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Manual de Direito Consti tucional Danniel Adriano Araldi Martins Danniel Adriano Araldi Martins 2021

Manual de Direito Consti tucional

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Manual de Direito Constitucional

Danniel Adriano Araldi MartinsDanniel Adriano Araldi Martins

2021

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CAPÍTULO 5 • CONTROLE DIFUSO-INCIDENTAL DE CONSTITUCIONALIDADE

C A P Í T U L O 5

CONTROLE DIFUSO-INCIDENTAL DE CONSTITUCIONALIDADE

1 INTRODUÇÃO

O controle difuso de constitucionalidade, como já estudamos, teve origem nos Estados Unidos, no leading case Marbury v. Madison, julgado pela Suprema Corte Estadunidense em 1803. No Brasil, ele esteve presente em nosso ordenamento jurídico desde a instalação da República, com a Constituição de 1891, até os dias de hoje.

Características do controle de constitucionalidade

difuso-incidental no Direito brasileiro:

• Pronúncia de invalidade no caso concreto.

• Questão prejudicial.

• Qualquer juiz ou tribunal pode exercê-lo.

À luz da Constituição de 1988, o controle difuso, que é aquele que pode ser exercido por qualquer órgão jurisdicional, é também incidental, ou seja, dá-se no caso concreto, sendo a declaração de inconstitucionali-dade questão prejudicial à solução da questão principal.

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É interessante notar que, a despeito do alargamento do controle con-centrado-principal com o advento da Constituição de 1988, o controle incidental é, ainda hoje, a única via de acesso ao cidadão comum para tutelar os seus direitos subjetivos constitucionais.1

Qualquer parte que participe da relação jurídica processual po-derá arguir a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo. O autor pode ajuizar uma ação pedindo, prejudicialmente, que determinada lei seja declarada inconstitucional. O réu, sendo demandando, pode se valer da alegação de inconstitucionalidade da norma, como matéria de defesa, com a finalidade de se desobrigar de seu cumprimento. Podem, ainda, suscitar a inconstitucionalidade o Ministério Público, tanto na qualidade parte, quanto como custos iuris, os terceiros intervenientes, e o próprio juiz, de ofício.

A inconstitucionalidade de uma norma pode ser suscitada em pro-cessos de qualquer natureza, bem como em qualquer fase procedimen-tal (conhecimento, de execução ou cautelar).

2 FORMA DE PROVOCAÇÃO

A despeito de qualquer parte do processo poder arguir a inconstitu-cionalidade de ato normativo em processos de qualquer natureza, existem algumas situações específicas que, por gerarem maiores discussões dou-trinárias e jurisprudenciais, precisam ser avaliadas mais detidamente.

A primeira questão que se impõe está relacionada à ação civil públi-ca. A ação civil pública é o instrumento processual, previsto na Consti-tuição Federal brasileira (artigo 129, inciso III) e regulamentada em sede infraconstitucional (Lei n.º 7.347/85), de que podem se valer o Ministério Público e outras entidades legitimadas para a defesa de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.

O artigo 16 da Lei n.º 7.346/95 prevê que a decisão proferida no bojo de uma ação civil pública poderá fazer coisa julgada erga omnes,

1. BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 4ª ed. rev. e atual – São Paulo: Saraiva: 2009, p. 89.

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ou seja, valerá para todos e não somente para aqueles que fizeram parte do processo.

Essa especial característica da coisa julgada na ação civil pública fez com que parte da doutrina e o próprio Supremo Tribunal Federal enten-dessem que não era possível provocar o controle difuso-incidental de constitucionalidade no bojo desta ação.2 O raciocínio era o de que os efei-tos erga omnes da decisão tomada em uma ação civil pública fariam com que a competência para exercer o controle concentrado de constituciona-lidade conferida ao Supremo Tribunal Federal ou aos Tribunais de Justiça fosse usurpada.

Entretanto, o Supremo Tribunal Federal reviu, paulatinamente, a sua posição. Em julgado posterior, o Supremo passou a admitir o exercí-cio do controle difuso de constitucionalidade no bojo de uma ação civil pública que tratasse de direitos individuais homogêneos, mas continuou negando essa possibilidade quanto aos direitos coletivos e difusos. Nesse segundo momento, aventou-se que os efeitos da decisão, quando o objeto da ação fossem direitos individuais homogêneos, alcançariam somente os titulares determinados desse direito, não se confundindo as ações diretas, que atingem a todos indistintamente.3

Em 2000, o Supremo Tribunal Federal reviu por completo seu po-sicionamento originário, passando a admitir, sem restrições quanto ao direito tutelado, a legitimidade do controle de constitucionalidade difu-so-incidental em ação civil pública. A única ressalva é a de que a questão constitucional deve estar ventilada no processo como questão prejudi-cial, e não como questão principal.4

Essa mesma discussão sobre a possibilidade ou não do exercício do controle de constitucionalidade no bojo de uma ação civil pública se apli-ca às ações populares.

A ação popular é o meio processual a que tem direito qualquer cida-dão que deseje questionar judicialmente a validade de atos que conside-ra lesivos ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio

2. STF, Tribunal Pleno, Rcl 434, Rel. Min. Francisco Rezek, j. 10.12.1993.

3. STF, Rcl 554, Rel. Min. Maurício Corrêa, decisão monocrática, j. 13.11.1997.

4. STF, Rcl 1.733, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, j. 24.11.2000.

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ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. Está prevista em nossa Constituição no artigo 5º, inciso LXXIII, e regulamentada pela Lei n.º 4.717/65.

O artigo 18 da Lei n.º 4.717/65 traz previsão semelhante ao artigo 16 da Lei n.º 7.346/96, asseverando que a sentença terá eficácia de coisa julgada oponível "erga omnes", exceto no caso de haver sido a ação julga-da improcedente por deficiência de prova; neste caso, qualquer cidadão poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.

Aqui, aplicam-se as mesmas questões tratadas acerca da ação civil pública, de modo que tem prevalecido o entendimento de que o exercício do controle difuso de constitucionalidade no seio de uma ação popular é perfeitamente possível, desde que a questão constitucional tenha sido intentada como prejudicial à resolução da questão principal.5

O mandado de segurança, que é o remédio constitucional destinado à proteção de direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribui-ções do Poder Público, está previsto no artigo 5º, LXIX da CF/88 e regu-lamentado pela Lei n.º 12.016/09.

Cuida-se de meio hábil a veicular o controle difuso de constitu-cionalidade, não havendo, quanto a ele, maiores discussões doutrinárias ou jurisprudenciais, já que produz efeitos inter partes, diferentemente dos remédios anteriores.

Por fim, temos o mandado de injunção, que é o remédio constitu-cional destinado ao controle incidental das omissões legislativas. O artigo 5º, inciso LXXI da CF/88 prevê que se concederá mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.

Trata-se de instrumento inovador trazido pela Constituição de 1988 e tem um objetivo claro: o Poder Constituinte, preocupado em dar má-xima efetividade ao extenso rol de direitos fundamentais elencados em

5. STF, Tribunal Pleno, AO 506, Rel. Min. Sydney Sanches, decisão liminar, j. 6.5.1998.

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nossa Carta Política, introduziu diversos meios de garanti-los. O manda-do de injunção é um desses meios.

Após longos anos de espera, o legislador infraconstitucional final-mente editou lei (Lei n.º 13.300/16) para regulamentar o mandado de injunção, que antes dependia de construção pretoriana para seu exercício.

Analisaremos com maiores detalhes esse importante instituto do direito brasileiro no Capítulo IV, referente aos direitos e garantias fun-damentais. Por ora, basta o registro de que, à luz do entendimento mais recente do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria, bem como do es-tipulado na Lei n.º 13.300/16, haverá a declaração incidental de que há uma omissão inconstitucional no bojo do mandado de injunção, que tem a função, justamente, de garantir o exercício desse direito que está sendo violado pela mora legislativa.

3 COMPETÊNCIA

O que caracteriza o controle de constitucionalidade difuso é exata-mente o fato de qualquer juiz ou tribunal, tanto em uma ação originária, quanto na via recursal, ter a competência para declarar a inconstituciona-lidade de uma lei ou ato normativo.

Entretanto, há uma situação específica em que estará vedado ao tribu-nal realizar o controle difuso de constitucionalidade. É o caso do Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso especial (artigo 105, inciso III da CF/88). Isso ocorre porque o Superior Tribunal de Justiça não poderá rea-nalisar questões constitucionais já decididas pelos tribunais inferiores, sob pena de invadir a competência do Supremo Tribunal Federal, a quem caberá, via recurso extraordinário (art. 102, inciso III da CF/88), tal mister.6

Na verdade, o Superior Tribunal de Justiça só exercerá o controle difuso de constitucionalidade em duas hipóteses específicas: i) em ação de competência originária; ou ii) via recurso especial, quando a ques-tão constitucional for diversa da que tiver sido decidida pelo tribunal inferior.

6. STF, Tribunal Pleno, AgRg no AI 145.589, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 2.9.1993.

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4 PROCEDIMENTO

Quando for suscitada a inconstitucionalidade de uma norma peran-te juiz, não há nenhum procedimento especial a ser seguido. Como já estudamos, a questão constitucional será uma questão prejudicial à reso-lução do mérito, cabendo ao juiz, obrigatoriamente, conhecê-la antes de entrar no mérito propriamente dito e decidir o caso em concreto.

Por outro lado, quando a questão constitucional é arguida perante tribunal, temos algumas regras procedimentais a serem observadas, em razão da previsão em nosso ordenamento jurídico da cláusula de reserva de plenário, também conhecida como regra do full bench (artigo 97 da CF/88).

O artigo 97 da CF/88 prevê que os tribunais somente poderão decla-rar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial.

Essa regra funda-se no princípio da presunção de constitucionali-dade das leis e busca equalizar a tensão entre o princípio democrático e o controle judicial de constitucionalidade.

A professora Ana Paula de Barcellos, com a acuidade que lhe é costu-meira, ensina que a declaração de inconstitucionalidade de uma lei reves-te-se de considerável gravidade do ponto de vista institucional e sob uma perspectiva democrática. Os atos dos Poderes Legislativo e Executivo, em razão da sua legitimidade democrática e da vinculação ao princípio da legalidade/juridicidade, presumem-se constitucionais e a interpretação por eles conferida à Constituição julga-se adequada. Essa presunção, con-tudo, é relativa e pode ser superado pelo Judiciário.7

Assim, caso a matéria seja de competência do pleno do tribunal ou de seu órgão especial, bastará que seja respeitado o quórum de maioria absoluta, para que seja uma lei ou um ato normativo sejam declarados inconstitucionais.

7. BARCELLOS, Ana Paula de. Curso de direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 542-543.

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Todavia, se a competência para análise da matéria for de uma Tur-ma, Câmara ou Seção do Tribunal, deve-se observar o procedimento bifásico esquadrinhado nos artigos 948 a 950 do Código de Processo Ci-vil, que regulamenta o procedimento de declaração incidental de incons-titucionalidade perante órgão fracionário de tribunal.

Nesse caso, distribuído o processo para o órgão fracionário do tribu-nal, o relator ouvirá o Ministério Público e as partes, e submeterá a ques-tão à turma ou à câmara à qual competir o conhecimento do processo, que poderá:

i) Rejeitar a arguição de inconstitucionalidade: nesse caso, o órgão fracionário entende que a norma é constitucional, não sendo, portanto, necessário remeter a questão constitucional ao Plenário ou ao Órgão Especial. O julgamento prosseguirá nor-malmente.

ii) Acolher a arguição de inconstitucionalidade: caso o órgão fra-cionário entenda que a norma está, de fato, em desconformidade com a constituição, deverá lavrar o acórdão e remeter a questão constitucional para o plenário ou órgão especial. O processo ficará suspenso na turma, câmara ou seção, aguardando o julga-mento do incidente. O Tribunal, então, deliberará sobre a cons-titucionalidade da norma vergastada, respeitando o quórum de maioria absoluta. Decidida a questão, o julgamento no órgão fracionário será retomado, sendo certo que ele estará vinculado à decisão do plenário ou órgão especial sobre a questão consti-tucional. Haverá, portanto, uma cisão funcional horizontal de competência, cabendo ao pleno ou órgão especial julgar a ques-tão constitucional e ao órgão fracionário decidir a questão prin-cipal.

Algumas observações sobre essa segunda hipótese – acolhimento de inconstitucionalidade feito pelo órgão fracionário – devem ser feitas.

A primeira delas é: o regimento interno do Tribunal é que escolhe se a análise da questão constitucional será feita pelo Plenário do Tribunal ou pelo seu Órgão Especial. Há, aqui, discricionariedade do tribunal na escolha, posto que lhe cabe decidir sobre a sua auto-organização.

A segunda observação está relacionada com o artigo 949, parágrafo único do CPC/15. Esse dispositivo prevê que os órgãos fracionários dos

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Tribunais não submeterão ao plenário ou ao órgão especial a arguição de inconstitucionalidade quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão.

Trata-se de norma intimamente ligada aos princípios da duração razoável do processo e da economia processual, que busca evitar ins-taurações repetitivas e desnecessárias do incidente acima abordado. Há, ainda, a preservação dos princípios da segurança jurídica e da isonomia, evitando-se a prolação de decisões divergentes.

Outros casos em que a regra prevista no artigo 97 da Constituição Federal é excepcionada, não sendo necessária a instauração do incidente e a observância ao quórum de maioria absoluta dos membros do Tribunal ou de seu órgão especial, são:

a. Decisões cautelares.8

b. Quando o objeto de controle for norma editada antes da nor-ma constitucional que está servindo de parâmetro de controle, posto que, em caso de incompatibilidade, não haverá a declara-ção de inconstitucionalidade, mas o reconhecimento de sua não recepção.9

c. Quando o tribunal se valer da interpretação conforme a Cons-tituição, não declarando, portanto, a norma inconstitucional.10

d. Julgamento de recurso extraordinário por Turma do Supremo Tribunal Federal, que não precisará remeter a questão consti-tucional ao Plenário, posto que o STF exerce por excelência o controle difuso de constitucionalidade quando do julgamento do RE.11

e. Julgamento do recurso inominado por Turmas Recursais dos Juizados Especiais, pois tais órgãos não são considerados “tribu-nais”.12

8. STF, Tribunal Pleno, AgR em Rcl 10.864, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 24.3.2011.

9. STF, Primeira Turma, AgR em AI 669.872, Rel. Min. Luiz Fux, j. 11.12.2012.

10. STF, Tribunal Pleno, AgR em Rcl 12.107, Rel. Min. Rosa Weber, j. 13.6.2012.

11. STF, Segunda Turma, ED em RE 361.829, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 2.3.2010.

12. STF, Segunda Turma, AgR em ARE 792.562, Rel. Min. Teori Zavascki, j. 18.3.2014.

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f. Não se aplica a cláusula de reserva de plenário para julgamen-to de decreto legislativo que se refira a situação individual e concreta, já que o que se submete ao regramento do artigo 97 da CF/88 são leis e atos normativos.13

Outro ponto que merece destaque é o momento adequado para a interposição de eventual recurso extraordinário pela parte sucumben-te. A dúvida surge porque, com a instauração do incidente de arguição de inconstitucional, pode-se ter a lavratura de até três acórdãos (acórdão acolhendo o incidente, acórdão do plenário ou órgão especial julgando a questão constitucional e acórdão do órgão fracionário decidindo a ques-tão principal).

A questão já chegou ao Supremo Tribunal Federal, que editou o Enunciado n.º 513 de sua Súmula. De acordo com a Corte Suprema, somente caberá a interposição de recurso extraordinário da decisão final, que julgar a questão principal, não sendo possível atacar o acórdão que admite o incidente ou o acórdão do plenário ou órgão especial que decide a questão constitucional.

Por fim, é de se destacar que a cláusula de reserva de plenário deve ser observada mesmo quando o órgão fracionário não declare expressa-mente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, mas se limite a afastar a sua incidência. É o que prevê o Enunciado n.º 10 da Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal.

Nesse ponto, é importante reafirmar que não incidirá a regra do full bench quando a não aplicação da norma se der por causa da inter-pretação, ainda que se trate de interpretação conforme a Constituição. Como estudamos, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que não há violação ao princípio da reserva de plenário quando o acórdão recorrido apenas interpreta norma infraconstitucional, sem declará-la inconstitu-cional ou afastar sua aplicação com apoio em fundamentos extraídos da Lei Maior.14

13. STF, Segunda Turma, AgR em Rcl 18.165, Rel. Min. Teori Zavascki, j. 18.10.2016.

14. STF, 2ª Turma, AgR em ARE 784.179, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe. 17.02.2014.

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5 EFEITOS

Reconhecido, incidentalmente, que o ato normativo violou formal ou materialmente a Constituição, a consequência é a declaração de sua nulidade. O ato, portanto, é inválido e destituído de qualquer carga de eficácia que se possa atribuir-lhe.

Os efeitos temporais dessa declaração de nulidade são ex tunc, ou seja, retroativos. A norma inconstitucional é inválida desde o seu nasci-mento, sendo certo que a declaração de inconstitucionalidade atinge to-dos os efeitos produzidos.

Nesse ponto, uma questão se impõe: os efeitos temporais da declara-ção de inconstitucionalidade poderão ser modulados no controle difu-so-incidental?

Inicialmente, destaque-se que não há previsão legal sobre o tema, como ocorre no controle concentrado de constitucionalidade, cabendo à doutrina e à jurisprudência tentar solucionar esse impasse.

A doutrina majoritária entende que sim, é possível conceder efeitos ex nunc à decisão que declara incidentalmente a inconstitucionalidade de uma lei em determinadas hipóteses. Nas palavras de Alexandre de Mo-raes:

“Entendemos que, excepcionalmente, com base nos princí-pios da segurança jurídica e na boa-fé, será possível, no caso concreto, a declaração de inconstitucionalidade incidental com efeitos ex nunc, desde que razões de ordem pública ou social exijam.”15

O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no RE 522897/RN, tam-bém se manifestou nesse sentido. Nessa oportunidade, a Suprema Corte decidiu que é possível a modulação dos efeitos da decisão proferida em sede de controle incidental de constitucionalidade.16

Assim, poderá o tribunal restringir os efeitos da declaração, ou de-cidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado, ou de

15. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 34ª ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 773.

16. STF, Tribunal Pleno, RE 522897/RN, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 16.3.2017.

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outro momento que venha a ser fixado, desde que haja razões de seguran-ça jurídica e de excepcional interesse social e que se respeite o quórum de 2/3 (dois terços), tal qual previsto no artigo 27 da Lei n.º 9.868/99. O STF aplicou analogicamente a previsão legal de modulação dos efeitos da decisão em controle concentrado de constitucionalidade para o con-trole difuso-incidental.

Observação: No julgamento dos segundos embargos de declaração no RE 638.115, o Supremo Tribunal fez uma diferen-ciação procedimental entre a modulação de efeitos das decisões proferidas no controle difuso de constitucionalidade. Na opor-tunidade, afirmou-se que o quórum para modular os efeitos de decisão proferida em julgamento de recurso extraordinário repe-titivo, com repercussão geral, caso não tenha havido a declara-

ção de inconstitucionalidade do ato normativo impugnado, é de maioria absoluta, e não de 2/3 (dois terços).17

Quanto aos efeitos subjetivos da decisão, em razão de o controle di-fuso-incidental de constitucionalidade ocorrer em um processo subjetivo, em que há uma questão principal concreta a ser decidida entre as partes da demanda, a decisão do incidente de constitucionalidade terá eficácia inter partes.

Nessa ordem de ideias, o ato normativo atacado continuará válido e plenamente eficaz em relação às outras pessoas, posto que a decisão que declarar a sua inconstitucionalidade só valerá para as partes daquele processo específico.

Isso decorre das origens históricas do controle difuso-incidental de constitucionalidade. Como vimos, tal modalidade de controle nasceu pela construção pretoriana no direito norte-americano. Nos Estados Unidos adota-se o sistema da common law, em que o direito é construído pela tradição, pelos usos e costumes, e revelado pelos juízes no caso concreto. Além disso, adota-se a doutrina do stare decisis, que é aquela segundo a qual as decisões judiciais criam precedentes de vinculam as decisões futuras.

17. STF, Tribunal Pleno, RE 638.115-ED-ED, Rel. Min. Gilmar Mendes, j.18.12.2019.

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Nesse cenário, as decisões incidentais de constitucionalidade não se limitam ao caso concreto em análise somente, posto que, aquela decisão servirá de precedente para os futuros casos.

Quando essa modalidade de controle é transportada para o Brasil, país que adota o sistema de civil law, em que o direito é criado pelo legis-lador e não há, salvo previsão legal, eficácia vinculante das decisões judi-ciais, torna-se possível que um mesmo ato seja nulo e não produza efeitos para uns e seja válido e produza efeitos para outros, ao mesmo tempo.

Em razão disso, buscando contornar essa problemática hipótese de uma lei ser inválida para uns e válida para outros, a Constituição de 1988 previu, seguindo os passos da Constituição de 1934 e de suas sucessoras, um mecanismo de ampliação dos efeitos subjetivos da decisão. Parte da doutrina foi além, e formulou a tese da abstrativização do controle difuso-incidental de constitucionalidade.

Vejamos, então, esses dois mecanismos.

A) Suspensão pelo Senado Federal da execução de lei declarada

inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (artigo 52,

inciso X da CF/88)

O artigo 52, inciso X da Constituição de 1988 prevê que compete privativamente ao Senado Federal suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal.

Desse modo, o constituinte atribuiu ao Senado Federal a competên-cia de ampliar os efeitos de decisão declaratória de inconstitucionalidade proferida em caso concreto pelo Supremo Tribunal Federal, para atingir a todos (eficácia erga omnes).

O procedimento para aplicação do artigo 52, inciso X da CF/88 é simples. Transitado em julgado a declaração de inconstitucionalidade de uma lei pelo STF, em sede de controle difuso, será feita a comunicação ao Senado Federal (artigo 178 do Regimento Interno do STF).

Além da comunicação do Presidente do STF, o Regimento Interno do Senado Federal prevê que poderá ser dado início ao processo de edi-ção dessa resolução por meio de representação do Procurador-Geral da

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República ou por projeto de resolução da Comissão de Constituição, Jus-tiça e Cidadania (artigo 386 do RISF).

Caso a iniciativa ocorra por comunicação ou representação, esta será lida em plenário e encaminhada para a CCJ, que formulará o projeto de resolução (artigo 388 RISF).

Após, finalmente, o Senado poderá suspender a eficácia dessa lei me-diante a aprovação dessa resolução.

Atenção: O Senado Federal não revoga o ato declarado in-constitucional, mesmo porque não possui competência para tan-to. Cuida-se, na verdade, de mera ampliação dos efeitos da deci-são do STF, suspendendo-se a eficácia da norma.

Há, todavia, algumas questões polêmicas sobre a suspensão do artigo 52, inciso X da CF/88. Sobre elas, hoje prevalecem, seja em doutrina ou em jurisprudência, os entendimentos explicados a seguir.

A suspensão pelo Senado Federal poderá atingir qualquer ato nor-mativo (interpretação extensiva do vocábulo “lei” empregado no artigo 52, inciso X da CF/88) editado por qualquer ente da federação (União, Estados, Distrito Federal, Municípios).

Destaque-se que os atos estaduais, distritais e municipais deverão ter sido declarados incidentalmente incompatíveis com a Constituição Fe-deral pelo STF, para que o Senado Federal possa suspendê-los. Caso a declaração de inconstitucionalidade tenha sido feita pelo Tribunal de Jus-tiça com base em Constituição estadual, tal suspensão somente caberá se houver previsão na constituição estadual do respectivo ente e será de atribuição da Assembleia Legislativa.18

Embora alguns autores entendam que o Senado Federal deve, obri-gatoriamente, suspender a execução do ato inconstitucional19, prevalece em doutrina e no Supremo Tribunal Federal o entendimento de que a

18. TEMER, Michel. Elementos de direitos constitucional. 22ª ed., 2ª tiragem. São Paulo: Malhei-ros, 2008, p. 48.

19. Nesse sentido, FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 40. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 71.

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atuação do Senado Federal tem caráter discricionário, uma vez que a sus-pensão do artigo 52, inciso X da CF/88 é um ato político.

Assim, não estaria ele vinculado a editar a resolução suspendendo os efeitos do ato normativo declarado inconstitucional pelo STF, bem como não está sujeito a nenhum prazo para tanto. Entretanto, uma vez editada a resolução, ela possui caráter irrevogável, não podendo o Senado simples-mente revogá-la com o fito de restabelecer a norma.20

Entende-se, majoritariamente, que caso o Senado Federal opte por editar a resolução, embora tenha discricionariedade para fazê-lo, não po-derá ampliar ou restringir a extensão da decisão proferida pelo Supre-mo Tribunal Federal.21

Nas palavras de José Afonso da Silva:

“Entende-se: se toda a lei foi declarada inconstitucional, a suspensão há de ser dela toda; o Senado não pode decidir fazê-lo apenas em parte. Portanto, quando o texto fala ‘em parte’, significa que também só dita parte foi declara incons-titucional.”22

Por outro lado, Michel Temer e Luís Roberto Barroso, minoritaria-mente, sustenta que o Senado não está obrigado a suspender a execução da lei na mesma extensão da declaração efetivada pelo STF, podendo suspender em parte uma lei que foi declarada inteiramente inconstitu-cional.23

Quanto aos efeitos temporais da suspensão do ato normativo de-clarado inconstitucional pelo Senado Federal, não há posicionamento majoritário na doutrina.

20. STF, Tribunal Pleno, MS 16.512/DF, Rel. Min. Oswaldo Trigueiro, j. 25.5.1966.

21. STF, Tribunal Pleno, MS 16.512/DF, Rel. Min. Oswaldo Trigueiro, j. 25.5.1966.

22. SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição. 9ª ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 421.

23. TEMER, Michel. Elementos de direitos constitucional. 22ª ed., 2ª tiragem. São Paulo: Ma-lheiros, 2008, p. 49; e BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 4ª ed. rev. e atual – São Paulo: Saraiva: 2009, p. 129.

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Alfredo Buzaid24, Luís Roberto Barroso25, Clèmerson Merlin Clève26 e Gilmar Ferreira Mendes27 entendem que a resolução suspensiva tem por finalidade ampliar os efeitos subjetivos da decisão, não alterando, todavia, os efeitos temporais da decisão do Supremo. Logo, a resolução teria efei-tos ex tunc.

De outro lado, há vozes, entre elas a de Themístocles Brandão Caval-canti28, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello29 e José Afonso da Silva30, sus-tentando que os efeitos serão ex nunc, nunca retroagindo. Desse modo, os efeitos do ato normativo serão suspensos para todos somente a partir da publicação da resolução na Imprensa Oficial.

B) Abstrativização do controle difuso-incidental

A previsão do artigo 52, inciso X, da CF/88 é um interessante mecanis-mo para a ampliação dos efeitos das decisões tomadas pelo Supremo Tribu-nal Federal em sede de controle difuso-incidental de constitucionalidade.

Entretanto, para parcela da doutrina, que vem crescendo com o tempo, ela é insuficiente. Alguns autores, destacadamente Gilmar Ferrei-ra Mendes31, defendem que as decisões declaratórias de inconstitucionali-

24. BUZAID, Alfredo. Da ação direta de declaração de inconstitucionalidade no direito brasilei-ro. São Paulo: Saraiva, 1958, p. 135-136.

25. BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 4ª ed. rev. e atual – São Paulo: Saraiva: 2009, p. 130-131.

26. CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no Direito brasilei-ro. 2ª ed. rev. atual. amp. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 122.

27. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 12ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 1.228-1.229.

28. CAVALCANTI, Themístocles Brandão. Do controle da constitucionalidade. Rio de Janeiro: Forense, 1966, p. 164 apud BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 12ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 1.228.

29. MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Teoria das constituições rígidas. 2ª ed. São Paulo: Bushatsky, 1980, p. 211 apud BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; MENDES, Gilmar Ferreira. Cur-so de direito constitucional. 12ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 1.228.

30. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 42ª ed., rev. e atual, São Paulo: Malheiros, 2019, p. 55-56.

31. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 12ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 1.237.