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Marcia CA Silva e Joao L Gasparin1.pdf'''
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A TEORIA DA AÇÃO COMUNICATIVA DE JÜRGEN HABERMAS E
SUAS INFLUÊNCIAS SOBRE A EDUCAÇÃO ESCOLAR
Márcia Cristina Amaral da Silva João Luiz Gasparin
Universidade Estadual de Maringá - Pr
1 INTRODUÇÃO
Esse trabalho é resultado do desenvolvimento de um projeto de pesquisa realizado
na Universidade Estadual de Maringá no período de 2005/2006. O estudo procurou
compreender as profundas transformações pelas quais passa a sociedade e, por conseguinte,
a educação, adentrando por um caminho ainda pouco trilhado pelos pesquisadores.
Inicialmente nos pareceu assustador, mas ao mesmo tempo constituiu-se um desafio que
nos incitou a percorrê-lo com o intuito de colaborarmos com as concepções educacionais.
Associar as concepções de Habermas à educação escolar é instigante, um trabalho que,
esperamos, possa contribuir para o crescimento dos sujeitos envolvidos nas tramas de todos
os níveis do ensino formal, bem como, para o debate historiográfico atual.
Isto porque, como declara FREIRE (1987), as bases filosóficas do processo
educativo influenciam diretamente a maneira como os homens captam a sociedade em que
vivem e suas potencialidades frente a ela. Neste sentido a educação é um processo de
apropriação do saber pelo sujeito, a fim de que ele adquira instrumentos para desenvolver a
reflexão, criticidade e emancipação. A educação sistematizada pela escola pode ser um
elemento capaz de mudar a relação entre os homens e a sociedade.
A partir disto, a proposta deste trabalho é contribuir na busca de uma abordagem
de educação inspirada na Teoria da Ação Comunicativa do filósofo e sociólogo alemão
Jürgen Habermas, que defende a libertação dos sujeitos por meio de um processo
permanente de interação com vistas a construir uma verdade coletivamente elaborada e
socialmente aceita.
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Nosso interesse em pesquisar este tema não nasceu repentinamente, pelo
contrário, seu processo de maturação foi gradual. Em pesquisa realizada anteriormente
levantamos questionamentos sobre a Segunda Revolução Industrial e a Educação, mediados
pela categoria trabalho. A partir dele, inquietou-nos a forma como se dava a comunicação
entre os homens naquele contexto, quer nas fábricas, quer nas escolas.
Questões como: qual seria a importância da ação comunicativa na formação
daqueles sujeitos?; até que ponto a comunicação foi determinante nas concepções
disseminadas pelos homens em relação às necessidades postas pela produção segmentada,
hierarquizada, ordenada e parcializada, marcada pelos princípios e práticas do taylorismo? ;
como a escola lidava com a formação dos homens necessários àquele modo de produção da
vida material tendo como um dos elementos primordiais a comunicação?
Estes questionamentos nos conduziram a uma visão mais ampla e profunda no
que tange à educação escolar fundamentada na razão comunicativa proposta por Habermas.
Buscamos, então, elementos para formular a questão que será o eixo condutor deste
trabalho: De que forma a Teoria da Ação Comunicativa de Jürgen Habermas poderá
contribuir para uma educação formal mais adequada às reais necessidades dos homens?
A leitura da sua obra “Teoria da Ação Comunicativa” (1997) foi fundamental
para a compreensão dos pensamentos do autor que, apesar de complexos, suscitam os
aspectos sociais que estão envolvidos no processo educativo. Habermas desenvolveu o
conceito de racionalidade comunicativa afirmando que agindo comunicativamente os
homens teriam possibilidades de emancipação. Logo, nada mais oportuno que sua
utilização consciente no âmbito educacional, tanto do ponto de vista do processo ensino-
aprendizagem quanto de questões referentes à racionalidade, à autonomia e competência
comunicativa entre os sujeitos.
Na obra “Teoria da Ação Comunicativa” (1997), o autor trata das condições
dadas por uma situação ideal de fala em que os sujeitos buscam resolver seus impasses
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utilizando-se do discurso argumentativo, chegando ao entendimento consensual.
Desenvolve, ainda, um conceito de racionalidade baseada no diálogo, simbolicamente
mediada, que liberta os sujeitos e os capacita à emancipação. Propõe ações coletivas e
democráticas que agucem o pensamento crítico, reflexivo e comunicativo, tão importante
na educação formal.
O objetivo do trabalho é explorar as contribuições da Teoria da Ação
Comunicativa com vistas a construir uma nova prática educativa. Face ao exposto,
necessitamos aprofundar os conceitos mais importantes dessa teoria e identificar um
referencial para a ação pedagógica, a fim de embasar a formação de sujeitos autônomos. A
metodologia utilizada para tal segue as linhas de uma pesquisa bibliográfica visando
correlacionar a Teoria da Ação Comunicativa, no seu plano teórico, com as necessidades
identificadas na educação escolar.
Em função disso, analisamos, criticamente, as concepções relacionadas às
questões da teoria habermasiana e sua relação com a educação escolar. Elaboramos um
novo referencial para as ações didático- pedagógicas, baseado na teoria habermasiana.
Finalizando o trabalho, comentamos os pontos relevantes e suas limitações, deixando o
campo aberto para futuras discussões.
2 JÜRGEN HABERMAS E A AÇÃO COMUNICATIVA
O pensador Jürgen Habermas nasceu em 18 de junho de 1929, sendo considerado
um crítico das práticas sociais. É tido, por muitos, como o principal herdeiro da Escola de
Frankfurt, fundada em 1923 em conjunto com o Instituto de Pesquisas Sociais. A partir de
um debate sobre o marxismo surgiu a idéia de uma instituição permanente voltada a estudar
criticamente os fenômenos sociais.Entre 1955 e 1959 o filósofo foi pesquisador do Instituto
de Pesquisas Sociais em Frankfurt e se tornou assistente de Theodor W. Adorno. Em 1961,
trabalhou em sua tese de pós-doutorado: “Mudança Estrutural na Esfera Pública”, cujo
patrocínio lhe foi negado tanto por Adorno como por Max Horkheimer, intensificando-se
ali um distanciamento entre Habermas e os mestres da Escola de Frankfurt.
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Foi professor de filosofia em Heidelberg entre 1961 e 1964, e, posteriormente
professor de filosofia e sociologia em Frankfurt até 1971. Foi diretor do Instituto de
Pesquisa Social Max-Planck, de 1971 a 1982, período em que aprofundou suas pesquisas
em relação à Teoria da Comunicação. Em meados de 1982, retornou a seu posto de
professor na Universidade J.W.Goethe, aposentando-se em 1994. Atualmente é professor
nos Estados Unidos da América nas Universidades de Harvard e Yales.
De suas principais obras destacam-se: Estudante e Política (1961), Evolução
Estrutural da Vida Pública (1962), Teoria e Prática (1963), Lógica das Ciências Sociais
(1967), Técnica e Ciência como Ideologia (1968), Conhecimento e Interesse (1973), Teoria
da Ação Comunicativa v.1 e v.2 (1981), Consciência Moral e Agir Comunicativo (1983),
Teoria da Ação Comunicativa: Complementos e Estudos prévios (1984), O Discurso
Filosófico da Modernidade (1985), Pensamento Pós-Metafísico (1988) e Passado como
Futuro (1990).
2.1 Núcleo Principal do Pensamento Habermasiano
Jürgen Habermas descreve, em sua Teoria Crítica, a grande inquietação a
respeito dos efeitos do positivismo nas sociedades modernas, em que impera a razão técnica
e instrumental1, própria do capitalismo avançado. Longe de se contentar com esta
abordagem, desenvolve suas pesquisas na busca sistemática de um novo entendimento de
racionalidade, que se materializa por meio da ação comunicativa. Para o autor, a mudança
de paradigma para o da teoria da comunicação possibilitará um retorno às tarefas de uma
teoria crítica da sociedade, desde então negligenciadas pela crítica da razão instrumental.
Procurou, então, integrar conceitos da filosofia e da ciência, estudando a razão na
sua mais profunda dimensão, na busca de uma maior compreensão, possibilidades e limites
da racionalidade. Em sua Teoria da Ação Comunicativa, parte do princípio que os homens
1 A razão instrumental é uma razão metódica, individualista e subjetiva, que se materializa pelas relações entre o sujeito e o objeto, voltada para o aspecto cognitivo e instrumental visando ao domínio e ao êxito sobre a natureza e os homens.
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são capazes de ação, e para tanto utilizam a linguagem para a comunicação com seus pares,
buscando chegar a um entendimento. Conforma suas palavras:
Chamo ação comunicativa (grifo do autor) àquela forma de interação social em que os planos de ação dos diversos atores ficam coordenados pelo intercâmbio de atos comunicativos, fazendo, para isso, uma utilização da linguagem (ou das correspondentes manifestações extraverbais) orientada ao entendimento. À medida em que a comunicação serve ao entendimento (e não só ao exercício das influências recíprocas) pode adotar para as interações o papel de um mecanismo de coordenação da ação e com isso fazer possível a ação comunicativa (HABERMAS, 1997; p.418).
A razão comunicacional se dá por meio de relações intersubjetivas na interação
de sujeitos que buscam compreender um determinado fato. Das relações intersubjetivas é
que se pode discernir a universalização dos interesses numa discussão. É neste ponto que o
fundamento de uma ética da discussão exige a reconstrução de um espaço crítico, aberto e
pluralista. Desta forma, a racionalidade passa a ser vista como uma fonte inspiradora nas
ações humanas, com vistas à emancipação dos homens e a um maior entendimento do
mundo.
A linguagem torna-se, então, um diferencial em sua teoria. Podemos considerá-la
como toda e qualquer forma de comunicação que pode modificar o comportamento. Na
concepção habermasiana, a linguagem é concebida como o elo de interação entre os
sujeitos, a fim de garantir a democracia das decisões coletivas por meio de argumentações.
Em sua Teoria da Ação Comunicativa, Habermas pretende investigar a razão, dando a ela
um novo conceito: a razão comunicativa. Propõe, então, outro paradigma.
2.2 O Outro Paradigma
Para Habermas, o conhecimento não acontece apenas na interação solitária do
sujeito com os objetos, mas na interação da filosofia da consciência com a filosofia da
linguagem em que os sujeitos atuam numa relação de reciprocidade em que juntas buscam
um entendimento. Mas o que vem a ser filosofia da consciência e filosofia da linguagem?
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O autor explica que a filosofia da consciência consiste na relação do sujeito
cognoscente com os objetos, em que, por meio desta autoconsciência solitária o mesmo
poderia obter pleno conhecimento dos objetos, da sociedade e do mundo que o cerca. Neste
paradigma, o sujeito, dotado de uma razão monológica, estabelece uma relação puramente
cognitivo-instrumental com os objetos, não trabalhando a relação intersubjetiva que é
extremamente importante para que se estabeleça uma racionalidade comunicativa
Já a filosofia da linguagem ou da comunicação consiste na relação do sujeito
cognoscente com a comunicação, em que, por meio desta consciência intersubjetiva de
dialogicidade o mesmo poderia obter um saber histórico-dialético contextualizado. Esta
filosofia é defendida por Habermas com vistas a superar a abordagem do paradigma do
sujeito, próprio de ações positivistas, fragmentadas e conservadoras. Essa superação seria
possível quando, numa relação entre sujeitos utilizam-se de argumentos para tornar a razão
mais humana, crítica e social, possibilitando, desta maneira, uma ação mais eficaz à
emancipação dos homens e ao entendimento da sociedade.
Para termos uma maior compreensão do processo pelo qual a racionalidade foi
entendida durante séculos, Siebeneichler nos descreve a grande mudança de paradigma com
a qual Habermas se defrontou a partir da década de 70:
Se vê confrontado com dois paradigmas possíveis: o da filosofia da consciência ou do sujeito e o da comunicação, ou seja, o paradigma do conhecimento de objetos e o paradigma do entendimento entre sujeitos capazes de falar e agir. O que define cada um destes paradigmas é sua relação com o sujeito cognoscente. No paradigma da filosofia da consciência, que serviu de moldura a Descartes, Spinoza, Leibniz, Kant, Schelling e Hegel, o sujeito é interpretado basicamente como dotado de capacidade de assumir um duplo enfoque com relação ao mundo dos objetos possíveis: o conhecimento de objetos e a dominação. [...] No paradigma da comunicação proposto por ele o sujeito cognoscente não é mais definido exclusivamente como sendo aquele que se relaciona com objetos para conhecê-los ou para agir através deles e dominá-los. Mas como aquele que, durante seu processo de desenvolvimento histórico, é obrigado a entender-se junto com outros sujeitos sobre o que pode significar o fato de “conhecer objetos” ou “agir através de objetos”, ou ainda “dominar objetos ou coisas” (SIEBENEICHLER, 1989; p.61-62).
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A mudança de paradigma proposta pelo filósofo supõe, não apenas a superação
do raciocínio lógico ou do processo de interpretação do conhecimento no qual o sujeito
conhece isoladamente, mas, principalmente, em tomar as ações e os atos de fala como
ponto de partida de extrema importância no interior das relações.
Habermas(1997) questiona, então, o paradigma da filosofia da consciência e
procura explicar a essência da racionalidade comunicativa, que não é mais a relação do
sujeito isolado com algo no mundo objetivo, representável e manipulável; o que é
paradigmático para o autor, é ao contrário a relação intersubjetiva que se instaura entre os
sujeitos capazes de falar e de agir, assim que eles se entendem entre si sobre alguma coisa.
Podemos notar, neste sentido, que o grande salto paradigmático proposto por
Habermas em relação ao paradigma anterior não se fundamenta apenas na crítica ao
pensamento moderno; foi além. Propôs e construiu toda uma teoria alternativa baseada no
paradigma da comunicação, visando o caráter emancipatório dos sujeitos; no entanto, o
foco central para este salto paradigmático fundamentou-se numa visão diferenciada de
razão e racionalidade.
2.3 Razão e Racionalidade
Habermas propõe um conceito de razão que enfatiza a importância da
linguagem na relação intersubjetiva. Este conceito apóia-se na expressão dialógica
concretizada na relação entre os sujeitos que estabelecem uma discussão. Diferentemente
de Kant, para quem a razão era subjetiva, de Popper, para quem a razão era objetiva,
Habermas vê a razão como comunicativa, concreta e dialógica, concebida a partir de
reflexões, relações de compartilhamento e processos de compreensão. Já a racionalidade
tem menos a ver com o conhecimento e a produção de saberes do que com o modo como os
sujeitos, capazes de linguagem e de ação, fazem uso ou aplicam seus saberes.
Chamamos “racionalidade” em primeiro lugar à disposição por parte do sujeito falante e atuante de adquirir e utilizar um saber falível. Enquanto os conceitos básicos da filosofia da consciência impuserem que se compreenda o saber, exclusivamente como saber de algo no mundo objetivo, a racionalidade limita-se ao modo como o sujeito isolado se
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orienta em função dos conteúdos das suas representações e dos seus enunciados.[...] Quando, pelo contrário, entendemos o saber como transmitido de forma comunicacional, a racionalidade limita-se à capacidade de participantes responsáveis em interações de se orientarem em relação a exigências de validade que assentam sobre o reconhecimento intersubjetivo. A razão comunicativa encontra os seus critérios no procedimento argumentativo da liquidação direta ou indireta de exigências de verdade proposicional, justeza normativa, veracidade subjetiva e coerência estética (HABERMAS, 1990b; p.291).
Existem dois tipos de racionalidade que seguem direções distintas: a
racionalidade cognitivo-instrumental que define as ações do sujeito como relações de
domínio sobre a natureza e os sujeitos e a racionalidade comunicativa que define as ações
do sujeito como relações com outros sujeitos na busca de um entendimento consensual.
Para Habermas, a racionalidade cognitivo-instrumental ou razão instrumental
caracteriza-se pelo distanciamento entre sujeito e objeto, um sujeito que busca uma
operação lógica e metódica dos conhecimentos. Neste sentido, é uma razão parcial e
absoluta que reduz a riqueza dos fenômenos aos seus conceitos e regras, isto é, elimina da
realidade aquilo que não se ajusta a seus princípios. A evolução do conhecimento e da
aprendizagem fica refém de princípios universais tidos como imutáveis, não havendo
espaços para questionamentos. No processo ensino-aprendizagem, considera o educando
como um objeto; despreza seu potencial crítico, e se limita a explorar seu caráter abstrato
para concretizar uma razão individual e monológica. O grupo hegemônico aproveita esta
visão parcial e unidimensional para reforçar suas idéias e impor a dominação e
manipulação.
No entanto, Habermas busca uma alternativa para as sociedades modernas que
utilizam uma racionalidade instrumental e inconsistente: a razão comunicativa. Esta,
vivenciada nas práticas cotidianas como a busca de entendimento e consenso compartilhado
com os outros sujeitos seria uma opção assertiva para o êxito pessoal e social dos sujeitos.
Desta forma, a racionalidade comunicativa baseia-se na compreensão e no
aprendizado, o que permite a socialização e o livre reconhecimento dos objetos e fatos
pelos sujeitos envolvidos. È uma razão que faz parte do mundo vivido, isto é, formado por
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símbolos que nascem das interações entre os sujeitos, transmitidos pelas gerações na
atividade comunicacional. Neste sentido, a razão comunicativa propicia um
autoconhecimento, fruto da liberdade e entendimento alcançados pelas condições de uma
socialização comunicativa.
2.4 O Mundo da Vida e o Mundo do Sistema
A teoria crítica da sociedade é entendida e subdividida por Habermas em dois
mundos, quais sejam: o Mundo do Sistema e o Mundo da Vida. O mundo do sistema pode
ser considerado como o mundo formal, das regras, das leis, das normas, ou seja, um mundo
artificial criado pelo homem visando ao êxito e ao domínio sobre a natureza. É um mundo
construído a partir de um determinado paradigma dominante em uma dada época, em que
toda organização social, política, econômica e cultural está moldada a partir deste
paradigma. Ele se reflete na organização da sociedade, na educação, na abordagem
científica e na tentativa de controle do mundo da vida.
O mundo da vida é o lugar das relações sociais espontâneas, das reais
necessidades dos sujeitos, seus sentimentos e percepções, dos vínculos estabelecidos com
seus semelhantes, um nicho pré-científico, intuitivo, não tematizado e inquestionável.
Podemos perceber que o mundo da vida é um conceito que faz parte e completa a ação
comunicativa. É o espaço onde se constrói a razão comunicativa, a partir das relações
intersubjetivas entre os sujeitos.
[...] enquanto o falante e o ouvinte se entendem frontalmente acerca de algo num mundo, eles movem-se dentro do horizonte do seu mundo de vida comum e este continua a ser para os intervenientes como um pano de fundo intuitivamente conhecido, não problemático, indesmembrável e holístico (HABERMAS, 1990b; p.278).
Neste sentido, é evidente que o mundo da vida fornece subsídios para se chegar
a um entendimento na ação comunicativa, ou seja, seria uma base de sustentação para que
ocorra uma verdadeira ação comunicativa entre os homens, que carregam toda uma tradição
cultural, um saber implícito, pré-teórico, uma linguagem própria, um conhecimento tácito.
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O mundo da vida nos proporciona um grande aprendizado pois é por meio das
interações que estabelecemos com os outros que iremos direcionar nossas ações de modo
racional. Por interação Habermas(1997) entende o locus da sociedade no qual as normas
sociais se formam a partir da convivência entre sujeitos, pela comunicação e ação. Nessa
dimensão da prática social prevalece a ação comunicativa e a socialização dos participantes
do mundo da vida, que estão diretamente ligadas às condições materiais. O conceito de
mundo da vida ou mundo vivido, para Habermas, envolve um contexto em que os sujeitos
comunicativos situam e datam seus pronunciamentos em espaços sociais e tempos
históricos.
Ao elaborar a Teoria da Ação Comunicativa, Habermas parte de uma filosofia
que trata do ser humano como sujeito dotado de linguagem, movido para a compreensão
dos fatos. Pela comunicação, o sujeito se depara com as tradições culturais, os
ordenamentos sociais e as estruturas de personalidade, elementos que se inter relacionam de
uma forma estreita.
O entendimento que Habermas tem do mundo nos leva a pensar a sociedade de
forma mais ampla, articulada com a subjetividade dos sujeitos que dela partilham, numa
relação dialética entre o mundo do sistema e o mundo da vida. As contradições vividas por
esses dois mundos são apresentadas como condição de resistência dos sujeitos frente à
desestruturação que o mundo do sistema pretende ao tentar controlar o mundo da vida,
distanciando-se dele gerando insatisfações, miséria, submissão e violência. Pensar esses
conflitos estabelecidos na sociedade nos remete a pensar a educação e, mais
especificamente a educação escolar, com vistas a compreendê-la nesse emaranhado de
relações postas, quer no mundo da vida , quer no mundo do sistema.
3 ACERCA DA EDUCAÇÃO
A Teoria da Ação Comunicativa é uma teoria crítica e reflexiva, na qual teoria
e prática se vinculam para desenvolver uma relação de liberdade entre os sujeitos,
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fornecendo subsídios para que os mesmos possam construir um conhecimento capaz de
esclarecimento e emancipação no âmbito da educação formal.
Por educação, entendemos todo um processo de formação, construção e
reconstrução permanente dos sujeitos. Nesta perspectiva, ela é um processo contínuo e
dinâmico tendo na interação as bases para seu desenvolvimento. Ou como diria Prestes
(1996), a educação não deveria se preocupar apenas com a formação de sujeitos com
capacidade moral e intelectual, mas também em construir uma competência comunicativa
dialógica. Trata-se de orientar, acompanhar, nortear, desvelar as potencialidades do sujeito
que na maioria das vezes precisa de oportunidades para seu aperfeiçoamento integral.
Neste sentido, concordamos com Freire (1987) quando afirma que a educação
não deve ser apenas uma fonte transmissora de conhecimentos para formar um sujeito
intelectualmente competente. Educadores e educandos devem, juntos,construir e reconstruir
os conhecimentos, baseados numa visão da totalidade. Isto nos remete a uma educação que
leva em conta a palavra do homem. “Ao dizer a sua palavra, pois, o homem assume
conscientemente sua essencial condição humana. [...] A educação reproduz, assim, em seu
plano próprio, a estrutura dinâmica e o movimento dialético do processo histórico de
produção do homem. Para o homem, produzir-se é conquistar-se, conquistar sua forma
humana” (FREIRE, 1987; p.13).
Freire(1987) critica a concepção de educação bancária pois ela se conduz como
ato de depositar, escamoteando a criatividade, impedindo o saber, negando o dinamismo da
busca. Por meio dela somente o professor educa, sabe, pensa, diz, disciplina, prescreve sua
opção, atua, escolhe o conteúdo programático, enfim, só ele é o sujeito do processo; anula o
poder criativo dos educandos e uma possível interação no espaço educativo. Na concepção
bancária de Freire, o educador não consegue ver o sentido da vida humana, pois nega que
o pensar do educador somente ganha autenticidade do pensar dos educandos, mediatizados ambos pela realidade, portanto, na intercomunicação. [...] E, se o pensar só assim tem sentido, se tem sua fonte geradora na ação sobre o mundo, o qual mediatiza as consciências em comunicação, não será possível a superposição dos homens aos homens (FREIRE, 1987; p.64).
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Já a educação problematizadora, ao assumir o diálogo, vence a contradição
educador-educando gerada pela educação bancária e torna o educador não apenas aquele
que educa,
mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também se educa. Ambos, assim, tornam-se sujeitos do processo, em que crescem juntos e em que os argumentos de autoridade já não valem. Em que, para ser-se, funcionalmente, autoridade, se necessita de estar sendo com as liberdades e não contra elas (FREIRE, 1987; p.68).
A educação problematizadora inclui o diálogo fundamentado num pensar
crítico, numa visão conciliadora de homem/mundo, na intercolaboração dialógica, na
possibilidade de transformação do que está posto pelo status quo. Assim, como postula
Freire, a educação na perspectiva habermasiana rejeita o homem abstrato e solitário,
inviável para a reflexão, criticidade e emancipação. Somente no emaranhado das relações
concretas é que se evidencia uma educação que, ao invés de assistencializar, criticiza, à
medida que “se funda na criatividade e estimula a reflexão e a ação verdadeira dos homens
sobre a realidade, responde à sua vocação, como seres que não podem autenticar-se fora da
busca e da transformação criadora”(FREIRE, 1987; p.72). A concepção problematizadora
enfatiza a mudança respondendo à condição dos homens como seres históricos.
A educação problematizadora, que não é fixismo reacionário, é futuridade revolucionária. Daí que seja profética e, como tal, esperançosa. Daí que corresponda à condição dos homens como seres históricos e à sua historicidade. Daí que se identifique com eles como seres mais além de si mesmos – como “projetos” - , como seres que caminham para frente, que olham para frente; como seres a quem o imobilismo ameaça de morte; para quem o olhar para trás não deve ser uma forma nostálgica de querer voltar, mas um modo de melhor conhecer o que está sendo, para melhor construir o futuro. Daí que se identifique com o movimento permanente em que se acham inscritos os homens, como seres que se sabem inconclusos; movimento que é histórico e que tem o seu ponto de partida, o seu sujeito, o seu objetivo (FREIRE, 1987; p.73).
No Brasil, os discursos com vistas a uma educação para todos em busca de
uma sociedade mais justa e igualitária não se concretizam nas ações. As instituições
escolares refletem e reforçam a hegemonia da classe dominante, excluindo sobremaneira os
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sujeitos das classes sociais menos favorecidas. A escola que ora se apresenta reproduz o
atual sistema social que exclui, desvincula, classifica, seleciona, rotula e marginaliza
grande parte da população. O que se confirma nas palavras de Prestes (1996; p.57), que
“[...] os cursos e os conhecimentos trabalhados pela escola perdem seu vínculo com as
exigências das necessidades sociais e atrelam-se a interesses de grupos que detêm o poder”.
A partir dessas premissas, quanto mais se concretizam na sociedade como um
todo e, mais especificamente, nas instituições escolares, práticas pedagógicas voltadas ao
incentivo do individualismo, da exclusão e da competitividade, mais se torna necessário
desenvolver ações buscando uma socialização e participação dos sujeitos, voltadas ao
entendimento.
Habermas fornece elementos para pensarmos na possibilidade de construção
de uma nova estrutura para os atuais sistemas de ensino, buscando uma conciliação entre
teoria e prática, interligadas por meio de ações concretas, numa dinâmica de interação entre
os sujeitos envolvidos na busca de novas racionalidades.
Quando os pais querem educar os seus filhos, quando as gerações que vivem hoje querem se apropriar do saber transmitido pelas gerações passadas, quando os indivíduos e os grupos querem cooperar entre si, isto é, viver pacificamente com o mínimo de emprego de força, são obrigados a agir comunicativamente (HABERMAS, 1993; p.105).
Tendo a educação como elemento central do sistema, o pensamento
habermasiano é contrário a qualquer tipo de repressão dos direitos à liberdade dos sujeitos.
Torna-se essencial que educadores e educandos se relacionem num ambiente livre de
coações, para que juntos se comuniquem a respeito de suas experiências pessoais e seus
conhecimentos na busca de uma nova aprendizagem. As teorias e as práticas da ação
educativa passam pelas ações entre sujeitos reflexivos e críticos, detentores de saberes e
geradores de novos conhecimentos, a partir de experiências compartilhadas entre todos que
ali estão, não para ensinar e aprender, mas para aprender a aprender. À educação cabe ter o
cuidado de não reduzir a razão dos sujeitos no sentido individual e monológico.
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A escola, por sua própria natureza, exerce um papel fundamental na transmissão cultural, na socialização e na construção da personalidade individual, isto é, na reprodução das estruturas simbólicas do mundo da vida e, portanto, para o seu bom funcionamento, ela deve ser regulada pelos processos de ação comunicativa com vistas a alcançar o entendimento (PINTO, 1996; p.152).
O processo de ensino-aprendizagem deve ser visto como um laboratório de
conhecimento, fundamentado em interesses e gerado a partir da realidade dos alunos.
Conhecimentos estes inacabados e incompletos, numa dinâmica permanente de
intercâmbios, pois quando os transferimos para uma outra realidade, temos um outro
conhecimento. Na perspectiva habermasiana, comunicar é gerar conhecimentos, em busca
da emancipação dos sujeitos.
As teorias mais modernas da aprendizagem, sobretudo aquelas identificadas com o saber pensar e o aprender a aprender, garantem que a construção do conhecimento começa do começo, ou seja, do background sociocultural de cada um, com o objetivo específico de fazer do aluno sujeito, não objeto de aprendizagem; não existe tabula rasa, analfabetismo absoluto; todos falam, se comunicam, usam um vocabulário básico, manejam conceitos dentro do senso comum, possuem referências da realidade em que estão inseridos, e assim por diante; este será o ponto de partida se quisermos uma educação emancipatória (DEMO, 1994; p.32).
Desta forma, educadores e educandos têm a possibilidade de serem agentes de
transformação a partir de ações comunicativas que geram novos conhecimentos
compartilhados horizontalmente, sem uma hierarquia pré-estabelecida. De acordo com a
teoria de Habermas, os sujeitos que fazem parte do sistema educacional não podem estar
atrelados a nenhum interesse das classes dominantes, pois se trata de um processo
emancipador baseado nas relações intersubjetivas nas quais todos construiriam,
gradativamente um saber e sua história pessoal. Este é o desafio que colocamos para o
próximo tópico: o de construir um referencial de ação para a educação baseado na Teoria
da Ação Comunicativa, explorando as dimensões didático-pedagógicas.
4 TEORIA DA AÇÃO COMUNICATIVA E A AÇÃO PEDAGÓGICA
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Pensar em ações pedagógicas sob a ótica habermasiana nos leva a entender a
educação numa dimensão que ultrapassa as simples aplicações técnicas de uma relação
sujeito-objeto centrada na razão instrumental. Incita-nos a buscar uma relação sujeito-
objeto que propicie um maior entendimento dos conteúdos trabalhados em sala de aula,
baseada numa razão comunicativa e educativa que contribui para a formação de sujeitos
autônomos.
Neste aspecto, Habermas nos leva a refletir na relação educador – educando
que ocorre no interior da sala de aula em que juntos, num processo de inter-compreensão
buscam construir um conhecimento que é provisório, baseado em negociações e
entendimentos comunicacionais.
Os intérpretes renunciam à superioridade da posição privilegiada do observador, porque eles próprios se vêem envolvidos nas negociações sobre o sentido e a validez dos proferimentos. Ao tomarem parte em ações comunicativas, aceitam por princípio o mesmo status daqueles cujos proferimentos querem compreender. Eles não estão mais imunes às tomadas de posição por sim/não dos sujeitos de experiência ou dos leigos, mas empenham-se num processo de crítica recíproca. No quadro de um processo de entendimento mútuo-virtual ou actual- não há nada que permita decidir a priori quem tem de aprender de quem (HABERMAS, 1989; p.43).
Para Habermas, o conhecimento sustentado pela racionalidade comunicativa
se dá por meio da competência para o diálogo, na possibilidade de troca, no entregar-se ao
outro, respeitando as diferenças e partilhando o mundo vivido, na compreensão histórica da
educação em seu contexto social, político, econômico e cultural. Para o autor, quanto mais
o sujeito se comunica, mais ele aprende. Neste enfoque, conhecimento é entendimento
entre educadores e educandos, a respeito de algo do mundo objetivo, social e subjetivo.
A interação que ocorre neste processo é fundamental. Poderíamos dizer que
á ela a responsável pela aprendizagem. Não existe um direcionamento preestabelecido por
parte de educador de forma sistemática e rígida a ser seguido, mas, aos poucos, todos os
envolvidos vão construindo os conhecimentos numa aprendizagem de falar e ouvir, ver e
sentir, construir e reconstruir. O conhecimento não se reduz a um ato cognitivo que é
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transmitido pelo educador, mas são dadas as condições necessárias para que o educando o
construa e o aplique às reais necessidades, fruto de experiências e de vivências
compartilhadas.
A aprendizagem na teoria tradicional é vista como “armazenagem de
conhecimento” enquanto na ótica habermasiana é uma aquisição compartilhada de saberes.
A racionalidade, assim como o conhecimento, é um processo de aprendizagem, visto que,
“o conhecimento tem uma estreita relação com a racionalidade, já que esta se traduz como
forma de saber, conhecer, compreender, dar razões” (PRESTES, 1996; p. 113).
Habermas propõe a construção, dentro da sala de aula, de uma racionalidade
vista como um processo permanente, concreto, compartilhado com a pluralidade de vozes
que ali se encontram, baseada em ações comunicativas. Um conhecimento que não é
transmitido mas elaborado gradualmente no processo ensino-aprendizagem; conhecimento
provisório e relativo que promove uma visão mais ampla dos efeitos sociais da educação.
As contribuições de Habermas podem modificar as relações educador-
educando e trazer avanços para além do ensino tradicional. Isto porque o autor propõe o
entendimento entre os sujeitos, respeitando suas opiniões advindas da prática do mundo
vivido. As diferenças não serão punidas mas, sim, estimuladas e incitadas. Na sala de aula
todos teriam a oportunidade de se expressarem, relatando suas idéias e sentimentos,
aceitando ou não outras opiniões, sempre em busca de uma crítica construtiva, favorecendo
um ambiente em que prevaleça o consenso baseado numa democracia participativa. Essa
prática pedagógica baseada no novo paradigma proposto por Habermas trabalha com um
conhecimento que se dá mediante a aprendizagem concretizada por meio da articulação
entre o mundo da vida e o mundo do sistema, em que a sala de aula se torna um espaço
privilegiado.
Porém, a prática da teoria habermasiana requer uma abordagem que comece
nas séries iniciais, para que educadores e educandos formem numa concepção que
estabelece contratos pedagógicos para a seleção dos conteúdos a serem trabalhados. Isto
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resultaria num exercício de discussão crítica e de argumentações, a fim de que as ações
fundamentais do processo de ensino-aprendizagem fossem compreensíveis para todos os
envolvidos nele; isto é, uma concepção diferenciada de currículo estaria posta como uma
possibilidade.
O currículo é uma construção social histórica que alcança os valores,
normas, regras, ideologias imiscuídas na sociedade e/ou escola que o elaborou. Neste
sentido, um currículo circunscrito a uma sociedade capitalista será elaborado segundo seus
princípios básicos, voltados para a competição, o sucesso e o domínio dos sujeitos sobre os
objetos, na busca da manutenção do status quo.
Como alternativa ao que está posto, Habermas acredita ser necessária uma
escola mais comunicativa e democrática que tenha a capacidade de representar seus
próprios interesses e de regular seus atos por iniciativa própria. Nela, os sujeitos envolvidos
direta ou indiretamente no processo pedagógico seriam partícipes ativos na elaboração do
currículo, juntamente com os especialistas da área, direção ou administração.
A programação curricular parte da premissa de que tudo poderia também ser diferente, tentando assumir para si o que era tarefa essencial da tradição, ou seja, realizar uma escolha legítima na massa do patrimônio tradicional. Ao precisar os objetivos didáticos, ao justificar a escolha dos mesmos, ao concretizar suas conexões e ao indicar os trâmites operativos singulares, a programação curricular reforça a coerção que impõe ser legitimada [...]. Para esse fim, exige-se aquela comunicação criadora de normas e de valores, que se inicia agora entre pais, professores e estudantes [...](HABERMAS, 1990b; p.102).
Elaborar um currículo envolvendo a participação de todos é um meio para
que a Teoria da Ação Comunicativa se concretize na educação; é um instrumento que
reflete o sentido conservador ou transformador das ações pedagógicas. Acreditamos que a
concepção de currículo que contribua para a qualidade educacional, além de ser elaborada
por todos os envolvidos no processo, privilegie as disciplinas que trabalhem as relações
interpessoais, a coletividade e a comunicação entre os sujeitos para a construção dos
conhecimentos.
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A visão emancipadora do filósofo e sociólogo alemão abrange ainda a
avaliação escolar, um tema muito debatido entre os educadores que dificilmente encontram
um consenso devido à complexidade do tema. Mediante as concepções de Habermas, de
acordo com Iarozinski (2000), podemos entender a avaliação do processo de aprendizagem
na integração dos dois mundos: o mundo do sistema e o mundo da vida. Neste sentido, o
processo de avaliação abrangerá duas formas: as medidas quantitativas de desempenho, que
refletem o mundo do sistema; e as qualitativas que expressam o mundo da vida.
Nesta abordagem, as medidas de desempenho(notas, conceitos, etc.) normalmente são exigências estipuladas pelo MEC, ou pelos órgãos reguladores que definem as habilidades mínimas inerentes a cada profissão. Entendemos a avaliação numa perspectiva que encerra um processo contínuo de aprendizagem, um espaço para a construção do conhecimento, onde todos, no âmbito da democracia, tenham igualdade de chances para utilizar a linguagem e se desenvolver. Trata-se, portanto, de uma avaliação crítica e dialética, questionando normas e fatos, para juntos identificarmos as dificuldades e corrigi-las no decorrer do processo ensino-aprendizagem (IAROZINSKI, 2000; p.79).
Desta forma, conclui-se que a avaliação da aprendizagem é uma questão
ampla que apresenta a possibilidade de se desvincular de um juízo de valor, desde que os
sujeitos envolvidos no processo educativo mantenham entre si uma relação dialógica, isenta
de coações e de poder. A avaliação deve suscitar a argumentação, questionamentos, diálogo
verdadeiro, livre e franco, características que se somam na formação de sujeitos críticos e
emancipados.
5 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Trabalhar com os pressupostos de Jürgen Habermas trouxe contribuições
significativas para nós, educadores. Dentre elas podemos destacar a visão do novo
paradigma proposto pelo autor: o paradigma da linguagem ou da comunicação. Essa
possibilidade de vivenciarmos um outro modelo de um fazer científico, desarticulado das
concepções tradicionais, cartesianas e positivistas desconectadas do mundo vivido,
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estreitamente ligadas ao mundo do sistema, logo reféns da razão instrumental, proporciona-
nos a esperança de que muito pode ser feito pela educação como um todo.
No início das leituras, o conceito de utopia muitas vezes nos incomodou.
Um herdeiro da Escola de Frankfurt estaria propondo alternativas para a educação
subestimando os aspectos econômicos e políticos ? Como poderíamos, pela Teoria da Ação
Comunicativa alcançarmos a emancipação, a reflexão e a criticidade de nossos educandos?
Seria a fala um instrumento tão poderoso assim? Estaria a retórica por detrás de todo este
arcabouço teórico delimitado por Habermas?
No entanto, FOUCAULT (1983), trabalha o conceito de resistência que
emerge da expressão de diferentes idéias em um grupo, isto é, os sujeitos se expõem e se
permitem pensar acerca de outras possibilidades para suas ações ou intenções, a partir das
experiências alheias. A resistência é algo que desarticula o poder, desarma o que está posto
como verdade irrefutável, dá mobilidade ao sujeito para pensar sobre outras perspectivas de
ação. Logo, as concepções de Habermas proporcionam aos sujeitos a conquista dessa
resistência e a possibilidade de luta em busca da autonomia pessoal e social.
Habermas, portanto, não sonha! Continua em sua materialidade dialética à
procura de soluções viáveis para transformar o que está posto, mudando o foco da
individualidade para a coletividade, do egoísmo para a solidariedade, do capitalismo para o
socialismo. Nas entrelinhas de seu ideário, o filósofo alemão descortina aos seus leitores
ricas propostas práticas para o cotidiano de sala de aula, coerentes com seus pressupostos
teórico-metodológicos e possíveis de serem executadas por profissionais que realmente
desejem mudar aspectos da educação brasileira.
Podemos imaginar que o trabalho no dia-a-dia da sala de aula não deva ser
fácil, no entanto, as dificuldades não são um empecilho para que busquemos caminhos que
nos ofereçam respostas aos pressupostos de uma prática pedagógica inspirada na teoria
habermasiana que nos incita a realizar a práxis educacional direcionada para os
fundamentos do novo paradigma proposto pelo autor: o paradigma da comunicação.
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REFERÊNCIAS
DEMO, Pedro. Pesquisa e construção de conhecimento: metodologia científica no caminho de Habermas. Rio de Janeiro : Tempo Brasileiro, 1994. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1987. FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes, 1983 HABERMAS, Jürgen. Consciência moral e agir comunicativo. São Paulo: Brasiliense, 1989. ______________. O discurso filosófico da modernidade. Lisboa: Dom Quixote, 1990b. ______________. Passado como futuro. Rio de Janeiro : Tempo Brasileiro, 1993. ______________. Teoria de la acción comunicativa: complementos y estúdios prévios. Madrid: Cátedra, 1997. IAROZINSKI, M.H. Contribuições da Teoria da Ação Comunicativa de Jürgen Habermas para a Educação Tecnológica. Curitiba, 2000. Tese (Mestrado em Tecnologia)– Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná. PINTO, José M. Rezende. Administração e liberdade: um estudo do conselho de escola à luz da teoria da ação comunicativa de Jürgen Habermas. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996. PRESTES, Nadja Hermann. Educação e racionalidade: conexões e possibilidades de uma razão comunicativa na escola. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996. SIEBENEICHLER, Flávio Beno. Encontros e desencontros no caminho da interdisciplinaridade. G. Gusdorf e J. Habermas. Tempo Brasileiro, n. 98; p.153-180, jul/set. 1989.