Madalena Gilberto2

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    DURANTE MUITA PESQUISA nos arquivos fiquei impressionado com asinformaes que chegavam do exterior para a represso. Aproveitei ento aestrutura da Delegacia de Foz do Iguau da Polcia Federal e descobri oendereo e o telefone de Madalena Lacerda, ex-militante da VPR, que aps tersido presa passou a trabalhar para os militares.

    Este caso ficou conhecido em 1992, quando o deputado Luiz EduardoGreenhalgh tornou pblica a histria de um casal de militantes de esquerdaque havia passado para o lado da represso. Causou perplexidade a revelaodo acordo que a militante da VPR Madalena Lacerda e seu companheiro,Gilberto Giovannetti, haviam feito com militares do Centro de Informao doExrcito.

    Madalena trabalhou no incio da dcada de 60 como secretria daFrente Parlamentar Trabalhista. Em 1970 treinou guerrilhas em Cuba e foicompanheira de Eudaldo Gomes da Silva, militante da VPR trocado peloembaixador alemo e assassinado em janeiro de 1973 na emboscada montadapelo cabo Anselmo. Madalena, que usava o nome de guerra de Ana Barreto

    Costa, retornou ao Brasil em 1970, aps acertar durante sua passagem pelaArglia uma forma de fazer contato com Onofre Pinto, que havia conhecido emCuba. Em janeiro de 1973 esteve no Chile, voltando l em maio e junho domesmo ano.

    A 13 de julho de 1974, ao descerem na rodoviria de Curitiba, ondeteriam um ponto com o ex-sargento Alberi, Madalena e Gilberto foram levadospara um stio no interior de Gois e l fizeram um pacto com os militares.

    J fazia algum tempo que a represso havia descoberto que o uso datortura para levar os presos a abjurar suas convices era uma arma essencialpara o desmantelamento das organizaes de esquerda. O acordo deMadalena Lacerda e Gilberto Giovannetti mais um desses casos. No foramos nicos. A lista de recrutados e infiltrados na histria da esquerda brasileira extensa. Os cachorros atuaram em todas as organizaes que lutaram contraa ditadura.

    Com a ajuda do Servio de Informao da Polcia Federal, descobri onmero do telefone e o e-maildo casal de professores, e no dia 16 de junho de2003 enviei a seguinte mensagem para Madalena Lacerda.

    De: AluzioPara: MadalenaData: Segunda-Feira, Junho 16, 2003 7:58 PM

    Assunto: Questionamento

    Cara senhora Madalena Lacerda,Meu nome Aluzio Palmar e moro em Foz doIguau, Paran.Provavelmente a senhora me conhea ou ento jouviu falar de mim. Pois bem, desde quecheguei aqui em Foz setembro de 1979 venhotrabalhando na reconstruo de algumashistrias (inclusive a minha). Sei da intenoque a senhora e seu esposo tm de esclarecer,nos mnimos detalhes, algumas situaespassadas.

    Que bom!

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    Por isso quero saber se vocs podem me ajudara amarrar algumas pontas de um certo quebra-cabea que me aflige at os dias de hoje. Casopositivo enviarei as perguntas por e mail.Aguardo respostaAluzio Palmar

    Esperei e, como at o dia 18 de junho no houve nenhuma resposta,telefonei para Madalena, e atendeu seu marido, Gilberto Giovannetti. Expliqueique eu estava havia anos procurando descobrir as circunstncias da morte e olocal onde foram enterrados os remanescentes da VPR que entraram no Brasilem 1974 liderados por Onofre Pinto. Gilberto me disse que Madalena no iriame atender, pois estava bastante magoada com a esquerda e pretendia notocar mias nesse assunto. Porm, ele se comprometeu na me enviar um e-mailem resposta ao que eu havia remetido para elas. No dia 23 de julho recebi aprimeira mensagem.

    De: Gilberto GiovannettiPara: Aluzio PalmarData: junho, 23, 2003Assunto: R: QuestionamentoCaro senhor Aluzio Palmar,

    Meu nome o senhor certamente j conhece. Nome lembrava do seu. (Isto foi escrito antes denossa conversa telefnica e resolvi manter).Sofremos por mais de uma vez as conseqnciasde posturas irresponsveis e oportunistas

    daqueles que um dia julgamos companheiros.No contentes em jogar com a vida de terceirosainda se arvoram ao direito de julgarsumariamente e lanar apressadas campanhascaluniosas contra pessoas que agiram com amxima responsabilidade apesar das condiesextremamente adversas provocadas pelairresponsabilidade e oportunismo citados. Merefiro aos fatos de 1974 e 1992 (artigo darevista Veja).Diante do exposto, insisto, em meu nome e deminha companheira, em deixar claro que: Nossentimos desobrigados de prestar

    esclarecimentos questionamentos de quem querque seja. Como qualquer cidado s devemossatisfaes se solicitadas a seremmanifestadas perante a Lei.- Pessoalmente, no engolimos, no aceitamose no assumimos as infames acusaescaluniosas sofridas. Pagamos, mais uma vez opreo em prejuzos morais e materiais eno temos porque buscar qualquer tipo dereabilitao (excrescncia estalinista)

    junto aqueles em quem no reconhecemosliderana moral, intelectual ou poltica.Portanto, que fique claro que no pretendemosestabelecer e manter relacionamentos baseadosem posturas autoritrias e de dirigismopoltico-ideolgico. A experincia sofrida por

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    ns e outros tem demonstrado ao longo do tempoo quanto tem sido nefastas e contrrias aosinteresses maiores de sociedades democrticas,as tradicionais, caducas e odiosas prticas degrupos guetos ditos revolucionrios.- Quanto ao quebra-cabea que o aflige, de

    fato, j manifestamos anteriormente porescrito, que pretendemos ajudar a esclareceros episdios que nos atropelam. Penso que j

    contribumos parcialmente inclusive comexposio pblica de nossas pessoas com talobjetivo, j que at ento estava tudorelacionado aos fatos envolvido no maisprofundo ( e compreensvel, diante dasituao) mistrio. No entanto nunca nosreferimos a esclarecimentos em mnimos

    detalhes. Como sabido foram episdios

    trgicos e que ocorreram em rigorosaclandestinidade (que, adianto, diante dadebilidade e fragilidade da situao de todosos envolvidos, acabou sendo de grande valiapara a represso). Em nosso caso aclandestinidade se prolongou em situaoadversa. Seria irresponsvel e falso que osatores envolvidos, de ambos os lados,conhecessem detalhes em sua totalidade eminudncias.- Os esclarecimentos a que refiro servem, nomximo, para entender as prticas e mecanismosda represso e mesmo suas contradies (almde formas de resistncia, com as quais, napoca, nem cogitvamos) e lanar pistas parauma compreenso geral daqueles acontecimentose de sua evoluo posterior. No temoscondies, nem a inteno, de nominar ouexplicar o que no sabemos, no vimos e nocontribumos para ocorrer.- No contem conosco para a busca de bodesexpiatrios. Alguns nomes, como o do antigo

    sargento gacho posteriormente assassinado aem sua cidade, vieram tona, inclusive emdepoimentos de agentes divulgados pelaimprensa. No entanto no tenho condies deafirmar se foi apenas algoz ou tambm vitimade posies insustentveis.- Ns reservamos o direito de no alimentar

    especulaes que possam ainda ameaar e afetarnovamente nossa integridade fsica e moral.Nessa histria nos sentimos mais credores doque devedores. Nos anima a certeza de que nodelatamos (objetivamente falando) e noocasionamos prejuzos esquerda. Finalizando,aguardamos o senhor enviar suas perguntas pore-mail. Sero lidas e se possvel respondidas.

    Gilberto Giovannetti

    No me surpreendi com o tom da mensagem, pois eu j esperava que o

    casal no seria simptico a minha proposta de contar em detalhes o que haviaacontecido antes e depois da priso dos mesmos em julho de 1974 na

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    rodoviria de Curitiba. No dia seguinte voltei a escrever para GilbertoGiovannetti contano para ele o motivo pelo qual eu estava empenhado nabusca. Eu precisava ganhar a confiana daquele homem marcado poracontecimentos indignos para um intelectual. Gilberto queria ser ouvido e eu oouvi com a pacincia de um confessor e com esprito desarmado. Naquele

    momento no me interessava julg-los, mas sim obter a confiana deles, porisso procurei trat-los com comiserao e respeito.

    De: Aluzio PalmarPara: Gilberto GiovannettiData: junho, 24, 2003Assunto: De Foz

    Prof. Gilberto Giovannetti

    Em primeiro lugar quero esclarecer que eu stenho um objetivo em tudo isso: entender oque aconteceu. Preciso entender porque sou

    parte dessa histria e tambm pelos laos deamizade e companheirismo que me ligavam spessoas que desapareceram. Ainda no seiprecisamente em que vocs podero me ajudar.Talvez amarrando algumas pontas, j que vocstambm tiveram uma participao intensanaqueles acontecimentos.Dito isso, e entendendo que vocs merecem umaexplicao de minha parte, vou falar um poucode mim e do porqu que estou nesta busca.Pois bem, sa da priso em janeiro de 1971 efui para o Chile (seqestro do embaixadorsuo). No ano seguinte sa do Chile e fui

    para a regio do Alto Uruguai (fronteiraBrasil/Argentina) organizar a Frente Sul daVPR. Em janeiro de 1973 eu soube das quedas emPernambuco e decidi cortar todos os contatoscom o Chile (leia-se Onofre e cia). Eu edemais companheiros que desenvolvamos aqueletrabalho camos ento na mais completaclandestinidade. Algum tempo depois, diantedaquele quadro que inviabilizava a continuaoda luta armada decidimos pela desmobilizao ecada um foi tratar de sua vida. Pois bem foiento que eu montei uma estrutura na Argentinae com isso legalizei minha presena naquele

    pas. Consegui levar minha mulher e minhafilha Florita para este meu santurio, e ali

    ficamos at o retorno em 1979. Nesse nterimnasceram mais dois filhos, a Andra e oAlexandre. claro que durante todo o tempo em que vivina Argentina tive muitos problemas desegurana, entretanto o mais srio e a que surgiu minha ligao com o destino dogrupo que desapareceu aqui na fronteira foiem janeiro de 1974, quando quase dei de caracom o Onofre e o Alberi em Buenos Aires (foina esquina da Avenida Corrientes com a Rua

    Florida). Ao v-los, entrei em um caf edecidi dar um tempo encostado no balco. Derepente algum toca meu ombro. Era o Alberi,

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    que eu j conhecia do Presdio do Ah, emCuritiba. Ele me disse que sabia que eu estavafazendo um trabalho no Alto Uruguai (acho quesoube pelo Onofre) e que ele havia montado umainfra-estrutura na regio de Santo Antnio(fronteira seca BR/Arg.). Disse ainda que por

    esta estrutura iria entrar Onofre e outroscompanheiros que estavam em Buenos Aires.Perguntou se tinha interesse em juntar nossostrabalhos e que ns poderamos usar aestrutura de Santo Antnio. Eu respondi que aproposta era interessante, marquei um encontropara as dez da noite no qual acertaramos osdetalhes.Isso aconteceu pela manh e logo depois demeio-dia sa de Buenos Aires e fui para o meusanturio, de onde eu s sa em 1979, quandovoltei para o Brasil.Eu acho que tive este comportamento em BuenosAires (marcar encontro e no comparecer) umpouco devido falta de confiana naquelaestrutura, mas principalmente porque naquelaaltura dos acontecimentos eu estava convencidode que aquela luta, da forma como era lutada,estava perdida. At hoje, passados trintaanos, no sei ainda o que pesou mais na minhadeciso; se foi a avaliao da conjunturapoltica ou do comodismo, que poderia serdefinido como desbunde vocs lembram? Agente usava muito essa palavra na poca. Umacoisa certa: eu sobrevivi e os outros no.Mas carrego um no sei o que de culpa, pois eudeveria ter alertado os demais companheiros jque eu havia pressentido perigo na ocasio emque fui convidado pelo Alberi a entrar em seuesquema.Esse sentimento de ter faltado com o grupoaumentou depois que fiquei sabendo dodesaparecimento de Onofre e mais seiscompanheiros. Desde ento tem sido para mimuma obsesso a busca da circunstncia em queocorreram as mortes.Uma boa oportunidade aconteceu em julho de2000, quando recebi um telefonema de umapessoa que disse saber onde foram enterradosos sete da VPR. Essa pessoa se identificou

    como militar reformado e disse que estava emCuritiba e que desejava um contato pessoalcomigo, etc e tal. Ah, ele disse que meprocurou porque havia lido uma entrevista queeu havia dado alguns dias antes para a Folhade Londrina, na qual eu disse que j nointeressava saber os nomes dos culpados, massim as circunstncias e o paradeiro daspessoas desaparecidas.Como era impossvel eu sair de Foz naquelemomento e ir ao encontro em Curitiba, passei aincumbncia para um amigo que conhece muitobem toda esta histria. Meu amigo marcou a

    conversa num barzinho curitibano e depois deconversarem generalidades restou um croqui

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    feito de prprio punho pelo informante e quemeu amigo me enviou por fax. De posse dessematerial entrei em contato com Nilmrio ecomeamos ento o trabalho de pesquisa na reade Nova Aurora, que acabou no dando em nada.Depois dessa eu voltei estaca zero. O que eu

    tenho atualmente, alm desse trabalhou em NovaAurora, so muitas anotaes, feitas a partirde pesquisas aqui em Foz do Iguau e naregio. Mas tudo muito confuso e tenho asensao de que nunca vou ficar sabendo o queaconteceu.No li a revista Veja e no conheo odepoimento que vocs deram Comisso 9.140.Depois daquela nossa conversa ao telefonegostaria de no fazer perguntas. O melhormesmo seria um contato pessoal, mas como noposso ir a So Paulo, o jeito perguntar eaguardar que vocs respondam.

    1 O que vocs sabem sobre o grupo dos sete?2 Como estava o Onofre em Buenos Aires?Decidido a voltar? Com que estrutura elecontava na fronteira e aqui no Brasil?3 Algum mais alm dos sete (Onofre,Lavchia, Daniel, Joel, Gilberto, Ernesto eVictor)?4 Vocs ficaram sabendo da estrutura deSanto Antnio (serraria, caminhes etc)5 O grupo usou a estrutura de Santo Antnio?6 O grupo chegou a usar um stio ou chcaraem Puerto Iguaz (Arg.), prximo da estradaque leva ao aeroporto?7 Que tipo de informao posso ter docapito Cerda e dos tenentes Aramis e JooNeujar?8 Na conversa por telefone voc falou de umaarmadilha aqui em Foz. Eu no estou sabendodisso. Como foi?

    Aluzio Palmar

    Na semana seguinte Gilberto respondeu; dessa vez foi mais direto emenos formal comigo. Eu o havia convencido de que minha inteno no erajulg-lo. Relatou a forma como era feito o contato entre eles e Onofre e revelou

    que o emissrio era o ex-sargento Alberi, portador da ltima mensagem deOnofre que dizia comea uma nova etapa da luta. Sua correspondncia meajudou ainda a precisar datas e esclarecer algumas dvidas sobre o modo deoperao do grupo remanescente da VPR que desapareceu em julho de 1974.

    De: Gilberto GiovannettiPara: Aluzio PalmarData: junho, 30, 2003Data: junho, 29, 2003Assunto: R: De FozSr. Aluzio Palmar,Li seu texto com ateno. O tom franco de suas

    informaes, a descrio do seu estado deesprito naqueles momentos e de seus encontrosem Buenos Aires me convenceram de sua

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    sinceridade. Tnhamos (eu pelo menos, nemtanto minha companheira) na ocasio a mesmapercepo que o senhor do momento e doprocesso. Sua frase porque naquela altura dosacontecimentos eu estava convencido que aquelaluta, da forma como era lutada, estava

    perdida poderia ser minha e digo a mesmacoisa, com outras palavras, no livro-depoimento que tenho pronto. J vinha negandoa chamada Luta armada, no participava denenhuma organizao e embora minha companheiraainda tivesse algumas iluses (mesmo muitofragilizada pelas perdas e sofrimentos, no sepermitia vacilar, sentimento que o senhor

    tambm viveu), estvamos pouco a poucoretificando rumos, nos integrando mais vidacotidiana, trabalhando e estudando com nomesfalsos e eu pensava muito nas formas de lutapacficas e democrticas, lamentando nossasituao. Tentei, mas no insisti osuficiente, faz-la cortar o contato quemantinha com Onofre por formas clandestinas(cartes postais camuflados que escondiam asmensagens coladas nas partes internas docarto) e inclusive tendo contatos arriscadosem diferentes ocasies com o mesmo, emSantiago e B. Aires. Se Onofre acreditava quens dois fazamos parte de sua estrutura, nocompreendeu a fragilidade de nossa situao einclusive incorreu no velho vcio da esquerdade superestimar sua fora. Creio que mesmons, apesar dos cuidados e da disciplina com asegurana, no tnhamos muita noo de nossaprpria fragilidade. Eu no lhe negaria apoiosolidrio, mas no apoiaria nem participariade aes armadas por entend-las suicidas como, alis, deixei claro no bilhete-respostaque lhe enviei e que desconfio no chegou aler (o emissrio era o Alberi). Estesepisdios esto escritos em texto que voulocalizar e te enviar no prximo e-mail, poisno tive tempo de faz-lo. Nesse relato vocter a resposta da sua 10 questo.Sinto diz-lo, mas a 10 questo a nicaque, por ter sido vtima, posso esclarecer edar informaes.

    Nas demais, particularmente nas questes de 3a 9, as respostas so NO e NO SEI.Explicarei melhor. De fato nada sabamos (efazamos questo de no saber pelas normas desegurana que nos acostumamos a manternaquelas condies) sobre os planos de Onofre,portanto as questes 3, 4, 5, 6 e 7 fogemtotalmente de nosso conhecimento antes edepois dos fatos. TAMBM NADA SOUBEMOS EMNOSSOS CONTATOS COM MILITARES NOS ANOSSEGUINTES.Os militares sempre mantiveram uma condutaextremamente profissional conosco e na nica

    ocasio em que ousei perguntar sobre Onofretive como resposta um sorriso amarelo,

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    enigmtico (j relatei isto em outro texto).Com isso acho que esclareo tambm as questes8 e 9, quer dizer, nunca soube da existnciados militares citados nestas questes.Desnecessrio dizer que os prprios militarescom quem tivemos contatos nunca nos forneceram

    suas verdadeiras identidades, patentes etc.Vou tecer alguns comentrios sobre as questes1 e 2.Sobre a 1: Tudo que sei do grupo foi atravsda imprensa, a partir do momento em que osfatos comearam a vir tona.Sobre a 2: parece que Onofre estava, emmeados de 1974, decidido a voltar. Um bilheteseu que Alberi portava para minha companheirae para mim (veio dentro da capa de uma bblia)falava que uma nova etapa da luta comeava o

    que me deixou preocupado por sua falta deconsistncia e como afirmo em outro textosenti besteira em andamento. Devolvi pelamesma via e portador, no dia seguinte, aresposta em bilhete a que me referianteriormente. O desenrolar estar no textoque vou enviar depois.Me permito dizer que, pela minha anlise, seupressentimento e furo no encontro marcado

    poupou-lhe a vida. Acumulei indcios e conheciprticas militares suficientes para concluirque alm de bichado por dentro, ou sejainfiltrado, como quase toda a esquerda, ogrupo em B. Aires e mesmo ns em S. Paulo,estvamos sendo monitorados, ou seja, com

    vigilncia velada permanente, bastanteprofissional. Nada a ver com as caricaturas detiras estpidos que ns alardevamos e nos

    auto-enganvamos.Tambm creio que nas condies em queestvamos enredados havia poucas ou nenhumapossibilidade de alertar quem quer que seja.Avisar quem? Como? Haveria crdito apressentimentos? Senti a mesma angstia detentar e no saber como comunicar o que estavaacontecendo conosco (seqestrados,chantageados, ameaados, depois vigiadospermanentemente). Por essa dificuldade e porno confiar em mais nada a no ser em mim e

    em minha companheira resolvi buscar soluoem uma carreira solo, contando com as

    mudanas no cenrio poltico. A duras penasnossas vidas foram poupadas.Nada sei da Comisso 9.140 a que o senhor serefere. Agradeo se puder me elucidar arespeito. Por ora o que tinha a manifestar,assim que puder envio o texto prometido.Espero que o senhor se recupere e melhore desade e fico disposio caso ainda tenhaalguma questo a fazer.Atenciosamente,

    Gilberto Giovannetti

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    No incio do ms de julho de 2003 eu voltei a escrever para GilbertoGiovannetti. Dessa vez com o intuito de continuar aproximando-me dele paratirar mais algumas informaes. Entendia seu estado de esprito, que estavamachucado e no queria falar sobre o assunto, mas eu tinha f que le no iaconseguir continuar fechando as informaes que possua. Eu tinha esperana

    de que em qualquer momento Giovannetti iria passar-me alguma informaoque poderia direcionar minha busca com maior preciso. Foi ento que oprovoquei dizendo que ele e Madalena haviam sido seqestrados no dia setede julho de 194, quatro ou cinco dias antes do grupo de Buenos Aires ter sidochacinado.

    De: Aluzio PalmarPara: Gilberto GiovannettiData: julho, 5, 2003Assunto: De Foz I

    Ao professor Gilberto Giovannetti,

    Em boa hora esta retomada de contato. Tiveacesso recentemente a vrios documentosreferentes ao sargento Alberi e estou tentandoreconstituir seus passos, desde que ele saiuda priso em 1973 at a sua morte em 10 dejaneiro de 1979.Fao isso com o objetivo de descobrir o queaconteceu com o grupo remanescente da VPR,naquela desesperada tentativa de continuar aluta armada em 1974.No tem sido nada fcil esta reconstituio,pois tanto na militncia poltica como na vidaparticular o Alberi foge dos padres da

    esquerda latino-americana e especificamente dabrasileira. Eu o conheci no Presdio do Ah,em Curitiba, onde estive preso no segundosemestre de 1969. Naquela ocasio ele meapresentou um plano de fuga e queria que eu oacompanhasse. Porm, alguns dias aps aproposta do Alberi, eu fui transferido para aIlha das Flores, no Rio de Janeiro. S volteia v-lo quatro anos depois em Buenos Aires,como eu j relatei anteriormente.Esta minha busca pelo grupo remanescente daVPR tornou uma obsesso com o passar do tempo.s vezes eu penso que esta minha teimosia

    porque eu estou em busca de saber como seriaminha morte caso tivesse acompanhado o grupo.Pode at ser isso, mas eu acho que o motivoprincipal o fato de eu estar aqui em Foz doIguau, no lugar onde tudo aconteceu.Estou sistematizando as informaes que possuoe tenho sado a campo e ouvido pessoas queconviveram com Alberi nos seus ltimos anos.J falei com alguns familiares, falta a viva(que mora em Humait/RS) e uma pessoa em MatoGrosso.Nesta tragdia vocs figuram como vtimas etambm sobreviventes. Podiam ter cado noponto de 30 de junho com o Jonas, mas a

    represso preferiu seqestr-los no dia 7 dejulho. Por qu? Talvez pela possibilidade de

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    vocs abortarem de alguma maneira a aoprincipal: priso do grupo remanescente. Nomomento da priso de vocs a operao Juriti

    (acho que foi esse mesmo o nome dado aopelos militares) j estava formatada e partedo grupo liderado pelo Onofre Pinto j se

    encontrava na fronteira (provavelmente naserraria que estava em nome do irmo deAlberi, em Santo Antnio/PR). Onofre, segundoas informaes disponveis (testemunho deIdalina), saiu de Buenos Aires no dia 11 dejulho (quatro dias aps vocs terem sidoseqestrados).H um buraco a partir dessa data e o nicofato substantivo teria sido a ida de vocs aBuenos Aires para avisar Idalina que o Onofreestava morto (Luiz Maklouf Carvalho, emMulheres que foram luta armada). Quanto aoAlberi, ele aparece em 1975/76 comoproprietrio de uma chcara em Puerto Iguaz,Argentina (fronteira), prximo do aeroporto.Pode ser temetrio afirmar isso, mas eu notenho dvida de que Alberi foi o piv dasprises dos membros do grupo remanescente daVPR. Primeiro pelo comportamento leviano deleao me convidar, no encontro casual em janeirode 1974 em Buenos Aires, para ingressar nogrupo e entrar pelo esquema da serraria deSanto Antnio. Segundo porque assim que Alberisaiu da priso, foi para o Chile, Mxico eArgentina, transitou na colnia de exiladosnesses pases, ao mesmo tempo em que circulavacom total desenvoltura por Foz do Iguau,Humait (RS) e Crissiumal (RS). Terceiroporque depois do massacre ele continuoucirculando ostensivamente aqui pela fronteirae suas companhias eram policiais e militaresda 2 Seo. Essas minhas afirmaes estosustentadas por documentos.Portanto a armadilha para capturar o grupoliderado pelo Onofre Pinto j estava preparadaantes do seqestro/priso de vocs.Ficam ainda muitas dvidas, como, por exemplo,onde, como e quantos foram mortos. Tambm osdetalhes da operao seu planejamento e aodireta. Foram os militares do CIE, pessoal do

    major Curi, Paulo Malhes. Estou atrs dessesdados, pois talvez consiga pistas para saberonde foram enterrados os corpos.Vou continuar com minha pesquisa, professor.Sei que vocs no possuem muitas informaes,mas o que tiverem passem para mim.

    Aluzio Palmar

    Em meados de julho, Giovannetti voltou a escrever. Ele aceitou minhaprovocao e dessa vez contou a forma de atuao de Alberi e adiantoualgumas informaes que mais tarde ele detalhou quando me enviou um

    extenso relatrio. Considero este o documento com o maior nmero deinformaes sobre o grupo repressivo que atuou na Operao Juriti.

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    De: Gilberto GiovannettiPara: Aluzio PalmarData: Quarta-feira, 15 de julho de 2003, 9:24PMAssunto: R De Foz I

    Ao Sr. Aluzio PalmarDevo estar me ausentando de So Paulo poralguns dias, portanto no estranhe se demorarum pouco para o prximo e-mail. Encontrei eestou enviando em anexo um texto de 21 pginasque j est redigido a anos. Faz parte e foiextrado do meu livro-depoimento e como osenhor perceber traz muito de minhasubjetividade e vivncia naqueles anos.O texto poder esclarecer melhor algumasquestes, como, por exemplo, como e quecircunstncias conheci Madalena, como acabei

    me envolvendo nessa histria toda, sem sermilitante da VPR e sem conhecer Onofre, comovivamos, quais as estratgias dasobrevivncia, algumas contradies eambigidades que vivamos.Poder avaliar a desenvoltura da atuao doAlberi e as reais condies de nossas pessoas,que provavelmente eram vistas e apontadas pelogrupo, por um misto de m-f, oportunismo edelrio, como base em So Paulo.Entender como foi a armadilha que nos atraiu,aproveitando nosso desespero, para sairmos deSo Paulo e sermos seqestrados no trajeto sem

    levantar suspeitas entre nosso familiares.Saber o que aconteceu no cativeiro, como noentregamos ningum, o acordo feito etc.Estes acontecimentos alteraram profundamentenossas vidas trazem uma carga emocionalprofunda. Saiba que a Madalena at hoje noleu e se recusa a ler o que tenho escrito.Tentando manter a objetividade gostaria querefletisse sobre as seguintes afirmaes econstataes que trago daquela experincia:- Tratou-se de uma operao policial-militarde grande envergadura, com largo tempo depreparao, muitos recursos humanos emateriais, envolvendo foras armadas, PF,servios de inteligncia, DOI-CODI, DOPSestaduais, etc. que deve ter exigido um grandeesforo de coordenao e comando.- Foi conduzida com muita competncia militarcom grande e profundo conhecimento apoiado comgrande e profundo conhecimento (ou agentes)infiltrados, vigilncia constante, etc. Seusparticipantes tambm tinham restries desegurana, isto , conheciam parcialmente suasmisses e provavelmente apenas os altoscomandantes dominavam todo a operao.- Atuou sem limites territoriais e nacionais.Isto quer dizer que alm do apoio das forasrepressivas dos pases vizinhos, os agentestransitavam e trabalhavam na Argentina, Chile,

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    etc. se necessrio como clandestino dosoutros rgos. Portanto difcil afirmar setudo ocorreu em uma s operao (me refiro eliminao dos integrantes do grupo) ou seforam aes diferentes. Parece-me (puraespeculao) mais provvel que tenham sido

    apanhados e assassinados individualmente oupequenos grupos, com a represso aproveitando-se da prpria compartimentalizao dosmilitantes, no que poderiam ser auxiliadospelos infiltrados como ocorreu conosco namarcao de pontos individuais e sigilosos comos demais.- Embora no tenha elementos objetivos paraafirmar (nada vi, ouvi ou falei a respeito)minha intuio me leva a pensar que a operaode que fomos alvo era articulada sem quesoubssemos com outras operaessimultneas. Da no d para afirmar que tudoaconteceu de uma s vez, em um s local.- Lembro-me de que em nosso caso tratou-se deum grande aparato com muitos veculos e trocade equipes. Em pouco tempo ao longo de umdia e uma noite fomos deslocados de Curitibapara So Paulo e para outro lugar,provavelmente em Gois (estvamos empapuadose no davam informaes, a no ser as quequeriam). Os agentes da ao em Curitibatinham, em parte, sotaque sulista edesapareceram quando nos deslocamos para SoPaulo e nunca mais nos vimos. precisoentender que uma organizao armada no seapresenta na totalidade e o que vemos apenasa ponta de um imenso iceberg, onde a maiorparte fica encoberta.- Talvez a leitura do texto que envio possasuscitar novas indagaes para o seu quebra-cabeas, mas creio que tambm possa elucidar omodus operandi e a dinmica do que aconteceu.- Ao recompor os acontecimentos tempos depoisfiquei com uma dvida: O Alberi tinha manchasnaturais no rosto? Naqueles momentos de tensoe at recentemente cheguei a pensar que asmarcas seriam escoriaes, decorrenteschamaram a ateno, mas posso ter me enganado.Alm dessa informao especfica gostaria que

    o Sr. me enviasse o contedo dos depoimentosdo Marival. Confesso que at agora no meanimei nem tive coragem de procurar saber maissobre o mesmo.Atenciosamente

    Gilberto Giovannetti

    Em 25 de julho eu voltei a escrever para Gilberto Giovannetti. Dessa vezprocurando definir com maior preciso a data da chacina. Eu sabia que o grupohavia sado de Buenos Aires em 11 de julho de 1974, porm tinha dvidas dequando ele entrou em territrio brasileiro e em que momento seus membros

    foram assassinados. Durante minhas pesquisas nos arquivos da PolciaFederal e da Itaipu eu descobri alguns documentos que faziam referncia ao

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    Alberi e s investigaes que os rgos de informaes faziam na regio. Eutinha dvidas de como e quando aconteceu a chacina.

    Para: Gilberto GiovannettiDe: Aluzio PalmarData: Quarta-feira, Julho 25, 2003 10:34 PM

    Subject: DE FOZ II

    AoProf. Gilberto GiovannettiAgradeo sua deferncia ao procuraresclarecer-me sobre os ltimos momentos, ouacontecimentos, envolvendo o gruporemanescente da VPR. como eu disse antes,qualquer tipo de informao pode ajudar adecifrar este que o mais instigante mistriodo perodo ditatorial.Eu tenho algumas dvidas sobre a versocorrente e que se apia em dados fornecidos

    por Marival Chaves. Por exemplo: os sete foramassassinados em um mesmo momento? Foi mesmo emjulho de 1974? No ter sido no final desseano ou em 1975? Eles foram presos no Brasil ouna Argentina? Que papel teve Foz do Iguau naoperao montada para capturar o grupo? Ogrupo ficou quanto tempo na fronteira?Sei que esclarecer essas e outras tantasdvidas vai ser difcil, ou, por que nodizer, impossvel. A oportunidade foi aquela,quando apareceu aquele cidado informando queos membros do grupo esto enterrados no campode Nova Aurora. Vou aguardar ansiosamente o

    seu texto, na esperana de que venha qualquerpista ou indicao para continuar pesquisando.Atenciosamente,

    Aluzio Palmar

    Eu continuei a corresponder-me com Giovannetti e a insistir em situarcom preciso algumas datas. No estava satisfeito com o que ele haviamandado para mim. Um ms aps eu ter enviado meu pedido de maisinformaes sobre o seqestro, ele me detalhou o que havia acontecido narodoviria de Curitiba e mais uma vez afirmou que deduziram que Onofreestava morto e que s avisaram Idalina da morte do marido aps terem tirado

    concluses ao ouvirem as conversas dos militares.

    De: Gilberto GiovannettiPara: Aluzio PalmarData: Monday, Agosto 25, 2003 11:19 PMObjeto: De Foz 2

    Senhor Aluzio Palmar,Hoje encontrei um tempo e abri os e-mailspessoais. As vezes passo dias sem abrir esteendereo eletrnico, que utilizo pouco, poistenho outros, inclusive no local de trabalho.Li seu e-mail e anexos e reconheo que fiqueisatisfeito em verificar que, aos poucos, averdade dos fatos, encoberta pela prpria

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    natureza clandestina e sigilosa deles (nosdois lados do confronto), pelas artimanhas edesinformaes prprias de aes militares(na guerra a primeira vtima a verdade) e

    tambm tumultuada por acusadores ecaluniadores apressados em difundir verses

    sem provas suficientes, acaba se delineando evindo tona. Estou anexando outros trechos dotexto que tenho pronto onde descrevo como epor que procuramos Idalina. Quero ressaltarque ns no tnhamos certeza de nada sobre oque ocorrera com o seu marido, mas claro queas evidncias no eram nada boas, quedeveramos alert-la e avaliamos que sua voltaao Brasil seria bom para ela e para a filha.Tambm avaliamos que naquele perodo deinsegurana e incerteza a prpria Idalinapoderia ser uma testemunha de nossa passagempor l, caso tambm vissemos a desaparecer.Gostaria tambm de fazer uma pequenaretificao no seu texto abaixo, quando afirmaque Onofre, segundo as informaes

    disponveis (testemunho de Idalina), saiu deBuenos Aires no dia 11 de julho (quatro diasaps vocs terem sido seqestrados). Na

    realidade, conforme consta do mesmo livro queo senhor citou, fomos seqestrados no dia 12de julho, um sbado, na estao rodoviria deCuritiba, conforme o plano acertado com oJonas. Dois dias, portanto, apes a sada de

    Onofre. Chegamos ao cativeiro, no estado deGois, na madrugada de domingo, dia 14/07. Sfomos interrogados dias depois, os militaresno tinham a menor pressa, conforme o textoanterior que enviei. Todos os fatos apontampara uma operao coordenada. J havia lidonos jornais sobre o depoimento do Sr. Marival,mas desconhecia detalhes. Se tiver outrosdepoimentos ou informaes sobre o casoficaria grato se me deixasse a par.

    Abraos

    Gilberto Giovannetti

    A partir dessa minha correspondncia com Gilberto Giovannetti eu meconvenci de que Onofre Pinto estava obstinado em retomar a luta armada epara tanto criou em sua mensagem um quadro irreal, fruto de sua alucinao.A mensagem que Onofre enviou pelo Alberi para Madalena Lacerda dentroda capa de uma bblia, dizendo que uma nova etapa da luta comeava ilustra muito bem o seu estado de esprito. A troca de e-mails tambm meajudou a situar a data da chacina, que deve ter sido no dia 12 ou 13 de julho de1974.

    Foi no dia 13 que um grupo operacional no Centro de Informaes doExrcito seqestrou o casal na rodoviria de Curitiba. Madalena e Gilbertoestavam com Alberi, que os levaria ao Onofre Pinto. Parece que o ex-sargento

    da Brigada Militar do Rio Grande do Sul queria engrossar o nmero de vtimasda arapuca armada na fronteira. A inteno monstruosa foi abortada pelos

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    militares que comandavam a ao. Preferiram manter o casal vivo para que elepudesse ser til futuramente.

    Em um texto que leva o ttulo de Coraes clandestinos, GilbertoGiovannetti fala de seu relacionamento com Madalena, do contato com Alberiem So Paulo e da priso em Curitiba. Abaixo, transcrevo alguns trechos do

    documento.

    Madalena ainda sofria da sndrome do sargentoGetlio, o que se guiava por valores e no porconhecimento. Por lealdade a antigos companheirose sua prpria histria de resistncia aindaalimentava iluses sobre a luta armada. (...) Elaobtivera documentos a partir de uma certido denascimento conseguida em um cartrio da BaixadaFluminense com o nome de Ana Barreto Costa. (...)Vez ou outra recebamos mensagens de Onofre

    atravs de cartes postais disfarados. A foto dopostal era descolada do verso, escrevia-se amensagem em seu interior e as partes eramnovamente coladas, s sabendo algum poderiadescobrir o truque. (...)Naquela tarde de 13 de junho de 1974 Madalenachega ao hotel de surpresa e ainda esbaforida,avisa que haviam detido meu irmo e meu cunhadoque passaram a noite depondo no DOI-CODI naRua Tutia. (...) Uma das primeiras providncias foiavisar Onofre na Argentina do que se estavaocorrendo conosco, para deix-lo de sobreaviso.Madalena usou o sistema habitual de cartespostais. No sabemos se o carto enviado chegouao destino ou foi interceptado. (...)Os cartes postais enviados pelo Onofre iam para oendereo de uma pessoa legal que desconhecia oque se passava e mantinha contato com Cssio.Devemos reconhecer que nossos frgeis esquemasde segurana envolviam pessoas inocentes.Estratgias desesperadas de clandestinos sob

    ditaduras. Nesse endereo para correspondncia,apareceu, em fins de junho, uma pessoa nosprocurando. Buscava contato e trazia qualquer coisa senha ou coisa parecida, no me lembro bem que o ligava como enviado do Onofre e solicitavaum ponto, aguardando a resposta paradeterminado dia. Cssio trouxe a informao emarcamos o ponto para um domingo, dia 30 dejunho, 10 horas da manh. Pensei em esquemas desegurana. O local do ponto deveria ser em umespao aberto, que permitisse uma observao

    prvia e a longa distncia para poder detectar

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    qualquer movimentao estranha. Escolhi a PraaDuque de Caxias, atual Princesa Isabel.No entraria diretamente no ponto. Faria umlevantamento prvio a partir das 09h30mim eCssio iria fazer o primeiro contato, com vida

    perfeitamente corria riscos to grandes quanto ns.Depois caminhariam vigiados por mim at um pontode nibus na Avenida Csper Libero onde Madalenaj estaria aguardando misturada entre ospassageiros da fila e embarcaramos com destinoaos bairros da Zona Norte. Em um local escolhidono momento propcio, seguros de que ningum nosseguiria, desceramos todos, os abordaramos,Cssio iria embora. (...)Jonas se apresenta, Cssio despede-se. Explicaque chegara da Argentina, onde estivera com

    Onofre, caminhamos at um bar, escolhemos umamesa ao ar livre e iniciamos a conversa. Estavainformado de nossa situao pelo Onofre, segundodisse.Discutimos nossa insegurana pessoal, aimpossibilidade de se continuar no pas. Concordouimediatamente. Props prestar ajuda na operaode fuga para o exterior, era de Foz do Iguau, commuitos conhecidos e facilidade de trnsito nafronteira. Deveramos viajar para Curitiba paraencontr-lo na rodoviria de Foz do Iguau nosbado seguinte, nos passaria pela fronteira eseguiramos ao encontro de Onofre. Deu-nosinformaes sobre os horrios de nibus.Desesperados, aceitamos a proposta.Marcamos um encontro no dia seguinte, no Jardimda Luz, para confirmar nossa resposta e entregarnossa mensagem ao Onofre, na mesma bblia.Assim o fizemos.A capa dura da bblia continha uma carta do Onofre(a letra era aparente sua, mas tambm existem

    graflogos na represso). Ele se apresentava amim, falava algo de um novo momento da luta quese aproximava, senti besteira em andamento. Comoalgum podia continuar pensando em aesarmadas naquele momento. Respondisimpaticamente, afirmando que descartava a lutaarmada e falei da importncia do trabalho poltico demassa, de participar da produo. Coloquei aresposta, colamos a bblia. No dia seguinte,devolvemos a bblia com mais alguns objetos (haviauma minicmara fotogrfica Minox, que minha

    companheira devolvia a Onofre), confirmamos aviagem e nos despedimos.

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    Passamos a semana preparando a viagem,arranjando o dinheiro necessrio e embarcamossbado noite para Curitiba. Fomos seqestradosnuma ao conjunta de rgos de segurana narodoviria de Curitiba. Aos gritos de traficante,

    cuidado com a arma, (no andava armado), meencapuzaram e algemaram.(...)Viagem de volta a So Paulo. Os agentes estavamfelizes. Um deles, o de bon, conversava em cdigopelo rdio com outros policiais que seguiam emcomboio pela BR-101. Desliga o rdio e comea acantar onde a vaca vai o boi vai atrs. Manter oautocontrole, achar um jeito de me comunicar comas pessoas, estamos indo para o DOI-CODI. Noposso abrir trs coisas: que sei de Onofre, queminha companheira esteve em Cuba, que teramos

    um contato em Foz do Iguau. No esconderia jfato conhecido da represso, meu passado comomilitante. At abriria, se houvesse muita presso,nomes que j estavam, ou haviam cumprido pena.Depois de uma tarde, no precisaria mias mepreocupar com o contato de Foz. Se ns nochegssemos ele estava prevenido de que teramoscado e avisaria Onofre. No precisei abrir nada. Aspresses no eram to grandes e as perguntascalmas e sem violncia (...).De volta ao asfalto, pararam em um posto deestrada onde contataram mais agentes. Mudammais uma vez de carro. Um dos agentes queencontraram e segue conosco, um negro parrudo,ao me ver apenas disse: - seu santo muito forteGilberto. Ainda bem, estava mesmo precisando dealiados, mas nada falavam. Vai saber o que sepassara. (...)Uma tarde fui levado encapuzado para outra casa,mais ampla. Tiraram o capuz, sentei-me diante deuma mesa. Quem viveu esses horrores sabe o que

    isso significava. A manuteno do capuz era umindicativo de que o militante seria mantido vivo edepois no poderia reconhecer as pessoas que ointerrogaram. Tirar o capuz significava o contrrio.Pedi meus culos.O interrogador apresentou meu histrico e confirmeiminha militncia de 67 a 69. Perguntou se sabia doOnofre. No. Perguntou-me se minha companheiraestivera em Cuba. No. Insistiu, no sei, pergunte aela. Depois mostrou fotos de nossos amigos e dosencontros com Jonas (NR: Alberi). Perguntou-me

    se sabia quem era. No. De nossos amigos faleique no tinham nada a ver, eram apenas amigos.

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    As fotos jogadas na mesa como cartas de baralhoregistravam todos os momentos em que estivemoscom o contato do Onofre, e que achara seguros,aquilo me abateu. Por um momento, consegui ler nopapel sobre a mesa do interrogador: Destacamento

    de Operaes Internas/Centro de Operaes deDefesa Interna e, logo abaixo, Operao Juriti.

    Em um outro texto, intitulado Se vs para Chile, Gilberto Giovannetticonta como foram as viagens ao exterior a mando dos militares e revela queeles chegaram a desconfiar de que Onofre tambm havia feito um acordosemelhante ao deles.

    Ns j sabamos que o Alberi (o Jonas) era umagente infiltrado (mantivemos essa descoberta emsegredo dos militares) e procurou-nos em nome de

    Onofre, nos atraindo para a armadilha. Mas nosabamos mais nada. As poucas vezes em queperguntamos sobre Onofre aos agentes darepresso eles no respondiam, apenas davam umsorriso enigmtico, que poderia significar muitascoisas, inclusive de que Onofre havia se passado(chegamos a pensar nessa hiptese). Idalina norecebia informaes do marido desde o perodo emque fomos seqestrados, passava necessidade,juntamente com a filha, em uma situao muitoprecria. Mulher simples, sem nada contra ela, nomximo teria que dar um depoimento quandochegasse ao Brasil e se reintegraria a seusfamiliares. Alm do mais os militares no fariamnada que pudesse nos queimar, pois estavaminteressados em coisas mais quentes. Discutimoscom Idalina essa possibilidade de voltar para casasem inform-la, claro, de nossa complicadasituao. Ela aceitou e animou-se viajamos juntosat So Paulo e nos despedimos. No nos vimosmais. Durante essa viagem tivemos contatos

    conforme instrues com os agentes brasileiros,por cartes postais e por telefone. Um agenteesteve conosco em B. Aires, e em Porto Alegreencontramos nosso coronel.