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~ 1 ~
Flvio Carreiro de Santana
MAJESTOSA EDUCAO:
FAMLIA E CIVILIDADE NO
SEGUNDO REINADO DO BRASIL
(1840-1889)
Tese de Doutorado em Identidade, Prticas e Representaes no Mundo
Contemporneo, na rea de especializao em Histria Contempornea,
orientada pela Doutora Irene Maria Montezuma de Carvalho Mendes
Vaquinhas, apresentada ao Departamento de Histria, Arqueologia e Artes
da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
2013
Faculdade de Letras
MAJESTOSA EDUCAO:
FAMLIA E CIVILIDADE NO
SEGUNDO REINADO DO BRASIL
(1840-1889)
Ficha Tcnica:
Tipo de trabalho Tese de Doutoramento
Ttulo Majestosa educao: famlia e civilidade no Segundo
Reinado do Brasil (1840-1889)
Autor Flvio Carreiro de Santana
Orientadora Doutora Irene MARIA MONTEZUMA DE
CARVALHO MENDES Vaquinhas
Jri Presidente: Doutor NN
Vogais:
1. Doutor NN
2. Doutor NN
Identificao do Curso 3 Ciclo em Identidades, prticas e representaes no
Mundo Contemporneo
rea cientfica Histria e Arqueologia
Especialidade Histria Contempornea
Data da defesa
Classificao
Amo a histria. Se no a amasse no seria historiador. Fazer a vida em duas:
consagrar uma profisso, cumprida sem amor; reservar a outra satisfao
das necessidades profundas algo de abominvel quando a profisso que se
escolheu uma profisso de inteligncia. Amo a histria e por isso que
estou feliz por vos falar, hoje, daquilo que amo... da histria pura e
simplesmente. Daquela que procuro avanar. A que amo.
FEBVRE, Lucien (1989), Viver a Histria in: Combates pela histria, 3
edio, Lisboa, Editorial presena, pp. 28-29.
RESUMO
Civilidade, polidez, cortesia, urbanidade, savoir-vivre, trato de mundo, bom-
tom... Muitos foram os termos empregados para representar um cdigo social recente
no Brasil, figurado como prtica entre os fins do sculo XVIII, mas decididamente
ampliando no sculo XIX. Aos variados sentidos tambm se acompanhou, de uma s
vez no tempo, variadas significaes ambientadas no imprio: se na Europa a civilidade
era uma marca histrica, acompanhada pelo refinamento dos modos desde a
Antiguidade, e com maior fora durante a modernidade, ela se fazia novidade no Brasil
oitocentista. Razes no faltaram: transferncia da famlia real portuguesa, da sede da
coroa e de boa parte da sua nobreza; emancipao poltica brasileira; incio de dois
reinados, com breve intervalo regencial. Se o cenrio poltico e o tempo eram de
mudanas para o Brasil, igualmente deviam ser suas prticas, julgadas como algo que
deveria sofrer melhorias, no apenas pelo desejo de se civilizar, como pela exigncia em
faz-lo. Afinal, se a sociedade tinha sua gramtica, era urgente estud-la, e no houve
melhor escola que a vida privada, e nem melhor educadora a ensin-la que a prpria
famlia. Nela consiste nossa ateno: entender como se relaciona, durante o Segundo
Reinado no Brasil, a famlia com o cdigo da civilidade, num tempo de marcas
burguesas, e no mais cortess, embora tropicalmente escravocrata.
Palavras-chaves: Histria. Civilidade. Famlia. Vida Privada. Imprio do Brasil.
ABSTRACT
Civility, politeness, courtesy, urbanity, "savoir-vivre", "world tract", "good manners"...
Many were the terms used to represent a recent social code in Brazil, figured as a
practice in the late eighteenth century, but surely expanding in the nineteenth century.
The various senses has accompanied, at once in time, varied meanings acclimated in the
empire: if in Europe civility was a historical mark, accompanied by refinement of
manners since Antiquity, and with greater force during modernity, it was novelty in
nineteenth-century Brazil. Reasons were not lacking: the transfer of the Portuguese
royal family, the headquarters of the crown and a good part of his nobility; brazilian
political emancipation; the beginning of two reigns with short regency interval. If the
political landscape and the time were of change for Brazil, should also be its practices,
judged as something that should undergo improvements, not only by the desire to
civilize, as per the requirement to do so. After all, if society had its grammar, it was
urgent to study it, and there was no better school than private life, neither better teacher
to teach it that own family. In it consists our attention: understanding how it relates,
during the Second Empire in Brazil, the family with the code of civility, in a time of
bourgeois marks, and no more courtesans, although tropically enslaver.
Keywords: History. Civility. Family. Private Life. Empire of Brazil.
Sumrio
Introduo........................................................................................................................01
Captulo 1
s voltas com a civilidade: um conceito e suas mudanas no tempo........................23
1.1 Um parto de discrdias: o nascimento da civilizao............................................31
1.2 A sociedade de corte e o processo civilizador...........................................................37
1.2.1 A civilidade pueril..................................................................................................41
1.3 Aproximaes possveis: a civilidade nos quadros do Brasil Oitocentista...............45
1.3.1 A incivilidade tropical............................................................................................52
1.3.2 Arranjos de uma civilidade tropical........................................................................60
Captulo 2
A civilidade como empreendimento da famlia real portuguesa (1808-1821)..........70
2.1 Uma Queluz tropical..................................................................................................75
2.2 Convivendo com os novos trastes da corte............................................................82
2.3 Tornar o corpo uma majestade: o gosto pela moda na corte carioca.........................88
2.4 O cotidiano feminino e a vida privada nos tempos da nova corte.............................94
2.5 O Rio de Janeiro como vitrine da nova corte............................................................98
2.6 Os artistas franceses e o gosto do reino pela civilizao.........................................106
Captulo 3
Nao e civilizao no Brasil nascente (1822-1840)..................................................112
3.1 A civilidade como adorno da nao........................................................................122
3.2 A nao e sua representao: retratos da famlia real brasileira no Primeiro
Reinado..........................................................................................................................133
3.3 Medos pblicos e o reforo da civilidade da nao em tempos de regncias
(1831-1840)...................................................................................................................144
Captulo 4
Dimenses da civilidade no cotidiano brasileiro: uma amostra dos primeiros
impressos (1780-1830).................................................................................................155
4.1 A literatura normativa no desmonte da sociedade colonial (1780-1820)...............161
4.2 Na boca do povo: a civilidade na imprensa brasileira (1820-1830)..................174
Captulo 5
A civilidade na intimidade da famlia brasileira: personagens e papis na vida
cotidiana.......................................................................................................................187
5.1 Encenaes masculinas: o pai, o marido e o chefe do lar....................................201
5.2 Encenaes femininas: a me, a esposa e o augusto sacerdcio
exercido no lar...............................................................................................................208
5.3 O matrimnio como alicerce da famlia: uma aliana entre a inteligncia e a
sensibilidade..................................................................................................................223
5.4 Educando o corpo, traando uma vida: o caso das Cartas sobre a educao de
Cora.............................................................................................................................238
Captulo 6
A mediao da civilidade na educao filial..............................................................248
6.1 Instrues aos filhos para representarem a boa educao.......................................255
6.2 Os mestres e a educao domstica.........................................................................266
6. 3 Corpo civilizado, corpo santo: a correta educao infantil segundo o Compndio
de civilidade Christ....................................................................................................275
Concluso......................................................................................................................285
Fontes e Referncias Bibliogrficas................................................................................00
~ 1 ~
Introduo
I
m 18 de julho de 1841 D. Pedro II era sagrado e coroado imperador do Brasil.
Aps o tumultuado contexto de abdicao do pai, D. Pedro I, em 1831, o jovem
(e rfo) imperador, j aclamado, foi preparado para atuar nessa cerimnia. Nesse
instante, sagrava-se tambm, para a histria do Brasil, o longo Segundo Reinado (1840-
1889).
A festa preparada para celebrar a sagrao e a coroao do novo imperador deixa
entrever o que a elite poltica e a boa sociedade esperavam do Brasil a partir dali:
iniciava-se um contexto novo; uma marcha adiante no tempo; o instante de
prognosticar grandeza e riqueza para o Imprio do Brasil1. Para tanto, a nao era
to jovem quanto o seu imperador: este contava com apenas 15 anos no ato da festa; ela
no havia celebrado o seu vigsimo aniversrio.
Entre a chegada da famlia real portuguesa, a emancipao da nao, e a
conturbada dcada de 1830 com o perodo regencial, o tempo era curto e demais agitado
para forjar uma forte memria nacional em torno da realeza. Por isso, a festa de
coroao de D. Pedro II foi tornada num espetculo: foram meses de planejamento;
1 Coroao e sagrao de D. Pedro II, 18 de julho de 1841, Jornal do Comercio in: BONAVIDES,
Paulo; AMARAL, Roberto (2002), Textos polticos da Histria do Brasil: Imprio Segundo
Reinado (1840-1889), volume II, 3 edio, Braslia, Editora do Senado Federal, p. 68.
E
~ 2 ~
recorreu-se artistas reconhecidos para elaborar artes; usou-se de um cerimonial rigoroso,
rascunhado da tradio monrquica europeia; abusou-se de uma ornamentao luxuosa;
produziram-se novas insgnias reais (trono, manto, cetro, coroa, entre outros apetrechos
da majestade); alistou-se convidados ilustres; decorreram missas, bailes, bnos,
pronunciamentos e outras encenaes em nome do novo imperador.
Entre a grandiosidade da festa, a exibio do luxo, sem contar com a multido
entre doze e quinze mil pessoas que assistiu a tudo em polvorosa2, o Segundo Reinado
seria marcado pela distino de uma elite brasonada e de profissionais liberais. As
informaes do articulista do Jornal do Comrcio carioca sobre a riqueza, a
concorrncia das cerimnias, a boa figurao das senhoras de distino, a
participao da boa sociedade em bailes, sales e jantares, indicam alguns signos dessa
mudana no tempo no Brasil oitocentista.
Os novos profissionais estrangeiros da esttica e da moda, o ambiente pblico
cada vez mais ocupado pela sociedade, o reforo da hierarquia social escravocrata com
a ampliao de alguns poucos nobres e fidalgos, a mudana na materialidade das casas e
dos ritos privados, a emergncia do bom gosto, tudo enfim, indicava que o Brasil
mudara bastante, principalmente aps 1808. Mas a marcha da civilizao, dizia-se,
estava em curso, e o perodo de D. Pedro II seria melhor contexto a represent-la, o que,
a contar pela sua festa de coroao, era algo indubitvel segundo informou certa
testemunha ocular:
devo dizer, a bem da verdade, que a Corte ostentou nessa ocasio um luxo
em quipages, em librs e em mobilirio de toda a espcie, realmente
espantoso nesse pas, onde os recursos so muito limitados, onde outrora tudo
faltava, e onde h to pouco e, por assim dizer, nenhum precedente; porque
tudo que tinha feito ao tempo de dom Pedro I, no se aproximava, nem de
longe do que vimos atualmente, nem da riqueza, nem do bom gosto, nem em
dignidade3.
A correspondncia do baro Leopoldo Daiser remetida ao prncipe de
Metternich permite entrever as mudanas operadas no Brasil at a coroao de D. Pedro
II. Mas elas no parariam por a: Wanderley Pinho (1959) traou um perfil do que era a
vida social durante o Segundo Reinado em algumas provncias do Imprio, descrevendo
2 Aponta Pedro Calmon que a coroao de D. Pedro II seria comemorada no apenas pela corte, mas por
todo o povo, generalizando a impresso de que raiara, desanuviava, a era da ordem. Contudo, muitos
insurgentes ainda se levantavam de norte a sul pelo pas, tal como aqueles envolvidos no movimento
conhecido como Balaiada (1838-1842) e com a Guerra dos Farrapos (1835-1845). CALMON, Pedro
(1981), Histria do Brasil, sculo XIX O imprio e a ordem liberal, volume 5, Rio de Janeiro,
Livraria Jos Olympio Editora, p. 1674. 3 SCHWARCZ, Lilia Moritz (1998), As barbas do imperador: D. Pedro II, um monarca nos trpicos,
So Paulo, Companhia das Letras, p. 83.
~ 3 ~
a circulao nas praas, o hbito das visitas, o bailado em sales e saraus, todos
encenados a partir da arte das boas maneiras, da polidez4.
A partir do seu estudo observa-se o detalhamento da vida mundana, sobretudo
nos sales do imprio. Ali encontramos a descrio de algumas residncias tidas pelo
autor como verdadeiras casas de negcio, ponto de encontro, clube elegante,
centro de distino e cultura. O pblico de convidados projetava-se por um perfil
social no menos acurado: eram homens ilustrados e senhoras notveis por suas
fidalgas maneiras5.
Assim, o convvio de notveis figuras nessas ocasies era balizado pela
distino das maneiras ou pela acentuada finura europeia, adotada por damas e
cavalheiros. Num golpe de vista, tudo parecia francs ou ingls: os modos, as modas, as
casas e suas utensilagens. O rito da vida privada tambm havia de ser marcado
diferentemente, civilizando-se.
A decorao dos ambientes, a recorrncia dos jantares, o hbito das visitas, o
convvio no social, as condutas amenas, a prtica das danas, o hbito do piano e do
canto, a presena nos teatros, os passeios e os jogos de salo, tudo isso, enfim, esteve
associado ao Segundo Reinado. Nas palavras do Wandeley Pinho, tudo se modificava,
da alimentao ao falar. Esqueciam-se expresses da gria antiga, o caipira [foi]
cedendo lugar ao estrangeiro. Aprimorava-se a civilizao6.
O efeito distintivo no Segundo Reinado estava preso no apenas descrio de
apurados sales expressos em gosto e elegncia. Ele se prende, sobretudo, ao nome de
certas famlias, reconhecidas pela nobreza, no apenas de ttulos, mas ainda de sangue e
de boa educao. As nobres famlias distinguiam-se tambm pela riqueza em posses.
Por ttulos, bom nascimento, educao ou posses, tais famlias constituam a boa
sociedade daquele momento, quase sempre perfazendo os quadros da poltica nacional
ou ocupando funes administrativas igualmente ligadas ao governo, tais como os
magistrados.
Lilia Moritz Schwarcz (1998) detalha com propriedade a nobreza constituda
durante o Segundo Reinado. As mercs honorficas no tempo de D. Pedro II no foram
poucas, porm, ao contrrio do av (D. Joo VI) e do pai, estes agraciamentos foram de
menor distino e prestgio, preferindo o imperador conceder, sobretudo, os ttulos de
4 PINHO, Wanderley (1959), Sales e damas do Segundo Reinado, 3 edio, So Paulo, Livraria
Martins Editora, p. 13. 5 Ibidem, p. 54.
6 Ibidem, p. 93.
~ 4 ~
baro ou de visconde a outros de maior significado, tal como os de marqus e duque.
Porm, largo foi o emprego desses agraciamentos no seu governo7.
As mercs tinha um propsito definido: estabelecer a vida de corte no Brasil.
Como tais mercs no eram hereditrias, tais como as da fidalguia, o imperador firmava
interesse em dignificava a sua corte com um corpo de novos nobres, chegando a um
total de mil novos agraciados durante todo o seu tempo de governo. Porm, ao lado dos
grandes senhores rurais, a nova nobreza surgida no Segundo Reinado contemplava
muitos profissionais liberais, especialmente os identificados como letrados.
Os diletos letrados representavam, para o imperador, aquilo que se esperava da
que a nao aparentasse: ser culta, educada, urbana, civilizada. Tais letrados tambm
representavam uma amostra do cotidiano da nao brasileira na segunda metade de
Oitocentos: embora sinalizasse uma forte presena escravocrata e agrria, a sociedade
brasileira tambm aclimatava uma vida liberal e algum instilar do modo burgus nos
trpicos8. No Brasil daqueles idos, tradio e modernidade conviviam, mas no de
forma harmoniosa, mas sim gerando, pelo contrrio, muita confuso, especialmente aos
dos olhos estrangeiros, tal como apontou Ramalho Ortigo9.
7 Segundo nos explica a historiadora Lilia Moritz, durante o Segundo Reinado as mercs honorficas eram
classificadas a partir das seguintes graduaes: 1 Ttulos de duque, marqus, conde, visconde e baro; 2
Ttulo de Conselho e os tratamentos de Excelncia e Senhoria, quando no anexos a empregos ou
graduaes; 3 Empregos da Casa Imperial: maiores ou menores; 4 Condecoraes das vrias ordens
do Imprio; 5 Graduaes militares honorrias. SCHWARCZ, Op. cit., pp. 172-173. 8 No sendo do interesse desse trabalho adensar a discusso, apenas preciso registrar que do
entendimento entre os historiadores brasileiros que as transformaes burguesas no Brasil durante o
perodo imperial muito mais avanaram (sem findar) em termos econmicos do que polticos. Caio Prado
Jnior (1977) considera-o um tempo de aurora burguesa, mas no efetivamente um tempo econmico
burgus. Florestan Fernandes (1987), por sua vez, provoca uma maior reflexo considerando que, dado
em descompasso no Brasil, apenas com o fim da abolio da escravido e a adoo poltica pelo regime
republicano, possvel pensar em um Estado burgus. Dessa feita, a verificao da literatura normativa
de civilidade que circulou durante o Segundo Reinado, de cariz burgus e no mais cortes, ser tomada
tambm como parte da aurora burguesa vivida no Brasil oitocentista. 9 Ramalho Ortigo, em clebre texto publicado na Revista de Portugal em 1889, logo aps a Proclamao
da Repblica, traa algumas observaes sobre o Brasil e o brasileiro que julgara ter conhecido durante
uma visita em 1882. Para Ortigo, o Brasil era um pas de instituies modernas, porm divergentes e
contraditrias com a velha estrutura que acompanhava a nao, tal como era o regime de escravido. Tal
incompatibilidade era apenas mais uma das muitas confuses havidas no pas, frequentemente operadas
na educao domstica e civil dos brasileiros, sem disciplina e ao desonrar qualquer trabalho livre:
ningum queria ser confundido por exercer qualquer atividade servil, por menor que essa fosse, pois essa
espreitava os sinais da escravido; ningum respeitava o monarca, nem tinha para com ele uma
urbanidade pblica que reconhecesse sua majestade, pois tal atitude era entendida como uma
extravagante affectao palaciana ou ainda uma servil bajoujice. Enquanto nenhum cidado livre se
dispunha a engraxar um sapato que fosse para no curvar-se diante de algum, tambm no se mantinha a
ordem nas relaes e no trato com as coisas pblicas. O passeio de trem, nesse sentido, foi assaz
desagradvel par Ramalho Ortigo: a falta de educao e de hbitos, tratando tudo com desasseio e
azfama, fosse entre as pessoas da primeira ou da terceira classe nos vages, bastou para anotar
desabonado julgamento sobre os caminhos da civilizao no futuro do pas. A propsito ver ORTIGO,
~ 5 ~
Por isso mesmo, pela fragilidade dos sinais de civilizao no Brasil, a corte de
D. Pedro II haveria de representar um papel disciplinador para toda a nao: dela
deveriam ser copiadas o estilo de vida e o trato nos modos. A boa sociedade da corte,
assim, cumpriria com a funo de abrandar os costumes do pas, servindo-lhe de
vitrine. Nesse sentido, Lilian Moritiz Schwarcz observou que, sobretudo entre 1840-
1860, a corte arrogou-se o papel de informar os melhores hbitos de civilidade, ento
representada pela notvel vida pblica expressa em concertos, bailes, reunies e festas10
.
Porm, a vida social da corte no dependia verdadeiramente do imperador, e
nem dele recebeu grande incentivo para se promover. Recordou Jos Murilo de
Carvalho a preocupao da irm do monarca, D. Francisca, com o fato do irmo no se
esmerar na arte de dar festas na corte, o que era de um efeito pssimo para o prestgio
social da monarquia11
. Antes, o imperador at frequentou a vida social fluminense
entre as dcadas de 1840-1860, mas abandonando-a quase completamente em seguida,
julgando tudo aquilo uma maada.
O efeito, nesse sentido, era o de que havia uma monarquia sem uma vida de
corte, segundo Jos Murilo de Carvalho, o que foi reforado por outro membro real, o
Conde dEu, genro do imperador, ao comentar com certo tom de chateao o cotidiano
imperial: o que quer que faamos para apreciar um pouco a vida social, ela continua
absolutamente montona, e por conseguinte se no se alcana um certo grau de
intimidade, ela difcil de manter12
.
Nesse sentido, afirmou Wanderley Pinho de forma muito apropriada que, se
numa monarquia o rei e a famlia imperial que cumpria o dever de dar o tom na vida
social, pode-se considerar que D. Pedro II no deu nem tom nem som, sobretudo aps
a dcada de 1860, quando os sales imperiais se no fecharam, estiveram sempre
semiencerados13
.
Foi Ramalho Ortigo quem parece ter entendido bem o carter incompleto da
civilizao brasileira. Ao escrever ao amigo brasileiro, Eduardo Prado, o portugus
comentaria suas impresses sobre a interrupo na formao de uma sociedade mais
civilizada, e que tinha por principal responsvel o prprio imperador. Em sua opinio,
Ramalho, Quadro social da revoluo brazileira in: Revista de Portugal, edio de dezembro de 1889,
pp. 79-102. 10
SCHWARCZ, Op. cit., p. 111. 11
CARVALHO, Jos Murilo de (2007) D. Pedro II: ser ou no ser, 7 reimpresso, So Paulo,
Companhia das Letras, p. 91. 12
MAURO, Frdric (1989), O Brasil no tempo de Dom Pedro II (1831-1889), So Paulo, Companhia
das Letras/Crculo do Livro, p. 191. 13
PINHO, Op. cit., p. 115; p. 119.
~ 6 ~
D. Pedro II representava uma nulidade no intento de incentivar o apreo da nao pelo
bom gosto ou pelo cotidiano de corte, atravs da participao na vida pblica. Por essa
razo, o imperador teria lhe causado bem triste effeito, o que foi justificado: a
influncia dos prestgios da corte sobre a sociedade brazileira durante o reinado do
senhor D. Pedro II uma coisa verdadeiramente deplorvel, e s explicada pela
nulidade do imperador em no influir, atravs do prestgio da sua categoria social, na
distinco hyerarchica dos talentos e dos caracteres, na organisao dos costumes, no
culto da arte, na formao do gosto, na moda, na toilette, nas maneiras, nesse
conjunto de regras, de convenes, de hbitos nobres e delicados que formam a
civilizao, preferindo, antes manter-se absolutamente inesthetico, e fundamentalmente
anti-artistico, rebelde a toda noo de bom gosto14
.
Por isso mesmo, era explcito que a vida social na corte no dependia da famlia
imperial para acontecer, sendo o Segundo Reinado muito mais marcado por mudanas
conjunturais que animaram a cena pblica da corte. Dessa amostra, Lilia Moritz nos
aponta os passeios e os novos hbitos de consumo da animada Rua do Ouvidor, ento
espao tambm dos chs de fim de tarde em galantes cafeterias, a exibir a
indumentria requintada com os tecidos ingleses e modelos vindos de Paris. A artria
era uma passarela de toda sorte de lojas: perfumarias, confeitarias, cabeleireiros,
restaurantes, livrarias, casas de pouso, floristas, charuteiros e joalheiros. Assim, com
ou sem imperador a sociedade carioca experimentava as maravilhas da convivncia
social15
.
Contudo, nem toda nao, num pas de dimenses continentais como era o
Brasil, podia esperar algum convvio com a corte, a fim de copiar os seus modos, e nem
imitar o seu ritmo animado. Nas provncias, embora muito mais modestas, ainda assim
no abandonaram o gosto em civilizar-se, nem que para isso se lanasse mo de certo
diletantismo na sua educao.
A passagem do imperador D. Pedro II pela Provncia de Pernambuco, nesse
sentido, amostra emblemtica. No porque estivesse distante da corte que os
pernambucanos deixariam de receber com luxo e distino o imperador, ainda mais
quando, por destino, tambm era celebrado o aniversrio natalcio da majestade.
14
Carta de Ramalho Ortigo a Eduardo Prado em 14 de dezembro de 1887 in: Cartas da Biblioteca
Guita e Jos Mindlin (2008), So Paulo, Editora Terceiro Nome, pp. 58-59. 15
SCHWARCZ, Op. cit., p. 106; p. 115.
~ 7 ~
Ao folhear o impresso O Monitor das Famlias de 1859, depreende-se que a
sociedade pernambucana se apresentava no melhor garbo s majestades e em todas as
ocasies narradas: as cerimnias de recepo no cais, as visitas ao Pao Imperial para o
beija-mo e Te-Deuns, as bandas de msica, os recitais de poesias, o passeio com os
criados e coches ricamente adornados, as casas iluminadas com mais pompa e
gosto do que nas [noites] precedentes, a visita ao teatro e gabinete, tudo, enfim, foi
retratado em textos e imagens pelo impresso, e transparecia o bom-tom das mais
gradas pessoas da provncia diante das augustas presenas16
.
Logo, o bom-tom no era apenas uma importao da corte para o restante do
imprio, ou um modelo a ser copiado pelo modo de vida das elites entre as distantes
pro
16
O Monitor das Famlias, edio de n 1 de 02 de dezembro de 1859, p. 16-17.
~ 8 ~
~ 9 ~
17
SANTOS, Maria de Lurdes Costa Lima dos (1983), Para uma sociologia da cultura burguesa em
Portugal no sculo XIX, Lisboa, Editorial Presena, pp. 12-13.
~ 10 ~
18
VAQUINHAS, Irene; CASCO, Rui (1998), Evoluo da sociedade em Portugal: a lenta e complexa
afirmao de uma civilizao burguesa in: TORGAL, Lus Reis; ROQUE, Joo Loureno, Histria de
Portugal: o Liberalismo (1807-1890), 5 volume, Editoral Estampa, p. 386.
~ 11 ~
19
HABERMAS, Jngen (1984), Mudana estrutural da esfera pblica: investigaes quanto a uma
categoria da sociedade burguesa, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, p. 43; p. 65. 20
Habermas (1984) traa os novos espaos pblicos de representatividade burguesa, ento considerada
mais urbana e no cortes e aristocrtica. Ao tornar a prpria cultura em mercadoria, a burguesia passaria
a frequentar os coffe-houses, os salons, as salas de leituras, o teatro, os concertos e museus, mas tambm
o estabelecimento do prprio trabalho e mesmo as reunies familiares, que contava com a presena de
seletos e diletos convidados a adentrarem o refgio do lar.
~ 12 ~
21
SENNET, Richard (1998), O declnio do homem pblico: as tiranias da intimidade, So Paulo,
Companhia das Letras, p. 30. 22
Ibidem, p. 35.
~ 13 ~
23
ARIS, Philippe (1997), Introduo in: Histria da Vida Privada: da Renascena ao Sculo das
Luzes, volume 3, 6 reimpresso, So Paulo, Companhia das Letras, p.10-11.
~ 14 ~
24
RAINHO, Maria do Carmo Teixeira (1995), A distino e suas normas: leituras e leitores dos manuais
de etiqueta e civilidade Rio de Janeiro, sculo XIX in: ACERVO: revista do Arquivo Nacional, v. 8,
n. 1-2 (jan/dez. 1995), Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, p. 139. 25
A autora retomaria a discusso sobre a civilidade de modo mais alongado em outro trabalho, por sua
vez agora pensando a emergncia e consumo da moda na corte brasileira. A literatura de civilidade, nesse
sentido, serviria para prescrever as condutas tidas por mais civilizadas, sendo a moda uma importante
manifestao a demonstrar a preocupao com a normatizao do corpo e com a boa apresentao pblica
dos sujeitos civilizados. A propsito ver Idem (2002), A cidade e a moda: novas pretenses, novas
distines Rio de Janeiro, sculo XIX, Braslia, Editora da Universidade de Braslia.
~ 15 ~
26
A discusso sobre a literatura de civilidade ser retomada pela autora novamente, ao pontuar as
particularidades da nobreza brasileira. Dentre elas estava, justamente, a observao e o consumo de
variados manuais de bons costumes, cujo interesse era bem civilizar-se. A propsito ver SCHWARCZ
(1998), Op. cit., pp. 195-205.
~ 16 ~
27
AUGUSTI, Valria (1998), O romance como guia de conduta: A moreninha e Os dois amores,
dissertao de mestrado do Programa de Ps-graduao do Instituto de Estudos da Linguagem,
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
~ 17 ~
28
De modo atento, pode-se verificar duas proposituras em torno dos trabalhos produzidos nos quadros do
regime republicano e que tratam da literatura normativa: o primeiro trata-se do melhor enquadramento do
modelo de vida e de famlia burguesa observada entre os fins do sculo XIX e incio do XX, mas j
presente na literatura normativa adiante consultada nesse trabalho; a segunda projeta-se na preocupao
com a educao escolar brasileira, onde, no apenas pode se verificar o interesse pelo ensino das boas
maneiras, especialmente entre o pblico feminino, mas tambm pela educao cvica entre o pblico
infantil, de cariz nacionalista. Como amostra parcial possvel citar: PILLA, Maria Ceclia Barreto
Amorim (2004), A arte de receber: distino e poder boa mesa (1900-1970), Tese de doutorado
apresentada ao Programa de Ps-graduao em Histria do Departamento de Histria da Universidade
Federal do Paran; HANSEN, Patrcia Santos (2007), Brasil, um pas novo: literatura cvico-
pedaggica e a construo de um ideal de infncia brasileira na Primeira Repblica, Tese de
doutorado apresentada Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humana da Universidade de So
Paulo. H toda uma produo de trabalhos da professora Maria Teresa Santos Cunha, realizada a partir do
projeto Tenha modos! Educao e Sociabilidades nos manuais de civilidade e etiqueta (1845-1950),
Saberes Impressos: Imagens de civilidade em textos escolares (Srie Pedrinho de Lourena Filho) e
textos no escolares: composio e circulao (dcadas de 50 a 70 do sculo XX) e Protocolos de
civilidades: modelos de conduta pessoal e cvica em leituras escolares (Santa Catarina/ dcadas de 20 a
50 do sculo XX), cujas pesquisas foram realizadas entre os anos de 2005 a 2010.
~ 18 ~
~ 19 ~
~ 20 ~
~ 21 ~
29
VEYNE, Paul (1998), Como se escreve a histria; Foucault revoluciona a histria, 4 edio,
Braslia, Editora da Universidade de Braslia, p. 18. 30
BLOCH, Marc (s/d), Introduo histria, 4 edio, Lisboa, Publicaes Europa-Amrica, p. 58.
~ 22 ~
31
Aqui asseguramo-nos nos ensinamentos de Michel de Certeau (2000) ao justificar a capacidade do
historiador em transformar algum material ou registro do passado em fonte histrica, para da, ento,
produzir a escrita da histria. Assim, o historiador lanar mo de tcnicas, de procedimentos ou de cortes
metodolgicos operados a partir de uma variedade de interesses traados pelo pesquisador ou combinados
pelas particularidades da pesquisa, para ento presentificar uma situao vivida no passado. A propsito
consultar CERTEAU, Michel de (2000), A Escrita da Histria, 2 edio, Rio de Janeiro, Forense
Universitria.
~ 23 ~
~ 24 ~
~ 25 ~
~ 26 ~
~ 27 ~
~ 28 ~
~ 29 ~
32
FREITAS, Gustavo de (s/d), Civilidade in: Vocabulrio de Histria: poltica, social, econmica,
cultural, geral, Lisboa, Pltano Editora, p. 62. 33
SILVA, Antonio de Moraes (1813), Civilidade in: Diccionario da Lingua Portugueza, tomo I,
Lisboa, Typografia Lacerdina, p. 402. 34
BLUTEAU, D. Raphael (1712), Civilidade in: Vocabulrio Portuguez e Latino, Coimbra, Collgio
das Artes da Companhia de Jesus, p. 332.
~ 30 ~
35
LIMA, Lus Felipe (2012), Civil, civilidade, civilizar, civilizao: usos, significados e tenses nos
dicionrios de lngua portuguesa (1532-1831), in: Almanack, n 03, Guarulhos, Departamento de
Histria da Univesidade Federal de So Paulo, pp. 66-81. 36
Alan Pons (1995) afirma que, antes mesmo de sua acepo poltica (cvica), a civilidade contrape, em
sentido universal, a vila em favor da cidade. Enquanto espao propriamente humano, era na cidade que se
observava a urbanidade dos seus habitantes, cujos modos de sociabilidade a vividos eram associados
mesura nas aes, ao modo elegante e corts. Lembra ainda que, desde Aristteles, a civilidade tinha por
oposio o sentido daquilo que era rural, grosseiro, rstico. A propsito ver PONS, Alain (1995),
Civilit Urbanit in: MONTANDON, Alain (dir) Dictionnaire Raisonn de La Politesse et du
Savoir-Vivre: du moyen ge nos jour, Paris, ditions du Seuil, pp. 91-109.
~ 31 ~
37
Para este autor, a aproximao semntica entre os termos civil, civilit e civilment se colocavam,
ao menos em lngua francesa, como oposio a barbrie, tirania e despotismo, e em favor das sociedades
citadinas. civilidade, nesse sentido, agregava sintaxes ou circunstncias prprias aos tratamentos de
polidez, de cortesia e dos usos do mundo, como gestos e comportamentos humanos (exteriores nos modos
de proceder, mas interiorizados no plano tico) que se diferenciavam daqueles considerados grosseiros,
brbaros, enfim, selvagens. A propsito ver MARGOLIN, Jean-Claude (1994), La civilit Nouvelle:
de La notion de civilit a as pratique et aux traits de civilit in: MONTANDON, Alain, Pour une
histoire des traites de savoir-vivre em Europe, Clermont II, Association des publications de La Facult
des Lettres et Sciences humaines/Universit Blaise-Pascal, pp. 151-177. 38
POIRIER, Jean (2003), O homem e a boa educao in: Histria dos Costumes: o homem e o outro,
volume 8, Lisboa, Editorial Estampa, p. 273.
~ 32 ~
39
Alain Montandon (1995), simplificaria a descrio dizendo que a civilidade um sacrifcio de nossa
auto-estima para com as pessoas com as quais estamos conectados. A propsito ver MONTANDON,
Alain (1995), Polietesse in: Dictionnaire Raisonn de La Polietesse et du Savoir-Vivre: du moyen
ge nos jour, Paris, ditions du Seuil, pp. 711-729. 40
HAROCHE, Claudine (1998), Civilidade e polidez: os objetos negligenciados da cincia poltica in:
Da palavra ao gesto, Campinas, Papirus, p. 19.
~ 33 ~
41
Ibidem, p. 36. Na mesma ocasio, a autora ainda esclarece que o governo de si, quer se trate do corpo
quer dos sentimentos, exige conteno: o bem-estar do prximo, o respeito por ele exige o exerccio
constante de um controle vigilante de si mesmo. (Ibidem, p. 38). 42
Para Jean Poirier (2003), essa diferenciao se d principalmente em duas matizes, uma de ordem
natural (sexo e idade) e outra de ordem cultural (estatuto e situao social, onde se manifesta, nessa
ltima componente, o poder, a fora e o prestgio dos sujeitos).
~ 34 ~
43
MONTANDON, Alain (1994), Modles de comportament social in: Pour une histoire des traites
de savoir-vivre em Europe, Association des publications de la Facult des Lettres et Sciences
Humaines/Universit Blaise-Pascal, pp. 401-455. 44
CMARA, Maria Alexandra Trindade Gago da (2005), A arte de bem viver: a encenao do
quotidiano na azulejaria portuguesa da segunda metade de Setecentos, Porto, Fundao Calouste
Gulbenkian/FCT, p. 14. 45
CMARA, Op. cit., p. 18.
~ 35 ~
46
DORTIER, Jean-Franois (2010), Civilizao in: Dicionrio de Cincias Humanas, So Paulo,
Editora WMF Martins Fontes, p. 77. 47
FEBVRE, Lucien (1930), Civilisation: volution dun mot et dun groupe dides in: Civilisation: le
mot et lide, Paris, La Renaissance du livre, pp. 10-59.
~ 36 ~
48
A data de 1766, como momento de lavra do termo civilizao, no consensual entre os
historiadores. O prprio Lucien Febvre reconhecia a sua existncia, desde 1752, atravs do escrito de
Turgot sobre histria universal, mas que no foi publicado. Para tanto, Fernand Braudel (1970) e mile
Benveniste (1974) insistem que a origem remete para a obra do Marqus de Mirabeau, Amis des hommes,
no ano de 1756. 49
ELIAS, Norbert (1994), O processo civilizador: uma histria dos costumes, volume I, Rio de
Janeiro, Jorge Zahar Editor, p. 67. 50
Alain Montandon (1994) enumera uma srie de tipos humanos associados prtica social da polidez,
variveis conforme mudam-se contextos histricos. Se, no incio, o trato polido foi associado ao
corteso, o primeiro modelo de comportamento social da poca moderna, j no sculo XVII, ser
considerado como expresso do homem honesto (Lhonnte homme), cuja principal marca ser a mesura e
~ 37 ~
o decoro nos comportamentos. A estes segue, no sculo XIX, certo perfil de comportamento assumido
pelas figuras do gentleman e do dandy, cuja educao civilizada foi considerada quase uma segunda
religio. J no decurso do sculo XX, Alain Montandon percebe certa crtica dirigida polidez e que
pode ser identificada na figura do snob. O tipo snob representaria apenas aquelas pessoas que,
julgadas por sua boa educao, faziam parte de um seleto grupo de pessoas consideradas elegantes, chics,
enfim, consideradas de bom gosto. MONTANDON, Op. cit., pp. 404-455. 51
STAROBINSKI, Jean (2001), As mscaras da civilizao, So Paulo, Companhia das Letras, p. 18.
~ 38 ~
52
Na esteira da interpretao de Lucien Febvre, Fernand Braudel entende a civilizao como um conjunto
de traos ou fenmenos culturais observados nos microelementos da civilizao, agrupados pela
histria geral (ou global). Desfazendo-se de uma ideia de tempo linear, Braudel prope ao historiador
abandonar velhas certezas do ofcio, tais como aquela que julgava uma civilizao pelo tempo de vida
til, como se a ela fosse imputado um tempo de nascimento, desenvolvimento e morte. O que interessa
o seu conjunto (totalidade), sobretudo em sua ligao cultural com outras sociedades e outros contributos,
rejeitando a ideia de originalidade ou independncia entre mundos diferentes e que pertencem a uma
mesma temporalidade. A propsito ver BRAUDEL, Fernand (1970), La historia e las Ciencias Sociales,
Madrid, Ediciones Castilla, pp. 130-201. 53
JAUCOURT, Jean Louis (1778), Civilit, Polietesse, Affabilit in: DIDEROT, M; DALAMBERT,
M., Encyclopdie, ou Dictionnarie Raisonn des Sciences, des Arts et des Lettres, Tome Huitime,
Troisime dition, A Geneve/A Neufchatel, pp. 198-199.
~ 39 ~
54
REVEL, Jacques (2009), Os usos da civilidade in: CHARTIER, Roger (org.), Histria da Vida
Privada: da Renascena ao Sculo das Luzes, volume 3, So Paulo, Companhia das Letras, p. 205. 55
STAROBINSKI, Op. cit., p. 33.
~ 40 ~
56
CHARTIER, Roger (2004), Leituras e leitores na Frana do Antigo Regime, So Paulo, Editora
UNESP, p. 62.
~ 41 ~
57
Ibidem, p. 68 58
Ibidem, p. 73. 59
Segundo Jacques Le Goff, a ideia explcita de progresso se desenvolve entre o nascimento da imprensa
no sculo XV e a Revoluo Francesa. Nesse nterim, com avanos e recuos, podemos observar o seu
favorecimento a partir das invenes materiais, do nascimento da cincia moderna, do crescimento da
confiana na razo e na ideia de que o mundo fsico, moral e social governado por leis. Mas foi
sobretudo no sculo XIX que o progresso se imps em definitivo, estabelecendo-se a ideia de que estava
contido nas civilizaes. Tal momento foi considerado o sculo do progresso, sendo justificado pelo
desenvolvimento cientfico e tcnico, os sucessos da Revoluo Industrial, a melhoria, pelo menos para
~ 42 ~
as elites ocidentais, do conforto, do bem-estar e da segurana, mas tambm os progressos do liberalismo,
da alfabetizao, da instruo e da democracia. LE GOFF, Jacques (2003), Histria e memria, 5
edio, Campinas, Editora da Unicamp, p. 257. Para Robert Nisbet, aps se tornar secularizado no sculo
XIX, o progresso viria a ser entendido como enquadramento histrico ao desenvolvimento da prpria
civilizao, cuja marcha, sempre para frente, reafirmava a crena no apenas do crescimento
econmico do Ocidente, mas reforava a f na razo, encontrando na cincia e nos cientistas,
verdadeiros objetos de reverncia entre acadmicos e populares. Logo, a civilizao se encontra e se
reafirma no contexto do progresso iluminista. Sobre o tema consultar tambm NISBET, Robert (1985),
Histria da ideia de progresso, Braslia, Editora da UNB.
~ 43 ~
60
ELIAS, Norbert (1994), O processo civilizador: formao do Estado e Civilizao, volume II, Rio
de Janeiro, Jorge Zahar Editor, p. 198. 61
Ibidem, p. 196. 62
Idem, Op. cit., p. 67.
~ 44 ~
63
Ibidem, p. 214. 64
Idem (2001), A sociedade de corte: investigao sobre a sociologia da realeza e da aristocracia de
corte, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, p. 97. 65
Utilizando mais uma vez o entendimento do Chevalier Jacourt, este descreve o savoir-vivre como o
conhecimento dos usos inseridos pela moralidade, honestidade e educao, e manifestado atravs do trato
de mil pequenas coisas inominveis, mas que concorrem para o bem viver em sociedade. Por nossa conta
aproximamos tais usos da moralidade e educao prtica da civilidade/polidez, como habilidades para
lidar com os costumes da vida social. A propsito consultar o termo savoir-vivre no dcimo quarto
tomo da Enciclopdia francesa (JAUCOURT, Op. cit., p. 719).
~ 45 ~
66
ELIAS, Op. cit., p. 112. interessante percebermos que a civilidade retroalimenta o prprio sentido de
ser nobre atravs do constante emprego de uma atenta etiqueta, pois, como adianta Norbert Elias,
ningum escapava presso da opinio sem pr em jogo sua qualidade de membro e sua identidade
como representante da elite, parcela essencial de seu orgulho pessoal e de sua honra. (Ibidem, p. 113). 67
Idem (1994), Op. cit., p. 223.
~ 46 ~
68
REVEL, Op. cit., p. 170.
~ 47 ~
69
ARIS, Philippe (1978), Prefcio in: ERASMO, A Civilidade Pueril, Lisboa, Editorial Estampa, p.
14. 70
BOUNNEAU, Alcides (1978), Os livros de Civilidade desde o sculo XVI in: ERASMO, Op. cit., p.
29. Alcides Bouneau ainda sequencia a descrio de outras obras voltadas ao tratamento do decoro das
maneiras e do bom tom entre os sculos XIV e XV, mas sem se constiturem, especificamente, como
livros de carter escolar. Para citar alguns, temos o El libro del Infante composta no sculo XIV pelo
prncipe Juan Manuel; o tratado De Educatione Liberorum et Eorum Claris Moribus Libri Sex de
Maffeo Vegio em 1491; e o Doctrinal Du Temps Prsent do poeta Pierre Michault em 1466.
~ 48 ~
71
ERASMO, Op. cit., p. 70.
~ 49 ~
72
ELIAS, Op. cit., p. 69. 73
CHARTIER, Op. cit., p. 54.
~ 50 ~
74
Como apontou Jean-Claude Morgolin (1994), a utilizao do opsculo de Erasmo extrapolou os limites
sociais que diferenciavam as pessoas por sua fortuna ou linhagem (nome familiar). Seus preceitos
pedaggicos em torno das prticas morais, em pleno contexto da Reforma Protestante, conseguiram ser
adaptados por pases reformados e no reformados, ao que, acima das diferenas dogmticas, certificava o
autor como grande expoente humanista poca. Recorda ainda a audcia em que concorria Erasmo ao
publicar A civilidade pueril: j com idade avanada (63 anos) e admirado por toda a Europa como
importante telogo e humanista, Erasmo assumiu o projeto de escrever um pequeno tratado pedaggico
para educao das crianas, tema considerado, pelo prprio, como sendo menor no campo da filosofia,
porm inaugurando um novo gnero literrio da cultura escrita. A propsito ver MARGOLIN, Op. cit.,
pp. 161-168. 75
ERASMO, Op. cit., p. 107-108.
~ 51 ~
~ 52 ~
~ 53 ~
76
CHARTIER, Op. cit., p. 89.
~ 54 ~
~ 55 ~
77
ELIAS, Op. cit., p. 253. 78
Como afirmou Jos Augusto Frana, poca do terremoto em Lisboa no ano de 1755, o Marqus de
Pombal foi buscar apoio para a reconstruo da corte junto burguesia, j que no tinha o apoio moral da
velha nobreza cortes. Para esse historiador, essa velha nobreza tambm se mostrava inapta para as
novas situaes econmico-sociais, o que tambm limitava ainda mais um efetivo apoio, acrescendo ao
fato de que o seu patrimnio tambm sucumbiria com a catstrofe natural, precisando de igual socorro.
~ 56 ~
Assim como ocorreria no Brasil, onde parte do financiamento burgus ajudaria a compor a corte nos
trpicos, tambm ele ser bem colocado na reconstruo de Lisboa, fazendo emergir novos nobres, cujas
famlias pombalinas, tais como os Rattons, representavam o novo tempo do pas, agora burgus, e que
unia o estilo de baronia e aristocracia monetria. FRANA, Jos Augusto (1984), Burguesia pombalina,
nobreza mariana, fidalguia liberal in: SANTOS, Maria Helena Carvalho dos, Pombal revisitado:
comunicaes ao Colquio Internacional, volume I, Lisboa, Editora Estampa, p. 17-33. 79
MONTEIRO, Nuno Gonalo (1998), O crepsculo dos grandes: a casa, e o patrimnio da
aristocracia em Portugal: 1750-1832, Lisboa, IN-CM, p. 430. Noutra ocasio, recorda Nuno Gonalo
Monteiro, que a nobreza de corte portuguesa de fins do Antigo Regime residia em Lisboa e arredores,
quase sempre em casas suntuosas e palcios, contando ainda com tantos outros titulados que residiam
fora (provncias, colnias ou no estrangeiro), desempenhando nesses locais funes ligadas
~ 57 ~
administrao central (militares, diplomticas, etc.). Idem (1987) Notas sobre nobreza, fidalguia e
titulares nos finais do Antigo Regime in: Ler Histria, n 10, s.n.t., p. 27. 80
FREYRE, Gilberto (1977), Sobrados e Mucambos: decadncia do patriarcado rural e
desenvolvimento do urbano, tomo I, 5 edio, Rio de Janeiro, Livraria Jos Olympio Editora/MEC.
~ 58 ~
81
Embora perenizado pelos estudos de Gilberto Freyre e Antonio Candido, a famlia patriarcal acabou
por se constituir como uma organizao idealizada pela sua prpria formao e historicidade. Dela se fez
um padro para entender a sociedade brasileira, cujas referncias, para Mariza Crrea, remontavam
trajetria de algumas famlias dominantes, esquadrinhadas no tempo colonial, ambientada no espao
rural, sendo esse espao a propriedade comum manuteno dos interesses polticos de um grupo, bem
como ao deleite dos impulsos sexuais e afetivos atendidos fora do crculo imediato ou endogmico. As
representaes da famlia patriarcal, nesse sentido, foram traduzidas pelas imagens do engenho, do
senhor, e ambientadas no perodo colonial. Para essa historiadora, essa concepo de organizao
familiar tipo patriarcal precisa ser revista, dando possibilidade ao entendimento de outras formas de
Figura 2
Rua Direita Rio de Janeiro
Gravura de Johhan Moritz Rugendas (1828-1835)
Figura 1
Rua da Cruz Recife Pernambuco
Gravura de Luis Schlappriz (1863-1868)
~ 59 ~
relaes familiares pela massa annima que constitua uma sociedade multifacetada, mvel, flexvel e
dispersa. Tais consideraes propostas, e aqui partilhadas, embora no desconsiderem a existncia da
famlia patriarcal, relativiza a compreenso para a possibilidade de outras organizaes familiares.
CRREA, Mariza (1982), Repensando a famlia patriarcal brasileira: notas para o estudo das formas de
organizao familiar no Brasil in: ALMEIDA, Maria Suely Kofes de (et alii), Colcha de retalhos:
estudos sobre a famlia no Brasil, So Paulo, Editora Brasiliense, p. 22 82
Em seu trabalho Gilberto Freyre apresenta uma gama muito rica de evidncias e que servem como
provas para a anlise do autor, procurando entender a mudana no apenas do tempo no Brasil
oitocentista, mas, sobretudo, a transformao na famlia patriarcal brasileira. Para tanto, um fragmento
disposto na obra serve-nos de amostra do tempo em transformao durante o Imprio do Brasil, pela
adoo no apenas de novos hbitos, mas pela desenvoltura em pratic-los, tal como se apresentava a
formao da perfeita mucama brasileira do sculo XIX, e como consta em anncio no Jornal do
Commercio de 25 de outubro de 1848, e transcrito por Freyre: Vende-se uma preta de nao a qual sabe
cortar e coser tanto camisa de homem como costuras de senhora as mais difceis, engomma, lava,
cosinha, faz doces de calda de todas as qualidades, veste e prega uma senhora, aprompta um ch e tudo
que devido a uma perfeita mucama. Ibidem, p. 218.
Figura 3
Interior de um sobrado urbano, meados do sculo XIX.
Gravura de Lula Ayres Cardoso (Fundao Gilberto Freyre)
~ 60 ~
83
SILVA, Jos Bonifcio de Andrada e (2000), Projetos para o Brasil, textos reunidos por Mirian
Dolhnikoff, So Paulo, Companhia das Letras/Publifolhas, p. 89. (Coleo Grandes nomes do
pensamento brasileiro).
~ 61 ~
84
CHACHAM, Vera (2003), A natureza americana, a cincia e a paisagem oriental em narrativas de
viagem do sculo XVIII in: Locus revista de Histria, volume 9, n 2, Juiz de Fora, p. 80. Figura 4 Le Djeneu sur l'herbe Tupinamb, Theodore de Bry (1592)
~ 62 ~
85
AZEVEDO, Ana Maria de (2000), Desta Vossa Ilha de Vera Cruz... j outro Portugal! in: Cames:
Revista de Letras e Culturas Lusfonas, n 8, Lisboa, Maiadouro, pp. 40-52. SOUZA, Laura de Mello e
(2002), O diabo e a terra de Santa Cruz: feitiaria e religiosidade popular no Brasil colonial, 8
reimpresso, So Paulo, Companhia das Letras.
Figura 5
Amrigo Vespucci et lAmrique, Thodore Galle (1589)
Figura 6
Amerika, ciclo os quatro continentes, Jan Van Kessel (1666),
Pinacoteca de Munique
~ 63 ~
86
ROWLAND, Robert (2003) Patriotismo, povo e dio aos portugueses: notas sobre a construo da
identidade nacional no Brasil independente in: JANCSN, Istvn (org.), Brasil: formao do Estado e
da Nao, So Paulo, HUCITEC, pp. 365-368. 87
Exemplo de narrativa enaltecedora da natureza brasileira pode ser vista na Histria do Brasil escrita
pelo ingls Robert Southey e publicada entre 1810 e 1819. No primeiro tomo ps-se o historiador em tom
romntico a afirmar o Brasil nos quadros da Amrica portuguesa de 1500: Bello era o paiz e abundante
de quanto podia desejar o corao humano: a brilhante plumagem das aves deleitava os olhos dos
~ 64 ~
Europeus; exhalavo as arvores inexpremiveis frangancias, distillando tantas gommas e sumos, que se
entendeu, que, bem conhecidas todas as virtudes destas plantas, nada impediria o homem de gozar de
vigorosa sade at extrema velhice. Se o paraizo terrestre existe em alguma parte, no podia ser longe
dalli. Impressionante relato de quem nunca esteve no Brasil, devotando natureza brasileira valorosa
narrativa historiadora. SOUTHEY, Rorbert (1862), Histria do Brazil, tomo I, Rio de Janeiro, Livraria
Garnier, pp. 40-41. 88
SCHWARCZ, Lilia Moritz (2003), A natureza como paisagem: imagem e representao no Segundo
Reinado in: Revista USP, n 58, So Paulo, p. 17. A mesma autora afirma ainda que, aps a
independncia poltica em 1822, desenha-se uma cultura imperial pautada em dois elementos
constituidores da nacionalidade: a realeza como centro de civilizao; a natureza territorial com suas
gentes e frutas como base natural desse mesmo Estado. Ibidem, p. 09.
Figura 7
Pano de boca executado para a representao extraordinria dada no teatro
da corte por ocasio da coroao de D. Pedro I, imperador do Brasil.
Jean Baptiste Debret (1822)
~ 65 ~
89
DEBRET, Jean-Baptiste, Viagem Pitoresca e Histrica ao Brasil (1816-1831), v. I, So Paulo,
Crculo do Livro, p. 446.
Figura 8:
Campo degli Aimor, ato III,
Cenrio de Carlo Ferrario para a pera O Guarani em Milo (1870)
Iconografia do Arquivo do Museu Imperial
~ 66 ~
90
SCHWARCZ (1998), Op. cit., p. 139.
~ 67 ~
91
Directorio, que se deve observar nas povoaoens dos ndios do Par, e Maranha, em quanto Sua
magestade na mandar o contrario (1758), Lisboa, Officina de Miguel Rodrigues, p. 02. 92
Ibidem, p. 03. 93
Ibidem, p. 04.
~ 68 ~
94
Ibidem, p. 06. 95
Ibidem, pp. 07-08. 96
Ibidem, p. 38.
~ 69 ~
~ 70 ~
97
FONSECA, Thais Nvia de Lima (2009), Letras, ofcios e bons costumes: civilidade, ordem e
sociabilidades na Amrica Portuguesa, Belo Horizonte, Editora Autntica, p. 84. Ao arrolar os nomes
dos professores rgios na capitania de Minas Gerais, a historiadora Thais Nvia de Lima e Fonseca pde
verificar a listagem de livros adotados por cada um em suas aulas. Nestes documentos se encontram
variados ttulos voltados ao ensino da lngua, artes, catecismo, bem como alguns ttulos atinentes ao
cuidado com a civilidade e urbanidade dos alunos, mas tendo na figura do mestre, a principal personagem
irradiadora do bom exemplo. 98
Dos ttulos arrolados pelas pesquisadoras junto lista de livros enviados Colnia elencam-se O
amigo da Juventude, Thesouro da Pacincia, O amigo das mulheres, Aviso de huma mi a seu
filho, Instrues de huma mi a sua filha, Thesouro de meninas e Thesouro de meninos, Instruo
da mocidade, entre outras amostras. A propsito ver AUGUSTI, Op. cit., p. 15.
~ 71 ~
99
EDMUNDO, Lus (2000), O Rio de Janeiro no tempo dos Vice-Reis (1763-1808), Braslia, Editora
do Senado Federal, p. 237. 100
HOLANDA, Srgio Buarque (1995), Razes do Brasil, 26 edio, So Paulo, Companhia das Letras,
p. 146.
~ 72 ~
101
Ibidem, p. 147. 102
Ibidem, p. 147. 103
Ibidem, p. 141.
~ 73 ~
~ 74 ~
104
AZEVEDO, Andr Nunes de (2003), Da monarquia Repblica: um estudo dos conceitos de
Civilizao e Progresso na cidade do Rio de Janeiro entre 1868-1906, Pontifcia Universidade
Catlica do Rio de Janeiro, tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Histria Social da
Cultura. 105
Ibidem, p. 77.
~ 75 ~
~ 76 ~
http://www.nphed.cedeplar.ufmg.br/~ 77 ~
106
HABNER, June E. (2012), Honra e distino das famlias in: PINSK, Carla Bessanezi; PEDRO,
Joana Maria, Nova Histria das Mulheres no Brasil, So Paulo, Contexto, pp. 43-64. 107
Em transcrio completa, afirmaria tal viajante em visita s ruas do comrcio do Rio de Janeiro, entre
1845-1846, que os preges de Londres so ridicularias comparados aos da capital brasileira... sapatos,
bons enfeitados, joias de fantasia, livros infantis, novelas para jovens e obras de devoo para os
devotos, A Arte de Danar para os desajeitados. Escolas de Bem Vestir para os moos, Manual de
Polidez para os rsticos... tais coisas e milhares de outras so, diariamente, apregoadas pelas ruas.
EWBANK, Thomas (1973), A vida no Brasil ou dirio de uma visita ao pas do cacau e das
palmeiras, v. 1, Rio de Janeiro, Editora Conquista, p. 99.
~ 78 ~
~ 79 ~
108
NEVES, Lucia Maria Bastos Pereira; MACHADO, Humberto Fernandes (1999), O Imprio do
Brasil, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, p. 185.
~ 80 ~
~ 81 ~
~ 82 ~
109
O nmero exato do squito que acompanhou a famlia real Portuguesa ao Brasil ainda no
consensual entre os estudiosos do tema. Estima-se que esta contabilidade esteja entre 6 mil e 15 mil
pessoas, segundo a Relao das pessoas que saram desta cidade para o Brasil, em companhia de
S.A.R., no dia 29/11/1807, documento depositado no Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro.
Observa Jurandir Malerba que, em se tratando de um documento cujo levantamento da tripulao estava
mais bem detalhada, a Relao das pessoas... informa um total de 514 tripulantes, sendo, porm, uma
descriminao imprecisa pois no os anotou individualmente. Ento, temos como exemplo citado pela
lista Francisco Incio, capito-de-fragata, com famlia, Jos Maria, capito-de-mar-e-guerra,e sua
famlia, Luis Fernandes, cozinheiro com sua famlia, Vicente Jos, contramestre dos navios, com sua
mulher e filhos, entre outros casos citados. Para tanto, no se sabe ao certo quantos membros esto
arrolados no termo famlia e filhos, e at alguns serviais, inclusos tambm na condio de
aparentados. Sabe-se que em, 1807, partiram 56 navios, sendo 16 da esquadra inglesa, nove do esquadro
britnico e 31 navios mercantes. A lista no arrola, assim, o considervel nmero de pessoas que
constituam a esquadra britnica. A propsito ver MALERBA, Jurandir (2008), Sobre o tamanho da
comitiva in: Acervo: Revista do Arquivo Nacional, v. 21, n I, Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, p.
57.
~ 83 ~
110
Idem, Op. cit., p. 172. 111
SCHULTZ, Kirsten (2008), Versalhes tropical: Imprio, monarquia e a corte portuguesa no Rio
de Janeiro (1808-1821), Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, p. 127.
~ 84 ~
112
No tardou para que, uma vez achado, o Novo Mundo fosse incorporado aos preceitos morais
pensados pelos europeus, presentes na carta lavrada pelo navegador portugus Pedro lvares Cabral, em
maio de 1500: Contudo, o melhor fruto que dela se pode tirar parece-me que ser salvar esta gente. E
esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lanar. Nesse sentido, seria o nativo
considerado brbaro, um selvagem diante de uma cultura superior. A justificativa da colonizao passava
de sobremaneira em retificar a inferioridade do Novo frente ao progresso civilizacional do Velho Mundo.
No tardaria para que se investisse, na Amrica Portuguesa, num imaginrio de regenerao daquilo que a
natureza havia degradado. J em fins do sculo XVI afirmaria o jesuta Ferno Cardim: Este Brasil j
outro Portugal, embora muitas fossem as discrepncias socioculturais da Metrpole com relao
Colnia, posto que o Brasil se tornara uma experincia histrica cada vez mais mestia. A respeito ver
COUTO, Jorge, A gnese do Brasil; MELLO, Evaldo Cabral de (2009), Uma Nova Lusitnia in:
MOTA, Carlos Guilherme, Viagem Incompleta 1500/2000: a experincia brasileira, So Paulo,
Editora do SENAC. 113
MARROCOS, Joaquim dos Santos (1934), Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, volume
54, Rio de Janeiro, Servio Grfico do Ministrio da Educao, p. 68. Tambm em correspondncia,
apontava o mesmo Lus Marrocos a sua insatisfao de residir na nova corte: (...) eu no gosto de
prender-me nessa terra, que julgo para mim de Degredo. Ibidem, p. 41.
~ 85 ~
114
WILCKEN, Patrick (2010), Imprio deriva: corte portuguesa no Rio de Janeiro (1808-1821), Rio
de Janeiro, Objetiva, p. 137. 115
A pressa do embarque e travessia para a colnia americana foi causadora de muitos problemas
enfrentados pela real famlia portuguesa, nobreza e funcionrios, cujo improviso e constrangimento foi
bem apontado por Lus Norton: A bordo, a confuso era indescritvel; ningum encontrava o que era
seu; a poucos dias de viagem, faltava a gua e os mantimentos estavam corruptos. Isso mesmo era
sentido no navio-almirante, onde mais foi preciso cortar lenis para fazer camisas para D. Joo...
NORTON, Lus (1979), A corte de Portugal no Brasil, Coleo Brasiliana, Volume 124, Rio de Janeiro,
Companhia Editora Nacional/INL-MEC, p. 15. 116
LUCCOCK, John (1975), Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais do Brasil, Belo
Horizonte, Editora Itatiaia, p. 66.
~ 86 ~
117
LIMA, Oliveira (1908), D. Joo VI no Brasil, Tomo I, Rio de Janeiro, Tipografia do Jornal do
Comrcio, p. 97. 118
NORTON, Op. cit., p. 19. 119
SCHULTZ, Op. cit., p. 16.
~ 87 ~
120
CHANTAL, Suzanne (1965), A vida cotidiana em Portugal ao tempo do terremoto, Lisboa,
Edies livros do Brasil, p. 103. Como sugere Suzanne Chantal, no era apenas entre a burguesia que
bem se afigurava a aristocracia portuguesa. Mesmo dizimada pelo ministro Marqus de Pombal, a
aristocracia mantinha prxima a si toda uma massa de homens rudes e ignorantes, o que acabava por
resvalar certo tom de familiaridade, deferncia e cumplicidade que os enobrecia e que no era
compreendido entre os estrangeiros. Na verdade, grande parte dessa populao comum era constituda por
criados, ou seja, por pessoas criadas na famlia e que dela faziam parte, a exemplo do Conde de Vale de
Reis, onde, na Casa das Cruzes, possua noventa e duas pessoas e dois capeles agregados ao seu
palacete. Ibidem, Op. cit., p. 105. Tambm o aristocrata ingls William Beckford, em 3 de junho de 1787,
pode observar todo o squito que acompanhava o Marqus de Marialva, causando-lhe imensa surpresa
pela grande quantidade de pessoas. Com Marialva desceram de um escaler uma multido de msicos,
poetas, toureiros, laais, macacos, anes e crianas de ambos os sexos, o que fez o observador
comparar a cena com a da Arca de No narrada no Antigo Testamento, mas cuja coleo de espcimes
trazidos pelo marqus pareceu-lhe mais heterognea do que a cena bblica. BECKFORD, William (2007),
A corte da Rainha D. Maria I correspondncias (1787), Lisboa, Textype Artes Grficas, p. 29.
~ 88 ~
121
WILCKEN, Op. cit., p. 69. 122
BECKFORD apud WILCKEN, Op. cit., p. 86. 123
CHANTAL, Op. cit., p. 72. Tal isolamento mantido pela corte portuguesa em relao prpria nao,
talvez revele o que pde perceber Antnio Pedro Vicente ao comentar: Portugal se constitura como
nao criadora de imprios, mas sempre de costas voltadas Europa, mantendo uma poltica dbia
durante os anos de equilbrios e desequilbrios de poderes na Europa aps a Revoluo Francesa. Logo,
no foi por acaso que esta tambm tentou se ausentar do conflito entre a Frana e a Inglaterra em fins do
sculo XVIII, bem como durante o tenso perodo armado das Guerras Peninsulares, iniciadas por entre
1793, quando ento Portugal foi invadido pelas tropas napolenicas em 1807, e permanecendo at 1814,
quando da retirada dos soldados franceses. VICENTE, Antnio Pedro (2007), Guerra Pensinsular
(1801-1814), Lisboa, QUIDNOVI, pp. 16-23.
~ 89 ~
124
O Palcio de Queluz, embora adotado como Casa real, ainda dividia ateno com outros monumentos
reais, tais como o Palcio de Mafra, o Palcio da Bemposta, o Palcio das Necessidades, e mesmo a
quinta do Ramalho, morada da princesa Carlota Joaquina, esposa de D. Joo. Contudo, sem perceber
algum signo da realeza que ostentasse luxo ou requinte, ps-se Carrre a descrever, em 1796, sua
impresso sobre a corte portuguesa que encontrara: Chega-se corte, instalamo-nos, temo-la diante dos
olhos e ficamos procura dela. Apenas nos apercebemos de uma multido de sujeitos, entre os quais no
podemos distinguir quais so os grandes, quem faz parte da corte, qual o pessoal do rei, nem seque
quem o prprio prncipe; tudo ali se baralha e todos se confundem. O prncipe no se rodeia nem de
magnificncia, nem de representao, nem de majestade. CARRRE apud PEDREIRA & COSTA, Op.
cit., p. 43. 125
VON FLEMMING apud WILCKEN, Op. cit., p. 300.
~ 90 ~
126
LA TOUANNE apud NORTON, Op. cit., p. 86.
~ 91 ~
127
LEITHOLD, T. Von. & RANGO, L. Von (1966), O Rio de Janeiro visto por dois prussianos em
1819, So Paulo, Companhia Editora Nacional, p. 147. 128
Para o historiador Russell-Wood, a importao de escravos foi essencial para a economia brasileira.
Iniciada a partir de 1549, com o desenvolvimento das fazendas de acar, seu crescimento foi gradual ao
longo dos sculos, no apenas em consequncia da substituio do trabalho amerndio, mas tambm pelo
emprego de novos ciclos econmicos, como fora a extrao de metais preciosos no sculo XVIII. Assim,
longe de ser recente, a escravido era uma entidade secular na Amrica portuguesa. A propsito ver
RUSSEL-WOOD, A. J. R. (2005), Escravos e libertos no Brasil colonial, Rio de Janeiro, Civilizao
Brasileira. 129
LEITHOLD, T. Von. & RANGO, L. Von, Op. cit., p. 34.
~ 92 ~
130
COUTINHO apud SILVA, Maria Beatriz Nizza da (1993), Vida privada e quotidiano no Brasil na
poca de D. Maria e D. Joo VI, Lisboa, Editorial Estampa, pp. 22-25. 131
Comenta Suzanne Chantal que as mulheres portuguesas no se preocupavam com coisa alguma,
passando os dias sentadas no cho do quarto, de janelas fechadas, por onde se olhava o movimento
pblico atravs de apertadas gelosias. Elas no tinham contato com outros homens alm dos da famlia,
exceto com os clrigos. Assim, completou que nas famlias mais severamente tradicionalistas, a mulher,
que s saa em trs ocasies, em toda a sua vida para ser baptizada, para se casar e para ser
enterrada. CHANTAL, Op. cit., p. 110. 132
LUCCOCK, Op. cit., p. 77.
~ 93 ~
133
O carter modesto das moradas na Amrica portuguesa em grande parte se justificava pela ausncia de
planejamento tcnico ou arquitetnico, uma vez que, como lembra Maria Beatriz Nizza da Silva
(1993:211), mesmo na metrpole, muito tardiamente foi criada a Aula de Arquitetura Civil, quando do
reinado de D. Maria I (1777-1816). Assim, as habitaes na Amrica portuguesa compreenderam mais
um trabalho de pedreiros e carpinteiros, do que construes elaboradas, projetadas por profissionais da
arquitetura.
~ 94 ~
134
Em parte, uma residncia carioca no diferia muito daquelas encontradas em Portugal por William
Beckford. Em se tratando do tom lgubre das residncias, especialmente por se manterem constantemente
encerradas, pde anotar o ingls que a morada dos nobres mantinha o tom de sobriedade, sem o menor
rumor, por mais leve fosse, como o de insetos. Nela tambm no havia espelhos, nem pinturas, nem
dourados, o que observou: as prprias mesas esto ocultas com fofos acairelados de veludo lavrado, no
estilo dos que as nossas vivas antigamente usavam para ornar os seus toucadores. Basta a vista destas
mesas assim para nos fazer transpirar, e no posso imaginar que demnio levou os portugueses a
inventarem to antiquada moda!. BECKFORD, Op. cit., pp. 18-19. 135
LEITHOLD, Op. cit., p. 29.
~ 95 ~
136
Tendo chegado Capitania da Bahia no dia 22 de janeiro de 1808, D. Joo decretaria seis dias aps,
uma Carta Rgia determinando a abertura dos portos do Brasil s naes amigas. Era o fim do monoplio
comercial, onde qualquer comerciante, fosse de nao amiga de Portugal, poderia comprar e vender
produtos diretamente nos portos brasileiros. A abertura dos portos incentivaria, assim, uma maior
presena estrangeira, observada pelo Padre Perereca, a partir do nmero de embarcaes chegadas ao
Brasil. Tendo, em 1805, desembarcado em terras brasileiras 810 embarcaes exclusivamente
portuguesas, aps 1808 j se observa 90 delas sendo estrangeiras. O nmero s acrescentaria ao longo do
tempo: em 1810 foi anotado o nmero de 422 embarcaes estrangeiras, mantendo-se com essa mdia at
o ano de 1815. Sua ltima informao sobre a matria refere-se ao ano de 1819, registrando o nmero de
340 embarcaes. SANTOS, Luiz Gonalves dos (1981), Memrias para servir Histria do Reino do
Brasil, Tomo I, Belo Horizonte/So Paulo, Itatiaia/USP, p. 348.
~ 96 ~
137
SANTOS, Op. cit., p. 349; p. 248. 138
Para os historiadores Jorge Pedreira e Fernando Dores Costa, o episdio da elevao da antiga colnia
portuguesa categoria de Reino Unido de Portugal e Algarves, comprovaria o desinteresse do prncipe D.
Joo em regressar Lisboa. Outrossim, conferia ao Brasil um carter simblico de ser sede da monarquia,
e que at ento, mesmo aps sete anos, ainda no tinha sido reconhecido. Logo, a elevao do Brasil
categoria de Reino Unido correspondia sua consolidao como corpo poltico autnomo e ao culminar
de um processo de institucionalizao, que no ficara espera dessa promoo para avanar, tais
como aquelas variadas mudanas verificadas no cotidiano da nova corte. PEDREIRA, Jorge; COSTA,
Fernando Dores (2006), D. Joo VI O Clemente, Circulo de Leitores, p. 239. (Coleo Reis de Portugal
4 Dinastia). 139
Esclarece Maria Beatriz Nizza da Silva que o termo traste, no incio dos oitocentos, no vertia ao
tom pejorativo que hoje fazemos uso, significando antes peas de uso e servios, tal como aplicamos ao
~ 97 ~
sentido atual de mobilirio para/do uso domstico. O termo mvel, em seu sentido mais restrito, e que
hoje adotamos no Brasil tem, pois, influncia do comrcio francs desde o incio do sculo XIX. SILVA,
Maria Beatriz N. da (1978), Cultura e Sociedade no Rio de Janeiro (1808-1821), 2 edio, Coleo
Brasiliana, volume 363, So Paulo, Companhia Editora Nacional, p. 49. 140
FREYCINET apud SILVA, Op. cit., p. 18. 141
Ibidem, p. 18.
~ 98 ~
142
KOSTER, Henry (1936), Viagens ao Nordeste do Brasil (1809-1815), So Paulo, Companhia Editora
Nacional, p. 105. 143
DEBRET, Op. cit., p. 306.
~ 99 ~
144
Ibidem, p. 173. 145
SPIX, Johann Baptiste Von; MARTIUS, Carl Friedrich Philippe von (1938), Viagem pelo Brasil
(1818-1819), vol. II, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, p. 293. 146
LUCCOCK, Op. cit., p. 84.
~ 100 ~
147
Ibidem, p. 84. 148
Ibidem, p. 84.
~ 101 ~
149
Ibidem, p. 84-85. 150
Para tanto, a mesma prtica de coletivizar os objetos durante a refeio foi apontada por Suzanne
Chantal, ao afirmar que, mesmo com o requinte que lhe era imputado, o Marqus de Marialva, mestre na
arte de receber, um grande jarro de prata passava de boca em boca um grande jarro de prata. Afirma,
igualmente, que era raro haver um garfo para cada conviva em Portugal. CHANTAL, Op. cit., p. 127.
~ 102 ~
151
LUCCOCK, Op. cit., p. 84.
~ 103 ~
152
SILVA (1993), Op. cit., p. 232-233. 153
Para SANTOS essas aes podem ser exemplificadas atravs da atuao edilcia da Intendncia Geral
da Polcia, e suas aes vigilantes, controladoras e repressoras, e da criao de cenrios, arquiteturas e
ocasies formais (como a construo do Pao Imperial, Jardim Botnico, festas, velrios, procisses, ou
mesmo importantes cerimnias, como a coroao de D. Joo VI em 1818, por exemplo). SANTOS,
Afonso Carlos Marques dos (2008), A fundao de uma Europa possvel in: Um novo mundo, um
novo imprio: a corte portuguesa no Brasil (1808-1822), Rio de Janeiro, Edio do Museu Histrico
Nacional, p. 29-30. 154
LEITO, C. de Mello (1934), Visitantes do Primeiro Imprio, Biblioteca Pedaggica Brasileira,
srie V, v. 32, So Paulo, Companhia Editora Nacional, p. 79.
~ 104 ~
155
TOLLENARE, Louis Franois de (1956), Notas Dominicais Tomadas Durante uma Viagem em
Portugal e no Brasil em 1816, 1817 e 1818, Salvador, Livraria Progresso Editora, p. 308-309. 156
LIMA, Vera (2008), A moda no perodo de d. Joo VI: moda e modos in: Anais do Museu
Histrico Nacional, v. 40, Rio de Janeiro, Edio do Museu Histrico Nacional, p. 511.
~ 105 ~
157
LEITHOLD, Op. cit., p. 29. 158
Ibidem, p. 30-32. 159
Contudo, no afirmamos que no houvesse apreo pela moda europeia antes da transmigrao da Corte
portuguesa. Para efeito, temos a descrio deixada pelo ingls Thomas Lindley, em 1802, ao observar o
gosto pela moda entre os brasileiros abastados, e especialmente voltado para o uso em ocasies pblicas,
o que contrastava com aqueles praticados na vida privada: "Os homens daqui vestem-se geralmente como
em Lisboa, acompanhando o figurino Ingls, exceto quando fazem visitas ou saem nos feriados, ocasies
em que exibem excesso de bordados, lantejoulas nos coletes, e rendas nas roupas de baixo. A espada, que
usam bem de lado (salvo em servio), e as cartolas, esto passando de moda. As fivelas para os sapatos e
cales, de ouro macio e feitas aqui, so muito comuns. Tm os homens grande atrao por toda a sorte
de adereos. Quando voltam para casa, essas roupas de gala so imediatamente despidas e alguns
envergam um jibo ou jaqueta fina, ao passo que outros ficam em ceroulas e camisa." LINDLEY,
Thomas (1969), Narrativas de uma Viagem ao Brasil (1802-1803), So Paulo, Companhia Editora
Nacional, p. 177.
~ 106 ~
160
A propsito ver HOLANDA, Sergio Buarque de (1985), Histria Geral da Civilizao Brasileira,
Tomo I, So Paulo, Difel, p. 12. 161
SILVA, Op. cit., p. 32.
~ 107 ~
162
Gazeta do Rio de Janeiro, edio de 02 de maro de 1816. 163
MONTEIRO, Tobias (1981), Histria do imprio: a elaborao da Independncia, v.1, So Paulo,
EDUSP, p. 67.
~ 108 ~
164
Como apontou Srgio Buarque de Holanda, embora constitussem de boa qualidade, muitos foram os
produtos inapropriados s necessidades e hbitos de consumo do Brasil, fosse pelo erro do
desconhecimento das condies brasileiras, fosse pela vinda de aventureiros com pacotilhas compradas s
pressas e a baixos preos, como patins para gelo, espartilhos para senhoras (desconhecidos por elas,
portanto, sem uso), instrumentos de matemtica numa realidade de leigos, carteiras e porta notas, numa
terra em que no existia papel-moeda e nem se usava dinheiro. HOLANDA, Sergio Buarque de (2003),
A presena inglsa in: Histria da Civilizao Brasileira O Brasil monrquico, tomo II, v. 3, Rio
de Janeiro, Bertrand Brasil, p. 90.
~ 109 ~
165
SAINT-HILAIRE, Auguste de (1975), Viagem s Nascentes do Rio So Francisco (1819), So Paulo,
Belo Horizonte, EDUSP/ Itatiaia Editora, p. 132. 166
LEITHOLD, Op. cit., p. 29-30.
~ 110 ~
167
Em 1807, comentou o ingls John Mawe sobre a figura feminina de boas posses: "Na realidade, a sua
educao se restringe a conhecimentos superficiais; ocupam-se muito pouco com assuntos domsticos,
confiando tudo quanto se refere s dependncias inferiores da direo da casa, ao negro ou negra
cozinheira, e deixando todos os outros assuntos a cargo dos servos [...] ocupam-se, principalmente, em
casa, em cozer, bordar e fazer renda." MAWE, John (1978), Viagens ao Interior do Brasil (1807-1810),
So Paulo, Belo Horizonte, EDUSP/ Itatiaia Editora, p. 72. 168
importante lembrar que o casamento colonial era acompanhado, por parte as mulheres, do valor do
seu dote, o que equivalia a sua parte da herana na morte de cada um dos pais, o que ajudava o
estabelecimento do jovem casal ou tambm se somava fortuna da famlia do noivo. Indicava constituir
um bom casamento no apenas a importncia da linhagem familiar (se branca e catlica), mas tambm
a fortuna patrimonial. Para Maria Beatriz Nizza da Silva, a importncia do dote na negociao e na
realizao dos matrimnios foi reduzida no fim do perodo colonial, dada a crescente quantidade de
mulheres brancas na sociedade e a diversificao das atividades profissionais masculinas, o que j no
era to crucial para o casamento e nem exigia to grandes sacrifcios da parte dos pais. SILVA,
Op.cit., p. 49. 169
Casos como a de mulheres solteiras, vivas ou abandonadas, mas que se tornaram chefes de famlia,
foram estudados por Paulo Eduardo Teixeira. Na oportunidade pode esse historiador observar certo
ensaio da independncia feminina no contexto colonial da Amrica portuguesa, sobretudo a partir do
estudo de caso da realidade de Campinas na Capitania de So Paulo, estendendo-se primeira metade do
sculo XIX. Tal estudo rompe com uma variante da historiografia brasileira que enquadra o sujeito
feminino envolta em relaes de submisso ao marido/pai, embrutecida, nervosa e indolente. Entendendo
a chefia feminina diante da famlia como parte do processo de povoamento de Campinas, cujo ambiente
era eminentemente rural, centrado no domiclio, e, por isso, composto pela famlia nuclear. A propsito
ver TEIXEIRA, Paulo Eduardo (2004), O outro lado da famlia brasileira: mulheres chefes de famlia
(1765-1850), Campinas, Editora da UNICAMP.
~ 111 ~
170
LIMA, Op. cit., p. 513. 171
LIMA, Op. cit., p. 101. 172
Para tanto, a historiadora Leila Mezan Algranti alerta que erroneamente forada uma compreenso
onde o emprego de gelosias nos domiclios serviria, quase que exclusivamente, ao ocultamento feminino
do mundo. Antes, o emprego desse tipo de janela revela as marcas de certa privacidade colonial,
justamente por ser esse um perodo onde a vida privada era devassada pelos olhos e presenas alheias,
no propiciando o sentimento de intimidade no seio da famlia colonial. Por mais que fosse empregado no
espao domiciliar artifcios como muros, trelias nas janelas, quintais nos fundos da casa, pomares e
jardins dividindo domiclios, tentando dotar de certa privacidade a famlia colonial, ainda assim, esta no
estava preservada em sua intimidade, o que faz com que no se aplique bem vida colonial antes do fim
do sculo XVIII e incio do sculo XIX, a distino comum entre o que era o espao pblico e o que era o
privado. Nesse sentido, a historiadora Sheila de Castro Faria corrobora com Leila Mezan Algranti sobre
os limites de certa vida privada na Amrica portuguesa. Estudando a sociedade patriarcal, os laos de
parentesco e o amparo patrimonial no perodo colonial, esta historiadora pode apontar que a concepo de
privacidade vertida intimidade e individualidade da famlia em torno da casa, no figurava como uma
experincia na Amrica portuguesa. Antes, o cotidiano era marcado pela presena de muitos sujeitos de
uma mesma famlia e variadas casas, e que, por sua vez, formavam as casas de vivenda ou de morada.
Estas eram compostas pelos lugares de beneficiamento da produo, das senzalas, das casas de agregados,
das casas de filhos, das casas onde se cozinhava e dormia, das casas dos animais, dos paiis ou casas de
despejos, enfim, num conjunto de lugares que formavam um complexo de casas e marcadas pela
pluralidade de sujeitos, divises e funes. Tambm lembra da ausncia de intimidade nesse complexo
colonial j que seus moradores estavam sempre s voltas com parentes