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 503 T E M A  S L I   V  R E  S F  R E E T H E M E  S O processo de construção de mapas de risco em um hospital público The pr ocess of building risk maps in a public hospital 1 Departamento de Epidemiologia e Antropologia, Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas, Fiocruz. Av. Brasil 4365, Manguinhos, 21045-9 00, Rio de Janeiro RJ.  yarahahr@ip ec.fiocruz. br 2 Núcleo de Tecnologia e Logística em Saúde, Escola de Governo em Saúde , ENSP, Fioc ruz. 3 Departamento de Engenharia Sanitária e Meio Amb iente, Faculdade de Engenharia, Uerj. Y ara Hahr Marques Hökerberg 1 Maria Angélica Borges dos Santos 2 Sonia Regina Lambert Passos 1 Brani Rozemberg 1 Paulo Marcelo T enório Cotia s 1 Luci Alves 1 Ubirajara Aloízio de Oliveira Mattos 3 Abstract The paper presents a discussion about the experience o f building a risk map by work ers in a pu blic hospital, in Rio de Janeir o city , resting on co ncepts of occupational health surveillance, total quality and biosafety. It goes from the first step to persuad e the workers and managers, to identify the potential so urces of risk in the work environment , the elabor ation of the map , unti l  the discussion about the preventive measures and the presentation of the results by the workers at a scientific meeting in the hos pital. The elaboration of the risk map acte d as a learning opportunity to socialize concepts in the w ork health area, to inte-  grate workers , to systematize the work pr ocess and to discuss work organization, having pr actical  consequence s which have furthered changes in the working environment. Key words Risk map , Public he alth surveillance, Health services, Occupational health Resumo O artigo apresenta uma reflexão sobre a experiência de construção coletiva do mapa de risco em um hospital púb lico, no municípi o do Rio de Janeiro , fundamentada nos conceitos de biossegur ança, qualidade total e vigilância e m saúde do trabalhador . Partiu da etapa de sensibi- lização dos trabalhadores e gestores do hospital, da identificação dos riscos, da elaboração do ma-  pa, até a discussão sobr e as medidas preventivas e a apresentação dos resultados pelos trabalhadores em centro de estud os. A elaboraçã o do mapa de risco serviu como um processo educativo , que pos- sibilitou socializar conceitos da área de saúde do trabal hado r, integr ar os trabal hado res, sistemati- zar o processo de trabalho e refletir sobre a forma de organização do trabalho, gerando desd obra- mentos práticos sob o ponto de vista da interven- ção no ambiente de trabalho. Palavras-chave  Mapa de r isco, Vigil ânci a em saúde p ública, Serviços de saúde, Saúde o cupa- cional 

Mapa de Risco Hospitalar

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T E MA  S 

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O processo de construção de mapasde risco em um hospital público

The process of building risk mapsin a public hospital

1 Departamento deEpidemiologia eAntropologia, Institutode Pesquisa ClínicaEvandro Chagas, Fiocruz.Av. Brasil 4365,Manguinhos, 21045-900,Rio de Janeiro RJ. [email protected] Núcleo de Tecnologiae Logística em Saúde,Escola de Governo emSaúde, ENSP, Fiocruz.3 Departamento deEngenharia Sanitária eMeio Ambiente, Faculdadede Engenharia, Uerj.

Yara Hahr Marques Hökerberg 1

Maria Angélica Borges dos Santos 2

Sonia Regina Lambert Passos 1Brani Rozemberg 1

Paulo Marcelo Tenório Cotias 1

Luci Alves 1

Ubirajara Aloízio de Oliveira Mattos 3

Abstract The paper presents a discussion about 

the experience of building a risk map by workers

in a public hospital, in Rio de Janeiro city, resting 

on concepts of occupational health surveillance,

total quality and biosafety. It goes from the first 

step to persuade the workers and managers, to

identify the potential sources of risk in the work

environment, the elaboration of the map, until 

the discussion about the preventive measures and

the presentation of the results by the workers at a

scientific meeting in the hospital. The elaboration

of the risk map acted as a learning opportunity to

socialize concepts in the work health area, to inte-

 grate workers, to systematize the work process and

to discuss work organization, having practical 

consequences which have furthered changes in the

working environment.Key words Risk map, Public health surveillance,

Health services, Occupational health

Resumo O artigo apresenta uma reflexão sobre

a experiência de construção coletiva do mapa de

risco em um hospital público, no município do

Rio de Janeiro, fundamentada nos conceitos de

biossegurança, qualidade total e vigilância em

saúde do trabalhador. Partiu da etapa de sensibi-

lização dos trabalhadores e gestores do hospital,

da identificação dos riscos, da elaboração do ma-

 pa, até a discussão sobre as medidas preventivas e

a apresentação dos resultados pelos trabalhadores

em centro de estudos. A elaboração do mapa de

risco serviu como um processo educativo, que pos-

sibilitou socializar conceitos da área de saúde do

trabalhador, integrar os trabalhadores, sistemati-

zar o processo de trabalho e refletir sobre a forma

de organização do trabalho, gerando desdobra-

mentos práticos sob o ponto de vista da interven-ção no ambiente de trabalho.

Palavras-chave  Mapa de r isco, Vigilância em

saúde pública, Serviços de saúde, Saúde ocupa-

cional 

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Introdução

As avaliações de risco constituem um conjunto

de procedimentos com o objetivo de estimar opotencial de danos à saúde ocasionados pelaexposição de indivíduos a agentes ambientais.Tais avaliações servem de subsídio para o con-trole e a prevenção dessa exposição. Nos am-bientes de trabalho, esses agentes podem estarrelacionados a processos de produção, produ-tos e resíduos1.

A Norma Regulamentadora NR-9 estabele-ceu a obrigatoriedade de identificar os riscos àsaúde humana no ambiente de trabalho2, 3 atri-buindo às Comissões Internas de Prevenção de

Acidentes (CIPA) a responsabilidade pela ela-boração de mapas de riscos ambientais. Esse ar-ranjo normativo é considerado por alguns au-tores uma tentativa de garantir o controle sociale a participação do trabalhador na definição desuas condições e processos de trabalho4, 5.

Tradicionalmente, entretanto, as avaliaçõesde risco são realizadas por especialistas – queaplicam métodos científicos cada vez mais so-fisticados para identificar e mensurar quantita-tivamente os riscos6 – ou são baseados em ins-trumentos pré-definidos por comissões de bios-segurança ou de qualidade para avaliar os riscose a conformidade a práticas de segurança7, 8.Essas abordagens valorizam a adesão a padrõespreviamente estabelecidos e a modelagem deatitudes e comportamentos dos trabalhadores(uso de equipamento de proteção individual,adesão a boas práticas e capacitação de recur-sos humanos) e dos ambientes (otimização deinfra-estrutura). O objetivo explícito é garantira observância de padrões de segurança estabe-lecidos por especialistas, que dominam um sa-ber técnico.

Outra abordagem à avaliação de riscos am-

bientais, à qual se filiam a metodologia de ma-pa de risco e o diagnóstico rápido participati-vo9, prioriza a identificação dos riscos pelostrabalhadores, que implica a discussão coletivasobre as fontes dos riscos, o ambiente de traba-lho e as estratégias preventivas para reduzir osriscos identificados.

Na área de saúde, o controle dos riscos am-bientais apresenta intersecções com três áreas:a biossegurança, a saúde do trabalhador e, maisrecentemente, a garantia de qualidade em esta-belecimentos de saúde.

A biossegurança surgiu a partir de reco-mendações preventivas, prioritariamente parariscos biológicos, formuladas pela Organização

Mundial de Saúde para controle do ambiente edo processo de trabalho de laboratórios de saú-de pública. Posteriormente, incluiu também

riscos físicos, químicos e ergonômicos associa-dos às atividades desenvolvidas em qualquerambiente de atenção à saúde, aproximando-se,em seu escopo, dos programas de qualidade emestabelecimentos de saúde e da saúde do traba-lhador10. Não há pressuposto sobre a partici-pação dos trabalhadores na formulação de es-tratégias de biossegurança, apenas na obser-vância das regras e critérios técnicos.

A partir da Lei Orgânica da Saúde11, a áreade saúde do trabalhador aproximou-se da vigi-lância em saúde do trabalhador. Suas atribui-

ções passaram a incluir a intervenção sobre osambientes de trabalho, com a promoção de mu-danças nas condições e nos processos, a fim demelhorar o quadro de saúde da população tra-balhadora. A intervenção, que parte da delimi-tação de territórios de observação/intervençãoe da incorporação do conceito de risco, extra-pola o uso de conhecimentos e tecnologias mé-dico-sanitárias e inclui estratégias de comuni-cação social para estimular a mobilização e a or-ganização dos trabalhadores para a promoçãoe a defesa das condições de vida e saúde12. Em-bora possa haver discordâncias quanto à possi-bilidade de expressão do trabalhador nas estra-tégias de vigilância em saúde13, o ponto de par-tida pretende ser a expansão da capacidade deintervenção do trabalhador14.

Os programas de qualidade total15 em ser-viços de saúde visam promover a qualidade dosambientes, o controle dos riscos, a observânciaa padrões de conformidade na perspectiva demelhoria do desempenho da organização, comfoco na segurança do paciente, considerandosecundariamente a dos profissionais de saú-de16, 17. O trabalhador participa propondo mu-

danças que contribuem para a garantia da qua-lidade do serviço e melhoria do desempenhoorganizacional.

Portanto, os três campos disciplinares con-templam os conceitos de risco e segurança dosambientes de trabalho em um sentido amplo,compreendendo as características físicas (in-fra-estrutura) e as ações humanas (processos)desse ambiente. Servem, porém, a distintos ob-

 jetivos e conferem sentidos bem diferentes àparticipação dos trabalhadores.

Este artigo apresenta uma reflexão sobre a

aplicação da metodologia de elaboração coleti-va do mapa de risco em um hospital público domunicípio do Rio de Janeiro, que realiza ativi-

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dades de assistência, ensino e pesquisa em doen-ças infecciosas. A elaboração do mapa de riscointegrava uma estratégia de construção de uma

proposta ampliada de implantação de ações embiossegurança, qualidade e vigilância em saúdedo trabalhador.

O mapa de risco no diagnóstico eintervenção sobre ambientes de trabalho

O mapa de risco é uma metodologia descritivae qualitativa de investigação territorial de ris-cos, difundida no Brasil no início da década de1980. Foi desenvolvida para o estudo das con-

dições de trabalho e incorpora, em sua origem,a dimensão política de ação do trabalhador nadefesa de seus direitos embasada no ModeloOperário Italiano. Suas premissas são a valori-zação da experiência e do conhecimento dotrabalhador (o “saber operário”), a não delega-ção da produção do conhecimento, o levanta-mento das informações por grupos homogê-neos de trabalhadores e a validação consensualdas informações destes trabalhadores, a fim desubsidiar as ações de planejamento e controleda saúde nos locais de trabalho18. Na qualidadede instrumento da luta operária pelo controlesobre as condições de trabalho, subentende aaposta na força coletiva de trabalhadores cons-cientes para gerar as mudanças pretendidas.

As limitações apontadas para o mapa de ris-co questionam as premissas da metodologia: osaber operário e a possibilidade de intervençãodos trabalhadores organizados sobre suas con-dições e seu ambiente de trabalho. Zocchio19

argumenta que o “saber operário” não pode so-brepujar o “saber técnico” e Sato20 indaga so-bre a possibilidade de construção de um “saberoperário” centrada em uma lógica própria, co-

mo categoria distinta do “saber científico”. Lau-rell & Noriega21 sustentam que o conhecimen-to particular baseado na experiência não per-mite generalização e teorização sobre as condi-ções de trabalho.

No contexto de estabelecimentos de saúde,destaca-se, porém, uma peculiaridade. As cate-gorias médicas que estruturam a classificaçãodos riscos e cujo uso, em princípio, constituiuma contradição para um método que se pre-tende fundamentado no saber operário20, po-dem estar relativamente “naturalizadas” entre

profissionais de saúde, não sendo possível pre-cisar até que ponto já não são constitutivas desuas representações.

Uma outra limitação da metodologia residena dificuldade de avançar as discussões sobrerelações de trabalho (hierárquicas e de vínculo

empregatício), que, embora estejam na basedas condições de trabalho, não são explicita-mente contempladas nas classificações de riscoda NR-5 ou da metodologia original italiana. Aproposta italiana categorizava os riscos em qua-tro grupos: 1) fatores presentes no trabalho enos locais de habitação (luz, temperatura, venti-lação e umidade); 2) fatores característicos dosambientes de trabalho (poeiras, gases, vaporese fumaças); 3) fatores que provocam desgastefísico e mental; 4) condições de trabalho quegeram estresse e a organização do trabalho18.

As relações de trabalho não estão claramenteenunciadas em nenhuma dessas categorias.

O processo de elaboraçãodo mapa de risco

A iniciativa de realizar um mapeamento de ris-cos no Hospital em estudo foi desencadeadapor um processo de Acreditação Hospitalar de-senvolvido na instituição, cujo primeiro relató-rio recomendou a realização de um levanta-mento de riscos ambientais. A medida inscre-via-se dentro de uma tradição institucional depreocupação com biossegurança10 e configu-rou-se, ainda, como uma etapa inicial de im-plantação de um Programa de Vigilância emSaúde do Trabalhador.

A opção pelo mapa de risco foi feita em fun-ção: 1) da base legal para uso do mapa de riscocomo método para a identificação dos riscos;2) da aparente simplicidade do método; 3) dapossibilidade de envolvimento ativo dos traba-lhadores.

A elaboração do mapa de risco foi precedi-

da de uma etapa de sensibilização dos dirigen-tes e chefes de serviços para a relevância da ini-ciativa, seguida de uma visita exploratória rea-lizada pelos autores, para a seleção das áreas aserem analisadas.

A seleção dos ambientes a serem prioriza-dos levou em consideração o tipo principal deatividade desenvolvida no setor, o volume detrabalho (traduzido pela freqüência de realiza-ção do procedimento e/ou de utilização dos es-paços físicos) e a gravidade dos riscos envolvi-dos no procedimento. Foram selecionados: no

Ambulatório, o procedimento de biópsia na sa-la de procedimentos; na Internação, as enfer-marias de isolamento respiratório; no Hospi-

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tal-Dia, o salão de atendimento, onde são apli-cados medicamentos e realizados procedimen-tos como punção venosa e punção lombar; na

Anatomia Patológica, as técnicas de confecçãoda hematoxilina-eosina e de coloração especialde Grocott e o procedimento de necropsia; naBacteriologia, o exame de escarro, que incluiubacterioscopia, cultura e antibiograma; na Ra-diologia, a realização de radiografias; e na salade coleta do Laboratório, todos os procedi-mentos rotineiramente realizados.

Em dois locais a demanda foi espontânea eespecífica: o Serviço de Bacteriologia, devido areclamações sobre o ambiente de trabalho e oServiço de Radiologia, por causa do temor re-

lacionado às radiações ionizantes. Houve, tam-bém, necessidade de consultas a Comissão Na-cional de Energia Nuclear (CNEN) e a manuaissobre substâncias químicas.

Em seguida, foi realizada a oficina de capa-citação na metodologia de mapa de risco, daqual participaram vinte trabalhadores. O gru-po envolvido compreendeu trabalhadores en-caminhados pelas chefias dos setores e abran-geu várias categorias profissionais, do nívelfundamental até superior. Em sua maioria, ostrabalhadores envolvidos não ocupavam car-gos de chefia, visto que poucos foram os chefesque se interessaram em participar.

As oficinas de treinamento consistiram decinco encontros semanais, conduzidos por umespecialista em mapa de risco (UAOM). Duasdas autoras (YHH e LA) foram alunas dessa tur-ma e participaram da construção do mapa emdiferentes grupos de trabalho. Inicialmente, fo-ram apresentados conceitos básicos sobre saú-de do trabalhador, acidente de trabalho, a noti-ficação dos acidentes de trabalho, a importân-cia da implantação de programas preventivosintegrados à área de saúde do trabalhador, co-

mo o Programa de Controle Médico e SaúdeOcupacional (PCMSO), o Programa de Preven-ção aos Riscos Ambientais (PPRA) e o de Pro-teção contra Incêndio, e o método a ser empre-gado para mapear os riscos. A coleta de dadosfoi feita por grupos de quatro trabalhadores,nosquais pelo menos um integrante atuava no se-tor analisado ficando, em geral, responsável porapresentar aos demais o processo de trabalho.

O método utilizado implicou a análise dosprocessos, condições, da forma de organizaçãoe das cargas de trabalho, dos materiais empre-

gados e do uso do tempo (jornadas, ritmos, epausas de trabalho) em vários setores do Hos-pital. O roteiro do mapa de risco compreendeu

a reconstrução e a análise do processo de tra-balho, o que incluiu informações a respeito deequipamentos, instalações, materiais, produ-

tos, fluxos, resíduos, turnos de trabalho e ativi-dades dos trabalhadores. Seguiu-se a represen-tação gráfica dos riscos ambientais utilizando-se círculos de tamanhos proporcionais à gravi-dade – grande, médio e pequeno18, 22, segundoa classificação de riscos contida na NR-5: físi-cos (verde), químicos (vermelho), biológicos(caramelo), ergonômicos (amarelo) e de aci-dentes (preto).

A etapa seguinte foi a de discussão coletivadas medidas preventivas para as situações derisco detectadas, que incluiu as estratégias de

encaminhamento e solução dos problemas23. Aúltima etapa consistiu na elaboração de um re-latório final por grupo, disponibilizado aos che-fes de serviço e à direção geral, após apresenta-ção em Centro de Estudos para a populaçãotrabalhadora do Hospital.

Os relatórios e os mapas de risco confeccio-nados para cada setor, acrescidos da observa-ção direta durante a participação dos autoresnas oficinas, constituem a base para a descriçãodos resultados. Uma pesquisa bibliográfica pos-terior e abrangente nas bases Lilacs, Scielo eMedline, utilizando-se os termos “mapa de ris-co”, “risco”, “biossegurança” “ambiente” e “hos-pital”, para o período 1966 até 2005, subsidioua discussão e as reflexões aqui apresentadas.

Resultados

A elaboração prática do mapa, iniciada peladiscussão sobre os processos de trabalho, pro-vocou muitas reflexões e críticas, gerando tam-bém, em alguns momentos, frustrações, postu-ras de defesa, revolta e resistência.

Na maioria dos setores, não havia registrossobre os materiais utilizados, o processo de tra-balho ou os resíduos produzidos. A demandade registros pelos grupos modificou a organi-zação do trabalho, pois uma vez constatada ainexistência de registros no setor, eles eram or-ganizados pelos componentes do grupo a par-tir de coleta de dados com os trabalhadores.Es-te ir-e-vir das oficinas aos setores de trabalhoprovocou modificações e questionamentos so-bre o ambiente de trabalho que se difundiram,em grau maior ou menor, por todo o Hospital.

Chamaram atenção os riscos químicos e er-gonômicos apontados pelos trabalhadores, ex-pressos na precária infra-estrutura física e no

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acondicionamento e manejo inadequado dassubstâncias químicas. Em alguns casos, foramevidenciados verdadeiros “eventos-sentinela”

para a área de biossegurança, como trabalha-dores fumando em ambientes repletos de subs-tâncias químicas, superlotação de corredorescom móveis e geladeiras que armazenam cultu-ras de material biológico e extintores de incên-dio em locais inadequados e mal sinalizados.

Diagnósticos relacionados aos processos,insumos e produtos do trabalho

As principais fontes de exposição a riscosbiológicos estavam relacionadas ao contato com

sangue e derivados, excreções e secreções, líqui-dos corporais, fragmentos de tecidos e cadáve-res de pacientes portadores de doenças infec-ciosas durante a realização de procedimentoscomo coleta de exames, punção venosa perifé-rica, nebulização para escarro induzido, examede liquor, biópsia, processamento dos exameslaboratoriais, administração de medicamentos,higiene de pacientes, do instrumental e do am-biente. A aerossolização de agentes patogênicosde transmissão respiratória, como o bacilo datuberculose e alguns fungos, foi atribuída aosistema de ventilação/exaustão inadequado dosambientes de trabalho. Os setores que relata-vam riscos biológicos foram o setor de coleta, oambulatório, a internação e o Hospital-Dia.

As exposições a riscos químicos foram rela-cionadas às soluções utilizadas nas técnicas dehematoxilina-eosina e Grocott, na AnatomiaPatológica; às técnicas de detecção de bacilo ál-cool-ácido resistentes, na Bacteriologia; aos re-veladores e fixadores, na Radiologia. Foi atri-buída potencial fonte de risco químico aos me-dicamentos utilizados no Hospital-Dia e na In-ternação; ao oxigênio e nitrogênio do setor de

Internação e aos detergentes e desinfetantesusados na limpeza de todos os ambientes.

Os riscos físicos citados foram: 1) ruídosprovenientes da sala de recepção de pacientes,dos alarmes de equipamentos sem manutençãopreventiva, campainhas, portas, rodas dos car-rinhos de transporte; e 2) radiação provenientedos equipamentos de raios X, da manipulaçãode carbono 14 na Bacteriologia, das lâmpadasultravioleta nas enfermarias de isolamento res-piratório e na sala de necropsia.

A principal queixa ergonômica apresentada

foi o esforço físico repetitivo. Os representantesdas equipes de enfermagem relacionaram estaqueixa ao transporte de pacientes portadores

de deficiências físicas e ao auxílio na realizaçãode exames clínicos complementares no Ambu-latório, Internação e Hospital-Dia. Na Anato-

mia Patológica e na Radiologia, o risco estavarelacionado à manipulação de grandes vasilha-mes contendo soluções químicas.

O risco de acidentes decorrentes da utiliza-ção de equipamentos perfurocortantes (agulhas,lâminas de bisturi, vidrarias, micrótomo) foi si-nalizado em todos os setores, exceto na Radiolo-gia. O potencial de estarem associados à ilumi-nação e estrutura física inadequadas também foiregistrado. Fatores como o armazenamento ina-propriado de substâncias químicas, a existênciade instalações elétricas e de gás obsoletas, mal si-

nalizadas e sem manutenção preventiva, aliadosà inexistência de um programa de treinamentode combate a incêndios, foram apontados comocontribuintes potenciais para a ocorrência deacidentes com material perfurocortante, quei-maduras, choques elétricos, incêndios e explo-sões, especialmente nos setores de Internação,Anatomia Patológica e Bacteriologia.

Durante a reconstrução do processo de tra-balho, ficaram evidentes as restrições de espaçofísico em todos os setores, sendo que, em al-guns deles as modificações são difíceis devidoao tombamento do prédio pelo patrimônio his-tórico. Outra questão apontada foi o fato de al-guns processos de trabalho requererem a tra-vessia entre prédios, que são entrecortados porvias com acesso a veículos automotores.

O quadro 1 sintetiza potenciais doenças esíndromes relacionadas pelos trabalhadores aoscinco grupos de risco identificados nos setoresmapeados.

Diagnósticos ligados às condiçõese às relações de trabalho

Uma das principais questões levantadas re-feriu-se à escassez de recursos humanos e aosdiferentes vínculos empregatícios existentes nainstituição, que abrangem servidores públicos,prestadores de serviço, funcionários de coope-rativas, bolsistas, estagiários remunerados e nãoremunerados. Os servidores públicos, com vín-culos estáveis, corresponderam a apenas cercade um quinto do total da população trabalha-dora do Hospital. A grande quantidade de tra-balhadores sem vínculo empregatício torna apercepção de risco variável e, possivelmente,

minimizada pelo temor de desemprego provo-cado por não terem estabilidade no empregoou direitos trabalhistas.

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Recomendações e desdobramentos

As medidas preventivas apontadas foramprecedidas de uma discussão das Normas Re-gulamentadoras do Ministério do Trabalho eEmprego considerando-se a viabilidade e o âm-

bito da ação preventiva (de nível individual,particular ou geral)23.

Entre as propostas centradas primordial-mente na adequação dos ambientes e proces-sos de trabalho, a principal medida preventivaapontada foi a ampliação da área física da Uni-dade ou dos ambientes de trabalho. Foi sugeri-da a criação de algumas novas áreas para ex-purgo, lavagem e esterilização de material, ar-mazenamento de resíduos e para o tratamentode esgoto. Identificou-se a necessidade de me-lhoria das áreas de circulação e os fluxos do

processo de trabalho, além da correta sinaliza-ção dos riscos, bem como da construção de re-feitórios e de locais para o repouso dos traba-

lhadores. A discussão sobre os obstáculos rela-tivos à adequação de espaço físico no prédiotombado pelo Patrimônio Histórico, onde es-tão situadas a Anatomia Patológica e a Interna-ção, gerou alternativas de curto e médio prazoe forneceram subsídios para antiga reivindica-

ção de construção de um novo prédio defendi-da pela Direção do Hospital.

Quanto à organização do ambiente de tra-balho, os trabalhadores recomendaram a rotu-lagem e o armazenamento adequados de pro-dutos químicos, com a elaboração de tabelas efichas com orientações sucintas sobre incom-patibilidade e manuseio seguro de substânciaspotencialmente tóxicas e sobre procedimentosa serem adotados em caso de acidentes e/ou in-toxicações. Além disso, sugeriu-se a elaboraçãoe a divulgação de normas para o transporte de

material biológico e substâncias químicas.Foi apontada a necessidade de um progra-ma de manutenção preventiva regular dos equi-

Quadro 1Doenças e síndromes relacionadas aos riscos encontrados.

Grupos de risco Doenças e síndromes relacionadas ÁreasBiológico • Infecções agudas e crônicas: HIV, Hepatites B e C, Tuberculose, • Todas, sendo com menor intensidade

outras infecções bacterianas na radiologia

Químico • Queimaduras de pele e mucosas, dermatites de contato, alergias • Anatomia patológica e radiologiarespiratórias, intoxicações agudas e crônicas, alterações morfológicasde células sanguíneas (plaquetopenia, leucopenia, pancitopenia),conjuntivites químicas, carcinogênese

Físico • Estresse, ansiedade, irr itabilidade, desconforto auditivo, • Todas, à exceção da Sala de Coletavisual e térmico. e Radiologia

• Lesão ocular por radiação ultravioleta • Anatomia patológica• Alterações morfológicas de células sangüíneas (plaquetopenia, • Radiologia

leucopenia, pancitopenia), alteração da capacidade reprodutiva

do homem e da mulher, efeitos teratogênicos provocando anomaliascongênitas, radiodermites, carcinogênese

Ergonômicos • Estresse, dores osteoarticulares e musculares • Todas• Alergias respiratór ias por odores fortes e desagradáveis • Anatomia patológica e radiologia,• Varizes de membros inferiores principalmente• Náuseas, vômitos, cefaléia • Radiologia• Internação

Acidentes • Com perfurocortantes • Todas, à exceção da radiologia• Traumatismos • Todas• Choques e queimaduras por eletricidade • Internação, anatomia patológica• Intoxicações químicas • Anatomia patológica e radiologia• Radioativos • Radiologia• Explosões e incêndios • Radiologia e anatomia patológica,

principalmente

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vidual e, quando possível, implementação deequipamentos de proteção coletiva; 5) a sensi-bilização dos trabalhadores quanto ao cuidado

com a própria saúde; 6) a possibilidade de os tra-balhadores conhecerem realidades distintas,em-bora espacialmente próximas (Radiologia,Ana-tomia Patológica, Farmácia, Zoonoses), e umamaior integração entre os diferentes setores.

Podem ser citados como desdobramentos,ainda, a realização de uma nova oficina no anoseguinte, com uma demanda espontânea muitomaior dos trabalhadores, as duas divulgações noCentro de Estudos e o encaminhamento de re-comendações para a Comissão Técnica de Bios-segurança e para a Presidência da instituição.

Discussão

A presente experiência de aplicação da meto-dologia de mapa de risco visava, fundamental-mente, buscar soluções para os problemas en-contrados nas áreas de segurança do ambientehospitalar nos relatórios sobre o diagnósticodos riscos ambientais e no mapa de risco emsua representação gráfica final. Entretanto, osautores foram confrontados com a centralida-de do processo de construção do mapa e o seupotencial de suscitar debate e socializar percep-ções sobre as várias dimensões do trabalho.

Metodologias participativas de avaliação deriscos trazem à tona diagnósticos que compor-tam três dimensões: as relacionadas aos am-bientes e processos de trabalho (uma dimensãotécnica); as referentes às relações de trabalho(uma dimensão política)20; e aquelas relacio-nadas às dimensões subjetivas.

A construção do mapa de risco possibilitoua reflexão sobre o processo de trabalho nos vá-rios setores expostos a diferentes graus de estres-

se, imprecisão das tarefas e necessidade de de-cisões rápidas para, ao final, possibilitar a pro-posta coletiva de medidas preventivas e corre-tivas24. O mapa de risco constituiu-se, portan-to, em um referencial “prescrito”não apenas pa-ra ser “cumprido conforme o planejado”, maspara propiciar uma mudança perceptual sobreos riscos e servir como base para reflexão econstrução de novos conhecimentos25, 26.

Na experiência apresentada, o mapa de ris-co permitiu evidenciar fontes de risco químiconão rotineiramente presentes na preocupação

dos trabalhadores e gestores de hospitais, masmuito comuns na avaliação de ambientes in-dustriais27.

pamentos. Para as cabines de fluxo laminar, fo-ram propostos a limpeza e trocas periódicas defiltros e o redirecionamento da exaustão exter-

na das cabines para uma altura acima do telha-do, minimizando o contato com áreas de circu-lação de pessoas. Foi sugerida uma nova inspe-ção nos ambientes para aprovar e certificar osdispositivos de proteção, como é o caso das blin-dagens com barita na Radiologia e das cabinesde fluxo laminar.

Medidas de proteção coletiva buscam evi-tar que a responsabilidade sobre um acidenterecaia exclusivamente no uso inadequado dedeterminado equipamento de proteção indivi-dual pelo trabalhador. Em 2003, foram instala-

dos equipamentos de proteção coletiva, comofiltros HEPA com pressão negativa, nos quar-tos de isolamento respiratório da Internação eno laboratório de tuberculose da Bacteriologia.Outra medida proposta foi a implantação e am-pla divulgação de uma política de gerenciamen-to de resíduos, que incluiria a construção deum abrigo de resíduos, a sinalização e o trans-porte adequado, visando ao manejo correto demateriais perigosos e a qualificação de recursoshumanos.

Os episódios mais significativos de mudan-ças vinculadas ao processo de elaboração domapa de risco foram: 1) a reforma do laborató-rio de Bacteriologia; 2) a remoção de duas pol-tronas de atendimento do Hospital-Dia, queobstruíam a circulação das enfermeiras, para aabertura de espaço necessário à instalação deum filtro HEPA. A mudança teve como objeti-vo evitar acidentes e melhorar a qualidade doar, especialmente no que diz respeito às doen-ças de transmissão respiratória. Para que estamedida, que culminava em redução de leitos eprodutividade, fosse implementada foi neces-sária uma apresentação em Centro de Estudos,

que envolveu vários trabalhadores e gestoresem acalorado debate; 3) subsidiar a decisão daAnatomia Patológica de não realizar procedi-mentos de necropsia, uma vez que não haviasistema de ventilação/exaustão implantado e oar-condicionado central era compartilhado comsetores administrativos. Os relatórios de ma-peamento de risco fundamentaram reiteradosmemorandos da direção da unidade para o ór-gão de administração central, que culminaramna realização de um diagnóstico sobre ventila-ção/exaustão, na adequação do espaço físico e

na revisão do sistema de ar-condicionado doandar térreo do prédio; 4) a revisão da dispo-nibilidade de equipamentos de proteção indi-

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Em alguns casos foram evidenciados riscosantes naturalizados, por estarem imersos nasrotinas de trabalho e que talvez fossem releva-

dos em nome do alto valor social do trabalhoem saúde. Ou ainda, pelo contrário, como con-seqüência de um amortecimento da percepçãodo risco ligado à perda de controle sobre ascondições de trabalho20. Não pudemos aferirem que medida os vínculos precários influen-ciaram a autonomia do trabalhador para iden-tificar ou sua tendência a naturalizar os riscos.A composição mista dos grupos de mapeamen-to possibilitou que outros evidenciassem o ris-co que alguns subestimaram.

A subjetividade dos atores envolvidos na

realização do mapa de risco perpassa todas asanálises e a confecção dos relatórios, especial-mente no momento de atribuir intensidade aosriscos. Um exemplo é o fato de o setor de Cole-ta não relatar ruídos como fonte de risco físico,ainda que este risco seja nítido e perceptível pa-ra quem não trabalha no setor. É plausível queos acidentes com material biológico no setorrepresentem uma questão premente a ponto deobscurecer a percepção de quaisquer outrosproblemas.

Todos os setores avaliados enfatizaram aocorrência de acidentes com material perfuro-cortante e o contato prolongado com materialbiológico, provavelmente porque os acidentescom material biológico, e os conseqüentes ris-cos de infecção pelos vírus da hepatite B, C eHIV entre profissionais de saúde, são bem co-nhecidos e divulgados28, 29. Outras doenças in-fecciosas – como tuberculose, influenza, vari-cela-zoster coqueluche e doença meningocóci-ca – também estão associadas ao trabalho emestabelecimentos de saúde.

No contexto da emergência e reemergênciade doenças infecciosas, alguns agentes biológi-

cos se manifestam com maior gravidade emprofissionais de saúde30. Tendo em vista a mis-são institucional do hospital em estudo, seriaesperado que a percepção de risco relacionada aessas doenças emergentes fosse mais evidente.

O destaque conferido às lesões por esforçosrepetitivos, principalmente na segunda turmade alunos do curso de mapa de risco, tambémpode estar ligado ao domínio público dessa sín-drome, em detrimento de outros riscos menoscatalogados e divulgados.

No caso específico do processo de elabora-

ção de mapa de risco em estudo, o uso e a orga-nização do espaço físico emergiram como ques-tões centrais a serem priorizadas para a preven-

ção dos acidentes. Não apenas os acidentes e atransmissão de doenças infectocontagiosas,mas também o estresse e as doenças osteoarti-

culares foram relacionados ao espaço físico, pordemandarem maiores esforços dos trabalhado-res em ambientes desprovidos de conforto. Ou-tros estudos sobre o trabalho em ambientes deatenção à saúde mostram, no caso dos labora-tórios de análises clínicas, a relação entre ostempos permitidos para a conclusão de tarefase o maior risco de acidentes e, no banco de lei-te humano, a influência do desgaste emocionaldas profissionais de enfermagem sobre a mor-bidade ocupacional5.

Estudos recentes têm discutido morbidade

referida, jornadas de trabalho, trabalho notur-no, estresse e ansiedade, especialmente no gru-po de profissionais de enfermagem31, 32, 33. Por-tela34 aponta como principais queixas em pro-fissionais de enfermagem a cefaléia/enxaqueca,varizes de membros inferiores, ansiedade/insô-nia, alergias respiratórias e morbidade psiquiá-trica menor. Entretanto, esses são desfechos cu-

 jos “riscos potenciais” são aspectos que o mapade risco não prevê como sinalizar, representar einterpretar, apesar de externalizados em dimen-sões de sofrimento físico e psíquico. No traba-lho de Silveira31, o sofrimento e o adoecimentode profissionais de enfermagem do hospital re-lacionava-se à organização do processo de tra-balho, às relações hierárquicas, aos vínculos detrabalho precários, à falta de clareza sobre asatividades a serem desempenhadas e à desvalo-rização profissional.

O mapa de risco é criticado por partir deum pressuposto cartesiano de que é possívelclassificar, quantificar e delimitar fisicamentetodos os riscos presentes no ambiente de traba-lho e por não contemplar as interações entreriscos, que contribuiriam mais para o risco de

acidentes e morbidade do que fatores de riscoisolados5. No entanto, em nossa experiência, aescassez de recursos humanos e a realização detrabalhos repetitivos (com pipetas, micromani-pulações, pesagens, computadores, microscó-pio) foram citados como fatores que, simulta-neamente, contribuíram para o aumento dosriscos à saúde e de acidentes. A citação destas ede outras categorias de risco de forma interati-va sugere que a elaboração do mapa tenha per-mitido aos trabalhadores vislumbrarem a na-tureza multifatorial do risco.

Por valorizar a percepção dos trabalhado-res, ao mesmo tempo em que os sensibilizoupara as questões relativas à segurança, qualida-

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de e saúde no ambiente de trabalho, o mapa derisco funcionou como um espaço que possibi-litou a socialização e a discussão da forma de

organização do trabalho em cada setor, prescri-tas e reais. Tal como descrito por Neves et al .25,que analisaram o setor de manutenção de umhospital universitário, a participação dos tra-balhadores contribuiu para a geração de novasregras partilhadas, reconhecendo equívocos noque está definido em termos de organização dotrabalho.

O mapa de risco não incorpora as classifi-cações de risco de biossegurança, pois não éum instrumento específico para trabalhadoresda saúde. Visando aproveitar o trabalho reali-

zado durante a elaboração do mapa, foi reali-zado um levantamento posterior sobre os agen-tes biológicos manipulados em laboratório pa-ra classificá-los conforme o risco de biossegu-rança (nível de biossegurança – NB1, NB2, NB3,NB4).

Em pelo menos dois pontos, o mapa de ris-co cumpriu as promessas implícitas em sua for-mulação original ligada ao movimento operá-rio. O primeiro foi no processo educativo dedifusão de conceitos da área de saúde do traba-lhador, em que as formulações originais do mo-delo operário italiano destacam o “saber ope-rário”, mas reconhecem que o combate à noci-vidade do ambiente de trabalho exige a sociali-zação do conhecimento técnico nesse campo18.O segundo foi na perspectiva de ter, em seusdesdobramentos, reforçado a importância dareivindicação coletiva ressaltada pelo Movi-mento Operário.

Considerações finais

A metodologia do mapa de risco presta-se à

implementação e reforço de medidas de bios-segurança, vigilância em saúde do trabalhadore qualidade total, uma vez que cria ou reforçauma consciência do risco que todas essas disci-plinas valorizam, e das capacidades individuaise, em alguma medida, coletivas de modificaresses riscos.

Por outro lado, o mapa de risco conferecentralidade à participação do trabalhador naelaboração de estratégias para prevenção deriscos ambientais. O aumento da capacidadecrítica e o empowerment do trabalhador, assi-

milados tanto nas filosofias de qualidade – co-mo ferramenta – quanto na v igilância em saú-de – como princípio, não produzem um traba-

lhador necessariamente “dócil”. Talvez isso ex-plique a baixa adesão das chefias e as dificulda-des enfrentadas para implementar medidas às

vezes simples sugeridas no processo de cons-trução do mapa de risco.

De um modo geral, as categorias de riscotrabalhadas foram as propostas pela NR-5: bio-lógicos, químicos, físicos, ergonômicos e deacidentes. O estresse e as relações de trabalhosurgiram nas discussões sobre as estratégias deprevenção de riscos, quando foram descritos osconflitos cotidianos e as barreiras a serem en-frentadas para alcançar as ações pretendidas.Mas, infelizmente, não são registradas de mo-do adequado nos relatórios e mapas, que ficam

restritos aos riscos “visíveis” e normatizados.Em que medida a forma como foi aplicadaa metodologia de mapa de risco em nossa uni-dade de saúde apenas reforçou um saber técni-co ou estranho aos legítimos interesses do tra-balhador?

A construção do mapa desencadeou refle-xões sobre o papel e a importância dos traba-lhadores, o que poderia sustentar a construçãocoletiva dos objetivos e da missão da institui-ção, uma diretriz dos programas de qualidadetotal. Mas, como argumentam os críticos daqualidade, a participação dos trabalhadoresnesses programas pode ser simplesmente umaestratégia para aumentar a adesão a práticas deconformidade e o rendimento do trabalhador eservir, principalmente, aos interesses da orga-nização35. Por outro lado, a construção do ma-pa também pode, de fato, induzir no trabalha-dor uma perspectiva mais crítica e vigilante,como propõe a vigilância em saúde do traba-lhador14, ou aumentar a consciência de risco,melhorando a efetividade das ações de biosse-gurança.

Mesmo que a “consciência do risco” não te-

nha necessariamente poder para determinarmudanças de comportamento, e que os reaissentidos do mapa de risco exijam que se avancealém dessa função de conscientização, pode serreducionista a compreensão de que os meses devivência deste trabalho se resumiram à confec-ção de um “instrumento burocrático,que enfei-ta as paredes dos estabelecimentos e aos quaisninguém presta atenção”5.

Em nosso entendimento, o mapa de riscopossibilitou o replanejamento do processo detrabalho a partir da experiência cotidiana e co-

letiva vivenciada no decurso de sua elaboração36e permitiu aos trabalhadores proporem soluçõescriativas para os problemas detectados26.

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Colaboradores

YHM Hökerberg participou da coleta de dados, das ofici-nas de trabalho, concepção teórica, levantamento biblio-gráfico, elaboração e redação final do texto; MAB dosSantos e SRL Passos participaram da concepção teórica,levantamento bibliográfico, redação e revisão do texto; BRozemberg participou da análise dos dados; PMT Cotiase L Alves participaram das oficinas de trabalho, da coletae análise dos dados; e UAO Mattos coordenou as oficinasde trabalho, participou da elaboração conceitual, conso-lidação e análise dos dados.

De fato, foi bastante restrita a possibilidadede elaborar de forma explícita e consciente osconteúdos mais subjetivos e políticos que aflo-

raram durante o processo de construção domapa. Mas, não há como ignorar que, ao longodos anos, houve mudanças nas característicasda luta do trabalhador, que talvez hoje não sejamais revolucionária, como propunha o modelooperário italiano, mas baseada em negociaçõescotidianas36. Este pode ser um caminho viávelpara, incrementalmente, promover mudanças.

Alguns dos episódios relatados, porém, su-gerem que o processo de elaboração do mapatenha propiciado vivências como as pretendi-das pelo Movimento Operário, ao demonstrar,

por exemplo, o peso da reivindicação coletiva

na promoção de um número emblemático demudanças contra as quais as chefias, em prin-cípio, se opunham.

O mais relevante foi a reflexão suscitadanos trabalhadores e a mudança de perspectivade passivos e reclamantes para atores com ca-pacidade de interferir sobre o ambiente de tra-balho. Estas reflexões geraram insights sobre anatureza do trabalho executado, tensões, insa-tisfações e angústias que corresponderiam asímbolos sem cor, invisíveis aos olhos na lin-guagem do mapa, mas reconhecidamente es-senciais para todos os envolvidos neste percur-so. O desafio será sustentar ao longo do tempo,diante da realidade das relações de trabalho no

mundo atual, o aprendizado trazido pelo mapa.

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Artigo apresentado em 18/07/2005Aprovado em 13/12/2005

Versão final apresentada em 12/01/2006