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Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia Manual de Orientação Endometriose 2010

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Manual de OrientaçãoEndometriose

2010

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Manual de Orientação

Endometriose

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Endometriose

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Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia

DIRETORIATRIÊNIO 2009 - 2011

Presidente

Nilson Roberto de Melo

Secretario ExecutivoFrancisco Eduardo ProtaSecretaria Executiva AdjuntaVera Lúcia Mota da FonsecaTesoureiroRicardo José Oliveira e SilvaTesoureira AdjuntaMariângela Badalotti

Vice-Presidente Região NortePedro Celeste Noleto e SilvaVice-Presidente Região NordesteFrancisco Edson de Lucena FeitosaVice-Presidente Região Centro-OesteHitomi Miura NakagavaVice-Presidente Região SudesteClaudia Navarro Carvalho Duarte LemosVice-Presidente Região SulAlmir Antônio Urbanetz

Endometriose

Manual de Orientação

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2010

Manual de OrientaçãoEndometriose

Comissões Nacionais EspecializadasGinecologia e Obstetrícia

Endometriose

Presidente: Ivete de Ávila (MG)Vice-Presidente: Maurício Simões Abrão (SP)Secretária: Márcia Mendonça Carneiro (MG)

MEMBROS

Francisco das Chagas Medeiros (CE)Ione Maria Soares Lopes (PI)

Celso Fonseca (SE)Frederico José Silva Correia (DF)

Rui Gilberto Ferreira (GO)Eduardo Schor (SP)

Carlos Alberto Petta (SP)Nicolau D’Amico Filho (SP)

Plinio Tostes Berardo C da Cunha (RJ)Eduardo Pandolfi Passos (RS)

Vivian Ferreira do Amaral (PR)João Sabino L. da Cunha Filho (RS)

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Comissões Nacionais EspecializadasGinecologia e Obstetrícia

Endometriose

COLABORADORES

Alexander KopelmanAna Luiza Lunardi Rocha Baroni

Carlos Alberto PettaCarlos Augusto Bastos de Souza

Eduardo SchorFernando Marcos dos Reis

Francisco das Chagas MedeirosFrederico José Silva Correia

Hélio SatoIone Maria Ribeiro Soares Lopes

Ivete de ÁvilaIvone Dirk de Sousa Filogonio

João A Dias JrJoão Sabino L. Cunha FilhoLeandro Accardo de MattosLuciana Maria Pyramo Costa

Manoel Orlando da Costa GonçalvesMárcia Mendonça Carneiro

Mario Soto JúniorMauricio Simões Abrão

Patrick BellelisPlínio Tostes Berardo

Sérgio PodgaecVivian Ferreira do Amaral

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Presidência

Rua Dr. Diogo de Faria, 1087 - cj. 1103/1105Vila Clementino - São Paulo / SP - CEP: 04037-003Tel: (11) 5573.4919 Fax: (11) 5082.1473e-mal: [email protected]

Secretaria Executiva

Avenida das Américas, 8445 - sala 711Barra da Tijuca - Rio de Janeiro / RJ - CEP: 22793-081Tel: (21) 2487.6336 Fax: (21) 2429.5133e-mail: [email protected]

Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia

Todo conteúdo deste Manual de Orientações pode ser encontrado no site: www.febrasgo.org.br

Todos os direitos reservados à Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia

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Manual de Orientação

EndometrioseÍNDICE

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Comissões Nacionais EspecializadasGinecologia e Obstetrícia

Endometriose

1 - Apresentação ........................................................................................................................................... 7

2 - Introdução ............................................................................................................................................... 9

3 - Aspectos Epidemiológicos .................................................................................................................... 11

4 - Diagnóstico Clínico da Endometriose ................................................................................................... 15

5 - Diagnóstico Cirúrgico da Endometriose ............................................................................................... 23

6 - Diagnóstico por Imagem da Endometriose ........................................................................................... 35

7 - Diagnóstico Laboratorial da Endometriose ........................................................................................... 43

8 - Roteiro Diagnóstico da Endometriose .................................................................................................. 47

9 - Classificação da Endometriose .............................................................................................................. 49

10 - Abordagem Clínica da Mulher Infértil com Endometriose ................................................................... 57

11 - Abordagem Cirúrgica da Mulher Infértil com Endometriose ............................................................... 65

12 - Tratamento Clínico da Dor Pélvica em Mulheres com Endometriose .................................................. 75

13 - Abordagem Cirúrgica da Dor na Endometriose .................................................................................... 83

14 - Endometriose Pélvica em Adolescentes ................................................................................................ 99

15 - Endometriose em Situações Especiais ................................................................................................ 115

16 - Endometriose Intestinal ....................................................................................................................... 119

17 - Endometriose do Trato Urinário ......................................................................................................... 133

18 - Endometriose Extrapélvica ................................................................................................................. 137

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A proposta deste manual de endometriose é apresentar aspectos práticos de aplicação clínica para o cotidiano do ginecologista, assim privilegiamos os temas de diagnóstico e tratamento sem aprofundar em ciências básicas, questões experimentais ou debates científicos. Nos capítulos iniciais consideramos a epidemiologia, o diagnóstico clínico, cirúrgico e complementar da doença. A seguir apresentamos a abordagem das pacientes com infertilidade e dor pélvica associadas à endometriose, contemplando os tratamentos clínicos e cirúrgicos. Destacamos algumas situações especiais de ocorrência da endometriose e, finalmente comentamos as condições da doença não ginecológica, em destaque para a endometriose intestinal e das vias urinárias.

Nos temas cabíveis são apresentados o grau de recomendação e a força de evidência conforme projeto diretrizes da Associação Médica Brasileira:

Estudos experimentais ou observacionais de melhor consistência (meta-análi-A) ses ou estudos clínicos randomizados).

Estudos experimentais ou observacionais de menor consistência (outros en-B) saios clínicos não randomizados, estudos observacionais ou estudos caso-controle).

Relatos ou série de casos (estudos não controlados).C)

Opinião desprovida de avaliação crítica, baseada em consensos, estudos fisio-D) lógicos ou modelos animais.

Gostaríamos de registrar que a realização deste projeto só foi possível graças à colaboração valiosa de todos os participantes deste manual a quem desejamos externar nossos sinceros agradecimentos.

APRESENTAÇÃO

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A endometriose é a presença de tecido semelhante ao endométrio, com glândulas e estroma, fora da cavidade do útero1, 2, 3. É uma causa importante de dor pélvica e infertilidade feminina podendo comprometer a qualidade de vida e levar ao desgaste físico e mental das pacientes acometidas, especialmente porque são frequentes as falhas e atrasos do diagnóstico, assim como as recidivas sintomáticas4.

É encontrada em mulheres de todos os grupos étnicos e sociais. Ocorre na fase reprodutora e na pós-menopausa imediata, o que apoia a idéia da sua dependência estrogênica5, 6.

Sua prevalência varia conforme a indicação cirúrgica. Foi encontrada em 25% das pacientes submetidas à laparoscopia por dor pélvica e 20% das mulheres com infertilidade comparada a 4% entre 10.000 mulheres assintomáticas submetidas à ligadura tubária7.

A etiologia da endometriose é incerta. As teorias que buscam explicar sua patogenia podem ser organizadas em três grandes grupos: (1º) o primeiro inclui a teoria do transplante do endométrio, engloba as teorias da menstruação retrógrada (proposta por Sampson em 1927), da disseminação do endométrio por transplante mecânico iatrogênico e disseminação hemática e linfática; (2º) o segundo grupo refere ao desenvolvimento in situ, inclui a extensão direta através do miométrio e a metaplasia celômica, considera que resquícios celulares embrionários sob indução hormonal ou traumática sofreriam modificações estruturais, funcionais e proliferariam sob o peritônio com um aspecto endometrióide; e, (3º) o terceiro grupo seria a combinação do transporte e do desenvolvimento in situ, levando a reprodução do endométrio em locais anômalos8, 9.

Referências Bibliográficas1 - Jansen RPS & Russel P. Nonpingmented endometriosis: clinical, laparoscopic, and pathologic definition. Am J Obstet Gynecol. 1986;155:1154-9.2 - Kennedy S, Bergqvist A, Chapron C, D’Hooghe T, Dunselman G et al. ESHRE guideline for the diagnosis and treatment of endometriosis.Human Reproduction. 2005;20(10):2698-2704.3 - Jacobson TZ, Barlow DH, Garry R, Koninckx P. Laparoscopic surgery for pelvic pain associated with endometriosis (Cochrane Review). In: The Cochrane Library, Issue 2. 2007.

INTRODUÇÃO

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4 - Ballard KD, Lowton K, Wright JT. What’s the delay? A qualitative study of women’s experiences of reaching a diagnosis of endometriosis. Fertil Steril. 2006;86:1296-301.5 - Missmer SA, Cramer DW. 2003.6 - D’Hooghe TM, Hill JA. 2005. 7 - Eskenazi B, Warner ML. Epidemiology of endometriosis. Obstetrics and Gynecolgoy Clinics of North America. 1978;24(2):235-258.8 - Seli E, Berkkanoglu M, Arici A. Pathogenesis of endometriosis. Obstet Gynecol Clin N Am. 2003;30:41-61.9 - Santos Junior JL, Carneiro MM. Endometriose. In: CAMARGOS, AF, MELO VH, CARNEIRO, MM, REIS, FM. Ginecologia Ambulatorial Baseada em Evidências Científicas. 2ª ed. Coopmed. Belo Horizonte. 2008. cap 47, p 667-676.

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ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS

Assim como outros tópicos relativos à endometriose, como etiologia, tratamento e índices de recorrência, a epidemiologia desta doença apresenta dados científicos conflitantes e inconclusivos. Sua incidência depende do grupo de pacientes avaliado, variando com idade, indicação do procedimento invasivo, interesse pessoal do cirurgião pela patologia, tipo de hospital em que está se realizando o estudo e queixas das pacientes estudadas. A tentativa de identificação de fatores de risco, relação com informações da vida reprodutiva feminina, fatores genéticos e ambientais em nenhum estudo se mostrou definitiva.

O real perfil da paciente portadora de endometriose é impreciso, embora exista consenso que a endometriose está presente em pelo menos 10% da população geral (Eskenazi & Warner, 1997; Barbieri, 1990; West, 1990), podendo alcançar 50% dos casos em determinados estudos relativos a pacientes inférteis ou com dor pélvica crônica (Balasch et al, 1996, Damario & Rock, 1995, Matorras et al, 1995, Houston et al, 1988). Candiani et al.em 1991 analisando apenas as internações ginecológicas (exceto relacionadas a gestação) encontrou o diagnóstico de endometriose em 7,9 % dos prontuários.

A partir de dados de literatura podemos apresentar algumas evidências que permitem caracterizar as mulheres portadoras de endometriose.

1. Idade

Diversos estudos clínicos e experimentais demonstram que os estrogênios são necessários para que haja desenvolvimento da endometriose (Vercellini et al, 1996) e por isso ela está associada ao período reprodutivo da mulher (Eskenasi & Warner, 1997), exceto em casos isolados em que a moléstia ocorre em idades mais precoces ou avançadas. Moen et al.(1997) estimam em 2% a incidência da patologia em mulheres entre 40 e 42 anos.

Dentre as 244 pacientes atendidas no período de 1992 a 1998 com diagnóstico definitivo de endometriose em nossos ambulatórios, a faixa etária variou entre 17 e 60 anos, com média de 32,4 anos. A idade que mais se repetiu foi 32 anos.

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2. Grau de instrução

Analisando a distribuição das pacientes segundo grau de instrução, estudos europeus (Candiani et al, 1995) mostram haver maior frequência de mulheres portadoras de endometriose com segundo grau (30%) e nível superior (27%).

3. Raça

Estudos têm reconsiderado o papel da raça como fator de risco, pois as conclusões são discutíveis. Kirchon et al.(1989) e Houston et al.(1988) não observaram diferença na incidência da doença nas diversas raças. Chatman (1976) afirmou haver predominância na raça negra e Miyazawa (1976) destacou a raça amarela como predominante. A dificuldade na determinação do fator racial é comparável à que se encontra ao se tentar definir a real incidência da endometriose na população geral pela presença de variáveis como acesso ao sistema de saúde, diferenças culturais e atitude da paciente frente aos sintomas da doença, o que reflete indiretamente aspectos sócio-econômicos e culturais associados à endometriose. Entre as pacientes acompanhadas em nosso serviço, observou-se que 75% das mulheres eram da raça branca, 20% da negra e 5%, da amarela.

4. Estado civil

Quanto ao estado civil, o senso comum poderia destacar o fato de haver predominância de pacientes casadas com diagnóstico de endometriose por influência de possível procura a serviços médicos por infertilidade, queixa que obviamente é mais frequente em mulheres com parceiros estáveis, dificultando a real análise da extensão desse dado. Maklouf et al.(1986) e Parazzini et al.(1989) não observaram diferença em relação a esse parâmetro. Em nosso setor há nítido predomínio de pacientes com união estável (casadas, amigadas ou com parceiro estável), correspondendo a 64,75% dos casos.

5. Antecedentes obstétricos e infertilidade

Existe um consenso relacionando nuliparidade com maior incidência de endometriose, observando-se o maior tempo de exposição estrogênica na paciente nuligesta, sem a proteção progestacional da gestação; adicionalmente, o fato da paciente ter engravidado algumas vezes refletiria equilíbrio estro-progestacional. Pacientes multíparas apresentam menor incidência, permanecendo em níveis de 3 a 4%, como relatam Sangi-Haghpeykar & Poindexter (1995) que ao realizar laqueadura tubária laparoscópica em

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3384 mulheres multíparas encontraram somente 126 (3,7%) casos de endometriose.

Na avaliação da esterilidade, estima-se que em 30% a 50% dos casos existe associação com endometriose (Fedele et al, 1992), sem no entanto estar estabelecida a causa dessa relação. Ao analisarmos pormenorizadamente esse dado, devemos lembrar que mulheres que não referem tal queixa podem utilizar métodos contraceptivos ou mesmo não possuir vida sexual ativa. Essa informação coloca em questão a real frequência de esterilidade dentre as portadoras de endometriose.

6. Exercícios Físicos

Crammer et al. (1986) relatam efeito protetor de exercícios, caso sejam praticados precocemente e durante ao menos duas horas semanais.

Uma diminuição dos níveis séricos de estradiol em mulheres que praticam exercícios aeróbicos regularmente é a provável explicação para esse achado, à custa de liberação de beta endorfinas que inibiriam o GnRH e consequentemente o eixo hipotálamo-hipófise-ovariano.

Tal fato é relevante também ao considerarmos que a atividade física regrada tem ação positiva na imunidade, o que pode ser altamente positivo para portadoras de endometriose que tem nas alterações imunológicas uma participação efetiva na etiopatogenia do processo.

7. Antecedentes Familiares

Inicialmente descreveu-se a ocorrência em 7% das filhas e em 2 % das netas de portadoras de endometriose, dados insuficientes para conclusões definitivas (Lamb et al., 1986). Apesar da ausência de associação a antígenos de histocompatibilidade (Moen et al., 1993), a heterogeneidade dos métodos diagnósticos entre as gerações dificultaram considerações mais concludentes.

Em 1995, Kennedy et al. analisaram 230 pacientes portadoras de endometriose e observaram 19 casos de mãe e filha portadoras, 16 pares de irmãs e um caso de irmãs gêmeas. Vercelini et al.(1994) relatam 4 a 6% de acometimento familiar nas portadoras de endometriose.

A história familiar de endometriose pode ser explicada não só pela mesma herança

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genética, mas também por similaridades no estilo de vida.

Referências Bibliográficas1 - Eskenazi B, Warner ML. Epidemiology of endometriosis.Obstet Gynecol Clin orth Am. 1997;24:235-58.2 - Barbieri RL. Etiology and epidemiology of endometriosis. Am J Obstet Gynecol. 1990;162:565-7.3 - West CP. Endometriosis. Br Med J. 1990;301:189-90.4 - Balasch J, Creus M, Fabregues F, Carmona F, Ordi J, Martinez-Roman S, Vanrell JA. Visible and non-visible endometriosis at laparoscopy in fertile and infertile women and in patients with chronic pelvic pain: a prospective study. Hum Reprod. 1996;11(2):387-91.5 - Damario MA, Rock JA. Pain recurrence: a quality of life issue in endometriosis. Int J Gynaecol Obstet. 1995, 50 Suppl 1P:S27-42.6 - Matorras R, Rodíquez F, Pijuan JI, Ramón O, Gutierrez de Terán G, Rodriguez-Escudero F. Epidemiology of endometriosis in infertile women. Fertil Steril. 1995;63:34-8.7 - Houston DE, Noller KL, Melton LJ, Selwyn BJ. The epidemiology of pelvic endometriosis. Clin Obstet Gynecol. 1988;31:787-800.8 - Candiani GB, Danesino V, Gastaldi A, Parazzini F, Fenaroni M. Reproductive and menstrual factors and risk of peritonial and ovarian endometriosis. Fertil Steril. 1995;56:230-4.9 - Vercellini P, Trespidi L, DeGiorgi O, Cortesi I, Parazzini F, Crosignani PG. Endometriosis and pelvic pain: relation to disease stage and localization. Fertil Steril. 1996;65(2):299-304.10 - Moen MH, Schei B. Epidemiology of endometriosis in a Norwegian county. Acta Obstet Gynecol Scand. 1997;76(6):559-62.11 - Kirshon B, Poindexter AN, Fast J. Endometriosis in multiparous women. J Reprod Med. 1989;34:215-17.12 - Chatman DL. Endometriosis and the black women. J Reprod Med. 1976;16:303-6.13 - Miyazawa K. Incidence of endometriosis among Japanese women. Obstet Gynecol. 1976;48:407-9.14 - Makhlouf C, Obermeyer C, Armenian HK, Azoury R. Endometriosis in Lebanon: a case-control study. Am J Epidemiol. 1986;124:762-7.15 - Parazzini F, La Vecchia C, Franceschi S, Negri E, Cecchetti G. Risk factors for endometrioid, mucinous and serous benign ovarian cysts. Int J Epidemiol 1989;18:108-12.16 - Sangi-Haghpeykar H, Poindexter NA 3rd. Epidemiology of endometriosis among parous women. Obstet Gynecol, 1995;85(6):983-92.17 - Fedele L, Bianchi S, Boccioloni L. Pain symptoms associated with endometriosis. Obstet Gynecol. 1992;79:767-9.18 - Cramer DW, Wilson E, Stillman RJ, Berger MJ, Belisle S, Schiff I, Albrecht B, Gibson M, Stadel BV & Schooenbaum SC. The relation of endometriosis to menstrual characteristics, smoking and exercise. J Am Med Assoc. 1986;255:1904-8.19 - Lamb K, Hoffmann RG, Nichols TR. Family trait analysis: a case-control study of 43 women with endometriosis and their best friends. Am. J. Obstet. Gynecol. 1986;154(3):596-601.20 - Moen MH & Magnus P. The familial risk of endometriosis. Acta Obstet Gynecol Scand. 1993;72:560-4.21 - Kennedy S, Mardon H, Barlow D. Familial endometriosis. J Assist Reprod Genet. 1995;12(1):32-4. 22 - Vercellini P, Oldani S, De Giorgi O, Crosignani PG.Endometriosis: an overview of descriptive and analytic epidemiological studies. In Progress in management of endometriosis- Proceedings of the 4th World Congress on Endometriosis. 1994; p 221.

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DIAGNÓSTICO CLÍNICO DA ENDOMETRIOSE

1. Introdução

O diagnóstico definitivo da endometriose é cirúrgico, porém a suspeição e o diagnóstico clínico são pontos de partida para o ginecologista desvendar esta enfermidade, mitigando o atraso de anos apregoado entre o início dos sintomas até o reconhecimento da endometriose, poupando assim o tempo de sofrimentos destas mulheres1, 2 (D-B).

As principais manifestações clínicas da endometriose são a dor pélvica, a dificuldade em engravidar e a presença de massa pélvica em mulheres na fase reprodutiva, de forma isolada ou em associações. Na presença destas condições é recomendável a investigação da endometriose. O diagnóstico clínico de certeza é difícil. Embora estas manifestações sejam muito sugestivas de endometriose, não são exclusivas desta doença e requerem o diagnóstico diferencial com outras condições: aderências, síndrome do intestino irritável, doença inflamatória pélvica, cistite, neoplasias e outras mais.

O diagnóstico clínico tem como base a exploração dos sintomas e o exame ginecológico, e na identificando fatores clínicos de riscos na história que vão de encontro à teoria de que a endometriose seja um distúrbio dependente da ação estrogênica e possivelmente secundária ao refluxo menstrual para a cavidade peritonial.

Sintomas em órgãos distantes da pelve que se fazem presentes apenas nas fases menstruais, são suspeitos de endometriose não ginecológica e requerem o concurso de outros especialistas (hemoptise menstrual, dor torácica, cefaléias e convulsões perimenstruais).

A endometriose assintomática é um achado operatório incidental e dispensa maior investigação3 (B), exceto nos casos de massas anexiais complexas para confirmação etiológica, em especial na perimenopausa.

2. História da dor pélvica

A dor pélvica pode manifestar sobre formas diversas: dismenorréia, dor pélvica crônica, dispareunia, dores na função intestinal e urinária. O instrumento de investigação da dor pélvica é a escuta que o ginecologista deve dedicar à paciente, dispensando

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credibilidade e valorizando o detalhamento deste quadro álgico.

Dismenorréia

A dismenorréia caracteriza-se por ser uma dor no hipogástro durante o fluxo menstrual, em cólica, com ou sem irradiações. É um sintoma ginecológico comum, presente em cerca de 50% mulheres adultas e 70% das adolescentes4.. Nas mulheres com endometriose, a dismenorréia tem um padrão de agravamento progressivo e intensidade forte. Pode ser causada pela presença de prostranglandinas endometriais que provocam isquemia miometrial (funcional), ou ser provocado por contração uterina forte na tentativa de vencer alguma obstrução ao fluxo, o que aumenta a propensão à menstruação retrógrada predispondo a endometriose. A dismenorréia grave tem sido associada à extensão das aderências, ao número de implantes, e a infiltração do reto nas mulheres com endometriose5, 6, 7, 8 (C).

Dor pélvica diferente de dismenorréia

Refere-se à dor no baixo ventre, pode ser de inicio recente e quando perdura por mais de 6 meses é considerada crônica. Pode ser cíclica ou não, tem localização uni ou bilateral restrita a uma região ou difusa, tende a agravar na fase pré-menstrual e deixar uma sensibilidade residual após a menstruação. Há relatos de dores episódicas sem padrão definido. A dor pélvica não demonstrou correspondência linear com o estadiamento da endometriose, no entanto, tem sido associada com a forma infiltrativa da doença (implantes com profundidade além de 5 mm)9, 10 (C). Foi relacionava com a extensão das aderências pélvicas, com doença profunda nos ligamentos uterossacros e no intestino6, 7

(C). Conforme a localização da endometriose a dor pode irradiar para coxa (ovariana), para o períneo (retal) ou para a região sacral (ligamentos uterossacros). Os mecanismos teóricos responsabilizados pela dor na endometriose incluem a inflamação, a pressão, as aderências, o envolvimento neural, a produção aumentada de protaglandinas e os fatores psicológicos11.

Dispareunia profunda

A dispareunia profunda é identificada como aquela dor localizada no interior da pelve durante o coito vaginal e deve ser diferenciada daquela dor ou desconforto no introito durante a penetração vaginal. Pode ser provocada por tração ou estiramento de fibras nervosas de cicatrizes ou pela pressão direta dos nódulos de endometriose entre tecido

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fibroso12 . Nas mulheres com endometriose a dispareunia profunda foi associada com a presença de doença no fundo de saco, com infiltração na vaginal e nos ligamentos uterossacros6, 7, 13, 14 (B).

Dor associada à função intestinal: disquesia e inchação abdominal

Disquesia é uma dor hipogástrica ou na região lombo-sacro, ou desconforto pélvico, associados ao ato de defecação. Nas mulheres com endometriose, a disquesia ocorre na fase menstrual e foi observada quando a doença infiltra a vaginal, o septo retovaginal e o reto7, 15 (C). Muitas mulheres com endometriose descrevem também na fase menstrual uma sensação de inchação ou distensão abdominal difusa (bloating), diarréia ou tenesmo com evacuações insatisfatórias. Hematoquesia menstrual e quadros obstrutivos são raros.

Disúria

A disúria é um desconforto ou dor hipogástrica no ato da micção, com ou sem irradiação. Sua ocorrência na fase menstrual é sugestiva de endometriose urinária. Há evidências que a disúria está associada à doença infiltrativa da bexiga7 (C). A presença de hematúria menstrual também é indício de endometriose urinária.

Sintomas não ginecológicos

Há relatos de sintomas do tipo fatiga exaustão, menor resistência a infecções e alergias em mulheres com endometriose, sendo que foi encontrada prevalência aumentada de artrite reumatoide (1,8% versus 1,2% na população geral), lupus eritematoso sistêmico (0,8% versus 0.04%), hipotireoidismo (9.6% versus 1.5%), e esclerose múltipla (0.5% versus 0.07%)16 (B).

3. História menstrual

Deve-se valorizar a informação da menarca precoce (antes de 11 anos), da polimenorréia (ciclos curtos, < 25 dias) e da menorragia (duração > 7 dias ou muita quantidade). Acredita-se que a frequência e o volume do fluxo menstrual aumentado possam estar relacionados a níveis elevados de estradiol e a presença maior de menstruação retrógrada, ambas as condições são favoráveis ao crescimento do implante endometrial ectópico17 (D).

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4. História reprodutiva

Paridade

A nuliparidade pode ser fator de risco uma vez que a gravidez mostrou ser fator de proteção contra a endometriose por vários aspectos. Cada gravidez reduz a exposição da mulher à menstruação (frequência e numero); o parto vaginal dilata o canal cervical reduzindo a resistência ao fluxo menstrual e diminuindo a proporção de menstruação retrógrada. Os altos níveis hormonais durante uma gestação têm ação de decidualização na superfície ovariana e peritonial pélvica diminuindo a susceptibilidade de implantação ou crescimento de implantes endometriais.

Infertilidade A endometriose é mais prevalente entre as mulheres inférteis (21 a 48%) do que no grupo controle (1 a 5%)18. Foi demonstrado que cerca de 20% de todas as mulheres que não conseguiram engravidar após 12 meses de coito desprotegido eram portadoras de endometriose19 (C).

Vários mecanismos podem estar envolvidos na causa de infertilidade nos casos de endometriose, desde distorções anatômicas dos ovários, trompas e útero (aderências, endometriomas), distúrbios da função ovariana, possivelmente alterações imunológicas no ambiente peritonial, dos mecanismos de implantação ou mesmo alterações genéticas. Os estudos enfatizam que infertilidade tem caráter multifatorial nas pacientes com endometriose incluindo redução da qualidade dos oócitos, maturação do embrião, interação entre o embrião e o endométrio. Mulheres com endometriose mostraram índices menores de implantação, fertilização e gravidezes, assim como menor número de oócitos coletados quando submetidas a fertilização in vitro20 (A).

Contracepção

O anticoncepcional hormonal (ACO) protege contra a endometriose porque suprimindo a ovulação e diminuindo o fluxo menstrual reduz a quantidade de menstruação retrógrada e a mutação monoclonal (na hipótese etiológica de metaplasia celômica). É possível que o diagnóstico de endometriose fique adiado nas usuárias de ACO porque, uma vez prescrito para tratamento de distúrbios menstruais, durante sua utilização pode ocorrer redução ou inibição dos sintomas por algum tempo, que retornam após descontinuidade

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do ACO ou progressão da doença. Há dúvidas se o ACO atua só nos sintomas ou também na progressão da doença. Os ACO demonstraram suprimir a proliferação celular e aumentar a apoptose do endométrio eutópico quando administrados em mulheres com endometriose21 .

5. História familiar

A história familiar tem importância porque estudos mostram evidência de um padrão hereditário poligênico ou multifatorial. Mulheres que tem uma parente de primeiro grau com endometriose tem um risco 5 vezes maior de desenvolver a doença22.

6. Hábitos de vida

Os estudos não são conclusivos sobre tabagismo. Há sugestões que a cafeína e consumidoras moderadas de álcool tiveram associação com endometriose devido ao aumento dos níveis de estrogênio ativo. Atividade física regular que leve a redução de estrogênio estaria associada a risco menor de endometriose, no entanto, estudo recente não encontrou associação de menor risco de endometriose em praticantes de atividade física23 (B).

7. Exame ginecológico

Os achados do exame físico dependem da extensão e localização da doença. Nos casos de endometriose de forma peritonial em estádios iniciais o exame ginecológico pode estar normal.

O exame físico geral pouco acrescenta nesta investigação. A inspeção e palpação abdominais são úteis na pesquisa de endometriose superficial, em cicatrizes umbilicais e pós-cesarianas, nas regiões inguinais, quando pode ser notadas hipersensibilidade e tumefação na área acometida, que se tornam mais sintomáticas na fase menstrual.

O IMCi não demonstrou associar-se ao risco de endometriose, pelo contrário, obesas com oligomenorréia tem relação inversa com a presença de endometriose, no entanto a relação cintura/quadril demonstrou associação com endometriose (ORii 6,18), já que esta

i IMC: índice de massa corporal = peso/estatura2

ii OR: odds ratio

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medida reflete depósito de gordura central próprio da ação estrogênica predominante e consequente favorecimento ao desenvolvimento da endometriose24 (B).

O toque vaginal é de grande contribuição, com destaque para o diagnóstico da doença infiltrativa no fundo de saco (sensibilidade 68%, especificidade 46%)25 (B). A sensibilidade tátil do examinador deve ser dirigida ao fundo de saco, nas áreas posteriores e em torno do colo uterino, procurando identificar pontos de dor, nódulos, retrações, massas e avaliar a mobilidade dos órgãos pélvicos. Quando realizado durante a menstruação melhora a sensibilidade (5 vezes) para detectar nódulos de infiltração profunda, os endometriomas e aderências no fundo de saco26 (C).

Os achados positivos de endometriose reconhecíveis ao toque vaginal são27 (D):

Útero retrovertido fixo ou de pouca mobilidade.•

Massa anexial (endometriomas) com ou sem sensibilidade dolorosa, geralmente • aderida posteriormente ao útero ou à parede pélvica.

Massas, nódulos ou espessamentos com hipersensibilidade dolorosa na cúpula va-• ginal, no fundo de saco, nos ligamentos uterossacros e no septo retovaginal.

Na presença de nódulos no fundo vaginal é recomendável completar a avaliação com toque retal para conferir a fixação ou infiltração no reto. Deve-se proceder também o exame especular da vagina para visualização do fundo vaginal, posterior ao colo, onde pode haver endometriose projetando para mucosa vaginal, ressaltando suas pregas entre nódulos violáceos ou áreas de sangramento local.

8. Conclusão

O diagnóstico de endometriose pélvica deve sempre ser considerado naquelas mulheres jovens com alguma forma de dor pélvica que tenham como característica relevante o agravamento na fase próxima a menstruação. Se a este sintoma associarem a dificuldade para engravidar, o achado de nódulos no fundo de saco vaginal ou uma massa pélvica ao exame físico, o diagnóstico clínico está bem fundamentado, e o passo seguinte é realizar a propedêutica complementar que será comentada nos capítulos seguintes.

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Tabela 1: Resumo do Quadro Clínico da Endometriose

iii Perturbação na evacuação de fezes pelo reto. iv Desconforto miccional.

Referências Bibliográficas1 - Kennedy S, Bergqvist A, Chapron C, D’Hooghe T, Dunselman G, Greb R, Hummelshoj L, Prentice A, Saridogan E. ESHRE Special Interest Group for Endometriosis and Endometrium Guideline Development Group. ESHRE guideline for the diagnosis and treatment of endometriosis. Human Reproduction. 2005;20(10):2698–2704.2 - Arruda MS, Petta CA, Abrao MS, Benetti-Pinto CL. Time elapsed from onset of symptoms of diagnosis of endometriosis in a cohort study of Brazilian women. Human Reprod. 2003;18(4):756-59.3 - Moen MH, Stokstad T. A long-term follow-up study of women with asyntomatic endometriosis diagnosed incidentally at sterilization. Fertil Steril. 2002;78(4):773-776.4 - Pittaway DE. Diagnosis of endometriosis. Infertil Reprod Med Clin North Am. 1992; 3:619–31.5 - Perper MM, Nezhat F, Goldstein H, Nezhat CH and Nezhat C. Dysmenorrhea is related to the number of implants in endometriosis patients.Fertil Steril. 1995;63,500-503.6 - Porpora MG, Koninckx PR, Piazze J, Natili M, Colagrande S and Cosmi EV. Correlation Between Endometriosis and Pelvic Pain The Journal of the American Association of Gynecologic Laparoscopists. 1999;6(4):429-434.

História da dor

1. Dismenorréia intensa 2. Dor pélvica crônica 3. Dispareunia profunda 4. Disquesiaiii menstrual 5. Disúriaiv menstrual

História menstrual

1. Menarca precoce 2. Polimenorréia 3. Menorragia 4. Hematoquesia, hematúria menstruais.

História reprodutiva

1. Faixa etária reprodutiva 2. Nuliparidade 3. Infertilidade 4. Dor após interrupção do ACO

Exame ginecológico

1. Útero retrovertido com fixação 2. Massa pélvica retrouterina ou anexial com fixação 3. Nódulos ou espessamentos no fundo de saco 4. Hiperalgesia (pontos gatilhos) no fundo de saco

Diagnóstico diferencial

1. Síndrome do intestino irritável 2. Doença inflamatória pélvica 3. Cistite intersticial 4. Câncer de ovário 5. Câncer de intestino

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7 - Fauconnier A, Chapron C, Dubuisson JB, Vieira M, Dousset B, Bréart G. Relation between pain symptoms and the anatomic location of deep infiltrating endometriosis. Fertil Steril. 2002;78:719-26.8 - Chapron C, Fauconnier A, Dubuisson JB, Barakat H, Vieira M, BreÂart G. Deep infiltrating endometriosis: relation between severity of dysmenorrhoea and extent of disease. Human Reproduction. 2003;Vol.18, No.4 pp. 760-766.9 - Cornillie FJ, Ooterlynck KD, Lauweryns JM, Koningcks PR. Deeply infiltrating pelvic endometriosis: histology and clinical significance. Fertil Steril. 1990;5 (6):978-983.10 - Koninckx PR, Meuleman C, Demeyere S, Lesaffre E, Cornillie FJ. Sugestive evidence that pelvic endometriosis is a progressive disease, whereas deeply infiltratting endometriosis is associated with pelvic pain. Fertil Steril. 1991;55:759-65.11 - Copperman AB, Olive D. Pathogenesis of pelvic pain in endometriosis. In: NEZHAT CR, BERGER GS, NEZHAT FR, BUTTRAM JR VC, NEZHAT CH. Endometriosis. Advanced management and surgical techniques. Springer-Verlag, New York. 1995. cap 5. p 37-43.12 - Vercellini P, Bocciolone L,Vendola N et al. Peritoneal endometriosis: morphologic appearance in women with chronic pelvic pain. J Reprod Med. 1991;36:533-6.13 - Vercellini P, Trespidi L, De Giorgi O, Cortesi I, Parazzini F, Crossignani PG. Endometriosis and pelvic pain: relation to disease stage and localization. Fertil Steril. 1996;65:299-304.14 - Vercellini P, Fedele L, Aimi G, Pietropaolo G, Consonni D, Crosignani PG. Association between endometriosis stage, lesion type, patient characteristics and severity of pelvic pain symptoms: a multivariate analysis of over 1000 patients. Hum Reprod. 2007 Jan;22(1):266-71.15 - Mabrouk M, Fabbri E, Venturoli S, Seracchioli R. Location indicating pain for posterior, deep infiltration endometriosis: analysis of 360 cases. Journ Min Invas Surg. 2007;14:S71-S72.16 - Sinaii N, Cleary SD, Ballweg ML et al. High rates of autoimmune and endocrine disorders, fibromyalgia, chronic fatigue syndrome and atopic diseases among women with endometriosis: a survey analysis. Hum Reprod. 2002;17:2715-24.17 - Eskenazi B, Warner ML. Epidemiology of endometriosis. Obstet Gynecol Clin North Am. 1997;24:235-58.18 - Strathy JH, Molgaard CA, Coulam CB, Melton LJ. Endometriosis and infertility: a laparoscopic study of endometriosis among fertile and infertile women. Fertil Steril. 1982;38:667-672.19 - Tanahatoe S, Hompes PG, Lambalk CB. Accuracy of diagnostic laparoscopy in the infertility work-up before intrauterine insemination. Fertil Steril. 2003;79:361-6.20 - Barnhart K, Dunsmoor-Su R, Coutifaris C. Effect of endometriosis on in vitro fertilization. Fertil Steril. 2002;77(6):1148-1155.21 - Meresman GF, Auge L, Baranao RI et al. Oral contraceptives suppress cell proliferation and enhance apoptosis of eutopic endometrial tissue from patients with endometriosis. Fertil Steril. 2002;77:1141-7.22 - Stefansson H, Geirsson RT, Steinthorsdottir V, Jonsson H, Manolescu A, Kong A, Ingadottir G, Gulcher J, Stefansson K. Genetic factors contribute to the risk of developing endometriosis. Hum Reprod. 2002 Mar;17(3):555-9.23 - Vitonis AF, Hankinson SE, Hornatein MD, Missmer SA. Adult physical activity and endometriosis risk. Epidemiology. 2010 ;21(1):16-23.24 - McCann SE, Freudenheim JL, Darrow SL et al. Endometriosis and body fat distribution. Obstet Gynecol. 1993;82:545-9.25 - Abrao MS, Goncalves MO, Dias JA Jr, Podgaec S, Chamie LP, Blasbalg R.Comparison between clinical examination, transvaginal sonography and magnetic resonance imaging for the diagnosis of deep endometriosis. Hum Reprod. 2007;22:3092-3097.26 - Koninckx PR, Meuleman C, Oosterlynck D and Cornillie FJ. Diagnosis of deep endometriosis by clinical examination during menstruation and plasma CA-125 concentration. Fertil Steril. 1996;65,280-287.27 - Duleba AJ. Diagnosis of endometriosis. Obst Gynecol Clin North Amer. 1997;24:331-346.

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DIAGNÓSTICO CIRÚRGICO DA ENDOMETRIOSE

A endometriose é uma doença caracterizada pelo desenvolvimento do endométrio (glândulas e estroma) em áreas fora da cavidade uterina. Os locais onde mais usualmente se encontra são na cavidade peritoneal, mas as lesões ocasionalmente têm sido encontradas na cavidade torácica, no fígado, rins, músculos glúteos e da bexiga. A localização anatômica e resposta inflamatória a estas lesões são responsabilizadas pelos sinais e sintomas associados à endometriose. Trataremos aqui da endometriose peritoneal. A endometriose ocorre em 6 a 22% das mulheres em idade reprodutiva, submetidas à ligadura tubária, 15 a 80% das mulheres com dor pélvica crônica e 21 a 65% das mulheres avaliadas por infertilidade. A fertilidade em casais normais ocorre entre 15 e 20% e diminui com a idade e chega a 2 a 10% em mulheres com endometriose não tratadas, com infertilidade.

A endometriose tem ocorrido em mulheres com idade entre 12 e 80 anos, com uma idade média ao diagnóstico de aproximadamente 28 anos. A exposição aos esteróides ovarianos parece ser essencial para o seu desenvolvimento. Não é conhecida predileção racial ou sócio-econômico. Com a gravidade da doença, parece haver uma correlação familiar, mas nenhuma herança mendeliana clara foi identificada, acredita-se que ela apresente um traço multifatorial poligênico. Os sintomas muitas vezes não se correlacionam bem com o estágio da doença. Nos Estados Unidos, o tempo médio entre o início dos sintomas e do diagnóstico cirúrgico da endometriose é de aproximadamente 12 anos.

Quadro clínico

Os principais sintomas clínicos da endometriose são: a infertilidade, a dismenorréia, a dispareunia, a disquezia e dor pélvica crônica, definida como dor superior a seis meses de duração, sem natureza cíclica. Outros sintomas, em menor frequência incluem hematúria e sangramento retal. Fazer um diagnóstico apenas com os sintomas é difícil, pois existe considerável sobreposição de outras condições. Isso geralmente resulta em um atraso no diagnóstico superior a cinco anos, tempo importante quando se considera que a endometriose é uma doença progressiva. O retardo no diagnóstico pode também implicar em morbidade psicológica associada. Os achados no exame físico também podem ser difíceis de identificar. Nódulos endometrióticas nos ligamentos útero sacros ou no septo reto-vaginal podem ser palpáveis e são mais fáceis de perceber no toque reto-vaginal, principalmente se o exame é realizado durante a menstruação. Em alguns

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C Nódulos profundamente infiltrantes são mais confiavelmente

detectados quando o exame físico é realizado durante a

menstruação (Koninckx et al., 1996).

Evidência

nível 3.

casos a endometriose pode invadir a mucosa vaginal e pode ser visível ao exame especular.

O encontro de dor pélvica, de útero retrovertido fixo, rigidez ou nódulos nos ligamentos útero-sacros ou ovários aumentados no exame físico é sugestivo de endometriose. O diagnóstico é mais provável se houver infiltração profunda ou se nódulos nos ligamentos útero-sacros ou no fundo de saco de Douglas forem encontrados e/ou lesões visíveis ao exame especular na vagina ou no colo do útero. Os achados do exame físico podem, no entanto, ser normal.

Diagnóstico definitivo

Segundo consenso da European Society of Human Reproduction and Embryology (ESHRE) e da American Society for Reproductive Medicine (ASRM), o padrão-ouro para diagnóstico de endometriose é a laparoscopia com inspeção direta da cavidade e visualização dos implantes, não necessitando de biópsia para confirmação histopatológica. As vantagens da cirurgia laparoscópica quando comparada a laparotomia incluem: diminuição da permanência hospitalar, um retorno mais rápido das pacientes às atividades do dia-a-dia (por exemplo, menos tempo longe trabalho), diminuição da morbidade (menor dor pós-operatória, com mínima probabilidade de aderências e de reincidência), diminuição da mortalidade, maior taxa de gravidez, A laparoscopia é preferível ainda à laparotomia porque proporciona a visualização de todo o abdômen e pelve com a vista ampliada.

Outros benefícios da laparoscopia sobre a laparotomia estão bem descritos (quadro 1). A combinação dos instrumentos utilizados durante a laparoscopia permite a ampliação visual para um elevado grau de precisão cirúrgica, enquanto que a ampliação não disponível ao usar a via laparotômica tradicional, as mãos do cirurgião e grandes instrumentos cirúrgicos, muitas vezes obscurece o campo operatório na laparotomia. A precisão alcançada durante a cirurgia laparoscópica é importante quando o ginecologista vai tratar a endometriose, aderências e tumores ovarianos. Vários estudos de coorte sugerem que a taxa de gravidez em mulheres com endometriose moderada a grave pode ser semelhante ou superior após laparoscopia (54 a 66%) quando comparada a laparotomia (36 a 45%), mas não há estudos aleatórios e controlados disponíveis para

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Quadro 1. Vantagens da laparoscopia, especialmente em relação à laparotomia.

Encorajar e confortar a paciente

Fazer o diagnóstico diferencial entre doença ginecológica e não

ginecológica.

Excluir doença grave ou maligna

Maior precisão diagnóstica.

Melhor método de diagnóstico da endometriose, das aderências e da

DIP.

Possibilidade de magnificação de 6 a 8 vezes.

Melhor visão fundo-de-saco, fossa ovárica, e do abdômen superior.

Permitir a biópsia para o diagnóstico histológico

Tratamento cirúrgico imediato é muitas vezes possível

Pode diminuir a necessidade de uma laparotomia

Diminuem a possibilidade de formação de aderências

Poderão evitar necessidade de reinternação

C Para um diagnóstico definitivo de endometriose, a inspeção

visual da pelve na laparoscopia com a identificação de lesões

características é o "padrão ouro", a menos que a doença seja

visível na vagina ou em outro lugar.

Evidência

nível 3

testar esta hipótese. Infelizmente, um grande número de procedimentos laparoscópicos complexos é difícil de ser dominado pela maioria dos cirurgiões ginecológicos.

Para o cirurgião, a laparoscopia oferece dois principais benefícios, ampliação e iluminação, que são particularmente úteis no diagnóstico da endometriose. O diagnóstico exato da endometriose, por sua vez, é fundamental para tratamento cirúrgico eficaz. Desvantagens da laparoscopia diagnóstica incluem a necessidade de anestesia geral, a ansiedade do paciente e a possibilidade de formação de aderências. Em um grande estudo finlandês de seguimento, a taxa de complicação da laparoscopia diagnóstica foi de 0,6 por 1000 procedimentos.

Outras recomendações quanto a laparoscopia são:

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GPP A conduta da endometriose severo-profunda é complexa. Portanto, se

a gravidade da doença é suspeitada é fortemente recomendado que

encaminhemos a um serviço/centro com as condições necessárias

para oferecer todos os tratamentos disponíveis em um contexto

multidisciplinar, incluindo cirurgia laparoscópica avançada e

laparotomia.

GPP Boa prática cirúrgica é documentar em detalhe o tipo, localização e extensão de todas as lesões e aderências nos relatórios cirúrgicos; prática ideal seria gravar os resultados em vídeos ou DVD.

GPP Não existem evidencias suficientes para justificar o período no ciclo menstrual quando a laparoscopia deva ser feita, mas não se deve realizá-la se a paciente estiver fazendo uso de tratamento hormonal por pelo menos três meses para evitar subdiagnóstico.

Acurácia da vídeo-laparoscopia diagnóstica (VLD)

Em pacientes com suspeita clínica de endometriose, a VLD mostrou confirmação diagnóstica em 78 a 84% das pacientes (nível III). Biópsias peritoneais aleatórias e citologia do líquido peritoneal têm sido utilizadas como métodos adicionais para melhorar o diagnóstico da endometriose em 20% dos casos (nível III). Além disso, até 22% dos pacientes com os achados da endometriose durante VLD teve laparoscopia anterior não diagnóstica (nível III). O diagnóstico da endometriose é mais provável quando múltiplas lesões pigmentadas e complexas são observadas durante VLD.

Os locais das lesões devem ser mapeados e registrados para permitir a reavaliação adequada da doença em laparoscopia subsequente, se necessária. Embora alguns autores recomendem que todas as áreas de lesões suspeitas devam ser biopsiadas para correlação histológica, outros discordam, mostrando que as correlações dos achados laparoscópicos com histológicos são extremamente altas (97 a 99%), não necessitando de comprovação histológica, o que oneraria de maneira desnecessária a investigação destas pacientes. A discrepância entre os estudos ocorre devido aos diferentes delineamentos e número de casos estudados. Pacientes com peritônio visualmente normal podem ter o diagnóstico descartado.

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Caracterização das lesões

Como boa prática, devemos registrar a localização, a dimensão, profundidade e cores de cada lesão peritoneal, a presença de endometriomas, de defeitos peritoneais e de aderências pélvicas, e se todas as lesões foram extirpadas. A extensão da endometriose foi classificada pela American Society for Reproductive Medicine (ASRM) quanto à fertilidade. A extensão das lesões superficiais devem ser medidas durante a laparoscopia em duas dimensões e descritas como a média; a profundidade deve ser anotada como a medida da porção mais profunda da lesão. As lesões peritoneais são classificadas por cores, profundidade e largura. A cor das lesões foi categorizada como segue: [1] azul, preta ou castanha; [2] vermelho claro [3]; branco ou amarelo, ou [4] uma mistura das outras categorias.

Para fins analíticos, os endometriomas e profundidade da lesão peritoneal devem ser categorizados como menor que 0,5 cm, como entre 0,5 e 1 cm ou maior que 1 cm. Da mesma forma, o tamanho da lesão foi categorizada como menor que 0,5 cm, como entre 0,5 e 1 cm e entre 1 a 2 cm ou maior que 2 cm. As lesões devem ser classificadas ainda como endometriomas, defeitos peritoneais, lesões profundas, lesões superficiais e pequenas lesões. As lesões endometrióticas medido maior que 1 cm abaixo a superfície peritoneal são consideradas profundas. Lesões com mais de 1 centímetro de extensão, mas menor que 1 cm de profundidade foram consideradas superficiais e grande. Aqueles menores de 1 cm em ambas as dimensões foram consideradas como pequenas e superficiais.

A ASRM recomenda que todo o tecido extirpado deva ser examinado histologicamente para confirmação de endometriose com glândulas ou estroma presentes. Hemossiderina e hemossiderófagos não devem ser consideradas suficientes para o diagnóstico da endometriose. Para as lesões endometrióticas que inicialmente não foram diagnosticadas, deve-se solicitar que três lâminas de diferentes profundidades no bloco sejam examinadas. Quando múltiplas biópsias são obtidas em uma determinada área, se tiver uma biopsia positiva, a região deve ser considerada positiva para a endometriose.

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C Todos os sistemas de classificação para a endometriose são subjetivos e se correlacionam pobremente aos sintomas de dor, mas parecem valorosos para a conduta e prognóstico na infertilidade (Chapron et al., 2003b; D’Hooghe et al.,2003).

Nível de evidencia 3

C Na laparoscopia, a endometriose infiltrante e profunda pode ter um aparência de doença mínima, resultando em uma subestimativa da severidade da doença (Koninckx et al.,1994).

Nível de evidencia 3

O que pode mascarar os achados da inspeção visual

A endometriose peritoneal pode assumir um espectro de aparências visuais. Os implantes peritoneais são classicamente descritos como azulados/negros, lesões em pólvora queimada com diferentes graus de pigmentação e fibrose. Lesões avançadas, ativas estão associadas com a inflamação, fibrose e hemorragia e podem ter uma aparência mais clássica de identificação no momento da cirurgia. Estes implantes podem exprimir uma infinidade de cores (por exemplo: preto, marrom, roxo, vermelho ou verde), refletindo a presença de produtos de degradação da “heme” na medida em que os focos sofrem hemorragia e fibrose.

Lesões latentes e as cicatrizadas podem aparecer brancas ou calcificadas, representando restos de glândulas incorporadas ao tecido fibroso. A coloração escura é resultado da hemossiderina e da deposição de detritos menstruais, mas é importante perceber que a maioria dos implantes peritoneais é negra, mas pode ser vermelho, branco, amarelo ou castanho claro. Áreas opacificadas, brancas, vermelhas e em “chama de vela” podem corresponder a endometriose em cerca de 80% dos casos, enquanto manchas marrons têm endometriose em aproximadamente 50% dos casos. No entanto, implantes peritoneais brancos estão associados com menor intensidade de dor que as pretas ou vermelhas, e acredita-se que as lesões vermelhas podem produzir prostaglandinas F2α, que é a causa básica da dor pélvica.

Lesões ativas podem aparecer como excrescências papulares ou vesiculares e podem variar na cor, de vermelho a clara e brilhante. Aproximadamente um terço destas lesões é histologicamente sincronizada hormonalmente com o endométrio (intra-uterino). Como o tecido eutópico, estes implantes crescem e regridem espontaneamente, manifestando-se pela proliferação em associação com a produção de hormônios

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esteróides sexuais durante o ciclo menstrual. Os implantes endometriais passam por um processo de evolução natural através de um número de fases, finalmente a tornar-se preta; todas as cores podem coexistir na mesma paciente, presumivelmente devido à idade das várias lesões.

A aparência pleomorfica da endometriose e sua similaridade a outras doenças demandam verificação histológica, em vez de unicamente a visualização para confirmação do diagnóstico. Com o desenvolvimento da laparoscopia e suas vantagens em relação à laparotomia, A abordagem diagnóstica da endometriose mudou. Cada vez mais, a laparoscopia se tornou o padrão ouro para o tratamento cirúrgico da endometriose leve e extensa. No entanto, ginecologistas podem hesitar em biopsiar os supostos implantes para o diagnóstico no momento da laparoscopia pela preocupação com possíveis complicações cirúrgicas e opções alternativas como as facilidades de fulguração das lesões, já as tratando.

A precisão de visualização laparoscópica é de 42 a 87%. Uma laparoscopia normal é altamente preditiva de exclusão de endometriose, embora ocasionalmente oculta a microscópica. Assim, o uso da laparoscopia, sem biopsiar lesões sugestivas podem subestimar ou superestimar a presença da endometriose.

Existem vários fatores de confusão que podem afetar a exatidão da laparoscopia no diagnóstico da endometriose. A identificação visual dos implantes é altamente dependente da experiência do operador. O valor preditivo positivo (VPP) para o diagnóstico laparoscópico pode variar conforme a localização anatômica, a gravidade da doença e o tipo das lesões endometrióticas (clássica versus atípica). Além disso, a fase e desenvolvimento de lesão endometriótica em relação à resposta inflamatória e angiogênica poderia tornar difícil ver lesões sutis no momento da cirurgia. Por essa razão, pacientes com doença mínima apresentam VPP baixo quando o diagnóstico visual foi feito sem a histopatologia.

A presença de ambas as glândulas e estroma tem sido um pré-requisito para o diagnóstico histológico da endometriose. Deve-se considerar diagnóstico histológico positivo se pelo menos um espécime da biópsia revelar-se positiva. A presença de hemossiderófagos por si só não deve ser considerada suficiente para o diagnóstico da endometriose. Kazanegra e cols (2008) estudando a precisão dos achados visuais laparoscópicos em comparação com a histologia de endometriose por severidade da doença e por localização das lesões encontraram um valor preditivo positivo por paciente de 86,5%, sendo de 75,8% para o estágio I da doença em comparação com 89,7%, 100% e 90,6%, respectivamente, para as fases II a IV da doença. O VPP por

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biópsia de lesões de graus I a IV de endometriose foi de 66,1%, 78,0%, 92,0% e 81,1%, respectivamente. Alto valor preditivo positivo global existiu no estudo, especialmente na doença avançada. O VPP por paciente foi superior ao VPP por biópsia indicando que a capacidade de diagnosticar a endometriose pode ser melhorada através da realização de biópsias múltipla, principalmente no estágio I, logo deveremos aumentar o número de biópsias.

Estadiamento

Durante a laparoscopia pélvica, um sistema de estadiamento é frequentemente utilizado para avaliar a gravidade da doença. O mais comumente utilizado é a da Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva revisada (rASRM), onde a endometriose pode ser classificada em estágio que leva em consideração o tamanho, a profundidade e a localização dos implantes endometrióticos e gravidade das aderências. Consiste de quatro estágios, sendo o estágio 4, o de maior extensão da doença. Não há, entretanto, correlação entre o estágio da doença com prognóstico e nível de dor. A dor é influenciada pela profundidade do implante endometriótico e sua localização em áreas com maior inervação.

Estágio 1 (doença mínima): implantes isolados e sem aderências significantes;Estágio 2 (doença leve): implantes superficiais com menos de 5cm, sem aderências significantes;Estágio 3 (doença moderada): múltiplos implantes, aderências peritubárias e periovarianas evidentes;Estágio 4 (doença grave): múltiplos implantes superficiais e profundos, incluindo endometriomas, aderências densas e firmes.

Este sistema tem recebido críticas referentes ao peso dado à presença de aderências que podem não ser clinicamente relevante. No entanto, todos os sistemas de classificação atual não se correlacionam bem com sintomas de dor e de fertilidade. Com a melhor elucidação da fisiopatologia da doença, esperamos facilitar o desenvolvimento de sistemas mais úteis de pontuação.

Histologia

É considerada boa prática clínica, entretanto, para ratificar o diagnóstico visual, a confirmação histológica de pelo menos uma lesão.

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GPP O achado histológico positivo confirma o diagnóstico da endometriose; a

histologia negativa não o exclui. Se a biópsia deve ser realizada se a

doença está presente apenas no peritônio é controverso: a inspeção

visual é geralmente adequada, mas a confirmação histológica de pelo

menos uma lesão é o ideal. Em casos de endometrioma ovariano (> 3

cm de diâmetro), e na doença profundamente infiltrantes, biopsia deve

ser realizada para identificar a endometriose e para excluir casos raros

de malignidade.

Microscopicamente, os implantes de endometriose consistem de glândulas endometriais e estoma com ou sem macrófagos carregados de hemossiderina. O valor da ratificação histológica da visão laparoscópica para o diagnóstico da endometriose tem de ser ainda avaliado. Em alguns estudos, a taxa de confirmação de biópsias de lesões de endometriose com de aparência típica foi baixa. Isso pode ocorrer em decorrência das lesões endometrióticas, muitas vezes, serem extremamente pequenas ou consistirem principalmente de tecido fibrótico, porque em muitas biópsias, podem faltar, ao microscópio, glândulas e estroma endometriais por serem escassos ou estarem escondidos na fibrose ou outros tecidos circundantes. Assim, uma biópsia pode ser negativa por causa da pouca experiência do cirurgião, do tamanho da biópsia, da experiência do patologista, da qualidade das amostras histológicas.

Endometriose e DPC

Atualmente, não existem dados epidemiológicos válidos para estabelecer a verdadeira incidência de endometriose em mulheres com dor pélvica crônica (DPC). No entanto, estima-se entre 70 e 90%. Entre as causas de dor pélvica crônica em se suspeitando de endometriose peritoneal, a confirmação do diagnóstico laparoscópico é desnecessária, e um terapia médica empírica, incluindo terapias de segunda linha como o danazol, os agonistas de GnRH, e progestinas, justifica-se, desde que não existam outras indicações para a cirurgia, como a presença de uma massa anexial suspeita. Quando a cirurgia é necessária, a abordagen laparoscópica parece oferecer resultados clínicos comparáveis às realizadas através de laparotomia, mas com morbidade reduzida (Gambone et al. 2002).

Segundo uma revisão da Cochrane, O teste de referência (padrão-ouro) para o

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B A laparoscopia deve ser considerada em adolescentes com

dor pélvica crônica que não respondem ao tratamento médico

(AINES, ACHOs) desde a endometriose é muito comum

nestas circunstâncias (Goldstein et al., 1980; Vercellini et al.,

1989; Reese et al, 1996 ; Laufer et al., 1997; Emmert et al.,

1998, Hassan et al., 1999; Kontoravdis et al., 1999; Shin et

al., 2005; Stavroulis et al., 2006).

Nível de

evidencia

3

diagnóstico da endometriose é a visualização direta das lesões clássicas ou sutis por laparoscopia ou por laparotomia. Quanto ao tratamento, é provável que a abordagem combinada de ablação por laser laparoscópica, adesiolise e ablação dos nervos uterinos seja um tratamento benéfico para a dor pélvica associada a endometriose leve a moderada. Como apenas um julgamento foi incluído na análise, esta conclusão deve ser interpretada com cautela. Na endometriose, atualmente, a prática laparoscópica muitas vezes inclui a remoção das lesões e adesiolise sem ablação do nervo uterino. Não é possível tirar conclusões a partir do estudo. Isso reforça os dados de Gambone et al.

Lesões endometrióticas podem ser detectadas com frequência em adolescentes com dor pélvica crônica. A prevalência da endometriose em adolescentes submetidos à laparoscopia por dor pélvica crônica é de 19% a 73% (Goldstein et al., 1980; Vercellini et al., 1989; Reese et al, 1996; Laufer et al., 1997; Emmert et al., 1998, Hassan et al., 1999; Kontoravdis et al., 1999; Shin et al., 2005). Apesar da dismenorreia ser muito comum em adolescentes, nem todas as jovens, com dor pélvica precisam ser submetidas ao diagnóstico invasivo por laparoscopia. No entanto, quando a terapia hormonal combinada (como pílulas anticoncepcionais orais) ou antiinflamatórios não-esteróides falham, 35 a 73% dos adolescentes têm endometriose no momento da laparoscopia (Reese et al, 1996; Laufer et al. 1997 ; Stavroulis et al., 2006).

Endometriose e Infertilidade

O uso rotineiro de laparoscopia diagnóstica para a avaliação de todos os casos de infertilidade feminina está atualmente em debate. De acordo com dados publicados em estudo retrospectivo não controlado, a laparoscopia diagnóstica, depois de vários ciclos de falha de indução da ovulação permite a detecção de uma proporção significativa de patologias pélvicas favoráveis ao tratamento, como a endometriose, por exemplo. Embora os estudos em benefício de cirurgia laparoscópica na endometriose moderada ou grave ainda sejam escassos, o seu valor tem sido geralmente aceito.

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Como a endometriose é uma doença comum entre pacientes inférteis com uma prevalência de até 50%, Pode-se argumentar que, a laparoscopia diagnóstica pode não exclui completamente todas as causas de infertilidade.

A decisão de realizar a laparoscopia em pacientes com infertilidade é muito complexa, devido a uma série de fatores, como a idade materna, parâmetros do sêmen, a permeabilidade tubária, sintomas pélvicos, cobertura de seguro/planos de saúde, riscos cirúrgicos e disponibilidade da cirurgia. Atualmente, muitos clínicos defenderiam o processo de fertilização in vitro em pacientes com a infertilidade inexplicável sem avaliação laparoscópica. No entanto, a etiologia da infertilidade não pode ser totalmente inexplicável a menos que a presença da endometriose como causa tenha sido excluído. Nas mulheres, com endometriose não diagnosticada, os tratamentos de fertilidade não só pode ser menos eficaz, mas também pode contribuir para a progressão da doença.

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DIAGNÓSTICO POR IMAGEM DA ENDOMETRIOSE

1. Introdução

A endometriose tem três apresentações distintas sob o aspecto clínico e de imagem: superficial, ovariana e profunda (EP). Esta última é definida histologicamente como lesões que penetram mais que 5 mm no peritônio (1).

O exame clínico apresenta limitações para estabelecer a extensão das lesões endometrióticas profundas (2,3-A), tornando necessária a utilização de outras ferramentas para auxiliar no diagnóstico e estadiamento da doença. Durante muito tempo a videolaparoscopia foi o único método considerado adequado para esse fim, restando para os métodos de imagem, principalmente ultrassom transvaginal e ressonância magnética, o papel de auxiliar na avaliação da endometriose ovariana. A partir da década de 90 vários autores publicaram artigos, inicialmente, utilizando ultrassom transretal ou endoscópico e posteriormente ressonância magnética e ultrassom transretal, avaliando a acurácia desses métodos na EP.

A decisão sobre a realização de tratamento clinico ou cirúrgico depende das características das lesões, dos sintomas, do desejo reprodutivo e da idade da paciente (D).

2. Métodos de imagem para avaliação de endometriose

Vários métodos de imagem são úteis na avaliação da endometriose ovariana e EP, mas nenhum deles tem valor prático na detecção da endometriose superficial.

O enema opaco e a colonoscopia apresentam baixa sensibilidade e, principalmente, especificidade para diagnóstico da EP intestinal, já que avaliam somente a superfície interna e o calibre da alça, portanto, a não ser que haja lesão da mucosa, podem de-tectar somente sinais indiretos de endometriose (4-A). A tomografia computadorizada (TC), principalmente os novos equipamentos com múltiplos detectores, mostra toda a espessura da parede, mas, ao contrário da ressonância magnética (RM), não tem boa capacidade para distinguir entre diversos tecidos de partes moles, apresentando dificul-dade em diferenciar e delimitar os órgãos pélvicos e as lesões (D).

A urografia excretora pode indicar se há comprometimento dos ureteres e da bexiga,

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mas, pode não detectar pequenas lesões vesicais e, assim como a TC, também utiliza contraste iodado endovenoso e radiação ionizante, com os consequentes riscos.

Atualmente o ultrassom transvaginal (USTV) e a RM magnética são os principais métodos na detecção e estadiamento da endometriose (3,5-A).

2.1. Endometriose ovariana

O USTV possui excelente sensibilidade e especificidade no diagnóstico do endometrioma de ovário, especialmente em lesões acima de 2cm (6-A). Guerriero et al em 1998 (7) avaliaram 170 massas anexiais com USTV associado a Doppler colorido, num estudo duplo cego e encontraram sensibilidade de 97%, especificidade de 90% e valor preditivo positivo e negativo de 95% no diagnóstico do endometrioma ovariano.

A RM é método menos acessível e mais caro que o USTV. Tem a vantagem de ser menos operador dependente e os trabalhos mostrarem uma melhor acurácia para o endometrioma de ovário (apesar da já boa acurácia da US). Os endometriomas com mais de 1 cm podem ser diagnosticados corretamente na grande maioria das vezes pela RM. Hottat et al em 2009 (8) com equipamento de alto campo (3 Teslas) obtiveram para endometrioma ovariano sensibilidade de até 96%, especificidade de 98%, valor preditivo positivo de 96% e negativo de 98%, mas, com RM de 1,5 Teslas é possível obter resultados semelhantes.

2.2. Endometriose profunda

Os sítios principais da EP são: região retrocervical (ligamentos uterossacros e torus uterino), vagina, intestino (reto, sigmóide, íleo e apêndice), bexiga e ureteres. As le-sões de septo retovaginal (entre o terço médio da vagina e o reto) são relativamente raras e podem ser avaliadas pelos mesmos exames que se usam para retossigmóide. Os métodos de imagem mais utilizados são: ultrassom (transvaginal e transabdominal, com transdutor de alta resolução da fossa ilíaca direita), RM e ultrassom transretal/endoscópico (USTR).

2.2.1. Endometriose intestinal, retrocervical e vaginal

As informações mais importantes para o planejamento cirúrgico no caso de lesões in-testinais são: tamanho, número de lesões, camadas da parede intestinal comprometida, circunferência da alça envolvida e a distância da borda anal (9 e 10-A).

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Em 1996, Ohba et al. descreveram a possibilidade de diagnosticar endometriose profunda por ultrassonografia endoscópica retal, um procedimento depois também avaliado por vários outros autores, dentre eles Abrão et al em 2004 (4) que obteve sensibilidade de 100% e especificidade de 67% na detecção do nódulo endometriótico de reto e sigmóide.

Bazot et al., em 2003, (11-A) estudaram prospectivamente 30 pacientes através de USTV e USTR, obtendo melhores resultados para a USTV tanto em sensibilidade (95% x 82%) quanto em especificidade (100% x 88%). Pyketty et al, em 2009, (12-A) compararam as técnicas de USTV com USTR para a avaliação das lesões endometrióticas de retossigmóide e obtiveram valores semelhantes entre os métodos, com sensibilidade e especificidade para a USTV de 90% e 96% respectivamente, sem a utilização de preparo intestinal.

Na avaliação retrospectiva do comprometimento retal em 81 pacientes, Chapron et al., em 2004, (13-B) observaram que o USTR apresentou melhor sensibilidade que a RM (97% x 76%), porém com menor especificidade (89% x 98%). Por sua vez, Chamié et al. (2009), (14-A) avaliando prospectivamente a eficácia da RM em 92 pacientes, obteve sensibilidade de 86% e especificidade de 93%.

Gonçalves et al., em 2009(9-A), num estudo prospectivo, utilizando USTV com preparo intestinal, obtiveram boa sensibilidade e especificidade para determinar a existência de mais de um nódulo de retossigmóide (81/99 %) e para as camadas comprometidas (100/100 % para infiltração até pelo menos a muscular própria e 83/94 % para infiltração da submucosa/mucosa).

O USTV é um excelente método para avaliar o tamanho das lesões intestinais, inclusive no eixo transversal, o que permite estimar a circunferência da alça comprometida (15- C).

Em relação à determinação da distância da borda anal, há algumas limitações pelo USTV, mas, com a realização de preparo intestinal prévio, foram propostas novas técnicas que tem condições de fornecer essa informação de forma a orientar o planejamento cirúrgico, definindo se o nódulo de endometriose está acima ou abaixo da reflexão peritonial (15-C e 16-B).

O USTR é considerado eficiente para o diagnóstico de infiltração da parede intestinal por endometriose (7-A e 17-B), apresentando alta acurácia para determinar tamanho, numero de lesões e distancia da borda anal. Quanto à camada mais profunda

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comprometida tem acurácia próxima de 100% até a camada muscular própria, mas limitações no diagnóstico da infiltração da camada submucosa (18-A e 19-B).

Em relação à porcentagem da circunferência da alça comprometida, pode ser avaliada com facilidade pelo USTR quando se utilizam transdutores radiais, multiplanares ou com 3 D e há maior dificuldade no caso de transdutores lineares ou convexos, por só obterem imagens no eixo longitudinal da alça (D).

Portanto, os métodos que utilizam ultrassom por via transretal, apesar de eficazes, tem, em relação à USTV e à RM, as desvantagens de normalmente necessitarem de sedação, terem alto custo, serem realizados em poucos centros médicos e avaliarem apenas o retossigmóide e sítios adjacentes, (4 e 17-B) não sendo adequados para focos que estejam afastados da região peri-retal (P. ex. apêndice, íleo, ovários e bexiga).

A RM também é eficiente para detectar e determinar as medidas dos nódulos intestinais e a distancia da borda anal. Porém, é inferior aos métodos com ultrassom para determinar o numero de lesões e a camada comprometida (8-A).

Bazot et al, em 2003, (18-A) relatou, para o diagnóstico de endometriose de ligamento uterossacro, sensibilidade e especificidade de 75% e 83% respectivamente, utilizando o USTV (sem preparo intestinal) e 75% e 67% com o USTR. Para endometriose de retossigmóide, a sensibilidade e especificidade do USTV e do USTR foram 95% e 82%, e 100% e 88%, respectivamente.

Abrão et al (3-A), em 2007, publicaram estudo prospectivo comparando o toque vaginal, USTV realizado com preparo intestinal e RM na caracterização das lesões endometrióticas de retossigmóide e retrocervicais, obtendo com o toque vaginal sensibilidade de 72 e 68% e especificidade de 54 e 46% respectivamente. No USTV relatou sensibilidade de 98 e 95 % e especificidade de 100 e 98% e na RM sensibilidade de 83 e 76% e especificidade de 98 e 68 % para lesões de retossigmóide e região retrocervical respectivamente.

Estes resultados de Abrão et al. mostram grande acurácia do USTV para os casos de endometriose de retossigmóide e, particularmente, para a doença retrocervical quando comparados com o estudo de Bazot et al. (18-A)). Este fato pode, pelo menos em parte, ser justificado pelo protocolo específico utilizado, em que a paciente foi submetida a preparo intestinal com enema retal realizado aproximadamente uma hora antes do exame. Este procedimento remove resíduos fecais e evita artefatos ou áreas cegas na imagem, proporcionado uma condição adequada para avaliação desta região. Além

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disso, permite a identificação das camadas intestinais acometidas e a distância da borda anal como citado anteriormente.

Finalmente, a avaliação do íleo terminal e do apêndice é importante e podem ser mais bem realizada através do rastreamento da fossa ilíaca direita e da pelve com ultrassom por via pélvica transabdominal e transvaginal. Lesões no íleo devem ser bem avaliadas devido à possibilidade de obstrução intestinal ser maior do que nos casos de intestino grosso, enquanto lesões do apêndice necessitam de diagnóstico diferencial com tumor carcinóide, por serem, nos métodos de imagem, semelhantes quanto à forma e textura. A RM e a TC são inferiores à ultrassonografia para detecção destas lesões (15-C).

Para detecção de nódulos de endometriose na vagina os métodos mais utilizados são o USTV e a RM.

Na avaliação, pelos dois métodos, a colocação de gel (cerca de 60 ml) facilita a visualização se a lesão está só aderida ou infiltrando profundamente, o que vai determinar se há necessidade, ou não, de ressecção da parede vaginal (15-C).

Bazot et al. (20-A), em 2004, num estudo prospectivo relataram sensibilidade, especificidade e acurácia de 76%, 95% e 93% respectivamente, na detecção de nódulo de endometriose na vagina.

2.2.2. Comprometimento das vias urinárias

No caso do comprometimento das vias urinárias os dados mais importantes são: a presença ou não de hidronefrose e se há infiltração do detrusor nas lesões vesicais.

Para avaliação dos ureteres/hidronefrose se podem utilizar métodos tradicionais como a urografia excretora ou mais recentes, como a RM e o ultrassom (abdominal e transvaginal). Os dois primeiros métodos de forma geral são superiores na avaliação dos ureteres (inclusive com a uroressonância), mas todos, inclusive o ultrassom, podem fornecer a informação se há hidronefrose, que é a mais importante no planejamento do tratamento (15-C).

Numa série de 142 pacientes, Bazot et al. (20-A) relatou, com o uso de USTV, sensibilidade e especificidade de 71 e 100% respectivamente, no diagnóstico de endometriose de bexiga. O mesmo grupo publicou trabalho (21-A) utilizando RM com sensibilidade e especificidade de 88 e 99% respectivamente para este sitio.

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3. Comentários finais

O diagnóstico da endometriose e a decisão sobre o tipo de tratamento a ser implantado depende de uma boa anamnese (22-A), exame físico (principalmente toque vaginal), exames laboratoriais e de imagem (3-A).

A cirurgia é o tratamento de escolha para pacientes sintomáticas que não responderam ao tratamento medicamentoso (23). Os dois sítios que mais influenciam no planejamento cirúrgico da endometriose são as vias urinárias e o retossigmóide. Neste último pode ser feita ressecção apenas do nódulo ou do segmento intestinal acometido pela doença (24).

Inicialmente o USTR era o método mais utilizado para a avaliação do retossigmóide, mas atualmente a tendência dos Centros de Referência é desenvolver a metodologia por RM e USTV, por serem mais abrangentes e haverem mais equipamentos instalados.

Os dois métodos são eficientes no estadiamento global da endometriose, com vantagem da RM nos pequenos endometriomas ovarianos e do ultrassom (transabdominal associado ao transvaginal) nos sítios intestinais. Como a detecção das lesões intestinais é prioritária, vários artigos (3, 9 e 12-A), têm defendido recentemente, o ultrassom (transabdominal associado ao transvaginal) como método de primeira escolha para as pacientes com suspeita de endometriose. Na maioria dos artigos publicados na literatura o exame de USTV é realizado sem preparo intestinal (12 e 18-A), mas, no nosso meio predomina o exame com preparo intestinal prévio, pela maior facilidade na detecção do(s) nódulo(s), determinação das camadas e da distância da borda anal (3 e 9-A).

Para que isso se efetive é necessário que protocolos adequados sejam implantados, tanto nos exames de ultrassom quanto de RM, e mais profissionais sejam treinados para avaliar essa patologia complexa e multifocal.

O diagnóstico e estadiamento correto propiciam discutir e decidir o tratamento com a paciente e, se cirúrgico, pode-se planejar a abordagem e montar uma equipe multidisciplinar, quando necessário (3 e 9-A).

* Observação: As referências foram colocadas entre parênteses, com o grau de recomendação e a força de evidência representada por letras, conforme projetos diretrizes da AMB.

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17 - Chapron C, Dumontier I, Dousset B, Fritel X et al. Results and role of rectal endoscopic ultrasonography for patients with deep pelvic endometriosis. Hum Reprod. 1998;13:2266-2270.18 - Bazot M, Detchev R, Cortez A, Amouyal P, Uzan S, Daraï E. Transvaginal sonography and rectal endoscopic sonography for the assessment of pelvic endometriosis: a preliminary comparison. Hum Reprod. 2003;18(8):1686-92.19 - Roman H, Kouteich K, Gromez A, Hochain P, Resch B, Marpeau L. Endorectal ultrasound accuracy in the diagnosis of rectal endometriosis infiltration depth. Fertil Steril. 2008;90:1008-1013.20 - Bazot M, Thomassin I, Hourani R, Cortez A, Darai E. Diagnostic accuracy of transvaginal sonography for deep pelvic endometriosis. Ultrasound Obstet Gynecol. 2004;24:180-185.21 - Bazot M, Darai E, Hourani R, Thomassin I, Cortez A, Uzan S, Buy JN. Deep pelvic endometriosis: MR imaging for diagnosis and prediction of extension of disease. Radiology. 2004;232:379-389.22 - Chapron C, Barakat H, Fritel X, Dubuisson JB, Breart G, Fauconnier A. Presurgical diagnosis of posterior deep infiltrating endometriosis base don standardized questionnaire. Human Reprod. 2005;20(2):507-513. Epub. 2004;nov 26.23 - Garry R, Clayton R, Hawe J. The effect of endometriosis and its radical laparoscopic excision on quality of life indicators. BJOG. 2000;107(1):44-54.24 - Redwine DB, Sharpe DR. Laparoscopic segmental resection of the sigmoid colon for endometriosis. J Laparoendosc Surg. 1991;1(4):217-20.

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DIAGNÓSTICO LABORATORIAL DA ENDOMETRIOSEA necessidade de métodos diagnósticos invasivos como laparoscopia e biópsia permanece um fator de limitação para o diagnóstico correto e oportuno da endometriose. Marcadores bioquímicos precisos e confiáveis trariam um grande avanço nessa área, mas na prática o marcador ideal ainda não existe1. Neste capítulo abordaremos as limitações e controvérsias que cercam o único marcador bioquímico utilizado na prática assistencial para o diagnóstico de endometriose, o antígeno epitelial CA-125, além das perspectivas lançadas por estudos clínicos recentes na busca por marcadores mais sensíveis e específicos.

Análise Crítica do CA-125

CA-125 é um antígeno da superfície celular expresso nos tecidos derivados do epitélio celômico, tais como endométrio, endocérvice, tubas uterinas, peritônio, pleura e pericárdio2, 3. Trata-se de uma mucina de alto peso molecular que normalmente circula em concentrações muito baixas, mas eleva-se no sangue de pessoas com uma ampla gama de doenças, em especial tumores ovarianos e pulmonares4. Em mulheres com endometriose, observam-se concentrações séricas aumentadas (acima de 35 UI/ml) de CA-125 nas formas moderada e grave (estágios III e IV), em especial na presença de aderências extensas e/ou endometrioma. Esse aumento, todavia, não é significativo na endometriose peritoneal mínima ou leve e está ausente em muitos casos de endometriose profunda infiltrativa5.

Diversos estudos avaliaram o valor diagnóstico do CA-125 na endometriose, com delineamentos que variaram entre caso-controle (nível de evidência 4, grau de recomendação C), coorte não consecutiva (nível de evidência 3b, grau de recomendação B), e coorte de validação com bom padrão de referência (nível de evidência 1b, grau de recomendação A). Apesar de heterogêneos, esses estudos permitiram definir com razoável grau de segurança que a dosagem sérica de CA-125 apresenta baixa sensibilidade, isto é, o exame só resulta positivo em uma porção relativamente pequena dos casos de endometriose, mesmo entre os mais avançados. Extrapolando esse achado para o contexto clínico, pode-se afirmar que o CA-125 também apresenta baixo valor preditivo negativo, portanto o CA-125 em níveis normais não exclui a presença de endometriose5, 6 . De outra parte, o encontro de níveis elevados de CA-125 pode ser apenas sugestivo, mas não indicativo de endometriose dadas as diversas condições fisiológicas e patológicas que podem sem responsáveis por esse aumento4.

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Apesar das limitações como método diagnóstico em geral e da insuficiência como método de rastreamento, alguns autores afirmam que a dosagem de CA-125 pode ser útil em determinadas situações clínicas. Em paciente com sinais e sintomas sugestivos de endometriose, a dosagem de CA-125 aumentaria a sensibilidade e a especificidade do diagnóstico clínico e permitiria indicar laparoscopia com maior precisão e segurança (revisão sistemática de estudos de coorte, nível de evidência 2a, grau de recomendação B)6. Níveis de CA-125 acima de 65 UI/ml seriam sugestivos de endometriose grave com aderências peritoneais extensas e, portanto, com indicação de preparo intestinal pré-operatório (coorte exploratória, nível de evidência 2b, grau de recomendação C)7. De acordo com um estudo brasileiro, a dosagem da CA-125 apresenta maior sensibilidade para o diagnóstico de endometriose se realizada nos três primeiros dias do ciclo menstrual, em comparação com a fase folicular intermediária8. Outras aplicações do CA-125 em endometriose têm sido mencionadas de forma especulativa, sem evidência que as justifique, como, por exemplo, o seguimento de resposta ao tratamento clínico e a vigilância de recorrência9.

Perspectivas

Um painel internacional identificou entre as prioridades para pesquisa em endometrioses a busca de biomarcadores não invasivos1. Esses biomarcadores deverão detectar particularmente as formas mínima e leve da doença, uma vez que as formas moderada e grave são mais passíveis de identificação pelo exame clínico e pelos métodos de imagem1. Também ficou claro para os especialistas que um teste diagnóstico constituído por múltiplos marcadores moleculares teria maior probabilidade de sucesso do que testes baseados em uma única molécula, uma vez que a etiologia e a fisiopatologia da doença abrangem mecanismos muito variados.

Estudos recentes têm apontado possíveis novos marcadores para o diagnóstico não invasivo de endometriose8- 12. A lista é longa e os resultados, na maioria, frustrantes10. Interleucina 6 e CA 19-9 não acrescentam precisão diagnóstica ao CA-125 e têm desempenho medíocre como testes isolados9. Proteína C reativa, IgM anticardiolipina e proteína amilóide sérica A elevam-se significativamente na endometriose avançada 8, mas não parecem atingir níveis satisfatórios de sensibilidade e especificidade. Dois estudos de coorte realizados em um único centro italiano sugeriram que urocortina11 e folistatina12 apresentam ótima sensibilidade no diagnóstico de endometriose avançada (estágios III e IV) com a presença de endometrioma ovariano. Esses estudos necessitam de validação em outros centros e em coortes mistas, de forma que se possa aferir o desempenho diagnóstico dos novos marcadores em outras formas de endometriose e

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em uma população mais ampla.

Novas estratégias incluem a busca de alterações moleculares que a mulher portadora de endometriose possa apresentar em tecidos mais acessíveis do que a própria lesão e mais específicos do que o soro ou plasma. Por exemplo, a análise de leucócitos do sangue periférico, uma técnica ainda incipiente, mas promissora13 e o estudo do endométrio eutópico, que tem mostrado resultados bastantes animadores14 . Assim como os marcadores séricos, esses testes diagnósticos deverão evoluir para a detecção simultânea de várias moléculas, preferentemente sem correlação estreita entre elas, de forma a aumentar a performance do teste e torná-lo útil na prática clínica1.

Referências Bibliográficas

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ROTEIRO DIAGNÓSTICO DA ENDOMETRIOSE (FLUXOGRAMA)

QUADRO CLÍNICO*. Dor pélvica crônica acíclica. Dismenorréia. Dispareunia. Infertilidade. Alterações urinárias cíclicas. Alterações intestinaiscíclicas

EXAME FÍSICO (período menstrual).Massas, nódulos no fundo de saco. Dor em fundo de saco posterior. Espessamento de lig. útero sacro. Mobilização uterina dolorosa. Massas anexiais. Útero retrovertido fixo ou pouco móvel

USTV especializada**Recomendação B

CA 125Recomendação B

NORMAL SUSPEITO FORTE SUSPEITADIAGNÓSTICA***

Sem doençaou doençamínima/leve

Ovário Retosigmóideparacervical

Trato urinário

Ressonânciamagnética

Ecoendoscopiaretal****

US transretal

UrografiaUroressonância

VIDEOLAPAROSCOPIA (estadiamento ebiópsia de focos padrão ouro)

* A intensidade dos sintomas não está associada à gravidade da doença, porém a presença dos mesmos associa-se ao processo.** Pode identificar lesões profundas do septo retovaginal, restosigmóide e bexiga. Pode ser feito com ou sem preparo intestinal. *** Evidência de massa anexial, endometrioma (>5cm), uropatia obstrutiva ou estenose colon.**** Possibilita identificar com alta precisão o grau de infiltração da parede intestinal e melhor programação cirúrgica. Luciana colocou ecoendoscopia como 2ª opção em relação a colono. Como ficamos?Na suspeita de endometriose profunda infiltrativa, encaminhar para centro especializado (tratamento multi-profissional)

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CLASSIFICAÇAO DA ENDOMETRIOSE

A classificação de uma doença deve permitir uma correlação de desfechos importantes como tratamento, prognóstico e seguimento e os estágios desta doença. Apesar de ser reconhecida como uma doença progressiva, a etiologia, fisiopatologia e história da natural da endometriose não estão totalmente esclarecidas. Estes fatores contribuem para as dificuldades na classificação da endometriose. Grande parte das classificações surgiu baseada em classificações de neoplasias. Atualmente, há um claro reconhecimento que o sistema de classificação da endometriose não possui as características esperadas, não possuindo a correlação esperada entre volume da doença e tipo de lesão com os resultados do tratamento1-2.

Em 1921, Sampson classificou a endometriose baseado em uma classificação prévia utilizada para classificar cistos hemorrágicos ovarianos3. Wicks e Larson em 1949 propuseram um critério histológico ao invés do uso da localização anatômica ou dos achados clínicos4, enquanto que Huffman em 1951 propôs que o tratamento da endometriose fosse baseado na extensão da doença5. Em 1966, Beecham desenvolveu uma classificação baseada no exame físico e nos achados operatórios6. Acosta 1973 desenvolveu uma classificação baseado nos achados cirúrgicos, no entanto, nenhuma dessas classificações assim como outras tiveram ampla aceitação ou uso.

Classificação da American Fertility Society (AFS, atual American Society for Reproductive Medicine)

Em 1979, a AFS propôs uma classificação inovadora visando correlacionar os achados com o tratamento da infertilidade associada à endometriose. Esta classificação dividiu a endometriose em mínima, moderada, severa e extensa e utilizou pela primeira vez um sistema de pontos que avaliava a extensão da doença (bidimensional) e a presença de aderências no peritônio, ovários e tubas. Avaliou ainda a bilateralidade da doença, além de pontuar com pesos diferentes em relação ao tamanho do endometrioma e pela presença de aderências finas ou densas. Este sistema trouxe as vantagens da facilidade de aplicação, clareza de comunicação além de permitir uma descrição pormenorizada da pelve. No entanto esta classificação ainda apresentava problemas como a baixa correlação com o prognóstico fértil e tratamento da infertilidade, além de possuir baixa correlação com os achados de dor.

Em resposta aos problemas identificados, foi apresentada em 1985 uma classificação

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revisada da AFS7. Esta dividiu a endometriose em: mínima, leve, moderada e severa. Uma avaliação tridimensional da doença foi incluída para diferenciar doença superficial e doença profunda. Foi incluída, também, uma quantificação do número de aderências ao redor das trompas e ovários, bem como a distinção do tipo de aderência. Foi incluída uma distinção quando as fímbrias estivessem completamente fechadas colocando essas pacientes diretamente na categoria moderada. O sistema continuou sem incluir os sítios extras pélvicos, mas deixou espaço para relato da endometriose nesses outros sítios. A obliteração do fundo de saco de Douglas foi pontuada.

Entretanto, a classificação revisada da r-AFS apresentou os mesmos problemas das classificações anteriores. Como a pontuação foi determinada de forma arbitraria havia baixa correlação tanto com infertilidade como com o quadro de dor. Em 1996, a ASRM (antiga AFS agora ASRM; American Society for Reproductive Medicine), realizou uma nova classificação que não modificou a pontuação das lesões, mas apenas acrescentou diferenciação das cores (vermelha, branca ou preta), recomenda a documentação das lesões por fotografias colorida, recomenda que o endometrioma seja confirmado por histologia ou pela presença de: cisto menor que 12 cm; aderências ao ligamento largo ou parede pélvica; presença de lesões de endometriose na superfície ovariana e presença de líquido achocolatado intracístico8.

Como realizar a classificação ASRM

A determinação do estadiamento r-AFS é realizada através sistemas de escores pontuados esta classificação não utiliza, por exemplo, a necessidade de confirmação histológica para a doença. A visualização da pelve deve ser realizada de forma sistemática e metódica no sentido horário ou anti-horário. O número, tamanho e localização de implantes, placas, endometriomas e/ou aderências deve ser anotado. Para avaliar a severidade dos implantes ou aderências deve-se levar em conta apenas o maior escore para peritônio, ovário, trompas e fundo de saco. Em pacientes com apenas um anexo, a pontuação encontrada em um anexo deve ser multiplicada por dois. A pontuação encontrada em implantes e aderências deve ser totalizada a fim de indicar o estágio (mínima, leve, moderada ou severa). Escores entre 1 e 15 são compatíveis com endometriose mínima ou leve; escores entre 16 e 40, endometriose moderada; e acima de 40, endometriose severa. Endometriose intestinal, bexiga, vagina, etc devem ser anotadas como endometriose adicional. Doenças associadas também devem ser assinaladas (miomatose, malformações, etc). (figura 1)

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Problemas da classificação da ASRM

O uso de um sistema de pontuação com definição arbitrária dos pesos limita a efetividade da escala. A demarcação arbitrária entre os estágios, assim como a diferença de pesos entre as lesões acabam prejudicar a classificação1.

Claramente, não há uma correlação entre os estágios e as taxas cumulativas de gestação9,

10. Estudos demonstraram que a experiência do cirurgião aumenta a documentação de lesões não pigmentadas11. Além disso, a reprodutibilidade da classificação tem sido questionada com variabilidade inter e intraobservador1.

Porém, um dos fatores mais importantes das limitações relacionadas a classificação

Figura 1: Classificação da ASRM 1996

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são decorrentes da sua criação ter sido originada procurando realizar possuir uma correlação com a infertilidade. Apesar de estudos terem conseguido correlacionar alta intensidade de dor pélvica com o estágio da doença na avaliação inicial12, a capacidade da classificação na avaliação e correlação com dor pélvica é ainda mais baixa quando utilizada em quadros de infertilidade1, 13.

No sentido de melhorar a associação entre clínica e estadiamento/classificação estudos têm procurado novos parâmetros e critérios clínicos que ajudem a correlacionar o quadro clínico com o tipo da lesão endometriótica ou com sua extensão. Uma proposta interessante é a classificação da endometriose considerando seus tipos morfológicos: endometriose superficial, endometrioma ovariano e endometriose profunda; essa última classificação nos relaciona a doença com a sua fisiopatogenia e também com a sintomatologia apresentada.

Classificação baseada nos aspectos morfológicos macroscópicos

Outros autores descreveram a endometriose em relação às características morfológicas presentes nas lesões14. Nesta classificação, a endometriose pélvica possuiria três categorias: endometriose peritoneal superficial, endometriose ovariana cística (endometrioma ovariano) e endometriose infiltrante profunda14. Cabe ressaltar que em grande parte das pacientes há concomitância de lesões endometrióticas com a mesma paciente apresentando, por exemplo, lesões superficiais e profundas. O uso desta caracterização tem conseguido caracterizar sintomas clínicos principalmente dismenorréia com a localização e profundidade das lesões, no entanto pela superposição de lesões na mesma paciente muitas vezes torna-se difícil interpretar os achados de uma paciente em relação ao seu prognóstico terapêutico.

A profundidade da lesão parece ser um dos aspectos mais importantes com lesões profundas sendo mais associadas a dor e lesões superficiais a infertilidade, ainda que a classificação rAFS pontue de forma diferente lesões superficiais e profundas a quantificação da profundidade não foi levada em conta na elaboração da classificação rAFS13.

A endometriose peritoneal apresenta como característica focos de tecido endometriótico sobre o peritônio superficial. Esses focos podem possuir diversas características dependendo do momento de evolução da doença. Inicialmente, apresentam-se como áreas de hiperemia ou vesículas claras que evoluem para implantes avermelhados. Após, com o passar do tempo e diminuição da reação inflamatória, tornam-se escuros

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(marrom-preto, por deposição de hemossiderina) e supõe-se que os implantes antigos sejam esbranquiçados, com sinais de fibrose e desvascularização.

Os endometriomas ovarianos são cistos de conteúdo achocolatado, normalmente associados com aderências ao peritônio posterior/ligamento largo, podendo ser bilaterais, mas, ocorrendo mais frequentemente no ovário esquerdo. Não há um consenso sobre a formação do endometrioma, podendo ser devido a uma invaginação do foco endometriótico no parênquima ovariano ou o sangramento de um foco dentro de um cisto ovariano prévio ou do parênquima ovariano.

A endometriose profunda é definida como a presença de implantes de tecido endometriótico com profundidade maior do que 5 mm, fibrose e hiperplasia muscular abaixo de peritônio, possuindo seu diagnóstico e manejo dificultados15. A endometriose profunda usualmente é multifocal e envolve em ordem decrescente de frequência os ligamentos úteros-sacros, septo reto-vaginal, cólon descendente, vagina, bexiga e ureteres16.

Sinais e sintomas clínicos têm sido associados com a natureza da lesão. A dispareunia foi associada com endometriose profunda17. Estudos demonstraram que a profundidade da lesão endometriótica possuía associação com dor pélvica e dismenorréia18. Pode-se acrescentar a classificação macroscópica alguns outros dados que podem ser interessantes no manejo clínico. Autores associaram a presença de endometrioma com formas de endometriose profunda, demonstrando que o endometrioma poderia ser um marcador de gravidade da endometriose profunda, onde o número médio de lesões de endometriose profunda foi maior em pacientes com endometrioma19. Por outro lado, algumas semelhanças da endometriose com câncer também têm sido exploradas e invasão de linfonodos pélvicos tem sido encontrada em pacientes com endometriose intestinal20.

Sendo assim, a prática clínica atual ainda carece de uma classificação adequada para endometriose. Mais uma vez, a dificuldade no diagnóstico e a necessidade de contemplar em uma classificação fatores diagnósticos, terapêuticos e prognósticos em uma patologia associada a dois quadros clínicos diversos (infertilidade e/ou dor) parecem fazer esta tarefa ainda mais difícil. A capacidade da classificação atual da ASRM em realizar o prognóstico de gestação ou auxiliar no manejo da dor tem sistematicamente sido determinada como ineficiente1, 9-10, 13, 21. Desta forma, vários autores e entidades22 continuam no trabalho de correlacionar características do quadro clínico com os desfechos de interesse e esperamos que uma classificação adequada para endometriose esteja próxima.

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ABORDAGEM CLÍNICA DA MULHER INFÉRTIL COM ENDOMETRIOSE

A endometriose atinge cerca de 10% das mulheres em idade fértil, sendo, usualmente, associada a dois quadros clínicos: dor, infertilidade e massa pélvica. A etiologia da infertilidade associada a endometriose não é totalmente estabelecida, sendo, no entanto corroborada por vários fatores. A taxa de fertilidade mensal de pacientes com infertilidade varia entre 0,02 e 0,1; por outro lado em casais férteis a taxa de fecundidade gira em torno de 0,15 a 0,21. A relação causal entre endometriose e infertilidade não é conhecida, no entanto esta associação está fundamentada na alta prevalência da endometriose em populações de mulheres subférteis (até 50%) em comparação com populações férteis (5 a 10%) ou mulheres submetidas a ligadura tubária2. Ainda, tem sido relatado que mulheres inférteis possuem 6-8 vezes maior probabilidade de possuir endometriose (Verkauf, 1987). A taxa cumulativa de concepção em três anos de mulheres com endometriose é significativamente menor do que controles. Uma ampla variedade de estudos, incluindo aqueles em pacientes submetidas a técnicas de reprodução assistida, tem sugerido uma menor taxa de gestação em pacientes com endometriose. Comparado com pacientes com infertilidade tubária as taxas de gestação em pacientes com endometriose são metade daquelas esperadas para as pacientes submetidas a Fertilização in vitro (FIV) (Barnhart et al., 2002).

A relação causal entre endometriose e infertilidade é difícil de ser determinada. Estágios mais avançados de endometriose podem estar associados a infertilidade pela presença de aderências pélvicas e distorção na anatomia pélvica, ocorrendo impedimento da liberação oocitária pelo ovário ou captação deste oócito pela trompa uterina. No entanto, pacientes sem alterações maiores da anatomia pélvica também possuem diminuição do desenvolvimento oocitário, embriogênese e implantação embrionária. Estudos demonstraram alterações: da função peritoneal, imunológicas, hormonais, ovulatórias em pacientes com endometriose1, 3. Estudos com fertilização in vitro têm demonstraram diminuição da função espermática, diminuição da reserva ovariana, redução da recuperação oocitária, menor quantidade oócitos recuperados, diminuição da qualidade embrionária, diminuição da implantação embrionária com diminuição da receptividade embrionária.

Estudos demonstraram aumento de autoanticorpos endometriais em pacientes com endometriose alterando a receptividade endometrial. Estudos comprovaram o aumento de mediadores da resposta inflamatório-imunológica, assim como de macrófagos ativados no fluido peritoneal de pacientes com infertilidade e endometriose. Autores

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demonstraram que a endometriose esta associada com insuficiência de fase lútea, alteração na secreção de prolactina e alteração de fase folicular, contribuindo para alteração na ovulação1, 4. A diminuição da reserva ovariana em pacientes com endometriose mínima e leve pode ser avaliada pelos níveis de hormônio Anti-Mulleriano e avaliação da coorte folicular por ultrassonografia transvaginal. No entanto, nem FSH e nem a Inibina B não demonstraram capacidade de realizar essa avaliação5.

Diagnóstico

O diagnóstico da infertilidade associada à endometriose é muitas vezes tardio, havendo um retardo diagnóstico de cerca de três anos. Este retardo é menor do que o presente em pacientes com sintomatologia dolorosa apenas, ou naquelas com endometriose profunda, mas ainda é importante. O diagnóstico definitivo de endometriose é realizado através da laparoscopia, e a questão a ser respondida é quando a laparoscopia deve ser realizada para confirmar o diagnóstico. Uma série de dados pode ser utilizada para tentar selecionar as pacientes a serem submetidas à laparoscopia como: sintomatologia dolorosa pélvica (dismenorréia, dispareunia, dor pélvica crônica etc), história familiar, abstinência escolar ou ao trabalho, alteração do exame físico (nodularidade em fundo de saco vaginal, espessamento de ligamentos úteros-sacros), massa anexial. No entanto, nenhum destes parâmetros auxiliou na melhor seleção de pacientes a serem submetidas à laparoscopia1.

A ultrassonografia pode auxiliar na avaliação de endometrioma ovariano e mais recentemente em endometriose profunda, tendo pouco auxílio em endometriose mínima ou leve casos onde o diagnóstico somente será confirmado com a laparoscopia3. O uso de marcadores sorológicos como o CA 125, CA 19-9, interleucinas não apresentou utilidade clínica. A classificação da endometriose segundo os critérios da ASRM não possui uma boa correlação com taxas de concepção, assim como com prognóstico fértil6. Desta forma, o manejo da infertilidade associada à endometriose acaba sendo baseado, não no tratamento das lesões, mas na tentativa de resolução do quadro de infertilidade da paciente.

Tratamento medicamentoso

Apesar de o tratamento medicamentoso apresentar bons resultados para o tratamento da dor associada à endometriose, seus resultados para o tratamento da infertilidade associada à endometriose não são encorajadores. Não há até o momento evidências que o tratamento medicamentoso aumente a fecundidade. Entre os tratamentos propostos há:

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anticoncepcional oral combinado, agentes progestagênicos, análogos do GnRH, danazol e gestrinona. Estudos randomizados demonstraram que as opções medicamentosas não foram efetivas no tratamento da infertilidade associada com endometriose mínima ou leve1. Em uma meta-analise que incluiu sete estudos comparando tratamento medicamentoso à placebo ou grupo controle sem intervenção não houve melhora na fecundidade de paciente com endometriose mínima ou leve7.

O papel do tratamento medicamentoso antes do tratamento cirúrgico não é totalmente estabelecido. Potenciais efeitos benéficos seriam: redução da inflamação e vascularização dos implantes permitindo um procedimento cirúrgico menos traumático e mais efetivo. Por outro lado, pequenas lesões endometrióticas poderiam regredir e passar despercebidas durante o procedimento3. Os dados atuais sobre a terapêutica medicamentosa pré-operatória não sugerem qualquer benefício do tratamento em relação a fertilidade, há redução do escore classificatório da endometriose, mas não há benefício que isto leve há melhores taxas de gestação8. O mesmo acontece com o tratamento medicamentoso supressivo após a cirurgia. Não há melhora da fertilidade, apenas retardando a possibilidade de gravidez devido a consequente supressão ovulatória associada com os tratamentos atualmente utilizados. Desta forma, tratamento hormonal supressivo não possui benefício no tratamento de pacientes com endometriose e infertilidade, esta hipótese somente pode ser considerada em casos de endometriose e dor1, 3, 8.

Tratamento cirúrgico

O benefício inicial pensado sobre o tratamento cirúrgico da infertilidade associadas à endometriose inicialmente pensado em cerca de 38% provavelmente está entre 10 e 25%1, 3. O tratamento cirúrgico da infertilidade associada à endometriose mínima/leve é baseado em dois ensaios clínicos que avaliaram a destruição da endometriose peritoneal com as taxas de gestação após o tratamento, demonstrando haver benefício da cauterização/ablação das lesões peritoneais para a fertilidade dessas pacientes3,

9. Esse aumento da taxa de gestação é pequeno (26% contra 18%) e dependente da prevalência da doença na população estudada. Em populações com alta prevalência de endometriose o número de laparoscopias realizadas para diagnóstico e tratamento da endometriose mínima ou leve será metade ou a terça parte de populações onde a prevalência da doença for baixa.

Em endometriose moderada ou severa os resultados são menos encorajadores. Não há até o momento ensaios clínicos ou meta-análises que respondam a questão sobre o

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tratamento cirúrgico destas pacientes com objetivo de melhorar a fertilidade10. Estudos demonstraram que a excisão de endometriomas pode aumentar a taxa de gestação em 50% após o procedimento. Entre os tratamentos propostos para o endometrioma está a excisão do pseudocisto, a abertura do endometrioma com cauterização da parede e a punção com lavagem. A excisão do endometrioma possui melhores resultados quanto a menor taxa de recorrência e melhores taxas de gestação, no entanto é a técnica associada com maior dano ao parênquima ovariano com redução da reserva ovariana em alguns trabalhos1, 3. Como a resposta ovariana à gonadotrofina está diminuída após exérese de endometrioma, e o número e qualidade dos oócitos recuperados não são melhorados; o manejo do endometrioma em pacientes que serão submetidas a reprodução assistida deve ser particularizado levando em conta: presença de sintomatologia dolorosa, endometriomas grandes ou em localizações que atrapalhem ou impeçam a captação de oócitos para fertilização in vitro (FIV)11. O tamanho do endometrioma usualmente utilizado como ponto de corte como sendo necessária cirurgia antes da FIV é de quatro centímetros, pelas dificuldades criadas durante a punção folicular3.

A excisão de lesões retovaginais não parece aumentar as taxas de gestação. Alguns estudos não controlados demonstraram um benefício médio de cerca de 40% da exérese de lesões retovaginais, no entanto o único estudo controlado sobre o tema não demonstrou diferença de fertilidade após a cirurgia entre as pacientes submetidas à exérese e o grupo controle. Desta forma, para endometriose moderada ou severa a melhor evidencia é em favor do tratamento do endometrioma com excisão, não havendo diferença quanto a exérese de lesões retovaginais3. A decisão quanto a realização da cirurgia deve ser particularizada caso a caso e avaliada no contexto sintomatologia dolorosa associada ou não.

Indução da ovulação

A indução da ovulação isolada ou associada à inseminação intrauterina (IIU) são tratamentos comumente utilizados para manejo de infertilidade associada à endometriose mínima/leve. Estudos demonstraram que a indução da ovulação associada à IIU apresenta melhores resultados do que: intercurso sexual programado, indução da ovulação isolada, IIU isolada ou inseminação intracervical1, 12.

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Reprodução Assistida

A técnica de FIV é outra opção no tratamento de pacientes com infertilidade associada à endometriose. Alguns estudos tentaram comparar cirurgia e FIV em relação às taxas de gestação em pacientes com endometriose. Não há uma resposta única em relação aos diferentes estágios de endometriose, e, como citado anteriormente, em pacientes com indicação de FIV por outra causa não há benefício em postergar à FIV para realizar o tratamento cirúrgico da endometriose. Em pacientes com endometriose como única causa a taxa de gestação foi maior com cirurgia em relação a uma tentativa de FIV13, no entanto esta diferença inverteu-se favorecendo à FIV após mais de uma tentativa14. Outro fator que deve ser considerado é a possibilidade de haver outras indicações de FIV, assim como a possibilidade da FIV de tratar várias indicações num mesmo momento1, 3. Conclusão

Sendo assim, o tratamento da infertilidade associada à endometriose é uma tarefa complexa onde deve ser avaliado um conjunto de fatores. Não se pode excluir desta decisão a presença de outras causas de infertilidade tanto femininas como masculinas, pois a coexistência de outras causas de infertilidade poderá decidir o manejo a ser realizado no casal infértil. Dentro desta situação a idade da paciente é um fator muito importante, pois após a idade de 35 anos há uma importante diminuição da fecundidade com um aumento da taxa de abortamento espontâneo. Deve-se destacar também o desejo do casal em proceder ou não a tratamentos cirúrgicos, bem como às técnicas de reprodução assistida no momento do planejamento terapêutico.

Em pacientes com infertilidade e suspeita de endometriose mínima ou leve a decisão é entre proceder a laparoscopia antes de realizar algum tratamento para infertilidade. Esta decisão deve ser baseada na idade da paciente, presença de outras causas de infertilidade e sintomatologia dolorosa. Nas pacientes com diagnóstico de endometriose mínima ou leve, trompas normais e idade inferior a 35 anos deve-se proceder a cauterização ou ablação das lesões de endometriose na laparoscopia. Em pacientes com menos de 35 anos, o manejo expectante é possível, porém não encorajado e não há justificativa para realização de tratamento hormonal supressivo após a laparoscopia com objetivo de melhorar a fertilidade. A associação de indução da ovulação ou indução da ovulação e IIU aumentam as taxas de gestação neste grupo. Em pacientes com mais de 35 anos devido a redução da reserva folicular ovariana deve após a laparoscopia com ablação das lesões e proceder diretamente à IIU ou FIV.

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Em pacientes com endometriose moderada ou severa a decisão é mais complexa, devendo ser particularizada. Pacientes com endometriose moderada ou severa muitas vezes apresentam recorrência das lesões, múltiplas cirurgias e tratamento incompleto das lesões endometrióticas em procedimentos anteriores. Desta forma, a morbidade cirúrgica destas pacientes está aumentada e a decisão de realização de procedimentos agressivos deve ser contextualizada dentro da experiência cirúrgica do serviço. A excisão de lesões retovaginais é de benefício limitado e está associada à alta morbidade, não sendo indicada com objetivo único de tratamento da infertilidade. O melhor embasamento atual da literatura é sobre o manejo de endometriomas ovarianos com uma relação custo-benefício mais favorável em relação à cirurgia, principalmente para endometriomas com diâmetro maior do que quatro centímetros. A realização de cirurgia antes da FIV deve ser pensada no contexto clínico da sintomatologia dolorosa muitas vezes associada nestes casos, visto que pode permitir um melhor manejo das pacientes sendo submetidas ao tratamento de reprodução assistida. Referências Bibliográficas

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ABORDAGEM CIRÚRGICA DA MULHER INFÉRTIL COM ENDOMETRIOSE

Introdução

A endometriose é uma doença inflamatória caracterizada pela presença de glândulas endometriais e estroma fora da cavidade uterina, que acomete principalmente mulheres no período reprodutivo1. A sua prevalência varia bastante de acordo com o tipo de diagnóstico e da população estudada. Estima-se que 10% a 20% das mulheres no período reprodutivo terão endometriose2, 3. Os principais sítios de acometimento são o peritônio pélvico, o fundo de saco posterior, os ligamentos útero-sacros e os ovários3. A dismenorréia severa, a dispareunia profunda, a dor pélvica crônica, o sangramento anormal e a infertilidade são os principais sintomas provocados pela endometriose4.

Relação entre endometriose e infertilidade

A relação existente entre endometriose e infertilidade é complexo e importante objeto de controvérsias5. Estudos iniciais sugeriram que 25% a 50% das mulheres inférteis têm endometriose e que 30% a 50% das mulheres com endometriose são inférteis6. Existe uma maior prevalência de endometriose em mulheres inférteis comparadas a mulheres férteis submetidas a esterilização tubária, 48% versus 5% respectivamente3. Outros estudos confirmaram que mulheres inférteis têm 6 a 8 vezes maior chance de apresentar endometriose que mulheres férteis7. Ademais a fecundidade em casais normais varia de 0,15 a 0,20 (15% a 20%) por mês enquanto mulheres com endometriose e infertilidade tem fecundidade mensal de 0,02 a 0,10 (2% a 10%)8.

Apesar de existir um razoável conjunto de evidências para demonstrar a associação entre endometriose e infertilidade, uma relação de causa e efeito ainda não foi totalmente estabelecida8. Vários mecanismos têm sido propostos para esclarecer esta associação entre endometriose e infertilidade. Entretanto muitos destes ainda necessitam de estudos para confirmação. Os principais mecanismos envolvidos neste processo são:

Distorção da anatomia pélvica – as lesões e aderências provocadas pela endometriose podem levar a alterações na anatomia tubo-ovariana culminando em quadro de infertilidade8, 10, 11.

Função peritoneal alterada – mulheres com endometriose tem um volume de fluido

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peritoneal aumentado, aumento na concentração de macrófagos ativados, aumento nas concentrações de prostaglandinas, interleucina 1, fator de necrose tumoral e proteases no fluido peritoneal. Estas alterações podem ter efeitos adversos sobre o oócito, espermatozóide, embrião ou função tubária8, 10, 11.

Alterações imunológicas – as respostas inflamatórias próximas as áreas de implante endometrial ectópico alteram a motilidade tubária, o transporte de espermatozóides e o desenvolvimento oocitário8, 10, 11.

Anormalidades endócrinas e ovulatórias – a endometriose tem sido associada com anovulação, desenvolvimento folicular anormal, reduzida circulação de níveis de prostaglandina E 2 durante na fase preovulatória, distúrbio nos níveis padrões do hormônio luteinizante (LH), síndrome do folículo luteinizado não roto, galactorréia e hiperprolactinemia 9. Entretanto não existem dados convincentes para concluir uma relação de causa e efeito entre estas anormalidades e a endometriose8, 10, 11.

Implantação embrionária alterada – o endométrio eutópico de mulheres com endometriose manifesta uma variedade de perturbações histológicas e bioquímicas como aumento do infiltrado imune celular e aumento da expressão de citocinas e quimoquinas. Tem sido relatados também aumento nas concentrações de componente C3 do complemento e a diminuição de ανβ3 integrina, glicodelina, HOX-A10 e HOX-A11 em pacientes com endometriose. Estas alterações podem levar a um prejuízo da implantação embrionária e por consequência a infertilidade8, 10, 11.

Tratamento da endometriose e infertilidade

Partindo das observações anteriores, que relacionam a endometriose como fator causador direto e indireto de infertilidade, parece lógico pensar que o seu tratamento deveria melhorar os resultados reprodutivos nas portadoras da doença. Entretanto, aspectos importantes como os critérios diagnósticos, o estadiamento da doença, a localização das lesões, os tipos de tratamento, as técnicas cirúrgicas empregadas e as equipes cirúrgicas são variáveis que dificultam a avaliação dos resultados5.

Ainda nos dias atuais a laparoscopia é considerada o melhor método para o diagnóstico definitivo da endometriose4, 8. As indicações da laparoscopia devem ser baseadas nos achados clínicos da historia e exame físico sugestivos de endometriose. Parentes de primeiro grau afetados, dor pélvica crônica e dismenorréia, dispareunia, infertilidade, massa anexial, retroversão uterina fixa, nódulos em fundo de saco posterior e

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espessamento e dor nos ligamentos útero-sacros8, 12.

Os cistos endometrióticos ovarianos (endometriomas) são diagnosticados com acurácia pelo exame de ultrassonografia (USG) transvaginal8, 12. As lesões de endometriose infiltrativa profunda são melhor detectadas pelo exame retovaginal digital em função de sua localização anatômica. Entretanto lesões mais altas podem passar despercebidas ao exame físico e podem precisar de outros exames como a USG endorretal ou transvaginal ou a ressonância nuclear magnética da pelve para detecção12. Em função destas afirmações, alguns autores sugerem que a laparoscopia endometriose seria indispensável somente na identificação de lesões superficiais mínimas ou leves12. Entretanto, esta colocação é bastante controversa e questionável, visto que para que se possa definir melhor o prognóstico e o tratamento da endometriose, que é uma patologia bastante heterogênea, seriam necessários um diagnóstico e estadiamento precisos da doença.

O sistema de classificação revisado da sociedade americana de medicina reprodutiva (American Society for Reproductive Medicine – ASRM) para endometriose é o mais amplamente utilizado por todo o mundo13. Infelizmente este sistema tem sido bastante criticado nos últimos anos em função de não permitir uma adequada correlação entre os graus da doença e a performance reprodutiva bem como dos resultados reprodutivos após o tratamento cirúrgico da endometriose8, 12. Vercellini e col. relataram taxas de gravidez similares de 30% e de 50% em todos os estágios de endometriose em 222 pacientes sem outros fatores de infertilidade após tratamento cirúrgico laparoscópico conservador para endometriose em respectivamente 18 e 36 meses de seguimento14.

Outro aspecto relevante sobre a indicação da laparoscopia no diagnóstico de endometriose é que este procedimento permite não só a confirmação da patologia e seu estadiamento, mas também o tratamento imediato da doença. No entanto, o tratamento cirúrgico da endometriose em pacientes inférteis ainda parece ter pontos bastante controversos no que diz respeito aos benefícios dos procedimentos nos resultados de gravidez14. Tentaremos a seguir, baseados na literatura, estabelecer quando a abordagem da endometriose em pacientes inférteis deve ser realizada de forma a melhorar os resultados reprodutivos das mesmas.

Terapia medicamentosa para endometriose

O tratamento medicamentoso para a endometriose é frequentemente utilizado tanto pré como pós-operatoriamente à laparoscopia. Diversas vantagens são relacionadas ao

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seu uso pré-operatório, tais como, cirurgia menos traumática, mais fácil e mais rápida, bem como maior chance de erradicação completa das lesões e menor risco de formação de aderências anexiais. As principais desvantagens são o risco de desaparecimento de pequenas lesões que não seriam reconhecidas na cirurgia, os efeitos colaterais e o custo da terapia.

Apesar do tratamento medicamentoso ser efetivo no alivio da dor associada a endometriose, não há evidência que o uso de medicamentos melhore a fertilidade. Estudos randomizados demonstram que danazol, progestinas, ou análogos do GnRH não são tratamentos efetivos para infertilidade associada a endometriose mínima ou leve4, 8, 12, 15.(grau de recomendação A)

Endometriose estádio I e II Apenas dois estudos randomizados controlados foram realizados para avaliar os efeitos do tratamento cirúrgico com destruição das lesões peritoniais de endometriose (estádio I e II) nas taxas de gravidez em mulheres inférteis. O estudo italiano demonstrou taxa de sucesso de 19,6% (10/51) e 22,2% (10/45) nas pacientes tratadas e não tratadas respectivamente. Já o estudo canadense com maior casuística demonstrou taxas de sucesso de 36,6% (63/172) e 21,9% (37/269) nas pacientes tratadas e não tratadas respectivamente. Apesar dos resultados discordantes uma metanálise dos dois trabalhos mostrou uma superioridade estatisticamente significante do tratamento cirúrgico sobre o não tratamento em pacientes inférteis estádios I e II (OR: 1,64, IC 95%: 1,05-2,57). Alguns autores questionam que mesmo com resultados favoráveis ao tratamento, o benefício absoluto é de apenas 8%, que traduzido em número necessário para tratar é de 12 ( doze laparoscopias com tratamento para obter uma gravidez a mais que o grupo não tratado)4, 5, 8, 15. Mesmo com estes questionamentos os guidelines da ASRM, ESHRE (European Society of Human Reproduction and Embryology) e RCOG (Royal College of Obstetricians and Gynaecologists) orientam que as pacientes inférteis com endometriose estádio I e II se beneficiam do tratamento cirúrgico por laparoscopia com destruição das lesões4, 5,

8, 15 (grau de recomendação A).

Endometriose estádio III e IV

Os resultados reprodutivos em pacientes com endometriose moderada e severa após tratamento cirúrgico conservador são bastante controversos. Não existem estudos

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randomizados ou metanálises comparando desfechos reprodutivos em pacientes com endometriose severa e infertilidade, tratadas e não tratadas por cirurgia. Estudos observacionais sugerem que em mulheres com endometriose estádio III ou IV, sem outras causas de infertilidade identificáveis, o tratamento cirúrgico conservador pode aumentar a fertilidade8. Entretanto outros estudos mostram resultados contrários4. Baseado em três estudos observacionais, parece haver uma correlação negativa entre o estádio da doença e a taxa cumulativa de gravidez espontânea após remoção cirúrgica da endometriose, entretanto somente um estudo se mostrou estatisticamente significante4,

5, 15. Os guidelines da ASRM, ESHRE e RCOG colocam que o papel da cirurgia na melhora das taxas de gravidez em pacientes com endometriose moderado-severa é incerto4, 8, 15 (grau de recomendação B).

Endometrioma

Endometriomas são cistos de endometriose ovariana que acometem 17% a 44% das pacientes com endometriose. Portanto, frequentemente nos deparamos com os problemas da condução destas pacientes. Dentre as diferentes formas de abordagem, já está bem estabelecido que o tratamento clínico isolado é inadequado17. O tratamento através de aspiração guiada por ultrassonografia também não é considerado uma boa alternativa devido aos altos índices de recorrência e ao risco de infecção, além de não permitir a retirada de tecido para estudo histopatológico. O tratamento cirúrgico dos endometriomas é a alternativa terapêutica mais aceita e adequada de acordo com o pensamento atual. As principais formas de abordagem cirúrgica são a drenagem destruição da cápsula do endometrioma ou a retirada da cápsula. A questão mais discutida é quando devemos abordar cirurgicamente estes cistos endometrióticos e qual o tipo de abordagem tem melhores resultados. As indicações primárias para o tratamento dos endometriomas ovarianos são os sintomas de dor pélvica e dispareunia e a infertilidade ou a possibilidade de interferir com os tratamentos de infertilidade. Apesar de vários estudos relatarem perda importante de folículos ovarianos nas cirurgias tanto de retirada quanto de destruição da cápsula dos endometriomas, estudos mais recentes referem que pacientes submetidas a tratamento cirúrgico dos endometriomas não apresentam prejuízo dos resultados reprodutivos18, 19.

Duas questões importantes precisam ser respondidas quando encontramos endometriomas em pacientes inférteis. Primeiro se existe procedimento que demonstre superioridade sobre os resultados reprodutivos em relação aos outros e segundo se devemos submeter a cirurgia pacientes com endometriomas e indicação de técnica de reprodução assistida (TRA) inseminação ou fertilização in vitro?

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Em resposta a primeira questão, uma revisão tipo metanálise realizada pela da biblioteca Cochrane (2008) comparou os resultados de dois estudos randomizados onde foram avaliados a taxa de gravidez espontânea e as taxas de recorrência do endometrioma, da dor não menstrual, dispareunia, dismenorréia e necessidade de nova cirurgia. Os estudos compararam pacientes submetidas a laparoscopia para drenagem e destruição da parede do cisto ou excisão da parede do endometrioma. Os resultados mostraram que a retirada cirúrgica da parede dos endometriomas apresenta menores taxas de recorrência dos sintomas como dor não menstrual (OR 0.10 CI 0.02-0.56), dispareunia (OR 0.08 CI 0.01-0.51), dismenorréia (OR 0.15 CI 0.06-0.38), e menor taxa de necessidade de nova cirurgia (OR 0.21 CI 0.05-0.79) além de menor taxa de recorrência do endometrioma (OR 0.41 CI 0.18-0.93) quando comparados a destruição (ablação) da parede do cisto endometriótico. Para as pacientes que tentaram engravidar após o procedimento as taxas de gravidez espontânea foram maiores no grupo de mulheres inférteis onde se realizou a excisão da parede do cisto (OR 5.21 CI 2.04-13.29). Portanto, existem boas evidencias que a cirurgia excisional dos endometriomas apresenta melhores resultados nos fatores avaliados acima quando comparado à drenagem e destruição da parede do cisto (grau de recomendação A)15, 18.

A segunda questão sobre indicar ou não tratamento cirúrgico em pacientes com indicação para TRA ainda é controversa. Estudos prévios demonstraram que endometriomas ≥ 4 cm poderiam interferir com os resultados dos tratamentos de reprodução assistida. Os últimos guidelines da ESHRE e RCOG recomendam a cistectomia de endometriomas ≥ 4 cm previamente a fertilização in vitro (FIV) (grau de recomendação D). Entretanto, recentemente, Tsoumpou e colaboradores realizaram estudo de metanálise por onde foram incluídos 5 estudos não randomizados que compararam tratamento cirúrgico versus não tratamento dos endometriomas antes da FIV e seus resultados. Apos a análise dos resultados os autores concluíram que não houve diferença significativa nas taxas de gravidez entre os grupos de mulheres tratadas e não tratadas. Alem disso não houve diferença significativa em relação ao número de embriões, numero de oócitos captados, ampolas de gonadotrofinas entre os grupos. Entretanto somente um dos trabalhos relatou endometriomas maiores que 3 cm. Os outros estudos não relataram este dado. Os próprios autores da metanálise sugerem que endometriomas entre 3-5 cm podem ser encaminhados a cistectomia e que os maiores que 5 cm devem ser retirados antes da FIV19. Este ponto permanece controverso e a realização de estudos randomizados é necessário para melhor orientação.

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Endometriose intestinal

A abordagem cirúrgica de pacientes com infertilidade e endometriose intestinal é ponto muito polêmico e vem sendo bastante discutida nos últimos anos. De um lado as possíveis vantagens da ressecção das lesões de endometriose intestinal principalmente em pacientes sintomáticas, e de outro lado a alta complexidade do procedimento cirúrgico com taxas de complicações importantes não desprezíveis. Torna-se difícil avaliar a repercussão da cirurgia intestinal para endometriose visto que normalmente as pacientes apresentam concomitância de lesões profundas infiltrativas na pelve e lesões intestinais. Não há como separar nas avaliações das pacientes porque durante a cirurgia são retiradas todas as lesões visíveis intestinais ou não.

Alguns estudos relatam taxas de gravidez de 40% a 50% após ressecção de endometriose intestinal com ou sem ressecção coloretal20. Estudo prospectivo, in press (2010), realizado por Darai e colaboradores, avaliou aspectos reprodutivos em pacientes submetidas a ressecção colo-retal laparoscópica para endometriose. Foram estudadas 83 mulheres com idade media de 31,7 anos, das quais 47% tinham infertilidade e 61,4% desejavam engravidar após a cirurgia. O tempo seguimento médio foi de 34 meses. A taxa de gravidez foi de 43,6%, das quais 69% espontâneas e 31% por FIV. O tempo médio para gravidez após a cirurgia foi de 11 meses. Das 39 pacientes inférteis que desejaram engravidar após a cirurgia 18 (46%) engravidaram (12 espontâneas e 6 FIV). Entre 15 pacientes com falha em FIV prévio a cirurgia, 40% engravidaram (5 espontâneas e 1 FIV). Todas as 83 mulheres tiveram melhora dos sintomas de dismenorréia, dispareunia e dor a defecação20. Entretanto 10 pacientes (12%) tiveram complicações maiores sendo 7 casos de fistula reto-vaginal com necessidade de nova abordagem cirúrgica e três casos de abscesso pélvico corrigidos por cirurgia (1 caso) e por drenagem guiada (2 casos)20. (grau de recomendação C).

Este e outros estudos demonstram taxas de gravidez satisfatórias em pacientes submetidas e ressecção intestinal de endometriose. No entanto a decisão sobre a abordagem destas lesões intestinais, bem como das outras lesões infiltrativas profundas deve ser discutida com muito equilíbrio com a paciente se seus familiares, em especial às oligossintomáticas ou assintomáticas do ponto de vista intestinal. As cirurgias realizadas para este estádio de endometriose são procedimentos muito complexos que levam a taxas de complicações maiores altas mesmo em mãos de profissionais com muita experiência. Não há estudo randomizado comparando tratamento ou não de lesões intestinais de endometriose e resultados reprodutivos e os trabalhos publicados apresentam viés na escolha do grupo, no estadiamento da doença e até mesmo no conflito de interesse dos autores. É preciso bom senso, ética e responsabilidade ao

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analisarmos estes casos e avaliar se ao decidirmos pela cirurgia estaremos fazendo o melhor para nossas pacientes.

Conclusões A endometriose, apesar de ser uma doença extremamente estudada nos últimos anos ainda permanece como uma patologia enigmática. Muitos aspectos de sua etiopatogenia, evolução, disseminação ainda são obscuros. A relação da endometriose com a infertilidade é certa, mas muito ainda precisa ser esclarecido para que possamos ter maior convicção nas etapas diagnósticas e nas propostas de tratamento para as pacientes. Baseado nos dados da literatura mais atual não pode ter um grau de confiança muito grande em diversas formas de abordagem disponíveis. É importante estarmos sempre atualizados, acompanhar os artigos, as revisões sistemáticas e até mesmo guidelines das sociedades envolvidas na área da reprodução humana e da endometriose. Obviamente os casos devem ser sempre individualizados e a escolha ou não do tratamento cirúrgico tem que considerar aspectos como idade da mulher, sintomatologia, tempo de infertilidade, condições de realizar tratamentos dispendiosos não cobertos pelos planos de medicina suplementar com a fertilização in vitro.

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TRATAMENTO CLÍNICO DA DOR PÉLVICA EM MULHERES COM ENDOMETRIOSE

Endometriose é doença crônica, inflamatória e estrogênio-dependente. A moléstia possui manifestações anatômicas distintas e, para o adequado tratamento, a identificação da forma da endometriose é fundamental. Desta forma, o tratamento clínico da dor nas pacientes com endometriose deve ser pautado no conceito citado, e organizado segundo a visão moderna da doença, que a divide em três formas distintas: doença peritoneal, superficial e profunda, e ovariana (endometrioma). Cada apresentação demonstrou resposta diferente aos tratamentos disponíveis, que por isso devem ser individualizados.

A manifestação da doença na forma de cistos ovarianos, endometrioma, deve ser, na maioria das vezes, tratada cirurgicamente e, de preferência por via laparoscópica. Nestes casos, o tratamento medicamentoso traz redução de volume do cisto, mas não sua completa regressão(B)1. Casos selecionados, nos quais o tamanho do cisto não ultrapassa três centímetros e a paciente é oligossintomática a conduta conservadora pode ser adotada, lembrando, sempre, que a monitorização deve ser frequente e, se houver sinal de crescimento do endometrioma este deve ser removido visando a preservação do parênquima ovariano para preservação do potencial reprodutivo.

Com relação às formas peritoneais não existem evidências científicas sobre qual a melhor modalidade de tratamento. Segundo recomendação da ESHRE (European Society of Human Reproduction and Embriology) o tratamento empírico da endometriose peritoneal, com contraceptivos hormonais, progestágenos ou análogos do GnRH, sem o diagnóstico anatomopatológico é uma boa prática médica (D)2. Entretanto, a Sociedade saliente que os análogos do GnRH são medicações mais caras e com maior número de efeitos colaterais quando comparadas às outras.

Também neste sentido, em 2008, o Comitê de Normas Práticas da Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva (ASRM) declarou que a endometriose deve ser vista como uma doença crônica, que exige uma estratégia de tratamento para longo prazo, visando maximizar o tratamento medicamentoso em detrimento de repetidos tratamentos cirúrgicos (A)3.

Na doença peritoneal superficial o tratamento medicamentoso deve ser a primeira escolha já que não há estudos que comprovem a superioridade do tratamento cirúrgico sobre o hormonal. A eficácia do tratamento medicamentoso sem a avaliação

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laparoscópica prévia foi demonstrada tanto com contraceptivos orais combinados (A)4, como também com agonistas de GnRH (A)5. Estas opções alcançaram o objetivo de controlar os sintomas da afecção com menor custo e risco à paciente. Havendo resposta insatisfatória, o tratamento cirúrgico torna-se indispensável.

No que se refere á terapêutica de pacientes com endometriose peritoneal profunda, ou seja, infiltração maior que cinco milímetros de profundidade ou, acometimento de algum órgão, recentemente, Vercellini e cols, realizaram extensa revisão sistemática e, não encontraram subsídios na literatura que indiquem superioridade do tratamento cirúrgico quando comparado com o clínico. Os mesmos autores, concluíram em outra revisão sistemática que o impacto dos métodos hormonais sobre o quadro álgico, em mulheres com endometriose profunda, é significamente positivo (A)6,7.

Também, avaliando a resposta a medicação hormonal, Fedele e cols evidenciaram melhora sintomática e redução no tamanho das lesões profundas em pacientes tratadas por meio do DIU liberador de levonorgestrel (C)8.

O tratamento clínico da dor na endometriose baseia-se na indução do hipoestrogenismo, seja na produção, metabolização ou na ação dos hormônios sexuais1. As alternativas disponíveis para este fim são o danazol, a gestrinona, os progestágenos, os contraceptivos hormonais, os análogos do GnRH e os inibidores da aromatase. Os anti-inflamatórios não hormonais também podem ser usados como medicamentos adjuvantes.

Poucos são os estudos controlados que avaliaram a eficácia de drogas para o tratamento da endometriose. As conclusões, após revisão sistemática e metánalise da Fundação Cochrane para algumas medicações são:

Anti-inflamatórios não hormonais (AINH): Apenas um ensaio clínico foi identificado. Neste trabalho, os autores compararam o efeito do naproxeno com placebo, não notando diferença, no alívio da dor com ambas as formulações. Entretanto, baseado no conhecimento da fisiopatologia da doença na qual as prostaglândinas estão relevantemente envolvidas, acreditamos que a associação de anti-inflamatórios no tratamento é benéfica, principalmente naquelas que ainda referem dor após o bloqueio da menstruação. Salienta-se que, para este fim, nenhum AINH mostrou-se superior aos outros e, precauções quanto a efeitos colaterais, principalmente gástricos, devem ser lembradas (A)9.

Anticoncepcional oral (ACO): As pílulas combinadas assim como a progesterona remetem à decidualização seguida de hipotrofia do tecido endometrial e podem ser

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utilizadas ciclicamente ou continuamente, não há evidências que mostrem maior eficácia do uso contínuo e bem como não há evidências sobre a superioridade de alguma formulação. O uso de ACO combinado, de forma cíclica, diminui a dismenorréia após seis meses de uso. Os resultados são inferiores em relação á dispareunia (A)10. Acreditamos que com o uso de forma contínua os resultados são superiores, entretanto, novos estudos são necessários para sustentar esta afirmação e também avaliar os resultados a longo prazo.

Progestágenos: Os progestágenos levam à hipotrofia endometrial e podem ser administrados por via oral, intramuscular ou por meio de implantes dérmicos e sua efetividade, independentemente da via, oscila em torno de 80%11,12. Segundo revisão da Fundação Cochrane, os progestágenos são efetivos na redução da dor associada á endometriose, entretanto salientam que mais estudos são necessários e, principalmente uma avaliação da efetividade em longo prazo devem ser objetivados (A)13.

Os seguintes progestágenos foram utilizados para o tratamento da dor e endometriose:

Gestrinona 2,5-5,0mg/diaAcetato de megestrol 40mg/diaAcetato de norentindrona 5,0mg/diaMedroxiprogesterona oral 30mg/diaMedroxiprogesterona IM 150mg/trimestralMedroxiprogesterona SC 104mg/trimestral

Lembrar que os principais efeitos colaterais são o ganho de peso e a depressão. Isto faz com que uma criteriosa avaliação do estado psíquico deva ser realizada, visto que cerca de 40% das pacientes com endometriose tem depressão. Foi relatado, também, pequena diminuição de massa óssea em mulheres que utilizam progesterona por longo período de tempo. Não é, porém justificada a monitorização por meio de densitometria óssea das usuárias em longo prazo. O benefício da suplementação de cálcio e vitamina D, nestas mulheres, ainda é controverso14.

*Endoceptivo de levonorgestrel(SIU-LNG): relatos de série de casos mostraram que o endoceptivo é eficaz no alívio da dor em mulheres com endometriose. Entretanto, a Fundação Cochrane encontrou apenas um ensaio clínico utilizando-o que evidenciou redução no tempo de recorrência da dor após a cirurgia15. O SIU_LNG tem efeito por cinco anos após a inserção e deve ser reservado para aquelas que não têm desejo de gestação a curto prazo.

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Danazol: É um derivado da 17 α-etiniltestosterona e tem ações sobre os receptores de androgênios, progesterona e glicocorticóides inibindo a esteroidogênese, aumentando a fração livre da testosterona e tem também, ação imunomoduladora. Portanto, atua bloqueando o eixo hipotálamo-hipófise-ovário e também no microambiente peritoneal, levando á diminuição do processo inflamatório e regressão dos implantes. A dose preconizada varia de 400 a 800 mg/dia, devendo ser alcançada a amenorréia e alívio da dor com a menor posologia possível, a efetividade da droga é de aproximadamente 90%16. Segundo a Cochrane, apesar dos poucos estudos, o danazol é eficaz para o alívio da dor, entretanto seu uso é restrito devido aos efeitos colaterais acentuados, principalmente os hiperandrogênicos. Porém, seus efeitos colaterais como a hepatopatia, ganho de peso, edema generalizado, fadiga, redução do volume mamário, acnes, aumento da oleosidade na pele limitam o uso da medicação (A)17.

Análogos agonistas do GnRH (a-GnRH): Esta classe de medicação atuam na hipófise levando á desensibilização dos receptores de GnRH, impedindo a síntese hipofisária de LH e FSH e como consequência o bloqueio da produção de estrogênios pelos ovários. São diversas as formulações:

Acetato de nafarrelina - spray intranasal - uma pulverização a cada 12 horas Acetato de Gosserrelina 3,6 ou 10,8 - subcutâneo - a cada 28 ou 90 diasAcetato de Leuprolide 3,75 ou 11,25 - intramuscular - a cada 28 ou 90 diasPamoato de Triptorrelina 3,75 - intramuscular - a cada 28 dias

A medicação deve ser iniciada nos primeiros dias do ciclo menstrual, visando minimizar o efeito da descarga maciça de estrogênio que ocorre após a primeira aplicação (efeito“flare up”). Lembrar que é sempre aconselhável o uso de método contraceptivo de barreira durante a utilização dos análogos, principalmente nos primeiros 30 dias.

A formulação trimestral leva á períodos maiores e indeterminados de bloqueio ovariano, deve, portanto, ser reservada para aquelas pacientes sem desejo reprodutivo á curto prazo. Nas outras, a injeção mensal é mais adequada.

Como a medicação induz a um estado de hipoestrogenismo quase que absoluto, os sinais e sintomas da pós-menopausa são frequentes. Fogachos, secura vaginal, queda da libido, alterações emocionais e, principalmente diminuição de massa óssea. Mulheres que utilizam a medicação pelo período de seis meses tem diminuição de cerca de 6% de massa óssea. Desta forma, o uso de adição hormonal (“add-back therapy”) é recomendável, visto que além de diminuir os sintomas desagradáveis do hipoestrogenismo, melhorando a qualidade de vida das usuárias, impede a redução de

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massa óssea7. Diversos estudos relataram que o uso de adição hormonal não diminui o sucesso do tratamento com análogos do GnRH. Para este fim, diversas drogas já foram estudadas:

Noretindrona 5mg/dia• Tibolona 1,25mg/dia• 17 β estradiol 1mg/dia• Estrogênios eq. conjugados 0,3 mg/dia•

Cumpre salientar que a adição hormonal deve ser iniciada 30 dias após o início do uso do a-GnRH e se entender até 30 dias após o término da terapia.

O tempo de uso da medicação não deve ser superior á seis meses e após este período a paciente deve ser mantida em amenorréia com contraceptivo hormonal (D)18.

Mais recentemente, uma nova classe de medicação foi elencada para o tratamento da endometriose, os inibidores da aromatase. Seu uso pauta-se principalmente na capacidade de alguns focos de endometriose conseguir expressar a enzima p450 aromatase, enzima responsável pela conversão de andrógenos em estrógenos. Deste modo, as células ectópicas produzem seu próprio estrógeno a partir da testosterona circulante, anulando os efeitos do bloqueio ovariano. Os inibidores da aromatase de terceira geração competitivos são o Letrozole e o Anatrozole que se fixam no sítio ativo da enzima impedindo sua interação com os esteróides, já o Exemestane inativa, a capacidade da sua conversão e assim destrói a enzima. Em revisão sistemática observou-se que os inibidores da aromatase, quando utilizados em conjunto com progestágenos, pílulas combinadas ou os análogos do GnRH levam a diminuição significativa da dor. Entretanto, novos estudos ainda são necessários para que esta droga seja incorporada na rotina de tratamento de mulheres com dor pélvica e endometriose (A)19.

Terapias não medicamentosas:

Acupuntura•

Poucos são os estudos que procuraram avaliar a eficácia da acupuntura em mulheres com dor pélvica e endometriose. Soma-se a isto o fato de que a maioria deles esta publicada em jornais orientais, de linguagem pouco acessível. Entretanto, relatos de série de casos mostram que a acupuntura pode ser benéfica neste grupo de pacientes. Informações sobre a efetividade após o término das sessões ou do benefício se utilizado com adjuvante do tratamento clínico tradicional ainda não estão disponíveis.

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Fisioterapia•

As ferramentas de fisioterapia como técnicas de eletroestimulação ou terapias manuais ainda não foram analisadas de forma adequada no que se refere ao tratamento da dor em pacientes com endometriose. Dados reportam melhora da dismenorréia e na dor, porém são técnicas paliativas e não de tratamento.

De grande importância são as alterações devidas á endometriose. Diversos estudos mostram que o tempo entre o início dos sintomas álgicos e o diagnóstico e tratamento da doença é muito longo. Este longo período de dor, sem diagnóstico, leva a alterações musculoesqueléticas relevantes denominadas de “postura típica na dor pélvica” (typical pelvic pain posture). A identificação das mulheres com esta alteração e o correto tratamento por meio de técnicas fisioterapêuticas é de fundamental importância para o sucesso do manejo da dor. Outras alterações, mormente as de assoalho pélvico, também são encontradas. A utilização de técnicas manuais, como massagem perineal, é indicada quando se encontra espasmos ou pontos gatinho nesta região, já que estes são responsáveis, em alguns casos, pela perpetuação da dispareunia mesmo após tratamento radical da doença. Portanto, a avaliação fisioterapêutica dos distúrbios osteomusculares deve fazer parte da rotina propedêutica das mulheres com dor pélvica.

Psicanálise•

A demora no diagnóstico da doença leva, também, à alterações emocionais importantes. O ginecologista deve estar atento á demanda, neste grupo de pacientes, pelo atendimento psicoterapêutico. Em alguns casos o uso de antidepressivos se faz necessários e a droga deve ser escolhida levando-se em consideração diversos outros fatores inerentes ás características pessoais da paciente.

Conclusões

Não existem dados consistentes de literatura que afirmem qual a melhor opção, clínica ou cirúrgica, para o tratamento da dor em mulheres com endometriose. Os problemas relacionados á abordagem cirúrgica como o alto custo, alta morbidade, necessidade de treinamento e a dificuldade de atender todas as mulheres portadoras da doença, faz com que a terapêutica medicamentosa, com anticoncepcionais orais ou análogos do GnRH, possa ser considerada inicialmente em mulheres com suspeita clínica ou radiológica de endometriose. Sendo a cirurgia, com exceção dos casos de endometrioma, reservada àquelas que não obtêm alívio dos sintomas.

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DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSE:

Dr. Eduardo Schor: Palestrante eventual e participação em congresso internacional por patrocínio da Aztrazeneca.

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ABORDAGEM CIRÚRGICA DA DOR NA ENDOMETRIOSE

1. Introdução

1.1 – Quadro clínico

Os sintomas da endometriose são variáveis e frequentemente não estão relacionados à extensão da doença. As queixas mais frequentes de mulheres com endometriose são dismenorréia, dispareunia e dor pélvica1(B). Muitas mulheres percorrer consultórios ginecológicos por até mais de 7 anos até se estabelecer um diagnóstico definitivo1(B).

O diagnóstico de endometriose deveria ser considerado em todas as mulheres em idade reprodutiva com queixa de dor pélvica. Sempre devemos levar em conta os seis sintomas principais: dismenorréia, dor pélvica acíclica, dispareunia, infertilidade, alterações urinárias cíclicas e alterações intestinais cíclicas. A associação de sintomas com alterações do exame físico são bastante indicativas de endometriose. Em 2005, Fauconnier e Chapron2 (B) publicaram os principais sintomas álgicos relacionando com os locais acometidos pela doença e a tabela 1 resume estes sintomas.

1.2 – Classificação

A maioria dos serviços utiliza classificação da Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva3 (D) (ASRM), que divide em 4 grupos: mínima (I), leve (II), moderada (III) e severa (IV), como podemos observar na figura 1. No entanto, essa é uma classificação que recebe muitas criticas, pois não se relaciona à intensidade da dor, nem com o prognóstico de melhora desta com a realização dos tratamentos clínicos ou cirúrgicos4 (A).

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Tabela 1 – locais e sintomas de endometriose

Local da doença Sintoma

Órgãos reprodutivos

femininos Dismenorréia

Dor pélvica acíclica

Dispareunia

Infertilidade

Irregularidade menstrual

Dor pélvica aguda (ruptura ou torção de

endometrioma)

Lombalgia

Trato

gastrointestinal Hematoquezia cíclica

Disquezia cíclica

Tenesmo

Suboclusão intestinal

Oclusão intestinal

Trato urinário Hematúria cíclica

Disúria cíclica

Insuficiência renal pós-renal (obstrutiva)

Cicatriz cirúrgica ou

cicatriz umbilical Dor e/ou sangramento cíclico

Pulmão Hemoptise catamenial

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Figura 1 - Estadiamento de endometriose da American Society for Reproductive Medicine - ASRM - 19963

2. Avaliação pré-operatória

Atualmente, a avaliação pré-operatória cuidadosa permite a determinação dos locais de doença, o que possibilita que possíveis dificuldades cirúrgicas e eventuais complicações intraoperatórias sejam antecipadas. O exame físico e a realização dos exames axiliares adequados, são muito importantes para o planejamento terapêutico.

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Os principais métodos de imagem utilizados para o diagnóstico da endometriose pro-funda são: ultrassonografia endoscópica transretal (USTR), ultrassonografia transvagi-nal (USTV) e ressonância magnética (RM)5 (A).

Em 2005, a sociedade Européia (ESHRE) publicou seu consenso para o diagnóstico e tratamento de endometriose e considerou a USTV e a RM como exames recomen-dados para o diagnóstico pré-operatório6 (D). Atualmente pode-se considerar a USTV (principalmente com preparo intestinal) como o exame de primeira linha na avaliação da endometriose profunda devido à sua alta acurácia, menor custo, maior numero de equipamentos instalados e à possibilidade de avaliar os demais sítios da doença, mas, para a sua realização a contento são necessários profissionais e protocolos especializa-dos5, 7 (A).

Sendo assim, um protocolo sugerido para avaliação das pacientes com suspeita de endometriose pode ser visualizado na figura 2.

Figura 2 – Orientação propedêutica no diagnóstico da endometriose – Protocolo Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo.QC=quadro clínico; USTV = Ultrassonografia transvagina; USTR = Ultrassonografia transretal; RM = Ressonância Magnética.

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3. Indicação cirúrgica

A decisão sobre a realização de tratamento clínico ou cirúrgico depende, de forma preponderante, do quadro clínico, assim como do desejo reprodutivo, da idade da paciente e das características das lesões. As informações que os métodos de imagem pode nos oferecer que são necessárias para o planejamento cirúrgico são: locais comprometidos pela doença como ovários ou focos profundos em região retrocervical, vaginal, septo retovaginal, lesões do trato urinário ou digestivo, nas quais devemos considerar o tamanho e número de lesões, camadas da parede intestinal comprometida, circunferência da alça envolvida e a distância da borda anal (nas lesões de retossigmóide)8,

9 (A).

4. Tratamento cirúrgico

4.1 – Importância da avaliação laparoscópica minuciosa

Deve ser feito um inventário da cavidade completo, com avaliação do abdome superior, região perihepática, diafragma e epigástrica, alças intestinais, reto e sigmóide e trato urinário, avaliando principalmente bexiga e ureteres. Com relação ao aparelho reprodutor feminino, devemos avaliar todo o peritônio pélvico, os ovários, fossas ováricas e tubas uterinas, região retrocervical, com avaliação dos ligamentos uterossacros e fundo de saco de Douglas e ao próprio útero10 (B).

Algumas vezes, a palpação é melhor instrumento do que a própria visualização para identificar regiões acometidas por implantes de endometriose, assim sendo, a utilização de algum palpador pelo trocarte acessório e o toque vaginal e/ou retal realizado pelo segundo auxiliar, pode ser de grande valia na avaliação da pelve.

4.2 – Manejo cirúrgico da dor na endometriose pélvica

O objetivo da cirurgia é remover ou destruir todos os focos visíveis e/ou palpáveis de endometriose em uma única cirurgia (one shot surgery) diminuindo, desta forma, os escores de dor e melhorando a qualidade de vida e os índices de fertilidade11 (B).

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4.3 – Tratamento cirúrgico

O tratamento cirúrgico da endometriose deve ser preferencialmente conservador. Sendo assim, os implantes da doença são excisados ou cauterizados laparoscopicamente, deixando os órgãos reprodutivos intactos e em alguns casos podem ser combinadas com procedimentos de denervação para alívio de sintomas álgicos.

Os implantes endometrióticos podem ser removidos da pelve através de excisão cirúrgica ou ainda pode ser realizada sua cauterização. Os dois tipos de cirurgia podem ser realizados através do uso do laser ou da eletrocirurgia6 (D).

4.3.1 – Endometriose peritoneal superficial

Os implantes peritoneais podem ocorrer ao longo da membrana peritoneal, podem ter vários tipos de apresentação, como lesões negras, vermelhas, falhas de peritônio, entre outras; todas essas são tipicamente superficiais12 (C). Tanto o laser de CO2, quanto a eletrocirurgia podem ser utilizados na ablação destes focos, os quais também podem ser excisados com tesoura.

Classicamente descreve-se melhora de 60 a 70% dos sintomas de pacientes com dismenorréia e dispareunia após a ablação de implantes endometrióticos peritoniais13 (C).

4.3.2 – Endometriose profunda retrocervical, de cúpula vaginal e de ligamentos útero-sacros

A endometriose profunda pode envolver as regiões retrocervical, os ligamentos uterossacros, a cúpula vaginal e a fáscia retovaginal. Diferentes tipos de abordagem dessas lesões profundas foram descritas, no entanto, não existe nenhum estudo controlado e randomizado comparando-as. É consenso, entretanto, que se deve realizar a excisão completa dos focos em toda a sua extensão6, 14 (D, C). Nas figuras 3 e 4, podemos observar diferentes apresentações da endometriose retrocervical.

Classicamente utiliza-se energia monopolar para a excisão completa dos focos profundos de endometriose nessas regiões. Devemos sempre ter atenção especial com os ureteres, que podem estar bastante próximos das lesões profundas de ligamentos útero-sacros. O ginecologista deve considerar a necessidade de identificação dos ureteres num nível proximal em relação às lesões e acompanhá-los para realizar a ressecção dos focos

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profundos preservando os ureteres. Nos casos de lesões de cúpula vaginal, normalmente a vagina acaba sendo aberta durante o procedimento laparoscópico e devemos suturá-la ( por via vaginal ou laparoscópica).

Kristensen & Kjer em 2007, publicaram série retrospectiva avaliando a melhora nos índices de qualidade de vida e de escores de dor após a ressecção de lesões retrocervicais e observaram significativa melhora após o ato cirúrgico, quando avaliaram todos os sintomas álgicos relacionados com a endometriose (C). Sendo assim, podemos concluir que a ressecção completa das lesões, em mulheres sintomáticas, pode melhorar sua qualidade de vida15 (C).

Figura 3 – Endometriose profunda de ligamento utero-sacro esquerdo

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Figura 4 – Endometriose profunda de ligamento utero-sacro esquerdo e fossa subovárica

4.3.3 – Endometriose intestinal

Apesar de o tratamento cirúrgico com ressecção da área acometida ser a forma terapêutica mais efetiva em casos de endometriose intestinal, com alivio dos sintomas ginecológicos e digestivos e controle da dor14 (C), ainda existe controvérsia quanto à indicação destes procedimentos, já que as taxas de complicações podem ser elevadas16

(C).

Em decorrência das nuances específicas do reto, no que tange aos aspectos anatômicos, o que implica em dificuldades cirúrgicas e possibilidade de ocorrência de complicações operatórias, surge o questionamento quanto à melhor opção, a ressecção segmentar ou em disco. A via laparoscópica de acesso parece ser adequada, sendo factível e segura17

(C) e as taxas de conversão para laparotomia giram em torno de 7,8%18 (D).

Na ressecção segmentar, devemos realizar toda a liberação do reto. O procedimento

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cirúrgico começa, na realidade, com a escolha do local para a abertura do retroperitônio. Disseca-se o espaço pararetal, entre o ureter e o ligamento largo, disseca-se a região retrocervical (habitualmente aderida) e isola-se a lesão. Em nossa experiência, se a lesão tiver até 2,0cm de diâmetro e comprometer menos de 1/3 da circunferência, podemos realizar a ressecção em disco, caso contrário, procedemos à ressecção segmentar, com o auxílio de grampeadores endoscópicos. Na ressecção segmentar, emprega-se a técnica do duplo grampeamento, ou seja, o linear (por via endoscópica) distal à lesão, com exteriorização do segmento a ser ressecado através de ampliação da punção de fossa ilíaca e ressecção sob visão direta. Em seguida, após o fechamento da bolsa do sigmóide, fecha-se a incisão e através da introdução de grampeador circular por via retal, realiza-se a anastomose.

Na ressecção em disco, após o isolamento da lesão, dá-se um ponto em cima da lesão (para sua identificação), introduz-se o grampeador circular por via retal e invagina-se a lesão para dentro do grampeador.

Dentre as complicações, podemos citar: fístulas digestivas, vaginais e ureterais; deiscência de anastomose; lesão de alça ou ureter inadvertida, subolcuão intestinal e, como em qualquer cirurgia, hemorragia e infecção14 (C).

A ressecção completa do tecido comprometido, tanto através da ressecção em disco de toda a espessura da parede anterior do reto como pela ressecção de segmento do reto, apresentam baixas taxas de morbidade e recidiva14, 18 (C). Alguns grupos relatam uma recidiva de até 30% e de complicações maiores entre 12 e 13%14 (C). Apesar da possibilidade das margens após ressecção em disco estarem comprometidas em até 40% dos casos19 (C), não existem estudos controlados que comparem a ressecção em disco com as ressecções segmentares. Este procedimento pode ser executado em pacientes que apresentem nódulos de até 2 cm e que comprometam menos de um terço da parede do reto20 (C).

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Na figura 5, podemos observar um exemplo de acometimento intestinal.

Figura 5 – Endometriose intestinal aderida a peritônio pélvico

Dubernard et al, em 2008, publicaram estudo prospectivo, onde avaliaram 93 mulheres, com a aplicação de questionário de qualidade de vida (SF-36) antes e após a retossigmoidectomia e puderam observar em todos os parâmetros avaliados, melhora dos escores, indicando, mais uma vez, que a excisão cirúrgica das lesões endometrióticas, em mulheres sintomáticas, é bastante benéfica21 (A).

A endometriose do apêndice é encontrada em 2,8% da pacientes com endometriose e, em pacientes com dor na fossa ilíaca direita, deve ser investigada22 (A), como observado nas figuras 6 e 7. Entre os diagnósticos diferenciais, deve-se considerar o tumor carcinóide de apêndice, cuja prevalência na população geral é estimada em 1 caso em 100.000 pessoas23 (B). A prevalência na população geral, com indicação de apendicectomia, é de 0.3 a 0.9%24 (B).

Em uma série de 106 laparoscopias indicadas por endometrioma ovariano, 37 pacientes

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foram submetidas à apendicectomia. Destas 13,2%, tinham endometriose e 2,8% tumor carcinóide 25 (B).

Figura 6 – Endometriose de apêndice

Figura 7 – Endometriose de apêndice

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Outra forma menos comum de acometimento intestinal pela endometriose é a ileal. Entidade rara, geralmente apresenta-se através de um achado de exame ou ainda com um quadro de obstrução intestinal aguda. Sendo assim, sempre que dagnosticado, ainda que a paciente seja assintomática, deve-se realizar a ressecção cirúrgica do segmento de alça acometido, evitando-se desta forma possíveis complicações26 (C).

4.3.4 – Endometriomas

O endometrioma de ovário pode ser abordado por diversas técnicas cirúrgicas, de complexidade variável, geralmente com bons resultados27 (C). A simples drenagem, no entanto mostrou-se ineficaz na abordagem do endometrioma ovariano28 (D) e a maioria dos autores preconiza a retirada da cápsula como o melhor tratamento29 (C) (Figura 8). A destruição da cápsula com eletrocautério ou laser faz com que se prejudique o estudo anatomopatológico da totalidade da cápsula, pois embora se faça a biópsia, trata-se apenas de um fragmento. Por outro lado, o argumento de Donnez28 (D) de que a retirada da cápsula pode lesar o parênquima ovariano diminuindo a população de folículos tem uma lógica aparente, embora não haja comprovação desta teoria.

Alguns estudos na literatura têm mostrado o alívio dos sintomas álgicos após o tratamento cirúrgico do endometrioma, entretanto, não falaram na mensuração da dor30 (C) Beretta et al, em 1998, avaliou dismenorréia, dispareunia e dor pélvica acíclica, utilizando a escala visual analogical de dor, mostrando bons resultados de melhora da dor e com baixas taxas de recidiva31 (A).

Figura 8 – Cistectomia de endometriose ovariana

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4.3.5 – Endometriose do trato urinário

A endometriose do trato urinário é entidade rara, acometendo aproximadamente 1% de todas as pacientes com endometriose32 (C).

Em estudo realizado no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, Abrão et al, em 2009, encontrou em uma amostra de 690 pacientes com diagnóstico confirmado de endometriose, 38 pacientes com o trato urinário acometido (5,5%), sendo que destes 26 (68,5%) tinham a bexiga (Figura 9) comprometida e 12 (31,5%) o ureter32 (C).

Figura 9 – Endometriose Vesical

O tratamento cirúrgico da endometriose de ureter a cirurgia conservadora, com ureterólise e ressecção das lesões localizadas nesse sítio, para alívio dos sintomas obstrutivos. Se a bexiga é envolvida, a ressecção completa das lesões por via laparoscópica ou laparotômica é o tratamento de escolha e devemos lembrar que pode haver necessidade de sutura da parede vesical33 (C).

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Infelizmente, devido à sua pouca frequência, não existem trabalhos controlados avaliando a melhora dos sintomas antes e após a cirurgia para endometrioses do trato urinário.

Resumo

Os sintomas dolorosos decorrentes da endometriose podem ser controlados com tratamento clínico ou cirúrgico. A terapia médica proporciona alívio sintomático, enquanto as drogas estão sendo tomadas, sem cura a longo prazo. Os procedimentos cirúrgicos mostrados são opções para fornecer o alívio, a longo prazo, dos sintomas dolorosos.

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ENDOMETRIOSE PÉLVICA EM ADOLESCENTES

Foi realizada uma pesquisa bibliográfica em base de Dados do PubMed (National Library of Medicine), Scielo, utilizando as palavras chave relacionadas a endometriose e adolescência. Foram selecionados os artigos mais relevantes publicados neste últimos anos.

Grau de recomendação e força de evidência científica

A) Estudos experimentais ou observacionais de melhor consistência.B) Estudos experimentais ou observacionais de menor consistência.C) Relatos de casos (estudos não controlados).D) Opinião desprovida de avaliação crítica, baseada em consensos, estudos fisiológicos ou modelos animais.

Objetivos:

Orientar ginecologistas e clínicos, dentro das evidências disponíveis atualmente na literatura científica, estabelecer estratégias para o diagnóstico e tratamento de adolescentes na suspeita de endometriose, determinar um consenso nacional uniformizando condutas frente a estes casos e com base científica.

Procedimentos:

- Conceito- Epidemiologia- Fisiopatologia- Manifestações clínicas- Diagnóstico de endometriose na adolescência- Abordagem terapêutica- Tratamento medicamentoso- Tratamento cirúrgico- Tratamento alternativo da dor e abordagem multiprofissional- Considerações finais- Fluxograma

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Introdução

A endometriose pélvica é a presença de glândulas e/ou estroma endometrial em localizações anormais, fora da cavidade uterina. É a principal causa de algia pélvica e infertilidade em mulheres de idade reprodutiva. Também é uma causa comum de dor e dismenorréia em adolescentes, afetando cerca de 45 a 70% daquelas com dor pélvica crônica (Propst & Laufer; 1999) (B).

A endometriose ocorre predominantemente em mulheres em idade reprodutiva, porém já foi descrita em faixa etária de 10,5 anos até 76 anos (Propst & Laufer; 1999). Bullock et al. (1974) identificaram um caso de endometriose pélvica em uma adolescente no ano de 1973. Mais tarde, Goldstein et al. (1979) e Chatman & Ward (1982) descreveram séries de casos no final dos anos 70 e início dos anos 80 (C). Desde os anos 80, começou-se a pensar no diagnóstico e o tratamento invasivo, através da laparoscopia com remoção dos implantes de endometriose em adolescentes com dismenorréia severa, dor pélvica crônica e sangramento irregular. No final da década de 90, observou-se que a endometriose, em grande porcentagem das adolescentes, ocorre em estádio leve (ASRM; 1996), com limitações no seu diagnóstico clínico, a moderada, cuja abordagem cirúrgica é cautelosa para a preservação da fertilidade. Assim, em todos estes anos, a endometriose em adolescentes vem sendo reconhecida como uma causa importante de dor pélvica, entretanto, ainda hoje, as referências sobre endometriose em adolescentes na literatura são poucas (Attaran & Gidwani; 2003) (B).

Epidemiologia

A determinação precisa da prevalência de endometriose pélvica em adolescentes é difícil, uma vez que só pode ser diagnosticada à cirurgia (Propst & Laufer; 1999). Estima-se que 4 a 17% das adolescentes pós-menarca possuem endometriose. Têm-se descrito uma taxa de 20 a 70% de endometriose em adolescentes submetidas à videolaparoscopia por dor pélvica crônica não responsiva ao uso de anti-inflamatórios não hormonais e anticoncepcionais hormonais orais (Laufer et al.; 2003) (B).

Vercellini et al. (1989) descreveram uma incidência de 38% de endometriose em 47 adolescentes. Este estudo foi conduzido entre 1983 e 1987. Verificaram que, ao incluir lesões atípicas, aumentaram os casos para 52% (C). Ainda, Laufer et al. (1997), relataram incidência de 67,4% de endometriose entre as mulheres avaliadas no Children´s Hospital de Boston (C). Observou-se que a maior parte das adolescentes com dor pélvica crônica que não respondem ao tratamento medicamentoso, apresentaram

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implantes de endometriose a videolaparoscopia (Attaran & Gidwani; 2003) (B).

A incidência de endometriose pélvica em adolescentes com dor pélvica tende a aumentar com a idade. Algumas mulheres podem ter predisposição genética para o seu desenvolvimento. O diagnóstico de endometriose deve ser suspeitado em adolescentes sintomáticas com história familiar desta moléstia. As adolescentes com anormalidades do trato genital também têm maior risco para o seu desenvolvimento. As principais são as anomalias uterinas, agenesia cervical ou estenose, septo vaginal e hímen imperfurado. As adolescentes com malformações mullerianas obstrutivas e endométrio funcionantes frequentemente apresentam endometriose severa, mesmo em adolescência precoce (Propst & Laufer, 1999; Pandis et al.; 2009) (B,D).

Diagnóstico de endometriose na adolescência

A endometriose pélvica é a condição patológica mais comum na pelve de adolescentes com algia pélvica crônica. Outros diagnósticos diferenciais em adolescentes com dor pélvica crônica são aderências pélvicas, cistos ovarianos e paratubais, malformações uterinas, doença inflamatória pélvica e alterações do trato urinário (Propst & Laufer; 1999, Laufer; 2003) (B).

O padrão da dor pode variar. A dor pélvica crônica em adolescentes pode ser cíclica ou não cíclica. Nas adultas, a dor é mais frequentemente cíclica. Algumas mulheres experimentam a dismenorréia e a dor no meio do ciclo menstrual. Ao contrário da dismenorréia funcional, a dor associada à endometriose tende a aumentar ao longo do tempo e pode ocorrer por todo o mês. Sintomas vesicais ou intestinais são comuns nesta faixa etária, normalmente associados aos períodos menstruais (Propst & Laufer; 1999) (B).

A intensidade da dor é variável. A dor pélvica associada à endometriose pode ser intensa independente do seu estádio. Fedele et al. (1990) não encontraram relação entre o estadiamento da endometriose, o local das lesões e a severidade da dor (C) .

Outros achados ao exame físico podem variar. Goldstein et al. (1979) relataram exame pélvico normal em 17% das mulheres. Já Chatman & Ward (1982) não relataram anormalidades no exame físico em apenas 7% das mulheres. Os cistos endometrióticos (endometriomas) são menos comuns nesta idade. Frequentemente observam-se outros achados físicos sugestivos de endometriose, como útero fixo e retrovertido, anormalidades nos ligamentos útero-sacros, lateralização da cérvice e estenose cervical

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(Propst & Laufer; 1999). Chatman & Ward (1982) em sua série de casos relataram hipersensibilidade em fundo de saco em 78% das mulheres e tumoração no mesmo local em 36% das mulheres (B,C).

O exame físico deve ser o mais completo possível, com investigação de possíveis anomalias congênitas em todos os órgãos e sistemas (Batt & Mitwally; 2003). Esta avaliação pode ser prejudicada nas adolescentes, especialmente se a mesma não é sexualmente ativa. É importante sempre excluir tumor ou outras causas de dor pélvica, pois, os implantes, mesmo quando presentes podem ser assintomáticos (Attaran & Gidwani; 2003, Laufer et al.; 2003) (B,C,D).

A avaliação ultrassonográfica é frequentemente utilizada no diagnóstico diferencial da dor pélvica. Os cistos endometrióticos ou endometriomas são frequentemente identificados em adultos, porém, raramente visualizados em adolescentes (Laufer et al.; 2003). Normalmente a ultrassonografia tem menor especificidade no diagnóstico de endometriose em estádios iniciais, sem comprometimento ovariano (Attaran & Gidwani; 2003) (B).

O diagnóstico definitivo da endometriose é determinado pela videolaparoscopia, com estudo anatomopatológico das lesões biopsiadas. A doença é estadiada utilizando-se os critérios revisados da Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva (ASRM; 1996).

Mesmo sem a videolaparoscopia, a propedêutica atual, quando bem realizada, favorece o diagnóstico de mulheres com endometriose, tendo como base uma anamnese detalhada, exame físico e ginecológico detalhado, avaliação do tempo de duração da dor cíclica e não cíclica, ausência de resposta aos anticoncepcionais orais e anti-inflamatórios não hormonais, exames laboratoriais e ultrassonográficos (Attaran & Gidwani; 2003).

O CA-125 é um antígeno de superfície celular encontrado em produtos do epitélio celômico original. Está elevado em mulheres com endometriose nos estádios mais avançados. O CA-125 pode ser útil como marcador à resposta ao tratamento, recorrência da doença e no diagnóstico diferencial de outros cistos ovarianos. Outros exames laboratoriais normalmente são normais (Propst & Laufer; 1999, Attaran & Gidwani; 2003) (B).

Pesquisadores estão investigando marcadores séricos ou no fluido peritoneal. Infelizmente, marcadores específicos em todos os estádios da doença não estão disponíveis atualmente (Batt & Mitwally; 2003) (D).

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Abordagem terapêutica

A endometriose pélvica é uma doença crônica e progressiva e o tratamento definitivo não está estabelecido. Assim, as adolescentes com diagnóstico de endometriose deverão realizar seguimento por toda vida reprodutiva (Ventolini et al.; 2005). Tradicionalmente, o tratamento da dismenorréia pode ser realizado com AINHs ou ACHOs. Se não houver resposta, é importante descartar endometriose (Laufer et al.; 2003) (D,B).

O tratamento ideal para adolescentes e mulheres com endometriose ainda é discutível. As mulheres e seus pais necessitam entender os prós e contras da cirurgia, do tratamento medicamentoso, e que a recorrência da endometriose é possível (Propst & Laufer; 1999).

O manejo da dor é o principal objetivo quando se trata de adolescentes com endometriose. A dor pélvica é considerada crônica quando tem pelo menos 6 meses de duração. Quando se trabalha com adolescentes é importante perceber que 6 meses de dor podem interferir nas atividades escolares e sociais da paciente de forma significativa, então muitas vezes recomenda-se a videolaparoscopia neste período (Laufer et al.; 2003, Pandis et al.; 2009) (B,D) .

O segundo objetivo é a manutenção da fertilidade. As mulheres preocupam-se com a demora no diagnóstico e com o fato de que mesmo com o tratamento, a doença pode progredir e deixá-las inférteis. Na prática, geralmente tenta-se prolongar o tratamento medicamentoso, para posteriormente, se necessário, realizar a cirurgia com exérese das lesões de endometriose. A demora no seu diagnóstico pode comprometer o perfil reprodutivo e a presença da dor intensa por período prolongado altera a qualidade de vida podendo levar a ansiedade e depressão (Sepulcri e Amaral; 2009) (B). Não há, até o presente, estudo randomizado que compara a eficácia do tratamento medicamentoso da dor versus o cirúrgico em adolescentes com endometriose. Os estudos de seguimento foram realizados preferencialmente em adultos (Laufer et al.; 2003) (D).

O tratamento medicamentoso visa atrofia do endométrio ectópico hormônio dependente, enquanto a cirurgia visa destruir permanentemente os focos ectópicos. Infelizmente, a duração do tratamento hormonal é limitada pelos seus efeitos colaterais. Da mesma forma, cirurgias de repetição podem ser prejudiciais à fertilidade da paciente. Devido à presença de implantes não ser necessariamente correlacionada com a dor, é difícil se comparar vários protocolos de tratamento (Attaran & Gidwani; 2003) (D).

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Tratamento medicamentoso

Anti-inflamatórios•

São indicados na dismenorréia primária e secundária e também como tratamento adjuvante na dor pélvica associada a endometriose (Laufer et al.; 2003).

Contraceptivos orais•

Devido aos poucos efeitos colaterais, custo acessível e a possibilidade de serem ingeridos indefinidamente, os contraceptivos orais têm sido a primeira escolha no tratamento de adolescentes. Existe, entretanto, pouca evidência científica justificando este uso para endometriose, como prevenção ou tratamento da doença. Sendo ingeridos ciclicamente, os ACHOs diminuem o revestimento endometrial, reduzindo então a quantidade de tecido produtor de prostaglandinas. Além disso, suprimem a ovulação e subsequentemente os sintomas da fase lútea da endometriose (Propst & Laufer; 1999) (C).

Quando ingeridos continuadamente, os ACHOs podem decidualizar os implantes de endométrio e causar remissão dos sintomas. Quando a dismenorréia é severa, o uso contínuo de ACHOs pode induzir amenorréia e subsequentemente aliviar os sintomas. Este tratamento é somente supressivo e não curativo. Foi relatado que este regime alivia a dor associada à endometriose em 80% das mulheres, embora o alívio possa ser transitório (Attaran & Gidwani; 2003). Pacientes devem ser instruídas de que pode haver sangramento irregular por até 3 meses, quando a amenorréia se estabelece. Preferencialmente um ACHO progesterona-dominante deve ser iniciado, o que evitaria proliferação do endométrio, sem muitos efeitos colaterais. Um exemplo de ACHOs com maior quantidade de progestágenos são aqueles contendo norgestrel, noretindrona e diacetato de etinodiol. Os trifásicos não devem ser utilizados pelas baixas e variáveis doses de progestágenos ao longo do mês (Propst & Laufer; 1999). Não há estudos controlados comparando o ACHO com os novos progestágenos (Cochrane; 2007).

Progestágenos•

Estes agentes causam decidualização do tecido endometrial ectópico, e subsequente atrofia. Em humanos, 100 mg de acetado de medroxiprogesterona diariamente causa completa remissão da endometriose em 50% das mulheres, enquanto apenas 12% foi notado no grupo que ingeriu placebo. Um alívio da dor de 90% foi observado nas mulheres que fizeram uso do tratamento com progestágenos. Nenhum estudo de longo

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prazo avaliou a evolução das mulheres após parada do uso de medroxiprogesterna. Os estudos existentes seguiram as mulheres pelo período máximo de um ano (Attaran & Gidwani; 2003).

Os progestágenos por via oral devem ser utilizados prioritariamente em relação aos injetáveis, pois assim que um efeito colateral é percebido, podem ser descontinuados imediatamente (Laufer et al.; 2003). Porém, devido à adesão a medicação normalmente ser mais problemática nas adolescentes.

O efeito colateral mais comum é sangramento vaginal anormal, o qual pode ser controlado por alguns dias de terapia estrogênica. Embora resultem em ganho de peso e acne, preocupações importantes de adolescentes, poucas mulheres descontinuam o medicamento em função do alívio obtido na dor. Outros efeitos colaterais incluem sensibilidade mamária, retenção hídrica e depressão. Existe preocupação sobre o impacto do uso a longo prazo de medroxiprogesterona nas lipoproteínas de alta densidade e na densidade óssea. Sabe-se que este uso está associado a diminuição da densidade óssea em algumas mulheres, e assim a monitoração do estradiol sérico e/ou da densidade óssea é recomendada. Nas mulheres de risco, baixas doses de estrogênio devem ser usadas. Uma grande vantagem é o baixo custo destes medicamentos (Attaran & Gidwani; 2003, Laufer et al.; 2003).

Danazol•

O danazol consiste em uma 17-α-etiniltestosterona derivada que cria um ambiente não cíclico, sendo tão eficaz no tratamento da endometriose quanto os análogos de GnRH. Seu uso diminui o volume de tecido endometrial ectópico e o torna não-funcionante, por induzir um estado hiperandrogênico-hipoestrogênico (Propst & Laufer; 1999). O danazol diminui a sintomatologia dolorosa, mas os sintomas colaterais androgênicos irreversíveis são substanciais como, ganho de peso, depressão, diminuição das mamas, calorões, pele e cabelos oleosos, acne, hirsutismo, engrossamento da voz. Estes efeitos são intoleráveis para população a adolescente, assim a medicação é contraindicada em adolescentes (Laufer et al.; 2003).

Análogos do GnRH•

Os aGnRH criam um ambiente hipoestrogênico, hipogonadal, o qual não é propício ao crescimento do tecido endometrial. São efetivos no tratamento da dor pélvica secundária a endometriose. Estudos que comparam o uso de aGnRH com placebo ou nenhum tratamento demonstraram que o uso dos agonistas causou decréscimo

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na sintomatologia dolorosa. Um tratamento de duração de 6 meses é normalmente recomendado (Attaran & Gidwani; 2003). Waller & Shaw (1993) relataram um período de follow-up de 7 anos, após 6 meses de tratamento com aGnRH. A probabilidade de recorrência dos sintomas foi de 10% após 1 ano e 50% após 5 anos. Os efeitos colaterais comuns atribuídos aos aGnRH são relacionados ao hipoestrogenismo. Incluem calorões, insônia e ressecamento vaginal. Não devem ser utilizados indefinidamente devido às preocupações sobre seus efeitos na densidade óssea. Uma diminuição na densidade mineral óssea de 3% após 6 meses de tratamento com aGnRH foi relatado na população adulta (Attaran & Gidwani; 2003). Pelo fato de que as adolescentes ainda não alcançaram sua densidade óssea máxima, um impacto mais sério na densidade óssea deve ser esperado nas adolescentes em tratamento com aGnRH. Sabe-se que o maior aumento no tamanho e densidade óssea ocorre na puberdade. A recuperação da massa óssea pode não estar completa mesmo um ano após o uso do medicamento (Propst & Laufer; 1999). As mulheres com endometriose devem, então, ser encorajadas a utilizar estratégias como realizar exercícios para perda de peso, aumentar a ingesta de cálcio e vitamina D, não consumir álcool e nem tabaco, os quais podem diminuir a perda óssea durante o tratamento com os análogos. Propst e Laufer (1999) oferecem tratamento com aGnRH somente para adolescentes com mais de 16 anos que já completaram sua maturação puberal, após tratamento cirúrgico.

Vários estudos investigaram o uso de aGnRH versus aGnRH com terapia adjuvante. A dor diminuiu significativamente em ambos os grupos, mas os efeitos colaterais foram bem menores no grupo que também utilizou a terapia adjuvante. Após 6 meses de tratamento, Moghissi (1996) demonstrou uma diminuição de 4,1% na densidade mineral óssea no grupo que ingeriu aGnRH sozinho comparativamente a 1,5% no grupo que usou também tratamento de reposição hormonal (0,625 mg de estrogênio conjugado mais 5 mg de medroxiprogesterona). Embora a densidade mineral óssea pareça recuperar-se em níveis semelhantes àqueles encontrados no grupo que recebeu terapia de reposição hormonal, ambos os grupos tiveram dor lombar inferior, e densidade mineral óssea comparável a níveis anteriores ao tratamento.

O uso prolongado destas medicações pode ser possível para mulheres adultas com endometriose diagnosticada, refratárias a outros medicamentos, segundo os mesmos. Quando o uso necessite ocorrer por mais de 9 meses, deve-se utilizar o tratamento adjuvante. Antes de prolongar o tratamento uma densitometria óssea deve ser realizada, e repetida em 6 meses. Se estável, poderá ser realizada novamente em 2 anos. Porém este tratamento de maior duração não foi estudado em adolescentes (Laufer et al.; 2003).

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Tratamento cirúrgico

Realiza-se através da videolaparoscopia com ablação ou ressecção da endometriose da forma menos invasiva e mais eficaz possível. Independentemente da técnica cirúrgica, o objetivo é remover todas as lesões visíveis, corrigir ou ressecar as aderências e restaurar a anatomia normal da pelve (Propst & Laufer; 1999, Pandis et al.; 2009) (B,D).

A laparotomia é menos realizada. Nos casos de endometriose ovariana deve-se preocupar em preservar a fertilidade (Attaran & Gidwani; 2003).

Devido ao papel da neurectomia presacral e do nervo uterosacral, como adjuvante a remoção dos focos de endometriose não estarem claramente definidos na literatura, não é recomendado o uso deste procedimento em adolescentes (Kennedy et al.; 2005) (A).

Não há documentação na literatura referindo método superior de destruição ou remoção dos implantes endometrióticos (Attaran & Gidwani; 2003).

O ginecologista deve estar familiarizado com a aparência dos implantes de endometriose mais comumente visualizados a videolaparoscopia nesta faixa etária (ASRM; 1996). A avaliação cirúrgica da pelve comumente revela lesões atípicas de endometriose em adolescentes. As lesões de endometriose mais encontradas são as pápulas claras ou petéquias (76%), lesões vermelhas (84%), lesões esbranquiçadas (44%), lesões negras (22%) e defeitos peritoneais (18%) (Laufer, Sanfilippo, Rose.; 2003). Estudo de casos comparou lesões em adolescentes e adultos. Concluíram que as lesões vermelho-vivas são mais comuns em adolescentes com endometriose do que em mulheres adultos. As lesões em pólvora são menos comuns em adolescentes, o que se deve ao fato de que estas lesões são mais antigas, relacionadas a implantes mais antigos. (Tabela 1)

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Sugere-se que as lesões claras e vermelhas sejam as lesões mais dolorosas em mulheres com endometriose (Laufer et al.; 2003). Pode haver uma progressão natural da endometriose de lesões atípicas em adolescentes para lesões típicas em mulheres adultas. Martin et al. (1989) relataram um padrão evolutivo de lesões discretas na adolescência para lesões típicas uma década mais tarde. Redwine (1987) relatou que lesões vermelhas e claras ocorrem em uma média de 10 anos antes de lesões enegrecidas (B,D).

Além disso, os defeitos peritoneais também são comuns em adolescentes e o ginecologista deve estar atento durante o procedimento cirúrgico. Devido às lesões claras serem difíceis de visualizar, Laufer (1997) descreveu uma técnica de instilação de soro na pelve à cirurgia e, após, realizar a inspeção da mesma sobre a água (B).

A visualização direta da pelve, mesmo cuidadosa, eventualmente, não exclui a endometriose pélvica. Assim, alguns autores recomendam, mesmo sem evidências de lesões de endometriose na videolaparoscopia, realização de biópsia de fundo de saco nos casos de dor pélvica a esclarecer. Um estudo do Children´s Hospital em Boston encontrou 3% de endometriose microscópica em adolescentes com pelve normal à videolaparoscopia (Laufer et al.; 1997) (C).

Na videolaparoscopia a endometriose deve ser estadiada de acordo com a Classificação

Incidência _______________________________________________ 19-73%

Prevalência ________________________________________________ 47%

Incidência com dor pélvica crônica na pré-menarca ______________ 25-38%

Idade dos primeiros sintomas com início <20 anos __________________ 66%

Tempo médio de sintomas até o diagnóstico __________________9,28 anos

Apresentações em adolescentes

Mais comuns- dismenorreia _________________________________64-94%

Outras dores acíclicas ______________________________________36-91%

Tabela 1- Epidemiologia da endometriose na adolescência

Adaptado de Sanfilippo, Endometriosis in the adolescent, 186-195; 2008

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revisada de Endometriose da Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva (ASRM; 1996). Vários estudos confirmam a maior existência de endometriose em estádios iniciais em adolescentes. Em um estudo, o estádio I pode ser encontrado em 79% das adolescentes com endometriose, e o estádio II foi encontrado em 12,3% das mulheres (Reese et al.; 1996). Em série recente realizada por Propst e Laufer (1999), 77,4% das adolescentes tinham endometriose no estádio I e 22,6% no estádio II. Em um recente estudo realizado por Hornstein et al. (1995), a incidência de doença no estádio III e IV foi de 27%. As alterações na aparência e estádio sugerem provável progressão da doença com a idade (C,D).

A extensão e o número dos implantes não é um indicador da intensidade da dor ou do prognóstico com o tratamento. Vernon et al. (1986) demonstraram que lesões vermelhas são metabolicamente mais ativas que as enegrecidas (pretas ou marrons). Estas lesões produzem mais substâncias bioquímicas, como prostaglandinas. Aumento na prostaglandina F foi diretamente ligado a contração intensa dos músculos lisos, incluindo contrações intestinais e miometriais (Attaran & Gidwani; 2003) (B).

Pacientes com anomalias mullerianas obstrutivas têm maior probabilidade de se apresentarem nos estádios III e IV da doença em 11 a 40% dos casos; contudo, com alívio das lesões obstrutivas, a endometriose tende a regredir espontaneamente (Laufer; 2003). Em função disto, recomenda-se uma postura não agressiva, em se tratando de mulheres com anomalias mullerianas obstrutivas, não removendo os implantes endometriais quando da reconstrução pélvica. Na maioria dos casos, com o alívio da obstrução, estas mulheres ficam assintomáticas e sem dor (Attaran & Gidwani; 2003, Pandis et al.; 2009).

A cirurgia é eficaz em diminuir a dor da doença em taxas que variam de 38 a 100% em mulheres adultas, dependendo do ensaio realizado (Laufer et al.; 2003) (B).

Estudos demonstram alívio da dor em 82% das mulheres adultas um ano após cirurgia. Seguimento a longo prazo da dor pélvica após laparoscopia mostram taxa de 66% de redução da dor após 5 anos da cirurgia. Os implantes de endometriose reaparecem em 28% das mulheres no período de 18 meses, e, em 40%, 9 anos após o tratamento cirúrgico. Entretanto, a resposta a dor a ablação cirúrgica da endometriose tem-se manifestado superior em mulheres com endometriose no estádio I (Propst & Laufer; 1999). Conforme abordagem prévia, este é o estádio mais comum de endometriose em adolescentes (B).

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A laparotomia é menos realizada. Nos casos de endometriose ovariana deve-se preocupar em preservar a fertilidade (Attaran & Gidwani; 2003).

Devido ao papel da neurectomia pré-sacral e do nervo útero sacral, como adjuvante a remoção dos focos de endometriose não estarem claramente definidos na literatura, não é recomendado o uso deste procedimento em adolescentes (Kennedy et al.; 2005) (A). Não há documentação na literatura referindo método superior de destruição ou remoção dos implantes endometrióticos (Attaran & Gidwani; 2003).

Infertilidade

Embora a endometriose esteja relacionada à infertilidade, sua causa ainda não está bem estabelecida, exceto na presença de aderências na pelve. Estudo de Ventolini et al. (2005) demonstrou que quanto menor o estádio da doença no diagnóstico, de acordo com a Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva, maior a fertilidade na idade adulta. Os autores seguiram prospectivamente 28 adolescentes com diagnóstico de endometriose pélvica por 8,6 anos. Acredita-se que o tratamento cirúrgico da endometriose no seu estádio inicial pode aumentar as chances futuras de gravidez (C).

Tratamento alternativo da dor e abordagem multiprofissional

Os serviços para tratamento específico da dor pélvica frequentemente oferecem uma abordagem multidisciplinar. O tratamento visa o controle da dor e evita prejuízo funcional para as mulheres, como adjuvante ao tratamento convencional ou naquelas não responsivas ao tratamento (Laufer et al.; 2003) (D).

São utilizados: terapia cognitivo-comportamental, biofeedback, antidepressivos, estimulação elétrica transcutânea (TENS) e acupuntura. Dos 43 serviços pediátricos de tratamento da dor nos Estados Unidos da América (EUA), 30% oferecem acupuntura. Um consenso do Instituto de Saúde dos EUA concluiu que a acupuntura é efetiva no tratamento de certas formas de dor, incluindo a dismenorréia. Estudos controlados são necessários para avaliar as outras diversas formas de tratamentos não medicamentosos e multiprofissionais. Estas abordagens são de grande valia, uma vez que a endometriose de início na adolescência pode levar ao consumo abusivo de analgésicos a longo prazo, com danos à saúde da mulher (Greco; 2003) (D).

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Os aspectos nutricionais também são importantes, mas há poucos estudos controlados abordando estas desordens. Estudos recentes correlacionam o desenvolvimento intrauterino da endometriose. Há relatos abordando a exposição ao cigarro e os altos níveis de estrogênio durante a gestação pode aumentar o risco de desenvolvimento da doença (Louis, Hediger e Peña; 2007, Bell, et al.; 2008) (B,C).

Outro estudo prospectivo mostrou um aumento linear do desenvolvimento da doença em mulheres que nasceram com baixo peso, sendo de múltipla gestação ou não. (MISSMER et AL; 2008). Estudos de hábitos alimentares começam a direcionar alimentos que podem estar correlacionados de forma significativa com a endometriose como prevenção e terapêutica (Parazzini et al; 2004) (B).

Alguns nutrientes já vêm sendo considerados importantes para contribuir na redução da dor e inflamação relacionadas com endometriose, como os ácidos graxos essenciais, vitaminas, C, E e K e algumas do complexo B, zinco selênio e magnésio, além de utilização de probióticos e ingestão regular de fibras para para manter a microbiota intestinal saudável, potencializando o sistema imune e reprodutivo, através (Gazvani et al; 2001) (D).

Agentes antioxidantes, encontrados em alimentos como frutas, verduras e legumes, como as vitaminas C, E, A, a clorofilina, os flavonoides e carotenoides podem causar restrições na propagação das elevadas concentrações de radicais livres oxidativos originados pela inflamação (Bianchi & Antunes; 1999). O estresse em produção exagerada pode causar depleção de antioxidantes, e pelo motivo de uma etiologia específica ainda não identificada, a suplementação de antioxidantes é indicada, pois pode ser benéfica para mulheres de acordo com a patologia (Gupta et al; 2006) (B) .

Considerações finais

As adolescentes necessitam de uma atenção especial, pois há algumas particularidades no entendimento do problema além das necessidades das mesmas devido à faixa etária. A frequente demora para o diagnóstico pode gerar ansiedade. O diagnóstico e o tratamento precoce, a mudança no estilo de vida, a orientação nutricional, atividade física regular e seguimento adequado, podem minimizar as chances de recidiva e favorecer a qualidade de vida. Novas pesquisas estão em desenvolvimento no sentido de elucidação da fisiopatologia, obtenção de método diagnóstico não invasivo e tratamento definitivo.

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A seguir, na Figura 1, a sugestão de um algoritmo para auxiliar no diagnóstico e tratamento de adolescentes com dor pélvica e suspeita de endometriose.

Figura 1: Algaritmo de Avaliação e Tratamento da Endometriose em Adolescentes com dor pélvica

AnamneseExame Físico

Considerar Exames de Imagem Diário da Dor

Uso empírico de aGnRH (se > de 18 anos) Se melhorar, o diagnóstico é endometriose

Iniciar ACO* e AINHs Avaliação gastro-intestinal/urológica

LaparoscopiaVisualização +/ - biópsia

Ablação/ressecção/laser dos implantes de endometriose

Visualização+ ou histologia + Visualização ou histologia - < 16 anos > 16 anos

ACOs não cíclicos sintomas aGnRH por 3 – 6 meses Encaminhamento para serviço especializado em dor Abordagem multiprofissional persistem (+/- terapia adjuvante)

ACO não cíclico

ACO não cíclico ou cíclico

Nenhuma dor Dor persiste

Continuar ACO Laparoscopia com ressecção da endometriose Serviço de tratamento da dor

Abordagem multiprofissional

Baseado no estudo de laufer et al. (2003), modificado por AMaral VF, 2010*ACO: Anticoncepcional hormonal oral. Positiva (+) e Negativa (-)

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A autora declara não ter conflito de interesse.

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ENDOMETRIOSE EM SITUAÇÕES ESPECIAIS

Endometriose e Transformação maligna

Evidências epidemiológicas apontam os endometriomas de ovário acima de nove centímetros e pacientes na pós-menopausa como fatores de risco independentes para o desenvolvimento do câncer epitelial do ovário. Os tipos histológicos mais freqüentes são o carcinoma ovariano de células claras e o endometrióide, seguidos pelo seroso e o mucinoso. A incidência de transformação maligna em paciente com endometriose ovariana foi estimada em 0.7 % 1, 2.

Os casos de carcinoma ovariano relacionados com a endometriose têm uma tendência a se apresentarem em estágios iniciais, com lesões de baixo grau e apresentarem uma taxa de sobrevida geral melhor em comparação com o carcinoma de ovário não associado à endometriose3, 4.

Apesar de o ovário representar o sítio mais comum de associação da endometriose com o câncer, outros casos em topografias extra-ovarianas são descritos na literatura, principalmente no reto e sigmóide. Estes são encontrados geralmente em mulheres na pós-menopausa e muitos estão relacionados com uso de estrógeno sem oposição da progesterona5, 6.

Os endometriomas de ovário devem ser avaliados com cautela em relação ao seu potencial neoplásico principalmente em mulheres no período perimenopausa7.

Endometriose assintomática

As manifestações clínicas da endometriose estão geralmente relacionadas com dor pélvica, infertilidade e/ou a presença de massa pélvica e o objetivo do tratamento é o alívio destes sintomas. Os tratamentos devem ser individualizados levando-se em conta a gravidade dos sintomas, a extensão e a localização da doença assim como a idade, o desejo reprodutivo da paciente e os possíveis efeitos adversos das terapias medicamentosas ou cirúrgicas.

Pacientes com endometriose mínima e leve, mesmo assintomáticas, parecem melhorar seus resultados reprodutivos e se beneficiarem com o tratamento laparoscópico das lesões identificadas durante a cirurgia segundo metanálise de dois ensaios clínicos

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randomizados8.

O diagnóstico definitivo de endometriose ovariana somente é feito através de cirurgia para retirada da lesão e do seu estudo histopatológico, inclusive para afastar a possibilidade da presença de neoplasia maligna associada à endometriose conforme descrito anteriormente. Contudo, pacientes com diagnóstico clínico de endometriose ovariana menor que quatro centímetros e sem sintomas podem ser acompanhadas sem intervenção cirúrgica através de exames de imagem periódicos como ultrassonografia e/ou ressonância nuclear magnética Se houver aparecimento de sintomatologia dolorosa, ruptura do cisto ou crescimento do mesmo, a cirurgia para cistectomia ou ooforectomia deve ser realizada9.

Pacientes assintomáticas com endometriose infiltrativa de compartimento posterior podem ser acompanhadas clinicamente e através de exames de imagem como ultrassonografia transvaginal, transretal ou ressonância nuclear magnética. É importante afastar a possibilidade de comprometimento das vias urinárias e/ou de estenose intestinal pela endometriose antes da indicação de conduta conservadora10.

Endometriose na menopausa

A endometriose é uma doença estrogênio dependente e a maioria dos tratamentos medicamentosos busca diminuírem a produção de estrógenos circulantes ou fazer oposição a seus efeitos no tecido endometrial. Sabe-se que a maioria dos casos de associação de endometriose com câncer ocorrem no período peri e pós-menopausa e em mulheres utilizando terapia de reposição hormonal sem oposição ao estrogênio11,

12.

Mulheres jovens com menopausa cirúrgica secundária ao tratamento para endometriose podem se beneficiar de terapia hormonal com estrógenos e progestágenos com o objetivo principal de evitar a perda de massa óssea e outros sintomas da menopausa13. Faltam estudos clínicos randomizados para uma posição definitiva em relação à terapia de reposição hormonal em mulheres com diagnóstico de endometriose, devendo-se individualizar cada caso.

Referências Bibliográficas1 - Van Gorp T, Amant F, Neven P, Vergote I, Moerman P. Endometriosis and the development of malignant Tumours of the pélvis. A review of literature. Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol. 2004 apr;18(2):349-71.

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2 - Kobayashi H. Ovarian câncer in endometriosis: epidemiology, natural history and clinical diagnosis. Int J Clin Oncol. 2009;14:378-82.3 - Erzen M, Rakar S, Klancnik B, Syrjanen K. Endometriosis-associated ovarian carcinoma (EAOC): an entity distinct from other ovarian carcinomas as suggested by a nested case-control study. Gynecol Oncol. 2001 Oct;83(1):100-8.4 - Steed H, Chapman W, Laframboise S. Endometriosis-associated ovarian cancer: a clinicopathologic review. J Obstet Gynaecol Can. 2004 Aug;26(8):709-15.5 - Modesitt SC, Tortolero-Luna G, Robinson JB, Gershenson DM, Wolf JK. Ovarian and extraovarian endometriosis-associated cancer. Obstet Gynecol. 2002 Oct;100(4):788-95.6 - Rhonda KY, Philip BC, Robert HY. Neoplastic and pre-neoplastic changes in gastrointestinal endometriosis. Am J Surg Pathol. 2000;24(4):513-247 - Masaki M, Ken Y, Noriomi M, Tsukasa B, Ikuo K. Ovarian cancer in endometriosis: molecular biology, pathology and clinical management. Int J Clin Oncol. 2009;14:383-91.8 - Jacobson TZ, Barlow DH, Koninckx PR, Olive D, Farquhar C. Laparoscopic surgeru for subfertility associated with endometriosis. Cochrane Database Syst Rev. 2010 Jan 20;(1):CD001398.9 - Busacca M, Vignali M. Endometrioma excision and ovarian reserve: a dangerous relation. J Minim Invasive Gynecol. 2009;16(2):142-8.10 - Fedele L, Bianchi S, Zanconato G, Raffaelli R, Berlanda N. Is rectovaginal endometriosis a progressive disease? Am J Obstet Gynecol. 2004 Nov;191(5):1539-42.11 - Kobayashi H. Ovarian câncer in endometriosis: epidemiology, natural history and clinical diagnosis. Int J Clin Oncol. 2009;14:378-82.12 - Rhonda KY, Philip BC, Robert HY. Neoplastic and pre-neoplastic changes in gastrointestinal endometriosis. Am J Surg Pathol. 2000;24(4):513-24.13 - Soliman NF, Hillard TC. Hormone replacement therapy in women with past history of endometriosis. Climacteric. 2006 Oct;9(5):325-35.

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ENDOMETRIOSE INTESTINAL

Introdução

Endometriose é definida como a presença de tecido semelhante ao endométrio, com glândulas e estroma fora da cavidade uterina. Sua etiologia é incerta. É uma doença sem limite geográfico de órgão, podendo comprometer vários sistemas. Em decorrência disto seu tratamento deve ser multidisciplinar. O intestino normalmente é acometido pela endometriose profunda infiltrativa (EPI), uma forma especial de endometriose que penetra 5 mm ou mais abaixo da superfície peritonial, com localização nos tecidos fibromusculares1 (C).

Koninckx et al (1991)2 (C) observaram ser uma doença progressiva que não regride espontaneamente e tende a agravar com o tempo. Está associada com a dor pélvica. Apesar de avanços em exames diagnósticos e terapêuticos a endometriose continua sendo uma doença pouco entendida e às vezes frustrante para o médico e o paciente.

Incidência

A endometriose intestinal pode ocorrer em 5 a 27% das mulheres com endometriose, o reto e retossigmoide respondem por 70-93% das lesões intestinais3 (C). A endometriose intestinal apresenta-se sempre associada a outro acometimento pélvico, sendo raramente encontrada isoladamente4 (C).

Patogênese

Os implantes da endometriose ocorrem na face antimesentérica. Iniciam como pequenas lesões puntiformes que vão se agrupando formando placas que podem variar de tamanhos. Podem ser múltiplos nódulos satélites em torno de um principal ou nódulos isolados. Localizações múltiplas são observadas em 15-35% dos casos4, 5 (C).

A fibrose reativa que forma na superfície serosa da parede intestinal pode produzir aderências entre alças ou destas as estruturas vizinhas (bexiga, anexos e parede pélvica) podendo levar a sintomas de cólicas, alteração de hábito intestinal e até mesmo suboclusões. Microscopicamente, a infiltração ocorre inicialmente embaixo da serosa intestinal. Subsequentemente, o endométrio ectópico sofre alterações cíclicas em

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resposta aos esteróides ovarianos tal e qual o endométrio uterino. Assim, as glândulas endometriais ectópicas produzem sangue para o qual não existe nenhum caminho de escape normal. A atividade hormonal cíclica resulta na extensão deste processo, profundamente, para dentro da parede intestinal. Portanto, o crescimento é da superfície serosa para dentro. No entanto, o tecido endometrial raramente afeta ou irrompe a mucosa intestinal. Isto explica por que a perda sanguínea tende a ocorrer tardiamente e é um aspecto clínico incomum6 (D).

Nos implantes, onde extensas áreas de fibrose são formadas, os plexos de Auerbach e o plexo submucoso Meissner podem ser interrompidos. As células intersticiais de Cajal podem ser danificadas funcionalmente quando o plexo subseroso é acometido pela endometriose, mesmo sem acometimento da musculatura7 (C).

Histologicamente é possível avaliar as lesões em endometriose estromal (caracterizada pela presença de estroma morfologicamente similar ao do endométrio tópico em qualquer fase do ciclo) e a endometriose glandular (caracterizada pela presença de epitélio superficial ou constituindo espaços glandulares ou císticos, associado ao tecido com sinais de hemorragia prévia). Conforme a similaridade com o epitélio endometrial ativo, o padrão glandular é subclassificado em (1) bem diferenciado, quando a morfologia das células epiteliais não se distingue da dos endométrios tópicos nas diferentes fases do ciclo; (2) indiferenciado, quando o epitélio é aplainado ou cuboidal baixo, sem correspondente endometrial tópico, assemelhando-se ao mesotélio do revestimento peritoneal ou quando o epitélio é do tipo mülleriano e distinto do endometrial; e (3) com diferenciação mista, quando há presença dos padrões anteriores na mesma localização. Já foi identificada a possibilidade de relacionar as informações histológicas com a resposta terapêutica e o prognóstico de cada caso. Schweppe, Wynn (1984) constataram que o endométrio ectópico reage de maneira diversa aos estímulos hormonais em comparação com o endométrio tópico e que tal resposta era tão mais inexpressiva quanto maior o grau de indiferenciação do tecido8, 9 (C). Estes conhecimentos são importantes para entendermos porque na endometriose intestinal o tratamento de escolha é cirúrgico.

Sintomas

A intensidade da dor não está diretamente relacionada à extensão da endometriose colorretal. As pacientes podem ser assintomáticas ou até mesmo apresentarem quadro de obstrução intestinal como primeiro sintoma. Por estar associada frequentemente a acometimento de órgãos adjacentes os sintomas podem confundir-se. Dispareunia,

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dor ao defecar, dor pélvica crônica não cíclica estão fortemente relacionadas à endometriose colorretal. Outros sintomas que também podem estar presentes são: diarréia, constipação, dor em cólica, espasmo intestinal, dor após evacuar, dor retal, tenesmo e sangramento retal cíclico5 (C).

A visão atual é de que o mecanismo de dor na EPI parece ser multifatorial. Sangramentos cíclicos dentro das lesões podem ser responsáveis pelo aumento da pressão e da dor, o que explica a melhora da dor com tratamentos que induzem a amenorréia. O processo fibrótico aderencial e invasivo da endometriose nos casos graves levando à fixação do reto, da junção retossigmoide, da cúpula vaginal e do colo pode também causar dor à defecação ou durante o coito. O tecido endometrial ectópico produz prostaglandinas, mediadores inflamatórios tais como as cininas, histamina e interleucinas, que podem estimular terminações nervosas sensitivas, explicando a melhora da dor com antiinflamatórios. A infiltração endometriótica na parede intestinal ocorre preferencialmente ao longo da inervação da parede. Anaf et al (2004)10 (C) encontrou maior infiltração endometriótica nos locais de maior concentração de nervos, apresentando invasão neural ou perineural em 53% dos casos. Wang et al (2009)11 (C) demonstrou que na endometriose profunda a densidade de fibras nervosas é maior que na endometriose peritoneal e que a densidade de fibras nervosas nas lesões retais são maiores que em outras endometriose profundas. Este fato pode ser importante na patogênese da dor.

O acometimento do ceco ou apêndice pode levar a dor na fossa ilíaca direita e há relato de casos de intussuscepção. O implante endometriótico no apêndice pode causar crise apendicular aguda com quadro de dor, febre, náuseas e leucocitose. A obstrução crônica do lúmem apendicular pode levar a formação da mucocele ou processo inflamatório periapendicular que ao exame clinico manifesta-se como massa sugerindo neoplasia.

O comprometimento do intestino delgado pela endometriose pode ser um achado casual a laparoscopia, porém também pode associar-se a quadro de dor abdominal intermitente devido à semioclusão por processo inflamatório, fibrótico ou mesmo aderências. O diagnóstico diferencial com doença de Crohn deve ser feito.

A sintomatologia da endometriose colorretal pode ser confundida principalmente com síndrome do intestino irritável, doença inflamatória, diverticulose, doenças benignas intramurais colites radiógenas, neoplasia maligna intestinal e pélvica, e dessa forma, o diagnóstico diferencial deve ser feito5 (D).

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Diagnóstico

Como em qualquer doença, a anamnese detalhada do paciente é a principal arma para chegar-se a um diagnóstico. Os sintomas vão guiar a detalhamento específico do exame clinico e posteriormente exames complementares. Nas pacientes com dor pélvica crônica, o exame ginecológico bimanual ou retal podem mostrar nodulações ou indurações especialmente nos ligamentos útero sacro ou fundo de saco de Douglas. Útero fixo retrovertido e sem cirurgia previa é indicio de endometriose. A sensibilidade do exame ginecológico para detectar lesões em retossigmoide pode ser de 68%12 (B). O exame no período menstrual pode aumentar a sensibilidade diagnóstica13 (C).

Apesar da laparoscopia continuar a ser o padrão ouro para avaliação e diagnóstico da endometriose (Fig.1). Métodos menos invasivos de diagnóstico por imagem devem ser usados para estabelecer localização, tamanho e infiltração das lesões endometrióticas. Estas informações são importantes para o planejamento cirúrgico e se for o caso envolvimento de equipes multidisciplinares. Recomenda-se a leitura do capítulo 5 “Diagnóstico por Imagem da Endometriose”. A ultrassonografia transvaginal (USTV) consegue nos dar dados quanto à localização, tamanho e infiltração da lesão. É um método de imagem mais acessível, porém operador dependente. Bazot et al (2003)14 (A) relatou sensibilidade de 95%, especificidade de 100% e acurácia de 97% no diagnóstico de envolvimento colorretal. A maior dificuldade foi determinar a distância da lesão da margem anal e a exata profundidade da lesão envolvendo a parede retal.

Figura1: Endometriose no retossigmóide obliterando o fundo de saco. A infiltração da endometriose intestinal poderá ser visualizada após liberação do retossigmóide.

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A ressonância magnética (MRI) completa a avaliação da ultrassonografia, especialmente em casos mais complexos e mais extensos. Carbognin et al (2006)15 (D) informa que a acurácia do USTV é a mesma da MRI para lesões pélvicas. USTV apresenta maior sensibilidade nas lesões do septo retovaginal e o MRI maior sensibilidade nas lesões fora da pelve e aderências. Numa revisão, Kinkel et al (2006)16 (D), consideraram a USTV uma primeira modalidade de imagem para avaliação da endometriose, e a MRI de melhor acurácia para doença anterior e posterior, sendo um complemento no estudo dos casos complexos.

A tomografia computadorizada somente deve ser usada em locais onde não há acesso a MRI.

A colonoscopia deve ser realizada para afastar doenças intestinais concomitantes e avaliar a extensão e profundidade da doença. Nos pacientes onde a endometriose ainda não penetrou na luz intestinal vamos encontrar sinais indiretos da endometriose. As compressões extrínsecas em que a mucosa está lisa podem significar apenas aderências ou invasão apenas da serosa (Fig. 2). Nos pacientes com acometimento de muscular própria vamos encontrar uma compressão extrínseca com aumento do pregueamento mucoso ou retração (Fig 3). Nos casos de acometimento da mucosa vamos visualizar lesão vegetante e ou ulcerosas (Fig. 4).

Figura 2: Fotos de colonoscopia demonstrando compressão extrínseca do delgado (a,b) e retossigmoide (c,d), sugerindo endometriose intestinal com invasão superficial.

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Figura 3: Fotos de colonoscopia demonstrando compressão extrínseca com aumento do pregueamento mucoso sugestivo de invasão da muscular própria pela endometriose.

Figura 4: Fotos de colonoscopia demonstrando endometriose invadindo a mucosa intestinal.

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Outros exames como ultrassonografia transretal e ultrassonografia 3D podem ser usados como exames complementares, porém não são essenciais.

Tratamento

A eficácia do tratamento clínico da endometriose intestinal é descrita apenas em publicações de relatos isolados. Várias diferenças histológicas e de receptores estrogênicos podem explicar esta resposta não efetiva ao tratamento hormonal17 (C). Em decorrência destes fatos é consenso na literatura o tratamento cirúrgico. Alguns autores preconizam a suspensão hormonal pré-operatória para se obter a redução do volume e vascularização das lesões como também do edema e a inflamação periendometriótica, porém esta conduta é controversa.

ESHRE (2005)18 (D) em recomendações gerais preconiza que:

Paciente deve estar envolvida com todas as decisões terapêuticas;•

O tratamento deve ser individualizado levando em consideração a sintomato-• logia, o impacto da doença e os efeitos do tratamento na qualidade de vida;

Encaminhar a paciente para centros com recursos de uma abordagem multi-• disciplinar incluindo cirurgia laparoscópica avançada.

A indicação cirúrgica deve ser baseada na sintomatologia da paciente com objetivo de melhorar sua qualidade de vida, em imagem de estenose intestinal, compressão extrínseca importante do colon à colonoscopia e lesões multifocais.

A técnica cirúrgica escolhida é aquela que possa remover todos os focos de endometriose visíveis, preservar e restaurar a anatomia pélvica como também a função fisiológica. O tratamento da endometriose intestinal pode ser feito por via laparotomica ou laparoscópica.

A cirurgia da endometriose intestinal pode ser complexa como a ressecção segmentar ultra baixa ou apenas uma ressecção superficial de lesão pequena infiltrando apenas serosa (shaving). O planejamento cirúrgico vai depender da extensão e profundidade da endometriose e também do planejamento reprodutivo da paciente. Lesões superficiais que envolvem apenas serosa ou superficialmente a muscular em uma pequena extensão podem ser ressecadas por shaving usando a tesoura ultrassonica ou monopolar

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preservando parcialmente a camada muscular. Esta técnica tem como agravante o risco de levar a perfuração. A região submetida ao shaving deve ser testada pressionando a ponta da pinça contra a parede retal. Em caso de dúvida, realizava-se o teste com o azul de metileno injetado pelo reto. Brower et al (2007)19 (C) apresentaram recidiva de 36% em sua série nos pacientes submetidos a shaving.

As lesões intestinais com maior infiltração devem ser submetidas à ressecção em disco ou ressecção segmentar. A invasão endometriótica pode infiltrar profundamente as paredes pélvica, regiões pararetais e retrorretais formando uma massa fibrótica, o que pode dificultar o acesso à completa ressecção do implante. Devido ao tropismo pelos nervos os plexos hipogástricos, plexo sacral e nervos erigentes podem estar envolvidos. É importante que o cirurgião tenha o domínio anatômico da região, para evitar iatrogenia. O ureter também às vezes está envolvido pela fibrose. Para remoção das lesões, o uso de eletrocautério ou tesoura ultrassonica são indispensáveis devido à consistência da fibrose. Reconhecer o limite entre tecido endometriótico e o tecido normal é cirurgião dependente. Fazer a dissecção tentando danificar o mínimo possível o tecido remanescente ajuda na identificação correta do plano cirúrgico. A hemostasia meticulosa e irrigação continua também melhora a visualização dos planos. Devido a fibrose dos implantes endometrióticos, a anatomia pélvica pode ficar bastante distorcida. A introdução de instrumental na vagina ou toque vaginal e introdução do retossigmoide pelo anus facilita a identificação dos mesmos evitando-se iatrogenia e facilitando a identificação do plano entre tecido normal e acometido.

Desde os meados de 1990 vários estudos tem considerado a ressecção laparoscópica de endometriose colorretal como a primeira linha de tratamento. De fato a comparação dos resultados cirúrgicos entre cirurgia laparotomica e laparoscópica eram os mesmos. A laparoscopia mostrou maior vantagem por ser menos traumática, melhorar a acurácia do diagnóstico devido visualização das estruturas pélvicas20, 21 (C).

Ressecção intestinal em disco

A ressecção da parede anterior do reto usando excisão em disco foi proposta primeiramente por Nezhat et al (1993). Posteriormente Gordon et al (2001) propuseram o uso do stapler circular para o procedimento e Woods et al (2003) confirmaram a efetividade do procedimento apenas limitando o tamanho da lesão a ser ressecada, em torno de mais ou menos 2,5 cm de diâmetro e 6 cm de circunferência17 (C).

Pyramo et al (2009)22 (C) em uma casuística de 98 pacientes 25 (24,7%) foram

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submetidos a ressecção em disco sem complicação e com melhora dos sintomas.

Landi et al (2009)23 (C) em uma casuística de 35 pacientes apresentaram como complicação sangramento em anastomose de 03 pacientes resolvido por procedimento endoscópico. Histologicamente os nódulos foram completamente removidos, 100% com endometriose e, margens cirúrgicas livre de endometriose. O questionamento destes autores é se a ressecção em disco responde os princípios básicos de completa ressecção dos focos de endometriose.

Kavallaris et al (2003)24 (C) preconizam a ressecção segmentar intestinal porque, numa casuística de 50 pacientes, encontraram lesões multicêntricas e multifocais em 62% e 38%, respectivamente, além do que, 100% delas alcançavam a muscularis própria em profundidade.

Anaf et al (2004)10 (C) demonstrou que a endometriose infiltra a parede do colon preferencialmente ao longo dos nervos numa distância além de 3 cm de lesão palpável. Remorgida et al (2005)7 (C) identificou que células de Cajal eram bloqueadas funcionalmente quando os plexos subserosos era destruídos causando disfunção intestinal motora mesmo sem alteração muscular.

Landi et al (2009)21 (C) concluíram que em pacientes selecionados a ressecção em disco é factível e evita as potenciais complicações da anastomose baixa. Porém estudos com maiores casuísticas são necessários para consolidar a técnica.

A ressecção em disco do retossigmóide (Fig 5) pode ser realizado em nódulos de diâmetro inferior a 2 cm, que ocupam menos que 1/3 da circunferência retal. Após identificação da lesão faz-se sua liberação anterior e bilateralmente no espaço pararretal. Insere-se o grampeador circular via anal. Pela via laparoscópica acomoda-se toda a lesão dentro do grampeador, ele é fechado e disparado. Em seguida faz-se o teste com azul de metileno para conferir a sutura.

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Figura 5: Retossigmoidectomia em disco: (a e b) endometriose no retossigmóide obliterando o fundo de saco; (C) nódulo de endometriose infiltrativa após liberação do retossigmóide; (d) segmento do

retossigmóide com endometriose após ressecção “em disco”.

Ressecção segmentar intestinal

A ressecção segmentar é a técnica operatória indicada para os pacientes sintomáticos que aos exames complementares de imagem mostraram acometimento intestinal em uma área maior que 2 cm. Apesar do índice de morbidade ser em torno de 11%, a intervenção propicia melhora da qualidade de vida da paciente, diminui o índice de recidiva sem interferir na fertilidade. Fedele et al (2003)25 (C) encontraram menor índice de recorrência em pacientes jovens submetidos a ressecção segmentar. Brouwer & Woods (2007)19 (C) preconizaram ressecção segmentar para pacientes com diagnóstico de infertilidade pré-operatória por considerarem doença mais avançada.

O índice de complicação das ressecções segmentares nas pacientes com endometriose intestinal depende do tamanho e da extensão do tecido removido. As duas principais complicações são: deiscência de anastomose (3% a 20%) e lesão inadvertida de ureter. Quando a endometriose acomete extensivamente o retossigmóide e os ligamentos úteros sacros, a inervação da bexiga pode ser lesada durante a cirurgia. Sintomas urinários como disúria e retensão urinária podem ocorrer. A ressecção da ampola retal pode levar a constipação, dificuldade de defecação e pseudo diarréia5 (D).

As pacientes dever estar cientes destas possíveis complicações, como também da possibilidade de colostomia temporária em casos de anastomoses muito baixas. Pyramo et al (2009)22 (C) em uma casuística de 98 mulheres com endometriose intestinal, realizaram a ressecção segmentar em 45,5% dos casos. A mortalidade pos operatória foi nula e a morbidade cirúrgica atingiu 9,2%. As complicações maiores foram um caso de fistula retovaginal e um de deiscência da anastomose (2%), taxas comparáveis à literatura que refere complicações em 0% e 13% dos casos26. Darai et al (2007)27 (C) apresentaram 8,4% de fístula retovaginal. Nenhuma paciente neste trabalho foi submetida à ostomia protetora.

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A preservação dos nervos hipogástricos e plexo hipogástrico inferior são importantes na preservação da função sexual, vesical e intestinal28 (C).

A ressecção segmentar do retossigmóide é realizada após liberação do reto da parede vaginal, bilateralmente e posteriormente procurando identificar os nervos hipogástricos. Faz-se a liberação do colon esquerdo até à artéria mesentérica inferior e efetua-se sua ligação quando necessário. Disseca-se e cauterizam-se os vasos pericólicos e mesorretais no local a ser feita a anastomose. Procede-se a secção do reto com endogrampeador linear via laparoscópica. Faz-se a exteriorização do colon através de ampliação do portal da fossa ilíaca inferior direita ou esquerda, ressecção do segmento intestinal com endometriose após inspeção e palpação extra-abdominal e, confecção da bolsa para prender a ogiva no colon distal e retorno do mesmo para a cavidade peritonial (Fig. 6). O grampeador circular é introduzido através do anus e confeccionado anastomose término-terminal. Finalmente é realizado o teste com azul de metileno via retal para conferir esta anastomose.

Figura 6: Retossigmoidectomia segmentar: (a): extração do segmento intestinal após grampeamento pela ampliação do portal da fossa ilíaca direita (FID); (b) detalhe da extração da peça; (c): segmento de 14 cm

do sigmóide extraído apresentando lesão infiltrativa de endometriose (setas).

Endometriose em intestino delgado e apêndice cecal

Apesar da incidência da endometriose em intestino delgado e apêndice cecal serem raras, a inspeção per operatória é importante. Os implantes superficiais em intestino delgado são resolvidos com “shaving”. Implantes profundos necessitam de ressecção segmentar com anastomose primária. As endometrioses em apêndice são tratadas com apendicectomia.

Conclusão

A endometriose intestinal é relativamente frequente em mulheres com endometriose e

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sua abordagem representa desafios aos ginecologistas. O diagnóstico requer atenção a sintomas específicos como disquesia e dor pélvica crônica acíclica, além do diagnóstico diferencial com outras afecções intestinais. A realização de exames de imagem como a ultra-sonografia transvaginal e a ressonância nuclear magnética são fundamentais no diagnóstico pré-operatório, incluindo a colonoscopia. O tratamento é eminentemente cirúrgico, depende da sintomatologia apresentada e exige equipe multidisciplinar.

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ENDOMETRIOSE DO TRATO URINÁRIO

Rokitansky, em 1860, foi o primeiro a definir a endometriose baseado em observações de autópsia, ela é definida como a presença de tecido endometrial funcional ectópico, acomete 10 a 20% das mulheres em idade reprodutiva, com pico de incidência em torno de 25 anos de idade, não havendo relação com raça ou condição socioeconômica. Tem sido encontrado em vários órgãos, alguns deles muito distantes da cavidade pélvica, como pulmão, pele e trato gastrointestinal. A pelve é o local mais acometido, com envolvimento do ovário, ligamento largo, Douglas e útero sacral, na ordem decrescente de frequência. A endometriose do trato urinário acomete a bexiga em 80% dos casos, ureteres 15%, rins 4% e uretra 1%. Apesar de pouco frequente, representa menos de 1% de todos os casos de endometriose, a sua não identificação e tratamento pode afetar bastante a qualidade de vida da paciente e levar a perda da função renal em casos mais avançados.

Endometriose ureteral

O acometimento ureteral representa de 0,1 a 0,4% dos casos de endometriose, ocorre mais frequentemente no ureter esquerdo e bilateralmente em até 23% dos casos1 (C). O 1/3 distal do ureter é definitivamente o segmento mais envolvido, o 1/3 médio com menos frequência e o proximal muito raramente, corroborando a teoria de Sampson do refluxo menstrual e implante peritoneal. A endometriose ureteral nunca ocorre de maneira isolada, o ureter é sempre envolvido em decorrência da extensão do foco pélvico e/ou da endometriose ovariana. Quanto maior na lesão endometrial pélvica, maior a possibilidade de envolvimento ureteral.

Uma distinção deve ser feita entre endometriose ureteral intrínseca e extrínseca. A primeira é caracterizada pela presença de glândulas de endométrio e estroma na lâmina própria, túnica muscular ou lúmen ureteral, é menos frequente que a extrínseca na proporção de 4:1. A extrínseca acomete os tecidos periureterais, sem invadir a camada muscular1 (C).

Os sintomas e sinais clássicos da endometriose do trato urinário incluem cólica renal, disúria, urgência miccional, hematúria (menúria) e infecção urinária, porém são muito variáveis e raramente patognomónicos2 (D). Pacientes com endometriose intrínseca são mais sintomáticas, devido ao caráter mais invasivo da lesão, entretanto de 25 a 43% de todos os casos não têm quaisquer sintomas e evoluem com obstrução grave

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e exclusão funcional renal de maneira silenciosa2 (D). Logo, o diagnóstico precoce é determinante para a manutenção da função renal.

Dos métodos diagnósticos disponíveis para análise de endometriose ureteral, a ressonância magnética é o de eleição. O exame de urina, citologia urinária, urografia, pielografia e tomografia computadorizada têm limitações3 (D). O diagnóstico definitivo requer exploração cirúrgica e biopsia das áreas suspeitas.

O tratamento hormonal da endometriose ureteral é efetivo em casos de ureterohidronefrose leve, mas é paliativo4 (D). Devido à fibrose que invariavelmente acompanha a endometriose o tratamento recomendado é a excisão precoce da lesão no intuito de prevenir obstrução ureteral e perda de função renal. Nesta situação o tratamento cirúrgico é claramente superior ao medicamentoso.

O tratamento cirúrgico da endometriose dos sistemas geniturinário e gastrointestinal via laparoscópica foi descrito inicialmente por Nezhat e Nezhat em 1989 e desde então se tornou o método de escolha5 (C). A laparoscopia permite melhor visualização com a amplificação da imagem, iluminação e angulação da ótica, associado a menor trauma e efetividade na ressecção das lesões. O acesso via laparotomia também é utilizado dependendo das características da paciente e experiência do cirurgião.

Os ureteres devem ser avaliados em toda paciente submetida à cirurgia de endometriose pélvica5 (C). A ureterólise, que consiste na liberação do ureter e exérese da endometriose, é o tratamento efetivo na doença extrínseca, mesmo na presença de ureterohidronefrose grave. Um ponto importante a ser lembrado é a preservação da vascularização ureteral, para evitar isquemia. No segmento distal a irrigação sanguínea se origina dos vasos ilíacos e se inserem lateralmente; no ureter médio e proximal a origem é a aorta e a vascularização vem medialmente, a dissecção nestes locais deve ser cuidadosa. Além disso, a adventícia do ureter e tecido peritoneal devem ser preservados. O implante de stent (duplo J) facilita a dissecção do ureter e no caso de perfurações pequenas ou ressecções parciais da parede ureteral deve ser mantido de 06 a 08 semanas.

Se o ureter permanece estenosado após a ureterólise, se a endometriose é intrínseca ou quando a função ureteral está muito comprometida, o mais indicado é a ressecção do segmento com reimplante ureterovesical associada ou não a psoas hitch. Muito raramente utiliza-se “flap” de bexiga ou interposição de segmento intestinal para reconstituição do trato urinário.

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Endometriose vesical

É preciso destacar que a endometriose vesical é definida quando há o acometimento de toda a camada muscular da bexiga (detrusor), logo os pequenos nódulos do fórnix vesico uterino e os pequenos implante peritoneais não são considerados como tal. Existem dois tipos bem distintos de endometriose vesical, baseados na fisiopatologia4

(D). Um é encontrado na mulher sem nenhum passado de cirurgia uterina, chamado de primário; o outro iatrogênico ou secundário está sempre associado à cirurgia ginecológica, particularmente cesariana.

Os sintomas decorrentes da endometriose vesical variam muito dependendo do tamanho, localização da lesão e da fase do ciclo menstrual. Os locais mais comumente afetados são trígono e fundo vesical2 (D). Em 75% dos casos os sintomas urinários são cíclicos e mais intensos no período pré-menstrual, e apresentam-se como uma síndrome uretral aguda com tenesmo, algúria, polaciúria, disúria, dor suprapúbica. A hematúria associada a menstruação (menúria) não é tão comum como a síndrome uretral, pois a endometriose raramente invade a mucosa vesical4 (D).

A ultrassonografia pode ser utilizada para avaliação inicial sendo que o exame endovaginal tem uma acurácia maior que o transabdominal, porém ambos têm pouca especificidade3 (D). A ressonância magnética é o exame de imagem de eleição, tem sensibilidade de 88%, especificidade de 99% e acurácia de 98%, além de possibilitar a visualização de todo o trato urinário e órgãos pélvicos em um mesmo exame3 (D). A cistoscopia e/ou ureteroscopia são exames de extrema importância, devem sempre ser realizados pois permitem a visualização direta da lesão e realização de biopsia. O aspecto macroscópico da lesão varia segundo a fase ciclo menstrual, durante a menstruação ela aparece de maneira mais característica, maior e mais congesta, com edema circunjacente, de coloração violeta, geralmente preservando a mucosa. Porém uma cistoscopia normal não significa ausência de endometriose vesical. A cistoscopia também auxilia no diagnóstico diferencial com cistite intersticial, carcinoma in situ, tuberculose e cistite de repetição, já que os sintomas urinários são muito semelhantes nestas afecções.

O tratamento deve ser individualizado de acordo com a idade, desejo de gravidez, localização da lesão, sintomatologia e acometimento de outros órgãos. O tratamento medicamentoso (terapia hormonal) tem uma boa resposta inicial, é bem tolerado, mas não é curativo e a recorrência é alta (56%). O tratamento cirúrgico apresenta melhores resultados. Alguns autores recomendam a ressecção transuretral da lesão associado a terapia hormonal, porém esta forma de tratamento apresenta uma taxa de recorrência de

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25 a 35%, além do risco de perfuração da bexiga e ressecção insuficiente já que a lesão acomete toda a parede vesical e tecido adjacente2 (D). A cistectomia parcial é a técnica de escolha preferencialmente via laparoscópica5 (C) ou então via aberta, dependendo das características da paciente e da experiência do cirurgião. O plano de dissecção entre a lesão nodular fibrótica e o tecido muscular vesical normal é identificado e a endometriose ressecada integralmente, o mais distante possível dos meatos ureterais. Tratamentos mais agressivos não são indicados para endometriose vesical em pacientes próximas a menopausa, porque as lesões usualmente regridem de maneira espontânea4 (D).

Referências Bibliográficas1 - Bosev D, Nicoll LM, Bhagan L, et al. Laparoscopic management of ureteral endometriosis: the Stanford University hospital experience with 96 consecutive cases. J Urol. 2009;182:2748-52.2 - Perez MP, Bazan AA, Alonso Dorrego JM, et al. Urinary tract endometriosis: clinical, diagnosis, and therapeutic aspect. Urology. 2009;73:47-51.3 - Kinkel K, Frei KA, Balleyguier C, et al. Diagnosis of endometriosis with imaging: a review. Eur Radiol. 2006;16:285-298.4 - Pastor-Navarro H, Gimenez-Bachs JM, Donate-Moreno MJ, et al. Update on the diagnosis and treatment of bladder endometriosis. Int Urogynecol J. 2007;18:949-954.5 - Nezhat C, Nezhat F, Nezhat CH, et al. Urinary tract endometriosis treated by laparoscopy. Fertl Steril. 1996;66:920-924.

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ENDOMETRIOSE EXTRAPÉLVICA

Introdução

A presença de endometriose nos órgãos além da pelve é mais rara do que na pelve, levando a maiores dificuldades para diagnosticar e tratar. A epidemiologia, história natural e patogênese aparentemente são diferentes da endometriose pélvica1 (D).

A endometriose foi descrita, praticamente, em todos os órgãos e tecidos corporais incluindo: SNCi, pulmões, pleura, coração, diafragma, vesícula biliar, fígado, pâncreas, delgado, apêndice cecal, colons, reto, rins, bexiga, ureteres, umbigo, cicatrizes na parede abdominal, cicatriz de episiotomia, músculos, ossos, nervos periféricos e outros. O único órgão sem o achado de endometriose é o baço2 (C).

Endometriose diafragmática

A infiltração endometriótica do diafragma foi descrita em menos de 30 casos. Pode ser bilateral com nítida predominância no lado direito. O sintoma típico é dor torácica e dor no ombro ipsilateral que ocorre inicialmente na fase menstrual, podendo evoluir cronicamente além da menstruação. Nos casos graves a dor pode ser respiratória dependente. O diagnóstico é suspeitado pela sintomatologia e requer confirmação por laparoscopia. O laparoscópio inserido através do umbigo consegue avaliar apenas a parte anterior do diafragma. Para visualizar sua parte posterior sob o fígado é necessário inserir um trocarte subcostal na linha hemi-clavicular, que permita conduzir o laparoscópio para investigar esta região. O tratamento recomendado é a ressecção cirúrgica dos nódulos. Não há evidência do alívio sintomático com a terapêutica hormonal3 (C).

Endometriose torácica

Coexiste com endometriose pélvica em 50 a 80% das vezes. Geralmente são nódulos solitários que envolvem a pleura, face diafragmática, ou o parênquima pulmonar. Mulheres com endometriose pleural têm, na maioria das vezes, história de endometriose pélvica enquanto as lesões pulmonares estão associadas à cirurgia pélvica pregressa4. Na grande maioria dos casos acomete preferencialmente o lado direito do tórax (C).

i SNC: Sistema Nervoso Central

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As principais manifestações da endometriose torácica são: pneumotórax e hemotórax (pleural), hemoptise (pulmonar) e nódulo pulmonar assintomático. A dor pode ocorrer associada aos sintomas mencionados anteriormente. Estes sintomas tendem a ser cíclicos e desencadeiam durante a menstruação. O diagnóstico é fundamentado na história clínica e auxiliado pela TCii na fase sintomática menstrual. O tratamento pode ser cirúrgico, porém quando muito agressivo pode ser substituído pela hormonioterapia2

(C).

Endometriose no sistema nervoso

Há relatos de casos de dores nos membros inferiores e dor lombar cuja investigação com ressonância magnética demonstrou endometriose em raízes nervosas lombares e sacrais, que foram tratadas com medicação. Há relato de casos raros de cefaléia e convulsões na fase menstrual associadas à endometriose no sistema nervoso central. A patogênese cerebral, embora desconhecida, tem a disseminação hematogênica como a causa mais provável. O tratamento é cirúrgico e hormonal. O nervo periférico mais acometido pela endometriose é o ciático, sendo 90% dos casos à direita. O sintoma típico é dor em correspondência com sua distribuição, que ocorre na fase menstrual inicialmente e tornando-se crônica com o evoluir do tempo. Na maioria dos casos a endometriose está na pelve em torno da raiz do nervo sem invadi-lo, outras vezes pode ultrapassar sua bainha. O tratamento tem sido a ressecção cirúrgica da doença, embora haja relatos de tratamentos hormonais5 (C).

Endometriose cutânea

Geralmente aparece em cicatrizes cirúrgicas, cerca de 6 meses após a operação, embora haja relatos de casos de surgimento espontâneo. Um estudo retrospectivo revelou endometriose cutânea na parede abdominal (51%), na cicatriz umbilical (34%) e o restante (15%) envolvendo a região inguinal, os lábios vulvares e o períneo6 (C).

Os sintomas incluem tumefação dolorosa e sensível à palpação sob a pele, que agrava e aumenta na fase menstrual. O diagnóstico diferencial deve ser feito com hérnias, granuloma de sutura, aprisionamento dos nervos ilioinguinal ou iliohipogátrico ou carcinoma.

Além do quadro clínico típico, o diagnostico é realizado pela ultrassonografia, e confirmado pela ressecção cirúrgica e estudo patológico do nódulo.ii TC: tomografia computadorizada

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O tratamento definitivo é a ressecção cirúrgica ampla para prevenir doença residual. A hormonioterapia pode ser considerada nos casos de recidiva ou na inviabilidade da ressecção cirúrgica (cirurgia extensa ou de efeito estético indesejável)1 (D).

Conclusão A endometriose extrapélvica é condição rara cuja abordagem é baseada na história clínica e exame físico. Os métodos diagnósticos complementares disponíveis não possuem sensibilidade e especificidade adequadas e a escolha do tratamento depende da localização e sintomas presentes.

Referência Bibliográfica1 - Honoré GM. Extrapelvic endometriosis. Clin Obstet Gynecol. 1999 Sep;42(3):699-711. Review.2 - Jubanyk KJ, Comite F. Extrapelvic endometriosis. Obstetric and Gynecology Clinics of North America. 1997;24(2):411-440.3 - Redwine DB. Diaphragmatic endometriosis. In: ___ SURGICAL MANAGEMENT OF ENDOMETRIOSIS. Martin Dunitz Taylor& Francis Group. 2004;cap 15:270-279.4 - Bergqvist A. Extragenital endometriosis. A reveiw. Eur J Surg. 1992;188:7.5 - Redwine DB. Endometriosis in distant sites. In: ___ SURGICAL MANAGEMENT OF ENDOMETRIOSIS. Martin Dunitz Taylor& Francis Group. 2004;cap 17:300-312.6 - Steck WD, Helwig EB. Cutaneous endometriosis. JAMA. 1965;191:101.

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2010

Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia