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REPORTAGEM Mães Cinco mães sozinhas contam à nm a distância que vai entre a vida com que sonharam e aquela que é hoje a delas.A braços com todo o tipo de dificulda- des,levam um barco cujo comando nunca deveria ser apenas assegurado por elas. sozinhas TEXTO Sarah Adamopoulos ¬ FOTOGRAFIA Rui Coutinho Margarida partilha a guarda da filha Rita (dez anos) com o ex-marido e só vê benefícios: «Sou mãe sozinha durante duas semanas por mês. As outras duas sou mulher.»

Mães sozinhas

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Reportagem com testemunhos de mães sozinhas

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REPORTAGEM

Mães Cinco mães sozinhas contam à nm a distância quevai entre a vida com que sonharam e aquela que éhoje a delas.A braços com todo o tipo de dificulda-des, levam um barco cujo comando nunca deveriaser apenas assegurado por elas.

sozinhasTEXTOSarah Adamopoulos ¬ FOTOGRAFIARui Coutinho

Margarida partilha a guarda da filha Rita (dez anos) com o ex-marido e só vê benefícios:

«Sou mãe sozinha durante duas semanas pormês. As outras duas sou mulher.»

Já em termos de coisas práticas, e sobretu-do das imponderáveis, Madalena acha que opai continua pouco disponível. «Se é neces-sária a presença dele de repente, ele quasenunca pode, ou só pode daí a uma hora, ou en-tão tem de ser a correr, e isso faz-me sentir umbocado sozinha, porque se ela me telefona daescola a dizer que se está a sentir mal, eu saiologo do trabalho para a ir buscar, como aliássempre fiz, porque não há trabalho mais im-portante do que a minha filha. Ou seja, elacontinua a precisar da minha disponibilidadeinteira, porque o pai não a tem. É como se o di-nheiro substituísse a presença, a disponibili-dade. O pai paga tudo, desde o médico às rou-pas, aos livros da escola, aos passeios, às me-sadas. Abdiquei da pensão para ela poderfazer desporto e ter aulas de Inglês, prescindide duzentos euros para ela poder fazer essascoisas que eu não posso pagar. Estou a recibosverdes, ganho quinhentos euros, pago qua-trocentos de renda ao banco. Como é que segere uma vida apertada assim? Aceitando a

ajuda da minha mãe, levando um dia de cadavez, mas não dá para projectar nada.»

Mulheres entreajudam-se«Quando me casei a primeira vez, pensavaque mesmo que ele deixasse de gostar de mimeu queria ter filhos dele. Era uma estupidez,claro, porque a paixão passa, mas os filhos sãopara a vida.» Rosarinho, mãe de quatro filhos,ficou sozinha com os seus dois primeiros fi-lhos (gémeos, hoje com 22 anos) quando elestinham três anos. «Estou habituada a estar so-zinha com os meus filhos. Mas não vou dizerque foi fácil, sentia-me sozinha. Tinha apenas28 anos quando me separei do pai deles. Fi-quei deprimida, precisei de apoio psicológi-co. Tive a sorte de ter a ajuda da minha mãe, etambém da minha ex-sogra. As mulheres en-trejudam-se muito. Tive também sempre oapoio das minhas amigas. Nunca faltou comi-da em casa, e os miúdos não sentiam muito afalta do pai porque eu continuei a trabalharcom ele [num restaurante], e por isso eles

viam constantemente o pai. Fiquei sete anossozinha com eles. Sem o apoio da minha mãeteria sido muito mais complicado», diz Rosa-rinho, recordando alguns momentos deenorme aflição, como por exemplo quandoos gémeos ficavam doentes.

«Mas a minha ideia era ter uma família asério, com a mãe, o pai e os filhos, e por issovoltei a casar. Tive duas meninas dessa se-gunda união [actualmente com 9 e 12 anos].Os primeiros tempos foram bons, mas de-pois as coisas começaram a correr mal, por-que ele bebia. Separei-me há dois anos, con-sidero que foi uma boa decisão, porque quan-do ele bebia transformava-se noutra pessoa,e fazia muito mau viver em casa. Chegava ecomeçava a gritar comigo e acordava toda agente. Gerava mau ambiente e as miúdas as-sistiam àquelas cenas, nós a discutirmosconstantemente. Às vezes eu tinha de ir parao quarto dos meus filhos até ele se acalmar eadormecer. Fazia-me chorar, humilhava-me,dizia que eu estava gorda, e eu andava a cho-

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Uma mãe é um soldadocom um programapara cumprir. A suamissão, que começa

na gestação, são os filhos. Gestação tambémda própria mãe, ser parcial da mulher, géne-ro complexo dotado de várias dimensões.Mãe que irrompe com o filho, a ele ligada pa-ra sempre, pelos laços mais profundos queunem dois seres humanos. Prerrogativas dequem se torna mãe com o corpo e passa anosa levantar-se quando tem de ser, a alimentar,a proteger, a mostrar a vida, ou só a embalar ofilho no silêncio amoroso que só ele pode(re)conhecer. Mais difícil para uma mãe sozi-nha é educar – impor regras, manter a distân-cia que permite a autoridade, ajudar a fazerescolhas. Os pais fazem falta, sim. E muita.

Filhos do desamorCom uma vida adversa em termos profissio-nais, que o divórcio tornou ainda mais difí-cil, Madalena, 42 anos, mãe de Iara, 15, ob-serva hoje a sua filha adolescente construin-do-se por oposição a si – como aliás é devido.Uma filha que não estava nos planos de Ma-dalena. «No final da relação era aquela mis-tura de amor e ódio, como acontece por ve-zes nesses momentos, em que perdemos odiscernimento. Quando nos separámos, eufiquei com uma criança de um ano e quatromeses, que de 15 em 15 dias ia passar o fim--de-semana com o pai. Ficava sempre cheiade medos: que ela se constipasse, que ele seesquecesse de lhe mudar a fralda, que nãolhe desse a comida a horas, que a deixassecair. Comecei depois a sentir-me muito sozi-nha com o peso da responsabilidade (seriasempre eu a faltosa se acontecesse algo degrave). Uma criança exige uma entrega totale absoluta. Nos fins-de-semana em que ela iapara o pai eu vivia dividida entre um certoprazer de poder voltar a ser pessoa e a fazeras minhas coisas, e aquela angústia queacontecesse qualquer coisa à miúda.»

Reguladas as responsabilidades parentais,definidos o regime de visitas e o valor da pen-são de alimentos, Madalena viu-se precoce-mente perante dificuldades de sobrevivên-cia. Durante os primeiros cinco anos de vidade Iara, o pai não cumpriu o acordado, «pordificuldades dele, claro. Eu nunca tive bonsordenados, o dinheiro nunca chegou, e o fac-to de ele não cumprir com a pensão de ali-mentos levou-me a ter sentimentos um boca-do extremos, a acusá-lo de ser egoísta. Nósmulheres damos tanto aos filhos, pomo-lossempre em primeiro lugar, mas um pai nãofaz assim – e para nós é inaceitável que elesnão tenham esse mesmo empenho humano.E por isso, quando não havia pensões pagas,eu por vezes dizia-lhe que ele não tinha direi-to a passar os fins-de-semana com a Iara. Sim,

queria castigá-lo por essa irresponsabilidade.A arma era usar a criança, não a deixando es-tar com o pai. Fiz isso. À distância acho ridícu-lo, penso que foi uma posição de força um bo-cado insana e insensata.»

Educar os filhos Para Madalena, estar sozinha com a filhaagora adolescente é ainda mais difícil do quenos primeiros tempos. «Por causa de facto-res exteriores, como sermos bombardeadostodos os dias por coisas que estão completa-mente erradas mas que toda a gente aceitacomo normais, que ninguém questiona, a

sensação de ter de estar permanentementeem alerta. Passei-lhe alguns valores meus,claro, mas no plano sensível. Ensinei-a a sercompreensiva, tolerante, generosa, mas naadolescência passa-se ao plano mais racio-nal. Obrigo-me a estar atenta ao que ela ou-ve e vê. Penso que se o pai estivesse em casaseria diferente, porque o facto de estarmos aviver sozinhas durante tantos anos criouuma proximidade que anula por vezes asbarreiras, e há momentos em que a frontei-ra do respeito é facilmente ultrapassada. É inevitável. Havendo o pai, penso que oequilíbrio seria outro.»

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Castigo«Quando não havia

pensões pagas,negava ao pai os

fins-de-semana coma Iara.A arma era

usar a criança.Fiz isso.À distância

acho ridículo.»

Madalena, 42 anos, divorciou-se quando a filha Iara, uma adolescente de 15 anos,tinha 16 meses. Esta mãe confessa que, agora, a sua missão ainda é mais difícil.

Por duas vezes, Rosarinho tentou o sonho de criar uma família a sério, com pai, mãe e filhos.Na realidade viveu a maior parte da vida sozinha com os quatro filhos, dois de cada relação.

son estar comigo e estar vivo. O meu filhoveio para me dar a força de resistir. Sou felizporque tenho a consciência de ter feito qual-quer coisa da minha vida.»

Pais presentes ausentesNélson cresceu a ouvir os pais a gritarem umcom outro. «Quando ele ouvia os nossos gri-tos tapava os ouvidos. Eu pensei então quenão tinha o direito de traumatizá-lo, e sendomeu filho biológico, eu podia levá-lo. E as-sim foi. Sim, eles vêem-se aos fins-de-sema-na e sempre que o miúdo quer.» Paula esfor-ça-se por chegar a acordo com o pai de Nél-son no que respeita à educação do filho. «Senão estou de acordo faço por estar, para evi-tar os conflitos. Mas sou eu que tomo as de-cisões de fundo, sim. Sempre. As escolas on-de ele anda, tudo. Porque de qualquer modoo pai, mesmo estando presente, sempre foium pai ausente, eu é que vou sempre às reu-niões da escola.» Paula diz que não se arre-pende de ter deixado o marido. «Arrependo--me é de não o ter deixado mais cedo, porqueforam anos perdidos da minha vida, foi a hu-milhação psicológica permanente, foi o de-sacreditar em mim mesma, foi o estar depri-mida durante anos e anos...»

Com constantes dificuldades materiais(«cheguei a dar cereais com água ao meu fi-lho, cheguei a ir pedir pão»), Paula vive ac-tualmente com um subsídio de sobrevivên-cia (chamado rendimento mínimo) de 265euros/mês. «Isto tem de dar para alimentaro Nélson, vesti-lo, calçá-lo, pagar a casa [107euros num T1 num bairro social na periferiade Lisboa], a água, a luz... Tivemos agora oacerto da luz e recebemos uma conta de 143euros... sim, uma conta desse valor é imedia-tamente um enorme problema, não sei co-mo vou pagá-la...» Trabalho não há, porquenão tem habilitações, diz, e «trabalho braçalnão posso fazer, porque não tenho saúde pa-ra isso [Paula tem um cancro de mama].» O ex-marido contribui com cem euros, massó «quando lhe apetece»... Passar pelo can-cro ajudou Paula a valorizar a vida. «Sintogratidão por estar viva. Eu renasci das cinzasna catedral da desgraça que é o IPO. Hoje te-

ses, e puseram-se a fazer contas à possibili-dade de eu faltar para cuidar dela.»

Mas não só: também a vida amorosa dasmães sós se torna muitas vezes uma impos-sibilidade. Por várias razões, a primeira dasquais tem apenas a ver com a objectiva faltade tempo que uma mãe sozinha tem paradedicar a alguém. Uma outra razão impedi-tiva de um novo relacionamento prende-secom a gestão desses outros afectos no con-texto monoparental. «Eu não excluo a hipó-tese de uma relação com alguém, mas ex-cluo a de essa pessoa entrar na vida da Sofia.Só concebo isso em termos de vida dupla,porque acho que quando uma criança aindatem no seu imaginário o modelo da mãe e dopai juntos (são esses ainda os anseios maisprofundos da Sofia), não se faz entrar na vi-da dessa criança uma terceira pessoa – quede repente pode até sair logo de cena.» Difí-cil concentração de responsabilidades, queimpede que muitas mulheres consigam rea-lizar-se, enquanto mulheres justamente, ob-rigadas pelas circunstâncias a serem apenasmães ao longo de vários anos, porventura

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rar pelos cantos, era uma tortura psicológicaque me deitava muito abaixo – um dia eu eraa mulher da vida dele e ele não podia viversem mim, e no dia seguinte eu era demasia-do gorda para ser mulher dele. Um dia eu es-tava na varanda a estender roupa e ele disseque qualquer dia me atirava da varanda abai-xo. E eu chamei a polícia e fiz queixa.»

«Economicamente é muito difícil. Vivocom o subsídio de desemprego (340 euros),com os oitenta euros do abono das meninas ecom duzentos euros que o pai delas dá, cempara cada uma. Às vezes chego ao fim do mêse passo vários dias sem dinheiro nenhum. O que vale é que há sempre comida no frigo-rífico, que eu compro já a pensar nos fins demês. Nem sempre comemos bem, mas não sepassa fome. Não há dinheiro para mais nada,se as cadeiras se partem não há novas, se algu-ma coisa se avaria é uma grande chatice. Se ti-vesse renda de casa para pagar não era possí-vel. Felizmente a casa é minha. Para uma mãesozinha ter uma família e mantê-la é muitomais difícil. Mas os filhos são sempre das mu-lheres, é mesmo assim. As mães são culpadas,sim, porque são elas que educam os homens.Eles acham que nós é que devemos fazer a co-mida, limpar a casa, cuidar dos filhos. Os pa-péis continuam muito separados, parece quenada muda.» Aos 47 anos, Rosarinho está a fa-zer uma formação profissional que talvez ve-nha a permitir-lhe dar uma volta ao destino.E enfrentar com mais confiança o momentoem que as filhas mais novas levantarão voo.

Contradições«Vivi 22 anos com o pai do Vasco e do Nélson[nomes fictícios]», conta Paula [nome fictí-cio], 47 anos, vítima de continuada violênciadoméstica, «sobretudo psicológica, emborauma vez ele me tenha dado uma grande ta-reia que me pôs irreconhecível durante seismeses. Não fui ao hospital nem fiz queixa por-que não tinha para onde ir.» Diz que «as pes-soas só têm de ficar juntas enquanto gostamuma da outra», e que, para além da precarie-dade da sua situação, uma outra razão expli-ca que tenha ficado tanto tempo com um ho-mem que a maltratava e de quem diz ter dei-xado de gostar precocemente: o Vasco, «filhodo coração que eu criei, mas que não é meu fi-lho biológico, e por isso eu não podia pegarnele e ir-me embora. Nós lutámos, ainda en-quanto casal, pela custódia do Vasco, e conse-guimos. Eu recebi-o como meu filho e criei-oe amei-o como tal». Cheio de contradições, odiscurso de Paula revela um modo de ser mu-lher e mãe sem qualquer correspondênciacom o lugar das mulheres na sociedade de ho-je. «Eu já não gostava do meu marido quandotive o Nélson, há muito tempo que já estavadesiludida», diz. «Fiquei com ele aqueles anostodos apenas por causa do Vasco. E como nãopodia levá-lo...»

Paula tornou-se mãe de Nélson depois deanos de terror conjugal, numa batalha con-

tra a natureza que dá que pensar. Diz que foiuma luta sozinha, e considera o filho bioló-gico uma vitória sua. «Tenho uma malfor-mação congénita e não podia em princípioser mãe. Andei em consultas de fertilidade eos médicos diziam-me para desistir, porquenão era possível. Quando engravidei do Nél-son queriam que eu abortasse, diziam que ti-nham de preservar-me. Mas eu acredito quefoi Deus que mo pôs cá dentro. Se tivesse demorrer, morreria. Recusei-me a fazer a am-niocentese, porque Deus sabe aquilo quefaz, e o menino viria como viesse. A gravidezfoi muito complicada, mas fez-se, sim, e or-

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nho mais quatro nódulos que podem desen-volver a qualquer momento. Eu estou sem-pre com a cabeça a prémio, percebe?!»

Solidão e discriminaçãoA filha (actualmente com 7 anos) de Maria-na [nome fictício], 42 anos, foi «planeada edesejada mas depois as coisas com o pai nãofuncionaram. Aquilo que mais me custa éeducar. Gostava de aos fins-de-semana sertia da minha filha para poder só estar comela, e isso é muito bom. Uma tia não tem demanter rotinas, que são avassaladoras na vi-da de uma mãe sozinha, muito sufocantes,apesar de ser isso que dá estabilidade e segu-rança às crianças.» Mariana recorda aquelesmomentos em que a verdadeira solidão dasmães sós emerge forte e feia, como porexemplo quando Sofia [nome fictício] adoe-cia. «Numa outra altura, em que estava comalgumas dificuldades financeiras, não pudeaceitar uma proposta de trabalho temporá-rio porque era à noite, embora fosse ao ladode casa. Numa outra vez, não me aceitaramnum trabalho porque a Sofia tinha seis me-

Culpa «Osfilhos são sempredas mulheres.As

mães são culpadas,sim,porque são elas

que educam oshomens.Eles acham

que nós é que deve-mos fazer tudo.»

gulho-me disso.» Hoje com 11 anos, Nélson(a frequentar o sexto ano) tem enormes di-ficuldades escolares. A mãe considera-o des-motivado para a escola, e demasiado vaido-so e egocêntrico. «Talvez eu o tenha super-protegido em demasia, talvez lhe tenhacriado um mundo cor-de-rosa, mas é preci-so ver que este filho nasceu com 1700 gra-mas, foi um projecto de vida impossível, e noentanto eu consegui. Quando estou na ruasem nada e ninguém me abre a porta, eu voubuscar forças ao fundo das pedras, e vou co-mer a terra e vou criar forças para me reer-guer... Todos os dias agradeço a Deus o Nél-

Paula, 47 anos, diz que suportou 22 anos de maus-tratos para não se separar dos filhos. Continua a passar dificuldades, ainda assim está grata à vida.

zia isso em Portugal, as pessoas reagiammal, achavam esquisito, anormal, isso de ca-da um passar uma semana com a Rita. So-bretudo as mulheres – achavam mal que eunão quisesse ficar com a minha filha a tem-po inteiro. Olhavam para mim como umamá mãe. Algumas dessas mulheres são pre-cisamente as que guerreiam com os pais, pe-la guarda única, e que não entendem que seruma boa mãe é justamente dar às crianças odireito de estar o maior tempo possível comcada um dos pais, a conhecê-los no dia-a--dia, a amá-los. Penso que cada um de nóstem o direito de estar com a nossa filha, éuma escolha que nos coloca num ponto deigualdade. Por outro lado, é preciso perce-ber que o facto de estarem uma semana comum pai e outra com o outro pai não afectaminimamente as crianças. A Rita está habi-tuada a este regime e para ela é sempre umaalegria mudar de casa e de pai.»

Margarida pensa que a guarda conjunta étambém mais equilibrada do ponto de vistada educação dos filhos, «porque o regime devisitas aos fins-de-semana ou de 15 em 15 dias

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menos penosos se vividos na plenitude deoutros afectos.

Mariana confessa que não consegue man-ter incólume a imagem do pai perante a filha.A ausência, a injustiça, o sentimento de trai-ção, tudo isso ela diz ter experimentado, so-frendo ali em casa à frente de Sofia. «Ela assis-tiu ao meu sofrimento, eu a reestruturar-me,a reconstruir-me, e houve momentos degrande desestabilização emocional, e ela es-tava aqui, e eu tive por vezes de lhe dizer quesim, que estava zangada com o pai, mas queela não tinha de se zangar com ele também.»Difícil equilíbrio, o das mães de repente re-metidas à solidão daquela que se transformana maior responsabilidade das suas vidas, porvezes parecendo demasiada. Tudo se cria, di-zem sempre as avós relativizando a angústiados mais novos. Resta saber com que custos,mas sobre isso as avós nada dizem, ocultandoo que talvez não possa efectivamente ser ex-perimentado por interposta vivência.

Mães com o corpoPara Mariana, as histórias de fadas e de ín-dios e cowboys definem grelhas de que ascrianças precisam antes ainda daquilo a quechama «a educação para o relativo», apren-dizagem ainda assim muito dificultada nummundo cheio de formatos. «Temos uma con-tribuição imbatível que é a televisão, que éjustamente um reprodutor desses modelosque prevalecem.» Para ela, a sociedade estáem mutação, e «os homens estão a tentardescobrir qual é o papel deles, a paternidadeestá em redefinição». Tarefa árdua dos ho-mens, porque «o poder que as mulheres têmem relação aos filhos é quase assustador. Bas-ta pensar que são elas que decidem ter ou nãoos filhos. E isso é mesmo assim – e será. Por-que é com o nosso corpo e com a nossa biolo-gia. Ninguém pode participar dessa decisão.O que eu senti a partir do momento em quetive a Sofia dentro de mim foi de tal formaforte e selvagem que não havia ninguém quepudesse interferir. Ninguém».

Financeiramente, o pai de Sofia contribui«de tempos a tempos. Não conto com ele».Mas a presença do pai faz falta também nou-tras coisas, porventura insuspeitas, comoesta: «Eu tenho uma voz rouca, que foi mol-dada pela voz da minha mãe, que era profes-sora – fiquei com esse registo. A voz da mi-nha filha não tem nada a ver com a minha, éuma voz aguda, suave, cantante. No outrodia gravámos as nossas vozes e verificámosque a voz dela está cada vez mais colocadacomo a minha. Ela está a aprender música eisso está a trazer-lhe dificuldades de afina-ção, porque ela não consegue soltar o regis-to agudo. Mas quando ela passa dois dias se-guidos com o pai, quando volta eu sinto logoa diferença na colocação da voz dela. Sim, háum fenómeno mimético, que é muito forte.Um processo de identificação comigo.Quando está com o pai ela liberta-se. O que

quero dizer é que educar uma criança sozi-nha obriga-nos a uma postura de força queé de alguma maneira demasiado moldado-ra.» É como se Mariana ficasse impossibili-tada de mostrar à filha a sua doçura femini-na, como se não pudesse fazê-lo, por ter deser mãe e pai todas as horas da grande maio-ria dos dias. «Mas as crianças precisam dosdois», diz Mariana. Infelizmente, «o pai daSofia é muito irregular, ele tanto fica uma ouduas semanas sem dizer nada, como de re-pente aparece, ou telefona, ou manda men-sagens todos os dias. Isso tem efeitos emo-cionais na Sofia.»

Benefícios da guarda partilhadaMargarida (38 anos) tornou-se mãe sozinhadepois de um divórcio. O pai viveu seis anoscom a filha, após o que o casal optou pelaguarda partilhada da criança. «Sou mãe so-zinha durante duas semanas por mês. As ou-tras duas semanas sou mulher. Às sextas-fei-ras um de nós vai buscar a Rita [10 anos] à es-cola e fica com ela até à sexta-feira seguinte,que é quando o outro a vai buscar. Gostamosde ficar com ela às sextas porque isso nospermite matar as saudades, antes de ela re-começar a semana de escola. Quando deci-dimos pela guarda conjunta ainda não se fa-

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que nos separássemos. Fui-me embora por-que a relação não evoluía positivamente, por-que o dia-a-dia era infernal. Tive de reorgani-zar a minha vida do zero. Tomei a decisão dedividir um apartamento com alguém, porqueuma renda de casa é muito cara. Psicologica-mente fiquei perturbada, durante uns mesesandei deprimida. Quando ela ia para casa dopai, eu ficava em casa um bocado perdida, nosilêncio, com todo o tempo do mundo só pa-ra mim. Mas depois comecei a tirar partidodesse regime, e a fazer tudo o que me apete-cia durante as semanas em que não tinha a Ri-ta comigo. E comecei a perceber que era mui-to mais são do que aquele espartilho das roti-nas do dia-a-dia, em que somos tentadas a pôros miúdos em frente do televisor para conse-guirmos realizar outras tarefas. Mas, mesmoassim, ser mãe sozinha é difícil. Em casal di-videm-se as tarefas. Tenho sido obrigada a tertrabalhos com horários em função da minhacondição de mãe só – a vida profissional pas-sa para segundo plano. Neste momento, porexemplo, é complicado, porque não consigosair a horas de ir buscar a Rita. Tenho semprede arranjar estratagemas.»

«A vida real não tem nada a ver com aquiloque nos contam quando somos miúdas», afir-ma Margarida parecendo saber perfeitamen-te o que diz. «Ter filhos transforma completa-mente a vida, antes e depois de um filho sãorealidades distintas. Depois de um filho a vi-da muda para sempre. Acho que ninguém es-tá preparado para isso antes de ser pai. É umacoisa que se aprende no terreno. São as mãesque geram os filhos e por isso eu acho que asmães ganham um ano da vida das crianças emrelação ao pai. Mesmo no caso dos superpaisque participam, as mães têm uma ligaçãocom os filhos que é sempre muito mais forte.Mas mesmo em casal é a mãe que tem a maiorresponsabilidade relativamente aos filhos. Nasociedade portuguesa os homens não sãoeducados para ajudar em casa e é exigidomuito às mulheres. Acho que os casais têmmais hipóteses de ficar mais tempo juntos seas tarefas com os filhos e com a casa forempartilhadas. A carga que as mulheres têm desuportar afecta muito a vida dos casais.»«

transforma muito depressa as mães em ma-zonas e os pais em heróis – que por estarempouco tempo com os miúdos acabam por co-meter erros, mimando-os de mais. Os paistêm ambos de experimentar o dia-a-dia, asrotinas. A mãe que estabelece regras e o paiausente que só mima não me parece lá muitoequilibrado... Os miúdos precisam que ambosestabeleçam regras». O pai da Rita está de-sempregado há mais de um ano. «Sou eu queactualmente assumo todas as despesas com aRita. Tenho de estar constantemente numaenorme ginástica financeira, para o dinheirochegar. Felizmente sou combativa e positiva.As decisões relativas à educação da nossa filhasão tomadas em conjunto, temos uma boa co-municação e achamos que os dois têm umapalavra a dizer. A Rita sabe que essa comuni-cação existe, e isso impede-a de fazer jogos,de nos virar um contra o outro em função dosseus desejos.»

Segundo plano«A separação foi muito difícil, porque ele fi-cou um bocado desequilibrado – não queria

Mariana, 42 anos,vive com a filha de 7 e diz que, por falta de tempo, as relações amorosas estão vedadas às mães sós.

Desafio«O que mais me

custa é educar.Aosfins-de-semana

gostava de ser tia daminha filha para po-der só estar com ela.Uma tia não tem de

manter rotinas.»