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Gazeta do Povo – 16/01/2017 Artigos Maconha, glamourização e realidade As drogas estão matando a juventude. A dependência química não admite discursos ingênuos, mas ações firmes e investimentos na prevenção e recuperação de dependentes Carlos Alberto Di Franco [16/01/2017] [00h02] O Uruguai, que já permitia o consumo da maconha, legalizou a produção e a venda da droga. Em entrevista à revista Veja, o presidente Tabaré Vázquez, 76 anos, que ocupa o cargo pela segunda vez, falou a respeito da política de drogas daquele país. “Estamos implementando a lei aos poucos. Não é como colocar um produto qualquer no mercado (...) Quando se começou a combater o tabagismo porque estava demonstrado que o hábito provocava problemas cardiovasculares e câncer, as empresas lançaram o cigarro light. Depois, o ultralight. Mas isso não importa. Todos eles causam danos ao organismo. Maconha é maconha. Seu princípio ativo é a Cannabis. Essa substância produz efeitos que podem ser usados pelos médicos em benefício do paciente, mas também gera consequências deletérias ao corpo humano. Por mais que se tenha obtido uma maconha geneticamente pura, isso não significa que os efeitos nocivos foram extraídos e só ficaram os positivos”. Indagado se acredita que a regulação da maconha vai reduzir o narcotráfico e a criminalidade, Vázquez deixou claro que estão caminhando em terreno desconhecido e incerto. “É muito cedo para tirar conclusões desse tipo. Teremos de esperar um tempo maior. Só então veremos o que aconteceu.” É uma aventura. Pode custar muitas vidas. “Não dá para entender o recorrente empenho de descriminalização da maconha.” O atual presidente herdou do antecessor, José Mujica – que pertence à mesma coligação de esquerda, a Frente Ampla –, a lei que regulariza a produção, a venda e o consumo de maconha. Nas entrelinhas da entrevista, e em vários momentos, Vázquez teve a honestidade de reconhecer que as coisas não são tão simples como apregoam os defensores da liberação das drogas. Na verdade, os defensores da regulação, lá e aqui, armados de uma ingenuidade cortante, acreditam que a descriminalização reduzirá a ação dos traficantes. Mas ocultam uma premissa essencial no terrível silogismo da dependência química: a compulsividade. O usuário, por óbvio, não ficará no limite legal. Sempre vai querer mais. É assim que a coisa acontece na vida real. O tráfico, infelizmente, não vai desaparecer. A psiquiatra mexicana Nora Volkow é uma referência na pesquisa da dependência química no mundo. Foi quem primeiro usou a tomografia para comprovar as consequências do uso de drogas no cérebro. Desde 2003 na direção do Instituto Nacional

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Gazeta do Povo – 16/01/2017Artigos

Maconha, glamourização e realidadeAs drogas estão matando a juventude. A dependência química não admite discursosingênuos, mas ações firmes e investimentos na prevenção e recuperação de dependentesCarlos Alberto Di Franco [16/01/2017] [00h02]

O Uruguai, que já permitia o consumo da maconha, legalizou a produção e a venda dadroga. Em entrevista à revista Veja, o presidente Tabaré Vázquez, 76 anos, que ocupa ocargo pela segunda vez, falou a respeito da política de drogas daquele país. “Estamosimplementando a lei aos poucos. Não é como colocar um produto qualquer no mercado(...) Quando se começou a combater o tabagismo porque estava demonstrado que ohábito provocava problemas cardiovasculares e câncer, as empresas lançaram o cigarrolight. Depois, o ultralight. Mas isso não importa. Todos eles causam danos ao organismo.Maconha é maconha. Seu princípio ativo é a Cannabis. Essa substância produz efeitosque podem ser usados pelos médicos em benefício do paciente, mas também geraconsequências deletérias ao corpo humano. Por mais que se tenha obtido uma maconhageneticamente pura, isso não significa que os efeitos nocivos foram extraídos e só ficaramos positivos”.

Indagado se acredita que a regulação da maconha vai reduzir o narcotráfico e acriminalidade, Vázquez deixou claro que estão caminhando em terreno desconhecido eincerto. “É muito cedo para tirar conclusões desse tipo. Teremos de esperar um tempomaior. Só então veremos o que aconteceu.” É uma aventura. Pode custar muitas vidas.

“Não dá para entender o recorrente empenho de descriminalização da maconha.”

 O atual presidente herdou do antecessor, José Mujica – que pertence à mesma coligaçãode esquerda, a Frente Ampla –, a lei que regulariza a produção, a venda e o consumo demaconha. Nas entrelinhas da entrevista, e em vários momentos, Vázquez teve ahonestidade de reconhecer que as coisas não são tão simples como apregoam osdefensores da liberação das drogas.

Na verdade, os defensores da regulação, lá e aqui, armados de uma ingenuidadecortante, acreditam que a descriminalização reduzirá a ação dos traficantes. Mas ocultamuma premissa essencial no terrível silogismo da dependência química: a compulsividade.O usuário, por óbvio, não ficará no limite legal. Sempre vai querer mais. É assim que acoisa acontece na vida real. O tráfico, infelizmente, não vai desaparecer.

A psiquiatra mexicana Nora Volkow é uma referência na pesquisa da dependênciaquímica no mundo. Foi quem primeiro usou a tomografia para comprovar asconsequências do uso de drogas no cérebro. Desde 2003 na direção do Instituto Nacional

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sobre Abuso de Drogas, nos Estados Unidos, Volkow é uma voz respeitada. Nomomento2 em que recrudesce a campanha para a descriminalização das drogas, suaspalavras são uma forte estocada nos argumentos politicamente corretos.

A cientista foi entrevistada pela revista Veja, faz alguns anos. E foi clara e direta.Portadores de esquizofrenia têm propensão à paranoia e a maconha agrava essesintoma, além de aumentar a profundidade e a frequência das alucinações. “Drogas queproduzem psicoses por si próprias, como metanfetamina, maconha e LSD, podem piorar adoença mental de uma forma abrupta e veloz”, sublinhou a pesquisadora. De lá para cánada mudou.

Quer dizer, a descriminalização das drogas facilitaria o consumo das substâncias.Aplainado o caminho de acesso às drogas, os portadores de esquizofrenia teriam, emprincípio, maior probabilidade de surtar e, consequentemente, de praticar crimes e açõesantissociais.

Além disso, a maconha, droga glamourizada pelos defensores da descriminalização, éfrequentemente a porta de entrada para outras drogas. “Há quem veja a maconha comouma droga inofensiva”, diz Nora Volkow. “Trata-se de um erro. Comprovadamente, amaconha tem efeitos bastante danosos. Ela pode bloquear receptores neurais muitoimportantes.” Pode, efetivamente, causar ansiedade, perda de memória, depressão esurtos psicóticos. Não dá para entender, portanto, o recorrente empenho dedescriminalização.

As drogas estão matando a juventude. A dependência química não admite discursosingênuos, mas ações firmes e investimentos na prevenção e recuperação dedependentes.

Carlos Alberto Di Franco é jornalista.

Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/artigos/maconha-glamourizacao-e-realidade-680t5gqghcpikfmjfnxv4p9vf