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MARCEL TAMINATO
RELA ES DE TROCA NO UNIVERSO DO ESTADO: UM ESTUDO SOBRE AS
FORMAS DE CIRCULA O DE SERVIDORES P BLICOS.
CURITIBA
2004MARCEL TAMINATO
RELA ES DE TROCA NO UNIVERSO DO ESTADO: UM ESTUDO SOBRE AS
FORMAS DE CIRCULA O DE SERVIDORES P BLICOS.
Monografia apresentada para a conclus o doCurso de Ci ncias Sociais da UniversidadeFederal do Paran como requisito paraobten o do t tulo de Bacharel.
Profa. Orientadora: Cim a BarbatoBevilaqua.
CURITIBA
2004
Agrade o, Cim a, minha orientadora, pela oportunidade, incentivo e apoio,
Aos professores do DEAN pelas li es antropol gicas,Aos professores do DECISO pelo contraponto no di logo,
Aos colegas pelos debates conspirat rios,Ao Pai e M e pela gentileza de me colocarem no mundo,
Mi, Wi e Dan pela agrad vel conviv ncia, Agnes pela companhia carinhosa,
Aos Servidores P blicos pelo Estando e pelo Estado.
queles que marca(ra)m a minha vida,Com Palavras, Emo es, Hist rias,
Dedico.
Eis as d divas de chegada; outras d divas respondem e lhes s o equivalentes: s o as d divas
de partida, de despedida, e s o sempre superiores s d divas de chegada .
Marcel Mauss
SUM RIORESUMO............................................................................................................................. v
INTRODU O................................................................................................................... 1- Tema e objetivo- Contexto do campo- Contexto da pesquisa de campo
1. A TICA DO PESQUISADOR E A PARTICULARIDADE DA CONSTRU O DOCONHECIMENTO ANTROPOL GICO........................................................................... 4
1.1 - Antropologia urbana e novas quest es metodol gicas1.2 - Os procedimentos metodol gicos adotados/requeridos1.3 - Contrato formal como Rito de Passagem1.4 - A tica do pesquisador
2. CONCURSOS P BLICOS E CURSOS PREPARAT RIOS: UMA FORMAPARTICULAR DE REPRESENTA O DO SERVI O P BLICO............................... 11
2.1 - Aspectos Legislativos2.2 - Administra o P blica dos Servidores2.3 - Cursos preparat rios
3. TRAJET RIAS E CIRCULA O DOS SERVIDORESP BLICOS......................................................................................................................... 22
3.1 - Trajet ria do pesquisador3.2 - Formas de circula o e movimenta o 3.3 - A mudan a de gest o como troca de veneno3.4 - A movimenta o durante a mesma gest o3.5 - Divis o setorial e rela es pessoais3.6 - Indica o e media o: Criando e fortalecendo v nculos pessoais3.7 - Quem decide sobre as movimenta es?
3.8 - Entrela amento de duas l gicas aparentemente contradit rias
4. BUROCRACIA E RECIPROCIDADE: UMA ARTICULA O PROVOCADA PELAMOVIMENTA O DOS SERVIDORES P BLICOS.................................................... 43
CONCLUS O.................................................................................................................... 50
REFER NCIAS................................................................................................................. 53
ANEXO.............................................................................................................................. 58RESUMO
Esta pesquisa procurou entender os princ pios subjacentes s formas de circula o dosservidores p blicos efetivos e suas implica es na din mica de funcionamento e constitui oda organiza o estatal paranaense. Circula o entendida como a mudan a do servidor do seulocal de trabalho e/ou altera o de sua fun o no mesmo rg o em que est atuando. Corriqueiramente estas mudan as s o pensadas como decorr ncia direta da altern ncia dosgovernantes e do secretariado, referindo-se aos cargos comissionados; e em outra dimens ocomo forma de suprir uma necessidade de servi o de acordo com a l gica burocr tica. Aetnografia realizada mostra que para al m destas dimens es, as mudan as s o permanentes,
tanto entre como durante uma mesma gest o de governo, sendo constitutivas e ordenadoras dadin mica estatal. Desta forma, a organiza o estatal n o se restringe aos pressupostos daconstitui o burocr tica weberiana, mas tamb m constitu da por uma rede de rela espessoais interdependentes. Isto possibilita no interior da administra o p blica a constitui ode formas espec ficas de sociabilidade e que legitimam o advento da circula o. Desta forma, apesquisa demonstra que as reflex es apresentadas por Marcel Mauss, acerca do Ensaio sobre ad diva , no que tange ao substrato da troca como princ pio ordenador de outras sociedadestamb m se encontra em nossa pr pria sociedade. A partir da pesquisa em quest o podemosmostrar quais as especificidades deste fen meno em rela o organiza o estatal.
Palavras chave: Servidor P blico, Burocracia, Reciprocidade.
INTRODU O
Tema e objetivo
O in cio de cada novo per odo de governo marcado pela completa, ou quase completa,
renova o dos titulares dos principais postos da administra o direta, autarquias e empresas
p blicas. Tamb m n o surpreende a substitui o peri dica, mesmo durante uma mesma gest o,
dos ocupantes de alguns dos principais cargos de confian a do executivo o que traduz, entre
outras motiva es, as mudan as verificadas na base de sustenta o pol tica do governo e as
oscila es da opini o p blica. Cuidadosamente acompanhados pela imprensa, esses
movimentos tamb m s o objeto de aten o sistem tica por parte de cientistas pol ticos.
No entanto, pouca ou nenhuma aten o tem sido dispensada movimenta o, n o menos
intensa, dos servidores p blicos de carreira. Tudo se passa como se o tr nsito de servidores
t cnico-administrativos por diferentes rg os, departamentos e setores, ao longo de sua vida
funcional, constitu sse um mero subproduto da movimenta o mais vis vel que se realiza nos
altos escal es, podendo ser automaticamente explicado pelas necessidades do servi o p blico e
pelos princ pios impessoais da racionalidade burocr tica. A pesquisa buscou identificar os princ pios que estruturam a circula o de pessoas no
interior da organiza o estatal de modo mais espec fico, a circula o de servidores p blicos dopoder executivo do Estado do Paran . A pesquisa trabalhou, mais especificamente, com osservidores p blicos com n vel superior completo, os cargos de agentes profissionais1 , um doscinco tipos diferentes de carreiras que comp em o Quadro Permanente do Poder Executivo(QPPE)2 .
Contexto do campo
aqui que o modo de conhecimento da antropologia, baseado na pesquisa de campo intensiva
e predominantemente qualitativa, contribuiu para uma melhor compreens o dos mecanismos
que operam no interior da organiza o estatal, para al m da racionalidade burocr tica ou
mesmo das concep es mais aceitas sobre o clientelismo pol tico. A reconstitui o das
trajet rias de alguns funcion rios a partir de seu ingresso no servi o p blico sugeriu que essa
circula o pautada por raz es e princ pios muito mais complexos, envolvendo rela es de
troca e v nculos morais e pessoais de funcion rios entre si, entre funcion rios e chefias, das
chefias entre si, bem como redes de rela es que ultrapassam o mbito do Estado.
A pesquisa faz um contraponto com as interpreta es mais correntes e predominantes
nas ci ncias sociais nos estudos referentes tem tica da organiza o estatal ou burocracia
moderna, que tomam como referenciais as teorias marxianas e weberianas e seus
desdobramentos. Isso levou a uma predomin ncia das teorias modernizantes que enfatizam o
1 Para saber quais os profissionais que comp em este quadro mais espec fico, consultar o anexo I.
2 Este quadro dividido de acordo com a natureza profissional, as suas atribui es e n vel de escolaridade. Ascarreiras s o divididas em Apoio, Execu o, Avia o, Penitenci ria e Profissional.
car ter negativo de pr ticas e valores do contexto estatal estudado.
Esta pesquisa possibilitou uma outra forma de olhar para esta quest o, e mais do que
isso apresenta outros aspectos da administra o p blica que n o se restringem aos pressupostos
weberianos da constitui o burocr tica. Burocracia marcada pela distribui o de tarefas fixas,
delimita o rigorosa da autoridade, de pessoas altamente qualificadas e especializadas, e o
trabalho sendo regido por regras bem definidas. Segundo pude constatar, a constitui o e o
modo de funcionamento estatal transcendem esta mera disposi o burocr tica, sendo tamb m
fundadas por mecanismos de rela es pessoais interdependentes.
A pesquisa aponta, a partir dos dados etnogr ficos que os fundamentos te ricos
presentes nas reflex es de Marcel Mauss, no Ensaio sobre a D diva , que os princ pios gerais
da d diva n o operam apenas nas sociedades arcaicas' ou primitivas', mas constituem tamb m o
substrato das rela es de troca nas nossas sociedades.
Contexto da pesquisa de campo
A pesquisa de campo foi desenvolvida na Secretaria de Planejamento, mais especificamente no
IPARDES (Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econ mico e Social), no per odo de 5
meses. Neste local pude permanecer e fazer a observa o mais sistem tica, acompanhando o
cotidiano dos servidores p blicos e construindo uma rede de rela es que me permitiu ter
acesso a outros servidores de rg os e fun es distintas. Somado a isso analisei alguns
documentos oficiais, not cias de jornais e fiz entrevistas de maneira mais ordenada.
As pr prias condi es do campo impuseram-me certos procedimentos metodol gicos e
ticos que serviram como dados para pensar a particularidade da constru o do conhecimento
antropol gico relacionado a minha posi o espec fica durante a pesquisa. Discutirei
detalhadamente sobre isso no Cap tulo 1, mostrando a necessidade que me foi imposta da
formaliza o da rela o entre pesquisador-pesquisado, para que a pesquisa pudesse ser
realizada de dentro .
O andamento da pesquisa levou-me a outro contexto, um espa o n o-estatal, que s o os
cursos preparat rios para concursos p blicos. Nesta etnografia dos cursinhos, que apresentarei
no Cap tulo 2, busquei compreender as expectativas e representa es dos postulantes aos
cargos do servi o p blico e qual a sua rela o com o particular modo de funcionamento da
administra o p blica estadual apresentado no Cap tulo 3.
Esta especificidade, n o apenas de funcionamento, mas constitutiva da organiza o
estatal foi informada pela reconstitui o de algumas trajet rias dos servidores p blicos de
carreira, pelas diferentes movimenta es decorrentes disso e por aspectos presenciados pela
conviv ncia durante a pesquisa de campo. Com base nisso, no Cap tulo 4 formulo um modelo
particular proveniente da articula o destes dados etnogr ficos e de alguns pressupostos
te ricos mais gerais, numa rela o estreita entre os aspectos burocr ticos e os princ pios da
reciprocidade. Na Conclus o retomo de maneira resumida as discuss es dos cap tulos
anteriores, demonstrando como a partir da intera o entre a burocracia e a reciprocidade que
podemos pensar na circula o do servidor p blico de carreira. O que constitui uma forma
particular de funcionamento da administra o p blica.1
A TICA DO PESQUISADOR E A PARTICULARIDADE DA CONSTRU O DOCONHECIMENTO ANTROPOL GICO
1.1 - Antropologia urbana e novas quest es metodol gicas
A antropologia foi inicialmente definida pela dist ncia e pelo exotismo do seu objeto de estudo,
baseada na separa o entre o pesquisador e o grupo pesquisado. No entanto, a no o de
alteridade foi aos poucos sendo redimensionada e no Brasil, nos ltimos trinta anos, houve a
incorpora o de novas tem ticas e amplia o do universo pesquisado (cf. Peirano 2002:226).
Na d cada de 70 tiveram in cio os estudos antropol gicos em contexto urbano o que
acarretou discuss es acerca das particularidades metodol gicas necess rias para a pesquisa. O
primeiro debate sobre a disposi o do antrop logo nas grandes cidades foi entre o sofrer de
anthropological blues de Roberto Da Matta e o observando familiar de Gilberto Velho.
Para Da Matta o of cio de etn logo se baseia em tr s aspectos fundamentais,
te rico-intelectual, per odo pr tico e pessoal ou existencial. em rela o a este terceiro ponto
que Da Matta falar do impacto da Antropologia Social, tomada como uma disciplina de
comuta o e media o, sendo uma ponte entre dois universos de comunica o, sobre o
pesquisador nos seus aspectos essencialmente humanos.
[...]o lado humano e fenomenol gico da disciplina, com um temor infantil de revelar o quanto
vai de subjetivo nas pesquisas de campo, temor esse que tanto maior quanto mais voltado est
o etn logo para uma idealiza o do rigor nas disciplinas sociais. Numa palavra, um modo de
n o assumir o of cio de etn logo integralmente, o medo de sentir o que a Dra. Jean Carter
Lave denominou com rara felicidade, numa carta de campo, o anthropological blues (Da Matta
1974:27).
Pela presen a da subjetividade, como condi o para que o conhecimento antropol gico se
construa, necess ria uma dupla tarefa por parte do pesquisador, transformar o ex tico em
familiar e/ou o familiar em ex tico. este segundo aspecto que se refere aos estudos voltados
para a pr pria sociedade do pesquisador. O problema , ent o, o de tirar a capa de membro de
uma classe e de um grupo social espec fico para poder- como etn logo- estranhar alguma regra
social familiar e assim descobrir (ou recolocar, como fazem as crian as quando perguntam os
porqu s') o ex tico no que est petrificado dentro de n s pela reifica o e pelos mecanismos de
legitima o (Da Matta 1974:29). Neste caso o autor se refere a uma estrat gia metodol gica
em que o tornar ex tico serve para apreens o de categorias tidas como familiares.
Enquanto Da Matta est tratando no plano da condi o da constru o do conhecimento,
Velho fala tamb m da pr pria particularidade do universo pesquisado. Esta pequena
diferencia o de plano n o exclui a converg ncia das abordagens, muito pelo contr rio h uma
aproxima o entre ambos. Consoante Gilberto Velho, o maior desafio em estudar a sua pr pria
sociedade que as tem ticas muitas vezes fazem parte do seu cotidiano, devendo existir um
esfor o por parte do antrop logo de distanciamento, aquilo que designou, no seu artigo
Observando o familiar , como o exerc cio de autodimensionamento . Este exerc cio est
fundamentado na diferencia o entre a dist ncia social e psicol gica, pois o fato de ser familiar
n o quer dizer que o pesquisador tenha conhecimento pr vio do ponto de vista e vis o de
mundo dos diferentes atores e, segundo Velho, o fato de dois indiv duos pertencerem mesma
sociedade n o significa que estejam mais pr ximos do que se fossem de sociedades diferentes,
por m aproximados por prefer ncias, gostos e idiossincrasias (Velho 1978:125). A produ o
do conhecimento fica ent o dependente deste movimento de descolamento m nimo que
possibilita o entendimento e a sistematiza o de princ pios de classifica o acerca da l gica e
da coer ncia do universo pesquisado, viabilizando a decodifica o daquilo que nem sempre
explicitado.
Estas quest es metodol gicas presentes no contexto urbano variam de acordo com as
particularidades apresentadas pelo campo. Por isso a bibliografia acerca dessas quest es
referentes pesquisa antropol gica em sociedades complexas bastante vasta, tal qual o
n mero de etnografias escritas, pois a pr pria pr tica da pesquisa remete o pesquisador a rever
e repensar v rias quest es de car ter metodol gico e tico.
1.2 - Os procedimentos metodol gicos adotados/requeridos
A produ o de etnografias n o algo simpl rio, como diria Gilberto Velho [ ] uma de suas
tarefas mais dif ceis,...[pois] narrar um evento, transmitir o clima, o tom, do que est
descrevendo (Velho 1994:13). Para dar conta das exig ncias impostas pelo campo na coleta
dos dados que adotei diferentes procedimentos metodol gicos como observa o participante,
entrevistas e consulta de alguns documentos relativos movimenta o de servidores p blicos.
O roteiro das entrevistas foi elaborado de acordo com as necessidades e questionamentos
apresentados no decorrer da pesquisa, servindo apenas para balizar algumas conversas durante
o trabalho de campo.
Para a pesquisa de campo, foram utilizados dois procedimentos fundamentais. O
primeiro foi seguir a rede de rela es pessoais de alguns servidores, ou seja, a partir das
indica es e intermedia es dos entrevistados novos contatos eram estabelecidos em outros
rg os, possibilitando a continuidade da pesquisa. De uma outra forma, resultante destas
indica es tive a oportunidade de acompanhar o cotidiano do servi o p blico estadual, durante
cinco meses, na Secretaria de Planejamento do Estado, mais especificamente no Instituto
Paranaense de Desenvolvimento Econ mico e Social, reconstituindo a trajet ria funcional de
alguns servidores e acompanhando o dia-a-dia das rela es entre os servidores tanto do mesmo
setor e departamento, como entre setores da mesma secretaria e entre secretarias.
Tra adas as duas estrat gias metodol gicas de observa o participante, iniciei a pesquisa pela
mais acess vel, que foi a de entrevistar pessoas que j haviam trabalhado em v rias secretarias,
principalmente por j possuir indica es pessoais para contact -las. Esta forma de
procedimento de acionar a rede de contatos pessoais no estudo acerca da administra o p blica
estadual paranaense demonstra algo para al m da rela o pesquisador-pesquisado.
O acesso a determinados rg os e pessoas que neles atuavam s foi possibilitado por
indica es. As indica es, portanto, foram pe as fundamentais para a pesquisa, enfatizando
que atrav s das rela es pessoais se p de caminhar por entre as secretarias e seus
departamentos. Percebeu-se ent o que a mudan a das pessoas e dos seus cargos constitui uma
dimens o fundamental da din mica de funcionamento estatal, pois os cargos s o menos
relevantes e a refer ncia nos diferentes rg os s o tamb m as pessoas. O contato acaba sendo
mais pessoal do que funcional, a pessoa acaba se sobrepondo aos aspectos institucionais.
Exatamente desta maneira consegui ter acesso aos rg os e negociar um espa o para
realizar a pesquisa de dentro , numa perspectiva do cotidiano dos funcion rios p blicos. As
indica es foram fundamentais, mostrando como as rela es operam favoravelmente queles
que s o conhecidos. Inclusive, tive a oportunidade de presenciar momentos em que a
necessidade da troca de servi os entre secretarias somente aconteceu por v nculos pessoais.
Tamb m tentei buscar informa es para a pesquisa sem nenhuma indica o, apresentando-me
apenas como pesquisador da Universidade, mas fracassei na tentativa como nas tr s vezes que
fui ao Arquivo P blico do Estado. Por n o possuir um v nculo com aquelas pessoas e n o ter
sido indicado tornou-se invi vel o acesso aos documentos que achava importantes, como fichas
funcionais de funcion rios e documentos de certos rg os.
Para realizar a pesquisa de dentro , tive a oportunidade de chegar at o Ipardes,
seguindo as indica es dos entrevistados. O fato de ser indicado por uma professora da
Universidade acabou facilitando a minha apresenta o no local. Explicitei os motivos da minha
presen a, enfatizando a vontade de poder acompanhar o dia-a-dia do funcion rio p blico no
Ipardes - Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econ mico e Social. A indica o da
professora levou-me at uma funcion ria e esta por sua vez apresentou-me para a diretora do
Centro de Treinamento e Pesquisa. A partir deste momento, a negocia o foi feita com a
diretora deste setor da institui o. Entendendo os prop sitos e necessidades da pesquisa, a
diretora concluiu que a nica forma para estar ali junto dos seus funcion rios era assinando um
termo de compromisso de est gio.
1.3 - Contrato formal como Rito de Passagem
Diferente dos casos tradicionais dos rituais de passagem (Zaluar 1985:12; Magnani 1984:135)
durante a pesquisa antropol gica, em que a intera o e a negocia o entre
pesquisador-pesquisado aconteceram por quest es de afinidade, no meu caso tiveram que ser
formalizadas a partir de uma inst ncia contratual. Isto para me inserir numa cadeia de
relacionamentos informais, pois a minha identidade n o passava apenas a ser o estudante da
Universidade conhecido e indicado de tal professora, mas o estagi rio do Centro de
Treinamento e Pesquisa indicado da professora da Universidade, ora como pesquisador, ora
como estagi rio, sen o como ambos. Os estudos antropol gicos em grande parte enfatizam o
envolvimento que a pesquisa de campo gera entre o pesquisador e o universo nativo, e que isto
n o s faz parte como muitas vezes fundamental para a pesquisa acontecer, em alguns casos o
pr prio antrop logo passa a ser um nativo ap s a pesquisa que realiza, como os casos de
convers o em alguns estudos sobre religi o. No caso da pesquisa em quest o, ela s foi
permitida e possibilitada pelo fato de me tornar um nativo , ou seja, para pesquisar foi preciso
fazer parte da organiza o estatal.
Esta rela o estabelecida e acordada pela dire o ruiu quando a diretora que havia
realizado o acordo se afastou para realizar um curso de p s-gradua o. A pessoa que assumiu
no seu lugar gostaria que eu realizasse as tarefas ordin rias de um estagi rio, n o entendendo
que a minha presen a ali se fazia n o pelo est gio, mas pela pesquisa. A diretora que estava
licenciada disse que poderia intervir no processo, mesmo dist ncia, mas preferi n o desgastar
uma rede de relacionamentos existente e decidi romper o contrato, assinando um termo de
desligamento. Apesar disso continuei a freq entar por mais alguns dias o Ipardes e percebi que
deveria continuar em outros contextos. Foi quando novamente retomei o procedimento de
seguir as indica es pessoais dos servidores com quem havia tido contato, mas dando
prefer ncia aos que atuavam em outros rg os.
Conforme citei anteriormente busquei ter acesso ao Arquivo P blico do Estado, mas fui
impossibilitado por normas ditas internas. Tentei marcar uma reuni o com a respons vel para
conversar e explicar o projeto de pesquisa, mas as reuni es eram adiadas ou desmarcadas.
Outros diretores de secretarias diziam apenas que o tempo dispon vel para entrevista era de dez
minutos. A rede de rela es pessoais mostrou-se como a maneira mais eficiente de se ter acesso
a pessoas e informa es no mbito estatal, pois o que pesava era a minha apresenta o a partir
de determinadas indica es, o que foi comprovado quando fui conversar com um vereador
atrav s da indica o de um amigo e que me indicou ao chefe de gabinete do Secret rio
Estadual da Administra o e Previd ncia. Este em si j um dado que demonstra a import ncia
da articula o de contatos pessoais para se atingir determinadas pessoas e obter determinados
documentos.
Embora para alguns funcion rios a pesquisa n o tivesse nenhum interesse, outros
faziam quest o de participar das entrevistas, de perguntar o que era a pesquisa, de puxar
conversa, de contar hist rias que haviam presenciado; mesmo assim, as indica es pessoais n o
aliviavam a sua temeridade em rela o divulga o dos seus nomes ou de algo que pudesse
acarretar preju zos a sua carreira. Neste sentido, procuro atender necessidade tica de
resguardar suas identidades, sabendo que apenas o anonimato n o impede o seu
reconhecimento por outros meios, como o conhecimento da sua posi o em determinado
per odo. O cuidado neste sentido teve que ser redobrado, para n o perder informa es
relevantes para a constitui o desta pesquisa e n o expor as pessoas contatadas.
A disposi o para participar ou n o da pesquisa um dado que remeteu minha
posi o no campo, ora podendo ser visto com um aliado, momento em que acaba ouvindo e
escutando desabafos, den ncias, cr ticas, elogios; ora podendo ser visto como um investigador
em busca destas den ncias, momento ent o de pouca abertura por parte dos entrevistados. A
indica o pessoal durante a pesquisa no interior da organiza o estatal uma importante
ferramenta metodol gica, pois um crit rio que aufere confian a ao pesquisador durante a
pesquisa de campo.
As pr ticas sociais, como bem lembrou F. Weber, n o possuem o mesmo grau de visibilidade,
reconhecimento social e legitimidade. Neste sentido, elas n o s o igualmente apreendidas pelos
diferentes m todos de pesquisa (por exemplo, estat stica, entrevista por question rio ou
pesquisa de campo). O trabalho etnogr fico, [...] mostra-se particularmente til para o estudo de
fen menos menos oficiais (Bezerra 1999:26-27).
A pesquisa mostra como a etnografia pode trazer contribui es importantes acerca do
entendimento do Estado, pois at aquilo que parece ser um n o-dado acaba sendo um
importante aspecto do universo social pesquisado.
1.4 - A tica do pesquisador
A discuss o sobre a tica do pesquisador aparece de forma pujante na constru o dessa
etnografia, pois neste momento que se decide a incorpora o de determinados dados ou n o,
que podem envolver diretamente determinadas pessoas. Por isso, nos estudos dos setores do
Estado aparece um paradoxo evidente: sua relev ncia como documentos etnogr ficos
inversamente proporcional possibilidade de incorpor -los a an lise, sobretudo porque
envolvem acusa es a indiv duos que permanecem vivos e ativos na vida p blica (Bevilaqua
2001:7).
A preocupa o da tica na pesquisa coadunada com as experi ncias do campo deve ser
levantada, pois os entrevistados afirmaram que n o gostariam de ter seus nomes publicados
neste trabalho. No entanto, quando perguntados se poderiam contribuir indicando pessoas para
a pesquisa, citavam nomes e acrescentavam a necessidade de falar que haviam sido eles os
indicadores. O medo de aparecer externamente na pesquisa escrita n o existe nas rela es
internas, pois estas a es s o constituintes, legitimadas e importantes no trabalho dos
funcion rios. Alterarei os nomes dos informantes na busca de preservar a sua identidade,
mesmo sabendo das dificuldades que este artif cio imp e.
2
CONCURSOS P BLICOS E CURSOS PREPARAT RIOS: UMA FORMA
PARTICULAR DE REPRESENTA O DO SERVI O P BLICO.
Para entender melhor as trajet rias e movimenta es dos servidores, enquanto atuantes na
administra o p blica, busquei compreender melhor a sua forma de entrada e sa da, devido
indica o dada pela falta de concursos coadunados ao n mero de servidores aposentados.
Busquei tamb m compreender as expectativas e representa es dos postulantes aos cargos no
servi o p blico fazendo uma etnografia nos cursos preparat rios para concursos p blicos para
poder comparar com as representa es dos pr prios servidores.Neste sentido no intuito de compreender os concursos p blicos e a aposentadoria faz-se
necess rio conhecer minimamente quais os pressupostos legislativos que ordenam taismomentos na vida funcional do servidor p blico 3 , embora este seja apenas um aspecto daan lise.
2.1 - Aspectos legislativos
Para atuar no servi o p blico existem duas possibilidades: em car ter efetivo ou servidor de
carreira, ou na condi o de interino em cargos de confian a. A nomea o para cargo de
carreira depende de pr via habilita o em concurso p blico de provas e/ou t tulos, obedecidos a
ordem de classifica o e o prazo de sua validade.
A Constitui o Federal estabelece, em rela o aos Servidores P blicos, que os cargos
p blicos efetivos est o acess veis a todos os brasileiros, desde que respeitados os seguintes
requisitos: a nacionalidade brasileira; o gozo dos direitos pol ticos; a quita o com as
obriga es militares e eleitorais; o n vel de escolaridade exigido para o exerc cio do cargo; a
idade m nima de dezoito anos; aptid o f sica e mental.
A partir dos princ pios estabelecidos pela Constitui o Federal, a Constitui o do
Estado do Paran tem um cap tulo dedicado aos servidores p blicos civis, al m da exist ncia da
Lei n 6174/70 que estabelece o Estatuto dos Funcion rios Civis.
Em rela o ao ingresso, no servi o p blico, o Estatuto estabelece:
Art. 27 - A realiza o de concurso para provimento de cargos do Quadro nico caber ao
rg o central do Pessoal do Estado.
Art. 28 - Os concursos s o de provas ou de provas e t tulos.
Art. 30 - Das instru es para o concurso constar o: o limite de idade dos candidatos, o n mero
3 Pessoa legalmente investida em cargo p blico, corresponde a uma categoria estatut ria. O cargo diz respeito aatribui es e responsabilidades dadas pela estrutura organizacional.
de vagas a serem providas, distribu das por especializa o; o prazo de validade do concurso, de
dois anos, prorrog vel a ju zo do Chefe do Poder Executivo .
Em rela o aposentadoria o Estatuto define que:
Art. 138 - O funcion rio ser aposentado:
I - por invalidez;
II - a pedido, depois de trinta e cinco anos de servi o, no caso das mulheres trinta anos;
III - compulsoriamente, aos setenta anos de idade .
A legisla o estadual especifica ainda o que diz respeito administra o e remunera o dos
servidores. Essas leis descrevem, disciplinam e controlam os recursos or ament rios
apresentando as condi es para a sua aplica o em rela o s despesas com pessoal. por este
motivo que os proventos de aposentadorias e as pens es n o podem exceder a remunera o do
respectivo servidor, enquanto esteve investido de cargo efetivo ou aquele que serviu de
refer ncias para as devidas concess es. tamb m pela mesma raz o, que a modifica o e
revis o dos sal rios ou quaisquer outros benef cios dos servidores se estender o aos
aposentados e pensionistas. Estas leis asseguram os direitos dos servidores p blicos de carreira
como contribuintes do regime geral de previd ncia social. O or amento do Poder Executivo estadual, regido pelo plano plurianual4 , pelas
diretrizes or ament rias anuais e pelos or amentos anuais, possui condicionantes que exigemum planejamento pr vio para a especifica o das despesas. Desta forma nenhum investimentoque ultrapasse um exerc cio financeiro poder ser iniciado sem pr via inclus o no planoplurianual, ou sem lei que autorize sua inclus o, sob pena de crime de responsabilidade .5 Acompatibilidade do plano plurianual e das diretrizes or ament rias um pressuposto b sicopara a sua aprova o, mediante a aprecia o na Assembl ia Legislativa. Havendo distor es vedado o in cio de programas n o inclu dos no plano, e a realiza o de despesas excedentes aoscr ditos or ament rios equivalentes s despesas com os servidores ativos e inativos. Aconcess o de aumentos ou vantagens fica restrita a pr via dota o or ament ria ou autoriza oespec fica na lei de diretrizes or ament rias.
As leis or ament rias estaduais conjugadas com a Lei de Responsabilidade Fiscal 6
impedem maiores altera es nas diretrizes relativas s pol ticas de pessoal do Estado e que t macarretado a n o realiza o de concursos.
4 O plano plurianual que estabelece as metas e objetivos da administra o p blica estadual, abrangendo osprogramas de manuten o e expans o do governo.5 Cap tulo III - Dos Or amentos - Art.133
6 Lei Complementar N101, de 4/5/2000, segundo seu Art. 1, estabelece normas de finan as p blicas voltadas para
a responsabilidade na gest o fiscal . A responsabilidade na gest o fiscal pressup e a a o planejada e
transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equil brio das contas p blicas,mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obedi ncia a limites e condi es noque tange a ren ncia de receita, gera o de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, d vidasconsolidada e mobili ria, opera es de cr dito, inclusive por antecipa o de receita, concess o de garantia einscri o em Restos a Pagar .
00000Cargos efetivos criados
2518273325Aposentadorias
maioabrilmar ofevereirojaneiroQPPE/2004
2.2 - Administra o P blica dos Servidores
Este plano mais geral das leis repercute diretamente no funcionamento da administra o
p blica paranaense, e contribui para a exist ncia de uma forma de movimenta o e circula o
espec fica dos servidores p blicos. O que pudemos notar nas altera es do Quadro Pr prio do
Poder Executivo (QPPE), especificamente os profissionais com ensino superior completo,
que apesar dos servidores estarem se aposentando, n o est havendo uma reposi o, atrav s da
organiza o de concursos ou cargos de comiss o.
ndice de entrada e sa da de servidores p blicos de carreira
QPPE Entrada por concurso p blico Sa da por aposentadoria
0 128
Fonte: Relat rio mensal de resultados/jan. a maio de 2004 - Secretaria de Estado da Administra o e da Previd ncia /Departamento de Recursos Humanos.
A n o realiza o de concursos faz com que esta atribui o das normas de entrada,
administrada pela Secretaria do Estado da Administra o e da Previd ncia (SEAP), mais
especificamente pelo Departamento de Recursos Humanos (DRH), seja apenas formalmente
descrita.
Em rela o aos concursos p blicos, o DRH, conjuntamente com o rg o que possui um
cargo livre e necessita de novos servidores, estabelece os requisitos do futuro funcion rio,
organizando os crit rios que estar o presentes no edital, como a defini o do limite de idade,
quantas vagas ser o abertas e o prazo de validade do concurso. A formula o final do edital e a
organiza o das provas seguem as demandas apontadas pelo DRH, mas ficam sob a
responsabilidade de terceiros. Neste caso s o contratadas empresas espec ficas para
sistematiza o desta etapa.
Por ter a responsabilidade de administrar o fluxo dos servidores p blicos, poder amos
pensar que o DRH seria o que definiria a necessidade do preenchimento de alguns cargos e da
realiza o de novos concursos, no entanto, a sua fun o acaba sendo apenas de re-alocador de
servidores. Isso por motivos descritos anteriormente, pois outras exig ncias se fazem prementes
realiza o do concurso, como a pr via dota o or ament ria e a autoriza o espec fica na lei
de diretrizes or ament rias, o que instaura a necessidade de autoriza o do Poder Legislativo.
Al m da restri o instaurada pela vig ncia da Lei de Responsabilidade Fiscal, que dificulta a
realiza o de concursos, pela necessidade do balan o com o n mero crescente de aposentados e
pensionistas, benefici rios do regime previdenci rio. Isso dificulta o planejamento da
substitui o dos aposentados pelo DRH, e ao inv s de se planejar uma pol tica para substitui o
dessas pessoas em idade de se aposentar, a fun o deste departamento acaba sendo a concess o
e certifica o da aposentadoria destes servidores. Para possibilitar um maior controle dos
cargos e servidores, o Departamento de Recursos Humanos possui seus N cleos nas diferentes
Secretarias de Estado, autarquias e empresas estatais, pois nesses locais que acontecem as
modifica es. Embora haja esta estrutura o, por n o haver novos servidores e por outros
estarem se aposentando, estes N cleos passam a ser os trocadores de cargos e servidores entre
si, constituindo uma maneira espec fica do funcionamento da administra o p blica estadual. A
conjuntura espec fica impulsiona as trocas, mas elas existiriam mesmo que houvesse um fluxo
mais regular de concursos.
2.3 - Cursos preparat rios
Apesar de praticamente n o haver concursos p blicos estaduais, h uma variedade de cursinhospreparat rios em Curitiba. Com o intuito de ter uma melhor compreens o das expectativas erepresenta es das pessoas postulantes a cargos no servi o p blico que acompanhei o cotidianode funcion rios, concursandos7 e professores de um curso preparat rio.Fazendo um levantamento mais geral percebi o n mero expressivo de cursos preparat rios e deconcursos p blicos no pa s. A divis o s cio-pol tica e geogr fica entre Estados do Brasil n ointerfere diretamente na organiza o dos cursos preparat rios, pois o interesse maior dosalunos, segundo pude constatar no cursinho, que o concurso conferir estabilidade eseguran a financeira futura, independentemente da sua localidade e especificidade. Issoconstitui nacionalmente um mercado particular da venda da possibilidade de entrada no servi op blico.
Em Curitiba, o mercado dos concursos movimenta diferentes tipos de cursos preparat rios, o
que pude constatar atrav s de contatos via telefone, an ncios de jornais e sites de Internet. Uns
7 Esta categoria nativa diz respeito aos alunos que est o se preparando no curso para se tornar um servidorp blico.
s o mais antigos e outros mais recentes, alguns em modelo familiar e outros com estrutura
empresarial.Para tentar compreender melhor este perfil mercantil dos cursos, escolhi um de modeloempresarial para realizar a pesquisa. A sua infra-estrutura tem capacidade para atender em 20salas diferentes cerca de 2000 alunos por turno na sede de Curitiba 8 . As salas do cursopossuem recursos multim dia que projetam slides e que podem projetar grava es de aulas eli es armazenadas em v deo. O curso possui uma livraria com bibliografia especializada doramo de concursos, uma gr fica para impress o de materiais did ticos e um jornal pr priochamado Jornal Concurso e Carreira que divulga os editais dos concursos, simula es deprovas e testes corrigidos, entrevistas com servidores p blicos, dicas para os concursandos.Este jornal come ou como publica o para os alunos do curso e hoje vendido nas bancassemanalmente, ao custo de R$2,00.
Apesar dos temas serem comuns (direito constitucional, administrativo, tribut rio,
processual civil, processual penal, direito do trabalho, direito ambiental, administra o p blica,
tica na administra o p blica, contabilidade geral, aduana, matem tica b sica, matem tica
financeira, estat stica, rela es econ micas internacionais, com rcio internacional, racioc nio
l gico matem tico, inform tica, inclusive preparo emocional para concursos) os cursos
divergem, pois est o relacionados a concursos espec ficos como Auditor Fiscal da Receita
Federal, T cnico da Receita Federal, T cnico do Tribunal Regional Eleitoral, Analista
Previdenci rio.
A pesquisa teve seu in cio logo que adentrei na sala de recep o do cursinho e a secret ria me
recebe como se eu fosse mais um aluno na busca de prestar um concurso p blico. As minhas
perguntas sobre o modo de funcionamento do curso, quantos alunos estavam matriculados, qual
era o perfil destes alunos, quem poderia me dar maiores detalhes e informa es sobre o
surgimento do curso, eram respondidas com grande nfase na qualidade do curso que foi
formado por servidores p blicos de carreira com larga experi ncia e viv ncia na administra o
p blica.
Foi quando entrou um rapaz e come ou a fazer perguntas bastante semelhantes s minhas, para
uma outra secret ria no balc o ao lado, e as respostas pareciam ser as mesmas, bastante
padronizadas. Com o tempo percebi que este discurso da valoriza o dos professores e
fundadores do curso serem servidores servia como o atrativo principal e o diferencial em
rela o aos outros cursos. Observando os materiais de divulga o de outros cursos
preparat rios, esses tamb m se utilizavam deste discurso para conferir legitimidade e
8
Este curso preparat rio possui sedes em diferentes cidades do pais (Curitiba, Londrina, Florian polis, Maring ,Campinas).
arregimentar novos alunos.
O contato com outras pessoas no decorrer da pesquisa, inclusive com a coordenadora do jornal
do curso, que tem uma grande experi ncia com concursos p blicos, seja com ex-alunos e atuais
servidores, seja com os professores, novamente enfatizou a quest o da experi ncia dos
docentes do curso. Apesar disso, outros aspectos me chamaram a aten o no discurso da
jornalista, como a necessidade de o candidato ao concurso estar se preparando
permanentemente, independentemente do edital ter sido divulgado, numa prepara o que leva
de tr s a quatro anos, variando de pessoa para pessoa.
Imerso naquele ambiente, perguntei da possibilidade de freq entar o curso, alguns dias da
semana durante um certo per odo, para poder entrar em contato com os professores, alunos e
funcion rios do curso. A recep o foi bastante amistosa e ent o passei a freq entar o curso
durante a semana.
O fato de conversar com professores, alunos e funcion rios chamava a aten o de algumas
pessoas ainda pouco acostumadas com a minha presen a no local. Ainda mais quando ficava na
sala, escrevendo textos diferentes dos n meros e exerc cios apresentados pelo professor durante
a aula, conforme fiquei sabendo depois por uma pessoa que se tornou uma das informantes da
pesquisa no local.
Apesar do grande n mero de alunos que freq enta o curso, comum que as pessoas n o se
conhe am entre si. As rela es se d o em grupos que s o formados seja por interesses no tipo
de concurso que ir o tentar, seja por amizade anterior, por proximidade na sala de aula ou por
outros motivos. Durante a pesquisa, a minha posi o come ava a se constituir quando
come ava a me relacionar com estes grupos. Um dia decidi entrar numa aula, com a permiss o
do professor, e sentei num canto da sala que j era espec fico de um grupo de pessoas. Foi
quando ao final da aula Roberta, uma concursanda que sentava ao meu lado, perguntou se eu
era aluno novo do curso. Tendo a resposta negativa, ela come ou a perguntar se ent o eu era
um novo professor ou funcion rio, ou se era jornalista, ou era amigo de algu m, ou tinha
namorada no curso. A sucess o de respostas negativas ocasionou um estranhamento inicial.
Este estranhamento inicial me facilitou o relacionamento com novas pessoas, pois possibilitou
a constru o da minha posi o no contexto pesquisado. Estes questionamentos, evidenciando
estranheza e curiosidade, acompanharam todo o desenrolar da pesquisa no curso, criando uma
certa representa o do trabalho do antrop logo.
Quando comecei a me envolver com as pessoas, a freq entar mais o curso e entrar nas salas,
percebi que existia uma diferencia o bastante grande entre os concursandos, de idade, de
g nero, de renda, de escolaridade, inclusive de experi ncia profissional. Esta diversidade das
pessoas estudando para ingressar no servi o p blico tamb m est relacionada aos diferentes
concursos voltados para diferentes carreiras.
Embora existam diferen as num certo plano, em outro e mais significativo residem
algumas pretens es futuras em comum, que constituem uma representa o particular acerca
dos servi o p blico, como a remunera o que, segundo o discurso nativo corrente, possibilita
certa estabilidade financeira, e a seguran a de n o perder o emprego, num contexto econ mico
com um n mero significativo de desempregados.
Em grande parte os anseios s o comuns, as raz es que levam diferentes pessoas a se
tornarem concursandas est o relacionadas a esta representa o constru da do servi o p blico.
o caso de uma senhora aposentada, ex-professora da rede p blica estadual, Dona Giovana,
formada em dois cursos superiores, que me falou que nica possibilidade de ela retornar a
trabalhar de forma digna e segura sendo aprovada no concurso p blico, j que as empresas
rejeitam pessoas da sua idade. Numa outra condi o, M rcio, um rapaz j atuante numa
empresa prestadora de servi os, disse que est estudando pois hoje voc est empregado e
amanh n o est mais, como servidor n o existe esse risco . Mesmo enfatizando que o seu
sal rio atual maior, ele diz preferir ganhar menos e ter um emprego est vel.
Estas motiva es ao ingresso na carreira do servi o p blico fazem com que anualmente,
neste curso que desenvolvi a pesquisa, cerca de 10000 pessoas se matriculem, segundo a
informa o que obtive do seu diretor, mesmo sem haver concursos p blicos estaduais.
A forma o de grupos entre as pessoas no curso n o elimina a forma individualizante com que
as pessoas interpretam o concurso. Segundo as palavras de um professor, a maior dificuldade
de um candidato a um concurso p blico ele mesmo, ele que estabelece a sua pr pria
limita o, at em algumas disciplinas, acreditando que n o tem o conhecimento suficiente para
super -las . Nas explica es dos motivos de se estudar neste curso, principalmente nos
materiais de divulga o, um dos itens presentes enfatiza o aspecto individual quando fala que
nossos coordenadores elaboram toda uma estrat gia de prepara o, digna dos comandantes
militares, que permitem a nossos alunos utilizar a melhor maneira poss vel os recursos
dispon veis .
A concorr ncia pelas vagas ofertadas nos editais serve como justificativa e exig ncia
para os candidatos que queiram ser aprovados se matricularem nos cursos preparat rios.
Segundo Roberto, um pretendente a uma vaga na Pol cia Federal, no seu segundo ano de
estudos e prepara o, o curso preparat rio faz com que ele n o se perca estudando conte dos
defasados e perdendo o seu tempo, distanciando-se do foco do concurso.O discurso da necessidade de estar preparado para o concurso faz com que em alguns casos apessoa fique se preparando sem antes ter conhecimento do concurso que ir prestar, haja vista aindiferen a perante o cargo que ir ocupar. Um exemplo disso de uma concurseira9 ,formada em Tecnologia de Processamento de Dados, que j tentou concursos de diferentescarreiras e em diferentes Estados brasileiros, como S o Paulo, Goi nia e at Rond nia e agoraest em Curitiba estudando para tentar o concurso da Receita Federal. Neste sentido, o papel docurso pode aparentar certa ambig idade, pois da mesma forma que busca racionalizar aprepara o dos alunos no sentido de um pragmatismo exacerbado, possibilita que ao estudarpara v rios concursos, muitas vezes [o concursando] gaste tempo e dinheiro sem muitoresultado , segundo o relato de um concursando rec m-formado em direito e pretendente a umavaga no Tribunal Regional do Trabalho.Esta contradi o aparente consiste na especificidade dos cursos preparat rios, que s olegitimados pela oferta e garantia de algo virtual, e que passar a existir no momento em quehouver o edital, o concursando for aprovado, e, finalmente, quando se tornar um servidorp blico efetivo. O que os cursos preparat rios fazem uma esp cie de venda potencial decargos e de sal rios da administra o p blica. Esta possibilidade de venda est ancorada na experi ncia dos seus pr prios professores comoexemplo de casos bem sucedidos no servi o p blico. Como diz um enunciado presente noJornal Concurso e Carreira do pr prio curso: o professor Tamez leva para a sala de aula aexperi ncia de quem passou em primeiro lugar na prova da Receita Federal, em 1996 .Este discurso de uma necessidade de prepara o permanente com os melhores profissionaisn o apenas uma propaganda mercadol gica de um determinado curso espec fico, mas amparado por uma literatura espec fica sobre os concursos. A nfase nesta necessidade t opresente que, quando estava em campo, algumas pessoas que sabiam da minha pesquisaperguntavam, se eu j havia lido o livro de William Douglas10 sobre concursos. Descobri ent oque o seu livro Como passar em Provas e Concursos era tido como o best-seller destatem tica e fazia parte do receitu rio para ser bem sucedido na prepara o para o concurso. N otive acesso direto ao livro, mas pude ler as colunas semanais do autor no jornal do curso epercebi que os conte dos trabalhados eram como manuais de auto-ajuda para concurseiros econcursandos, com dicas para se passar em concursos p blicos e frases de efeito comoconcurso n o se faz para passar, mas at passar e em um concurso p blico, a dor
tempor ria, mas o cargo para sempre (grifo meu).
Esta rela o da atua o dos cursos preparat rios com uma literatura especializada no assunto e
a experi ncia dos professores como profissionais do servi o p blico acaba criando um est gio
9 Categoria nativa que designa a pessoa que tenta todos os tipos de concurso p blico e em qualquer localidade dopa s.
10 Juiz Federal, Professor universit rio, Mestre em Direito e Especialista em Pol ticas P blicas, foi 1 lugar nos
concursos para Juiz de Direito, Defensor P blico e Delegado de Pol cia. Autor de livros como Como passar emprovas e concursos , Direito Constitucional - Teoria , 1000 quest es , conforme as descri es obtidas nos seusartigos de jornais.
pr vio ao concurso propriamente dito que o curso preparat rio, movimentando um setor
espec fico da economia.
A cria o da I Feira do Concurso, realizada nos dias 8 e 9 de julho de 2004, no Rio de Janeiro,
reunindo diferentes cursos preparat rios mais uma caracteriza o deste setor da economia.
Esta feira foi constitu da com o intuito de disseminar aos concursandos a id ia de que a melhor
forma de se obter uma aprova o atrav s de uma boa prepara o, amparada por bons
professores e materiais did ticos de qualidade.
Este evento esteve fundamentado, segundo o pr prio diretor, na estat stica de que
menos de 10% dos que se inscrevem em concursos p blicos fazem cursos preparat rios, o que
demonstra que o setor pode crescer incorporando os restantes 90%, e tamb m pelo motivo do
n mero de servidores p blicos ainda ser muito pequeno em rela o ao restante da popula o
brasileira . Junto dessa feira, segundo o relato do mesmo diretor, foi criada a Associa o de
Concurso P blico, que ter uma administra o fixa e receber a contribui o das empresas e
alunos filiados, com o objetivo de represent -los junto ao Congresso Nacional e a outras
inst ncias do Executivo e do Judici rio.
A articula o deste setor, para o diretor, que hoje temos pessoas desempregadas, ou
empregados que ganham pouco, ou funcion rios que quando ganham bem s o escravos do
trabalho ou ainda aquele empregado que ganha bem, at est satisfeito, mas n o tem
estabilidade. Todos aqui est o tendo oportunidade de conhecer o que estabilidade, atrav s do
concurso p blico, com sal rios acima da m dia, sendo democr tico, n o dependendo de fila de
espera, de ag ncia de emprego, de quem indica ou entrevista s estudar e passar ( nfase
acrescentada).
A fala do diretor explicita sinteticamente a forma de representa o do servi o p blico nos
cursos preparat rios. Caber mostrar e qualificar no pr ximo cap tulo como esta estabilidade se
resume ao plano do emprego est vel, mas n o fixo como aparentemente se pensa. Isto devido
circula o que ocorre dos servidores estabelecida pelas suas rela es pessoais. isto que a
etnografia mostra e o que ser apresentado no pr ximo cap tulo atrav s das diferentes formas
de movimenta o, tomando como base a trajet ria particular de uma servidora.
3
TRAJET RIAS E CIRCULA O DOS SERVIDORES P BLICOS
3.1 - Trajet ria do pesquisador
Desde o in cio da pesquisa de campo o fen meno da mudan a dos funcion rios entre diferentes
rg os estatais mostrou-se patente e corriqueiro. Nos primeiros passos da pesquisa, iniciada a
partir de conversas com pessoas que j haviam circulado por entre alguns rg os estatais,
algumas frases chamavam-me a aten o, como as pessoas nunca s o nada no Estado, elas
sempre est o ou ningu m nada, est como . No entanto, busquei n o me deter apenas numa
an lise do discurso, conforme as observa es de Malinowski sobre as cren as dos trobriandeses
nos baloma:
[a] maneira como se formula, em geral, a informa o etnogr fica relativa s cren as , de certo
modo, assim: Os nativos acreditam na exist ncia de sete almas'; ou ainda: nesta tribo o esp rito
maligno mata as pessoas na floresta', etc. No entanto, tais informa es s o, sem d vida, falsas,
ou no melhor dos casos, incompletas, uma vez que nunca se d o caso de que os nativos ' -
assim, no plural - tenham alguma cren a ou id ia: cada um deles tem suas pr prias id ias. Al m
do mais, as id ias e cren as n o existem apenas nas opini es conscientes e formuladas dos
membros da comunidade; est o incorporadas em institui es sociais e estampadas nas condutas
dos abor gines e dever o ser extra das, por assim dizer, de ambas as fontes (Malinowski apud
Magnani 1996:130).
Ent o, como precau o metodol gica n o me restringi coleta dos dados meramente
discursivos, mas tamb m s dimens es sociais dos acontecimentos. Por isso acompanhei o
cotidiano dos funcion rios nos seus pr prios locais de trabalho.
Comecei a perguntar para meus informantes iniciais se conheciam pessoas que j
haviam trabalhado bastante tempo no Estado ou que estivessem atuando. Deste modo consegui
alguns nomes e cheguei at o Ipardes - Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econ mico e
Social, onde permaneci no per odo de agosto de 2003 a janeiro de 2004.
Acompanhar o dia-a-dia institucional imbu do de uma identidade que ora se dava como
estagi rio e ora como pesquisador permitia que eu tivesse acesso a outras secretarias, tais como
a Secretaria de Ci ncia, Tecnologia e Ensino Superior; Secretaria de Planejamento; Secretaria
da Administra o e Previd ncia e Secretaria da Cultura. Este acesso acontecia, porque algumas
vezes as tarefas de ir at a outra secretaria levar determinados documentos ou busc -los
acabavam sendo papel do estagi rio. Nestas oportunidades, eu aproveitava para conversar com
pessoas que acabavam sendo dos mais diversos postos, desde o estagi rio, a secret ria, a
cozinheira, o diretor, o t cnico.
Estando inserido no contexto do servi o p blico, n o demorou muito para o discurso da
mudan a novamente aparecer, s que agora em outra circunst ncia que n o apenas das
entrevistas. Tomarei este exemplo, como um caso dentre outras situa es presenciadas, para
mostrar como isto est presente no cotidiano do servi o p blico. Durante uma reuni o da
diretoria do Ipardes em que se estava decidindo sobre a necessidade de concursos p blicos e
como fariam para estabelecer os perfis dos seus futuros funcion rio, o diretor administrativo
falou que apenas estava no cargo e que n o saberia dizer at quando permaneceria por ali,
portanto, gostaria de ao menos deixar estruturado um bom quadro de funcion rios t cnicos na
institui o.
3.2 - Formas de circula o e movimenta o
Embora pare am situa es semelhantes e num certo n vel estejam entrela adas, h umadiferen a fundamental entre os casos citados em rela o s formas de circula o dosfuncion rios p blicos. No primeiro caso, os servidores em quest o s o funcion rios p blicos decarreira ou de cargos de provimento efetivo. A sua atua o no Executivo estadual d -se atrav sda sua aprova o em concurso p blico, que est diretamente relacionada a uma determinadadisposi o funcional com lota o em um rg o espec fico. Neste primeiro caso, muitosfuncion rios de diferentes secretarias fazem parte da mesma classe , ou seja, est o no mesmoplano da hierarquia estatal com atribui es e responsabilidades semelhantes. Esta distribui oem classes, a s rie de classes , constitui a hierarquia estatal. Al m desta divis o de classes, aorganiza o funcional est distribu da em grupos ocupacionais 11 , formados a partir de cargose atividades afins, seja em secretarias, autarquias e/ou departamentos. Estas categorias s odesigna es pr prias da burocracia, mas que s o utilizadas pelos pr prios funcion rios no seu
11
Esta uma categoria espec fica da burocracia que define a particularidade de um determinado tipo de cargo esua forma de atua o, por exemplo, o Grupo Ocupacional dos M dicos composto por todos os m dicos, queatuam em determinada secretaria ou/e departamento.
Classe IClasse IClasse IClasse I
Classe IIClasse IIClasse IIClasse II
Classe IIIClasse IIIClasse IIIClasse III
Secretaria...Secretaria de
Comunica o
Secretaria da
Educa o
Secretaria do
Transporte
dia-a-dia, principalmente aqueles envolvidos com os setores de recursos humanos.
Nesta configura o dos cargos de provimento efetivo existem dois tipos de
movimenta o. O primeiro tipo de movimenta o bastante particular, modelado a partir do
plano de carreira do Estado, numa movimenta o vertical de ascens o de classe. Uma outra
movimenta o ocorre no sentido horizontal, atrav s da transfer ncia, permuta ou re-aloca o
em outro departamento ou secretaria.
Movimenta o
vertical
MMovimenta o horizontal
Estas duas movimenta es n o s o excludentes, operam de forma complementar num
envolvimento entre uma rede de rela es pessoais e exig ncias de car ter t cnico. Um caso
presenciado, que pode servir de exemplo para esta intera o, foi quando estava como estagi rio
no Centro de Treinamento e Desenvolvimento do Ipardes e um funcion rio requisitou seu
certificado de um curso de inform tica realizado em 1994. O detalhe que este senhor n o
estava registrado em nenhum curso daquele ano, nem de 1993 e nem de 1995. No entanto, pela
necessidade de ter o diploma para garantir pontos e poder ascender na hierarquia estatal,
acionou uma pessoa do Ipardes, conhecida sua por terem trabalhado juntos na mesma
secretaria, e que garantiu a emiss o do documento. A emiss o do certificado baseou-se no
crit rio pessoal e esteve condicionada ao fato de ambos terem trabalhado juntos, ou seja, a
movimenta o horizontal sendo a base para a movimenta o vertical.
Este n o foi o nico caso de procura de certificados atrasados por parte dos servidores.
V rios outros requisitaram certificados e diplomas do Ipardes com o intuito de incrementar a
sua ficha funcional, tendo em vista que a participa o em determinados cursos e eventos conta
pontos para a promo o do funcion rio a uma outra classe. No entanto, quando faziam a
requisi o dos certificados, muitas vezes, nem estavam registrados no curso. Segundo as
normas formais de funcionamento administrativo, o Ipardes ficava com a responsabilidade de
negar a emiss o do certificado, tendo em vista a n o inclus o do nome do requerente na lista de
participantes do curso ou evento. O problema que muitas vezes o nome do servidor estava
cadastrado no curso, mas na lista de presen a seu nome n o constava, ou tinha um n mero de
presen as abaixo da m dia permitida para ter direito ao certificado. Em outros momentos os
requerentes pediam certificado de cursos inexistentes, ou seja, que n o constavam no registro
de cursos do Ipardes, e em outros casos, os certificados enviados para os locais onde as pessoas
participantes registravam estarem atuando, voltavam, pois n o estavam mais naquele rg o,
segundo as pr prias cartas dos setores de recursos humanos destas secretarias.
A confus o destas listagens de presen a e da inscri o dos participantes, conforme pude
acompanhar em alguns cursos e no pr prio departamento respons vel pela emiss o dos
certificados, acaba tendo crit rios imprecisos para defini o de quem ser atendido. Muitas
vezes o que levado em conta como crit rio ltimo de defini o da emiss o do certificado o
estreitamento ou n o da rela o entre o emissor e o requerente.
Os certificados neste sentido s o liberados de acordo com a afinidade das pessoas
envolvidas. Esta pr tica tida como leg tima pelos servidores p blicos, n o sendo vista como
fraudulenta, pois n o h o envolvimento de dinheiro no processo. Diferente das den ncias
apresentadas pelo jornal Folha de Londrina, acerca da falsifica o e venda de certificados de
uma servidora da 17a.Regional da Sa de, no valor de R$100 a R$200, de acordo com o tipo de
documento requisitado. Neste caso, segundo o jornal, os documentos falsos tamb m seriam
utilizados para que funcion rios obtivessem melhores pontua es no plano de reclassifica o
de cargos. De acordo com Gilberto Martin, chefe da Regional, os funcion rios com n vel
m dio de escolaridade interessados na reclassifica o tinham que apresentar documenta es at
hoje. A re-aloca o de cargo poderia ser pleiteada atrav s de tempo de servi o ou por titula o.
Neste segundo caso, os interessados deveriam apresentar diplomas e certificados de cursos dos
quais participaram. A tinha in cio a fraude (Folha de Londrina 30/01/2004).
A segunda modalidade de circula o, diz respeito aos cargos de comiss o ou de
confian a que s o providos para atender posi es de chefia, diretoria e assessoramento. Para
estas fun es podem ser recrutados os pr prios funcion rios de carreira como outras pessoas
n o ligadas ao servi o p blico. Os cargos de confian a s o fundamentais para se compreender
essa din mica de circula o, pois uma de suas especificidades a possibilidade de oferta tanto
para um servidor p blico como para outra pessoa. Desta forma, ao menos potencialmente,
todos os cidad os brasileiros est o aptos a atuar no Estado e como Estado, pois caso n o sejam
aprovados em concurso p blico podem ser requisitados em cargos comissionados.
O reduzido n mero de cargos comissionados acaba influenciando tamb m a
movimenta o dos funcion rios p blicos de carreira, pois embora os cargos de confian a
pare am ser relacionados apenas a v nculos pessoais e/ou pol ticos, em alguns casos eles est o
diretamente vinculados a atividades t cnicas. Algumas pessoas que se encontram em posi es
chaves n o podem ser afastadas por possu rem o conhecimento t cnico e exclusivo para fazer
as atividades funcionarem, como o caso de muitos assessores de Recursos Humanos nas
diversas secretarias.
O envolvimento entre as duas formas de movimenta o, dos cargos comissionados e
dos cargos efetivos ou de carreira, tamb m est relacionado constitui o de la os de
solidariedade e v nculos pessoais que se criam quando se est em determinado rg o. Como o
caso da jornalista que demonstrava desconhecer os motivos que ocasionaram a sua
transfer ncia, mas que afirmava a possibilidade de uma indica o, por ser uma pessoa de bons
relacionamentos. Sempre fui uma pessoa de bons relacionamentos, mas n o sei muito bem
como fui parar [l ] . E como em outro caso, em que a pedido de um diretor a outro de
diferentes secretarias, houve a libera o e transfer ncia de um funcion rio p blico de carreira
de um local, assumir uma posi o de chefia no outro temporariamente. Isso porque o
funcion rio tinha um bom relacionamento pessoal com o seu diretor e este por sua vez conhecia
o diretor requerente de outras ocasi es em que trabalharam juntos. Segundo o discurso do
funcion rio:
Fui mandado para l para resolver um problema interno neste departamento, ou melhor, era
para tirar uma mulher da diretoria e colocar as coisas nos devidos lugares, mas com a
promessa de retorno ap s a resolu o do problema .
Estes dois casos servem para mostrar como a disposi o dos cargos diz respeito tamb m a uma
vincula o pessoal entre os pr prios servidores, e como este relacionamento se d de diferentes
formas. Podendo ser um pedido para estabelecer novamente a qualidade do servi o de
determinado departamento, desestruturado pelos relacionamentos estremecidos entre os seus
servidores ou podendo ser um convite para trabalhar com determinados servidores com os
quais se pode estabelecer la os de solidariedade e amizade. Embora a diferen a se fa a entre
um pedido na busca de uma correspond ncia pela efici ncia de determinado servi o, e um
convite baseado em afinidades pessoais entre os servidores, ambos os casos envolvem aspectos
de car ter t cnico e o v nculo pessoal. O que demonstra como estes dois aspectos aparecem
estreitamente relacionados e como isso possibilita diferentes formas de movimenta o dos
servidores.
Outro aspecto a ser ressaltado como estes v nculos pessoais n o se restringem aos
estabelecidos entre servidores p blicos de carreira entre si, mas tamb m entre diretores e
servidores, entre os diretores de diferentes localidades, entre secret rios e diretores, de forma a
perpassar pela hierarquia formal da administra o p blica.
A constitui o desses v nculos condicionada pelo aspecto da temporalidade. a perman ncia
das pessoas no mesmo local de trabalho que possibilita a cria o de la os de solidariedade e
serve de base para forma o de redes de rela es pessoais interlocais. A perman ncia a
condi o para a circula o, portanto, os la os que se estabelecem s o interessados e
impositivos e ao mesmo tempo livres e dispersos, pois potencialmente podem formar diferentes
redes de rela es.
O interesse n o pode ser entendido simplesmente como indiv duos que calculam os seus
ganhos e seus benef cios, os interesses est o correlacionados. N o h uma motiva o dos
funcion rios para mudar freq entemente, o interesse propriamente dito, isto depende tamb m
de outros fatores como a possibilidade de dar continuidade nos projetos e trabalhos, trabalhar
com determinadas pessoas, pois apesar de estabelecer v rios contatos e conhecer novas
pessoas, os relacionamentos pessoais podem se tornar superficiais e distantes. A circula o do
servidor pode conferir e retirar prest gio de acordo com o modo como ocorre, conforme ser
demonstrado posteriormente na rela o entre divis o setorial e rela es pessoais.
Uma outra rede de rela es que opera no servi o p blico a dos la os pol ticos, que
pode se opor, mas n o excluir, a rede de rela es pessoais como tamb m atuar conjuntamente.
o que irei tratar neste pr ximo t pico.
3.3 - A mudan a de gest o como troca de veneno
O discurso presente comumente em rela o troca de funcion rios se faz principalmente no
n vel dos cargos comissionados durante a mudan a de governo. Segundo um funcion rio da
Secretaria de Planejamento, as pessoas que assumem est o diretamente ligadas ao grupo
pol tico vencedor das elei es . Uma outra funcion ria tamb m argumentou no mesmo sentido,
Conheci os jornalistas que trabalharam na campanha do lvaro Dias e percebi a entrada
maci a deles no governo, tornando aqueles que estavam na ativa meras pe as descart veis .
Segundo alguns funcion rios, a sua n o vincula o pol tico-partid ria com o grupo pol tico
vencedor acaba sendo prejudicial para sua carreira e at para sua sa de, pois no momento em
que as novas equipes est o sendo formadas pode acontecer persegui o pol tica e at amea as
pessoais. Portanto, os casos denunciados como sendo de nepotismo, patrimonialismo,
clientelismo parecem mostrar-se na maioria das vezes neste n vel de trocas, e s o esses que
v m a p blico sob a forma de den ncia, devido o seu grau de tens o e disputa, como o caso
divulgado pela Folha de S o Paulo:
Mulher, cunhada, tr s irm os, dois sobrinhos e dois primos. S o pelo menos nove os parentes
do governador do Paran , Roberto Requi o, nomeados para a administra o direta ou no
comando de rg os p blicos importantes. Mas a pr tica da gest o familiar n o parou por a . O
exemplo do pol tico do PMDB foi seguido por alguns membros da c pula do seu governo.
Ca to Quintana, chefe da Casa Civil e um dos principais auxiliares de Requi o, deu emprego a
tr s irm os e a dois cunhados. O vice-governador, Orlando Pessuti, colocou a mulher na chefia
do seu gabinete. O secret rio de Comunica o, Airton Pissetti, tem filha e duas sobrinhas
contratadas na administra o. A partir de consulta ao "Di rio Oficial", a Folha confirmou a
presen a de pelo menos 26 parentes de autoridades do governo de Roberto Requi o. Os sal rios
oscilam de R$ 1.200 a R$ 5.900 (Folha de S o Paulo 09/11/2003).
O governador do Paran , Roberto Requi o (PMDB), rebateu ontem, em discurso para
secret rios, dirigentes de empresas estatais e assessores, reportagem publicada anteontem na
Folha na qual foram relatados casos de nepotismo em seu governo. No discurso, Requi o
definiu a reportagem como "extremamente med ocre". Ele disse acreditar que a den ncia partiu
de pessoas ligadas a seu antecessor, o ex-governador Jaime Lerner (ex-PFL, hoje no
PSB).Requi o fez uma s rie de ataques diretos ao governo Lerner (1995-2002). Ele disse que o
ex-governador gastava R$ 600 mil por ano com refei es no Pal cio Igua u -o que significa um
gasto de R$ 1.600 ao dia, se distribu dos pelos 365 dias do ano. Tamb m disse que Lerner
gastou R$ 4,4 milh es com loca o de avi es em cinco anos (Folha de S o Paulo 11/11/2003).
Esta esp cie de troca que se funda nas rela es entre diferentes grupos pol ticos seria
semelhante quela que Mauss designaria de car ter agon stico, em que o conflito e a rivalidade
acabam sendo fatores constitutivos desta rela o, como as acusa es entre Roberto Requi o e
Jaime Lerner. A troca, por m, nem sempre realizada a partir de presentes, ela tamb m pode
se constituir a partir da troca de venenos. (Mauss 2001:365). Portanto, no fen meno da troca
h uma certa ambig idade, podendo ser uma forma de solidariedade ou de rivalidade (seja de
car ter agon stico ou competitivo), e que ambas encontram-se indissoci veis.
A apar ncia ent o acaba destacando a escolha pol tica como sendo o fator
preponderante e exclusivista em rela o distribui o dos cargos, o que acaba sendo
contraposto pelas altera es que ocorrem durante uma mesma gest o. A movimenta o n o se
d apenas na mudan a de gest o, mas durante um mesmo per odo de governo e por
mecanismos diferenciados que n o exclusivamente pol ticos.
3.4 - A movimenta o durante a mesma gest o
A preocupa o da pesquisa n o se deter em dados meramente subjetivos, parte da cr tica que
Magnani faz de se levar em conta apenas o discurso dos agentes em que s o as condi es
sociais de inser o [desses agentes] o que determina suas representa es e a forma de sua
manifesta o, o discurso, colhido em entrevistas abertas, entrevistas dirigidas, hist rias de
vida (Magnani 1996:128). Levando isto em conta no decorrer da pesquisa, pude notar algumas
quest es que n o se detinham apenas ao discurso dos entrevistados. V rios afirmavam que as
mudan as nos cargos ocorriam na troca de governo, o que contradizia quando falavam das suas
pr prias atua es em diferentes locais durante um mesmo per odo de governo, implicando
numa altern ncia durante uma mesma gest o.
Dentre os casos analisados, tomarei um caso em particular, para poder demonstrar esta
movimenta o durante uma mesma gest o. O caso em quest o de uma das informantes da
pesquisa que, por motivos explicitados anteriormente, chamarei de Teresa, uma jornalista que
atua na Secretaria de Ci ncia, Tecnologia e Ensino Superior e que h mais de 21 anos
funcion ria p blica. A sua entrada no servi o p blico aconteceu em junho de 1983, pelo regime
CLT, o que naquele momento n o exigia do servidor p blico a aprova o em concurso p blico.
Por este motivo, quando foi aprovada a Lei Estadual 10.219, em 1992, a sua condi o de
funcion ria pelo regime CLT altera-se, passando a fazer parte do quadro de funcion rios
p blicos do Executivo. Esta mudan a ocorre como uma pol tica administrativa do Governador
Requi o, segundo o relato de um servidor do Departamento de Recursos Humanos da
Secretaria de Administra o e Previd ncia, para cumprir com a lei do servi o p blico estadual,
Lei Estadual 6.174, aprovada em 1970. A trajet ria da Teresa mostra que no regime CLT a sua circula o tamb m aconteceu
no per odo de um mesmo governo. No entanto, apesar de estar contratada por diferentes rg os,no Governo Jos Richa, a sua atividade se dava apenas no Pal cio Igua u, como chefe dereda o. A sua perman ncia em apenas um local difere do que est registrado no relat rio dasua situa o hist rica e funcional12 . Segundo consta no relat rio neste per odo Teresa atuou emdiferentes rg os. No entanto, ela disse que durante esta gest o s atuou no Pal cio Igua u, eque n o sabia explicar o motivo daquilo aparecer no seu relat rio. Aqui aparece um outro tipode movimenta o e circula o que n o exige a mudan a f sica do servidor de um local paraoutro, a circula o de nomes. Apesar do exemplo citado ter acontecido sob o regime CLT,cito um outro exemplo que aconteceu em agosto de 2004. O governador Roberto Requi oinstituiu a Secretaria de Comunica o Social com o intuito de ter um quadro espec fico dejornalistas e t cnicos em comunica o social, apenas para poder administrar melhor o quadrode funcion rios, segundo o discurso da jornalista. Esta mudan a exigiu a altera o da lota ode todos os jornalistas e t cnicos, o que n o significou a mudan a f sica do servidor, masapenas a circula o do seu nome. No caso espec fico da Teresa, ela ainda n o mudou a sualota o e continua na Secretaria de Estado do Ensino Superior, Ci ncia e Tecnologia (SETI),pois faltam alguns poucos meses para a sua aposentadoria.
A lota o em determinado rg o permite que o servidor se movimente e retorne aomesmo local em diferentes momentos. Isso possibilita a reafirma o das rela es pessoais queforam constitu das anteriormente. No caso da Teresa, isto aparece em diferentes per odos, emque sai e retorna para SETI. este reencontro que possibilita o estreitamento das rela espessoais entre os servidores, pois tido como uma forma de reconhecimento e gratid o, porparte do que retorna e pelo grupo local.
isso que faz com que em alguns casos a rela o pessoal seja mais decisiva que a mudan a de
governo e as diretrizes da administra o em rela o aos servidores. Como a fala da Teresa
explicando um momento espec fico da sua trajet ria:
Ap s estar como chefe de reda o do Pal cio Igua u, a convite de um amigo atuei no Ipardes e
logo em seguida na Secretaria de Planejamento, inst ncia superior que abarca o Ipardes .
12
Todo servidor p blico possui este relat rio que possui as informa es detalhadas da sua trajet ria funcional,enquanto atuante no servi o p blico, local de atua o, tempo que permaneceu nos locais em que atuou, tempo decontribui o, promo es, cargos que exerceu.
Secretaria deSecretaria deInstituto deFunda oGoverno Jos Richa
Locais de TrabalhoPer odos de Governo
A partir de 2001, permaneci na Secretaria da Cultura como chefe do setor de editora o,
parando ali por indica o de uma colega conhecida quando trabalhava no TECPAR, fazendo
ent o com que a secret ria reconhecesse meu trabalho .
Tomando como exemplo esta segunda cita o da Teresa, a movimenta o permite o
estabelecimento de novas rela es entre funcion rios. Assim, a din mica da circula o de
funcion rios tende a ser gerada em parte pela pr pria circula o numa esp cie de
retro-alimenta o provocada pelos relacionamentos que v o se formando.
A intensidade da movimenta o dos funcion rios tende a ser maior nas proximidades da
altern ncia de governos. Sob o ponto de vista nativo ao final da gest o n o h preocupa o dos
governantes com a configura o futura, sendo o melhor momento para transferir o local da
lota o para onde se quer ir, independentemente dos cargos comissionados. No in cio do novo
governo, quando h a nova composi o do Secretariado e dos novos ocupantes dos cargos
comissionados o momento em que se pode ter que ir para onde n o se quer ou ficar em
condi es adversas, conforme as falas do servidor que foi enviado para resolver um problema
em outro departamento (p g.6).
Trajet ria funcional da Teresa
Secretaria de
Estado do Ensino
Superior, Ci ncia
e Tecnologia
Governo Roberto
Requi o
(2003 - Atual)
Secretaria de
Estado da
Cultura
Secretaria
Especial para
Assuntos
Estrat gicos
Governo Jaime
Lerner
(1999-2002)
Secretaria
Especial para
Assuntos
Estrat gicos
Secretaria de
Estado do Ensino
Superior, Ci ncia
e Tecnologia
Governo Jaime
Lerner
(1995-1998)
Instituto de
Tecnologia do
Paran - TECPAR
Governo M rio
Pereira
(1994)
Instituto de
Tecnologia do
Paran - TECPAR
Secretaria de
Estado do Ensino
Superior, Ci ncia
e Tecnologia
Governo Roberto
Requi o
(1991-1993)
Secretaria
Especial da
Ci ncia,
Tecnologia e
Desenvolvimento
Econ mico
Secretaria de
Estado do
Planejamento
Instituto
Paranaense de
Desenvolvimento
Econ mico e
Social - IPARDES
Governo lvaro Dias
(1987-1990)
Estado da
Administra o
Estado de
Recursos
Humanos
Previd ncia e
Assist ncia aos
Servidores do
Estado - IPE
Instituto de
Desenvolvimento
de Recursos
Humanos do
Paran
(1983-1986)
Fonte: Relat rio de Situa o Hist rico/Funcional - 05/03/2004.
3.5 - Divis o setorial e rela es pessoais.
Apesar de ser realimentada por convites e indica es, a chegada em outros
ambientes do novo funcion rio sempre ocasiona um tipo de rea o por parte
das pessoas atuantes no local. Como foi o caso de um funcion rio que relatou a
seguinte situa o:
Cheguei no local e vi que existia um problema com o refeit rio, que n o estava legalizado.
Procurei uma alternativa para solucionar o problema, que seria a cria o de uma associa o,
que ent o passaria a receber as doa es, de forma legalizada e manteria o baixo custo da
alimenta o. A partir disso, passei a ser visto como o interesseiro querendo ser o presidente da
associa o .
O problema de aceita o deste servidor s foi resolvido quando houve um churrasco de
confraterniza o e o Secret rio de Administra o da poca o reconheceu e perguntou o que ele
estava fazendo ali. Daquele momento em diante, passou a ser visto de outra maneira.
Aparentemente, a proximidade do Secret rio com o servidor pode parecer refor ar a id ia da
operacionaliza o da rede de rela es pol ticas, mas neste caso a resolu o do impasse
aconteceu pelas rela es pessoais que o Secret rio tinha tanto com o funcion rio novo no
departamento, pois j haviam trabalhado juntos, como com alguns servidores atuantes no local
pelos mesmos motivos. A posse e constitui o de rela es pessoais s o fundamentais para fazer
o servidor circular e tamb m para integr -lo. O papel de media o que neste caso foi realizado
pelo Secret rio uma categoria fundamental na constitui o de rela es no interior da
organiza o estatal, pois ela permite a entrada de um novo servidor numa rede previamente
estabelecida de outros servidores.
A circula o embora possibilite a amplia o da rede de rela es est condicionada por
certos per odos de perman ncia ocasionados em alguns casos pelo retorno ao local de lota o,
conforme demonstrado no caso da Teresa, portanto circular demais pode ser negativo, pois
rompe com princ pios de solidariedade com os demais servidores. Como no caso apresentado
por uma pesquisadora do Ipardes que falou de uma pessoa conhecida sua e que havia circulado
bastante, em raz o da sua altera o de personalidade constante. Esta pessoa sempre estava
sendo requisitada para cargos comissionados, em diferentes governos e em diferentes
secretarias, rompendo facilmente seus la os e v nculos com os grupos com os quais atuou,
sendo malvista e estigmatizada pelos demais quando retornou institui o.
Da mesma forma que o bom tr nsito nos escal es superiores pode possibilitar a
resolu o de impasses havendo a media o estabelecida por v nculos pessoais, como no caso
citado acima, nem sempre possibilita ao servidor um bom relacionamento nos rg os em que se
atua, pois pode ferir princ pios de solidariedade interna daquele grupo em rela o a outro
grupo. por isso que categorias como a media o e a indica o s o fundamentais, pois elas
possibilitam que os grupos locais se relacionem atrav s das redes de rela es que se formam
sejam elas pol ticas ou/e pessoais. a partir disso que podemos pensar que os grupos locais13 formam coletividades no
sentido maussiano e como estas movimenta es operantes no interior da organiza o estatalmant m princ pios de reciprocidade que envolve prest gio e honra. As coletividades seconstituem no per odo de perman ncia dos servidores p blicos em determinado grupo local.Este o momento em que os la os de solidariedade se estabelecem, servindo de base para aforma o de rede de rela es pessoais. Aqui podemos falar que a necessidade do servi otamb m possibilita a forma o dos la os pessoais, pois mant m o servidor por certo per odo emdeterminado grupo local. Portanto, a movimenta o constitui-se a partir de uma estreita rela oentre os aspectos burocr ticos e as necessidades de servi os, e as rela es pessoais dosservidores.
No momento que o servidor sai de um grupo local para atuar em outro ele passa a serelacionar com outros servidores, aumentando a sua rede rela es pessoais. Este momento daentrada em outro grupo local conduz o servidor a uma integra o imediata ou afastamento emrela o aos demais servidores, isto depender de alguns aspectos como a indica o oumedia o. A indica o e a media o possibilitam que o servidor tenha acesso a outrosservidores, pois ele inserido em uma outra rede de rela es pessoais.
As redes que se formam, a partir disso, tamb m podem ser consideradas coletividadesinterlocais, pois tamb m constituem v nculos morais, o que possibilita que o servidor semovimente entre os diferentes grupos locais. Dentre as redes que operam no interior daorganiza o estatal podemos fazer uma diferencia o entre a de la os pessoais e a de la ospol ticos, e que ambas podem existir de maneira conjugada.
a partir do entendimento destas coletividades que podemos pensar a circula o dosservidores p blicos de carreira como um fen meno de troca em diferentes n veis, seja entregrupos locais, ou redes de rela es pol ticas e rede de rela es pessoais.
A condi o de perman ncia em determinado local para a forma o das coletividades,est fundada num tipo de rela o que se d entre os funcion rios no seu dia-a-dia, para al mdas classes, da divis o em setores e departamentos. No caso do Ipardes, as formas desociabilidade se d o de diferentes maneiras, por exemplo, entre os fumantes que se re nempara fumar, discutir e trocar informa es e impress es sobre quest es fundamentais a respeitoda institui o. Entre os homens que ficam brincando de passar trote por telefone um para ooutro; as mulheres que levam mantas para venda e se re nem s escondidas da dire o commedo de serem chamadas aten o, mas que afinal inclusive as diretoras se envolvem nascompras. E h ainda os adeptos do lanche que, conjuntamente, todos os dias v o pegar o seup o e o seu caf . Os estagi rios tamb m se estabelecem enquanto um grupo particular, assimcomo os motoristas que ficam conversando sobre futebol e as cozinheiras que se re nem nasala do caf . As diferentes maneiras de se relacionar no interior do Ipardes possibilitam aconstitui o de diferentes redes de rela es pessoais.
13 Categoria utilizada para definir um departamento, setor, secretaria ou um local de trabalho, ou projeto quepossibilita a intera o dos servidores por um certo per odo de tempo.
Os v nculos pessoais s o refor ados por certas atividades, como cursos, eventos,
reuni es, ou por costumes di rios de tomar o cafezinho junto ou fumar um cigarro. A
sociabilidade constitu da a partir de reuni es foi trabalhada por Comeford em sua an lise sobre
as reuni es de trabalhadores rurais. As reuni es s o um momento de encontro com os amigos,
uma oportunidade de conhecer pessoas, de sair da rotina e conhecer novos lugares (Comerford
1999:50).
Na an lise de Comerford, a reuni o n o se restringe apenas a seu aspecto instrumental, ela
atravessa a estrutura formal das institui es, possuindo uma dimens o de constitui o de
rela es sociais atrav s da constru o ritualizada de s mbolos coletivos que caracterizam estas
organiza es. As reuni es no contexto estatal analisado tamb m possuem um car ter de
sociabilidade, como tamb m s o espa os de constru o de identidades a partir de v nculos
pessoais.
A distribui o dos espa os nos departamentos internos tamb m utilizada e apropriada
de maneira diversa, como a sala de reuni es que se torna a sala de confraterniza o e
atendimento ao p blico, a sala do xerox como o local do lanche, a sala da assessora da diretora
como o lugar dos fumantes. Apesar das divis es normativas tanto das fun es como dos
espa os, estes passam a ter outros significados no cotidiano dos agentes.
3.6 - Indica o e media o: Criando e fortalecendo v nculos pessoais
Os caminhos seguidos durante a pesquisa muitas vezes se entrecruzavam, pela rela o que as
pessoas entrevistadas tinham com outras que estavam sendo entrevistadas atrav s de indica es
distintas e caminhos outros. A circula o acarreta a cria o de outras redes de contatos
(p g.9-10), por este motivo os encontros em reuni es, eventos e cursos t m um papel
fundamental.Participando dos eventos I Semin rio Itinerante sobre a Economia Paranaense ,
Metr poles - Desigualdades Socioespaciais e Governan a Urbana e do curso Poder, decis oe democracia 14 , atividades com o objetivo de proporcionar um aprofundamento te rico em
14 Estes eventos foram organizados pelo Centro de Treinamento e Desenvolvimento do Ipardes, com o intuito defornecer elementos te ricos sobre a pol tica, a economia e as peculiaridades do contexto urbano, para os servidoresp blicos atuantes nos mais diversos ramos interessados nestas tem ticas. O I Semin rio Itinerante sobre aEconomia Paranaense foi realizado no audit rio azul da UFPR - Campus Bot nico, nos dias 30 e 31 de outubro de2004 e teve a participa o de alguns secret rios, diretores, servidores, professores e alunos de diferentes
faculdades de economia. O Semin rio Metr poles - Desigualdades Socioespaciais e Governan a Urbana foi
realizado no audit rio da Fiep, nos dias 6 e 7 de novembro, com a participa o de professores, secret rios eservidores de diferentes Estados do Brasil. E o curso Poder, Decis o e Democracia foi realizado no audit rio doIpardes, em parceria com o Departamento de Ci ncias Sociais, proferido pelos professores da rea de Ci nciaPol tica tendo como participantes servidores p blicos de diferentes secretarias e militantes de diferentesorganiza es da sociedade civil.
tem ticas relacionadas diretamente com o trabalho dos funcion rios p blicos, tive aoportunidade de ver como essa quest o presente no discurso dos servidores. Os eventos,cursos, caf s da manh s o exemplos disso, de oportunidades que, para al m do car terfuncional, servem para conhecer novas pessoas ou reencontrar antigos colegas de trabalho. Nocurso Poder, decis o e democracia , escutei uma por o de vezes a frase: Ent o, aonde vocest hoje? , ou da onde voc ? , seguida de uma complementa o: Ent o voc esttrabalhando com [tal] . O processo de identifica o das pessoas acaba se dando pelo rg o emque est o atuando em conjunto com outras pessoas conhecidas que tamb m atuam ali. Destaforma as pessoas acabam sendo tamb m um referencial de identifica o no interior do Estado,ao inv s do exclusivismo institucional.
A import ncia da pessoalidade faz da indica o uma categoria fundamental nas
rela es que permeiam o interior do Estado, ela d credibilidade e compromete os envolvidos,
criando um v nculo. A indica o pode fazer o papel de media o quando proporciona a
aproxima o entre duas pessoas que n o se conhecem, possibilitando a constitui o de uma
nova rela o, seja pela procura de um t cnico para determinado servi o espec fico ou por
motivos pessoais. isto que possibilita que alguns servidores circulem, seja a partir da
indica o ou da media o.
Este papel de mediador de rela es pessoais e de diferentes rg os estatais que alguns
funcion rios p blicos fazem durante a sua trajet ria, mostra como a sua movimenta o est
vinculada a uma rede de rela es que est disseminada nestes diferentes locais. Por isso, al m
de mediar estas rela es, ele est inserido nelas.
No trabalho de Kuschnir sobre a atua o dos vereadores na C mara Municipal do Rio
de Janeiro, ela percebe que o papel do vereador serve de mediador cultural , pois em todo o
seu mandato ele estar sendo o elo entre distintos universos culturais. Al m disso, o vereador
tem que buscar alian as, fazer acordos e ter bom tr nsito para poder exercer o seu mandato.
Os benef cios n o s o apenas para as partes mediadas, mas tamb m para aquele que promove
a negocia o (Kuschnir, 2000, p g. 48).
No caso dos funcion rios p blicos estes tamb m fazem o papel de media o, mas da
circula o de pessoas, e da mesma forma que ocorre com vereador, o benef cio pode at n o
ser aparente, mas o fato de estar se movimentado ou indicando pessoas, j possibilita a sua
exposi o e amplia o da rede de relacionamentos, o que lhe confere maior prest gio. O fato de
mediar a movimenta o de outrem lhe permite acumular melhores condi es para sua pr pria
movimenta o. Cabe ressaltar a import ncia temporal da circula o que est baseada na
necessidade de um certo per odo de perman ncia nos grupos locais, para n o se romper com os
la os e v nculos constitu dos e que servem de base para a movimenta o dos servidores
p blicos de carreira.
A identifica o dos funcion rios p blicos tem grande relev ncia na organiza o estatal,
sendo caracterizada tamb m de forma pessoalizada. O v nculo por identidade criado quando
atuantes em um mesmo local, devido ao processo de circula o e atua o em diferentes
localidades, remete o funcion rio a uma forma de pertencimento a diferentes grupos e redes
que em certos pontos podem se conectar.
A valoriza o das rela es pessoais n o incentiva a distribui o dos cargos de forma
particularista, de fato a beneficiar apenas os conhecidos, pois ela tamb m est relacionada a
aspectos de car ter t cnico. Devido ao n mero de funcion rios p blicos ser restrito e limitado,
a movimenta o horizontal acaba sendo fundamental para estas institui es. Por este motivo,
os funcion rios p blicos tentam manter boas rela es com todos, para n o correr o risco de
estremecer as rela es de depend ncia com os outros.
3.7 - Quem decide sobre as movimenta es?
O poder de decis o sobre a movimenta o se altera de acordo com as diversas situa es, s
vezes a decis o do pr prio servidor e pode ou n o se viabilizar de acordo com suas redes
pessoais ou/e pol ticas; em outra situa o a media o feita por uma terceira pessoa coloca em
contato o servidor com uma determinada rede, o que possibilita a sua movimenta o; em outros
casos pode haver a requisi o de um diretor, chefe ou secret rio por necessidade do servi o ou
por la os pessoais ou pol ticos.
O procedimento formal de qualquer um dos tr s casos baseado na troca de of cios
entre os secret rios envolvidos na movimenta o do servidor. Primeiramente enviado o of cio
do secret rio pedindo a libera o ou convidado o servidor do outro rg o e descrevendo os
motivos, e no segundo momento o outro secret rio responde com outro of cio se aceitou o
pedido ou o convite. Embora haja esta condi o dos of cios de pedido, convite, requisi o,
passarem pelo ocupante maior da Secretaria, o Secret rio(a), seja na entrada ou na sa da da
documenta o, n o s o somente estes que definem sobre a movimenta o.
Geralmente a decis o do secret rio est relacionada com a posi o dos seus diretores.
Muitas vezes o diretor nega, mas o secret rio exige e acaba tendo que ceder pela press o dos
demais funcion rios. Outras vezes deputados estaduais e federais ligam para tentar intervir na
mudan a, alguns conseguem e outros n o. Em outros casos, o pr prio funcion rio tra a as
estrat gias para mudar. Portanto, o poder se torna uma quest o espec fica da situa o,
dependente da abrang ncia das rela es que se consegue articular, um poder din mico e
relacional. Embora o poder esteja relacionado em parte quest o das rela es pessoais, a
movimenta o tamb m est condicionada pelos aspectos legais. Portanto, a rela o com os
t cnicos dos departamentos de Recursos Humanos das Secretarias importante, pois s o eles
que buscam as alternativas vi veis para que a movimenta o aconte a.
O que a pesquisa demonstra que para poder circular tem que ter indica o, ou seja,
tem que manter um v nculo, que pode ocorrer de v rias formas, por meio de uma rede de
rela es pessoais, pol ticas, ou de conhecimento da compet ncia do servidor. O funcion rio
tem que estar vinculado a algu m que possa indic -lo. No entanto, o caso do pedido ou da
indica o ser efetivada depende da rede de relacionamentos que se consegue abarcar, como no
caso apresentado por uma assessora da dire o do Ipardes:
O Secret rio da Educa o requisitou um funcion rio do Ipardes, mas o diretor n o liberou, ele
n o permitia transfer ncia. Depois, veio o secret rio do Planejamento e conseguiu, pela
proximidade com o governador e com o pr prio diretor, ele tinha mais cacife .
O poder, ent o, est vinculado ao maior n mero e qualidade das rela es que se consegue
obter, e n o apenas a uma disposi o est tica de atribui es. O poder do Chefe do Executivo
n o pode ser considerado somente de forma unilateral, o que fica exemplificado pelo caso da
Teresa que n o quis acatar a uma decis o do governador, que instituiu que todos os jornalistas
deveriam atuar na Ag ncia de Not cias do Estado, e decidiu ficar trabalhando como jornalista
no TECPAR.
Para manter-me onde estava, estabeleci um contato com o meu chefe e disse que n o gostaria
de retornar ao Pal cio, haja vista a pol tica do governador de concentra o de jornalistas na
Ag ncia de Not cias .
Em outra situa o, o Governador decretou o retorno s quarenta horas de trabalho semanais,uma medida que acabava com a decis o do governador anterior que diminu a a carga hor riados servidores para trinta horas semanais.15 Os funcion rios decidiram n o acatar as normas e
15
A decis o do governador anterior estava baseada no discurso de que por n o haver possibilidade de aumentodos sal rios, os servidores seriam liberados de trabalhar dez horas a menos durante a semana, para poderem buscaroutras formas de compensa o salarial.
em muitas secretarias, os servidores decidiram atrav s dos seus departamentos quecontinuariam trabalhando s seis horas di rias, mantendo apenas a sua secretaria aberta duranteas oito horas, ou seja, n o acataram a decis o do governador, mesmo com a amea a de seremexonerados. Este exemplo refor a a id ia do grupo local enquanto coletividade, demonstrandocomo se d a rela o entre os diferentes grupos.
3.8 - Entrela amento de duas l gicas aparentemente contradit rias
A movimenta o, no entanto, n o est exclusivamente relacionada rede de rela es pessoais,
existe a disposi o da compet ncia que opera conjuntamente, principalmente quando h o
desconhecimento de pessoas para atuarem em determinadas posi es, ou, quando a fun o em
quest o exige o conhecimento t cnico e especializado. Estes n veis acabam n o sendo
excludentes, mas complementares no funcionamento do Estado. O fato de possuir uma ampla
rede de relacionamentos pessoais e ser um bom t cnico s o caracter sticas importantes para o
funcion rio estar bem posicionado, conforme pude perceber nos casos dos jornalistas e
t cnicos-pesquisadores.
O princ pio que opera no interior do Estado possui um car ter de circula o, nos termosde uma troca generalizada propriamente dita16 . A pessoa sempre retorna a sua institui o deorigem ou local em que est lotada, no in cio de todo governo, nem que seja por apenas algunsminutos. Isto ocorre quando o Secret rio de Administra o baixa uma portaria que obriga todosos funcion rios a se apresentarem em seus respectivos locais de lota o, por mais que sejamoment neo este retorno. A pr pria burocracia na pr tica evidencia essa troca generalizada decargos e movimenta o de funcion rios.
16 Levi-Strauss em seu livro As Estruturas Elementares do Parentesco define a troca generalizada como sendo
um sistema de opera es em que A cede uma filha ou uma irm a B, que cede uma a C, que por sua vez cederuma a A. Tal a f rmula mais simples (Levi-Strauss 1982:309), quando se refere ao sistema de parentesco dedeterminados grupos.
4
BUROCRACIA E RECIPROCIDADE17 : UMA ARTICULA O PROVOCADA PELAMOVIMENTA O DOS SERVIDORES P BLICOS.
Em seu Ensaio sobre a D diva , Marcel Mauss demonstrou que em regimes arcaicos de
economia e direito, as trocas se davam de maneira mutuamente obrigat ria, envolvendo
coletividades, ou seja, pessoas morais. Estas trocas n o se baseavam apenas em bens e
riquezas, coisas economicamente teis, mas em gentilezas, ritos, mulheres, crian as, dan as,
festas, em que a circula o de riquezas constituiria apenas um termo de um contrato mais
amplo. A dimens o da troca, portanto, n o est relacionada apenas a uma disposi o mercantil
e utilitarista, mas imbricada de rela es morais, de busca de prest gio, de poder. Mauss
identificava uma l gica de trocas generalizada - a d diva - nestas sociedades. A d diva que se
apresenta com um car ter volunt rio, mas est imbu da da for a do dever envolve os
trocadores nas obriga es de dar, receber e retribuir, ora associadas a quest es espirituais, ora a
quest es de honra, incitando rivalidades e constituindo assimetrias. Segundo o pr prio Mauss a
d diva n o est ausente da nossa sociedade.
poss vel estender essas observa es s nossas pr prias sociedades. Uma parte consider vel
17
EMBORA ESTE TERMO TENHA SIDO CUNHADO POR LEVI-STRAUSS O TOMO COMOREFER NCIA, MAS DIALOGANDO DIRETAMENTE COM OS ESCRITOS DAQUELE QUE FOI A FONTEDO PENSAMENTO SOBRE AS RELA ES DE TROCA, MARCEL MAUSS.
de nossa moral e mesmo de nossa vida continua estacionada nesta mesma atmosfera de d diva,
de obriga o e de liberdade misturadas (Mauss 1974:163).
Os princ pios da troca maussiana est o presentes em algumas pesquisas que recolocam a
discuss o acerca da d diva nas sociedades complexas. Um dos autores que trabalha sob esta
perspectiva no estudo da organiza o estatal, baseando-se num vi s antropol gico, Marcos
Ot vio Bezerra, no seu livro Em Nome das Bases: Pol tica, Favor e Depend ncia Pessoal .
Neste trabalho ele busca analisar o trabalho do parlamentar no Congresso Nacional, tomando
como ponto de partida a Comiss o de Or amento. Acompanhando o cotidiano dos
parlamentares, o antrop logo deparou-se com um conjunto de pr ticas que em outros tipos de
estudos, principalmente nas teorias modernizantes dos fen menos sociais, s o tidas como
qualifica es negativas e rotuladas como formas clientelistas , fisiol gicas ,
patrimonialistas . Como a abordagem da antropologia est preocupada com os princ pios
nativos dos fatos, Bezerra conclui que a troca de favores possui um estatuto sociol gico pr prio
de ordenamento das rela es no mbito estatal, a an lise se baseia em pessoas de autoridade
desigual, que se ligam por la os de amizade e interesse para alcan ar determinados fins
(Bezerra 1999:15). As rela es entre assessores, ministros, governadores, prefeitos, deputados,
empres rios demonstram como as rela es pessoais, que se estendem pela pol tica nacional,
acabam criando uma forma espec fica de atua o parlamentar e de representa o pol tica. As
trocas de servi os e benef cios materiais sob a forma de favores e as rela es de depend ncia
pessoal, por exemplo, possuem um lugar constitutivo no ordenamento das rela es pol ticas e
conformam uma concep o espec fica da institui o de representa o parlamentar que valoriza
os v nculos locais, a concess o de benef cios particular sticos e as rela es estabelecidas em
termos pessoais (Bezerra 1999:262). neste sentido, seguindo as indica es feitas pelo pr prio Mauss, que esta pesquisa
buscou entender os desdobramentos em nossa sociedade contempor nea, mais especificamentena organiza o estatal, desses sistemas de presta es, nos quais prest gio e honra, mas tamb mganhos materiais, s o em grande parte determinados pelos v nculos morais e pelas rela es detroca que se estabelecem ou deixam de se estabelecer entre os agentes sociais. Conformedemonstrado nos cap tulos anteriores a circula o de servidores p blicos coloca em opera otanto os princ pios e mecanismos da burocracia quanto a reciprocidade caracter stica dasrela es de d diva. Trata-se, portanto, de interconex es desses princ pios aparentementeantit ticos, luz das indica es maussianas18 de que os princ pios gerais da d diva n o operam
18 Veremos tamb m a que novos problemas somos levados: uns concernentes a uma forma permanente da moral
contratual, ou seja, a maneira como o direito real permanece, ainda em nossos dias, ligado ao direito pessoal;outros, concernentes s formas e s id ias que presidiram sempre, ao menos em parte, troca, e que ainda hojesubstituem em parte a no o de interesse individual (Mauss 1974:42).
apenas nas sociedades arcaicas' ou primitivas', mas constituem tamb m o substrato das rela esde troca nas nossas sociedades.
A burocracia ent o n o se restringe aos pressupostos weberianos, seu car ter racional,regras, meios, fins e objetivos, ou seja, aspectos de uma an lise formal com base em tipospuros, em que vigora o discurso meritocr tico e individualista, da necessidade de umaespecializa o e capacita o constante.
Na perspectiva weberiana o burocrata apenas uma engrenagem num mecanismo sempre em
movimento, que lhe determina um caminho fixo. O funcion rio recebe tarefas especializadas e
normalmente o mecanismo n o pode ser posto em movimento ou detido por ele, iniciativa essa
que tem de partir do alto. O burocrata individual est , assim, ligado comunidade de todos os
funcion rios integrados no mecanismo. Eles t m um interesse comum em fazer que o
mecanismo continue suas fun es e que a autoridade exercida socialmente continue (Weber
1982:265).
Somente a explica o weberiana de que a comunidade de funcion rios se relaciona a
partir da disciplina e das regras que estabelecem as fun es de cada um, n o se sustenta, em
rela o pesquisa. A rela o entre os servidores n o est fundada apenas no aspecto
disciplinar, mas tamb m por uma rede de rela es pessoais que se pautam em v nculos morais.
Estas movimenta es n o s o meras disposi es funcionais, fazem parte de uma rede de
rela es que s o constitu das.
Os aspectos institucionais e formais, portanto, operam conjuntamente com outra l gica
de ordenamento e funcionamento estatal, uma conjuga o que foi trabalhada por Da Matta na
sua an lise sobre a sociedade brasileira, nas suas obras Carnavais, Malandros e Her is: Para
uma Sociologia do Dilema Brasileiro e A Casa e a Rua: Espa o, Cidadania, mulher e morte
no Brasil . Esta especificidade uma articula o complexa entre a pessoa e o indiv duo
ou, se quisermos usar as suas pr prias categorias entre a casa e a rua . N s j sabemos que
no caso do Brasil temos uma casa complicada, onde estilos aparentemente singulares e at
mesmo mutuamente exclusivos parecem conviver em ntima rela o (Da Matta 1997:14).Na busca por princ pios estruturantes para a compreens o da realidade brasileira, Da
Matta entende a sociedade como um complexo de rela es, ou seja, uma sociedade relacional.Esta constata o importante, pois a oposi o b sica da gram tica brasileira , a casa e a rua,n o se d de forma r gida e invariante, mas em um movimento que constitu do e constituintedeste par estrutural. Por isso, aquilo que Dumont19 chamou de englobamento tem um papel
19 A base dos estudos comparativos de Dumont apresenta uma diferencia o entre uma sociedade que tem como
princ pio instaurador a hierarquia e outra que se fundamenta nos pressupostos da igualdade. A hierarquia comoprinc pio b sico da vida social aparece no seu estudo acerca do sistema de castas da sociedade indiana em que atotalidade prevalece sobre as partes. A civiliza o ocidental se baseia justamente no contr rio, em que a parte umtodo em si mesma, ou seja, h a institucionaliza o do indiv duo repleto de conte do ideol gico como osprinc pios de igualdade e liberdade. Segundo Dumont, a hierarquia [...] interessante para se compreender anatureza, os limites e as condi es de realiza o do igualitarismo moral e pol tico ao qual estamos vinculados
(Dumont 1992:50). Na sua proposta de um estudo comparativo, Dumont busca mostrar a artificialidade do ide rio
individualista, mostrando a import ncia da hierarquia na vida social. O homem n o apenas pensa, ele age. Elen o tem s id ias, mas valores. Adotar um valor hierarquizar, e um certo consenso sobre os valores, uma certahierarquia de id ias, das coisas e das pessoas indispens vel vida social. Isso completamente independente dasdesigualdades naturais ou da reparti o de poder (Dumont 1992:66).
fundamental para Da Matta na busca de um entendimento mais profundo da din mica social,pois esta opera o l gica que permite que um elemento seja capaz de totalizar o outro emdeterminadas situa es.
Para Dumont a defini o de rela o hier rquica e a sua possibilidade de retorno s o:
Essa rela o hier rquica muito geralmente aquela que existe entre um todo (ou um conjunto)
e um elemento desse todo (ou desse conjunto): o elemento faz parte do conjunto, -lhe nesse
sentido consubstancial ou id ntico, e ao mesmo tempo dele se distingue ou se op e a ele
(Dumont 1992:370).
Ela intrinsecamente bidimensional. Dado que afirmamos uma rela o de superior com
inferior, preciso que nos habituemos a especificar em que n vel essa mesma rela o
hier rquica se situa. Ela n o pode ser verdadeira de uma ponta outra da experi ncia, porque
isso seria negar a pr pria dimens o hier rquica, que quer que as situa es sejam distinguidas
pelo valor. A hierarquia abre, assim, a possibilidade do retorno: aquilo que era superior num
n vel pode se tornar inferior num n vel inferior (Dumont 1992:374).
sob esta perspectiva que Da Matta exemplifica a rela o da casa e da rua . Como o caso
da concilia o de impasses institucionais sendo tratados como quest es familiares, de car ter
pessoal e dom stico, ou no caso inverso de uma proibi o direta baseada numa lei que deve ser
rigorosamente cumprida. Trata-se, portanto, de uma varia o sistem tica que legitimada pelo
espa o social.
Utilizando as categorias de Da Matta e a concep o dumonciana de hierarquia, o modo
particular de funcionamento da administra o p blica estadual, faz com que a casa englobe a
rua , o princ pio de reciprocidade instaurado legitima as a es dos servidores,
identificando-os e servindo de media o entre seus pares. No entanto, o contr rio tamb m
procedente, dos pressupostos burocr ticos e da necessidade do servi o prevalecer sobre as
rela es pessoais.
aqui que o estudo de Marcos Lanna, tamb m na busca de compreender a din mica da
organiza o estatal nos termos da sua positividade, A D vida Divina: Troca e Patronagem no
Nordeste Brasileiro , pode contribuir com o seu conceito de reciprocidade hier rquica .
Atrav s de uma etnografia constru da em S o Bento do Norte e na Zona da Mata, em
Pernambuco, numa perspectiva comparativa, Lanna constr i seu argumento central de que o
estado brasileiro se constitui em boa parte como continua o do poder local num processo de
realimenta o m tua, pois o coronel, o fazendeiro, o vereador, o padre s o pessoas p blicas
que fundamentam uma l gica redistributiva atrav s dos princ pios da reciprocidade hier rquica.
Se n o podemos entender a patronagem sem analisar a quest o do estado, e vice-versa,
porque ambos se constituem por meio de presta es totais ', que implicam, sempre e
simultaneamente, reciprocidade e hierarquia (Lanna 1995:23).
Este estudo apresentado por Lanna e a sua constru o te rica da reciprocidade hier rquicatamb m est o fundamentados no ensaio de Mauss 20 , embora estes conceitos tamb m tenhamsido trabalhados por outros antrop logos franceses.
Sem pretender fazer aqui uma exegese do Ensaio sobre a D diva, minha sugest o que
L vi-Strauss e Dumont desenvolveram conceitualmente aspectos diferentes, por m
complementares, de dois temas fundamentais daquela obra do grande mestre de ambos, Marcel
Mauss. A meu ver, est impl cita no Ensaio sobre a D diva a proposi o de que reciprocidade e
hierarquia devem ser entendidas como correlatas faces de uma mesma moeda (Lanna
1996:112).
Os dados da pesquisa e o conceito de reciprocidade hier rquica permitem pensar como a
burocracia n o possui um car ter eminentemente individualista e meritocr tico, mas
hier rquico, pois a circula o (troca generalizada) que produz assimetrias, e que em algumas
situa es torna poss vel a invers o das rela es de superior e inferior. Desta forma, aquilo que
Lanna demonstra em que a realidade da sociedade brasileira se estrutura n o apenas em termos
contratuais do capitalismo, mas tamb m por meio da hierarquia, o mesmo acontece com o
Estado. As trocas de d divas n o s o extintas por institui es ou pelos aspectos formais da
20 Esta passagem do texto de Mauss demonstra a presen a da id ia de hierarquia em rela o no o de d diva.
Entre os chefes e vassalos, entre vassalos e subordinados, por essas d divas a hierarquia que se estabelece. Dar manifestar superioridade, ser mais, mais alto, maqister; aceitar sem retribuir ou sem retribuir mais,
subordinar-se, tornar-se cliente e servidor, apequenar-se, rebaixar-se (Mauss:1974:175).
burocracia; os aspectos n o-burocr ticos tamb m acabam estruturando a pr pria l gica do
funcionamento estatal no contexto estudado.
Levar em conta o pressuposto hier rquico revela aquilo que Piero Leirner, no estudo
sobre a institui o militar, intitulado Meia Volta Volver , aponta como uma cr tica ao
etnocentrismo impl cito no uso da categoria de indiv duo e de suas id ias cardinais (Dumont
1992:52-53). Por isso, aparentemente contradit rias, a realidade hier rquica e o ethos da
igualdade coexistem, havendo a intera o de dois princ pios de estrutura o da sociedade. A
coexist ncia destes dois princ pios, numa hierarquia de valores, em que a no o de pessoa se
sobrep e a ao indiv duo como valor, faz com que haja o englobamento do contr rio .
L via Barbosa no seu livro Igualdade e Meritocracia: a tica do Desempenho nas
Sociedades Modernas , mostra como a meritocracia no Brasil foi constitu da historicamente e
como ela um valor englobado no servi o p blico. Cabe aqui ressaltar a diferen a que a autora
faz entre um sistema meritocr tico e a ideologia meritocr tica, havendo no servi o p blico
brasileiro um sistema meritocr tico, mas uma ideologia que toma como valor fundante a no o
de pessoa.
No Brasil, a discuss o da reforma do Estado tem posto em foco, mais do que nunca, a quest o
da meritocracia. A proposta do governo de acabar com a estabilidade do funcionalismo p blico,
de despedir por insufici ncia de desempenho, tem repercutido de forma intensa no seio de uma
comunidade que raras vezes foi avaliada em termos de resultados individuais e que,
historicamente teve sua mobilidade vertical assegurada por antiguidade e /ou rela es pessoais
(Barbosa 2003:28).
Contrapondo-se a perspectiva de Barbosa, o que a pesquisa demonstra que a pr pria id ia de
m rito est tamb m vinculada a rela o pessoal. Portanto compet ncia e rela es pessoais n o
s o princ pios excludentes, mas complementares.
No caso da pesquisa a totalidade social constru da a partir da rede de rela es entre
servidores p blicos de carreira engloba a no o de indiv duo, mas princ pios como da
igualdade operam conjuntamente. Este pressuposto moral ordenador das rela es rec procas no
interior da organiza o estatal se conjuga aos aspectos burocr ticos, constituindo uma din mica
espec fica da administra o p blica.
CONCLUS O
Ao contr rio da perspectiva normativa e exterior, procurei mostrar como a circula o das
pessoas acontece na organiza o estatal. Esta circula o possui um car ter pr prio e
constitutivo da din mica interna estatal.
No primeiro cap tulo apresentei as imposi es colocadas pelo campo, e como a constru o da
pesquisa se deu numa condi o bastante particular como estagi rio do Ipardes, baseada em uma
forma diferenciada de rela o com o grupo pesquisado, condicionada por um contrato formal.
Al m disso, tratei das dificuldades na transposi o dos dados para a reda o do trabalho final
levando em conta a quest o tica do pesquisador.
No segundo cap tulo tratei das quest es relacionadas aos concursos p blicos e aos cursos
preparat rios. Mostrando como a n o realiza o de concursos n o interfere na exist ncia de
cursos preparat rios, pois o que est em jogo neste caso a busca pela entrada no servi o
p blico independente do local e do tipo de cargo que ir exercer. Esta motiva o de entrada
est fundada nas representa es que os postulantes t m dos cargos do servi o p blico,
mostrando como presente a id ia de estabilidade e seguran a.
A partir disso, no terceiro cap tulo mostro como se estruturam as formas de movimenta o e
Classe IClasse IClasse IClasse I
Classe IIClasse IIClasse IIClasse II
Classe IIIClasse IIIClasse IIIClasse III
Secretaria...Secretaria de
Comunica o
Secretaria da
Educa o
Secretaria do
Transporte
como existem diferentes formas de troca, entre as coletividades que est o operando na
administra o p blica. Al m disso, apresento uma trajet ria espec fica de uma servidora para
mostrar como a movimenta o de servidores n o acontece apenas na mudan a de gest o de
diferentes governos, mas durante uma mesma administra o. E como a mudan a entre
governos tamb m marcada por uma forma particular de troca.
Neste cap tulo tamb m apresento como as categorias de indica o e media o s o importantes
para o entendimento deste processo de circula o, pois conferem credibilidade nas rela es. E
como a decis o a respeito destas movimenta es difere de acordo com a rela o entre as
coletividades em quest o.
O entrela amento de duas categorias aparentemente contradit rias o que aparece no final do
terceiro cap tulo, mas que ser trabalhado teoricamente no quarto cap tulo. Aqui busquei
demonstrar como a burocracia e os princ pios de reciprocidade, pautados nas rela es pessoais,
podem aparecer de maneira conjugada, a partir da id ia de rela o hier rquica de Louis
Dumont.
A pesquisa demonstra como os pressupostos da d diva maussiana aparecem no contexto
estatal, interagindo com a burocracia. A organiza o estatal estruturada a partir de um
conjunto de regras e normas formais que s o englobadas pelas rela es pessoais vigentes em
certo plano. E que em outro plano s o os pressupostos da burocracia que englobam as rela es
pessoais. Estas rela es pessoais e os aspectos burocr ticos possibilitam as movimenta es dos
funcion rios que se caracterizam num modelo de circula o (movimento espiral), pois os
movimentos tanto verticais como horizontais est o entrela ados e condicionados mutuamente.
Movimenta o
vertical
MMovimenta o horizontal
A burocracia neste sentido n o atende apenas quilo que Weber designou sendo sua fun o
como a ordena o dos deveres oficiais de forma fixa, autoridade rigorosamente delimitada,
baseada em documentos escritos e voltada para defender a impessoalidade e a universaliza o
dos direitos, pois engloba e englobada por princ pios de troca-d diva e, neste sentido,
particulariza as rela es ao n vel da pessoalidade.
Apesar da pesquisa ater-se compreens o dos princ pios de circula o dos servidores no
interior do Executivo Estadual Paranaense, baseado no trabalho de Bezerra e na pesquisa
realizada sugiro que n o seria absurdo dizer que esta din mica ultrapassa os limites estaduais,
ampliando-se ao n vel federal.
O movimento dos pol ticos nos dois sentidos (nacional e local) torna-se evidente quando se
examina as rela es de depend ncia m tua que unem os pol ticos situados nos rg os da
administra o federal, estadual e municipal e sua mobilidade pelos cargos desses diferentes
n veis administrativos (Bezerra 1999:261).
A partir dessas constata es, percebe-se que a troca de posi es, gerada tamb m pelas rela es
pessoais, constitui uma forma espec fica de ordenamento do Estado. Ter isto em mente permite
repensarmos a pr pria constitui o e o funcionamento do Estado, juntamente com os valores
que lhe s o atribu dos relacionados ao individualismo do Ocidente Moderno e ao modelo
brasileiro da particularidade das rela es.
A explicita o da rela o entre a l gica do dom e a din mica de funcionamento da
administra o p blica como forma de atualiza o dos pressupostos da d diva, e n o de sua
destrui o, pode contribuir para uma nova forma de olhar a quest o do Estado que rompe com
as dicotomias cl ssicas entre p blico e privado, macro e micro, moderno e tradicional, estrutura
e a o, pois n o busca consolidar uma dada perspectiva ideol gica ou julgar os fatos fundados
por valores singulares do pesquisador.
Embora a pesquisa demonstre a estreita rela o entre burocracia e rela es pessoais,
n o sob forma do tr fico de influ ncia (Lanna 1995) ou de como se estrutura a pr tica da
corrup o (Bezerra 1999) a partir de pressupostos da pessoalidade. O que a pesquisa busca
mostrar como a administra o p blica depende das rela es pessoais e da circula o dos
servidores p blicos que por elas s o propiciadas.
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DEPARTAMENTO DE RECURSOS HUMANOS. RELAT RIO DE SITUA O
HIST RICO/FUNCIONAL . 05/03/2004.
ANEXO I - CARGOS DE AGENTE PROFISSIONAL DO QPPE.
ENGENHEIRO SANITARISTATERAPEUTA OCUPACIONALENGENHEIRO QU MICO TECN LOGOENGENHEIRO MEC NICOPROFISSIONAL DE N VEL SUPERIORENGENHEIRO FLORESTALT CNICO DE TURISMOENGENHEIRO ELETRICISTA
SOCI LOGOENGENHEIRO DE SEGURAN A DOTRABALHO
QU MICOENGENHEIRO DA PESCAPSIC LOGO ENGENHEIRO CIVILPEDAGOGOENGENHEIRO CART GRAFOODONT LOGOENGENHEIRO AGR NOMONUTRICIONISTAENGENHEIRO AGR COLA
FONTE: LEI N 13.666 - 05/07/2002 - ANEXO II.