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    JUAN LINZ, PRESIDENCIALISMOE DEMOCRACIA: UMA AVALIAO

    CRTICA

    Scott Mainwaring e Matthew Shugart*

    Traduo do ingls: Otaclio Nunes

    RESUMOO artigo discute os argumentos apresentados por Juan Linz em seu j clssico ensaio

    "Democracy: presidential or parliamentary. Does it make a difference?" (1985). Embora

    concordando basicamente com Linz em sua concluso de que o parlamentarismo mais

    favorvel democracia do que o presidencialismo tal como normalmente praticado,

    Mainwaring e Shugart chamam a ateno para a importncia decisiva de diferentes desenhos

    constitucionais e institucionais dentro da categoria geral de presidencialismo o que no considerado por Linz. Para os autores, em certas condies presidentes com reduzido

    poder de legislar, menor fragmentao partidria e partidos mais disciplinados o

    presidencialismo pode ser mais propcio estabilidade democrtica.

    Palavras-chave: sistemas de governo; parlamentarismo; presidencialismo; Juan Linz.

    SUMMARYThis article discusses the arguments presented by Juan Linz in his now-classic essay on

    "Democracy: presidential or parliamentary. Does it make a difference?" (1985). Though

    basically agreeing with Linz's conclusion that parliamentarianism is more favorable to

    democracy than is the presidentialism that is ordinarily practiced, Mainwaring and Shugart call

    attention to the decisive importance of differences in constitutional and institutional designs

    within the general category of presidentialism something that Linz does not take into

    account. According to the authors, under certain conditions presidents who have little

    power to legislate, smaller degree of party fragmentation and more disciplined parties

    presidentialism could be more conducive to stable democracies.

    Keywords: systems of government; parliamentarianism; presidentialism; Juan Linz.

    Desde a dcada de 1960, Juan J. Linz tem sido um dos autores que maiscontriburam em todo o mundo para nossa compreenso da democracia, doautoritarismo e do totalitarismo. Embora muitas de suas contribuiestenham tido um impacto significativo, poucas tiveram tanto alcance quantoseu ensaio "Democracy: presidential or parliamentary. Does it make adifference?". Escrito originalmente em 1985, o ensaio argumentava que opresidencialismo tem menor probabilidade de sustentar regimes democr-

    ticos estveis do que o parlamentarismo. O ensaio se tornou um clssico,mesmo em forma mimeografada, e j provocou um amplo debate entrekamila

    (*) Somos gratos a Michael Cop-pedge e Timothy Scully porcrticas valiosas a verses ante-riores deste texto.

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    formuladores de polticas e estudiosos sobre os mritos e (especialmente)os perigos do governo presidencial.

    Este texto revisa de maneira breve e avalia criticamente os argumentosde Linz sobre os riscos do presidencialismo. Concordamos basicamente com

    Linz em que o presidencialismo, como normalmente praticado, menospropcio do que o parlamentarismo a sustentar um governo democrtico.No obstante, introduzimos uma srie de ressalvas no argumento. Emboraconcordemos com a maioria dos aspectos das quatro principais crticas deLinz ao presidencialismo, discordamos de uma delas; argumentamos que opresidencialismo menos orientado para resultados do tipo "o vencedor levatudo" do que os sistemas parlamentaristas do estilo Westminster1. Afirmamosque o presidencialismo tem algumas vantagens que contrabalanam parcial-mente suas desvantagens. Essas vantagens podem ser maximizadas seconsiderarem cuidadosamente as diferenas entre os sistemas presidencialis-tas; construmos uma argumentao em favor de presidncias com podereslegislativos fracos. O presidencialismo tambm parece ser mais vivel compartidos que sejam pelo menos moderadamente disciplinados, e especial-

    mente problemtico com sistemas partidrios altamente fragmentados e comeleies legislativas que ocorram com maior frequncia do que as eleiespresidenciais. Finalmente, argumentamos que, em pases com partidos muitoindisciplinados, a mudana do presidencialismo para o parlamentarismopoderia exacerbar problemas de governabilidade. Todos esses pontossugerem que, mesmo Linz estando basicamente correto em seu argumentode que o governo parlamentarista mais favorvel democracia estvel,muita coisa depende do tipo de parlamentarismo ou de presidencialismo que implementado.

    Antes de prosseguir, devemos definir os tipos de regime que vamos dis-cutir. Por presidencialismo entendemos um regime no qual: (1) o presidente sempre o chefe do Executivo e eleito pelo voto popular ou, como nos EUA,

    por um colgio eleitoral que no tem basicamente nenhuma autonomia em re-lao s preferncias populares; e (2) os mandatos do presidente e da assem-blia so fixos. Um outro tipo de regime que merece meno, embora seja dis-tinto do presidencialismo, o que chamamos depremier-presidencialismo eoutros chamaram de semipresidencialismo. Neste tipo de regime (1) o presi-dente eleito pelo voto popular, (2) o presidente nomeia um primeiro-minis-tro que o chefe do governo, (3) o primeiro-ministro e o gabinete dependemapenas da confiana da assemblia, e (4) o presidente tem poderes polticosimportantes, incluindo normalmente o direito de dissolver o parlamento. H al-gumas divergncias decisivas entre esses dois tipos de regime. Primeiro, em umademocracia presidencial o presidente o chefe do governo, enquanto em umsistemapremier-presidencialista o posto de chefe do Executivo dividido, ca-bendo formalmente ao primeiro-ministro a funo de chefe do governo. Segun-

    do, em um sistema presidencialista o governo eleito para um mandato fixo,ao passo que em um sistemapremier-presidencialistao governo depende damanuteno da confiana da assemblia. Alm disso, no presidencialismo puroo presidente tem total autoridade sobre o gabinete. Embora algumas varianteskkkkkkkkk

    (1) Adotamos o entendimentode Arend Lijphart de uma de-mocracia de estilo Westminster(britnico). Lijphart discutenove caractersticas de uma de-mocracia Westminster emDe-mocracies: Patterns of majori-tarian and consensus govern-ment in twenty-one countries.New Haven: Yale UniversityPress, 1984, especialmente pp.1-20. Para nossos propsitos,

    as mais relevantes so: (1) ga-binetes de maioria de um spartido; (2) partidos disciplina-dos; (3) algo prximo de umsistema bipartidrio no nvellegislativo; (4) distritos eleito-rais de membro nico em siste-ma de maioria simples; e (5)governo parlamentarista.

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    do presidencialismo inclusive o sistema presidencialista mais antigo, dos Es-tados Unidos exijam a confirmao pela assemblia das nomeaes de mi-nistros pelo presidente, em todos os regimes presidencialistas puros, incluindoo norte-americano, s o presidente pode demitir membros do ministrio. Poroutro lado, um regime no premier-presidencialista a no ser que apenas a

    maioria da assemblia, exercendo seu voto de censura (desconfiana) possademitir o gabinete. Assim, no presidencialismo puro o presidente tem o direitode manter ministros de sua escolha independentemente da composio do Con-gresso, enquanto nopremier-presidencialismo a maioria parlamentar pode man-ter gabinetes de sua preferncia mesmo que o presidente discorde das polticaspor eles adotadas.

    Os riscos do presidencialismo: os argumentos de Linz

    Linz comea com a observao de que poucas democracias estveistm sistemas presidencialistas de governo. O cerne de sua argumentao que "o desempenho histrico superior das democracias parlamentaristasno um acidente" (p. 52)2. Pode-se recolher de seu ensaio quatroproblemas principais dos sistemas presidencialistas. Esperando que amaioria dos leitores tenha familiaridade com os argumentos de Linz,discutimos sumariamente esses quatro pontos.

    Primeiro, em sistemas presidencialistas, o presidente e a assembliatm reivindicaes concorrentes legitimidade. Ambos os poderes soeleitos pelo voto popular, e a origem e sobrevivncia de cada um independente do outro3. Se a maioria dos legisladores prefere polticasdiferentes daquelas que o presidente adota, pode surgir um conflitodramtico entre a assemblia e o Executivo. "No existe nenhum princpiodemocrtico para resolver disputas entre o Executivo e a legislatura sobre

    qual dos dois realmente representa a vontade popular" (p. 63). Linzargumenta que o parlamentarismo evita esse problema porque o Executivono independente da assemblia. Se a maioria da assemblia prefere umamudana de orientao poltica, ela pode substituir o governo por meio doexerccio de seu voto de desconfiana.

    Em segundo lugar, o mandato fixo do presidente introduz uma rigidezque menos favorvel democracia do que a flexibilidade oferecida pelossistemas parlamentaristas, onde os governos no so eleitos para umperodo de governo fixo, mas dependem da manuteno da confiana daassemblia. Como no presidencialismo o chefe do Executivo no podeassegurar sua autoridade nem por meio de um voto de confiana nem peladissoluo do parlamento para convocar novas eleies, a lideranapresidencial pode ser mais fraca que a obtida por alguns primeiros-ministros. As constituies presidencialistas manifestam frequentementeuma contradio "entre o desejo de um Executivo forte e estvel e a suspeitalatente em relao a este mesmo poder presidencial" (p. 55). Alm do mais,kkkkkkkkkkkkkkkkkk

    (2) Os nmeros de pgina notexto se referem verso resu-mida do ensaio de Linz, publi-cada como "The perils of presi-dentialism".Journal of Demo-cracy, vol. 1, n 1, inverno1990, pp. 51-69. A verso defi-nitiva do ensaio de Linz deveser publicada em Linz, Juan J. eValenzuela, Artur, ores. The cri-sis of presidential democracy:The Latin American evidence.Baltimore: Johns Hopkins Uni-versity Press, no prelo.(3) Para um desenvolvimentodesse ponto, ver Shugart, Mat-thew e John Carey. Presidentsand assemblies: Constitutionaldesign and electoral dynamics.Nova York: Cambridge Univer-sity Press, 1992, captulo 2.

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    extremamente difcil tirar um presidente do cargo, independentemente deseu nvel de competncia e do apoio que ele tenha entre os parlamentarese outros atores polticos relevantes. Em virtude de sua maior capacidade depromover mudanas no gabinete e no governo, os sistemas parlamentares

    propiciam maiores oportunidades para a resoluo de disputas. Umavlvula de segurana como essa pode fortalecer a estabilidade doregime.

    Da mesma forma como o presidencialismo torna difcil remover umchefe de governo democraticamente eleito que no conta mais com apoio,ele normalmente torna impossvel estender o perodo de governo depresidentes populares alm dos limites estabelecidos constitucionalmente.Embora essas disposies no sejam inerentes ao tipo de regime, a maioriadas constituies presidencialistas impede os presidentes de cumprirmandatos sucessivos. Os presidentes tm portanto um tempo relativamentepequeno para executar seus projetos e, em consequncia, so levadosfrequentemente a tentar realizar muita coisa em pouco tempo. "Esseexagerado senso de urgncia por parte do presidente pode levar a

    iniciativas polticas mal concebidas, tentativas de implementao exagera-damente precoces, ira injustificada em relao oposio legtima e umamultido de outros males" (p. 66).

    Em terceiro lugar, Linz argumenta que o presidencialismo tem umalgica do tipo "o vencedor leva tudo" que desfavorvel estabilidadedemocrtica. Nos sistemas parlamentaristas, "o compartilhamento do podere a formao de coalizes so muito comuns, e os que ocupam o governoesto, portanto, atentos s demandas e interesses at mesmo dos partidosmenores" (p. 56). Nos sistemas presidencialistas, a eleio popular diretatende a imbuir o presidente de um sentimento de que ele no precisa levara cabo o tedioso processo de construir coalizes e fazer concesses oposio. Alm disso,

    O perigo posto pelas eleies presidencias de soma zero aumentado

    pela rigidez do perodo fixo do mandato. Ganhadores e perdedores so

    claramente definidos para todo o perodo do mandato presidencial.

    [...] Os perdedores tm de esperar pelo menos quatro ou cinco anos sem

    nenhum acesso ao poder executivo e patronagem (p. 56).

    Em quarto lugar, Linz argumenta que o "estilo presidencialista depoltica" menos propcio democracia do que o estilo parlamentarista.Em contraste com os primeiros-ministros, os presidentes so convocadosa serem tanto o chefe de Estado como o chefe do governo 4, e as exigncias

    desses dois papis s vezes entram em conflito. O sentido de o presidenteser o representante de toda a nao pode lev-lo a uma perniciosaintolerncia em relao oposio. A ausncia, nos sistemas presidencia-listas verdadeiros, de um monarca ou de um "presidente da repblica" comkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

    (4) Esse papel dual no ine-rente ao presidencialismo; po-deria haver um monarca ououtro chefe cerimonial do Esta-do, mais um chefe de governoeleito pelo voto popular. Hou-ve propostas em Israel, na Itliae na Holanda de instituir aeleio direta do "primeiro-mi-nistro" (isto , do presidente),embora mantendo o atual che-fe de Estado cerimonial. VerShugart e Carey, Presidenciesand assemblies, captulo 8.

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    poderes simblicos ou moderadores, priva-os do poder de restrio(p.62).

    Uma avaliao do histrico do presidencialismo

    Linz est correto ao afirmar que a maioria das democracias estabele-cidas h muito tempo no mundo tem sistemas parlamentaristas. Comomostra a Tabela 1, o presidencialismo est mal representado entre asdemocracias estveis no mundo hoje. A democracia definida aquiestritamente com base na longevidade democrtica mais especificamen-te, pelo menos 25 anos de democracia ininterrupta.

    Tabela 1Democracias estveis, 1967-1992

    Sistemas parlamentaristas (24)Alemanha (1949); Austrlia (1900); ustria (1945); Blgica (1831); Barbados(1966); Botswana (1960); Canad (1867); Dinamarca (1855); Holanda(1848); ndia (1952); Irlanda (1921); Islndia (1874); Israel (1949); Itlia(1946); Jamaica (1962); Japo (1946); Liechtenstein (1918); Luxemburgo(1868); Malta (1964); Noruega (1814); Nova Zelndia (1852); Reino Unido(1832); Sucia (1866); Trindade e Tobago (1962).

    Sistemas presidencialistas (4)Colmbia (1958); Costa Rica (1958); Estados Unidos (1788); Venezuela(1958).

    Outros sistemas (3)Finlndia (premier-presidencialista) (1906); Frana (premier-presidencialis-ta) (1946); Sua (hbrido) (1848).

    Nota: As datas entre parnteses se referem ao ano a partir do qual foram realizadascontinuamente eleies populares.

    De 32 pases que tiveram democracia contnua desde pelo menos 1967(isto , por pelo menos 25 anos consecutivos), s quatro Colmbia, CostaRica, Estados Unidos e Venezuela tm sistemas presidencialistas. Vinte equatro democracias parlamentaristas, duas democracias premier-presidencia-

    listas e um hbrido duraram desde pelo menos 19675.A escassez de democracias presidencialistas estveis no funo

    simplesmente do pequeno nmero de experincias democrticas presi-dencialistas. Mainwaring, em outro texto, computou cinquenta casos dekkkkkkkkkkkkkkkkkkk

    (5) Se usssemos o critrio maisrigoroso de Lijphart para defi-nir uma democracia de longadurao, a saber, pases quetiveram uma democracia cont-nua desde 1950, haveria s doissistemas presidencialistas (EUAe Costa Rica), em comparaocom dezoito sistemas parla-mentaristas, doispremier-pre-sidencialistas e um hbrido. Li-jphart,Democracies.

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    colapso de democracia desde 1945. Desses, dezenove eram parlamentaris-tas e 27 eram presidencialistas (quatro eram de outros tipos). A taxa desucesso definida como o nmero de democracias estveis dividido pelasoma do nmero de democracias estveis com o nmero de colapsos da

    democracia era muito mais baixa entre os sistemas presidencialistas(sete em 31, ou 22,6%) do que entre os sistemas parlamentaristas (25 em43, ou 58,1%)6.

    Uma leitura inicial dessa informao sustenta fortemente a alegaode Linz. Todavia, no est claro at que ponto o presidencialismoper se responsvel pela baixa taxa de sucesso das democracias presidencialis-tas. Talvez o fato mais surpreendente que emerja de um estudo dorelacionamento entre tipo de regime e democracia bem-sucedida seja quequase todas as tentativas de democracia presidencialista ocorreram empases menos desenvolvidos. Os EUA so a nica exceo inequvoca,embora a Argentina e o Uruguai em certo momento tambm se situassemcomo muito desenvolvidos. Como o padro de vida uma fator importan-te a contribuir para a viabilidade da democracia7, no fica claro em que

    medida o presidencialismo pode ser considerado responsvel pelo fracas-so da democracia.

    S oito pases no Terceiro Mundo mantiveram democracias contnuaspor pelo menos 25 anos at 1992. Cinco deles so parlamentaristas(Barbados, Botswana, ndia, Jamaica e Trindade e Tobago) e trs so os jmencionados sistemas presidencialistas do Terceiro Mundo. Cinco outrasdemocracias do Terceiro Mundo duraram pelo menos 25 anos mas depoisruram. Desses cinco casos, trs eram presidencialistas: Chile, Filipinas eUruguai. Um, o Sri Lanka, era parlamentarista apesar de em 1978 ter sidoaprovada uma emenda constitucional mudando para um sistema hbrido,depois do que as eleies foram suspensas por vrios anos. O ltimo caso,o Lbano, usava um formato hbrido.

    Os resultados da anlise da democracia no Terceiro Mundo, sumari-zados na Tabela 2, sugerem duas concluses: (1) o sucesso muito maior dademocracia parlamentarista em geral depende parcialmente do sucessoesmagadoramente maior da democracia entre os pases industrializados,nenhum dos quais exceto os EUA tem uma constituio presidencia-lista8; e (2) nenhum dos seis principais tipos de democracia foi bem-sucedido no Terceiro Mundo; tanto a democracia parlamentarista como apresidencialista falharam durante a maior parte do tempo. O mau desem-penho do parlamentarismo no Terceiro Mundo pode ser relacionado aofato de que ele foi implementado basicamente em pases africanos easiticos onde os obstculos sociais, econmicos e culturais democraciaeram maiores do que na maioria dos casos latino-americanos. A maioriadas democracias parlamentaristas que sofreram colapsos estava em pases

    do "quarto mundo"; muitos deles haviam passado recentemente porturbulentas lutas de independncia desestabilizadoras; e vrias democra-cias parlamentaristas apresentavam profundas clivagens tnicas e umaidentidade nacional pouco desenvolvida. No obstante, o mau desempe-kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

    (6) "Presidentialism, multipar-tism, and democracy: The diffi-cult combination". Comparati-ve Political Studies, no prelo,1993.

    (7) Esse ponto foi estabelecido

    por muitos analistas. Ver, porexemplo, Kenneth Bollen. "Po-litical democracy and the ti-ming of development". Ameri-can Sociological Review,vol. 44,agosto 1979, pp. 572-87.

    (8) A Quinta Repblica france-sa premier-presidencialista.

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    nho do parlamentarismo no mundo subdesenvolvido serve para noslembrar que condies sociais e econmicas inspitas e um limitadocomprometimento da elite com a democracia criam dificuldades, noimporta o tipo de regime.

    Tabela 2Democracia em pases menos desenvolvidos

    desde 1945, por tipo de regime

    A. Democracias bem-sucedidas, 1945-91(data da primeira eleio entre parnteses)

    Sistemas parlamentaristas Sistemas presidencialistas

    Barbados (1966) Colmbia (1958)Botswana (1966) Costa Rica (1949)ndia (1952) Venezuela (1958)Jamaica (1962)Trindade e Tobago (1962)

    B. Democracias que ruram aps pelo menos 25 anos(perodo de governo democrtico entre parnteses)

    Sistemas parlamentaristas Sistemas presidencialistas Hbridos ououtros tipos

    Sri Lanka (1948-78) Chile (1933-73) Lbano (1943-75)Filipinas (1946-72)

    Uruguai (1942-73)

    Quaisquer concluses empricas definitivas sobre a tendncia de umou outro tipo de sistema a entrar em colapso deveria basear-se em umnmero maior de estudos de casos detalhados dos vrios fracassos dademocracia no Terceiro Mundo, especialmente dos vrios sistemas parla-mentaristas que no foram estudados da perspectiva da anlise institucional.Como o trabalho de Linz sobre o colapso dos regimes democrticosmostrou9, esse estudo requer ateno para os muitos fatores contingentesque contribuem para as crises de regime. Linz constri ainda uma argumen-tao convincente para explicar por que o presidencialismo pelo menos

    como praticado na maioria dos pases latino-americanos contemporneos no foi capaz de colocar obstculos suficientes no caminho de crises quepoderiam levar ao colapso.

    (9) Linz, Juan J.The breakdownof democratic regimes: Crisis,breakdown, and reequilibrati-on. Baltimore: Johns HopkinsUniversity Press, 1978.

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    basicamente para reduzir os incentivos a que o presidente abuse dospoderes executivos para garantir sua reeleio. A proibio de reeleioimediata tambm interessa a polticos ambiciosos que pretendem disputaro cargo poltico mais alto da nao, j que tira de cena um concorrente

    potencialmente poderoso. Em alguns pases, os polticos regionais oucaciques apoiaram essa proibio, na medida em que buscavam proteocontra a possibilidade de um presidente popular usar uma campanha dereeleio nacional contra os interesses frequentemente mais paroquiaisrepresentados pelo congresso. Em outros lugares, as oposies democrti-cas s ditaduras "presidenciais" preexistentes procuraram proibir a possibi-lidade de um novo presidente perptuo. A despeito de seu potencial deabuso, a reeleio pode ser permitida e ns acreditamos que deveria ser,em pases onde h instituies confiveis para salvaguardar as eleies demanipulaes abusivas por parte dos ocupantes do governo.

    Entretanto, mesmo que a reeleio seja permitida, ainda resta a rigidezdo mandato fixo. O argumento da "flexibilidade" de substituio degabinetes nos sistemas parlamentaristas uma faca de dois gumes. Em um

    sistema parlamentarista, o partido do primeiro-ministro pode substituir seulder ou um parceiro da coalizo pode retirar seu apoio, conduzindo a umamudana de governo, sem precisar apelar ao golpe que poderia ser a nicamaneira de tirar um presidente sem apoio. Concordamos com Linz em quea instabilidade do gabinete no precisa levar instabilidade do regime epode representar uma vlvula de segurana. Contudo, em muitos sistemasparlamentaristas fracassados, como na Somlia e na Tailndia, a criseocorreu precisamente devido dificuldade de sustentar gabinetes viveis. Opresidencialismo eleva o patamar mnimo para a derrubada do executivo: osoponentes devem ou aguardar o fim do mandato ou patrocinar um governono democrtico. Pode haver casos em que esse patamar elevado para amudana de governo seja desejvel, j que seria de esperar que ele

    promovesse mais previsibilidade e estabilidade para o processo decisriodo que o frequente desmantelamento e reconstruo de gabinetes que afligealguns sistemas parlamentaristas.

    Em tese, o problema dos mandatos fixos poderia ser resolvido semadotar o parlamentarismo, permitindo-se sob certas condies aconvocao de eleies antecipadas12. Isso representaria um desvio dopresidencialismo, que se define pelo perodo fixo do mandato. Noobstante, embora um ramo do poder no possa demitir o outro semprovocar a sua prpria reeleio, o princpio da separao de poderes ainda mantido em uma medida que no se encontra em nenhuma variante doparlamentarismo.

    Ns questionamos a afirmao de Linz de que o presidencialismoinduz mais do que o parlamentarismo a uma viso da poltica do tipo "o

    vencedor leva tudo". A nosso ver, os sistemas parlamentaristas no ofere-cem uma grande vantagem nessa questo. O grau em que as democraciaspromovem regras do tipo "o vencedor leva tudo" depende do sistemaeleitoral e do sistema partidrio. Os sistemas parlamentaristas com partidoskkkkkkkkkkkkkkk

    (12) Depois de uma fracassadatentativa de golpe em fevereirode 1992, os polticos venezue-lanos comearam a considerarseriamente um plano para per-mitir que os eleitores tirassem ochefe do executivo por meiode uma nova eleio*. Esse po-der existe em alguns estadosdos Estados Unidos.

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    disciplinados e um partido majoritrio oferecem menos controles [checks]sobre o poder executivo, promovendo, portanto, mais do que os sistemaspresidencialistas, uma perspectiva do tipo "o vencedor leva tudo"13. Na Gr-Bretanha, por exemplo, nas ltimas duas dcadas um partido frequente-

    mente conquistou uma maioria decisiva das cadeiras parlamentares adespeito de obter bem menos de 50% dos votos. No obstante no contarcom uma margem decisiva de votos populares, o partido pode controlartodo o executivo e a legislatura por um perodo de tempo prolongado. Elepode at mesmo usar estrategicamente seu poder de dissoluo pararenovar seu mandato por mais cinco anos, convocando uma nova eleioantes do final do mandato corrente.

    Devido combinao de partidos disciplinados com a capacidade doprimeiro-ministro para dissolver o parlamento, os sistemas Westminster nopropiciam essencialmente nenhum controle [check] sobre o primeiro-ministro. Os primeiros-ministros apiam regularmente as iniciativas legisla-tivas e de polticas de seu partido, independentemente dos mritos daspropostas especficas. Aqui, mais do que em qualquer sistema presiden-

    cialista, o vencedor leva tudo. Dada a maioria de um s partido noparlamento, improvvel que um voto de desconfiana prevalea, logo hpouca ou no h nenhuma oposio para pr o governo em xeque [check].Por causa dessas imperfeies, o lder do Labour Party, Neil Kinnock,props na Conferncia Anual de 1991 uma mudana constitucional exigindoparlamentos com mandato fixo. Outras reformas, incluindo a representaoproporcional e a eleio da cmara alta pelo voto popular, so tambmdiscutidas com frequncia como remdios para os males aparentes doparlamentarismo no Reino Unido.

    O presidencialismo se baseia num sistema de contrapesos [checks andbalances]. Esses contrapesos podem ser criticados de outras perspectivas,mas eles normalmente inibem as tendncias do tipo "o vencedor leva tudo"

    que Linz imputa ao presidencialismo. Os contrapesos so criados precisa-mente para limitar essa possibilidade. Se perder a presidncia, um partidoou coalizo ainda pode conquistar votos decisivos no congresso, situaoesta que na maioria dos pases o autorizaria a restringir a ao do presidentee at bloquear algumas iniciativas presidenciais. Se os prprios podereslegislativos do presidente so apenas negativos (poder de veto, mas nopoder de decretar nem poder privativo de ditar a agenda), um congressocontrolado pela oposio pode at mesmo deter a iniciativa de legislar,como ocorre nos Estados Unidos. Controlar o congresso no o maiorprmio em jogo, e normalmente no capacita o partido ou coalizo a ditara poltica, mas ainda permite que estabeleam parmetros para a poltica.Pode ser por si s um grande prmio se a presidncia tiver podereslegislativos relativamente fracos.

    Alm do mais, comparadas aos sistemas parlamentaristas do estiloWestminster, a maioria das democracias presidencialistas oferece maioresperspectivas de dividir o gabinete entre vrios partidos. Essa prtica,essencialmente desconhecida entre as democracias parlamentaristas West-kkkkkkkkkk

    (13) Esse ponto ajuda a ilustrarum dos argumentos-chave des-te texto, o de que as carac-tersticas do sistema partidrio

    fazem uma grande diferenaigualmente no sistema par-lamentarista e no presiden-cialista.

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    minster, comum nos sistemas presidencialistas multipartidrios. Paraserem eleitos, os presidentes precisam montar uma ampla coalizo interpar-tidria, ou para o primeiro turno (se o formato das eleies for o de maioriasimples) ou para o segundo turno (se prevalecer um sistema de dois turnos,

    ou maioria absoluta). Geralmente, os presidentes distribuem cadeiras doministrio a partidos diferentes do seu com o objetivo de atrair o apoiodesses partidos ou, depois das eleies, para recompens-los por esseapoio. A diviso do ministrio dessa maneira outra forma de dar aosperdedores na disputa presidencial uma fatia do bolo.

    Consequentemente, ao contrrio do que diz Linz, alguns sistemasparlamentaristas em particular aqueles com sistemas eleitorais distritaisde um s membro tm mecanismos do tipo "o vencedor leva tudo" maisfortes do que os sistemas presidencialistas. especificamente a combinaode parlamentarismo e sistema eleitoral distrital de membro nico comeleio por maioria simples que produz resultados desse tipo. Nos sistemaspresidencialistas com sistemas distritais de membro nico com eleio pormaioria simples, o partido que no controla a presidncia pode controlar o

    congresso, havendo assim um importante controle [check] sobre o poderexecutivo.

    Isso no quer dizer que o presidencialismo geralmente mais propcioa um governo de coalizo do que os sistemas parlamentaristas. Na verdade,como argumentaremos depois, possvel sustentar que os mecanismos deconstruo de coalizes interpartidrias no sistema presidencialista so maisfrgeis do que nos sistemas parlamentaristas. Mas os exemplos mais purosdo que Lijphart chama democracia Westminster, na qual o vencedor levatudo, so as democracias parlamentaristas e no as presidencialistas.

    Vantagens dos sistemas presidencialistas

    Apesar de discordarmos de uma das crticas de Linz ao presidencialis-mo, estamos de acordo em que ele apresenta uma argumentao slida. Nofim das contas, os sistemas parlamentaristas parecem apresentar fortesvantagens sobre os sistemas presidencialistas. Todavia, os sistemas presi-dencialistas epremier-presidencialistas apresentam algumas caractersticasatraentes que podem ser maximizadas por uma ateno meticulosa aodesenho constitucional.

    A vantagem bsica de um sistema presidencialista reside precisamentena caracterstica que levou Linz a advertir contra a dualidade da legitimidadedemocrtica. Se os poderes forem cuidadosamente definidos e o mtodo deeleio limitar a fragmentao do sistema partidrio, pode ser benfico ter

    dois em vez de um agentes do eleitorado. No governo democrticorepresentativo h dois modelos gerais de controle pelos cidados. Em um,que Powell14 chamou Responsabilidade dos Governantes [GovernmentAccountability], os eleitores devem ter a oportunidade de escolher entrekdkjkkgkkgkgk

    (14) G. Bingham Powell, Jr."Constitutional design and citi-zen electoral control". Journalof Theoretical Politics, 1, 1989,pp. 107-30.

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    dois governos alternativos claramente identificveis: o que est no poder ea oposio. No outro, chamado Delegados Representantes [RepresentativeDelegates], os eleitores devem poder escolher entre um amplo menu deopes partidrias, de modo que cada eleitor tenha a probabilidade de

    encontrar um partido que expresse suas preferncias polticas gerais. Oparlamentarismo exige uma escolha entre esses dois desiderata; o presiden-cialismo ou o premier-presidencialismo podem permitir os dois tipos deeleio.

    O modelo Westminster de parlamentarismo funciona muito bemsegundo os padres da Responsabilidade dos Governantes, na medida emque o governo e a oposio so claramente definidos: vota-se ou paramanter os conservadores ou para tir-los e ter um governo trabalhista.Contudo, esse modelo funciona mal na garantia de representao minorit-ria: um apoiador do nacionalismo escocs ou dos Verdes tem poucaesperana de ver candidatos de seu partido preferido eleitos, e ainda menosde ver o partido desempenhar algum papel no legislativo, se chegar aconquistar cadeiras. O problema do acentuado desgaste das minorias uma

    das razes pelas quais vrios sistemas parlamentaristas no estilo Westmins-ter fracassaram no Terceiro Mundo (por exemplo, Nigria, Paquisto e SriLanka).

    Outras formas de parlamentarismo funcionam muito bem para forne-cer Delegados Representantes, como por exemplo na Itlia, onde oseleitores podem escolher entre muitos partidos. Esses partidos representamvrias combinaes possveis de posies polticas sobre diversas dimen-ses de questes e muitos deles tm uma chance razovel de ocupar umlugar no gabinete. Mesmo aqueles que no obtm representao nogabinete podem desempenhar um papel importante no patrocnio deemendas legislao nas comisses ou no plenrio do parlamento.Entretanto, esse modelo de parlamentarismo funciona mal no sentido de

    garantir aos eleitores Responsabilidade dos Governantes, j que muitasmudanas de gabinete ocorrem sem nenhuma conexo direta com umaeleio. Tipicamente, os mesmos partidos se revezam no governo sem queseja vivel nenhuma mudana fundamental na orientao poltica. A falta deum executivo responsvel, identificvel e estvel uma das razes pelasquais esses regimes fracassaram em alguns pases do Terceiro Mundo (porexemplo, Somlia, Sudo e Tailndia).

    O parlamentarismo requer, consequentemente, uma escolha ou umcompromisso entre Responsabilidade de Governo e diversidade de repre-sentao. Como o parlamento o nico agente do eleitorado, no viveloferecer ambas as formas de controle pelos cidados atravs do processoeleitoral. Acrescentemos um segundo agente, o presidente, e isso setornar possvel. Uma eleio presidencial, especialmente se os ocupantes

    do governo puderem ser reeleitos, pode ser estruturada de forma a sernormalmente uma disputa onde seja possvel identificar claramente quemest no governo e quem est na oposio, podendo os eleitores fazer omesmo tipo de escolha feito nas eleies parlamentares Westminster. Akmiskmkmkm

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    eleio da assemblia pode se ater ao problema da representatividade,com a representao proporcional sendo usada para permitir que ospartidos menores tenham um papel na assemblia. Se as diferentesdecises eleitorais se traduziro em polticas, bem como se os riscos da

    legitimidade dual podem ser minimizados, tudo depende dos poderes dasduas instituies e da medida em que elas se controlam [check] uma outra. Depende tambm do tipo de sistema partidrio e de sua relaocom os poderes de cada ramo. Essas so as questes levantadas norestante de nossa discusso.

    Tipos de presidncia: um argumento em favor de presidentes fracos

    O artigo de Linz se baseia principalmente nas categorias genricasdos sistemas parlamentarista e presidencialista; ele geralmente no fazdiferena entre tipos de sistemas parlamentaristas e presidencialistas. Nos

    pargrafos finais, entretanto, ele argumenta que "no se pode concluir quequalquer tipo de parlamentarismo funcionar. Na verdade, para completara anlise seria preciso refletir sobre o melhor tipo de constituio parla-mentarista e suas caractersticas institucionais especficas. Entre estas esta-ria um cargo de primeiro-ministro que combinasse poder com responsabi-lidade, o que, por sua vez exigiria partidos polticos fortes e bem discipli-nados" (p. 68).

    Concordamos que importante distinguir entre diferentes tipos deregimes parlamentaristas porque nem todos os tipos de parlamentarismofuncionam igualmente bem. Os sistemas parlamentaristas variam quanto medida em que o parlamento e suas comisses podem emendar projetospropostos pelo gabinete e tambm na facilidade com que as maiorias

    podem votar para derrubar um gabinete. Consequentemente, como Linzreconhece, a simples dicotomia presidencialismo vs. parlamentarismo,embora til como ponto de partida, no obstante insuficiente para avaliaros mritos relativos de diferentes desenhos constitucionais.

    No s entre os regimes parlamentaristas que as diferenas no tipobsico de regime so importantes. O presidencialismo tambm abrangeuma gama de sistemas de governo, e as variaes dentro do presidencialis-mo so importantes talvez at mesmo mais importantes do que asvariaes no tipo de parlamentarismo. Sob certas condies, os riscos dopresidencialismo podem ser atenuados, o que Linz geralmente negligencia. importante dar ateno a fatores que podem minimizar os problemas dopresidencialismo porque pode ser politicamente mais vivel modificar ossistemas presidencialistas do que mudar para um governo parlamentarista.

    Nas trs sees seguintes discutimos trs fatores que ajudam o presidencia-lismo a funcionar melhor.

    possvel argumentar que os sistemas presidencialistas funcionammelhor se o presidente tiver poderes relativamente limitados. Em umkakakakkaakkakak

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    sistema presidencialista, enfraquecer a presidncia significa basicamenteenfraquecer seus poderes sobre a legislao, embora no deva ser subesti-mada a importncia de reduzir os poderes presidenciais sobre a formaodo ministrio por meio da exigncia de confirmao das nomeaes pelo

    congresso. Em vrios pases latino-americanos assim como na Coria e nasFilipinas, a tendncia foi dotar constitucionalmente os presidentes degrandes poderes legislativos.

    Para comparar os poderes presidenciais na arena legislativa, exami-namos seis reas de poderes legislativos. Para cada uma delas, imaginamosuma escala variando de zero (poderes presidenciais fracos ou nenhum) aquatro (poderes presidenciais fortes). A primeira o veto em bloco/derrubada do veto: o presidente tem poder de veto?; se tem, que maioriado congresso necessria para derrubar o veto? Os presidentes teromaior poder se seu veto no puder ser derrubado; tero menos, se notiverem poder de veto ou se o veto puder ser derrubado por maioriasimples. A segunda o veto parcial, uma arma formidvel nas mos dealguns presidentes, por meio da qual eles podem rejeitar partes de projetos

    em vez de aceit-los ou rejeit-los como um todo. Os presidentes teromaior poder se puderem exercer um veto parcial que no possa serderrubado, e sero mais fracos se no tiverem possibilidade nem mesmode veto parcial. Em terceiro lugar esto os poderes de decreto, pelo queentendemos a autoridade de alguns presidentes para fazer leis pelomenos provisoriamente sem consulta prvia ao congresso. Esse poder distinto do poder de baixar decretos de natureza regulatria ou adminis-trativa, que devem conformar-se legislao existente. Os presidentescom grandes poderes de decreto podem fazer leis a despeito da oposiodo congresso. Em quarto lugar esto os poderes privativos conferidos aalguns presidentes de estabelecer a agenda em algumas reas-chave depolticas. Nessas reas, a iniciativa de legislar cabe ao presidente. Esse

    poder ser maior se a assemblia no puder emendar as iniciativaspresidenciais, mas tiver de aceit-las como apresentadas ou rejeit-las. Emquinto lugar, consideramos a medida em que o presidente tem primazia noprocesso oramentrio, limitando a capacidade do congresso para alterarreceitas ou despesas. Num extremo do espectro, o presidente prepara ooramento e o congresso no pode emend-lo. No outro extremo, ou aassemblia prepara o oramento ou tem autoridade constitucional irrestritapara emend-lo. Finalmente, um pequeno nmero de presidentes podesubmeter propostas legislativas diretamente aos eleitores, passando assimcompletamente por fora do congresso. Essa medida fortalece o poder dopresidente ao dar a este um segundo meio de obter aprovao para alegislao.

    Na parte superior da Tabela 3 so fornecidos detalhes sobre a

    classificao dessas seis reas. A pontuao em cada rea simplesmentesomada para chegar a um total para o pas, como mostrado para vriospases na parte inferior da Tabela 3.

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    Tabela 3Poderes legislativos presidenciais

    Veto em bloco/derrubada do veto4 Veto sem possibilidade de derrubada3 Veto com exigncia de maioria de mais

    de 2/3 ara a derrubada2 Veto com exigncia de 2/3 para aderrubada

    1 Veto com exigncia de maioria absolutada assemblia ou maioria extraordinriamenor que 2/3 para a derrubada

    0 Sem poder de veto; ou exigncia apenasde maioria simples para a derrubada

    Decreto4 Poderes reservados, sem restrio2 Autoridade para baixar decretos

    temporrios com poucas restries1 Autoridade limitada de baixar decretos0 Poder de decreto s por delegao

    Veto parcial/derrubada do veto4 Impossibilidade de derrubada3 Derrubada por maioria extraordinria

    2 Derrubada por maioria absoluta dosmembros1 Derrubada por maioria simples0 Sem poder de veto

    Iniciativa exclusiva de legislao (reasde poltica reservadas)

    4 Impossibilidade de emenda pelaassemblia

    1 Possibilidade restrita de emenda pelaassemblia

    1 Possibilidade irrestrita de emenda pelaassemblia

    0 Nenhum poder exclusivo

    Poderes sobre o oramento4 Impossibilidade de emendar o

    oramento do presidente3 A assemblia pode cortar mas no

    acrescentar itens2 O presidente estabelece limites para a

    despesa total, dentro dos quais aassemblia pode apresentar emendas

    1 A assemblia s pode aumentardespesas se criar novas receitas

    0 Poderes irrestritos para a assemblia

    Poder de propor referendo4 Irrestrito2 Restrito0 Presidente sem autoridade para propor

    referendo

    Pas Veto embloco

    Vetoparcial

    Decreto Iniciativalegislativaexclusiva

    Iniciativaoramen-

    tria

    Propostade

    referendo

    Escoretotal

    Argentina 2 0 0 0 0 0 2

    Bolvia 2 0 0 0 0 0 2Brasil 1946 2 3 0 1 1 0 7Brasil 1988 1 2 2 1 1 0 7Chile 1925 2 3 1 1 1 0 8Chile 1970 2 4 1 2 1 2 12Chile 1989 2 0 0 1 2 0 5Colmbia pr-1991 1, 5 2,5 2 1 1 0 8

    despesas (2) (3)outros (1) (2)

    Colmbia 1991 1 2 1 0 1 0 5Coria 2 0 1 0 3 0 6Costa Rica 1 0 0 0 0 0 1

    oramento (0)outros (2)

    Estados Unidos 2 0 0 0 0 2Equador 1,5 1,5 1 0 0 2 6Filipinas 2 1,5 0 0 3 0 6,5Mxico 2 0 0 0 0 0 2Uruguai 1 1 0 2 2 0 6

    Venezuela 0 0 0 0 0 0 0

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    Quando o presidente tem grandes poderes legislativos, restringe-semuito a capacidade do congresso para debater, fazer composies paraaprovar projetos e negociar acordos em questes controvertidas que asociedade enfrenta. Ao contrrio, o presidente assume enorme importncia

    legislativa e tem armas formidveis para ajustar a legislao a seus caprichose limitar a construo do consenso na assemblia. Nesse sentido, provavel-mente no um acidente o fato de alguns dos fracassos mais evidentes entreas democracias presidencialistas terem ocorrido em sistemas que obtiveramuma classificao muito alta de acordo com a tabela 3: o regime de 1946 noBrasil, o Chile antes do golpe de 1973 e as Filipinas, por exemplo. Oprimeiro regime da Colmbia (1958-91) tambm se classificou numaposio muito alta; ele tinha um histrico questionvel como democraciaestvel e seus poderes presidenciais foram ultimamente diminudos. Nooutro extremo da escala dos poderes presidenciais encontramos as trsdemocracias presidencialistas mais antigas, Costa Rica, Estados Unidos eVenezuela, todos com escores de 2 ou menos. Obviamente no hcorrelao perfeita entre poderes presidenciais e democracia estvel; dois

    pases que tm escores baixos (Argentina e Bolvia) sofreram frequentemen-te rupturas de democracia, e dois com altos escores (Chile de 1932-73 eColmbia de 1958 a 1991) sobreviveram por um perodo longo. Noobstante, sugestivo o fato de que as democracias presidencialistas maisestveis tiveram poderes presidenciais fracos.

    Quando a presidncia fraca em relao ao congresso, as situaesem que o presidente no conta com maioria no congresso no precisamlevar crise e podem at mesmo ser desejveis. Certamente prefervel queo partido do presidente seja majoritrio, pois de outro modo aumenta aprobabilidade de impasse entre o executivo e o legislativo. Mas se o partidodo presidente for grande mas no dominante, ento um ou mais entre osvrios partidos menores que ocupam cadeiras no congresso podem nego-

    ciar com o presidente no processo legislativo, e assim desempenhar umpapel importante, embora no sejam os "fazedores de reis" que os pequenospartidos frequentemente so nos sistemas parlamentarista.

    Se o regime premier-presidencialista, os poderes do presidentesobre a formao do governo so (por definio) mais fracos do que numregime presidencialista. Tipicamente, esses presidentes tambm no tmpoderes ou tm poderes limitados sobre a legislao, alm de poderesque podem ser concedidos para propsitos especficos pelo gabinete oupelo parlamento. Consequentemente, em contextos multipartidrios opremier-presidencialismo prefervel ao presidencialismo puro, porqueevita os riscos de um gabinete responsvel exclusivamente perante umpresidente que tem apenas um pequeno bloco de apoiadores confiveis naassemblia. Nopremier-presidencialismo, quando o presidente no conta

    com uma maioria confivel, a maioria dos poderes executivos ordinriospassa para um gabinete responsvel exclusivamente perante o parlamento.Opremier-presidencialismo tambm tem uma vantagem sobre o parlamen-tarismo puro em contextos multipartidrios, no sentido de que os eleitoreskahujdjsjsjsjjsjsjsjsjakajdkajaksjdjakjdakj

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    tm um agente, o presidente, que designa qual partido (ou partidos) tentarformar um governo, e esse agente pode ser responsabilizado diante doeleitorado pelas escolhas feitas.

    Presidencialismo e disciplina partidria

    Linz argumenta com razo que os sistemas parlamentaristas fun-cionam melhor com partidos disciplinados. Acreditamos que um certo graude disciplina partidria tambm facilita o funcionamento dos sistemaspresidencialistas15. Nos sistemas presidencialistas os partidos no precisamser altamente disciplinados, mas a indisciplina desenfreada torna maisdifcil estabelecer relaes razoavelmente estveis entre o governo, ospartidos e a legislatura. Os presidentes devem ser capazes de trabalharcom as legislaturas, pois de outro modo provvel que eles enfrentemdificuldades enormes para governar efetivamente. Um mnimo de discipli-

    na partidria permite que os presidentes faam acordos estveis com ocongresso.

    Onde a disciplina extremamente fraca, os lderes partidrios podemnegociar um acordo apenas para verem-no descumprido por seus correli-gionrios no congresso. possvel que os presidentes no contem com oapoio nem mesmo de seu prprio partido. Nessas condies, eles soforados a depender de bases de apoio ad hoc, necessitando frequentemen-te fazer acordos com os parlamentares individualmente, em vez de nego-ciarem basicamente com os lderes partidrios que podem garantir os votosde seus colegas no parlamento. Essa uma situao difcil para ospresidentes, e estimula o uso disseminado do clientelismo e da patronagempara garantir o apoio individual dos parlamentares. Ela pode at levar os

    presidentes a tentar passar por fora do congresso por meio de medidas deconstitucionalidade duvidosa ou a desrespeitar abertamente a constituio,possivelmente se aliando aos militares.

    Com partidos moderadamente disciplinados, os presidentes noprecisam lidar com os parlamentares na base do um-a-um. Em vez disso,eles podem negociar basicamente com lderes partidrios, o que reduz onmero de atores envolvidos nas negociaes e consequentemente simpli-fica o processo. Eles podem contar com lderes partidrios que sonormalmente capazes de fornecer os votos da maioria de seus partidos, deforma que h maior previsibilidade no processo poltico.

    O argumento suscita um corolrio bvio: como estimular uma maiordisciplina partidria em pases onde ela escassa? A disciplina partidriadepende de como os candidatos so escolhidos e de quem controla a ordem

    dos candidatos nas cdulas de votao16. Se um rgo partidrio centralcontrola a escolha de candidatos, os legisladores so estimulados a seguir alinha partidria; de outro modo, eles se arriscam a perder sua candidaturana prxima eleio. Inversamente, quando prevalecem as eleies prim-kkkjjkjkjkmmkjkk

    (15) Fred Riggs constri o argu-mento oposto, afirmando quepartidos indisciplinados facili-tam o funcionamento das de-mocracias presidencialistas. Verseu "The survival of presidenti-alism in America: Para-consti-tutional practices". Internatio-nal Political Science Review,vol. 9, 1988, pp. 247-78. Riggs

    baseia seu argumento no pres-suposto de que os partidos dosEUA so indisciplinados, o quesupostamente ajuda a explicarpor que o presidencialismo nosEUA no se mostra mais delet-rio. Mas Riggs subestima o graude disciplina partidria dos par-tidos americanos. Ver D. Rode-rick Kiewiet e Mathew D. Mc-Cubbins. The logic of delegati-on: Congressional parties andthe appropriattions process.Chi-cago: University of ChicagoPress, 1991. Os dois regimespresidencialistas mais antigos,alm dos EUA (Costa Rica eespecialmente Venezuela), tmpartidos razoavelmente centra-lizados e disciplinados.

    (16) O inverso tambm ver-dade; os polticos que prefe-rem partidos indisciplinadosoptam por mtodos de escolhade candidatos e sistemas eleito-rais igualmente indisciplinados.

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    rias ou a escolha dos candidatos descentralizada, ceteris paribus, o rgocentral tem menos controle sobre os legisladores.

    Do mesmo modo se o partido (especialmente o rgo partidrionacional) determina quem se elege, como ocorre em um sistema de lista

    fechada em eleies proporcionais, os polticos tm um forte incentivo aseguir a liderana partidria; seno, eles prejudicam sua posio na lista.Inversamente, onde os candidatos se elegem graas a seus prpriosrecursos e esforos, como nos sistemas em que candidatos do mesmopartido podem competir entre si, os polticos dependem menos de seuspartidos. Nessas condies, provvel que a disciplina partidria seja maisfraca.

    Sistemas partidrios e presidencialismo

    Linz observa que os problemas do presidencialismo so multiplicadosem pases com clivagens polticas acentuadas e partidos polticos numero-sos (p. 52). Esse argumento poderia ser levado mais longe: os perigos dopresidencialismo dizem respeito basicamente a pases com clivagensacentuadas e/ou partidos polticos numerosos. E so atenuados em pasesonde as clivagens so menos profundas e o sistema partidrio no particularmente fragmentado. A maioria dos pases com sistemas presiden-cialistas ou apresenta clivagens polticas acentuadas ou muitos partidos, eportanto os argumentos de Linz sobre os problemas do presidencialismo sonormalmente pertinentes. Mas alguns sistemas presidencialistas apresentamclivagens menos marcadas e menor fragmentao partidria. Nesses casos,o presidencialismo frequentemente funciona razoavelmente bem, comosugerem os casos dos Estados Unidos, Costa Rica e Venezuela. Esse ponto

    importante, pois indica que uma maneira de diminuir as presses sobre ossistemas presidencialistas tomar medidas para limitar a fragmentao dosistema partidrio.

    Uma grande fragmentao do sistema partidrio um problema parao presidencialismo porque aumenta a probabilidade de impasse entreexecutivo e legislativo. Dificilmente o partido do presidente chegarprximo da maioria de cadeiras no congresso, e ele ser forado a dependerde uma coalizo. Infelizmente, coalizes interpartidrias tendem a ser maisfrgeis em sistemas presidencialistas, por duas razes17.

    Primeiro, enquanto em sistemas parlamentaristas as coalizes geral-mente se do depois da eleio e so duradouras, nos sistemas presidenci-alistas elas se do frequentemente antes da eleio e no so se mantmdepois dela. O poder executivo no formado por meio de acordos ps-eleitorais entre os partidos e no dividido entre vrios partidos co-responsveis pelo governo, muito embora frequentemente se formemministrios com membros de vrios partidos. Nos sistemas presidencialistasas coalizes de governo podem diferir marcadamente das coalizes eleito-kakkakakkkakakkaaaaaaa

    (17) Sobre esse ponto, ver tam-bm Arend Lijphart. "Presiden-tialism and majoritarian demo-cracy: Theoretical observati-ons". In: Linz e Valenzuela, orgs.The crisis of presidentialdemocracy.

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    rais, ao passo que nos sistemas parlamentaristas a mesma coalizo respon-svel pela criao do governo tambm responsvel por governar.

    Dada a separao de poderes, um acordo entre partidos pode selimitar apenas a questes congressuais, sem acarretar qualquer obrigao no

    que diz respeito s relaes entre os partidos e o presidente. Vrios partidospodem apoiar o presidente durante a campanha eleitoral, mas isso nogarante seu apoio quando ele assumir o governo. Embora membros devrios partidos costumem participar de ministrios, os partidos no soresponsveis pelo governo. Os partidos ou os legisladores individualmentepodem se unir oposio sem sair do governo, e portanto um presidentepode terminar seu mandato com pequeno apoio no congresso.

    Segundo, nos sistemas presidencialistas, o compromisso individualdos parlamentares com a sustentao de um acordo negociado pelaliderana partidria com frequncia menos garantido. A amplitude dasatribuies do ministrio no implica necessariamente apoio partidrio aopresidente, como normalmente acontece num sistema parlamentarista. Ocompromisso individual dos parlamentares de seguir a orientao do

    partido varia muito, pelas razes mencionadas na seo anterior, indo desdeos partidos congressuais extremamente coesos da Venezuela at os extre-mamente indisciplinados partidos "sempre-cabe-mais-um" do Brasil. Conse-quentemente, o apoio partidrio a um governo no precisa implicar o apoioindividual de seus representantes no congresso. No Brasil, por exemplo, aausncia de disciplina partidria significa que os legisladores votam indivi-dualmente como quiserem, fato que refora a instabilidade do apoiocongressual poltica do governo. Em contraste, na maioria dos sistemasparlamentaristas os parlamentares so mais ou menos obrigados a sustentaro governo, a menos que seus partidos decidam abandonar a aliana degoverno. Os parlamentares se arriscam a provocar a queda do governo eperder suas cadeiras em novas eleies se deixarem de sustentar o

    governo

    18

    .Essas dificuldades de construo de coalizes interpartidrias estveistornam problemtica a combinao de multipartidarismo fragmentado epresidencialismo, e ajudam a explicar a escassez de democracias presidenci-alistas duradouras. No presente, o Equador, que s teve um regimedemocrtico a partir de 1979 e ainda assim uma democracia problemtica a mais antiga democracia multipartidria do mundo. Apenas um pascom essa combinao institucional, o Chile, manteve a democracia por nomnimo 25 anos consecutivos. Houve pelo menos catorze outras democra-cias presidencialistas multipartidrias antes da atual onda de democratizao,mas nenhuma durou mais que o regime brasileiro de 1946 a 1964.

    Onde a fragmentao partidria limitada, a necessidade de coalizointerpartidria diminuda e os perigos do presidencialismo so normal-

    mente atenuados. O presidente pode no contar com maioria no congresso,mas seu partido certamente ser um partido importante que controla umaparcela significativa das cadeiras. Essa situao reduz o problema dasreivindicaes concorrentes legitimidade porque provvel que muitoskkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

    (18) A questo-chave aqui dese os partidos so ou no disci-plinados, e nada garante queeles o sejam em sistemas parla-mentaristas. No obstante, anecessidade de sustentar o go-verno nos sistemas parlamen-taristas serve como um incenti-vo disciplina partidria queest ausente nos sistemas presi-dencialistas. Ver Leon Epstein."A comparative study of Cana-dian parties".American Politi-cal Science Review, vol. 58,1964, pp. 46-59.

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    parlamentares sustentem o presidente. Os conflitos entre a legislatura e oexecutivo aparecem, mas tendem a ser menos graves do que quando amaioria esmagadora dos parlamentares se ope ao presidente.

    Os problemas do mandato fixo tambm so amenizados por uma

    fragmentao limitada do sistema partidrio. O perodo fixo de governo particularmente pernicioso quando o partido do presidente est em claraminoria, tornando difcil ao presidente realizar seu programa. Em umasituao de clara minoria, o espectro do imobilismo e da ingovernabilidadepredomina. No coincidncia o fato de as democracias presidencialistasmais antigas e mais consolidadas EUA, Costa Rica e Venezuela teremsistemas partidrios com dois ou dois e meio partidos efetivos. Seis das setedemocracias presidencialistas que duraram no mnimo 25 anos consecutivos(Uruguai, Colmbia, e Filipinas, alm dos trs casos j mencionados) tiverammenos de trs partidos efetivos19, restando o Chile como a nica exceo.

    Normas eleitorais do presidencialismo e do premier-presidencialismo

    (19) O nmero de partidos efe-tivos calculado elevando-se ao quadrado a porcentagem davotao (ou das cadeiras), cal-culando-se a soma de todos osquadrados e dividindo-se essenmero por um.

    Esses argumentos sugerem que, ceteris paribus, os sistemas presiden-cialistas funcionam melhor com normas ou calendrios eleitorais quelimitem a fragmentao partidria e melhorem as perspectivas de umacompatibilidade pelo menos geral entre o presidente e a maioria daassemblia. A fragmentao do sistema partidrio pode ser reduzida porqualquer uma dessas medidas e melhor evitar medidas draconianas quepodem levar excluso de grupos polticos importantes, que poderiamquestionar a legitimidade do sistema poltico20.

    J dissemos que ter o executivo e a assemblia responsveis peranteos eleitores permite que a eleio presidencial seja estruturada de modo a

    maximizar a responsabilidade, e a eleio legislativa de modo a permitiruma representao mais ampla. Mas, como evitamos os problemas associa-dos existncia de um presidente com uma clara minoria de apoio noeleitorado ou na assemblia, ou em ambos? Aqui as normas eleitorais tmaqui um peso importante. A fragmentao do sistema partidrio pode serlimitada, mesmo com a representao proporcional, por um de trs fatores:(1) por um formato de maioria proporcional em turno nico para a eleiodo presidente; (2) pela simultaneidade das eleies presidenciais e legisla-tivas; (3) estabelecendo-se uma magnitude de distrito relativamente amplaou um cociente eleitoral relativamente alto.

    O mtodo cada vez mais comum de exigncia de maioria absoluta emeleies presidenciais tem a importante vantagem de evitar a eleio de umpresidente que conquista uma maioria relativa estreita, mas que perderia

    facilmente para outro candidato em um confronto entre os dois. A maioriaabsoluta atraente porque exige que o eventual ganhador conquiste o apoiode mais de 50% dos eleitores. Todavia, esse sistema tambm estimula afragmentao do campo de competidores, seja para a presidncia seja para akkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

    (20) Sobre esse ponto, ver Ar-turo Valenzuela. "Origins andcharacteristics of the Chileanparty system: A proposal for aparliamentary form of govern-ment". Latin American Program,Woodrow Wilson Center,Working Paper #164, maio1985.

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    assemblia. Muitos candidatos entram no primeiro turno com o objetivo ou de terminar em segundo lugar e surpreender no segundo turno o candidatofavorito, ou de "chantagear" os dois candidatos lderes para fazerem acordosentre os dois turnos. Um candidato como Alberto Fujimori no Peru ou

    Stanislaw Timynski na Polnia pode surgir do nada e impedir uma vitria doprimeiro colocado no primeiro turno, ou at mesmo ultrapass-lo e vencer osegundo turno. De acordo com clculos de Shugart e Carey, nos sistemas dedois turnos o vencedor final obtm em mdia pouco menos de 40% davotao do primeiro turno, enquanto o segundo colocado consegue emmdia s 25%. A regra da maioria simples, por outro lado, na maioria doscasos estimula a existncia de apenas dois concorrentes "srios" presidn-cia. Nos sistemas de maioria simples, as mdias dos vencedores e dossegundos colocados ficam prximas de 50% e 35%21. Outros mecanismosalm da estrita maioria simples podem evitar a ocorrncia, incomum maspotencialmente perigosa, de um vencedor que conquiste menos de 40% davotao. Tais mecanismos incluem a exigncia de 40% para o primeirocolocado ou uma diferena mnima entre os dois primeiros colocados em

    lugar da maioria absoluta para evitar um segundo turno, ou o emprego de umcolgio eleitoral no qual os eleitores so obrigados constitucionalmente aescolher um dos dois candidatos com maior nmero de votos populares.

    Talvez mais importante ainda seja a realizao de eleies legislativassimultaneamente s eleies presidenciais, o que resulta numa fortetendncia de os dois maiores partidos serem os mais importantes, mesmoque seja usado um sistema eleitoral realmente proporcional, na medida emque o presidente no eleito num segundo turno22. A eleio presidencial to importante que tende a dividir os eleitores em dois campos, e maisprovvel que os eleitores escolham o mesmo partido nas eleies legislati-vas do que quando as duas eleies no coincidem.

    Se as eleies legislativas so realizadas em momento diferente das

    eleies presidenciais, a fragmentao do sistema partidrio legislativo setorna muito mais provvel. Os exemplos incluem o Brasil e o Chile, emboranos dois pases, antes dos golpes militares (respectivamente 1964 e 1973) ospresidentes fossem eleitos por maioria simples. Nesses casos, bem comonos atuais regimes da Argentina, Brasil, Equador, El Salvador e Coria doSul, as assemblias so eleitas com maior frequncia do que os presidentes,o que significa que h eleies no meio do mandato presidencial. Depoisdessas eleies intermedirias, os presidentes normalmente tm um apoiolegislativo muito reduzido. Em alguns casos os sistemas partidrios para ocongresso e os presidentes so to divergentes que os presidentes scontam com uma minoria de parlamentares com cujos votos podem contar.Advertimos, portanto, que no presidencialismo so preferveis as eleiessimultneas. No premier-presidencialismo, um regime pode funcionar

    muito bem dados os poderes presidenciais mais fracos e o voto dedesconfiana com eleies no coincidentes. Todavia, manter o presi-dencialismo com eleies no coincidentes procurar encrenca, especial-mente na presena de outros incentivos fragmentao partidria.

    (21) Os pases dos quais osdados foram retirados so, paraa maioria simples, Brasil (1946-60), Colmbia, Repblica Do-minicana, Nicargua (s 1990),Filipinas (1946-69) e Venezue-la; para a maioria absoluta, osatuais regimes do Brasil, Equa-dor, Frana, Peru, Polnia ePortugal. Ver Shugart e Carey,Presidents and assemblies*, ca-ptulo 10.

    (22) Os dados empricos sobreesse ponto esto em MatthewShugart. "The effects of the ti-ming of elections for the presi-dent and assembly". In: ScottMainwaring e Matthew Shugart,orgs. Presidentialism and de-mocracy in Latin America, noprelo.

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    JUAN LINZ, PRESIDENCIALISMO E DEMOCRACIA: UMA AVALIAO CRTICA

    Se o presidente eleito de forma a maximizar a possibilidade dedisputa entre dois candidatos e de maioria absoluta (ou quase isso) para ovencedor, a assemblia pode ser escolhida de forma a permitir a represen-tao da diversidade partidria. Isso no significa que o presidente s

    precisa contar com um pequeno nmero de cadeiras na assemblia? No, namedida em que a extrema fragmentao no precisa necessariamenteocorrer se for usado um sistema apenas moderadamente proporcional e,especialmente, se a assemblia for eleita ao mesmo tempo que o presidente(e o presidente, como foi discutido, no for eleito por maioria absoluta). Arepresentao proporcional pode ser posta em prtica, permitindo arepresentao de alguns importantes "terceiros" partidos, sem chegar aoextremo de pases como Israel, Itlia, Polnia ou Brasil.

    A mudana do governo presidencialista para o governo parlamenta-rista: uma advertncia

    Convencido de que os sistemas parlamentaristas so mais propcios asustentar uma democracia estvel, Linz advoga implicitamente a mudanapara o governo parlamentarista. No estamos convencidos quanto aosresultados da mudana para governos parlamentaristas em pases compartidos indisciplinados. Partidos sem disciplina criam problemas nasdemocracias presidencialistas, mas criam problemas ainda mais graves emsistemas parlamentaristas23. Em pases com partidos indisciplinados h orisco de que a mudana para o governo parlamentarista possa exacerbar, eno atenuar, os problemas de governabilidade e instabilidade, a menos que,ao mesmo tempo, a legislao eleitoral e partidria seja alterada visandopromover uma maior disciplina.

    Nos sistemas parlamentaristas, o governo depende da manuteno daconfiana da assemblia. Onde os parlamentares atuam individualmentecomo "donos de seu passes", no constrangidos por laos partidrios, asmaiorias governamentais que foram cuidadosamente montadas nas negoci-aes ps-eleitorais se dissipam facilmente. Livres para votar como lhesaprouver, os legisladores abandonam individualmente o governo quando politicamente conveniente faz-lo. Nessas condies, provvel que ocorrao clssico calcanhar de Aquiles de alguns sistemas parlamentaristas: asmudanas frequentes de gabinete.

    Pode-se levantar um contra-argumento de que o presidencialismocontribuiu para a fraqueza dos partidos em alguns pases latino-americanos,de forma que a mudana para o governo parlamentarista fortaleceria ospartidos atravs da eliminao de uma das causas da fraqueza partidria.

    Alm disso, os analistas poderiam esperar que o mecanismo do voto deconfiana promovesse por si s a disciplina partidria, j que a permannciano governo dependeria da disciplina partidria. No descartamos essahiptese, mas mesmo assim, no curto prazo, a mudana para o governoKKKKKKKKKKK

    (23) Giovanni Sartori defende*esse ponto em "Neither presi-dentialism nor parliamenta-rism". In: Linz e Valenzuela,orgs. The crisis of presidentialdemocracy. [edio brasileira:"Nem presidencialismo, nemparlamentarismo", traduo deJohn Monteiro.Novos Estudos

    35, novembro 1992*.]

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    SCOTT MAINWARING E MATTHEW SHUGART

    parlamentarista sem a efetivao de mudanas paralelas que estimulassemuma maior disciplina partidria poderia se revelar problemtica. A QuartaRepblica francesa mostrou que o governo parlamentarista em si e por sino precisa estimular a formao de partidos disciplinados. Mostrou

    tambm os perigos de partidos indisciplinados em uma democracia parla-mentarista, mesmo no contexto de uma nao industrial, na medida em queos governos eram derrubados com frequncia considervel.

    Qualquer mudana para o governo parlamentarista, portanto, precisa-ria desenhar meticulosamente um conjunto completo de instituies queaumentassem a probabilidade de ele funcionar bem. Nos sistemas parla-mentaristas e presidencialistas igualmente, as combinaes institucionaistm importncia primordial24.

    Concluso

    (24) De uma perspectiva dife-rente, James W. Ceaser apre-senta um argumento similar.Ver seu "In defense of separati-on of powers". In: Robert A.Goldwin e Art Kaufman, orgs.Separation of powers Dos itstill work? Washington, D.C.:American Enterprise Institute,1986, pp. 168-93.

    Nossos argumentos no sugerem um desacordo radical com a contri-buio seminal de Linz para nossa compreenso de como o presidencialis-mo afeta as perspectivas para a democracia. O presidencialismo tal como normalmente praticado menos favorvel democracia estvel do que oparlamentarismo. No obstante, acreditamos que Linz subestimou a impor-tncia das diferenas entre desenhos constitucionais e institucionais dentroda categoria geral de sistemas presidencialistas, e ao faz-lo superestimoua medida em que o presidencialismo enquanto tipo de regime inerente-mente falho, independentemente de arranjos constitucionais e institucio-nais. Os sistemas presidencialistas podem ser desenhados para funcionarmais efetivamente do que normalmente o fazem. Argumentamos que dotaro presidente de poder legislativo limitado, encorajar a formao de partidos

    razoavelmente disciplinados no legislativo e evitar a extrema fragmentaodo sistema partidrio so todas medidas que aumentam a viabilidade dopresidencialismo. Linz reconhece claramente que no qualquer tipo deparlamentarismo que funcionar; ns dizemos o mesmo sobre o presiden-cialismo.

    Tambm argumentamos que o presidencialismo, particularmente seele for meticulosamente desenhado, apresenta algumas vantagens sobre oparlamentarismo. A nosso ver, Linz no considera suficientemente esteponto. Alm do mais, questionamos o argumento de Linz em uma questo-chave o alegado carter de "o vencedor leva tudo" do presidencialismo.O efeito conjunto de nossos argumentos pedir mais ateno paracombinaes institucionais e desenhos constitucionais e sugerir que asvantagens do parlamentarismo podem no ser to pronunciadas como Linz

    argumentou. No obstante, evidentemente partilhamos o consenso de queseu artigo pioneiro foi uma das mais importantes contribuies acadmicasda ltima dcada, e que merece toda a ateno dos estudiosos e dosformuladores de polticas.

    Recebido para publicao emmaro de 1993.

    Scott Mainwaring professordo Helen Kellogg Institute,Universidade de Notre Dame.J publicou nesta revista "Pol-ticos, partidos e sistemas elei-torais" (N 29).

    Matthew Shugart professorda Universidade da California(San Diego).

    Novos EstudosCEBRAP

    N 37, novembro 1993pp. 191-213

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