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Edição 8 6 de agosto de 2009 Foto: Jair Bertolucci www.cdn.com.br Comunicação constrói credibilidade Ricardo Kotscho, um pé-de-poeira Ele escolheu as ruas e as pessoas como sua matéria- prima principal. Fez da solidariedade um compromisso de vida. Escreve com uma facilidade que dá até raiva, talvez por colocar o coração na ponta dos dedos e na frente do cérebro. Já perdeu a conta das cirurgias que fez para corrigir os males que a natureza insistiu em lhe impingir – e até brincou com o vice-presidente José Alen- car, a quem visitou recentemente no Hospital Sírio Liba- nês, para ver quem é que tinha mais vezes ido parar numa mesa de operação. Falar em dinheiro, então, passa ao largo de suas prioridades, a ponto de sua filha mais ve- lha, Mariana, ter assumido o comando de sua agenda de palestras, para cobrar o que até então era feito de graça e com isso recompor seus ganhos, que foram sensivel- mente prejudicados pelo tempo que passou no governo e nas campanhas eleitorais. Tempo, aliás, em trocou bons salários por idealismo (deveria entrar naquele programa Isto é incrível, que anos atrás era apresentado no Brasil por Sílvio Santos). Foi assessor de imprensa de Lula na campanha presi- dencial de 1989 e voltou para a reportagem. Repetiu a dose em 1993. Entre a segunda e quarta campanhas de Lula, teve uma experiência como diretor de Jornalismo da Rede CNT de Televisão. Ganhou dinheiro, mas não gos- tou. E voltou para a reportagem. Sucumbiu aos argumen- tos de Lula e Duda Mendonça e lá foi de novo para a quarta campanha presidencial (“Você esteve nas primei- ras, em que Lula perdeu, e nessa, que ele vai ganhar, vai ficar de fora? Vai ficar com fama de pé frio...”). Sucumbiu também à intimação de Lula para continuar a seu lado no Planalto e ali aguentou por longuíssimos dois anos. E, pron- to, voltou para a reportagem, onde está até hoje – mais feliz do que nunca –, agora na revista Brasileiros, escre- vendo livros, cartas, e-mails e até um blog, o Balaio do Kotscho (http://colunistas.ig.com.br/ricardokotscho), segu- ramente um dos melhores e mais visitados do País. Filho de Elizabeth e Nikolaus, irmão de Ronaldo, o Alemão, marido há quase quatro décadas de Mara, pai de Mariana e Carolina, avô de Laura (6 anos), Isabel (3) e André (2) e amigo de um monte (e bota monte nisso) de gente, do mais humilde trabalhador ao presidente da República, este é o Ricardo Kotscho inquieto e movido a desafios, sobretudo se for uma boa reportagem, que Jornalistas&Cia, pela lente e impecável texto de Célia Chaim, destaca nesta oitava edição de Entrevista. Um presentão para os nossos leitores. Boa leitura! Eduardo Ribeiro e Wilson Baroncelli Ele não tira os pés da rua Por Célia Chaim Ricardo Kotscho, 61 anos, um dos mais premiados jorna- listas do País, e por muitos con- siderado o melhor, é daquela espécie única, a do repórter de verdade. Neste momento está com um novo livro em produ- ção: Lugar de repórter é na rua, um clássico para repórteres, editores e para quem, jornalis- ta ou não, gosta de ler boas re- portagens em jornais e revis- tas. Kotscho é mestre nessa arte. Às vezes não tem lugar certo na Redação. Seu negó- cio é ir para a rua. Na Sucur- sal do Jornal do Brasil, em São Paulo, anos atrás, quando já se percebia que alguma coisa de ruim rondava a área financei- ra do melhor e mais “bonito” jornal brasileiro, ele chegava à Redação da avenida Paulista, chamava Ferreirinha, motoris- ta com alma de repórter, e ia pra a rua – nunca antes de di- zer: “Moçada, larga essa cadei- ra e vai pra rua trabalhar!” So- bre ele, Ferreirinha, uma pre- ciosidade que apareceu no JB, essa criatura risonha e fiel, diz: “Ele é tudo, como jornalista, pessoa humana. Ele não exis- te”. Nem você, querido Ferrei- rinha... Da rua ele voltava um, dois, três dias depois com a matéria que iria invariavelmente para a primeira página do jornal. E lá vinha um prêmio... E lá vol- tava ele, sem soberba, sempre brincando com um e outro. Terno e gravata? O chamado black-tie passava longe do seu guarda-roupa do dia-a-dia. Exceto nos dias de receber a enxurrada de prêmios. Muitos. (Em 2008, foi um dos cinco jornalistas brasileiros contem- plados com o Troféu Especial de Imprensa ONU. Ganhou quatro vezes o Esso, duas o Vladimir Herzog, uma o Cláu- dio Abramo, entre outros.) E, claro, em ocasiões que exigi- am esse tipo “incômodo” de vestimenta. Entrevistando, para a revista Brasileiros, família que protagonizou o filme Garapa Manoel Marques Entrevistando, para a revista Brasileiros, família que protagonizou o filme Garapa Reportagem numa feira livre: em busca de histórias e personagens da vida real Reeditado em 10/3/2016 em homenagem a Célia Chaim, coordenadora da série, falecida em 12 de janeiro.

Manoel Marques Ricardo Kotscho, um pé-de-poeira · com coisa nova. Se a gente fi-car pegando o que está aí, ... é mais bonita do que o mari-daço – no mínimo, ... mulher que

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Edição 86 de agosto de 2009

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Comunicação constrói

credibilidade

Ricardo Kotscho,um pé-de-poeira

Ele escolheu as ruas e as pessoas como sua matéria-prima principal. Fez da solidariedade um compromissode vida. Escreve com uma facilidade que dá até raiva,talvez por colocar o coração na ponta dos dedos e nafrente do cérebro. Já perdeu a conta das cirurgias quefez para corrigir os males que a natureza insistiu em lheimpingir – e até brincou com o vice-presidente José Alen-car, a quem visitou recentemente no Hospital Sírio Liba-

nês, para ver quem é que tinha mais vezes ido parar numamesa de operação. Falar em dinheiro, então, passa aolargo de suas prioridades, a ponto de sua filha mais ve-lha, Mariana, ter assumido o comando de sua agenda depalestras, para cobrar o que até então era feito de graçae com isso recompor seus ganhos, que foram sensivel-mente prejudicados pelo tempo que passou no governoe nas campanhas eleitorais. Tempo, aliás, em trocou bonssalários por idealismo (deveria entrar naquele programaIsto é incrível, que anos atrás era apresentado no Brasilpor Sílvio Santos).

Foi assessor de imprensa de Lula na campanha presi-dencial de 1989 e voltou para a reportagem. Repetiu adose em 1993. Entre a segunda e quarta campanhas deLula, teve uma experiência como diretor de Jornalismo daRede CNT de Televisão. Ganhou dinheiro, mas não gos-tou. E voltou para a reportagem. Sucumbiu aos argumen-tos de Lula e Duda Mendonça e lá foi de novo para aquarta campanha presidencial (“Você esteve nas primei-ras, em que Lula perdeu, e nessa, que ele vai ganhar, vai

ficar de fora? Vai ficar com fama de pé frio...”). Sucumbiutambém à intimação de Lula para continuar a seu lado noPlanalto e ali aguentou por longuíssimos dois anos. E, pron-to, voltou para a reportagem, onde está até hoje – maisfeliz do que nunca –, agora na revista Brasileiros, escre-vendo livros, cartas, e-mails e até um blog, o Balaio doKotscho (http://colunistas.ig.com.br/ricardokotscho), segu-ramente um dos melhores e mais visitados do País.

Filho de Elizabeth e Nikolaus, irmão de Ronaldo, oAlemão, marido há quase quatro décadas de Mara, paide Mariana e Carolina, avô de Laura (6 anos), Isabel (3)e André (2) e amigo de um monte (e bota monte nisso)de gente, do mais humilde trabalhador ao presidente daRepública, este é o Ricardo Kotscho inquieto e movidoa desafios, sobretudo se for uma boa reportagem, queJornalistas&Cia, pela lente e impecável texto de CéliaChaim, destaca nesta oitava edição de Entrevista. Umpresentão para os nossos leitores.

Boa leitura!Eduardo Ribeiro e Wilson Baroncelli

Ele não tira os pés da ruaPor Célia Chaim

Ricardo Kotscho, 61 anos,um dos mais premiados jorna-listas do País, e por muitos con-siderado o melhor, é daquelaespécie única, a do repórter deverdade. Neste momento estácom um novo livro em produ-ção: Lugar de repórter é na rua,um clássico para repórteres,editores e para quem, jornalis-ta ou não, gosta de ler boas re-portagens em jornais e revis-tas. Kotscho é mestre nessaarte. Às vezes não tem lugarcerto na Redação. Seu negó-cio é ir para a rua. Na Sucur-sal do Jornal do Brasil, em SãoPaulo, anos atrás, quando já sepercebia que alguma coisa de

ruim rondava a área financei-ra do melhor e mais “bonito”jornal brasileiro, ele chegava àRedação da avenida Paulista,chamava Ferreirinha, motoris-ta com alma de repórter, e iapra a rua – nunca antes de di-zer: “Moçada, larga essa cadei-ra e vai pra rua trabalhar!” So-bre ele, Ferreirinha, uma pre-ciosidade que apareceu no JB,essa criatura risonha e fiel, diz:“Ele é tudo, como jornalista,pessoa humana. Ele não exis-te”. Nem você, querido Ferrei-rinha...

Da rua ele voltava um, dois,três dias depois com a matériaque iria invariavelmente para

a primeira página do jornal. Elá vinha um prêmio... E lá vol-tava ele, sem soberba, semprebrincando com um e outro.Terno e gravata? O chamadoblack-tie passava longe do seuguarda-roupa do dia-a-dia.Exceto nos dias de receber aenxurrada de prêmios. Muitos.(Em 2008, foi um dos cincojornalistas brasileiros contem-plados com o Troféu Especialde Imprensa ONU. Ganhouquatro vezes o Esso, duas oVladimir Herzog, uma o Cláu-dio Abramo, entre outros.) E,claro, em ocasiões que exigi-am esse tipo “incômodo” devestimenta.

Entrevistando, paraa revista Brasileiros,família que protagonizouo filme Garapa

Manoel Marques

Entrevistando, paraa revista Brasileiros,família que protagonizouo filme Garapa

Reportagem numa feira livre: embusca de histórias e personagensda vida real

Reeditado em 10/3/2016 em

homenagem a Célia Chaim, coordenadora

da série, falecida em 12 de janeiro.

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Pensa que ele voltava de sal-to alto, alardeando suas vitóri-as? Não. Ele está mais paraRomário, que fazia gols espe-taculares e nem olhava paratrás. Desculpe a comparação,Kotscho, sei que é são-pauli-

no, mas você, tal qual o “Bai-xinho”, faz seus golaços emsilêncio e não olha para trás.Quer golaço maior e mais bo-nito do que sua matéria sobrenegócios dos índios? Primeiro,levou até a revista VIP, da Edi-tora Abril. Conversa vai, con-versa vem, com o editor, amatéria foi rejeitada “porque oassunto não era para vips”.Goleada de Kotscho, com apremiação do Esso. A matériaera para todos, inclusive paraas very important persons –que, a bem da verdade, nuncainteressaram a Kotscho. E foilida por todos em outra revista– Terra. Eu trabalhava ali e nãoengoli a cegueira; ele pouco selembra da história.

Como você explica o repór-ter Kotscho?

– Um velho cidadão quenunca tirou os pés do chão

O que você acha da duplatelefone-internet, usual no Jor-nalismo de hoje?

– Eu falava pros caras, nasúltimas redações em que traba-lhei: “Meu filho... Isso que estáaí já foi publicado, é velho. Nóstemos que alimentar esse troçocom coisa nova. Se a gente fi-car pegando o que está aí, nãoestamos contando novidadenenhuma. A nossa função é jus-tamente o contrário, ir pra ruae descobrir o que está aconte-cendo. E o que está acontecen-do muitas vezes são coisas quevocê menos espera”. Não gos-

to de ser negativista, não sou enunca fui, mas dou o exemplodas Diretas [Nota da Redação:movimento da sociedade civilno final da ditadura militar, em1984, pela realização de elei-ções diretas para presidente noPaís]. Fazendo uma reportagemaqui, outra ali, na periferia, per-cebi que estava surgindo ummovimento, havia uma causa,uma luta coletiva, a da redemo-cratização do País, que desa-guou meses depois na campa-nha das Diretas Já. Hoje, vive-mos um momento de mixórdia,mediocridade. As pequenasmanifestações que acontecemsão prova disso, não empol-gam; as pessoas não têm ban-deira...

Ele parece uma criança ale-gre, cheia de vida aos 61 anos,pronta para pôr os pés na lamados pobres, ficar feliz e, sempensar nisso, ganhar outros prê-mios. Como cozinheiro, donaEdite, que trabalha na casa delehá 14 anos, confirma que Ri-cardo cozinha sempre, e bem.“Vou à feira e ao supermerca-do e, quando precisa, faço al-moço e jantar”, diz ele, comprazer. Passa receitas paraquem pede, chama a atençãopara o músculo – base de pra-tos como o goulash húngaro,uma de suas receitas cotidianas,que tem que ficar na panela pormuito tempo, cerca de umahora e meia, para estar no “pon-to” (veja Goulash da vovó Beth,na pág. 4). Mara, a Marinha,com quem é casado há mais de37 anos (mais três de namoro),um encanto de mulher, adoraseus pratos.

Escurinha écoisa de sogra

Como dura tanto tempo umcasamento em paz?

– Marinha diz que é porqueviajo muito... – e dá uma boarisada.

Meia verdade. Ele conheceuMarinha de maneira poética,em Caraguatatuba, uma daspraias do litoral sul de São Pau-lo. E não desgrudou mais dela.

Ele conta: “Em julho de1969, quando Neil Armstrongpisou pela primeira vez na Lua,eu estava pisando nas nuvens.De férias em Caraguatatuba sóconseguia pensar naquela me-nina, a Mara, que eu tinha vis-to andando de bicicleta napraia havia dois anos. Escrevicartas e poemas, mas não tivecoragem de procurá-la. Maratinha apenas 16 anos e um paimuito rigoroso, e eu, 21. O jei-to era namorar escondido. Elaestava bem bronzeada quando

a apresentei à minha mãe, quefez a seguinte observação: ‘Meparece uma boa moça, bem-educada. Mas ela é meio es-curinha, não é?’”.

(Escurinha é coisa de sogra,mesmo as mais bondosas. Eunão tinha defeitos para colo-car na doce menina que vaicasar com meu filho, mas nãodeixei de falar para ele: “Bemque você poderia namorarcom uma moreninha...” É quenão gosto muito de louras. É atal “mãe zica” em ação.)

Kotscho e Marinha se casa-ram, tiveram duas filhas e “sãofelizes para sempre”. Marinhaé mais bonita do que o mari-daço – no mínimo, tem maiscabelos do que ele. E os dois,depois de tantos anos juntos(me desculpe o lugar comum),foram feitos um para o outro.Ela é mais elegante. Ele usacamisas impecáveis, mas ascalças... frequentemente caí-

das. Ciúmes? “Isso acaba comqualquer relacionamento”, dizMarinha. Têm duas filhas: Ma-riana, três filhos, é repórter detevê, com passagem pelos jor-nais da Globo; e Carolina, amais nova, tem uma produto-ra independente que partici-pou da produção de Os doisfilhos de Francisco, sucessonacional. O que Carolina dizdo pai? “É um pai muito queri-do, um grande exemplo paratodos, uma pessoa que se en-volve, se emociona, acordatodo dia para tentar mudar omundo”. E Mariana? “Acimade jornalista, ele é um pai. Temum grande caráter. Uma pes-soa tão humilde que chega aser irritante. Uma figura. Nãoconheço ninguém igual. Umapessoa carinhosa, com o cora-ção enorme, sem maldade, eisso transparece no trabalhodele. Quando vai fazer umareportagem, chora. Teve uma

que ele foi fazer numa favelado Ceará. Conversou com umamulher que chorava porquenão tinha telha na casa. Meupai comprou telhas para ela.Incrível, né? Ele conquista atodos, não tem quem não gos-te dele”.

Calma, Kotscho! Marinhatambém vai falar de você. An-tes, quero homenagear donaElizabeth por tudo o que elapassou, com orgulho e medo,pelas aventuras em que seu fi-lho se meteu para fazer repor-tagens. Ele foi para Serra Pela-da, lá pelas terras do Pará, ondemais de 20 mil pessoas procu-ravam ouro. Pior ainda, come-çou a desafiar a censura da di-tadura, com matéria sobre afarra do dinheiro em Brasília.Foi daí que se popularizou apalavra “mordomia”, tão ouvi-da – e mais ainda praticada noPaís e fora dele. (Por tudo o que

sai nos jornais, acho que o Bra-sil deve estar exportando téc-nicas aperfeiçoadas de mordo-mia, o que infelizmente nãoaparece na balança comerci-al.) Cutucou a ditadura, a pon-to de ter um censor “pratica-mente seu”. Aconteceu no Es-tadão, vítima maior dos cen-sores, e na Folha, também comClóvis Rossi, seu grande ami-go e professor.

Nunca vi você usando reló-gio...

– Maldita mania que tenhoaté hoje de não usar relógio...

Sem relógio e sem medo,você fez o Jornalismo Políticoacontecer...

– Se, de um lado, a série dereportagens sobre mordomiasme tornou conhecido, de ou-tro, incluiu meu nome na listanegra dos militares que aindaresistiam à abertura políticadefendida por Geisel.

Ele conta: “Fernando Caval-canti, que fazia cobertura daárea militar, me aconselhou: ‘Émelhor dar um tempo. Os ho-mens estão de olho em você’”.

Romário, Maradona. EDarcy Ribeiro

Tudo isso a senhora viu,dona Elizabeth. Como viu oLula chamá-lo para ser seucoordenador de Imprensa,dada a amizade que unia osdois havia muitos anos, desdeos tempos em que ele fazia re-portagens no então fervilhan-te ABC de São Paulo. Quandoaceitou o convite, Kotscho foicriticado por jornalistas, prin-cipalmente, talvez por causado sentimento mais recorren-te nas redações e empresas emgeral: a malvada inveja.

Sua família passou por mo-mentos difíceis. Você contauma parte dessa história em li-

Passeio dominical com os paisno viaduto do Chá

Avô, jornalista Jacob Heinz

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vro, daí a minha permissãopara tocar no assunto...

– De filhinho de papai, commordomo e motorista, a órfãonuma pequena família falida ecom várias dívidas, a passagemdo tempo é muito mais rápidae traumática, sobretudo quan-do se tem apenas 12 anos.

Como aconteceu essa que-da no padrão de vida da famí-lia?

– Meu pai, um engenheirocivil boêmio, metido a galan-teador, pródigo com os amigose parentes, resolveu deixar obem-remunerado empregonuma construtora para abrir

seu próprio negócio, em soci-edade com um amigo bastan-te parecido com ele. O negó-cio foi pro brejo.

Kotscho, querido: com você,meus filhos e os amigos de ver-dade, eu sou parcial, comconsciência e orgulho. Você é,sim, o melhor repórter do País,assim como Eliane Brum. Soufeliz e, agora sim, orgulhosapor conhecê-lo. Sabe quemestá a seu lado nos meus amo-res profissionais que se torna-ram pessoais? Romário e Ma-radona. Darcy Ribeiro, o ma-luco inesquecível, que não

teve filhos, mas cuidou de mimcomo uma filha quando eu es-tava grávida do Pedro. DarcyRibeiro, que se preocupavacom os índios e a Educação doPaís, tão encantador e tão re-belde que, entre muitas traqui-nagens, fugiu do hospital ondetratava de um câncer para es-crever aquela que seria a suaúltima obra: O povo brasileiro– a formação e o sentido doBrasil, em 1995. Entre suas tra-vessuras está o galo, se não meengano Chico, vindo de Minas,que em vez de ser cozido aomolho pardo virou sensaçãona zona sul do Rio, com seubucólico cocorocó logo cedo.Não foi para a panela e virouatração.

Não discuto minhas prefe-rências pessoais e também nãoescondo; fico indignada quan-do penso que poucos no País

sabem quem foi Milton Santos,intelectual negro, geógrafo,reverenciado com tapete ver-melho no exterior e aqui ape-nas mais um intelectual.

Na categoria dos que põemos pés no chão pra valer, me-xem com o coração da plateia,desobedecem as pautas miú-das que recebem, andam porsuas próprias pernas, quebramregras e fazem gols magistraiscomo você faz no Jornalismo,Romário e Maradona, sempresurpreendendo as regras do“professor”.

Dona Elizabeth morreu hápouco mais de dois anos. Ri-cardo e Ronaldo ficaram órfãospara sempre de seu amor, suainteligência e carinho, seuempurrão para a vida. Sr. Ni-kolaus morreu quando os doisainda eram pequenos.

Em 40 anos de profissão, Ri-cardo Kotscho deixou sua mar-ca nas redações de grandesjornais brasileiros. Nessas qua-tro décadas de Jornalismo, teveparticipação ativa na cobertu-ra de acontecimentos que, nar-rados a partir da ótica das re-dações e do corpo-a-corpo dareportagem, resultaram numrico panorama da história re-cente do País. No campo doJornalismo investigativo, Kots-cho relata, por exemplo, comodesvendou as mordomias quefuncionários federais desfruta-vam. No âmbito da coberturapolítica, conta-nos os bastido-res e eventos decisivos, comoas primeiras greves no ABCpaulista, no fim dos anos 70, avolta dos exilados políticos –na esteira da Lei da Anistia, de1979 –, e a campanha das Di-

retas, que mobilizou o País emmeados da década de 80. Nofinal dela, o autor engajou-senas campanhas de Lula para a

Presidência da República, ten-do atuado em três delas comoassessor de imprensa do entãocandidato.

chance de uma boa brincadei-ra – como esta: “Ricardo disseque quando eu morrer vaimandar escrever no meu túmu-lo: Aqui continua descansan-do Ronaldo Kotscho. Aí a mi-nha filha disse que quando elemorrer, escreveremos: Aquinos deixa descansar RicardoKotscho”.

Vocês são da pá virada mes-mo! Bem disse a sua mãe...

O irmão RonaldoRonaldo, dois anos a me-

nos que Ricardo, é jornalis-ta, trabalha na ESPN Brasilem parceria com RobertoSalim, que tem como pecu-liaridade fazer grandes repor-tagens sem gostar de apare-cer no vídeo. Nem fotogra-fia ele aceita. Ronaldo seguena mesma linha do irmão,em reportagens sobre umBrasil distante, que faz cho-rar pela miséria escondida,com times de futebol que sóexistem naquele chão de ter-ra. Um ou outro sonha um

dia jogar no Corinthians, na Se-leção.

O povo fala – e como fala! –para a dupla que “sabe chegar”– um atributo indispensávelpara a boa reportagem. Sãoótimos e malucos. A maluqui-ce de Ronaldo, mais conheci-do no meio jornalístico peloperíodo como fotógrafo de es-portes na revista Placar, é pa-recida com a do irmão. Cha-mado de Alemão, ele tem a vozmais forte do que a de Ricardoe é tão brincalhão quanto. Elesse amam, mas não perdem a

Orador na formatura da turma docurso clássico do Instituto Estadualde Educação Alberto Conte, emSanto Amaro (1966)

Na praça principal de Alcântara, no Maranhão, durante acampanha presidencial de 1994. Da esquerda para a direita:Kotscho, José Carlos Espinosa, Lula, Aurélio Pimentel, coronelGeraldo Cavagnari e José Graziano

Da esquerda para a direita:Ricardo, os pais e o irmão no

Litoral Norte de São Paulo

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Existe amor eternoMarinha, Mara, é a mulher

especial que fez ferver a cabe-ça, o coração, as pernas e aalma de Kotscho. Ela é soció-loga, trabalha com pesquisa demercado – o que não seria ne-cessário para explicar esseamor e admiração durar tantotempo. (Como espectadora,tenho a impressão de que elaé mais acelerada do que ele.Mas talvez seja pura impres-são.) Ele fala de Marinha com

meiguice e orgulho, como setivessem sido feitos sob medi-da um para o outro. “Já faleialgumas vezes que se não o ti-vesse conhecido, correria atrásdele. Nós temos muita admi-ração um pelo outro... Claroque, no plano pessoal, temosalguns defeitos, mas eu tinhaque conhecer o Ricardo”.(Nós, da plateia, também tí-nhamos que conhecer vocêpara entender um pouco mais

da alegria e do bom humor deseu marido.)

Ela é o avesso do avesso dabanalidade, sempre foi bonitacomo a menina que ele viu napraia pela primeira vez. Tem,com certeza, aquela “aflição”quando ele pega a mala e vaiatrás de reportagens que nin-guém mais se mete a fazer.Kotscho foi conhecer a terra daantiga primeira-dama do País,mulher de Fernando Collor de

Mello, Rosane, dona de umchiquê lamentável, proceden-te da poderosa família Malta.Apenas o título da reportagemdá uma medida de onde ele,com o irmão Ronaldo, foramse meter: No meio do nada dosertão de Alagoas (Canapi), avergonhosa terra da primeira-

dama do País é uma ilha demiséria cercada de dinheiropúblico por todos os lados. Osdois voltaram vivos – quemmexia com os Malta era louco–, felizes com a reportagem,mas só Marinha sabe o que elapassou por causa dessa viagemde Ricardo à terra dos Malta.

GOULASH* DA VOVÓ BETH(para 4 a 6 pessoas, dependendo da fome)

(*) Prato húngaro, cujo nome evoca os guardadores de bois, chamados gulyas. A criação desse prato, feito de carne de boi, cebolas e páprica, nos leva parao século IX, antes da fundação do Estado Húngaro, quando as tribos nômades buscavam uma alimentação adequada ao seu instável e itinerante modo devida. Nessa época, comiam fatias de carne cozidas em fogo brando com cebolas. A carne era, em seguida, seca ao sol e transportada em odres. Em seusacampamentos, os nômades preparavam uma sopa, cozinhando essa carne em água com rábanos. Só mais tarde a páprica foi acrescentada ao goulash, quetradicionalmente é cozido em um caldeirão.

Cadê minha matéria?

Kotscho no fogãoSe alguém pensa que essa história de cozinhar – cozinhar bem – é brincadeira de Kotscho,aproveite essa receita que ele deu. Deliciosa, barata e fácil de fazer.

Colocar os tomates, o sal e a páprica.Tampar e deixar ferver em fogo alto.Depois de meia hora, verificar o sal. Se o molhoestiver muito grosso, ir colocando um poucod´água.Deixar cozinhar mais meia hora em fogo médio.Verificar se a carne está macia e servir em pratofundo.

Para acompanhar:Nhoque de batata ou massa (espaguete oumassa parafuso).

Para beber:Cerveja ou vinho tinto, dependendo do clima.Bom apetite!

Ingredientes:1 kg de músculo cortado em cubos1 kg de tomates bem maduros cortados em qua-tro partes cada1/2 kg de pimentão vermelho picado de formagrosseira3 cebolas médias picadas1 naco de toucinho picado1 colher de sopa de páprica picante2 colheres de sal, das de sopaCheiro verde e cebolinha

Preparo:Esquentar um pouco de óleo numa panela deferro. Jogar as cebolas, deixar dourar um pou-co, acrescentar o toucinho.Refogar bem a carne junto com o pimentão.

Kotscho sempre falou quenão gosta dessas “coisas eletrô-nicas”. Celular? Nem pensar!Numa das viagens de sua his-tória, Augusto Nunes, então di-retor da revista Época, tentouexplicar as vantagens da tecno-logia que se colocava à dispo-sição do repórter, especialmen-te em viagens longas, como aque ele faria para o Nordeste.

Ele foi, ficou muito bravo como chefe que o fez levar um lap-top. Na volta à redação, cadêa matéria? Todos foram mobili-zados para encontrá-la. Ele ha-via salvado a matéria, mas nin-guém conseguia localizá-la“naquela máquina maldita”.Brigou com o laptop, com odiretor de Redação e até hojetem suas restrições.

Não se sinta sozinho, que-rido Kotscho. Sou a “caipira”de uma família que adora essatecnologia do dia-a-dia. Sei láem que dias comemorativosganhei um celular e deixeipara meu filho, que o consi-derou superado; um microon-das que nunca usei por quetenho medo da radiação; euma televisão com dois con-

troles que me enlouquecemtodos os dias porque aperto obotão errado. Já chorei muitopor ter perdido matérias “sal-vadas” — quando todo mun-do dava risada — e só não jo-guei a “maquininha de últimageração” pela janela do 8º an-dar por reconhecer que nãonasci para isso. Ela sumiu.

Com Mara, nas festa do aniversáriode 50 anos, em 1998

Kotscho e Mara com osnetos André, Isabel e Laura,filhos de Mariana

Kotscho, com a filha Mariana, a netaLaura, Mara, com a neta Isabel, e o genro,

Fernando Ansarah, com o filho André

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Quem disse o quê de KotschoJorge Araújo trabalhou com

Kotscho nas suas duas passa-gens pela Folha de S.Paulo,onde é fotógrafo até hoje. Osdois formaram uma das melho-res duplas repórter-fotógrafodo setor: “Em 30 anos de pro-fissão, trabalhei com muitosrepórteres, mas Kotscho é es-pecial. Ele faz preciosidadesque dá tesão de ler. É ímpar emtudo o que escreve. Uma vezme perguntaram quem era orepórter do século no Brasil.Com todo respeito aos outros,não tenho medo algum declassificar Kotscho como omelhor”.

José Hamilton Ribeiro –“Quando leio Ricardo Kotscho,tenho a sensação de beber umcopo d’água num momento desede. É um homem raro, deprimeira linha, que se revelaum brasileiro com muita sen-sibilidade. Parece que nasceusabendo escrever. É muito hu-milde. Jornalista como ele sóaparece a cada século. É umfenômeno e ponto final”.

(José Hamilton Ribeiro étudo o que jornalistas de ver-dade admiram. Qualquer coi-sa que se diga a seu respeito épouco, muito pouco. Gostariade trabalhar com ele nem que

fosse para servir café. Traba-lhou com Kotscho no GloboRural, em 1985, por três me-ses. De ídolo, Zé Hamiltonhoje virou fã declarado. Ele érepórter especial do GloboRural – onde, anos atrás, omais pedante entre os pedan-tes chefes me mandou escre-ver meus dados para ver se eusabia escrever. Bati a porta efui morar em Londres. Não melembro o nome dele.)

Lula – “Ele é uma das unani-midades nacionais. É referên-cia para muita gente nesse País.Ele só tem um defeito, é muito

bom. O tipo de jornalista quenão existe hoje em dia. Não émandão. Uma peça rara queprecisamos preservar. É um dosraros repórteres que tem a ca-pacidade de colocar nas pala-vras o sentimento que está nocoração”.

Clóvis Rossi – “Simplesmen-te, ele é o melhor repórter daminha geração, embora elepossa se sentir ofendido porinclui- lo na minha geração,por ser mais novo; mas a ver-dade é essa”.

(Clóvis Rossi faz parte dacategoria de jornalistas espe-

Tricolor de coraçãoPautado para cobrir um jogo entre Portuguesa e São Paulo, no campo do Canindé,

ele foi, escreveu 40 linhas de texto brilhante, conta Clóvis Rossi, seu “paizão”, paraquem Kotscho cometeu uma gafe inesquecível. Rossi disse para ele: “Está do cacete,cara! Mas há um detalhe: você não escreveu uma linha da Portuguesa, que ganhou ojogo por 1 a 0 do São Paulo”. Ele reagiu como torcedor e ficou p... com a derrota.Escreveu sua opinião e pronto. Rossi acredita que até hoje Ricardo não sabe as coresda Portuguesa.

Avô são-paulino, neto palmeirense

Esses depoimentos estão no novo livro de Kotscho, Lugar de repórter é na rua, junto com outros igualmente importan-tes em sua carreira, como Mino Carta, na revista IstoÉ e no Jornal da República; Carlos Brickmann, que trabalhou comele em sua primeira passagem pela Folha; William Waak, âncora do Jornal da Globo; Raul Bastos, que com ele traba-lhou no Estadão, especialmente nas reportagens sobre mordomias do governo.

Vou baixar a bola desse tima-ço para, como um gandula, fa-lar de Kotscho, com quem tra-balhei na sucursal paulista doJornal do Brasil anos atrás.

Quando você chegava arras-tando os pés, haja alegria!Quando saía para fazer repor-tagens com o motorista que semostrou repórter de tanto con-viver com você, o querido Fer-reirinha, era a certeza de que,na volta, a sucursal iria empla-car a primeira página.

Kotscho, fico perturbadaquando você diz que fui sua

chefe. Oficialmente, sim, masnão sou “homem” para dizerque conduzi seu talento, suagrandeza, uma das mais perfei-tas criações do Jornalismo. Seique uma das principais virtudesda profissão é ser imparcial. Fre-quentemente não sou. Comoagora, que estão planejandogastar milhões – e dá-lhe mi-lhões! – na construção de está-dios para a Copa do Mundo de2014, inclusive em alguns luga-res que já têm estádios prontose que gastariam muito menoscom alguma reforma. Também

sou parcial convicta com meusamigos e meus herois. Você éum deles, junto com HumbertoWerneck, jornalista-escritor (ouo contrário), mineiro, escrevi-nhador abençoado por Deus ebonito por natureza. E salve JoséMaria Mayrink, que, no final de2008, lançou o livro Mordaçano Estadão, revelando detalhesde O Estado de S.Paulo e Jornalda Tarde serem os únicos jornaisdiários com a presença físicaconstante dos censores nas re-dações. Mayrink foi meu santoescudeiro em todas as editorias,

mas não há ninguém que possaocupar seu lugar nas grandes re-portagens sobre os meandros dareligião católica. Não esqueçode Apoenan Rodrigues, do se-tor de Cultura, ótimo, imperti-nente com uma vírgula fora lu-gar, preciosista, culto, que só vibravo quando fomos cobrir apassagem de um grande grupode rock, o Guns and Roses, quea noite nos obrigava a fazer plan-tão no hotel Maksoud Plaza porsuas estrepolias. Uma delas foijogar um sofá pela janela de ma-drugada.

ciais e quem trabalha com elenunca esquece a honra. Traba-lhou com Kotscho no Estadão,Jornal do Brasil, IstoÉ, Jornal daRepública e Folha de S.Paulo,onde é colunista da página 2e membro do Conselho Edito-rial. É óia rara, raríssima dojornalismo brasileiro.)

Ricardo Setti – “É um serhumano extraordinário, quetem a pureza e um coração

como poucas pessoas que euconheci. Um jornalista esplên-dido e um personagem lumi-noso para conviver numa re-dação”.

(Ricardo Setti trabalhou comKotscho no Estadão e no Jor-nal do Brasil. Hoje atua de for-ma independente em projetosdiversos. É tudo o que falousobre Kotscho. E mais: na mi-nhaopinião, nenhum chefe deredação se iguala a ele.)

Lula acertando os ponteiros na época em que Kotscho e o lídersindical se conheceram no ABC

Page 6: Manoel Marques Ricardo Kotscho, um pé-de-poeira · com coisa nova. Se a gente fi-car pegando o que está aí, ... é mais bonita do que o mari-daço – no mínimo, ... mulher que

Edição 8 - Página 6

Mataram o VladoPor Eduardo Ribeiro

Fui à festa dos 50 anos deRicardo Kotscho, em 1998,num bar na Vila Madalena, emque as pessoas se empilhavam,tantas eram as que lá foramfestejar seu meio século deexistência. Quase uma déca-da depois, tive o privilégio deestar também na festa em co-memoração aos seus 40 anosde Jornalismo, em Brasília, nacasa sempre bem freqüentadado colunista Jorge Moreno, deO Globo. Era gente saindo peloladrão, como na Vila Madale-na, porém outras pessoas,aquelas mais ligadas ao poder,como o vice-presidente JoséAlencar, vários ministros e pra-ticamente todos os jornalistasmais importantes da cidade.Era como se fossem amigos de

infância de Kotscho (Célia,você o chama de Ricardo, maseu gosto mesmo é de Kotscho),tal a amizade por todos de-monstrada e por ele retribuída.Três semanas atrás foi a vezdele retribuir e me levar umabraço no dia em que, valen-do-me de uma celebração di-ferente, festejei 20 mil dias devida (ver foto abaixo), numchurrasco na bucólica praia deBoiçucanga, bem próxima deToc Toc, onde ele também temuma casa de praia. E não só foilá me levar um abraço como –surpresa – carregou a tiracoloa esposa Mara e o querido Au-dálio Dantas, sua esposa Va-nira e a caçula de Audálio eVanira, Mariana.

Assim é Kotscho, de uma

generosidade sem tamanho.Me lembro do dia, já com al-guns meses de governo na ca-cunda, que lá de Brasília meliga a prestimosa Cleo, escu-deira dele na Secretaria de Im-prensa e ainda hoje no mes-mo posto, ao lado de FranklinMartins e Ottoni Fernandes Jr.,e o coloca na linha comigo:“Pô, Edu, vê se me inclui denovo no mailing doJornalistas&Cia. Eu sou vicia-do nessa porcaria e não consi-go começar minhas quartas-feiras sem saber das novidadesno mercado. Até porque nãosei até quando vou agüentarisso aqui!!!” E riu.

Em Boiçucanga, ao reencon-trar o amigo Ivan Quadros, que

nos anos 80 foi repórter de rá-dio e televisão em São Paulo ehoje mora em São Sebastião(sempre numa cidade comnome de santo), sapecou: “Fa-zia tempo que eu não o via.Nós fomos muito tempo domesmo grupo de orações”.Sim, Kotscho é católico, e dospraticantes, sem o menor cons-trangimento de contar.

Faço essa intromissão nessetexto “sem fronteiras” de CéliaChaim, um texto que aqueceo coração e mareja os olhos,para mostrar como esse filhode mãe tcheca (criada na Ale-manha) e de pai romeno (nas-cido na Bessarábia) troca a jus-ta fama de um dos melhoresrepórteres da história do País

pela humilde confissão de al-gumas de suas fraquezas.

No final de junho, ao parti-cipar de um evento da Secre-taria de Comunicação da Pre-sidência da República, no Riode Janeiro, revelou para umaplateia de mais de 150 pesso-as que sua saída do Governofoi boa para ele, Kotscho, emelhor ainda para o Governo.“Naquela função não pode teralguém que seja amigo do pre-sidente. Não dá certo”, disse,arrancando risos de todos comseu bom humor – aliás, umade suas características.

Pouco? Então peço a todosque leiam esse outro depoi-mento que ele dá, de própriopunho, sobre um gesto que omarcou pelo resto da vida e

que ele decidiu tornar públicoem seu indispensável livro Dogolpe ao Planalto – Uma vidade repórter, lançado em julhode 2006.

Ao recapitular e reconstituiralguns de seus passos no trági-co episódio do assassinato deVladimir Herzog, em 1975,nos porões do Doi-Codi, narua Tutóia, em São Paulo, elerelembra o célebre ato ecumê-nico da catedral da Sé, quemudaria os rumos do País. Diz,à página 53: “Para d. Paulo(Evaristo Arns), a situação tinhachegado ao limite, e era neces-sário reagir imediatamente.Nesse encontro, surgiu a ideiade promover um ato ecumêni-co na catedral da Sé, com aparticipação do rabino Henry

Sobel (Vlado era judeu) e deoutras lideranças religiosas. Nodia marcado, para evitar queo ato se transformasse numgrande protesto contra o gover-no, os acessos à praça da Séforam fechados por milharesde policiais comandados pelocoronel Erasmo Dias, secretá-rio de Segurança Pública deSão Paulo e um dos expoentesda linha dura. Deram à opera-ção o nome de Gutemberg”.

No trecho mais dramático,revela: “Fui a pé do jornal (OEstado de S.Paulo) até a praçada Sé, percebi o clima de guer-

ra e fiquei dividido, ao mes-mo tempo com medo e comvergonha do medo que sentia.Minha mulher estava grávidade nossa segunda filha, Caro-lina. As prisões de jornalistas,a morte do Vlado, a polícianovamente nas ruas com seuscães e brucutus, tudo isso melevou a voltar para a Redaçãoantes do início do ato – umgesto de covardia que sempreescondi e do qual até hoje mearrependo”.

Kotscho, eu sequer era ca-sado e nem filhos tinha e fi-quei, sim senhor, com muito

medo de tudo aquilo, jovemque era e com quase nenhumaexperiência política e de mili-tância. Também fiquei envergo-nhado e tratei de arranjar umadesculpa qualquer para não irao ato, já que nem profissionaleu era, apenas um estudante nosegundo ano de faculdade.Muitos sentiram medo, muitosnão sentiram, muitos foram,muitos não foram, mas isso emnada diminui a grandeza daalma de alguém como você,que tem feito muito pelo Jor-nalismo, pelos jornalistas epela sociedade brasileira, com

ExpedienteJ&Cia Entrevista é um informativo produzido pela M&A Publicações e Eventos • Tel.11-5576-5600 • Diretor e Editor Responsável: EduardoRibeiro ([email protected]) • Editor Executivo: Wilson Baroncelli (baroncelli@ jornalistasecia.com.br) • Coordenadora: Célia Cha-im ([email protected]) • Assistente: Luiz Anversa (luizanversa@jornalistas&cia.com.br) • Projeto Gráfico e Diagramação: Paulo Sant’Ana ([email protected]) • Circulação e Publicidade: Silvio Ribeiro ([email protected]). Fotos: Arquivo Reali Júnior.

Da esquerda para a direita: Eduardo Ribeiro, Fátima Turci, Kotscho,Roseli Loturco, Luiz Roberto Serrano e, de costas, a esposa deSerrano, Maria Helena

suas reportagens que contribu-íram e vão continuar contribu-indo para ajudar o Brasil a serum País melhor.

Tenho certeza de falar tam-bém em nome da Célia e damultidão de amigos que vocêamealhou ao longo da vida,como pude confirmar naque-les dois momentos especiaisnas celebrações de datas im-portantes de sua vida: quere-mos muito mais Kotschos emnossos caminhos!

Samuel Iavelberg