UMA ABORDAGEM TERICA DA INFLUNCIA DA DISTRIBUIO OTIMIZADA DE VAGES NA UTILIZAO DA CAPACIDADE DE TRAO EM

TRENS DE CARGA GERAL

Pedro Paulo Ferreira Peron Leonardo Cezrio Ferreira da Silva

Renata Albergaria de Mello Bandeira Adriano de Paula Fontainhas Bandeira

Instituto Militar de Engenharia

RESUMO O presente artigo tem por objetivo, atravs de reviso bibliogrfica e aplicao terica, apresentar uma avaliao do percentual de utilizao da capacidade de trao das locomotivas em trens de carga geral. Ser utilizado um modelo terico de programao inteira para a distribuio otimizada de vages e, atravs de anlise de sensibilidade, ser apresentada uma avaliao da formao do trem, tanto na utilizao da locomotiva quanto na maximizao da lucratividade da empresa.

ABSTRACT This article aims, through literature review and theoretical application, to provide an assessment of locomotives traction capacity utilization percentage in general freight trains. A theoretical model of integer programming for optimized wagons distribution will be used and, through sensitivity analysis, an evaluation of trains formation will be presented, even in the use of the locomotive and in maximizing the companys profitability.

1. INTRODUOO transporte um dos elementos primordiais para o desenvolvimento econmico de um pas. A histria demonstra na prtica esta questo, onde cidades europias e americanas desenvolveram-se no entorno de trechos comerciais e de movimentao de mercadorias.

O modo ferrovirio, especificamente o de carga, alm da sua relevncia econmica, caracterizado pelo transporte de elevados volumes por trechos geograficamente distantes, permitindo ganhos de escala e de eficincia energtica quando comparado com outros modos de transporte. A Figura 1 demonstra os ganhos competitivos de cada modal de transporte por distncia percorrida, enquanto que a Figura 2 demonstra os ganhos derivados da extenso e frequncia do servio de transporte ferrovirio.

Figura 1: Ganhos da competio modal no transporte de carga segundo a distncia percorrida e peso de carga (CNT, 2013).

Figura 2: Ganhos derivados da extenso e frequncia do servio de transporte ferrovirio (CNT, 2013).

Com o mercado nacional e internacional aquecidos, a demanda pela soluo de transporte ferrovirio tem sido crescente nos ltimos anos. Produtos como o minrio de ferro e commodities agrcolas, cargas tpicas de trens, tem contribudo para a revitalizao deste modal, destacando sua participao na matriz de transportes nacional. Em 16 anos, o crescimento do volume transportado pelo modal ferrovirio no Brasil foi da ordem de 133% e os investimentos no setor alcanaram mais de 33 bilhes de reais (CNT, 2013). A Figura 3 mostra a evoluo do volume de carga transportado pelo modal ferrovirio no pas, enquanto a Figura 4 traz a evoluo dos investimentos em ferrovias brasileiras.

Figura 3: Evoluo da produo das concessionrias ferrovirias, CNT (2013).

Figura 4: Evoluo dos investimentos em ferrovias, CNT (2013).

Visando atender esta crescente demanda e desenvolvimento do setor de transporte, diversas iniciativas tem sido realizadas pelas ferrovias. Planos de expanso aumentam a capacidade de transporte e fortalecem o atendimento ao cliente, contudo, a forma de utilizao de ativos escassos demanda ateno, pois os ganhos prospectados podem ser perdidos sob forma de processos mal direcionados. Desta forma, a utilizao de ativos limitados como via permanente e material rodante (locomotivas e vages) pode representar um diferencial no volume transportado e na composio dos custos. Quando se observa a vida til dos ativos ferrovirios, ou seja, o tempo de reposio dos componentes desse modal, possvel verificar que qualquer esforo extra pode impactar na diminuio dessa vida til e, consequentemente, no retorno financeiro que esse ativo pode propiciar ao investidor. A Figura 5 mostra o tempo de reposio dos componentes.

Figura 5: Tempo de reposio dos componentes, CNT (2013).

Neste artigo, ser abordada a influncia da formao de trens sobre a utilizao de locomotivas. Ser realizada uma breve contextualizao da influncia da locomotiva na dinmica de movimentao do trem e, por fim, ser demonstrada a aplicao da programao linear na distribuio otimizada de vages e o consequente aproveitamento do esforo trator em cada um dos cenrios. Ou seja, o escopo do presente artigo vem propor um modelo para alocao de uma frota de vages de forma a compor um trem para trafegar em um trecho ferrovirio, tendo como objetivo a maximizar a lucratividade.

fixado um valor determinado para a capacidade de ptios, o que restringe o comprimento mximo do trem e a quantidade de cruzamentos dos mesmos, e tambm fixa-se a lotao das locomotivas disponibilizadas, o que por sua vez restringe o peso mximo tracionado. Efetua-se, ento, a alocao dos vages no trem, aplicando-se uma funo de maximizao da lucratividade. Alterando-se uma e / ou outra dessas restries, tm-se diferentes alocaes de vages no trem. Variando-se o comprimento mximo do ptio, se tem a diminuio ou aumento do tamanho do trem e, inversamente, o aumento ou diminuio do nmero de desvios. Variando-se a quantidade de locomotivas, se tem o aumento ou a diminuio da capacidade tracionada e, consequentemente, maior ou menor nmero de vages alocados. Ressalta-se porm que, a aplicao do modelo foi feita para uma configurao especfica de vias e ptios, com um conjunto fixo de cinco tipos diferentes de vages, considerando sempre que os mesmos esto com lotao mxima de carga.

2. A LOCOMOTIVA E SUA INFLUNCIA NA DINMICA DE MOVIMENTAOA avaliao de um novo projeto comercial no sistema ferrovirio uma tarefa complexa, pois envolve uma avaliao criteriosa sobre o formato de circulao, formao de trens, manobras intermedirias (p.ex. anexao de locomotiva de auxlio), manobras no destino, modelos de abastecimento etc., demandando uma abrangente anlise.

Nas locomotivas diesel-eltricas o motor diesel aciona um gerador que produz a energia eltrica destinada aos motores de trao localizados nos truques e acoplados s rodas motrizes por engrenagens. Especialmente a partir da dcada de 1970 passou-se a utilizar o alternador, produzindo corrente alternada a ser retificada e enviada aos motores de trao de corrente contnua, sendo amplamente utilizada no Brasil desde ento. Uma tecnologia mais recente a dos motores de trao a corrente alternada. A Figura 6 mostra um esquema locomotiva diesel-eltrica.

Figura 6: Esquema de uma tpica locomotiva diesel-eltrica, ANTF (2014).

Diversas foras esto presentes e interagindo no sistema trem-via, muitas delas dificultando a sua movimentao e a velocidade, influenciando na localizao e nos custos operacionais. Hay (1982) afirma que estas foras de oposio ao movimento precisam ser superadas pela fora de propulso (esforo trator) de uma locomotiva, a fim de que o movimento possa ser realizado.

Segundo Pachl (2002), o esforo trator mximo que uma locomotiva pode exercer limitado por dois fatores:

A fora mxima que pode ser transmitida por aderncia entre a roda e a via; A fora mxima possvel que pode ser transmitida pela mquina.

Conduzir uma composio frrea exige um significativo grau de conhecimento e experincia do maquinista, pois a seleo indevida de um ponto de acelerao em relao ao trecho da via pode danificar tanto a locomotiva quanto os trilhos da ferrovia. A Figura abaixo ilustra o esforo trator (F) em funo dos pontos de acelerao (P1, P2 e P3) e da velocidade (V). possvel observar que o esforo trator produzido inversamente proporcional velocidade (Leite, 2009). A Figura 7 mostra o esforo trator em funo do ponto de acelerao e velocidade.

Figura 7: Esforo trator em funo do ponto de acelerao e velocidade, Leite (2009).

Pachl (2002) afirma que existem duas resistncias essenciais, presente em um sistema ferrovirio: resistncia da linha e resistncia do trem. A resistncia da linha consiste em duas componentes:

Resistncia de grade; Resistncia de curva.

A resistncia do trem resultante das componentes:

Resistncia de rolamento; Resistncia do sistema de trao; Resistncia dinmica; Resistncia do vento.

Com tantas foras opondo-se ao movimento do trem, somado aos altos investimentos necessrios para a aquisio de novas locomotivas, torna-se imperativo trabalhar de forma adequada questo do aproveitamento da capacidade de trao ofertado pelo ativo disponvel.

3. APLICAO DA MODELAGEM E PRINCIPAIS RESULTADOSO modelo terico de distribuio de vages, baseado em trecho de uma ferrovia brasileira, tem por objetivo maximizar o lucro envolvido no sistema daquela regio, considerando basicamente a distribuio de cinco tipos de cargas diferentes em vages gndola e plataforma. As Figuras 8 e 9 demonstram esquemticos destes tipos de vages.

Figura 8: Exemplo de vago tipo plataforma, Amsted Maxion (2014).

Figura 9: Exemplo de vago tipo gndola, MRS Logstica (2014).

A funo objetivo do modelo maximizar a lucratividade do atendimento das demandas solicitadas para cada tipo de vago, admitindo-se a premissa de que a demanda maior do que a capacidade de atendimento. A tabela 1 apresenta informaes relativas ao cenrio de transporte:

Tabela 1: Informaes do modelo de transporte.

Descrio vago Tipo

Tamanho (m)

Capacidade (t)

Frota disponvel

(qtde) Varivel

Vago tipo 01 Gndola 8,7 81,2 50 x1 Vago tipo 02 Gndola 10,0 75,0 30 x2 Vago tipo 03 Plataforma 18,5 72,3 35 x3 Vago tipo 04 Plataforma 12,3 41,0 20 x4 Vago tipo 05 Plataforma 13,9 76,0 15 x5

A anlise de sensibilidade de otimizao da funo objetivo foi realizada modificando duas variveis: o tamanho e a capacidade de trao do trem. O tamanho do trem foi considerado limitando-se aos ptios disponveis para cruzamento, ou seja, a medida que aumenta-se o tamanho da composio em circulao, admite-se que haver reduo de capacidade do trecho por reduo de locais para cruzamento. A capacidade de trao do trem foi obtida adicionando novas locomotivas na composio, contudo sem considerar o custo de aquisio de um novo ativo na avaliao do fluxo. Nesse caso, premissa que a adio de novas locomotivas feita exclusivamente por remanejamento de outros fluxos, sem prejuzo ao resultado total da empresa. A Figura 10 demonstra o esquemtico do trecho de circulao.

Figura 10: Esquemtico do trecho de circulao, autores (2014).

No presente artigo utilizada a ferramenta Solver, disponvel no Microsoft Excel, como base de clculo dos cenrios de otimizao (maximizao de lucro), totalizando 96 problemas de programao linear inteira para formao da anlise de sensibilidade.

Desta forma, a modelagem do problema :

Max Z = 1,042 x1 + 1,034 x2 + 1,423 x3 + 1,231 x4 + 1,345 x5

Sujeito a: x1 + x2 + x3 + x4 + x5 10 (lote mnimo de transporte) 8,7 x1 + 10 x2 + 18,5 x3 + 12,3 x4 + 13,9 x5 TP (limitao de tamanho de ptio) 81,2 x1 + 75 x2 + 72,3 x3 + 41 x4 + 76 x5 CT (limitao de capacidade de trao) x1 50 (quantidade disponvel do vago 1)

(1)

x2 30 (quantidade disponvel do vago 2) x3 35 (quantidade disponvel do vago 3) x4 20 (quantidade disponvel do vago 4) x5 15 (quantidade disponvel do vago 5)

Onde:

TP = tamanho dos ptios, relativo a cada um dos cenrios estabelecidos;

CT = capacidade de trao do trem, varivel dependente da quantidade de locomotivas disponibilizadas, relativo a cada um dos cenrios estabelecidos.

A primeira restrio que trata do nmero mnimo de dez vages para a formao de trens, se justifica pelo fato de que qualquer nmero inferior a esse inviabiliza o custo do frete pois, o valor gasto com equipagem, combustvel e demais gastos do processo no seriam retornados.

Com base nas restries apresentadas e na equao 1, o modelo terico demonstrou que as formaes que permitiram melhores respostas de utilizao da capacidade de trao no trecho estudado foram os trens com uma e duas locomotivas. Os trens com trs e quatro locomotivas apresentaram sobra de trao, uma vez que a varivel tamanho de trem era mais restritiva e impossibilitava aumento da lucratividade. As Figuras 11 e 12 mostram alguns resultados dos cenrios estudados.

Figura 11: Grfico de disperso da utilizao de trao, autores (2014)

20,00%

30,00%

40,00%

50,00%

60,00%

70,00%

80,00%

90,00%

100,00%

0,00% 500,00% 1000,00% 1500,00% 2000,00% 2500,00%

Evo

lu

o

da

uti

liza

o

da

tra

o

Aumento do tamanho do trem

Utilizao de trao - 1 locomotiva Utilizao de trao - 2 locomotivas

Utilizao de trao - 3 locomotivas Utilizao de trao - 4 locomotivas

#1 #6 #12 #18 #24

Cenrios

Considerando a resposta de lucratividade, o modelo demonstrou que os cenrios mais agressivos so os com trs e quatro locomotivas, em que possvel perceber que a adio de mais uma locomotiva no resultou em retorno financeiro. A formao de duas locomotivas ofereceu uma boa resposta, mas para cenrios mais agressivos de tamanho de trem teve sua capacidade de trao como limitante. O modelo com uma locomotiva possui quase que na totalidade dos cenrios a varivel capacidade de trao como limitadora.

Figura 12: Grfico comparativo de lucratividade por tipo de trem, autores (2014)

4. CONCLUSOO objetivo do presente artigo era, baseado na reviso bibliogrfica e na aplicao da modelagem terica, apresentar a importncia da considerao dos custos de utilizao de locomotivas no modelo de formao de trens.

O modelo terico no considera possveis alteraes no ndice de lucratividade em funo da adio de mais locomotivas no trem. Neste caso, por no considerar alteraes na composio de custos (p.ex. eficincia energtica etc.) e investimento (p.ex. aquisio de novas locomotivas para viabilizao do fluxo), torna-se uma viso simplificada para avaliao da anlise de sensibilidade da utilizao da capacidade de trao das locomotivas, alterando a varivel tamanho de ptio disponvel e a quantidade de locomotivas empregadas no trem.

Embora simplificado quanto adio de novas variveis, o modelo oferece uma viso da importncia da considerao do uso dos ativos para a prospeco de novas cargas e projetos de novos negcios. A mesma abordagem deve ser estendida aos demais ativos, pois os

90

100

110

120

130

140

150

160

170

180

0,00% 500,00% 1000,00% 1500,00% 2000,00% 2500,00%

Ev

olu

o d

a l

uc

rati

vid

ad

e

Aumento do tamanho do trem

Mximizao de lucro - 1 locomotiva Maximizao de lucro - 2 locomotivas

Maximizao de lucro - 3 locomotivas Maximizao de lucro - 4 locomotivas

#1 #6 #12 #18 #24

Cenrios

investimentos em capacidade no modo ferrovirio so elevados e desvios no processo precisam ser tratados.

Por fim, recomenda-se um estudo mais detalhado, considerando tanto as variveis supracitadas quanto o efeito da alterao do tamanho de trens sobre a capacidade de circulao no trecho. Modelos robustos de simulao ferrovirio proporcionaro respostas mas rpidas na formatao de cenrios e na composio de informao para tomada de deciso, que particular de cada trecho ferrovirio, considerando perfil de via, locomotivas disponveis e capacidade de circulao.

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS Amsted Maxion, http://www.amstedmaxion.com.br/conteudo/vagoesamax/comparativo_AMAX_Top.php. Acessado em 08 de Maio de 2014 s 15:56h.

Associao Nacional dos Transportadores Ferrovirios ANTF, http://www.antf.org.br/index.php/informacoes-do-setor/material-rodante. Acessado em 08 de Maio de 2014 s 10:06h.

Hay, W.W., Railroad engineering, 1982.

Leite, A. R., Um esquema para reduo do consumo de combustvel em sistemas de conduo frrea baseado em otimizao distribuda de restrio, PUC/PR, 2009.

Melo, M. C. V., Programao linear inteira aplicada ao planejamento de alocao de vages de carga, Universidade Federal do Cear, 2008.

Machado, M. N., Pesquisa operacional aplicada ao processo de planejamento e programao da operao do transporte ferrovirio de carga, IME, 2006.

MRS Logstica, http://www.mrs.com.br/aempresa/vagoes.php. Acessado em 08 de Maio de 2014 s 16:02h.

Pachl, J., Railway operation and control, 2002.

Winston, W., Operations research Applications and algorithms, 2003.