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MANUAL DE PRESCRIÇÃO FARMACOLÓGICA RACIONAL Raquel Ascenção Miguel Julião Filipa Fareleira António Vaz Carneiro

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MANUAL DE PRESCRIÇÃO

FARMACOLÓGICA RACIONAL

Raquel AscençãoMiguel JuliãoFilipa FareleiraAntónio Vaz Carneiro

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CEMBECentro de Estudos de Medicina Baseada na EvidênciaFaculdade de Medicina de Lisboa - Pisos 3/6Av. Prof. Egas Moniz1649-028 LisboaTel.: 217 940 424 ou 217 985 135Fax.: 217 940 424

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ÍNDICE

1 Introdução 31.1 Definição de prescrição racional 31.2 Prescrição racional. Porquê? 41.3 Âmbito da prescrição racional 5

2 Causalidade em medicina e a importância da prova científica 82.1 Introdução 82.2 Conceito de factor de causalidade 102.3 Determinação de causalidade 112.4 Tipo de estudos de prova de causalidade 11

3 Pesquisa e avaliação crítica da literatura biomédica 143.1 Métodos de pesquisa da evidência sobre terapêutica 143.2 A investigação sobre resultados em saúde (Health Outcomes Research) 213.3 As Normas de Orientação Clínica 223.4 Métodos de avaliação crítica da evidência terapêutica 25

3.4.1 Avaliação crítica de um ensaio clínico aleatorizado 253.4.2 Avaliação crítica de uma revisão sistemática 31

4 Balanço risco/benefício da terapêutica 355 Construção de um formulário para uso pessoal 37

5.1 Construção do Formulário Pessoal (FP) 375.1.1 Introdução. O que é um FP? 375.1.2 Como escolher o FP? 38

6 Decisão sobre a aplicabilidade da terapêutica ao doente individual 466.1 Introdução 466.2 Aplicação ao doente individual dos resultados dos ensaios clínicos:

regras práticas essenciais 547 Considerações sobre adesão terapêutica e preferências individuais 598 Conclusões e recomendações baseadas na evidência 629 Bibliografia 63

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1 Introdução

1.1 Definição de prescrição racionalA prescrição (ou acto de prescrever) pode ser definida como uma ordem escrita queinclui instruções detalhadas sobre o fármaco a ser administrado a uma determinadapessoa e respectiva formulação, dose e via, bem como a hora, frequência e duração deadministração.

Esta atitude inicia um processo experimental no qual o prescritor discute o tratamentocom o doente e investiga e monitoriza os efeitos do fármaco, com o objectivo de alcan-çar a dosagem que maximize os efeitos benéficos e minimize o risco de efeitos adversos1.

Na literatura internacional é feita referência a diversos adjectivos para caracterizar amelhor forma de prescrição: segura, adequada, racional, equilibrada. As expressões uti-lizadas mais frequentemente são as de prescrição racional (rational prescribing) e prescri-ção adequada (good prescribing).

Quando se discute o adjectivo "adequado" em cuidados de saúde admite-se que caracte-rize o resultado de um processo de decisão que maximiza os ganhos individuais desaúde face aos recursos disponíveis. Deste modo, distingue-se prescrição racional comosendo o processo e a prescrição adequada como sendo o resultado2.

Em consequência, entendemos por prescrição racional o acto de ponderação que secentra em quatro componentes principais:

1. maximizar a efectividade2. minimizar os riscos3. minimizar os custos, e4. respeitar a escolha do doente.

Todo este processo culmina na determinação de cinco parâmetros: dose adequada, se-lecção do fármaco correcto, para um diagnóstico preciso de um doente, com o tempo evia de administração apropriados3.

Para a concretização de uma prescrição racional é necessário o conhecimento detalha-do da fisiopatologia da doença em causa, bem como a farmacodinâmica e farmacociné-

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tica do fármaco escolhido. Este não é um processo estático, já que diferentes razões emdiferentes situações necessitarão de respostas diferentes. No quadro 1.1.1 estão descri-tos os componentes da prescrição racional.

Quadro 1.1.1 Componentes da prescrição racional

Evidência Científica

Fiabilidade (o gold standard é o ensaio clínico controlado ealeatorizado, e/ou revisões sistematizadas de ensaios clínicos),disponibilidade, avaliação crítica, número de doentes que énecessário tratar/lesar (number needed to treat/harm)

Alternativas eClasse igual ou distinta, modalidades terapêuticas diferentes

respectiva eficácia

Contra-indicações Hipersensibilidade, grupos etários (crianças, idosos), grávidas,aleitamento materno, insuficiência renal ou hepática

Interacções Mecanismos de acção ou efeitos adversos semelhantes, indutoresmedicamentosas e ou inibidores enzimáticos, janela terapêutica estreita, farmaco-características cinética/farmacodinâmica, via de administração, peso e superfíciefarmacológicas, dose corporal do doente, semi-vida plasmática do fármaco, erros dee duração óptimas cálculo (corrigir unidades)

Formulação ou via Alvo terapêutico, rapidez de início de acção, biodisponibilidade,de administração frequência da administração, aceitação pelo doente

Polimedicação, frequência da administração, efeitos adversosAdesão potenciais, capacidade do doente, crenças do doente, aconse-

lhamento adequado

Efeitos adversos Interpretação e comunicação do risco aos doentes

MonitorizaçãoObjectiva ou subjectiva, eficácia (sintomas, marcadores de doença,níveis sanguíneos), toxicidade

DisponibilidadeCusto (medicamento genérico vs de marca), formulários,normas de orientação clínica

Adaptado de 3

1.2 Prescrição racional. Porquê?Os fármacos são a espinha dorsal da maior parte das intervenções terapêuticas, sejapara patologias agudas ou crónicas. De facto, na maior parte das patologias crónicas -

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como a hipertensão arterial, por exemplo - o tratamento é necessário por longos perío-dos de tempo ou mesmo para sempre.

O recurso a tratamentos farmacológicos traduz-se em custos avassaladores para os servi-ços de saúde. Nos seis primeiros meses de 2008 (Janeiro a Junho) foram gastos, emencargos com medicamentos no âmbito do SNS, 974.903.202 euros 1.

À medida que os doentes envelhecem multiplicam-se os problemas de saúde e conse-quentemente as abordagens terapêuticas farmacológicas. Num estudo realizado em 2001nos E.U.A., verificou-se que os indivíduos com idade inferior a 65 anos adquiriram emmédia 10,8 fármacos de prescrição médica obrigatória por ano enquanto os com idadeigual ou superior a 65 anos adquiriram 26,5 fármacos4. Num recente artigo5, em que sediscutiam as dificuldades de aplicação das Normas de Orientação Clínica (NOCs) àprática diária, foi apresentado o caso de uma doente-tipo (imaginária, mas muito seme-lhante às doentes reais...) com 79 anos, padecendo de osteoporose, osteoartrose, diabe-tes mellitus tipo 2, hipertensão arterial e doença pulmonar obstrutiva crónica (todas degravidade média). Se as NOCs relevantes fossem aplicadas a esta doente, a pacienteteria de tomar 12 medicamentos diários (para além de um complexo regime não farma-cológico), com diversos problemas de iatrogenia e de interacção medicamentosas e comum custo de US $ 406.00 (€ 302) por mês.

Esta realidade obriga a que os sistemas de saúde e os seus actores envolvidos com aprescrição medicamentosa adoptem regras racionais, numa perspectiva não só de sus-tentabilidade do sistema como de normas éticas a respeitar. Por exemplo: os agentesindividuais das classes farmacológicas anti-hipertensivas apresentam globalmente umaeficácia relativa (medida pela baixa da TA sistólica e diastólica) e um perfil de segurança(calculado pelo tipo e frequência de efeitos secundários) muito sobreponível entre eles;quando um medicamento anti-hipertensivo de uma nova classe terapêutica atinge o 1ºlugar de vendas no SNS após um ano de lançamento no mercado (por ex.), esta prescri-ção não deve ser classificada necessariamente como errada (o fármaco consegue contro-lar o mesmo número - de resto insuficiente... - de doentes); o que esta prescrição nãopode é ser classificada como racional, já que existem no mercado medicamentos anti-hipertensivos com o mesmo perfil de benefício e risco que são muito mais baratos. Éesta racionalidade que se procura definir neste manual.

http://www.infarmed.pt/portal/page/portal/INFARMED/MONITORIZACAO_DO_MERCADO/OBSERVATORIO/

ANALISE_MENSAL_MERCADO/MEDICAMENTOS_SNS_MESES_ANTERIORES/2008/Rel-SNS-200808_Correct_Net.pdf

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1.3 Âmbito da prescrição racionalO diagnóstico é imprescindível para a definição do objectivo terapêutico - factor deter-minante para a prescrição. O objectivo terapêutico pode ser o alívio de sintomas, ocolmatar de deficiências, a prevenção ou a cura da doença. Ocasionalmente, a razãopara o tratamento prende-se com outros factores, como ganhar tempo enquanto seaguarda por outra intervenção ou a realização de ensaios clínicos3. Por outro lado, emdeterminadas situações clínicas a prescrição racional poderá implicar pura e simples-mente a ausência de prescrição.

Assiste-se actualmente na literatura internacional à discussão acerca da definição dedoença, um dos mais importantes alvos terapêuticos da prescrição. Nomeadamente,importa definir-se doença, "não-doença" e opinar acerca da validade da medicalizaçãocrescente de sintomas e factores de risco.

Procurando num dicionário médico a definição de doença esta surge-nos como ..."qual-

quer alteração do estado de saúde, mais precisamente, conjunto de sinais e sintomas anormais e

relacionados com perturbações funcionais ou lesões, em geral devidos a causas internas ou exter-

nas bem conhecidas na sua maioria"6. O modelo biomédico, por outro lado, interpreta adoença como um distúrbio físico que poderá ser corrigido por um fármaco (ou qual-quer outra intervenção). Sabe-se, porém, que a complexidade do que envolve doençaultrapassa claramente a sua definição. Por isso, cada dia se torna maior a necessidade de"pensar" o que é uma doença.

A Medicina tem sido tradicionalmente considerada como uma profissão de cura e aMedicina moderna legitimou este processo através do conhecimento científico. O "ca-samento" entre Medicina e Ciência permitiu aos médicos uma intervenção activa nahistória natural da doença, através da terapêutica, da prevenção e da erradicação deeventos desfavoráveis. No auge deste sucesso, o médico treinado numa raiz biomédi-ca foca a sua acção principalmente em quatro componentes: diagnóstico, tratamento,prognostico e prevenção.

Grandes mudanças têm ocorrido nos padrões de morbilidade e mortalidade com osquais a Medicina se confronta. Muita da necessidade actual de cuidados médicos espe-cializados surge do crescente número de doenças crónicas e degenerativas, neoplasias,doenças psiquiátricas e doenças incapacitantes resultantes de condições ambientais.Perante esta realidade, a prevenção pode ser tão importante como o tratamento e os

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cuidados globais tão importantes como a cura. Nesta linha de raciocínio, muitos auto-res têm sublinhado a necessidade de healing rather than curing, ou seja, numa adaptaçãopossível para o português cuidar ou recuperar mais do que curar7. Eric Cassell avança que sepode cuidar/recuperar uma pessoa, sendo completo no processo, sem que se faça muitadiferença na doença orgânica.

Deste modo, a doença assume actualmente uma perspectiva mais abrangente: a ques-tão não é tratar ou não tratar, mas sim determinar qual o tratamento mais apropria-do em função das perspectivas biológicas e das circunstâncias pessoais e sociais dodoente.

Em suma, independentemente da definição operacional da doença ou do âmbito emque se pretenda utilizar um fármaco, por ex., é imprescindível que cada prescritor deter-mine o objectivo da prescrição antes da concretização da mesma. O objectivo determi-nará não só o fármaco escolhido mas também o modo como será realizada a monitori-zação da terapêutica.

2 Causalidade em medicina e a importância da provacientífica2

2.1 IntroduçãoA maior parte dos estudos de investigação biomédica tentam provar uma relação entreuma causa específica (que pode ser um factor de risco ou um tratamento curativo) e umefeito determinado (que é um resultado - outcome - que se deseja medir)8, 9.

A determinação da causalidade em medicina é essencial, seja qual for o contexto daprática clínica. Por exemplo, quando um médico se decide por um esquema tera-pêutico determinado, assume que aquele causará uma melhoria no estado clínicodo doente. Do mesmo modo, quando o clínico identifica um qualquer factor derisco e se propõe modulá-lo ou eliminá-lo, é porque está persuadido que este estárelacionado com o aparecimento da doença, ou que a poderá causar directamente. Aquestão central é, uma vez mais, definir se a associação observada entre um factorcausal (intervenção ou exposição) e um determinado resultado/efeito (outcome) cons-titui uma relação causa-efeito: no caso afirmativo, poder-se-á agir em conformidade10.

2 Este capítulo é baseado num artigo recentemente publicado (Carneiro AV. Causalidade em medicina. Revista Portuguesa de

Cardiologia 2005;24:443-449), devidamente actualizado

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A determinação de causalidade em medicina pode apoiar-se nas duas abordagens paradefinição de uma referência causal:

• os postulados de A. Bradford Hill11 e

• a chamada causa contributiva9, 12.

Os postulados de B. Hill definem um grupo de princípios de causalidade, que se encon-tram descritos na quadro 2.1.18.

Quadro 2.1.1 - Evidência de causalidade entre factore efeito - critérios de Bradford Hill

Critério Comentários

Temporalidade a causa precede sempre o efeito

Força uma associação causa-efeito consistente (por ex. o tabagismoaumenta 30 vezes a probabilidade de cancro do pulmão)

Dose-resposta quanto maior for a dimensão do factor causal, maior será oefeito produzido (nº de cigarros fumados e incidência de doençacoronária)

Reversibilidade a remoção do factor causal diminui o risco da doença (após 36meses, a cessação tabágica reduz o risco de enfarte até ao níveldos não fumadores)

Consistência resultados análogos em estudos diferentes (de preferência comdiferentes desenhos, com diferentes amostras e em alturastemporais diferentes)

Plausibilidade consistente com o conhecimento biomédico mais actual e combiológica uma base conceptual lógica e coerente

Especificidade uma causa, um efeito; por ex. a hipercolesterolémia familiar éprovocada por um erro inato do metabolismo

Analogia causas idênticas para doenças semelhantes; por ex. hipercoles-terolémia na doença coronária e no acidente vascular cerebral

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Uma segunda abordagem conceptual na definição das relações causa-efeito é a chama-da causa contributiva9, 12. Esta é particularmente útil em doenças complexas ou multi-factoriais e, embora sendo menos rigorosa do que os postulados de Bradford Hill, reco-nhece a dificuldade de por vezes se identificar um efeito causal realmente responsávelpela doença. Este sistema define 4 tipos de relações causa-efeito:

1. Necessária se o resultado (doença) ocorre apenas se se tiver verificado a operação dofactor causal;

2. Suficiente, se a acção do factor resultar sempre na doença;

3. Necessária e suficiente, se o factor causal e a doença tiverem uma relação fixa, istoé, se nenhum ocorrer sem o outro;

4. Nenhuma, se a acção do factor causal aumentar a frequência da doença, mas estenem sempre se verificar, ou se verificar na ausência do factor causal.

A maior parte das situações em medicina não caem debaixo da definição de causalida-de necessária ou suficiente isoladas. De facto, a maioria dos fenómenos biológicos ca-racteriza-se pela última definição (nenhuma): a hipertensão arterial (HTA) é um factorde risco conhecido para o acidente vascular cerebral (AVC), mas a maior parte dosdoentes com HTA não vão ter um AVC e a maior parte dos doentes com AVC sãonormotensos13. Outro exemplo: o facto de o nosso avô estar vivo e de boa saúde aos 85anos, tendo fumado dois maços de tabaco durante 70 anos, não permite afirmar que otabagismo é inócuo para a saúde: apenas nos diz que fumar não é uma causa suficientede morte ou doença antes dos 85 anos. Assumir, baseado neste exemplo, que não existenenhuma relação entre o fumo e certas doenças seria análogo a afirmar que as guerrasnão matam pessoas porque existem veteranos de guerra vivos...

Todas as considerações anteriores podem aplicar-se aos ensaios clínicos, em que o fac-tor causal é a intervenção (medicamentosa, cirúrgica, psicológica, etc.) e o efeito é oresultado (outcome) medido (mortalidade, morbilidade, etc.).

2.2 Conceito de factor de causalidadePodemos então começar por definir o que se considera uma causa: um factor é conside-rado causal se a sua operação aumentar a frequência de um resultado/efeito. É impor-tante aqui lembrar que um factor preventivo é também causal, mas opera de maneirainversa, diminuindo a frequência de um resultado/efeito10.

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O conceito médico de causalidade é complexo, porque habitualmente uma doença écausada não por um, mas por vários factores operando em conjunto: o tabaco provocacancro do pulmão e da bexiga, doença pulmonar crónica obstrutiva, úlcera péptica edoença coronária (DC), mas esta tem várias causas para além do tabaco (hipercolestero-lémia, diabetes, hipertensão, carga genética). Definir e identificar um factor causal dedoença pode ser deste modo bastante difícil, sendo possível obter um impacto impor-tante na saúde do doente intervindo apenas num ou dois (pedir ao doente para deixarde fumar, por ex.).

Quando dois ou mais factores causais actuam em conjunto, o risco resultante podeser superior à simples soma dos efeitos individuais - dizendo-se, neste caso, que existeuma sinergia. Um exemplo típico deste conceito é o sistema de estratificação de riscode Framingham, referente à doença coronária e ao AVC, cujos factores preditivosincluem a idade, a pressão arterial sistólica, o colesterol total e o HDL, o género, apresença de diabetes ou de tabagismo e a hipertrofia ventricular esquerda no ECG14.Estes factores individuais, só por si, têm um efeito menor que a sua simples somapermitiria supor.

2.3 Determinação de causalidadeA determinação de causalidade em medicina é muito difícil. De facto, ela é mesmoimpossível: o melhor que se pode conseguir é aumentar a nossa convicção num fenó-meno de causa-efeito quando existem dados empíricos de experimentação de alta qua-lidade que o suportem. Deste modo, uma vez convencidos da qualidade da evidênciade base, passamos a acreditar na causalidade do factor estudado. Claro que tambémpoderemos assumir o processo contrário, isto é, tentar obter evidência de que um factornão é causa de um efeito determinado - o raciocínio é semelhante.

Um dos primeiros problemas no estabelecimento de uma relação causa-efeito é diferen-ciar entre associação e causalidade. É óbvio que o factor e o efeito devem estar associadosse houver entre eles uma relação causal, mas nem todas as associações são causais: existeuma associação entre o porte de isqueiro e a doença coronária, por ex., mas esta não éprovocada por aquele; a associação existe porque os fumadores necessitam de isqueiros,sendo o tabagismo - esse sim - uma causa de DC.

Se este exemplo é fácil de compreender, muito mais difícil se revela o estabeleci-mento de causalidade inequívoca em muitas outras situações em medicina15. Em

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primeiro lugar, é fundamental determinar se uma associação entre um determina-do factor e um efeito é de facto real, ou se provém de um qualquer viés (dos quais omais frequentes são o de selecção3 e o de medição) ou ainda de uma variação alea-tória (provocada pelo acaso). Em segundo lugar, dever-se-á assegurar a exclusão deum qualquer factor de confundimento que possa estar presente (e que, estandoassociado, não é causal - o exemplo do isqueiro na DC). Só então se assume acausalidade.

2.4 Tipo de estudos de prova de causalidadeA definição acima indicada de factor causal (um factor é considerado causal se a suaoperação aumentar a frequência de um resultado/efeito) permite seleccionar o tipo deestudos que provam causalidade. Com efeito, a definição implica que: 1) os doentes afec-tados pelo agente causal apresentarão uma frequência aumentada do resultado (outcome);e 2) os indivíduos que apresentam o resultado deverão ter uma frequência mais elevadade exposição passada ao agente causal10.

Assim sendo, os estudos comparativos podem ser de dois tipos: os que testam a implica-ção nº 1 comparando um grupo de doentes expostos ao factor putativo com outrogrupo de doentes não-expostos (estudo de coorte); e os que testam a implicação nº 2,comparando um grupo de doentes que já experimentaram o resultado com um outrogrupo em que os doentes não experimentaram um resultado, identificando retrospecti-vamente o factor causal (estudo caso-controlo). É claro que o que se procura aqui é oestabelecimento da relação quantitativa de causalidade, em que o factor não é nemnecessário nem suficiente para o aparecimento do efeito - com os resultados expressa-dos em riscos, rácios, etc.

Os estudos de coorte podem ser descritivos (quando se limitam a descrever a incidênciade certos resultados durante um intervalo de tempo) e analíticos (quando analisam asassociações entre factores preditivos e resultados); prospectivos, quando se iniciam coma exposição ao factor e estabelecem um seguimento futuro durante um determinadoperíodo de tempo ou retrospectivos, quando utilizam informação do passado para iden-tificar a exposição ao factor e providenciar a informação de seguimento desde essaaltura.

3 viés de selecção (selection bias): é um erro sistemático devido à existência de diferenças nas características dos sujeitos seleccionados

para um estudo, versus os não seleccionados; por exemplo, voluntários seleccionados por se encontrarem num determinado lugar

a determinada hora (serviço de urgência à noite), esquecendo os outros potenciais candidatos (consulta de dia)

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Nos estudos de coorte de intervenção (experimentais) - dos quais o ensaio aleatorizadoprospectivo e controlado (randomized controlled trial - RCT) constitui o paradigma - osinvestigadores controlam de modo aleatório (estudo aleatorizado) a exposição dos sujei-tos ao factor causal putativo (estudo controlado), definindo a possível relação causalentre os dois. Nos estudos observacionais de coorte os investigadores não influenciamas variáveis em presença, limitando-se a analisar os resultados obtidos.

Cada tipo de estudos tem as suas vantagens e desvantagens - quadro 2.4.1 - pelo que serábaseada nestas que os investigadores decidirão que desenho de estudo adoptar paracada questão individual.

Quadro 2.4.1 - Vantagens e desvantagens de diferentes tipos de estudos

Tipo de estudo Atributos Comentários

De coorte, Vantagens definição da incidência da doençaprospectivo investigação da etiologia da doença

definição de factores de risco de doençaestudo de antecedentes de doenças fatais

Desvantagens formato dispendioso e ineficiente para estudo deresultados (outcomes) raros

De coorte, Vantagens mesmos do que os estudos prospectivosretrospectivo menos dispendiosos e mais rápidos que os estudos

prospectivos

Desvantagens difícil selecção da amostra de doentesimpossibilidade de definir a natureza e qualidadedos factores preditivos de doença

Caso-controlo Vantagens eficiente para resultados (outcomes) rarosúteis na geração de hipóteses

Desvantagens informação limitada (não é possível saber daincidência ou prevalência da doença)apenas se pode estudar um resultado (outcome)aumento da probabilidade de viéses (de selecçãoe de medição, por ex.)

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3 Pesquisa e avaliação crítica da literatura biomédica

A prática clínica da Medicina é caracterizada pela permanente necessidade de resoluçãodos confrontos com problemas de conhecimento e de informação médica. Nos diasque correm, a velocidade à qual se produz conhecimento é vertiginosa, tornando aactualização do conhecimento uma tarefa hercúlea. No entanto, a selecção da infor-mação científica válida, importante e aplicável à situação (e ao doente) individual éimprescindível se quisermos garantir a qualidade da prática clínica.

No início dos anos 90 do século passado, a Medicina Baseada na Evidência surgiucomo resposta à necessidade de utilizar de forma consciente, explícita e criteriosa, aevidência (prova científica) disponibilizada pela literatura biomédica na tomada de de-cisões acerca do tratamento individual dos doentes16.

A prática da medicina baseada na evidência requer quatro passos metodológicos16, 17:

1. formular questões clínicas a partir do problema do doente;

2. pesquisar a literatura para selecção de artigos/estudo relevantes, identificando amelhor evidência científica existente;

3. avaliar criticamente a evidência - validade, importância e utilidade práticas; e

4. implementar a evidência em doentes específicos.

De seguida, debruçar-nos-emos sobre os aspectos relacionados com os métodos de pes-quisa e avaliação crítica da avaliação terapêutica.

3.1 Métodos de pesquisa da evidência sobre terapêuticaA pesquisa da evidência científica permitirá a avaliação crítica e posteriormente a selec-ção da informação que melhor responde à questão clínica inicialmente colocada. Asquestões clínicas são habitualmente classificadas como avançadas, ou de perito(foreground question: por exemplo, qual é a opção mais correcta de prevenir um AVC,anticoagulação ou antiagregação?) ou de base, ou de noviço (background question: quaissão as complicações mais frequente da pancreatite aguda?).

As questões de perito obedecem, na sua resposta, ao formato PICO (Paciente, Interven-ção, Comparação e resultadO). Como é natural, a classificação "de perito" ou "de novi-

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ço" é apenas aproximativa, já que apenas procura demonstrar a diversa complexidadedas questões que se deparam ao clínico (é óbvio que um perito tem também questõesde noviço e vice-versa).

As fontes potenciais de informação incluem a experiência pessoal ou de peritos,livros de texto, artigos originais publicados em periódicos, revisões sistemáticas daliteratura e normas de orientação clínica baseadas nas anteriores. As três últimasserão as que mais servem para classificar uma actuação de "baseada na evidênciacientífica" e são as que formam a base de decisão em clínica, por outras palavras, asmais importantes.

Se aceitamos esta classificação, então o passo seguinte será responder à questão"Quais são os critérios de selecção de fontes de informação para apoio à práticaclínica?". Estes devem ter em conta quatro factores18: 1) a sua base científica (qual avalidade dos estudos? a evidência está hierarquizada em termos da sua força? podeaceder-se às fontes primárias?); 2) a sua abrangência e especificidade (a área de inte-resse está efectivamente coberta e responde às questões importantes sobre diagnós-tico, tratamento, prognóstico?); 3) facilidade de utilização (resumos bem estrutura-dos? motor de busca eficaz?) e 4) disponibilidade (encontra-se facilmente? é dispen-dioso?).

Mas é necessário mais um passo: a categorização das fontes de informação. O texto quese segue, nesta secção, deve muito ao trabalho de Brian Haynes e do grupo da McMas-ter University e os interessados podem referir-se aos textos clássicos publicados por estesinvestigadores18-20.

O modelo que adoptamos é designado como "5S" devido às iniciais inglesas dos seusconstituintes - systems, summaries, synopses, synthesis e studies - e está graficamente represen-tado na figura 3.1.1.

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Figura 3.1.1 - O sistema 5S para organização da evidência de apoio à prática

As categorias informacionais definem-se através da maneira como a evidência científicade base é processada, assim como a facilidade da sua utilização:

1. ESTUDOS (Studies) - são os estudos primários de base (ensaios clínicos, estudosdiagnósticos e prognósticos, etc.), que se encontram nas bases de dados mais conhe-cidas (Medline, EMBASE, etc.), sem qualquer processamento específico; os utiliza-dores têm de analisar cada artigo per si, pelo que são algo difíceis de utilizar devidoàs aptidões necessárias para seleccionar (ie. construção de filtros de pesquisa) eavaliar (grelhas de avaliação crítica) os estudos. Existem literalmente milhões.

2. SÍNTESES (Synthesis) - são os estudos secundários (dos quais os paradigmas são asrevisões sistemáticas da literatura) que sintetizam a evidência cuidadosamente avali-ada segundo critérios explícitos previamente definidos; são relativamente simplesde utilizar e existem milhares publicadas. Exemplos: Cochrane Database of Syste-matic Reviews, DARE.

3. SINOPSES (Synopsis) - são descrições sucintas de um estudo ou de uma revisãoindividual incorporando guias ou aconselhamento de aplicação por peritos clíni-cos; a evidência é avaliada externamente, com descrição das suas forças e fraquezasno contexto da sua aplicação; são de fácil utilização e o seu número anda pelosmilhares. Exemplos: Evidence Based Medicine, ACP Journal Club, Essential Evi-dence Plus.

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4. SUMÁRIOS (Summaries) - são livros de texto totalmente baseados na evidência,com actualizações periódicas de curta duração e que procuram integrar a informa-ção dos níveis inferiores, de modo a fornecer uma abordagem prática; apresentamintegração avançada da evidência e constituem uma fonte de apoio à decisão muitoútil; existe um número reduzido destes instrumentos. Exemplos: UpToDate, Dyna-Med, EBM Guidelines, Clinical Evidence.

5. SISTEMAS (Systems) - estes são os instrumentos mais avançados que existem, inte-grando dados do doente individual com os da investigação clínica relevante ao casoindividual, através de sistemas informáticos; o seu número é escasso. Exemplos:software de apoio à decisão de internar o doente com dor retroesternal no serviçode urgência ou de estratificação de risco do doente coronário (QRISK, Framin-gham scores, Euroscore).

Para além da imposição imediata de procurar responder às questões clínicas no contex-to assistencial directo, existe naturalmente a necessidade da actualização permanentedo clínico prático. A abordagem habitual implica o scanning das revistas que este con-sidera mais relevantes, com leitura de todos os resumos e retenção dos que ele conside-ra mais importantes. Esta técnica tem vários problemas, a maior das quais será o factode o clínico ter de ter acesso às revistas - fácil se estiver num hospital universitário,difícil se não for esse o caso. Para além disso, o tempo necessário para investir nestaactualização é enorme e a selecção das revistas algo aleatória.

Estes problemas são solucionados por um conjunto de serviços de alerta que, gratuita-mente, enviam por correio electrónico diversos resumos de artigos que todos os diasvão sendo publicados e que são considerados os mais importantes por um conjunto deperitos internacionais (um dos autores deste manual - AVC - recebe periodicamente daparte do BmjUpdates + um artigo para classificar em relação à sua relevância e novida-de, que classifica de acordo com uma grelha previamente definida; esta classificação étida em conta na divulgação dos estudos disponibilizados). No quadro 3.1.1 estão exem-plificados os serviços de alerta mais utilizados.

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Quadro 3.1.1 - Serviços de actualização e alerta

Serviço Morada electrónica Descrição

BmjUpdates+ www.bmjupdates.mcmaster.ca/index.asp Alerta para estudos erevisões sistemáticasavaliadas pela sua relevância.Tem tabela de conteúdosenviada periodicamente

Essential www.essentialevidenceplus.com/index.cfm Alertas para estudos rele-Evidence Plus vantes que vão saindo dia-

riamente

Journal Watch www.jwatch.org/issues_by_date.shtml Produzido pelo NEJM, temresumos e comentários.Não é baseado na evidência.

DynaMed http://www.ebscohost.com/dynamed/ Comentários detalhadossobre os artigos maisimportantes

As bases de dados electrónicas biomédicas são fontes de informação com "motores debusca" que permitem a consulta rápida de dados com qualidade e aplicabilidade imedi-atas. Estas bases de dados podem ser classificadas em dois grupos. O primeiro grupo éconstituído pelas fontes bibliográficas tradicionais, em que os artigos originais estãoindexados para fácil acesso e selecção. O segundo grupo inclui artigos seleccionados deinvestigação primária ou secundária. Os representantes de cada um dos grupos podemser encontrados no Quadro 3.1.2 (a lista não é exaustiva).

Finalmente, colocar-se-á regularmente a questão de saber, perante um conjunto de estu-dos ou outras fontes de informação sobre o mesmo problema clínico, qual deverá ser ahierarquia da evidência científica sobre intervenções terapêuticas ou preventivas a esco-lher num caso específico. Como ilustrado no Quadro 3.1.3, e por ordem decrescente, adecisão deve apoiar-se nos resultados de revisões sistematizadas e meta-análises, seguidade ensaios clínicos aleatorizados (caso não existam as anteriores), ou estudos prospectivos,ou estudos retrospectivos, ou em casos clínicos ou, finalmente, em opinião de peritos.

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Quadro 3.1.2 - Exemplos de bases de dados/programas electrónicos

Tipo Representantes Acesso Endereço electrónico

Medline

(base de dados principal da Livre http://www.ncbi.nlm.nih.gov/PubMed/

National Library of Medicine)

EMBASE

(base de dados biomédica Pago http://www.embase.com/

e farmacêutica)

Convencional IndexRMP Livre

(indexação de (Base de dados de literatura (com http://www.indexrmp.com/

artigos originais) e teses médicas nacionais) registo)

SumSearch

(motor de busca em várias bases Livre http://sumsearch.uthscsa.edu/

de dados simultaneamente)

TRIP

(motor de busca em várias Livre http://www.tripdatabase.com

bases de dados simultaneamente)

Cochrane Library

(inclui uma biblioteca de revisões

sistematizadas; edição online Pago http://www.thecochranelibrary.org

e em papel)

Evidence-Based Medicine

(revista de investigação secundária; Pago http://ebm.bmj.com/

edição online e em papel)

Bandolier

Programas (selecção de revisões sistematizadas Livre

seleccionados e meta-análises; edição online - (online) http://www.jr2.ox.ac.uk/Bandolier/

6 meses após a publicação em papel)

UpToDate

(sistema de informação médica

disponibilizado online, Pago http://www.uptodate.com/

computador ou PDA)

DynaMed

(sistema de informação médica

disponibilizado online, Pago http://www.ebscohost.com/dynamed/

computador ou PDA)

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Quadro 3.1.3 - Hierarquização da evidência científica terapêutica/preventiva17

Tipo de estudo Definição

Revisão bibliográfica e científica sobre um determinadotema, em que os viéses se encontram reduzidos ao máxi-mo. A característica fundamental de uma revisão sistema-tizada é a explicitação clara e não ambígua dos critériosutilizados para a selecção, avaliação crítica e inclusão daevidência científica naquela. Deste modo, uma revisão sis-tematizada apresenta objectivos formais e precisos e os cri-térios de inclusão (e exclusão) dos estudos são explicitadosdetalhadamente.

Técnica estatística que permite a combinação de resulta-dos de diferentes estudos (habitualmente RCTs) duma re-visão sistematizada. A racionalidade desta abordagem jus-tifica-se pelo facto da maior parte dos ensaios não possuírpoder suficiente per si para responder eficazmente à ques-tão colocada. As meta-análises possuem dois tipos de com-ponentes estruturais: 1) qualitativos, com aplicação de crité-rios metodológicos de qualidade pré-definidos (ausência deviéses, grau de disponibilidade dos dados, por ex.) e 2) quan-titativos, que é a integração da informação numérica. As meta-análises têm normalmente uma representação gráfica típica.Uma meta-análise pode ser considerada uma revisão sistema-tizada com informação estatística formal.

Experiência epidemiológica na qual os sujeitos em estudo(amostra), seleccionados através de métodos explícitos de umgrupo mais vasto (a população), são aleatoriamente distribuí-dos (pelo menos) entre dois grupos: o experimental, sobre oqual vai incidir o tratamento (ou medida preventiva, ou in-tervenção) e o controlo. Os resultados são avaliados rigoro-samente, comparando entre os dois grupos taxas de doença,de recuperação, de mortalidade, de morbilidade ou qual-quer outro resultado (outcome) que se revele de interesse.

Revisões sistematizadas(systematic reviews)

Meta-análises(meta-analyses)

Ensaios clínicosaleatorizadose controlados(randomized controlled

trials - RCTs)

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RCTs cujos resultados não atingiram a significância esta-tística.

Tipo de estudo em que os sujeitos são recrutados e segui-dos para a frente no tempo, durante um determinado perí-odo. É um desenho particularmente utilizado para defini-ção de risco e prognóstico. Neste caso, a comparação, nofinal do período de followup, da incidência da doença emdeterminados subgrupos permite o estabelecimento da for-ça da relação entre o factor de risco e a respectiva doença.

Estudo com um desenho que permite testar a etiologia deuma doença. O conceito em que assenta este tipo de estu-do aceita que o esclarecimento da relação entre uma expo-sição a factores que se acreditam poder estar na origem deuma determinada doença (factores putativos/causais) e essadoença, possa ser conseguido através de dados relaciona-dos com as características individuais dos sujeitos de estu-do, assim como a identificação de eventos/acontecimen-tos por estes experimentados no passado. O ponto essenci-al é o de que alguns sujeitos sob estudo apresentam a do-ença (ou outro resultado de interesse) e outros não, permi-tindo a comparação dos dois grupos em termos de even-tos/acontecimentos passados.

Descrição do caso de um doente individual e do tratamen-to escolhido e respectiva monitorização.

A opinião de um profissional com conhecimento ou habi-lidade extensa numa determinada área pode ser particu-larmente importante no caso de doenças raras ou quandonão estão disponíveis outros tipos de evidência.

Ensaios clínicosaleatorizados e controladossem resultadossignificativos/definitivos

Estudos prospectivos(estudos de coorte)(cohort studies)

Estudos retrospectivos(case-control studies)

Casos clínicos

Opinião de peritos

Tipo de estudo Definição

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Os estudos secundários (revisões sistematizadas e meta-análises) e os ensaios clínicosaleatorizados fornecem, portanto, informação de maior qualidade e validade e devempor isso ser pesquisados em primeiro lugar. Caso não estejam disponíveis, utilizam-se asfontes imediatamente a seguir na hierarquia da evidência clínica.

3.2 A investigação sobre resultados em saúde (Health Outcomes Research)A utilização criteriosa dos recursos de saúde implica o conhecimento do impacto dasintervenções dos sistemas de saúde nas populações. Por outras palavras, as intervençõesclassificadas como positivas em termos de benefício/risco com base em resultados deensaios clínicos (metodologia experimental) necessitam de ser analisadas após generali-zação no quotidiano prático.

A investigação sobre resultados em saúde (health outcomes research - HOR) procura com-preender e caracterizar os resultados finais de uma intervenção específica21. Estes resul-tados incluem efeitos que os doentes apresentam e que são para eles clinicamente rele-vantes (capacidade de função, qualidade de vida, morbilidades, etc.).

A investigação sobre resultados em saúde estuda o efeito dos cuidados de saúde prestadosna saúde e bem-estar do doente individual e da população http://www.ahrq.gov/clinic/outfact.htm. Este tipo de abordagem define o sucesso através dos efeitos de um trata-mento em diferentes áreas da vida do doente. Os resultados são medidos em termos doestado funcional, bem-estar e satisfação do doente, os quais completam os resultadosfisiológicos tradicionais (resultados de testes laboratoriais, taxas de complicações oumortalidade). Deste modo, a avaliação tem em conta outros aspectos para além dosucesso ou insucesso clínicos de uma intervenção.

Esta abordagem é particularmente útil nas doenças crónicas ou incuráveis e, ao conec-tar os cuidados que os doentes recebem com os resultados obtidos, a HOR permitedesenvolver melhores maneiras de monitorizar e melhorar os cuidados de saúde. Oquadro 3.2.1 demonstra alguns exemplos de resultados em saúde (health outcomes).

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Quadro 3.2.1 - Alguns resultados em saúde

Resultado (outcome) ExemploMortalidade Taxa de mortalidade infantilMedidas fisiológicas Pressão arterialEventos clínicos Acidente vascular cerebralSintomas DispneiaMedidas funcionais SF-36, ADLExperiências dos doentes Escalas de avaliaçãoFonte: http://www.ahrq.gov/clinic/outfact.htm 21

A investigação sobre resultados em saúde avalia todos os aspectos do fornecimento decuidados de saúde, desde o encontro com o prestador de cuidados médicos até ques-tões relacionadas com a organização, financiamento e regulação dos sistemas de saúde.Ao avaliar os resultados de uma intervenção no contexto real da prática clínica, obtêm-se dados de efectividade, em contraposição aos dados obtidos nos ensaios clínicos alea-torizados e controlados que permitem a obtenção de dados de eficácia.

3.3 As Normas de Orientação ClínicaAs normas de orientação clínica (NOCs) (guidelines na designação inglesa) podem serdefinidas como ..."um conjunto de recomendações desenvolvidas de forma sistematizada que se

destinam a apoiar o médico e o doente na tomada de decisões acerca dos cuidados de saúde em

situações clínicas específicas"22.

As NOCs são um instrumento importante para - entre outras tarefas - permitir a disse-minação dos resultados da investigação sobre resultados em saúde. A importância dasNOC como método de apoio à decisão clínica tem crescido ao longo das últimas déca-das e presentemente as NOCs constituem um instrumento de qualidade de prestaçãode serviços pelos profissionais de saúde, contribuindo, igualmente, para a melhoria dossistemas de saúde.

Como princípios gerais orientadores, com eficácia reconhecida, e que devem ser perfei-tamente reconhecidos por todos contam-se "10 mandamentos":

1. O principal objectivo de uma NOC é o da melhoria da qualidade em saúde centra-da em objectivos claros, válidos e relevantes (sobrevivência, qualidade de vida, etc.)

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2. A criação de NOCs deve ter origem numa equipa multidisciplinar, com colabora-ção de médicos, associações profissionais, pessoal de saúde em geral e representan-tes dos doentes/utentes/pacientes sobre as quais incidirão as recomendações

3. Previamente à elaboração de NOCs devem sempre ser explicitados os seus objecti-vos, os critérios metodológicos aplicados, os potenciais utilizadores finais, os con-textos de aplicação, os processos de prioritização e a garantia, à partida, dos recur-sos necessários para a sua criação, distribuição, implementação e revisão

4. As NOCs devem basear-se e sintetizar a melhor evidência científica disponível,devendo ser organizadas e publicadas sob a forma de resumos estruturados

5. As recomendações emitidas de forma clara e concisa, graduadas de acordo com asua importância/força, devem ser suficientemente flexíveis para que, tanto os mé-dicos como os doentes, possam exercer um julgamento objectivo e seja possívelimplementá-las e adaptá-las a uma população-alvo

6. As NOCs devem servir de base a uma decisão informada por parte dos profissio-nais de saúde e dos doentes, melhorando a aprendizagem profissional, a educaçãodo doente e a comunicação entre ambos

7. As NOCs devem ser revistas por peritos e utilizadores antes da respectiva imple-mentação e, se possível, testadas em condições piloto nos contextos respectivos

8. As NOCs devem incluir instruções e estratégias adaptativas eficazes para a respecti-va implementação (de preferência voluntária), enfatizando o envolvimento dos do-entes, médicos e outros agentes de saúde

9. As NOCs devem ser avaliadas em termos da sua eficácia, com recurso a instrumen-tos de medida rigorosos

10. As NOCs devem sofrer um processo de revisão e actualização regular e programa-da, cuja periodicidade está dependente do avanço dos conhecimentos na área res-pectiva

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As recomendações são elaboradas de acordo com diferentes níveis de evidência, o quepermite a caracterização da força relativa de cada uma delas. Deste modo, de acordocom a qualidade da evidência subjacente a cada uma das recomendações é estabelecidoo grau da mesma (quadro 3.1.1).

Quadro 3.3.1. Níveis de evidência e graus de recomendação terapêutica

Grau de Nível de Análise metodológicaRecomendação evidência

A 1a RS (com homogeneidade interna) de RCTs1b RCTs individuais (com IC curtos)1c Todos ou nenhuns *

B 2a RS (com homogeneidade interna) de estudos de coorte2b Estudos de coorte individuais (incluindo RCTs de

baixa qualidade, por exemplo <80% de follow-up)2c Investigação sobre resultados (outcomes research)3a RS (com homogeneidade interna) de estudos caso-controlo3b Estudos caso-controlo individuais

C 4 Estudos de séries de casos (e também estudos coorte ecaso-controlo de baixa qualidade**)

D 5 Opinião de peritos sem explicação prévia da metodologiade avaliação crítica de evidência, ou baseada em inves-tigação básica (extrapolação) ou em princípios primários

* quando todos os doentes faleciam antes do tratamento estar disponível mas algunsagora sobrevivem; ou quando alguns doentes faleciam antes do tratamento estar dispo-nível mas nenhum agora morre quando a ele é sujeito

** os estudos de coorte de baixa qualidade são os que não definiram claramente os gruposem comparação; e/ou não mediram as exposições e resultados (outcomes) de maneira objec-tiva (de preferência em ocultação) em ambos os grupos (expostos e não-expostos); e/ou nãoidentificaram ou controlaram apropriadamente os factores de confusão (confounders); e/ounão levaram a cabo um seguimento (follow-up) suficientemente longo e completo. Os estu-dos caso-controlo de baixa qualidade são aqueles que não definiram claramente os gruposem comparação; e/ou não mediram as exposições e resultados (outcomes) de maneira objec-tiva (de preferência em ocultação) em ambos os grupos (casos e controlos); e/ou não identi-ficaram ou controlaram apropriadamente os factores de confusão (confounders).

Adaptado de 17

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Um dos sistemas presentemente mais utilizados é o Grades of Recommendation, Assess-

ment, Development and Evaluation (GRADE), que apresenta uma abordagem diferente.Os interessados em conhecer o sistema em pormenor podem recorrer ao website daorganização respectiva (http://www.gradeworkinggroup.org/).

As NOCs constituem, pela sua organização, disponibilidade e conteúdo, uma das fon-tes mais válidas de informação sobre opções terapêuticas, mas apenas deverão ser consi-deradas as que forem baseadas, explicitamente, na evidência científica.

3.4 Métodos de avaliação crítica da evidência terapêuticaO passo seguinte após a selecção da evidência publicada é a avaliação crítica em termosmetodológicos, para definição da sua validade (se o seu desenho permite responder à ques-tão colocada inicialmente), importância (se os resultados são clinicamente relevantes e esta-tisticamente significativos) e aplicabilidade (aos doentes encontrados na prática clínica).

A necessidade da utilização de um critério de avaliação rigoroso advém do facto damaior parte da investigação publicada possuir pouco rigor metodológico e por vezes sertambém pouco relevante em termos de utilidade prática.

3.4.1 Avaliação crítica de um ensaio clínico aleatorizadoAs questões metodológicas enunciadas no quadro 3.4.1 pretendem analisar os parâme-tros de validade, importância e aplicabilidade dos estudos clínicos de terapêutica, enun-ciados anteriormente.

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Quadro 3.4.1 - Grelha para avaliaçãocrítica de um artigo descrevendo um ensaio clínico

VALIDADE DOS RESULTADOS S ? N n/aA gama de doentes foi bem definida? 2 1 0 n/aO diagnóstico da doença estava bem caracterizado? 2 1 0 n/aOs critérios de inclusão e exclusão são lógicos e claros? 2 1 0 n/aOs doentes foram aleatorizados? 2 1 0 n/aA aleatorização foi ocultada? 2 1 0 n/aOs doentes foram analisados nos grupos para os quais tinhamsido aleatorizados inicialmente (intenção-de-tratar)? 2 1 0 n/aO método de aleatorização foi explicado? 2 1 0 n/aA dimensão da amostra foi estatisticamente calculada 2 1 0 n/aOs doentes nos grupos em comparação eram semelhantesem termos dos seus factores de prognóstico conhecidos? 2 1 0 n/aCom excepção do tratamento em estudo, todosos doentes foram tratados da mesma maneira? 2 1 0 n/aFoi ocultado aos doentes o grupo a que pertenciam? 2 1 0 n/aForam ocultados aos investigadores os grupos em estudo? 2 1 0 n/aForam ocultados aos analisadores dos dados os grupos em estudo? 2 1 0 n/aO seguimento (followup) final foi superior a 80%? 2 1 0 n/a

IMPORTÂNCIA DOS RESULTADOSA dimensão do efeito terapêutico (RRR, RRA, NNT) foi importante? 2 1 0 n/aA estimativa do efeito é suficientemente precisa (IC)? 2 1 0 n/aEsse efeito tem importância clínica? 2 1 0 n/a

APLICABILIDADE DOS RESULTADOSOs doentes do estudo são semelhantes aos da prática clínicado médico individual? 2 1 0 n/aForam considerados todos os resultados clínicos importantes? 2 1 0 n/aOs benefícios do tratamento sobrepõem-se aos potenciaisriscos e custos da sua implementação? 2 1 0 n/a

Em termos práticos, cada questão é classificada em 4 hipóteses:

• resposta afirmativa = sim (codificada com 2)

• pouco claro/possivelmente (codificada com 1)

• resposta negativa = não (codificada com 0)

• não aplicável

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No final de responder às 20 questões, obtém-se a soma de todas as questões individuaise calcula-se um score final, segundo o esquema:

• Score total (soma dos scores atribuídos) ________ [A]

• Nº de questões aplicáveis (máx. 20) ___________ [B]

• Score máximo possível (2 x B) _______________ [C]

Os ensaios clínicos classificados com uma pontuação de 75% ou mais do total sãoconsiderados de boa qualidade e reúnem condições para serem considerados evidênciade boa qualidade. Todos os outros são, em princípio, excluídos, não devendo ser utiliza-dos na prática clínica.

De seguida, será feita uma descrição breve de alguns dos tópicos que devem ser cumpridos23.

Os resultados do estudo são válidos?Esta questão está relacionada com a credibilidade dos resultados e tem por objectivoaveriguar se a avaliação do efeito do tratamento representa de um modo fidedigno adirecção e magnitude do verdadeiro efeito subjacente.

A gama de doentes e o diagnóstico da doença estava bem caracterizado? Os critériosde inclusão e exclusão são lógicos e claros? Apenas deste modo será possível perceber oâmbito do estudo e reconhecer a população para a qual os resultados são válidos, isto é,a definição da doença em causa.

Os doentes foram aleatorizados? A aleatorização permite que os doentes dos dois gru-pos (experimental e controlo) tenham uma maior probabilidade de apresentarem carac-terísticas semelhantes relativamente aos determinantes conhecidos (e desconhecidos)dos resultados em estudo.

A aleatorização foi ocultada? Se a aleatorização não for ocultada, o seu princípio inicialé posto em causa, já que os intervenientes do estudo podem falsear os resultados (podeocorrer um viés quando por exemplo os investigadores têm acesso ao braço do estudoem que o doente vai ser colocado e gerem a admissão dos doentes, colocando porexemplo, os doentes menos graves no grupo controlo).

Os doentes foram analisados nos grupos para os quais tinham sido aleatorizados ini-cialmente (intenção-de-tratar)? Os investigadores podem falsear a aleatorização ao omi-

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tirem sistematicamente os doentes que não cumprem o tratamento que lhes foi destina-do ab initio. A estratégia da análise pela intenção-de-tratar (avaliação dos resultadosbaseada na distribuição dos doentes pelo tipo de tratamento para o qual foram aleato-rizados, ao invés do tratamento que na verdade receberam) preserva o valor da aleatori-zação, já que os factores prognósticos (que conhecemos e desconhecemos) estarão equi-tativamente presentes em ambos os grupos de estudo (experimental e controlo) e oresultado advirá unicamente do tratamento realizado.

Os doentes nos grupos em comparação eram semelhantes em termos dos seus facto-res de prognóstico conhecidos? A aleatorização pretende gerar grupos com prognósticosemelhante relativamente ao resultado em estudo. No entanto, o processo de aleatoriza-ção pode não ser bem-sucedido por obra do acaso. Quanto mais pequena a amostra,maior a probabilidade de ocorrer um desequilíbrio prognóstico entre os grupos. Todosos ensaios devem apresentar as características basais dos grupos controlo e experimen-tal. Deste modo obter-se-á a distribuição dos factores prognósticos (aqueles possivel-mente relacionados com os resultados em estudo) nos grupos controlo e experimental.Pretende-se acautelar que as características são o mais semelhante possível entre os gru-pos (apesar de não ser possível conhecer a distribuição dos factores prognósticos desco-nhecidos, a distribuição equitativa dos factores conhecidos garante uma maior confian-ça no estudo). Não se pretende estudar se as diferenças entre os grupos, à entrada noestudo, são estatísticamente significativas mas sim se a sua dimensão é importante.

Com excepção do tratamento em estudo, todos os doentes foram tratados da mesmamaneira? Qual a terapêutica standard realizada pelos doentes em estudo - ela é seme-lhante? Co-medicações de base podem alterar os resultados de um estudo.

Foram ocultados aos investigadores os grupos em estudo? A ocultação eficaz elimina apossibilidade da administração preferencial (consciente ou inconsciente) de terapêuti-cas adjuvantes ao grupo controlo ou experimental.

Foram ocultados aos analisadores dos dados os grupos em estudo? A proveniência dosdados em avaliação deve ser também ocultada do grupo de investigadores encarreguedo tratamento dos dados já que nesta fase do processo também podem ser introduzidosviéses. Quanto maior julgamento crítico for necessário para a determinação da ocorrên-cia ou de um resultado, maior a necessidade de ocultação.

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Foi ocultado aos doentes o grupo a que pertenciam? Os doentes que realizam umtratamento que acreditam ser eficaz podem sentir-se e desempenhar funções melhor doque aqueles que não acreditam na validade do tratamento, mesmo que este não sejabiologicamente activo. É possível que este efeito placebo possa interferir na determina-ção do impacto biológico de uma determinada terapêutica farmacológica.

O seguimento (followup) foi completo? Quanto maior o número de doentes perdidosdurante o período de seguimento, maior a probabilidade da validade do estudo estarcomprometida. A importância deste aspecto prende-se com o facto de os doentes "per-didos" apresentarem geralmente prognósticos diferentes daqueles que se mantêm emestudo (quer no sentido da melhoria ou do agravamento). Esta é uma situação análogaà importância da análise segundo a intenção-de-tratar.

Quais são os resultados?Esta questão considera a amplitude e precisão do efeito do tratamento.

A dimensão do efeito terapêutico (RRR, RRA, NNT) foi importante? Geralmente,os ensaios clínicos monitorizam a frequência com que os doentes apresentam resulta-dos positivos ou adversos (ocorrência de resultados, como por exemplo, morte). Podemser usados vários métodos para demonstrá-los24. É possível demonstrar a extensão dobenefício em comparação com o risco inicial, calculando a redução do risco relativo(RRR). A RRR não reflecte o risco do evento sem terapêutica (risco basal) não podendopor isso diferenciar entre diversas dimensões do tratamento. A redução do risco absolu-to (RRA) é a diferença aritmética entre a taxa de eventos no grupo controlo e a taxa deeventos no grupo experimental. A RRA é uma medida mais significativa dos efeitos dotratamento do que a RRR porque leva em conta o risco basal. O número que é necessá-rio tratar (NNT) é o recíproco da RRA; é sempre referido a um intervalo de tempo, aum resultado e um comparador específicos. O NNT reflecte o número de doentes queterão de ser tratados com a intervenção em questão, para que um doente adicionalatinja o resultado definido naquele período de tempo. Assim, o NNT reflecte o núme-ro de doentes que será tratado desnecessariamente. Quanto maior o NNT, maior oesforço que a intervenção em causa implica. O cálculo destas medidas de associaçãoconsegue-se através da construção das chamadas tabelas de contingência 2 x 2:

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Quadro 3.4.2 - Tabela de contingênciapara cálculos de medidas de associação em RCTs

Resultado (outcome)SIM NÃO

Exposição SIM a bNÃO c d

Risco Relativo. RR = [a / (a + b)] / [c / (c + d)]

Redução do Risco Relativo. RRR = [c / (c + d)] - [a / (a + b)] / [c / (c + d)]

Redução do Risco Absoluto. RRA = [c / (c + d)] - [a / (a + b)]

Número Necessário Tratar. NNT = 1 / RRA

Odds Ratio. OR = [(a/b) / (c/d)] = ad / cb

A estimativa do efeito é suficientemente precisa (IC)? Na realidade, a verdadeira esti-mativa da redução do risco nunca é conhecida. Todavia, através de RCTs é possívelobter a melhor estimativa para o efeito de uma intervenção. Este é um valor que estarápróximo do "real" mas não será certamente o "correcto". Podemos considerar o interva-lo de confiança a 95% como o intervalo de valores que inclui o valor "real" em 95% dasvezes. Isto faz com que se relaciona estritamente com o nível convencional de significân-cia estatística, habitualmente P<0,05.

Estes resultados são aplicáveis ao meu doente?Esta questão tem duas partes: em primeiro lugar, é necessário saber se os resultados sãogeneralizáveis ao doente concreto, ou se o doente é demasiado diferentes dos que parti-ciparam no ensaio para haver dúvidas quanto ao interesse do tratamento específico; emsegundo lugar, se os resultados são aplicáveis, qual é o impacto do tratamento.

Os doentes do estudo são semelhantes aos da prática clínica do médico individual? Naprática clínica diária lidamos com doentes individuais que, regra geral, é difícil adequarcompletamente aos critérios de inclusão e exclusão estabelecidos nos ensaios clínicos.Parece sensato, e preferível, perguntar se existe alguma razão pertinente e importante paraque os resultados de um determinado estudo não possam ser aplicados a um doente "real"ao invés de o encaixar em critérios "irreais". Caso a primeira premissa se cumpra, é aindanecessário avaliar se o doente tem capacidade para aceitar as recomendações e aderir ao

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esquema terapêutico. Por outro lado, convém frisar que os ensaios clínicos aleatorizadosdemonstram o efeito médio verificado numa amostra de doentes, pelo que um doenteparticular pode não apresentar benefícios com a intervenção (e sofrerá, no entanto, ocusto e a eventual toxicidade do tratamento). Podemos obviar esta vicissitude realizandoum ensaio aleatorizado e controlado num doente individual (Ensaio aleatorizado e controla-

do N de 1). Neste caso, o doente particular inicia uma ronda de dois períodos de tratamen-to: um em que recebe o tratamento, e outro em que recebe o placebo. Nesta intervençãosão mantidas todas as condições necessárias à validade de um ensaio clínico aleatorizadoe controlado convencional. No entanto, nem sempre é exequível uma intervenção destetipo. Quando um doente particular pertence a um subgrupo avaliado por um ensaioclínico, é prudente avaliar cuidadosamente as condições do estudo. O tratamento sóbeneficia realmente (positiva ou negativamente) o subgrupo quando a diferença entre osefeitos é de grande dimensão e difícil de ocorrer por acaso. Todavia, mesmo quando estaspremissas se cumprem, os resultados podem ser enganadores se os investigadores nãoespecificaram as premissas no início do ensaio, se estipularam um grande número dehipóteses ou se outros estudos não forem capazes de demonstrar o mesmo efeito23.

Foram considerados todos os resultados clínicos importantes? É necessário que a evi-dência demonstre não só que a terapêutica melhora resultados importantes para osdoentes como também que não interfere negativamente noutros resultados.

Os benefícios do tratamento sobrepõem-se aos potenciais riscos e custos da sua imple-mentação? O impacto de uma terapêutica está relacionado não só com a RRR comotambém com o risco do resultado adverso cuja ocorrência pretende prevenir. Para umadada RRR, quanto maior a probabilidade da ocorrência do resultado adverso se nãotratado e quanto maior a probabilidade de que o doente beneficie do tratamento, quantomenos doentes será necessário tratar para prevenir uma ocorrência do resultado adver-so. O conhecimento do NNT auxilia no balanço dos benefícios e riscos associados àsopções terapêuticas. O balanço do risco/benefício deve ser também suportado peloconhecimento dos efeitos adversos associados ao tratamento em questão. No entanto,em última análise, são as preferências ou valores do doente que determinam a escolhaface aos riscos e benefícios da terapêutica23.

3.4.2 Avaliação crítica de uma revisão sistemáticaUma revisão sistemática (RS) pode ser definida como a resposta a uma questão clíni-ca, utilizando métodos que reduzam a probabilidade de viéses. O termo meta-análise

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descreve as revisões que utilizam métodos quantitativos para sumariar os resultados.

A realização de uma RS passa por diferentes etapas: definir o tema; identificar, selecci-onar e avaliar de forma crítica os estudos relevantes (designados por estudos primários);reunir e resumir a informação relevante (de forma qualitativa ou quantitativa) e tirarconclusões.

As RS constituem sínteses concisas da melhor evidência disponível, que abordam ques-tões clínicas relevantes cuidadosamente elaboradas. Ao contrário das revisões narrati-vas, isto é, as que classicamente são pedidas a um ou mais autores que as escrevemlivremente (sem justificação prévia sobre que artigos irão discorrer e porquê), as RSutilizam métodos rigorosos e explícitos para identificar, criticar e sintetizar estudos rele-vantes, procurando agregar e examinar toda a evidência de alta qualidade acessível quediga respeito à pergunta em questão. No quadro 3.4.2.1 estão resumidas algumas dife-renças entre as revisões narrativas e as sistemáticas.

Quadro 3.4.2.1 - Diferenças entre as revisões narrativas e as sistemáticas

REVISÃO NARRATIVA REVISÃO SISTEMATIZADAQuestão alargada focalizadaFontes e pesquisa não especificadas e enviesadas pré-especificadas e abrangentes,

com uma estratégia explícitaSelecção dos estudos não especificada e enviesada baseada em critérios

e uniformemente aplicadaAvaliação crítica variável rigorosa e completaSíntese sumário qualitativo sumário quantitativoInferências por vezes baseadas na evidência sempre baseadas

científica na evidência científica

As bases de avaliação crítica de uma revisão sistemática empregam as mesmas guiasgerais dos ensaios clínicos, mas com questões específicas diferentes. No quadro 3.4.2.2estão descritos os passos para uma avaliação crítica de uma RS, que são detalhados nassecções seguintes.

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Quadro 3.4.2.2 - Grelha para avaliação de estudos de revisão

VALIDADE DOS RESULTADOS S ? N n/aA revisão aborda de forma explícita uma questão clínica sensível? 2 1 0 n/aA pesquisa dos estudos relevantes foi detalhada e exaustiva? 2 1 0 n/aOs estudos primários têm elevada qualidade metodológica? 2 1 0 n/aA interpretação dos estudos é reprodutível? 2 1 0 n/a IMPORTÂNCIA DOS RESULTADOS 2 1 0 n/aOs resultados foram semelhantes entre os estudos? 2 1 0 n/aQuais são os resultados gerais dos estudos? 2 1 0 n/aQuão precisos são os resultados? 2 1 0 n/a APLICABILIDADE DOS RESULTADOS 2 1 0 n/aQual é a melhor forma de interpretar os resultadospara aplicá-los na prática clínica? 2 1 0 n/aForam considerados todos os outcomes clinicamente importantes? 2 1 0 n/aOs benefícios do tratamento sobrepõem-se aos potenciais riscose custos da sua implementação? 2 1 0 n/a

Os resultados são válidos?A revisão aborda de forma explícita uma questão clínica sensível? Para se verificar quea questão clínica é sensível, a biologia subjacente ao problema deve permitir o mesmoefeito terapêutico em todos os doentes. Para que este ponto seja correctamente avalia-do, a revisão sistematizada deve apresentar de forma explícita quais os critérios de inclu-são dos estudos que foram utilizados.

A pesquisa dos estudos relevantes foi detalhada e exaustiva? A pesquisa dos estudosdeve ser feita em bases de dados bibliográficas (como a MEDLINE, EMBASE, Registode Ensaios Clínicos da Cochrane, etc.) e nas que contenham estudos em curso, bemcomo a partir das listas de referências dos artigos seleccionados e através do contactopessoal com peritos na área em causa. Pode ser importante consultar resumos de reuni-ões científicas bem como bases de dados consultadas com menos frequência (que inclu-am por exemplo teses de doutoramento).

Os estudos primários têm elevada qualidade metodológica? As diferentes metodologi-as utilizadas no desenho dos estudos podem explicar as diferenças encontradas nosresultados dos mesmos. Por outro lado, a determinação da validade é também impor-

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tante quando os resultados de diferentes estudos são consistentes já que as conclusõesserão mais apelativas caso resultem dos estudos com qualidade superior.

A interpretação dos estudos é reprodutível? A revisão dos artigos (critérios de inclu-são, avaliação da validade, extracção de dados) quando realizada por um grupo de 2 oumais pessoas, previne melhor a ocorrência de erros.

Quais são os resultados?Os resultados foram semelhantes entre os estudos? Na avaliação da semelhança entreos resultados dos estudos deve atentar-se a duas questões: (1) as melhores estimativas(point estimates) do efeito do tratamento em cada estudo são semelhantes? (2) as diferen-ças entre os resultados dos estudos individuais são maiores do que aquelas esperadaspelo acaso? Em relação ao segundo ponto, pode ser feita uma avaliação inicial pelaavaliação dos intervalos de confiança - quanto mais próximos uns dos outros, maior asegurança no agrupamento dos resultados. Por outro lado, a análise estatística formalatravés dos testes de heterogeneidade fornece também pistas importantes. Quanto ovalor P associado com o teste de heterogeneidade é baixo (por exemplo P<0,05) a expli-cação da magnitude do efeito simplesmente pelo acaso torna-se menos plausível. Asrevisões sistematizadas devem incluir hipóteses para a variabilidade encontrada entreos estudos.

Quais são os resultados gerais dos estudos? Na revisão sistematizada de uma questãoterapêutica deve-se avaliar, tal como num estudo primário, o risco relativo e a reduçãodo risco relativo ou o odds ratio.

Quão precisos são os resultados? A avaliação da precisão dos resultados deve ser feitaatravés da avaliação do intervalo de confiança (lista de valores com uma probabilidadeespecífica, geralmente 95%, de incluir o verdadeiro resultado) do efeito médio estima-do entre os estudos.

Como posso aplicar os resultados ao doente individual?Qual é a melhor forma de interpretar os resultados para aplicá-los na minha práticaclínica? Os critérios que tornam a diferença entre subgrupos mais credível são: conclu-sões retiradas dentro de cada estudo, ao invés da comparação entre estudos; diferençamarcada no efeito do tratamento entre os subgrupos; diferença estatisticamente signifi-cativa no efeito do tratamento; hipótese levantada antes do início do estudo (e uma das

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poucas estudadas) e existência de evidência indirecta que explique a diferença. Se estescritérios não forem cumpridos deve assumir-se que os resultados da análise de subgru-pos não são credíveis e que o efeito global entre todos os doentes e tratamentos se aplicaao doente em questão e ao tratamento em análise.

Foram considerados todos os outcomes clinicamente importantes? As revisões siste-matizadas geralmente não incluem dados acerca dos efeitos adversos e dos custos ine-rentes à terapêutica.

Os benefícios do tratamento sobrepõem-se aos potenciais riscos e custos da sua imple-mentação? Apesar das revisões sistematizadas fornecerem a melhor forma de quantifi-car os resultados esperados para uma determinada intervenção, estes devem ser sempreconsiderados face aos valores e preocupações do doente em questão.

4 Balanço risco/benefício da terapêutica

Os fármacos são prescritos pelo seu potencial benefício, mas desde sempre é conhecidoque associado a cada um deles existe o risco de efeitos adversos. Antes de qualquerprescrição ou acto terapêutico devem ser ponderados os seguintes factores25:

• características clínicas da doença a tratar;

• gravidade e frequência dos possíveis efeitos adversos;

• eficácia do fármaco a ser utilizado;

• perfil de segurança e a eficácia de fármacos alternativos.

O balanço risco/benefício deverá ser avaliado considerando dois aspectos distintos doespectro de decisão: ele será favorável/alto quando a doença constitui risco iminente devida, o fármaco é eficaz e um dos poucos disponíveis e se o risco de efeitos adversos édesprezível e desfavorável/baixo quando a doença é comum, o fármaco é pouco eficaz,existem outros medicamentos alternativos e os efeitos adversos são elevados (quadro 4.1).

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Quadro 4.1 - Quadro resumo do balanço benefício/risco

FACTOR FAVORÁVEL DESFAVORÁVEL

Gravidade da doença de base Muito grave/mortal Trivial

Eficácia do medicamento seleccionado Elevada Baixa

Gravidade dos efeitos adversos Trivial Elevada

Frequência dos efeitos adversos Rara Frequente

Eficácia das alternativas terapêuticas Má Boa

Segurança das alternativas terapêuticas Má Boa

Para melhor ilustrar o que foi dito, consideremos o exemplo da fenilbutazona, um anti-inflamatório não-esteróide (AINE) usado no tratamento de muitos estados inflamatórioscomo a crise gotosa, artrite reumatóide e a espondilite anquilosante. A incidência deaplasia medular durante o tratamento com este fármaco varia entre 1:30.000 e 1:100.000,podendo atingir valores mais elevados em indivíduos idosos ou submetidos a tratamentocrónico. Enquanto não existia nenhum outro AINE disponível com semelhante eficácia,o balanço risco/benefício era considerado suficientemente alto para ultrapassar o risco deaplasia medular. Contudo, assim que outros fármacos com menos efeitos adversos fica-ram disponíveis o risco associado à fenilbutazona excedia claramente o possível benefício.Foi então decidido que não seria mais prescrito como AINE de primeira linha, estandohoje disponível apenas para tratamento dirigido na espondilite anquilosante.

Deste modo, torna-se claro que a escolha de um determinado agente não se centra sóno seu benefício absoluto, mas antes na relação entre a gravidade da doença e o benefí-cio de outros agentes terapêuticos alternativos.

Nem sempre se torna possível conhecer os benefícios de determinada terapêutica antesde esta ser administrada a um doente. Por exemplo, é possível que não existam dadospublicados acerca da dimensão do risco, pelo que diferentes doentes podem apresentardiferentes graus de risco para o mesmo efeito adverso, como é o exemplo dos determi-nados geneticamente. Por outro lado, o benefício terapêutico (por exemplo no queconcerne a alívio de sintomas) varia entre doentes e só pode ser calculado após iniciadoo tratamento e avaliados os seus efeitos.

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O seguinte exemplo ilustra os problemas na análise do balanço risco/benefício:

Será benéfico tratar uma doente idosa com prednisolona para uma arterite de células

gigantes, com risco de agravamento da osteoporose, da diabetes mellitus 2 ou da insuficiên-

cia cardíaca com retenção de fluidos que esta doente também apresenta? À parte da dor

associada a esta patologia, uma das complicações nefastas da doença é a amaurose resul-

tante do envolvimento dos vasos retinianos. Assim, a decisão de iniciar tratamento deve

ponderar a globalidade da situação: a gravidade da doença e os vasos que afecta, mas

também as suas complicações.

Até que estudos apropriados de risco/benefício sejam efectuados, cada caso deve serdecidido de acordo com esta ponderação racional, investigando os factores envolventesao doente e à doença, ponderando-os cuidadosamente. É através deste processo que sepodem diminuir os riscos, mantendo a eficácia terapêutica.

5 Construção de um formulário para uso pessoal

A abordagem da construção de um formulário pessoal, com selecção e uso preferencialde determinados medicamentos, tem-se tornado uma das mais eficazes bases para umaterapêutica racional. Diversos manuais incluem detalhes mais ou menos aprofunda-dos, mas optámos, pela sua qualidade, seguir o modelo da OMS26.

5.1 Construção do Formulário Pessoal (FP)

5.1.1 Introdução. O que é um FP?A prática clínica diária imprime um ritmo, por vezes demasiado rápido, às decisões queo clínico tem de continuamente tomar. A dicotomia entre o tempo de consulta e onúmero de doentes apresenta-se como um dos factores que interfere com uma prescri-ção racional centrada no doente, na sua doença e no seu bem-estar.

O desafio que se coloca actualmente a todos os médicos, principalmente aos mais jo-vens, é que fármaco escolher de entre a longa e exaustiva lista de medicamentos quehabitualmente compõem o formulário terapêutico existente em cada país.

O processo de selecção e prescrição de tratamento parece fácil e rápido quando obser-

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vamos o médico experiente (ou perito), mas a tentativa de mimetizar o comportamentodaquele no início da formação do jovem médico pode originar erros. Além disso, osperitos variam substancialmente nas selecções terapêuticas que fazem, deixando o jo-vem clínico na dúvida sobre as bases de decisão de cada um deles (qual das opções seráa mais correcta?).

A selecção do tratamento correcto é mais difícil do que possa parecer e para adquirirexperiência é preciso trabalhar de forma sistematizada. Para tal existem dois passos aseguir:

1. Reflectir sobre o tratamento de primeira escolha

2. Verificar a adequação do tratamento ao doente individual.

Para solucionar este desafio, existe o conceito de Formulário Pessoal (FP), que consistenuma lista organizada de fármacos eficazes que o clínico prescreve regularmente, comcaracterísticas de boa tolerância e (se possível) baixo custo, construída de forma racio-nal, baseada em evidência científica de boa qualidade e aplicada ao doente ideal. Esteconceito engloba não só a substância activa, mas também a dosagem e posologia domedicamento.

A construção do FP deverá ser fruto de um processo posto em prática anteriormente aomomento da prescrição, podendo ser realizado idealmente aquando da formação pré-gradu-ada do médico, sendo continuamente actualizado ao longo da carreira deste. Ao utilizarmetodicamente o FP, o médico conhece particularmente bem as principais vantagens eefeitos secundários de cada medicamento, retirando daí os lógicos benefícios para o doente.

5.1.2 Como escolher o FP?Como já foi referido, a constituição do FP deverá ser um processo racional e baseadoem dados científicos válidos. É aceite que, tradicionalmente, a forma mais popular deconstruir o FP se baseia na transmissão oral a partir de colegas ou professores. Estaabordagem possui indiscutível validade mas existem algumas razões pelas quais os mé-dicos não devem seguir exclusivamente este caminho:

1. a responsabilidade do tratamento e bem-estar do doente pertence a cada profissio-nal médico e não deve ser imputada aos colegas que cederam a informação (quepode estar completamente correcta, mas também pode ser errada...)

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2. ao construir e utilizar o FP aprender-se-á a lidar mais profundamente com determi-nados fármacos e suas características clínicas, permitindo uma distinção mais claraacerca da sua utilização e potencial terapêutico

3. a utilização e revisão dos fármacos que compõem o seu FP permitirá ao médico famili-arizar-se, com o correr do tempo, com fármacos alternativos mais recentes.

A construção do FP deverá seguir os seguintes cinco passos:

1. definição do diagnóstico correcto do doente

2. estabelecimento do objectivo terapêutico para o doente específico

3. construção de um inventário pessoal dos grupos farmacológicos eficazes

4. eleição de um grupo farmacológico a utilizar

5. selecção de um medicamento individual do FP.

PASSO 1: DEFINIR O DIAGNÓSTICO

A correcta formulação do diagnóstico é a base racional que conduz ao início de umcorrecto tratamento. Para tal, deverá o clínico reunir os diversos elementos, como ahistória clínica orientada às queixas do doente, os antecedentes pessoais, o exame ob-jectivo e os resultados de exames complementares. Os dados relevantes obtidos devemser integrados com a fisiopatologia da doença ou dos sintomas apresentados na faseinicial, sendo verdade que o conhecimento dos seus mecanismos básicos ajudará aoestabelecimento de hipóteses credíveis.

No processo do diagnóstico diferencial existem classicamente várias estimativas proba-bilísticas de doença (as chamadas listas)18:

1. a lista de possibilidades, quando se consideram vários diagnósticos igualmente pos-síveis e se testam simultaneamente (com eventual nº excessivo de testes)

2. a lista de probabilidades, quando se seleccionam as doenças mais prováveis

3. a lista prognóstica, quando as doenças consideradas são as que, se não tratadas,apresentam pior prognóstico; e

4. a lista pragmática, que são as doenças mais facilmente tratáveis.

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Tomemos como exemplo a angina de peito, que constitui um sintoma, mais do que umdiagnóstico. Esta pode ser dividida em angina estável, instável e de Prinzmetal. Sendo aetiologia das duas primeiras a existência de ateromas luminais e a última de espasmofocal de uma artéria coronária, a abordagem do tratamento destas patologias diferenaturalmente entre si.

Contudo, em algumas situações, o clínico não conhecerá a fisiopatologia da doença eterá que tratar o doente com base em sinais e sintomas (tratamento sintomático).

Em qualquer dos casos, quer haja uma definição clara de diagnóstico ou não, este seráo passo inicial que guia a construção da lista dos fármacos capazes de interferir nafisiopatologia da doença, alterando beneficamente a sua história natural.

PASSO 2: ESTABELECER O OBJECTIVO TERAPÊUTICO

Antes de escolher o medicamento, é importante estabelecer qual o objectivo tera-pêutico a alcançar. O que se pretende atingir realmente com o tratamento? Aclareza deste conceito evita alguma prescrição medicamentosa desnecessária, jáque no processo de raciocínio se eliminou (espera-se!) o conjunto de factores quepodiam confundir-se com o verdadeiro objectivo. Quanto mais claro for este con-ceito, mais fácil será a escolha do fármaco e a explicação do seu potencial tera-pêutico ao doente.

Clarifiquemos este conceito com a seguinte história clínica:

Criança de 4 anos com desidratação ligeira, associada a diarreia aquosa com 3 dias de

evolução. Sem vómitos. Não urina há 24 horas. Ao exame objectivo: apirexia, taquicar-

dia, diminuição do turgor cutâneo. Neste caso, a etiologia mais provável é a viral, uma vez

que existe uma diarreia aquosa, sem febre. A desidratação é a principal preocupação

médica e não o tratamento da infecção. Os antibióticos revelar-se-iam ineficazes conside-

rando a etiologia viral. Assim, tratar e prevenir a (grave) desidratação constitui o objectivo

terapêutico.

A maioria dos casos segue um percurso linear de reconhecimento de sinais e sintomas,formulação de diagnóstico e tratamento, como é o caso de uma infecção bacterianadocumentada, mas algumas situações clínicas são pouco claras.

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A especificação do objectivo terapêutico ajuda a manter o raciocínio estruturado, for-çando a concentração no problema real, de forma a limitar o número de tratamentospossíveis. Por outro lado, a discussão com o doente sobre qual a meta a atingir com aterapêutica permitirá eventualmente melhorar a adesão. Ele tornar-se-á um participan-te informado e activo no processo, revelando algumas das suas diferentes visões acercada causa de doença, seu diagnóstico e tratamento.

PASSO 3: CONSTRUIR UM INVENTÁRIO PESSOAL DOS GRUPOS FARMA-COLÓGICOS EFICAZES

Após se ter definido claramente o diagnóstico e qual o objectivo terapêutico a alcançarpara modificar a história natural da doença, deve-se pesquisar, recolher e organizar osconjuntos de fármacos (grupos farmacológicos) eficazes no tratamento da doença.

Por grupo farmacológico entende-se o que engloba todos os fármacos com igual meca-nismo de acção e estrutura molecular similar, pelo que, em princípio, os seus efeitossecundários, contra-indicações e interacções serão semelhantes (efeito de classe).

No grupo farmacológico é também característica a partilha de um sufixo no nome damaioria das substâncias do grupo, como é o exemplo dos inibidores da enzima de con-versão da angiotensina: captopril, ramipril, enalapril, perindopril, etc.

PASSO 4: ELEGER UM GRUPO FARMACOLÓGICO

Para a selecção de um grupo farmacológico, o clínico deverá estabelecer uma com-paração entre os vários grupos possíveis, usando os critérios a seguir detalhados(quadro 5.1.2.1).

Quadro 5.1.2.1. Exemplo ilustrativo da comparação entre 3 grupos farmacológicos

Eficácia Segurança Adequação

Grupo A ++ + +++

Grupo B + + +

Grupo C - + ++

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Eficácia - medida do efeito de uma intervenção em condições ideais, habitualmentenos ensaios clínicos aleatorizados e controlados. Em oposição (ou complementaridade)com o de efectividade, entendendo-se por esta a medida do efeito de uma intervençãonas condições da prática clínica normal, quotidiana. Os dados de eficácia e de efectivi-dade (caso existam) devem ser conjugados para que o clínico construa um inventáriodos grupos farmacológicos que interessa conhecer e os saiba manusear no correctotratamento do doente individual. Para ser eficaz, um fármaco tem que atingir umaconcentração plasmática mínima e o seu perfil farmacocinético deve permitir a defini-ção de um esquema terapêutico simples.

Segurança - conhecimento do risco de efeitos secundários e reacções adversas causadospelo medicamento. Estima-se que 6,5% das admissões hospitalares nos EUA são devi-das a reacções adversas e, embora nem todas possam ser evitadas, muitas são causadaspor selecção e dosagem inapropriada do fármaco. Há grupos de risco a ter em especialatenção: idosos, crianças, grávidas e doentes com patologia renal ou hepática. Particu-larmente importante é o grupo de doentes polimedicados, já que a probabilidade deinteracções medicamentosas aumenta substancialmente nestes casos.

Adequação (tolerabilidade e simplicidade) - a tolerabilidade está relacionada com operfil de efeitos secundários e a simplicidade com a substância activa, a dosagem, aposologia do tratamento e a forma como estas se adaptam ao doente individual.

Custo - eticamente falando, entre fármacos igualmente eficazes e seguros, deverá serprescrito aquele que é mais barato, mas os aspectos relacionados com o custo não po-dem ser decididos apenas sobre esta perspectiva: o médico deverá ter em consideraçãonão somente o preço do medicamento por unidade, mas também o custo total dotratamento. De uma forma geral, os medicamentos genéricos são mais baratos, peloque devem ser escolhidos preferencialmente.

Sem dúvida que são variados os parâmetros contabilizados para a selecção dos fármacose no entanto, são relativamente universais os critérios usados para esta escolha (Quadro5.1.2.2)26.

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Quadro 5.1.2.2 - Critérios para a selecção de fármacos

• Deve ser dada prioridade aos fármacos com eficácia e segurança comprovadas,de forma a responder às necessidades da maioria das pessoas. Devem ser evita-das duplicações desnecessárias de fármacos e dosagens.

• Apenas devem ser seleccionados os fármacos com evidência científica sólidasobre a sua segurança. Só devem ser adicionados os mais recentes se houvervantagens claras na sua utilização, comparativamente aos já existentes.

• Cada fármaco deve obedecer a um padrão de qualidade, nomeadamente bio-disponibilidade e estabilidade, segundo as suas condições de armazenamento eutilização.

• Deve ser usado a designação comum internacional (DCI). Este é o mais peque-no nome científico baseado no princípio activo. A Organização Mundial daSaúde (OMS) tem a responsabilidade de decidir e publicar os nomes genéricosem Inglês, Francês, Latim, Russo e Espanhol.

• O custo do tratamento e principalmente o balanço custo/benefício de um fár-maco ou da sua via de administração é um critério major de selecção.

• Quando dois ou mais fármacos parecem ser semelhantes, devem preferir-se:1) os melhor investigados; 2) os com propriedades farmacocinéticas mais favorá-veis; 3) os com produção local fiável.

• A maioria dos fármacos deve ser concebida com componentes únicos. Combi-nações só são aceitáveis quando a dose de cada fármaco responde às necessida-des de um grupo populacional definido e quando esta possui sobre o uso dosfármacos individuais vantagens comprovadas no efeito terapêutico, na segurança,na adesão ou no custo.

PASSO 5: SELECCIONAR UM MEDICAMENTO DO FP

Decidir o fármaco adequado dentro do grupo é um processo semelhante ao explicadoanteriormente para seleccionar o melhor grupo farmacológico. Para isso, o médico deveutilizar novamente os conceitos eficácia, segurança, adequação e custo (Quadro 5.1.2.2)mas desta vez para comparar os diferentes medicamentos.

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Como já foi dito, duma maneira geral, entre fármacos igualmente eficazes e seguros,deverá ser prescrito aquele que é mais barato. Aspectos relacionados com o custo nãopodem ser decididos apenas sob esta perspectiva, já que o aspecto económico se prendetambém com a duração da terapêutica.

Escolher uma substância activa implica pensar na sua via de administração e dosagem,assim como na posologia. As duas primeiras têm que ser, acima de tudo, eficazes, peloque é vantajoso pensar nelas em conjunto. Dosagem e posologia são, por sua vez, resul-tado de investigação científica realizada num determinado grupo de doentes. É impor-tante reconhecer se os nossos futuros doentes são semelhantes aos estudados em ensai-os clínicos, pois quanto mais diferentes forem da média estatística obtida - devido porex. à idade, metabolismo, absorção, excreção, doenças e fármacos concomitantes - mai-or probabilidade existirá do esquema de dosagem e posologia ser inadequado. Umasolução possível será a de indicar no FP os limites mínimos e máximos relativos à dosa-gem e posologia.

A utilização de fármacos julgados similares na sua acção - e portanto substituíveis - émuito frequente: são exemplos desta realidade terapêutica a utilização de beta-bloque-antes como antihipertensivos, ou de inibidores da enzima de conversão (IECA) nainsuficiência cardíaca congestiva. Será importante realçar que o conceito de "efeito declasse" dos medicamentos é mais complexo do que se pensa e passa pela existência detrês conceitos fundamentais: uma estrutura química semelhante (por exemplo, o aneldihidropiridina em certos bloqueadores dos canais de cálcio), um mecanismo de acçãosemelhante (os beta-bloqueantes bloqueiam os receptores adrenérgicos) ou um efeitofarmacológico semelhante (antihipertensores, antianginosos, etc.).

Apesar de estarmos, neste momento, perante substâncias activas do mesmo grupo, gran-des diferenças podem existir no que concerne à adequação e segurança dos diferentesfármacos, pois podem possuir propriedades farmacocinéticas variadas. Estas caracterís-ticas podem alterar a adesão do doente à terapêutica, pelo que devem ser tidas emespecial atenção aquando da criação do FP.

β

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SUMÁRIO DA DECISÃO DE TRATAMENTO

PASSO 1: Definir o diagnóstico

PASSO 2: Estabelecer o(s) objectivo(s) terapêutico(s)

PASSO 3: Construir um inventário pessoal dos grupos farmacológicos eficazes

PASSO 4: Eleger um fármaco dentro do grupo farmacológico seleccionado

PASSO 5: Escolher um medicamento do FP (eficácia + segurança + adequação + custo).

Escolher a substância activa e dosagem e definir a posologia do tratamento

CONCLUSÃO

Desta forma sistematizada e racional pode o médico individual constituir uma listaorganizada de fármacos para prescrição regular aos doentes que assiste. Assim, e a títulode exemplo, um FP possível para o tratamento da HTA não complicada no adultopoderia conter as seguintes conclusões27:

• A maioria dos fármacos anti-hipertensivos é eficaz, com um excelente perfil de risco

• O diurético ocupa um papel primordial, podendo ser utilizado na maioria dos doentes

• O β-bloqueante constitui uma excelente alternativa ao diurético, como fármaco de1ª linha (com excepção do atenolol)

• Os fármacos de 2ª linha incluem - em associação com os diuréticos - os IECAs,ARAs, β-bloqueantes e antagonistas do cálcio (AC)

• Os fármacos individuais deverão ser seleccionados segundo as características clíni-cas das populações de doentes com diversos factores de risco, diferenças demográfi-cas (idade, sexo, raça, etc.), ou patologias concomitantes, que podem exigir fárma-cos específicos. Por ex.:

o angina: β-bloqueantes e AC

o diabetes mellitus ou insuficiência renal crónica: IECAs ou ARAs, β-bloqueantes

o insuficiência cardíaca congestiva: IECAs, ARAs, β-bloqueantes selectivos

o HTA sistólica isolada no idoso: diuréticos, AC

o pós-enfarte agudo do miocárdio: β-bloqueantes selectivos, IECAs.

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6 Decisão sobre a aplicabilidade da terapêutica ao doenteindividual

6.1 IntroduçãoApós a definição do FP, o médico possui uma lista de medicamentos orientada para umconjunto de patologias. É a partir deste momento que está mais apto para aplicar o seuconhecimento ao doente individual que se apresenta na prática clínica diária26. A apli-cabilidade da terapêutica segue também um conjunto de passos para que o processode prescrição se "molde" de forma capaz ao doente e o resultado terapêutico tenhasucesso. Para tornar mais explícito esta fase da prescrição racional, é apresentado oseguinte caso clínico:

Caso clínico:

Sexo masculino, 50 anos. Antecedentes pessoais: excesso de peso, diabetes mellitus tipo 2

diagnosticada há cerca de 3 meses, sem repercussão nos órgãos-alvo. Medicação: metformi-

na 500 mg, 1 comprimido de 8/8 h. Motivo de consulta: medições de TA na farmácia

com valores consistentes de 160/82 mmHg.

PASSO 1: Definir o diagnóstico

No caso clínico apresentado encontram-se os seguintes diagnósticos:

� HTA

� Diabetes mellitus tipo 2

� Excesso ponderal.

Para o correcto estabelecimento do diagnóstico há que considerar aspectos fisiopatoló-gicos e relacioná-los. Assim, HTA, diabetes mellitus e excesso de peso são factores derisco para aterosclerose, sendo esta uma doença arterial sistémica que pode atingir pre-ferencialmente o território cerebrovascular, coronário, renal e periférico.

PASSO 2: Estabelecer o objectivo terapêutico

No doente diabético e hipertenso estabelece-se como objectivo terapêutico principal -para além do controlo da glicémia - uma TA alvo de 130/80 mmHg (ou menos), que

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visa evitar as complicações dos órgãos-alvo, nomeadamente os acidentes vasculares cere-brais, os enfartes do miocárdio, isquémia aguda e crónica dos membros inferiores e ainsuficiência renal.

Este alvo para a pressão arterial nos diabéticos foi determinado em ensaios clínicos dealta qualidade28, 29, sendo hoje esta abordagem consagrada30.

PASSO 3: Seleccionar a terapêutica farmacológica adequada

A acção farmacológica de cada um dos grupos adequados ao tratamento da HTA édiferente e necessita de ser comparada e ajustada ao doente individual, à sua doença eàs suas comorbilidades.

Os 5 grupos farmacológicos seguintes parecem reduzir de forma igualmente eficaz amortalidade e a morbilidade cardiovasculares em doentes hipertensos e diabéticos:

1. Diuréticos31

2. β-bloqueantes32

3. Inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECAs)33

4. Antagonistas dos canais de cálcio34

5. Antagonistas dos receptores da angiotensina II35

6. Associações IECAs + diuréticos36.

Assim sendo, já que temos um doente hipertenso e diabético, o grupo dos IECAs seriao eleito. Todos os IECAs revelam eficácia sobreponível no tratamento da HTA, comperfis de segurança idênticos e boa tolerância, portanto o médico deverá concentrar-senos dois aspectos seguintes: adequação e custo.

No caso clínico apresentado, o doente é distribuidor de mercadorias, tendo "poucotempo para tomar medicamentos" (sic). Quando interrogado acerca do seu salário, refe-re que recebe "pouco mais do que o salário mínimo nacional" (sic).

Perante esta informação um fármaco de toma única diária, ajustado à condição económicado doente poderia ser o enalapril 10 mg (MG), 1 comprimido ao pequeno-almoço.

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PASSO 4: Iniciar a terapêutica farmacológica, mas considerar terapêuticas não-farmacológicas

Após a escolha do(s) medicamento(s) apropriado(s), cabe ao médico o acto de escrevera receita, podendo decidir se fornece ao doente informação escrita adicional, como sãoexemplo os guias de tratamento4.

Neste processo, algumas regras devem ser seguidas:

� Devem ser utilizadas as receitas autorizadas, seguindo as indicações formais existen-tes para o seu preenchimento (deve ser consultada a Portaria n.º 1501/2002, de 12de Dezembro).

� As receitas devem ser claras e escritas em português legível, já que, para o doenteletrado, permite a sua leitura, compreensão da prescrição e alerta do médico ououtros profissionais de saúde para possíveis erros ou problemas.

� Para o doente iletrado, as indicações terapêuticas devem ser dadas utilizando a ajudade outra pessoa ou, quando isso não é possível, fornecendo um guia de tratamentocom símbolos relativos aos diferentes períodos do dia (� - almoço; � - ao deitar,por exemplo), sendo estes também marcados na caixa do medicamento.

� Se possível, devem ser eliminadas todas as abreviaturas (tal como "μg" em vez de"microgramas" ou "AAS" em vez de "ácido acetilsalicílico"). Devem ser incluídas porextenso as indicações das tomas antecipadas. Por exemplo, "SOS" deverá ser substi-tuído por "quando necessário".

Uma prescrição racional engloba frequentemente terapêutica não farmacológica. Estepasso deve ser discutido com o doente, para que entenda a sua importância e para quepossa aferir os objectivos que pretendem alcançar. Neste caso, deve o médico construirum FP dos tratamentos não medicamentosos que, baseados em evidência científica,possam alterar a história natural da doença.

Considerando o caso clínico apresentado anteriormente, poder-se-ia construir o seguinteFP de medidas não farmacológicas para a prevenção de doenças cardiovasculares:

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• Substituição de gorduras saturadas por insaturadas na dieta (óleo vegetal em vez debanha), ingestão de alimentos ricos em Ómega-3 (peixe ou suplementos de peixe) edieta rica em fruta, legumes e vegetais, amêndoas e cereais integrais (evitando os cereaisrefinados)

• Exercício físico aeróbio (ou pelo menos actividade física regular)

•Cessação tabágica (se for o caso).

De seguida serão apresentados alguns exemplos de receita médica correctamente preen-chida e guias de tratamento para doentes letrados e iletrados.

Figura 6.1.1. Exemplo de guia de tratamento para o doente iletrado

Figura 6.1.2. Exemplo de guia de tratamento

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Figura 6.1.3. Receita médica com exemplos de prescrição incorrecta e correcta

PASSO 5: Disponibilizar informação, instruções e avisos

No momento da prescrição, o médico deverá alertar de forma sucinta e clara o doenteacerca dos objectivos esperados com a terapêutica, dos efeitos adversos mais frequentesou que interferem de forma importante na qualidade de vida e da relação do efeito dofármaco com determinados alimentos ou períodos do dia4.

Quando abordados os efeitos adversos, o médico deve explicar o que são, com quefrequência ocorrem, utilizando para isso números absolutos em vez de percenta-gens ou probabilidades: por ex. 20 em 100 (em vez de 20%) doentes irão sentircansaço. Deve mencionar também em que alturas do tratamento são mais frequen-

1 uma

Ácido acetilsalicilico 100mg, comprimidosembalagem grande

1 uma

AAS 100, cp, emb. grd.

Tomar x comprimidos se sintoma y

✘✘✘✘✘

✔✔✔✔✔

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tes e durante quanto tempo provável existirão (durante todo o tratamento, noinício, etc.).

Se existir algum aviso acerca da perda ou potenciação do efeito terapêutico do fármacoquando ingerido com determinados alimentos, este deve ser transmitido para ser cor-rectamente percebido pelo doente. Por exemplo, evicção de álcool durante a toma demetronidazol, ou a possibilidade de gravidez quando uma mulher toma a pílula conco-mitante com antibioterapia. Os doentes devem ser estimulados a repetir a informaçãopertinente, sendo aconselhável que lhes seja dada a oportunidade para colocar dúvidas.

No caso clínico apresentado, o doente deveria ser informado sobre o fármaco escolhido(enalapril):

Objectivos principais:

•Redução da pressão arterial

• Protecção renal.

Efeitos secundários principais:

� Tosse não produtiva e persistente: frequência: 5-39% (5 a 39 indivíduos em 100)com desaparecimento habitual 1 a 7 dias após interrupção do tratamento

� Hipotensão: efeito de primeira dosagem, ponderar redução de diurético, aumen-to ingestão de sal na semana anterior ao início do tratamento ou vigilância médi-ca 2 horas após a dose inicial

� Angioedema: em qualquer período do tratamento, frequência: 0,2% (raro;menos de 2 indivíduos em 1000) e desaparecimento após interrupção dotratamento

� Insuficiência renal: frequência de 20% dos doentes (20 indivíduos em 100) comestenose uni ou bilateral da artéria renal; pode ser necessária a redução da doseou a interrupção do fármaco

� Hipercaliémia: frequência de ±1% (1 indivíduo em 100).

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PASSO 6: Monitorização da terapêutica

A prescrição racional não termina no momento em que o fármaco é prescrito, já quemesmo um tratamento adequado pode não estar a ajudar o doente. A única forma deconfirmar que o fármaco seleccionado é de facto o adequado será pela monitorizaçãoda evolução do doente, face ao objectivo terapêutico traçado de início. Há duas formasde a concretizar, sendo óbvia a manutenção do contacto com o doente:

� Monitorização Passiva - realizada pelo doente através da elucidação por parte domédico sobre o que deve fazer se o tratamento não for eficaz, se for inconvenien-te ou se ocorrerem demasiados efeitos adversos.

� Monitorização Activa - marcação de consultas para determinar se o tratamen-to está a ser eficaz e planear a duração provável da terapêutica: se a duraçãonão é conhecida ab initio, os intervalos entre monitorizações tornam-se maisrelevantes, com intervalos iniciais mais curtos espaçando-se progressivamen-te, se necessário. Em doentes a fazer terapêutica de longa duração, três mesesparece ser o tempo máximo de intervalo recomendado (dependendo da pato-logia, claro).

A monitorização da terapêutica deve ser feita com base em métodos clínicos (históriaclínica, exame físico), farmacodinâmicos ou farmacocinéticos. Em alguns casos (por ex.aspirina, carbamazepina, digitálicos, ciclosporina, lítio, fenitoína, teofilina, etc.) o con-trolo dos fármacos pode ser conseguido através da monitorização das respectivas con-centrações plasmáticas. No entanto, será maioritariamente através da avaliação da sin-tomatologia e por vezes da evolução laboratorial que chegaremos a conclusões sobre aterapêutica aplicada.

Havendo remissão completa da doença aguda, há que cessar a administração do fárma-co. Neste caso o tratamento revelou-se eficaz, não existindo justificação para a sua ma-nutenção. Existem fármacos que devem ser parados de forma gradual, com uma dosedecrescente, devido à dependência física ou psicológica criadas (por ex. beta-bloquean-tes, anti-depressivos). De igual sucesso pode ser a terapêutica da doença crónica, mascontrariamente à primeira, e não se verificando efeitos adversos relevantes, deve sermantida de forma a garantir o contínuo cumprimento do objectivo terapêutico. A mes-ma atitude deverá ser adoptada na doença ainda em remissão.

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No entanto, se houver relato de reacções adversas há que verificar a posologia prescritae se o doente está a cumpri-la adequadamente pois muitos destes efeitos são dose-de-pendentes. Diminuir a dose é, então, uma tentativa válida antes de se proceder àsubstituição do fármaco.

Se o tratamento não foi eficaz, com ou sem efeitos adversos, o médico terá que verificar:

� a precisão do diagnóstico

� o fármaco escolhido

� a posologia prescrita

� as instruções fornecidas no início do tratamento

� o grau de cumprimento da terapêutica pelo doente

� a adequação da monitorização.

O importante será detectar o eventual problema para que, quando encontrado, se reve-ja - se necessário - o processo de diagnóstico, a definição do objectivo terapêutico, aadequação ao doente do fármaco escolhido, as instruções e os avisos. Não encontrandoa razão para a não eficácia do tratamento, a interrupção da administração do fármaco,atendendo aos princípios farmacodinâmicos ou farmacocinéticos do mesmo, pode seruma opção viável. A ausência de adesão terapêutica (especialmente a que o doenteoculta ao médico) e a interacção com substâncias farmacologicamente activas (produ-tos naturais ou terapêuticas alternativas, que raramente são comunicadas ao clínico...)são circunstâncias a ter também em linha de conta.

Todo este problema atinge especial relevância devido ao facto de se reconhecer que6,5% das hospitalizações se devem a efeitos adversos da terapêutica farmacológica. Muitosdestes doentes são idosos, indivíduos particularmente susceptíveis à polifarmácia e que,em certas séries, podem chegar a fazer uma média 26,5 medicamentos/dia - sendo porisso imperativo as revisões regulares das suas terapêuticas. Torna-se também possívelevitar a prescrição em cascata (medicar com novos fármacos efeitos secundários causa-dos por outros que pertencem já à terapêutica diária do doente)4.

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Atendendo agora ao exemplo apresentado, há que conhecer os possíveis efeitos secun-dários da terapêutica com IECAs:

• Passivos - tosse e angioedema; hipotensão de primeira toma (já referidos)

• Activos - monitorizar:

� função renal nas primeiras semanas de tratamento, pois alguns doentes hiperten-sos com estenose da artéria renal uni ou bilateral desenvolvem aumento da crea-tinina plasmática após redução da pressão arterial (20% dos doentes com enala-pril) - pode ser necessário reduzir a dose ou até mesmo parar a medicação

� monitorizar a hipercaliémia

� monitorizar contagem de leucócitos se insuficiência renal (creatininémia >1.6mg/dL) ou doença vascular de colagénio.

6.2 Aplicação ao doente individual dos resultados dos ensaios clínicos: regraspráticas essenciaisOs ensaios clínicos aleatorizados, prospectivos e controlados (randomized clinical trials - RCTs)constituem o gold-standard da metodologia para gerar evidência científica terapêutica37.

Na maior parte do tempo as preocupações centram-se na metodologia intrínseca doestudo, por exemplo na comparação entre os grupos em presença ou não da aleatoriza-ção dos participantes (a chamada validade interna), etc. Igualmente importante será aaplicabilidade dos resultados gerados num RCT a populações e/ou doentes individu-ais, diferentes dos analisados nesse ensaio específico. Por outras palavras, como é que omédico sabe quando deve utilizar um determinado fármaco - cuja eficácia e risco foramdefinidos num ensaio clínico de boa qualidade, isto é, com resultados válidos e impor-tantes - no seu doente individual?

A solução mais simples estará encontrada na resposta à questão: "Será que o meu doente

poderia ter participado - satisfazendo os critérios de inclusão e exclusão - no referido estudo?" Se aresposta for "sim", então a aplicabilidade dos achados do estudo é possível, ainda quedeva ser feita com prudência. Se, pelo contrário, a resposta for "não" então a transferên-cia dos dados terapêuticos poderá ficar comprometida, sendo necessária uma reflexãocuidada sobre a oportunidade de utilizar o fármaco num doente não estudado38.

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É, no entanto, importante relembrar que as eventuais diferenças entre os doentes parti-cipantes num estudo e os doentes da vida real tendem a ser mais quantitativas (diferen-ças nos riscos de base de doença, ou de resposta ao tratamento), do que qualitativas(risco ausente ou nenhuma resposta ao tratamento)39.

A avaliação crítica da evidência científica (para qualquer que seja o tema considerado)passa pela definição de um conjunto de regras de análise da qualidade metodológica doestudo que se elegeu como base da prova científica. O quadro 6.2.1 resume as questõesa serem respondidas em relação à aplicabilidade dos resultados de um RCT ao doenteindividual.

Quadro 6.2.1 - Regras de avaliação crítica sobre a aplicabilidade dos resultadosde um ensaio clínico ao doente individual

COMO APLICAR OS RESULTADOS AOS DOENTES INDIVIDUAIS?

• existem diferenças biológicas na doença ou no doente que possam diminuir aresposta ao tratamento?

• em termos de adesão ao tratamento, existem diferenças significativas entre os do-entes?

• em termos de disponibilidade de cuidados, existem diferenças significativas entreo estudo e a vida real?

OS BENEFÍCIOS POTENCIAIS SOBREPÕEM-SE AOS RISCOS E CUSTOS?

Os critérios de inclusão e exclusão, eventuais análises de subgrupos ou de tipos deintervenções são exemplos de informação para a decisão de tratar os doentes.

As diferenças biológicas que podem alterar a resposta o tratamento incluem18: o género(por exemplo, a redução do risco de AVC ou doença coronária com aspirina é superiornas mulheres), existência de co-morbilidades (o tratamento da HTA é mais eficaz nosdiabéticos), a raça (os diuréticos são mais eficazes nos indivíduos de raça negra), ogrupo etário (a vacinação da gripe é menos eficaz no idoso) e a patologia de base (aeficácia da quimioprevenção do cancro da mama depende da expressão de determina-dos genes).

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Os problemas de adesão terapêutica são naturalmente centrais na decisão de utilizaruma determinada intervenção farmacológica. A adesão dos doentes incluídos num RCTé, por definição, muito alta, mas na prática clínica verifica-se que a maior parte dosdoentes não faz a terapêutica prescrita40, pelo que há que garantir um nível de toma demedicação análogo, se se quiser ter um resultado no doente individual semelhante aoverificado no RCT. Também certos tipos de terapêuticas, pelo seu risco (anticoagulaçãooral, por ex.), só devem ser recomendadas em doentes fiáveis (raramente num alcoólico,por ex., pelo risco de traumatismo craniano frequente que estes doentes apresentam).

E a aplicação de novas técnicas terapêuticas? A garantia que um tratamento estuda-do num RCT será eficaz na vida real só pode conseguir-se se a intervenção práticafor análoga à estudada no ensaio clínico; caso contrário, podem obter-se resultadosdiferentes ou mesmo contraditórios. Por exemplo, o estudo multicêntrico RALES,publicado em 199941, avaliou o efeito da terapêutica diária com espironolactonaem doentes com ICC grave por disfunção ventricular esquerda. Tratou-se de umRCT duplamente cego, com um seguimento médio de 24 meses e com uma amos-tra de 1.663 doentes com diagnóstico de IC grave há mais de 6 semanas (classe IVpregressa, II-III à entrada), com uma fracção de ejecção <35% nos 6 meses anterio-res e que faziam terapêutica com IECAs (se tolerado) e diuréticos de ansa. Relativa-mente ao outcome primário (mortalidade), houve uma redução estatisticamentesignificativa de 30% no risco de morte global no grupo da espironolactona. No quediz respeito aos outcomes secundários, houve reduções estatisticamente significati-vas de 31% no risco relativo de morte por causas cardíacas, de 30% no risco relati-vo de hospitalização por causas cardíacas e 32% no outcome combinado de morteou hospitalização por causas cardíacas. Ocorreram ginecomastia ou dor mamáriaem 10% dos homens tratados com espironolactona, comparado com 1% dos ho-mens no grupo controlo (p<0,001) e de hipercaliémia grave em 10 doentes (1%) dogrupo controlo vs. 14 no grupo da espironolactona (2%) (p=0,42). Concluiu-se queo bloqueio dos receptores da aldosterona pela espironolactona, adicionada à tera-pêutica standard da ICC, reduziu substancialmente o risco de morbilidade e morta-lidade em doentes com IC grave.

De posse destes resultados, e após uma massiva campanha promocional da indús-tria farmacêutica, generalizou-se na prática clínica o uso destes fármacos em outrosdoentes com ICC, mas com quadros clínicos menos graves (classes I e II da NYHA).Esta prática teve consequências desastrosas: num estudo de HOR, publicado 5 anos

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após o RALES42, verificou-se um aumento marcado da combinação farmacológicade um IECA com a espironolactona (quase 4 vezes mais), com consequente aumen-to da taxa de hospitalização por hipercaliémia (2,4/1.000 para 11/1.000 doentes) ede mortalidade global (0,3/1.000 doentes para 2,0/1.000 doentes)! Este exemplodemonstra bem a necessidade de se seguir à risca as intervenções definidas nosensaios clínicos.

Se, numa análise das características biológicas e socioeconómicas, não se detectamimpedimentos na aplicabilidade dos resultados de um RCT ao doente individual,então o passo seguinte será calcular o benefício específico para o doente. Este defi-ne-se através do número necessário tratar (NNT), que se calcula como o nº de doen-tes que se têm de tratar durante um determinado período de tempo para evitar umevento pré-definido (morte, AVC, etc.). O NNT é o inverso da redução do riscoabsoluto (RRA) - que é o risco de base - e deve ser multiplicado por 100 e arredondadopara a unidade superior24. Por exemplo: se, quando comparada com placebo, umaterapêutica com diuréticos reduz a taxa de incidência de AVC num período de 5anos de 20% para 15%, então a RRA é de 5% (20%-15%) e é apenas necessáriotratar 20 doentes (1/5 x 100) para se evitar um AVC durante aquele período detempo.

Como é que o clínico define o risco de base do doente (essencial para calcular obenefício da intervenção farmacológica)? De várias maneiras: 1) utilizando a suaexperiência individual/intuição próprias (reconhecendo o problema das possí-veis variações das experiências individuais e da informação que cada médico pos-sui) 43; 2) através de RCTs e revisões sistemáticas que tenham definido não só ascaracterísticas da amostra em geral, mas também de eventuais subgrupos de do-entes semelhantes aos que se propõe tratar44; 3) por análise de subgrupos de do-entes incluídos em estudos de prognósticos23; e, finalmente, 4) a utilização deregras de predição clínica, permitindo a determinação do potencial benefício daintervenção em causa, pode revelar-se muito útil na determinação do risco abso-luto dos doentes 45, 46.

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7 Considerações sobre adesão terapêutica e preferênciasindividuais

A adesão terapêutica assume um papel primordial em todos os doentes, principalmen-te nos portadores de doenças crónicas, que se estima tenham um impacto económicomundial de cerca de 65% das despesas empregues em saúde no ano 202040.

Por adesão terapêutica entende-se o "grau ou extensão em que o comportamento de umapessoa, relativamente à toma de medicação, ao cumprimento de dieta e alteração de hábi-tos ou estilos de vida, corresponde às instruções veiculadas por um profissional" 449.

A má adesão ao tratamento conduz a efeitos nefastos em termos de saúde pública,embora não seja conhecido o impacto da totalidade do problema ou a sua dimensãoreal. Contudo, alguns dados são preocupantes e apontam para que nos países desenvol-vidos se estime que o grau de adesão às terapêuticas crónicas seja cerca de 50% e, nospaíses subdesenvolvidos e em vias de desenvolvimento, ainda menor.

Pesquisando ainda mais acerca deste assunto, encontram-se trabalhos que mostram que6 a 20% dos doentes não aviam as receitas médicas e que 30 a 50% não cumprem oesquema prescrito47. Nos Estados Unidos da América, o impacto da má adesão terapêu-tica faz-se sentir também ao nível da mortalidade (125.000 mortes por ano) e das admis-sões hospitalares (5 a 15% por ano)48.

Os termos compliance e adesão terapêutica surgem frequentemente como conceitos dife-rentes, contudo a sua distinção é puramente académica. Podem ser utilizados comosinónimos, desde que se entenda que a ideia subjacente a ambos é uma adopção deinstruções médicas, que engloba a concordância, a aceitação e a intervenção activa evoluntária do doente que partilha a responsabilidade do tratamento.

Os profissionais de saúde estabelecem um acordo ou uma aliança com o paciente, semque neste processo se desrespeitem as crenças, os desejos ou se façam juízos depreciati-vos. Uma adesão terapêutica eficaz deve centrar-se na adopção e manutenção de com-portamentos terapêuticos e deve ser avaliada segundo os benefícios clínicos40.

4 Sabate E. Adherence Meeting Report. Geneva: WHO; 2001

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A OMS elaborou em 2003 um documento sobre adesão à terapêutica crónica, deixan-do um conjunto de mensagens base:

• a má adesão terapêutica é um problema mundial de grande importância

•o impacto de uma adesão deficiente cresce em paralelo com o peso da doença global

• as consequências de uma má adesão terapêutica incluem resultados desfavoráveis nosindicadores de saúde, assim como aumento das despesas em saúde

• aumentar a adesão do doente individual significa aumentar a sua segurança

• a adesão terapêutica constitui um agente modificador importante para os sistemas desaúde

• em termos de impacto na qualidade da saúde das populações, é provável que a adesãoterapêutica seja superior às potenciais melhorias que se venham a verificar com trata-mentos específicos

• os sistemas de saúde devem evoluir, em resposta a novos desafios

• os doentes necessitam de apoio, não de repreensões

• a adesão terapêutica é influenciada por vários factores simultâneos

• as intervenções devem ser específicas, em termos de doentes individuais

• a adesão ao tratamento é um processo dinâmico, necessitando de um seguimentocuidadoso

• os profissionais de saúde necessitam de treino específico para implementação deuma melhor adesão terapêutica

• a família, as organizações de doentes e a comunidade em geral constituem factores-chave de sucesso na melhora da adesão terapêutica

• uma boa adesão ao tratamento é fruto de uma abordagem multidisciplinar.

Deste modo, cabe a cada profissional de saúde melhorar a sua prática clínica, tentandoaumentar as taxas de adesão terapêutica através de normas de orientação simples, efica-zes e baseadas em evidência científica, favorecendo a saúde dos seus doentes e influen-ciando de forma mais lata o vasto problema de saúde pública.

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No quadro 7.1 estão resumidas as recomendações principais para aumentar a adesãoterapêutica em doentes com patologias crónicas, retirado de uma Norma de Orienta-ção Clínica publicada pelo CEMBE da FML40.

Quadro 7.1 - Recomendações principais para aumentara adesão terapêutica em patologias crónicas

1. Os profissionais de saúde devem estar em alerta permanente para o problema damá adesão e adquirir técnicas que lhes permitam estimular o aumento da adesãodos doentes às terapêuticas por eles prescritas.

2. Indagar em cada doente em todas as consultas ou avaliações qual o esquematerapêutico prescrito, para quantificação do grau de adesão terapêutica, para alémdo estado de saúde do doente.

3. As intervenções educacionais são úteis, devendo sempre ser implementadas. Noentanto, não devem constituir o único componente do processo destinado a au-mentar a adesão terapêutica.

4. As intervenções comportamentais são eficazes na melhoria da adesão à medicação.

5. A comunicação e o aconselhamento permitem aumentar a adesão ao tratamento.

6. Regimes simplificados de tratamento aumentam a adesão terapêutica e melho-ram os resultados.

7. Dado que, na maioria dos casos, o tratamento das doenças crónicas é auto-admi-nistrado, os doentes devem controlá-lo correctamente.

8. O recurso a estratégias destinadas a incorporar a medicação na rotina diária me-lhora a adesão.

9. Os doentes com patologias crónicas que faltam às consultas devem ser contacta-dos e convocados para uma nova consulta.

10. Os incentivos facilitam um aumento da adesão ao regime terapêutico.

11. As estratégias que combinam intervenções comportamentais e educacionais têmmaior sucesso no aumento das taxas de adesão do que cada uma delas individu-almente. Nenhuma estratégia individual tem uma eficácia absoluta em todas asdoenças ou doentes.

12. O seguimento dos doentes com patologia crónica deve ser mantido durante umperíodo longo e muitas vezes indefinidamente.

8 Conclusões e recomendações baseadas na evidência

Considerar medidas

não - farmacológicas

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