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MO ED AS DO PRÍ NCIPE DA PAZ MANU EL GODOY COMO SOBER ANO DO PRI NCIPADO DOS ALGAR VE S Ha tempos a propósito do falecido monarca D. Manuel !I algue m dizia qu e talvez cronológicamente devesse caber a êste Senhor o ordinal III e nito II porquanto além do u Ventu.roso,11 o Príncipe da Paz, Manuel Oodoy teria sido nominalmente soberano em Portugal, tanto quanto nominalmente Reis tinoam sido o Delfim de França, filho de Luiz XVI, e o Duque de Reic hstad t fi lho de Napo leão I, que na I·Ii stór ia ocupam os Jogares de Luiz XVII e Napoleão II. Relutei a op inião po rque sob todos os pontos de vista os casos são diferentes, não havendo nem a consideração , vi rtual, da sucessão dinástica nem até mesmo a efectivação da soberania de Manuel Godoy cujo princi- pado não abrangia a totalidade de Port ugal. No entanto é curioso, que, segundo se lê no livro uOaerres d' Espagne et du do General f oy, correu no tempo que o Príncipe da Paz so- be no do Pr incipado dos Algarves, criado pelo trat ado de fontainebleau, teria chega do a cunhar moedas do seu Principa do o qual sempre mente, teria durado de 27 de Outubro de 1807, data da assignatur a dêsse Tratado, a 1 de fevereiro de 1808 em que uma proclamação do General j unot tornava pública a intenç<\o do I mperador de não retalhar Portu- ga l, apenas cinco mezes depois de pensar ex1ctamente o contrário, data que se pod erá considerar com ao anulação do Tr atado de fontainebleau, pe lo men o,s na parte referente à instituição do Principado dos Algarves. E rea\menle uma interessante figura a de Manuel Alvarez de faria Rios Sanchez Zarzog& Oodoy , ab reviadamente Manuel Oodoy, considerado por uns como um notável homem público e por outros como nilo possuindo os menores predicados que o recotl)endassem como ta l. Antes de entrar prOpriamente na matéria desta noticia, permito-me por simples curioS idad e e se m que pr etenda apresentar qualquer novidade, re 4 cordar em boas palavras esta persona lidade que considero como um pro- duto do meio e da época, juguete nas mãos de Napoleão, buscando a sa- tisfação das suas ambições pessoaes é certo, mas possivelmente do-as também com qualque r cousa em prove ito do seu país, aventureiro, 272

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  • MOEDAS DO PRÍNCIPE DA PAZ MANUEL GODOY

    COMO SOBERANO DO PRINCIPADO DOS ALGARVES

    Ha tem pos a propósito do falecido monarca D. Manue l !I a lgue m dizia que talvez cronológicamente devesse caber a êste Senhor o ordinal III e nito II porquanto além do u Ventu.roso,11 o Príncipe da Paz, Manuel Oodoy teria sido nominalmente soberano em Portugal, tanto quanto nominalmente Reis tinoam sido o Delfim de França, filho de Luiz XV I, e o Duque de Reichstad t fi lho de Napoleão I, que na I·Iistór ia ocupam os Jogares de Luiz XV II e Napoleão II.

    Relutei a op inião po rque sob todos os pontos de vista os casos são diferentes, não havendo nem a consideração , vi rtual, da sucessão dinástica nem até mesmo a efectivação da soberania de Manuel Godoy cujo princi-pado não abrangia a totalidade de Portugal.

    No entanto é curioso, que, segundo se lê no livro uOaerres d' Espagne et du l)ortagal~~ do General f oy, correu no tempo que o Príncipe da Paz so-be no do Principado dos Algar ves, criado pelo tratado de fontainebleau, teria chegado a cun har moedas do seu Principado o qual sempre nominal ~ mente, só teria durado de 27 de Outubro de 1807, data da assignatura dêsse Tratado, a 1 de fevereiro de 1808 em que uma proclamação do General j unot tornava pública a intenç

  • lhas procurando fazer singrar a Espanha no mar revolto em que a Europa dos fi ns do século XVIII e princípios do X IX se debatia, desde a G rande Revoluçao ao duelo da In glater ra com a França, em cuja ressaca Espanha e Portugal se viam envolvidos, afigurando-se-lhes encontrarem a bonança di-r igindo-se ora para um lado ora para outro.

    Estas hes itações que começaram com as notícias chegad~s à Península sôbre os acon tecimentos de França nos últ imos anos do século XV III , e que orig inaram em Espanha as substituições sucessivas dos Condes de flor ida Blanca e de Aranda, nos cargos de primeiro minist ro, levaram Carlos IV a confiar em 1792 êsse encargo ao et.tão já seu valido Manuel üodoy que de s imples oficial das Guardas tendo alcançado, mercê do seu ascendente sôbre o Rei e da especial simpatia da Rainha Maria Luiza, os ducados de Alcudia e de Sueca, obtinha assim uma pos ição de verdadeiro destaque no meio po· lít ico espanhol que ser ia verdadeiramente o primeiro degrau na marcha am-biciosa dos seus maiores desejos, pois que a sua vaidade como homem já e.;taria possivelmente compensada com a sua qualidade de Grande de Es-panha e com os favores de Maria Lu iza .

    A morte de Luiz XVI decidindo Carl os !V a manifestar-se claramente contra a França , faz com que pouco tempo depois os exércitos espanhois transpondo a fronteira se apossem de algumas localidades francesas.

    Empenhada a França em lutas intestinas e contra parte da Europa, ainda achou porém forças para rechaçar o invasor e breve as Tropas da 1.a República invad iam por s'ua vez a Espanha, levando Carlos IV , sob a ame-aça da sua entrada em Madr id, a negoc1ar a paz.

    E o antigo simples oficial das Guardas, já entã.o }.0 ministro, assigno u em 22 de j ulho de 1795 o Tratado de Paz de Basilêa, obtendo por êste facto o Título de Príncipe da Paz porque ficou conhecido na liistória , ma is do que pelo de Príncipe da Paz e de Basano que era realmente o seu t ítulo.

    De inimigo da França tornou-se seu aliado assinando nesta nova moda-lidade um ano depois, em Agosto de 17Y6, o Tratado de S." Ildefonso que obrigava a Espanha contra a Inglaterra.

    · No entanto a França nao confiando absolutamente na lealdade do seu aliado espanh ol, impoz dois anos mais tarde, em 1798, a sua des tituiça:o do lagar de 1.0 ministro.

    Este golpe teria contrariado graveme nte Oodoy e quando Napoleao Bonaparte já entâo 1.° Consul, depois da paz de Lunéville com a Alemanha exigiu para at ingir a Inglaterra, passagem atravez da Espanha para com-bater Portugal, o que até entao Carlos IV tinha negado às t ropas da Repú-blica, Manuel Oodoy viu a oportun idade de captar novamente a con fiança da França fazendo-se nomear Comandante dos Exércitos com que a Espa~

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  • nha após a declaraç~o de guerra de 27 de fevereiro de 180 1, se propoz in· vadir Portugal.

    Guerra de curta duraç~o com o conhecido episód io dos ramos de la· ranjeiras de Elvas, term ina meses depois com o tratado de Madrid de 29 de Setembro do mesmo ano, sendo já en t~o desde f evereiro dêsse ano Manuel Oodoy Presidente do Gabinete. · ·

    Entretanto tendo a Espanha, em virtude do tratado de Amiens, perdido algumas possessões, Manuel Oodoy pensa que a aliança do seu país com a França, para a qual Carlos IV se inclin 1va depois do golpe de Estado de 18 Brumário, na:o seria a mais conveniente e voltand(\ à sua modalidade inic ia l pretende reagi r quando anulado aquele tratado, a França pede o cumpri-men to das estipulações do de 5 .10 lndefonso.

    Sôb a ameaça de perder o seu prestigio, Manuel Oodoy cede em parte, co nseguindo obter a neutralidade para a Espanha mediante o paga-mento de uma avultada importância.

    Um incidente ocorrido entre navios espanhois e ingleses. provocado por êstes, quebrou essa neutralid

  • Carlos IV, cada vez mais convencido de que no meio da agitação em que a Espanha navegava, Manuel Godoy era o bom piloto, julgando apou-cadas ainda as honrar ias com que o tinha já dis tinguido, concede-lhe em 1807 o títu lo raríss imo de Alteza Sereníssima, ligando-o ainda à casa Real pelo casamento com sua sobrinha Maria Teresa de Bourbon.

    Duque, Grande de Espanha, Generalíss imo e Almirante dos Exércitos de terra e mar, Protector do Comércio e das Colónias e mesmo Príncipe, tudo isso se perde já na névoa que esfuma factos pàssados!

    Alteza Sereníssima, membro da família Real seriam por certo os últi· mos degráus antes que o an tigo simples oficial dos Guardas julgando-se fadado como o Côrso, atingisse como êste a sua ambição final !

    E essa ambiçao realizou-se no mesmo ano de 1807, quando Isquierdo poude assinar, em 27 de Outubro , em nome de Manuel Oodoy, com Duroc em nome do Imperador, o tratado secreto de fontainebleau pelo qual Portugal, seu aliado de véspera contra a França. era riscado da lista dos Es· tados independentes constituindo-se com as províncias d o Algarve e do Alentejo o Principado dos Algarves cuja soberania seria dada nos termos do seu Artigo 2.0 ao Príncipe da Paz.

    Daí a Re i pouco restava; mas mesmo êsse último degrau da sua ambi~ çã.o não logrou vê·lú satisfeito porque 5 meses depois a revolta de Aranjuez, que devia coloca r no trono Fernando VIl , marca o início do seu declín io.

    Preso a 19 de Março, destituido de parte das suas honrarias, deveu à amizade de Murat a sua salvação e libertação em 10 de Abril, porque o povo espan\~1 atribuindo- lhe a origem de todos o~ males de que sofria, pretendia mata-lo, destruindo mesmo o que de bom êle fizera.

    Refugiado em França, aí vive miseravelmente at~ 1847 em que Isabel II lhe concedeu uma pensão, falecendo em Paris em 1851.

    Para finalizar estas notas respigadas em livros conhecidos relembrarei ainda os títulos com que, em horas de grandeza em 1796, tigurava no tra· tacto de S.10 Ildefonso, alguns bastantes curiosos :

    Príncipe da Paz, Duque de A lcudia, Senhor de Souto de Roma, de Albala e de S. Tiago, Grande de Espanha de I. ' classe, Conselheiro de Es· tacto, Primeiro Ministro, Secretár io da Rainha, Superintendente das Estradas e dos Correios, Protector da Academia Real de Belas Artes e do Gabinete de Iiistó ria Natural, do j ardim Botânico, do Laboratório de Química, do Observatório Astronómico, Gentil -homem da Camara do Rei com exercício, Capilão General de Exércitos, Inspector do Corpo de Guardas, etc.

    ( Continna) RAuL DA CosTA CouVKEUR

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  • MOEDAS DO PRÍNCIPE DA PAZ MANUEL GODOY

    COMO SOBERANO DO PRINCIPADO DOS ALGARVES

    (C.ontinuação de pág._ 275)

    lnstituido portanto o Principado dos Algarves pelo tratado de fon-tainebleau e nomeado seu soberano Manuel Oodoy, não seria de extranhar, dadas as características que deixei esboçadas do antigo oficial das Guardas Reais que, conforme diz o General foy, êle se apressasse a querer mar· car a posse dos seus territórios pela forma usual de cunhar moeda, encon-trando-se no livro já citado a seguinte passagem:

    "Le souverain designé des Algarves etait si impatient de regner pour son compte que si l'on en croit les bruits du temps, des piastres fortes (pesos duros) furent frappeés á !'hotel des monnais de Madrid que portaient d'un coté l'effigie de Godoy avec la fegende Emanuel Primas Algarbiomm dux et de l'autre les armes du royaume des Algarves".

    Esta suposição não é descabida não só pelos motivos apontados, como também porque seria a seqüência do procedimento do General Solano co-mandante das tropas espanholas no Alentejo que em Setubal nomeara já autoridades espanholas.

    Como suponho que o assunto não fosse linda considerado, julguei in· teressante documentar-me sôbre êle, tanto mais que não tenho conheci-mento da existência de tais moedas nem por figurarem em qualquer colecção, nem porque houvessem aparecido em qualquer venda.

    Uma feliz casualidade fez-me travar relações com o Ex.1110 Sr. Conde de Vimieiro, residente em Madrid que com uma gentileza a que cumpro o gratíssimo dever de prestar as minhas mais rendidas homenagens, se nâ:o quiz poupar a esforços para colher informações no Museu Arqueológico e na Casa da Moeda daquela Capital sôbre o assunto que me interessava.

    As investigacões a que procedeu o Sr. Conde junto do ilustre chefe da Secção de Numismática do Museu Arqueológico, onde existe uma nota -vel, colecça:o, permitiram verificar que nela nâ:o existe qualquer exemplar de tais moedas e o Conservador que não conhecia a citação do General foy

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  • não hesitou em afirmar que se tivesse havido qualquer cunhagem, a impor-tante colecção do Museu não deixaria de a possuir.

    Por sua vez o Chefe de Secção de Gravura da Casa da Moeda, pessoa sobremodo competente no assunto, declarou igualmente que não tinha a menor ideia da cunhagem em questão, acrescentando que aquela Casa da Moeda não funcionara durante o domínio francês e mesmo já algum tempo antes, unicamente trabalhando em tais épocas a Casa da Moeda de Pôrto-· Rico, pelo que as moedas eram cunhadas em Paris.

    Tendo verificado por ocasião de uma passagem minha por essa cidade, a não existência das moedas do Principado dos Algarves nas vitrines do Cabine! des Médailles da Biblioteca Nacional de Paris, obtive posteriormente a confirmação dela pelo ilustre conservador dêsse Gabinete Mr. Jean Babelou, de que nas espécies guardadas naquele estabelecimento elas realmente nlo existiam.

    Restava-me proceder a pesquizas na Casa da Moeda. E por amavel indicação de Mr. Babelon, obtive de Mr. Moeneclaey, Di-

    rector da Casa da Moeda de Paris, a informação de que nem nas colecções da Adm inistração das Moedas e Medalhas existia qualquer peça referente a Manuel Godoy, nem na Biblioteca da Administração encontrara qualquer vestígio das moedas em questão.

    julgo portanto poder concluir que se nilo cunharam as moedas indica-das pelo General foy, o que até certo ponto se poderá justificar pelQ tem-po que o Principado dos Algarves, rosas de Malherbe de Manuel Godoy, teria durado como vizão de uma realesa com que os secretos desígnios de Napoleão sôbre a Península teriam achado conveniência em deslumbrar o valido de Carlos IV, enquanto a hora da realização dêsses desígnios não chegava, desiludindo o Príncipe da Paz e Fernando VIl.

    Outubro de 1935.

    RAuL DA CosTA CouvREUR.

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