em chave científica se humanize, se encaminhe em

direção de um corpo que vê a vida escapar, que materialize a sua força e a sua ciência em um olhar

cheio de amor, em uma palavra que, se sussurada, pareça uma mensagem vinda de longe, das raizes

do existente, ou seja da vida cósmica, realiza quase sempre o milagre da cura e do reequilíbrio físico.

Milagre é palavra imprópria para qualificar o fenômeno, porque é um evento que acontece

inexplicavelmente pelo simples fato que nós ignoramos a lei que o produz.

Magnetismo de amor é força e vigor: é vida. E a lei se afirma sempre quando subsistem os

pressupostos que continuam sendo científicos no sentido mais puro da palavra.

Magnetizar, em aplicação terapêutica, significa amar. Quando o hermetista ama, as suas armas

se tornam brilhantes, a sua força vibrante e a operação produz inevitavelmente os seus efeitos.

A terapêutica mágica se torna alta taumaturgia quando o processo de dinamização da força-

amor está no ápice do seu desenvolvimento. Caso contrário fica no nível de transvazo da força

nervosa (certamente não privada de eficácia), mas assimilável a manifestação de magnetismo

animal de natureza mesmérica.

Se o médico e o hermetista se aplicarão a tanto, como complemento vivificante da sua obra

profissional e da sua Arte, verá potenciadas as suas faculdades perceptivas (que além de serem

feitas de ciências são feitas de intuito), verá realizado o seu magnetismo natural na cabeceira do

doente, sentir-se-á instrumento ativo da natureza vegetante que quer tudo em harmonia e

equilíbrio. E isto em exaltação da sua obra e da sua figura de profissional e de mago que realizam a

profissão como Grande Obra.

***

Antes de concluir estas nossas reflexões, seria o caso de acenar ao Amor como força ativa do

Universo.

O Amor (a-mors: alfa privativa: ou seja o contrário da morte) não deve ser entendido como

vibração interpessoal mas como irradiação do ser através de um movimento vibratório que é feito

de luz-calor.

Tal estado de ser, constante nos mais progredidos, é ao contrário saltuário nos principiantes,

mas é sujeito ao desenvolvimento segundo uma parábola que pode alcançar níveis impensáveis.

Acionando o magnetismo, a energia dinâmica (obra de bem) transmuta-se em energia elétrica

(vibração de amor como força de retorno) e assim sucessivamente de maneira progressivamente

mais perfeita.

Os planetas estão suspensos no espaço cósmico por razão de uma lei magnética que é Lei de

Amor (ver Dante, Divina Comédia, O amor que move o céu e as outras estrelas (Par. C.XXXIII v.145).

As espécies viventes reproduzem-se por causa de uma lei de amor. A mesma força de coesão dos

componentes de qualquer organismo existente é lei de amor. A força agregativa, o impulso

evolutivo, a própria morte como episódio renovatório na vida da matéria que é eterna (Lei de

Lavoisier), são manifestações tangíveis de um potencial único, eterno e imutável.

A própria vida continua sempre sendo um testemunho desta lei que pode ser definida somente

como LEI DO AMOR.

Graziano Curci, 1983

Pietro Negri: SUB SPECIE INTERIORITATIS

Coelum…, nihil aliud est quam spiritualis interioritas.

(GUIBERTUS - De Pignoribus Sanctorum IV, 8).

Aquila volans per aerem et Buso gradiens per terram

est Magisterium.

(M. MAYER - Symbola Aureae Mensae duodecim Nationum, Francoforte,

1617, p. 192).

São transcorridos muitos anos desde quando tive, pela primeira vez, consciência da imaterialidade. Mas,

não obstante o fluir do tempo, a impressão que desta provei foi tão intensa, de maneira potente, que

permaneceu até hoje na memória, por mais que seja possível comunicar e reter nela certas experiências

transcendentais; e eu tentarei, hoje, expressar, humanis verbis, esta impressão, voltando a evocá-la desde

os íntimos recessos da consciência.3

O sentido da realidade imaterial a mim se manifestou repentinamente, sem precedentes, sem nenhuma

causa aparente ou razão determinante. Há cerca de quatorze anos me encontrava um dia, parado e em pé,

sobre a calçada do palácio Strozzi em Florença, conversando com um amigo; não recordo de que nos

ocupávamos, mas provavelmente de algum argumento concernente ao esoterismo; coisa sem importância

em razão da experiência que tive. Era um dia similar aos outros, e eu me encontrava em perfeita saúde de

corpo e de espírito, não estava cansado, nem excitado, nem ébrio, livre de preocupações e aborrecimentos.

E, num instante, enquanto falava ou escutava, aqui que senti diferentemente: a vida, o mundo, todas as

coisas; me dei conta subitamente de minha incorporeidade e da radical, evidente, imaterialidade do universo;

me dei conta de que meu corpo estava em mim, que todas as coisas estavam interiormente em mim; que

tudo se referia a mim, ou seja, o centro profundo, abissal e obscuro do meu ser. Foi uma inesperada

transfiguração; o sentido da realidade imaterial, despertando-se no campo da consciência, e articulando-se

com o habitual sentido da realidade cotidiana, maciça, me fez ver o todo abaixo de uma nova e diferente luz;

foi como quando, por um repentino rasgo em um denso véu de nuvens, passa um raio de sol, e o pavimento

ou o mar abaixo transfigurado subitamente em uma leve e fugaz claridade luminosa.

Sentia ser um ponto indescritivelmente abstrato, adimensional; sentia que nele estava interiormente o

todo, em uma maneira que não havia nada de espacial. Foi a reviravolta completa da comum sensação

humana; não só o eu não tinha mais a impressão de estar contido, no entanto localizado, no corpo; não só

havia adquirido a percepção de incorporeidade do próprio corpo, mas sentia o próprio corpo dentro de si,

sentia tudo sub specie interioritatis. Para entender bem, é necessário aqui procurar assumir as palavras:

dentro, interno, interior, em uma acepção ageométrica, como palavras aptas, ou melhor, para expressar o

sentido da inversão de posição e de relação entre corpo e consciência; que, de resto, falar de consciência

contida no corpo é tão absurdo e impróprio como falar de corpo contido na consciência, dada a

heterogeneidade dos dois termos da relação.

Foi uma impressão poderosa, esmagadora, avassaladora, positiva, original. Manifestou-se espontânea,

sem transição, sem aviso prévio, como um ladrão na noite, deslizando-se para dentro e engrenando-se com

o habitual e comum modo de sentir a realidade; aflorou rapidamente afirmando-se e permanecendo

claramente, de modo tal a consentir-me vivenciá-la intensamente de forma segura; depois se desvaneceu,

deixando-me perplexo. "Era uma nota do poema eterno aquilo que eu sentia..."; e, ao evocá-la novamente,

3 Pietro Negri è um pseudónimo de Arturo Reghini que o filósofo pitagórico usou como diretor da revista UR imprimida na Itália em 1927.

sinto pairar no ar agora, no íntimo da consciência, a sua hierática solenidade, sua calma e silenciosa pujança,

a sua pureza estelar.

***

Esta foi minha primeira experiência da imaterialidade.

Ao expô-la, tenho buscado somente reproduzir fielmente a minha impressão, a custa também de incorrer

eventualmente e precisamente em não ser devidamente atento as normas de uma precisa terminologia

filosófica. Posso também reconhecer que a minha competência filosófica não estava e não está a altura

destas experiências espirituais, e posso também admitir que, desde o ponto de vista dos estudos filosóficos,

seria desejável que destas experiências fossem feitos partícipes aqueles, e aqueles somente, que tiveram

grandes méritos filosóficos; mas expressada a aflição, é preciso reconhecer que o ponto de vista dos estudos

filosóficos não é o único admissível, e que o espírito sopra onde quer, sem ter especial conta da capacidade

filosófica.

No caso específico da minha experiência pessoal, a passagem aconteceu independentemente de toda

especulação científica ou filosófica, de todo trabalho cerebral; e sou ao contrário propenso a deduzir que

esta independência não tem sido fortuita e excepcional. Não parece na verdade que a especulação racional

possa conduzir mais além de uma simples abstração conceitual, de caráter mais que nada negativo, e incapaz

de sugerir ou provocar a experiência direta vivida, a percepção da imaterialidade.

O modo habitual de viver se baseia sobre o sentido da realidade material, ou, se assim desejar, sobre o

sentido material da realidade. Existe aquilo que resiste, o compacto, o maciço, o impenetrável; as coisas são

enquanto existem, ocupam um lugar, fora de, e também dentro de nosso corpo; esses são, por assim dizer,

tanto mais reais quanto mais sólidos, impenetráveis, inatacáveis. O conceito empírico e ordinário de matéria,

como um rés que por si mesmo ocupa um lugar, que se toca e oferece resistência ao tato, é uma função da

via corpórea; as necessidades da vida em um corpo sólido, denso, pesado, habituado a apoiar-se sobre o

terreno solido e estável, geram o habito de identificar o sentido da realidade com este modo particular

humano de sentir a realidade, e faz nascer a convicção apriorística de que ela mesma seja a única possível e

que não há e não possam haver outras.

Não é portanto sem embargo verdade que estes caracteres típicos da realidade material se vão

gradualmente atenuando e desvanecendo quando a matéria sólida se passa a líquida, a fluídica e a gasosa; e

a análise científica conduz, através dos sucessivos estados da desintegração molecular e atômica, a uma

concepção da matéria bem distante daquele conceito empírico primitivo, que parecia um dado tão seguro e

imediato da experiência. A universal desmaterialização dos corpos corresponde necessariamente, passando

da ciência à filosofia, a abstração conceitual idealista, a resolução do todo no eu; mas o reconhecimento

conceitual da espiritualidade universal não conduz a conquista ou a aquisição efetiva da percepção da

realidade espiritual, e é possível seguir uma filosofia idealista continuando a ser cegos espiritualmente tanto

como o mais grave materialista; é possível dizer-se filósofos idealistas e acreditar ter tocado o apogeu do

idealismo através da simples e laboriosa conquista conceitual, apenas excluindo ou não pensando de jeito

nenhum na possibilidade de uma percepção ex imo; é possível confundir, e pensar que se deva confundir,

qualquer epifania espiritual com um simples ato do pensamento.

Naturalmente com semelhantes pontadas na cabeça se pode seguir um trecho e subir para o idealismo

absoluto sem outro efeito que aquele de arrancar qualquer ramo sobre a cabeça dos colegas em ascensão.

Verdadeiramente não vale a pena olhar com tanto desdém para os velhos filósofos positivistas, vítimas

pobres sim mas honestas de uma simplificadora aceitação do critério empírico da realidade material! Tolher

este sentido empírico materialista da realidade e seu caráter de unicidade, de positividade e de

insubistituibilidade, não significa em verdade remover todo valor, senão somente definir seu valor. O mesmo

segue tendo direito de cidadania no universo, ao lado e junto de outros eventuais modos de sentir a

realidade.

Alcançada a abstração idealista conceitual, não é pois o caso de entoar os cantos de vitória. E para a

existência e a entrada no campo do sentido da realidade imaterial, não se segue ao mesmo tempo,

compreendamos bem, que se tenha que inverter a posição, conciliando ao novo sentido da realidade os

privilégios do antigo, exaltando-o às expensas do outro. A verdade de um não leva à falsidade do outro; a

existência de um não exclui a coexistência do outro. Ilusório e arbitrário é acreditar que não haja e não tenha

que existir senão um só modo de sentir a realidade; se o critério empírico da realidade material se reduz

fatalmente em última análise a uma simples ilusão, não obstante esta modalidade de consciência, que se

incide sobre uma ilusão, existe efetivamente; tanto que sobre este sentido se apóia a vida de inumeráveis

seres, também quando este critério venha superado conceitualmente, mesmo quando seja superado

espiritualmente, engolido pelo sobrevivente sentido da imaterialidade.

Minha experiência, por mais que fugaz, me deu a demonstração pratica da possível, efetiva e simultânea

coexistência das duas percepções da realidade, a percepção espiritual pura e aquela ordinária corpórea, por

mais que contraditórias ao olho da razão. É uma experiência elementar da qual não é certamente o caso de

orgulhar-se; porém é sempre uma experiência fundamental que recorda aquela de Arjuna no Bhagavad-gîtâ

e aquela de Tat no Pimandro; é sem embargo sempre uma primeira percepção efetiva e direta daquilo que

os cabalistas chamavam o santo palácio interior, e os Filaletes o oculto palácio do Rei, e também o que Santa

Teresa chamava o castelo interior. Por quanto elementar, é uma experiência que inicia uma vida nova, dupla,

o dragão hermético coloca as asas e se converte em anfíbio, capaz de viver na terra e de desapegar-se da

terra.

Mas por que, se dirá, habitualmente se é surdo a esta percepção, e eu mesmo que escrevo não me havia

dado conta antes dela? Por que se dissipa? E a que serve? E não é talvez melhor não suspeitar nem mesmo

da existência de tão perturbadores mistérios? E por que não se ensina como se faz para obter esta

impressão? E é justo que alguns poucos disso sejam partícipes e os outros não?

Não é fácil responder detalhadamente a estas e outras perguntas que se possam formular a propósito.

Quanto a surdez espiritual, me parece que essa provenha ou dependa do fato que habitualmente a atenção

da consciência é totalmente fixada sobre o sentido da realidade material, que qualquer outra sensação passa

inadvertida. É portanto uma questão de ouvido: o tema melódico desempenhado pelos violinos que exige

habitualmente toda a atenção e o profundo acompanhamento dos violoncelos e do contrabaixo passa

inadvertido. Talvez, também, é a monotonia desta nota, baixa e profunda, que a subtrai da percepção

comum: e eu recordo bem o assombro provado, similarmente, quando uma vez, na montanha, sobre um

grande prado florido, o zumbido surdo e igual produzido por inumeráveis insetos me percorreu o ouvido e

de repente, quase por casualidade, ou melhor, só de repente e sem razão aparente tornei-me consciente

daquele zumbido, de certo preexistente a minha inesperada percepção.

A resposta, como se vê, não consiste que em uma comparação com fenômenos similares, e

provavelmente não satisfará os leitores. Assim pois temo fortemente que às outras perguntas não poderei

das respostas satisfatórias; e por isso porei fim a este escrito, o qual é agora tempo de fazer, não fosse que

por discrição.

Traduçao do Ir+2369

A MÁGICA HISTÓRIA DE MILAREPA

Quem era Milarepa

“Milarepa foi mago, poeta e eremita. O foi sucessivamente e de maneira tão completa que os

Tibetanos têm dificuldades em separar estes três personagens e, de acordo com o ponto de vista

dos magos, dos laicos ou dos religiosos, Milarepa é o maior mago, poeta ou santo. Este ser singular

viveu no século onze da nossa era e a sua memória ainda é viva no Tibete como se fosse uma

personalidade morta há pouco tempo”.

Nascido em uma família de camponeses que, com a morte prematura do pai, caiu na mais

absoluta miséria pela rapacidade dos parentes, Milarepa entra em contato com a divinidade

através da via mais sombria e brutal: a mãe incentiva-o a aprender a magia negra para realizar

uma vingança contra quem roubou todos os seus bens. Assim Milarepa começa a praticar a magia,

destruindo os seus inimigos e aterrorizando a cidade. Mas justamente no triunfo da vingança

revela-se a maldade dos seus poderes. Milarepa vai então à procura de um mestre que o afaste da

corrente das culpas e conduza-o em direção da liberação. O seu guia predestinado será Marpa o

Tradutor, uma grande figura da tradição tibetana. Sublime e rude, santo simulador, com um

maravilhoso fingimento de crueldade e incompreensão Marpa consegue testar de maneira muito

radical o discípulo, leva-o a uma via sem saída da qual somente uma fé inexaurível consegue

libertá-lo. Então, finalmente desperto, Milarepa pode começar a sua longa meditação solitária.

Imóvel em lugares desertos, ele procede por etapas, através de provas mortificantes, até chegar ao

conhecimento supremo, conquistando os milagrosos poderes do iluminado.

O universo tibetano, dentro do qual desenvolve-se a história de Milarepa, é uma construção

elaboradíssima e rigorosa, onde a magia é fundamento de tudo. Estamos circundados por todos os

lados pela viva presença de inumeráveis demons multiformes, que o sortilégio pode frear ou

desencadear: neste panorama destaca-se a figura de Milarepa, o qual, após ter exercido a magia

como poder negativo, chega a englobá-la em uma experiência que toca o ponto supremo da

iluminação e que será fundamento de uma concepção religiosa mais intimamente vivida, de novos

e mais ricos valores morais.

O ENCONTRO COM MARPA

Após muitos anos de viagens e pesquisas, ouviu falar de um grande lama, que tinha traduzido

muitas obras importantíssimas trazendo-as da Índia com grandes sacrifícios. Chamava-se Marpa.

Assim que ouviu o seu nome, Milarepa sentiu uma grande alegria e ficou todo arrepiado.

Procurou-o e depois de muito tempo, chegou em um vale onde um rude e robusto camponês

sapava a terra. Ele acolheu-o, e dadas as condições miseráveis de Milarepa, de maneira ranzinza,

convidou-o para ir até a sua casa. Depois revelou quem era: era ele Marpa e já sabia da sua

chegada, porque tinha sonhado.

Imediatamente Milarepa pediu-lhe para instruí-lo, mas Marpa insultou-o, repreendeu-o porque

não tinha como pagá-lo e intimou-o a trabalhar para ele.

“Construa uma torre para o meu filho, quando você tiver acabado, eu o instruirei”.

Milarepa, com grande vigor, transportando pedras o dia todo, construiu uma torre de seis

andares. Um dia Marpa apresentou-se e disse: “Quem te pediu para fazer isso? Destrua

imediatamente esta torre!” Alguns dias mais tarde, Marpa pediu para Milarepa construir uma

fortaleza: assim que a construção estava quase pronta, Marpa irritou-se e disse-lhe para destruí-la.

Já tinham-se passado alguns anos. Milarepa tinha trabalhado duramente, submetendo-se aos

caprichos aparentemente absurdos de Marpa, estava com a coluna curva de tanto transportar

pedras, e não obstante isso Marpa ainda não tinha lhe dado nenhum ensinamento.

Nesta segunda parte da história Milarepa após longas provas consegue obter os ensinamentos e

vai praticá-los no gelo das montanhas, na terrível solidão.

Por outras seis vezes Marpa mandou que Milarepa construísse torres, mas toda vez, quando o

trabalho já estava acabado, ele chegava e mandava destruir tudo, e que Milarepa colocasse cada

pedra e cada torrão no seu lugar.

Por mais uma vez, algum tempo depois, Marpa mandou que Milarepa contruísse uma fortaleza e

ele novamente começou a trabalhar. Passados alguns meses, finalmente acabado o trabalho com

o medo constante que Marpa lhe pedisse para destruir novamente a obra realizada, Milarepa

pensou de apresentar-se mais uma vez diante de Marpa. Justamente naquele dia Marpa estava

recebendo os seus discípulos, para dar uma iniciação e Milarepa ficou entre eles, para escutar,

todo ansioso.

Assim que Marpa o viu, levantou-se, insultou-o, chutou-o e bateu nele na frente de todos e

mandou-o embora. Não obstante todo o trabalho, e provando secretamente enorme compaixão

por ele, Marpa achava que ainda não tinha chegado o momento para iniciá-lo à doutrina. Milarepa

estava desesperado, na sua alma sucediam-se esperança e temor, e a certeza que a sua vida não

tinha sentido sem receber os ensinamentos. Naquela noite, desesperado, pensou em suicidar-se.

Mas a mulher de Marpa, que amava-o como se fosse um filho aconselhou-o de procurar um outro

Lama, discípulo de Marpa, e de pedir para ele para ser iniciado. E assim fez Milarepa.

O lama Gnogpa instruiu-o e disse-lhe para meditar por um ano em uma gruta. No final do ano,

Milarepa acompanhou o lama Gnogpa até Marpa, que assim que o viu acolheu-o como um filho.

Agora tinha chegado o momento para Milarepa receber os ensinamentos.

Marpa transmitiu-lhe o ensinamento do ‘fogo interior’, e disse-lhe para praticá-lo nas montanhas,

onde nenhum homem teria podido perturbar a sua contemplação.

Naquele momento Milarepa soube que Marpa era o seu Mestre com o qual tinha uma ligação

Cármica. E partindo, com lágrimas nos olhos, soube que não o veria mais.

Milarepa foi para as montanhas, na gruta Rocha-Branca, e ali ficou por três anos contemplando.

Não tendo outros alimentos, nutriu-se de urtigas e com o passar do tempo a sua pele ficou verde.

“Cresciam muitas urtigas e tinha uma água excelente: as urtigas forneciam-me um tecido para

proteção externa do corpo e uma farinha sem sabor para o nutrimento interno. Assim o meu

corpo ficou como um esqueleto, a pele assumiu a cor da urtiga e a consistência da cera e os pelos

se tornaram duros e espessos, verdes. Todos os meus ossos podiam ser vistos e os meus membros

estavam para destacarem-se.”

A este ponto a irmã de Milarepa, Peta, na festa anual da cidade veio a saber que seu irmão estava

vivo e decidiu viajar para encontrá-lo. Depois de um mês encontrou-o levando consigo farinha,

manteiga e vinho.

“Eu aceitei as ofertas de Peta e comi e bebi, assim sendo imediatamente a minha inteligência

finalmente iluminou-se.”

A sua história começou a ser conhecida, e era suficiente que alguém ficasse próximo a ele para ser

levado somente vendo-o a iniciar a via da contemplação e do dharma.

Milarepa podia ser visto contemporaneamente em mais de um lugar e voava.

Mas Milarepa, quando via chegarem pessoas na sua gruta, mudava de lugar, procurando a

completa solidão para obter a liberação final, em um só corpo e em uma só vida.

Ele já tinha levado uma infinidade de seres para a via da liberação.

Depois de ter ensinado o Dharma por anos, Milarepa foi envenenado por um lama invejoso.

Então Milarepa mandou chamar todos aqueles que tinham-no conhecido, que tinham tido fé nele,

e que queriam encontrá-lo.

Durante muitos dias Milarepa falou sobre a lei do carma e sobre a natureza da realidade. A todos

os presentes manifestaram-se muitos fenômenos, todos ouviram músicas maravilhosas,

extraordinários perfumes estavam presentes no ar e o céu azul estava cheio de arco-íris. Uma

grande alegria invadia toda a assembleia...

Circundado pelos seus discípulos Milarepa entrou em um estado de meditação profunda. Assim

morreu com a idade de oitenta e quatro anos.

(Da “Vida de Milarepa”, Adelphi, 1991)

CONSIDERAÇÕES SOBRE A INICIAÇÃO

de René Guénon

Prefácio

Desde diversas partes e em várias ocasiões, foi-nos pedido reunir em um volume os artigos que fizemos

aparecer na revista Études Traditionnelles, sobre questões que se referem diretamente à iniciação; não nos

foi possível dar satisfação imediata a essas demandas, já que estimamos que um livro deve ser mais que

uma simples coleção de artigos, e isso ainda mais quando, no caso presente, esses artigos, escritos ao fio

das circunstâncias e freqüentemente para responder a perguntas que se nos faziam, não se encadeavam à

maneira dos capítulos sucessivos de um livro; assim, era necessário retocálos, completá-los e dispô-los de

outro modo, e isso é o que fizemos aqui.

Além do mais, isso não quer dizer que tenhamos querido fazer assim uma espécie de tratado mais ou

menos completo e em certo modo «didático»; rigorosamente, isso seria ainda concebível, caso se tratasse

só de estudar uma forma particular de iniciação, mas, desde que se trata, pelo contrário, da iniciação em

geral, seria uma tarefa completamente impossível, já que as perguntas que se podem fazer a este respeito

não são em número determinado, posto que a natureza própria do tema se opõe a toda delimitação

rigorosa, de sorte que não se poderia ter a pretensão de tratá-las todas e de não omitir nenhuma.

Em suma, tudo o que se pode fazer é considerar alguns aspectos, colocar-se sob certos pontos de vista,

que, certamente,inclusive se forem aqueles cuja importância aparece mais imediatamente por uma ou

outra razão, não obstante deixam fora deles muitos outros pontos que seria igualmente legítimo

considerar; por isso é pelo que pensamos que a palavra «percepções» era a que podia caracterizar melhor

o conteúdo da presente obra, ainda mais quando, inclusive no que concerne às questões tratadas, sem

dúvida, não é possível «esgotar» completamente nenhuma sozinha.

Além disso, não se poderá dizer que não se podia tratar de repetir aqui o que já dissemos em outros livros

sobre pontos que se relacionam com o mesmo tema; devemos nos contentar remetendo o leitor a eles

cada vez que seja necessário; além disso, na ordem de conhecimento ao que se referem todos nossos

escritos, tudo está ligado de tal maneira que é impossível proceder de outro modo.

Acabamos de dizer que nossa intenção foi essencialmente tratar questões concernentes à iniciação em

geral; assim, deve se entender bem que, cada vez que refiramos a tal ou qual forma iniciática determinada,

fazêmolo unicamente a título de exemplo, a fim de precisar e de fazer compreender melhor o que, sem o

apoio destes casos particulares, correria o risco de permanecer muito vago. Importa insistir nisto,

sobretudo

quando se tratar das formas ocidentais, a fim de evitar todo equívoco e todo mal-entendido: se fizermos

bastante freqüentemente alusão a elas é porque as «ilustrações» que daí podem ser tiradas nos parecem,

em muitos casos, ser mais facilmente acessíveis que outras à generalidade dos leitores e, inclusive, já mais

ou menos familiares para certo número deles; é evidente que isso é inteiramente independente do que

cada um possa pensar do estado presente das organizações pelas quais estas formas iniciáticas são

conservadas e praticadas.

Quando alguém se dá conta do grau de degeneração ao qual chegou o ocidente moderno, é muito fácil

compreender que muitas das coisas da ordem tradicional, e com maior razão da ordem iniciática, quase

não podem subsistir nele mais que no estado de vestígios, quase incompreendidos por aqueles mesmos

que têm sua custódia; além disso, isso é o que faz possível a eclosão, ao lado destes restos autênticos, das

múltiplas «contrafações» que já tivemos a ocasião de falar em outra parte, não sendo mais que em

semelhantes condições onde podem iludir e conseguir fazer-se tomar pelo que não são; mas, seja como for,

as formas tradicionais permanecem sempre, em si mesmas, independentes das contingências.

Adicionamos também que, quando nos ocorrer considerar ao contrário essas mesmas contingências e falar,

não já de formas iniciáticas, mas sim do estado das organizações iniciáticas e pseudo-iniciáticas no ocidente

atual, apenas enunciaremos a constatação de fatos que evidentemente não nos tocam em nada, sem

nenhuma outra intenção ou preocupação que a de dizer a verdade a esse respeito como para qualquer

outra coisa que tenhamos que considerar no curso de nossos estudos, e de uma maneira tão inteiramente

desinteressada quanto é possível. Cada um é livre para tirar disso as conseqüências que lhe convenham;

quanto a nós, não estamos encarregados, de maneira nenhuma, de levar ou de tirar aderentes a nenhuma

organização, qualquer que seja, não comprometemos a ninguém a pedir a iniciação aqui ou acolá, nem

tampouco a abster-se disso, e estimamos inclusive que isso não nos concerne e que tampouco poderia

entrar em nosso papel.

Alguns se surpreenderão possivelmente de que nos creiamos obrigados a insistir bastante nisso, e, para

falar a verdade, isso deveria ser efetivamente inútil se não fora necessário contar com a incompreensão da

maioria de nossos contemporâneos, e também com a má fé de um enorme número deles;

desgraçadamente, estamos muito habituados a nos ser atribuída toda espécie de intenções que jamais

tivemos, e isso por pessoas que vêm dos lados mais opostos, ao menos na aparência, para não tomar a este

respeito todas as precauções necessárias; por outra parte, não pretendemos adicionar as suficientes, pois,

quem poderia prever tudo o que alguns são capazes de inventar?

Ninguém deverá se surpreender tampouco de que nos estendamos freqüentemente sobre os enganos e as

confusões que são cometidos mais ou menos usualmente a respeito da iniciação, já que, além da utilidade

evidente que há em dissipá-los, é precisamente ao constatá-los que fomos levados, em muitos casos, a ver

a necessidade de tratar mais particularmente tal ou qual ponto determinado, que sem isso teria podido nos

parecer claro ou ao menos não ter necessidade de tantas explicações. O que é bastante digno de precisão,

é que alguns destes enganos não são cometidos só por profanos ou pseudo-iniciados, o que, em suma, não

teria nada de extraordinário, mas também por membros de organizações autenticamente iniciáticas, e

entre os quais os há inclusive que são considerados como «luminárias» em seu meio, o que é

possivelmente uma das provas mais contundentes desse estado atual de degeneração ao qual fazíamos

alusão faz um momento. A este propósito, pensamos poder expressar, sem correr muito risco de ser mal

interpretado, o desejo de que, entre os representantes destas organizações, encontrem-se ao menos

alguns a quem as considerações que expomos contribuam para restituir a consciência do que é

verdadeiramente a iniciação; além disso, a este respeito, não mantemos esperanças exageradas, como

tampouco para tudo o que concerne mais geralmente às possibilidades de restauração que o Ocidente

pode levar ainda em si mesmo. Entretanto, há certamente a quem o conhecimento real faz mais falta que a

boa vontade; mas esta boa vontade não basta, e toda a questão seria saber até onde é suscetível de

estender-se seu horizonte intelectual, e também se estiverem bem qualificados para passar da iniciação

virtual à iniciação efetiva; em todo caso, quanto a nós, não podemos fazer nada mais que proporcionar

alguns dados dos que se aproveitarão possivelmente aqueles que sejam capazes e que estejam dispostos a

tirar partido deles na medida em que as circunstâncias o permitam.

Certamente, esses não serão nunca muito numerosos, mas, como já tivemos que dizê-lo freqüentemente,

não é o número o que importa nas coisas desta ordem, provido não obstante, nesse caso especial, que seja

ao menos, para começar, o que requer a constituição das organizações iniciáticas; até aqui, as poucas

experiências que se tentaram, em um sentido mais ou menos próximo do que aqui se trata, a nosso

conhecimento, não puderam ser impulsionadas, por razões diversas, o suficientemente longe para que seja

possível julgar os resultados que seriam obtidos caso as circunstâncias tivessem sido mais favoráveis.

Além disso, está bem claro que o ambiente moderno, por sua própria natureza, é e será sempre um dos

principais obstáculos que, indevidamente, deverá encontrar toda tentativa de restauração tradicional no

ocidente, tanto no domínio iniciático como em qualquer outro domínio; é certo que, em princípio, este

domínio iniciático deveria, em razão de seu caráter «fechado», estar ao abrigo dessas influências hostis do

mundo exterior, mas, de fato, faz já muito tempo que as organizações existentes se deixaram penetrar por

elas, e certas «brechas» estão abertas agora muito amplamente para serem reparadas facilmente. Assim,

para não tomar mais que um exemplo típico, ao adotar formas administrativas imitadas das dos governos

profanos, estas organizações deram pé a ações antagonistas que, de outro modo, não teriam encontrado

nenhum meio de se exercer contra elas e teriam caído no vazio; além do mais, esta imitação do mundo

profano constitui, em si mesmo, uma dessas inversões das relações normais que, em todos os domínios,

são tão características da desordem moderna. As conseqüências desta «contaminação» são hoje tão

manifestas, que é mister estar cego para não as ver e, entretanto, duvidamos que muitos saibam as atribuir

a sua verdadeira causa; a mania das «sociedades» está muito arraigada na maioria de nossos

contemporâneos para que concebam sequer a simples possibilidade de prescindir de algumas formas

puramente exteriores; mas, por esta mesma razão, é possivelmente a isso contra o que deveria reagir em

primeiro lugar qualquer pessoa que queira empreender uma restauração iniciática sobre bases

verdadeiramente sérias.

Não iremos mais longe nestas reflexões preliminares, já que, repetimo-lo uma vez mais, não é a nós a quem

pertence intervir ativamente em tentativas desse gênero; indicar a via a aqueles que possam e queiram

comprometer-se nisso, isso é tudo o que pretendemos a este respeito; e, além disso, o alcance do que

vamos dizer está muito longe de se limitar à aplicação que se possa fazer disso em uma forma iniciática

particular, posto que se trata acima de tudo dos princípios fundamentais que são comuns a toda iniciação,

seja do oriente ou do ocidente.

Efetivamente, a essência e a meta da iniciação são sempre e por toda parte as mesmas; só as modalidades

diferem, por adaptação aos tempos e aos lugares; e adicionaremos em seguida, para que ninguém possa

equivocar-se a este respeito, que esta própria adaptação, para ser legítima, não deve ser nunca uma

«inovação», quer dizer, o produto de uma fantasia individual qualquer, mas sim, como a das formas

tradicionais em geral, deve proceder sempre em definitivo de uma origem «não humana», sem a qual não

poderia haver realmente nem tradição nem iniciação, mas tão somente alguma dessas «paródias» que

encontramos tão freqüentemente no mundo moderno, que não vêm de nada e que não conduzem a nada,

e que assim não representam verdadeiramente, caso possa se dizer, mais que um nada puro e simples,

quando não são os instrumentos de algo pior ainda.

Tradução: Igor Silva

Nota: o livro “Considerações sobre a Iniciação” de René Guénon pode ser baixado sem restrições clicando

neste link: https://meocloud.pt/link/1d3d089e-a926-410f-8156-

96981a68a7dd/R%C3%A9ne%20%20Gu%C3%A9non%20-

%20Considera%C3%A7%C3%B5es%20sobre%20a%20Inicia%C3%A7%C3%A3o.pdf/

GIORDANO BRUNO E OS ROSACRUZES Um mistério revelado, entre magia, alquimia e filosofia

Por GUIDO DEL GIUDICE

(tradução Flavia Wass)

Com as pesquisas finalizadas para realização da primeira tradução italiana da Summa terminorum

metaphysicorum, iluminaram um período de seis meses da atormentada peregrinação de Giordano Bruno

(1548-1600) e, até agora, colocado na sombra.

De fato, vieram à tona provas evidentes que confirmam tal contato entre o filosofo e um núcleo alemão da

confraria dos Rosacruzes, que no passado era somente uma hipótese.

Personagem principal desse evento é o teólogo alquimista suíço Raphael Egli (1559¬1622), o qual convidou

o Nolano à Elgg, nas proximidades de Zurigo, no castelo do seu mecenas Johann Heinrich Hainzel,

oficialmente para ministrar um ciclo de lições em terminologia Aristotélica. E será ele a publicar anos mais

tarde, em duas vezes, o texto destas lições com o título de Summa terminorum metaphysicorum. Egli é um

personagem que foi extremamente desvalorizado por que, depois de alguns desagradáveis infortúnios

devido à paixão pela alquimia, teve a cautela de esconder a sua abundante produção de textos alquímicos e

apocalípticos atrás de uma fornida série de pseudônimos. Somente recentemente foram atribuídos a ele

umas sessenta obras, que revelam uma surpreendente personalidade intelectual, ponto de ligação entre

correntes místicas e alquímicas da Alemanha e da Suíça italiana no final do século XVI e início do século

XVII. Nesses obras, Egli vagueia das análises das relações entre macro e microcosmo à profecia paracelsiana

do retorno de Elia Artista, das interpretações de símbolos mágicos às teorias rosacrosianas. Foi também

autor, com o pseudônimo de Filippo di Gabala, da Consideratio Brevis, publicada na Alemanha com a obra

Confessio fraternitatis, um dos manifestos do movimento Rosacrusiano, no qual faz referimento à

“confraternità dei cristiani battezzati dal róseo sangue dela croce di Cristo” (Confraria dos cristãos

batizados com o vermelho sangue da cruz de Cristo) como fonte de verdadeira revelação. Provavelmente

em 1591 não somente a confraria já era ativa na Alemanha, mas se encontrava numa fase de recrutamento

e Raphael Egli era um ideal candidato a transformar-se em um líder. Se é possível, que durante a estada

suíça do filósofo Nolano, emergiram sugestões rosacrusianas, também é praticamente certo, que Egli

carregou muitos dos conceitos assimilados durante seu contato com Bruno na doutrina dos Rosacruzes.

Desta ele seguramente foi um dos principais artífices na Alemanha. O círculo de alquimistas das inspirações

paracelsiana, na qual Bruno foi acolhido como um mestre constituído, muito provavelmente foi o núcleo

fundamental daquela seita de “Giordanisti”, que o filósofo se vangloriou em mais de uma ocasião, com os

seus companheiros de prisão nos cárceres venezianos, por tê-la fundado na Alemanha. À luz destas novas

evidências, colocava- se o problema de estabelecer se as frequências aos ambientes rosacrusianos foi uma

etapa ocasional do movimentado itinerário filosófico e existencial de Bruno ou ainda, o esboço evolutivo de

precedentes contatos no âmbito da confraria. A tal objetivo, revela-se de extremo interesse o exame de

um manuscrito conservado no antigo fundo da Biblioteca Nacional de Nápoles, familiar aos estudiosos

rosacrusianos pelas implicações da presença de um núcleo de adeptos napolitanos, na primeira metade do

século XVI.

Trata-se de uma coletânea de três textos diversos: ao relatório de um colóquio, em que o pontífice

Bonifácio VIII pede ao grande alquimista Arnaldo da Villanova, um esboço da pedra filosofal e a uma

pesquisa dos experimentos alquímicos, segue um terceiro documento intitulado Osservazioni inviolabili da

osservarsi dalli fratelli dell’Aurea Croce o della Rosa Croce precedenti la solita professione (observações

invioláveis que os irmão da Aurea Cruz ou Rosa Cruz devem respeitar anterior a usual profissão). Este

último é o mais antigo estatuto rosacrusiano, até hoje conhecido. E nesse, algo ainda mais interessante,

afirma-se que “le strettissime leggi e patti” (leis e pactos rigorosos) são muito mais antigos, mesmo nos

anos 1542¬1543. Esta data corresponde perfeitamente à fundação, em Nápoles, de uma academia

filosófica à obra do intelectual de Viterbo Girolamo Ruscelli, o qual próprio em torno à 1541, se transferiu

da residência romana do cardinal Grimani, naquela napolitana de Alfonso D’Avalos, marquez do Vasto.

Intelectual prolífico, curador, para o importante editor veneziano Valgrisi, das obra dos grandes poetas

(Ariosto, Boccacio, Petrarca), Ruscelli deve porém, sua fama à publicação, com o pseudônimo de Don

Alessio Piemontese de numerosas coleções dos “secretos”. Estas são receitas de variado gênero, num

predominante conteúdo alquímico, que se tornaram um verdadeiro e próprio best-seller da época com

dezenas de edições nas principais línguas. No prefácio dos Secreti nuovi di maravigliosa virtu (Novos

segredos de virtudes maravilhosas), uma reedição publicada em 1567, um ano depois da sua morte,

Ruscelli descreve a constituição e organização de uma academia filosófica “secreta de caráter

prevalentemente alquímico”, na província do reino de Nápoles. O “príncipe e Senhor da terra”, ao qual faz

referimento, é provavelmente Ferrante Sanseverino, príncipe de Salerno, aliado de D’Avalos. Em Sua corte,

frequentada por muitos intelectuais, encontrou acolhimento e proteção. A falência da conspiração

organizada no 1552 contra o vice-rei Pedro Alvarez de Toledo, que determinou a caída em desgraça do

príncipe, constringe o Ruscelli a abandonar precipitadamente o reino de Nápoles e a reparação de Veneza.

O manuscrito de Nápoles, escrito inteiramente em italiano, pertencia a um certo Andrea Segura, no qual

muitos almejaram reconhecer Francesco Maria Santinelli, o autor rosacrusiano muito ativo na cidade

napolitana e próprio naquele período. Esse manuscrito provém, juntamente com outros escritos

alquímicos, do convento de S. Domenico Maggiore, como relata um catálogo compilado em 1764. A

biblioteca do convento continha uma rica seção de textos esotéricos, e naturalmente proibidos, não

somente pela sua função de controle e censura, mas também pelo genuíno interesse, que os homens cultos

da igreja, a começar pelos papas, manifestavam para os temas herméticos e alquímicos. Não é de admirar,

então, que o jovem Nolano chega a nutrir uma própria insaciável cobiça do saber acessando, embora

secretamente, os textos de autores fundamentais da tradição mágico-hermética, como por exemplo:

Paracelso, Cornelio Agrippa, Ermete Trismegisto e muitos outros.

Entre os frequentadores da academia fundada por Ruscelli foi o jovem Giovan Battista Della Porta, a qual

nobre família era também essa sob a proteção de Sanseverino. A Magia naturalis, que Della Porta afirma de

ter escrito com apenas 15 anos de idade, poderia ser a transcrição dos experimentos realizados na

academia de Ruscelli. Tempos depois, por volta dos anos 60 daquele século, Della Porta fundou à Nápoles a

“Academia dos segredos”. Com o mesmíssimo objetivo declarado de testar receitas e preparações, ou seja,

os famosos “segredos”, justo por estabelecer a real eficácia.

Diz a história, que em 1566 no retorno de uma longa viagem na Itália e Europa, ele examinava todos os

experimentos da sua academia, aprovando somente aqueles fundamentados pela evidência dos resultados.

À época Bruno recém tinha entrado como noviço no convento de S. Domenico e muitas vezes sugeriu-se a

hipótese de um encontro com Della Porta. Além do interesse pelos argumentos como as ars memoriae, a

fisiognomica e a magia natural, os unia a admiração pela tradição egípcia. O ambiente alquímico, embora

inspirado por um panpsiquismo telesiano, o qual Bruno não era totalmente estranho, nunca o convencerá

completamente. Ao contrário, serà o argumento principal, tratado com divertida ironia no seu Candelaio,

comédia ambientada em uma Nápoles, teatro de alquimistas ridicularizados, astutos cortesãos e hábeis

trapaceiros. A definição de “academico di nulla academia” (acadêmico de nenhuma academia), que o

filósofo nomeia para si mesmo na comédia, poderia ter sido um referimento precisamente a proliferação

destas academias secretas, para que Bruno sentia afinidade, pela formação e interesses culturais, mas aos

quais era aderir. Por seu espírito de independência e ojeriza em submeter-se a uma hierarquia ou a uma

ordenação. Uma visão especulativa do mais amplo respiro, orientava os seus estudos no sentido

infinitistico, reservando ao Egito Hermético, “culla fluviale di tutte le religioni ” (berço fluvial de todas as

religiões), o papel de civilização fabulosa “sedia e colonna del cielo” (cadeira e coluna no céu), custódia

daquele panteísmo transbordante do infinito, do qual derivam todas outras devoções.

O altar maggiore de S. Domenico foi demolido, para transferir atrás disso, o coro que se encontrava no

centro da igreja e embaixo desse foi encontrada uma lapide de mármore com oito versos, que iniciam com

“Nimbifer ille deo mihi sacrum invidit Osirim”. Isso em 1562, pouco antes que Filippo, pertencente à família

“dos Bruni”, chegasse a Nápoles, aos quatorze anos, para estudar com seus primeiros mestres. A lapide se

encontra murada pelo campanário perto do portão do convento e provariam que o atual templo de S.

Domenico era originalmente dedicado a adoração de Osiride.

A “Academia dos segredos” havia duas sedes, uma para os amigos da cidade, no palácio dos Della Porta in

Via Toledo, próximo ao Largo da Caridade e uma privada montanha, na estrada chamada Due Porte.

Próprio nas redondezas desta última, recentes achados de espeleologia urbana, tem permitido

individualizar ambientes subterrâneos, no qual, os adeptos da academia tinham as suas reuniões

clandestinas. Onde podem ainda, observar afrescos e inscrições, que atestam a prática dos cultos de

natureza hermética.

Tais cerimoniais, tem ligação com a tradição egípcia muito bem radicada à Nápoles, que remonta as

colônias “Nilesi” dos mercados de Alexandria estabelecidos no “corpo de Nápoles”. Própria a zona, na qual

Bruno viveu os anos da sua formação e onde, ainda hoje, se ergue a estátua do deus Nilo. Estas influências

nos ajudam a compreender aquele importante componente do egipcianismo, presente no pensamento do

filósofo, que levou Frances Yates a defini-lo como “mago hermético”.

A academia filosófica de Girolamo Ruscelli e a academia dos segredos de Giovan Battista Della Porta

constituiriam, então, os percursores das associações rosacrusianas que o manuscrito de Segura, em 1678

atesta serem ativas, em Nápoles. A existência, na segunda metade do século XVI, deste núcleo italiano do

movimento é confirmada pelos altos do processo, que foi submetido, em 1676 pela inquisição veneziana, o

gentil homem de origem alemã, Federico Gualdi, acusado de praticar artes mágicas. As notícias a respeito

dele, que ficam entre os confins da realidade e lenda, atribuem a Gualdi o papel de adepto ou mestre de

uma irmandade hermética, a paternidade de numerosas obras de argumento alquímico e um segredo que

os haveria concedido de prolongar a vida até os 400 anos de idade. A documentação relativa ao processo,

conservada nos arquivos do Estado de Veneza, atesta, contudo e sem sombra de dúvida, a existência na

Itália de uma confraria da Aurea Croce, que uniformizava seu comportamento às regras relatadas no

manuscrito de Segura.

Que a ordem dos Aurei Rosacruzes, seja um produto de importação da Itália, é confirmado também pelas

análises do primeiro estatuto orgânico em língua alemã, que remonta ao ano de 1710, ano no qual Samuel

Richter, um pastor luterano de tendência petista, discípulo de Paracelso e Jacob Bohme, publicou em

Slesia, com o pseudônimo de Sincerus Renatus, as Gesetze oder Reguln der Bruderschafft des goldnen

Creutzes (Leis ou Regras da Confraria da Aurea Cruz). Isso não é outro, que a tradução dos 47 artigos do

manuscrito napolitano, onde aqui resultam 52. As tênues diferenças, são devido ao fato, que o

ordenamento da corrente italiana se revela muito mais ecumênico, comparado aquele alemão, orientado

nitidamente no sentido luterano, como aconteceu no caso do círculo de Elgg. No estatuto, todavia, não se

faz referimento a Christian Rosenkreuz e aos manifestos originais dos Rosacruzes, correspondentes ao anos

1614-1616 (Fama e Confessio Fraternitatis), bem como à religião católica, aos imperadores, e ao uso da

pedra filosofal, assim evidenciando a tendência das sociedades mais tarde em religar-se ao núcleo

originário italiano, muito mais do que aquele alemão. Interessante observar, que nos rituais da sociedade

esotérica dos fins de 800 - início dos 900 o nome místico do Magister, “Pedemontanus de Rebus” parece

lembrar o que Alessio Piemontese (Alexus Pedemontanus), que é o pseudônimo sob o qual Girolamo

Ruscelli publicou os Secreti nuovi di maravigliosa virtù.

À luz de tudo isso dito, Giordano Bruno poderia ter sido o trait-d’union entre a tradição associativa das

“academias” italianas e as confrarias proto-rosacrusianas alemãs. O interesse de Egli e Hainzel, grandes

colecionadores de textos alquímicos provenientes de toda parte, que andaram para pesquisar o filósofo em

Frankfurt, pode ter vindo do fato que Bruno vem de uma realidade de grande interesse, como Nápoles,

cuja reputação certamente chegou até eles.

Se eles contaram com uma militância ativa ou talvez com uma função de “Magister” nesse movimento,

Bruno devia desiludi-los.

É, ainda, um fato marcante que elementos sugestivos de seu pensamento, do egípcianismo à teoria do

macrocosmo e o microcosmo, constituem ainda hoje, uma referência constante da doutrina rosacrusiana.

Ao avaliar estas analogias, porém, nunca devemos esquecer o radical anticristianísmo do Nolano. Para ele

Cristo é somente um homem e a nenhum homem pode ser atribuída uma função intermediária, que cada

um de nós, desde já não possua. Egli não aceita nenhuma autoridade em relacionar-se a um Deus, que a

priori é desconhecido na sua verdadeira essência. Na opinião de Giordano Bruno, a genealogia da antiga

sabedoria se firma no Egito. A sua estrada e aquela dos Rosacruzes, foi um caminho comum, mas divergem

no cruzamento com o Cristianismo.

SUB SPECIE INTERIORITATIS “Sob a forma de interiorização”

Coelum…, nihil aliud est quam spiritualis interioritas

(GUIBERTUS – De Pignoribus Sanctorum IV, 8)

Aquila volans per aerem et Buso gradiens per terram est Magisterium

( M. MAYER – Symbola Aureae Mensae duodecim Nationum, Francoforte, 1617, p. 192)

Primeiramente, os poucos textos de Reghini que eu li são muito bons de lerem. São mais compreensíveis. Não é uma leitura chata. São mais degustáveis. Acho que isso já foi falado. Mas vale a pena citar novamente. Diversos são os temas aqui expostos que são de suma importância a serem tratados. Este aqui não é diferente. Sub Specie Interioritatis. A tradução crua diz: Sob a forma de interiorização. Contudo, lendo o próprio texto, que já é bem claro, já pode nos mostrar todo o contexto exprimido por Reghini. A particularidade deste texto é justamente o que o Reghini traz à tona em relação a sua própria experiência vivida, em palavras dele “e eu tentarei, hoje, exprimir, humanis verbis, esta impressão, evocando-a novamente dos íntimos recessos da consciência” a sensação de realidade imaterial. A parte material, profana, creio todos aqui já saberem e serem bem “expertos”, então, vamos contextualizar a outra parte. Pelo menos para mim, todas as sensações de um “outro mundo” que eu vi/ouvi relatar, são de objetos se mexendo, voando, alterações no tempo como por exemplo fazer uma chuva cair, passar um vento, materializações de coisas, projeções astrais e outras coisas. Mas é a primeira vez que eu vejo um relato da impressão de uma pessoa quanto a imaterialidade. Bem, e por diversas vezes lemos da separação dos corpos, do encontro com o seu eu-interior de uma forma bem poética e fantasiosa, mas é a primeira vez que eu leio que alguém tenta exprimir, o seu encontro com o seu eu-interior de forma mais real possível. Vamos aos pontos interessantes deste texto:

Não há palavras para descrever a experiência vivida. Ela é pessoal e intransferível. Isso já nos remente a tal da questão de praticar, praticar e praticar para ter a sua própria experiência.

Não é preciso estar entorpecido, com fome, dentre outras coisas para se ter esse tipo de vivência. É preciso estar equilibrado.

A minha leitura da sensação impressa por Reghini é uma sensação de interiorização (ou seja, você está “vestindo” a capa humana) e também de unificação com tudo o que existe e está sendo vivido. Desculpe, se Reghini tenta exprimir em palavras da melhor maneira que

ele pôde, imagina eu, ainda mais tentando resumir a vivência dele. Reghini diz: “Era uma nota do poema eterno aquilo que eu sentia”. Sem palavras, sem palavras.

Essa vivência dele, foi de uma forma positiva, sem transições, sem pré-avisos, aflorada rapidíssima e permaneceu firme, vivente, de um modo que permitiu Reghini vive-la intensamente e percebê-la com certeza para depois sim, desaparecer. Assim mostrou o seu poder e sua pureza. (o seu eu-interior. E já que ele se sentiu unificado com tudo e com todos, por que não dizer, Deus?)

“O espírito sopra onde ele quer” e não leva em conta a capacidade filosófica, ou os estudos que se faz.

Após, Reghini explora as diferenças das vidas materiais e imateriais. A verdade de um não leva a falsidade do outro; a existência de um não exclui a coexistência do outro. É ilusório e arbitrário acreditar que não exista, e não deva existir, senão um modo de sentir a realidade;

E no fim deste texto, existem algumas máximas, que merecem serem lidas, já que Reghini coloca elas muitíssimo bem:

“A minha experiência, por mais que tenha sido fugaz, deu-me a demonstração prática da possível efetiva simultânea coexistência das duas percepções da realidade, a percepção espiritual pura e aquela comum corpórea, por mais que sejam contraditórias para o olho da razão. É uma experiência elementar sobre a qual não é certamente o caso de sentir-se orgulhoso; nem de servir-se para fabricar um novo sistema filosófico ou para fundar uma nova religião; mas é sempre uma experiência fundamental que recorda aquela de Arjuna na Bhagavad-gita e aquela de Tat no Pimandro; é sempre uma primeira percepção efetiva direta daquilo que os cabalistas chamavam o santo palácio interior, e Filaletes o palácio oculto do Rei, e também aquilo que Santa Teresa chamava o castelo interior. Por mais elementar que seja, é uma experiência que inicia uma vida nova, dupla; o dragão hermético coloca as asas e torna-se anfíbio, capaz de viver na terra e de destacar-se da terra.” Reafirmo o que Reghini diz: É o início de uma vida nova, dupla; O dragão hemértico coloca as asas e torna-se anfíbio, capaz de viver na terra e de destacar-se na terra.

E logo no próximo parágrafo, Reghini continua, mais uma máxima: “Mas se dirá, por que, habitualmente somos surdos para esta percepção, e eu mesmo que escrevo não a tinha percebido antes? Por que desapareceu? E serve para que? Talvez não seja melhor não suspeitar nem mesmo da existência de mistérios tão perturbadores? E por que não se ensina como se faz para obter esta impressão? E é justo que alguns poucos sejam partícipes dela e os outros não?” Reghini não prolonga mais com estes assuntos, já que pode não pode dar respostas certas para todos.

Algumas frases podem ser ditas aqui, que podem responder a algumas estas perguntas, não para todos, como:

"Não deis aos cães as coisas santas, nem deiteis aos porcos as vossas pérolas, para que não suceda de que eles as pisem com os pés e que, voltando-se contra vós, vos dilacerem." — Bíblia, Novo Testamento, Livro de Mateus, Capítulo 7, versículo 6.

O mundo é duplo; Sempre haverá uma coisa boa e uma coisa ruim. Sempre haverá um mundo físico e um mundo astral. A comunhão destes dois mundos é talvez, o ideal.

O poder existe e as pessoas podem usa-lo para coisas erradas; Inclusive, vivemos isso muito bem com os nossos atuais governos.

Hoje existe um movimento das pessoas saindo das grandes cidades, fugindo do caos, e indo para o interior, mais isoladas, procurando lugares mais calmos, interiorizando-se.

Aqui também já falei demais. E também são impressões minhas, que posso até estar errado em meu modo de ver. Infelizmente não tenho todas as respostas para estas perguntas magnas. Então aqui eu finalizo este texto.

Comentario do I+ Bruno Mansano Marrao

PLOTINO – O RETORNO AO UNO

Reinholdo Aloysio Ullmann4

Durante as nossas pesquisas sobre autores e escritos tendo um caráter pitagórico e neo-pitagórico

na Biblioteca Ambrosiana de Milão, encontramos com feliz surpresa Reinholdo Aloysio Ullmann,

extraordinário autor de textos relativos à filosofia e à tradição clássica. Ullmann era de Porto

Alegre e foi um docente de filosofia e de literatura na PUCRS de Porto Alegre. (Ver na nota 1 o seu

perfil biográfico). Isto demonstra que também o Brasil possuiu e certamente ainda possui

pensadores e docentes dignos da melhor tradição espiritual antiga, fato este que deve servir como

estímulo para a pesquisa e o estudo dos afiliados à Fraternidade Hermética.

(Salilus)

Examinaremos, neste trabalho, o retomo da alma

humana ao Uno, princípio sem princípio de todas as coisas.

A relação do esquema cósmico de Plotino (na imagem a

esquerda) com ânsia de salvação funda-se em que, pela

descrição metódica das hipóstases do ser, toma-se manifesta

à alma a necessidade de retomar à pátria perdida. Para

percorrer o caminho de regresso ao Uno, que em Plotino

equivale a Deus, é mister à alma fazer abstração do mundo

sensível.

Do mesmo modo como uma criança, separada da

família, desde a infância, desconhece os seus pais, há homens

que não possuem conhecimento de Deus,5 porque imergem

na matéria e se dispersam no múltiplo, julgando ser tal a vida

verdadeira, quando de fato não o é.

ParaPlotino, a vida só é desejável, quando tem o liem por princípio e fim.6 O Bem ó o

princípio absoluto, do qual depende todo o resto, por emanatismo. Absoluto, existente por si

mesmo, anterior a todas as coisas, assim Plotino concebe o Uno.

Na ordem dos entes, o bem, para cada um deles, acha-se no princípio, que lhe é

imediatamente superior. Assim, o bem da matéria é a forma; o bem do corpo é a alma; o bem da

alma é a inteligência; o bem da inteligência ó o Absoluto. Cada um desses bens produz algo no ser

do qual é o bem: a forma dá à matéria a ordem e a beleza; a alma confere ao corpo a vida; a

inteligência dá à alma a sabedoria e a felicidade; por fim, o Bem dá à inteligência a luz que ilumina.

1 - Condições necessárias para chegar ao Uno

Epistrophé (volta para) é o termo usado por Plotino, para designar o retorno da alma à sua

origem.

4 http://www.cdpb.org.br/dic_bio_bibliografico_ullmann.html 5 Enéadas, V 6 Enéadas, VI

Dois caminhos convergentes, orientados pela dialética, propõe Plotino, para ascender ao

Uno: um, atinente à inteligência; outro, respeitante à vontade. Ambas devem assumir a tarefa da

purificação (via purgativa), mediante gradativo desprendimento da matéria, pela abstração,

ciphaíresis. Aphele pánía era a divisa plotiniana, a qual apresentava incessantemente aos

discípulos como lema de vida. Para retomar ao Uno, dizia o filósofo pagão, basta o esforço

pessoal, sem auxílio de fora, pois ele estava convicto de que o Uno, por estar presente em tudo e

por estarem todas as coisas presentes nele (panenteísmo), era dispensável o que os cristãos

denominam graça ou dom gratuito de Deus. Já nesta vida, o homem reto e desprendido de tudo

pode, na mente de Plotino, unir-se misticamente ao Bem, ou seja, aDeus.

1.1- Qual o papel da inteligência? Por ela, a alma capta a beleza em todas as suas formas,

seja a beleza intelectual, interior, seja a beleza da arte ou do mundo circundante. O belo tem o

condão de fazer a alma entrar em si mesma e fazê-la recordar a origem divina. Mero belo de

empréstimo, o belo sensível constitui uma força motriz capaz de conduzir a alma ao belo

incorpóreo. Para Plotino, o belo não anuncia ou enuncia simplesmente a si mesmo, mas é

revelação de algo que o transcende, de algo inteligível. A beleza tem, pois, função iniciática.

Ao Uno, Belo subsistente, a alma só logra alçar-se, se não mais tiver nenhuma alteridade,

isto é, quando tiver abstraído, por completo, da matéria. Por outras palavras, o homem deve fugir

do mundo. Essas palavras soam como se foram de um cristão, com os olhos e o coração voltados

exclusivamente para o alto. Essa fuga do mundo Plotino expressa-a metaforicamente com o

retomo de Ulisses à pátria7.

Tendo atingido a Beleza absoluta, a alma abandona todas as outras belezas, como um

visitante de um palácio, que deixa de olhar as estátuas do vestíbulo, ao encontrar-se com o dono

da mansão. Por outra, a realidade deste mundo, com suas belezas, deve mover o homem para o

mundo verdadeiro.

Dissemos que Plotino pregava a fuga do mundo. Não se pense, no entanto, que isso

significava desinteresse pela realidade social. Basta recordar que ele mesmo tinha sob seus

cuidados a guarda de órfãos. Não se trata, pois, de uma fuga de desprezo radical, para viver num

solipsismo, como estilita egocêntrico. Lembre-se o convívio com as altas autoridades em Roma e a

solicitude paternal por orientar as consciências dos seus discípulos. Não se esqueça, também, a

intenção de Plotino de fundar Platonópolis.8

O mundo é belo e bom, ordenado e harmonioso. Com essa perspectiva Plotino assumiu

posição contrária aos gnósticos, os quais “todos têm um conceito pessimista da matéria, que

consideram como essencialmente má e fonte do mal”. Aliás são numerosos os verbos enumerados

7 Cf. lliada, I, 6, 8, 16 s. No Teeleto, 176 a-b, PLATÃO escreve: “É preciso elevar- se deste mundo para o alto, o mais rapidamente possível. A fuga de que falamos não é outra do que a uma assimilação da natureza divina, quanto nos é possível; assimilação, sobretudo, se se alcança a justiça e a santidade, com o exercício da inteligência”.

8 Em nosso entender, PLOTINO jamais foi contrário à participação dos cidadãos na política. Por essa razão, data vertia, não parece correto o que escreveu Max POHLENZ: “Auch von Platos Polisgefuhl hat er nichts mehr. Er widerrüt die politische Tãtigkeit, und die Platonipolis, die er unter des Schirmherrschaft des Kaisers Gallienus in Campanien grtlden wollte, wáre kein platonischer Ideals- taat geworden, aber auch keine Akademie zur Heranbildung statlicher Führer- persõnlichkeiten, sondem eine Lebens — ud Studiengemeinschaft weltabgewan- dter Gelehrter” (Die Stoa — Geschichie einer geisíigen Bewegimg. 6. Auflage. Gõttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1984, p. 396).

por Plotino, para mostrar como os gnósticos manifestavam o seu desprezo pelo mundo. Segundo

Plotino, o mundo deve ser tomado como aquilo que é a partir do seu arquétipo: como início e

impulso para chegar ao seu fundamento pela anagogê (ascensão) da alma purificada. Do começo

ao fim, as Enéadas revelam uma nostalgia do divino, uma elevada sensibilidade religiosa.

1.2 — Visto em largos traços o papel da inteligência, vejamos o que incumbe à vontade. A ela cabe

orientar-se, sem desvios, rumo ao Uno, a fim de com ele unir-se em êxtase. Para tanto, é mister

praticar as virtudes e valorizar a erótica. Nas virtudes, Plotino distingue as cívicas e as catárticas.

As primeiras —justiça, prudência, fortaleza e temperança — não representam um ponto de

chegada, mas um ponto de partida, porque traçam os limites aos desejos e moderam as paixões.

Elas são apenas condição, para assemelhar-se a Deus. Já as virtudes catárticas miram mais alto,

porquanto liberam o homem das coisas sensíveis. Quais são essas virtudes? As mesmas que as

cívicas, mas com função mais profunda. Com efeito, nesse estágio, o Nous, segunda hipóstase,

toma-se modelo de virtude. (Note-se, entretanto, que o Nous não representa o ponto terminal da

ascensão ao Uno). Assim, nesse nível superior da virtude, a sabedoria contacta com o Espírito; a

justiça é o volver-se da alma ao Espírito; a temperança é a adesão íntima da alma ao Espírito; a

fortaleza é a perseverança impassível da alma no Espírito, sem paixão alguma nó corpo. Sem dar

importância ao corpo, como Heráclito9, e desprendido das coisas sensíveis, o homem atinge a

apáíheia. Esse termo significa imperturbalidade, tanto na saúde quanto na doença. A primeira,

para Plotino, nada acrescenta à felicidade; a segunda em nada a diminui. Aqui Plotino valeu-se da

filosofia estóica, mas ultrapassou a indiferença por ela pregada, pois ele chega a desejar a dor.

Mediante tal ascese e prática ética, Plotino desejava melhorar e mudar o mundo e a

concepção estóica ainda reinante cá e lá10. Julgava loucura abandonar o mundo pelo suicídio.

Para os estóicos, o suicídio constituía um ato moralmente bom e até heróico. Plotino, ao

contrário, afirmava que, mesmo em meio ao sofrimento, é possível ser feliz11. Em suma, “a

virtude consiste em voltar-se para dentro de si e olhar-se a si próprio”

1.3- Vinculada à via purgativa e conducente à via iluminativo e unitiva está a erótica, que

sinonimiza com atração amorosa, por parte do Uno, como Beleza. O Uno, kalón em si, e ao

mesmo tempo, alguém que chama— kalein, em grego. Pela erótica, a alma transcende o belo

corpóreo, com função iniciática, e se eleva ao Belo em si. Quem se apega ao belo corpóreo ou

ao corpo belo, para possui-lo e perpetuar a espécie (pelo sexo), é semelhante a Narciso, que

encontrou a morte na contemplação da beleza efêmera. O amor das fòrmas é simples condição

originaria, que deve ser desvelada, compreendida pela inteligência e transfigurada pelo eu

9 PLOTINO refere-se ao efésio, citando o fragmento nô 96. 10 Como bom grego, PLOTINO jamais perdeu de vista que todas as coisas depen¬dem da perfeição absoluta e que tudo forma uma unidade. Dentro dessa perspetiva, é mister colocar a sua moral. “Estimant que Tunivers tend à un but, elle (la philosophie) a pensé que 1’hmme, lui aussi, tend à ce but, et que cette tendance le met d’accord avec Tensemble des choses. Ainsi la voie était ouverte à la morale. Car la morale a son fondement dans la métaphysique: le privilége, en métaphy- sique, de la philosophie grecque, s’est accompagné d’un égal privilége en mora¬le” (WERNER, Charles. La philosophie grecque. Paris: Payot, 1946, p. 281). 11 “Essere felice anche fra i tormenti, nel ‘toro di Falaride’, è, si, possible, perché è V •C possible, anche fra i tormenti fisici, unirsi con l’anima incorporea al Divino in- A corporeo. . (REALE, op. cit., p. 591). A condição, para ser feliz no sofrimento, é que não se perca de vista o Bem, em sua plenitude (Ertéadas, I, 4, 13).

interior. “O eros da alma superior é um deus que a une etemamente ao Bem”.

1.4- Todos os homens, em princípio, têm condições, para guindar-se à contemplação do Bem e

à união mais íntima possível com ele. Nem todos, porém, atingem essa meta nesta vida, porque

ficam imersos na matéria e se perdem na multiplicidade. Tais homens ignoram o que seja a vida

verdadeira da virtude, da renúncia, do áphele pánta.

Em oposição a eles, Plotino arrola três classes de homens, que podem mais facilmente

alcançar a contemplação das coisas eternas e do Uno: os músicos os amantes e os filósofos.

Vejamos a razão dessa afirmativa plotiniana. O músico encanta-se com o belo da harmonia dos

sons e tons os quais resultam em ritmo que embala o espírito. Em lugar de ficar preso à

materialidade dos sons, o músico deve convencer-se de que a beleza musical repousa, em seu

fundamento, numa harmonia inteligível, a qual constitui o Belo em si. Por outras palavras, a

harmonia dos sons é uma representação invisível, transcendente. Os sons materiais mediatizam a

beleza simplesmente e convidam para escutar a harmonia do alto12.

Se o músico é movido pelos sons, o amante é movido pelo amor (iéros). Este, inicialmente,

deriva dum ato da visão (éros provém de hórasis), ministrando uma experiência sensível do belo. A

partir dali, é fácil elevar-se ao belo não-material, no qual se incluem as leis justas, os costumes

probos, o conhecimento intelectual, as virtudes. Envolto por essa atmosfera, o amante tem as

condições para entrar em contato com a Super-beleza — o hiperkalón.

A terceira classe de homens, com posição privilegiada para a contemplação e união com o

Uno, é a dos filósofos, porque o filósofo já saiu da caverna e já se encontra no mundo da

contemplação.

Esses exercícios dialéticos têm a função de elevar o homem ao reino do puramente espiritual,

ao princípio sem princípio.

O retomo da alma ao seu fundamento último — o Uno — é, para Plotino, tão natural como o

é a emanação dele. Por isso, não necessita de nenhum dom gratuito ou graça superinfusa, nem de

uma intervenção extranatural. O regresso é constitutivo da própria essência do Uno. Isso traz

implicações de ordem escatológica, segundo veremos a seguir.

1 - continua

12 Enéadas, I, 6, 3. Talvez aqui PLOTINO se tenha inspirado em HERÁCLITO, fr. 54: “A harmonia não-manifesta é mais forte do que a (harmonia) manifesta”.

O DESPERTAR DE HERMES

Se vocês têm tanta sorte de encontrar o tipo de vida que gostam,

também deveriam encontrar a coragem para vivê-la.

John Irving*

Quando emergirão no ser uma certa neutralidade e um certo domínio sobre o desejo, experimentar-se-á ao mesmo tempo uma situação paradoxal: de fato, todos, vivemos deixando-nos simplesmente arrastar pela volúpia do desejo, ou pelo hábito de agradar os outros, e quando estes hábitos são desmontados pela purificação e pelo trabalho sobre si, parece que tudo perca importância, já que não existe nenhum modo alternativo, segundo a própria experiência, de viver a vida. É a este ponto que em muitos manifesta-se um senso geral de desconforto e de impotência: sem a lente do desejo ou do hábito, tudo perde importância. Ou melhor, deveria-se dizer que tudo assume a mesma importância com respeito ao resto. Então é indiferente, para o ser, fazer ou abster-se de fazer alguma coisa que antes parecia irrenunciável, e ao mesmo tempo aquilo que um tempo atrás produzia satisfação torna-se simplesmente alguma coisa de agradável, mas não de determinante ou indispensável. O ser deve tomar conhecimento da sua morte, em um limbo: aquilo que existia antes desapareceu. Alguém desesperadamente tenta fazê-lo voltar, porque não conhece um outro modo de viver, e também percebe que a sua existência não será mais aquela à qual estava habituado, sente-se tranquilo nas situações familiares a ele, que são cômodas e aprovadas. Mas pode acontecer também que alguém se pergunte: existe um outro modo para se viver? Pode acontecer de tomar conhecimento que esta morte não é uma desgraça, mas uma possibilidade, e se perceba a necessidade de construir novos critérios, desta vez escolhidos conscientemente e não suportados, já que a única outra via, que não seja esta ou o recair nos hábitos, é conviver com a indiferença e não construir nada sobre as ruínas do velho si. É a este ponto que se tem a possibilidade concreta de viver segundo a própria lei; mas a liberdade é sem dúvida aquilo que, mais do que qualquer outra coisa, pode paralizar um homem no medo ou na indeterminação daquilo que quer. O momento de crise, do qual se falou, certamente é conhecido por aqueles que tenham se aventurado por uma Via e, operando assim como foi aconselhado, tenham experimentado de repente que, continuando a percorrer o caminho, não poderiam mais voltar atrás; ao mesmo tempo, eles experimentaram o medo de perder a existência precedente e a tentação de acreditar de poder salvar ambas as coisas. Nestas páginas eu gostaria de dirigir-me, justamente, a quem encontre-se nesta zona de confim – entre a vida velha e a nova – e encontra-se naquele estado de confusão ao qual muitos cedem: esta curva perigosa do caminho, na verdade é uma encruzilhada diante da qual muitos param. Todavia, isto não significa, que eu me prepare para escrever uma receita sobre que caminho pegar e como percorrê-lo, já que é necessário, simplesmente, estudar a situação: onde estamos? O que está acontecendo? Para estudar a situação, partiremos de noções já conhecidas: na substância da qual o ser humano é constituído estão presentes camadas mais sutis de matéria e camadas mais densas, as quais coexistem no indivíduo. Segundo a ciência hermética, a substância mais sutil e aquela mais densa pertencem, por sua vez, a diversos estados de existência, ou “mundos”, que podem ser individuados no mundo das Causas e no mundo material.

Repercorreremos, preliminarmente, o esquema dos quatro corpos do ser humano, para depois passar para o argumento principal destas páginas, isto é o despertar do Hermes, que conhecemos agora, como um vislumbre, através do estado hermético que começamos a experimentar através do correto e paciente trabalho sobre nós mesmos.

O Primeiro Princípio, ou , emite um segundo estado, , com função de organização

inteligente da sua Essência. Então é coagulação do . Por sua vez, , coagula a com função de sensibilidade com respeito seja ao mundo dos sentidos que ao mundo do espírito, a

qual, todavia, no curso da encarnação humana, é atraída pelo domínio de e perde progressivamente a percepção da sua ligação com os estados mais rarefeitos do ser, até esquecer o lugar de onde esta provém. Temos assim um corpo terrígeno, que faz uso da faculdade lunar para a sua satisfação e para a organização das suas faculdades: consequentemente a conformação

humana, assim como deveria ser (isto é + + tendo como Templo ), ao invés

encontra-se na condição de duas díades contrapostas ( + e + ). Os dois mundos, celeste e terrestre, perdem assim a faculdade de comunicar, que pode explicar-se

somente através da união de + . Esta união entre os dois mundos é chamada de Hahaiah “interstício” mas, no fascículo B da nossa Escola, Kremmerz fala de Hermes como mensageiro entre a dimensão celeste e a dimensão humana comum. Vista a incomunicabilidade na qual versam o espírito humano e a sua consciência comum, como o homem pode restabelecer a própria unidade, integrando ambos os seus aspectos? 1. através do trabalho de purificação e o separando lunar, que leva o corpo lunar a dirigir o seu olhar do saturno para si mesmo, e, então ao corpo mercurial. 2. através da obediência da Lua aos impulsos recebidos de Mercúrio, que fortalecem o estado de ser obtido no “interstício”: Hermes, entendido como zona de comunicação entre os mundos. O ponto 1) certamente é atuável através do trabalho miriâmico, enquanto que do segundo estado nos ocuparemos mais adiante. De fato, a purificação é trabalho bem mais longo com respeito ao simples “ignorar os atrativos do mundo material”, coisa que, por si só, não levaria mais além do que uma realização ética ou moral ou, pior, de uma frustração da personalidade. Ao invés, o separando lunar pertence, à lavagem do corpo lunar, operada através de um fogo secreto, para torná-lo um perfeito receptáculo das ordens que este recebe do corpo mercurial, que opera sobre o primeiro por irradiação; pertence também à percepção sutil do fio tênue que liga as leis naturais, através das quais manifesta-se a Lei que permeia em tudo: uma vez que o ser humano, de fato, através da encarnação física e a sua prostituição, tenha esquecido o seu lugar de proveniência, deverá aprender novamente a perceber as suas vibrações, e ter novamente consciência de si como entidade desvinculada dos caprichos da personalidade e das pulsações da carne. Mas vamos em ordem: em um primeiro momento assiste-se a um período no qual o indivíduo redescobre si mesmo e os seus impulsos mais secretos; e isto, todavia, ainda não marca o seu ingresso no Mundo das Causas. Nesta fase, os impulsos atávicos do homem histórico manifestam-se em sua naturalidade: o homem descobre assim querer e procurar a aproximação de elementos e ações conformes à sua

natureza, ter em si uma espécie de princípio discernidor daquilo que é apto a ele (ou, melhor, daquilo que é semelhante a ele). Agindo em conformidade com a própria natureza oculta, ele se reforça e torna-se fixo, centrado, não mais arrastado pelos eventos mas agente. Ele afastará naturalmente tudo aquilo que não é conforme a ele, e ao mesmo tempo, talvez, transcorrerá um breve período da sua vida no qual gozará com a alegria de atrair aquilo que é semelhante à sua mais íntima essência, sem procurar mais no mundo aquilo que outras pessoas ensinaram-lhe ser o justo, mas escolhendo aquilo que é justo para si. Uma vez consciente da própria natureza, e consequentemente tendo afastado de si tudo aquilo que pode obstaculá-lo, o indivíduo lentamente será levado a fazer um passo adiante e desviar a sua atenção de si mesmo para dirigir-se ao conhecimento dos impulsos que ele recebe continuamente do seu Eu mais profundo: a este ponto, ele poderá começar a perceber a vontade e as ordens do lado mais elevado de si. Se, de fato, é verdade que um ser lunar provisto de um estado de mobilidade realiza o que quer, também é verdade que “aquele que quer”, isto é aquele que transmite as ordens, não pode ser o homem vulgar com o seu capricho. Certamente é possível que eventos naturais possam ser previstos, ou que situações não atinentes a desejos pessoais possam sofrer modificações à vontade, todavia o homem em caminho, que tenha despertado em si algumas destas faculdades “mágicas”, notará logo que existe um limite intransponível ao seu querer: e isto porque tudo aquilo que vai contra a Lei e uma bem mais elevada Vontade não é realizado. Mas de onde emanam esta Lei e esta Vontade? De fato, a individualidade histórica, por mais profunda e antiga do que o si atual, não é absolutamente perfeita: esta é mais ou menos evoluída de acordo com o grau de perfeição do ser – realizado em um tempo anterior ao nascimento – e, todavia, não é o Eu elevado que nós procuramos. Este Eu, sobrevivido através das épocas no núcleo histórico do homem, deve ser separado dele: o núcleo, podemos dizer que, é composto por uma parte individual e por uma parte univeresal (e é justamente esta última, que garantiu-lhe a sobrevivência além do Letes da morte da personalidade). É justamente este o ponto que continua sendo obscuro: quanto disso que queremos emane de impulsos atávicos (mesmo sendo sempre pessoais) e quanto, ao contrário, emane de um Eu mais elevado: e este justamente é, o objeto da nossa ulterior separação. Para compreender a diferença entre estes dois impulsos, o nosso primeiro objetivo deveria ser aquele de investigar as leis naturais, nas quais a Vontade do Ser-Uno se manifesta sem véus: de fato, o Hermes, encontra-se em harmonia profunda com a Primeira Virtude, mais do que com os impulsos individuais que sobreviveram com ele. Por outro lado, a sua harmonia com a Lei universal constitui uma ponte, que o hermetista pode ultrapassar, dirigindo-se em direção da vida universal. Assim, pode-se tentar com o tempo a levantar o véu que separa a nossa percepção do fluxo e refluxo contínuo da Vida-Luz, que carrega consigo a razão intrínseca de cada coisa e de cada acontecimento. Por isso será necessário que inicie-se a prestar atenção neste “Outro” (que alguns chamam Nume, outros Hermes, outros Duplo, outros simplesmente Eu), que inicialmente manifesta-se através de impulsos volitivos bem definidos, para fazer com que o ser humano, que tornou-se imaculado, possa unir-se ao esposo prometido em uma região mais elevada, na qual ambos possam coexistir: esta é, como eu já antecipei, uma zona de confim na qual os dois lados do ser humano (celeste e terreno, universal e individual) possam compenetrar-se, zona da qual se tem uma ideia com o nascimento do Hermes, separado do eu histórico. Para se refletir sobre a natureza deste admirável renascer do homem – é oportuno descrever – através de parábolas e metáforas, porque isto é tudo aquilo que me é concedido fazer – a peculiar

gestação através da qual tal Ser nasce. De acordo com a purificação do processo, nós seremos testemunhas de dois eventos: por um lado, a voracidade e a eterna tensão de Saturno e o seu irrequieto desejo tenderão a acalmar-se; sobre esta purificação em sentido estrito, rios de tinta já esclareceram os caráteres principais, então não achamos ser necessário dizer mais nada: a prática esclarecerá tudo o que foi lido e tudo o que ainda não foi escrito. Por outro lado, se esta primeira purificação encontrará o sucesso esperado, encontraremos um evento bem maior a esperar-nos, e tal evento abre as portas do círculo interno dos muros do Templo: quando, de fato, o corpo mais pesado cessa de impor a sua eterna influência sobre o receptor lunar, a purificação muda e torna-se trabalho de separação. O meio para purificar o plúmbeo corpo saturnino é o silêncio hermético: e isto porque somente impondo a tranquilidade ao eterno desejo que devora tudo, o corpo lunar pode enfim tornar-se matéria virgem para a nossa Obra. De fato, uma vez que o Lunar tenha sido identificado, serão individuados no seu interior duas camadas e funções: na primeira acepção, que nada mais é do que aquela mais baixa, o Lunar é análogo ao sistema nervoso; por isso é estimulado pelo mundo externo, do qual elabora os influxos através da própria memória plástica. Uma segunda camada do corpo lunar começa, ao contrário, a emergir quanto mais a purificação é realizada e estabelece-se uma primeira e natural separação da sensibilidade lunar da matéria mais pesada: de fato, a este ponto, existem momentos nos quais o centro consciente do homem se polariza em uma zona mais elevada do corpo lunar, percebendo sentimentos mais nobres, ideais mais elevados e um certo senso de liberdade do mundo terreno que pode ir até instantes de paz interior e episódios de clarividência. Este estado “misto”, isto é colocado no meio entre o trabalho de purificação e aquele de separação, está descrito graficamente na Figura 1. Eis, então, que a liberdade parcial do corpo lunar das correntes do mundo material leva-o a desvincular-se deste influxo contínuo e a abrir-se, na sua parte mais elevada, à irradiação de uma região mais elevada, da qual este recebe os primeiros impulsos. É aqui que estão os primeiros indícios do fato que uma vida diferente é, realmente, possível, e intui-se de que natureza esta possa ser: clarões de luz intelectual e, às vezes, memórias dormentes de outros estados de consciência vividos na infância ou durante a vida, começam a aparecer. A sensação estranha de ter sempre conhecido este estado de ser, mas ao mesmo tempo de tê-lo esquecido e colocado de lado por toda uma vida, começa a despertar a consciência do “miste” no percorrer um caminho do qual, a este ponto, dificilmente retornará: é este o influxo de Mercúrio sobre a Lua, o Batismo – no seu significado esotérico – que preanuncia o nascimento de Hermes e marca o despertar da individualidade oculta (o Batista, precursor de Cristo). Lentamente, o homem retira-se e obtém espaços de solidão, durante os quais uma ação mágica não será mais um dever, mas uma necessidade e um nutrimento para este “Outro”, para o Duplo que vai se despertando. Mas também é possível, como vimos precedentemente, que experimentando este estado o homem, sem nenhuma intenção de estar sereno e abandonar-se, entre em crise, porque sente estar perdendo as certezas de uma vida escandida que viveva precedentemente: isto é o que eu tentei descrever na segunda parte desta figura, mostrando que o corpo lunar, na verdade, nesta fase não está totalmente livre de Saturno e isto, na vida cotidiana, pode converter-se em uma sensação de temor e inquietação.

ovo mercurial – Lua presa por Saturno – Lua parcialmente livre de Saturno – ESTADO ORDINÁRIO Ir além, a este ponto, equivale a vencer sobre a contínua chamada do mundo terreno: somente operando uma separação total entre o corpo lunar e o físico, é possível provocar, de fato, a assunção no céu da Virgem, para unir-se com o Espírito Santo e dar a luz ao Cristo, que não por acaso diz-se que tenha uma natureza dupla e opere seja como homem que como mulher (cfr. Fig. 2). Tratando, agora, o argumento principal destas páginas, eu devo dizer preventivamente – para não ser chamado de invejoso – que esta passagem do “misto” para o interstício, para ser operada, é necessário um fogo especial, que tenha condições de vencer a força de gravidade que ancora o Lunar a Saturno: de fato, em ausência de tal fogo secreto, não será possível a total separação, mas longa e difícil. Por isso, para meditar, sobre a maravilhosa criação dos Filósofos, é necessário em primeiro lugar refletir sobre o fato que esta traz consigo uma natureza dupla, isto é aquela da matéria aquosa, que o artista pintou de branco através do fogo secreto, juntamente com o vermelho do ovo mercurial (cfr., ainda, Fig. 2). Então, este novo ser, contém em si as virtudes do Intelecto e a capacidade generativa da Mulher Celeste; e é por isso que fala-se de um estado perpétuo de polução criativa: isto é porque, a partir do momento no qual este citrino é fixado em uma cor vermelha rubi, através da nutrição adequada de Hermes criança (sobre a qual eu já falei difusamente em outro texto), o matrimônio entre o homem e o Empíreo é fortalecido.

Os dois triângulos opostos do hexagrama de Salomão representam, respectivamente, o mundo

material e o mundo das Causas, que podemos entender, do ponto de vista microcósmico, como o

homem vulgar ( + ) e o homem celeste, ou Inteligência huamana ( + ).

Todavia, os dois mundos, mesmo compenetrando-se e coexistindo, podem passar uma vida inteira

sem perceberem-se e, como tivemos a possibilidade de ler em muitos textos herméticos, a única

maneira que temos para nos tornarmos Uno é aquela de despertar (ou “criar”, dizem algumas

pessoas, mas tal termo na verdade parece-me desrespeitoso) o Único que, pode atuar como

intermediário entre o Céu e a terra.

Quem tenha começado a destacar-se da condição ordinária do ser humano pode compreender

bem o que eu disse agora: de fato para-se naturalmente de ocupar-se das coisas que absorvem o

vulgo (focalizado somente na satisfação dos desejos saturninos) no momento no qual se percebe

que a vida conduzida até então satisfaz somente uma parte do próprio Eu, o qual ao contrário é

muito mais complexo e, despertando-se gradualmente, manifesta novas necessidades, atinentes a

outras esferas da existência.

Então, a mudança dos próprios hábitos não será mais, um dever imposto pela autodisciplina: um

dos primeiros sinais do fato que o trabalho de purificação está indo bem é justamente aquele de

sentir-se inquieto em passar o tempo todo a cuidar das coisas materiais, porque percebe-se que,

fazendo assim, que além de tudo não sobra tempo e uma parte de si fica, digamos assim,

insatisfeita.

Porém, este “outro” do qual se tem necessidade, nós talvez ainda não o tenhamos individuado

totalmente. E eis que também é possível que o aspirante, neste momento, procure sem saber

como novos estímulos ou abandone-se à alegria e à naturalidade da satisfação da própria

personalidade atávica que, repetimos, é somente um precursor do Eu despertado.

Porém lendo atentamente as obras de Kremmerz e dos Filósofos, notaremos que as indicações em

tal sentido foram fornecidas: é necessário que este Ser encontre espaços para exprimir-se e para

elevar a sua natureza, que de pessoal deve tornar-se universal (em poucas palavras, deve ser

colocado em harmonia com a Lei).

Daqui derivam todos os conselhos contidos, por exemplo, nos Versos de Ouro de Pitágoras ou nos

capítulos da Porta Hermética dedicados à temperança nas paixões: relendo-os agora, estes

assumirão um significado diferente e, praticando-os, estes começarão a desenvolver as condições

necessárias para o despertar e o crescimento daquele que, um dia, será o núcleo radiante do Ser

renovado.

Por isso, o hexagrama representa também a paz, no interior do ser humano, entre os dois mundos

antes contrapostos, que através do matrimônio entre o Céu e a Terra (através da sublimação da

individualidade atávica, separando-a da personalidade) pacificam-se no recíproco amor,

enucleando assim um novo Ser, o único, que conhece a missão encarnativa do indivíduo.

Então, a primeira fase da percepção de um mundo mais elevado, é uma consequência direta da

evolução e da elevação do corpo lunar, até o ponto no qual este instrumento perfeito de

percepção recebe os primeiros raios intelectivos provenientes do guardião da causa da

encarnação do ser humano.

Uma vez individuada a presença sutil do Mensageiro, uma vez experimentada a sua natureza

desvinculada do idealismo, do romantismo, da filantropia e de qualquer sensação lunar, se poderá

com o tempo experimentar também a preponderância da Inteligência mercurial sobre a

sensibilidade lunar, com plena obediência do segundo com respeito às ordens e aos impulsos que

recebe.

De fato o corpo mercurial, cujos raios o nosso Hermes nos permite perceber, é mensageiro da Lei,

do Ser Primeiro que explica si mesmo em toda manifestação natural, visível e invisível; e o seu

Verbo, feito carne, leva o indivíduo antigo, ressurgido no homem, a agir e pensar em harmonia

com esta Lei, até a total eliminação de uma distinção entre o querer do homem vulgar e do

homem celeste: eis que o homem novamente é Uno.

Não me resta, agora que servilmente eu preparei aquela que não é uma receita, mas uma

metáfora do trabalho a ser desenvolvido em uma vida inteira, que recomendar ao aspirante que

tenha chegado até aqui outras poucas coisas: quando a luz deste amanhecer chegar lembre-se

sempre com quanto ardor e esperança você a esperou, e não faça com que o entusiasmo e a

satisfação deixem calar a sede de luz que o impulsionou a seguir em frente, porque ainda haverá

trabalho a ser feito.

Lembre-se sempre daquelas orações, murmuradas quando você estava perdido e você só tinha a

esperança na intervenção do seu Nume: esquecer-se da ajuda recebida quando tudo foi para os

seus devidos lugares não é honroso. Lembre-se dos momentos nos quais você inclinou a cabeça,

vencido pelas adversidades, e pareceu-lhe ver tudo dissolver-se, todos os sonhos frustrados, para

enfim encontrar-se erguido acima do abismo, a salvo: lembre-se das suas vitórias e não considere-

as naturais.

Em uma palavra: aprenda a humildade.

Lembre-se também que aquilo que pode impulsionar-lhe para frente é somente o seu fogo

interior. Não romanticismos vãos, não esperanças e ilusões, não poesia, mas coragem, confiança e

força.

Por vontade você poderá impor o silêncio às suas angústias e perguntar neutralmente aquilo que

quer. Se aquilo que você pede é honesto, as suas obras serão acalmadas até a inexorável

realização do seu querer – caso contrário, você sentirá imediatamente neutralizar-se o seu querer

e será incapaz de perguntar sem dúvidas. Não prestará mais atenção, em seguida, aos fantasmas e

às sombras que se espalharão no seu caminho para fazer-lhe duvidar: imporá a eles o silêncio, não

fará penetrar nenhuma incerteza e ao contrário verá todas as coisas com olhos atentos para

perceber aquilo que acontecerá, porque todas as coisas falam se você sabe escutar.

Quando as suas angústias paralizam a vontade, quando realmente não estiver em condições de

abstrair-se do turbilhão lunar que lhe agarra, a força que está a sua disposição pode contudo

permitir-lhe alcançar um estado ativo de fé. Antes de mais nada, mesmo por poucos minutos,

tranquilize-se e acalme-se. Chame para a mente a sua ligação com o Nume, por mais flébil que

possa lhe parecer, e escute. Diga-lhe estas palavras: “Eu não vou embora até não ter um sinal

sobre o que eu deva fazer.” De acordo com aquilo que lhe é mais congenial (não daquilo que você

deseja) hermeticamente ore para que com um sussurro na mente, uma visão, um sinal enquanto

estiver caminhando, uma intuição, ele mostre-lhe a via para obter aquilo que você quer ou, se isto

não pode acontecer por alguma negligência sua ou por justiça, você possa compreender a razão e

aceitá-la. Depois preste atenção em todos os sinais e, se parecer que alguma coisa lhe será pedida,

faça-a sem perguntas.

Saiba, porém, que qualquer uma das duas vias que você escolher, a Lei que decreta aquilo que

você poderá ou não poderá ter é a mesma: não deseje aquilo que não é para você e seja sincero

consigo mesmo.

Iehuiah

*ndt

REFLEXÕES AO DESPERTAR DE HERMES Iniciamos esta reflexão, proposta por Salilus sobre o belo trabalho realizado por Iehuiah referente ao Despertar de Hermes, com muita alegria no coração e na alma, pois permitiu entrar no mundo das profundas ideias herméticas e alquímicas, e para quem percorre ou percorreu o caminho, sabe muito bem que somente experimentando é possível compreender as verdades ali expostas, e como o Hermetismo só se aprende vivenciando-o, não pretendo explicar o que é inexplicável para a consciência comum, mas apenas compartilhar o que foi possível contemplar da Ibis. Uma vez que a alma esteja mergulhada em uma roupa de matéria densa de carne, onde os 5 sentidos prevalecem, e por força a vida mundana dos desejos, vê-se submetida então como que condenada a satisfazer as necessidades deste corpo (comer, beber, dormir, reproduzir-se), nas condições impostas pela vida mundana, às quais também precisa adequar-se. Nestas condições a alma encontra-se alienada, privada de sua anterior liberdade e autonomia, presa

ao mecanismo repetitivo das necessidades, semelhante a condenação de Sísifo por Zeus, num empenho obrigatório a cumprir sem chegar a lugar algum, vive adormecida num pesadelo onde a Beatriz de Dante deixou de existir. Em outras palavras, o homem/mulher vive sua vida no esforço de suprir os apetites do corpo e as imposições da cultura mundana, coisa que consome toda a sua energia e atenção, seja pelo sofrimento por isso imposto a alma, ou pior, pela ilusão de que ao final se merecerá uma recompensa, a esperança de alcançar a total realização dos prazeres. Pobre homem/mulher que acreditando ser esta a única forma de experimentar a aventura da vida, continua a reproduzi-la sempre com maior requinte e empenho para que o próximo banquete seja o mais suculento, temperado e saboroso, criando para si mesmo a própria prisão, pela qual já se habituou. Mas se esta forma de viver não for um decreto permanente de um destino cruel, e se o barco à deriva ainda tenha um leme capaz de alterar a própria rota, e se a alma adormecida ainda pudesse despertar? Para usar uma figura de linguagem, o reino do terror só persiste e se cristaliza enquanto o alimentarmos. Então a mudança de condição é possível, tudo se altera quando mudamos o foco, mas esta transmutação exige uma ruptura com os hábitos que vem sendo solidificados pelo costume, e esta transformação ocorre com alguém que, seguindo uma via de despertar como aquela hermética, alquímica e mágica, através de práticas purificatórias e libertadoras do verdadeiro Eu, das amarras da cultura do mundo social e das ilusões dos sentidos, vivencia a experiência com um mundo que está além do senso comum, uma tomada de consciência de outros níveis de si, de esferas da criação que a torna capaz de vislumbrar um universo com infinitas inter-relações. Ao mesmo tempo se vê diante de um dilema, já não se é mais o mesmo, pois provou o cálice de um poderoso elixir que o fez transcender a uma maior realidade, de uma ciência e conhecimento puros, instantâneos, onde a essência das formas e suas verdadeiras imagens se revelam, onde a descoberta desta consciência em si é algo que já não tem mais retorno. O dilema aqui se dá porque nos estágios iniciais do processo purificatório e da experiência do despertar, não se sabe bem o que fazer com os velhos hábitos, com a zona de conforto, e com o novo mundo recém-descoberto, ou melhor dizendo, relembrado. Morrer para a antiga vida, ou velho homem, e assumir uma nova forma de se relacionar consigo mesmo e com o mundo a sua volta? Com uma realidade que se amplia em novas possibilidades de ação, agora em relação consciente com o mundo interior? Aceitar a nova realidade pode vir a significar uma morte e um renascer, um abrir mão de falsos conceitos, e aceitar a própria Lei interior e oculta, com a qual vamos aprendendo a nos harmonizar e interagir. Resistir a ruptura por medo ou insegurança é como querer manter vivo um defunto, e essa resistência é geradora de desequilíbrios para a nova condição, que é mais sutil e sensível e que envolve toda a nossa estrutura energética, mental, emocional e física. Eis a zona limítrofe entre duas condições ou planos do Ser, e querer salvar uma e percorrer a outra com a plenitude que esta última pode nos oferecer é como manter os pés cimentados no concreto enquanto as asas do espírito batem forte para alçar voo. Mas como dissemos esta é uma fase de começo, e pode acontecer para quem seguir em frente, com o próximo passo, ultrapassar esta zona e descobrir que viver a nova vida integrada, possa significar poder transitar ambos os mundos, apenas com uma nova consciência. Seja como for, este é um dos momentos cruciais pois muitos param por aqui, outros caem e alguns tornam-se insensíveis para evitar uma lembrança capaz de

fazer enlouquecer, pois a alma que experimentou um dedo de liberdade não se conforma mais com o medo do eu inferior. Os 4 Corpos (resumidamente) - Princípio Divino, Inteligência pura, vontade pura, criadora; que emite ou coagula o - Corpo mental inteligente, pensamento, interprete e realizador do princípio divino, vontade inteligente, mensageiro, clarividente; que coagula ou manifesta a - Sensibilidade, percepções e impressões entre o mundo dos sentidos e de imagem inteligente, mas que encarnada é atraída pelo corpo terreno perdendo progressivamente sua percepção dos planos sutis do Ser, esquecendo sua ligação com o Eu. que por sua vez coagula o - corpo denso de carne, de sensações físicas, autossatisfação, prazeres (come, dorme, se reproduz). O corpo de saturno faz uso do lunar exclusivamente para satisfazer as suas necessidades sensoriais e básicas. Então, fazendo uso do esquema dos 4 corpos e seguindo a linha de raciocínio adotada até aqui, temos que: A formação do ser humano que deveria ser = Ser Integral passa a ser fragmentada = Homem comum, fragmentado, com a perda da consciência sutil ou de comunicar-se com ela por haver uma ruptura com o mercúrio. É como se esta ruptura paralisasse o Hermes de sua total liberdade de mensageiro entre a dimensão celeste e humana. Como reintegrar a consciência comum e fragmentada com a consciência espiritual retomando assim a sua unidade? Segundo o exemplo e os ensinamentos dos mestres, silenciando e domando a condição saturnina , purificando e liberando o lunar (separando lunar) aproximando-o do princípio mercurial , dar protagonismo a este para, ainda no plano humano, manifestar o princípio divino , realizando assim a verdadeira transmutação do homem comum em Nume Divino. Certamente o método de trabalho hermético da Myriam possibilita esta integração do Ser rumo ao despertar do Hermes Interior, mensageiro alado dos deuses.

Procuremos entender de forma elementar este trabalho sem a pretensão de esgotar suas possibilidades, já que as variações são inúmeras para cada indivíduo que vivencia a estrada hermética. Iniciando com a purificação que vai além do simples ignorar dos apetites do mundo de saturno, é necessário limpar o lunar, ou seja, liberar-se de todos os detritos causados pelas sensações e emoções, das percepções, programações, impulsos, registros (Ex: medos, ódio, rancor, desejos, ilusões, crenças, egoísmo, etc.), pois tudo isso gera e envolve uma carga energética psico física, criando barreiras de ligação entre o estado comum da consciência e o nível mercurial, ou seja, o lunar fica denso e perde-se do ritmo harmônico do Universo. Uma vez que o processo de limpeza é iniciado ocorre um afrouxamento com os vínculos da carne e uma maior autoconsciência do lunar, que passa a identificar-se com a sua natureza mais oculta, antes refreada pelo saturno, e que agora sente poder realizar para Ser, mas este é apenas um primeiro estágio, se podemos dizer assim, deste autoconhecer-se, pois uma vez liberando-se das cargas saturninas, a lua se vê mais livre para expressar-se, e com esta liberdade ela liga-se mais ao individuo mental/mercurial, de onde aparecem também os registros atávicos do Ser Histórico os quais após revelados e conhecidos, devem ser filtrados e igualmente purificados, pois além dos registros, das memórias de aprendizados e experiências do passado, existem também as marcas de tendências negativas. Este é de fato um momento de turbilhão e de descobertas para a consciência que segue uma via de despertar hermética, e ela se vê entre a anterior percepção limitada e confusa que havia antes de iniciar a liberação do lunar e a “nova” forma de percepção ampliada das dimensões do Ser. Se encontra aqui, de fato, entre uma encruzilhada com escolhas a fazer: seguir em frente para novos e amplos horizontes da Vida Universal, ou frear-se diante do temor de perder a própria identidade comum, de se tornar um anômalo no mundo, do apego a antigos costumes e a zona de conforto. É como uma borboleta que ao sair do casulo sentisse o receio de seguir seu caminho natural e quisesse retornar ao anterior estado - um conflito impossível de ser resolvido, a não ser continuar o processo. Vemos aqui o quanto é importante uma boa educação e preparação hermética que permita o equilíbrio interior e exterior do praticante, a neutralidade com relação às coisas do mundo, sobriedade mental e uma postura ativa, evitando colocar-se como vítima do turbilhão, e atraindo o melhor para seu caminho, ou seja, aquilo que está em conformidade com sua verdadeira natureza e Lei. Mas como dito anteriormente, este é ainda o início do processo do desertar necessário a ser trabalhado para atingir aquele Mundo das Causas e a percepção pura do Mercurial, que conscientemente em algum momento assumirá o leme de comando, pois é por meio dele que se manifesta a vontade pura do Eu Espiritual, pois uma vez que as faculdades lunares são liberadas, com as quais pode-se interagir de outras formas com nós mesmos e com o que nos circunda, além de tomarmos consciência de nosso Indivíduo Histórico. Porém é importante reforçar que a nossa parte Histórica, por mais antiga que seja, não é o Eu luminoso a que buscamos atingir, mas está no ápice da individualidade mental, que um dia se fundirá ao Solar, mas este argumento é do campo da práxis e não cabe a teorias. Contudo é necessário ter ciência de que em nós coabitam o homem terrestre e o homem celeste, um eu individual e outro universal, e saber integrá-los também é o exercício da grande obra, pois

quando a Unidade sutil mergulhou na matéria tornando-se múltipla em suas formas, foi como se por esse meio ela pudesse contemplar a si mesma para depois retornar a anterior condição Una, mas agora com perfeita consciência de sua beleza. Em outras palavras, este seria o renascer do Hermes, cujas ferramentas estão presentes, mas que poucos conseguem realizar. Com estas poucas frases, aqui terminam as conjecturas sobre um tema tão caro ao pesquisador e praticante do hermetismo, bem como de qualquer outra via séria de realização espiritual, cabendo-nos apenas estimular que se coloque mãos à obra, que se prove, experimente, extraindo a teoria da prática, aplicando os áureos conselhos dos versos de Pitágoras, que se encontram também diluídos na Porta Hermética, para atingir aquele estado que Kremmerz chama de Mag (um estado de consciência intermediária capaz de interagir com outros planos do Ser), e ao silenciar os sentidos, aprofundar a mente em si mesmo, buscando as respostas que o Hermes Interno com muita satisfação nos trará do centro universal para nos dar a Luz do seu Despertar.

Ir+ Asiel

FIGURAS Homem comum: supremacia de Saturno sobre a Lua prisioneira (fixa ao ponto de gravidade).

Homem parcialmente sensível: Lua prisioneira de Saturno mas sobreposta (fixa ao ponto de

gravidade).

Lua parcialmente livre: inicio da purificação (certa liberdade em relação ao ponto de gravidade).

Mixtum: Lunar livre do ponto de gravidade, recebendo os influxos do Mercúrio. Início da manifestação do Hermes.

Homem Integral: O centro de comando é a vontade Solar. Hermes é plenamente manifesto. O ponto de gravidade não é mais o Saturno.

Alma Espírito – fogo secreto – centro de comando Matéria

RENÉ GUÉNON O ERRO ESPÍRITA

Ao abordar a questão do espiritismo, temos que dizer imediatamente, tão claramente como é possível,

em que espírito entendemos tratá-la. Já se consagraram uma multidão de obras sobre esta questão, e, nestes últimos tempos, tornaram-se mais numerosas que nunca; entretanto, pensamos que ainda não se há dito nelas tudo o que terei que dizer, nem que o presente trabalho se arrisque a ser duplicação de nenhum outro. Ademais, não nos propomos fazer uma exposição completa do tema sob todos seus aspectos, o que nos obrigaria a reproduzir muitas coisas que se podem encontrar facilmente em outras obras, e que, por conseguinte, seria uma tarefa tão enorme como pouco útil. Acreditamos ser preferível nos limitar aos pontos que até aqui foram tratados de maneira mais insuficiente: por isso é que nos dedicaremos primeiro a dissipar as confusões e os equívocos que freqüentemente tivemos a ocasião de constatar nesta ordem de idéias, e depois mostraremos, sobretudo os enganos que formam o fundo da doutrina espírita, se é que se pode

consentir em chamar a isso uma doutrina. Pensamos que seria difícil, e ademais pouco interessante, considerar a questão, em seu conjunto, do

ponto de vista histórico; com efeito, pode-se fazer história de uma seita bem definida, que forma um todo claramente organizado, ou que possui ao menos uma certa coesão; mas não é assim como se apresenta o espiritismo. É necessário observar que, desde o começo, os espíritas estiveram divididos em várias escolas, que depois se multiplicaram ainda mais, e que constituíram sempre inumeráveis agrupamentos independentes e às vezes rivais uns dos outros; e embora fosse possível confeccionar uma lista completa de todas essas escolas e de todos esses agrupamentos, a fastidiosa monotonia de tal contagem não se compensaria certamente pelo proveito que se poderia tirar dela. E ainda é preciso acrescentar que, para poder chamar-se espírita, não é indispensável pertencer de maneira nenhuma a uma associação qualquer; basta admitir certas teorias, que se acompanham ordinariamente de práticas correspondentes; muita gente pode fazer uso do espiritismo separadamente, ou em pequenos grupos, sem vincular-se a nenhuma organização, e esse é um elemento que o historiador não poderia alcançar. Nisso, o espiritismo se comporta de modo muito diferente do teosofismo e da maioria das escolas ocultistas; este ponto está longe de ser o mais importante entre todos os que lhe distinguem delas, mas é a conseqüência de algumas outras diferenças menos exteriores, sobre as quais teremos a ocasião de nos explicar. Pensamos que o que acabamos de dizer torna suficientemente compreensível por que não vamos introduzir aqui as considerações históricas a não ser na medida em que nos pareçam suscetíveis de esclarecer nossa exposição, e sem fazer delas o objeto de uma parte especial.

Outro ponto que não buscaremos tratar tampouco de uma maneira completa, é o exame dos fenômenos que os espíritas invocam em apoio de suas teorias, e que outros, embora admitam igualmente sua realidade, interpretam-nos de uma maneira inteiramente diferente. Deles diremos o suficiente para indicar o que pensamos a este respeito, mas a descrição mais ou menos detalhada desses fenômenos se deu tão freqüentemente pelos experimentadores que seria completamente supérfluo voltar aqui sobre isso; ademais, não é isso o que nos interessa aqui particularmente, e, a propósito, preferimos assinalar a

possibilidade de algumas explicações que os experimentadores, espíritas ou não, certamente não suspeitam. Sem dúvida, convém observar que, no espiritismo, as teorias jamais se separam da experiência, e nós tampouco buscaremos separá-las inteiramente em nossa exposição; mas o que queremos mostrar, é que os fenômenos não proporcionam mais que uma base puramente ilusória às teorias espíritas, e também que, sem estas últimas, já não se trata absolutamente de espiritismo. Ademais, isso não nos impede de reconhecer que, se o espiritismo fosse unicamente teórico, seria muito menos perigoso do que é e não exerceria o

mesmo atrativo sobre muita gente; e insistiremos mais sobre esse perigo porque este constitui o mais premente dos motivos entre os que nos determinaram a escrever este livro.

Já dissemos em outra parte quão nefasta é, a nosso parecer, a expansão dessas teorias diversas que viram à luz há menos de um século, e que se podem designar, de uma maneira geral, sob o nome de «neo-espiritualismo». Certamente, em nossa época há muitas outras «contra-verdades» que é bom combater igualmente; mas estas têm um caráter muito especial, que as faz mais daninhas possivelmente, e em todo caso de uma maneira diferente, que aquelas que se apresentam sob uma forma simplesmente filosófica ou científica. Tudo isso, com efeito, é mais ou menos «pseudo-religião»; esta expressão, que aplicamos ao teosofismo, poderíamos aplicá-la também ao espiritismo; embora este último proclame freqüentemente pretensões científicas em razão do lado experimental no que crê encontrar, não só a base, senão a fonte mesma de sua doutrina, no fundo não é mais que uma separação do espírito religioso, conforme a mentalidade «cientificista» que é a de muitos de nossos contemporâneos. Além disso, entre todas as

doutrinas «neo-espiritualistas», o espiritismo é certamente a mais estendida e a mais popular, e isso se compreende sem esforço, já que é sua forma mais «simplista», diríamos de boa vontade, a mais grosseira; está ao alcance de todas as inteligências, por mais medíocres que sejam, e os fenômenos sobre os que se apóia, ou ao menos os mais ordinários dentre eles, podem ser obtidos também por não importa quem. Assim, é o espiritismo o que faz o maior número de vítimas, e seus desmandos se acrescentaram ainda nestes últimos anos, em proporções inesperadas, por um efeito da perturbação que os recentes acontecimentos contribuíram aos espíritos. Quando falamos aqui de desmandos e de vítimas, não são simples metáforas: todas as coisas desse gênero, e o espiritismo mais ainda que as demais, têm como resultado desequilibrar e transtornar irremediavelmente a uma multidão de desafortunados que, se não as tivessem encontrado em

seu caminho, teriam podido continuar vivendo uma vida normal. Há aí um perigo que não poderia se

desdenhar, e que, nas circunstâncias atuais sobretudo, é particularmente necessário e oportuno denunciar com insistência; e estas considerações devem reforçar, para nós, a preocupação de ordem mais geral, de proteger os direitos da verdade contra todas as formas do erro.

Devemos acrescentar que nossa intenção não é ficar em uma crítica puramente negativa; é preciso que a crítica, justificada pelas razões que acabamos de dizer, seja- nos uma ocasião de expor ao mesmo tempo algumas verdades. Embora, sobre muitos pontos, estaremos obrigados a nos limitar a indicações bastante resumidas para permanecer nos limites que entendemos nos impor, por isso não pensamos que não será possível fazer entrever muitas questões ignoradas, suscetíveis de abrir novas vias de investigações àqueles que saibam apreciar seu alcance. Ademais, temos que advertir que nosso ponto de vista é muito diferente, sob muitos aspectos, do ponto de vista da maioria dos autores que falaram que espiritismo, tanto para lhe combater como para lhe defender; inspiramo-nos sempre, acima de tudo, em dados da metafísica pura, tal como as doutrinas orientais nos têm feito conhecer; estimamos que é somente assim que se podem refutar plenamente alguns enganos, e não colocando-se em seu próprio terreno. Assim mesmo, sabemos muito bem que, do ponto de vista filosófico, e inclusive do ponto de vista científico, pode-se discutir indefinidamente sem ter avançado mais por isso, e que emprestar-se a tais controvérsias, é freqüentemente fazer o jogo do adversário, por pouco que este tenha alguma habilidade em fazer desviar a discussão. Assim, estamos mais persuadidos que ninguém da necessidade de uma direção doutrinal da que jamais alguém deve apartar-se, e que é a única que permite mexer com certas coisas impunemente; e, por outra parte, como não queremos fechar a porta a nenhuma possibilidade, e não nos elevarmos mais do que contra o que sabemos que é falso, esta direção não pode ser, para nós, mais que de ordem metafísica, no sentido em que, como dissemos em outra parte, devia-se entender esta palavra. Não terá que se dizer que uma obra como esta não deve ser considerada por isso como propriamente metafísica em todas suas partes; mas não tememos afirmar que, em sua inspiração, há mais metafísica verdadeira que em tudo aquilo ao que os filósofos dão este nome indevidamente. E que ninguém se escandalize desta declaração: esta metafísica verdadeira a que fazemos

alusão não tem nada de comum com as confusas sutilezas da filosofia, nem com todas as confusões que esta cria e mantém por prazer, e, além disso, o presente estudo, em seu conjunto, não terá nada do rigor de uma exposição exclusivamente doutrinal. O que queremos dizer, é que somos guiados constantemente por princípios que, para quem quer que os compreenda, são de uma absoluta certeza, e sem os quais alguém corre muito risco de extraviar-se nos tenebrosos labirintos do «mundo inferior», assim como tantos exploradores temerários, apesar de todos os seus títulos científicos ou filosóficos, deram-nos já o triste

exemplo disso. Tudo isso não significa que desprezemos os esforços daqueles que se colocaram em pontos de vista

diferentes do nosso; bem ao contrário, estimamos que todos esses pontos de vista, na medida em que são legítimos e válidos, não podem a não ser harmonizar-se e completar-se. Mas há distinções a fazer e uma hierarquia a observar: um ponto de vista particular não vale mais que em um certo domínio, e é necessário respeitar os limites além dos quais cessa de ser aplicável; é o que esquecem muito freqüentemente os especialistas das ciências experimentais. Por outra parte, aqueles que se colocam no ponto de vista religioso têm uma mínima vantagem de uma direção doutrinal como esta da qual falamos, mas que, em razão da forma que reveste, não é universalmente aceitável, e que, pelo resto, bastaria para lhes impedir de perder- se, mas não para proporcionar soluções adequadas a todas as questões. Seja como for, em presença dos acontecimentos atuais, estamos persuadidos de que nunca se fará suficiente para opor-se a certas atividades maléficas, e de que todo esforço que se faça neste sentido, provido de um bom direcionamento, terá sua

utilidade, ao estar possivelmente melhor adaptado que outro para incidir sobre tal ou qual ponto determinado; e para falar uma linguagem que alguns compreenderão, diremos também que nunca haverá demasiada luz difundida para dissipar todas as emanações do «Satélite sombrio».

PREFÁCIO do livro de RENÉ GUÉNON. O ERRO ESPÍRITA publicado em 1923

ALEXIS CARREL E A NOSSA CIVILIZAÇÃO DESTRUIDORA

Deixemos falar uma pessoa que possui o dom de irritar os meios de comunicação e as assim ditas “elites”,

ou seja Alexis Carrel13, prêmio Nobel de medicina. O cirurgião tirou as suas luvas para dizer as suas

verdades, porque sabia, antes de Orlov, de Kunstler e dos outros “espertos”, que nós certamente

estávamos condenados. Cito a edição americana que o prestigioso Carrel tinha apresentado em Nova York

antes da guerra:

“Afinal de contas a sociedade moderna, esta sociedade gerada pela ciência e tecnologia, comete o mesmo

erro de todas as civilizações da antiguidade. Cria condições de vida nas quais a vida do indivíduo e aquela

da raça tornam-se impossíveis. E justifica a frase do Decano dos docentes Inge: a civilização é uma doença

que é quase invariavelmente fatal. Mesmo que o público não entenda o significado real dos acontecimentos

que ocorrem na Europa e nos Estados Unidos, torna-se sempre mais claro para aquela minoria que tem o

tempo e o prazer para pensar. Toda a civilização ocidental está em perigo. E este perigo ameaça

contemporaneamente a raça, as nações e os indivíduos. Todos já sofrem com a desordem da vida e das

instituições, do enfraquecimento geral do senso moral e da insegurança econômica, dos cargos impostos

pelos deficientes e pelos criminosos. A crise nasce da própria estrutura da civilização.É uma crise do homem.

O homem não pode adaptar-se ao mundo que saiu do seu cérebro e das suas mãos. Não tem outra

alternativa senão reconstruir este mundo segundo as leis da vida. Deve adaptar o seu ambiente à natureza

das suas atividades tanto orgânicas quanto mentais e renovar os seus hábitos individuais e sociais. Caso

contrário a sociedade moderna alcançará muito em breve o nada (onde acabaram) a Grécia e o Império

Romano. E a base desta renovação nós não podemos encontrá-la só no conhecimento do nosso corpo e da

nossa alma.

A propósito de Roma e da Grécia, leiam o meu livro negro: Juvenal, Suetónio, Sêneca viram e viveram a

nossa situação. E não esqueçamos Petrônio!”.

Carrel atribui a democracia a uma ideologia, e estamos de acordo:

“Nunca nenhuma civilização duradoura será fundada com bases nas ideologias filosóficas e sociais. A

própria ideologia democrática, a menos que não seja reconstruída com base científica, não tem maiores

possibilidades de sobreviver do que a ideologia marxista. Porque nenhum destes dois sistemas abraça o

homem na sua realidade total.”

O culto moderno do feio, até mesmo do horrível, já é uma tara universal. Carrel explica:

“O senso estético existe tanto entre os seres humanos mais primitivos, quanto entre os mais civilizados.

Sobrevive até mesmo ao desaparecimento da inteligência porque os idiotas e os burros são capazes de

produções artísticas. A criação de formas ou de séries de sons, que despertam naqueles que as olham ou as

escutam uma emoção estética, é uma necessidade elementar da nossa natureza. O homem sempre

contemplou com alegria os animais, as flores, as árvores, o céu, o mar e as montanhas. Antes que nascesse

a civilização, usou os seus utensílios grosseiros para reproduzir na madeira, no marfim, na pedra, as formas

dos seres viventes.”

Carrel mostra o problema da ameaça da civilização, que pende sobre os operários e sobre os artesãos,

condenados a desaparecer: “Hoje também, quando o senso estético já não tenha sido destruído pela

educação, pelo seu modo de viver e pelo trabalho na fábrica, o homem gosta de fabricar objetos seguindo a

sua inspiração. E prova uma alegria estética concentrando-se nesta atividade. Na Europa ainda existem,

sobretudo na França, cozinheiros, charcuteiros, escultores, marceneiros, ferreiros, fabricantes de facas,

mecânicos, que são artistas. Alguns fazem um doce bonito, outros esculpem casas, homens e animais na

banha de porco, outros ainda forjam uma bela grade para um portão, há quem construa um móvel bonito

ou desbasta uma estátua áspera, quem tece um tecido bonito de lã ou de seda, experimenta um prazer

análogo àquele de um escultor, de um pintor, de um musicista, ou de um arquiteto.”

13 https://pt.wikipedia.org/wiki/Alexis_Carrel

Carrel tem pena dos operários como Chaplin de “Tempos Modernos”:

“Se a atividade estética continua sendo virtual para a maior parte dos indivíduos, é porque a civilização

industrial nos circundou com espetáculos feios, grosseiros e vulgares. E depois nós fomos transformados em

máquinas. O operário passa a sua vida a repetir milhões de vezes todos os dias o mesmo gesto. De um

determinado objeto ele fabrica só uma parte, nunca constrói o objeto completo. Não pode servir-se da sua

inteligência. É o cavalo cego que gira o dia todo no carrossel para extrair a água do poço.”

Um pequeno processo às intenções contra a civilização – um processo muito mal visto atualmente, já que

esta é julgada fantástica e perfeita:

“O industrialismo impede de usar aquelas atividades da consciência que têm condições de dar todos os dias

a um homem um pouco de alegria. A civilização moderna sacrificou o espírito à matéria e isto foi um erro.

Um erro tão perigoso que não provoca nenhum sentimento de revolta, e é aceito facilmente por todos tanto

quanto a vida insalubre das grandes cidades, e a reclusão nas fábricas. Contudo, os homens que provam um

prazer estético mesmo que rudimental em seus trabalhos, são mais felizes do que aqueles que produzem

unicamente com a finalidade de poder consumir. Sem dúvida a indústria na sua forma atual, tirou do

operário toda a originalidade e toda a satisfação.”

Enfim o grande sábio coloca os pontinhos nos is:

“A estupidez e a tristeza da civilização presente devem-se pelo menos em parte à abolição das formas

elementares do prazer estético na vida cotidiana.”

E depois o doutor Carrel agrava o seu diagnóstico. E na verdade celebra a beleza do artesanato.

Podemos apreciar na citação as suas grandes qualidades literárias que nos afastam dos estilistas da ciência

e da vida e dos literatos atuais, selecionados com um questionário com escolha múltipla:

“A beleza é uma grande fonte inexaurível de alegria para quem sabe descobri-la. Porque encontra-se em

toda parte. Sai das mãos que modelam ou que acariciam a argila grosseira, que cortam a madeira e fazem

dela um móvel, que tecem a seda, que modelam o mármore, que cortam e consertam a carne humana. E

encontra-se na arte sangrenta dos grandes cirurgiões como naquela dos pintores, dos musicistas, dos

poetas. E está também nos cálculos de Galileu, nas visões de Dante, nas experiências de Pasteur, no surgir

do sol no oceano, nas nevascas invernais na alta montanha. E torna-se ainda mais angustiante na

imensidade do mundo sideral e naquele dos átomos, na inefável harmonia do cérebro humano, na alma

daquele homem que se sacrifica sem aparecer para a salvação dos outros. E em cada uma destas formas (a

beleza) continua sendo o hóspede desconhecido da substância cerebral, a criadora da face do

Universo…” A atrofia estética, e então moral, pode chegar inesperadamente:

“O senso da beleza não se desenvolve de maneira espontânea. Existe na nossa consciência só

potencialmente. E continua sendo virtual em certas épocas e em certas circunstâncias. Pode também

desaparecer nas populações que em outras épocas possuíam-no em grande quantidade. Por isso a França (e

não só a França, ndc) destrói as suas belezas naturais e depreza as memórias do seu passado.

Como se sabe, o modo melhor para destruir tudo isso é sempre o turismo de massa.”

A atrofia moral e intelectual nos torna inadaptos para recriar a beleza e nos acostuma a uma feiura terrível:

“Os descendentes dos homens que conceberam ou construíram o monastério de Mont Saint-Michel não

compreendem mais o seu esplendor. Aceitam com prazer indescritível a feiura das casas modernas da

Bretanha e da Normandia, e sobretudo dos arredores de Paris. E assim como Mont Saint-Michel, também

Paris e a maior parte das ruas das cidades e dos vilarejos da França foram desonrados por uma horrível

venalidade. O senso da beleza, como o senso moral, durante o curso da civilização se desenvolve, alcança o

seu máximo e desaparece.”

A cultura? Todo mundo segue as séries da TV que vêm dos Estados Unidos ou o Código da Vinci; um amigo

vendedor de jornais dizia-me há pouco tempo atrás que vendia até 300 revistas sobre automóveis …

Alexis Carrel: “O prazer pela leitura cresceu. Muito mais revistas e livros serão comprados todos de uma vez.

O número das pessoas que interessam-se por ciência, por literatura, por arte, aumentou. Mas são os níveis

mais baixos da literatura e as contrafações da ciência e da arte que, em geral, atraem o público. Não parece

que as excelentes condições higiênicas com as quais educamos as crianças, e os cuidados para com elas nas

escolas, tenham conseguido melhorar o nível intelectual e moral. Podemos também nos perguntar se

muitas vezes não exista um tipo de antagonismo entre o desenvolvimento físico e o desenvolvimento

mental destas crianças. Afinal de contas nós não sabemos se o aumento da altura em uma raça não seja

uma degeneração, ao invés de um progresso, assim como hoje acreditamos que seja.”

O indivíduo de hoje? Antes da obesidade (42% das crianças obesas onde eu moro), antes do

embrutecimento tecnológico e dos meios de comunicação, antes do abaixamento do quociente de

inteligência, Carrel escreve:

“Na civilização moderna o indivíduo se caracteriza sobretudo por uma grande atividade voltada

inteiramente para a parte prática da vida, para uma grande ignorância, para uma certa astúcia, e para um

estado de fraqueza mental que faz com que sofra profundamente a influência do ambiente onde vive.

Parece que, faltando uma couraça moral, a própria inteligência ceda. E pode ser que seja por isso que esta

faculdade, um tempo tão característica na França, tenha se calado tanto neste país. Nos Estados Unidos o

nível intelectual é mais baixo, apesar da multiplicação das escolas e das universidades.”

Carrel também faz notar:

“O aquecimento das casas, a iluminação elétrica, os elevadores, a moral biológica, a manipulação química

dos alimentos foram aceitas somente porque estas inovações eram prazerozas e cômodas. Mas o seu efeito

nos seres humanos não foi levado em consideração… E assim chegamos a construir casas gigantescas que

recolhem em um espaço restrito enormes quantidades de indivíduos. Estas pessoas moram ali com prazer,

porque aproveitam a comodidade e o luxo e não percebem que não têm o necessário. A cidade moderna (as

metrópoles modernas) tem estas casas monstruosas e ruas sem luz, cheias de ar poluído pelos gases, pós,

vapores de gasolina e pelos produtos da sua combustão, perturbadas pelo barulho dos caminhões e pelos

ônibus elétricos e sempre invadidas por uma grande multidão. É evidente que esta cidade não foi construída

para o bem estar dos seus habitantes”.

A partir de então nenhum progresso foi feito, muito pelo contrário. Também sobre a medicina e sobre o

pão branco Carrel já tinha dito tudo:

“A nossa vida é influenciada em grande parte pelos jornais (e hoje pela televisão, ndc). A publicidade é feita

unicamente para o interesse dos produtores, e nunca para aquele dos consumidores. Por exemplo, fizeram

com que o público acreditasse que o pão branco é superior ao pão escuro. Igualmente um grande número

de produtos alimentares e farmacêuticos inúteis, e muito perigosos, tornaram-se uma necessidade para as

pessoas civilizadas. Desta maneira a destreza de indivíduos muito hábeis a dirigir o gosto das massas

populares em direção de produtos que querem vender, tem um papel importantíssimo na nossa civilização.

Pode-se dizer que a civilização moderna seja incapaz de produzir uma classe dirigente dotada

contemporaneamente de imaginação, de inteligência e de coragem. Em quase todos os países, existe uma

diminuição do valor intelectual e moral daqueles que têm a responsabilidade da direção dos assuntos

políticos, econômicos e sociais.”

O nosso pensador escreve sobre o Apocalipse turístico cuja tarefa essencialmente é aquela de profanar, e

depois de consumir (é necessário perder tempo e vadiar).

“A atitude dos turistas que profanam as catedrais da Europa evidencia até que ponto a vida moderna

colocou de lado o senso religioso. A atividade mística foi banida pela maior parte das religiões. Até mesmo o

seu significado foi esquecido. Provavelmente a decadência das igrejas está ligada a este esquecimento.”

Em uma sociedade de imbecis as soluções não são propostas, são esquecidas. Carrel também evidencia o

declínio qualitativo e quantitativo das nossas populações:

“A França está se despovoando. A Inglaterra e a Escandinávia se despovoarão em breve. Nos Estados

Unidos, uma parte superior de um terço da população se reproduz muito menos rapidamente do que a sua

parte inferior. Então a Europa e os Estados Unidos sofrem um enfraquecimento qualitativo e quantitativo…

A civilização ocidental nunca se encontrou em um perigo tão grave como aquele de hoje. Mesmo evitando

de suicidar-se com a guerra, está se dirigindo para a degeneração graças à esterilidade dos grupos

humanos mais fortes e mais inteligentes.”

“Devemos nos levantar e começar a marchar. E temos que nos libertar da tecnologia cega.”

Isso mesmo! Relemos o seu texto sobre Nietzsche:

“Os “aprendizes históricos” chamam “objetividade” o hábito de comparar as opiniões e as ações do

passado com as opiniões que estão na moda no momento no qual escrevem. E ali encontram a medida de

todas as verdades. O seu trabalho é aquele de adaptar o passado à vulgaridade do presente. E depois

chamam “subjetivo” qualquer modo de escrever a história que não considere canônicas estas opiniões

populares.”

Nicolas Bonnal

Fonte: http://www.dedefensa.org/article/alexis-carrel-et-notre-civilisation-destructrice

PLOTINO – O RETORNO AO UNO

II Parte

Reinholdo Aloysio Ullmann

2 – A união mistica com o Uno.

A culminância da dialética plotiniana è a união mistica com o Uno, numa conteplação extática. Hénois è a

palavra greca para designar essa união. No caminho da “conversão”, que caracteriza o itinerário da

“inteligência espiritual” no homem, Plotino aponta para além da intelecção, para a pura intuição do Uno,

que é simples e sem alteridade. Aqui, a alma prescinde de toda razão discursiva e de toda ciência. Tratasse

de um estado hiper-racional, que tem como um dos momentos preparatórios a reflexão, a virtude, a

ascese.

O que significa união mística? Uma co-presença com o divino, atemporal, em que a alma entra na posse e

unidade máxima de si mesma, para alcançar a similitude com o Uno (homoiôsis tô Theo).

Mística deriva do verbo grego myô e significa fechar-se; especialmente fechar os olhos, recolher-se. Por

isso, mystikón é o oposto de phanerón (aberto, manifesto). Em Plotino, a mística é pensada como háplôsis,

isto é, como máxima simplificação da alma racional, quando ela se retrai para o fundamento do seu ser.

Para que se dê tal união, misteriosa, secreta, indizível, com o Uno, é mister deixar atrás de si a matéria. Não

se trata, pois, na mística, de um sonho de visionário, nem é identificável com transes xamânicos ou com o

enthousiasmós dos órficos e dos participantes dos ritos dionisíacos. A mística plotiniana não é deificação,

mas assemelhação com Deus.

Na vivência da união mística, a alma entra, pelo assim dizer, no Santo dos Santos, que representa o

abandono das imagens (as estátuas dos deuses) as quais simbolizam o singular ou o muito. Aqui a alma

repousa como Deus, no sétimo dia. Muitas vezes, também os místicos descrevem a sua união com Deus

como a entrada num deserto. Deserto, aqui, não significa lugar vazio, mas é uma analogia, para

represen¬tar a solidão da alma com o Uno. Tudo a alma abandonou {deserere, em latim), para defrontar-se

com a dimensão divina. Então, a alma está

despojada de tudo. Cumpriu o áphele pánta. É o instante da contemplação, com plena felicidade, numa

vivência supra-sensível, trans-racional, atemporal. É descanso no Uno. Ekstasis equivale ao ex-cessus

mentis dos medievais, ao arrebatamento (rapto) de Paulo, descrito em 2Cor 12, 1. Somente o puro pode

contemplar o Puro.

Não se pense, porém, que o êxtase seja dissolução do eu. Não é anulação, nem deificação, mas

assemelhação com Deus.

2.3 - A par dessa visão grandiosa do destino da alma humana, encontramos um paradoxo: Plotino nega

a ressurreição da carne (o que dá a entender que dela tinha ouvido falar de amigos cristãos). Diz o filósofo:

'“Ressurgir com um corpo, equivale a cair dum sono em outro; a passar, pelo assim dizer, de um leito a

outro,,.

2.4 - E o que acontece com os homens que não chegam, na primeira existência, ao cume da perfeição,

ou seja, à união com o Uno pelo êxtase? Seu destino é a metempsicose. Aqui Plotino revela-se inteiramente

platônico. A"metempsicose, ou melhor, a metensomatose, traz a possibilidade de reencamar-se em corpos

de animais e até de plantas, consoante a vida levada na existência precedente.

2.5 - Qual será o destino dessas almas, ao fim de suas transmigrações? A apocatástase14. Dado o

caráter naturalístico da emanação, não pode haver diversidade de destinos. Todas as almas devem retornar

ao Uno. Porém, assim como, pela emanação, o Uno não sofre diminuição, porque não despotencializa a sua

substância, assim também, pelo retomo das almas, não recebe acréscimo, o que exclui, por conseguinte,

toda e qualquer interpretação panteística. O Uno é transcendente e imanente.

2.6 - Cabe perguntar aqui: se alguém, como Plotino, teve o privilégio do êxtase, já neste mundo, que

influência exerce isso sobre a vida cotidiana? Responde Plotino: verá transfigurada a realidade física e

humana, viverá o eterno no devir temporal e amará a Deus todas as coisas, com amor sereno. Dessa

intuição excepcional, nascerão as grandes ações, que orientam eticamente a humanidade; surgirá

renovação religiosa e atividade dos políticos sábios, com um senso cada vez maior de solidariedade social.

Tal homem não permanecerá num quietismo inoperante, mas com alegria agirá desinteressadamente.

Pelos frutos se conhece a árvore. Mensurada racionalmente, a união mística é absurda e paradoxal, porque

o Uno se encontra para lá de toda predicabilidade e porque a contemplação mística representa uma

experiência pessoal, intransferível e inefável.15 De outra parte, não se pode pôr em dúvida ou negar essa

vivência de muitas almas a sós com Deus, nem considerála um sonho, paranóia ou anomalia, pois os efeitos

da visão do Uno demonstram a convicção da realidade vivenciada.

Em nossa época de crasso materialismo, não admira que a mística religiosa seja olhada com certo desdém.

“Na filosofia moderna, consuma-se a cisão entre filosofia e mística, com o desaparecimento do espaço

noético da ‘inteligência espiritual’. A mística como experiência do Deus transcendente sucedem-se as

místicas da imanência: da história, da revolução, do super-homem, da terra, e finalmente, do nada”. Faltam

ao homem de hoje as aures religiosae de que falava Cícero.

3 - A fecundidade da mensagem plotiniana

Concluímos este pequeno estudo, com algumas achegas a respeito da fecundidade da mensagem

plotiniana na história, com dúplice divisão: a primeira, atinente ao conceito de emanação; a segunda,

rela¬tiva à mística.

3.1- Visto não haver contradição entre o emanacionismo plotiniano e a criação em sentido cristão, não

poucos pensadores cristãos valeram-se do conceito de emanacionismo, sinonimizando-o com criação.

Vejamos alguns exemplos. Boécio insiste no fluir ou defluir das coisas livremente quisto por Deus. Também

o Pseudo-Dionísio (Dionísio Areopagita) praticamente só emprega o termo emanação (ékbasis), quando

fala em Deus criador. O verbo ktizein raramente ocorre. No Pseudo-Dionísio, há de abeberar-se toda a

mística medieval. Temos, depois, João Eriúgena, mediador da teologia oriental para o medievo latino, por

sua tradução das obras do Pseudo-Dionísio. Dessarte, abriu à Escolástica as portas para a entrada do

neoplatonismo. Deus, segundo Eriúgena, é o Pai das luzes ou a fonte eterna e perene da torrente de luz

que se difunde, à maneira de uma cascata, através de todos os degraus hierárquicos dos seres, até chegar

às criaturas inferiores e mais afastadas de Deus.

Igualmente Santo Tomás interpreta a emanação como criação: “Não devemos considerar somente a

emanação dé qualquer ser particular, de um agente particular, mas também o da totalidade dos seres, da

causa universal, que é Deus: e é a esta emanação que designamos com o nome de criação”. O mundo das

14 Apokatástasis, em grego, significa posto primitivo, restauração, regeneração”, também quer dizer “devolver a saúde a alguém”. Na linguagem teológica, tem o sentido de eliminar a diferença entre salvos e condenados. Ao fim e ao cabo, bons e maus se salvarão. Essa doutrina foi proposta por ORÍGENES e condena¬da pela Igreja (cf. DENZINFGER/SCHÕNMETZER, n2 411). 15 A hênosis (unificação) com o Uno só pode “ser sabida” por quem a viveu. Clara¬mente o diz SÃO JOÃO: “(.. .) quod (i.e mysticum et secretissimum) nemo scit, nisi qhi accipit” (Apc 2, 17). Em linguagem análoga, já se expressara PLOTINO: “Aquele que o viu (mergulhando na intimidade do Uno), sabe o que eu digo” (Enéadas, VI, 9, 9)

criaturas é, pois, explicatio da essência divina. Como em Plotino, no Doutor Angélico o mundo criado

participa (metéxein), é uma imagem de Deus.

Da mesma forma, em Mestre Eckhart deparamos expressões, que indicam emanação.

Inegavelmente, o influxo de Plotino se refletiu em Nicolau de Cusa, na obra De docta ignorantia. Para ele,

Deus (Uno) é a complicatio de todas as coisas; o universo criado representa a explicatio.

Também Leibniz retoma a noção de emanacionismo, com sentido de criação.16

Nenhum dos personagens citados se inclui no rol dos panteístas, conquanto muitas vezes sejam

qualificados como tais.

Diversa é a concepção de Hegel. No processo dialético, a partir do Uno (Absoluto), este se funde e identifica

com o processo vivo da natureza. O Absoluto é o processo. Estamos, pois, diante de verdadeiro panteísmo.

Assim vemos que Deus ou Uno, como criador (emanante) perpassa a história da filosofia. Em Plotino, pela

primeira vez na evolução do pensamento grego, a filosofia adquire uma modalidade essencialmente

teológica, com amplas ressonâncias nas épocas seguintes. Em Plotino, mais que em Platão, o interesse

volta-se para as realidades transcendentes, com “fuga” do mundo sensível.

3.2 - Passemos à influência de Plotino sobre a mística, apontando os tópicos essenciais.

Podemos dizer que Dionísio Areopagita representa o grande transmissor do sentido místico para o

Ocidente. Em sua Teologia mística, utiliza termos típicos de Plotino: abandonar todas as coisas (pán- ta

aphelôn). Propõe três degraus, para chegar à união com Deus: a purificação sensível, que consiste na

liberação da matéria; a iluminação, mediante a qual a alma entra em contato com Deus; finalmente, a

união santificadora que constitui a perfeição da alma, em que ela sai da obscuridade e se une plenamente

por amor ao inefável.

Em Santo Agostinho, herdeiro de Plotino, a união mística acha- se descrita na reflexão por ele feita com

Mônica, sua mãe, em Óstia.

Vêm a seguir os grandes místicos medievais, com Plugo de São Vítor, São Bernardo, São Boaventura, sem

falar de Eckhart, Tau- ler, Suso, Ruisbróquio e outros. Em não poucos casos, o movimento místico, que

também atingiu os universitários, representou uma reação ao nímio intelectualismo no ensino e ao

nominalismo. 17

Na Renascença, através da tradução das Enéadas, por Marsílio Ficino, o pensamento plotiniano foi

considerado como expressão de uma tradição antiqüíssima, com raizes órficas. Deuse acento à

espiritualidade teológica do universo e à afinidade entre a estrutura humana (o homem como microcosmo)

e a estrutura cósmica. Ao mesmo passo, foi ressaltado o belo como revelação sensível de uma ordem

metafísica.

Na idade romântica, verificou-se um significativo renascimento do plotinismo. Os românticos não apenas se

voltaram ao culto da inte- rioridade, mas ao supra-racional e supra-inteligível. Destacam-se Novalis e

Schelling18. Ademais, ao mecanicismo determinístico eles opuseram a essência da vida e do ser como

mistério. Sublinharam o valor e a função imprescindível da intuição e do sentimento contra o

intelectualismo e o racionalismo.

16 As Mônadas, segundo LEIBNIZ, resultam “par des fulgarations continuelles de la divinité de moment à moment”. E ainda: “Patet autem ab hac fonte (= Deo) res existentes continue promanare”. {In: HISTOR1SCHES WÕRTERBUCH. .., Band 2, col. 448). 17 “O nominalismo havia criado um clima propício para os místicos, porque, importa recordá-lo, ensinava que a relação entre o homem e Deus apenas podia dar- se pela fé e não pela razão. Logo, somente por exercícios espirituais, o homem lograria entrar em contato com o divino, em profundo amor contemplativo” (ULL- MANN, Reinholdo Aloysio. A Universidade: das origens à Renascença. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 1944, p. 185). 18 SCHELLING é contrário ao emanacionismo por julgar que “o emanado permanece idêntico ao emanante, não sendo, pois, algo independente e singular (Eig- nes)” {In: HISTORISCHER WÕRTERBUCH. . ., Band 2, col. 448).

Hoje, no século XX, o pensamento plotiniano é objeto de pro¬fundo estudo, especialmente na Europa, e

inspira a especulação filosófica. Cito apenas dois expoentes nesse campo: Wemer Beierwaltes, com sua

obra Pensare l 'uno e Karl-Heinz Volkmann-Schluck, famoso por seu estudo intitulado Plotin ais Interpret

der Ontologie Platos. O que se percebe, também em outros autores, é a defesa dos direitos do espírito

contra o materialismo; do homem interior contra a disper¬são do mundo da técnica; a colocação de

fronteiras à razão, que se arroga o direito de uma interpretação total da vida, sem adivinhar, nos signos do

universo, os indícios de uma Unidade incompreensível, superior, transcendente.

As grandes idéias dos homens geniais nunca morrem. Entre eles, revela-se o pagão Plotino, como

acabamos de ver.

O MITRAÍSMO

Mitra era uma divindade indo-iraniana cuja referência mais antiga remonta ao segundo milénio a.C.. O

culto surgiu na Índia tendo se difundido pela Pérsia e mais tarde pelo Médio Oriente

Na Índia, surge nos hinos védicos como um deus da luz, associado a Varuna.

Julga-se ter sido Dario I a reconhecer pela primeira vez o zoroastrismo como religião oficial do Império

Aqueménida. O zoroastrismo é uma religião monoteísta, que postula a existência de um único Deus ao qual

atribui o nome de Ahura Mazda. O fundador, Zaratustra, opunha-se ao sacrifício dos bois, elemento que se

encontra no mitraísmo.

A invasão da Pérsia por Alexandre Magno em 330 a.C. provocaria a decadência do culto de Mitra, que

sobreviveu apenas entre os aristocratas que habitavam a parte ocidental do Império Persa, na fronteira

com o mundo greco-romano. A partir daí, o culto de Mitra difundiu-se nas regiões vizinhas. Ao reconhecer

o imperador Nero como seu senhor, o rei Tiridates da Arménia realizou uma cerimónia associada a Mitra.

A primeira referência na historiografia greco-romana ao culto de Mitra encontra-se na obra de Plutarco,

que refere que os piratas da Cilícia celebravam ritos secretos relacionados com Mitra no ano 67 a.C.

Não se sabe se existiu uma ligação entre este Mitra persa e o da religião de mistérios do Império Romano.

Franz Cumont, responsável pelo começo dos estudos sobre o mitraísmo, julgou que sim.

É possível que os responsáveis pela introdução do culto de Mitra no Império Romano tenham sido os

legionários que serviam o império nas suas fronteiras orientais. As primeiras provas materiais do culto de

Mitra datam de 71 ou 72 d.C.: trata-se de inscrições feitas por soldados romanos que procediam da

guarnição de Carnunto (atual Petronell-Carnuntum, na Áustria), na província da Panónia Superior e que

possivelmente tinha estado no oriente, na luta contra os partos e no combate ao levantamento em

Jerusalém.

Por volta do ano 80 d.C. o autor Estácio refere a cena da tauroctonia na sua obra Tebaida.

Em finais do século II, o mitraísmo já estava amplamente popularizado no exército romano. A maior parte

dos achados referem-se às fronteiras germânicas do império. Pequenos objectos de culto associados a

Mitra têm sido encontrados em locais que vão da Roménia à Muralha de Adriano.

A maior concentração de mitreus (templos de Mitra) se encontra em Roma e perto da cidade de Óstia, com

um total de doze templos identificados, sendo provável que tenham existido centenas. A importância do

mitraísmo em Roma pode ser avaliada a partir dos achados: mais de setenta e cinco peças de escultura,

uma centena de inscrições e ruínas de templos e santuários em toda a cidade e subúrbios. Um dos mitreus

mais destacados, que conserva o altar e os bancos de pedra, foi construído por debaixo de uma casa

romana e sobrevive na cripta sobre a qual se construiu a Basílica de São Clemente em Roma.

(fonte: wikipedia.com.br)