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EXCELENTÍSSIMA SENHORA MINISTRA ROSA WEBER, DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. DD. RELATORA DA ADPF 442/DF. MANIFESTAÇÃO AMICUS CURIAE ADPF 442 Requerente: Partido Socialismo e Liberdade - PSOL Intimados: Presidente da República e Congresso Nacional ASSOCIAÇÃO NACIONAL DA CIDADANIA PELA VIDA - ADIRA, pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos, com atuação em todo território nacional, devidamente registrada no Cartório do 2º Ofício do Registro Civil de Títulos, Documentos e Pessoas Jurídicas, sob o nº 000064766, em 27 de abril de 2009 (Doc. nº1), por seu Presidente ,o advogado José Miranda de Siqueira, inscrito na OAB DF sob o nº 10.332 que subscreve a presente (Docs. 3 a 6) vêm requerer a Vossa Excelência, por aplicação analógica do art. 7º, §2º, da Lei nº 9868/99, c/c o art. 6º, §§ 1º e 2º, da Lei nº 9882/99, o ingresso no feito como amicus curiae , o que faz nos seguintes termos:

MANIFESTAÇÃO AMICUS CURIAE - … · art. 7º, §2º, da Lei nº 9868/99, c/c o art. 6º, §§ 1º e 2º, da Lei nº 9882/99, o ... orientam Gilmar Ferreira Mendes e Paulo ... responsáveis

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EXCELENTSSIMA SENHORA MINISTRA ROSA WEBER, DO SUPREMO

TRIBUNAL

FEDERAL.

DD. RELATORA DA ADPF 442/DF.

MANIFESTAO AMICUS CURIAE

ADPF 442

Requerente: Partido Socialismo e Liberdade - PSOL

Intimados: Presidente da Repblica e Congresso Nacional

ASSOCIAO NACIONAL DA CIDADANIA PELA VIDA - ADIRA,

pessoa jurdica de direito privado sem fins lucrativos, com atuao em todo

territrio nacional, devidamente registrada no Cartrio do 2 Ofcio do Registro

Civil de Ttulos, Documentos e Pessoas Jurdicas, sob o n 000064766, em

27 de abril de 2009 (Doc. n1), por seu Presidente ,o advogado Jos Miranda

de Siqueira, inscrito na OAB DF sob o n 10.332 que subscreve a presente

(Docs. 3 a 6) vm requerer a Vossa Excelncia, por aplicao analgica do

art. 7, 2, da Lei n 9868/99, c/c o art. 6, 1 e 2, da Lei n 9882/99, o

ingresso no feito como amicus curiae, o que faz nos seguintes termos:

Sntese da ao

Conforme reconhecido por Vossa Excelncia na deciso de fls. nos autos da ao em epgrafe, trata-se de arguio de descumprimento de preceito fundamental, com pedido de medida liminar, ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade -PSOL, em face de alegada controvrsia constitucional relevante acerca da recepo dos artigos 124 e 126 do Decreto-lei n 2.848/1940 (Cdigo Penal), que instituem a criminalizao da interrupo voluntria da gravidez (aborto), pela ordem normativa constitucional vigente. A parte autora sustenta a no recepo parcial dos dispositivos legais que seriam impugnados pela Constituio da Repblica. Aponta, como preceitos fundamentais afrontados, os da dignidade da pessoa humana, da cidadania, da no discriminao, da inviolabilidade da vida, da liberdade, da igualdade, da proibio de tortura ou tratamento desumano ou degradante, da sade e do planejamento familiar de mulheres, adolescentes e meninas (Constituio Federal, art. 1, incisos I e II; art. 3, inciso IV; art. 5, caput e incisos I, III; art. 6, caput; art. 196; art. 226, 7). Alega estarem presentes os requisitos da plausibilidade do direito (fumus boni juris) e do perigo da demora (periculum in mora), e requer, em carter de medida cautelar: (i) suspenso das prises em flagrante, inquritos policiais e andamento de processos ou efeitos de decises judiciais que pretendam aplicar ou tenham aplicado os artigos 124 e 126 do Cdigo Penal a casos de interrupo da gestao induzida e voluntria realizada nas primeiras 12 semanas de gravidez; (ii) reconhecimento do direito das mulheres de interromper a gestao e dos profissionais de sade de realizar o procedimento. No mrito, pugna pela procedncia desta arguio de descumprimento de preceito fundamental, a fim de que seja declarada a no recepo, pela ordem constitucional vigente, dos artigos 124 e 126 do Cdigo Penal, para excluir do seu mbito de incidncia a interrupo da gestao induzida e voluntria realizada nas primeiras 12 semanas. Na ocasio, esta Eminente Relatora determinou a remessa de informaes prvias, nos termos do que prescreve o art. 5, 2, da Lei n 9.882/1999, pelo Presidente da Repblica, Senado Federal e Cmara dos Deputados, dando-se vista ao Advogado-Geral da Unio e ao Procurador-Geral da Repblica.

Cabimento da interveno como amicus curiae

2. A admisso da interveno da Requerente na ADPF encontra guarida no

2 do artigo 7 da Lei n. 9.868/99, aplicado analogicamente, configurando o que se

convencionou chamar de amicus curiae, seno vejamos:

Art. 7o No se admitir interveno de terceiros no processo de ao direta

de inconstitucionalidade. [...] 2

o O relator, considerando a relevncia da matria e a

representatividade dos postulantes, poder, por despacho irrecorrvel, admitir, observado o prazo fixado no pargrafo anterior, a manifestao de outros rgos ou entidades.

3. assente na jurisprudncia dessa Suprema Corte a significativa importncia

da interveno formal do amicus curiae nos processos de fiscalizao normativa

abstrata, uma vez que representa a pluralizao do debate constitucional e confere

legitimidade democrtica s decises do STF no exerccio da jurisdio

constitucional.

4. Essas caractersticas advm da interao dialogal entre o STF e as

entidades representativas que se apresentam como amigos da Corte, em que a

discusso tem um potencial epistmico de apresentar diferentes pontos de vista,

interesses, aspectos e elementos nem sempre alcanados, vistos ou ouvidos pelo

Tribunal diretamente da controvrsia entre as partes em sentido formal. A

participao de amici curiae possibilita decises melhores e mais legtimas do ponto

de vista do Estado Democrtico de Direito1.

5. Alexandre de Moraes destaca a importncia do amicus curiae no controle

concentrado diante da abstrao e objetividade deste, pois permite ao STF levar em

considerao os entendimentos doutrinrios e as consequncias da deciso sobre o

tema em discusso2.

6. Feitas as sobreditas consideraes iniciais acerca dessa figura, passa-se

anlise dos critrios de acolhimento.

7. A relevncia da matria de solar evidncia, haja vista a manifesta ofensa a

inviolabilidade do direito a vida , de repercusses ainda insondveis..

Especificamente no que se refere ao ponto que ser explorado em maior

profundidade pelo peticionrio aborto , tem-se matria que diz imediatamente com

1 ADI 5357, Re. Min. EDSON FACHIN, j. 01/04/2016, DJe-061, 04/04/2016.

2 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 20. ed. So Paulo: Atlas, 2006, p. 706.

a vida humana, de profunda complexidade e significao mdica, biolgica, jurdica,

tica e moral.

8. Essa questo interessa a todos, e no poderia ademais haver temtica mais

relevante. As consideraes da Requerente certamente contribuiro com esta

Magna Corte, porquanto a ADIRA oferecer subsdios tcnicos e jurdicos

importantes para uma melhor compreenso do assunto, viabilizando, por

conseguinte, um julgamento mais abalizado.

9. A representatividade da ADIRA decorre do grande papel que esta Entidade

exerce na promoo da Cidadania pela Vida. A ADIRA uma instituio de cunho

tico, suprapartidria e suprarreligiosa, sem fins lucrativos, composta por

profissionais de diversos ramos da cincia e que, neste particular tema, representa o

Movimento Nacional Brasil Sem Aborto.

10. O debate da presente questo gira em torno de questes cientficas

multidisciplinares incluindo jurdicas que se aprovadas podem inclusive solapar

posio do Poder Constituinte Originrio eis que a questo da inviolabilidade do

direito vida foi exaustivamente discutida e aprovada por deputados constituintes

que representaram a vontade popular definindo clusula petrea. No resta dvida

de que o assunto de extrema complexidade, indo alm de mero procedimento de

sade e de tica mdica para abranger dimenses ticas e morais em geral. Esta

discusso congloba diversos aspectos dos direitos humanos, como o direito vida,

liberdade de expresso, de pensamento e conscincia.

11. Nesse sentido, importante aspecto revelador do nexo de causalidade entre

as finalidades institucionais da ADIRA e o objeto da ao se encontra no fato de a

ADIRA atuar fortemente em atividades de interesse pblico no mbito do exerccio

da cidadania e de direitos humanos E DIREITO VIDA . A Associao que ora se

apresenta como amiga da corte, organiza anualmente a Marcha Nacional em

Defesa da Vida que ocorre em Braslia e desenvolve trabalho de conscientizao de

cidadania na defesa da cultura da vida e da paz , de modo a manter em suas

diretrizes a valorizao da dignidade da pessoa humana e a defesa da vida.

12. Pois bem. No que se refere possibilidade de manifestao, deferimento e

prazo respectivo para o presente petitrio, orientam Gilmar Ferreira Mendes e Paulo

Gustavo Gonet Branco3:

A Lei n 9.868/99 preserva a orientao contida no Regimento Interno do STF que veda a interveno de terceiros no processo de ao direta de inconstitucionalidade (art. 7).

Constitui, todavia, inovao significativa no mbito da ao direta de inconstitucionalidade a autorizao para que o relator, considerando a relevncia da matria e a representatividade dos postulantes, admita a manifestao de outros rgos ou entidades (art. 7, 2). Positiva-se, assim, a figura do amicus curiae no processo de controle de constitucionalidade, ensejando a possibilidade de o Tribunal decidir as causas com pleno conhecimento de todas as suas implicaes e repercusses.

Trata-se de providncia que confere carter pluralista e democrtico (CF/88, art. 1, pargrafo nico) ao processo objetivo de controle abstrato de constitucionalidade.

Em vista do veto presidencial aposto ao 1 do art. 7, surge a indagao sobre qual o momento para o exerccio do direito de manifestao por parte do amicus curiae.

No que concerne o prazo para o exerccio do direito de manifestao (art. 7), parece que tal postulao h de se fazer dentro do lapso temporal fixado para apresentao das informaes por parte das autoridades responsveis pela edio do ato.

possvel, porm, cogitar de hipteses de admisso de amicus curiae fora do prazo das informaes na ADI (art. 9, 1), especialmente diante da relevncia do caso ou, ainda, em face da notria contribuio que a manifestao possa trazer para o julgamento da causa.

Observa-se por outro lado, que o requisito da pertinncia temtica tambm deve ser observado para o fim de admisso de amicus curiae.

Quanto atuao do amicus curiae, aps ter entendido que ela haveria de limitar-se manifestao escrita, houve por bem o Tribunal admitir a sustentao oral por parte desses peculiares partcipes do processo constitucional. Em 30-3-2004, foi editada Emenda Regimental, que assegurou aos amicus curiae, no processo de ADI, o direito de sustentar oralmente pelo tempo mximo de quinze minutos, e, ainda, quando houver litisconsortes no representados pelo mesmo advogado, pelo prazo contado em dobro.

Essa nova orientao parece acertada, pois permite, em casos especficos, que a deciso na ao direta de inconstitucionalidade seja subsidiada por novos argumentos e diferentes alternativas de interpretao da Constituio (sem destaques no original).

13. Nesse sentido, que se constata a pertinncia temtica, bem como a

legitimidade e propriedade desta Associao, ora peticionante, que muito tem a

trazer de relevo no interesse do melhor julgamento da causa, podendo enriquecer

essa ADPF com informaes que havero de propiciar maiores possibilidades

argumentativas e interpretativas para a anlise da situao em apreo. Lembremos,

3 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. So Paulo:

Saraiva, 2013, p. 1134-1135.

a propsito, da previso de possibilidade de sustentao oral quando da admisso

da Requerente como amicus, nos termos do art. 131, 3, do Regimento Interno

dessa Corte.

Aspectos psquicos ligados ao Aborto

14. O Partido poltico Requerente ao erguer a bandeira do direito de liberdade

da mulher para realizar aborto at 12 semanas de gravidez, alm de defender o

direto morte do nascituro agride o direito constitucional sade da gestante diante

do grave quadro clnico psicolgico ps aborto que a mesma estar acometida ,

criando assim novo problema para o Estado brasileiro de arcar com os tratamentos

de sade mental das mulheres que abortaram.

15. Sobre os aspectos psicolgicos no vislumbrados pelo Requerente,

salientam-se outros olhares em relao sade mental das mulheres que

experimentaram o aborto, expostos adiante.

16. Estudo longitudinal4 evidenciou aumento de 30% de transtornos mentais nas

mulheres que tiveram aborto. Ao comparar quatro subgrupos (mulheres que tiveram

aborto induzido; mulheres com abortos espontneos/mortes fetais; mulheres com

gestao indesejada ou reaes adversas durante a gestao cuja criana nasceu;

e mulheres que no tiveram reaes adversas durante a gestao cuja criana

nasceu) o estudo demonstra que o risco relativo de desenvolver diversos transtornos

mentais como depresso maior, transtorno de ansiedade, ideao suicida,

dependncia de uso de lcool, dependncia de uso de drogas ilcitas e outros

transtornos mentais, foi consideravelmente maior no subgrupo de mulheres que

induziram aborto em relao aos demais subgrupos. Mesmo se comparando o

subgrupo do aborto induzido com o subgrupo das mulheres com gestao

indesejada ou reaes adversas durante a gestao cuja criana nasceu, exceo

do transtorno depressivo ser ligeiramente maior no segundo subgrupo, o risco

relativo de desenvolver os demais transtornos mentais citados foi maior para o

subgrupo que procedeu o aborto. Tambm importante destacar que o estudo em

4 Fergusson DM, Horwood LJ, Boden JM. Abortion and mental health disorders: evidence from a 30-

year longitudinal study.The British Journal of Psychiatry Dec 2008, 193 (6) 444-451

tela, para reduzir os possveis vieses, considerou o ajuste de 17 fatores covariveis

que poderiam incidir ou influenciar na anlise dos resultados, entre os quais esto a

escolaridade materna, o status socioeconmico familiar, abuso sexual na infncia,

morar com os pais, coabitar com o pai da criana, problemas relacionados ao

emprego, doena ou morte na famlia, entre outras.

17. Um outro estudo5, que realizou uma reviso de 36 artigos cientficos entre

1995 e 2011 que compararam o aborto e gravidez com nascimento da criana com

seus respectivos desfechos em sade mental, apontou que 13 artigos mostraram um

risco evidente de pelo menos um dos transtornos mentais (os mais citados foram

depresso, transtornos de ansiedade, incluindo sndrome de stress ps-traumtico e

abuso de drogas), relatados no grupo de mulheres que provocou aborto em relao

s mulheres que tiveram parto; cinco trabalhos mostraram nenhuma diferena, em

particular, se as mulheres no consideram a sua experincia de perda fetal ser difcil

e apenas um estudo relatou uma piora na sade mental das mulheres que tiveram

parto. Ao comparar aborto provocado com gravidezes no planejadas que terminam

com o parto, quatro artigos encontraram um risco maior nos grupos de aborto e trs,

nenhuma diferena. Se comparados o aborto provocado com o abortamento

espontneo, trs artigos mostraram um risco maior de transtornos mentais

secundrios ao aborto provocado, quatro estudos no encontraram nenhuma

diferena e dois descobriram que a ansiedade e a depresso de curto prazo foram

maiores no grupo de mulheres que sofreu abortamento espontneo, enquanto que a

ansiedade e a depresso de longo prazo estavam presentes apenas no grupo que

provocou aborto.

18. J um estudo realizado por pesquisadores brasileiros e estrangeiros em

2011 no Recife/Pernambuco6, coincidentemente a mesma regio onde se

registraram em 2015 os primeiros casos de microcefalia devido Zika virose no

Brasil, anuncia-se como a primeira coorte populacional que considerou mulheres

brasileiras que cogitaram ou tentaram o aborto. Os pesquisadores identificaram

5 Bellieni, CV, Buonocore, G. Abortion and subsequent mental health: Review of the literature. Psychiatry and

Clinical Neurosciences, 2013, 67:301310.

6 Ludermir AB, Araya R, Arajo TVB, Valongueiro SA, Lewis G. Postnatal depression in women after

unsuccessful attempted abortion. The British Journal of Psychiatry Mar 2011, 198 (3) 237-238

1133 mulheres de famlias de baixa renda na cidade de Recife, todas no primeiro

trimestre de gravidez e a partir de registros dos profissionais de sade dos

postos/centros de sade da regio, entre elas tambm as mulheres que no

recebiam acompanhamento pr-natal. As gestantes foram inquiridas se elas

consideraram o aborto como opo, se em algum momento da gestao

consideraram a hiptese de abortar e, se afirmativo, foram inquiridas privativamente

sobre se tentaram abortar, inclusive perguntando-se por qual mtodo, para se

checar a confiabilidade da resposta. Tambm foram questionadas sobre a aceitao

da gravidez pelo pai da criana, se j sofreram abusos sexuais pelo atual ou ex-

parceiros e tambm sobre seu histrico de transtornos mentais antes de engravidar.

Em relao aos resultados, 1057 gestantes completaram a entrevista, das quais 755

(73%) delas no consideraram abortar, 142 (14%) consideraram a hiptese de

abortar e 140 (14%) tentaram o abortamento. O estudo destaca ainda que o quarto

desfecho possvel (mulheres cuja tentativa de abortamento resultou em morte da

criana) no foi possvel avaliar pois o aborto ilegal no Brasil. A frequncia de

casos de depresso ps-parto entre as gestantes do primeiro grupo citado foi de

22%, a do segundo foi de 32% e a do terceiro grupo foi de 41%. Ou seja, o estudo

encontrou que entre as mulheres que tentaram o abortamento houve quase o dobro

de casos de depresso ps-parto se comparado com o grupo de mulheres que no

consideraram a hiptese de abortar. no entanto, apesar de no disponibilizarem os

dados, os autores em tela no encontraram nenhuma associao entre gravidez

indesejada e transtornos mentais auto-relatados antes da gravidez entre as

gestantes de Pernambuco que pudessem ser considerados como o grande motivo

da depresso ps-parto. Do ponto de vista cientfico, pouco crvel inferir que os

dados da pesquisa possam ser extrapolados para o universo de todas as mulheres

brasileiras e em pocas distintas (2011 x 2016), assim como inferir que os dados

dos estudos estrangeiros posteriores a 2011 sejam um corolrio apropriado para a

realidade brasileira em tempos de infeco por Zika. Contudo, tais achados do

estudo permitem indagar, contrastando com a alegao emprica da Requerente

(item 12 da petio a seguir) se o aborto seria a melhor soluo, j que seus efeitos

e danos psicolgicos tendem a ser mais severos do ponto de vista psquico se

comparado com o pleno desenvolvimento da gestao. Entretanto, concordamos no

ponto de que os representantes do Estado e a sociedade brasileira deveriam prover

melhores condies de apoio s gestantes brasileiras, inclusive considerando -alm

da oferta dos cuidados pr-natais apropriados- a pertinncia do acesso de todas as

gestantes brasileiras a psiclogos, de modo que no se sintam sozinhas diante da

gravidez.

Ainda no escopo da Sade Mental, muitas publicaes cientficas utilizam as

terminologias transtorno de stress ps traumtico e sintomas de stress ps

traumtico para avaliar os efeitos do aborto. A primeira um conjunto de sinais e

sintomas definidores de uma doena cuja categorizao envolve numerosos critrios

diagnsticos7, seja adotada a Classificao Internacional de Doenas CID, seja

o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders DSM; e a segunda reflete

condies de sofrimento mental, transitrias ou no. Ambas as condies motivam

as pessoas a buscarem ajuda em servios de sade. Um estudo sueco8 entrevistou

1514 gestantes antes do trmino da 12 semana que solicitaram o aborto induzido

em hospitais pblicos suecos, de acordo com questionrio baseado no DSM IV, e

evidenciou que a prevalncia de transtorno de stress ps traumtico foi de 4% e a

prevalncia de sintomas de stress ps traumtico foi de 23% entre as entrevistadas.

Outro estudo9 que abordou mulheres que recorriam a servios que ofereciam aborto

as inquiriu sobre sentimentos e emoes 1 hora antes da realizao do aborto, 1

hora aps, 1 ms aps e 2 anos aps o procedimento. Aps 2 anos da realizao do

aborto, 20 % das mulheres estavam deprimidas e 1 % estava com transtorno de

stress ps-traumtico. Embora o estudo relate que a depresso havia diminudo e a

auto-estima havia aumentado do perodo pr-aborto para o ps-aborto, houve

aumento de emoes negativas e diminuio da satisfao com a deciso tomada

ao longo do tempo. J outro estudo10 que entrevistou mulheres que tiveram aborto

induzido e mulheres que tiveram parto, sobre sintomas e transtornos mentais tais

7 Kapczinski F, Margis R. Revista Brasileira de Psiquiatria Vol. 25, supl. 1 (jun. 2003), p. 3-7.

8 Lundell et al. The prevalence of posttraumatic stress among women requesting induced abortion. The

European Journal of Contraception & Reproductive Health Care. 2013;18 (6):480-488.

9 Major B et al. Psychological responses of women after first-trimester abortion. Arch Gen Psychiatry; 57(8):

777-84, 2000 Aug.

10 Broen et al. The course of mental health after miscarriage and induced abortion: a longitudinal, five-

year follow-up study. BMC Medicine 2005 3:18.

http://portal.revistas.bvs.br/transf.php?xsl=xsl/titles.xsl&xml=http://catserver.bireme.br/cgi-bin/wxis1660.exe/?IsisScript=../cgi-bin/catrevistas/catrevistas.xis|database_name=TITLES|list_type=title|cat_name=ALL|from=1|count=50&lang=pt&comefrom=home&home=false&task=show_magazines&request_made_adv_search=false&lang=pt&show_adv_search=false&help_file=/help_pt.htm&connector=ET&search_exp=Arch%20Gen%20Psychiatry

como ansiedade, culpa, vergonha e alvio em quatro diferentes momentos aps o

trmino da gestao, seja com nascimento ou por aborto (10 dias aps, 6 meses

aps, 2 anos aps e 5 anos aps), evidenciou que o grupo de mulheres que tiveram

aborto induzido apresentaram pontuaes em escalas diagnsticas para depresso

e ansiedade significativamente maiores que as mulheres que desenvolveram a

gestao at o parto em todos os 4 momentos inquiridos. Tais estudos, cujos

desenhos metodolgicos basearam-se em inquirir as mulheres em diferentes

momentos aps o aborto induzido, sugerem que os impactos sobre a sade mental

das mulheres so progressivamente maiores medida em que o tempo passa,

sinalizando efeitos tardios que no deveriam ser menosprezados no debate.

19. Em reviso de 22 estudos que analisaram aborto e sade mental, Coleman11

encontrou que as mulheres que se submeteram ao aborto apresentaram aumento de

81% de risco de problemas em sade mental e que aproximadamente 10% da

incidncia de problemas em sade mental demonstrou-se atribuvel ao aborto.

Todavia, outros estudos subsequentes criticaram a metodologia desta reviso,

sobretudo por no contemplar estudos que avaliaram mulheres com histrico de

transtorno mental pr-existente gestao, que seriam mais propensas depresso

aps uma gravidez indesejada, independentemente de abortar ou levar a gravidez a

termo.12 13 14

20. Em suma, apesar de diferentes metodologias e concluses, os estudos

sinalizam que h repercusso na sade mental das mulheres que provocam o

11 Coleman PK. Abortion and mental health: quantitative synthesis and analysis of research published

19952009.The British Journal of Psychiatry Aug 2011, 199 (3) 180-186.

12 Biggs MA, Rowland B, McCulloch CE, Foster DG. Does abortion increase womens risk for post-

traumatic stress? Findings from a prospective longitudinal cohort study. BMJ Open. 2016;6(2).

13 Academy of Medical Royal Colleges by National Collaborating Centre for Mental Health. Induced

abortion and mental health: a systematic review of the mental health outcomes of induced abortion,

including their prevalence and associated factors. December 2011

14 Steinberg JR, McCulloch CE, Adler NE. Abortion and Mental Health: Findings From the National Comorbidity

Survey-Replication. Obstetrics and gynecology. 2014;123(2 0 1):263-270.

aborto, em maior ou menor proporo, seja configurado por transtorno

mental/doena, seja pela apresentao de sintomas de sofrimento mental.

21. Um estudo recente do Colgio Americano de Pediatras15 alerta para os

efeitos adversos de um aborto induzido, independente da motivao para sua

realizao. Em relao sade mental, a publicao cita estudos na California e na

Finlndia que demonstraram que a taxa de suicdios em mulheres nos anos

subsequentes realizao de um aborto foi de 2,5 a 7 vezes mais alta do que nas

mulheres que tiveram parto. Tambm menciona outro estudo que acompanhou 3636

estudantes secundaristas de rea rural que evidenciou que as mulheres

adolescentes foram 10 vezes mais propensas a cometer suicdio se elas tivessem

sofrido um aborto nos ltimos 6 meses do que se elas no o tivessem; e que

adolescentes com histria prvia de realizao de aborto tinham cerca de 6 vezes

mais probabilidade de tentarem suicdio, se comparadas com adolescentes que no

tinham histria prvia de realizao de aborto.

22. Alm dos prejuzos na sade mental descritos no estudo acima, seus

autores sugerem a grande probabilidade de desenvolvimento de cncer de mama

nas mulheres que tiveram aborto induzido at 32 semanas de gestao, ancorado

em posicionamento do Breast Cancer Prevention Institute16.

23. J o risco de mortalidade materna a longo prazo consideravelmente maior

nas mulheres que provocaram o aborto se comparadas s que levaram sua

gestao adiante. Tal inferncia deriva de estudos que compararam registros de

gestao com registros de morte em milhares de mulheres na Califrnia17, na

Finlndia18 e na Dinamarca. Ademais, o estudo dinamarqus19 revisou os registros

15 American College of Pediatricians. Induced Abortion: Risks That May Impact Adolescents, Young Adults, and

Their Children August 2016. Disponvel em: https://www.acpeds.org/wordpress/wp-content/uploads/8.9.16-

Induced-Abortion-updated-PJ-and-JA.pdf

16 BCPI fact sheet: induced abortion increases breast cancer risk. Breast Cancer Prevention Institute

website. Disponvel em: http://www.bcpinstitute.org/FactSheets/FS-INTROD-ABC-LINK.pdf. 17

Reardon DC, Ney PG, Scheuren FJ, Cougle JR, Coleman PK, Strahan T. Deaths associated with pregnancy outcome: a record linkage study of low income women. South Med J. 2002;95(8):834-841 18

Gissler, M, Kauppila R, Merilainen J, Toukomaa H, Hemminki E. Pregnancy-associated deaths in Finland 1987-1994: definition problems and benefits of record linkage. Acta Obstet Gynecol Scand. 1997;76:651-657.

https://www.acpeds.org/wordpress/wp-content/uploads/8.9.16-Induced-Abortion-updated-PJ-and-JA.pdfhttps://www.acpeds.org/wordpress/wp-content/uploads/8.9.16-Induced-Abortion-updated-PJ-and-JA.pdfhttp://www.bcpinstitute.org/FactSheets/FS-INTROD-ABC-LINK.pdf

de 463.473 mulheres durante os 10 anos seguintes s suas gestaes e descobriu

que as mulheres que induziram o aborto aps 12 semanas de gestao tiveram as

mais altas taxas de mortalidade, seguidas pelas mulheres que provocaram o aborto

at as 12 semanas, seguida pelas mulheres que sofreram aborto espontneo,

enquanto as mulheres que no interromperam a gestao tiveram as menores taxas

de mortalidade a longo prazo.

24. Alm disso, a publicao do Colgio Americano de Pediatras (2016) em tela

elenca diversos estudos enfocando os problemas obsttricos advindos do aborto

induzido, tais como repercusses sobre as crianas de futuras gestaes,

especialmente a prematuridade extrema e muito baixo peso ao nascer20; aumento

do risco de placenta prvia se o aborto for executado por meio de curetagem21;

aumento de infertilidade22; aumento de aborto espontneo em futuras gestaes23.

Tais achados foram questionados em sua maioria pelo Instituto Guttmacher24,

instituto de pesquisa oriundo da International Planned Parenthood Federation, sendo

esta a maior provedora de servios abortistas nos Estados Unidos e com

ramificaes internacionais.

25. Outro aspecto fundamental que merece ser aprofundado a prestao do

servio abortivo no mundo e suas implicaes para o Brasil. Os dados da

International Planned Parenthood Federation- IPPF- compilados pela Family

19 Reardon D, Coleman P. Short and long term mortality rates associated with first pregnancy

outcome: population register based study for Denmark 1980-2004. Med Sci Monit. 2012;18(9):PH71-76. Disponvel em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3560645/. Accessed on Sept 21, 2013.

20

Moreau C, Kaminski M, Ancel PY, et al. Previous induced abortions and the risk of very preterm delivery: results of the EPIPAGE study. Obstet Gynecol Surv. 2005 Oct;60(10):627-628. 21

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Tzonou A, Hsieh C, Trichopoulos D. Induced abortions, miscarriages, and tobacco smoking as risk factors for secondary infertility. J Epidemiol Community Health. 1993;47:36-39. 23

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Fact sheet: induced abortion in the United States. Guttmacher Institute website.

https://www.guttmacher.org/fact-sheet/induced-abortion-united-states#9. Acessado em outubro de

2016.

https://www.guttmacher.org/fact-sheet/induced-abortion-united-states#9

Research Council25 mostram que em 2013 a IPPF foi responsvel pela realizao de

327.653 abortos induzidos nos Estados Unidos, ou seja, em mdia 898 crianas

morreram por abortamento por dia, ou uma criana abortada a cada 96 segundos

nos Estados Unidos. A receita total da International Planned Parenthood Federation

- que considerada nos Estados Unidos como instituio sem fins lucrativos- entre

2013 e 2014 foi de US$ 1,3 bilho (um bilho e trezentos milhes de dlares). Dessa

receita, 528 milhes de dlares foram recebidos de subvenes e contratos com o

governo federal, com os governos estaduais e locais dos EUA, o que permite dizer

que 46% do seu financiamento teve origem pblica, custeada pelos contribuintes

estadunidenses. Considerando que a IPPF foi responsvel por 31,5% de todos os

abortos realizados nos EUA em 2011 de acordo com o relatrio da Family Research

Council, de clareza solar a grande lucratividade da indstria abortista.

Curiosamente, recentemente houve caloroso debate americano sobre o chamado

Obamacare, reforma sanitria que originalmente obrigava todos os provedores de

servios de sade a oferecerem em sua cobertura assistencial os mtodos

contraceptivos e abortivos. Neste contexto, entidades provedoras de servios de

sade, sobretudo religiosas, manifestaram sua objeo de conscincia e lograram a

excluso da obrigatoriedade da oferta de mtodos contraceptivos e abortivos aps

deciso da Suprema Corte Americana. Tais elementos podem iluminar o debate

contemporneo brasileiro, no que tange aos aspectos jurdicos dependentes de

iminente deciso da Egrgia Corte, como tambm legislativos, em funo de

diversos projetos de lei sobre o tema em tramitao e a prosperidade ou no de uma

Comisso Parlamentar de Inqurito sobre o aborto no Brasil, destinada a investigar a

existncia de interesses e financiamentos internacionais para promover a

legalizao do aborto no Brasil.

26. Ao retomar o objeto da ADPF, poderia ser inferido que a propositura da

Requerente ao aborto, ancorada nos supostos DIREITOS DE LIBERDADE da

mulher RECONHECIDOS apenas at a 12 semana de gravidez, poderia expor s

mulheres que cometerem o aborto a um maior risco subsequente de desenvolver

transtornos mentais do que se tiverem desenvolvido a gestao at o final, com o

25 Family Research Council. The real Planned Parenthood: Leading the culture of death 2015 edition.

Disponvel em: http://downloads.frc.org/EF/EF11B52.pdf

http://downloads.frc.org/EF/EF11B52.pdf

nascimento da criana. Alm disso, os transtornos mentais citados envidariam um

acompanhamento psicolgico e psiquitrico da mulher que eventualmente venha a

induzir o aborto, considerada a longitudinalidade dos sintomas, sobretudo na

dependncia de drogas. Os resultados dos estudos discorridos neste captulo

tambm colocam em xeque o argumento de que a realizao de um abortamento

assistido por profissionais de sade, assim considerado aborto seguro, diminuiria a

taxa de mortalidade materna e outros impactos sobre a sade da mulher. Alis, a

expresso aborto seguro amplamente parcial e equivocada, j que o

abortamento provocado potencialmente inseguro para a sade da me do

ponto de vista orgnico e mental, e nunca seguro para o nascituro, que

invariavelmente morre ou desfigurado por ao farmacolgica ou cirrgica.

27. Tambm pertinente lembrar que bem plausvel que haja maior

disponibilidade proporcional de psiclogos e psiquiatras em centros brasileiros que

realizam o aborto em situaes de despenalizao prevista em lei e jurisprudncia

(erroneamente chamados de centros de aborto legal) para assistir mulher que

deseja abortar do que para a grande maioria das mulheres que passam por

experincias negativas e dificuldades ao longo da gestao ou at mesmo para as

mulheres que j apresentavam transtornos mentais ou sofrimento psquico prvios

gestao.

28. Com efeito, os resultados sade da mulher que aborta so mais

desfavorveis do ponto de vista psquico e tambm orgnico.

29. Quando a me decide pela interrupo da gravidez, abortando, no pode

assimilar, elaborar e descobrir o sentido da dor que obrigada a suportar. Esta

necessidade, que uma exigncia nos tratamentos psicolgicos, fica dificultada.

No tem a oportunidade de descobrir o sentido daquela vida que gerou... E, no

experimentando por parte daqueles que acompanhavam, que seu filho no tinha

valor, sente se tambm desvalorizada.

30. Nesse passo, o drama humano reduzido a ponto de a resoluo dos

problemas advindos da pobreza encontrar no aborto sua soluo. A proposta no

apresenta nenhuma orientao consistente para mudar o curso do determinismo que

alia pobreza natural reduo da dignidade da pessoa humana. Pelo contrrio,

parece ser fato consumado a misria como algo sem perspectiva de mudana, o

Estado fadado ao falimento e a sociedade merc de algo inevitvel e imutvel.

31. Desistir de lutar pela melhoria das condies de vida dos mais necessitados

sada completamente contrria opo, sem dvida melhor, de trabalhar por uma

nova ordem poltica, social, econmica, sanitria e ecolgica. Antes de deciso da

Suprema Corte sobre a autorizao para o aborto, dever-se-ia esgotar o universo de

possibilidades que tornaria nossas cidades habitats dignos para todos,

transformando nossas comunidades em protagonistas da mudana.

Apreciao geral, jurdica e poltica

32. Nos tpicos que seguem mais abaixo, empreende-se um exame

estritamente jurdico, luz do direito ptrio, de maneira sistematizada e analtica,

sobre a pretenso de liberao do aborto ,nesta altura, sem maiores rigores de

sistematizao, faz-se um esquadrinhamento geral desse pleito abortista, desde

logo explicitando razes, jurdicas e polticas, a evidenciar que deve ser ele julgado

improcedente.

33. De incio, registramos que merece apoio a slida manifestao do

Congresso Nacional a respeito da legalizao do aborto, em parecer da Advocacia

do Senado Federal:

O nascituro juridicamente protegido e dotado de direitos em nosso ordenamento. Sob o prisma legal, o Cdigo Civil lhe contempla direitos patrimoniais especficos (art. 542), bem como os direitos civis de modo geral (art. 2), e a jurisprudncia lhe concede, inclusive, legitimidade para ser indenizado por danos morais (e.g., o Recurso Especial n. 1.487.089, que cuidou de ruidoso caso de ofensa irrogada em face de nascituro e de sua me, consagrada artista). A Conveno Americana dos Direitos Humanos, internalizada no ordenamento ptrio com status supralegal, consagrou o direito vida, em geral, desde a concepo. O seu texto enuncia que Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepo. Ningum pode ser privado da vida arbitrariamente. Impende anotar que a Conveno Americana de Direitos Humanos no pretende disputar espao formal ou materialmente com o Cdigo Civil Brasileiro. Sob o ponto de vista formal, -lhe superior; sob o ponto de vista material, especial em relao ao ltimo, porque trata no ponto especificamente do direito vida, no sendo em absoluto incompatvel com a consagrao genrica que o Cdigo Civil faz aos denominados direitos do nascituro, ainda que destitudo da personalidade jurdica no sentido do direito civil.

A Constituio da Repblica, por outro lado, declara inviolvel o direito fundamental vida, na forma do caput de seu art. 5. A respeito do tema, importa destacar que o Conselho de Segurana da Organizao das Naes Unidas deixou de acolher, em sua Resoluo 2.106, de 24 de junho de 2013, proposta do Secretrio Geral da ONU que propunha o uso de aborto como medida de resposta aos casos de violncia sexual em situaes de conflito, deixando ainda que implicitamente de reconhecer o aborto como suposto direito humano. Desse modo, induvidoso que o nascituro goza de especial proteo no ordenamento jurdico tanto pela via constitucional direta quanto em virtude das disposies do Pacto de San Jose da Costa Rica, inteiramente compatvel, no ponto, com o que est disposto no Cdigo Civil Brasileiro. Essa proteo vida, como j decidiu o Supremo Tribunal Federal, no absoluta como, alis, comum a todo e qualquer direito fundamental. No entanto, o mesmo Plenrio do Supremo Tribunal Federal tem mantido a partir das decises constantes na ADI 3.510 (clulas tronco embrionrias) e na ADPF 54 (anencefalia) o critrio da inviabilidade do nascituro como ratio decidendi principal de decises judiciais que promovam a relativizao da proteo vida dos nascituros. Nesse sentido, estril, para os fins da discusso que ora se trava, saber se o ordenamento jurdico brasileiro adotou, afinal, a teoria natalista ou a concepcionista para a personalidade jurdica. Isso porque a atribuio especfica do direito vida, como proteo elementar concedida ao ser humano enquanto tal, no , em tese, incompatvel com a ausncia de uma personalidade formal, embora, desde o fim do lamentvel perodo escravocrata, essa distino seja, em geral, inexistente. A fixao desse marco o da inviabilidade resulta, assim, incompatvel com o pedido formulado na presente ao, visto que os fetos com microcefalia so geralmente viveis, embora possuam uma malformao que lhes causar transtornos em sua vida. Invoca-se, quanto ao ponto, a ideia dworkiniana do romance em cadeia: o prprio STF estabeleceu marcos, aos quais, por dever de integridade (agora expressamente previsto no Cdigo de Processo Civil), deve se ater, para evitar a tentao de eventual voluntarismo incompatvel com a separao de Poderes. Ainda quanto separao de Poderes, importa recordar o relevante contributo de Mary Ann Glendon, que trata da chamada linguagem (ou discurso) dos direitos (rights talk). A professora da Harvard Law School demonstra, em sua pesquisa, a formao de um discurso sobre direitos individuais que pernicioso democracia e s prticas polticas, porque tende a afastar o senso de responsabilidade individual e a fazer os cidados menos dispostos formao de um consenso discursivo. Afirma a autora: Thus far, in our investigation of American rights talk, we have observed a tendency to formulate important issues in terms of rights; a bent for stating rights claims in a stark, simple, and absolute fashion; an image of the rights-bearer as radically free, self-determining, and self-sufficient; and the absence of well-developed responsibility talk. [] The Courts ruling is made to appear almost inevitable: the winners position entirely vindicated, the losers thoroughly discredited (GLENDON, Mary Ann. Rights Talk: the impoverishment of political discourse. New York: The Free Press, 1991. pp. 107 e 154.)

O pedido formulado na presente demanda fruto da tentativa de converso em linguagem de direitos de uma pretenso que, a rigor, ainda pertence ao campo da poltica legislativa criminal. Com efeito. Se o texto constitucional no concede absoluta proteo vida em todo e qualquer caso (e a previso constitucional de pena de morte prova essa constatao), tampouco se pode afirmar que a Constituio seja indiferente (ou, ainda mais grave, favorvel) descriminalizao do homicdio ou do aborto. Sob o ponto de vista dos limites semnticos do texto constitucional, h uma margem legislativa mais ou menos definida para se demarcar a extenso da proteo jurdica da vida, inclusive quanto ao nascituro. , pelo menos, o quanto restou afirmado pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 3.510, ao estabelecer que a proteo legal dada ao embrio e ao feto eram legtimas. Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal d respaldo aplicao do princpio da proibio de proteo insuficiente (untermassverbot) em matria penal, como, e.g., no Recurso Extraordinrio n. 418.376 (que versava sobre excluso de punibilidade em estupro), na Ao Direta de Inconstitucionalidade n. 3.112, alm de ter servido como referencial terico da linha minoritria na j referida ADI n. 3.510. Nesse sentido, parece ldimo afirmar que a completa ausncia de proteo ao bem jurdico da vida, expressamente consagrado no caput do art. 5 de nossa Constituio, certamente afrontaria um dever constitucional de proteo estatal. Esse dever, quer nos parecer, tem incidncia tanto vida dos natos quanto de nascituros, mormente porque assim dispe a legislao vigente que, no ponto, no colide com o citado dever de proteo. No por outra razo que o eminente Jos Afonso da Silva pontifica que o direito vida constitui a fonte primria de os outros bens jurdicos.Em verdade, mesmo o centro gravitacional ao redor do qual orbitam todos os outros direitos do gnero humano. Em consequncia, tem-se que do asseguramento do direito vida defluem todas as outras situaes, quer sejam jurdicas, polticas, econmicas, morais ou religiosas do Homem (in genere). Assim e ainda de acordo com o mesmo jurista de nada adiantaria a Constituio assegurar outros direitos fundamentais, como a igualdade, a intimidade, a liberdade, o bem-estar, se no erigisse a vida humana num desses direitos.

34. O recurso do aborto como poltica pblica do Autor para controle

populacional, camuflado em pretenso reconhecimento da liberdade da mulher,

geraria o gravssimo problema psicolgico da gestante j apontado, quando

teramos gestantes com graves riscos de depresso, famlias cada vez mais

inseguras pela responsabilidade de se sacrificar um nascituro saudvel. primordial

que no deixemos que o aborto seja tomado como controle populacional pelo fato do

direito a vida ser inviolvel por vontade popular.

35. Defender o aborto nessa situao implicar em descabida eliminao de

vidas, e em perptuo sofrimento para as famlias. Elimina-se o feto e tudo,

aparentemente, continua como antes. O culpado inocente justamente a criana

cuja me a responsvel pela escolha da sua vida. Quantas crianas sofrero o

aborto,que poder vir a ser legitimado pelo STF na contramo da Constituio?

Quantos Rui Barbosas, Pels, Ayrton Senas, etc.. poderiam ser abortados se

estivermos distantes de lhes oferecer proteo? E a me, o pai, a famlia que est

diante deste dilema? Sero colocados diante de uma deciso que objetivamente no

lhes dar nenhum benefcio.

36. Definitivamente, submeter as pessoas que j recebem to pouco da

sociedade a deciso de eliminar o filho no ventre, gerado muitssimas vezes por

opo, tirar, de forma cruel e enviesada, a dignidade dessas indivduos. talvez

eliminar a possibilidade de desenvolver a famlia, comprimindo a perspectiva de

futuro na linha de vida dessas pessoas e de sua descendncia.

37. A Declarao Universal dos Direitos Humanos afirma: Todo ser humano

tem direito vida, liberdade e segurana pessoal (art. 3). O direito vida o

primeiro, o mais fundamental e o mais bvio dos direitos de cada homem. Suprimi-lo

por razes sentimentais, de eugenia ou quaisquer outras, retroceder na histria.

38. Alm do mais, h inaceitvel posio conformista em semelhante pretenso:

aps descrever um Estado brasileiro irreversivelmente decadente e desacreditado,

cujos governantes foram escolhidos democraticamente, querem que esse Estado e,

indiretamente, essa sociedade, proponham mulher e famlia, como soluo de

sua incompetncia, a extrao e morte do filho. Essa a leitura poltica dessa

proposta anticidad, antipoltica e antitica construda nesse momento de fragilidade

da vida cvica nacional. No seremos capazes de mudar o curso da histria e

garantir segurana s famlias e s crianas?

39. patente que o aborto, alm de no ser soluo, transfere para a famlia

responsabilidade que do Estado. Na prtica, colocar-se-o milhares de mes, pais

e famlias diante de uma questo por si s cheia de incertezas e, ainda mais, sob a

presso de uma deciso. Interromper uma gestao sem critrios ou na

precariedade desses revela um desrespeito vida que nenhum princpio jurdico ou

cientfico poderia apoiar. Qual o impacto dessa situao, nas vrias esferas, mas

principalmente no plano do sofrimento humano e na vida das famlias? Aqui caberia

o intercurso de uma gama de especialidades para entender o significado que essas

medidas podero trazer, projetadas em dcadas.

40. A defesa do aborto e de medidas antinatalistas contida entre as pretenses

deduzidas na ao carece de fundamentos, alm de ser desumana, antitica e

anticonstitucional em sua essncia. Uma maior responsabilizao do Estado

brasileiro, incluindo todos os entes e Poderes, e a mobilizao mais contundente e

substancial da sociedade so necessrias, e nada deveria arrefecer esta percepo

sobre a necessidade de uma nova condio social econmica e poltica para garantir

a sade de todos. O que no se pode reduzir todos a meros expectadores de uma

fatalidade.

Tutela jurdica do nascituro no direito brasileiro

41. O nascituro goza, em nosso meio, de amplssima tutela jurdica, espraiada

por diversos mbitos do ordenamento, vertendo com clareza e abundncia desde a

Carta Magna. bastante lembrar que, desde a Constituio, todos temos direito

vida (art. 5, caput), e existncia de vida suposto lgico, por evidente,

materializao de qualquer outro direito subjetivo fundamental, constitucional ou

legal em favor de qualquer pessoa natural.

42. No mesmo diapaso, a Conveno Americana sobre Direitos

Humanos (Pacto de San Jos da Costa Rica), acolhida em nosso meio com carter

supralegal prescreve que toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida.

Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da

concepo. Ningum pode ser privado da vida arbitrariamente (art. 4, 1).

43. Na lei ordinria, lembremos que o nascituro tem seus direitos assegurados

desde a concepo (Cdigo Civil, art. 2), pode ser beneficiado com doao (CC, art.

542), legitimado a receber por herana (CC, art. 1.798), faz jus a reparao por

danos morais (p. ex. STJ, REsps ns. 399.028 e 931.556) e at mesmo a alimentos

(Lei n. 11.804/2008, que trata dos alimentos gravdicos).

44. despiciendo problematizar as diferentes inclinaes tericas alusivas ao

surgimento da personalidade jurdica para se concluir, estreme de dvida, que nosso

direito, desde a Constituio, tutela o nascituro, decerto em primeiro lugar a sua

integridade fsica e vida enquanto tal, seja vida humana como potncia seja desde j

como ato.

45. E isso no se d ao acaso, mas materializa deliberao jurdica de nossa

sociedade fulcrada em slidas bases morais, que deitam razes robustas e vetustas

na formao cultural brasileira, de desenganada tradio humanista e crist. Trata-

se, ademais, de soluo que ecoa com perfeio a opinio da ampla maioria de

nossa populao, que repudia o aborto mesmo em casos de comprovao de

microcefalia fetal, conforme aponta recente pesquisa sobre o aspecto26.

46. Sem surpresa, essas inclinaes sociais, morais e jurdicas reverberam no

mbito penal. proibido o aborto entre ns. A lei penal tambm protege o nascituro

e, de fato, para efeitos penais ele considerado pessoa. H, porm, casos em que

excluda a antijuridicidade do aborto.

47. Eis os dispositivos pertinentes do Cdigo Penal, que esto presentes no

Captulo I, Ttulo I, da Parte Especial, que trata dos Crimes Contra a Vida:

Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: Pena - deteno, de um a trs anos. Aborto provocado por terceiro Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante: Pena - recluso, de trs a dez anos. Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante: Pena - recluso, de um a quatro anos. Pargrafo nico. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante no maior de quatorze anos, ou alienada ou debil mental, ou se o consentimento obtido mediante fraude, grave ameaa ou violncia. Forma qualificada Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores so aumentadas de um tero, se, em conseqncia do aborto ou dos meios empregados para provoc-lo, a gestante sofre leso corporal de natureza grave; e so duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevm a morte.

Art. 128 - No se pune o aborto praticado por mdico: Aborto necessrio I - se no h outro meio de salvar a vida da gestante; Aborto no caso de gravidez resultante de estupro

26 Eis como sintetizadas as principais constataes de levantamento do Datafolha realizado em

fevereiro de 2016: A maioria da populao brasileira considera que as mulheres infectadas pelo vrus da zika no deveriam ter direito de abortar mesmo que houvesse a confirmao de microcefalia no beb. Segundo pesquisa Datafolha, 58% avaliam que as grvidas que tiveram zika no podem ter a opo de interromper a gravidez, contra 32% que defendem esse direito e 10% que no opinam. A rejeio majoritria possibilidade de aborto legal ocorre inclusive nos casos em que a microcefalia j foi comprovada durante a gestao. Nesse cenrio, 51% se posicionam contrrios ao direito de interromper a gravidez, contra 39% que so a favor. (Disponvel em: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/02/1744476-maioria-dos-brasileiros-desaprova-aborto-mesmo-com-microcefalia.shtml. Acesso em: 16 out. 2016).

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/02/1744476-maioria-dos-brasileiros-desaprova-aborto-mesmo-com-microcefalia.shtmlhttp://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/02/1744476-maioria-dos-brasileiros-desaprova-aborto-mesmo-com-microcefalia.shtml

II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

48. Temos, conforme se observa, duas hipteses em que a interrupo da

gravidez juridicamente admitida, ao menos do ponto de vista penal. Tecnicamente,

so causas de excluso de antijuridicidade. Alm desses casos, fora do julgamento

na ADPF n. 54, considera-se que no h aborto, da tica penal, quando o feto

anencfalo (j que no h vida no sentido jurdico, o fato atpico).

49. Nesta altura, convm chamar a ateno para o fato de que essas hipteses

de aborto lcito so expressas, taxativas e tpicas. No existe um princpio ou norma

geral a autorizar, sem maiores parmetros, a autorizao da gravidez. O aborto s

tem a ilicitude excluda diante de gravidez resultante de aborto (aborto sentimental)

ou de situao de perigo vida da gestante (aborto teraputico, um especfico

estado de necessidade).

50. Aspectos aqui gizados sero retomados adiante para o fim de se

demonstrar, entre outros pontos, a franca incompatibilidade entre o carter aberto da

autorizao para o aborto vindicada na ao e o modo como a questo hoje

regulada entre ns.

Inconstitucionalidade e ilegalidade da pretenso

Os nascituros, sim, existem

51. Incontornavelmente, a controvrsia , desde uma perspectiva constitucional,

h que ser enquadrada como uma coliso de direitos fundamentais de cariz

principiolgico. No h regra na Constituio que resolva, ou determine a soluo,

do conflito valorativo e normativo pressuposto no embate.

52. Como preceitos fundamentais violados no que se refere ao aspecto em

maneio, na defesa de sua tese, a Requerente arrola na inicial da ao objetiva a

dignidade da pessoa humana (art. 1, III, CF), da liberdade (autodeterminao

pessoal e autonomia reprodutiva) e da proteo s integridades fsica e psicolgica

(art. 5, caput, CF), da sade e dos direitos reprodutivos da mulher (art. 6 e 226,

7, CF). No se explica como, exatamente, tais preceitos estariam sendo violados,

tampouco a sua especfica carga normativa a afianar a pretenso vindicada.

53. De toda a sorte, em defesa do nascituro tambm se pode identificar uma

pliade direitos fundamentais expressos na Constituio Federal. Uma relao

exaustiva haveria de mencionar, quando menos, a dignidade da pessoa humana, a

inviolabilidade do direito vida (art. 5, caput), o direito integridade fsica e

psicolgica e sade (art. 6, caput, p. ex.).

54. Todos esses direitos, e vrios outros, ademais, devem ser tutelados com

absoluta prioridade, pela famlia, pela sociedade e pelo Estado (art. 227). Decerto

que essa prioridade tutelar absoluta, expressamente deferida s crianas, deve ser

estendida aos nascituros, crianas em potncia.

Soluo inevitvel: prevalncia do direito a viver

55. Temos diante de ns, sem sombra de dvida, uma coliso de direitos

fundamentais. Para abordar conflitos normativos quejandos, a moderna

hermenutica constitucional, com contributos como os de Ronald Dworkin e Robert

Alexy, concebe instrumentos analticos sofisticados de exame e deslinde,

estruturados para o fim de se identificar os direitos proeminentes e, na medida do

possvel, preservar o ncleo mnimo de todas as prerrogativas em embate.

56. Na hiptese vertente, porm, h certa facilidade em se identificar qual direito

deve preponderar. que para atender os direitos e cogitados direitos da grvida,

autorizando o aborto, tem que se eliminar por completo a posio jurdica do

nascituro, a comear por sua vida, pressuposto material de todos os outros direitos

que lhe so assegurados. A morte do nascituro e o aniquilamento total de seus

direitos o preo dos direitos da grvida. caro demais.

6.3.7 Na verdade, mais uma hiptese de aborto legal

57. Efetivamente, o que se pede na ADPF, ainda que por meios e linguajar

obtuso, a positivao de uma nova hiptese de exceo regra penal proibitiva do

aborto e tutelar do nascituro. Isso mais do que evidente. Quer-se que o STF faa

as vezes do Congresso Nacional, enveredando-se, na maior sofreguido alm disso,

a como que a editar ato normativo para incluir mais uma exceo no rol do art. 128

do Cdigo Penal.

58. Entre as circunstncias repassadas na inicial como fundamentos

pretenso abortista defende-se a dignidade da mulher e a sua liberdade de escolha.

59. Essas razes lembram as modalidades de interrupo da gravidez, proibidas

entre ns, que so conhecidas em doutrina como aborto econmico (para famlias

pobres, com muitos filhos) e aborto eugnico (de fetos com doenas e defeitos). No

h autorizao legal para tais espcies de aborto. E no h dvida sobre a

constitucionalidade da legislao posta. Nem haveria dvida, de resto, sobre a

franca inconstitucionalidade de lei que viesse a prever semelhante autorizao.

Separao de poderes e autoconteno judicial

60. A ciznia em testilha, de profundo significado jurdico, moral, religioso e

social, uma das que devem ser processadas pelo Poder Legislativo, mbito

institucional adequado por excelncia para o exerccio da democracia e da cidadania

e para a tomada das decises ticas estruturantes de nossa sociedade. Em caso de

conflito de direitos fundamentais, deve-se prestar muito especial deferncia

soluo decorrente da ponderao feita pelo Legislativo e emoldurada no direito

positivo infraconstitucional.

61. No ponto em anlise, temos uma resposta legislativa bem definida,

cristalizada no Cdigo Penal, que est sempre aberto, alis, a mudanas por meio

do processo legislativo aplicvel. Elas no chegam, porm, porque a lei posta est

em perfeita sintonia com o que pensa a ampla maioria da populao brasileira,

respeitosa da vida antes de tudo.

62. Certamente, essa Corte haver de ligar a devida importncia a semelhantes

fatores, que se conectam ao princpio da separao dos poderes, pilar estruturante

do Estado moderno. Conquanto mitigado em relao ao perfil que detinha nas suas

origens em Locke e Montesquieu, esse princpio deve servir ao menos para prevenir

que o Judicirio se atravesse para superar as decises do Legislativo em questes

de elevada carga tica e que evidentemente envolvem conflitos de direitos

fundamentais. Um pouco de autoconteno judicial de se esperar e exigir, j que

ningum anseia por um governo judicirio nem por um feito de reis-filsofos.

Abrangncia mediata do pedido

63. Se credenciado o aborto em tela estaria autorizada a pena de morte no

Brasil vedada pela prpria constituio.,

Descabimento de medida liminar

64. A Requerente ambiciona a concesso de liminar tambm no que se refere

ao pedido de autorizao de aborto (Lei n. 9.882/1999, art. 5). Essa pretenso de

tutela provisria, na espcie, de todo invivel, no pode ser acolhida. No h

fumus boni iuris, tampouco periculum in mora. H, alm do mais, periculum in mora

inverso.

65. Por tudo que se vem de examinar, constata-se com rara segurana que

inexiste fumus boni iuris. Alis, o que existe so sinais sobejantes de que no h

direito nenhum. Tampouco se vislumbra periculum in mora no que respeita ao

especfico ponto sob considerao, no constituem novidades fticas, Mais

relevante de tudo perceber que h evidente periculum in mora inverso: os fetos

porventura abortados sob o plio de deciso liminar no podero ser trazidos de

volta vida posteriormente. Como consabido, no cabe tutela da urgncia quando

h perigo de irreversibilidade dos efeitos da deciso (CPC, art. 300, 3). No caso,

no h mero perigo, mas certeza de irreversibilidade. No cabe liminar.

Concluso

66. Ex positis, requer:

67. i) seja deferida a sua admisso na ADPF n. 442, na qualidade de amicus

curiae, pela relevncia da matria e pela representatividade que esta instituio

possui;

68. ii) seja dada oportunidade de manifestao oral por ocasio do julgamento

da ao.

69. Ademais, sugere a esta Corte que:

70. i) no conceda a medida liminar referente liberao do aborto, por no se

encontrarem satisfeitos os requisitos da plausibilidade do direito e do perigo da

demora, havendo, ademais, manifesto periculum in mora inverso;

71. ii) que realize audincia pblica especfica sobre o aspecto aqui enfocado,

para a melhor compreenso dos fatos (Lei n. 9.868/1999, art. 9, 1, e Lei n.

9.882/1999, art. 6, 1).

Braslia, 29 de junho de 2017.

Jos Miranda de Siqueira

Presidente da ADIRA

Advogado OAB DF 10.332

2017-07-05T14:33:54-0300