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Manuel Alegre
Há magia nas palavras…
“Há quem traga dentro de si o ritmo da terra a tremer. Mesmo
que não tenha consciência disso o tremor repercute em todo o ser e
manifesta-se das formas mais inesperadas.” (p. 95)
“ No Inverno a escola era feia e triste. A mãos enregeladas, muitas
delas cheias de frieiras, mal podiam pegar nas canetas. (…) Eu olhava os
pés descalços e cheios de feridas dos meus companheiros, as cabeças
peladas, os rostos cobertos de impingens e sentia uma
repugnância misturada com revolta. Porque é que uns, poucos, tinham sapatos e outros, a maior
parte, não?
1957, 1.º ano de Direito Alegre
«A cidade de Coimbra era um mito para
mim.»
Em Angola, foi preso pela
polícia política (Pide).
«Eis o miúdo que há
muitos anos deu um tiro da boneca da irmã…»
(p.96)
“(…) Enquanto o preparam para a angioplastia e a dilatação da artéria bloqueada, ele pede com insistência: -Deixem-me acabar o livro. Os médicos ficaram espantados. - Já ouvi gritar pela mãe, mas por um livro é a primeira vez. O amigo julga que ele se refere ao romance que anda a escrever, mas quando fala no livro o miúdo que caçava narcejas está a falar, talvez sem disso ter consciência, da terra que tremia dentro dele e agora já não treme, o livro da vida, digamos assim, o pulsar do mundo a bater no coração de um homem, é isso a escrita, nada mais, apenas isso, que é tudo, a terra a tremer no sangue que passa e neste momento não passa numa artéria bloqueada.” (p. 97)
1999 – Prémio Fernando Namora
2008 – Prémio Dom Dinis
«Trova do Vento que Passa»