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Machado de Assis Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Machado de Assis
Joaquim Maria Machado de Assis
Machado de Assis, 1896, fotógrafo desconhecido,
Academia Brasileira de Letras.
Nacionalidade brasileiro
Data de
nascimento
21 de Junho de 1839
Local de
nascimento
Rio de Janeiro, RJ
Império do Brasil
Data de
falecimento
29 de setembro de1908 (69 anos)
Local de
falecimento
Rio de Janeiro, RJ
Brasil
Ocupação Escritor, jornalista, contista epoeta
Grupo étnico Branco
Período de
atividade
1864-1908 (44 anos)
Religião Niilismo, entre outras
Movimento Romantismo/Realismo
Magnum opus Entre os críticos e o público, destacam-
se Memórias Póstumas de Brás Cubas e Dom
Casmurro. A crítica considera que suas
melhores obras são as da Trilogia Realista.1
Cônjuge Carolina Augusta Xavier de Novais (1869-
1904)
Influências Shakespeare, Schopenhauer,Xavier de
Maistre, Montaigne,Pascal, Sterne, Swift
Influenciados Drummond, Cyro dos Anjos,Murilo
Rubião, Rubem Fonseca,John Barth, Donald
Barthelme
Assinatura
Joaquim Maria Machado de Assis (Rio de Janeiro, 21 de junho de 1839 — Rio de Janeiro, 29 de
setembro de 1908) foi um escritor brasileiro, amplamente considerado como o maior nome
da literatura nacional.2 3 4 5 6 Escreveu em praticamente todos os gêneros literários, sendo poeta,
romancista, cronista, dramaturgo, contista, folhetinista, jornalista, e crítico literário.7 8 Testemunhou a
mudança política no país quando a Repúblicasubstituiu o Império e foi um grande comentador e
relator dos eventos político-sociais de sua época.9
Nascido no Morro do Livramento, Rio de Janeiro, de uma família pobre, mal estudou em escolas
públicas e nunca frequentou universidade.10
Os biógrafos notam que, interessado pela boemia e
pela corte, lutou para subir socialmente abastecendo-se de superioridade intelectual.11
Para isso,
assumiu diversos cargos públicos, passando pelo Ministério da Agricultura, do Comércio e
das Obras Públicas, e conseguindo precoce notoriedade em jornais onde publicava suas primeiras
poesias e crônicas. Em sua maturidade, reunido a colegas próximos, fundou e foi o primeiro
presidente unânime da Academia Brasileira de Letras.12
Sua extensa obra constitui-se de nove romances e peças teatrais, duzentos contos, cinco
coletâneas de poemas e sonetos, e mais de seiscentas crônicas.13
14
Machado de Assis é
considerado o introdutor do Realismo no Brasil, com a publicação de Memórias Póstumas de Brás
Cubas(1881).15
16
Este romance é posto ao lado de todas suas produções posteriores, Quincas
Borba, Dom Casmurro, Esaú e Jacó e Memorial de Aires, ortodoxamente conhecidas como
pertencentes a sua segunda fase, em que se notam traços de pessimismo e ironia, embora não haja
rompimento de resíduos românticos. Dessa fase, os críticos destacam que suas melhores obras são
as da Trilogia Realista.1 Sua primeira fase literária é constituída de obras como Ressurreição, A Mão
e a Luva, Helena e Iaiá Garcia, onde notam-se características herdadas do Romantismo, ou
"convencionalismo", como prefere a crítica moderna.17
Sua obra foi de fundamental importância para as escolas literárias brasileiras do século XIX e do
século XX e surge nos dias de hoje como de grande interesse acadêmico e público.18
Influenciou
grandes nomes das letras, como Olavo Bilac, Lima Barreto, Drummond de Andrade, John
Barth, Donald Barthelme e outros.19
Em seu tempo de vida, alcançou relativa fama e prestígio pelo
Brasil,20
contudo não desfrutou de popularidade exterior na época. Hoje em dia, por sua inovação e
audácia em temas precoces, é frequentemente visto como o escritor brasileiro de produção sem
precedentes,21
de modo que, recentemente, seu nome e sua obra têm alcançado diversos críticos,
estudiosos e admiradores do mundo inteiro. Machado de Assis é considerado um dos grandes
gênios da história da literatura, ao lado de autores como Dante, Shakespeare e Camões.22
Índice
[esconder]
1 Biografia
o 1.1 Primeiros anos
o 1.2 Jornais, poemas e óperas
o 1.3 Crisálidas, teatros e política
o 1.4 Noivado, cartas e relacionamento
o 1.5 Casamento, histórias e lendas
o 1.6 Academia Brasileira de Letras
o 1.7 Últimos anos
o 1.8 Morte
2 Obra
o 2.1 Crítica
o 2.2 Estilo
o 2.3 Temática
o 2.4 Crítica literária
3 Especulações sobre Machado
o 3.1 Política
o 3.2 Religião
o 3.3 Saúde
4 Reputação crítica
5 Leituras
6 Influência
7 Legado
8 Lista de obras
o 8.1 Edição dos volumes
o 8.2 Obras
9 Obras póstumas
10 Ver também
11 Referências
12 Bibliografia
13 Ligações externas
Biografia
Primeiros anos
Morro do Livramento. A seta no canto direito mostra a casa onde Machado provavelmente nasceu e passou a infância.
Machado de Assis nasceu no dia 21 de junho de 1839 no Morro do Livramento,23
Rio de Janeiro do
Período Regencial, então capital do Império do Brasil.24
25
26
Seus pais foram Francisco José de
Assis, um mulato que pintava paredes, e Maria Leopoldina da Câmara Machado, lavadeira
portuguesa dos Açores.25
27
Ambos eram agregados da Dona Maria José de Mendonça Barrozo
Pereira, esposa do falecido senador Bento Barroso Pereira,28
que abrigou seus pais e os permitiu
morar junto com ela.24
25
As terras do Livramento eram ocupadas pela chácara da família de Maria
José e já em 1818 o terreno começou a ser loteado de tão imenso que era, dando origem à rua
Nova do Livramento.29
Maria José tornou-se madrinha do bebê e Joaquim Alberto de Sousa da
Silveira, seu cunhado, tornou-se o padrinho, de modo que os pais de Machado resolveram
homenagear os dois nomeando-o com seus nomes.24
25
Nascera junto a ele uma irmã, que morreu
jovem, aos 4 anos, em 1845.30
31
Iniciou seus estudos numa escola pública da região, mas não se
mostrou interessado por ela.32
Ocupava-se também em celebrar missas, o que lhe fez conhecer o
Padre Silveira Sarmento, que, segundo certos biógrafos, se tornou seu mentor de latim e amigo.24
25
Em seu folhetim Casa Velha, publicado de janeiro de 1885 a fevereiro de 1886 na revista carioca A
Estação, e publicado pela primeira vez em livro em 1943 graças à Lúcia Miguel Pereira, Machado
fornece descrição do que seria a casa principal e a capela da chácara do Livramento: "A casa, cujo
lugar e direção não é preciso dizer, tinha entre o povo o nome de Casa Velha, e era-o realmente:
datava dos fins do outro século. Era uma edificação sólida e vasta, gosto severo, nua de adornos.
Eu, desde criança, conhecia-lhe a parte exterior, a grande varanda da frente, os dois portões
enormes, um especial às pessoas da família e às visitas, e outro destinado ao serviço, às cargas
que iam e vinham, às seges, ao gado que saía a pastar. Além dessas duas entradas, havia, do lado
oposto, onde ficava a capela, um caminho que dava acesso às pessoas da vizinhança, que ali iam
ouvir missa aos domingos, ou rezar a ladainha aos sábados".33
Como já citado, a região sofria forte influência da igreja católica, de modo que a vizinhança
frequentava suas missas; a casa era "uma espécie de vila ou fazenda",29
onde Machado passou sua
infância. Nesta época, José de Alencar tinha apenas 10 anos de idade. Três anos antes do
nascimento de Machado, Domingos José Gonçalves de Magalhães publicava Suspiros Poéticos e
Saudades, obra que trazia os ideais do Romantismo para a literatura brasileira.34
Quando Machado
tinha apenas um ano de idade, em 1840, decretava-se a maioridade de D. Pedro II, tema que viria a
tratar anos mais tarde em Dom Casmurro. Ao completar 10 anos, Machado tornou-se órfão de mãe.
Mudou-se com seu pai para São Cristóvão, na Rua São Luís de Gonzaga nº48 e logo o pai se casou
com sua madrasta Maria Inês da Silva35
em 18 de junho de 1854. Ela cuidaria do garoto quando
Francisco viesse a morrer um tempo depois.36
Segundo escrevem alguns biógrafos, a madrasta
confeccionava doces numa escola reservada para meninas e Machado teve aulas no mesmo prédio,
enquanto à noite estudava língua francesa com um padeiro imigrante.24
Certos biógrafos notam seu
imenso e precoce interesse e abstração por livros.35
Jornais, poemas e óperas
Imprensa Nacional, c.1880, onde Machado de Assis iniciou seus serviços como tipógrafo e revisor.
Tudo indica que Machado evitou o subúrbio carioca e procurou a subsistência no centro da
cidade.37
Com muitos planos e espírito aventureiro, fez algumas amizades e relacionamentos. Em
1854, publicou seu primeiro soneto, dedicado à "Ilustríssima Senhora D.P.J.A", assinando como "J.
M. M. Assis", no Periódico dos Pobres.38
No ano seguinte, passou a frequentar a livraria do jornalista
e tipógrafo Francisco de Paula Brito. Paula Brito era um humanista e sua livraria, além de vender
remédios, chás, fumo de rolo, porcas e parafusos,39
também servia como ponto de encontro da sua
Sociedade Petalógica (peta=(ê), s. f. 1. Mentira, patranha).40
Um tempo mais tarde, Machado se
referiria à Sociedade da seguinte forma: "Lá se discutia de tudo, desde a retirada de um ministro até
a pirueta da dançarina da moda, desde o dó do peito de Tamberlick até os discursos do Marquês do
Paraná".41
No dia 12 de janeiro de 1855, Brito publicou os poemas "Ela" e "A Palmeira" na Marmota
Fluminense, revista bimensal do livreiro.38
Estes dois versos, reunidos junto àquele soneto para a
Dona Patronilha, fazem parte da primeira produção literária de Machado de Assis. Aos dezessete
anos, foi contratado como aprendiz de tipógrafo e revisor de imprensa na Imprensa Nacional, onde
foi protegido e ajudado por Manuel Antônio de Almeida (que anos antes havia publicado
sua magnum opus Memórias de um Sargento de Milícias), que o incentivou a seguir a carreira
literária.42
Machado trabalhou na Imprensa Oficial de 1856 a 1858. No fim deste período, a convite
do poeta Francisco Otaviano, passou a colaborar para o Correio Mercantil, importante jornal da
época, escrevendo crônicas e revisando textos.38
43
Durante esta época o jovem já frequentava
teatros e outros meios artísticos. Em novembro de 1859, estreava Pipelet, ópera com libreto de sua
autoria baseada em The Mysteries of Paris de Eugène Sue44
e com música de Ferrari. Escreveu ele
sobre a apresentação:
"Abre-se segunda-feira, a Ópera Nacional com o Pipelet, ópera em actos, música de
Ferrari, e poesia do Sr. Machado de Assis, meu íntimo amigo, meu alter ego, a quem tenho
muito affecto, mas sobre quem não posso dar opinião nenhuma."45
Pipelet não agrada consideravalmente o público e os folhetinistas ignoram-na.46
Gioacchino
Giannini, que dirigiu a orquestra da ópera, sentiu-se contrariado com a orquestra e escreveu
num artigo: "Não falaremos do desempenho de Pipelet. Isso seria enfadonho, horrível e
espantoso para quem o viu tão regularmente no Teatro de São Pedro."47
O final da ópera
era melancólico, com o enterro agonizante do personagem Pipelet. Machado de Assis, em
1859, escreveu que "o desempenho da mesma maneira que o primeiro, fez nutrir esperança de
uma boa companhia de canto."48
De fato, o jovem nutria interesse na campanha de construção
da Ópera Nacional. No ano seguinte a de Pipelet, produziu um libreto chamado As Bodas de
Joaninha, entretanto sua repercussão foi nula.46
Anos mais tarde, registraria a nostalgia do
folhetinismo de sua juventude.49
Crisálidas, teatros e política
O jovem Machado aos 25 anos, 1864, gostava de teatro e lutava para subir socialmente. Foto: Insley Pacheco.50
Aos 21 anos de idade Machado já era uma personalidade considerada entre as rodas
intelectuais cariocas. A esta altura já era conhecido por Quintino Bocaiúva, que o convidou para
o Diário do Rio de Janeiro, onde Machado trabalhou intensamente como repórter e jornalista de
1860 a 1867, com Saldanha Marinho supervisionando-o.38
Colaborou para o Jornal das
Famílias sob pseudônimos: Job, Vitor de Paula, Lara, Max, e para a Semana Ilustrada,
assinando seu nome ou pseudos, até 1857.51
Bocaiúva admirava o gosto de Machado pelo
teatro, mas considerava suas obras destinadas à leitura e não à encenação.52
Com a morte do
pai, Machado lhe dedica a coletânea de poesias “Crisálidas”: “À Memória de Francisco José de
Assis e Maria Leopoldina Machado de Assis, meus Pais.”53
Em 1865, Machado havia fundado uma sociedade artístico-literária chamada Arcádia
Fluminense, onde tivera a oportunidade de promover saraus com leitura de suas poesias e
estreitar contato com poetas e intelectuais da região. Com José Zapata y Amat, produziu o hino
"Cantada da Arcádia" especialmente para a sociedade.54
Em 1866, escreveu no Diário do Rio
de Janeiro: "A fundação da Arcádia Fluminense foi excelente num sentido: não cremos que ela
se propusesse a dirigir o gosto, mas o seu fim decerto que foi estabelecer a convivência
literária, como trabalho preliminar para obra de maior extensão."55
Neste ano, Machado
escrevia crítica teatral e, segundo Almir Guilhermino, aprendeu a língua grega para se
familiarizar cedo com Platão, Sócrates e o teatro grego.56
De acordo com Valdemar de Oliveira,
Machado era "rato de coxia" e frequentador de rodas teatrais junto com José de
Alencar, Joaquim Manuel de Macedo, e outros.57
Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas, c. 1890, onde Machado começou a trabalhar em cargo público.
No ano seguinte, 1867, subiu a escala funcional como burocrata, e no mesmo ano foi nomeado
diretor-assistente doDiário Oficial pelo D. Pedro II.51
53
Com a ascensão do Partido Liberal pelo
país, Machado acreditava que seria lembrado por seus amigos e que receberia um cargo
público que melhoraria sua qualidade de vida, contudo foi em vão. À época de seu serviço
no Diário do Rio de Janeiro, teve seus ideais combativos com ideias progressivas; por conta
disso seu nome foi anunciado como candidato a deputado pelo Partido Liberal do Império —
candidatura que logo retirou por querer comprometer sua vida somente às letras.58
Para sua
surpresa, a ajuda veio novamente de um ato de Pedro II, com a nomeação para o cargo de
assistente do diretor, e que, mais tarde, em 1888, lhe condecoraria como oficial da Ordem Da
Rosa.53
59
A esta altura já era amigo de José de Alencar, que lhe ensinou um pouco de língua inglesa.
Ambos os autores, no mesmo ano, recepcionaram o ambicioso e famoso poeta Castro Alves,
vindo da Bahia, na imprensa da Corte do Rio de Janeiro.58
Machado diria sobre o poeta baiano:
"Achei uma vocação literária cheia de vida e robustez, deixando antever nas magnificências do
presente as promessas do futuro."60
Os direitos autorais por suas publicações e crônicas em
jornais e revistas, acrescido da promoção que recebera da Princesa Isabel em 7 de dezembro
de 1876 como chefe de seção, rendeu-lhe 5.400$000 anuais.61
O menino nascido no morro
havia subido de vida. Graças à sua nova posição, mudou do centro da cidade para o Bairro do
Catete, na Rua do Catete nº 206, onde morou durante 6 anos, dos 37 até seus 43.61
Noivado, cartas e relacionamento
A jovem simpática e cultaCarolina Augusta, c. 1890, conquistou o coração de Machado.62
No mesmo ano ao da reunião com o poeta, Machado teria um outro encontro que mudou de
vez a sua vida. Um de seus amigos, Faustino Xavier de Novaes(1820-1869), poeta residente
em Petrópolis, e jornalista da revista O Futuro,32
estava mantendo sua irmã, a
portuguesa Carolina Augusta Xavier de Novais, desde 1866 em sua casa, quando ela chegou
ao Rio de Janeiro do Porto.51
Segundo os biógrafos, veio a fim de cuidar de seu irmão que
estava enfermo,63
enquanto outros dizem que foi para esquecer uma frustração amorosa.
Carolina despertara a atenção de muitos cariocas; muitos homens que a conheciam achavam-
na atraente, e extremamente simpática. Com o poeta, jornalista e dramaturgo Machado de
Assis não fora diferente. Tão logo conhecera a irmã do amigo, logo apaixonou-se. Até essa
data o único livro publicado de Machado era o poético Crisálidas (1864) e também havia escrito
a peça Hoje Avental, Amanhã Luva (1860), ambos sem muita repercussão. Carolina era cinco
anos mais velha que ele; deveria ter uns trinta e dois anos na época do noivado.62
Os irmãos de
Carolina, Miguel e Adelaíde (Faustino já havia morrido devido a uma doença que o levou à
insanidade), não concordaram que ela se envolvesse com um mulato.25
Contudo, Machado de
Assis e Carolina Augusta se casaram no dia 12 de Novembro de 1869.53
Diz-se que Machado não era um homem bonito, mas era culto e elegante.53
Estava apaixonado
por sua "Carola", apelido dado pelo marido. Entusiasmava a esposa com cartas românticas e
que previam o destino dos dois; durante o noivado, em 2 de março de 1869, Machado havia
escrito uma carta íntima que dizia: "...depois, querida, ganharemos o mundo, porque só é
verdadeiramente senhor do mundo quem está acima das suas glórias fofas e das suas
ambições estéreis."64
Suas cartas endereçadas a Carolina são todas assinadas como
"Machadinho".64
Outra carta justifica uma certa complexidade no começo de seu
relacionamento: "Sofreste tanto que até perdeste a consciência do teu império; estás pronta a
obedecer; admiras-te de seres obedecida", o que é um mistério para os recentes estudiosos
das correspondências do autor.64
A carta do primeiro trecho aqui transposto traz uma alusão às
flores que a esposa lhe teria mandado e ele, agradecido, teria as beijado duas vezes como se
beijasse a própria Carolina.65
Noutro parágrafo, diz: "Tu pertences ao pequeno número de mulheres que ainda sabem amar,
sentir e pensar."65
De fato, Carolina era extremamente culta.66
Apresentou a Machado os
grandes clássicos portugueses e diversos autores da língua inglesa.67
A sobrinha-bisneta de
Carolina, Ruth Leitão de Carvalho Lima, sua única herdeira, revelou numa entrevista de 2008
que, frequentemente, a esposa retificava os textos do marido durante sua ausência.68
Conta-se
que muito provavelmente tenha influenciado no modo de Machado escrever e,
consecutivamente, tenha contribuído para a transição de sua narrativa convencional à realista
(ver Trilogia Realista).66
Não tiveram filhos.69
Tinham, no entanto, uma cadela tenerife (também
conhecidos como Bichon Frisé) chamada Graziela e que certa vez se perdeu entre as ruas do
bairro e, atônitos, foram achá-la dias depois na rua Bento Lisboa, no Catete.68
Casamento, histórias e lendas
Na placa no Cosme Velho, lê-se: "Neste local viveu Machado de Assis de 1883 até sua morte em 1908".
Depois do Catete, foram morar na casa nº 18 da Rua Cosme Velho (a residência mais famosa
do casal), onde ficariam até a morte. Do nome da rua surgira o apelido Bruxo do Cosme Velho,
dado por conta de um episódio onde Machado queimava suas cartas em um caldeirão, no
sobrado da casa, quando a vizinhança certa vez o viu e gritou: "Olha o Bruxo do Cosme
Velho!"70
Essa história acrescida à da cachorra, para alguns biógrafos, não passa de
lenda.70
Machado de Assis e Carolina Augusta teriam vivido uma "vida conjugal perfeita" por
longos 35 anos.71
72
73
Quando os amigos certa vez desconfiaram de uma traição por parte de
Machado, seguiram-no e acabaram por descobrir que ele ia todas as tardes avistar a moça do
quadro deA Dama do Livro (1882), de Roberto Fontana.70
Ao saberem que Machado não podia
comprá-lo, deram-lhe de presente, o que o deixou particularmente feliz e grato.70
No entanto, talvez a "única nuvem negra a toldar a sua paz doméstica" tenha sido um possível
caso extraconjugal que tivera durante a circulação deMemórias Póstumas de Brás Cubas.74
Em
18 de novembro de 1902, reverte a atividade na Secretaria da Indústria do Ministério da Viação,
Indústria e Obras Públicas, como diretor-geral de Contabilidade, por decisão do ministro da
Viação, Lauro Severiano Müller.75
Em 20 de outubro de 1904, Carolina morre aos 70 anos de
idade.76
Foi um baque na vida de Machado, que passou uma temporada em Nova
Friburgo.77
Segundo o biógrafo Daniel Piza, Carolina comentava com amigas que Machado
deveria morrer antes para não sofrer caso ela partisse cedo.78
Seu casamento com Carolina fez
com que ela estimulasse seu lado intelectual deficiente pelos poucos estudos a que tinha
realizado na juventude e trouxe-lhe a serenidade emocional que ele tanto precisava por ter
saúde frágil.63
As três heroínas de Memorial de Ayres chamam-se Carmo, Rita e Fidélia, o que
estudiosos crêem representar três aspectos da Carolina, a "mãe", "irmã" e "esposa".79
Machado
também lhe dedicou seu último soneto, "A Carolina", em que Manuel Bandeiraafirmaria, anos
mais tarde, que é uma das peças mais comoventes da literatura brasileira.80
De acordo com
alguns biógrafos o túmulo de Carolina era visitado todos os domingos por Machado.78
Academia Brasileira de Letras
Ver artigo principal: Academia Brasileira de Letras
Inspirados na Academia Francesa, Medeiros e Albuquerque, Lúcio de Mendonça, e o grupo de
intelectuais da Revista Brasileira idearam e fundaram, em 1897, junto ao entusiasmado e
apoiador Machado de Assis, a Academia Brasileira de Letras, com o objetivo de cultuar
a cultura brasileira e, principalmente, a literatura nacional.81
82
Unanimente, Machado de Assis
foi eleito primeiro presidente da Academia logo que ela havia sido instalada, no dia 28 de
janeiro do mesmo ano.12
Como escreve Gustavo Bernardo, "Quando se fala Machado fundou a
Academia, no fundo o que se quer dizer é que Machado pensava na Academia. Os escritores a
fundaram e precisaram de um presidente em torno do qual não houvesse discussão."83
No
discurso inaugural, Machado aconselhou aos presentes: "Passai aos vossos sucessores o
pensamento e a vontade iniciais, para que eles os transmitam também aos seus, e a vossa
obra seja contada entre as sólidas e brilhantes páginas da nossa vida brasileira."84
de pé: Rodolfo Amoedo, Artur Azevedo, Inglês de Sousa, Bilac, Veríssimo,Bandeira, Filinto de
Almeida, Passos, Magalhães, Bernardelli, Rodrigo Octavio,Peixoto; sentados: João Ribeiro, Machado, Lúcio de Mendonça e Silva
Ramos.
A Academia surgiu mais como um vínculo de ordem cordial entre amigos do que de ordem
intelectual. No entanto, a ideia do instituto não foi bem aceita por alguns: Antônio
Sales testemunhou numa página de reminiscência: "Lembro-me bem que José Veríssimo, pelo
menos, não lhe fez bom acolhimento. Machado, creio, fez a princípio algumas
objeções."85
Como presidente, Machado fazia sugestões, concordava com ideias, insinuava,
mas nada impunha nem impedia aos companheiros.86
Era um acadêmico assíduo. Das 96
sessões que a Academia realizou durante a sua presidência, faltou somente a duas.86
Em 1901,
criou a "Panelinha" para a realização de festivos ágapes e encontros de escritores e artistas,
como a da fotografia acima.87
De fato, a expressão panelinha foi inventada destes encontros,
onde os convidados eram servidos em uma panela de prata, motivo pelo qual o grupo passou a
ser conhecido como Panelinha de Prata.88
89
Machado devotou-se ao cargo de presidente da
Academia durante 10 anos, até a sua morte.81
Como homenagem informal, ela passou a
chamar-se "Casa de Machado de Assis". Hoje em dia a Academia abriga coleções de Olavo
Bilac e Manuel Bandeira, e uma sala chamada de Espaço Machado de Assis, em homenagem
ao autor, que se dedica a estudar sua vida e obra e que guarda objetos pessoais seus; além
disso, a Academia possui uma rara edição de 1572 de Os Lusíadas.82
As sucessões e o posto
de Machado de Assis em relação à Academia foram os seguintes:
Precedido por
José de Alencar
(patrono)
ABL - fundador da cadeira 23 1897 — 1908
Sucedido por
Lafayette Rodrigues Pereira
Precedido por
Criação da Academia Brasileira de
Letras
Presidente da Academia Brasileira de
Letras 1897 — 1908 (morte)
Sucedido por
Rui Barbosa
Últimos anos
Machado aos 57 anos, 189690
Machado de Assis, segundo do canto esquerdo, na primeira fila
Com a morte da esposa, entrou em profunda depressão, notada pelos amigos que lhe
visitavam, e, cada vez mais recluso, encaminhou-se também para sua morte. Numa carta
endereçada ao amigo Joaquim Nabuco, Machado lamenta que "foi-se a melhor parte da minha
vida, e aqui estou só no mundo [...]"91
Antes de sua morte, em 1908, e depois da morte da
esposa, em 1904, Machado viu publicar suas últimas obras: Esaú e Jacó(1904), Memorial de
Aires (1908), e Relíquias da Casa Velha (1906). No mesmo ano desta última obra, escreveu
sua última peça teatral, Lição de Botânica. Em 1905, participou de uma sessão solene da
Academia para a entrega de um ramo de carvalho de Tasso, remetido por Joaquim
Nabuco.51
Com Relíquias, reuniu em livro mais algumas de suas produções, como também o
soneto "A Carolina", "preito de saudade à esposa morta."92
Em 1907, dá início ao seu último
romance, Memorial de Aires, que é um livro norteado por uma poesia leve e tranquila e
tendente à saudade.93
Mesmo abalado, continuava lendo, trabalhando, estudando, frequentando algumas rodas de
amigos. Em seus últimos anos, teria iniciado estudos da língua grega,51
embora outros autores
apontam que tentava se familiarizar com ela desde cedo.56
No primeiro dia de julho de 1908,
Machado de Assis entra em licença para tratamento de saúde, e nunca mais retorna ao
Ministério da Viação. Personalidades ilustres, como o Barão do Rio Branco, e intelectuais ou
colegas, vão visitá-lo.75
Em um documento manuscrito do mesmo ano, Mário de
Alencar escreve, amargamente: "Venho da casa de Machado de Assis, por onde estive todo o
sábado, ontem e hoje, e agora estou sem ânimo de continuar a ver-lhe o sofrimento; tenho
receio de assistir ao fim que eu desejo não tarde. Eu, seu amigo e seu admirador grande,
desejo que ele morra, mas não tenho coragem de o ver morrer."94
Em 1906, escreve seu último testamento. O primeiro, escrito em 30 de junho de 1898, deixava
todos seus bens à esposa Carolina.95
Com a morte desta, pensou numa partilha amigável com
a irmã de Carolina, Adelaide Xavier de Novais, e sobrinhos, efetuando este segundo e último
testamento em 31 de maio de 1906, instituindo sua herdeira única "a menina Laura", filha de
sua sobrinha Sara Gomes da Costa e de seu esposo major Bonifácio Gomes da Costa,
nomeado primeiro testamenteiro.95
Em suas últimas semanas, Machado de Assis escreveu
cartas a Salvador de Mendonça (7 de setembro de 1908), a José Veríssimo (1 de setembro de
1908), a Mário de Alencar (6 de agosto de 1908), a Joaquim Nabuco (1 de agosto de 1908),
a Oliveira Lima (1 de agosto de 1908), entre outros, demonstrando ainda estar lúcido.95
Morte
Estudantes e amigos, entre eles Euclides da Cunha, saem da Academia conduzindo o caixão até o Cemitério São João Batista,
1908.
Às 3h20m de 29 de setembro de 1908 na casa de Cosme Velho,69
Machado de Assis morre aos
sessenta e nove anos de idade com uma úlcera canceriosa na boca;96
sua certidão de
óbito relata que morrera de arteriosclerose generalizada, incluindo esclerose cerebral, o que,
para alguns, figura questionável pelo motivo de mostrar-se lúcido nas últimas cartas já
relatadas.95
Ao geral, teve uma morte tranquila, cercado pelos companheiros mais íntimos que
havia feito no Rio de Janeiro: Mário de Alencar, José Veríssimo, Coelho Neto,Raimundo
Correia, Rodrigo Otávio, Euclides da Cunha, etc.93
Este último relatou, no Jornal do Comércio,
no mesmo ano do falecimento: "Na noite em que faleceu Machado de Assis, quem penetrasse
na vivenda do poeta, em Laranjeiras, não acreditaria que estivesse tão próximo o desenlace de
sua enfermidade."97
Euclides ainda escreveu: "Na sala de jantar, para onde dizia o quarto do
querido mestre, um grupo de senhoras – ontem meninas que ele carregara no colo, hoje
nobilíssimas mães de família – comentavam-lhe os lances encantadores da vida e reliam-lhe
antigos versos, ainda inéditos, avaramente guardados em álbuns caprichosos."97
Em nome da Academia Brasileira de Letras, Rui Barbosa encarregou-se de fazer-lhe o elogio
fúnebre.98
Em nome do governo, o entãoministro do interior Tavares de Lyra discursou em
pesar da morte do escritor.99
O velório ocorreu no Syllogeu Brasileiro da Academia; seu corpo
no caixão, como relatara Nélida Piñon, "cercava-se de flores, círios de prata e lágrimas
discretas."100
O rosto estava coberto por um lenço de cambraia e eram muitas pessoas
presentes. Diversas pessoas, entre elas vizinhos, e companheiros de rodas intelectuais, ou
amigos, ou colegas com que trabalhou, encheram osaguão.100
No mesmo discurso, Nélida
comparou a despedida do autor como Paris que seguia o cortejo de Victor Hugo.100
De fato,
uma multidão saía da Academia e sustentava o caixão do autor até o Cemitério São João
Batista, enquanto outros acompanhavam de carro.99
Segundo sua vontade, foi enterrado
na sepultura da esposa Carolina, jazigo perpétuo 1359.101
A Gazeta de Notícias e o Jornal do
Brasil deram uma grande cobertura à morte, ao funeral e ao enterro de Machado.102
Em Lisboa,
todos os jornais da cidade publicaram uma biografia de Machado de Assis, anunciando sua
morte.103
Em 21 de abril de 1999, os restos mortais do casal foram transladados para o
Mausoléu da Academia, no mesmo cemitério,104
onde também estão os restos de
personalidades como João Cabral de Melo Neto, Darcy Ribeiro e Aurélio Buarque de Holanda
Ferreira.
Obra
Ver também: Obra de Machado de Assis
Crítica
Capa de Ressurreição, primeiro romance do autor, convencional aos estilos da época.
Volume de Memórias Póstumas de Brás Cubas dedicado pelo próprio autor para a Biblioteca Nacional
Em sua História da Literatura Brasileira, José Verissimo dedica-se a um capítulo inteiro para
tratar de Machado de Assis e lhe separa duas fases de sua obra: uma ligada à escola
romântica (ou aos convencionalismos da época) e outra realista.105
Os romances da primeira
fase seriam Ressurreição (1872), A Mão e a Luva (1874), Helena (1876), Iaiá Garcia (1878),
enquanto que os da segunda seriam todos os outros restantes de sua carreira, Memórias
Póstumas de Brás Cubas (1881), Quincas Borba (1891), Dom Casmurro (1899), Esaú e
Jacó (1904) e Memorial de Aires (1908), pertencentes ao Realismo. Embora esta divisão seja
ortodoxa entre os acadêmicos, o próprio Machado escrevera numa apresentação de uma
reedição de Helena que este romance e os outros de sua fase "romanesca" possuíam um "eco
de mocidade e fé ingênua."106
Contos Fluminenses (1872) e Histórias da Meia Noite (1873), consecutivamente, são
posicionados em sua primeira fase, eOcidentais (1882), ao lado de Histórias sem
Data (1884), Várias Histórias (1896), Páginas Recolhidas (1899), e Relíquias da Casa
Velha (1906), na segunda.107
Seus dois primeiros livros de estreia, Crisálidas (1864)
e Falenas (1870), são poéticos. Vinte e dois poemas, escritos entre 1858 e 64, compunham
este primeiro livro. Há nestes poemas todos uma emoção "menos desbordante" que o
comum lirismo da literatura brasileira.108
As Crisálidas eram inspiradas por intensas emoções
amorosas ou pelo belo do feminino; os tercetos de "No Limiar" e os alexandrinos de "Aspiração"
prefiguram os temas subjetivos e sentidamente idealizados de suas Ocidentais de 1882,
embora não apresentassem excesso de sentimentalismo ou exagero de idealismo mas
estremes da oratória.109
Os dois livros poéticos embebiam-se dos cânones românticos, mas não
se filiavam à natureza tropical do país.110
Três anos antes destas duas publicações, Machado
estreava como dramaturgo com a comédiaDesencantos e a sátira Queda que as Mulheres Têm
para os Tolos (tradução do livro de Victor Hénaux).31
Após 1866, a produção poética e teatral,
outrora frequente, torna-se escassa.111
“Não me culpeis pelo que lhe achardes romanesco. Dos que então fiz, este me era particularmente prezado. Agora mesmo, que há
tanto me fui a outras e diferente páginas, ouço um eco remoto ao reler estas, eco de mocidade e fé ingênua. E claro que, em nenhum
caso, lhes tiraria a feição passada; cada obra pertence ao seu tempo.”
— Apresentação de Machado de Assis a uma reedição de Helena, em que fala sobre a mudança de seu estilo literário.112
Liberto da "Escola Romântica" ou do "convencionalismo", como prefere a crítica
moderna,17
Machado assume uma posição mais madura de sua carreira e compõe
sucessivamente o que seriam todas as suas principais obras. A brusca mutação do autor é
estudada pelos biógrafos juntamente com sua suposta "crise espiritual dos 40 anos" e da
estadia que tivera de fazer para Nova Friburgo após a morte da esposa.113
Apesar dessa sua
segunda fase ser chamada "realista", críticos modernos argumentam que, ao contrário dos
realistas, "que eram muito dependentes de um certo esquematismo determinista, Machado não
procura causas muito explícitas ou claras para a explicação das personagens e
situações".114
Além disso, Machado criticava filosofias como o determinismo e ocientificismo da
segunda metade do século XIX, fazendo com que suas obras não se encaixem perfeitamente
nos pressupostos estéticos do Realismo.115
Após Memórias Póstumas de Brás Cubas, sucede-se diversas escritas de contos cuja estética
é vista como "mais madura" e cujos temas são mais ousados.116
"A Causa Secreta", "Capítulos
dos Chapéus", "A Igreja do Diabo" e "Pai Contra Mãe" fazem parte desta fase. Iniciou sua
carreira como contista em 1858, com "Três Tesouros Perdidos", e seguiu no ramo escrevendo
contos em climas de tensões e de intensidade nos acontecimentos.117
Por vezes seus contos
são anedóticos, como em "A Cartomante", onde existe um final surpreendente, ou moderno,
com o simples flagrante de um cotidiano, como em "Conto de Escola", ou de caráter, como em
"Um Homem Célebre" ou em "O Espelho", que busca traçar "tipos humanos determinados em
ideias fixas".117
Escrevendo prolificamente conto e romance, surgiu o debate se Machado de
Assis era mais genial em um ou em outro. Em 1882, publica O Alienista, que para alguns trata-
se de conto, enquanto que para outros é uma novela.117
É eminente, contudo, diferenciar a
forma dos dois gêneros em Machado: seu romance "procura representar o mundo como um
todo: persegue a espinha dorsal e o conjunto da sociedade", enquanto que seu conto "é a
representação de uma pequena parte desse conjunto, mas não de qualquer parte, e sim
daquela especial de que se pode tirar algum sentido."118
Em sua produção final, publicou o
"diplomático romance" Memorial de Aires e a peça teatral Lição de Botânica.119
Estilo
Ver artigo principal: Estilo de Machado de Assis
A obra de Machado de Assis assume uma originalidade despreocupada com as modas
literárias dominantes de seu tempo. Os acadêmicos notam cinco fundamentais
enquadramentos em seus textos: "elementos clássicos" (equilíbrio, concisão, contenção lírica e
expressional), "resíduos românticos" (narrativas convencionais ao enredo),
"aproximações realistas" (atitude crítica,objetividade, temas contemporâneos),
"procedimentos impressionistas" (recriação do passado através da memória), e
"antecipações modernas" (o elíptico e o alusivo engajados a um tema que permite diversas
leituras e interpretações).120
Se, por um lado, os realistas que seguiam Flaubert esqueciam do narrador por detrás da
objetividade narrativa, e os naturalistas, à exemplo de Zola, narravam todos os detalhes do
enredo, Machado de Assis optou por abster-se de ambos os métodos para cultivar o
fragmentário e interferir na narrativa com o objetivo de dialogar com o leitor, comentando seu
próprio romance comfilosofias, metalinguagens, intertextualidade.121
Em tom absolutamente
não-enfático, neutro, sem retórica, as obras de ficção machadianas possuem na maior parte
das vezes um humorreflexivo, ora amargo, ora divertido.121
De fato, uma de suas características
mais apreciadas é a ironia, que os estudiosos consideram a "arma mais corrosiva da crítica
machadiana".122
Num processo próximo ao do "impressionismo associativo", há de certo uma
ruptura com a narrativa linear, de modo que as ações não seguem um fio lógico ou cronológico,
mas que é relatado conforme surgem na memória das personagens ou do narrador.123
Sua
mensagem artística se dá por meio de uma interrupção na narrativa para dialogar com o leitor
sobre a própria escritura do romance, ou sobre o caráter de determinado personagem ou sobre
qualquer outro tema universal, numa organização metalinguística que constituía seu principal
interesse como autor.123
Otelo e Desdêmona por Muñoz Degrain, 1881, é um retrato do drama Otelo de William Shakespeare:
correlação arquétipa com o ciúme do Bentinho de Dom Casmurro.
Machado de Assis, como exímio intelectual e leitor, atribui a sua obra caráteres de arquétipos.
Os irmãos Pedro e Paulo, em Esaú e Jacó, por exemplo, remontam ao arquétipo bíblico da
rivalidade entre Esaú e Jacó,124
mas dessa vez personificando a nova República e a já
"despedaçada" Monarquia,125
enquanto a psicose do ciúme de Bentinho em Dom
Casmurro aproxima-se do drama Otelo de William Shakespeare.126
Os acadêmicos também
notam a constante presença do pessimismo. Suas últimas obras de ficção assumem uma
postura desencantada da vida, da sociedade, e do homem. Crê-se que não acreditava em
nenhum valor de seu tempo e nem mesmo em algum outro valor e que o importante para ele
seria desmascarar o cinismo e a hipocrisia política e social.126
O capítulo final de Memórias
Póstumas de Brás Cubas é exemplo cabal do pessimismo que vigora na fase madura de
Machado de Assis e do narrador morto:
Este último capítulo é todo de negativas. Não alcancei a celebridade do emplasto, não fui
ministro, não fui califa, não conheci o casamento. Verdade é que, ao lado dessas faltas,
coube-me a boa fortuna de não comprar o pão com o suor do meu rosto. Mais; não padeci a
morte de D. Plácida, nem a semidemência do Quincas Borba. Somadas umas coisas e
outras, qualquer pessoa imaginará que não houve míngua nem sobra, e conseguintemente
que saí quite com a vida. E imaginará mal; porque ao chegar a este outro lado do mistério,
achei-me com um pequeno saldo, que é a derradeira negativa deste capítulo de negativas:
— Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.
— Memórias Póstumas de Brás Cubas, Capítulo CLX127
Sua preocupação no psicologismo das personagens obrigavam-no a escrever numa
narrativa lenta que não prejudicasse o menor detalhe para que este não
comprometesse o quadro psicológico do enredo.128
Sua atenção desvia-se comumente
do coletivo para ir à mente e à alma do ser humano — fator denominado
"microrrealismo".128
Por conta destas características, Machado criou um estilo enxuto
que os acadêmicos chamam de "quase britânico".128
Sua economia vocabular é rara
na literatura brasileira, ainda mais se procurada em autores como Castro Alves, José
de Alencar ou Rui Barbosa, que tendem ao uso imoderado do adjetivo e
do advérbio.128
Embora enxuta, não era adepto de uma linguagem mecânica
ou simétrica, e sim medida por seu ritmo interior.128
Temática
Ver artigo principal: Temática de Machado de Assis
A temática de Machado envolve desde o uso de citações referentes a eventos de sua
época até os mais intricados conflitos da condição humana. É capaz de retratar desde
relações implicitamente homossexuais e homoeróticas, como no conto "Pílades e
Orestes",129
até temas mais complexos e explícitos como a escravidão sob o ponto de
vista cínico do senhor de escravos, sempre criticando-o de forma oblíqua.130
Sobre a
escravidão, Machado de Assis já havia tido uma experiência familiar, quer por seus
avós paternos terem sido escravos, quer porque lia os jornais com anúncios de
escravos fugitivos.131
Em seu tempo, a literatura que denunciava crenças etnocêntricas
que posicionavam os negros no último grau da escala social era distorcida ou tolhida,
de modo que este tema encontra uma grande expressividade na obra do autor.132
A
começar, as Memórias Póstumas de Brás Cubas narra o que seria uma das páginas
de ficção mais perturbadoras já escritas sobre a psicologia do escravismo: o negro
liberto compra seu próprio escravo para tirar sua desforra.130
Pelourinho por Jean-Baptiste Debret, retrata a escravidão no Brasil de Dom Pedro II: Machado de Assis escrevia
sobre a dissimulação na relação senhor e escravo.132
Outras obras notáveis, como Memorial de Aires, ou a crônica Bons Dias! de maio de
1888, ou o conto "Pai Contra Mãe" (1905), expõem explicitamente as críticas à
escravidão.130
Esta última é uma obra pós-escravidão, como podemos notar na frase
de início: A escravidão levou consigo ofícios e aparelhos [...]133
Um
destes ofícios e aparelhos a que Machado refere-se é o ferro que prendia o pescoço e
os pés dos escravos e a máscara de folha-de-flandres. O conto é ainda uma análise
de como o fim da escravidão levara estes aparelhos para a extinção, mas não levou
a miséria e a pobreza. Roberto Schwarz escreve que "se grande parte do trabalho era
exercido pelo sescravos, restava aos homens livres trabalhos mal remunerados e
instáveis."134
Schwarz nota que tal dificuldade dos homens livres, somada às relações
dependentes que estes homens traçarão para sua sobrevivência, são grandes temas
no romance machadiano.134
Para Machado, o trabalho acabaria com as diferenças
impostas pela escravidão.135
Castro Alves escrevia sobre a violência explícita a que os escravos estavam expostos,
enquanto Machado de Assis escrevia as violências implícitas, como a dissimulação e a
falsa camaradagem na relação senhor e escravo.132
Este mesmo caráter dissimulativo
também é encontrado em sua ótica acerca daRepública e da Monarquia. Um de seus
últimos romances, Esaú e Jacó, é considerado uma alegoria sobre as duas formas de
governo e, principalmente, sobre a substituição de um pelo outro em território
nacional.136
Numa das linhas da obra, os irmãos Paulo, republicano, e Pedro,
monarquista, discutiam aproclamação da República; o primeiro, que admirava Deodoro
da Fonseca, afirmava que Podia ter sido mais turbulento. enquanto Pedro
afirmava: Um crime e um disparate, além de ingratidão; o imperador devia ter pegado
os principais cabeças e mandá-los executar. (...)137
Ambos avultam o fato de o regime
ter sido mudado por um golpe de estado, sem barricadas nem participação popular.137
Mulheres na revista A Estação, 1884. Os livros de Machado possuem notáveis personagens femininas.
A Origem das Espécies, 1859, de Charles Darwin: o "Humanitismo" de Machado de Assis ironiza a "lei do mais
forte" de Darwin.
Outra temática notada pelos acadêmicos na obra machadiana é a filosofia que lhe é
peculiar. Há em sua obra um constante questionamento sobre o homem na sociedade
e sobre o homem diante de si próprio.138
O "Humanitismo", elaborado pelo filósofo
Joaquim Borba dos Santos em Quincas Borba, constitui-se da ideia "do império da lei
do mais forte, do mais rico e do mais esperto".138
Antonio Candido escreveu que a
essência do pensamento machadiano é "a transformação do homem em objeto do
homem, que é uma das maldições ligadas à falta de liberdade verdadeira, econômica
e espiritual."139
Os críticos notam que o "Humanitismo" de Machado não passa de
uma sátira ao positivismo de Auguste Comte e ao cientificismo doséculo XIX, bem
como a teoria de Charles Darwin acerca da seleção natural.140
Seu Quincas
Borba apresenta um conceito onde "a ascensão de um se faz a partir da anulação do
outro"141
e que, em essência, constitui a vida inteira do personagem Rubião, que morre
desagregado e crendo ser Napoleão.142
Desta forma, a teoria do "ao vencedor, as
batatas" seria umaparódia à ciência da época de Machado; sua divulgação seria uma
forma de desnudar ironicamente o caráter desumano e anti-ético do pensamento da
"lei do mais forte".140
Aos moldes do Naturalismo, Machado de Assis também retratava a sociedade de
forma coletiva. Roberto Schwarz propôs queA Mão e a Luva, Helena, Iaiá
Garcia e Ressurreição são romances sobre tradições, casamento, família ligadas ao
homem e à mulher.143
A mulher tem papel fundamental no texto machadiano. Tanto
em sua fase romântica, com Ressurreição, onde ele descreve o "gracioso busto" da
personagem Lívia, até sua fase realista, onde nota-se uma fixação pelo olhar dúbio
de Capitu em Dom Casmurro.144
Suas mulheres são "capazes de conduzir a ação,
apesar do predomínio da trama romanesca não ter se esvaziado."145
As personagens
femininas de Machado de Assis, ao contrário das mulheres de outros românticos —
que faziam a heroína dependente de outras figuras e indisposta à ação principal
na narrativa — são extremamente objetivas e possuem força de caráter: a já citada
Lívia de Ressurreição é quem culmina no rompimento de seu caso com o personagem
Félix e é da Guiomar de A Mão e a Luva de quem parte a procura por Luiz Alves, que
satisfará suas ambições, assim como a heroína de Helena deixa-se morrer para não
se passar como aventureira e, por fim, a Estela de Iaiá Garcia, que conduz a ação e
promove o destino dos demais personagens.145
Crítica literária
José de Alencar chamou Machado de Assis "o primeiro crítico brasileiro".63
De fato, o
escritor foi um prolífico analisador da literatura de sua época antes mesmo de Sílvio
Romero. Além de percorrer e analisar as obras publicadas em sua época, ele escrevia
sobre a literatura vigente. Mário de Alencar escreve que Machado começou como
crítico antes mesmo de ser romancista: pretérito a Ressurreição (1872), suas críticas
iniciaram-se em 1858.146
Estes textos circularam exclusivamente em jornais e revistas
— A Marmota, A Semana Ilustrada, O Novo Mundo, Correio Mercantil, O
Cruzeiro, Gazeta de Notícias, Revista Brasileira — até 1910, quando Alencar reuniu
estes textos num volume.147
Segundo Machado de Assis, para o crítico efetuar o
julgamento de uma obra, "cumpre-lhe meditar profundamente sobre ela, procurar-lhe o
sentido íntimo, aplicar-lhe as leis poéticas, ver enfim até que ponto a imaginação e a
verdade conferenciaram para aquela produção."148
Eça de Queirós, com seuPrimo Basílio, foi criticado por Machado por ter "suprimido aestética".
Em críticas poéticas, preocupou-se, portanto, com a métrica, o verso e com a
"sensibilidade" e o "sentimento" do poeta. Quanto à Lira dos Vinte Anos (1853)
de Álvares de Azevedo, Machado destacou a imaginação vigorosa e o talento robusto
do poeta que morreu muito jovem mas que deixou uma obra de "seiva
poderosa".149
Na prosa, destaca seu enredo e desenvolvimento. Elogiou as obras O
Guarani (1857) e Iracema (1865) de José de Alencar, chamando-lhes de "poemas em
prosa".150
Machado reprovava o recurso inverossímil ou fortuito na trama prosaica — e
este foi um dos motivos de criticar severamente O Primo Basílio (1878) de Eça de
Queirós, razão pela qual foi alvo de ataques de colegas e outros críticos brasileiros
que haviam aceitado a obra.151
Por um outro lado, preconizava a simplicidade, e por
isto elogiou as Cenas da Vida Amazônica (1899) do colega José Veríssimo.152
Embora
desse valor a estas características, era explicitamente avesso à rotulação de teorias,
escolas ou estilos artísticos; criticava a ligação de Eça com o Realismo, ao pedir:
"Voltemos os olhos para a realidade, mas excluamos o realismo; assim não
sacrificaremos a verdade estética."153
Também reprovava em Eça a
descrição naturalista das cenas deadultério, ao escrever: "essa pintura, esse aroma de
alcova, essa descrição minuciosa, quase técnica, das relações adúlteras, eis o mal."154
Garrett, onde Machado celebrou a literatura mas não a política.
Seus escritos críticos culminaram numa análise comparativa entre literatura e política.
Em geral, por exemplo, na resenha "Garrett" (1899), celebrou o escritor que havia
em Almeida Garrett, mas desprezou a política que havia nele.155
Do mesmo modo, na
resenha de 1901 sobre Pensées détaches et souvenirs, Machado comemorou o fato
de a política não ter ofuscado a obra do colega Joaquim Nabuco.156
E, no entanto,
Machado de Assis aderiu à questão da nacionalidade que a geração de 1870
questionava fortemente. Escreveu o artigo "Literatura brasileira: instinto de
nacionalidade" (1873).157
O artigo analisa praticamente todos os gêneros a que a
literatura nacional aderiu durante os séculos. Concluiu que o teatro é praticamente
ausente, falta uma crítica literária elevada, a poesia se orienta pela "cor local" mas
ainda é débil, a língua é por demais influenciada pelo francês, mas o romance, por sua
vez, "já deu frutos excelentes e os há de dar em muito maior escala."158
Machado
acreditava que o escritor brasileiro precisaria unir o universalismo com os problemas e
os eventos do país, num sistema que Schwarz definiu como "dialética do local e do
universal".159
Entre as críticas já detalhadas, também analisou Junqueira
Freire, Fagundes Varela, entre outros.159
Tem surgido a questão entre os estudiosos de Machado se ele não começou a
escrever romances por conta da crítica. O estudioso Luis Costa Lima aventa a
hipótese de que se Machado houvesse insistido no exercício da crítica teria tido
dificuldades de circulação e produção literárias naquele ambiente sócio-
cultural.160
Mário de Alencar, contudo, não sentia-se por inteiro satisfeito com o crítico
literário Machado de Assis: "Suscetível, suspicaz, delicado em extremo, receava
magoar ainda que dizendo a verdade; e quando sentiu os riscos da profissão, já meio
dissuadido da utilidade do trabalho pela escassez da matéria, deixou a crítica
individualizada dos autores pela crítica geral dos homens e das coisas, mais serena,
mais eficaz, e ao gosto do seu espírito."161
Sobre a literatura de seu tempo, Machado
afirmava que as obras de Basílio da Gama e de Santa Rita Durão "quiserem antes
ostentar certa cor local do que tornar independente a literatura brasileira, literatura que
não existe ainda, que mal poderá ir alvorecendo agora."162
Especulações sobre Machado
Política
“
Que é a política senão obra de homens? ”
—Machado de Assis.163
Machado de Assis pôde assistir, ao longo do século XIX e no começo do século XX, a
alterações vastas e decisivas no cenário internacional e nacional, nos costumes, nas
ciências da natureza e da sociedade, nas técnicas e em tudo o que entende com o
progresso material. Alguns estudiosos supõem, no entanto, que as crenças atribuídas
a Machado de Assis como um escritor engajado são falsas e que ele não esperava
nada ou quase nada da história e da política.164
Por exemplo: quanto às guerras e os
conflitos políticos de sua época, dá de ombros, ao escrever:
"Guerras africanas, rebeliões asiáticas, queda do gabinete francês, agitação política, a
proposta de supressão do senado, a caixa do Egito, o socialismo, a anarquia, a crise
europeia, que faz estremecer o solo, e só não explode porque a natureza, minha amiga,
aborrece este verbo, mas há de estourar, com certeza, antes do fim do século, que me
importa tudo isso? Que me importa que, na ilha de Creta, cristãos e muçulmanos se matem
uns aos outros, segundo dizem telegramas de 25? E o acordo, que anteontem estava feito
entre chilenos e argentinos, e já ontem deixou de estar feito, que tenho eu com esse
sangue e com o que há de correr?"165
Por outro lado, Machado foi um grande comentador dos casos que ocorriam com
os políticos do país. Suas crônicas estão repletas destes comentários. Em 1868,
por exemplo, D. Pedro IIdemitiu o gabinete liberal de Zacarias de Góis e substitui-
o pelo gabinete conservador de Itaboraí. Grêmios e jornais liberais acusaram a
atitude do imperador de bonapartista.164
Machado testemunhou o ato com
simpatia aos liberais;166
de fato, era essa a sua "cor ideológica" ao longo dos anos
60. Em 1895, ao noticiar a morte de Joaquim Saldanha Marinho, liberal, maçom e
republicano,166
Machado escreveu: "Os liberais voltaram mais tarde, tornaram a
sair e a voltar, até que se foram devez, como os conservadores, e com uns e
outros o Império."167
Sabe-se, também, que Machado era fervorosamente contra a
escravidão. Em 1888, com a abolição da escravatura, sai às ruas em carruagem
aberta, como escreveu numa crônica de A Semana:
"Houve sol, e grande sol, naquele domingo de 1888, em que o Senado votou a lei, que a
regente [ Princesa Isabel ] sancionou, e todos saímos à rua. Sim, também eu saí à rua, eu o
mais encolhido dos caramujos, também eu entrei no préstito, em carruagem aberta (...)
Verdadeiramente, foi o único dia de delírio que me lembra ter visto."168
Em crônica de 22 de julho de 1894, intitulada "Canção de Piratas", também
refere-se à Guerra de Canudos (1896-1897), apoiando Antonio
Conselheiro de Canudos por seus legionários se indignarem com a
realidade clichê e tediante da época, e escreve: "Jornais e telegramas dizem
dos clavinoteiros e dos sequazes do Conselheiro que são criminosos; nem
outra palavra pode sair de cérebros alinhados, registrados, qualificados,
cérebros eleitores e contribuintes. Para nós, artistas, é a renascença, é um
raio de sol que, através da chuva miúda e aborrecida, vem dourar-nos a
janela e a alma. É a poesia que nos levanta do meio da prosa chilra e dura
deste fim de século."169
Ele fundou em 1860 com seu cunhado Josefino Vieira o periódico O
Jequitinhonha, por meio do qual teria difundido o ideal republicano.170
No
entanto, a República trouxe muitos desagrados a ele. Com o fim do Império, o
jornalismo começou a dar mais atenção à companhias, aos bancos e
à Bolsa do que à arena parlamentar.171
Neste breve período,
o capitalismo brasileiro, mediado pelo Estado, "ensaiava temerariamente os
primeiros passos no regime nascente", como escreveu Raimundo
Faoro.172
Sabe-se que Machado detestava o "vale-tudo do dinheiro pelo
dinheiro".171
Em crônica de 18, escreveu: "Prisões, que tenho eu com elas?
Processos, que tenho eu com eles? Não dirijo companhia alguma, nem
anônima, nem pseudônima; não fundei bancos, nem me disponho a fundá-
los; e, de todas as coisas deste mundo e do outro, a que menos entendo, é o
câmbio. (...) Finanças, finanças, são tudo finanças."173
Machado acreditava que o sonho poético de outrora estava se desfazendo
com a modernização política. E, de certa forma, ele mesmo se desfazia: em
1900, envia uma carta a um colega discutindo se o que aparecia naquele
determinado momento eram os "pés" do século XIX ou se já era a "cabeça"
do século XX e ele afirma: "eu sou pela cabeça",174
ou seja, "meu século já
acabou".175
Alfredo Bosi escreveu que o autor não via maus ou bons
resultados na mudança do "despotismo milenar" ao "liberalismo dos
reformadores turcos", mas que a "beleza da tradição" [monárquica ] sucumbia
à "força das mudanças ideológicas".176
Para Machado de Assis, enfim, tudo
tinha sua mudança. Em crônica do dia 16 de junho de 1878, escreveu: "Os
dias passam, e os meses, e os anos, e as situações políticas, e as gerações,
e os sentimentos, e as ideias."177
Religião
Tem-se intensificado a tentativa de descobrir a religião de Machado de Assis.
Sabe-se que na infância ajudava uma igreja local e que fora parcialmente
educado em idiomas por um padre, o já citado Silveira
Sarmento.24
25
Analisando sua obra, muitos críticos o colocaram ao lado
de Otávio Brandão, crendo que ele era adepto absoluto do niilismo.178
Outros
o enxergavam como um perfeito ateu,178
no entanto recebeu profunda
influência de textos católicos (ver seção Leituras). De fato, a religião de
Machado de Assis tornou-se tão obscura que talvez não haja outro método
senão procurá-la em sua obra.
Visão
"Vi de um lado o Calvário, e do outro lado
O Capitólio, o templo-cidadela.
E torvo mar entre ambos agitado,
Como se agita o mar numa procela. [...]"
—Machado de Assis (clique aqui para ler o poema)
Como poeta, escreveu três poemas correlacionados no que se refere à
orações e ao antagonismo entre a Roma antiga, o Paganismo e
aCristandade: "Fé", "O Dilúvio" e "Visão",178
as duas primeiras publicadas
em Crisálidas (1864) e a última em Falenas (1870). Alguns especialistas
notam nestes três poemas que Machado vangloriava a fé e a grandeza
de Deus, mas num sentido mais poético
e renascentista que doutrinário oumoralista.178
Autores como Hugo Bressane
de Araújo analisaram sua obra sob aspecto exclusivamente religioso, citando
muito embora os dizeres de Machado ser "anti-clerical";179
contudo, a
mentalidade de Araújo limita-se a um pensamento religioso e não crítico
literário, por ter sido bispo diocesano. Em Memórias Póstumas de Brás
Cubas, há uma passagem em que Quincas Borba diz: "O Humanitismo há de
ser também uma religião, a do futuro, a única verdadeira. O cristianismo é
bom para as mulheres e os mendigos, e as outras religiões não valem mais
do que essa: orçam todas pela mesma vulgaridade ou fraqueza. O paraíso
cristão é um digno êmulo do paraíso muçulmano; e quanto
ao nirvana de Buda não passa de uma concepção de paralíticos. Verás o que
é a religião humanística. A absorção final, a fase contrativa, é a reconstituição
da substância, não o seu aniquilamento, etc."180
Entretanto, tal trecho não
passa da fala de uma personagem fictícia, em que Quincas Borba tenta
elevar sua própria religião, e mesmo o Humanitismo é apenas uma das
invenções irônicas de Machado de Assis;Candido escreveu que a essência
da crítica machadiana é "a transformação do homem em objeto do homem,
que é uma das maldições ligadas à falta de liberdade verdadeira, econômica
e espiritual."181
Para entenderem mais a fundo suas convicções pessoais, os críticos
analisam as crônicas publicadas nos jornais para entenderem melhor seu real
pensamento. Em "Canção de Piratas", publicada na Gazeta de
Notícias em 22 de julho de 1894, apoia Antonio Conselheiro de Canudos por
seus legionários se indignarem com a realidade clichê e tediante da época, e
critica os métodos da Igreja: "O próprio amor é regulado por lei; os consórcios
celebram-se por um regulamento em casa do pretor, e por um ritual na casa
de Deus, tudo com a etiqueta dos carros e casacas, palavras simbólicas,
gestos de convenção."169
Além disso, no Rio de Janeiro de sua época,
também sabe-se que o Espiritismo crescia expressivamente.182
Numa
suposta visita àFederação Espírita Brasileira, escrevera numa crônica
na Gazeta de Notícias do dia 5 de outubro de 1885 onde relata uma
suposta viagem astral que tivera.183
Embora tenham surgido análises
afirmando que Memórias Póstumas de Brás Cubas fosse um livro cujo estilo
era influenciado pelo conceito de "psicografia",184
críticos modernos acreditam
que Machado encarava a religião espírita como todo movimento novo que
possui a pretensão de se apresentar como solução dos males "não
resolvidos" pelos seres humanos.185
Saúde
Para biógrafos ortodoxos, Machado de Assis possuía uma saúde muito
frágil;186
acredita-se que tenha nascido com epilepsia e gagueira,36
e que
desenvolveu ao longo de sua vida problemas nervosos, cegueira, depressão,
e que teriam se agravado de após o falecimento da esposa.187
As crises
epilépticas teriam se iniciado na infância, tendo remissão na adolescência e
recidivaram na terceira década, tornando-se mais frequentes nos últimos
anos.187
Na imagem abaixo, vê-se Machado sendo acudido próximo ao Cais
Pharoux, em 1º de setembro de 1907, fotografia tirada porAugusto
Malta,188
189
embora haja dúvidas de que seja realmente o escritor.190
Disfarçando a gagueira, conta-se que certa vez lhe notaram a dificuldade com
que se expressava por conta das mordeduras na língua, ao que o escritor
retrucou: "estas aftas, estas aftas..."191
Quanto à epilepsia, crê-se que não a
contou nem mesmo para Carolina antes do casamento até acometê-lo uma
crise generalizada tônico-clônica que desde criança prefigurava como "umas
coisas esquisitas" que não haviam se repetido até o casamento. Crê-se que o
autor não tivesse tido até então uma crise típica.192
Mesmo antes da morte de
Carolina, em 1880 parcialmenteperdeu a visão, tendo que ouvir a esposa ler-
lhe textos de jornais ou livros.192
Machado é acudido na rua durante o que se supõe ser uma de suas crises de epilepsia; fotografia
de Augusto Malta.189
Certos biógrafos dizem que ele não aludia sua enfermidade e nem lhe
escrevia o nome, como em sua correspondência com o amigo Mário de
Alencar: "O muito trabalhar destes últimos dias tem-me trazido alguns
fenômenos nervosos..."193
Para alguns, a censura da palavra "epilepsia" lhe
fez excluí-la das edições ulteriores de Memórias Póstumas de Brás Cubas,
mas que deixaria escapar na edição primeira ao descrever o padecimento da
personagem Virgília diante da morte do amante: Não digo que se carpisse;
não digo que se deixasse rolar pelo chão, epiléptica..., que fora substituída
por: Não digo que se carpisse, não digo que se deixasse rolar pelo chão,
convulsa...194
Praticamente todos seus biógrafos fizeram o diagnóstico de epilepsia: Lopes
(1981) sugeriu a ocorrência, muito comum pelo menos na última fase da vida,
de crises psicomotoras, provavelmente decorrentes de foco temporal e
da ínsula, enquanto Guerreiro (1992), utilizando conceitos
da epileptologiaatual, assinalou que sofria alterações da consciência,
automatismos e confusão pós-crítica. Ambos autores chegaram à conclusão
que as crises eram provenientes do lobo temporal direito.195
Alguns indicam
que um complexo de inferioridade acrescido de um
grande introvertimento contribuíram para sua personalidade
epileptóide.96
Segundo A. Botelho, "o epiléptico nem sempre está irritado,
porém se mostra com frequência apático, deprimido e triste, com plena
consciência de sua inferioridade social."196
A epilepsia seria, definitivamente,
um fardo para Machado. Carlos de Laet presenciou o que seria uma de suas
crises públicas e descreveu-a assim:
"Estava eu a conversar com alguém na Rua Gonçalves Dias, quando de nós se acercou o
Machado e dirigiu-me palavras em que não percebi nexo. Encarei-o surpreso e achei-lhe
desmudada a fisionomia. Sabendo que de tempos em tempos o salteavam incômodos
nervosos, despedi-me do outro cavalheiro, dei o braço ao amigo enfermo, fi-lo tomar um
cordial na mais próxima farmácia e só o deixei no bonde das Laranjeiras, quando o vi de
todo restabelecido, a proibir-me que o acompanhasse até casa." — Carlos de Laet197
Apesar dessas teses, críticos como Jean Michel Massa e Valentim
Facioli afirmam que as enfermidades de Machado não passam de "mitos
românticos". Para esse grupo, os biógrafos tendem a exagerar seus
sofrimentos, o que seria fruto do "psicologismo que invadiu a crítica
literária dos anos 30 e dos anos 40".198
Argumentam que na época
muitos negros eram guindados ao Ministério e que o próprio Machado foi
subindo socialmente, o que desvalidaria a tese de sentimento de
inferioridade.199
Contudo, outros críticos conectam a saúde de Machado
com sua obra. O conto "Verba Testamentária" de Papéis
Avulsos descreve uma crise epiléptica ([...] tinha ocasiões de cambalear;
outras de escorrer-lhe pelo canto da boca um fio quase imperceptível de
espuma.),200
enquanto que em Quincas Borba um dos personagens
percebe que andava à toa, vertiginoso (Deu por si na Praça da
Constituição.)201
Memórias Póstumas de Brás Cubas conta em uma de
suas linhas um problema nervoso em que o narrador vai andando
conforme a perna lhe leva ([...] nenhum merecimento da ação me cabe, e
sim às pernas que a fizeram),202
enquanto que no poemaSuave Mari
Magno há explicitamente o uso da palavra "convulsão": Arfava,
espumava e ria,/ De um riso espúrio e bufão,/ Ventre e pernas sacudia,/
Na convulsão. Alguns notam que o Bentinho deDom Casmurro, por ter
se tornado uma pessoa fechada, taciturna, mal-humorada, podia sofrer
de distimia,203
enquanto que seu companheiro Escobar sofria
de transtorno obsessivo-compulsivo e de tiques motores, com possível
controle sobre eles.203
Em 1991, O Alienista foi visto como a primeira
contribuição brasileira à anti-psiquiatria e a escrita de Machado, que faz
inúmeras referências à problemas mentais de saúde, vista como uma
extensão de seu "sentimento de inferioridade por ser mulato, de origem
pobre, órfão, e epiléptico".204
Acredita-se que Machado de Assis tenha consultado um homem da
região, Dr. Miguel Couto, e este lhe indicou brometo. Parece que a droga
ingerida foi ineficaz e que, causando efeitos indesejáveis, obrigou
Machado a seguir o conselho de um dos amigos para descontinuar o
tratamento e optar pela homeopatia.205
Em seus últimos dias, morreu
com uma úlcera cancerosa na boca, provavelmente derivada de seus
diversos tiques nervosos, e que lhe impedia de ingerir
qualquer alimento sólido.96
Reputação crítica
Ver artigo principal: Reputação de Machado de Assis
"É grande, é imenso, o Machado. É o pico solitário das nossas letras. Os demais nem lhe dão pela cintura."
Monteiro Lobato206
Machado usufruiu de grande prestígio em vida, fato raro para um escritor
na época.20
207
Desde cedo ganhou reconhecimento deAntônio de
Almeida e José de Alencar, que liam-no através de suas crônicas e
contos nas revistas e jornais cariocas.208
209
Em 1881, com a publicação
de Memórias Póstumas..., Urbano Duarte escreveu que sua obra era
"falsa, deficiente, sem nitidez, e sem colorido."210
Com o impacto
inovador do volume, Capistrano de Abreu questionava se o livro era
mesmo um romance,211
ao passo que um outro comentarista chamava-
lhe "sem correspondência nas literaturas de ambos os países de língua
portuguesa".212
Machado de Assis c. 1905, pintado porHenrique Bernardelli.
Em 1908, a publicação de História da Literatura Brasileira, de José
Veríssimo, intensificou esta última perspectiva crítica posicionando
Machado de Assis como o cume da literatura nacional.213
214
Veríssimo
entrou em conflito intelectual com Sílvio Romero, que também atribuía a
Machado o título de maior escritor brasileiro, embora não notasse em
seu trabalho uma maior expressividade.215
O Brasil do fim do século
XIX e o Brasil no início do século XXeram precários nos meios gráficos e
de difusão, todavia seus livros alcançaram distantes regiões do país: na
primeira metade do século XX, intelectuais e escritores do Mato
Grosso já liam Machado e apoiavam-se em seu estilo como grande
influência estética.216
Os modernistas de 22, contudo, consideravam-no
"artificioso, sem vida e fora da realidade cotidiana".217
Mário de
Andrade escreveu que, embora tenha produzido "apaixonante obra e do
mais alto valor artístico", detestaria tê-lo por perto.218
Enquanto Astrojildo
Pereira preconizava o "nacionalismo" em Machado, Octávio
Brandão criticava a falta do socialismo científico em sua obra.219
Desta
época, destaca-se também a crítica de Augusto Meyer, para quem o uso
do homem subterrâneo na obra machadiana é um meio em que ele teria
encontrado para relativizar todas as certezas.220
A revolução modernista durante o começo e o meio do século vinte
aproveitou a obra de Machado em objetivos da vanguarda. Ela foi alvo
de feministas dadécada de 1970, como Helen Caldwell, que enxergou a
personagem feminina Capitu de Dom Casmurro como vítima das
palavras do narrador-homem, mudando completamente a perspectiva
que se tinha até então deste romance.221
Antonio Candido escreveu que
a erudição, a elegância e o estilo vazada numa linguagem castiça
contribuíram para a popularidade de Machado de Assis.222
Com estudos
da sexualidade e a psique humana, bem como com o surgimento
do existencialismo, atribuiu-se um certo psicologismo às suas obras,
especialmente "O Alienista", muitas vezes comparando-as com as
deFreud e Sartre.138
223
A partir dos anos 80 e seguinte, a obra
machadiana ficou amplamente aberta para movimentos como
a psicanálise, filosofia,relativismo e teoria literária,224
225
comprovando
que é aberta à diversas interpretações e que nos últimos tempos tem
crescido um grande interesse em sua obra.226
227
Nos últimos tempos, com recentes traduções para outras línguas,
Machado de Assis tem sido considerado, por críticos e artistas do mundo
inteiro, um "gênio injustamente relegado à negligência
mundial".228
Harold Bloom o posicionou entre os 100 maiores gênios da
literatura universal e "o maior literato negro surgido até o
presente".229
Sua obra tem sido estudada hoje em dia por críticos do
mundo inteiro, tais como Helen Caldwell (Estados Unidos), John
Gledson (Inglaterra), Anatole France (França), David Jackson (Estados
Unidos),Victor Orban (França), Samuel Putnam (Estados Unidos), Edith
Fowke (Canadá), Susan Sontag (Estados Unidos) e outros,230
além de no
Brasil serem conhecidos os nomes de Afrânio Coutinho,Alfredo
Bosi, Lúcia Miguel Pereira, Roberto Schwarz, Raimundo Faoro, etc. A
crítica moderna confere a Machado de Assis o título de melhor escritor
brasileiro de todos os tempos,231
e sua obra é vista hoje em dia de
fundamental importância para as universidades e a vida acadêmica em
geral no país.
Leituras
Machado de Assis era um exímio leitor e, consecutivamente, sua obra foi
influenciada pelas leituras que fazia. Após sua morte, seu patrimônio
constituía, entre outras coisas, de aproximadamente 600 volumes
encadernados, 400 em brochura e 400 folhetos e fascículos, no total de
1.400 peças.232
Sabe-se que era familiarizado com os textos clássicos e
com a Bíblia.233
Em O Analista, Machado faz ligação à sátira
menipeia clássica ao retomar a ironia e
a paródia em Horário e Sêneca.234
O Eclesiastes, por sua vez, legou a
Machado uma peculiar visão de mundo e foi seu livro de cabeceira no fim
da vida.235
236
Dom Casmurro é provavelmente a obra que mais possui influência
teológica. Há referências a São Tiago e São Pedro, principalmente pelo
fato de o narrador Bentinho ter estudado em seminário. Além disso,
no Capítulo XVII Machado faz alusão a um oráculo pagão do mito
de Aquiles e a ao pensamento israelita.237
De fato, Machado dispunha de
uma biblioteca abastecida com teologia: crítica histórica sobre religião, à
vida de Jesus, ao desenvolvimento do cristianismo, à literatura hebraica,
à história Muçulmana, aos sistemas religiosos e filosóficos
da Índia.236
Jean-Michel Massa realizou um catálogo dos livros da
biblioteca do autor, que foi revisto em 2000 pela pesquisadora Glória
Vianna, que constatou que 42 dos volumes da lista original de Massa
estavam extraviados:236
1. Les déicides: examen de la vie de Jésus et des développements
de l´église chrétienne dans leurs rapports avec le judaïsme, de J.
COHEN (1864).
2. La science des religions, de Emile Burnouf (1872).
3. Philosophie du droit ecclésiastique: des rapports de la religion et
de l´État, de Adolphe Franck (1864).
4. Le pape et le concile, de Janus (1864).
5. L´Immaculée Conception - études sur l´origine d´un dogme, de A.
Stap (1869).
6. Histoire littéraire de l´Ancien Testament, de Theodor Nöldeke
(1873).
7. Historie du Mahométisme, de Charles Mills (1825).
8. Chants populaires du sud de l´Inde, sem o nome do autor (1868).
9. Pensées de Pascal (précédées de sa vie, par Madame Périer),
de Blaise Pascal.
10. A Bíblia, contendo o Velho Testamento e o Novo Testamento,
traduzida em português por António Pereira de Figueiredo, segundo
a Vulgata Latina (1866).
Laurence Sterne, por Joshua Reynolds, 1760.
Machado também lia seus contemporâneos; admirava o realismo "sadio"
e "colorido" de Manuel Antônio de Almeida e a "vocação analítica"
de José de Alencar.233
Ele também leu Octave Feuillet, Gustave
Flaubert, Balzac e Zola, mas sua maior influência advém da literatura
inglesa, sobretudo Sterne e Jonathan Swift.238
Adepto do romance da Era
vitoriana, era oposto à libertinagem literária do século anterior e
vinculado às litotes no vocabulário e no desenvolvimento
narrativo.238
Sua obra também possui uma variedade de citações e
correlações com quase todas de Shakespeare,
notavelmente Otelo, Hamlet, Macbeth, Romeu e Julieta, O Estupro de
Lucrécia e Como Gostais.239
Os escritores Sterne, Xavier de
Maistre e Garret constituem a gama de autores que mais influenciaram a
obra madura de Machado, sobretudo os capítulos 55 e 139 pontilhados,
ou os capítulos-relâmpago (como 102,107,132 ou 136) e o garrancho da
assinatura de Virgília no capítulo 142 das Memórias Póstumas de Brás
Cubas.240
Suas maiores influências na sátira e na forma narrativa livre,
contudo, não advém da Inglaterra— mas da França. A "maneira livre"
que Machado se refere nas linhas iniciais deste romance é uma
afirmação explícita de Maistre, que lhe legou uma "narrativa caprichosa,
digressiva, que vai e vem, sai da estrada para tomar atalhos, cultiva o a-
propósito, apaga a linha reta, suprime conexões".241
De fato, Viagem à
Roda do Meu Quarto (1794) fez com que Machado optasse por capítulos
mais curtos do que aqueles produzidos em seu primeiro ciclo literário.240
Arthur Schopenhauer.
Outros estudiosos também citam o nome de filósofos,
como Montaigne, Pascal e Schopenhauer. Este primeiro, com
seusEssais (1580), apresentou a Machado a concepção do "homem
diante das coisas" e despertou a repulsa de Machado de Assis à
increpação de materialismo.242
Pascal, por sua vez, era leitura
necessária à Machado, como ele próprio escreveu numa de suas cartas
ao colega Joaquim Nabuco.243
244
Sérgio Buarque de Hollanda escreveu
uma comparação da obra dos dois autores na seguinte forma:
"Comparado ao de Pascal, o mundo de Machado de Assis é um mundo
sem Paraíso. De onde uma insensibilidade incurável a todas as
explicações que baseiam no pecado e na queda a ordem em que foram
postas as coisas no mundo. Seu amoralismo tem raízes nessa
insensibilidade fundamental."245
E, por fim, Schopenhauer, onde,
escrevem, Machado teria encontrado visões do pessimismo e ainda
desdobrado sua escrita em mitos emetáforas acerca de uma
"inexorabilidade do destino".246
Raimundo Faoro, sobre a obra do filósofo
alemão na obra de Machado, argumentou que o autor brasileiro havia
realizado uma "tradução machadiana da vontade de Schopenhauer" e
que logrou conceber seu primeiro romance após "haver descoberto o
fundamento metafísico do mundo, o demonismo da vontade que guia,
sem meta nem destino, todas as coisas e os fantoches de carne e
sangue."247
O mundo como vontade e representação (1819), para
alguns, encontra seu cume alto em Machado de Assis com os desejos
frustrados do personagem Brás Cubas.248
Influência
Caricatura do jovem Machado de Assis no O Globo, 1876, esculpindo o busto de uma mulher, em
alusão à Helena, publicada em folhetim neste jornal.
Machado influenciou nomes como Olavo Bilac e Coelho Neto,249
Joaquim
Francisco de Assis Brasil,250
Cyro dos Anjos,251
Lima
Barreto (especialmente seuTriste Fim de Policarpo Quaresma),252
Moacir
Scliar, Múcio Leão,253
Leo Vaz,252
Drummond de Andrade,254
Nélida
Piñon,255
e sua obra permanece como uma das mais respeitadas e
influentes da literatura brasileira. Rubem Fonseca escreveu os contos
"Chegou o Outono", "Noturno de Bordo" e "Mistura" baseado na
linguagem de Machado de Assis— "a frase curta, despojada de ornatos,
na emoção disfarçada, na reticência que sugere."256
Os temas teológicos
abordados em seus contos, como em "Missa do Galo", influenciaram o
escritor e pensador cristão Gustavo Corção.257
Lygia Fagundes
Telles também se diz influenciada por Machado, especialmente por sua
"ambiguidade, o texto enxuto, a análise social e a ironia fina".258
Em
1967, Lygia realizou a adaptação cinematográfica do romance Dom
Casmurro com Paulo Emílio Sales Gomes, intitulado Capitu, com direção
de Paulo Cesar Saraceni. Em 2006, Yasmin Jamil Nadaf realizou uma
pesquisa que se concretizou no livro Machado de Assis em Mato Grosso:
textos críticos da primeira metade do século XX, onde reúne nove textos
de mato grossenses que já na época de Machado sofriam sua influência
estética, dois desses escritos por José de Mesquita.216
Sua obra também atinge a literatura estrangeira. Autores como John
Barth e Donald Barthelme anunciaram terem sido influenciados por
ele.259
A Ópera Flutuante, escrito pelo primeiro dos dois, foi influenciado
pela técnica de "jogar livremente com as ideias" de Tristram Shandy e
de Memórias Póstumas de Brás Cubas.260
O mesmo romance de Barth
foi comparado por David Morrell com Dom Casmurro, onde ambos os
personagens principais dos dois livros são advogados, chegam a pensar
em suicídio e a comparar a vida a uma ópera, e vivem transtornados
num triângulo amoroso.261
Isaac Goldberg traduziu o poema "Viver" para
o inglês e sofreu influência de Machado em sua obra; sua visão de
mundo pode ser comparada com a mesma visão de que tinha Machado
de Assis.262
Susan Sontag, por sua vez, recebeu direta influência
machadiana logo em seu primeiro romance.263
Em 2011, ao ser
entrevistado por The Guardian,Woody Allen listou Memórias Póstumas
de Brás Cubas como um dos cinco livros que mais impactaram em sua
vida como cineasta e escritor cômico.264
Alguns estudiosos contemporâneos, especialmente Roberto Schwarz, o
posicionam como um pré-modernista que prefigurou muitos dos estilos
que culminariam na Semana de Arte Moderna.265
Em Grande Sertão:
Veredas, Guimarães Rosa retoma a "viagem de memória" presente
em Dom Casmurro e Memórias Póstumas de Brás Cubas, além de seus
textos descreverem doenças mentais como os de Machado.266
A
produção modernista do século passado encontrou afinidades com a sua
obra e, portanto, lançou relações entre Machado de Assis e nomes
como Antonio Candido e Haroldo de Campos.222
Jô Soares é um dos
escritores de hoje em dia que se diz influenciado por Machado,
principalmente em seu Assassinatos na Academia Brasileira de
Letras (2005).267
Milton Hatoum, também, tem em Machado uma de suas
maiores influências. Seu mais famoso romance, Dois Irmãos (2000), é
considerado um "diálogo aberto" com Esaú e Jacó.268
Recentemente,
contos como "A Cartomante" e "O Alienista" foram revertidos em formato
dequadrinhos e romances como Helena em mangá,269
270
mostrando que
a obra machadiana continua vigorosa em novas mídias.
Legado
Álvares de Azevedo e Bernardo Guimarães já escreviam contos em
meados do século XIX, mas os críticos notam que é com Machado que o
gênero atinge novas possibilidades.271
Uma dessas possibilidades seria a
de inaugurar, em livros como Contos Fluminenses (1870), Histórias da
Meia-Noite (1873) e Papéis Avulsos (1882), "uma nova perspectiva
estilística e uma nova visão da realidade, mais complexa e
matizada."272
Esses livros trazem contos como "O Alienista", "Teoria do
Medalhão" , "O Espelho", etc., em que aborda o poder, as instituições e
também a loucura e ahomossexualidade, que seriam temas literários
muito precoces para a época.272
No gênero romance, com Dom
Casmurro (1899), por exemplo, traria à tona uma intertextualidade e
umametalinguagem inovadoras na literatura e também muito influentes
no futuro.273
Itens pessoais de Machado. O livro éMemorial de Ayres (1908), que traz uma dedicatória
assinada pelo próprio autor.
A Mocidade Independente de Padre Miguel homenageou a vida e obra
de Machado de Assis no carnaval de 2009. Em 2006, Luís Antônio Giron
escreveu que Machado de Assis "legou uma herança crítica que salva o
Brasil do excesso de ufanismo nacionalista".274
Em 1868, José de
Alencar chamaria Machado de "o primeiro crítico brasileiro."208
Além de
ter sido um dos idealizadores da Academia Brasileira de Letras,
Machado de Assis animou com suas crônicas e ideias políticas a Revista
Brasileira, promoveu os poetas do Parnasianismo e estreitou relações
com os maiores intelectuais de seu tempo, de José Veríssimo a Nabuco,
de Taunay a Graça Aranha.198
De qualquer modo, existiria uma certa
"riqueza mental" e "beleza moral" que Machado teria legado aos
escritores no Brasil,275
e de fato alguns autores escrevem que "Machado
de Assis é fundamental para quem quer escrever."276
Selo postal em homenagem filatélica a Machado de Assis em 1958.
Muitos o consideram um grande predecessor: não bastasse ter
introduzido o "realismo" na literatura nacional, certos críticos,
como Roberto Schwarz, dizem que ele diz "coisas que Freud diria 25
anos depois". Em Esaú e Jacó, por exemplo, teria antecipado o conceito
freudiano de 'complexo de Édipo’".277
Em Dom Casmurro, teria escrito
coisas, principalmente em relação à correlação entre sonho e vigília, que
antecipariam a Interpretação dos Sonhos,278
publicado no mesmo ano
que este livro. Críticos estrangeiros referem-se que ele também
precedeu, com Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881) e "O Espelho"
(1882), as ficções fantásticas do realismo mágico de escritores
como Jorge Luis Borges e Julio Cortázar,279
e também o Modernismo,
através de intromissões no enredo dos romances e pela opção de
capítulos curtos.280
Enfim, como escreveAntonio Candido, embora tenha
escrito e vivido mais no século XIX, podemos encontrar na ficção
machadiana "disfarçados por curiosos traços arcaizantes, alguns dos
temas que seriam característicos da ficção do século XX."281
Além disso tudo, a obra machadiana é de fundamental importância para
a análise das transições políticas no Brasil e da sociedade do Rio de
Janeiro do século XIX e século XX, desde sua moda, transportes,
arquiteturas e agitações financeiras.282
Sua obra—não só romances mas
também as crônicas—exerce um papel importante para o conhecimento
do Segundo Reinado no Brasil e inícios da República.283
Do ponto de
vista universal, sua genialidade é vista como resultado de consistentes
razões por demonstrar que seu trabalho, elogiado como é, não
encontrou precedentes e, mesmo depois de mais de um século de
intensa produção artística no Brasil, são obras citadas como das mais
relevantes e mais geniais da classe literária do país.284
Além disso,
segundo escrevem Benedito Antunes e Sérgio Vicente Motta,
"[...] há um universalismo que Machado legou à nossa literatura e uma projeção de nossa
literatura à esfera internacional, ao construir uma arte ao mesmo tempo brasileira e
universal. Portanto, a invenção machadiana já pressupunha 'caminhos cruzados'."285
Lista de obras
Edição dos volumes
Machado de Assis fotografado por Marc Ferrez, 1890.
A obra machadiana constitui-se de 9 romances e 9 peças teatrais,
200 contos, 5 coletâneas de poemas e sonetos, e mais de 600
crônicas.6 Suas primeiras produções foram editadas por Paula
Brito,286
e, mais tarde, por Baptiste-Louis Garnier. Garnier havia
chegado ao Rio de Janeiro em 1844 de Paris e estabeleceu-se aí
como uma figura notória do mercado livreiro brasileiro.287
Em maio de 1869, Machado assinou um contrato com Garnier para
o editor francês publicar suas obras; cada volume saía com tiragem
de mil exemplares.288
Sabe-se que o autor recebeu 200 réis por seu
primeiro livro de contos, Contos fluminenses (1870), e
por Falenas (1870), segundo livro de poemas e o primeiro impresso
na França.288
Após seu casamento com Carolina, Machado assinou
um novo contrato com Garnier, com o objetivo d'ele editar outros de
seus três próximos livros: Ressurreição (1872), Histórias da meia-
noite (1873), e um terceiro que nunca foi publicado.288
Quincas
Borba (1891), ao lado de Memórias Póstumas de Brás
Cubas (1881), foi publicado primeiramente em folhetim; o primeiro
saiu em capítulos na revista A Estação entre os anos de 1886 e
1891 para, em 1892, ser publicado definitivamente pela Livraria
Garnier.289
O segundo, por sua vez, de março à dezembro de 1880
na Revista Brasileira até ser editado em 1881 pela Tipografia
Nacional.290
A relação entre Garnier e Machado ampliou o mercado
editorial da época.291
Enquanto um consolidava seu projeto
comercial, o outro alcançava público e crítica.292
À época da morte
de Garnier, Machado escreveu que tiveram 20 anos de relação
profissional.293
Depois da morte do autor, aW. M. Jackson do Rio de
Janeiro publicou em 1937 as primeiras Obras completas em 31
volumes. Na década de 1950, Raimundo Magalhães
Júnior organizou e publicou pela Civilização Brasileira vários
volumes de todos os contos machadianos. Desde então, diversas
reedições de toda a sua obra tem sido realizadas.
Dos contos listados abaixo, O Alienista (†) merece particular
consideração; há um debate entre os críticos, uns defendendo que o
texto é um conto e outros dizendo que trata-se de um romance. O
texto só começou a ser publicado à parte modernamente, pois à
época foi incluído na coletânea Papéis Avulsos (1882). A teoria mais
aceita é que Machado escreveu um conto com características
semelhantes de um romance, ou seja, uma novela.294
Obras
Romances
Ressurreição, (1872)
A mão e a luva, (1874)
Helena, (1876)
Iaiá Garcia, (1878)
Memórias Póstumas de Brás Cubas, (1881)
Casa Velha, (1885)
Quincas Borba, (1891)
Dom Casmurro, (1899)
Esaú e Jacó, (1904)
Memorial de Aires, (1908)
Coletânea de Poesias
Crisálidas, (1864)
Falenas, (1870)
Americanas, (1875)
Ocidentais, (1880)
Poesias Completas, (1901)
Coletânea de contos
Contos Fluminenses, (1870)
Histórias da Meia-Noite, (1873)
Papéis Avulsos, (1882)
Histórias sem Data, (1884)
Várias Histórias, (1896)
Páginas Recolhidas, (1899)
Relíquias da Casa Velha, (1906)
Peças de teatro
Hoje Avental, Amanhã Luva, (1860)
Desencantos, (1861)
O Caminho da Porta, (1863)
Contos selecionados
"A Cartomante"
"Miss Dollar"
"O Alienista" (†)
Contos selecionados
"Uma Visita de Alcibíades"
"Verba Testamentária"
"Noite de Almirante"
O Protocolo, (1863)
Teatro, (1863)
Quase Ministro, (1864)
Os Deuses de Casaca, (1866)
Tu, só tu, puro amor, (1880)
Não Consultes Médico, (1896)
Lição de Botânica, (1906)
Traduções
Queda que as mulheres têm para os tolos, (1861).295
"Teoria do Medalhão"
"A Chinela Turca"
"Na Arca"
"D. Benedita"
"O Segredo do Bonzo"
"O Anel de Polícrates"
"O Empréstimo"
"A Sereníssima República"
"O Espelho"
"Um Capricho"
"Brincar com Fogo"
"Um Homem Célebre"
"Conto de Escola"
"Uns Braços"
"A Cartomante"
"O Enfermeiro"
"Trio em Lá Menor"
"O Caso da Vara"
"Missa do Galo"
"Almas Agradecidas"
"A Igreja do Diabo"
Obras póstumas
Critica (1910)
Outras Relíquias, contos (1921)
A Semana, Crônica - 3 Vol. (1914, 1937)
Páginas Escolhidas, Contos (1921)
Novas Relíquias, Contos (1932)
Crônicas (1937)
Contos Fluminenses - 2º Vol. (1937)
Crítica Literária (1937)
Crítica Teatral (1937)
Histórias Românticas (1937)
Páginas Esquecidas (1939)
Casa Velha (1944)
Diálogos e Reflexões de um Relojoeiro (1956)
Crônicas de Lélio (1958)
Ver também
A Wikipédia possui a categoria: Machado de Assis
Estudiosos de Machado de Assis
Trilogia Realista de Machado de Assis
Romantismo no Brasil
Realismo no Brasil
Humanitismo
Referências
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19. Ir para cima↑ Ver seção "Influência" acima.
20. ↑ Ir para:a b Faraco e Moura, 2009, p.230.
21. Ir para cima↑ Madeira, 2001, p.20; Bosi e Callado, 1982, p.70.
22. Ir para cima↑ Bloom, 2003, frontispício 83.
23. Ir para cima↑ Erro de citação: Tag <ref>inválida; não foi
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24. ↑ Ir para:a b c d e f Scarano, p.766
25. ↑ Ir para:a b c d e f g Vainfas, p.504
26. Ir para cima↑ Enciclopédia Barsa, p.267
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no livro Minoridade Crítica". Acesso: 4 de agosto, 2010.
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chamadasVainfasCincoOCinco
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