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Luzes e Revolução na Colônia Francisco J. C. Falcon Prefácio Queremos, inicialmente, externar nossos agradecimentos ao prof. dr. Renato Janine Ribeiro, pelo convite para participarmos deste evento. Trata-se de uma satisfação muito grande tomar parte neste Colóquio de Filosofia e História das Idéias, preparatório ao bicentenário da Revolução Francesa e da Incofidência Mineira. Saudamos neste Colóquio, intitulado Sombra e Luzes, o caráter interdisciplinar e a sua grande variedade de atividades e de perspectivas metodológicas. Como historiador, sentimos aqui bastante presente o intuito de aprofundar, enriquecendo-o, o diálogo entre as diversas ciências cujo objeto é o homem. Não tem sido muito freqüente entre nós esse tipo de contato, amplo e aberto, entre os historiadores e seus colegas das outras ciências humanas. Ao mesmo tempo, nem sempre são corretas as visões que têm nossos colegas sobre o tipo de perspectiva assumida pelos historiadores na atualidade. Permanece ainda, muito por culpa nossa, convém frisar, uma idéia que consideramos tradicional e ultrapassada acerca do trabalho historiador, mas cujas insuficiências explicativas e analíticas continuam a ser tomadas como expressão de um ponto de vista atribuído genericamente à história. Concorrem para esse fato, não resta dúvida, o tipo de história veiculado pela maioria dos livros didáticos e a concepção de história cristalizada na própria sociedade. Os organizadores do Colóquio foram muito felizes quando se preocuparam em contrastar luzes e sombras, no século XVIII. Mas, talvez, sem que disso tivessem consciência, abriram para nós, historiadores, uma outra possibilidade de pensarmos também a oposição entre luzes e sombras: a reflexão, hoje mais atual do que nunca, a respeito das sombras que ainda pairam sobre o avanço dos nossos conhecimentos e que nada mais são, com efeito, do que as sombras de tantos pseudo-saberes, cristalizados pela tradição e esteriotipados pelo afã divulgador e simplificador. Vicejam assim, ao amparo dessas sombras, as atitudes e visões estreitas, paroquiais, intolerantes, ciosas de um território todo seu, vedado a quem quer que não se defina como historiador 1 . Finalmente, talvez devêssemos somar às considerações dos organizadores, acerca da coexistência de aspectos sombrios e iluminados no Setecentos europeu, algumas outras mais especificas sobre as formas de concretização dessa dualidade no âmbito das sociedades coloniais e das suas metrópoles. Pensamos nas sombras do tribunal inquisitorial, nas atividades persecutórias da Intendência Geral de Polícia, na Real l Tal atitude, em parte compreensível, pois não é senão uma espécie de autodefesa diante das reais ou supostas incursões dos cientistas sociais sobre o território do historiador, comporta no entanto alguns perigos. Entre estes podemos apontar o da recaída positivista e o do defasamento metodológico, numa época em que a interdisciplinaridade se impõe em todas as fronteiras do conhecimento.

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Page 1: Luzes e Revolução na Colônia

Luzes e Revolução na ColôniaFrancisco J. C. Falcon

Prefácio

Queremos, inicialmente, externar nossosagradecimentos ao prof. dr. RenatoJanine Ribeiro, pelo convite paraparticiparmos deste evento.Trata-se de uma satisfação muitogrande tomar parte neste Colóquiode Filosofia e História das Idéias,preparatório ao bicentenário daRevolução Francesa e daIncofidência Mineira. Saudamos nesteColóquio, intitulado Sombra e Luzes,o caráter interdisciplinar e a sua grandevariedade de atividades e deperspectivas metodológicas. Comohistoriador, sentimos aqui bastantepresente o intuito de aprofundar,enriquecendo-o, o diálogo entre asdiversas ciências cujo objeto é ohomem. Não tem sido muitofreqüente entre nós esse tipo decontato, amplo e aberto, entre oshistoriadores e seus colegas das outrasciências humanas. Ao mesmo tempo,nem sempre são corretas as visõesque têm nossos colegas sobre o tipode perspectiva assumida peloshistoriadores na atualidade. Permaneceainda, muito por culpa nossa, convémfrisar, uma idéia que consideramostradicional e ultrapassada acerca dotrabalho historiador, mas cujasinsuficiências explicativas e analíticascontinuam a ser tomadas comoexpressão de um ponto de vistaatribuído genericamente à história.Concorrem para esse fato, não resta

dúvida, o tipo de história veiculadopela maioria dos livros didáticos e aconcepção de história cristalizada naprópria sociedade.

Os organizadores do Colóquioforam muito felizes quando sepreocuparam em contrastar luzes esombras, no século XVIII. Mas,talvez, sem que disso tivessemconsciência, abriram para nós,historiadores, uma outra possibilidadede pensarmos também a oposiçãoentre luzes e sombras: a reflexão,hoje mais atual do que nunca, arespeito das sombras que ainda pairamsobre o avanço dos nossos conhecimentose que nada mais são, com efeito, do queas sombras de tantos pseudo-saberes,cristalizados pela tradição e esteriotipadospelo afã divulgador e simplificador.Vicejam assim, ao amparo dessas sombras,as atitudes e visões estreitas, paroquiais,intolerantes, ciosas de um território todoseu, vedado a quem quer que não sedefina como historiador1.

Finalmente, talvez devêssemos somar àsconsiderações dos organizadores, acercada coexistência de aspectos sombriose iluminados no Setecentos europeu,algumas outras mais especificas sobreas formas de concretização dessadualidade no âmbito das sociedadescoloniais e das suas metrópoles. Pensamosnas sombras do tribunal inquisitorial,nas atividades persecutórias daIntendência Geral de Polícia, na Real

l Tal atitude, em parte compreensível, pois não é senão uma espécie de autodefesa diante dasreais ou supostas incursões dos cientistas sociais sobre o território do historiador, comportano entanto alguns perigos. Entre estes podemos apontar o da recaída positivista e o dodefasamento metodológico, numa época em que a interdisciplinaridade se impõe em todasas fronteiras do conhecimento.

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Mesa Censoria, enfim, em tudo aquiloque, na Metrópole e na Colônia,conspirava decididamente contra o avançoe difusão das Luzes2.

Luzes e Revolução na Colônia

Uma estória que sabemos de cor. Tantasvezes repetida, tantas outras contada erecontada que se transformou emverdadeiro clichê, peça obrigatória dasmanifestações retóricas cívicas e capítuloindispensável a todo manual escolar:era uma vez, nos longíquos anos de mile setecentos, quando um punhado deintelectuais europeus, franceses em suamaioria, liderou um grande movimentode crítica contundente a quase todosos aspectos que compunham asociedade da época — a sociedade doAntigo Regime. Como críticosimpiedosos, foram os anunciadores degrandes mudanças, necessárias eirresistíveis, ditadas pelo progresso, e,assim, sem que muitos desses homens osoubessem, ou mesmo o quisessem,foram eles os responsáveis intelectuaispela derrocada geral do Antigo Regimepolítico, econômico e social — aexplosão revolucionária que avassalou ocontinente europeu a partir da Tomadada Bastilha, em julho de 1789.Entrosam-se aí, portanto, lógica enecessariamente, Iluminismo eRevolução.

O ideário que a tradição consagrouprossegue porém: iniciada a RevoluçãoFrancesa, tudo que ocorreu nas décadasseguintes esteve sempre na dependênciaestreita daquilo que acontecia naprópria França: do Terror ao adventode Napoleão Bonaparte.

Enquanto isso, nas colônias situadas dooutro lado do Atlântico, osacontecimentos apenas refletiam ourepercutiam o que se passava na Europa.Uma espécie de reflexo do reflexo:a França produzia fatos que se refletiamem seus vizinhos (pensamos aquisobretudo nos países ibéricos) e daíeram refratados nas colônias dessesúltimos. Habituamo-nos, então, à idéia

de que nas terras de além-mar houveum punhado de homens que, de umaforma ou de outra, tomaramconhecimento do turbilhão mental queavassalava o velho continente e ascolônias norte-americanas, um poucomais tarde. Entusiasmando-se, julgandoencontrar nesse turbilhão aquilo quese lhes afigurava como respostaou caminho para seus própriospensamentos, tais grupos recebiam oalento das notícias vindas de fora:esparsas, truncadas e exageradas.

Indivíduos e grupos não teriam tidomuita dificuldade em fazer suas essasidéias e propostas que se identificavamcom o que eles buscavam de forma maisou menos confusa. Deste modo astomadas de consciência a respeito dasinjustiças e iniquidades, da exploraçãoe humilhação intrínsecas ao viver emcolônias, adquiriram a consistência e opeso inerentes às verdades insofismáveis,proclamadas entre as nações civilizadasou mais policiadas do universo. Dastomadas de consciência, muito variadasentre si, aos projetos e às ações efetivas,teria sido não mais que um passo quaseinevitável, se bem que em muitasocasiões circunscrito ao espaço daconspiração.

Nessa autêntica reação em cadeia,capitaneada por espíritos mais ousados,mais convictos quanto à justiça de suasrazões, o ciclo das conjurações ouinconfidências, das revoltas e sublevações,já estaria praticamente inscrito. É entãoa verdadeira crise do sistema colonial,sistema esse que há bastante tempo jáse achava nos limites das suaspossibilidades de sobrevivência, abrindo-seentão o tempo dos movimentos deemancipação latino-americanos.

Tal é, portanto, a concepção mecânico-evolutiva que tem como seus termosprincipais as Luzes e a RevoluçãoFrancesa, de um lado, e, do outro, osseus respectivos reflexos/refraçõescoloniais. Tal esquema, salvo pequenospormenores, esteve ou está aindapresente no processo de formação de

2 Citamos apenas as sombras, ou melhor, as mais conspícuas dentre elas; sobre esse avançoe difusão das luzes há toda uma série de trabalhos históricos, filosóficos, literários aos quais,em parte, iremos referir mais adiante.

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gerações e gerações de estudantes — aíincluída a nossa — e de não poucosdocentes. Como se estivéssemos diante deum fluxo contínuo, mágico, podermos vero desenvolvimento de um mecanismode causas e conseqüências que pareceauto-explicar-se. Como se disséssemos:as Luzes assinalam o começo de umaseqüência inelutável, um drama cujoúltimo ato são as invasões napoleônicasna Península Ibérica e o epílogo é aindependência das colônias do NovoMundo, pertencentes a Portugal eEspanha. A fuga da Família RealPortuguesa para o Brasil — a dita"transmigração" — assim como a prisãoe abdicação forçada de Fernando VIIsão os detalhes no interior de algomaior e mais decisivo.

Ora, tem sido exatamente esseesquema que se apresenta em geralcomo detentor de uma espécie delógica imanente, que os historiadores,assim como os cientistas sociais,filósofos, historiadores da literaturae da arte vêm tentando criticar háalgum tempo. Basta uma consulta àprodução desses especialistas para quecomprovemos nossa afirmativa. E, noentanto, há ainda muito por fazer:na maioria dos casos, os livrosdidáticos permancem fiéis ao clichê,e também, entre o grande público, suasobrevivência é um fato. As Luzes e aRevolução são convertidas em entidadesou agentes históricos capazes de, pelosimples fato de sua existência,transformarem/transtornarem a realidadedas formas de ser e de pensar dascolônias, pois, na verdade, estas últimassão concebidas como coisas mais oumenos inertes, maleáveis, receptivas,assumindo camaleonicamente as cores etonalidades ditadas pelas Luzes e pelaRevolução3.

Não cabe aqui e agora, ainda que emsíntese, abordarmos os múltiplos

aspectos envolvidos numa tarefademistificadora tão ampla e complexa,embora necessária, para fazer frente aconcepções já enraizadas a tal ponto.Faltam-nos, para tanto, o tempo, oespaço e, sobretudo, a competêncianecessária. Além do mais, muitodesse trabalho está feito e divulgado,embora não seja nossa intenção fatigaro leitor com a sua longa enumeração.

Fiquemos então dentro de limites bemmais modestos. Fixemos nossasatenções apenas em alguns daquelespontos ou tópicos que têm sido departicular interesse, para nós, nestesúltimos anos, buscando dessa formacontribuir um pouco para um debateoportuno e necessário.

Enumeremos então quais são essespontos:

1) O Iluminismo — o processo oufenômeno que nos habituamos achamar também de Luzes ouIlustração. Além de sua naturezaintrínseca, julgamos que o maisimportante, hoje, é aprofundar asespecificidades assumidas peloIluminismo em função de tempose lugares diferentes, explicitartambém a questão da secularização,distinguir bem entre as idéias daIlustração Política e as do chamadoDespotismo Esclarecido, sublinhara crítica e o reformismo como astônicas de todo esse movimentointelectual4.

a) Luzes

1. A palavra e o conceito-Iluminismoe Ilustração;

2. O Iluminismo como um processo enão como ente metafísico ouagente extra-histórico; oreconhecimento da pluralidade dasLuzes e da sua temática; Iluminismoe secularização;

As Luzes e aRevolução sãoconvertidas em

entidades ouagentes históricos

capazes de, pelosimples fato desua existência,

transformarem/transtornarem a

realidade das formasde ser e de pensardas colônias, pois,

na verdade, estasúltimas são

concebidas comocoisas mais oumenos inertes,

maleáveis, receptivas,assumindo

camaleonicamenteas cores e tonalidadesditadas pelas Luzes e

pela Revolução.

3 Tal esquema explicativo, aqui apresentado de maneira caricatural, contém em si nãoapenas as deficiências teórico-metodológicas inerentes a todo pseudo-saber histórico masainda e muito mais grave, é portador de uma certa visão de história que constitui, numaoutra ordem de idéias, o verdadeiro seno comum dos especialistas de outras áreas dasciências humanas a respeito da natureza do conhecimento histórico e (ou) do própriotrabalho do historiador.

4 Cf. Francisco J. C. Falcon: O Iluminismo (1986) e Despotismo esclarecido (1 986);G. Gusdorf: Les principes de la pensée au siècle dês Lumières (1971); W. Naef: La ideadel estado en la Edada Moderna (1973) (1ª ed., 1935).

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3. Temas pinçados no ideário dasLuzes e mais diretamente ao nossoobjetivo atual:

- o anticolonialismo:ambigüidades, implicaçõespolítico-econômicas;

- o anti-absolutismo e seus limites;absolutismo ilustrado e ilustraçãopolítica; despotismo e liberdade;reformismo e revolução;

— o anti-escravismo — humanitarismoe filantropia;

— racionalismo naturalista eexperimentalista, anti-escolástico,antitradicional, crítico em relação àautoridade na esfera doconhecimento.

2) A Revolução — devemos discutir seusignificado preciso para seuscontemporâneos, examinaratentamente, como Hannah Arendt,até que ponto ela estaria implícita,de forma consciente ou inconsciente,no próprio pensamento do Iluminismo,evitando-se os anacronismos, assimplificações fáceis, o jogofreqüentemente ilusório das"influências", submetendo os textosa uma análise que não se detenha àsuperfície das práticas discursivas

capaz de levar-nos às ingenuidades dastransparências de sentido (ARENDT,1967,p. 32, 35, 39, 41, 49/GUSDORF, 1971, p. 414, 428)5.

b) Revolução

1. A idéia de Revolução; a palavra e acoisa;

2. Os iluministas e a idéia deRevolução;

3. A Revolução como necessidade/fatalidade — a crítica ao absolutismo;as sociedades secretas; o terrorjacobino;

4. Uma Revolução ou várias? ARevolução da América, a RevoluçãoFrancesa ou a Revolução emFrança? A internacionalização daRevolução;

5. Revolução — realidade ou mitohistórico?

— a tradição historiográfica:mitificação ideológica ouanacronismo?

— o revisionismo conservador.

3) Atentar, seriamente, para o problemadas especificidades ibéricas, pois,estamos disso convencidos, éessencial um conhecimento adequadodo que eram Portugal e a Espanha nofinal do século XVIII, sobretudonaquilo que os fazia diferentes do

5 Sobre a questão das transparências, cf. Regine Robin: Lingüística e História (l 978).

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modelo de Ancien Regime a queestamos acostumados — o da Françaabsolutista. De nossa parte, temosdedicado a esse objetivo muitos denossos melhores esforços (emboramuito mais a Portugal). Nãoacreditamos que seja muito viável eválido estabelecer conexões diretasentre as realidades intelectuais ementais vigentes nas colônias e oambiente francês, inglês etc., numaespécie de by-pass em relação àsmetrópoles ibéricas.

4) A partir dessas premissas, ou seja,de uma visão mais precisa enuanceada das Luzes e da Revolução,e de uma percepção concreta daquiloque significava de fato o caráteribérico das colônias luso-espanholasno Novo Mundo, e só assim,repetimos, cremos que seja possíveltentar perceber o verdadeiro sentidoque as Luzes e a Revolução assumiramno contexto colonial; qual a leituraque os textos políticos, filosóficos,econômicos etc. tiveram de fato nascondições concretas de existênciacolonial.

Levando-se então em consideração estesquatro pontos, estaremos, aí sim, emcondições para retomar discussõesenglobando dois ou mais dos respectivosconceitos:

a) Quais as relações entre as Luzes e aRevolução? (Continuidade ou ruptura?,Afirmação ou negação? E nascolônias?);

b) Como entender a idéia de Revoluçãonas colônias e da perspectiva colonial?Influências (exógenas) oudeterminações (endógenas)? Qual anatureza e o sentido exato dasreleituras (ou recepção) empreendidasem pleno ambiente colonial?

c) Até que ponto é ainda corretoafirmar-se a presença das Luzes nascolônias? As Luzes, relidas(reinterpretadas) pelos elementosletrados das colônias, teriam sido aindaas mesmas Luzes?

No momento, no entanto, uma vez quenão somos especialistas em História doBrasil, confessamos que nossaspreocupações continuam voltadas paraaquele outro dado que mencionamos

anteriormente — a mediação ibérica, lusano nosso caso, enquanto elemento-chavepara a compreensão concreta das Luzese Revolução na Colônia, delineando-sedois tempos interligados: o de Portugale o do Brasil-Colônia (FALCON, 1982/NOVAIS, 1979/OLIVEIRA RAMOS,1979).

Especificidade Ibérica

A questão das características específicasdas sociedades ibéricas nos temposmodernos remete, em sua essência, aoproblema da sua inserção defasada eincompleta no movimento geral dastransformações havidas no mundoocidental a partir do final da IdadeMédia. Em resumo, tal problema vema ser o de uma modernidade adiada oubloqueada:

"A passagem da transcendência àimanência simplesmente não ocorreu, taisos obstáculos políticos e ideológicosexistentes (. ..). A secularização foiadiada e, por toda parte, fez-se sentir,como nunca, a posição da Igreja comoaparelho ideológico dominante (...). Oracionalismo moderno foi rejeitado (...).O individualismo também é proscrito,conforme é restringida a atividademercantil.." (FALCON, 1982, cap. IV).

Encarando-se tal problema comofundamental para a compreensão plenada vida ibérica, especialmente das suasformas de pensamento — suas visões demundo, bem como suas diferentesmanifestações e comportamentosculturais, torna-se inevitável a constataçãode que tal defasamento cultural e (ou)mental traduziu-se em diversas práticasprofundamente enraizadas e comprofundas repercussões também nascolônias. A manutenção da hegemoniado pensamento de tipo medieval,refratário ao humanismo renascentistae ao racionalismo cartesiano (e maisainda ao empirismo de Locke), sempresob a rígida vigilância e controle daCompanhia de Jesus, representou umabarreira eficaz às idéias novas, mormenteno plano pedagógico, onde os jesuítasexerciam sua principal influência.

O fechamento às formas de pensamentomodernas completava-se através demecanismos que, em nome da unidade

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de crença, instauravam a intolerânciacultural simbolizada pelo ódio eperseguição aos judeus e cristãos-novose pela desconfiança sistemática diante detudo que fosse diferente — idéias,costumes e pessoas. Estas últimas,encaradas como perigosas, ou um tantotraidoras em relação à sua própria gente,constituíam uma espécie de grupo oucategoria especial a que umahistoriografia posterior convencionouchamar de "estrangeirados"(FALCON, 1982, p. 152,318)6.

Somemos a tudo isso os efeitos de umadefasagem econômica crescente e aspeculiaridades de um Estado absolutista,muito mais comprometido com osinteresses aristocráticos (feudais ousenhoriais e eclesiásticos) que outrosEstados contemporâneos igualmenteabsolutistas.

Num tal ambiente social e mental, astransformações possíveis teriam que serlentas e difíceis. Pode-se, sem dúvidaalguma, indicar alguns sinais importantesde mudança já no reinado de D. João V(primeira parte do Setecentos),principalmente com o início da atuaçãodos Oratorianos, ou, ainda, é possívelque se coloque como um marco decisivoa obra de L. A. Vernei, O VerdadeiroMétodo de Estudar, e as influências ourepercussões junto aos governantes dasidéias e sugestões de certos estrangeiradosfamosos, notadamente A. RibeiroSanches. Tudo isso, porém, não foisuficiente para que a recepção das Luzes,ou melhor, sua releitura, não tivesseassumido em Portugal aspectos que dãoà Ilustração lusa um perfil quasesui generis:

a) No plano das idéias propriamenteditas, não importando se filosóficas,políticas, econômicas etc., prevaleceunitidamente a tendência celetista — apreocupação de conciliar o novo como antigo, a razão com a tradição; oafã de demonstrar sempre apossibilidade de adaptar a essênciados antigos textos àquilo que seconsiderava mais moderno, eliminandoou silenciando as oposições e

contradições. Tal ecletismo, não raro,levou a posições nas quais selegitimavam as mudanças através deuma hipotética filiação a instituiçõese práticas já existentes antes que adeformação imposta pelos jesuítas astivesse suprimido (ROVIRA, 195 8/MARTINS, 1977, p.445-segs./ARRIAGA, 1980/ANDRADE, 1980/GUIMARÃES, 1982);

b) Nestes termos, o reformismo ajustadoao real, e limitado pelos interessesdominantes, fez do antijesuitismo suapedra de toque, seu verdadeiro bodeexpiatório. Sem ser exclusiva dePortugal, essa releitura das Luzes emtermos de afirmação regalistaantijesuítica permeou quase todas asreformas da época pombalina, comoforam os casos, principalmente, da 'reforma da Universidade de Coimbra,da reforma dos estudos menores, dareforma do Tribunal do SantoOfício e da criação da Real MesaCensoria. Coube então aos intelectuaise artistas um papel meramentecomplementar, uma vez que tanto asdiretrizes quanto as ações competiamexclusivamente ao espírito iluminadodo soberano e de seus principaisministros. Quão distantes estamos,então, dos valores típicos da Ilustraçãopropriamente dita! Na realidade,tivemos quando muito um absolutismo(ou despotismo) ilustrado (ouesclarecido) cioso de autoridade, hostila toda e qualquer crítica, muito maisiluminado no plano retórico quepropriamente nas suas práticas(FALCON, 1982, p.422-segs.).

Sem dúvida, acreditamos nós, as reformaspedagógicas, por mais moderadas quetenham sido em alguns casos, tiveram seusefeitos a médio e longo prazo. O mesmopode ser dito acerca das conseqüências daexpulsão dos jesuítas. Outros aspectos,aqui apenas referidos — como as práticaseconômicas, por exemplo — tiveram semdúvida grande impacto sobre o Brasil-Colônia. O que, duvidamos, porém, é dapertinência de englobar tudo isso sob orótulo de "repercussões ou conseqüênciasdas Luzes" (FALCON, 1982,p. 361-segs.).

6 Cf. Jorge B. Macedo: Estrangeirados, um conceito a rever (s. d.).

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Cooptados pelo Estado absolutista,muitos intelectuais prestaram suacompetente colaboração noequacionamento de algumas questões quemais de perto afligiam os responsáveispela preservação do Antigo Regime e,conseqüentemente, do Antigo SistemaColonial. Tal fato é particularmenteevidenciado no reinado de D. Maria I, apartir da fundação da Real Academia dasCiências de Lisboa. O elenco de assuntose propostas constantes das "Memórias"da Academia das Ciências demonstra onível e o sentido das tomadas deconsciência em relação aos problemaseconômicos de então, inclusivedaqueles respeitantes à principal colônia

(o Brasil) e das formas de repensar eredefinir o próprio Sistema, sem noentanto eliminar a sua essência, como odemonstrou, em sua tese, o prof.Fernando Novais(1979, p. 213-segs.)7.

Importa-nos ainda chamar atenção parao fato de que, principalmente noúltimo quartel do Setecentos, a ameaçarepresentada pela penetração das idéiasexóticas só fez crescer entre os guardiãesda ordem estabelecida um temorinfinito em relação aos seus possíveisefeitos desagregadores. A revolta dascolônias inglesas da América do Norte —a Revolução Americana — é o primeiromomento de alerta, seguindo-se-lhe,

7 O prof. Leopoldo Collor Jobim realiza, no momento, pesquisas sobre os sócios daAcademia das Ciências de Lisboa, para sua tese de doutoramento.

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alguns anos mais tarde, o pavor causadopelas notícias vindas de França.

O estudo desse período, que se estendeaté 1807/1808, projeta em destaque aação repressiva da Intendência Geral dePolícia, intimamente associada aopróprio intendente — Diogo Inácio dePina Manique8. Este é, por sinal, oassunto que estamos há algum tempo jápesquisando, tentando esclarecer melhoras diversas formas de entrada em Portugaldas publicações e das pessoas ligadas realou supostamente à introdução de idéiasconflitantes com a ordem política e socialde então, tentando ver também as reaçõespor parte das autoridades diante de talpenetração; enfim, procurandocompreender melhor o clima intelectuale mental dessa época.

Em nossas pesquisas no Arquivo Nacionalda Torre do Tombo, colhemosimportantes dados sobre as formas deatuação da Intendência Geral de Polícia,inclusive interessantes reflexões dopróprio Pina Manique sobre as múltiplasfacetas que o perigo revolucionárioassumia para as autoridades.

As Luzes e a Revolução na Colônia

As abordagens tradicionais e seuesquema explicativo:

a) Os acontecimentos coloniaisprojetam-se sobre um grande painelou pano de fundo onde se desenhamo Iluminismo europeu (como umbloco), as revoluções na América ena França, os efeitos das reformaspombalinas (nos estudos,principalmente) e, nem sempre,algumas imagens da época deD. Maria I — geralmente as Memórias

da Academia das Ciências (FALCON,1982, p. 160-segs.)9.

b) Sobre esse pano de fundo, geralmentedescrito, ou apenas subentendido, vãosendo apresentadas as principaiscaracterísticas sócio-econômicas,políticas, administrativas e culturaisdas regiões-chave: as Minas Gerais, oRio de Janeiro, a Bahia, Pernambucoe o Nordeste etc.

c) Tenta-se, então, precisar de algumamaneira a entrada em cena das novasidéias e do que puderam significarpara uma espécie de conscientizaçãoou reflexão de certos indivíduos ougrupos sociais existentes emdeterminados lugares da Colônia, nemsempre ficando muito claro se jáexistiam ou não posições decontestação à dominaçãometropolitana, ou, então, projetos detransformação do existente.

Quando se trata de explicar as origensdessas novas idéias, ou como puderamchegar a tais localidades ou regiões, oesquema explicativo bifurca-se:

a) Para alguns autores, é fundamental opapel de estudantes que foram fazerseus cursos superiores na Universidadede Coimbra (bem ou mal, játransformada pela reforma do marquêsde Pombal), e dos que foram estudarem França, entrando em contactomais direto com idéias avançadas,fazendo amizade com figuras dedestaque na vida intelectual e políticadaquela época. Supõe-se, sempre,como é evidente, que, ao retornaremao Brasil, esses estudantes exerceramuma influência real e decisiva juntoaos seus concidadãos, sendo os

8 Cf. Luís A. de Oliveira Ramos: Da Ilustração ao Liberalismo (l 9 79); Maria AdelaideSalvador Marques: A Real Mesa e a Cultura Nacional (1964); José Timóteo da S. Bastos:História da Censura Intelectual em Portugal (1926); José M. Tengarrinha: História daImprensa Periódica Portuguesa (1965); Graça de Almeida Rodrigues: Breve História daCensura Literária em Portugal (l 980).

9 Haveria ainda que referir os aspectos relativos à Espanha, bem mais amplos e complexos,por sinal Veja-se, a nivel mais geral: Jean Sarrailh: L'Espagne éclairée de Ia seconde moitiédu XVIIIe. (1954); J. Marias: La España posible en el tiempo de Carlos III (1963);Gonzalo Anes: El Antigo Regimen: Los Borbones (1976), Vol. IV da História de EspañaAlfaguara; R. Herr: The eighteenth-century revolution in Spain (1958); Leo Gershoy:From despotism to Revolution (1944); M. Colmeiro: História de Ia Economia Política enEspaña (1965), 2 vols.;L.SAgesta: El pensamiento politico del despotismo ilustrado(1953).

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veículos por excelência de difusãodos novos ideais.

Significativamente, pouco sabemosacerca de como tais emissários daRevolução, ou das Luzes pelo menos,efetivamente pensaram e assimilaramas idéias e os acontecimentos com osquais travaram conhecimento naEuropa. Bem, mas esteja é outroproblema10.

b) Paralelamente a esse transportedeliberado de ideologias por veículosque são indivíduos da própriahumanidade colonial, teríamostambém o peso considerávelrepresentado pelas leituras de obrasmodernas, (contemporâneas), dediversos tipos, mas realizadas naprópria Colônia, graças a mecanismosainda malconhecidos em detalhe masque mostram sua eficácia através dotestemunho de algumas bibliotecascujo conteúdo é conhecido doshistoriadores — em geral, porqueforam confiscadas e tiveram seuslivros arrolados em alguma "devassa"(MORAES, 1979, p. 23,36/FRIEIRO,1981, p. 13,62/NIZZA DA SILVA,1981, p. 144-segs./CÂNDIDO, 1975,p. 231-7).

Embora importantes, tais acervosdevem ser utilizados com cautelas, poisjá sabemos que a presença dos livrosnão indica automaticamente coisasimportantes como: sua leitura, aaceitação do que afirmam ou propõem,o tipo de leitura que se fez de taistextos. Mutatis mutandis, verificamosisso no caso das coleções de livrospertencentes à biblioteca do marquêsde Pombal (FALCON, 1982, p. 308,311).

c) Um último elemento que quasesempre entra em cena é o que secostuma chamar de atuação ouinfluência da maçonaria, espécie depasse-partout, como dizem osfranceses, e que está ainda a exigiruma exploração bem mais precisa,equivalente, por exemplo, às pesquisasque J. S. da Silva Dias realiza sobreOs Primórdios da Maçonaria emPortugal (l980).

Postos portanto tais condicionalismos, esuas conseqüências no interior dasconstruções tradicionais, são relativamentefáceis de detectar as diferentes formas demanifestação intelectual que refletem arecepção das novas maneiras de pensar -na filosofia, na literatura, nas artes; asprimeiras inquietações políticas e sociais;e, principalmente, as diversas conjuraçõesou inconfidências, levando em algunspoucos casos a ações efetivas decontestação ao poder da Metrópole. Paracada um desses tipos de manifestação, edos casos pontuais no interior de cadaum deles, a explicação apenas sediferencia quanto aos componentesfactuais, o que é aliás, convenhamosinevitável11.

As abordagens renovadoras, realizaçõese possibilidades:

a) Como não-especialistas, apenas nos épossível apontar algumas das direçõesque, em anos mais recentes, têmimprimido aos estudos e pesquisassobre o tema ora em pauta umaorientação contrastante, no todo ouapenas em parte, com os esquemasexplicativos tradicionais. O que elasparecem ter em comum é umaexigência, cada vez mais acentuada,quanto à necessidade de que se leve em

10 Cf. K. Maxwell: "Condicionalismos da independência do Brasil" em O ImpérioLuso-Brasileiro, 1750-1822, vol. VIII da Nova Historia da Expansão Portuguesa (1986, p.335,389) e do mesmo autor: Conflicts and conspiracies: Brazil and Portugal (1750-1808)(l 963); Carlos Guilherme Mota: Atitudes de inovação no Brasil (1789-1801) (1970).

11 O que desejamos destacar é esse caráter meramente reflexo atribuído a tais manifestaçõese (ou) acontecimentos, pois suas determinações encontrar-se-iam sempre alhures, fora docontexto colonial propriamente dito. Perde-se portanto a especificidade ou individualidadedos mesmos, pois, a partir de um arquétipo ou modelo geral/universal, busca-se então apenasas suas formas empíricas de concretização num certo espaço-tempo. Claro está, no entanto,que não se trata de propor ou defender como alternativa algo diametralmente inverso — aschamadas formas nativistas — cuja presença (negativa, por sinal) em nossa historiografiaé por demais conhecida. Apenas a título de exemplo, cf. Martins, Wilson, op. cit. (nota 9),K. Maxwell op. cit. (nota 15).

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conta, antes de qualquer outra coisa,a especificidade do fato colonialglobal. Tal exigência, em outrostermos, significa:

1) que se leve a sério a questão doscondicionamentos concretos,econômico-sociais e intelectuais,que se impunham, na Colônia,em cada região ou local, àrecepção, leitura e eventualaplicação das idéias vindas defora, fossem elas associadas àsLuzes ou à Revolução;

2) que não se ignore jamais aimportância que a preservaçãoda ordem social existente naColônia — sobretudo o problemada escravidão — fazia pesar sobreeventuais tomadas de consciência,por mais hostis que pudessemser as opiniões das elites acercado monopólio mercantil ou datutela político-administrativaimposta pela Metrópole;

3) que não se desvinculem asanálises das propostas políticasdas questões mais gerais associadasàs idéias largamente difundidassobre os perigos e inconveniênciasde formas políticas contrárias àordem social mais profunda; àanálise das reivindicações centradasno princípio da(s) liberdade(s), dasimplicações que elas podiamassumir, e em geral assumiam defato, numa sociedadeprofundamente hierarquizada e debase escravista — o exemplonegativo da rebelião negra em S.Domingos também era algo novo eque circulava tanto ou mais que ospróprios ideais revolucionários12.

b) Uma questão que ainda continua a serpouco trabalhada são os problemasassociados à própria leitura dos textosdessa época. O prof. Carlos GuilhermeMota (1970) procurou explorar algunscaminhos nessa direção, mas há ainda

12 Nem sempre muito lembrada, aliás, pelos historiadores dessa época, se bem quefreqüentemente mencionada, por exemplo, pelos periódicos editados a partir de 1820.Cf. Carlos Guilherme Mota: Atitudes de Inovação no Brasil (l789-1801) (l970) e, domesmo autor, Nordeste, 1817 (l972).

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muito por fazer. Devemos estaratentos em relação ao estudo dovocabulário, precisando exatamentenão só as palavras mas o seu sentidocoetâneo, sob pena de não poucosescorregões provocados pelasarmadilhas de supostas homologiassignificativas. Precisamos estar atentosao fenômeno das tomadas deconsciência, saber exatamente o queforam, que significavam, qual o seusignificado exato, individual oucoletivo. Acima de tudo, é necessárioestarmos atentos aos perigos dafreqüente atitude ingênua dohistoriador diante dos textos queutiliza, sempre imaginando umatransparência que é meio caminhoandado para os abismos doanacronismo (ROBIN, 1978,p. 64-segs.).

c) Avançou-se muito, não resta a menordúvida, na compreensão mais exatada dialética Metrópole-Colônia, querno plano dos fatos materiais, quer naesfera intelectual. Estudos recentesdemonstram esse progresso13. Jáestão sendo exploradas, em pequenaescala ainda, as regiões do imagináriosocial ou coletivo, beneficiando-se,certamente, da ampla aceitação nosúltimos tempos das tendênciashistoriográficas expressas sob adenominação de história dasmentalidades (VERGUEIRO, 1982/NIZZA DA SILVA, 1981)14, eacreditamos que esse caminho aindadeverá produzir um sensívelenriquecimento dos nossosconhecimentos sobre as formas de sere de pensar nos ambientes coloniaisregionais mais comprometidos comnovas formas de perceber seus próprios

problemas e equacionar suasperspectivas de futuro.

Enquanto isso, um balanço dos estudossobre a chamada Inconfidência Mineira,ou sobre a Conjuração de 1798, emSalvador — a chamada "Conspiração dosAlfaiates", e outras formas deinconformismo e rebelião, parecenecessário, inclusive para que sejapossível estabelecer um confrontoteórico-metodológico mais atuall5.

Conclusões e Perspectivas

Sentimo-nos à vontade apenas em relaçãoa uma primeira parte deste último tópico,uma vez que se nos escapam ospormenores relacionados com aspesquisas em outros campos específicosdas ciências humanas, ainda que seureferencial histórico sejam asmanifestações havidas na Colônia sob osigno que engloba nossos trabalhos aqui:Luzes e Revolução.

Apenas a título de sugestão, indicamos, aseguir, alguns tópicos que julgamosmerecedores de reflexão:

1) Em lugar de Revolução, por que nãonos determos nas várias revoluçõesentão em jogo? A dos filósofos, a dosrevolucionários jacobinos, a doscolonos, a dos escravos negros também?Aliás, por que não distinguirmos aidéia de Revolução (ou as idéias) daRevolução (ou revoluções)propriamente dita?

2) Por que não considerarmos que acrise do antigo sistema colonial, vistaem seu conjunto, aguçando osconflitos entre as metrópoles e suascolônias, cria também um espaço

13 Cf. J. Jobson de A. Arruda: O Brasil no Comércio Colonial (1980); José Ribeiro Júnior:Colonização e Monopólio no Nordeste Brasileiro (1976); Fernando A. Novais: Portugal eBrasil na crise do Antigo Sistema Colonial (1979); Caio César Boschi: Os Leigos e o Poder(l986);Eduardo Hoornaert, (coord.): História Geral da Igreja na América Latina. Tomo II-História da Igreja no Brasil. Primeira Época. (1977); Gilberto Guerzoní Filho: Política eCrise do Sistema Colonial em Minas Gerais (1768-1808) (1986).

14 A maior parte dos trabalhos deste tipo encontra-se ainda em processo de elaboração (pesquisasem andamento), além das teses ou dissertações ainda inéditas.

15 Somente a título de exemplo, veja o tema "Conjuração de 1798" (a chamada "Conspiraçãodos Alfaiates"), através das seguintes obras: Affonso Ruy: Primeira Revolução SocialBrasileira (1978, 2a ed.); Luis Henrique D. Tavares: As Idéias dos Revolucionários de 1789(1955); e do mesmo autor História da Sedição Intentada na Bahia em 1798 (A Conspiraçãodos Alfaiates) (1975); Katia M. de Queirós Mattoso: Presença Francesa no MovimentoDemocrático Baiano de 1798 (1969).

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mental novo, onde se refletem e se importar realmente vem a ser: afinal,refratam as novas idéias? qual o sentido de Luzes e de

Revolução nas condições históricas3) Já é tempo de abandonarmos de vez concretas das sociedades existentes

a suposta homogeneidade de idéias na América, no final do séculoe de processos, sobretudo quando XVIII e começo do XIX?se trata de uma realidade tão 5) Finalmente como lembrete,diferente como era o caso das que resta, hoje, da concepçãocolônias européias no Novo Mundo; proposta nos anos 60na França e

4) Conseqüência da afirmação anterior, nos EEUU, rapidamente difundidadevemos ultrapassar as concepções entre nós, acerca da provável inserçãomecânicas, as transposições gratuitas (é mais fácil explicação) de tudo quede idéias atemporalizadas, que acabamos de discutir numasupostamente auto-explicáveis, onde se suposta e abrangente Revolução dopressupõe a transmissão fiel e a Mundo Ocidental (ou do Ocidente, ourecepção passiva, pois, o que deve Atlântica)?

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