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Mapeamento de áreas susceptíveis a fluxos de detritos por meio de modelagem computacional Gean Paulo Michel 1 ; Masato Kobiyama 1 1 Instituto de Pesquisas Hidráulicas – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Av. Bento Gonçalves 9500, Caixa Postal 15029, CEP 91501-970, Porto Alegre-RS. [email protected] ; [email protected] Resumo A Lei 12.608/12 (Política Nacional de Proteção de Defesa Civil) exige aos estados e municípios brasileiros identificar e mapear as áreas de risco de desastres. A elaboração de mapa de áreas de risco requer, em primeiro lugar, mapas de perigo e também de vulnerabilidade. No Brasil, existe atualmente um aumento de ocorrências de desastres relacionados a fluxos de detritos. Neste contexto, o presente trabalho propõe uma metodologia para mapeamento de áreas suscetíveis a fluxos de detritos desencadeados pela ocorrência de escorregamentos, baseado na aplicação de modelos computacionais. Através de dados da área de estudo, o modelo de escorregamentos (SHALSTAB) é aplicado e seus resultados são subsídio para aplicação do modelo de fluxos de detritos (KANAKO-2D). Para demonstrar a aplicação desta metodologia, utilizou-se parte das encostas do Morro Santana, localizado na divisa entre dois municípios: Porto Alegre e Viamão/RS. Constatou-se que as áreas propensas a escorregamentos situam-se nas encostas declivosas que são, em sua quase totalidade, inabitadas. Entretanto, o fluxo de detritos manifesta um trajeto que passa por regiões habitadas da comunidade Santa Isabel. O produto final (mapa de perigo) da metodologia proposta é de simplificada obtenção pelos técnicos/pesquisadores e fácil interpretação e utilização pela população local. Palavras-chave: fluxo de detritos; escorregamento; mapeamento; SHALSTAB; KANAKO-2D.

Mapeamento de áreas susceptíveis a fluxos de detritos … · Os desastres hidrológicos, caracterizados principalmente pelas inundações e ... Embora existam diversas causas para

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Mapeamento de áreas susceptíveis a fluxos de detritos por meio de modelagem

computacional

Gean Paulo Michel1; Masato Kobiyama1

1 Instituto de Pesquisas Hidráulicas – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Av.

Bento Gonçalves 9500, Caixa Postal 15029, CEP 91501-970, Porto Alegre-RS.

[email protected] ; [email protected]

Resumo

A Lei 12.608/12 (Política Nacional de Proteção de Defesa Civil) exige aos estados e

municípios brasileiros identificar e mapear as áreas de risco de desastres. A elaboração

de mapa de áreas de risco requer, em primeiro lugar, mapas de perigo e também de

vulnerabilidade. No Brasil, existe atualmente um aumento de ocorrências de desastres

relacionados a fluxos de detritos. Neste contexto, o presente trabalho propõe uma

metodologia para mapeamento de áreas suscetíveis a fluxos de detritos desencadeados

pela ocorrência de escorregamentos, baseado na aplicação de modelos computacionais.

Através de dados da área de estudo, o modelo de escorregamentos (SHALSTAB) é

aplicado e seus resultados são subsídio para aplicação do modelo de fluxos de detritos

(KANAKO-2D). Para demonstrar a aplicação desta metodologia, utilizou-se parte das

encostas do Morro Santana, localizado na divisa entre dois municípios: Porto Alegre e

Viamão/RS. Constatou-se que as áreas propensas a escorregamentos situam-se nas

encostas declivosas que são, em sua quase totalidade, inabitadas. Entretanto, o fluxo de

detritos manifesta um trajeto que passa por regiões habitadas da comunidade Santa

Isabel. O produto final (mapa de perigo) da metodologia proposta é de simplificada

obtenção pelos técnicos/pesquisadores e fácil interpretação e utilização pela população

local.

Palavras-chave: fluxo de detritos; escorregamento; mapeamento; SHALSTAB;

KANAKO-2D.

Title: Mapping of hazard area due to debris flow by computational modeling

Abstract

The National Policy of Protection and Civil Defense (Brazilian Law 12,608/12) requires

the Brazilian states and municipalities to identify and to map the disaster risk areas. The

development of risk areas map needs at first hazard and vulnerability maps. In Brazil,

the occurrence of disasters related to debris flows has been recently increased.

Therefore, the present work proposes a methodology for debris flow mapping based on

the computational model application. Using input data for the study area, the landslide

model (SHALSTAB) is applied and its results are used for applying the debris flow

model (KANAKO-2D). The Morro Santana hillslope sides at the division between two

municipalities of Porto Alegre and Viamão, Rio Grande do Sul state, were analyzed to

demonstrate the proposed methodology performance. It was found that areas prone to

landslides are on the steep hillslopes that are almost entirely uninhabited. However, the

debris flow makes a route that passes over some inhabited regions inside Santa Isabel’s

community. The final product (hazard map) shows its easy construction by

technicians/researchers and its easy interpretation and utilization by local population.

Keywords: debris flow; landslide; mapping; SHALSTAB; KANAKO-2D.

1. INTRODUÇÃO

Segundo os Artigos 7º e 8º da Lei 12.608/12, que institui a Política Nacional de

Proteção de Defesa Civil (PNPDEC), os Estados e Municípios brasileiros devem

identificar e mapear as áreas de risco de desastres (BRASIL, 2012). Isto indica que a

comunidade brasileira precisa saber o que é o risco, como identificar áreas de risco,

mapear tais áreas e aplicar algumas medidas estruturais e não-estruturais.

Segundo UNDP (2004), o risco é definido como a probabilidade de

consequências prejudiciais ou perdas (sociais, econômicas, e/ou ambientais) resultantes

da interação entre perigos naturais e os sistemas humanos. Convencionalmente, a

formulação que descreve o risco de um desastre natural expressa que o risco é uma

função de perigo e vulnerabilidade. Como Goerl et al. (2012) comentaram, existem

diversas definições sobre risco, perigo e vulnerabilidade. Consequentemente encontram-

se diversas formulações propostas para quantificar cada um destes elementos. Mas, em

geral, pode-se dizer que os perigos são considerados como fenômenos naturais

potencialmente prejudiciais que podem causar sérios danos sociais, econômicos e

ambientais às comunidades expostas, por exemplo UNDP (2004).

Por outro lado, UNISDR (2009) definiu a vulnerabilidade como as

características e circunstâncias de uma comunidade, sistema ou ativo que a tornam mais

suscetíveis aos efeitos nocivos do perigo. Pode-se dizer que a vulnerabilidade consiste

em fatores sociais, econômicos, culturais, ambientais e físicos (infraestruturas).

Analisando conceitos, definições, fatores componentes e equações relacionadas à

vulnerabilidade, Goerl et al. (2012) propuseram uma metodologia para calcular o índice

de vulnerabilidade com base em informações disponíveis no senso do IBGE, a fim de

estudar o risco relacionado à inundação na bacia do rio Negrinho no estado de Santa

Catarina. Adequando a metodologia proposta por Goerl et al. (2012), Schenkel et al.

(2015) elaboraram o mapa de vulnerabilidade, a fim de gerar um mapa de risco

associado a escorregamento para a bacia do arroio Forromeco no estado do Rio Grande

do Sul. Existe uma urgente necessidade de estudar, ainda mais, metodologias adequadas

para elaborar mapas de vulnerabilidade. Sem estabelecer corretamente o mapa de

vulnerabilidade, é impossível obter mapas de risco para desastres naturais.

Os desastres hidrológicos, caracterizados principalmente pelas inundações e

movimentos de massa úmida, são aqueles desencadeados pela ocorrência,

movimentação e distribuição da água superficial e subsuperficial, segundo o banco de

dados internacional de desastres (EM-DAT) (BELOW et al., 2009). No Brasil, no

decorrer da última década, grandes desastres hidrológicos geraram impactos

econômicos e ambientais, além de muitas perdas de vida. Por exemplo, os desastres

ocorridos em 2008 em Santa Catarina (FRANK e SEVEGNANI, 2009), em 2011 na

região serrana do Rio de Janeiro (COELHO NETTO et al., 2011), e, mais recentemente,

em 2015 na Bahia (REDE BAHIA, 2015). Esta crescente ocorrência de desastres

relacionados aos movimentos de massa úmida (escorregamentos e fluxos de detritos)

tem motivado inúmeras ações no sentido de preveni-los ou reduzir seus impactos.

Embora existam diversas causas para o aumento da ocorrência de desastres no

Brasil, a ocupação de áreas propensas à ocorrência de fenômenos hidrológicos extremos

é uma das principais. Esta ocupação se dá tanto pela inexistência de percepção de

perigo/risco por parte da população, quanto pela escassez de ferramentas de

ordenamento de ocupação territorial por parte dos gestores. Assim, atualmente estão

sendo elaboradas ferramentas que podem servir de base para um adequado ordenamento

territorial, além de subsidiar sistemas de monitoramento e alerta de desastres. Como

exemplo de ferramenta, salienta-se a elaboração das cartas de suscetibilidade a

movimentos gravitacionais de massa e inundações elaboradas pelo CPRM (BITAR,

2014), que trazem informações relevantes acerca de áreas suscetíveis a

escorregamentos, fluxos de detritos e inundações.

Segurança hídrica é o foco da fase VIII do Programa Hidrológico Internacional

(International Hydrological Programme – IHP) da UNESCO (UNESCO-IHP, 2012).

Esta fase do programa traz 6 temas, sendo que o primeiro tema é: desastres relacionados

à água. Dentro deste tema, a primeira área focal refere-se ao gerenciamento de risco; a

segunda ao entendimento da associação entre processos humanos e naturais; e a quinta

ao aprimoramento da base científica para a hidrologia e ciências hídricas, visando à

preparação e a resposta a eventos hidrológicos extremos. A tônica trazida pela fase VIII

do IHP ressalta a importância do desenvolvimento de conceitos, técnicas e ferramentas

para serem utilizados no gerenciamento dos desastres hidrológicos.

Na tentativa de ampliar o número de ferramentas disponíveis para serem

empregadas na prevenção e redução de desastres hidrológicos, o presente trabalho

propõe uma metodologia de elaboração de mapas de áreas propensas a escorregamentos

e fluxos de detritos baseada em modelos computacionais. Aqui, prepõe-se que a

iniciação do fluxo de detritos é a ocorrência de escorregamento. Para exemplificar a

aplicação da metodologia, utilizou-se uma área situada nas imediações do Campus do

Vale da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

2. PROPOSTA METODOLÓGICA

A metodologia proposta pelo presente trabalho tem por base a combinação de

modelos de escorregamentos e de fluxos de detritos. A aplicação destes modelos se dá

de maneira subsequente, visto que normalmente, em condições naturais, a ocorrência de

escorregamentos em encostas pode levar a formação e ocorrência de fluxos de detritos.

Assim, primeiramente propõe-se a utilização de um modelo de escorregamentos para

detecção de áreas propensas a sua ocorrência. Neste trabalho, buscou-se a utilização de

um modelo de escorregamentos fisicamente embasado, gratuito e de aplicação simples,

que poderia ser aplicado por equipes técnicas de prefeituras municipais. Ressalta-se que

a metodologia proposta pode ser conduzida com a utilização de outros tipos de modelo

de escorregamentos, bastando para isto que estes consigam descrever de maneira

satisfatória a localização das áreas propensas a escorregamentos. Assim, modelos de

base estatística ou empírica também podem ser adotados, contanto que devidamente

calibrados e validados para a área de estudo.

Os modelos de escorregamentos fisicamente embasados necessitam de dados de

entrada para sua aplicação. Estes dados são caracterizados principalmente por: (i) dados

topográficos (modelo digital de terreno – MDT), de onde serão extraídas informações

como declividade, área de contribuição a montante, curvatura da encosta, entre outros;

(ii) dados pedológicos, tais como resistência ao cisalhamento, propriedades hidráulicas

do solo, profundidade do solo, entre outros; e (iii) dados hidrológicos, caracterizados

principalmente por séries de chuvas. Os dados hidrológicos são extremamente

importantes quando se pretende realizar uma análise temporal, determinando, além do

local, também o momento de provável ocorrência do escorregamento. Assim, é possível

progredir de um mapa de áreas suscetíveis para um mapa de perigo de escorregamento

(FELL et al., 2008).

Além disso, para realizar a calibração e validação do modelo de

escorregamentos, é necessário que se construa um inventário de escorregamentos. O

inventário de escorregamentos é caracterizado por um mapa que contêm informações

referentes à localização e extensão de escorregamentos ocorridos no passado. A

coincidência espacial entre os escorregamentos inventariados e as áreas assinaladas

como instáveis pelo modelo determinará se o modelo de escorregamentos está

calibrado. Caso se opte por realizar a validação do modelo, parte dos escorregamentos

do inventário deve ser usada para calibração e o restante para validação. Caso estejam

sendo consideradas variáveis transientes (séries de chuva), é necessário que o inventário

seja discretizado conforme a data (e horário) de ocorrência do escorregamento, podendo

assim associar a ocorrência de um determinado grupo de escorregamentos a uma

estação chuvosa específica. A partir dos resultados do modelo de escorregamentos

calibrado e validado, é possível estabelecer diferentes cenários. No caso de elaboração

de mapas de suscetibilidade, podem ser estabelecidas diferentes classes de propensão à

ocorrência de escorregamentos. No caso de elaboração de mapas de perigo, as classes

podem estar relacionadas ao período de retorno (probabilidade de ocorrência) do evento

chuvoso capaz de deflagrar os escorregamentos.

A partir dos resultados obtidos com o modelo de escorregamentos, é

estabelecida a abrangência de cada uma das áreas instáveis nas encostas. Para isso, é

necessário que se estabeleça um valor ou uma classe que defina o limiar de estabilidade,

a partir do qual a encosta será considerada instável. Este procedimento se faz necessário

pois gerará dados de entrada para o modelo de fluxo de detritos. Neste trabalho optou-se

pela aplicação de um modelo de fluxo de detritos, fisicamente embasado, de

distribuição gratuita e de interface amigável com o usuário. Entretanto, existem muitos

modelos empíricos de estimativa de alcance de fluxos de detritos que também podem

ser aplicados na tentativa de delimitar a abrangência do fenômeno. A aplicação do

modelo de fluxo de detritos se dá em uma etapa posterior ao modelo de

escorregamentos. Para aplicação do modelo de fluxo de detritos é necessário que sejam

estabelecidos: (i) dados topográficos, tais como o MDT e características da calha do

canal; (ii) dados hidráulicos, tais como hidrogramas de entrada, coeficientes de atrito,

entre outros; e (iii) dados reológicos, tais como viscosidade, concentração do material,

massa específica do fluído/partícula, tamanho das partículas (no caso de fluxos de

detritos pedregosos), taxas de erosão/deposição, entre outros.

Com base no mapa de suscetibilidade/perigo a escorregamentos, são

selecionadas as encostas de interesse nas quais será aplicado o modelo de fluxo de

detritos. Na metodologia proposta, cada encosta instável deverá ser analisada

separadamente como um fluxo de detritos independente. No caso de ocorrência de

diversas áreas instáveis dentro de uma mesma concavidade na encosta, poderá ser

realizada uma única simulação com o modelo de fluxo de detritos considerando que

toda a massa instável será movimentada concomitantemente. Para aplicação do modelo

de fluxo de detritos fisicamente embasado, é necessário que seja determinado um

hidrograma de entrada, que representa o comportamento do fluxo no momento em que

este adentra o canal. A determinação do hidrograma está condicionada ao volume total

de material deslocado pelos escorregamentos que originarão o fluxo de detritos.

Assumindo o pressuposto de que o escorregamento se dará na interface entre solo/rocha,

o volume total é calculado pelo produto entre área instável (determinada pelo modelo de

escorregamentos) e profundidade do solo.

Considerando as diferentes possibilidades de combinações de características

hidráulicas e reológicas, o ideal é que ao menos uma das simulações de fluxos de

detritos tenha seus parâmetros calibrados através de dados observados. Geralmente os

dados utilizados para calibração dos modelos de fluxos de detritos são: alcance, área de

abrangência e tempo de percurso. Os parâmetros calibrados podem então ser aplicados

às simulações para as demais áreas ou até validados a partir de outro fluxo de detritos

mapeado anteriormente. Por fim, têm-se uma área de abrangência do fluxo de detritos,

constituída por zona de transporte e deposição. A partir da velocidade e altura do fluxo

na zona de transporte e deposição, é possível estabelecer as áreas propensas a serem

atingidas. Igualmente, como no caso do modelo de escorregamentos, é possível

estabelecer diferentes classes conforme a propensão de cada local a ser atingido. A

metodologia proposta pelo presente trabalho está sucintamente demonstrada na Figura

1.

Figura 1 – Fluxograma de metodologia para elaboração de mapa de

susceptibilidade/perigo a escorregamentos e fluxos de detritos.

3. ESTUDO DE CASO

3.1. Área de estudo

Para demonstrar a aplicação da metodologia proposta, foi escolhida uma região

próxima ao Campus do Vale da UFRGS, situada na divisa entre os municípios de Porto

Alegre e Viamão. As encostas avaliadas situam-se na face sul do Morro Santana e

estendem-se, na direção leste-oeste, desde o município de Viamão até o município de

Porto Alegre. O solo da região é o Podzólico Vermelho-Amarelo Distrófico, e sua

profundidade é maior que 150 cm (VIERO e SILVA, 2010). A região situa-se na Suíte

Intrusiva Dom Feliciano, Litofáceis Serra do Herval, com geologia caracterizada pela

presença do Sienogranito grosseiramente alinhado na direção NE-SW para Granito

Santana. A localização da área de estudo, bem como a altimetria (escala 1:1.000) e

localização de alguns pontos de referência estão apresentados na Figura 2.

Figura 2 – Localização, altimetria e pontos de referência da área de estudo.

3.2. Modelo de escorregamentos (SHALSTAB)

A elaboração do mapa de suscetibilidade a escorregamentos foi realizada a partir

do modelo SHALSTAB (DIETRICH e MONTGOMERY, 1998). O SHALSTAB é um

modelo determinístico, fisicamente embasado, utilizado para cálculo da propensão a

escorregamentos translacionais rasos. Este modelo combina a teoria de estabilidade de

encosta infinita a um modelo hidrológico uniforme de estado permanente. O modelo

SHALSTAB vem sendo vastamente utilizado no Brasil (LISTO e VIEIRA, 2012;

MICHEL et al., 2015). A Equação (1) descreve como o SHALSTAB classifica a

estabilidade das encostas:

⋅⋅⋅⋅+

−⋅⋅⋅=

zgc

ab

Tq

ww

s

ρφθφθ

ρρθ

tancostantan1sin 2

(1)

onde q é a taxa de recarga uniforme; T é a transmissividade do solo; b é o comprimento

de contorno; a é a área de contribuição a montante; θ é a declividade da encosta; ρs é a

massa específica do solo; ρw é a massa específica da água; ϕ é o ângulo de atrito interno

do solo; c é a coesão do solo; z é a profundidade do solo; e g é a aceleração

gravitacional.

O resultado final do modelo é dado em função do parâmetro livre q/T. Assim, a

calibração do modelo é realizada ajustando o valor de q/T para o qual as áreas

determinadas instáveis pelo modelo coincidam com o inventário de cicatrizes. Para este

estudo de caso, o inventário de cicatrizes não foi elaborado. Por isso, adotou-se um

valor para o limiar de estabilidade de log q/T = -3,1, visto que, segundo Dietrich et al.

(2001), este valor é comum para inúmeras áreas de estudo. Para a aplicação do

SHALSTAB, foram utilizadas as médias dos valores de c e ϕ medidos por Conte

(2012), que equivalem a 8,65 kPa e 30,15°, respectivamente. O valor utilizado para ρs

foi de 1700 kg/m³. Para z, foram adotados dois cenários distintos, conforme

informações do CPRM (2010), onde no primeiro cenário se considerou z = 2,0 m e no

segundo cenário z = 2,5 m. A Figura 3 mostra o resultado da aplicação do modelo

SHALSTAB. O retângulo vermelho tracejado refere-se à área na qual o modelo de

fluxo de detritos foi aplicado. Neste trabalho, o SHALSTAB não foi calibrado/validado.

Figura 3 – Mapa de susceptibilidade a escorregamentos: a) Cenário 1; e b) Cenário 2.

3.3. Modelo de fluxo de detritos (KANAKO-2D)

A determinação do alcance do fluxo de detritos gerado pela movimentação da

parcela instável da área de estudo foi realizada com o modelo KANAKO-2D, proposto

por Nakatani et al. (2008). Este modelo aborda o fluxo de detritos a partir de sua entrada

no canal, com equações unidimensionais, e sua propagação e deposição na planície

aluvial, a partir de equações bidimensionais. A modelagem é governada por equações

de continuidade, momento, deformação do leito do canal, erosão/deposição e tensões de

cisalhamento no leito baseadas no modelo de fluxo dilatante proposto por Takahashi e

Nakagawa (1991).

As equações utilizadas pelo KANAKO 2D são: a equação da continuidade para

o volume total do fluxo de detritos:

rY

vhX

uht

h fff =∂

∂+

∂+

(2)

A equação da continuidade para determinar o fluxo da parcela detrítica na partícula j:

*CrYvhC

XuhC

thC

jfjfjfj =

∂+

∂+

(3)

A conservação do momento na direção X (principal direção do fluxo) e Y é dada por:

( ) ( ) ( )( )

( )

ffYX h

gY

vuvX

vuutvu YX

ρ

τθ ,

,sin,,,−=

∂∂

+∂

∂+

∂∂

(4)

onde hf é a altura do fluxo; u é a velocidade na direção X; v é a velocidade na direção Y;

Cj é a concentração de sedimento por volume do fluxo na célula j; r é a taxa de

erosão/deposição; ρf é a massa específica do fluido intersticial; θX e θY são as

declividades do leito nas direções X e Y, respectivamente; C* é a concentração de

sedimentos no leito móvel; e τX e τY são as tensões de cisalhamento no leito nas direções

X e Y, respectivamente.

O volume total do fluxo de detritos foi determinado pelo produto entre a área

instável, detectada pelo SHALSTAB, e a profundidade do solo. O hidrograma de

entrada do modelo foi determinado a partir do método de Whipple (1992), que adota um

formato triangular, com o tempo de ascensão menor que o tempo de recessão. Foi

adotado um tempo de recessão igual ao dobro do tempo de ascensão. A vazão de pico

(Qp) do hidrograma foi determinada pela equação empírica de Rickenmann (1999): 833,01,0 FDp VQ ⋅= (5)

onde VFD é o volume total do fluxo. Assim, ajustou-se o hidrograma para que o volume

final propagado fosse igual ao volume total calculado pela área instável. Para o Cenário

1, VFD = 4.360 m³ e Qp = 105,57 m³/s. Para o Cenário 2, VFD = 12.290 m³ e Qp = 255,03

m³/s. Os demais parâmetros do modelo utilizados para ambos os cenários são: massa

específica do material do leito = 2.650 kg/m³; massa específica da fase fluída = 1.200

kg/m³; concentração do leito móvel = 0,65; coeficiente de rugosidade de Manning =

0,03; coeficiente de erosão = 0,0007; coeficiente de acumulação = 0,03; diâmetro médio

das partículas = 0,2 m; concentração das partículas no fluxo = 0,5. A Figura 4 mostra a

espessura final da deposição do fluxo de detritos para os Cenários 1 e 2. Neste trabalho,

o KANAKO-2D não foi calibrado/validado.

Figura 4 – Mapa de propagação do fluxo de detritos: a) Cenário 1; e b) Cenário 2.

3.4. Mapa de escorregamentos e fluxos de detritos

Para elaboração de um único produto, os mapas de escorregamentos e fluxos de

detritos devem ser unificados em um único mapa. Neste mapa, a área suscetível, ou de

perigo, será a união das áreas classificadas como instáveis pelo modelo de

escorregamentos e das áreas de propagação e deposição dos fluxos de detritos. O mapa

final, que reúne informações acerca dos escorregamentos e fluxos de detritos para a área

analisada está demonstrado na Figura 5. Este mapa demonstra que a metodologia

proposta é aplicável. Os modelos utilizados são de distribuição gratuita e os dados de

entrada podem ser facilmente medidos ou estimados a partir da bibliografia de maneira

a representar adequadamente a área de estudo. Além disso, a informação sobre área de

perigo pode ser facilmente interpretada pela população local.

Figura 5 – Mapa de susceptibilidade a escorregamentos e fluxos de detritos do Cenário

2.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O aumento da ocorrência de desastres hidrológicos no Brasil tem incentivado

medidas que visam prevenir ou reduzir os impactos dos mesmos. O presente trabalho

propôs uma metodologia para mapeamento de suscetibilidade/perigo a escorregamentos

e fluxos de detritos baseada em modelos computacionais. Através de dados obtidos na

área de estudo, faz-se a aplicação de um modelo de escorregamentos. A partir do

resultado do modelo de escorregamentos e com outros dados da área de estudo aplica-se

o modelo de fluxo de detritos. O mapeamento final compreende o resultado da

aplicação dos dois modelos.

No estudo de caso, o SHALSTAB indicou as áreas instáveis situadas nas

encostas do Morro Santana. Estas áreas instáveis situam-se, em sua quase totalidade, em

regiões inabitadas. Entretanto, com a desestabilização destas áreas, há a possibilidade de

formação de um fluxo de detritos, o qual foi modelado com o KANAKO-2D. Percebeu-

se que em caso de ocorrência, embora o fluxo não adentre na área da UFRGS, teria em

seu trajeto algumas casas da comunidade Santa Isabel. Esta constatação levanta uma

deficiência recorrente nos mapas de suscetibilidade/perigo a movimentos de massa

elaborados no Brasil: a não consideração ou a subestimativa da abrangência de fluxos

de detritos que podem ser formados a partir da ocorrência de escorregamentos.

Enfim, é necessário que as metodologias utilizadas para mapeamento de áreas de

suscetibilidade/perigo/risco levem em consideração a possibilidade de ocorrência de

fluxos de detritos. Este fenômeno, embora ocorra em menor frequência, tem um grande

potencial destrutivo (Kobiyama e Michel, 2014). Considerando que este fenômeno não

é de fácil entendimento ou previsão, devem ser empregadas técnicas específicas para

elaboração destes mapas.

REFERÊNCIAS

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BRASIL Lei no. 12.608, de 10 de abril de 2012. Institui a Política Nacional de Proteção de Defesa Civil. Brasília: Brasil, 2012. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12608.htm>. Acesso em 02/11/2012.

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