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Maria Clara Di Pierro
Políticas municipais de educação básica de jovens e adultos no
Brasil: um estudo do caso de Porto Alegre (RS)
Mestrado em História e Filosofia da Educação
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
1996
Maria Clara Di Pierro
Políticas municipais de educação básica de jovens e adultos no
Brasil: um estudo do caso de Porto Alegre (RS)
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo como exigência
parcial para obtenção do título de Mestre
em História e Filosofia da Educação sob
Orientação do Prof. Dr. Sérgio Haddad
São Paulo - 1996
Banca Examinadora:
_________________________________________________
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Resumo
O estudo do caso de Porto Alegre procurou aferir a hipótese de que a municipalização do
ensino básico de jovens e adultos (induzida pela omissão das esferas federal e estadual de
governo) configura uma estratégia eficaz tendo em vista os fins de democratização do
acesso e melhoria da qualidade da escolarização das camadas populares.
A experiência do Serviço de Educação de Jovens e Adultos (SEJA) foi selecionada por ter
conquistado alguma prioridade no interior da política educacional, inserindo-se no sistema
municipal de ensino e configurando um modelo pedagógico inovador.
A pesquisa registra a trajetória do SEJA de 1989 a 1995, descreve sua abrangência no
interior da rede municipal e do ensino supletivo estadual, analisa suas orientações político-
pedagógicas, características de estrutura e funcionamento, métodos de gestão, estratégias
de financiamento, profissionalização e formação dos educadores.
O estudo concluiu que a constituição do SEJA não configurou um autêntico processo de
descentralização educativa. A importância atribuída em Porto Alegre à educação básica de
jovens e adultos resultou da convergência de intencionalidades político-pedagógicas
diversas congruentes com a tradição do Partido no governo, da qual foram portadores
agentes posicionados na burocracia governamental informados pelo paradigma da educação
popular e pelo aporte teórico-metodológico do construtivismo. Técnicas, professoras e
alunos exprimem elevado grau de satisfação com o processo de ensino-aprendizagem, no
qual o resgate da auto estima do educando e sua promoção como cidadão ocupam lugar
central. Há indicações de que a qualidade alcançada pelo SEJA decorre, em grande medida,
do elevado investimento na profissionalização e formação em serviço de suas educadoras.
Embora se tenha observado expansão de vagas e o modelo pedagógico adotado responda às
necessidades educativas da população trabalhadora empobrecida à qual se destina, o
atendimento educacional mostrou-se quantitativamente irrisório frente à demanda potencial
por escolarização existente no Município e seu estilo predominantemente escolar mostra-se
insuficiente para transpor os limites seletivos impostos pelos mecanismos de exclusão
instalados na sociedade e mediados pela escola.
Agradecimentos
A realização desta Dissertação de Mestrado deve-se, em grande medida, ao incentivo do
Prof. Dr. Sérgio Haddad. Agradeço especialmente sua orientação à pesquisa, mas também
sua disponibilidade pessoal, bom humor e amizade.
Meus agradecimentos se estendem aos demais membros da banca do Exame de
Qualificação - Professores Doutores Celso de Rui Beisiegel e Cristiano G. Di Giorgi -,
pelos subsídios, críticas e sugestões na reorientação do trabalho.
Sou grata a todo corpo de professores do Programa de Estudos Pós Graduados em História
e Filosofia da Educação da PUC/SP pelas aprendizagens construídas nestes dois anos de
aperfeiçoamento acadêmico. Sinto-me obrigada, porém, a fazer especial menção às
Professoras Doutoras Mirian Jorge Warde e Maria Machado Malta Campos -
coordenadoras respectivamente do Programa e do Núcleo de Estudos e Pesquisas
Educação Popular, Sociedade Civil e Estado -, pelos desafios intelectuais que me
propuseram, pela confiança que depositaram na minha capacidade de enfrentá-los e pelas
contribuições que ofereceram para que eu os superasse.
Agradeço a todas as pessoas e instituições que cooperaram com a pesquisa fornecendo
depoimentos, documentos, estatísticas e informações, apoiando a coleta de dados
documentais e de campo, discutindo as versões preliminares, sugerindo leituras e caminhos
para a análise, financiando viagens e bolsas de estudo, realizando transcrição de fitas,
reprografia, transportes, etc. Na impossibilidade de citá-las todas pessoalmente sem o risco
de omitir involuntária e injustamente algumas delas, opto por indicar, em ordem alfabética,
as instituições às quais se vinculam:
Ação Educativa - Assessoria, Pesquisa e Informação
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Núcleo de Gestão Municipal do Instituto Pólis
Programa de Estudos Pós Graduados em História e Filosofia da Educação da PUC/SP
Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre
Dedico este trabalho a todos meus ex-alunos de cursos supletivos, representados
simbolicamente em duas pessoas queridas:
à memória de Roberto Carlos que, como tantos outros adolescentes negros, foi
assassinado em uma noite escura na periferia de São Paulo
ao sucesso de Maria Aparecida, então empregada doméstica, hoje Pedagoga
formada por esta mesma Universidade
Índice Geral
1º Cap. - Analfabetismo e educação básica de jovens e adultos no Brasil 1
1. Tendências recentes das políticas públicas de educação básica de jovens e adultos 3
2. A municipalização induzida da educação básica de jovens e adultos 6
2º Cap. - A pesquisa 11
1. Hipóteses e questões para investigação 11
2. Revisão da bibliografia e enquadramento teórico do estudo 15
3. Procedimentos metodológicos e técnicos 20
3.1. Metodologia de estudo de caso: limites e potencialidades 20
3.2. Fontes e critérios para seleção do caso 22
3.3. A coleta dos dados 24
3º Cap. - O caso de Porto Alegre 28
1. O ensino básico no Município de Porto Alegre 29
2. O ensino supletivo na rede estadual 32
3. O Serviço de Educação de Jovens e Adultos - SEJA - de Porto Alegre 34
3.1. A proposta político-pedagógica do SEJA 40
3.2. As relações com a sociedade civil na promoção da EBJA 42
3.3. Características, estrutura, funcionamento e currículo do SEJA 45
3.3.1. O enquadramento legal do SEJA 48
3.4. A demanda potencial por EBJA em Porto Alegre e a cobertura escolar do SEJA 48
3.5. Custos e financiamento da EBJA em Porto Alegre 52
3.6. Os educadores do SEJA 54
3.7. Os alunos do SEJA 59
3.7.1. Trabalho, condição social e escolarização 63
3.7.2. Origem rural-urbana e migrações 65
3.7.3. Idade e convívio inter geracional 65
3.7.4. A questão de gênero 71
3.7.5. As experiências da exclusão e do fracasso escolar 75
3.7.6. Os vínculos com o professor e com o saber 79
3.8. A participação de alunos e professores 86
3.8.1. A participação na gestão da escola e do SEJA 89
3.9. A inserção orgânica do SEJA no sistema municipal de ensino 99
4º Cap. - Análise dos resultados e recomendações 100
1. Descentralização educativa e municipalização da EBJA 100
2. Limites e perspectivas à democratização da EBJA 103
3. As intencionalidades subjacentes à constituição de um serviço público de EBJA 107
4. Uma nova qualidade na EBJA 109
4.1. A dupla matriz teórico-metodológica: educação popular e construtivismo 109
4.2. Um jeito jovem e adulto de ser e fazer escola 112
4.3. O docente no centro do processo 115
5. Impasses não solucionados 118
5.1. Ampliação da cobertura escolar, financiamento e cooperação no setor público 118
5.2. Lógica burocrática do Estado versus educação popular 119
6. Recomendações finais 121
6.1. Quanto às políticas públicas de EBJA 122
6.2. Quanto ao SEJA de Porto Alegre 122
6.3. Questões para pesquisas futuras 124
Bibliografia 126
Índice de Anexos
Anexo 1 - Roteiro de entrevista com dirigentes 135
Anexo 2 - Roteiro de entrevista com equipe técnica 135
Anexo 3 - Ficha de caracterização da equipe técnica 136
Anexo 4 - Roteiro de entrevista com professores 138
Anexo 5 - Ficha de caracterização dos professores entrevistados 139
Anexo 6 - Roteiro de entrevista com alunos 141
Anexo 7 - Ficha de caracterização dos alunos entrevistados 142
Anexo 8 - Caracterização dos professores entrevistados em Porto Alegre 143
Anexo 9 - Perfil da equipe técnica (GAP) 146
Índice de Quadros
I: Brasil - Variação do analfabetismo na população com 15 anos ou mais (1980-1991) 1
II: Brasil - Analfabetismo na população de 15 a 19 anos (1991) 2
III: Brasil - Anos de estudo dos chefes de domicílios particulares (IBGE, 1991) 2
IV: Brasil - Evolução da receita tributária disponível (1980-1990) 8
V: Brasil - Distribuição da receita pública em 1983 e 1993 8
VI: Tamanho dos municípios brasileiros (IBGE, 1992) 8
VII: P. Alegre - Matrícula inicial por nível de ensino e dep. administrativa (1992) 29
VIII: P. Alegre - Unidades escolares por nível de ensino e dep. administrativa (1992) 29
IX: Evolução do nº de estabelecimentos da RME de Porto Alegre (1985-1995) 30
X: Evolução da matrícula inicial na RME de Porto Alegre (1985-1995) 31
XI: Evolução da matrícula inicial em EBJA na RME de Porto Alegre (1989-1995) 49
XII: P. Alegre - Recursos orçamentários despendidos em Educação e Cultura (1983-1992) 52
XIII: Porto Alegre - Resultados da execução orçamentária 1988-92 (em milhões de U$) 52
XIV: Caracterização dos alunos do SEJA entrevistados 61
XV: Brasil - Evolução da matrícula inicial nas redes de ensino fundamental (1988-1990) 100
XVI: Brasil: Matrícula inicial nas redes públicas por localização (1989) 101
1º Capítulo
O analfabetismo e a educação básica de jovens e adultos no Brasil
Os dados sobre escolaridade da população brasileira colhidos no Recenseamento Geral de
1991 indicam que, malgrado os avanços relativos à tendência histórica, persistem elevados
índices de analfabetismo na população jovem e adulta e acentuadas desigualdades regionais
na distribuição das oportunidades educacionais. Observa-se que os índices percentuais do
analfabetismo entre jovens e adultos com 15 anos ou mais declinaram, porém o contingente
total de analfabetos continua ampliando-se nas Regiões Norte e Nordeste, ainda que em
ritmo inferior ao crescimento da população.
Quadro I: Brasil - Variação do analfabetismo na população com 15 anos ou mais (1980-1991)
Região 1980 1991 Variação %
Total Analfabetos % Total Analfabetos % Total Analf.
Norte 3.171.702 927.893 29,26 5.763.395 1.420.275 24,64 +81,71 +53,06
Nordeste 19.706.071 8.952.532 45,43 25.751.993 9.695.039 37,65 +30,68 +8,29
C. Oeste 4.450.345 1.125.058 25,28 6.101.542 1.021737 16,75 +37,10 -9,18
Sudeste 34.079.602 5.739.165 16,84 43.155.676 5.312.149 12,31 +26,63 -7,44
Sul 12.133.466 1.972.082 16,25 15.064.437 1.784.558 11,85 +24,15 -9,50
Brasil 73.541.686 18.716.730 25,45 95.837.043 19.233.758 20,07 +30,31 +2,76
Fontes: IBGE. IX Recenseamento Geral do Brasil 1980; IBGE-MEC/SAG/SEEC 1995.
Na variação dos dados durante a década de 80, o melhor desempenho coube à Região
Centro Oeste onde, mesmo com um crescimento populacional elevado, o analfabetismo
declina em ritmo acelerado.
O problema do analfabetismo está fortemente concentrado na Região Nordeste, onde tanto
os números absolutos quanto os índices percentuais são muito elevados, inclusive nas faixas
etárias mais jovens (Quadro II). Nesta Região, o fenômeno associa-se à pobreza extrema e
incide tanto sobre as populações das zonas rurais quanto das grandes cidades.
Por outro lado, a Região Sudeste - a mais desenvolvida e urbanizada do País - chama a
atenção pela presença de elevado contingente de analfabetos, ainda que seus índices de
analfabetismo sejam inferiores à média nacional. Neste caso, o analfabetismo está associado
à pobreza urbana e concentra-se na periferia das regiões metropolitanas e grandes cidades.
Quadro II: Brasil - Analfabetismo na população de 15 a 19 anos nas Regiões (1991)
Região Total Analfabetos % na Região % no País
Norte 1.138.988 170.272 14,95 9,40
Nordeste 4.755.682 1.216.990 25,59 67,23
Centro Oeste 1.026.195 66.958 6,52 3,69
Sudeste 5.968.244 276.111 4,63 15,25
Sul 2.128.363 79.720 3,75 4,40
Brasil 15.017.472 1.810.051 12,05 100,00
Fonte: IBGE-MEC/SAG/SEEC - 1995
O quadro nacional e regional desenha-se ainda mais severo, se considerarmos que o critério
censitário de alfabetização restringe-se à capacidade declarada de ler e escrever um bilhete
simples. Pesquisas recentes realizadas em países latino americanos concluíram que cinco
anos de escolaridade são imprescindíveis para a inserção social e laboral em ambientes
impactados por processos de modernização, nos quais as exigências de leitura, escrita e
matemática formalizada são crescentes: "O limiar da alfabetização funcional, para a
América Latina, está além da quarta série" (INFANTE R., 1994, p. 244). Assim, se
ampliarmos o critério de alfabetização funcional para cinco anos de estudo, multiplica-se o
contingente total de analfabetos. O IBGE ainda não divulgou os dados de escolaridade
(anos de estudo) para a população total nas diferentes faixas etárias, o que nos impede de
apresentar estatísticas oficiais sobre esta temática. Podemos, porém, realizar projeções a
partir dos dados disponíveis para os chefes de domicílios particulares:
Quadro III: Brasil - Anos de estudo dos chefes de domicílios particulares (IBGE, 1991)
Anos de estudo Total %
Sem instrução ou menos de 1 ano de estudo 8.491.664 24,44
1 a 3 anos de estudo 6.597.363 18,99
4 a 7 anos de estudo 10.503.107 30,23
8 a 10 anos de estudo 3.430.978 9,87
11 a 14 anos de estudo 3.731.429 10,74
15 anos ou mais de estudo 1980.174 5,70
Total 34.734.715 100,00
Se adotarmos o critério indicado pelas pesquisas acima citadas, concluímos que a quarta
parte dos chefes de domicílios são analfabetos absolutos e aproximadamente metade deles
são analfabetos funcionais. Essas proporções têm elevada probabilidade de repetir-se na
população jovem e adulta como um todo.
1. Tendências recentes das políticas de educação básica de jovens e adultos
O sistema público de educação fundamental destinado à população jovem e adulta no Brasil
é ainda hoje regido pela Lei 5692 de 19711, guardando as características delineadas em seu
Capítulo IV, do Ensino Supletivo, e detalhadas pelo Parecer 699 do Conselho Federal de
Educação, relatado pelo então conselheiro Valnir Chagas. A suplência, cuja função é
"suprir a escolarização regular para os adolescentes e adultos que não a tenham seguido
ou concluído na idade própria" - pode realizar-se através de cursos acelerados, ensino
individualizado, educação à distância via rádio, televisão ou material impresso e a avaliação
de aprendizagem pode dar-se no processo ou através de exames especialmente organizados
para este fim.
Pesquisa concluída em 1988 (HADDAD et al, 1987a; 1987b; 1988; 1989a; 1989b)
constatou que o ensino supletivo alcançou uma implantação efetiva (embora bastante
heterogênea) em todo território nacional, diversificando a oferta de escolarização destinada
a jovens e adultos; detectou a não priorização da educação de adultos na política
educacional; apontou a insuficiência da cobertura escolar existente face a demanda
potencial; e identificou dificuldades de natureza político-administrativa, financeira e
pedagógica que limitavam a cobertura e a qualidade do ensino oferecido.
Nos anos seguintes, o país passou por mudanças políticas e legislativas, ensejando uma
democratização das oportunidades educacionais. A Constituição de 1988 estendeu aos
jovens e adultos o direito ao ensino fundamental gratuito, ampliando as responsabilidades
1 A seção dedicada à educação de jovens e adultos no projeto de nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação
(de autoria do Senador Darci Ribeiro) que tramita no Congresso Nacional não acrescenta inovações, exceto
a redução da idade mínima para os candidatos aos exames supletivos de 1º e 2º graus para 15 e 18 anos,
respectivamente.
das redes públicas no atendimento educacional dessa faixa etária2. Essas responsabilidades
foram reiteradas pelo Artigo 60 das Disposições Transitórias, em que a Constituição
estabeleceu um prazo de dez anos ao longo dos quais deveriam concentrar-se os esforços e
recursos governamentais e da sociedade civil para a universalização do ensino básico e
erradicação (sic) do analfabetismo. A Constituição compartiu os encargos do ensino
fundamental obrigatório e gratuito entre as esferas de governo, estabelecendo o regime de
colaboração entre os sistemas de ensino. Uma divisão mais clara de responsabilidades entre
a União, os Estados e os Municípios acabou sendo postergada para a lei complementar de
diretrizes e bases da educação nacional, que desde 1989 tramita no Congresso.
O cenário desenhado pelo novo texto constitucional faria supor uma ampliação substancial
dos programas de educação básica de jovens e adultos nos anos subseqüentes.
Mais pela carga histórica que pela divisão legal dos encargos educacionais, grande parte das
expectativas relativas à promoção da educação de jovens e adultos recaía sobre o governo
federal pois, nesta segunda metade do século, a União tomou para si o encargo de
promover campanhas de alfabetização (1947-1964), sucedidas pelo Mobral (1971/1986) e
pela Fundação Educar (1986-1990), tendo ainda induzido (mediante apoio técnico e
financeiro) os estados a implantarem ou expandirem o ensino supletivo, desde os anos 50
até o final da década de 1970 (BEISIEGEL, 1974, 1989; VARGAS, 1984).
As expectativas favoráveis à expansão da educação de adultos seriam alimentadas nos anos
seguintes pelo movimento internacional impulsionado pelas Nações Unidas, que declarou
1990 o Ano Internacional da Alfabetização, realizando-se na Tailândia a Conferência que
aprovou a Declaração Mundial sobre Educação Para Todos e o Plano de Ação para
Satisfazer as Necessidades Básicas de Aprendizagem3, dos quais o Brasil é signatário. Na
condição um dos nove países mais populosos com elevados índices de analfabetismo, o
Brasil passou a integrar, juntamente com Bangladesh, China, Egito, Índia, Indonésia,
2 Esta formulação legal contém a idéia de que a educação básica dos jovens e adultos deve incorporar-se
organicamente ao sistema de ensino fundamental. 3 CONFERÊNCIA MUNDIAL DE EDUCAÇÃO PARA TODOS (Jomthien, Tailândia: 5 a 9 de março de
1990). Declaração Mundial sobre Educação Para Todos e Plano de Ação Para Satisfazer as
Necessidades Básicas de Aprendizagem. Brasília, Unicef, 1990, 20 p.
México, Nígéria e Paquistão, a chamada Cúpula dos Nove, para a qual vêm sendo dirigidos
os esforços prioritários dos organismos internacionais.
Entretanto, fatos e atos se opuseram às expectativas geradas a partir de 1988.
A Fundação Educar reduziu em 1989 os convênios de cooperação financeira com os
municípios e, em março de 1990, foi sumariamente extinta pela Medida Provisória 251,
logo ao início do governo de Fernando Collor de Mello.
A partir de setembro de 1990, o Ministério da Educação desencadeou o Programa Nacional
de Alfabetização e Cidadania - PNAC (BRASIL. MEC, 1990b), cujas metas eram tão
ambiciosas quão conturbada foi sua trajetória (DI PIERRO, 1992; LUCE et al, 1992;
MELLO, 1992; XAVIER, 1992). Vítima de sua própria inconsistência e da descontinuidade
político administrativa, o PNAC desapareceu em apenas um ano, na substituição do
Ministro Carlos Chiarelli por José Goldemberg.
Cumprindo tardiamente os compromissos internacionais assumidos perante a WCEFA4 e a
Cúpula do Nove, o Ministério da Educação (sob o comando de Murílio Hingel) deu início,
em maio de 1993, à elaboração do Plano Decenal de Educação Para Todos (BRASIL.
MEC, 1993). O Plano reconhece a importância da educação básica de jovens e adultos e
projeta metas ambiciosas de alfabetizar 3,7 de analfabetos e prover escolaridade básica a 4,6
milhões de jovens e adultos subescolarizados5. Para detalhar estratégias nesta direção, o
MEC constituiu uma Comissão composta por representantes do governo e da sociedade
civil6.
Tendo priorizado a estabilização econômica, o governo federal atual tende a não expandir o
investimento em educação - o que seria necessário para cumprir as metas do Plano Decenal
4 World Conference on Education For All - WCEFA (Jomthien, Tailândia: 5 a 9 de março de 1990). 5 Atender em dez anos 8,3 milhões de novos educandos pode parecer pouco face o compromisso
constitucional de "erradicação do analfabetismo" e diante do contingente total de analfabetos e jovens e
adultos com pouca escolaridade, mas não é tarefa de pequena monta. É necessário atentar que a população
escolar de todo o ensino público de 1º grau somava, em 1989, pouco mais de 24 milhões de pessoas e, para
alcançar esse nível de atendimento, sociedade e setor público envidaram esforços ao longo de pelo menos
quatro décadas. 6 Portaria Ministerial MEC nº 1181 de 12/08/1994, que institui a Comissão Nacional de Educação de
Jovens e Adultos (BRASIL. MEC, 1994).
relacionadas à educação básica de jovens e adultos -, privilegiando o aumento da eficiência
interna do sistema e a focalização de recursos financeiros, materiais, técnicos e humanos na
educação fundamental de crianças e adolescentes (DI PIERRO, 1995a). Assim, são
perfeitamente válidas para o Brasil contemporâneo as conclusões de uma pesquisa regional
realizada pela Unesco que abarcou 13 países latinoamericanos:
"El estado actual de la educación primaria o básica de adultos sólo puede ser
interpretado como una decisión política, aún cuando se exprese en términos de
escasos recursos u olvido administrativo. De alguna forma se ha decidido
'privatizar' o 'personalizar' la cuestión de la educación básica para los
adultos, asumiendo una equivalencia entre población en edad escolar y
educación sistemática. (...)
La ausencia de una voluntad política respecto de la educación primaria o
básica de adultos se inscribe, además, en el auge del modelo económico
neoliberal en la región, del cual ha derivado la redución del gasto social
(incluidos los del sector educación), así como menor oportunidades sociales
para los jóvenes." (MESSINA, 1993, p. 191-2)
2. A municipalização induzida da educação básica de jovens e adultos
A inconstância das políticas e a descontinuidade administrativa na esfera federal de governo
repercutem fortemente nos estados e municípios, especialmente aqueles cujos sistemas de
ensino mantêm elevada dependência financeira de verbas federais.
Embora as constituições estaduais tenham reafirmado as obrigações do setor público
perante a educação fundamental de jovens e adultos, a legislação favorável aprovada ao
final da década de 80 não alterou substancialmente as políticas educacionais em curso. Ao
contrário, a ausência de diretrizes, incentivo e suporte financeiro do governo federal para o
ensino supletivo, a escassez de recursos próprios devida à queda da receita de impostos,
combinadas às pressões pela expansão e melhoria da qualidade do ensino pré-escolar e de 1º
grau regular, resultaram mais freqüentemente na estagnação ou declínio que na ampliação
dos serviços estaduais de educação de jovens e adultos (DI PIERRO, 1993).
A resultante deste processo vem sendo a "municipalização induzida", expressão que
empregamos para designar a transferência - não pactuada e sem gradualismo - dos encargos
relacionados às educação básica de jovens e adultos para a esfera municipal de governo.
A origem desse processo relaciona-se à trajetória do Mobral. Ao longo de 15 anos de
existência (1971-1986), o Mobral gozou de enorme autonomia7, estabelecendo sua
estrutura em paralelo aos sistemas de ensino existentes. Adotou uma política de
relacionamento direto com os municípios, sem mediação dos órgão estaduais de ensino,
criando em todo o país comissões locais que executavam diretamente o serviço educacional.
Deve-se creditar ao Mobral certa difusão geográfica das iniciativas de alfabetização de
adultos no país, embora sua memória evoque mais facilmente os reduzidos resultados
alcançados em virtude do desperdício de recursos, diretivismo pedagógico, despreparo do
pessoal docente e precariedade de funcionamento (LOVISOLO, 1978; MENDONÇA,
1985; PAIVA, 1982; FLETCHER, 1983; HADDAD, 1991). Quando em 1986 o Mobral foi
extinto, sua sucedânea, a Fundação Educar, abandonou a execução direta dos serviços
educacionais, passando à condição de órgão de fomento e apoio técnico, mediante a
assinatura de convênios com órgãos estaduais e municipais de ensino, empresas e entidades
comunitárias (COMISSÃO..., 1986). Numerosos municípios brasileiros conveniados à
Educar foram surpreendidos pela extinção do órgão em março de 1990, sem que houvesse
uma etapa de transição. Herdeiros de professores e classes de alfabetização e pós
alfabetização de jovens e adultos criadas pelos convênios com a Fundação Educar, os
municípios viram-se diante das alternativas de encerrar as atividades educativas em curso
(assumindo o ônus político que tal medida implica) ou mantê-las com recursos próprios,
sem que para isso tivessem acumulado experiência gerencial ou pedagógica. Ocorreu,
assim, sem qualquer gradualismo ou planejamento, uma transferência direta de
responsabilidades educacionais da União para os municípios.
7 A autonomia do Mobral deveu-se em grande medida ao fato de dispor de fonte própria de recursos,
proveniente do incentivo fiscal que admitia a indicação voluntária de 2% do valor do Imposto de Renda
devido por pessoas físicas e jurídicas.
Pesquisa realizada no Estado de São Paulo (HADDAD et al, 1993a; 1993b) revela que a
herança do Mobral e da Educar, somada à omissão federal e às políticas de transferências
de encargos dos estados às municipalidades, vêm induzindo os municípios (especialmente
aqueles de médio e grande porte) a criar, manter e ampliar serviços de educação de adultos,
especialmente aqueles correspondentes às séries iniciais do 1º grau. Dos 145 municípios
paulistas pesquisados, 84 (57,93%) mantinham programas neste nível e modalidade de
ensino; destes, 52,4 % iniciaram suas atividades recentemente, a partir de 1989, e 54,7%
declararam explicitamente ter se constituído em continuidade a programas do Mobral e da
Fundação Educar. Tendência similar foi observada na pesquisa nacional Impacto do ideário
da educação popular nas políticas municipais de educação de jovens e adultos
(HADDAD, 1995).
O crescimento do atendimento em educação de adultos pela esfera local de governo é
coerente com a determinação constitucional de que os municípios confiram prioridade à
educação fundamental. Em tese, as condições materiais para que esse atendimento seja
realizado são dadas pela obrigatoriedade na aplicação de 25% das receitas oriundas de
impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino, receita esta ampliada pela
descentralização dos recursos fiscais ao final da década de 80 (MELCHIOR, 1992;
RODRIGUEZ, 1993, 1994, 1995). As diferentes fontes consultadas demonstram a
ampliação da participação relativa dos municípios na receita pública:
Quadro IV: Brasil - Evolução da receita tributária disponível (1980-1990)
Participação na despesa pública total
Ano União Estados Municípios
1980 66,2% 24,3% 9,5%
1990 53,8% 30,4% 15,9%
Fonte: Fundap/Iesp. 1994. Apud: RODRIGUEZ, 1995.
Quadro V: Brasil - Distribuição da receita pública em 1983 e 1993 (Estimativa)
Receita Tributária Receita disponível
Ano União Estados Municípios União Estados Municípios
1983 57,8% 37,0% 5,2% 45,1% 39,6% 15,3%
1993 - - - 34,0% 41,6% 24,4%
Fonte: PINTO, 1992, p. 25.
Entretanto, o perfil dos municípios brasileiros é muito heterogêneo; a maioria deles tem
pequeno porte e arrecada receitas diminutas, dependendo fortemente das transferências de
recursos das demais esferas de governo para atender as carências sociais existentes.
Quadro VI: Tamanho dos municípios brasileiros (IBGE, 1992)
Tamanho Nº de Municípios %
até 5 mil habitantes 740 16,5
de 5 a 10 mil habitantes 1.055 23,5
de 10 a 20 mil habitantes 1.299 28,9
de 20 a 50 mil habitantes 926 20,6
de 50 a 100 mil habitantes 284 6,3
de 100 a 500 mil habitantes 162 3,6
de 500 mil a 1 milão de habitantes 13 0,3
mais de 1 milhão de habitantes 12 0,3
Total 4.491 100,00
Por outro lado, a demanda socialmente explícita por educação pré escolar, infantil e
superior é maior que aquela por educação de adultos, fazendo com que a dinâmica político-
eleitoral incline os dirigentes municipais a privilegiar o investimento nestes níveis de ensino.
Ademais, por razões históricas, a educação básica de jovens e adultos ainda não foi
internalizada pelos sistemas educacionais enquanto parte constitutiva do ensino
fundamental, como definido na nova Constituição (embora a Carta de 1988 afirme que o
ensino fundamental público e gratuito é obrigação do Estado e direito de todos,
independentemente de idade, planejadores educacionais e até mesmo pesquisadores
acadêmicos continuam computando a população escolarizável como aquela que se situa na
faixa etária de 7 a 14 anos, como a definia a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional 5692 de 1971).
Grande parte das prefeituras brasileiras não dispõe ainda de estruturas administrativas,
instalações físicas, quadro de professores formados e sequer acumulou experiência
pedagógica para prover um ensino fundamental de qualidade às populações infantil, jovem
ou adulta. Para que a descentralização fosse bem sucedida, seria necessário que a esfera
federal, exercendo sua função de instância coordenadora das políticas e compensadora das
desigualdades regionais, estabelecesse diretrizes e incentivos para que os municípios
incorporassem a educação básica de jovens e adultos a seus sistemas de ensino.
Além disso, a heterogeneidade do perfil municipal e o princípio da flexibilidade
recomendariam a adoção de estratégias diferenciadas para municípios com porte,
capacidade gerencial, técnica e financeira distintos. A capacitação dos municípios para
assumir parcela da responsabilidade pela oferta de educação básica de jovens e adultos
requer certo tempo e tende a incidir prioritariamente sobre a alfabetização e séries iniciais
do 1º grau. Restarão ainda pesados encargos da educação de jovens e adultos relativos às
séries finais do ensino de 1º grau e ao 2º grau, que deverão permanecer por longo tempo na
esfera estadual.
Não se pode, portanto, cogitar o desmonte das já frágeis estruturas dedicadas ao ensino
supletivo nos estados ou sequer a redução dos escassos investimentos nele realizados8.
8 Dados relativos ao financiamento da educação dão conta que em 1988 o governo federal efetuou apenas
0,1% e os estados 0,6% de suas despesas no ensino supletivo (GOLDEMBERG, 1993); se aplicados tais
percentuais aos dispêndios de 1990, obtém-se US$ 5,2 mil da União e US$ 54 mil dos estados, somando
menos de US$ 60 mil. De outro lado, até 1989, os estados eram ainda os principais mantenedores de
serviços de ensino supletivo, respondendo por 70% das despesas nele efetuadas, enquanto a esfera federal
respondia por 1%, a municipal por 15% e a particular por 14% (MELCHIOR, s.d). O montante de recursos
dedicados à educação de adultos mantém-se em patamares inferiores a 1% do orçamento dedicado ao ensino
de 1º grau e 0,2% do orçamento total do Ministério da Educação, enquanto as universidades federais
consomem mais de 57% dos recursos do órgão. A educação de 1º grau recebeu do orçamento federal de
1995 recursos da ordem de R$ 1,8 bilhões (aproximadamente US$ 2 bilhões). No orçamento do Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação de 1995, foram alocados recursos no valor de R$ 17 milhões (
US$ 19,4 milhões) para apoio a projetos de educação básica de jovens e adultos, dos quais R$ 9,3 milhões
((US$ 10,5 milhões) destinados às secretarias estaduais de educação das regiões Norte, Nordeste e Centro
Oeste, R$ 4 milhões (US$ 4,5 milhões) para as secretarias municipais de educação das capitais dos estados e
R$ 3,7 milhões (US$ 4,2 milhões) para dar continuidade a projetos desenvolvidos por órgãos não
governamentais. Entrevistado pela TV Cultura em novembro de 1995, o Ministro da Educação, Paulo
Renato Souza, mencionou que os recursos dedicados à educação básica de jovens e adultos deverão elevar-
se, em 1996, a R$ 36 milhões.
2º Capítulo - A pesquisa
1. Hipóteses e questões para a investigação
Inferimos da análise precedente que, no Brasil, a municipalização dos serviços de educação
básica de jovens e adultos é uma tendência histórica recente porém consistente que,
independente de juízos de valor que sobre ela se façam, impõe-se como terreno irrecusável
ao debate das políticas públicas. Ingressando neste debate e considerando o movimento
mais amplo das reformas educativas em curso, postulamos a hipótese de que a
municipalização dos serviços públicos de educação básica de jovens e adultos configura
uma estratégia de descentralização promissora tendo em vista os fins de democratização do
acesso, melhoria da qualidade e pertinência dos programas às necessidades educativas das
populações socialmente desfavorecidas.
Em tese, a municipalização é um processo de transferência de encargos e recursos que
pressupõe gradualismo, planejamento e negociação de termos de cooperação entre as
esferas de governo. No caso da educação de jovens e adultos, seria pertinente investigar a
hipótese de que os termos da cooperação entre as esferas de governo não vêm sendo
pactuados, e que a municipalização vem se processando pela combinação entre o
retraimento (quando não omissão) das esferas federal e estadual e a necessidade política que
os governos municipais têm de atender as demandas educacionais de segmentos sociais
locais.
No período recente de redemocratização das instituições políticas brasileiras, partidos cujas
plataformas eleitorais enfatizam as políticas sociais voltadas ao atendimento das
necessidades das populações trabalhadoras de baixa renda têm incorporado a educação
básica de jovens e adultos entre suas prioridades de governo. Nossa hipótese central é de
que a vontade política resultante deste compromisso de governo é condição primeira e
essencial para que as políticas públicas resultem em efetiva melhoria da qualidade e
democratização das oportunidades educacionais; porém, pode ser condição insuficiente se
não forem enfrentados os desafios de gestão do sistema público de ensino situados nos
terrenos do financiamento, da formação dos educadores e das relações entre as instituições
escolares, a população usuária e a sociedade civil organizada em seu entorno.
"Estamos diante da derrubada de numerosos preconceitos que marcaram o
setor da educação de adultos. Entre eles, merece ser mencionado aquele que
banaliza e desvaloriza as questões ligadas ao processo de ensino
aprendizagem e à administração das instituições educativas. Por um lado,
estão sendo colocadas - de maneira complexa - questões propriamente
pedagógicas. O discurso político é, definitivamente, insuficiente paras
responder por que os alunos fracassam ou abandonam os estudos ou quais as
condições necessárias para assegurar uma efetiva aprendizagem. Isto não
significa o fim da educação política nem da educação da consciência, mas é,
certamente, o fim das fórmulas mágicas e da simplificação dos problemas.
Significa, no entanto, uma revalorização da psicologia escolar e social
aplicada aos adultos (...). Por outro lado, questões de natureza organizacional
(das escolas, dos cursos) têm sido apontadas como básicas para o êxito do
processo de aprendizagem, colocando limites tanto ao espontaneísmo quanto à
burocratização das atividades." (PAIVA,.1994, p. 28)
A pesquisa que se segue tem por finalidade subsidiar a formulação de políticas públicas de
educação na esfera local de poder. O estudo registra sistematicamente a implantação de
uma experiência municipal inovadora de educação básica de jovens e adultos (EBJA) que,
informada pelo ideário da educação popular, logrou inserir-se dentre as prioridades da
política municipal de educação. Pretende ainda analisar como no caso específico foram
equacionados seis aspectos que nossos estudos anteriores evidenciam ser críticos ao
desenvolvimento de programas de EBJA: a incorporação orgânica ao sistema municipal de
ensino; o atendimento à demanda; o financiamento; a carreira e formação dos educadores;
os termos da cooperação com as demais esferas de governo; e os mecanismos de
relacionamento entre governo e sociedade civil para a gestão desse serviço educativo.
Para atender aos objetivos acima enunciados, propusemo-nos responder às seguintes
questões:
Quanto à incorporação orgânica da educação de adultos ao sistema municipal de ensino:
Que fatores históricos, político-institucionais e sociais impulsionaram a criação e
legitimaram o desenvolvimento do programa municipal de educação básica de jovens
e adultos? A constituição do programa municipal respondeu à descentralização de
serviços federais (Mobral/Educar) previamente existentes? Representou o
reconhecimento de um direito social, configurando uma resposta do poder executivo
à nova ordem jurídica instaurada pela Constituição de 1988? Teria sido uma resposta
do poder público a demandas e pressões manifestas da população local?
Qual a configuração do atendimento educacional no município? Qual a participação
das dependências administrativas (federal, estadual, municipal, particular) neste
atendimento e sobre quais níveis e modalidades de ensino incidem?
De que maneira a educação básica de jovens e adultos foi incorporada ao sistema
municipal de educação? Qual a configuração desse sistema municipal e sobre quais
níveis e modalidades de ensino ele incide? Qual o grau de institucionalização
alcançado pela educação básica de jovens e adultos no sistema muncipal de ensino?
Há legislação instituindo e regulamentando esse serviço educacional?
Qual a estrutura e funcionamento do programa municipal de educação básica de
jovens e adultos (duração, seriação, currículo mínimo, avaliação, certificação, etc.)?
Quanto ao atendimento à demanda por educação básica de jovens e adultos:
Qual a demanda potencial por educação básica de jovens e adultos no município?
Qual o contingente total de analfabetos absolutos e funcionais? Quais os níveis de
escolaridade da população jovem e adulta?
Existem serviços de educação básica de jovens e adultos mantidos por outras esferas
de governo, pelo setor privado e por instituições da sociedade civil? Em caso
positivo, qual a abrangência quantitativa desses serviços?
Qual a demanda explícita por educação básica de jovens e adultos no município? Há
pressões da sociedade local pela expansão desse atendimento? Em caso positivo,
quais são os atores sociais envolvidos, quais suas reivindicações e formas de
expressão?
Quais os indicadores de rendimento escolar (matrícula, evasão e repetência)?
Quanto ao financiamento da educação básica de jovens e adultos:
Qual o montante total dos recursos financeiros do município empregados na
manutenção e desenvolvimento do serviço municipal de educação básica de jovens e
adultos? Qual a participação relativa dessa despesa no orçamento global do
município e no orçamento da educação? Como esse investimento evoluiu no tempo?
Quais as fontes dos recursos investidos em educação básica de jovens e adultos?
Qual a contribuição relativa das fontes próprias, e dos repasses financeiros do Estado
ou da União?
Quais os ítens de custeio sobre os quais o investimento municipal se faz presente
(construção e manutenção de edifícios, remuneração de professores, distribuição de
merenda e material didático, etc)?
Há fontes indiretas de financiamento do serviço provenientes de outros agentes
governamentais ou da sociedade civil (tais como cessão de salas de aula de outras
redes de ensino e comunidades, colaboração de universidades na formação de
educadores, etc)?
Quanto à carreira e formação dos educadores:
Quais os mecanismos de seleção e o regime de contratação dos educadores
dedicados à educação básica de jovens e adultos? Eles estão contemplados no
estatuto do magistério municipal? Qual a jornada de trabalho e os níveis salariais
percebidos?
Quais os requisitos mínimos de formação dos professores que atuam na educação
básica de jovens e adultos e qual o perfil médio de formação dos quadros docentes e
técnicos?
Há processos de formação dos educadores em serviço? Em caso positivo, quais os
processos de formação em curso e quais os agentes formadores?
Quanto aos mecanismos de relacionamento entre governo e sociedade civil para a
gestão desse serviço educativo:
Há mecanismos de gestão participativa dos serviços educacionais do município
(Conselho Municipal de Educação, orçamento participativo, conselhos de escola,
etc)? Em caso positivo, como funcionam e de que maneira incidem sobre o programa
municipal de educação básica de jovens e adultos?
O município estabelece parcerias com agentes da sociedade civil na oferta de serviços
de educação básica de jovens e adultos? Há convênios ou similares mantidos com
entidades filantrópicas, privadas, comunitárias, cooperativas, empresas, etc? Em caso
positivo, quais os termos das parcerias estabelecidas?
Para respondê-las, coletamos dados sobre os seguintes aspectos: histórico, estrutura e
funcionamento do programa de EBJA; contextualização do programa no interior do sistema
educacional local; proposta político-pedagógica, explícita em documentos e implícita no
discurso dos agentes; demanda potencial por educação básica de jovens e adultos, estimada
segundo dados censitários; cobertura da demanda e evolução do atendimento aferidas por
dados de matrículas e rendimento escolar; amplitude e características da rede física de salas
de aula e/ou escolas; fontes e montantes de financiamento, aferidos por dados globais de
investimento em educação e participação porcentual do programa nas despesas efetuadas;
mecanismos de recrutamento, seleção, contratação e formação em serviço dos professores;
relações entre poder público e sociedade civil pertinentes ao programa, expressas em
parcerias, instâncias colegiadas de gestão ou outras formas peculiares ao caso.
2. Revisão da bibliografia e enquadramento teórico do estudo
A interpretação do problema colocado pela pesquisa envolve questões teóricas diversas. A
primeira delas refere-se à importância atribuída às políticas de educação básica de jovens e
adultos em cada configuração histórica, relacionada aos modelos de desenvolvimento, às
tendências do pensamento educacional e às políticas sociais e de reforma educativa em
curso.
Em estudo que propõe uma aproximação teórica para a análise da educação de adultos
(EDA) na América Latina, Pablo Latapí (1986) formula a hipótese de que sua
marginalidade no interior das políticas educacionais resulta, de um lado, da escassa força de
pressão e negociação da clientela face ao Estado e, de outro, que seus resultados não são
significativos para os propósitos do Estado na promoção do desenvolvimento. Assim, as
decisões de impulsionar políticas de educação de adultos não seriam determinadas pelas
demandas de seus potenciais beneficiários, em virtude de sua debilidade política, e sim por
interesses formulados por iniciativa unilateral do Estado. No campo dos interesses políticos
do Estado, a implementação de políticas de EDA responderia aos propósitos de prevenir ou
manejar conflitos atuais ou potenciais de natureza estrutural ou conjuntural, assegurar sua
legitimação face os setores populares e expressar o "interesse geral" pelo qual ele é
responsável. No campo dos interesses econômicos, as políticas de EDA responderiam aos
objetivos de incorporação de novos grupos sociais à produção e ao consumo modernos e de
adequação da força de trabalho às exigências do processo produtivo. Com respeito aos
interesses educativos do Estado, as políticas de EDA teriam os propóstitos de elevar os
conhecimentos e dinamizar a cultura dos setores populares com vistas a consolidar a coesão
social e a unidade nacional, melhorar as condições de vida dos setores populares
enfatizando sua capacidade de auto-promoção ou impulsionar sua participação social e
formas de organização.
Há uma significativa produção teórica que analisa a expansão dos sistemas públicos de
educação na história latinoamericana a partir da década de 1930 e a importância relativa
então conferida à alfabetização de adultos, relacionando estes fenômenos ao modelo de
desenvolvimento nacional populista (BEISIEGEL, 1974, 1989; GAJARDO, 1984; PAIVA,
1973; TORRES, 1983a). No caso brasileiro, a ação do governo federal entre os anos 47 e
64 caracterizou-se pela promoção de campanhas de alfabetização de adultos, política esta
influenciada pelo ideário difundido pela UNESCO em prol de uma educação de base para as
massas. Embora alguns autores atribuam às campanhas de alfabetização deste período o
propósito estrito de incrementar o contingente eleitoral de modo a ampliar a base de
sustentação política do regime populista, o fenômeno merece interpretação mais complexa.
A Campanha de Educação de Adultos desencadeada em 1947 somou-se a medidas
previamente adotadas que tendiam à implantação de uma rede oficial de ensino primário
supletivo para adultos analfabetos. Tais medidas inseriam-se em um processo mais geral de
ampliação do aparato de ensino e diversificação da oferta educacional que respondia a
transformações nas estruturas sociais e sistemas de poder decorrentes da modernização,
urbanização e industrialização em curso:
"(...) os projetos referidos à extensão da educação comum, nesse período,
adquiriam impulso no âmbito de uma política de extensão de direitos, dirigida
para a incorporação das populações urbanas às bases de sustentação de um
esquema nacional de poder, e com funções de acomodação de tensões que se
avolumam nos meios urbanos." (BEISIEGEL, 1974, p. 77).
A literatura também abarca teorizações sobre a função das políticas públicas de educação de
adultos na produção de consenso social e legitimação ideológica do Estado burocrático
autoritário na década de 70, e seus nexos com o projeto de modernização dependente
(ANDRADE, 1980; HADDAD,1991; LOVISOLO, 1987; MENDONÇA, 1985; PAIVA,
1982). O Mobral teria conformado uma rede de instituições educacionais capaz de fazer
frente à robusta presença da Igreja Católica progressista, que se interpunha como obstáculo
ao intento de legitimação do regime, ao passo que o Ensino Supletivo exprimia as
expectativas depositadas na educação formal pelo pensamento educacional informado pela
teoria do capital humano.
Quanto ao período mais recente de democratização dos regimes políticos e crise
econômica, marcado pela redefinição das funções do Estado e das relações econômicas
internacionais, a produção teórica sobre a educação de adultos está polarizada entre duas
perspectivas. Baseada na avaliação de fracasso das políticas precedentes de alfabetização de
adultos em massa, uma linha de argumentação postula que, em condições de crise de
financiamento do Estado, cabe focalizar os escassos recursos públicos disponíveis na
educação primária das novas gerações9.
No pólo oposto, desenvolve-se uma posição que revaloriza a educação de adultos, tomada
enquanto estratégia de atendimento às necessidades educativas emergentes no contexto de
mudança tecnológica, globalização econômica e cultural (GARCÍA-HUIDOBRO, 1994;
INFANTE R., 1994; PAIVA, 1994)10.
"(...) as características deste final de milênio indicam que o acesso ao
desenvolvimento contemporâneo depende fortemente da qualificação capaz de
assegurar elevado desempenho aos membros de uma dada sociedade. A
revolução ocorrida na informação supõe letramento em contínua ascenção,
muitos conhecimentos específicos e uma educação geral que possibilite não
apenas adaptações sucessivas ao longo da vida, mas disposição e atitudes
compatíveis com as novas condições da produção, do consumo e da vida
moderna. (...) Nenhum país nos nossos dias será capaz de enfrentar a nova
configuração produtiva e a competição internacional sem uma revisão ampla
da qualidade do seu sistema de ensino como um todo e sem o estabelecimento
de políticas abrangentes de educação de jovens e adultos. Esta é hoje mais
importante que no passado devido à necessidade de constante readaptação a
situações novas geradas, em todos os níveis da vida social, pelos rápidos
câmbios tecnológicos." (PAIVA, 1994, p. 30).
Uma segunda ordem de problemas teóricos refere-se às políticas de descentralização que
vêm se configurando como estratégia privilegiada de reforma educativa em quase toda a
América Latina. O movimento de ampliação formal dos direitos educativos e expansão
quantitativa dos sistemas de ensino fundamental observado nos últimos 30 a 40 anos foi
negativamente impactado na década de 1980 pelas dificuldades crescentes de financiamento
9 Entre nós, os principais divulgadores deste ponto de vista têm sido o ex Ministro José Goldemberg, o
Senador Darci Ribeiro e os pesquisadores Cláudio Moura Castro e Sérgio Costa Ribeiro. Seus
pronunciamentos públicos têm consonância com a tese defendida pelos organismos multilaterais de
cooperação liderados pelo Banco Mundial, de cujos financiamentos para a educação dependem
crescentemente os governos latinoamericanos (BANCO MUNDIAL, 1992; CORAGGIO, s.d.; WARDE,
1992, 1993b). 10 O documento Educación y Conocimiento (CEPAL. UNESCO, 1992) exprime uma das apropriações
latinoamericanas desta perspectiva. A Cepal propõe a criação de condições educacionais, de capacitação e
de incorporação do progresso científico-tecnológico que tornem possível a transformação das estruturas
produtivas da região em direção à competitividade internacional, num marco de progressiva eqüidade
social. Para tanto, considera necessário redefinir o papel do Estado e promover a reforma dos sistemas
educativos.
do Estado, configurando uma crise educacional que colocou na pauta das políticas públicas
sociais a exigência de reformas educativas. Dentre as diversas esferas sobre as quais incidem
os diagnósticos da crise educacional, destaca-se a da gestão dos sistemas de ensino
historicamente centralizados, frente à qual as propostas de reforma recomendam sejam
implementados processos de descentralização, visando a superar os problemas de
pertinência, eficácia e eficiência dos sistemas educativos da região (HEVIA RIVAS, 1991).
A discussão teórica relacionada às experiências concretas de reformas educativas
implementadas pelos países do continente incide sobre as diferentes racionalidades político-
ideológicas (liberal-economicista e crítico-participativa) que têm inspirado os processos de
descentralização em educação, das quais resultam distintas modalidades (desconcentração e
descentralização), domínios de ação (econômico-financeiro, administrativo, pedagógico-
curricular) e estratégias (regionalização, municipalização, nuclearização e privatização)
(CASASSUS, 1990; HEVIA RIVAS, 1991; LOBO, 1990; RODRIGUEZ, 1993, 1995).
A produção acadêmica brasileira sobre o tema trata especialmente da estratégia de
municipalização da educação, uma vez que a insuficiente definição legal sobre a divisão de
encargos do ensino fundamental entre as esferas de governo coincide com uma crise aguda
de gestão das redes estaduais de ensino, impulsionando diversas iniciativas de delegação
parcial de encargos e recursos dos governos federal e estaduais às municipalidades
(AMARAL SOBRINHO, 1994; BARRETO, 1990; PACHECO, 1995; PINTO, 1992).
O debate sobre a municipalização do ensino fundamental está polarizado. Seus críticos
ponderam os limites financeiros e técnicos de grande parte dos municípios brasileiros para
prover uma educação de qualidade às camadas populares e atribuem às oligarquias arcaicas
posicionadas na esfera local de poder a carga histórica maior do clientelismo, fisiologismo e
corrupção; nesta linha de interpretação, a estratégia de municipalização da educação implica
retrocesso político, riscos de privatização de recursos públicos e dificuldades adicionais à
democratização de um ensino de qualidade. Os defensores da municipalização argumentam
que a administração a nível local favorece a participação popular na gestão, ampliando o
controle social sobre os serviços, o que resulta em maior eficácia e pertinência do sistema
de ensino, bem como amplia a transparência no emprego dos recursos públicos.
As polêmicas sobre a descentralização e a municipalização remetem às temáticas do poder
local e das formas de cidadania ativa11, questões teóricas emergentes na Sociologia e
Política. Argumenta-se que a ampliação do poder local confere nova qualidade à
democracia e potencializa mudanças na correlação de forças sociais, pois confere sentido à
emergência de novos sujeitos sociais à medida que produz interlocutores para os
movimentos populares, favorecendo seu crescimento e mobilização. A criação de canais
orgânicos e mecanismos institucionais de comunicação, articulação e participação da
população na gestão das políticas públicas, por sua vez, torna o Estado menos permeável
aos interesses das oligarquias e elites econômicas, favorecendo o acesso de representantes
das camadas populares às funções de direção da esfera pública através da ampliação da
competição eleitoral (BARRETO, 1990; LOBO, 1990; RODRIGUEZ, 1993).
3. Procedimentos metodológicos e técnicos
3.1. Metodologia de estudo de caso: limites e potencialidades
Originária dos estudos clínicos da pesquisa médica e psicológica, a metodologia de estudo
de caso constituiu-se em uma das principais modalidades de pesquisa qualitativa empregada
pelas Ciências Sociais para abordar indivíduos, organizações e comunidades. Na tradição da
Sociologia e da Antropologia Social, o estudo de caso combina-se a uma gama de
abordagens qualitativas (história oral, observação participante, etnografia, etc) e seu
emprego assenta-se no suposto de que a exploração intensa de um único caso permite
conhecer adequadamente um fenômeno e desenvolver declarações teóricas sobre
regularidades do processo e estrutura sociais. Assim, foram os sociólogos da educação os
pioneiros a empregarem a metodologia de estudo de caso na pesquisa educacional brasileira
(PEREIRA, 1976).
11 O conceito de cidadania ativa designa a emergência de novas formas de soberania popular nas modernas
sociedades de massas, pelas quais combinam-se a representação institucional democrática (pela via
partidária e eleitoral), o controle social e a participação direta dos cidadãos na vida pública, em instâncias
de democracia direta e semi direta (BENEVIDES, 1991).
Os estudos de caso difundiram-se na pesquisa educacional contemporânea quando esta
tomou para si as problemáticas da construção social da escola e do cotidiano escolar
(ROCKWELL & EZPELETA, 1985; LUDKE & ANDRE, 1986), privilegiando a unidade
escolar e seu entorno social como objetos de investigação.
Mais recentemente, a metodologia de estudo de caso vem sendo utilizada no Brasil para
registrar experiências bem sucedidas, de modo a disseminar inovações educacionais e
informar políticas públicas (INEP, 1992; CENPEC, 1993a, 1994).
A principal limitação imputada à metodologia de estudo de caso recai sobre as restrições à
generalização de seus resultados (ANDRÉ, 1984). Todo estudo de caso admite
generalizações sobre as relações observadas entre os elementos estudados, adequadamente
interpretadas à luz da teoria. Entretanto, estas relações podem ser extremamente variáveis,
o que torna o caso único e as generalizações resultantes do seu estudo intransferíveis para
outros contextos e inoperantes para a previsão de eventos. Esta limitação pode ser superada
pela coleta e comparação de um número significativo de casos e o isolamento dos efeitos
das diversas variáveis intervenientes. Assim, se assumirmos uma visão histórica da produção
de conhecimento, admitiremos que os estudos de caso podem contribuir para o
desenvolvimento da teoria (BECKER, 1994).
Discutindo os problemas de generalização e as dificuldades epistemológicas e
metodológicas de estudos qualitativos de processos singulares, o sociólogo francês Bernard
Charlot12 considera necessário distingüir representatividade de significância. Segundo ele, o
estudo de indivíduos ou casos extremos não permite extrair generalizações mas possibilita
descobrir processos universais que ajudam a compreender o fenômeno geral, desde que os
casos selecionados constituam grupos significativos e a análise preserve a coerência entre as
hipóteses e as questões de pesquisa. Entretanto, alerta que, quando tais estudos visam
informar políticas públicas de educação, é necessário testar a representatividade de seus
12 Notas de conferência sobre o estado da arte da sociologia da educação francesa proferida na PUC/SP em
23/08/1995.
achados (os processos identificados) em estudos estatisticamente válidos para as categorias
populacionais em apreço.
Por outro lado, o estudo de caso tem sido apontado como um instrumento particularmente
útil para delinear problemas novos de pesquisa e construir hipóteses explicativas frente a
campos pouco explorados do conhecimento. É sua característica uma abordagem
abrangente do objeto estudado e o levantamento de um grande número de elementos
descritivos e problemas teóricos. A metodologia faculta que o problema e as hipóteses
preliminares possam alterar-se no curso da pesquisa, à medida que os dados colhidos
indiquem novas direções interpretativas.
O município configura uma unidade espacial de análise adequada à compreensão de
fenômenos educacionais afetos a jovens e adultos trabalhadores inseridos em sociedades
complexas, nas quais a socialização dos indivíduos e a transmissão de conhecimentos
extrapolam os âmbitos da família e da escola, que mantêm estreita interdependência e
intenso intercâmbio com o território (instituições públicas, comunitárias, religiosas, locais
de trabalho etc). Nesta perspectiva, os agentes do processo escolar - educandos e
educadores - são entendidos como atores em um sistema social amplo, e a escola como
agência organizadora de aprendizagens, contatos e experiências múltiplas (CAMPOS,
1995).
O estudo de um caso de política municipal empreendido pela presente pesquisa admite os
limites de generalização acima indicados, mas apresenta a vantagem relativa de inserir-se em
um projeto maior de pesquisa que reuniu dados sobre numerosos municípios do país, o que
lhe oferece elementos adicionais de análise e comparação e faculta o isolamento de algumas
variáveis intervenientes mais significativas. Sempre que possível, os fatos observados no
Município estudado foram cotejados com outros casos e confrontados com pesquisas mais
abrangentes realizadas no âmbito nacional e regional.
Assim, espera-se que este estudo de um caso extremo permita indicar hipóteses e categorias
analíticas que sirvam de instrumentos a pesquisas futuras de maior abrangência. Como
registro sistemático de uma experiência inovadora, pode ainda informar a formulação de
políticas municipais de educação básica de jovens e adultos, uma área carente de
informações e referências.
3.2. Fontes e critérios para seleção do caso
O presente estudo de caso integra-se e compõe um projeto de pesquisa maior coordenado
pelo Prof. Dr. Sérgio Haddad intitulado "Impacto do ideário da educação popular nas
políticas municipais de educação de jovens e adultos", que problematiza o trânsito do
pensamento educacional informado pelo paradigma da educação popular da esfera da
sociedade civil para a esfera do Estado, manipulando categorias analíticas (diálogo,
conscientização, participação, entre outras) pertinentes ao próprio paradigma.
Nosso aporte à análise realizada no estudo maior situa-se no terreno específico da
formulação e implementação de políticas educacionais, bem como da gestão de programas
educativos, focalizando os problemas da democratização de oportunidades educacionais, da
descentralização dos sistemas educativos e da sua gestão político-administrativa, financeira
e pedagógica. O trabalho preserva sua originalidade e autonomia ao propor um problema de
pesquisa próprio e oferecer uma contribuição analítica distinta daquela proposta pelo
projeto maior coordenado pelo orientador da Dissertação. Este procedimento é avalizado
por recente avaliação da produção discente em programas de Pós Graduação em Educação,
que indica ser promissora a emergência da integração temática, teórica e metodológica
entre pesquisas de pós graduandos e orientadores, quando a unidade entre os projetos não
se dá por justaposição ou homogeneidade, mas por acumulação, rompendo-se a tendência
dominante na área de dispersão e variação temática (WARDE, 1993a, p. 69).
Partindo da hipótese de que o ideário da educação popular encontraria maior adesão nas
políticas educacionais de governantes do espectro político-partidário de centro-esquerda
(tendentes a privilegiar políticas sociais dirigidas às populações de baixa renda), a pesquisa
"Impacto do ideário da educação popular nas políticas municipais de educação de jovens
e adultos" procedeu a um inquérito com um universo de 384 administrações municipais
que, na gestão iniciada em 1993, são governadas por prefeitos dos partidos Democrático
Trabalhista (PDT), Socialista Brasileiro (PSB), da Social Democracia Brasileira (PSDB) e
dos Trabalhadores (PT). O índice de resposta à enquete foi de 19,27%, correspondendo a
74 municípios, sendo que 60 deles (81%) mantinham serviços de educação básica de jovens
e adultos.
Para efeito de nosso estudo, selecionamos dentre estes 60 municípios um caso em que a
política municipal configurou elevado grau de identidade com o paradigma da educação
popular e cujos dados disponíveis indicavam esforços relevantes de expansão quantitativa e
melhoria qualitativa do atendimento em educação básica de jovens e adultos; foi priorizada
uma experiência que já alcançou certo grau de consolidação, sobrevivendo aos embates
político-eleitorais municipais por duas gestões consecutivas.
Estes critérios indicaram para o Município de Porto Alegre (RS), uma capital de grande
porte, tributária de correntes migratórias intra-regionais provenientes do campo ou de
cidades menores, que apresenta elevados índices de urbanização da população, economia
urbana dinâmica e diversificada e arrecadação de impostos relativamente elevada, estando
pois dotada de capacidade de investimento em educação. Porto Alegre apresenta grande
demanda potencial por educação básica de jovens e adultos motivada pelas condições
sociais em que vem se dando seu desenvolvimento urbano industrial e por exigências
crescentes por escolaridade de um mercado de trabalho seletivo e competitivo, cuja
explicitação é favorecida pelas políticas públicas municipais de educação e gestão
participativa.
Considerada a diversidade dos 4.974 municípios brasileiros, o caso compreendido pelo
presente estudo não configura uma amostra representativa ou um tipo médio. Ao contrário,
do ponto de vista das políticas de educação básica de jovens e adultos, configura um caso
extremo.
3.3. A coleta de dados
Realizamos um levantamento bibliográfico que privilegiou documentos oficiais de políticas
e orientações pedagógicas do órgão municipal de educação, particularmente aqueles
relativos ao programa de educação de jovens e adultos. Também foram apurados materiais
didáticos e documentos de legislação que regulamentam o programa. Secundariamente,
procedeu-se a uma revisão da bibliografia relacionada direta ou indiretamente ao programa
municipal de educação de jovens e adultos estudado. Apenas alguns títulos referiam-se a
pesquisas que tiveram por objeto de estudo o SEJA de Porto Alegre; dentre elas, destaca-se
a dissertação de Scomazzon (1991), que focalizou a etapa de elaboração do projeto (1989-
1990), a prática pedagógica dos educadores e as representações dos alunos acerca de
educação, trabalho e sociedade.
Foram coletadas estatísticas sócio-demográficas e educacionais da populações do Município
junto a fontes oficiais (especialmente aquelas do Recenseamento do IBGE de 1991), com
vistas a aferir a demanda potencial por educação básica de jovens e adultos. Os dados
relativos ao financiamento da educação municipal foram coletados junto ao Núcleo de
Gestão Municipal do Instituto Pólis, tendo por fontes o Tribunal de Contas da União e o
Ministério da Fazenda. Junto aos órgãos públicos estadual e municipal de educação foram
coletados os dados de atendimento educacional e rendimento escolar. Para obtenção de
estatísticas de atendimento, rendimento e dados financeiros mantivemos contato com a
Assessoria Técnica de Planejamento da Secretaria Municipal de Educação (SMED) de
Porto Alegre e com a Divisão de Estudos Supletivos da Secretaria de Estado da Educação
do Rio Grande do Sul.
O trabalho de campo transcorreu em maio de 1995 e desenvolveu-se através de entrevistas,
observações de reuniões e salas de aula e recolha de documentos e estatísticas nos órgãos
municipal e estadual de educação. A coleta desses dados e o agendamento das visitas e
entrevistas foram previamente autorizados e mediados pela SMED, que cooperou com a
pesquisa das mais diversas formas, inclusive cedendo veículos para deslocamentos às
escolas.
As entrevistas cobriram quatro categorias de agentes: dirigentes educacionais; equipe
técnica; professores e alunos dos programas municipais de educação básica de jovens e
adultos. As entrevistas duraram entre 30' e 1:30h. Todas elas foram gravadas e os textos
resultantes da degravação das entrevistas foram editados.
As entrevistas com os dirigentes obedeceram a um roteiro de questões abertas (Anexo 1)
que visava a recuperar a história do programa municipal de educação básica de jovens e
adultos, inseri-la no contexto político do município e capturar as eventuais identidades de
suas diretrizes político-pedagógicas com o ideário da educação popular.
Para compreender as oscilações que a política municipal de educação básica de jovens e
adultos sofreu após a promulgação da Constituição Federal de 1988, foram entrevistados
individualme os três Secretários Municipais de Educação de Porto Alegre dos últimos seis
anos: Esther Pillar Grossi (1989-1992), Nilton Bueno Fischer (1993) e Sônia Pilla Vares
(1993-1995).
O grupo que coordena o Serviço de Educação de Jovens e Adultos desde sua criação em
1989 até o momento da pesquisa - constituído por Liana Borges, Odete Bresolin, Dione D.
Busetti, Roselaine da Silva e Ana Baumgarten - foi entrevistado coletivamente. Uma das
pedagogas que compôs inicialmente este grupo mas retirou-se do SEJA em meados de
1991, Maria Carmem Barbosa, é hoje professora da Faculdade de Educação da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e foi entrevistada separadamente.
As técnicas e professoras entrevistadas foram caracterizados através de questionários
(Anexos 3 e 5) auto aplicados. As entrevistas com oito dos dez membros da equipe técnica
e com as professoras foram realizadas em grupos, em momentos de reuniões ordinárias, e
seguiram roteiros de questões abertas (Anexos 2 e 4) cujos objetivos eram caracterizar a
prática pedagógica, apreender o grau de incorporação das diretrizes político-pedagógicas
do programa e sua identidade com o ideário da educação popular. O grupo de seis
professoras entrevistadas foi indicado pela equipe técnica, atendendo ao critério de
diversidade local de trabalho, idade e experiência no programa.
Os dois grupos de alunos entrevistados foram caracterizados através de questionário sócio-
econômico aplicado com o auxílio da entrevistadora e dos professores (Anexo 7) e foram
selecionados pela Coordenação, atendendo aos critérios de diversidade de local de estudo,
sexo e tempo de ingresso no programa. As entrevistas com os alunos realizaram-se em
pequenos grupos, nos locais e horários de aula, seguindo um roteiro aberto de questões
(Anexo 6) que visava aferir os objetivos com o estudo, o grau de satisfação com o mesmo,
as relações com os educadores e com os conteúdos da aprendizagem, assim como sua
participação na gestão do programa e no desenvolvimento do processo de ensino
aprendizagem.
As observações de campo foram registradas por escrito em caderno de campo e
sistematizadas em relatórios imediatamente após as observações. Foram observadas uma
reunião ordinária do GAP - Grupo de Apoio Pedagógico, realizada nas tardes de sexta-
feira, e uma reunião pedagógica local dos professores do CEMEJA, realizada
ordinariamente às quartas-feiras. Também foi possível observar o funcionamento do
"Concílio", apelido conferido pelos professores às noites de quarta feira, quando todos os
professores do SEJA que trabalham em horário noturno se reúnem em pequenos grupos sob
orientação dos membros do GAP (essas reuniões são realizadas simultaneamente nas
dependências do Centro Municipal de Educação de Jovens e Adultos). Observamos ainda
uma reunião da equipe de Coordenação do SEJA e das educadoras de rua com um assessor,
destinada ao planejamento estratégico das atividades da Escola Porto Alegre, que seria
inaugurada ainda em 1995 para atender meninos e meninas de rua no centro da cidade.
Devido ao reduzido tempo de permanência em Porto Alegre e à concentração de atividades
em período noturno, não foi possível observar sistematicamente muitas atividades diretas de
ensino, ainda que a convivência nas escolas para entrevistas tenha permitido uma
observação assistemática das rotinas escolares. Foi feita apenas uma observação específica
de uma sala de aula que funciona em período vespertino em um Centro Comunitário Parque
Manequinho (CECOPAM), equipamento público de uso múltiplo gerido pela FESC -
Fundação de Educação Social e Comunitária.
O período de trabalho de campo coincidiu deliberadamente com a realização do Congresso
Municipal Escola Constituinte (Porto Alegre, RS: 26 e 27/05/1995), evento convocado pela
SMED que culminou um processo de discussão iniciado nas escolas no ano de 1994. O
Congresso foi convocado para deliberar sobre diretrizes orientadoras para a revisão do
Regimento das Escolas Municipais em três áreas temáticas: gestão da escola, princípios de
convivência, concepção de currículo e avaliação.
3º Capítulo - O caso de Porto Alegre
Capital do Estado meridional do Rio Grande do Sul e pólo de Região Metropolitana, a
cidade de Porto Alegre possui 1.263.403 habitantes (IBGE, 1991) e ocupa uma área de 471
km2 em uma península que se projeta sobre o Rio Guaíba - estuário que interliga os rios
Taquari, Jacuí, Caí, dos Sinos e Gravataí ao Oceano Atlântico por intermédio da Lagoa dos
Patos. Com uma densidade demográfica de 2.677 habitantes por km2, apresenta uma taxa
de crescimento demográfico anual da ordem de 1%.
Seu povoamento remonta ao século XVIII e sua história é marcada pelo regionalismo
gaúcho - desde as disputas luso-hispânicas pelo "Continente de São Pedro" no Período
Colonial até o movimento tenentista nos anos 30, passando pelo federalismo farroupilha no
Império e pelo republicanismo de inspiração positivista do final do século XIX.
Dotado de uma economia dinamizada pela vitalidade de seu hinterland agrícola, o
Município acumula as funções portuária, comercial, de centro de serviços e industrial
(destacando-se as indústrias metalúrgicas e de alimentos) com a condição de sede político-
administrativa de governo.
Ainda que comparativamente ao restante do País apresente indicadores favoráveis, a cidade
não está isenta de graves problemas sociais. Tributária de migrações intra-regionais, Porto
Alegre tinha, em 1992, 266.400 habitantes (21% de sua população total) vivendo em 230
favelas (que aí recebem a denominação de vilas). Segundo o Censo de 1991, 12,76% dos
chefes de domicílios percebiam até 1 salário mínimo e 17,58% deles percebiam entre 1 e 2
salários mínimos de renda mensal.
Os últimos governos municipais foram ocupados por partidos políticos do espectro de
centro esquerda e, nas eleições majoritárias, os partidos oposicionistas ao governo federal
têm obtido elevada votação. Até 1992, os 850.000 eleitores da cidade mantiveram a
tradição de não reconduzir membros de um mesmo partido político ao governo municipal; a
exceção foi aberta com a eleição para Prefeito do advogado Tarso Herz Genro, sucessor do
bancário Olívio Dutra, ambos do Partido dos Trabalhadores. Grande parte do sucesso
obtido pelo PT em Porto Alegre deve-se à adesão da população à proposta de gestão
participativa do orçamento municipal e à repercussão positiva da primeira administração do
Partido na área educacional.
1. O ensino básico no Município de Porto Alegre
O atendimento educacional em pré escolas e no ensino de 1º e 2º graus no Município de
Porto Alegre somava, em 1992, mais de 280 mil alunos. Considerando-se que a população
na faixa etária de 5 a 14 anos totalizava 232.207 pessoas (IBGE, 1991) e o atendimento pré
escolar e no 1º grau somava 235.577 matrículas em 1992, pode-se afirmar que o acesso das
crianças e adolescentes à educação fundamental aproxima-se da universalização. A rede
estadual de ensino era responsável pela maior parcela da matrícula nos três níveis de ensino,
enquanto a participação da rede municipal situava-se em torno de 10% da matrícula total.
Quadro VII: P. Alegre - Matrícula inicial por nível de ensino e depend. administrativa (1992)
Redes Municipal Estadual Particular Total
Nível Nº %RME %Tot Nº %REE %Tot Nº %RPE %Tot Nº %
Pré esc. 2599 8,84 11,40 10214 5,85 44,81 9977 12,72 43,77 22790 8,07
1º grau 25412 86,47 11,94 132678 76,01 62,35 54697 69,76 25,70 212787 75,36
2º grau 1375 4,67 2,94 31645 18,13 67,69 13728 17,51 29,36 46748 16,55
Total 29386 100 10,40 174537 100 61,82 78402 100 27,77 282325 100
Fonte: Equipe Informática SMED; Informática SERS. Apud: Instituto Pólis. Núcleo de Gestão Municipal.
A rede pré escolar, de 1º e 2º graus de Porto Alegre é numerosa, compreendendo, em 1992,
766 unidades escolares, a maioria das quais pertencente ao sistema estadual de ensino. O
setor privado detinha um terço das escolas e mais de um quarto da matrícula.
Quadro VIII: P. Alegre - Unidades escolares por nível de ensino e dep. administrativa (1992)
Rede Municipal Estadual Particular Tot
Nível Nº % Rede % Tot Nº % Rede % Tot. Nº % Rede % Tot Nº
Pré escolar 31 46,96 9,56 170 37,44 52,46 123 50,00 37,96 324
1º grau 33 50,00 9,32 236 51,98 66,66 85 34,55 24,01 354
2º grau 2 3,03 2,27 48 10,57 54,54 38 15,44 43,18 88
Total 66 100,00 8,6 454 100,00 59,26 246 100,00 32,11 766
Fonte: Equipe Informática SMED; Informática SEERS. Apud: Instituto Pólis. Núcleo de Gestão Municipal.
A Secretaria Estadual de Educação vem dando sinais de que pretende pressionar no sentido
da municipalização dos serviços de ensino fundamental, manifestando-se na mídia no
sentido de apontar que a qualidade alcançada pelo ensino municipal13 deve-se a sua escassa
participação na cobertura da demanda por ensino fundamental. A Prefeitura Municipal alega
que o reduzido porte de sua rede decorre do fato que, por muitos anos, a política de
colaboração entre as esferas de governo pautou-se pela construção de escolas pelo
Município, que as entregava à rede estadual para manutenção e desenvolvimento.
Quadro IX: Evolução do número de estabelecimentos da RME de Porto Alegre (1985-1995)
MODALIDADE ESTABELECIMENTOS - (MARÇO)
1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995
1º Grau 13 13 16 19 27 28 28 29 34 36 37
2º Grau 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2
Escolas Infantis - - - - - - - 18 21 30 30
Jardins de Praça 7 7 7 7 7 7 7 7 7 7 7
Escolas Especiais - - - 1 1 2 4 4 4 4 4
Ed. Jovens Adultos - - - - 1 1 1 1 1 1 1
Total 22 22 25 29 38 40 42 61 69 80 81
Fonte Informática/SMED 1995. Obs.: Na ed. de jovens e adultos computa-se apenas o CEMEJA.
Considerados o número de estabelecimentos e a matrícula, a rede municipal de ensino
(RME) é, de fato, reduzida, mas observou uma expansão de 113% no número de
estabelecimentos e 57% da matrícula nos últimos sete anos, crescimento este que se deu
prioritariamente na educação infantil.
Em 1995, a RME está constituída por 81 estabelecimentos de ensino, a maioria dos quais
dedicados à educação de zero a seis anos e ao ensino de 1º grau. Há duas antigas escolas de
2º grau e quatro unidades de educação especial. Um único estabelecimento dedica-se
exclusivamente à EBJA - o Centro Municipal de Educação de Jovens e Adultos - CEMEJA;
as demais salas do Serviço de Educação de Jovens e Adultos (SEJA) estão instaladas nas
escolas municipais ou Centros Comunitários administrados pela FESC - Fundação de
13 A RME de 1º grau de Porto Alegre tem alcançado padrões de rendimento escolar muito acima da média
nacional, apresentando índices de aprovação superiores a 70% desde 1987 (o melhor resultado foi obtido em
1992, quando a média de aprovação alcançou 78,33% dos alunos de 1º grau).
Educação Social e Comunitária. Em 1995 a Prefeitura Municipal inaugurou a Escola Porto
Alegre, uma unidade escolar situada no centro da cidade, destinada à escolarização de
meninos e meninas em situação de risco, que já vinham sendo atendidos por educadores de
rua; a Escola Porto Alegre e as educadoras de rua estão administrativa e pedagogicamente
subordinadas ao Serviço de Educação de Jovens e Adultos - SEJA.
Quadro X: Evolução da matrícula inicial na RME de Porto Alegre (1985-1995)
MODALIDADE MATRÍCULA INICIAL - (MARÇO)
Ano 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995
1º Grau 10320 11865 13098 14652 19996 21892 23112 23534 27784 27995 29004
2º Grau 1617 1579 1485 1347 1359 1344 1330 1375 1412 1361 1366
Escolas Infantis - - - - - - - 1529 2228 2647 3509
Jardins de Praça 461 488 479 469 457 465 461 454 442 434 445
Jardins Escolas 787 785 842 1208 2202 1983 1954 1994 2164 1897 2099
Escolas Especiais - - - - 28 90 79 201 287 242 269
Classes Especiais 172 248 233 186 190 158 85 40 39 41 39
Subtotal 13357 14965 16137 17862 24232 25932 27021 29127 34356 34617 36731
EBJA - - - - 700 700 940 1080 2340 2409 2430
Total 13357 14965 16137 17862 24932 26632 27961 30207 36696 37026 39161
Fonte: Informática/SMED - 1995. Obs.: Escolas Infantis, dados de abril/92 (foi o 1º dado destas Escolas).
Essa rede registrou uma matrícula inicial em 1995 de mais de 39 mil alunos, 74% dos quais
no 1º grau, 15,4% na educação de 0 a 6 anos, 3,4% no ensino de 2º grau, 6,2% na
educação básica de jovens e adultos e menos de 1% em educação especial.
A política da Secretaria Municipal de Educação, sob governos do PT, priorizou a
democratização do acesso à escola, de vez que o Mutirão da Educação (uma espécie de
censo escolar realizado em 1989 para dimensionar a demanda) estimou em 40 mil as
crianças e adolescentes de 7 a 14 anos fora da escola. Durante a gestão 1989-92, essa
prioridade consubstanciou-se na polêmica reorganização dos CIEMs (Centros Integrados
de Educação Municipal, versão local dos CIEPs cariocas), com a extinção do turno integral,
combinada à melhoria das condições físicas e materiais da rede e à implantação de uma
proposta pedagógica embasada no "construtivismo", que empregou uma sistemática de
qualificação do professor centralizada por equipes técnicas da Secretaria.
O mandato iniciado em 1993 vem implementando uma política de construção da "escola-
cidadã" por meio da descentralização da orientação pedagógica - conferindo maior
autonomia às escolas - e da democratização da gestão - envolvendo a criação de conselhos
de escola, grêmios estudantis e associações de pais e trabalhadores em educação; eleição
direta de diretores; e elaboração de projetos e regimentos das escolas - em um processo de
planejamento participativo cuja metodologia é aí designada "constituinte" (GHANEM,
1995).
2. O ensino supletivo na rede estadual
Os serviços de ensino supletivo mantidos pela rede estadual de ensino já têm quase meio
século de existência: antes mesmo que o Ministério da Educação e Saúde constituísse o
Serviço de Educação de Adultos em 1947, a Secretaria de Educação e Cultura do Rio
Grande do Sul criou, por meio do Decreto 1.259/46, o Serviço de Educação de
Adolescentes e Adultos (SILVA, 1979).
Após a promulgação da Lei 5692/71, a rede de escolas estaduais que mantinham cursos
presenciais de suplência ampliou-se: em 1976 eram 107 unidades escolares, distribuídas em
44 municípios das 19 Delegacias de Ensino; em 1978, porém, o número de escolas
estaduais que ofereciam cursos supletivos reduziu-se para 99 e, ao que os dados e
depoimentos indicam, o atendimento nesta modalidade de ensino mantém-se desde então
estagnado ou declinante.
O ensino supletivo não é prioridade do atual governo estadual e participa com apenas
0,05% do orçamento da Secretaria de Educação. Não há perspectivas de que o Estado
venha a cooperar com os municípios para ampliação da oferta de EBJA; ao contrário, a
expectativa é a inversa, de que os municípios cooperem com o Estado, fornecendo inclusive
recursos humanos14.
14 A rede estadual vive um processo de deterioração, cujo sinal mais evidente são os padrões salariais
vigentes dos professores, tendo por conseqüência uma acentuada evasão de profissionais. Em maio de 1995
o salário inicial de um professor de 1ª a 4ª séries com habilitação para o magistério em nível de 2º grau era
de R$ 52,00 para uma jornada semanal de 20 horas, acrescido de um abono de R$ 18,00, totalizando R$
70,00 de vencimentos. Com o plano de recuperação salarial apresentado pelo Governador Antônio Britto à
Assembléia Legislativa (que prevê dois reajustes de 21% e outro de 6%), esse salário deve chegar, ao final
A atividade principal (e que consome a maior parte dos recursos) da Divisão de Estudos
Supletivos (DES) da Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Sul é a
organização dos Exames Supletivos de Educação Geral e Profissionalizantes. Até 1994 os
exames eram oferecidos duas vezes ao ano; em 1995, porém, devido à escassez de recursos,
os exames serão oferecidos uma única vez15.
A DES é responsável também pelo sistema de ensino personalizado em CES (Centros de
Estudos Supletivos), CRES (Centros Rurais de Estudos Supletivos) e NOES (Núcleos de
Orientação e Estudos Supletivos), que registra aproximadamente 66 mil inscrições ao ano,
embora a certificação seja inferior a 1% deste total16. O ensino é semi-presencial: o
estudante inscreve-se em determinado número de disciplinas, estuda autonomamente uma
seqüência de módulos didáticos, procura orientação quando tem dúvidas e vence
progressivamente os conteúdos dos módulos; a avaliação pode ocorrer no estabelecimento
ou nos exames. O Estado mantém seis CES de 1º e 2º graus, que certificam seus alunos no
próprio estabelecimento. Os cinco CRES são internatos profissionalizantes de 1º grau que
habilitam para atividades agrícolas e pecuárias, avaliando e certificando seus alunos nos
próprios estabelecimentos. Os NOES oferecem estudos de 1º e 2º graus no mesmo sistema
dos CES, porém não certificam os alunos nos próprios estabelecimentos, remetendo-os para
os Exames de Educação Geral. Alguns NOES estão instalados em presídios, hospitais, na
Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos e nas indústrias Link (de máquinas agrícolas),
Taurus (de armas) e Brahma (de bebidas). Deve ser instalado um Núcleo também na própria
SEE, para atender funcionários do Estado.
Embora tenha sido adepta e pioneira na introdução da metodologia de instrução
personalizada, a coordenação do DES lamenta que os CES tenham se "cristalizado" e que
seus educadores se tenham acomodado, tornando-se impermeáveis a inovações
de 1995, a R$ 100,00. Um professor com pós graduação, em final de carreira, recebia por uma jornada de
40 horas semanais algo em torno de R$ 550,00. 15 Serão oferecidos Exames Profissionalizantes em quatro habilitações: Auxiliar de Enfermagem, Técnico
em Transações Imobiliárias, Técnico em Turismo e Técnico em Processamento de Dados. 16 O sistema de ensino personalizado procede matrículas por disciplina, o que inflaciona as estatísticas, de
vez que um mesmo estudante pode inscrever-se simultaneamente em diversas disciplinas.
pedagógicas. Assim, permanece a metodologia que tradicionalmente lhes deu origem, sem
qualquer inovação significativa.
O Estado mantém também classes de ensino supletivo seriado de 1º grau em escolas de sua
rede, enquanto o 2º grau é atendido exclusivamente pela rede privada, inclusive a
preparação para os Exames. Em Porto Alegre, no primeiro semestre de 1995, o Estado
possuía classes de ensino supletivo de 1º grau em 16 unidades escolares e uma unidade de
ensino supletivo profissionalizante de 2º grau que habilita auxiliares de enfermagem. Esse
número de unidades escolares é 48,5% menor que aquele registrado em 1981, quando 33
unidades da rede estadual ofereciam cursos supletivos (SANTOS, 1982, p. 25).
No governo Pedro Simon (1986 a 1990), a Secretaria Estadual de Educação introduziu o
"Projeto LER (Ler e Escrever o Rio Grande)", que embora guardasse características de
campanha, vinculou-se à rede escolar, preparando e designando professores do quadro do
magistério estadual para a docência em "oficinas" de alfabetização e pós alfabetização
(séries iniciais do 1º grau). A base legal do Projeto Ler é o Parecer 315/91 do CEE/RS, que
tem amparado vários projetos municipais de educação básica de jovens e adultos. O Estado
registrava, em 1995, 450 "oficinas" do Projeto Ler, que faziam uma orientação informal e
certificavam os estudantes na suplência correspondente às 1ª a 4ª séries do 1º grau.
Durante o governo de Alceu Collares (do PDT), de 1991 a 1994, a Secretária de Educação
do Estado, Neusa Canabarro, implementou um programa de educação básica de jovens e
adultos denominado "Nenhum adulto analfabeto". O programa caracterizou-se enquanto
uma campanha baseada no voluntariado de leigos e consistiu na elaboração de um material
didático impresso e em vídeo que foi distribuído às agências do Banco e da Caixa
Econômica Estadual. Esse material podia ser retirado por qualquer voluntário alfabetizador,
que registrava junto à agência o nome de um analfabeto que se disporia a alfabetizar. Esse
registro de nomes foi computado como estatística de alfabetização de adultos. Em pesquisa
realizada junto aos municípios riograndenses em 1993 (MOLL et al, 1994), apenas 13 deles
mencionavam alguma atividade relacionada a esta campanha.
3 O Serviço de Educação de Jovens e Adultos - SEJA - de Porto Alegre
Há registros de iniciativas de alfabetização de adultos trabalhadores e educação popular no
Rio Grande do Sul e em Porto Alegre ao longo de todo este século, a começar pelo
movimento anarco-sindicalista nos anos 10, passando pelas campanhas de alfabetização em
massa das décadas de 40 e 50 e pelos movimentos de educação e cultura popular no início
dos anos 60 (FISCHER, 1992, p. 68-70).
A Prefeitura de Porto Alegre (PMPA) mantém serviços municipais de educação básica de
adultos desde 1970, inicialmente vinculados ao Mobral e, mais tarde, à Fundação Educar17.
A esses serviços, somava-se o atendimento realizado pela Fundação de Educação Social e
Comunitária - FESC (um órgão público municipal de assistência social), preparatório aos
exames supletivos de 1º e 2º graus realizados pelo DES/SEE.
Críticas à concepção e prática de alfabetização de adultos promovida pela Fundação Educar
fizeram com que o convênio entre a PMPA e a Fundação não fosse renovado em 1989,
ocasião em que, ao início da gestão do Prefeito Olívio Dutra, começou a ser gestado no
interior da Secretaria Municipal de Educação (SMED) um programa inovador de educação
de jovens e adultos inicialmente denominado "Projeto de Pesquisa e Ação em Educação de
Jovens e Adultos" (PORTO ALEGRE, 1991).
Entre 1989 e 1992 a SMED foi comandada pela atual Deputada Federal Esther Pillar
Grossi, oriunda do GEEMPA - Grupo de Estudos sobre Educação, Metodologia de
Pesquisa Ação - uma entidade não governamental de pesquisa e formação de educadores
marcada pela filiação ao referencial psico-pedagógico piagetiano e uma das pioneiras no
Brasil na difusão do ideário construtivista e da obra da pesquisadora argentina Emília
Ferreiro. Na gestão de Esther Grossi foram introduzidas na RME de Porto Alegre um
conjunto de inovações pedagógicas, destacadamente aquelas referidas à alfabetização inicial
17 Nenhuma das fontes consultadas oferece dados sobre o atendimento realizado pelo Mobral e pela
Fundação Educar no Município de Porto Alegre. É provável que este atendimento alcançasse baixo grau de
institucionalização pois, ao contrário do que se observou em outros municípios (em que a herança do
Mobral/Educar conformou a base dos novos programas de EBJA), a administração municipal de Porto
Alegre não enfrentou resistências ou dificuldades para remodelar totalmente o serviço, como se estivesse
"começando do zero".
de crianças das classes populares (CENPEC, 1993b; PORTO ALEGRE. S.M.E., 1989). No
campo da educação básica de jovens e adultos, a Secretária priorizou a realização de uma
experiência pedagógica voltada ao desenvolvimento de uma metodologia de alfabetização
que, assentada nos postulados do construtivismo, conduzisse a uma alfabetização rápida e
eficaz.
"A minha intenção, que - eu já te adianto - foi completamente frustrada, era de
que a Prefeitura de Porto Alegre constituísse um grupo de pesquisa que
construísse uma proposta de uma educação de adultos eficaz, rápida, sem
evasão, passível de generalização." (Esther Grossi)
Esse experimento em alfabetização de adultos foi assumido inicialmente por uma professora
municipal orientada pelo GEEMPA e desenvolvido desde o primeiro semestre de 1989 em
uma classe instalada nos altos do Mercado Público Municipal (SCOMAZZON, 1991).
A essa experiência vieram somar-se, quase que simultaneamente, outras intencionalidades,
das quais eram portadores educadores vinculados à Associação dos Professores Municipais
Universitários (hoje denominada Associação dos Trabalhadores da Educação do Município
de Porto Alegre - ATEMPA) e membros da Comissão de Educação do PT local. Estes
educadores contavam com o apoio da Diretora de Educação SMED, Maria Beatriz Titton,
e do Diretor de Recursos Humanos da Secretaria da Administração, dando início à
formulação de um projeto de alfabetização de funcionários públicos municipais. Esse
serviço educacional, implantado no último trimestre de 1989, foi estendido ao público, em
classes instaladas no Mercado Público Municipal e cinco escolas da RME que já
funcionavam em período noturno. Essas iniciativas conviveram, por algum tempo, com a
preparação aos exames supletivos realizada pela FESC, posteriormente desativada.
A equipe de coordenação do Projeto foi sendo constituída ao longo de 1989 por
educadoras ligadas à ATEMPA, à Comissão de Educação do PT e ao GEEMPA. Eram
professoras oriundas das redes municipal e estadual de ensino, militantes de organizações
sindicais docentes, que haviam tido experiências de alfabetização popular em favela, junto a
crianças de rua na Escola Aberta ou de educação de adultos no Centro de Estudos
Supletivos de Porto Alegre (ambos pertencentes à rede estadual de ensino). Dessas
experiências a equipe extraiu lições, transformadas em algumas características inovadoras
do Projeto: jornada semanal pouco intensiva (aulas três vezes por semana), módulos de
ensino curtos (trimestrais), metodologia de alfabetização ancorada nos postulados do
construtivismo, avaliação processual, valorização do docente, ênfase no trabalho coletivo e
na formação em serviço dos educadores.
O delineamento do Projeto foi influenciado também pelo Fórum de Políticas Municipais de
Educação de Jovens e Adultos, do qual a equipe participou em 1989 e 1990. O Fórum foi
constituído pelas equipes responsáveis pela educação básica de adultos dos municípios
paulistas de Americana, Campinas, Cosmópolis, Diadema, Piracicaba, Santo André, São
Bernardo do Campo, São Paulo e Santos, pelo município catarinense de Rio do Sul e por
Porto Alegre (RS), com assessoria do Programa Educação e Escolarização Popular do
Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI). Instalado em julho de 1989,
teve por finalidade de "subsidiar a formulação de políticas municipais de educação de
jovens e adultos, promover o intercâmbio de experiências entre as administrações que o
compõem e contribuir para o aperfeiçoamento das equipes dirigentes responsáveis pela
educação de adultos nos municípios" (FÓRUM DE POLÍTICAS MUNICIPAIS DE
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS, 1990, p. 7).
A equipe de Coordenação do Projeto de educação de adultos não partilhava com Esther
Grossi da crença em uma alfabetização ultra acelerada e, diferentemente da Secretária,
priorizava não só a experimentação pedagógica, mas também a expansão quantitativa do
atendimento escolar destinado aos jovens e adultos e sua inserção orgânica no sistema
municipal de ensino. Essas divergências no terreno político-pedagógico (potencializadas por
antagonistos advindos da filiação a correntes partidárias distintas18) dificultaram a
comunicação entre a Secretária e a equipe do Projeto ao longo de toda a gestão19. 18 O Prefeito Olívio Dutra, filiado à tendência Articulação (situada no centro do espectro interno do
Partido), compôs seu secretariado e ocupou os cargos de confiança com membros de diferentes correntes,
visando manter o equilíbrio e a unidade partidária. Parte da equipe responsável pela educação de adultos
articulava-se ao Campo de Esquerda, ao passo que a Secretária Ester Grossi mantinha-se independente das
tendências organizadas, porém próxima à Articulação. 19 O episódio da interdição das salas de aula localizadas no Mercado Público Municipal para restauro do
edifício (cujo teto ameaçava desabar) é exemplo paradigmático dessa dificuldade de comunicação. Durante
oito meses, entre 1991 e 1992, as classes desalojadas do Mercado migraram por instalações improvisadas,
Malgrado os desencontros com a Secretária, o respaldo do Prefeito permitiu que a equipe
responsável pela educação de jovens e adultos delineasse a estrutura, funcionamento e
diretrizes político-pedagógicas do Projeto, configurando já naquele momento muitas das
características vigentes nos dias atuais. No que concerne à expansão quantitativa do
atendimento, porém, prevaleceu a posição da Secretária: durante toda essa gestão, o serviço
municipal de educação de jovens e adultos de Porto Alegre não ampliou-se para além das
30 classes iniciais.
Após a eleição em 1992 de Tarso Genro para uma segunda administração do PT em Porto
Alegre, a indicação do titular da SMED foi objeto de intensa disputa, polarizada em torno
da hipótese de recondução de Esther Grossi ao cargo. Essa disputa refletiu, de um lado,
diferentes orientações em relação às prioridades da política educacional para o Município e,
de outro, a luta interna das correntes do Partido. Entre os temas propriamente educacionais
envolvidos neste debate, ocupou lugar de destaque a prioridade a ser conferida à educação
básica de jovens e adultos. A escolha do Secretário recaiu sobre o nome de Nilton Bueno
Fischer, um prestigiado professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
identificado com o paradigma da educação popular.
Na versão do Prof. Fischer, o fato de ter operado o papel de tertius na disputa intra-
partidária abriu flanco a que as tendências organizadas do Partido submetessem-no a intensa
pressão e progressivo isolamento, que acabaram por derrubá-lo do cargo apenas dez meses
após a posse.
Na breve gestão do Prof. Fischer, a EBJA recebeu o status e denominação de Serviço,
contratou novos professores e expandiu-se significativamente nas escolas municipais; a
reforma e ampliação da sede do CEMEJA foi concluída e instalaram-se as primeiras salas de
cedidas ou alugadas, nos edifícios do INSS, de uma empresa seguradora, da Câmara de Vereadores e da
Faculdade de Educação da UFRGS, com evidentes prejuízos para professores, alunos e para o processo de
ensino-aprendizagem. A Secretária não recebia a Coordenação do Projeto para resolver o problema de
espaço físico. A Coordenação, por sua vez, tentava inutilmente equacionar o problema recorrendo à
mediação política do Prefeito, a quem coube, por fim, autorizar o aluguel do edifício em que hoje está
instalado o CEMEJA. Sua intervenção, porém, não ocorreu a tempo de evitar que professores e alunos
promovessem uma manifestação pública de protesto, que gerou desgaste político para todos os envolvidos e
levou ao afastamento de um membro da Coordenação que apoiou o movimento.
5ª a 8ª séries. O impulso que o SEJA recebeu neste período, entretanto, não impediu que
divergências relativas à gestão interna da SMED levassem a Coordenação a apoiar a
substituição de Nilton Fischer por Sônia Pilla Vares.
"Quando Nilton entrou, ele abriu espaço total, geral, não teve restrições, a
ponto da gente fazer um planejamento para os quatro anos de governo, ao
final dos quais chegaríamos próximos a 500 salas ocupadas na rede, fora 20%
no primeiro ano. Isso aí era tranqüilo, podíamos pôr 10% de salas de 5ª a 8ª
séries." (Odete Bresolin, membro da Coordenação do Seja)
Embora as metas de expansão quantitativa fixadas em 1993 tenham sido substancialmente
reduzidas em virtude das restrições orçamentárias, o SEJA continua sendo uma das
prioridades da SMED na gestão 1993-96, graças ao apoio que o Prefeito Tarso Genro lhe
assegura.
"Para nós, da equipe atual da Secretaria, a educação de jovens e adultos é,
sem dúvida, uma prioridade. A gente conhecia a história de dificuldades da
equipe que coordena esse projeto na Secretaria teve na outra administração
no sentido de ter maior apoio para desenvolver, qualificar e para ampliar esse
projeto. Isso já era um ponto de partida nosso: priorizar a educação de jovens
e adultos como uma política da Secretaria. E hoje não é só da Secretaria; o
SEJA é hoje uma das políticas prioritárias do governo municipal. O Prefeito
tem sempre destacado o SEJA como sendo um dos projetos que caracterizam o
perfil deste governo, que é justamente atender àquelas franjas da população
mais excluídas. O SEJA tem sido sempre citado claramente nos documentos de
governo como sendo um dos projetos prioritários dessa administração. Por
isso mesmo a gente tem recebido da Prefeitura todo o respaldo para continuar
investindo fortemente neste trabalho de qualificação e ampliação do SEJA (...)
Em relação à expansão quantitativa, nós tínhamos um plano que a gente não
conseguiu realizar de acordo com o previsto, não conseguimos alcançar os
patamares numéricos que a gente se propunha em função das restrições
financeiras da Prefeitura, especialmente na área de recursos humanos, mas
mesmo assim se conseguiu expandir significativamente o trabalho do SEJA em
termos quantitativos. Nós conseguimos inclusive fazer concurso específico
para professores de educação de jovens e adultos e criar cargos em número
significativo para o SEJA dar conta dessa ampliação. Agora, inclusive,
estamos batalhando para conseguir adquirir um espaço próprio da Prefeitura
para o CEMEJA." (Sônia Pilla Vares)
Depreende-se dos depoimentos colhidos que a implantação do programa municipal de
EBJA de Porto Alegre resultou fundamentalmente da vontade política de agentes que,
posicionados na burocracia estatal, exprimiram orientações de política educacional
congruentes com a tradição ideológica do Partido que ocupa o governo municipal. A
tradição ideológica do PT, porém, comporta em seu interior certa diversidade de
orientações que refletem distintas correntes de pensamento educacional presentes na
sociedade brasileira, de modo que essa vontade política não expressou-se de maneira
unívoca, resultando antes na confluência de intencionalidades diversas e, por vezes,
contraditórias, o que explica certa descontinuidade observada ao longo da trajetória de
construção do programa.
3.1. A proposta político-pedagógica do SEJA
Partindo de uma crítica às campanhas de alfabetização em massa e às práticas do Mobral e
da Fundação Educar, aos quais atribui uma imagem preconceituosa do analfabeto e um
conceito estreito de alfabetização, o projeto político-pedagógico do SEJA reivindica um
conjunto de rupturas com a tradição da educação de adultos no Brasil (BORGES, 1993),
propondo-se a:
substituir a idéia de erradicação do analfabetismo (à qual subjaz a imagem
preconceituosa de "chaga" a exterminar) pela noção de direito à educação; à política de
campanha com prazo determinado, contrapõe a de movimento de alfabetização
permanente;
ampliar o conceito de alfabetização em direção à educação básica, entendida em suas
múltiplas dimensões: instrumento de libertação e luta contra a injustiça, acesso aos
conhecimentos sistematizados, preparação para a participação social e no mundo do
trabalho, articulação entre o saber popular e acadêmico, valorização da diversidade de
estilos cognitivos, expressões culturais e linguísticas das classes populares;
romper a "ossatura excludente" da escola tradicional (rigidez das normas, inadequação
curricular e metodológica, avaliação seletiva) em direção à construção de um espaço
educativo para jovens e adultos trabalhadores;
superar o voluntarismo e o assistencialismo, combater a transposição de métodos da
educação infantil e o empirismo pedagógico, por intermédio da profissionalização
docente e da formação teórico-prática do professor.
O SEJA propõe-se construir um espaço educativo específico para jovens e adultos
ocupados, rompendo com o modelo escolar do ensino regular. Sua orientação teórico-
metodológica combina de um modo particular os postulados da educação popular e da
psicologia cognitiva de orientação construtivista-interacionista, tendendo a uma abordagem
interdisciplinar do currículo.
"A ousadia de uma ampliação institucional, com caráter de serviço
permanente, enfrenta o desafio, cotidianamente renovado, da superação da
escola regular como modelo de referência par educação de jovens e adultos.
Desafios que se manifestam tanto nos aspectos pedagógicos quanto nos
administrativos.
A busca de superação se alimenta em duas vertentes teórico-práticas que
contribuem na construção desse projeto educativo popular. Por um lado, as
contribuições atuais da epistemologia genética e, por outro, a revisitação do
ideário da educação popular dos anos 60, num movimento circunvolutivo de
aproximação e distanciamento. A aproximação se manifesta pelo encontro
com a mesma 'garra' de uma educação voltada par a construção de uma nova
sociedade através da conscientização do sujeito-educando e mediada pela
busca da dialogicidade freireana. O distanciamento resulta da ampliação da
mirada que, agora, percebe: a sociedade como plural, cujos referenciais não
são mais o desenvolvimento e o nacionalismo, mas a cidadania; a
complexidade social dos sujeitos envolvendo o setor não organizado da
sociedade constituído por desempregados, semi-empregados e biscateiros que
fogem à clássica categoria de trabalhador; a conscientização na sua dimensão
maior de resgate da dignidade humana e não somente na da formação do
crítico-político-militante." (FISCHER, 1992, p. 72)
"O aprender é considerado como uma interação dialética entre o homem e o
mundo, e o conhecimento é visto como construção social. Estes eixos acabam
por imprimir a lógica da precedência da leitura do mundo sobre a leitura da
palavra, e tem a educação como parceira de outras ciências na busca de
transformação da realidade, a partir da ação de sujeitos epistêmicos e
históricos." (BORGES, 1993, p. 3)
"Sem dúvida, esse casamento entre construtivismo e educação popular é
perfeitamente possível e necessário, a começar do próprio princípio político
pedagógico do resgate da auto-estima, do resgate e da valorização do saber
do aluno. A ampliação do conhecimento e da cultura do aluno tem que ser
preenchida com algum conteúdo, o conteúdo quem vai dar para a gente é a
educação popular. (...) Eu estou caracterizando a educação popular no sentido
de perceber e trabalhar os elementos da cultura popular, da realidade do
educando - não no sentido de mostrar a desgraça que a gente vive, como nós
somos miseráveis, mas no sentido de reverter isso, trazendo as coisas que são
positivas do próprio saber popular, do próprio senso comum que é tão
desprezado, e fazer o desvelamento dessas coisas, o casamento disso com a
realidade, como isso se relaciona. Eu entendo a educação popular nesse
sentido de ampliar a visão de mundo: não é fazer a apologia da miséria e nem
do senso comum que não nos serve, mas limpar esse terreno (que a gente não
vai fazer demagogia, dizer que tudo que é popular é maravilhoso, que a gente
sabe que não é) e nem desprezar esse conhecimento e essa cultura, mas sempre
fazendo a relação com essa realidade, isso que é negado, que está nas
entrelinhas, que não é visto, que não é permitido, que não é considerado
socialmente." (Depoimento de membro do GAP)
3.2. As relações com a sociedade civil na promoção da EBJA
Os documentos de política do SEJA defendem a institucionalização do atendimento em
caráter permanente, mas aspiram preservar o sentido de movimento, que convoca a
sociedade a tomar iniciativas de alfabetização de jovens e adultos. Esta diretriz inspira-se
em recomendações formuladas pelo Fórum de Políticas Municipais de Educação de Jovens
e Adultos em 1989:
"As administrações municipais que constituem este Fórum posicionam-se
criticamente em relação às campanhas tradicionais de alfabetização por um
conjunto de razões (...). Por outro lado, (...) reconhecem que a dimensão do
problema do analfabetismo exige resposta urgente e incisiva, e que a
capacidade de atendimento das redes de ensino muitas vezes é insuficiente
para fazê-lo, particularmente nos grandes centros urbanos que atraem
correntes migratórias. Consideram ainda importante buscar a colaboração da
sociedade civil organizada para a tarefa da alfabetização de adultos e apoiar
aqueles grupos que já a desenvolvem no meio popular. Neste contexto,
privilegiam a organização de movimentos de alfabetização, cujo
desenvolvimento seja processual, e não datado como as campanhas."
(FÓRUM DE POLÍTICAS MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS, 1990, p. 14-15)
O SEJA de Porto Alegre, porém, institucionalizou-se com uma estrutura tipicamente
escolar e revela dificuldades em desenvolver essa feição de movimento. Diferentemente de
outras administrações municipais do mesmo Partido, Porto Alegre não desenvolveu a
estratégia de repasse de recursos a entidades da sociedade civil que desenvolvem atividades
de alfabetização de adultos, mediante conveniamento, embora tal prática seja corrente junto
às creches comunitárias do Município. À exceção de convênios estabelecidos com a
Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a
Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (FIERGS), o SEJA também não
dispõe de professores da rede municipal para atuarem em projetos comunitários.
Referindo-se às diferenças de concepção e prática com a Coordenação do SEJA durante
sua gestão na SMED, o ex Secretário Nilton Fischer assinalava:
"As dificuldades estavam mais relacionadas com uma tentativa de fazer algo
parecido com o MOVA20. A idéia era sinalizar para os movimentos sociais
uma disponibilidade, uma vontade política da Prefeitura em cooperar com a
alfabetização de adultos. Com isso se iniciou a alfabetização em pelo menos
dois locais nos quais eu tinha uma vivência anterior, que era junto aos galpões
onde as mulheres papeleiras atuam na Av. Dique (atrás do aeroporto) e na
ilha Grande dos Marinheiros." (Nilton Bueno Fischer)
Ao final de 1993, por ocasião do Fórum Municipal de Alfabetização (Porto Alegre, RS: 9 a
11/12/1993), o SEJA lançou o Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos. Como
deixa claro o texto a seguir, a proposta de Movimento canaliza para a estrutura do próprio
SEJA as energias da sociedade civil.
20 Refere-se ao Movimento de Alfabetização implementado no transcorrer da gestão de Luiza Erundina
(1989-1992) na Prefeitura Municipal de São Paulo, por inspiração de Paulo Freire, seu primeiro Secretário
de Educação.
"O desafio de levar educação básica de qualidade a jovens e adultos
trabalhadores extrapola os limites do Poder Público municipal. Por isso, a
Administração Popular está propondo para a sociedade um Movimento de
Alfabetização, que rompe definitivamente com as mal sucedidas campanhas
oficiais.
Este movimento é composto pelos setores organizados, como sindicatos,
entidades empresariais, associações comunitárias, igrejas e universidades.
Com a participação de todos, se espera garantir o acesso e a permanência dos
cidadãos à escola até conclusão das quatro séries iniciais, no mínimo.
Dessa mobilização vão surgir espaços alternativos de educação, que ao serem
abertos terão a parceria da SMED na assessoria pedagógica e no registro da
vida escolar dos alunos.
Os sindicatos e associações podem participar reunindo seus associados e
fazendo o levantamento da demanda da região ou local de trabalho. Os
empresários podem contribuir com dinheiro, além de estimular seus
funcionários a se alfabetizarem. E as universidades têm condições de realizar
pesquisas para aprimorar o projeto." (Revista do Seja, dez. 1993, p. 16)
Embora no texto a SMED se proponha a assessorar os "espaços alternativos de educação"
que se abram no Movimento, na prática isso não ocorre.
Infere-se do depoimento a seguir que a hipotrofia da dimensão de movimento no SEJA
esteja relacionada, de um lado, à formação e trajetória pessoal de seus dirigentes (cuja
afinidade ao paradigma da educação popular era tênue, mais teórica que prática); de outro,
à rigidez da organização burocrática do Estado e, por fim, à precariedade dos vínculos entre
as escolas e as comunidades nas quais se inserem:
"Na verdade, a formação e a experiência da nossa equipe de dirigentes do
SEJA era muito mais na área técnica de alfabetização em escola do que
alguma experiência de movimento social ou partidária.(...) Isso já refere um
pouco a questão da educação popular e da alfabetização. Nossa experiência
era mais de sala de aula, de alfabetização e, dentro da questão da
alfabetização, uma formação construtivista mais do que de educação popular.
Claro que a gente tinha leituras, esse trabalho que eu fiz na favela da Maré
deu algumas referências, mas eu acho que não era assim uma coisa de
experiência forte, acumulada. Nem eu nem a Liana tínhamos esse tipo de
experiência. Hoje, eu acho que o SEJA, apesar de levar essa luta, essa
discussão de que a educação de adultos tem que estar na escola, ele não tinha
o lado da educação popular muito claro. Quando a gente trabalhou a
formação dos educadores, sempre priorizamos os conhecimentos sobre a
psicogênese da alfabetização, a intervenção pedagógica com os alunos, e não
tanto a questão da educação popular.
(...) Os movimentos sociais nos pediram professores para trabalhar ou
assessoria de base ou mesmo formação deles para trabalhar. A gente sempre
recusou, porque não tinha como fazer, não tinha pessoal disponível. Até o fato
de nunca termos escrito muitas coisas sobre como alfabetizar impedia que a
gente pudesse socializar para outros grupos a nossa experiência; a gente
acabou sempre muito fechado. As demandas partiam de Associações de
Moradores, de pessoas voluntárias ligadas a uma igreja e que tinham um
grupo de senhoras que gostariam de ser alfabetizadas. Uma pessoa ia lá nos
procurar, pedindo que a gente ensinasse como fazer, pois ela não tinha
formação; e a gente sempre disse não. Instituições, associações de moradores,
sindicatos também apareceram. A gente nunca conseguiu pensar alternativas
aos limites do Estado. Nós não tínhamos autoridade dentro da Secretaria para
deslocar professores; a gente já tinha problemas de deslocar professores para
alfabetização de funcionários da Prefeitura, quanto mais para uma coisa que
não era escola. Um professor que faz parte da rede tem que trabalhar na rede,
não pode trabalhar noutro local senão configura uma cedência para uma
outra entidade não ligada à Secretaria. A gente nunca discutiu muito isso lá
dentro, meio que acatou essa ordem e não tomou o problema como um
problema nosso. Também não enfrentamos o desafio de fazer uma
multiplicação, formar formadores (se a gente não podia atender, a gente
poderia formar pessoas).
(...) Quando a gente definiu como seria o projeto, a gente pensou instalar uma
escola central para atender à população que vem de todos os lugares e
instalar classes em algumas escolas que já funcionam à noite, que já têm
infra-estrutura, os critérios foram por aí, sem nenhum diagnóstico de por onde
andavam as pessoas que demandam educação. Quando a gente estava
selecionando escolas, havia duas escolas possíveis na Vila Cruzeiro do Sul. A
Vila Cruzeiro do Sul é muito grande, tem várias sub-vilas dentro, uma delas
bem mais pobre e uma mais rica; na parte alta do morro ficam os mais pobres.
Tinha uma demanda muito grande por educação de adultos lá, é uma vila
muito populosa e a gente tinha que escolher em qual das duas escolas ia
colocar o projeto. A gente escolheu a escola que tem o ônibus na porta, que os
professores poderiam ir e voltar. Abrimos as inscrições e não aparecia
ninguém, as inscrições ficaram abertas um mês e apareceram só dois alunos.
'Alguma coisa está errada', pensamos. Fomos ver na Associação Comunitária
o que tinha de errado e ficou claro que a comunidade que precisa de
alfabetização não é a daquela parte da vila, é a do outro lado, mas como tem
brigas de gangues, eles jamais iriam atravessar a vila de noite para ir estudar
naquela outra escola. Assim, a demanda estava num lugar e a gente foi fazer a
oferta em outro. Depois que a gente soube de tudo isso a gente continuou
trabalhando nesta escola, porque era ali que os professores poderiam ir... As
nossas escolhas estavam muito voltadas à lógica interna da rede, menos que
para a demanda. E assim, uma opção pelos movimentos sociais passava a ser
secundária, até porque a gente nunca deu espaço aos movimentos sociais de
entrar nas nossas reuniões.
(...) A gente não se preocupou em nenhum momento da formação dos
professores em dar lugar a essa questão dos movimentos sociais.(...) as gurias
não teriam, pela escola, nenhum vínculo com comunidade, com o movimento
social. A gente, enquanto coordenação de projeto, também não propiciou esse
vínculo, até porque também a gente não tinha." (Maria Carmem Barbosa, ex
membro da Coordenação do SEJA)
3.3. Características, estrutura, funcionamento e currículo do SEJA
O SEJA está institucionalizado na estrutura da SMED como serviço permanente dotado de
um corpo profissional próprio. Sua equipe político-administrativa é constituída por uma
Chefe e pela Coordenação central de quatro membros, apoiada por uma única secretária. A
equipe técnico-pedagógica é denominada Grupo de Apoio Pedagógico - GAP, formado por
dez professoras experientes (selecionadas pela Coordenação) que assessoram as reuniões e
supervisionam os professores em seus locais de trabalho. O corpo docente é formado por
aproximadamente 170 professores.
O SEJA oferece ensino presencial em três turnos semanais - usualmente às segundas, terças
e quintas feiras -, por três horas-aula (duas horas e meia relógio) ao dia. Não há aulas às
quartas feiras (quando os professores têm reuniões pedagógicas) e o recesso de final de
semana se inicia nas sextas feiras. As classes constituídas exclusivamente por funcionários
públicos têm uma carga horária menor, pois as aulas realizam-se durante a jornada de
trabalho e este foi o acordo possível com as respectivas chefias.
Com a intenção de romper a seriação convencional, o SEJA estabelece níveis de
complexidade de conhecimento. A carga horária de cada segmento do 1º grau (1ª a 4ª séries
e 5ª a 8ª séries) soma 2.400 horas/aula, subdivididas em dois ciclos de seis períodos
trimestrais com 200 horas/aula de duração. Esses períodos já receberam diferentes formas
de organização e denominações. Até 1993 o atendimento do SEJA restringia-se às séries
iniciais do 1º grau e os termos eram denominados "etapas". O Ciclo de Alfabetização
destinava-se à fase inicial de aquisição da língua escrita e atendia alunos que apresentavam
escrita parcialmente fonética, dificuldades de leitura e compreensão de textos e insegurança
no emprego de símbolos e operações matemáticas. O Ciclo Básico correspondia à pós-
alfabetização e destinava-se à construção de níveis mais complexos de conhecimento
(SCOMAZZON, 1991, p. 39-40).
Ciclo Alfabetização Ciclo Básico
Etapas Alfa 1 Alfa 2 CB1 CB2 CB3 CB4
Duração 3 meses 3 meses 3 meses 3 meses 3 meses 3 meses
O segundo segmento do 1º grau foi criado em 1993 por pressão dos alunos do SEJA que
aspiravam continuidade de estudos e que levaram esta demanda às plenárias do Orçamento
Participativo, conquistando o serviço em algumas unidades escolares do Município.
A partir de 1994, os períodos passaram a ser denominados "totalidades", embora
professores e alunos ainda refiram-se a eles como "etapas". O conceito de "totalidade" -
elaborado por ocasião da reformulação curricular empreendida pelo SEJA - foi
sistematizado pelo professor de história Helder da Silveira no texto "Totalidades: uma
proposta de estrutura curricular", em que critica o currículo fragmentário do ensino
regular, a desarticulação intra e inter-áreas e o privilégio aos conteúdos do ensino em
detrimento dos processos de ensino-aprendizagem. A proposta, baseada em concepções de
interdisciplinaridade, "formação de senso crítico" e "aluno como ser presente", resulta nas
três "totalidades": cidade, país e mundo, correspondentes a eixos articuladores do
currículo. Pela nova organização dos níveis de complexidade de conhecimento, cada um dos
segmentos do 1º grau corresponde a um ciclo desenvolvido em três "totalidades", com
duração de 18 meses letivos.
Ciclo Totalidades Iniciais Totalidades Finais
Etapas T1 T2 T3 T4 T5 T6
Duração máxima 2 trimestres 2 trimestres 2 triemestres 2 trimestres 2 trimestres 2 trimestres
Correspondência 1ª a 4ª séries do 1º grau 5ª a 8ª séries do 1º grau
Cada uma das "totalidades" tem um objetivo de ensino específico, perseguido através de
uma abordagem interdisciplinar dos conceitos centrais que constituem o currículo de cada
uma delas. As primeiras totalidades têm por objetivo principal a construção do código
escrito e por conceito central a cidade; as totalidades intermediárias visam à sistematização
dos códigos e têm por conceito unificador o país; as totalidades finais têm por objetivo o
registro da sistematização dos códigos escritos e por tema integrador o mundo.
Os professores das "totalidades" iniciais são polivalentes. Sempre que possível, as classes
são seriadas; entretanto, quando o número de alunos é pequeno em determinada localidade,
são constituídas classes multisseriadas.
Nas "totalidades" finais, os professores são especialistas das oito disciplinas que compõem o
currículo, a saber: língua, matemática, ciências naturais, história, geografia, espanhol,
educação física e educação artística. Cada um dos oito componentes curriculares tem igual
carga horária: em cada um dos dias letivos são ministradas duas disciplinas em aulas de 90 e
60 minutos. Os horários das disciplinas são invertidos em semanas alternadas. A aula de 60
minutos tem o caráter de consolidação da aprendizagem e recuperação permanente.
O sistema de avaliação empregado pelo SEJA é permanente, sendo a promoção de uma
totalidade a outra possível a qualquer momento do processo de ensino aprendizagem. O
mais usual, porém, é que a promoção ou retenção se realize ao final de cada trimestre,
quando realizam-se os conselhos de classe, em que cada educando recebe um parecer
descritivo de seu aproveitamento, sintetizado nos conceitos de avanço (que corresponde à
promoção ao termo seguinte) e permanência (que corresponde à continuidade no termo em
curso); a evasão é classificada como afastamento.
3.3.1. O enquadramento legal do SEJA
Até 1994 o Ensino Supletivo gaúcho era regulamentado pelo Parecer 189 do Conselho
Estadual de Educação (CEE), que definia uma carga horária mínima de 1.200 horas aula
para cada um dos segmentos do 1º grau. Visando "moralizar" o Ensino Supletivo (sempre
afetado por denúncias de facilitação na rede privada de ensino), o CEE revogou o Parecer
189, substituído pela Resolução 213 de 12/04//94 (cuja redação foi modificada pela
Resolução 215/94), que elevou a carga horária mínima de ambos segmentos do 1º grau para
1.600 horas. O SEJA não foi afetado por esta mudança, pois sua carga horária sempre
excedeu os mínimos exigidos pela legislação estadual.
Até o presente momento, porém, a SMED de Porto Alegre só está autorizada a expedir
certificados relativos às séries iniciais do 1º grau, nível de ensino para o qual o SEJA foi
aprovado pelo CEE enquanto experiência pedagógica já em 1989. O CEE ainda não
apreciou o processo encaminhado pelo SEJA relativo às séries finais do 1º grau e, portanto,
a SMED ainda não está autorizada a expedir certificados de conclusão neste nível de
ensino. Os alunos que estão concluindo o 1º grau estão obtendo certificação mediante
avaliação junto ao CES - Centro de Estudos Supletivos - da Capital, enfrentando
dificuldades decorrentes da diversidade de currículo e metodologia entre as duas
modalidades de ensino supletivo.
3.4. A demanda potencial por EBJA em Porto Alegre e a cobertura escolar do SEJA
Segundo o Censo do IBGE de 1991, Porto Alegre possuía uma população total de
1.155.159 pessoas com 5 anos ou mais de idade, das quais 104.823 eram analfabetas, o que
representa uma taxa de analfabetismo de 9,07% para esta faixa etária. A população com
idade superior a 14 anos somava 922.972 pessoas, das quais 5,23% ou 48.299 seriam
analfabetos absolutos.
O dados sobre níveis de escolarização por faixas etárias do Censo de 1991 ainda não foram
divulgados, exceto para os chefes de domicílios. Dos 379.734 chefes de domicílios, 21.129
não possuíam instrução ou tinham menos de um ano de estudos, representando 5,56% deste
grupo, índice que reproduz aproximadamente a taxa geral de analfabetismo jovem e adulto.
Outros 37.555 chefes de domicílios possuíam de 1 a 3 anos de estudos, o que representa
9,88% deste grupo. Somados estes dois subgrupos, 15,44% dos chefes de família não
haveriam concluído o primeiro segmento do 1º grau. O número dos chefes de domicílios
que possuíam entre 4 e 7 anos de estudos somava 108.373 pessoas, 28,53% deste grupo.
Assim, 43,97% dos chefes de domicílios não possuíam escolarização ou a teriam seguido
sem ter concluído o 1º grau.
A título de estimativa, se projetarmos os índices de escolarização dos chefes de domicílios
para a população jovem e adulta total, teríamos aproximadamente 138.000 pessoas sem
escolaridade alguma ou com menos de 4 ano de estudos - configurando a demanda
potencial por programas de alfabetização e educação básica de jovens e adultos
correspondentes às 1ª a 4ª séries do 1º grau -, ou algo em torno de 400 mil pessoas com
menos de 8 anos de estudos - configurando a demanda potencial por programas de
educação básica de jovens e adultos correspondentes ao 1º grau completo.
Considerados os dados de atendimento disponíveis para o início de 1995, a cobertura
escolar realizada pelo SEJA é inexpressiva, representando entre 0,6% e 1,7% da demanda
potencial estimada segundo os critérios acima.
Quadro XI: Evolução da matrícula inicial em EBJA na RME de Porto Alegre (1989-1995)
Ano 1989 1990 1991 % 1992 % 1993 % 1994 % 1995 %
Salas - - 30 - - - 97 - 126 + 29,9 - -
Matrícula 700 700 940 +34,3 1.080 +14,9 2.340 +116,6 2.409 +2,9 2.430 +0,87
Fonte Informática/SMED - 1995.
A evolução da matrícula inicial do SEJA não apresenta um comportamento uniforme, ainda
que a tendência geral seja de ampliação. O atendimento deu um salto quantitativo ao início
da gestão do Prefeito Tarso Genro, em 1993, quando observou-se um crescimento de 116%
das matrículas. A meta de expansão projetada ao início dessa gestão, da ordem de 500 salas
de aula, porém, já foi reduzida à metade, em virtude das restrições orçamentárias do
Município. A meta de expansão para as 5ª a 8ª séries é de 10% do total das salas, restrita ao
atendimento de demandas explicitadas pelas comunidades nas reuniões do Orçamento
Participativo do Município, de vez que o governo municipal entende ser encargo do Estado
atender a este segmento do ensino supletivo de 1º grau.
As matrículas para o SEJA podem ser feitas a qualquer momento do ano, na sede da
SMED. Para racionalizar o procedimento, as matrículas vêm sendo feitas na primeira
semana de cada mês. O fato de uma rádio ter divulgado a existência do Serviço fez com que
a demanda se elevasse a um ponto das vagas se esgotarem, o que significa que a capacidade
do programa atender à demanda está limitada à procura espontânea. As restrições à
expansão do Serviço são dadas pela disponibilidade de recursos e de professores, cujo
processo burocrático de contratação é lento e condicionado à criação de cargos,
procedimento que depende de iniciativa do Executivo e aprovação da Câmara de
Vereadores.
Mesmo sem dispor de estatísticas de rendimento escolar dos alunos do SEJA21, sua
Coordenação afirma que a evasão é relativamente reduzida e os índices de aprovação
elevados. Para justificar esta afirmação, mencionam um estudo amostral realizado em 1995
junto a seis núcleos por um pós graduando de Estatística, que teria registrado que o índice
de evasão junto a estas salas seria de 7% e a promoção alcançaria os 93% restantes do
alunado22. Caso esse dado reflita de fato o universo total do programa, o SEJA estaria
superando uma das principais limitações da educação básica de jovens e adultos, de vez que
todas as pesquisas disponíveis vêm assinalando a persistência de elevados níveis de evasão e
repetência em programas desenvolvidos no Brasil e na América Latina:
"Os estudos por nós analisados (...) revelam também níveis de evasão e
repetência extremamente elevados, indicativos de que mecanismos seletivos já
identificados no sistema de ensino regular vêm se reproduzindo na suplência
em níveis e intensidade que não temos elementos suficientes para mensurar."
(HADDAD, 1987, p.131).
21 Embora a secretaria do SEJA disponha de registros manuais minuciosos da trajetória escolar de cada
aluno em fichas que assinalam matrícula, abandonos, re-ingresso e os resultados de todos os pareceres
descritivos emitidos trimestralmente pelos professores para avanço ou permanência, o setor não foi
informatizado, o que inviabilizou até o momento a produção de estatísticas de rendimento escolar. 22 A substituição do conceito de reprovação pelo conceito de permanência com o objetivo de combater a
cultura do fracasso escolar, acaba por mascarar o problema real de fluxo vertical dos alunos do SEJA.
"A pesar de la ausencia de evidéncias empíricas confiables, la repitencia es
una realidad habitual y severa, según los investigadores nacionales,
especialmente en el primer nivel de la EBA. Responde incluso a una estrategia
educacional del docente y del sistema en vistas a consolidar conocimientos. Se
reproduce así una tradición propia del estilo escolar de aprendizaje.
(...) se observa un alto nivel de repitencia global, en porcentaje significativo
de estudiantes. Entre el 40 e el 50% de cinco de las muestras ha repetido una o
más vezes." (MESSINA, 1993, p. 44 e 98)
Dados recentes disponíveis para outros municípios (inclusive alguns em que os esforços de
qualificação dos serviços educativos realizados pelo poder local são significativos) servem
como parâmetro e para exemplificar quão elevados têm sido os índices de fracasso escolar
na suplência correspondente às séries iniciais do 1º grau, revelando ainda que, nesta
modalidade, a evasão é mais acentuada que a reprovação:
no Estado de São Paulo, entre 1988 e 1991, os índices médios de evasão nas redes
municipais oscilaram entre 24 e 28%, enquanto a repetência variou de 22 a 28% em média,
somando perdas da ordem de metade do alunado inscrito (HADDAD et al, 1993, p.59-62);
estatísticas oficiais revelam que, em Recife (PE), entre 1983 e 1992, a reprovação
oscilou entre 21,6 e 26,6% e a evasão alcançou patamares de 29,6 a 47,2%, totalizando
perdas elevadíssimas, de 52 a 70% dos estudantes do Programa municipal de Educação
Básica de Jovens e Adultos;
em Diadema (SP), no período compreendido entre 1987 e 1993, a evasão oscilou entre
24% e 39% e a repetência atingiu entre 29 e 47% dos educandos do Serviço de Educação
de Jovens e Adultos, somando astronômicos índices de insucesso escolar de até 75%
(DIADEMA, 1994, p. 21).
Confirmando esta tendência, os relatórios elaborados em 1989 e 1990 pelas educadoras do
SEJA mencionam freqüentemente a problemática da evasão, atribuída à combinação de
fatores extra e intra-escolares (SCOMAZZON, 1991, p.112-17).
Um estudo de caso realizado em 1981 nas 33 escolas de suplência de 1º grau da rede
estadual em Porto Alegre também registrou elevados índices de evasão escolar, que
oscilavam de 27,6% a 59,6% (SANTOS, 1982).
Assim, ainda que a RME de Porto Alegre venha obtendo padrões de desempenho escolar
bem superiores à média nacional (com índices de aprovação oscilando de 70 a 78% no
ensino de 1º grau regular), é pouco provável que as estatísticas venham a confirmar as
expectativas otimistas da Coordenação do SEJA em relação aos índices de aproveitamento
e permanência dos alunos.
3.5. Custos e financiamento da EBJA em Porto Alegre
Segundo a Lei Orgânica do Município (LOM) de Porto Alegre, a Prefeitura deve dedicar à
educação 30% da receita oriunda de impostos e transferências. A Assessoria Técnica de
Planejamento da SMED esclarece que, como a LOM é omissa quanto aos ítens de despesa
pertinentes à educação, o Executivo destina os 25% previstos pela Lei Federal para
manutenção e desenvolvimento do ensino e inclui nos 30% previstos pela LOM as despesas
com transporte escolar e merenda.
Não é isto, porém, o que se constata analisando os dados de execução orçamentária obtidos
junto a diferentes fontes23, pois em nenhum dos anos observados as despesas efetuadas nas
funções Educação e Cultura alcançaram os 25% da receita.
Quadro XII: P. Alegre - Recursos orçamentários despendidos em Educação e Cultura (83-92)
Ano 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992
% 10,70 9,83 10,16 12,72 15,58 24,83 18,99 15,21 20,14 19,47 Fonte: Ministério da Fazenda – STN/COREF/DIVEM. Apud: Instituto Pólis - Núcleo de Gestão Municipal.
Quadro XIII: P. Alegre - Resultados da execução orçamentária 1988-92 (em milhões de U$)
Ano Receita Total Despesa Total Despesa Educ. e Cult. % Receita % Despesa
1988 108,5 118,5 26,94 24,82 22,74
1989 142,4 193,4 27,03 18,98 13,98
1990 253,4 278,6 38,55 15,21 13,84
1991 221,6 256,4 44,66 20,15 17,42
1992 247,3 262,0 47,23 19,09 18,03 Fonte: TCU/Min. Fazenda/PMPA. Apud: Instituto Pólis - Núcleo de Gestão Municipal. Cálculos do autor.
23 A diferença entre os percentuais registrados em uma e outra fonte devem-se, provavelmente, à conversão
para a moeda americana.
No segundo semestre de 1995 a SMED calculou em aproximadamente U$ 1.500 o custo-
aluno médio de sua rede, considerados os diferentes níveis e modalidades de ensino. Esse
custo é pelo menos quatro vezes maior à média nacional estimada para o ano de 1989 no
ensino público de 1º e 2º graus, da ordem de US$ 350 (GOLDEMBERG, 1993, p. 11).
Na tentativa de estimar os valores despendidos pela SMED especificamente em EBJA, é
possível apenas fazer inferências indiretas, multiplicando-se o custo aluno médio da RME
pelo número de alunos matriculados no SEJA24. Como a matrícula inicial em 1994 foi de
2.409 alunos, estima-se uma despesa total naquele ano da ordem de U$ 3.600.000. Esse
valor é muito superior ao do convênio assinado naquele ano com o MEC mediante
apresentação de projeto à Divisão de Educação de Jovens e Adultos da Secretaria de
Educação Básica, que foi de R$ 25.985,21 (ou US$ 41.911,63)25, sendo R$ 20.509,57
(78,92%) provenientes do MEC e a contrapartida da SMED de R$ 5.475,64 (21,07%). Por
outro lado, a Chefia do SEJA informa que a quase totalidade dos recursos investidos 199326
e 1994 em atividades de capacitação, aquisição de materiais didático-pedagógicos, livros,
equipamentos e produção de materiais de apoio pedagógico provinham dos recursos
federais, o que significa que o Município cobria principalmente as despesas de construção e
manutenção de edifícios, assistência ao estudante (merenda e transporte escolar) e a folha
de pagamento dos trabalhadores da educação.
As informações acima só nos permitem concluir que a principal fonte de financiamento do
SEJA são os recursos próprios do orçamento municipal (aí incluídas as transferências
obrigatórias das outras esferas de governo) e que o custo aluno é elevado em relação à
média nacional. É provável que parte deste custo mais elevado resulte dos níveis salariais 24 As despesas em educação de Porto Alegre são classificadas em manutenção (pessoal, edifícios e
instalações, material permanente e de consumo básico), desenvolvimento do ensino (material pedagógico,
assessoria, eventos, cursos, etc), merenda e repasses para creches comunitárias conveniadas. Até 1994, todas
as despesas de desenvolvimento do ensino, inclusive as do SEJA, eram lançadas conjuntamente. Na
previsão orçamentária para 1995, passou-se a discriminar essas despesas por Educação Infantil (0 a 6 anos),
Ensino Fundamental, Ensino Médio e Educação Especial. As despesas com o SEJA, porém, foram incluídas
no conjunto do Ensino Fundamental, não sendo possível desagregá-las. 25 Cálculo baseado na cotação média do dólar americano/ano, que em 1994 foi de US$ 1 = R$ 0,62. 26 Em 1993, o valor total deste convênio foi de CR$ 11.699.631,10 ou US$ 132.588,74, sendo CR$
7.411.820,60 ou US$ 83.996,15 provenientes do MEC (63,3%) e a contrapartida da SMED de CR$
4.287.810,50 ou U$ 48.592,59 (36,6%). Cálculo baseado na cotação média do dólar americano/ano, que em
1993 foi de US$ 1 = CR$ 88,24.
percebidos pelos professores da RME de Porto Alegre, bastante superiores aos padrões
médios praticados no País.
3.6. Os educadores do SEJA
Para exercer o cargo de professor do SEJA é exigida a formação mínima de 2º grau com
habilitação para o magistério (para as três primeiras "totalidades", correspondentes à 1ª a 4ª
séries) ou licenciatura em curso superior (para as três "totalidades" finais, correspondentes à
5ª a 8ª séries). Até 1994 os professores eram escolhidos por uma seleção interna realizada
pela equipe do SEJA; esses professores foram efetivados no quadro do magistério
municipal por decreto legislativo, sem concurso. A maioria dos professores do SEJA,
porém, são docentes concursados com cargo no ensino regular que acrescem à sua jornada
habitual um adicional de 20 horas cumpridos junto ao SEJA. Ao final de 1994 foi realizado
o primeiro concurso específico para seleção de professores para o SEJA, que vêm
preenchendo as vagas abertas a partir de então.
Os educadores do SEJA de Porto Alegre são contratados por uma jornada semanal de 20
horas, das quais 12 correspondem a atividades docentes em sala de aula, 4 a reuniões
pedagógicas e 4 horas-atividade cumpridas livremente fora do local de trabalho. Percebiam,
em maio de 1995 um salário mensal inicial que variava de R$ 272 (aproximadamente US$
300) para os ingressantes habilitados ao Magistério em nível médio a R$ 475
(aproximadamente US$ 540) para os Pós Graduados. A maioria, porém, formada em cursos
de nível superior, percebia salário de R$ 420 (US$ 477)27. Os educadores percebem ainda
salário indireto sob a forma de vale transporte (cujos custos são partilhados entre
27 Os professores organizam-se na ATEMPA (Associação dos Trabalhadores em Educação do Município de
Porto Alegre) mas as campanhas salariais envolvem toda a categoria dos funcionários públicos municipais,
reunidos no Sindicato dos Municipários de Porto Alegre. Maio é a data base da categoria e por ocasião do
trabalho de campo os municipários encontravam-se em estado de greve, reivindicando 11,24% de reajuste
imediato. Em 1994 eles haviam realizado um acordo com o Executivo que foi consagrado em Lei pela
Câmara Municipal de Vereadores, pelo qual o Município passou a pagar aos seus funcionários reajustes
bimestrais com base no IPC (Índice de Preços ao Consumidor) do DIEESE, desde que a folha de pagamento
não excedesse 60% da arrecadação. Graças a este acordo, os municipários tiveram, de maio de 1994 a maio
de 1995, um ganho real acima da inflação da ordem de 20%. Alegando não ter mais como cumprir os
compromissos com os funcionários e aqueles fixados com a população no Orçamento Participativo, a
Prefeitura recorreu e obteve pronunciamento favorável do Superior Tribunal do Trabalho, argüindo
inconstitucionalidade dessa Lei.
trabalhador e empregador)28 e vale refeição29, sendo beneficiados por adicionais de difícil
acesso quando lotados em escolas da periferia.
Os educadores do SEJA de Porto Alegre percebem salários mais elevados que aqueles
pagos na maioria dos municípios brasileiros. Estudo realizado em 1994 junto a 60
municípios que mantêm programas de EBJA (HADDAD, 1995) revelou que, em 38% dos
casos, o salário inicial para uma jornada de 20 a 25 horas semanais de trabalho oscilava
entre 1 e 2 mínimos; em 16 % dos casos, o salário inicial oscilava entre 2 e 4 mínimos (faixa
em que se situam os salários pagos em Porto Alegre para educadores com formação de 2º
grau); apenas 5% dos municípios consultados pagavam salários iniciais superiores a 4
mínimos (faixa em que se se situam os salários percebidos pela maioria dos professores do
SEJA, que possuem formação superior).
O corpo de professores do SEJA é constituído predominantemente por mulheres30 adultas,
com experiência prévia no magistério com crianças, habilitadas em cursos superiores de
Pedagogia ou Licenciatura, sendo expressivo o contingente daquelas que cursam ou
concluíram Especialização31 ou Pós Graduação. A maioria desenvolve outras atividades
docentes fora o SEJA, que é sua primeira experiência em educação de adultos, para a qual
se sentem motivadas. Suas preferências na literatura pedagógica revelam a dupla influência
do pensamento freireano e do construtivismo de orientação sócio-interacionista (vide
caracterização da amostra de professoras entrevistadas no Anexo 8).
"A construção desse projeto popular de educação passa, em grande parte, pela
qualificação do coletivo de professores. E, sem dúvida, a garantia
institucional de formação permanente em serviço de seus professores
apresenta-se como um avanço inovador no campo das políticas públicas em
educação de jovens e adultos." (FISCHER, 1992, p. 72)
28 Em Porto Alegre, todos os professores das redes públicas de ensino são beneficiados pelo passe escolar,
que assegura desconto de 50% no preço das passagens em transportes coletivos urbanos. 29 Em maio de 1995, o professor com jornadas 40 horas semanais recebia 25 vales de R$ 4,00. 30 Confirma-se aqui a tendência verificada no País (GATTI et al, 1993) e no continente (MESSINA, 1993,
p. 154-5) de feminização da profissão docente. 31 A Universidade Federal do Rio Grande do Sul é uma das únicas do país que manteve até 1994 um curso
de especialização (pós graduação latu sensu) em Educação de Adultos.
"O paradigma que norteia toda a formação do professor do SEJA é o da
concepção dialético-crítica, uma vez que a escola e o professor assumem o
conflito social existente e trabalham política e pedagogicamente com ele.
Para isto, o SEJA tem vários mecanismos que garantem esta formação:
quando o professor ingressa no SEJA ele participa de um Seminário Inicial
que tenta dar conta da totalidade sobre os pressupostos teórico-metodológicos
e sobre o compromisso que deve ser assumido frente ao trabalho e frente à
postura do pesquisador. No decorrer da prática ficam garantidos outros
canais, tais como: as reuniões semanais, que podem ser no local de trabalho;
as reuniões zonais, que abrangem vários locais; e as gerais, que envolvem
todo o grupo. (...) Além das reuniões, o professor tem o apoio pedagógico em
sala de aula, tem a tarefa de escrever relatórios e participar dos Seminários de
Avaliação do trimestre e do fim de ano. O caminho da reformulação, do
aprofundamento e do avanço do SEJA é alimentado diariamente a partir
desses canais, porque são eles que refletem as necessidades, limites e
alternativas construídas pela responsabilidade e participação de cada
educador.
Os mecanismos aqui citados têm uma prática apoiada no processo de cada
professor; no que ele já traz de referenciais teóricos e nas trocas que
estabelece com seus pares, na busca de subsídios que possam responder às
demandas do cotidiano.
(...) Para o SEJA, a qualidade do trabalho de cada professor passa pela
possibilidade da apropriação do fazer pedagógico, pensando a prática e não
sendo um executor de 'kits' ou pacotes didáticos elaborados por especialistas
iluminados." (BORGES, L. et al, 1993, p. 9)
Além do Seminário Inicial de formação, com 20 horas de duração, os professores
ingressantes no SEJA realizam estágios de monitoria junto a salas de aula regidas por
professores mais experientes. A formação permanente realiza-se nas reuniões periódicas
semanais, coordenadas pelo GAP - Grupo de Apoio Pedagógico.
As educadoras conferem extremo valor à formação em serviço, entendida como espaço
coletivo de reflexão, troca de experiências, desacomodação e busca de qualidade:
"O que mais acontece por aí é pegar um professorzinho e dizer: 'Vai lá e te
vira'. Aqui existe uma grande preocupação com a formação do professor, tem
espaço para a gente fazer um trabalho comum, planejamento comum, temos
sempre alguém que nos pergunte: 'Seu trabalho está sendo significativo ?
Você está vendo qual que é teu objetivo?' para que a gente não perca o fio
condutor. Para mim é muito importante compartilhar com o outro, senão eu
me sinto muito solitária. Eu entrei um pouco viciada, (...) estava fazendo meu
trabalho, a Conceição o dela; no primeiro momento que nós sentamos na
escola, o trabalho deslanchou, deu um salto de qualidade. E junto com o GAP
e todos com orientação central, eu me sinto muito segura. A gente tem um
socorro pronto: quando estou sentindo que alguma coisa não está bem, eu
converso com minha colega, com meu GAP, a gente retoma esse fio para ter
sempre um objetivo à frente, saber sempre porque você está trabalhando.
Acho isso da maior importância, eu nunca vi isso em nenhum outro
lugar.”(Vera)
"Esse processo não deixa tu te acomodar, tu tá sempre em constante
desacomodação, sempre se questionando, sempre solicitando mais. Eu acho
que isso é importante, faz o trabalho da gente crescer e melhorar a
qualidade do SEJA. Eu me vejo sempre buscando mais, o SEJA te condiciona a
isso, tem esse espaço: você pode parar, pensar, buscar, trocar." (Marília)
"É bem uma construção mesmo. No meu GAP, o pessoal é polêmico, a gente
tem altas discussões, (...) e tem coisas que a gente tem que reformular. Eu
acho fundamental isso de nós termos realmente um espaço garantido para
planejar, para discutir, para trocar. Eu estou no Seja há dois anos, não me
considero veterana, mas uma das preocupações da gente nos últimos tempos
é que não se percam os princípios, que eles se mantenham, porque o grupo
está ficando maior e tem que tomar o cuidado de manter a qualidade do
trabalho." (Márcia)
"Em primeiro lugar eu gostaria valorizar algumas coisas que encontrei no
SEJA: trabalho há pelo menos 12 anos no Estado e escolas particulares,
nunca vi uma valorização profissional quanto a gente tem aqui; outra coisa
também é o respeito e a questão da autoria que a gente não tem em outros
locais de trabalho; o incentivo ao crescimento da gente nas reuniões, através
do próprio GAP (depende muito do GAP, isso varia muito). Essa questão do
espaço para formação, no início a gente sentia que tinha bem mais (...)
Agora vêm com pequenas coisas em relação a horário, por exemplo, para
participar de seminário. (...) Dentro da Prefeitura todos os seminários
sempre foram abertos para os professores, era super valorizado que a gente
participasse, justamente pela qualificação profissional. Agora a gente está
vendo, não sei porque, que para sair para ir a um seminário tem que pagar
carga horária. A gente acha que isso não é uma coisa legal, não fecha com a
nossa proposta do SEJA (...) Também os espaços das reuniões locais, que são
os momentos para troca, estão sendo ocupados com coisas burocráticas."
(Liege)
Os professores são responsáveis pela seleção e elaboração dos materiais didáticos, de vez
que o programa não adota cartilhas, embora o SEJA publique os livros Palavra de
Trabalhador e o Jornal do SEJA - reunindo produção escrita dos alunos - e os Cadernos
do SEJA - com registros de práticas e análises dos professores.
"Madalena Freire sugere o registro escrito da prática pedagógica como forma
de reflexão e o SEJA tem procurado incorporar esta idéia pela qual o
professor pode perceber o que tem proposto aos seus alunos e se os mesmos
têm construído novos conhecimentos. O relatório pode refletir cada momento
do trabalho e articulá-lo com a totalidade dos princípios do SEJA. Esse
relatório é trimestral e tem características diferenciadas do planejamento
formal que disfarça a realidade vivida em sala de aula. O relatório é
dinâmico, vivo e contém a 'verdade' do ponto de vista do professor."
(BORGES, L. et al, 1993, p. 9)
O Grupo de Apoio Pedagógico é constituído por dez educadoras selecionadas no próprio
corpo docente do SEJA segundo os critérios de identidade com as diretrizes político-
pedagógicas do programa, padrão de formação e conteúdo teórico-prático, tempo de
exercício docente no SEJA e disponibilidade para realizar as reuniões e atividades exigidas
pela função (vide caracterização da equipe técnica no Anexo 9).
Cabe aos membros do GAP apoiar pedagogicamente os professores, coordenando as
reuniões e visitando as salas de aula. Cada membro do GAP é responsável por um turno do
CEMEJA ou por um dos 7 NAIs (Núcleos de Ação Institucional)32, apoiando suas reuniões
locais e regionais.
"O GAP não faz o papel tradicional da 'super visão' nem do supervisor e não
concebe o professor como objeto mas como sujeito da ação pedagógica. O
GAP é parceiro neste processo de desvelar os saberes e não saberes do grupo
(e o seu), não tendo, portanto, papel fiscalizador e burocrático." (BORGES, L.
et al, 1993, p. 9)
32 A regionalização adotada pelo SEJA segue a divisão administrativa da SMED em sete Núcleos de Ação
Institucional - NAIs - que agregam as 16 micro-regiões da cidade.
Apesar dessa declaração, há indícios de que a relação assimétrica estabelecida no período
mais recente entre os membros do GAP e os professores tem provocado fissuras na base de
confiança entre eles:
"Logo no início, o GAP teve um papel mais de mediador e agora ele está tendo
uma outra função que é de articulador, de coordenador, de instigador. Agora
nós estamos retomando a discussão do papel do GAP, pois há grupos que
estão pedindo a eleição do GAP, porque o GAP não é eleito, é formado por
pessoas convidadas. (...) As professoras mais antigas é que fazem essa
cobrança. Na realidade, a diferença com o GAP anterior é que ele era
constituído por pessoas que estavam representando os professores, nomes que
surgiram para serem do GAP por indicação dos professores, então ele era um
mediador. Agora ele assumiu um outro caráter que é de assessoria, muda o
papel completamente. Tem também a questão do crescimento do SEJA, que
influenciou bastante nos rumos que a gente acabou tomando, nossa
organização teve que ter uma mudança. No início, quando tinha 30
professores, era uma realidade; hoje, com 170, quase 180 professores, muda
completamente o quadro. Talvez os professores antigos fiquem assim meio
saudosistas daquele tempo em que tudo era definido em uma reunião com 30
pessoas." (Cátia, membro do GAP e da Assessoria Pedagógica da SMED)
"Hoje é realmente mais difícil. Se a gente não conseguir se organizar nessas
instâncias, a gente não consegue dar conta de coordenar o trabalho, de ver o
que está acontecendo em cada região da cidade. A SMED, a Coordenação,
não consegue ter a visão do todo, porque a gente não vai estar em todas as
salas de aula. O GAP, hoje, está fazendo o papel de ir às salas de aula, que
antigamente a Coordenação fazia e agora não faz mais, nem tem como."
(Rose, membro da Coordenação)
"Eu tenho uma dificuldade frente aos professores mais antigos relacionada ao
papel do GAP. Faz parte (pelo menos eu acreditava que fazia parte) do
trabalho do GAP entrar nas salas de aula, intervir com o aluno, participar do
trabalho com o professor, até para ter subsídios para uma discussão, para
poder auxiliar. Eu estou aqui no CEMEJA de manhã, onde existe um grupo de
professores bem antigos que opõem uma resistência grande à minha entrada
em sala de aula, o que, para mim, é particularmente importante. 'Se eu
permitir tu entra, se eu não permitir tu não entra. Tu entra quando eu te
convidar, senão tu tá invadindo.' É uma defesa contra a avaliação, é uma
resistência a mostrar a prática. Eu me sinto sem respaldo, sem subsídios para
conversar. A pessoa te sente como uma invasora, alguém que chegou ali
representando de alguma forma o poder, alguém que está do lado da
Coordenação e que está fiscalizando, então eles têm resistência. No entanto,
tem outras escolas com professores em que isso já não acontece, a presença do
GAP na sala de aula é natural, até pedem, acham que é bom, que tu vai
contribuir". (Sinara, membro do GAP)
3.7. Os alunos do SEJA
"(...) los estudiantes de la EBA (...) se presentan como marginados urbanos,
con tradición rural y sometidos a aculturación, procesos sociales, económicos
y políticos ajenos a sus voluntades individuales que los llevaron a ellos o a sus
padres, a migrar a las ciudades. Posteriormente su condición social los obligó
(en la niñez o adolescencia) a abandonar la escuela regular e insertarse en una
posición desfavorable en el sistema productivo. Pocos años despues, ya adultos
jóvenes, regresan a la educación sistemática impulsados por las mismas
demandas sociales que en el pasado los alejaron de la escuela. Es decir, la
necesidad de trabajar y la escasa utilidad del conocimiento escolar los hacen
desertar; la búsqueda de mejoras económicas y la necesidad de legitimarse
socialmente los llevan nuevamente a la escuela. La pregunta que queda
pendiente es el papel que le cabe a la escuela dentro de este movimiento
pendular." (MESSINA, 1993, p. 87-8)
O SEJA não dispõe de dados sócio-demográficos sobre o perfil de sua clientela (pesquisa
nesta direção está planejada para ter início em 1996), o que impossibilitou a estruturação de
uma amostra representativa. Por outro lado, as restrições materiais, humanas e de tempo do
estudo não nos permitiram realizar um survey amplo. Assim, a seleção dos sujeitos
entrevistados não resultou de um procedimento estatístico e procurou apenas cobrir a
diversidade de realidades em que a oferta do SEJA se realiza, incidindo sobre duas unidades
escolares: à noite, nos dirigimos à E.M. João Antônio Satte (localizada no Parque dos
Maias, um bairro periférico na região norte da cidade); em horário matutino, entrevistamos
alunos do CEMEJA, localizado no centro da cidade. Complementamos as entrevistas com
observações realizadas no horário vespertino em uma classe instalada no Centro
Comunitário Parque Manequinho, um equipamento multi funcional mantido pela FESC no
bairro Cavalhada, zona sul da cidade.
A localização geográfica e o horário - características da oferta - modulam o perfil social da
demanda por EBJA em Porto Alegre: no Centro, pela manhã, e no bairro, pela tarde,
predominam senhoras (donas de casa ou funcionárias públicas municipais) e adolescentes
recém egressos da escola regular, a maioria dos quais não realiza trabalho remunerado. Os
jovens apresentam marcas da marginalização social e educacional: dentre eles encontramos
portadores de deficiências físicas e mentais brandas33, ex-institucionalizados, adolescentes
que tinham algum grau de envolvimento com o mundo das drogas e da violência. À noite,
na periferia, também encontramos senhoras que realizam trabalho doméstico não
remunerado, mas predominam trabalhadores (inseridos nos mercados de trabalho formal ou
informal) de ambos os sexos e diferentes faixas etárias.
Os 12 alunos entrevistados foram indicados pelas professoras das respectivas unidades
escolares. Embora tenhamos solicitado que as indicações respeitassem um critério de
diversidade de sexo, idade e tempo de ingresso no SEJA, ao tabularmos os dados de
caracterização dos alunos entrevistados (Quadro XIV) e cotejarmos os resultados com
pesquisas anteriores, constatamos que o grupo não apresenta o perfil típico dos estudantes
da suplência de 1º grau.
Quadro XIV: Caracterização dos alunos do SEJA entrevistados
Pergunta Variável E.M. CMJA Total %
----------------------- Entrevistados 6 6 12 100,00
Estado de origem RS 6 6 6 100,00
Local de moradia Porto Alegre 5 6 11 91,66
Alvorada 1 0 1 8,33
Idade - 25 anos 2 2 4 33,33
25 a 35 0 0 0 0,00
35 a 40 3 1 4 33,33
+ de 40 1 3 4 33,33
Sexo Feminino 4 5 9 75,00
Masculino 2 1 3 25,00
Estado civil Solteira/o 2 3 5 41,66
Casada/o 4 2 6 50,00
Viúvo 0 1 1 8,33
Número de filhos Nenhum 2 1 3 25,00
1 1 1 2 16,66
2 a 3 3 3 6 50,00
mais de 3 0 1 1 8,33
Emprego Empregado 4 5 9 75,00
Setor formal 2 2 4 44,44
Setor informal 2 3 5 55,55
Doméstico não remunerado 1 1 2 16,66
33 Em 1995, como parte da política da SMED de integração dos portadores de necessidades especiais, o
SEJA acolheu um grupo de aproximadamente 180 jovens e adultos provenientes das unidades de educação
especial mantidas pelo Município.
Desempregado 1 0 1 8,33
Renda mensal Sem renda 2 1 3 25,00
até 1 SM 2 0 2 16,66
+1 a 2 SM 1 3 4 33,33
+ 2 SM 1 22 3 25.00
Escolaridade anterior Nunca estudou ou - 1 ano 1 2 3 25,00
1 a 2 anos 2 0 2 16,66
+ 2 a 3 anos 0 3 3 25,00
+ 3 anos 3 1 4 33,33
Tipo de escola Não sabe informar 1 0 1 8,33
Regular urbana 4 2 6 50,00
Escola especial 1 0 1 8,33
Senai 1 0 1 8,33
Orfanato/internato 0 1 1 8,33
Sem Resposta 1 0 1 8,33
Escolaridade SEJA Ingresso T1 3 3 6 50,00
Ingresso T2 2 2 4 33,33
Ingresso T3 1 0 1 8,33
Ingresso T4 0 1 1 8,33
Atual T1 2 3 5 41,66
Atual T2 2 2 4 33,33
Atual T3 1 0 1 8,33
Atual T4 1 1 2 16,66
Ocupações atuais mencionadas: donas de casa (3); servente/encarregado de limpeza de escritório
(2); metalúrgico (1); empregada doméstica (1); servente de pedreiro (1); gari (1); costureira (1);
auxiliar de serviços gerais (1); marcineiro (1).
Profissões mencionadas: metalúrgicos (2); mecânico e marcineiro (1); costureira (1).
Para o Estado do Rio Grande do Sul, encontramos um estudo que traça um perfil sócio
demográfico de alunos de cursos de suplência de 1º grau, realizado em 1978 junto a 99
escolas da rede estadual (SILVA, 1979). Em uma amostra constituída por 2.131 alunos dos
níveis 3 e 4 (correspondentes às 5ª e 6ª séries do ensino de 1º grau) distribuídos nas 19
Delegacias de Ensino, a pesquisa concluiu haver um equilíbrio entre os sexos (51,9%
feminino, 48,1% masculino), predomínio de jovens na faixa etária de 18 a 25 anos (59,3%
do total), ocupados (88%), que trabalhavam 8 ou mais horas ao dia (78%) e que haviam
freqüentado anteriormente escolas regulares por diversos anos (89,8%).
Para o Município de Porto Alegre, localizamos uma pesquisa de 1981 com uma amostra de
88 alunos do nível 4 de suplência das escolas estaduais sob jurisdição da 1ª Delegacia de
Ensino (SILVA, 1982). Também aí há certo equilíbrio entre os sexos (53,4% de mulheres e
46,6% de homens), predomínio de jovens solteiros (63,6% na faixa etária de 17 a 21 anos),
trabalhadores com renda entre 1 e 2 salários mínimos (53,8%) que freqüentaram
anteriormente o ensino regular.
Esses perfis do alunado são similares aos descritos em outros estudos realizados no Brasil
(HADDAD, 1987), o que nos levou a supor que o grupo que entrevistamos é desviante do
padrão dominante ao menos no que se refere ao sexo e a idade, pois constitui-se
majoritariamente por mulheres adultas com mais de 35 anos.
Há que se considerar, porém, que a maior parte das pesquisas consultadas refere-se a
estudantes que freqüentam níveis mais elevados da EBJA, e que o perfil predominantemente
feminino e com idade mais elevada de nossa amostra é compatível com os resultados de
estudos anteriores realizados com estudantes do SEJA (SCOMAZZON, 1991) e em
diversos países da América Latina, em que observou-se o predomínio de estudantes
mulheres e uma presença relativamente maior de alunos mais velhos nos níveis iniciais da
EBJA (MESSINA, 1993).
Ainda assim, os depoimentos apresentados a seguir não têm validade estatística e têm valor
estritamente qualitativo, pois referem-se a uma reduzida amostra aleatória de doze alunos,
Ainda assim, os depoimentos apresentados a seguir não têm validade estatística e têm valor
estritamente qualitativo, pois referem-se a uma reduzida amostra aleatória de doze alunos,
cujo perfil sócio demográfico por vezes difere dos traços predominantes identificados em
pesquisas realizadas no Município, no Estado, no Brasil e na América Latina.
Para minimizar esta reconhecida limitação, a análise dos depoimentos procurou confrontar
os fatos observados com os resultados de pesquisas anteriores e mais abrangentes.
3.7.1. Trabalho, condição social e escolarização
Os grupos de entrevistados eram constituídos por trabalhadores, 75% dos quais
empregados assalariados, um desempregado e duas donas de casa. Dentre os empregados,
mais da metade não possuía carteira de trabalho assinada, movendo-se no mercado de
trabalho informal em serviços domésticos, na construção civil, marcenaria ou costura.
Enquanto que as donas de casa e a desempregada não auferiam renda monetária, o grupo de
empregados distribuía-se entre diferentes faixas de baixa renda; apenas um quarto deles
recebia mais de 2 salários mínimos mensais.
A condição social dos alunos é percebida por professoras e técnicas como resultado de um
processo de exclusão:
"Eu trabalho em Campos do Cristal, que realmente é uma vila bem miserável,
próxima ao Cruzeiro (Cruzeiro, eu diria, tem um nível superior, porque a
população já é mais organizada). É uma vila paupérrima, eles são excluídos
de tudo, eles são marginalizados mesmo. Tem até menores infratores, a
gente está trabalhando com eles também. Então eu acho que a nossa
clientela é uma clientela de excluídos, são as pessoas excluídas da sociedade
em todos os termos, a auto-estima deles é baixíssima. A gente trabalha bem
com eles essa questão da organização, de lutar por objetivos comuns, (...) que
eles têm direitos para resgatar. Acho que a gente tem que trabalhar com eles
no sentido de fazer uma releitura desse mundo que eles têm, a gente está se
propondo com eles a resgatar a cidadania, porque eles estão bem excluídos,
se sentem muito marginalizados". (Marília)
"São excluídos que procuram o SEJA pelas mais diversas razões,
especialmente o trabalho ou o convívio familiar, para melhorar suas relações
e sentir-se útil na família. Os mais jovens, evidentemente, sempre com uma
perspectiva de melhorar de vida, de emprego; as pessoas com mais idade
procuram no sentido de crescimento pessoal e de enriquecer a sua relação
familiar." (Cátia)
Para a maioria desses alunos a escolarização representa possibilidades de atenuar os
preconceitos em relação a sua situação social (pobre, negro, mulher, analfabeto, velho,
morador de vila), ter acesso ou permanecer no mercado de trabalho, ascender na estrutura
ocupacional e perceber melhores salários:
"Eu vim estudar principalmente prá mim arrumar um serviço, que se a pessoa
vai arrumar um serviço hoje, eles estão pedindo do 1º ao 2º grau; então,
qualquer serviço que a pessoa vai procurar não aceitam, pode ter experiência.
Eu trabalhei 19 anos em uma metalúrgica de fazer talheres, depois fui embora.
Tentei conseguir serviço em outras firmas e, com 19 anos de carteira assinada
numa única firma, não consigo por falta de estudo. Aí eu apelei pro SEJA. Prá
mim foi muito importante, eu tenho aprendido bastante, não cheguei até onde
eles querem, até a 8ª, ainda. (Gelci, aluna da E.M. J. A. Satte)
"É muito importante, porque mesmo no trabalho da gente às vezes a gente
perde oportunidade. Eu trabalho num escritório. Lá, eu sirvo cafezinho. Mas a
gente perde oportunidade de ser uma secretária ou ser uma recepcionista,
trabalhar num serviço melhor, ganhar mais; porque o trabalho que a gente
faz, como servir cafezinho e limpeza, eles acham que não têm muito valor."
(Lourdes, aluna da E.M. J. A. Satte)
"(...) Eu pare estudar quase 30 anos, parei na 5ª série no Alvorada, naquela
época era bastante. Mas, graças a Deus, eu tive sorte em empregos e eu fiz
muitos cursinhos nas firmas que eu trabalhei, inclusive tenho diploma do Senai
de ferramenteiro, eu sou metalúrgico, tenho curso de torneiro, sou
especializado. Mas sempre falta alguma coisa, eles sempre exigem um
currículo melhor. Se tem um estudo melhor quer dizer que vale mais. Se eu
consigo terminar a 8ª série, de repente já me interesso pelo 2º grau, eu quero
ver se não paro. Tá bom, eu estou gostando mesmo. Então isso aí pode até
mudar, posso fazer um técnico e ir mais prá cima. (...) Já aconteceu comigo de
sofrer exclusão. Eu cheguei numa empresa prá pegar um serviço, tinha
anúncio no jornal, fui lá, preenchi ficha, tinha 5 pessoas, tinha 2 vagas. Então
tinha um rapaz que ele não tinha curso do Senai, ele tinha 2º grau e tinha
experiência e não era negro; eu tinha quase 20 anos de experiência, tinha 2
anos de diploma de Senai, tinha muito mais, meu currículo era muito melhor,
mas quando chegou a hora da instrução pegaram ele porque tinha 2º grau, só
por causa do nível do 2º grau (...)." (Jurandir, aluno da E.M. J. A. Satte)
"Eu trabalho no município, sou funcionária pública, então eu quero continuar
os estudos prá fazer novos concursos. Eu já fiz vários concursos mas não fui
chamada, sou só auxiliar de serviços gerais, mas já passei em auxiliar de
merendeira e de costureira, só que não fui chamada ainda, mas tirei boas
notas e eu quero continuar os estudos prá fazer novos concursos, prá poder ser
alguém maior." (Tânia, aluna do CEMEJA)
3.7.2. Origem rural-urbana e migrações
Os dois grupos de alunos entrevistados eram constituídos integralmente por gaúchos e, à
exceção de uma moradora do município vizinho de Alvorada, todos vivem em Porto
Alegre, cidade em que 58,33% nasceu. Esta amostra não repete o perfil característico dos
estudantes de programas de EBJA identificado em pesquisas realizadas na Região Sudeste,
em que a maioria do alunado é constituída por migrantes rural-urbanos inter regionais
(Haddad, 1982; Galheigo, 1984; Pereira & Marques, 1975; Pfister, 1979 - citados por
HADDAD, 1987), o que se deve provavelmente ao fato das capitais desta região serem
pólos de atração de correntes migratórias inter regionais. Os dados obtidos em Porto Alegre
- em que predominam estudantes nascidos na própria capital ou migrantes rural-urbanos
intra-estaduais - assemelham-se mais àqueles observados em Recife (RECIFE, 1995, tabelas
11 e 12), pois ambas as metrópoles são pólos de atração de correntes migratórias intra-
estaduais e regionais.
Cabe destacar que, ainda que não sejam a maioria34, os entrevistados de origem rural
encontram-se na faixa etária mais elevada e foram aqueles que maiores dificuldades tiveram
de acesso à escola na infância:
"Eu fui criada prá fora, não tinha aula, sou da Encruzilhada do Sul, lá não
tinha essas coisas" (Maria Luiza, 61 anos, aluna do CEMEJA)
"Eu morava no interior, então não tinha como nós ir pro colégio, aí não deu
prá estudar." (Geraldina, 62 anos, aluna do CEMEJA)
"Eu mesma nunca estudei, meus pais nunca me colocaram no colégio. Minha
terra é Porto Xavier, interior, os pais pobre não pode, aí eu não estudei
nunca." (Lourdes, 39 anos, aluna da E.M. J. A. Satte)
3.7.3. Idade e convívio inter geracional
Embora os jovens sejam numerosos nas unidades escolares visitadas e as professoras os
mencionem como maioria do alunado do SEJA, eles estiveram sub representados nas
entrevistas. É possível que, ao fazer a indicação dos alunos, as professoras tenham
privilegiado os adultos, ou ainda que os adolescentes não tenham se interessado por
participar das entrevistas. Dois terços de nossa amostra eram constituídos por estudantes
com idade superior a 35 anos, o que contradiz a totalidade dos estudos consultados, que
indicam claro predomínio de jovens nos programas de EBJA (mais da metade com idade
inferior a 25 anos e parcela significativa com menos de 18 anos). Entretanto, deve-se
assinalar que as características dos alunos que entrevistamos em 1995 assemelham-se
bastante às descritas por uma professora-pesquisadora que estudou algumas salas de aula
do SEJA de Porto Alegre entre 1989 e1990:
"Os alunos que freqüentam as classes instaladas no Mercado Público de Porto
Alegre, que funcionam à tarde, são na maioria mulheres, com idades que
34 Merece registro que, no estudo de Scomazzon (1991), os alunos do SEJA eram majoritariamente
migrantes rural-urbanos intra-estaduais (p. 57).
variam dos 16 aos 70 anos, predominando a faixa entre 35 e 60 anos. Entre as
mulheres de mais idade, há grande número de viúvas que dizem agora ter
tempo para estudar, 'por já terem criado filhos e netos'." (SCOMAZZON,
1991, p. 56)
Este dado nos leva a considerar a hipótese de que, no SEJA de Porto Alegre, as mulheres
adultas e idosas constituam uma parcela significativa do alunado e que, ainda que não sejam
a maioria, configuram um sub-grupo relativamente homogêneo, cuja identidade nitidamente
delineada aumenta sua visibilidade no interior do conjunto heterogêneo de estudantes.
Um terço dos alunos entrevistados tinham mais de 40 anos e, dentre eles, havia duas
senhoras idosas, para as quais o acesso à escola é percebido como o resgate de um direito e
a ruptura de uma situação de marginalização social:
"(...) agora eu estou estudando porque já estou com 62 anos, me aposentei,
comecei a estudar, estou me sentindo muito bem. (...) porque é muito bom a
gente estudar. No trabalho, às vezes algum recado, a gente, não sabendo ler,
não sabe. Eu trabalhava numa firma de limpeza, me aposentei mas eu ainda
trabalho, ainda faço algum servicinho de limpeza em escritório, não dá prá
gente parar de trabalhar. Graças a Deus, estou indo muito bem nesse colégio,
que é muito bom essa oportunidade que eles dão prás pessoas de idade
estudar, que tem certos lugar que as pessoa de idade não pode estudar, e aqui
não, aqui tenho oportunidade de estudar". (Geraldina, aluna do CEMEJA)
"É tão difícil uma pessoa não saber ler, escrever! Se eu tinha que ir em algum
lugar, tomar ônibus, eu ia no fim da linha; agora não, eu fico na parada, eu
tomo o ônibus que eu tenho que pegar. Prá gente é muito importante saber ler,
escrever um pouquinho e, embora com a idade que está, ficando cansada, a
gente participar com os jovens, tudo junto, é uma coisa bacana, bonita.
Porque não é só pros jovens a oportunidade, tem pros adultos também. (...)
Mas sabe como é, de menina eu não tive oportunidade, agora eu me sinto feliz
no meio dos jovens também tendo essa oportunidade.(...)- Eu estou
aprendendo com elas, na sala de aula. Vou fazer 62 em dezembro, dia 12 faço
62 anos. Então eu digo assim: 'Eu tô velha' e elas dizem: 'Não'. É uma coisa
que elas estão transmitindo prá mim, é uma coisa boa, que eu não devo me
sentir velha, no momento que a pessoa se sentir velha ela se sente até
rejeitada. (...) Mas tem gente pior do que eu, eu não sou velha, eu sou jovem
ainda." (Maria Luiza, aluna do CEMEJA)
Dentre os poucos jovens entrevistados, encontramos aqueles que viveram (ou ainda vivem)
situações extremas de violência familiar:
"Tenho 17 anos, eu vim prá escola prá poder aprender alguma coisa. Quando
eu era pequeno não tive oportunidade. Não fui criado por pai e mãe, fui
criado em orfanatos - Bagé, Caçapava, Morro Santana -, então fui criado
assim pelos estranhos. (...) Minha mãe não me queria, meu pai não me queria,
então botava ali. (...) Eu apanhava muito quando eu era pequeno. (...) Porque
eu fui criado assim: minha mãe não gostava de mim, então eu apanhei de
válvula de fogão, apanhei de ferro, pedaço de tudo (...) [mostrando a cicatriz
na cabeça] Aqui, assim, eu tive que operar, tem um osso, tava um dedo assim
prá dentro de uma válvula de fogão. (...) Muitas vezes eu apanhava e nem
sabia porque (...) botava numas tampinhas, me botava 2, 3 horas nas
tampinhas. Eu fui criado no respeito: 'Espera aí, tá cortando meu joelho'.
Ainda de mão prá cima, sabe o que é? começa a balançar as mãos, vai
cansando. Mas isso aí foi antigamente. Meu pai tem dois filhos. Tem um relho
lá, que vou te contar...Às vezes tenho vontade de separar ele, mas ele pega,
chega a tirar sangue das pernas. Mas ele diz: 'Se quiser, cria os filhos dele,
educa eles', ele diz na cara de pau. Eu moro com meu pai, agora, depois de
grande. (...) se ele der em mim eu dou nele, ele já sabe, se ele botar a mão em
mim ele apanha. Claro, ele quer porque eu tenho que ajudar ele, porque eu tô
grande, tô um homem, prá trabalhar prá ele. Ele nunca me quis quando eu era
pequeno, me rejeitou, ele diz que eu era filho de negra, meu vô me rejeitava,
quando eu cheguei assim: 'Meu filho', me correu de facão que eu era filho de
negro, não era prá chegar ali perto. Ele era meio racista, ele era, ele é
alemão, eu sou alemão, mas ele diz que sou filho de negro, que eu não era
filho de meu pai, chegou quase a me correr de lá. Aí fui morar com meu pai,
ele brigou com meu pai por causa de mim e meu pai foi pegando raiva. Agora
que eu tô me dando melhor com meu pai, mas não posso sair, não posso
passear, não posso ter amigo, nada, eu sou pior do que preso, se chegar lá
qualquer uma de vocês: 'O Elias pode ir num baile?' 'Sai daqui, vai pro diabo
que te carregue!' Ele não quer nem saber, ele não aceita ninguém, eu tenho
que estar sempre dentro de casa." (E., 17 anos, aluno do CEMEJA)
A motivação para retomar os estudos entre os jovens entrevistados não é puramente
instrumental; centra-se no acesso ao saber, do qual foram privados em sucessivas
experiências de fracasso escolar:
"Meu causo é bem simples, eu desde pequeno estudei em várias salas de aula,
(...) daí não deu, atrasei, parei vários anos (...) Agora me 'bateu na telha'
voltar a estudar de novo, aprender. (...) Estudava num morro ali, classe
especial, não aprendia nada: a ler, escrever. Deu uma vontade de aprender!
Não sabia que tinha o SEJA. Depois, no ano passado que eu descobri que
tinha, eu vim aqui, me informei e entrei. Só é um pouquinho difícil a
matemática, a cabeça... mas eu vou pegando o jeitinho, chego lá." (Sandro, 23
anos, aluno da E.M. J. A. Satte)
"Sou a mais jovem. Eu trabalho em casa de família. (...) Passou pela cabeça
ter vontade de estudar de novo, aprender mais. Eu tinha parado de estudar,
faz um tempo que eu estudei, estudava prá lá de Guaíba, aí eu parei de
estudar, aí eu voltei a estudar de novo aqui no SEJA, estou aprendendo
bastante coisa aqui, tô aproveitando bastante." (Denise, 19 anos, há dois anos
"estacionada" na turma de alfabetização inicial da E.M. J. A. Satte)
A persistência desses jovens na luta pelo acesso e permanência na escola exprime não só a
busca de qualificação para melhorar sua inserção no mercado de trabalho, mas também a
aspiração por ocupar um lugar simbólico na sociedade urbana, no interior da qual a
escolarização é condição para que eles possam partilhar a identidade e cultura juvenis.
Os depoimentos sobre a convivência entre os adolescentes, adultos e idosos revelam
elementos de diferenciação e conflito, mas também de tolerância e respeito. Durante as
entrevistas com os alunos, travaram-se os seguintes diálogos:
"- Na nossa sala tinha uma guria de 14 anos que irritava, ela ficava todo
tempo chamando a professora. Eu não serviria prá ser professora, porque eu
já xingava.
- Nós somos adultos, conseguimos se organizar na aula de matemática. Porque
na outra sala, tem pessoas mais jovens, mas foi assim um horror. Eu sou uma
que aprendi a falar agora, eu disse: 'se tiver que ir com a outra turma eu não
vou, que eu não consigo'; porque tem quem mandar o colega calar a boca,
sabe? Eles gritam, aquela coisa, mas já são mais adolescentes.
- Sim, mas na nossa aula, como os colegas tudo se conhece, a gente manda
calar essa boca e se respeita. E olha que o professor tem paciência: 'Só um
momentinho, pessoal'. E já nós, os alunos, não temos essa paciência: 'Fica
quieto aí, o professor tá falando'. Mas a gente se gosta, se respeita, no nosso
grupo." (Diálogo entre alunos adultos da E.M. João Antônio Satte)
"- Tem uns que colégio que tem muitos velhos (...) que não aceita os jovens
estudando junto, que fazem muita bagunça, que fazem isso.
- Mas fazem mesmo um pouco...
- Tá, é verdade, mas é preciso saber compreender, todos eles foram jovens...
- Eu também já fui jovem, também fazia ... Eu não sou contra, eles têm toda
energia, eles são jovem, eles têm que botar isso prá fora... E nós temos que
aprender a conviver com eles e eles com nós, nos respeitando como nós
respeitemo eles, jovens.
- Pode ter algum jovem que bagunça, mas não distrata um velho, nunca teve
um palavrão, todo mundo aqui pensa assim, eu pelo menos sempre pensei
assim." (Diálogo entre alunos do CEMEJA).
Os depoimentos de alunos e professores revelam que os conflitos e diferenças geracionais
são abordados conscientemente pelos educadores, que os consideram dentre os seus
principais desafios:
"- (...) as professoras estão querendo promover um debate entre os jovens e os
velhos, todos os idosos, então a gente quer promover um debate, velhos,
idosos, qualquer um ..." (E, 17 anos, aluno do CEMEJA)
"Também tem aula separado dos jovens, mais no caso prá explicar sobre as
doenças que tem hoje em dia, AIDS, essas coisas assim. Eu achei muito legal
que todos os professores são muito dedicados, eu admirei. Ainda esses dias
falei no meu serviço que eu não tinha encontrado um colégio igual a esse aqui,
que as professoras se dedicam tanto pros adultos como pros jovens. Cada um
tem um problema diferente, então prá todos eles tem uma delicadeza. Assim eu
achei maravilhoso, a gente vai prá frente, vai estudando, cada dia vai
aprendendo coisas diferentes, se formando tanto no dia a dia da sociedade
como dos estudos, a gente vai adquirindo novas informações." (Tânia, mais de
40 anos, aluna do CEMEJA)
"- Esses dois terços de adolescentes que eu tenho não têm aquela atitude do
adulto de estar cônscio, de saber exatamente porque está ali, a impressão
que se tem é que os pais foram empurrando, então a atitude é diferente e às
vezes o adulto não tem muita paciência. Eu tenho que fazer um esforço que é
pro meu público adulto compreender o adolescente.
- Esse ano eu tive esse problema na minha sala, diferença de adolescentes e
adultos, daí eles queriam fazer turmas de adultos e turma de adolescentes.
Eu perguntei a eles: 'Como é lá fora?' Então eu fiz ver que a coisa não é
assim, que a gente tem que conviver com todas as pessoas, lá fora é assim, a
gente não segrega: 'Olha, vou viver só com adolescente, ou só com adultos'. O
trabalho está rolando e está sendo muito produtivo. Inclusive eu tive
problemas como eu nunca tinha encontrado, problemas de conduta mesmo
com dois adolescentes, e o grupo todo está segurando essa e está sabendo
ajudar, contornar, e eles estão indo. Então esse eu acho que não é um
problema tão grave.
- Interessante, porque ocorreu a mesma coisa comigo esse trimestre, vieram
alunos que o grupo da manhã não aguentava mais e foram convidados a
passar prá noite. E eu tive muita resistência, tive aluno que chegou ao ponto
de eu não aguentá-lo mais dentro da sala. Extrapolou mesmo, eu já tinha
decidido: 'Na minha aula não pisa mais!' Depois a mãe veio conversar
comigo, houve toda uma mediação e é um daqueles alunos que disse: 'Como
a tua aula é boa, se eu soubesse que era assim eu já tinha vindo antes'. Mas é
aquela coisa, tem que estar sempre encima, porque eu tenho adultos, tenho
pessoas de mais idade na sala que cobram. Até perdi um aluno trabalhador
por causa desses alunos e não consegui resgatar mais.
- A sexualidade também é outra coisa. Eu tenho que usar a linguagem deles
(se é porra, é porra). A gente tem conversado, eles têm trazido alguns
problemas, não muito que a gente não teve muito tempo prá isso, mas os que
estão começando a transar, que querem saber o que que é... Quase eu me
queimo, levando duas adolescentes prá uma médica. Ai a GAP falou: 'Dá o
endereço, elas vão sozinhas'. Eu gostaria mesmo de ter um pouco mais de
orientação prá saber como conciliar isso, porque a maior parte são
adolescentes. Não só em relação a adolescentes, mas o adulto também, eles
querem saber como orientar os filhos, têm muitas dúvidas, tem muitas coisas
que estão distorcidas mesmo e falta informação.". (Diálogo entre as
professoras)
O que mais surpreende no perfil etário dos entrevistados, porém, é que a faixa de 25 a 35
anos não esteja representada. O mais provável é que se trate de um desvio da amostra, mas
é possível também que as dificuldades em conciliar trabalho, estudo e responsabilidades
familiares atinjam de modo mais acentuado este grupo etário. Uma terceira hipótese
(derivada da anterior) é de que o dado reflita a dificuldade de acesso ao estudo das
mulheres em idade reprodutiva, o que remete à questão das relações entre educação,
trabalho doméstico e gênero.
3.7.4. A questão de gênero
Entrevistamos 75% de mulheres, quando os estudos nacionais precedentes indicam ser
equilibrada a participação dos sexos no ensino supletivo. Uma das técnicas entrevistadas,
sugere a hipótese da feminização da clientela:
"Eu quero falar sobre algo que eu venho observando: a quantidade de
mulheres que estão voltando à escola, principalmente à noite. Quando eu
comecei, em 1989, nós tínhamos problemas porque as mulheres começavam o
trabalho e não ficavam nem um mês ou dois, com mil problemas (o marido não
permitia, se não tinha marido tinha filhos, isso ou aquilo); agora isso está
mudando. Na visita às escolas, principalmente as da periferia, que estão
ligadas a uma comunidade, nos bairros, as mulheres estão indo para a escola,
estão deixando seus filhos, seus maridos, estão optando por cuidarem de si e
isso é uma coisa muito marcante. No centro também, elas saem do trabalho e
ficam na escola; elas não estão indo para casa. O número de mulheres no Seja
é muito grande, às vezes as mulheres são maioria dentro da sala de aula, (...)
às vezes acontece dos homens não virem e as mulheres não faltam. Isso é uma
coisa que está muito forte, eu tenho observado bastante, o que aponta para
uma pesquisa sobre esta novidade. (...) Isso é uma coisa que está batendo
muito forte: as mulheres estão presentes." (Márcia, membro do GAP)
Contradizendo esta hipótese, pesquisa regional latinoamericana chega a afirmar que:
"(...) no existen evidencias que confirmen la feminización de la EBA. Por el
contrario, podría aventurarse como tendencia regional que las mujeres
participan en la EBA en la misma proporción que los varones o en menor
grado, entre otros motivos, por tener menos escolaridad previa. Dado que el
analfabetismo y los niveles de escolaridad formal (al menos en algunos países
y regiones) son desfavorables para la población femenina, es evidente que la
EBA no promueve el retorno o inserción de aquellos que tuvieran menos
oportunidades en el passado." (MESSINA, 1993, p. 54)
Por outro lado, o mesmo estudo regional reconhece certa ampliação da participação
feminina nos programas de EBJA, ainda que condicionada por mecanismos de
discriminação:
"Sin embargo, es posible observar cómo en el campo de la EBA operan las
mismas tensiones que se hacen presente en el sistema educativo normal de la
región: las mujeres ganan espacios pero existen nuevas y mas sutiles formas
de discriminación.(...)
Podría conjecturarse que en la educación de adultos de la región, las mujeres
participan en alto grado pero en programas que las mantienen alejadas del
setor formal de la economía y de la participación en los niveles macrosociales.
Vários autores35 afirman que las motivaciones educacionales se diferencian
por sexo. Aún en los países desarrollados la participación femenina en la
educación de adultos no formal responde más a la búsqueda del desarrollo
personal que a competencias professionales." (MESSINA, 1993, p. 70)
A autora levanta a hipótese de relação entre as variáveis idade e sexo:
"Puede 'conjecturarse' que esta relación entre edade y sexo (los estudiantes
varones tienden a ser más jóvenes) se establece cuando los centros de los
cuales proceden los estudiantes se encuentran predominantemente ubicados en
las zonas urbanas. En este sentido puede aventurar-se que en las ciudades los
desertores de la escuela regular de sexo masculino regresan antes al sistema
educativo porque tienen más motivos (fundamentalmente laborales), así como
menos obstáculos para hacerlo, ya que en general no asumen las denominadas
tareas 'domesticas'." (MESSINA, 1993, p. 75).
Os depoimentos colhidos junto a alunas do SEJA corroboram esta hipótese. O acesso das
mulheres adultas e idosas à escola foi dificultado na infância, especialmente quando elas
viveram na zona rural e, mesmo no ambiente urbano, seu retorno aos estudos foi limitado
pelas responsabilidades familiares, ao menos enquanto os filhos eram pequenos, situação
que se agrava quando elas chefiam a família.
"Quando nós viemo prá cidade, nós tinha que trabalhar prá ajudar os irmão
menor que estava estudando, aí não deu prá estudar". (Geraldina, 62 anos,
faxineira aposentada, casada, mãe de três filhos)
"Que nem no meu caso: eu criei duas filhas sozinha, não tive tempo de
estudar, desde os 19 anos que eu estou na rua batalhando prá criar os filhos.
Não tive tempo de estudar de novo quando estava trabalhando tipo na cidade,
porque eu tinha que dar de comer pros filhos." (Gelci, 42 anos, metalúrgica
desempregada, mãe de duas filhas)
35 Consultar Sutherland, Margareth. "La mujer y la educación: progresos y problemas" en Revista
Perspectiva, 21 (78) : 157-169. Paris, Unesco, 1991.
"(...) eu fico pensando agora como eu perdi oportunidade de estar mais
adiantada, porque - o meu marido sentado lendo, as filhas estudando -, por
que eu não me interessava a estudar, com eles ali, eu tenho uma filha que é
professora, formada já, a outra se formou em administração de empresa,
então por que eu não estudava? Eu só vim abrir a idéia agora, a oportunidade
que eu perdi em casa, eu digo assim, quem sabe se eu tivesse estudado em casa
com o marido e as filhas, quem sabe eu não precisaria estar aqui. Porque com
duas filhas estudando eu tinha mais que pegar e estudar. Não, eu achava que
eu era dona de casa, eu era mãe, o marido tinha que chegar e ter o chimarrão
pronto, já ajeitava tudo cedo, as filhas prá estudar, tudo. (...) Aí eu ficava
pensando assim, mas me falta alguma coisa ainda. Faltava eu tá lendo,
escrevendo, abrir o jornal lendo (pois a gente é assinante disso aqui, ficava
eles todos sentado lendo ali), mas eu achava que a dona de casa era tudo
certinho, almoço na hora, a casa arrumadinha, eu achava que isso aí era dona
de casa." (Maria Luiza, 62 anos, viúva, dona de casa, mãe de duas filhas)
"Eu voltei novamente a estudar porque achei que tava na hora de começar de
novo. Parei cedo por falta de oportunidade, porque perdi minha mãe muito
pequenininha, com 5 anos, e tive que ser criada um pouco em cada casa,
minhas tias que me criaram. Estudei até a 3ª série e depois tive que trabalhar
prá poder me sustentar. Aí casei, aí ficou mais difícil ainda de estudar (...).
Agora eu digo: 'Não, está na hora de começar a estudar'. Deixei os filhos
crescer primeiro, que tinha que atender a família, o esposo e serviço e não
dava tempo; agora parece que eles desprenderam um pouco de mim. Assim,
digo: 'Vou cuidar um pouco de mim, vou estudar também'." (Tânia, mais de 40
anos, funcionária pública, três filhos)
Se a família e a maternidade foi um obstáculo no acesso aos estudos, uma das motivações
mais freqüentes para o ingresso ou retorno das mulheres adultas à escola é auxiliar os filhos
em seus estudos. Muitas retornam com incentivo dos próprios filhos e, por vezes, levam
consigo os maridos. Entretanto, permanecer na escola e conciliar família e estudo é uma
dificuldade permanente.
"(...) vim o ano passado prá cá estudar porque com 13 anos eu tive que parar
meus estudos que me minha mãe me botou prá trabalhar. Achei muito
importante, que eu tinha muita vergonha dos meus filhos, que às vezes me
perguntava matéria da escola e eu não sabia responder. Quando nós tivemos
oportunidade, não pensei duas vezes, vim prá escola. Tenho cinco filhos e três
netos. Hoje me sinto bem feliz porque eles me perguntam e eu sei responder.
(...) Eu tô bem contente mesmo, tanto eu como meus filhos, que hoje em dia
eles não ficam mais me enrolando com dinheiro. Agora, não, eles dizem: 'Mãe,
a senhora tá ficando muito esperta lá na escola'." (Cecília, 39 anos, gari da
Prefeitura, solteira, 5 filhos e 3 netos)
"Eu também, a causa é o filho que estuda, precisa de ajuda e a gente não tem
como dar. (...) os filhos eles apertam a gente: 'Porque tu não estuda mamãe,
prá ensinar a gente mais?' Aí eu fui indo, um dia eu disse: 'Sabe de uma
coisa? Eu vou estudar mesmo. Agora já estou com quase 40, vou lutar.' Vim
pro colégio, já trouxe meu marido também junto, que ele também tem pouco
estudo, estamos aí." (Lourdes, servente de escritório, 39 anos, casada, 2 filhos)
"No meu caso não foi só por causa do serviço, mas também para ajudar a
minha filha, que está na 5ª série e eu tenho dificuldade de ajudar ela. (...) A
gente tá com uma certa idade, não é como criança, tem um pouco de
dificuldade de pegar na primeira vez as matérias. Mas prá mim está sendo
ótimo e eu ainda vou lutar pro município ter o 2º grau porque não vou desistir.
É, gente, tem que lutar. Só que eu peço que não desistam, porque não é fácil,
cuidar de casa, de filho e de marido e vir prá escola." (Lídia, mais de 40 anos,
dona de casa, casada, 1 filha)
Se no passado as responsabilidades familiares foram um obstáculo no acesso à
escolarização, o incentivo da família no presente é um dos principais estímulos à
continuidade dos estudos:
"Meu neto tem 1 ano e 4 meses, foi lá e me levou uma caneta, me abraçou,
então trouxe uma caneta bonita porque eu já estava lendo, escrevendo, tão
contente, feliz. Quero continuar mais um pouquinho, aproveitar essa
oportunidade que estão me oferecendo, não é sempre que tem essas
oportunidades, adulto estudar.' (Cecília, gari, 39 anos, solteira, 3 filhos e 5
netos)
"Eu sou apoiada por todas elas, eu já quis sair do colégio o ano passado, eu
vou desistir, aí elas: 'Não senhora, a senhora não tem quem esteja lhe
cobrando, a senhora não tem filho pequeno, não tem marido' - só tenho um
moço e o moço trabalha também, então elas disse assim: 'Nós não estamos lhe
cobrando nada, a senhora vai devagar, vai conforme a senhora pode'. Minhas
filhas não estão me cobrando, não vão lá e apertam uma coisa e outra, eu às
vezes é que me queixo prá elas." (Maria Luiza)
As mulheres idosas procuram a escola até mesmo para superar o gap cultural que se
estabeleceu com os filhos que elas lutaram para educar. Só o fazem depois de tê-los
crescidos, quando podem ou têm que redefinir seu papel na família. Algumas delas vivem
esse momento como crise; a escola as ajuda a resgatar a auto estima e encontrar um novo
espaço de sociabilidade:
"(...) eu vim estudar aqui, eu vim procurar tipo um refúgio prá mim, porque no
momento que eu vim prá cá eu estava deprimida; foi o acontecimento que eu
perdi meu esposo, então eu fiquei assim como prá morrer. O que eu ia fazer
em casa? Nada, porque eu ia só viver chorando práqui e práli. Tenho duas
filhas inteligentes, então foi aonde minha filha disse: 'Mãe, quem sabe a
senhora vai estudar um pouquinho, a senhora não sabe, então vai estudar' e eu
aceitei." (Maria Luiza)
"Eu tinha que trabalhar (meu marido era aposentado), trabalhar prá dar
estudo pros filhos. Porque eu achava assim: eu não quero ver meus filhos
lavando o chão que nem eu. Também tenho 3 filhos, todos eles são formados:
o mais moço que tem 25 anos é um oficial da Brigada, tem a guria que vai
fazer 30, essa tá fazendo pós-graduação. Então todos eles estudaram. Às vezes
eu ficava assim: todo mundo formado (eu saía com a guria em festa, a
formatura do guri eu que entreguei a espada prá ele), eu não sabia nada, todo
mundo sabendo, meus filhos lá em cima (...)." (Geraldina)
3.7.5. As experiências da exclusão e do fracasso escolar
Enquanto um quarto dos entrevistados jamais foi à escola antes de ingressar no SEJA, um
terço deles freqüentou escolas regulares urbanas por mais de três anos, provavelmente sem
lograr alfabetizar-se, de vez que o percentual daqueles que ingressaram no SEJA nas séries
iniciais de alfabetização eleva-se a 83%, e os que nelas ainda hoje se encontram
corresponde a 75% dos entrevistados. Esse dado é a cabal expressão da produção do
fracasso na escola regular. Entre os casos extremos, encontramos dois alunos jovens que
permaneceram longo tempo em escolas especiais para deficientes mentais e outro que foi
"educado" em orfanatos: nenhum dos três jovens se alfabetizou nestas instituições.
Quase sempre o estigma de incompetência intelectual associado à ausência de escolarização
ou fracasso escolar foi introjetado e reflete-se como baixa auto-estima (o adjetivo "burro"
aparece com freqüência no discurso), que eles começam a superar com o incentivo das
educadoras e dos familiares:
"(...) meus filhos têm estudo (tenho 3 filhos, tenho uma filha no 2º grau já,
passou no vestibular, e tenho um que está concluindo o 1º grau), só eu que lá
em casa era a mais burrinha da família." (Tânia)
"Eu tinha vergonha, eu tinha verdadeiro pavor de falar que eu ia pro colégio,
vão rir de mim (...)" (Marinês, costureira, pouco mais de 20 anos, solteira, mãe
de uma filha)
"Às vezes eu dizia prá elas: 'A mãe é bem burrinha'. 'Não senhora, a senhora
não é, a senhora tem duas filhas tão inteligentes, a senhora não é'." (Maria
Luiza)
"Eu tô bem contente mesmo, tanto eu como meus filhos que hoje em dia eles
não ficam mais me enrolando com dinheiro. Agora, não, eles dizem: 'Mãe, a
senhora tá ficando muito esperta lá na escola' . 'É, antes vocês me enrolavam
no dinheiro; fazia uma conta, eu dizia - Não é possível eu não gastei tanto'!
'Não, mãe, é isso aqui'. Agora que eu tô vendo como a gente, quando não sabe
as coisas, como é enganada, eles passam a gente pra trás, mas eu tô ficando
esperta, graças a Deus." (Cecília)
Freqüentemente, a condição de analfabeto não é percebida como um fato social, a
ponto do encontro com um outro analfabeto cuja aparência denota um status mais
elevado causar surpresa:
"Eu era gari, então eu varria lá na rodoviária (que eu varro ainda) e conheci
uma moça bem arrumada que me olhou e disse assim: 'Moça, vem cá um
pouquinho, onde eu pego o ônibus Tristeza?' 'Pega aqui, ele passa aqui'.
Fiquei olhando prá ela, achando que ela tava rindo de mim, aí ela disse: 'É
que eu não sei ler, tu me mostra?' Ai eu disse prá ela: 'Porque tu não estuda?'
Aí começamo a conversar, eu disse prá ela: 'Eu estou estudando, tenho mais
idade, quantos anos você tem?' Ela disse: '22 anos, é que eu nunca estudei,
cedo caí na vida'. Aí começou me contar... Mas uma moça bem arrumada, eu
achei que ela tava rindo de mim. Daí, conversando, eu disse prá ela: 'Eu tenho
39 anos, estou estudando na escola, não pago nada, é uma escola grátis'.
Quando o ônibus veio, mostrei prá ela. Depois de um tempo falei prá nossa
colega Terezinha: 'Sabe que aquela moça não sabe ler?' Eu fiquei
impressionada com ela, me chamou no cantinho, achei que era alguma coisa,
porque eu estou acostumada, que eu varro na rua, estou acostumada as
pessoas perguntarem endereço." (Cecília)
Alguns alunos exprimem uma dicotomia entre seus conhecimentos práticos e o saber
escolar, cuja privação é percebida como limitação cognitiva:
"(...) eu não sabia ler, não sabia escrever, não sabia escrever o nome, não
sabia nada, nada. Acontece que eu nunca servi prá estudar mas sempre que me
mandava fazer um serviço eu aprendia. Eu sou mecânico profissional, pego
um carro desmonto, monto, deixo o carro funcionando, e nunca tive cabeça
prá estudar, mas eu fazia certas coisas que ninguém fazia. Sou inteligente prá
algumas coisas, mas prá estudar não. Aqui já aprendi a escrever meu nome, já
até tirei identidade, prá quem não sabia escrever, já assino meu nome, todo
meu sobrenome, também já sei ler um pouco, sei escrever, leio os ônibus, meio
de longe mas leio. Porque a pessoa que não sabe ler hoje em dia fica embaixo
dos pés dos que sabem, não tem recurso, não tem idéia, não tem nada. (...)
Não sei fazer conta, não sei quase ler, não sei escrever, não sei ciências, não
sei matemática. É aquele ditado: 'tem cabeça prá umas coisas, prá outras
não'. Mas sabe o que que é, (...) eu apanhei de válvula de fogão, apanhei de
ferro, pedaço de tudo, então como que eu vou aprender?" (E.)
"Ele tem mania de dizer que é burro. A gente não é burro! Como que sabe
construir casa, tudo?! Uma pessoa burra não sabia fazer isso também. (...) Ele
sabe matemática de cabeça, ninguém engana ele, ele é empreiteiro, ele
empreita e ninguém engana ele no serviço dele, levanta uma casa, monta tudo.
Mas o problema, ele diz, é 'colherar' as letras." (Lourdes, referindo-se ao
marido, que também é aluno)
"Eu aprendi com a vida, ler eu sei ler bastante, o problema é que eu tinha
vergonha de escrever e agora essa vergonha eu estou perdendo." (Jurandir,
aluno da E.M. J. A. Satte)
Durante a entrevista, solicitamos que as técnicas e professoras caracterizassem os alunos do
ponto de vista cognitivo. Seus depoimentos ressaltam a falta de auto confiança dos alunos
na capacidade de aprender e a expectativa de reprodução do modelo tradicional de escola:
"Quanto à aprendizagem, eu sinto que o adulto a princípio chega bem
fechado; a gente faz todo um trabalho de resgate de auto-estima em função de
que ele não acredita na capacidade de aprender, sempre traz um histórico de
exclusão sob todas as formas, até da própria família, porque existe
preconceito em relação à volta à escola do adulto, que ele não vai aprender,
não vai conseguir. Por isso o nosso ponto de partida é o resgate da auto-
estima, pois, a princípio, ele tem maior dificuldade para aprender." (Sinara,
membro do GAP)
"Eu vejo que eles entram com uma auto-estima baixa e com aquela idéia que
realmente não sabem nada, que não têm nada a acrescentar e, de repente, com
o grupo e o trabalho que se desenvolve, eles começam a descobrir que têm
toda uma carga de conhecimento, de contribuição para trazer e condições de
se apropriar de outros conhecimentos." (Lorena, membro do GAP)
"Eles chegam com o pé atrás, meio desconfiados, até estabelecerem vínculos e
acreditarem que é possível a aprendizagem acontecer dessa forma, que não é
aquela do professor encher o quadro." (Cátia, membro do GAP)
"Quando as gurias falam que eles chegam desconfiados, eu percebo que eles
chegam com nenhuma experiência ou já com uma experiência ruim na sua
vida, desconfiados se isso aqui vai continuar, se isso aqui é como o Mobral, se
vai ter professor, se realmente isso aqui é sério, eles chegam bastante
desconfiados realmente. Acho que a gente tem casos de uma aprendizagem
super rápida e tem casos que a gente vê realmente mulheres de mais idade que
estão há muitos anos no SEJA e cujo avanço realmente é mais lento. Isso é
uma coisa que a gente teria que investigar." (Rose, membro da Coordenação)
"Eles até te cobram um método de ensino mais tradicional. 'Eu vou ficar para
ver, mas se continuar assim...', ameaçam deixar a escola. Isso ocorre até se
constituir esse grupo de trabalho. Normalmente, a concepção de escola que
eles trazem é a de uma escola tradicional. Eles questionam muito que não
estão tendo aula quando vão ao teatro, quando vão a um passeio, têm uma
certa resistência a esse tipo de atividade. Eles cobram o quadro, o caderno, a
aula, o encher linha, o tema, o certo no caderno, que é o que eles conhecem da
escola. (Marinara, membro do GAP)
Ao caracterizar os alunos do SEJA, Scomazzon (1991) também menciona resistências a
inovações, expectativa de reprodução da escola tradicional e posturas de submissão à
autoridade do professor; a autora chega a afimar que os alunos detêm baixo grau de
autonomia intelectual (p.76).
Por outro lado, algumas das professoras que entrevistamos enfatizam a elevada motivação e
empenho pessoal dos alunos frente à aprendizagem, bem como atribuem razoável
complexidades às estratégias congnitivas que eles construíram na experiência de vida e
trabalho:
"Uma coisa que eu vejo com os alunos que vêm da escola regular, que foram
meus alunos na escola regular, que até sairam por motivos de que de manhã
ninguém mais aguentava em termos de disciplina, e hoje em dia são alunos
que dizem: 'Puxa vida professora, que aula legal essa, que aula boa, eu não
pensei que fosse ter tanta coisa, que fosse tão exigido de noite.' 'Exigido', foi
esse termo que eu ouvi a semana passada. Então, muda a postura, tem até
aquela coisa de não sair para o banheiro agora 'Porque eu quero ouvir, não
quero perder'. Faz pouco tempo que eu trabalho com adultos e jovens, fazem
dois anos, e o que eu achei mais significativo nisso tudo é que eles querem,
eles têm uma vontade de aprender, uma ânsia, uma coisa que eu ainda não
consegui entender, porque eu trabalho no regular, (eu sou professora de
matemática de manhã) e tu faz de tudo, tu sapateia, tu traz material concreto,
faz jogos, modifica, faz de tudo e, ali, o cara não te dá a resposta que tu tá
tentando. De noite não, eu digo que é o turno mais tranqüilo para mim. Eu
estou mais cansada, já passou uma jornada inteira, estou no 3º turno, mas não
sinto cansar em vista disso: eles interagem tanto com a gente, têm tanta
vontade! Isso não é demagogia, estando presente a gente sente isso, que é
sensacional, eles te motivam. (...) Eu acho uma coisa incrível o que eles têm de
bagagem. Quando eles chegam, eles pensam que não sabem nada.
Barbaridade, eles ensinam um monte prá gente! O que me ensinaram,
principalmente na parte do raciocínio matemático, da lógica... eles têm todas
essas operações, eu acho que são mais complexas. Eu fico boba de ver como
eles pensam a matemática, como eles organizam, são coisas bem mais
elaboradas que eu imaginaria. Até para fazer cálculo, eles acham que aquilo
que eu faço ali no papel, uma coisa que não tem cabimento. Essa é a diferença
de trabalhar com adultos, eles têm todos aqueles conhecimentos, eles só não
colocam daquela maneira que nós colocamos, então eles vão só sistematizar. É
uma vantagem nossa de lidar com adulto: a criança vai ter que adquirir todo
aquele pensamento, o adulto já vem com isso. Alguns alunos que a gente
achava que estavam do lado de fora do mundo, estão do lado de dentro do
mundo. Você pega uma menino que é cobrador: o cara tem uma rapidez no
troco! Os mecanismos deles são muito diferentes dos nossos. Às vezes eu
penso: será que vale a pena mostrar essa outra maneira sistematizada, o
formal? O ideal era ele preservar esses mecanismos e aprender o jeito
sistematizado, até porque eles precisam disso, eles têm que se defender desse
mundo." (Márcia, professora)
3.7.6. Os vínculos com o professor e com o saber
"Que conteúdos se instituem como fundantes de um currículo escolar fecundo
de expressão social? Encontrar a resposta é um desafio que exige do coletivo
de professores, além da postura de pesquisador, muita sensibilidade. E,
também, a capacidade generosa de estabelecer uma relação político-
pedagógica amorosa com esse aluno-aprendiz, percebendo-o em toda sua
dimensão humana, como sujeito frente à vida que busca, na sobrevivência
cotidiana, o respeito à sua dignidade de cidadão." (FISCHER, 1992, p. 72)
Por reconhecer a baixa auto-estima como o primeiro obstáculo a ser transposto pelo
jovem e adulto que inicia ou retorna à escola, o SEJA exige dos educadores uma
profunda sensibilidade no relacionamento com os alunos. As professoras tentam
transmitir aos alunos o reconhecimento por seus esforços e o valor que atribuem aos
saberes dos quais são portadores:
"Inclusive eles dizem que aprendem um pouco com a gente também. A gente
tem a vivência da gente, a convivência sobre os filhos mesmo. Que nem no
meu caso: eu criei duas filhas sozinha, não tive tempo de estudar, desde os 19
anos que eu estou na rua batalhando prá criar os filhos, não tive tempo de
estudar de novo quando estava trabalhando tipo na cidade, porque eu tinha
que dar pros filhos. Então isso aí ela diz que aprende com nós, por causa que
uma pessoa, querendo, vai; ela diz que a força de vontade leva onde quer.
Muita gente chegou desanimada ali prá estudar: 'Isso não entra na minha
cabeça, vou desistir'. Ela diz: 'Tu vai ver como entra na tua cabeça, tu tem que
ter força de vontade, porque se tu tivesse um filho nas tuas mãos tu teria que
criar o filho, então agora faz a mesma coisa com o estudo'. Então isso ai nos
ajudou muito, a força que ela dava prá gente, a gente conseguiu aprender um
monte." (Gelsi, metalúrgica desempregada, casada, mais de 40 anos, 2 filhos,
aluna da E.M. J.A. Satte)
"Em uma discussão preparatória ao Congresso Constituinte sobre gestão
democrática e avaliação, os alunos aqui da tarde tinham que colocar o que
eles achavam, onde que o professor aprendia, onde não aprendia, para que
servia a avaliação, se a avaliação era só para o professor, era só para a
escola... Até que uma aluna disse: 'Não, o professor que tem que avaliar,
porque ele sabe mais'. Ela quase foi linchada, porque os outros diziam: 'Não
senhora, o professor também aprende, tem que avaliar o trabalho dele
também'. Isso me marcou muito, porque aquela pessoa era nova e os outros
alunos já tinham uma caminhada aqui dentro do SEJA e traduziam para ela o
que a gente estava pensando: 'Não, as professoras aprendem conosco, a gente
também traz coisas e elas sabem bastante mas a gente também sabe.' Eu acho
que é essa relação que a gente tem que construir." (Márcia, membro do GAP)
Os vínculos afetivos que se estabelecem entre professores e alunos são interpretados pelas
educadoras ora como uma estratégia de sedução, ora como uma identificação social:
"Os nossos professores fazem um trabalho de sedução dos alunos para
conseguir resgatar esses alunos e fazer com que eles venham para a aula sem
temores, depois de um dia inteiro de trabalho ou depois de uma vida
completamente problemática. Tentam fazer que aqui seja um espaço bom, um
espaço de prazer, onde ele vai aprender. Os alunos são muito ligados nos
professores, até ligados demais, a ponto de não querer largar aquele professor
e nem o professor querer largar aqueles alunos." (Rose, membro da
Coordenação)
"Eu penso um pouco diferente disso, não acho que é sedução o termo mais
correto para isso. Eu vejo que os nossos professores todos são trabalhadores
e, em geral, os professores de educação de adultos já estão também na sua
terceira jornada de trabalho. Eu acho que existe uma identificação - de
trabalhador, com a questão da mulher, com a própria questão social -, que
produzem uma solidariedade. Eu me emociono até hoje com eles, por me
identificar com eles nas suas lutas, nos seus sonhos, com dimensões diferentes,
evidentemente, mas que de certo modo tem essa ligação, tem essa base comum.
Eu acho que, mais do que isso, a sustentação pedagógica do trabalho passa
por essa identificação. Porque os problemas pedagógicos de professores com
alunos que a gente enfrenta se dão, em geral, quando a professora não tem
nada a ver com aquele mundo, nem com aqueles sonhos, quando ela não
consegue entender aquela realidade dos alunos, ela não estabelece essa
relação com os alunos. São casos raros, a gente pode dizer que são casos bem
raros, em que isso acontece; mas quando eles acontecem detonam com o
processo: a professora sai, pede para sair, ou os alunos rejeitam a professora,
aí não dá certo mesmo." (Cátia, membro do GAP)
Por vezes, a cumplicidade com os alunos, o compromisso e a competência das
professoras são insuficientes para superar situações de discriminação, exclusão social
ou dificuldades de aprendizagem; a impotência frente a tais situações gera um
sentimento de frustração:
"Tem vezes que a gente se sente meio impotente com as coisas, porque tu
tem os espaços para teus alunos, tu levas eles se associarem a essas coisas e
tu vê que tem barreiras que ainda são muito difíceis de se transpor. Nós
tivemos episódios bem claros nesse sentido em termos de passeio. Nós
levamos os nossos alunos num Shopping e eles foram barrados no Shopping,
a segurança chegou: 'Não pode porque está mexendo.' Eu, falei: 'Não está
mexendo com nada, porque tu tá partindo de preconceito, que se estivesse
bem vestido, com a carteira forrada, tu não ia estar cobrando isso'. E o
gerente de uma loja falou: 'É isso ai, pode falar, porque chega um filhinho de
papai na minha loja, me enche de desaforo e não acontece nada'. Então tu
sabe que, ao mesmo tempo que tu tem que tomar essa atitude protetora na
defesa de teus alunos, os teus alunos começam a se ver que ali é espaço deles
também. Eu me sinto impotente nesse momento, porque: até onde eu posso
ir? o que que eu posso fazer prá reverter essa situação? Que não é tão fácil
assim, a gente sabe que não é. Nossos alunos irem assistir uma exposição de
artes onde tem chapanhe, tem coquetel, participarem, eles poderem
interagir com aquelas obras que estão ali e se apropriarem realmente desse
espaço." (Márcia, professora da E. M. Villa Lobos)
"Dói quando as coisas estão acima da capacidade profissional da gente, que
a gente se sente limitada determinadas vezes, com determinada clientela.
Como este ano, por exemplo, o turno da tarde, que eu estou participando este
ano pela primeira vez, é uma experiência nova, tem bastante alunos com
deficiência mental, então é bem diferente do trabalho que eu fiz até então
dentro do SEJA. Porque eu tenho especialização em educação especial, mas
neste momento meu trabalho não é este, então às vezes fica difícil prá gente
querer dar conta de tanta diversidade. Então a gente tem que buscar mais,
buscar mais e mais. Nesses momentos a gente se sente um pouco impotente
em determinadas situações, e mesmo dando tudo o que a gente supõe ter, o
retorno é pequeno e às vezes a gente até se culpa por isso, fica se culpando:
'Meu Deus, o que eu estou fazendo é suficiente? Que outras alternativas nós
teríamos dentro desse trabalho?' Acho que são coisas assim que fogem à
nossa capacidade profissional, pelo menos no momento." (Liege, professora
do CEMEJA)
Os depoimentos dos alunos indicam que o vínculo com o saber e com a escola é
mediado, em primeira instância, pela relação interpessoal e afetiva com o professor,
expressa em termos de "atenção", "carinho", "paciência", "vontade de ensinar",
respeito ao ritmo e às necessidades individuais de aprendizagem, de modo a
conformar na classe um ambiente de acolhida que os alunos qualificam como
"familiar" ou "comunitário":
"(...) eu até tentei estudar. Fui uma vez estudar no Monteiro Lobato, de noite,
no colégio novo, mas não se compara com aqui, que lá eles dão a matéria e
cada um se vira como pode; e aqui, eu admiro muito esse colégio, que as
professoras são bem interessadas pelos alunos, elas chegam prá cada um,
cada um tem uma dificuldade diferente, todos é bem atendidos. Se eu soubesse
que tivesse antes eu teria vindo antes estudar. Comecei esse ano e estou
gostando, acho que até estou me saindo bem, me adiantando em algumas
coisas " (Tânia, aluna do CEMEJA)
"Tenho uma professora que às vezes, nossa professora é uma segunda mãe,
que ela tem uma calma! Professora Helena, muito atenciosa. 'Professora, não
consigo fazer isso aqui'. Ela fala: 'Não, vamos fazer tudo de novo'. Às vezes
tem uns problemas, chega na escola, conversa com ela, ela diz: 'Então fica no
cantinho', ela passa outra matéria. Eu tô bem contente mesmo. (Cecília, aluna
do CEMEJA)
"(...) eu me sinto em casa. Eu tinha vergonha, eu tinha verdadeiro pavor de
falar que eu ia pro colégio, vão rir de mim. Eu cheguei nesse colégio, me senti
verdadeiramente em casa, a professora dá muito apoio prá gente, se sente à
vontade, se sente bem. Tem uma professora especializada aqui que dá consulta
prá aquelas que têm problema, dificuldade prá entender a aula." (Marinês,
aluna do CEMEJA, referindo-se à psicopedagoga)
"Eu acho assim que é um colégio bom, que os outros que eu já passei não
aprendia. Aqui as professoras tem um jeito meio assim, apesar que greve dos
professores, greve daqui, greve dali, elas nunca recai, sempre estão com o
mesmo carinho, não é assim-assim, não são daquelas professoras que deixam
as provas em cima da mesa e: 'Vão fazer!', quem sabe faz, quem não sabe não
faz. Elas se interessam. Aqui elas dizem: 'Vamos fazer. Errou? Vamos fazer de
novo'. São professoras que tratam como se fossem filhos dela, então é um
carinho, que eu nunca vi em outro colégio." (E., aluno do CEMEJA)
"Eu acho o esquema da professora muito bom, porque ela não 'empurra' a
gente, vamos dizer assim, faz aquilo ali; ela retorna àquela matéria. Ela
chegou prá mim (como chegou prá tantos outros): 'Fulano está fraco um
pouco'. Por mim tudo bem, eu quero garantir. (...) As professoras daqui são
muito legal mesmo, eu já aprendi bastante, dois meses que eu estou aqui eu já
estou gostando que estou aprendendo bastante." (Jurandir, aluno da E.M. J. A.
Satte)
"As professoras são excelentes, têm uma paciência, uma vontade de ensinar a
gente! Eu posso dizer porque eu tive a minha professora em 93 que era a
Ivana, eu tive 21 aulas com ela, foi a paixão! Aí eu conheci a Fátima, fiquei
até o ano passado com ela, amei mais ainda, porque além de nos ensinar ela
nos levou para outros órgãos além da escola, prá nós conhecer o que que era
esse projeto do SEJA e nos ensina muito a realidade, é muito amiga, ótima
professora. E esses outros - agora que eu estou na 5ª série tem mais
professores - estou me dando bem com eles, gosto de todos eles, me tratam
muito bem, não botam a gente 'na prensa' - 'Tem que fazer!' Vão com calma,
com jeito, que a gente tá com uma certa idade, não é como criança, tem um
pouco de dificuldade de pegar na primeira vez as matérias." (Lídia, aluna da
E.M. J. A. Satte)
"Os professores conhecem um pouco a gente. Quando a gente está triste, a
gente chega na sala de aula, ela fica olhando, daqui a pouco ela pergunta: 'O
que é que houve?', cada aluna ela faz perguntas, aí tem as emoções na sala de
aula, tem a risada, tem tudo. Quer dizer, é uma família ali dentro, os colegas e
a professora; ela vai, se entrosa com a gente, ela pergunta, ao menos comigo
era assim, na minha sala.(...) eu acho sensacional." (Lourdes, aluna da E.M. J.
A. Satte)
"Agora, a professora é fora de sério, porque ela incentiva. O ano passado eu
disse prá ela que não ia voltar mais. Ela disse: 'Vai voltar sim, Luisa, tu é
assim assim'. Ela incentiva a escrever: se não sabe - às vezes eu fico indecisa,
mas meu Deus, não acertar a letra assim - aí eu só olho prá ela, ela diz: 'É tal
letra'. Ela não vem dizer todas as letras, mas vem dizer a que tá faltando ali
prá completar a palavra. Então quer dizer que ela é maravilhosa, é uma
professora fora de sério. Nós fizemos reunião, nós se demo tanto que, volta e
meia, cada uma traz uma coisinha prá fazer um chazinho, de tanto que nós
adoremo nossa professora. É uma família, nós aqui semo em família, semo em
comunidade, vivemo em comunidade." (Maria Luiza, aluna do CEMEJA)
Esses depoimentos confirmam resultados de outros estudos realizados com jovens
estudantes das camadas populares no Brasil e na França. Comparando as representações da
escola de jovens migrantes e de origem urbana no ensino supletivo, Freitas (1995) observa
que as qualidades atribuídas ao professor relacionam-se menos à eficácia no ensino
('explicar bem a matéria') e mais aos aspectos relacionais ('paciência' em explicar quantas
vezes for necessário, capacidade para criar clima de cooperação, 'não ficar só falando', saber
brincar e dialogar sem perder domínio sobre a classe, não procurar dominar o aluno pela
humilhação, dar atenção igual a todos, percebê-los como individualidades e demonstrar
amizade). A autora conclui que esses alunos tendem a apresentar uma visão monolítica da
instituição escolar em geral mas, por intermédio dos professores, abrem-se fissuras de
relações diferenciadas com a escola e o saber. Citando Dubet36, ela rejeita a hipótese de que
esse padrão de relação dos alunos com a escola configure dependência:
"Seria talvez demasiado apressado interpretar psicologicamente a
dependência psicológica dos alunos. Ela se apresenta antes como uma
modalidade de gestão e de controle de uma situação escolar por muito tempo
dominada pelo fracasso, pela incerteza com seu próprio valor e pelo
sentimento de não dominar o jogo escolar. A benevolência do professor
permite restabelecer uma relação de equivalência, fundamental para todo
aluno, entre o trabalho produzido e a nota obtida, pois esse professor 'motiva'
o aluno encorajando-o, reconhecendo o mínimo de seus esforços." (DUBET,
apud FREITAS, 1995, p. 240)
Charlot (1992) levanta a hipótese de que, estabelecendo os vínculos dos estudantes com a
escola no terreno afetivo, os professores acabem produzindo efeitos contrários aos
desejados, limitando os vínculos com o saber e obscurecendo o papel específico da escola
na sua veiculação:
"(...) Podemos formular a hipótese de que a escola, tentando colocar-se ao
nível dos alunos, tende a encerrá-los em uma relação com o saber que
começaram a construir no seu espaço familiar e social. (...) Isso ocorre
quando a escola funciona jogando sobre o afetivo: trabalhar na escola porque
se quer bem ao professor pode ser eficaz no curto prazo, mas impede que se
desenvolva aquilo que conta no largo prazo: o significado das disciplinas, do
36 DUBET, François. Les licéens. Paris : Seuil, 1991, p. 133.
saber, da escola como lugar específico cujas funções são bem distintas das
funções familiares." (CHARLOT, 1992, p.5)37
Os educadores envolvidos no SEJA identificam-se mais com a interpretação de Dubet; para
eles, o estabelecimento de vínculos afetivos com os alunos é parte constitutiva de sua
função social, compreendida como a de promoção da cidadania:
"O nosso trabalho é muito voltado para desenvolver todo o potencial que
nosso aluno (que, na sua maioria, muitas vezes foi excluído da escola por n
motivos) e resgatar essa cidadania para que ele possa se apropriar de todos
aqueles espaços que são da cidade (não só em termos de cidade, de estado, de
mundo), que ele tem uma identidade e que ele se valorize, que ele possa
desenvolver toda a potencialidade que ele tem, sempre visando os nossos
princípios que é muito em termos de cidadania, o aluno-cidadão." (Márcia)
"Eu acredito no projeto do SEJA porque ele devolve o cidadão a si mesmo.
Enquanto toda a sociedade vai alienando (...) que a pessoa não se apercebe
mais do mundo, (...) de repente ele se sente cidadão do mundo, ele se localiza
no mundo, participante, onde ele deixa aquela característica de total
fatalidade (...) prá começar a participar das decisões da sua vida pessoal e de
grupo. Ele pode ir participando pelas vias democráticas - que no nosso caso
isso tem nome: orçamento participativo, conselho de classe - e ele vai tendo
suas mudanças pela luta, (...) ele como autor, ele como sujeito, agente de
mudança. No texto você vê isso, na oralidade dele, porque ele acaba se
expondo muito mais do que a gente, que é cheia de muralha, eles se expõem
tanto, ficam completamente despojados. E aí, concomitantemente, as
atitudes sociais em que ele começa a participar. A auto-estima fica elevada."
(Vera)
3.8. A participação de alunos e professores
Quando inqueridos sobre quais são seus espaços de participação social, os alunos
entrevistados mencionam atividades assistenciais junto à Igreja Católica e reinvindicatórias
37 "(...) On peut faire l'hipothèse que l'école, en essayant de se mettre au niveau des enfants, tend a les
enfermer dans le rapport au savoir qu'ils ont commencé à contruire dans leur espace famillial et social.(...)
Il en est ainsi lorsque l'école fonctionne en jouant sur l'affectif: travailler à l'école parce que l'on aime
bien l'enseignant est efficace à court terme mais empêche de se saisir de ce qui compte à long terme, le
sens des disciplines, du savoir, de l'école comme lieu spécifique dont les fonctions sont bien distintes des
fonctions familiales."
no Orçamento Participativo da Prefeitura. Apenas os funcionários públicos mencionam
participação no Sindicato da categoria38.
"Eu tenho um trabalho muito importante, eu acho importante, eu sou da
Assistência Social da Igreja, todas as quintas eu faço esse trabalho. Eu
trabalho com as crianças carentes, então acho uma coisa bacana. (...) Nós,
agora, temos festa dia 11, sexta-feira dia 2 começa a novena, então fui
convidada prá festeira na Igreja. É uma coisa tão bacana prá mim, me sinto
tão bem! (...) A gente se sente feliz. (...) Agora deve fazer uns 15 dias nós, eu e
minha colega lá da Igreja, fomos participar tipo um seminário. Então veio
padres de todas paróquia onde tem a comunidade que ajuda as pessoas
carentes e a Assistência Social (...). Mas tava a coisa mais linda (...)." (Maria
Luiza)
"Eu vou numa Igreja, é católica, toda terça feira a gente vai rezar e tem uns
grupos que ajudam, ajunta dinheiro, esse tipo de coisa, eu vou toda terça
feira."(Marinês)
As gestões do PT em Porto Alegre caracterizaram-se pela política de participação direta
dos munícipes na administração, por intermédio do chamado "Orçamento Participativo",
que consiste na apreciação pela população das alternativas de investimento público
previamente ao envio da proposta orçamentária à Câmara Municipal. O Executivo
municipal convoca uma série de plenárias regionais e temáticas, em que a população
apresenta suas demandas e negocia com os técnicos municipais as prioridades de
investimento. A educação insere-se entre as políticas setoriais aprecidadas no Orçamento
Participativo. Segundo a coordenação do SEJA, os agentes mais ativos nas reuniões
temáticas sobre educação são as entidades comunitárias que mantêm creches conveniadas,
os diretores de escolas, os educadores e os alunos do SEJA. Essa participação dos alunos é
encorajada pelos professores, que focalizam a temática em suas salas de aula.
"Muitos participaram desses encontros do Orçamento Participativo e foi
ótimo, a gente descobriu muita coisa importante prá gente e agora a gente já
não tem aquela vergonha de falar em público, a gente já pede, não importa se
38 Nas duas classes do SEJA em que foi professora e pesquisadora, Scomazzon identificou apenas um aluno
sindicalizado (que entretanto não participava das atividades sindicais) e dois alunos que "participavam de
movimentos sociais: um travesti, que participava do Grupo de Apoio aos Aidéticos (GAPA), e um menino,
que participava do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR)." (SCOMAZZON,
1991, p. 88).
seja pro Presidente ou pro lixeiro, agora a gente não tem essa vergonha."
(Lourdes, aluna da E.M. J.A. Satte)
"A gente lutou muito prá conseguir isso, estamos numa recente 5ª série e
esperamos que ela não pare aí.(...) fui informada porque vizinhas minhas
mesmo elas fizeram aqueles abaixo-assinados prá ter de 1ª. a 4ª, mas não me
falaram nada. Aí uma outra me encontrou e (...) eu vim. Sou muito falante,
mas no íntimo sou tímida. E foi indo, foi indo, entrosei e fui, participei do
Orçamento e lutei, fui prá Câmara dos Vereadores e estou aqui agora.(...) Mas
prá mim está sendo ótimo e eu ainda vou lutar pro Município ter o 2º grau
porque não vou desistir. É, gente, tem que lutar. (...) Eu acho que é um sonho
da gente que tem que se tornar realidade. Esse sonho aí, não podemos deixar
prá ficar só no sonho, por isso que temos que lutar." (Lídia, aluna da E.M.
J.A.Satte)
Dentre as reivindicações apresentadas pelos alunos do SEJA nas reuniões temáticas de
educação do Orçamento Participativo, destacam-se a abertura de salas em novas escolas, a
ampliação de vagas nas "totalidades finais" (de modo a assegurar continuidade de estudos)
e a aquisição e/ou construção de uma sede própria para o CEMEJA que tenha espaços
abertos de convivência e prática de esportes.
Quando perguntamos aos alunos sobre as melhorias necessárias à educação no município,
os temas mais citados são a falta de vagas nas escolas públicas de 1º e 2º graus, o controle
disciplinar dos adolescentes nas escolas públicas, os baixos salários e a substituição de
professores, e a continuidade do próprio SEJA.
"- Olha, prá mim precisa tudo, porque hoje em dia tem gente que quer estudar,
não tem vaga, não tem isso, não tem aquilo.
- Precisaria mais escola, professora, porque lá no bairro onde eu moro,
aumentou muito a vila lá, uma imensidade de pessoas. (...) Então as pessoas se
deslocam de lá prá outras escolas. Que também não tem condições nem de
pagar passagem pros alunos, mas tem que pagar; às vezes são grandes,
meninos com 12, 13 anos, passam por baixo da roleta que não têm dinheiro
prá pagar a passagem. Eu acho que lá tá precisando de mais escola o bairro.
- E lá onde eu moro, é só até a 4ª série, tanto é que meu menino está no [?],
que ele passou prá 5ª e não tinha, só tinha até 4ª.
- Mas também, os professores não querem mais trabalhar, claro, com esse
salário. Professor faz concurso, é chamado, mas não assume.
- Mas se eu pudesse estudar eu ia dar tudo prá ser professor, eu não faltava
um dia.
- Eu não tenho visto construção de escola. Eu acho que teria que acontecer,
porque não se vê construção de escola, nem do Olívio, só aconteceu creches
prá cranças, mas escola não. Passou o Olívio, 4 anos, agora veio o Tarso, não
construiu escola nenhuma também ...
- Não é só pela parte da Prefeitura, a parte também do Estado não tem. Olha
que é difícil 2º grau, disse que tem muito pouco aqui.
- Lá onde eu moro não tem 2º grau, prá ir pro 2º grau os pais têm que pousar
nas filas prá conseguir uma vaga. Se vai começar matricular na segunda, a
pessoa tem que ir na sexta, sábado, domingo, ficar naquela enorme fila, será
que isso é possível? Fiquei três dias na rua dormindo prá conseguir vaga prá
7ª série.
--Eu acho que as professoras deviam ganhar mais porque elas estudam e todas
as profissão que existem hoje são delas que saem e eu não acho justo o salário
que elas ganham, pelas horas que elas dão, elas têm que agüentar os alunos,
ter paciência, eu acho injusto o salário que elas ganham. Se continuar assim
como está as professoras vão ficar desanimadas. Se alguém chegou a ser
advogado, chegou a ser médico, foi por causa das professoras. Eu acho que a
profissão delas não são valorizadas.
-- Lá na escola onde eu trabalho as professoras ficam, na miséria, com 30, 31
alunos, como incomodam! O salário que elas recebem eu fico até com pena.
Como é que uma professora não merece ganhar mais, ainda com aquela turma
de crianças? E as crianças dão o que fazer a tarde inteira, ficam da 1 e meia
até as 5 e meia da tarde com aquelas crianças. Se o salário é pouquinho, qual
o entusiasmo que elas vão ter?" (Diálogo entre alunos do CEMEJA)
" Ah, precisa melhorar muitas coisas. Uma das coisas que foram pedidas é
professor substituto, quando falta aquele professor, não tem; por exemplo,
faltou a professora de geografia o ano passado na escola e a direção pediu e
demorou e os pais ficaram nervosos, telefonaram prá SMED e aí falou: ' já vai
vir', ficou naquela. E as crianças ficavam com medo de perder o ano, só agora
que está voltando a professora de geografia. Uma está grávida, já teria que ter
substituto. Porque a professora passa prá direção (sei lá qual é o órgão) que
está grávida, então ela tem a licença dela, tudo. Então tem que ter uma outra
pessoa substituto que quando ela sair ela já entra." (Lídia)
"- Eu só quero que o SEJA não pare aí.
- É isso que a gente quer, porque o 2º grau ainda não tem no SEJA.
Liana - Não tem porque o Município não tem 2º grau, só o Estado.
- Se o pessoal se movimentar talvez saia... Vamos à luta."
(Diálogo entre alunos e a Chefe do SEJA na E.M. J. A. Satte)
Entre as professoras, os espaços de participação social estão mais referidos à
condição de educadoras que de cidadãs comuns. Elas participam principalmente do
Sindicato da categoria, dos conselhos escolares e das plenárias temáticas de educação
do Orçamento Participativo da Prefeitura. Ao promover a participação dos alunos, o
SEJA cumpre uma função educativa e mobilizadora delas próprias.
"- Acho que tem que haver coerência com o que a gente apregoa com a
postura pessoal da gente, a gente tem que participar sim.
- A escola define: movimento sindical, coisas desse tipo, organização dos
professores. Num outro segmento que não aqui...
- Eu vou ser bem clara: quanto ao Orçamento Participativo, eu participo
mais lá no bairro da escola do que no meu mesmo, em vista do tempo, como
eu passo mais tempo lá realmente.
- Até em termos de movimento, os trabalhos que teve no movimento negro
(que os meus alunos a maioria são negros, então há muita discussão em
torno disso), já participei de alguns eventos que ocorreram no Gasômetro e
todas essas instâncias é mais via escola mesmo, como a própria Constituinte
que a gente está trabalhando, elaborando, sistematizando.
- Eu nunca fui de me definir por partido, nunca fui de dizer vou prá isso, vou
prá aquilo. Tem tendências que, é lógico, a gente se coloca mais. Mas são
coisas que a gente até começa a pensar melhor e até de se engajar melhor
realmente, são coisas até em termos do trabalho que se faz." (Depoimento
de professoras)
3.8.1. A participação na gestão da escola e do SEJA
Segundo as professoras, os alunos do SEJA têm uma grande disposição em participar
de todos os espaços de gestão da educação que para eles se abram. A percepção delas
é de que essa participação é resultado do trabalho pedagógico, cujo objetivo é
resgatar a cidadania do aluno:
"- Eles são sempre as pessoas mais dispostas a participarem do Conselho
Escolar, das reuniões do Congresso da Escola Cidadã. Eu tive até que tirar
dois alunos que tinham muita vontade mas não tinham condições, por
motivo de indisponibilidade mesmo. Eles sempre querem participar muito,
mais que as outras pessoas da escola, dos normais. Então ele participa do
Conselho Escolar, de todas as decisões, ele vai no Orçamento Participativo,
quer dizer, a consciência dele que ele pode mudar e que isso é importante.
- É o trabalho que a gente está fazendo, que lá na vila foi super difícil eles
querer participar porque eles achavam que isso ai não levava a nada, que ia
sempre continuara ser a mesma coisa. Eles começaram a participar, a ir nas
reuniões do orçamento participativo. Esse ano a nossa vila ficou em 1º lugar
[dentre os bairros prioritários], então eles estão vendo que a coisa funciona,
que a organização, a participação leva a algum lugar. Acho que esse
trabalho que a gente faz é importante também.
- A gente vê a diferença dos que estão ingressando e daqueles que já têm
uma caminhada, o que eles pensam e já vão colocando pros outros. No
Conselho Escolar também os nossos alunos da noite se inscreveram prá
eleição, na Constituinte também foi bem participativo." (Depoimento de
professoras)
Os depoimentos que colhemos junto aos alunos confirmam essa disposição em participar da
gestão escolar. Entretanto, os alunos do SEJA que mencionam participar do Conselho
Escolar freqüentemente dissociam essa participação da condição de estudantes e o fazem na
condição de pais de crianças e adolescentes do ensino regular. É possível que eles também
percebam, como a professora antes citada, que a condição de aluno do SEJA não os faz
iguais às "outras pessoas da escola, aos normais", incorporando uma situação de
discriminação, ou que sua identidade de pais esteja melhor configurada que aquela de
estudantes. Há que se considerar, também, que até o momento do trabalho de campo, o
Conselho Escolar não havia sido eleito no CEMEJA, uma das unidades em que realizamos
as entrevistas.
Na condição de pais de alunos eles se dispõem a participar, porém se sentem com menos
instrumentos que os profissionais da escola para influir na gestão escolar
"Eu participei já do CPM [Comissão de Pais e Mestres] da escola, que trata da
verba da escola, não é o conselho, a CPM trata da matrícula da escola, do
orçamento da escola, que a renda que entra prá escola, atividades de festa que
promove na escola, chás. Eu saí do CPM e faço parte do Conselho de Escola,
que é a parte da administração da escola. Sempre gostei de participar assim,
mesmo quando não trabalhava na escola, gostava de participar. Meus filhos
estudaram, se formaram, duas vezes se formaram, já se formaram no 2º grau
também, tem só o guri lá, de 14 anos. Mas mesmo não tendo estudo sempre
gostei de participar das coisas. Claro, eu sentia que eu era pequena perto das
professoras, não tinha estudo, mas tinha vontade de aprender." (Tânia, aluna
do CEMEJA e funcionária de escola)
"Eu vou no Conselho da Escola, que eu tenho um guri ali, então eu falo o que
eu aprendi aqui, eles perguntam o que eu tô achando da escola: 'O SEJA é
diferente, vocês deveriam ser a mesma coisa'. A professora, quando sabe, dá
risada. Vamos fazer que nem o SEJA, ter mais calma, não é gritando, tem que
fazer isso não, é com calma. Como que a professora faz? Eu explico, elas dão
risada.." (Cecília, aluna do CEMEJA)
"(...)Ele me convidou para ser delegada [representante de categoria no
Congresso Escola Constituinte], mas eu disse prá ele que eu teria que ter
tempo prá isso. Eu não quis assumir porque eu estudo. Eu até tenho uma idéia
lá da escola, porque uma pessoa que vai pegar isso aí ela tem que estar dentro
da escola, porque senão eu não posso discutir com a direção.(...) Porque eu
sou assim: depois que eu dou a minha palavra eu vou até o fim e eu procuro
trazer as pessoas prás minhas idéias. E para eu ir na direção, eu teria que
estar sempre na escola e eu não ía conseguir conciliar as duas coisas. A minha
filha estuda lá no Piaget e eu estudo aqui, ela sai 10 prás 6 e eu saio 6 e 20, eu
não ia conseguir. Eu acho que a gente lutou, estamos lutando, teve debate
sobre essa mudança, principalmente a disciplina nas escolas municipais que
está ruim. Nessa reunião que eu participei, os pais querem uma disciplina.
Uma frase que foi dita: ter autoridade sem ser autoritário, mas ter uma
disciplina. A primeira coisa que a gente estava discutindo era a mudança na
escola, então a gente debateu muito sobre isso ai, as avaliações entre os
alunos, direção, pais, mais o caso da SMED, foram debates muito bons.(...)
Mas foi um debate, os pais apavorados principalmente com a disciplina dentro
das escolas do município, os próprios alunos estão formando ganguezinhas,
pegam os outros, surram os outros, quer dizer, não tem controle sobre as
crianças. (...) uma noite que teve essa reunião, foi pessoas do SEJA do Piaget.
Só que eu não participei como aluna do SEJA, porque eu tava representando
mãe e não poderia, eu ia ficar assim sem saber o que dizer, porque eu fui mais
prá debater sobre os alunos adolescentes, que a minha está nessa faixa etária
e que na disciplina na escola está terrível." (Lídia, aluna da E.M. J. A. Satte)
Algumas dssas mães que participam do Conselho Escolar criticam os próprios pais pela
reduzida participação na escola:
"Mas como o povo é acomodado, na primeira reunião foi a totalidade e depois
foi diminuindo até chegar a 4ª. (...) Nós estava decepcionada, porque eu e uma
comadre minha - as nossas filhas estudam na mesma escola - e a gente foi a
todas as reuniões, a única que eu não fui foi a última agora porque eu tinha
compromisso, não pude ir, mas eu avisei. (...) Quer dizer, porque a nossa
classe, não é desfazer de nenhum, tem as pessoas que aprenderam a escutar e
tem aquelas pessoas que ainda não aprenderam a escutar. Então fica um
tumulto. Aí quando saem de lá ... Porque tem pessoas que não falam na hora e
depois quando saem na rua ... e na próxima reunião já não vai. (...) Isso que a
gente pede muito é que os pais vá mais à escola, os pais não vai à escola. É o
mínimo, que não adianta eu julgar o órgão tal, a direção, se os pais não
participam da escola, se não vai saber." (Lídia)
Internamente ao SEJA, há incentivos à participação de professores e alunos na gestão do
programa. Excetuadas questões administrativas, os professores participam das definições
político-pedagógicas, sempre tomadas em reuniões gerais, ainda que seja evidente a eficácia
da função de direção assumida pela chefia do Serviço.
"O SEJA foi construído por todos nós. Nós até enfrentamos dificuldade de
trabalhar com algumas professoras mais antigas, que têm algumas resistências
em relação ao próprio trabalho do GAP. Quando o SEJA foi construído, tinha
uma outra dimensão; nós começamos com 30 professores, tudo era discutido,
tudo era votado, tudo era pensado, tudo era organizado dessa forma. Hoje nós
temos uma dimensão que requer uma outra estrutura e a gente tem alguma
dificuldade em relação a isso. Mas a questão político pedagógica é construída
coletivamente, em seminários, em debates, em grupos de estudo, não só do
GAP, mas de todos os professores." (Cátia, membro do GAP)
"No ano passado a gente encaminhou essa discussão de redefinição do
currículo. Nós fizemos grupos de estudo e as decisões foram aprovadas em
plenária. A própria redefinição do currículo foi um parto, fizemos com 130
professores, todos participaram. A gente foi olhando disciplina por disciplina,
colocaram destaques e até questões administrativas, como a própria
organização das nossas reuniões. Teve uma proposta de um grupo de
professores de criar as reuniões regionais, foi votada e aprovada. É uma
experiência, a gente está avaliando a nova estrutura constantemente para ver
se ela continua dessa forma ou se vai reformular as instâncias de reuniões.
Esse ano houve a mudança: além da reunião local, com um grupo menor de
professores, se tem uma reunião regional das escolas da mesma região. Foi
uma proposta que saiu dos professores, que houvesse também tem a
participação dos alunos nessas reuniões regionais em alguns momentos, que se
abrisse um espaço para que os alunos participassem." (Marinara, membro do
GAP)
Os alunos, por sua vez, são chamados a expor suas demandas em diversas ocasiões, como
nas reuniões regionais trimestrais instituídas a partir de 1994, mesmo ano que realizou-se o
primeiro congresso dos educandos do SEJA. O Congresso Alfabetização Cidadã (Porto
Alegre, RS: 5 a 7 de setembro de 1994) reuniu no Ginásio Tesourinha centenas de alunos
do SEJA que, entre palestras e atividades culturais, debateram em grupos três eixos
temáticos: "o que aprendemos", "como aprendemos" e "para que aprendemos".
A experiência do Congresso foi gratificante para os alunos, que tomaram a palavra,
identificaram-se no interior do coletivo "alunos do SEJA" e sentiram-se socialmente
reconhecidos:
"(...) as professoras nos ensinou que a gente também é ser humano e também
tem esse direito de estudar. O Congresso que nós tivemos de alunos do SEJA
nos ajudou muito. A gente fez um debate, comunicou com com outros colegas
de várias escolas e aí a gente perdeu aquela timidez que tinha." (Lourdes,
aluna da E.M. João Antônio Satte)
"- (...) sobre os debates, nós vamos debater até em outros colégios mesmo, tem
um mês que todos os colégios do SEJA se reúne os alunos no ginásio, então
nós debatemos sobre prá que estudar, com que, o que significa.
- Foi uma coisa muito linda, muito bacana. Como tinha gente, barbaridade!
Olha, eu acho que tinha aproximado uns 14, 15 ônibus de gente.
- Até veio uma professora de lá do Ministério da Educação, foi tirado fotos e
foi filmado. Eu fui um dos melhores alunos que estava debatendo. Tiraram
foto, mas eu nem vi, bateram assim de surpresa, eu estava olhando na janela,
quando eu vi o cara bateu.
- Tinha muita gente lá, eram vários turnos, sala 3, sala 4, aí nós dividimos prá
esses turnos ficarem numa sala, ficaram com outras professoras que nós nem
conhecia." (Diálogo entre alunos do CEMEJA)
Para as professoras e a Coordenação do SEJA, a grande descoberta do Congresso foi o
valor que os alunos atribuem à escola enquanto espaço social e cultural:
"O Congresso tinha uma temática - que era 'como a gente aprende, para que a
gente aprende e onde a gente aprende' - que foi preparada num processo que
começou no 2º semestre. A gente tinha uma avaliação que os alunos não
gostavam da atividade cultural, que eles faziam uma leitura que consideva que
atividade cultural não era aula. Uma das coisas importantes que nós
descobrimos e ficou clara no Congresso é que eles se apropriaram das
questões culturais - do teatro, da música, do cinema, dos passeios - como
atividades político-pedagógicas e passaram a exigir que tivesse cada vez mais
isso. Tanto que o projeto de férias para o mês de janeiro foi montado para dar
resposta à demanda deles39" (Liana, membro da Coordenação e Chefe do
SEJA)
"Nós reunimos todas as etapas e fomos conversar mesmo, discussões em sub-
grupos: o que eles queriam dessa escola? Essa escola é muito voltada como
um espaço, não só prá produção de saber, mas também como até um espaço
social, eles vêem muito essa escola como um espaço social e cultural.
- Prá eles, participarem daquela escola é fundamental. No meu caso, a escola
dentro da comunidade lá na Vila Lobos, é um eixo de toda comunidade,
porque lá acontecem todos os eventos, não é só a vida escolar mas também
os batizados, as reuniões de igreja, samba, é um centro cultural.
- Aqui no centro, não tanto como nas escolas de periferia, mas também de
qualquer forma eles encaram a escola como um lugar social, um lugar que
tem encontros e uma das coisas que eles pedem é, por exemplo, um espaço
onde eles possam em intervalo fazerem trocas, conversarem, se conhecerem
melhor, eles querem um pátio onde eles possam conversar, onde eles possam
se encontrar com outras turmas. Nós não temos nem intervalo prá recreio, a
gente lancha enquanto vai trabalhando, então eles querem espaço prá isso,
prá trocas, eles pedem local pra esporte, querem oficinas, se depender deles
eles querem tudo.
- Eu vejo também como um local afetivo. Como eles são alunos
trabalhadores, o dia inteiro estão trabalhando, de manhã, à tarde estão
trabalhando, aqui é que eles conseguem aprofundar a amizade com o colega
de trabalho, que eles vão saber o que que o colega pensa, que tá achando
daquelas coisas sobre a vida, sobre o mundo, é aqui que as relações se
aprofundam. " (Depoimento das professoras)
39 Desde janeiro de 94 o SEJA desenvolve um projeto de férias, empregando os professores recém nomeados
e aqueles que vendem 10 dias das férias. Todo aluno do SEJA pode inscrever-se para participar de oficinas e
atividades diferenciadas realizadas na sede do CMEJA. Em 1994 o tema foram os Direitos Humanos na
escola; em 95 o tema foi Cultura, Conhecimento e Férias, tratando da questão cultural (literatura, cinema,
etc).
Recentemente foi instituída a representação dos educandos do SEJA, por iniciativa dos
professores que propuseram a substituição das antigas reuniões zonais por reuniões
regionais trimestrais de avaliação, com a participação de representantes dos alunos. A
Coordenação do SEJA admite que foi "atropelada" por esta mudança introduzida pelos
professores, mas faz uma avaliação positiva da experiência, que finalmente deu voz aos
alunos na gestão e orientação pedagógica do programa, ampliando-se também para as
reuniões plenárias do Orçamento Participativo.
3.9. A inserção orgânica do SEJA no sistema municipal de ensino
Desde sua origem, o SEJA procurou configurar-se como serviço permanente,
institucionalizado no interior da RME. Segundo a avaliação da Coordenação, o SEJA
conquistou este objetivo:
"O principal ganho é enfiar a educação de adultos dentro da Prefeitura (goela
abaixo prá uns, prá outros não), saber que a gente vai sair e esse negócio vai
ficar. A cidade se apropriou desse negócio e agora não tem mais volta, eu
tenho essa avaliação, não sei se é exagero meu. (...) O que pode não
sobreviver é a concepção, isso ai a gente sabe que está sujeito a chuvas e
trovoadas, acho que isso a gente nunca vai conseguir garantir, mesmo por
conta dos professores que se tem, a gente conhece um pouco a categoria (...)"
(Coordenação do SEJA)
"Tentando fazer um pouco de avaliação, o que eu acho positivo é que
realmente eles conseguiram ampliar muito o trabalho que surgiu pequeno.
Acho que isso é importante, criou-se um fato social: a educação de adultos
existe, tem que ser trabalhada, tem que ser qualificada, os professores têm que
ser bem formados." (Maria Carmem Barbosa, ex membro da Coordenação)
O SEJA foi concebido como uma modalidade da educação fundamental, organicamente
integrada ao sistema municipal de ensino. Entretanto, nem toda a RME incorporou o SEJA
como elemento constitutivo do sistema e da escola, vendo-o como um projeto especial ao
qual a escola concede seu espaço e recursos. Por outro lado, a forma autônoma e
centralizada pela qual o SEJA se organiza pedagógica e administrativamente faz com que os
educadores e alunos remetam-se mais à Coordenação do SEJA e ao GAP que à direção da
escola, sua equipe técnica e mesmo seu Conselho Escolar. A combinação desses dois
fatores produziu um certo isolamento do SEJA.
"Tem uma coisa com a qual eu tenho problemas. Quando começou a história
do SEJA, a gente tinha como princípio que era um programa, mas que entraria
para a rede, ele não poderia sobreviver como programa durante muito tempo.
A gente enfrentava muito problema com relação ao fato de ser um programa,
pois as professoras tinham uma vida administrativa na escola mas obedeciam
outras regras; isso as deixava mal vistas na escola, porque a diretora tinha 5
ou 6 professoras que ela mal conhecia, que não participavam das reuniões da
escola, que portanto não podiam ter uma inserção maior na comunidade,
porque não estavam nem inseridos na escola quanto mais na comunidade.
Tinha esse problema da vida dupla dos professores e também a história das
campanhas, dos movimentos passageiros, que a gente sempre criticara. Para
assegurar a permanência do programa, a melhor alternativa era ele entrar
realmente na vida das escolas, deixando de ser projeto e, progressivamente, se
convertendo em mais uma das ofertas que a escola: a escola faz oferta de pré-
escola, de educação básica e de educação de adultos, que passa a ser um
projeto da escola. Bem, mas isso não era uma das prioridades do trabalho da
Esther, até porque toda a administração da Esther era muito centralizada na
própria Secretaria. A formação de professores era feita por pessoas da
Secretaria, cujas equipes eram muito grandes e divididas em áreas de
conhecimento ou de atendimento (pré-escola, alfabetização, 2ª a 3ª séries,
depois 5ª à 8ª séries em disciplinas); então não se tinha uma visão de escola
como um todo. Eu acho que na gestão da Esther o projeto estava bem
enquadrado, apesar de não ser esse o enquadramento que a gente queria que
se desse, a gente queria que ele fosse para a escola. Essa foi uma das grandes
discussões com a Liana, porque eu sou muito descentralizadora, ela é uma
pessoa mais centralizadora. Ela dizia: 'Nós temos força enquanto a gente for
um projeto centralizado, tem mais poder em termos de barganha dentro da
Secretaria e em termos de controle sobre o que as pessoas fazem, dando as
nossas linhas de trabalho'. Mas havia uma demanda do grupo muito forte,
tanto que, num determinado momento - a gente sempre tinha reuniões gerais -
e as professoras começaram a pedir reuniões locais para elas trabalharem
entre si, exatamente para poder criar uma identidade de escola. Pertencer ao
projeto diferenciava as pessoas na rede. Por um lado as pessoas gostavam, por
outro lado não. Por exemplo: ao se pensar em representação sindical, as
gurias não tinham nada, porque a Associação trabalha com representantes de
escola, só que elas não se relacionavam com a escola, então elas não tinham
representante nenhum. Tudo isso era muito complicado. A gestão atual,
principalmente a gestão da Sônia, tenta atender projetos escolares, incentiva
que as escolas façam seus projetos pedagógicos, é uma gestão em que o
atendimento da Secretaria às escolas é feito não mais centralizadamente por
área de conhecimento, mas por grupos regionais. O que me surpreende e eu
não consigo entender muito (penso que passa muito por essas relações de
poder) é porque o SEJA não entrou nisso, por que que o SEJA continua sendo
um programa independente, até mesmo administrativamente. No final da
gestão da Esther e durante a gestão do Nilton havia uma Divisão de Educação
Básica, uma de Educação Infantil e tinha a educação de adultos; na nova
reorganização, a educação infantil foi incorporada à educação básica e a
educação de adultos continua separada. Isso me mostra que é muito mais a
questão política, de ter um espaço de poder e de controle, que está por trás
dessa separação, e não as intenções pedagógicas." (Maria Carmem Barbosa)
Esta não é, porém, a percepção de Scomazzon que, em suas conclusões, valoriza a prática
pedagógica do SEJA como constructo coletivo e não identifica centralismo no estilo de
coordenação do programa:
"Foi a partir da vontade política que se abriu o espaço para a implantação do
Projeto (...). É a partir da ação de uma coordenação que realmente coordena
e não centraliza a autoridade e do desejo de transformação de um grupo de
professores e alunos que ele se mantém vivo; passando por momentos de
conflito e outros de muito avanço (...)". (SCOMAZZON, 1991, p. 137-8)
A Coordenação do SEJA assume que centralizou a gestão com a finalidade de assegurar a
direção político-pedagógica do programa:
"Teve um defeito grande que é centralizar, mas graças à centralização é que se
conseguiu atingir e garantir a qualidade; se tivesse deixado cada um fazer o
que quisesse - e com todas as disputas, com essas brigas que ocorreram -, teria
perdido a linha há muito tempo." E acrescentam, em tom de brincadeira: "Sabe
o centralismo democrático?" (Equipe de Coordenação)
Um momento privilegiado para o equacionamento do problema da inserção orgânica do
SEJA na RME tem sido o processo participativo denominado "Escola Constituinte", pelo
qual os agentes da rede vêm, desde 1994, debatendo diretrizes gerais para reformulação do
regimento das escolas. Esse processo culminou com a realização do Congresso Municipal
Escola Constituinte (Porto Alegre, RS: 26 e 27/05/1995), preparado nas escolas e nas
regionais, com aprovação de teses e eleição de delegados40. No documento apreciado pelo
plenário do Congresso, o SEJA era objeto de dois ou mais artigos. No aspecto da gestão,
os participantes do Congresso questionaram, de um lado, sua marginalização da estrutura
escolar e, de outro, sua "excessiva" autonomia. Assim, a redação inicial do artigo 8º do
documento-base do Congresso: "Garantir que o SEJA esteja incluído na escola,
preservados sua estrutura, seus princípios e filosofia" sofreu modificação no plenário,
transformando-se em: "Garantir que o SEJA seja oferecido pelas escolas que tenham
estrutura para tal, contemplando as diversas regiões do Município, preservando-se sua
estrutura, princípios e filosofia, em consonância com o projeto administrativo e
pedagógico da escola".
Das observações realizadas, concluimos que:
O SEJA assumiu o caráter de uma instância relativamente autônoma que ocupa posição
hierárquica inferior à educação infantil ou ao ensino fundamental no interior do órgão
de gestão educacional; é um serviço institucionalizado, que conta com corpo
profissional próprio e gerencia recursos orçamentários com alguma autonomia.
A materialidade instalada - existência de legislação regulamentando o Serviço, de
unidade escolar específica (o CEMEJA), criação de cargos de professores especialmente
dedicados à EBJA no corpo estável do magistério e alunos em processo - coloca em
marcha a "lei de desenvolvimento da burocracia". Ainda que sua inserção no sistema
municipal de ensino seja marginal, o grau de institucionalização alcançado tende a
assegurar a continuidade dos serviços, ainda que ocorram mudanças político-
administrativas no Governo Municipal.
Para construir uma identidade político-pedagógica e preservar as especificidades desta
modalidade de atendimento educacional, rompendo parcialmente com os padrões de
funcionamento da escola tradicional, o SEJA adotou um sistema de gestão centralizado
40 Participaram do Congresso 349 delegados representando os diversos segmentos da comunidade escolar,
sendo 238 professores, 43 funcionários, 36 pais e 32 alunos.
e manteve-se relativamente isolado dos demais níveis e modalidades de ensino com os
quais convive no interior das escolas. A este distanciamento voluntário, somou-se a
rejeição e o preconceito existente nas unidades escolares com a presença de jovens e
adultos. Deste processo resultou uma inserção precária da EBJA no sistema municipal
de ensino e, particularmente, nas unidades escolares.
Mais recentemente, o SEJA vem sendo impelido a uma integração mais orgânica ao
sistema educacional, motivada pela política de democratização da gestão e ampliação da
autonomia escolar (expressa na mudança dos regimentos das escolas). A tendência que
se delineia é a de uma maior integração dos serviços de EBJA às unidades escolares nas
quais o atendimento é realizado. Esse movimento pode trazer saldos positivos,
desfazendo preconceitos e abrindo espaço à participação de educadores e alunos na
gestão escolar, mas provavelmente implicará concessões às regras escolares com os
conseqüentes riscos de perda da autonomia e flexibilidade do atendimento. Neste caso,
é preciso cuidar para que a rigidez burocrática que caracteriza o sistema formal de
ensino não acentue o estilo predominantemente escolar e compensatório que
historicamente caracterizou o ensino supletivo, impedindo que os SEJA adote
estratégias flexíveis, capazes de atenuar os mecanismos seletivos que restringem sua
democratização e qualificação.
4º Capítulo - Análise dos resultados e recomendações
1. Descentralização educativa e municipalização da EBJA
A problemática da municipalização da EBJA tangencia e é afetada pelo movimento geral de
descentralização da educação em curso no Brasil. Até a Constituição de 1988, as redes
municipais de ensino não constituíam sistemas, pois não detinham autonomia em relação à
legislação federal e estadual, submetendo-se à supervisão das esferas superiores. Como já
expusemos anteriormente, a Constituição de 1988 redistribuiu a receita fiscal e fortaleceu o
sistema federativo, ampliando substancialmente a autonomia relativa da esfera municipal de
governo na gestão dos serviços educacionais. Até o presente momento, porém, o
crescimento da participação da esfera municipal no financiamento e manutenção do ensino
não se refletiu em incremento proporcional da matrícula pública no ensino fundamental:
Quadro XV: Brasil - Evolução da matrícula inicial nas redes de ensino fundamental (1988-90)
Ano Total Estadual % Municipal % Particular %
1988 26.821.000 15.017.100 56,0 8.116.000 30,3 3.551.100 13,2
1989 27.557.500 15.755.100 57,2 8.218.500 29,8 3.443.000 12,5
1990 28.302.200 16.175.900 57,2 8.414.100 29,7 3.566.800 12,6
Variação 88/90 +5,5% +7,7% - +3,6% - +0,4% -
Fonte: MEC/SEEC/SAG/CPS/CIP (apud BOAVENTURA, 1994, p. 240)
Este é o motivo pelo qual a União e os estados vêm tomando uma série de medidas visando
induzir os municípios a investirem mais recursos e ampliarem sua participação nas
matrículas do ensino de 1º grau41. Esse processo resulta do acirramento da crise de
financiamento e gestão do setor público que, frente ao modelo de desenvolvimento
excludente adotado, restringiu sua capacidade de implementar políticas sociais. A União e
estados vêm impulsionando a transferência de encargos sociais da para a esfera local de
governo, por processos simultâneos de desconcentração e descentralização. No que
concerne às políticas educacionais, a União, que há longo tempo assumiu os encargos do
ensino superior público, dá sinais de que não pretende ampliar sua participação no setor (até
41 O Governo Federal, por intermédio do MEC, anunciou em outubro de 1995 o Plano de Desenvolvimento
do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, cujo principal instrumento é o Fundo de mesmo
nome que, se aprovado pelo Congresso, gerenciará a transferência dos recursos das esferas federal e estadual
aos municípios. Os mecanismos de acesso ao Fundo privilegiam o investimento no ensino fundamental.
porque sua despesa com este nível de ensino já excede os limites constitucionais), propondo
que as universidades federais passem a ser geridas com maior autonomia e crescentemente
financiadas pelos estados e pelo setor privado. Os estados propõem-se expandir e revitalizar
o ensino médio e tecnológico, cuja matrícula se encontra há tempo estagnada, transferindo
progressivamente aos municípios o ensino fundamental, sob o argumento de que os mesmos
têm responsabilidades constitucionais neste nível de ensino e dispõem de recursos para
atendê-las. Assim, as redes municipais de ensino vêm sendo convocadas a assumir
crescentemente os encargos do ensino fundamental de crianças e jovens.
Para compreender as distorções atualmente existentes na distribuição dos encargos
educacionais pelas instâncias de governo, porém, é necessário analisar a evolução histórica
das redes municipais de ensino no Brasil. Ao longo deste século, os municípios
responsabilizarm-se principalmente pelo ensino primário rural:
Quadro XVI: Brasil - Matrículas iniciais nas redes públicas por localização (1989)
Regiões Localização Rede Estadual Rede Municipal Índice de municipalização42
Brasil Total 57,2% 29,8% 1,000
Urbana 65,8% 18,5% 0,619
Rural 23,7% 73,8% 2,476
Norte Total 53,6% 33,8% 1,134
Urbana 65,9% 17,5% 0,588
Rural 25,8% 70,7% 2,371
Nordeste Total 39,7% 46,6% 1,561
Urbana 56,3% 24,0% 0,805
Rural 9,2% 87,9% 2,946
Sudeste Total 68,0% 18,4% 0,615
Urbana 69,3% 15,8% 0,529
Rural 55,0% 43,6% 1,461
Sul Total 59,2% 30,2% 1,013
Urbana 21,4% 14,6% 0,718
Rural 33,5% 65,3% 2,190
Centro Total 68,7% 21,7% 0,728
Oeste Urbana 76,3% 13,1% 0,430
Rural 21,3% 76,1% 2,540
Fonte: MEC.SAG.CPS.CIP. Apud: BOAVENTURA, 1994, p. 241.
42 O índice de municipalização é calculado tomando por referência o percentual de municipalização no total
nacional, ao qual atribui-se o valor 1.
Com o acentuado processo de urbanização observado no país nas últimas décadas, as redes
municipais de ensino diversificaram seu atendimento cobrindo lacunas deixadas pelas
demais esferas de governo, atendendo não apenas as demandas por ensino fundamental de
crianças, mas também por educação pré escolar e de jovens e adultos, áreas que até 1988
não eram cobertas pelo ensino público obrigatório.
As medidas adotadas para que os municípios redirecionem seus recursos prioritariamente
para o ensino fundamental de crianças e adolescentes tende a estabelecer uma concorrência
com os serviços recém instalados de ensino pré escolar e de jovens e adultos. Como a
demanda explícita por educação infantil é maior que por educação de jovens e adultos e a
capacidade de expressão política de seus beneficiários é maior, o movimento geral de
descentralização educativa pode instaurar uma concorrência perversa que tende, no limite, a
restringir a expansão da oferta de EBJA pelas redes municipais de ensino. Esta é, porém,
uma hipótese emergente, que merece investigação empírica específica.
Por outro lado, não parece totalmente adequado conceituar como descentralização o
processo anteriormente descrito de assunção por um governo municipal de parcela dos
encargos do ensino fundamental de jovens e adultos. A rigor, um processo de
descentralização educativa pressupõe planejamento, gradualismo e negociação entre as
partes envolvidas. O caso descrito não contempla nenhum desses requisitos. Conforme
expusemos ao início deste trabalho, a municipalização da EBJA vem sendo induzida pela
omissão das demais esferas de governo. O repasse dos encargos da EBJA da União e
estados para os municípios se consuma mais pela realização de uma oferta antes inexistente,
extremamente reduzida, estagnada ou declinante, que propriamente pela transferência de
serviços pré existentes. No entanto, o resultado objetivo deste processo é que os municípios
tendem a ser responsáveis pela maior parte da matrícula no ensino fundamental de jovens e
adultos e passam a ser vistos pela sociedade e pelas demais esferas de governo como a
instância privilegiada para realizar esse atendimento.
Nossa pesquisa procurou verificar a hipótese de que este processo de municipalização
estaria produzindo resultados positivos em direção à democratização de oportunidades
educacionais e melhoria da qualidade da EBJA. Os dados colhidos ao longo do estudo do
caso de Porto Alegre confirmam apenas parcialmente esta hipótese:
há indícios de que a esfera local de poder tem maior permeabilidade para acolher
demandas provenientes de grupos com pouca capacidade de expressão pública e
pressão política43, especialmente quando a orientação ideológica do partido eleito para
o governo mobiliza na burocracia governamental uma "vontade política" de mudança e
instalam-se mecanismos participativos de gestão;
a expansão de oportunidades de escolarização para jovens e adultos ocorre, entretanto a
cobertura escolar dela resultante ainda é inexpressiva face a demanda potencial por
EBJA;
embora o desenho político-pedagógico delineado pelo programa estudado revele
pertinência e adequação às necessidades educativas das populações demandatárias -
configurando uma nova qualidade de ensino para jovens e adultos -, as características da
oferta não são suficientemente flexíveis e diversificadas para interpor-se aos mecanismos
de exclusão e seleção instalados na sociedade e no sistema escolar.
Nos tópicos seguintes analisaremos cada um destes aspectos mais detidamente.
2. Limites e perspectivas à democratização da EBJA
Ainda que o caso do SEJA de Porto Alegre configure uma política pública municipal que,
para além do discurso, adotou medidas concretas voltadas à ampliação das oportunidades
educacionais, fica patente a distância entre o atendimento efetivamente realizado e a
satisfação da demanda potencial por EBJA: as matrículas registradas em 1995 são inferiores
a 5% do número de analfabetos absolutos com 15 anos ou mais computados pelo Censo em
1991.
Diversos autores têm afirmado que a marginalidade das políticas de EBJA frente ao
desenvolvimento do sistema escolar formal resulta da debilidade política que caracteriza o
43 "Na instância municipal, por haver maior proximidade física, há também maior responsividade ao
meio." (WERLE, 1994, p. 56)
grupo social ao qual ela se destina (LATAPÍ, 1986; TORRES, 1983a). Constituído por
desempregados, trabalhadores do setor informal ou que ocupam baixos postos no setor
formal da economia, os jovens e adultos analfabetos ou com baixa escolarização
provenientes dos setores populares têm precária inserção ocupacional e estão sujeitos a
contínuas oscilações em suas condições de vida e trabalho. Fragmentado e desorganizado,
esse grupo social tem pouca relevância e é sucetível à manipulação político-eleitoral. A
condição econômica subalterna somada à fragilidade de organização política privam estes
segmentos sociais de poder de pressão para dirigir demandas educativas ao Estado. Soma-
se a isto um fenômeno cultural registrado em diversos estudos, segundo os quais segmentos
sociais de baixa renda tendem a delegar às gerações futuras as expectativas educacionais
não realizadas. Esta linha de análise explica algumas das causas pelas quais uma demanda
potencial tão extensa como a verificada no caso estudado permaneça latente ou encontre
formas tão tímidas de explicitação, dando margem a que a cobertura educacional
assegurada pelo Estado se distancie quantitativamente do contingente populacional por
atender.
De fato, a demanda popular por EBJA não foi fator determinante na formulação da política
municipal de educação de Porto Alegre, até porque raramente ela se fez explicitar sob a
forma de movimento social organizado ou outros mecanismos coletivos de pressão. Ainda
que a cobertura educacional seja reduzida face à demanda potencial por EBJA, a demanda
explícita da população é pouco ativa. Há menções a reivindicações pontuais de
comunidades pela abertura de salas, mas estas não conformam movimentos coletivos e
encontram nos canais de participação abertos pela administração municipal sua via de
expressão.
Por outro lado, se a demanda explícita da população em geral é reduzida, há uma forte
pressão dos estudantes já integrados ao serviço municipal de EBJA pela abertura de
oportunidades de continuidade de estudos. Esse elemento fornece evidências de que a
explicitação de uma demanda latente é favorecida pela política social, como em um jogo de
espelhos em que a oferta de um serviço público confere reconhecimento a um direito social
até então negado.
Os dados do estudo, porém, revelam que sequer a demanda explícita vem sendo plenamente
atendida. Os dirigentes assumem que não realizam maior publicidade dos serviços pois sua
capacidade de atendimento segue a reboque da demanda manifesta. O recursos materiais e
humanos alocados em EBJA são limitados principalmente pela prioridade conferida à
educação infantil e ao ensino fundamental de crianças e adolescentes, mas sua contenção
reflete também a disputa ou indefinição de responsabilidades entre as esferas estadual e
municipal de poder sobre os encargos do segmento final do ensino supletivo de 1º grau (5ª a
8ª séries).
Além de estar condicionada pelos limites acima mencionados, a política de ampliação de
oportunidades escolares implementada pelo Município de Porto Alegre não impede a
reprodução de mecanismos seletivos estruturais e conjunturais instalados na sociedade. É
bem verdade que, nas condições sócio-econômicas atuais - em que mesmo as mais
elementares necessidades básicas de sobrevivência permanecem insatisfeitas - nem todas a
demanda potencial por escolarização se manifesta, relegada a plano secundário frente às
carências urgentes de alimentação, saúde, moradia e trabalho. Por outro lado, o contexto
urbano impactado por processos de modernização favorece a emergência simultânea de
novas necessidades de qualificação para o trabalho, de comunicação e participação cultural
em sociedades regidas por códigos letrados. Essas são necessidades coletivas que a história
da democracia liberal reconheceu como direitos universais e objeto de políticas sociais, mas
que a frágil democracia representativa brasileira reduziu a um pleito individual do cidadão
perante o Estado, simbolizado no ato solitário da matrícula.
Assim, a expressão das necessidades de educação básica é modulada pelas características da
oferta que, por apresentar um estilo predominantemente escolar de ensino-aprendizagem e
individualizar a demanda, provê acesso restrito e diferencial que beneficia grupos de
usuários com melhores condições relativas (MESSINA, 1993). Conforma-se assim um
padrão de seleção hierarquizado por quatro filtros principais de exclusão/inclusão - os
espaços rural e urbano, a experiência escolar prévia, a idade, a marginalidade social -, aos
quais acrescentam-se, em contextos específicos, outros dois: o gênero (beneficiando os
homens em detrimento das mulheres) e o emprego (beneficiando os empregados em
detrimento dos desempregados).
O caminho da demanda
Demanda Potencial
Tendência à Inclusão Tendência à Exclusão
O espaço vital: a cidade
e seus códigos
Jovens e adultos urbanos analfabetos
ou com primária incompleta
Jovens adultos rurais analfabetos
ou com primária incompleta
A escola e seus códigos
Jovens e adultos urbanos com
escolaridade prévia
Jovens e adultos urbanos sem
escolaridade prévia
Pertinência geracional:
juventude (15 a 25 anos)
Jovens urbanos com escolaridade
prévia
Adultos urbanos com
escolaridade prévia
Marginalização social
Jovens urbanos de escassos recursos
e escolaridade prévia
Jovens urbanos com escolaridade
prévia em extrema pobreza
Demanda efetiva
Adaptado de: MESSINA, 1993, p. 139.
A ruptura deste processo de exclusão depende, em última instância, da mudança nas
relações mais gerais de acesso ao trabalho e distribuição da riqueza por ele gerada.
Entretanto, mesmo nas condições sociais atuais seria possível adotar linhas de política
educacional pelas quais as características da oferta amenizassem os mecanismos de exclusão
social mediados pela escola:
A melhoria da qualidade do modelo escolarizado predominante na EBJA tendo em vista
as necessidades educativas da juventude trabalhadora com escassos recursos que a ele
tem acesso prioritário, superando o caráter marcadamente compensatório que a tem
caracterizado na direção de uma maior flexibilidade organizacional, pertinência
curricular, inovação metodológica e participação dos agentes na gestão dos serviços
educativos.
A superação da exclusividade do modelo escolar, tendendo à coletivização da demanda
e da oferta, com o desenvolvimento de programas de EBJA altamente flexíveis,
voltados a atender necessidades educativas de segmentos sociais organizados ou
dotados de certo grau de identidade coletiva. Inserem-se nesta linha de políticas os
programas de educação popular e parcerias com movimentos sociais, organizações da
sociedade civil, empresas etc para atendimento diferenciado nas comunidades de
moradia, locais de trabalho, igrejas, entidades culturais ou associativas.
A adoção de políticas de discriminação positiva voltadas ao atendimento diferenciado
dirigido a grupos especialmente vulneráveis ou prejudicados por processos de exclusão
social em seu acesso à educação, tais como mulheres em idade reprodutiva, indígenas,
portadores de deficiências, presidiários, dentre outros.
Os resultados do estudo indicam que, até o presente momento, a política educacional do
Município de Porto Alegre concentrou esforços na primeira das três estratégias. Embora
grande parte do atendimento realize-se no CEMEJA, no centro da cidade, a distribuição
geográfica das escolas municipais nos bairros pobres da periferia urbana facilita o acesso ao
estudo de parcela de grupos socialmente desfavorecidos, mas as iniciativas voltadas ao
atendimento de demandas coletivas restringem-se aos funcionários públicos municipais e da
UFRGS. Deve-se creditar à administração de Porto Alegre, porém, o esforço por integrar e
atender os portadores de necessidades especiais e a recente iniciativa de criação da Escola
Porto Alegre, para atender crianças e jovens em situação de rua.
3. As intencionalidades subjacentes à constituição de um serviço público de EBJA
Frente à fragil pressão da demanda, emerge a hipótese de Latapí de que as políticas públicas
de EBJA são determinadas, em primeira instância, por interesses políticos, econômicos e
educacionais formulados por iniciativa unilateral do Estado.
O atual serviço municipal de EBJA de Porto Alegre conformou-se após a promulgação da
Constituição de 1988, coincidindo com o refluxo da ação federal neste âmbito do ensino, a
democratização do sistema político e conseqüente retomada do sistema de eleições diretas
para as capitais dos estados. Foram três os fatores históricos, político institucionais e sociais
que influíram na conformação e desenvolvimentos do programa:
Um dos impulsos iniciais para a criação do Serviço de Educação de Jovens e Adultos de
Porto Alegre foi um sentido de experimentalismo e inovação educacional em busca de
uma nova qualidade para a educação das camadas populares, informado pela corrente
pedagógica que vem sendo difundida como "construtivismo".
A esse impulso inicial somou-se o compromisso do Governo Municipal em assegurar o
acesso da população à educação básica, concebida como direito social da cidadania,
resultante do deslocamento do poder local em direção a um partido do espectro
político-ideológico de esquerda. O desenvolvimento da política pública de EBJA
correspondeu a um movimento mais geral de democratização de oportunidades
educacionais e assunção pelo Poder Executivo Municipal de parcela das
responsabilidades decorrentes da nova ordem jurídica instaurada pela Constituição de
1988, que estendeu a todas as faixas etárias o direito ao ensino fundamental público e
gratuito, a ser mantido e desenvolvido pelos estados e municípios em regime de
colaboração. Esse movimento caracteriza interesses políticos do Estado em expressar o
"interesse geral" pelo qual é responsável, fomentando a justiça social, e expressa
orientações fundamentais de ação congruentes com a tradição ideológica do Partido,
mediadas pela "vontade política" dos seus agentes na burocracia governamental.
As duas intencionalidades acima descritas foram potencializadas pela influência do
ideário da educação popular na formulação da política educacional e na criação de
mecanismos participativos de gestão municipal. Ao associar positivamente a educação
básica à conscientização e participação política dos cidadãos, o ideário da educação
popular e sua histórica associação à alfabetização de adultos contribuíram para que os
governantes conferissem à EBJA uma importância relativa na política educacional do
Município estudado. Expressa-se aí a combinação de interesses político e educativos do
Estado em assegurar sua legitimidade perante os setores populares, impulsionando sua
participação, mobilização e formas de organização em uma conjuntura de ativação
política (TORRES, 1983b).
Segundo depreende-se dos depoimentos colhidos junto aos diferentes agentes, a pré-
existência de serviços educacionais remanescentes de convênios mantidos com o Mobral
até 1985 e a Fundação Educar após esta data não foi, em Porto Alegre, um fator de
peso na definição da política de EBJA. Não se configurou com nitidez, neste caso, a
transferência de serviços federais previamente existentes para a esfera municipal.
4. Uma nova qualidade na EBJA
A configuração do programa municipal de EBJA em Porto Alegre teve como ponto de
partida críticas a práticas pedagógicas correntes na história da educação brasileira, desde as
experiências de campanhas de alfabetização em massa, do Mobral, da Fundação Educar, até
o ensino supletivo. Cabe, pois, perguntar se o SEJA configurou um modelo político-
pedagógico alternativo de EBJA dotado de qualidade.
Uma resposta cabal sobre a qualidade do ensino aí oferecido exigiria a coleta de dados de
avaliação dos alunos, de seu rendimento escolar e da relevância das aprendizagens escolares
para sua participação cultural, social, laboral e política. Não foi possível, no âmbito desta
pesquisa, colher dados relevantes sobre estes temas. Os documentos recolhidos e os
depoimentos dos agentes tornam possível, porém, identificar algumas orientações que
configuram rupturas ou inovações significativas em relação à história das práticas
pedagógicas destinadas a jovens e adultos no Brasil.
4.1. A dupla matriz teórico-metodológica: educação popular e construtivismo
O SEJA edifica seu discurso e prática em torno de um duplo referencial teórico-
metodológico, cuja síntese esforça-se por elaborar: de um lado, o paradigma político-
filosófico da educação popular, referido ao pensamento freireano; de outro, as teorias do
desenvolvimento cognitivo e da aprendizagem abrigadas sob a denominação
"construtivismo sócio-interacionista".
Da tradição da educação popular, o discurso dos dirigentes e os documentos de políticas
ressaltam: a interpretação da educação como ato político e processo cultural que não se
restringe à escola, permeando as diversas práticas sociais; a valorização da cultura e a
legitimidade do saber popular frente à cultura dominante de elite e ao conhecimento
científico; o sentido de desvelamento da consciência atribuído ao processo de aquisição do
conhecimento e o compromisso ético do educador com esse processo; a compreensão do
educando como sujeito ativo do processo de aprendizagem e como ator social da história; a
dialogicidade da relação educador-educando; a crítica à concepção bancária de educação.
Essa concepção concretiza-se:
na formulação dos objetivos do ensino, que propõem-se à formação sujeitos críticos,
conscientes, solidários, cidadãos plenos de direitos e partícipes ativos da história de seu
tempo;
na seleção curricular, em que os conteúdos significativos de ensino são referidos à
cultura popular, à experiência de vida dos educandos e às temáticas que animam os
movimentos sociais locais;
na prática educativa junto aos jovens e adultos, em que o professor assume o papel de
animador de um círculo popular de cultura, no interior do qual o relato de experiências,
o debate de idéias e fatos contemporâneos constituem o ponto de partida para o
desenvolvimento de novas aprendizagens.
Nas práticas de alfabetização, porém, ocorre uma ruptura com o conjunto de procedimentos
pedagógicos que ficaram conhecidos como o "método Paulo Freire ": o emprego do
método silábico e a expectativa de alfabetização acelerada44.
Embora o princípio da aceleração seja preservado na escolarização dos adultos, a idéia de
alfabetização ultra-acelerada vem sendo abandonada por sua ineficácia historicamente
comprovada (pelos fenômenos de regressão ao analfabetismo e analfabetismo funcioanal),
pelo alargamento das necessidades sociais de letramento e conseqüente ampliação do
conceito de alfabetização:
"Um avanço importante dessas experiências mais recentes parece ser a
incorporação de uma visão de alfabetização como processo que exige certo
grau de continuidade e sedimentação. Desde os anos 50 eram recorrentes as
críticas a campanhas que pretendiam alfabetizar em poucos meses, com
perspectivas vagas de continuidade, depois das quais se constatavam altos
índices de regressão ao analfabetismo. Os programas mais recentes prevêem
um tempo maior - um, dois ou até três anos - dedicados à alfabetização e pós
alfabetização, procurando garantir que o adulto atinja maior grau de
autonomia e traquejo com os instrumentos da cultura letrada, para que possa
utilizá-los na vida diária ou mesmo prosseguir seus estudos, completando sua
escolarização básica. A alfabetização é crescentemente incorporada a
programas mais extensivos de educação básica de jovens e adultos."
(RIBEIRO, 1995, p. 12-3)
O crescente abandono do método silábico na alfabetização de adultos acompanhou um
movimento mais geral iniciado nos anos 80 na educação de crianças de difusão de teorias da
aprendizagem da leitura e da escrita influenciadas pela psicopedagogia pós piagetiana e pela
sócio lingüística. Influíram nesta mudança de procedimentos os estudos sobre a psicogênese
da língua escrita desenvolvidos pela pesquisadora argentina Emília Ferreiro, que revelaram a
pré existência à experiência escolar de hipóteses sobre o sistema de representação escrita
entre crianças, jovens e adultos inseridos em sociedades letradas, hipóteses estas
desprezadas pelos métodos correntes na alfabetização. Incorporou-se, a partir daí, a
44 Há que se considerar que estes são aspectos secundários e datados do "método Paulo Freire", que
exprimem a disponibilidade de conhecimentos psicológicos e linguísticos sobre os processos de
alfabetização naquele momento histórico.
convição de que não é necessário e sequer recomendável que se manipule artificialmente a
língua nos processos de alfabetização, privilegiando-se o desenvolvimento das hipóteses de
representação da língua das quais os educandos são portadores a partir de experiências
significativas de leitura e escrita em contextos comunicativos socialmente usuais. As
cartilhas escolares foram substituídas pelo contato intenso com a diversidade de estilos,
estruturas e funções textuais presentes no ambiente cultural e a escrita artificial das
redações escolares substituídas por tarefas comunicativas presentes na experiência cotidiana
dos indivíduos.
Junto às inovações nos métodos de alfabetização, difundiram-se também seus pressupostos,
apoiados nas correntes da psicologia cognitiva, da sócio-lingüística e da antropologia social
que enfatizam a atividade do sujeito sobre o objeto do conhecimento, as interações sociais
mediadas pela linguagem que desencadeiam e modulam as aprendizagens, a busca de
significado e sentido que as impulsionam, o caráter eminentemente social da produção da
cultura. A essa fusão de aportes multi-disciplinares, a cultura escolar vem rotulando de
construtivismo sócio-interacionista.
Nas experiências promissoras de EBJA, a filiação ao construtivismo sócio-interacionista se
concretiza principalmente na renovação dos métodos de alfabetização, mas incide também
sobre o ensino das primeiras contas.
A metodologia da alfabetização passa a valorizar a oralidade, relativizar a norma culta
frente às variantes lingüísticas e dialetais, suprimir o uso das cartilhas, diversificar os
materiais e gêneros de leitura (jornais, receitas, rótulos, anúncios, revistas, livros,
enciclopédias, etc) e escrita (listas, cartas, petições, diários, poemas, contos, crônicas,
notícias, formulários, etc), adotar a frase e do texto como unidades significativas de
comunicação (HARA, 1989; RIBEIRO, 1990, 1995).
No ensino das primeiras contas, a metodologia substitui a ênfase no registro da escrita
numérica e o treinamento nas técnicas operatórias pela valorização do raciocínio
matemático e dos procedimentos intuitivos e espontâneos de cálculo mental empregados
pelos alunos, a re-construção das estruturas conceituais implicadas nas operações, o
emprego de materiais concretos e a resolução de problemas significativos extraídos da
experiência prática (CARVALHO, 1995; RIBEIRO, 1995).
O âmbito de nosso estudo - que não penetrou a fundo no cotidiano escolar - não permite
aferir qual a intensidade com que estas concepções foram incorporadas à prática
pedagógica. Podemos apenas reconhecê-las como orientações político-pedagógicas e
metodológicas explícitas nos documentos de políticas e discurso dos atores.
4.2. Um jeito jovem e adulto de ser e fazer escola
Na tradição latino-americana e na história da educação brasileira, a oferta pública destinada
a jovens e adultos tem um caráter predominantemente escolar. Sequer a precariedade dos
recursos materiais e humanos com que a educação de adultos sempre contou foi capaz de
interromper a inércia da cultura escolar dominante. Embora os influxos dos paradigmas da
educação popular e da educação permanente se façam sentir aqui e acolá, o modelo de
escolarização dominante aproxima-se mais do conceito de instrução primária acelerada que
propriamente de educação básica, prevalecendo uma oferta de caráter compensatório,
moldada nas referências do ensino regular de crianças (MESSINA, 1993).
Os programas municipais de EBJA no Brasil são relativamente recentes e descendem
diretamente do Mobral e do ensino supletivo, cujas normas legais estão obrigados a
cumprir. Na maior parte das vezes, o ensino supletivo seriado reproduz as referências de
tempo, espaço e processo predominantes na educação infantil: os horários, calendários e
seriação são rígidos e convencionais; mesmo no interior de uma empresa ou de um centro
comunitário, o lugar de aprender e ensinar reproduz a sala de aula convencional, com lousa,
giz e carteiras enfileiradas; a instituição escolar pré define o currículo; o professor reproduz
os procedimentos pedagógicos da educação infantil, para a qual foi formado; a sistemática
de ingresso, promoção e retenção obedece sistemas de avaliação padronizados que
negligenciam as diferenças individuais e referem-se mais aos resultados que aos processos
de aprendizagem.
Romper este modelo escolar e encontrar um jeito jovem e adulto de prover educação básica
para gente pobre e trabalhalhadora é ainda um desafio por experimentar. O programa
municipal de Porto Alegre não transcende de todo o modelo escolar, porém faz
experimentos substantivos em direção a sua flexibilização:
A matrícula pode realizar-se a qualquer momento, desde que haja disponibilidade de
vaga.
Embora o horário de aulas seja pré definido, nenhum aluno é excluído das atividades em
virtude de atrasos. A freqüência não é obrigatória, embora seja incentivada, de vez que
a metodologia não prevê recursos de ensino à distância.
Ao invés de classificar abandonos temporários e justificados da escola como evasão, foi
criada no registro do aluno a categoria "afastamento"; o aluno afastado pode retomar
seus estudos no estágio em que os deixou.
A maior parte das classes funciona em período noturno, à exceção do CEMEJA de Porto
Alegre (que tem aulas em três turnos) e das classes especialmente instaladas para
atender funcionários públicos municipais.
As referências de tempo escolar são heterodoxas: a jornada semanal é de apenas três
turnos; a unidade temporal de ensino é o trimestre; o recesso escolar é preenchido por
um programa de lazer e educação informal de adesão voluntária.
Embora a maior parte do cotidiano escolar transcorra no interior da sala de aula, são
incentivadas as oportunidades de aprendizagem extra-classe (espetáculos artísticos,
torneios esportivos, visitas a museus, excursões, conferências, debates, etc).
O programa fixou (com a participação dos educadores ) marcos curriculares mínimos
comuns, mas os professores têm grande autonomia e são incentivados a reorganizá-los e
enriquecê-los de acordo com as características de seus alunos.
A metodologia de ensino privilegia dinâmicas de grupo e atividades coletivas, podendo
recorrer a meios auxiliares de ensino diversificados, de vez que, na maior parte dos
casos, o SEJA ocupa instalações escolares adequadas, que dispõem de mobiliário e
equipamentos áudio-visuais, espaços abertos e bibliotecas.
Embora a nomenclatura e o conceito de "totalidades de conhecimento" sejam
inovadores, a seriação aproxima-se do modelo tradicional, flexibilizada por um sistema
de avaliação diagnóstica, processual e de resultados que permite a progressão a
qualquer momento, a critério do professor.
A organização das turmas - seriada ou multisseriada - obedece mais as disponibilidades
de recursos materiais e humanos do sistema escolar que as necessidades dos alunos.
Somente nas unidades escolares que concentram um número maior de classes (como o
CEMEJA) promovam-se eventualmente re-arranjos dos grupos para atividades
diversificadas (oficinas de matemática ou grupos de orientação sexual para
adolescentes, por exemplo).
Algumas destas medidas podem ser tão válidas para a educação de crianças como para
jovens e adultos das classes populares. O específico da EBJA parece residir na flexibilização
do currículo (para atender à diversidade de interesses e necessidades de aprendizagem de
grupos sociais diversos) e do tempo escolar (pensado em suas diversas dimensões, além
daquela prevista no princípio da aceleração). Esse conjunto de procedimentos não pode ser
classificado como profundamente inovador, mas certamente dota o programa da
flexibilidade mínima necessária para permitir o acesso de uma clientela extremamente
heterogênea e reduzir a evasão escolar.
4.3. O docente no centro do processo
Já há algum tempo a literatura sobre formação de educadores de jovens e adultos vem
centrando seus diagnósticos, críticas e recomendações nas condições inadequadas de
formação e trabalho docente junto a esta faixa etária (UNESCO. OREALC, 1988, p. 28;
BRASIL. MEC, 1990a, p.7; BRASIL. MEC, 1994, p. 15).
É provável que a maior virtude do caso estudado resida na "aposta" que o sistema
municipal de ensino vem realizando na centralidade do papel docente como instrumento de
melhoria da qualidade da EBJA. Não se trata propriamente de uma "inovação" em política
educacional, de vez que os instrumentos e recursos empregados são largamente conhecidos:
de um lado, a profissionalização do magistério, de outro, a busca constante da autonomia
profissional.
"Es necesario establecer políticas nacionales de formación de docentes en las
quales se contemple una formación general y integral. Esto significa que la
profesionalización del educador de adultos deve ser vista en el marco de la
formación del conjunto de los docentes de nivel básico. La formación del
educador de adultos puede concebir-se como una especialización. Esta
formación específica en educación de adultos debe asumir, a su vez, una
integralidad que le permita compreender el contexto social, cultural,
económico y político en que el adulto y el joven se desenvuelven, además de
los elementos epistemológicos y metodológicos necesarios.
La noción de profesionalización fue entendida en un doble sentido: por un
lado, implica una formación rigurosa que permite disponer de un docente
debidamente preparado para coordinar procesos de aprendizaje y
vinculándose con el conjunto de elementos que constituyen el desarollo local;
y por otro lado, supone un reconocimiento social, formalizado y legalizado por
el Estado, al ejercício profesional de la educación con adultos. Tal
reconocimiento debería tener, a su vez, un impacto positivo en lo que se refiere
a la estabilidad y dedicación del educador a su trabajo en la EBA.
La profesionalización supone, por otra parte, garantizar al docente
condiciones materiales y pedagógicas adecuadas de trabajo. Esto implica un
sistema de remuneraciones y de estabilidade laboral que le permita convertir
el trabajo docente con adultos en una opción profesional a la qual puede
dedicarse plenamente y perfecionar-se adecuadamente." (UNESCO.
OREALC, 1988, p. 28-9)
Em Porto Alegre, a estratégia de profissionalização docente resulta da combinação de
exigências mínimas de formação (critérios de recrutamento e seleção) e oferta de condições
básicas de trabalho profissional (regime de contratação + política salarial + plano de
carreira), mediadas por uma política de formação permanente em serviço desenvolvida no
interior da jornada de trabalho que se confunde com a sistemática de orientação e
supervisão pedagógica.
Porto Alegre recruta e seleciona seus professores por meio de concursos públicos
específicos para a EBJA, em que é exigida habilitação para o magistério em nível de 2º grau
e domínio de uma literatura pedagógica dirigida ao grupo social e etário a que o SEJA se
destina. A escolaridade predominante dos docentes excede o mínimo exigido
(correspondendo a uma tendência geral naquele Estado45). Os professores mantêm vínculo
de trabalho que lhes assegura estabilidade no emprego e desfrutam dos benefícios de um
plano de carreira. Sem dúvida, os salários percebidos não são suficientemente elevados para
que os docentes deixem de acumular outras ocupações, porém superam a média das
remunerações pagas em outras redes de ensino, o que os torna competitivos no mercado de
trabalho do magistério. Assim, pode-se afirmar que a administração municipal assegurou
padrões mínimos de profissionalização docente.
Designamos por autonomia profissional uma síntese das qualificações ideais do professor
projetadas pela literatura sobre formação de educadores, dentre as quais destacam-se:
identificação com uma referência utópica ordenadora dos objetivos gerais da educação;
consciência e compromisso com sua função social no espaço público; domínio dos
conhecimentos científicos das disciplinas que compõem o currículo, dos métodos de ensino
e das teorias pedagógicas que os informam; curiosidade intelectual e espírito investigativo;
capacidade de iniciativa e criatividade; facilidade de comunicação; sensibilidade e
desenvoltura para estabelecer relações inter-pessoais e coordenar atividades em grupos.
Enquanto coleção de atributos ideais, a autonomia profissional é menos um pré requisito
que uma meta da política de formação em serviço.
Embora a pequena representatividade das amostras e a escassez de dados avaliativos nos
impeçam de proceder generalizações, os dados qualitativos reunidos ao longo do estudo
oferecem indicações de que o professorado do SEJA conquistou um grau significativo de
autonomia: em sua maioria, encontramos professoras ética e politicamente compromissadas,
sensíveis às temáticas sociais, capazes de solucionar com criatividade os desafios cotidianos,
45 Dados oficiais da rede estadual gaúcha para 1991 indicavam que apenas 19,31% do magistério possuía
habilitação de 2º grau, enquanto 57,24% eram licenciados em curso superior (pleno ou de curta duração0 e
23,43% possuíam curso de pós graduação (BULHÕES : ABREU, 1992, p. 132).
motivadas para aperfeiçoar sua formação e a qualidade do trabalho pedagógico. Nossa
hipótese é de que essas qualificações resultam do elevado investimento realizado na
formação em serviço, à qual dedica-se 40% da jornada semanal de trabalho remunerado e a
assessoria técnico-pedagógica de equipes especialmente dedicadas, na proporção de um
assessor para cada grupo de 15 a 20 professores. Esse padrão de investimento na formação
em serviço dos professores eleva os custos do serviço educacional e denota a transferência
de encargos das instituições de formação do magistério para os serviços de escolares.
"Pelas características da formação do docente no Brasil, a habilitação para o
magistério não assegura o desenvolvimento de competências específicas para
a educação de adultos, encargo este transferido aos programas de
atendimento.
Condicionados pela posição secundária ocupada pela EBJA nas políticas de
ensino fundamental e premidos pelo imenso contingente de jovens e adultos
por atender, os programas de EBJA vêem-se obrigados a despender parcela
significativa de seus escassos recursos financeiros na sofisticação dos sistemas
de planejamento, supervisão e acompanhamento pedagógico, convertidos em
sistemas de formação permanente de professores em serviço.
Em última instância, este processo configura um desvio de funções que
caberiam às universidades e ao sistema de formação do magistério para os
serviços de atendimento educacional, a quem caberia oferecer não a formação
básica, mas as condições de trabalho e remuneração docente que
assegurassem a profissionalização do educador de adultos. Assim, ainda que
seja repetitivo fazê-lo, cabe recomendar ao sistema de formação básica de
professores que assuma o encargo de prepará-los adequadamente para a
docência em EBJA e, às universidades em particular, que fomentem a pesquisa
educacional e disseminem as inovações pertinentes a este campo do
conhecimento pedagógico.
Enquanto isto não ocorre, devemos reconhecer que, hoje, o laboratório mais
fecundo de reflexão pedagógica sobre a EBJA no Brasil localiza-se nos
próprios programas de atendimento. A renovação pedagógica e o
adensamento do conhecimento sobre a educação de adultos no Brasil, hoje,
requer o registro, sistematização, intercâmbio e análise dessas experiências
em curso, especialmente aqueles instalados na esfera municipal e não
governamental." (DI PIERRO, 1995b, p. 16)
5. Impasses não solucionados
5.1. Ampliação da cobertura escolar, financiamento e cooperação no setor público
Pelo exposto nos tópicos anteriores, fica patente que o primeiro impasse que as
administrações municipais têm por solucionar no campo da EBJA ainda é o da expansão
quantitativa de vagas.
A ampliação do atendimento depende, preliminarmente, de um aporte maior de recursos
para esta modalidade de ensino, o que transpõe o debate para o terreno do financiamento da
educação. Onde obter os recursos necessários à ampliação do atendimento em EBJA? Na
atual conjuntura, descarta-se a hipótese de ampliação das vinculações consititucionais para
a educação, de vez que a saúde pública tem evidente prioridade neste terreno. Frente ao
ímpeto reformista liberalizante do Governo Federal e do Congresso, a conjuntura presta-se
mais a uma política de resistência em defesa das conquistas obtidas em 1988 que a ousadias
no terreno do financiamento da educação. Os precários dados de financiamento disponíveis
indicam que os municípios podem alocar recursos adicionais para a EBJA provenientes de
seu próprio orçamento, simplesmente cumprindo com maior rigor a determinação
constitucional de aplicação mínima em educação de 25% das receitas oriundas de impostos
e transferências, o que não vem ocorrendo até o presente momento. Como vimos, porém, o
problema é ainda mais complexo, de vez que o movimento geral de descentralização
educativa tende a impor aos municípios encargos crescentes também em outras modalidades
e níveis de ensino, estabelecendo-se concorrência entre eles pelos recursos municipais. Uma
solução mais adequada para este problema demandaria um amplo pacto de cooperação
entre as esferas de governo para a descentralização educativa, que fixasse a transferência
proporcional de encargos e recursos, o que implica ampliar também nas esferas federal e
estadual o montante destinado à EBJA, hoje situado em patamares irrisórios. Isso só será
possível com a reversão da tendência atual de perda de importância relativa da EBJA no
interior das políticas educacionais, o que depende da produção de um novo consenso sobre
o tema.
Por outro lado, observa-se uma indefinição na divisão de encargos das esferas estadual e
municipal no atendimento de jovens e adultos. O conceito legal de ensino fundamental
obrigatório - cuja responsabilidade pública é compartida por estados e municípios -
corresponde ao 1º grau completo. Assim como Porto Alegre, a maioria dos municípios que
mantêm programas de EBJA têm demonstrado capacidade técnica e financeira para assumir
os encargos do primeiro segmento do 1º grau; suas incursões nas séries finais são raras e
quantitativamente inexpressivas46. Subjaz a estas práticas o entendimento de que caberia
aos estados assegurar a continuidade de estudos até a conclusão do 1º grau. Essa divisão de
encargos, porém, não corresponde a um consenso estabelecido, não está fixada em lei e
sequer foi pactuada entre as esferas de governo.
Outras instituições públicas das quais se esperaria a cooperação para a promoção da EBJA
são os centros de formação do magistério - de 2º e 3º graus. Ao omitir-se na preparação
inicial dos educadores para participarem da EBJA, as instituições de formação de
educadores transferem para os serviços de atendimento pesados encargos de formação em
serviço, conforme observado no tópico 4.3.
5.2. Lógica burocrática do Estado versus educação popular
Na essência do paradigma da educação popular reside a idéia de que os educandos são
atores sociais e agentes da história; a ela o construtivismo acrescentou a idéia de que os
educandos são também sujeitos ativos nos processos de construção e aquisição do
conhecimento. No caso de Porto Alegre, há indicações de que o ideário da educação
popular, enriquecido e atualizado pelo construtivismo, penetrou na política municipal de
EBJA pelas mãos do Partido que ocupa o poder, constituindo-se em um dos referenciais
teórico-práticos fundamentais ao desenho do programa. Os resultados do estudo
demonstram, porém, que este processo não ocorre sem contradições. Ao contrário, há uma
tensão permanente entre os impulsos de flexibilização e participação fomentados pelo
ideário da educação popular e a rigidez burocrática da organização governamental.
46 Em pesquisa realizada em 1994, de 60 municípios que mantinham programas de EBJA, 36% possuiam
serviços correspondentes às séries finais do 1º grau.
As políticas sociais públicas se produzem na interação entre a sociedade e o Estado,
mediadas pelas burocracias governamentais, que detêm autonomia relativa. A disputa
existente no interior da sociedade civil pelas orientações das políticas se reproduz no
interior da burocracia governamental, que nela introduz fatores relacionados à sua lógica
interna. A política educacional do partido que ocupa o governo municipal pela via eleitoral
só se expressa como orientação de ação movida pela vontade política de seus agentes na
burocracia governamental. Essa vontade política, porém, se defronta com resistências
instaladas no próprio aparato governamental. Entre os impulsos de democratizar o acesso à
escola e estreitar suas relações o entorno social e as ações políticas correspondentes,
interpõem-se procedimentos convencionais, regras burocráticas e leis que restrigem e
moldam a ação governamental. A somatória dessas decisões que isoladamente podem
parecer irrelevantes, vão dando forma e conteúdo à oferta educacional pública.
Segundo Offe (1984), a solução dessa tensão indica em uma dupla direção: de um lado, a
mudança dos critérios de racionalidade da ação político-administrativa, convertendo seu
funcionamento de um modelo legal-burocrático para um modelo social-estatal em que a
eficiência deixe de ser definida pelo respeito estrito às regras e passe a referir-se
principalmente à realização das funções; de outro, a ampliação do controle social sobre o
sistema educacional, com a crescente participação dos atores (em especial dos usuários - os
alunos) na sua gestão administrativa e pedagógica, de modo a produzir consensos e
desencadear comportamentos de base cooperativos em relação aos fins da ação político-
administrativa.
"(...) a administração moderna (...) é antes de mais nada uma administração
planejadora que programa, ela própria, as instituições jurídicas das quais
necessita, e que só parcialmente é programada pela forma jurídica. Por isso
mesmo, ela depende do nível infra legal da formação do consenso, como
instância à qual pode recorrer, e como fonte de suas legitimações. Isto é
válido, antes de mais nada, em relação a sua clientela. Por isso defendo a tese
de que a administração pública se vê hoje em muitos de seus campos de
atuação com uma situação em que a execução de planos e funções estatais não
pode mais ser assumida unicamente pela administração. O próprio cidadão e
suas organizações sociais assumem uma função executiva." (OFFE, 1984, p.
228)
Na SMED de Porto Alegre observa-se a persistência de certa dicotomia na ação político-
administrativa: o Partido que ocupa o governo e seus agentes na burocracia são portadores
da intencionalidade política em direção aos fins da ação sócio-educativa, enquanto o
funcionamento ordinário da máquina governamental é regido predominantemente pela
lógica legal-burocrática, que tende a delimitar territórios intangíveis às políticas
governamentais e aos processos participativos de gestão. Embora selecionados por
concursos, os trabalhadores da educação têm seu trabalho regido por um estatuto
característico do modelo legal burocrático, o que lhes faculta preservar interesses
corporativos independentemente da avaliação de seu desempenho em relação aos fins da
educação. Neste quadro, a qualidade da ação político-administrativa fica condicionada à
produção de uma cultura social estatal, cujos instrumentos privilegiados são a formação em
serviço dos trabalhadores da educação e a democratização da gestão do sistema
educacional.
Como vimos ao longo do estudo, a municipalidade de Porto Alegre investiu fortemente na
formação dos educadores e no exercício participativo da ação administrativa, criando
mecanismos de gestão democrática do orçamento municipal e do sistema educacional.
Entretanto, a escassez e reduzida difusão de informações básicas sobre o investimento e o
desempenho do sistema educacional retira da população instrumentos fundamentais de
avaliação dos serviço público, o que restringe a produção e difusão de uma cultura social
estatal da ação político-administrativa.
6. Recomendações finais
Os resultados o estudo nos autorizam formular algumas indicações para os gestores de
políticas educacionais públicas (em especial para a administração municipal de Porto
Alegre) e suas muitas lacunas nos estimulam sugerir questões para pesquisas futuras.
6.1. Quanto às políticas públicas de EBJA
Seria recomendável que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em
tramitação no Congresso, exprimisse um conceito de EBJA que, ao invés de reduzí-la
à instrução primária em caráter compensatório, assegurasse a identidade própria e a
necessária flexibilidade desta modalidade educativa.
A legislação federal deveria ainda fixar com maior nitidez a divisão dos encargos da
EBJA pelas esferas de governo, indicando as competências específicas em relação a
ambos os segmentos do ensino fundamental. Em nosso entendimento, as esferas
municipal e estadual de governo deveriam atuar articulada e cooperativamente na
oferta de ensino fundamental à população jovem e adulta, cabendo prioritariamente
aos municípios o segmento correspondente às séries iniciais e aos estados as séries
finais do 1º grau, ficando ao encargo da União cooperar técnica e financeiramente com
ambas as esferas no exercício da função equalizadora das desigualdades regionais.
É urgente ampliar os meios de financiamento da EBJA nas três esferas de governo, o
que poderia ser realizado imediatamente, no interior do Projeto de Lei que institui o
Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério,
seja através da reserva de um percentual mínimo de aplicações (tal como estabelecido
no FNEP - Fundo Nacional do Ensino Primário - em 1945), seja pelo condicionamento
das transferências ao cumprimento de metas de atendimento fixadas no Plano Nacional
de Educação (a ser estabelecido nos termos da Constituição).
As determinações legais em vigor têm sido inoperantes para induzir as instituições de
formação docente a incorporar nos respectivos currículos a teoria e prática da EBJA.
Seria, pois, recomendável, instituir mecanismos adicionais de indução político-
pedagógica e incentivo econômico à incorporação dos conteúdos da EBJA na
formação inicial e continuada do magistério, assim como na pesquisa educacional.
6.2. Quanto ao SEJA de Porto Alegre
As exigências sociais de democratização do acesso à educação básica impõem à
SMED de Porto Alegre a ampliação do atendimento propiciado pelo SEJA em níveis
compatíveis com a demanda potencial por EBJA. Para realizá-lo, a PMPA necessitará
não só ampliar os recursos materiais e humanos próprios dedicados a este nível e
modalidade de ensino, como desenvolver os mecanismos de cooperação com as
demais esferas de governo, os centros de formação do magistério e as organizações da
sociedade civil, visando à obtenção de recursos adicionais e à racionalização das
despesas efetuadas.
Os estudos demonstram que a democratização do acesso e permanência na EBJA não
se esgota na ampliação da oferta tipicamente escolar para atender às demandas
individuais explícitas na busca de matrículas, mas implica também acionar a demanda
potencial que não se manifesta em virtude de múltiplos mecanismos de exclusão
vigentes na sociedade brasileira contemporânea. Caberia, pois, divulgar o SEJA nos
meios de comunicação de massa, bem como estimular e atender demandas educativas
coletivas, instituindo programas informais e/ou altamente flexíveis nos locais de
trabalho e moradia, em parceria com sindicatos, empresas, organizações religiosas e
comunitárias, bem como ampliar as iniciativas dirigidas a segmentos sociais específicos
prejudicados no acesso à educação (a exemplo da Escola Porto Alegre).
Os dados do estudo oferecem indicações de que a consolidação da inserção orgânica
da EBJA no sistema municipal de ensino de Porto Alegre exigiria maior integração do
SEJA às unidades escolares e, conseqüentemente, maior descentralização da sua
gestão político-pedagógica. A preservação da identidade e especificidade da EBJA,
porém, recomenda preservar instância própria de coordenação de recursos materiais e
humanos, dos processos de seleção, formação e acompanhamento pedagógico da
atividade docente, produção de materiais pedagógicos, etc.
A avaliação da qualidade do SEJA requer, preliminarmente, a produção de estatísticas
que permitam mensurar o fluxo e rendimento escolar de seus educandos e,
posteriormente, pesquisar os fatores intra e extra escolares que determinam a evasão
ou permanência e a progressão ou fracasso no sistema de ensino. Seria recomendável
ainda que fossem avaliados os resultados do processo de ensino por meio de
instrumentos de pesquisa que permitissem aferir a relevância pessoal e social das
aprendizagens realizadas. A transparência dessas informações é requisito fundamental
para uma participação qualificada dos usuários e da sociedade na gestão dos serviços
educativos, de modo a produzir um consenso positivo sobre a prioridade da EBJA no
interior da política educacional.
A necessária flexibilização das práticas educativas consoantes o paradigma da
educação popular implica integrar as lógicas social-estatal e legal-burocrática de ação
político-administrativa, o que requer, ao lado da persistência nas políticas de gestão
participativa e formação dos trabalhadores da educação, sejam adotadas políticas de
avaliação de seu desempenho e de agilização e desburocratização do funcionamento
ordinário da SMED.
6.3. Questões para pesquisas futuras
O caráter exploratório de nosso estudo deixou muitas lacunas por preencher e propôs
questões para investigações futuras, algumas das quais enunciamos a seguir:
A discussão que empreendemos em torno das relações entre os processos de
descentralização do ensino fundamental e a municipalização da EBJA ensejou a
hipótese da concorrência intra-níveis e modalidades de ensino (pré escolar e
fundamental de crianças, adolescentes, jovens e adultos) nos sistemas educacionais dos
municípios. Como tais processos são bastante recentes, esta hipótese emergente
mereceria investigação empírica.
O SEJA de Porto Alegre ensaia uma síntese inovadora entre o paradigma pedagógico
da educação popular e o construtivismo sócio-interacionista. A natureza de nosso
estudo, que não penetrou no cotidiano da sala de aula e sequer debruçou-se sobre as
metodologias de ensino-aprendizagem, não permitiu aferir a intensidade e as formas
que a assunção de tais preceitos teórico-metodológicos assumiram no processo
pedagógico. Como a EBJA se ressente de marcos teórico-metodológicos atualizados,
este seria um dos temas relevantes para pesquisas futuras.
A tese de Messina (1993) de que as características da oferta determinam o perfil da
demanda nos parece fecunda para explicar os filtros seletivos que se interpõem entre a
demanda potencial e efetiva por EBJA, porém mereceria investigação específica para
confirmar-se no contexto brasileiro e explicar alguns de seus fenômenos particulares
(tais como aquele que identificamos na amostra de estudantes pesquisados em Porto
Alegre, da pequena incidência da faixa etária de 25 a 35 anos).
***
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***
Anexo 1 - ROTEIRO DE ENTREVISTA COM DIRIGENTES
1. Historiar participação no Seja
contexto histórico-político
papel ocupado/posição na estrutura de poder
ênfases da ação
gestão do programa (expansão, organização, financiamento, etc)
desenho pedagógico e formação dos educadores
relação com agentes/atores (professores, alunos, comunidade, etc)
2. Avaliação
apontar aspectos positivos (principais avanços) ; justificar
apontar aspectos negativos (principais entraves) ; justificar
3. Questionar sobre identidade com ideário da educação popular
exprimir conceito
participação popular
pressão por atendimento de demanda
participação na gestão
participação na conformação do saber veiculado
valorização e incorporação do saber popular
relação dialógica educador-educando
conscientização/ relação política/conhecimento
relação com movimentos sociais (autonomia X cooptação)
formação do educador (competência técnica + política)
mudança em métodos de gestão/ fluxo de relações hierárquicas de poder
Anexo 2 -ROTEIRO DE ENTREVISTA COM PESSOAL TÉCNICO
1. Quais são, na percepção de vocês, os objetivos do SEJA?
2. Que percepção vocês têm dos alunos (dos pontos de vista social, cognitivo e cultural)?
3. Que fontes e critérios vocês utilizam para orientar o currículo e a metodologia do ensino
do SEJA?
4. Que concepção informa a orientação que vocês realizam sobre a relação professor-aluno?
Como vocês concretizam essa orientação?
5. De que maneira vocês participam da gestão do SEJA (na formulação de suas diretrizes e
nas definições das formas de sua organização)?
Qual o grau de autonomia que vocês têm e como são as relações com as demais
instâncias da administração?
Professores e alunos participam da gestão do SEJA? Como?
6. Quais as principais dificuldades que vocês identificam no trabalho?
7. Vocês têm vínculos/contatos com os movimentos sociais do município? De que ordem?
Em que medida isso incide sobre a orientação do programa?
Anexo 3 - FICHA DE CARACTERIZAÇÃO DO PESSOAL TÉCNICO
1. Local de moradia
Porto Alegre
Outro município - Especificar: _____________________________________________
2. Idade
até 25 anos
+ 25 a 30 anos
+ 30 a 35 anos
+ 35 a 40 anos
+ de 40 anos
3. Sexo
Feminino Masculino
4. Estado civil
Solteira/o Casada/o ou outra forma de união estável Outra
5. Número de filhos
Nenhum 1 2 a 3 mais de 3
6. Escolaridade
2º grau
Magistério 2º grau
Superior incompleto Especificar: _______________________________________
Superior completo Especificar: _______________________________________
Pós graduação incompleto Especificar: _________________________________
Pós graduação completo Especificar: _________________________________
7. Tempo de exercício de atividades docentes
Menos de 2 anos
2 a menos de 5 anos
5 a menos de10 anos
10 anos ou mais
8. Período em que ingressou no SEJA
- 1989-1992
- 1993-1995
9. Ao ingressar, sua função era:
Docente Técnica Outra Especificar: ___________________________
10. Teve experiência profissional anterior ao Seja em educação de adultos?
Não Sim Qual/quais? ____________________________________________
11. Tem outras atividades profissionais?
Não
Sim - Especificar: ____________________________ Jornada semanal (horas): ______
12. Atividades que desenvolve Habitual/e Ocasional/e Raram/e
Visita às salas de aula
Orientação individual dos professores
Reuniões pedagógicas com grupos de professores
Reuniões pedagógicas gerais dos professores
Leituras individuais
Reuniões da equipe técnica
Preparação de subsídios teóricos para professores
Preparação de materiais didáticos
Provimento de meios auxiliares de ensino
Preparação de eventos (torneios, festas etc)
Controle administrativo dos professores
Atividades de secretaria
Resolução de problemas disciplinares de alunos
Resolução de problemas com funcionários
Resolução de problemas de infraestrutura
Resolução de problemas com merenda
Mencione outras atividades que desenvolve e foram omitidas acima:
_________________________________________________________________________
13. Especialização
Você tem alguma especialização ou tem se dedicado a uma área de conhecimento específica
(língua, matemática, ciências sociais ou naturais, artes, educação física)?
Não Sim - Especificar:____________________________________________
14. Mencione os principais livros e/ou autores que influíram na sua formação enquanto
educador._________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
15. Mencione o(s) fator(es) que influíram em sua opção de trabalho pela educação básica de
jovens e adultos.
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
Anexo 4 - ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS PROFESSORES
1. Qual o seu principal objetivo no trabalho educativo realizado no SEJA?
2. Como vocês caracterizariam seus alunos (do ponto de vista social, cultural e cognitivo)?
3. Quais critérios vocês utilizam para selecionar os conteúdos de ensino?
4. Quais as dinâmicas que vocês empregam mais freqüentemente em sala de aula?
5. Quais são as formas pelas quais os alunos participam do processo de ensino-
aprendizagem e da organização do SEJA?
6. É comum na sala de aula vocês se confrontarem com questões de valores, éticas e
morais? Em caso positivo, qual a postura que adotam?
7. A comunidade em que a escola está inserida influi de alguma maneira na dinâmica do
trabalho? Como?
8. Vocês acham que o trabalho cotidiano em sala de aula tem alguma dimensão política? Em
caso positivo, qual/quais? Por que?
9 Vocês participam de algum movimento social ou político em Porto Alegre? Qual/quais?
Como se dá essa participação? Em que medida isso influi no processo de ensino
aprendizagem do SEJA?
10. Como vocês vêem o processo de formação do educador em serviço desenvolvido no
SEJA? Quais suas maiores virtudes e limites? Que sugestões têm para seu aperfeiçoamento?
11. Quais são as maiores limitações e entraves que vocês encontram para desenvolver seu
trabalho?
Anexo 5 - FICHA DE CARACTERIZAÇÃO DOS PROFESSORES
1. Local de moradia
Porto Alegre Outro município: ________________________________
2. Idade
até 25 anos + 25 a 30 + 30 a 35 + 35 a 40 + de 40 anos
3. Sexo
Feminino Masculino
4. Estado civil
Solteira/o Casada/o ou outra forma de união estável Outra
5. Número de filhos
Nenhum 1 2 a 3 mais de 3
6. Escolaridade
2º grau
Magistério 2º grau
Superior incompleto Especificar: _______________________________________
Superior completo Especificar: _______________________________________
Pós graduação Especificar: _______________________________________
7. Tempo de exercício de atividades docentes
- de 2 anos 2 a - de 5 anos 5 a - de10 anos 10 anos ou +
8. Período em que ingressou no SEJA
1989-1992 1993-1995
9. Regime de contratação
Concursado/estável Não concursado/contrato
10. Teve experiência profissional anterior ao Seja em educação de adultos?
Não Sim Qual/quais? _______________________________________
11. Tem outras atividades profissionais?
Não
Sim Especificar:__________________________ Jornada semanal (horas): _____
12. Mencione os principais livros e/ou autores que influíram na sua formação enquanto
educador.
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
13. Mencione o(s) fator(es) que influíram em sua opção de trabalho pela educação básica de
jovens e adultos.
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
14. Atividades que desenvolve Sempre Às vezes Raramente
Planejamento de aulas
Preparação de materiais didáticos
Reuniões pedagógicas com grupos de professores
Reuniões pedagógicas gerais dos professores
Leituras individuais
Pesquisa de meios auxiliares de ensino
Preparação de eventos (torneios, festas etc)
Cursos de atualização
Resolução de problemas disciplinares de alunos
Atividades de secretaria
Resolução de problemas com merenda
Resolução de problemas de infraestrutura
Atividades comunitárias
Mencione outras atividades que desenvolve e foram omitidas acima:
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
Anexo 6 - ROTEIRO DE ENTREVISTA COM ALUNOS
1. Quais os motivos que os levaram a procurar no SEJA? Quais são os seus objetivos com o
estudo?
2. Esses objetivos vêm sendo satisfeitos no SEJA? Sim, não, em que medida?
3. No SEJA há diálogo entre os alunos e o professor? Em caso positivo, como se dá esse
diálogo?
4. Vocês são jovens/adultos com bastante experiência de vida, o que lhes deu uma série de
conhecimentos. Esses conhecimentos são partilhados no dia a dia da sala de aula? Em caso
positivo, como isso ocorre?
5. Os assuntos da sua comunidade, da sua categoria profissional, ou da cidade são tratados
na sala de aula? Em caso positivo, esse tratamento é satisfatório? Por que?
6. Os assuntos políticos, econômicos, sociais e culturais brasileiros são tratados em sala de
aula? Em caso positivo, esse tratamento é satisfatório? Por que?
7 Os alunos do seja são unidos? Vocês se organizam de alguma maneira?
8. Vocês participam do Conselho da Escola ou de alguma outra instância de decisão da
política da Prefeitura?
9. Vocês têm propostas para melhorar a educação no município?
Anexo 7 - FICHA DE CARACTERIZAÇÃO DOS ALUNOS ENTREVISTADOS
1. Local de nascimento: Município _______________________ Estado ____________
2. Local de moradia
Porto Alegre Outro município- Especificar: ___________________________
3. Idade
até 25 anos +25 a 30 + 30 a 35 + 35 a 40 + de 40 anos
4. Sexo
Feminino Masculino
5. Estado civil
Solteira/o Casada/o ou outra forma de união estável Outra
6. Número de filhos
Nenhum 1 2 a 3 mais de 3
7. Emprego
Empregado Setor formal Setor informal
Ocupação atual ____________________________________
Dona de casa ou outro trabalho doméstico não remunerado
Desempregado
8. Profissão ___________________________________________________________________
9. Renda mensal
menos de 1 salário mínimo
1 salário mínimo
+ 1 a 2 salários mínimos
mais de 2 salários mínimos
10. Escolaridade anterior
Menos de 1 ano Escola regular na zona rural
1 a 2 anos Escola regular na zona urbana
2 a 3 anos Mobral
mais de 3 anos Outro - Especificar _____________________
11. Escolaridade no SEJA
Anexo 8 - CARACTERIZAÇÃO DAS PROFESSORAS ENTREVISTADAS
(tabulação do questionário)
Total de entrevistados = 5 = 100%
1. Local de moradia: Porto Alegre = 5 = 100%
2 .Faixa etária Freqüência %
até 25 anos 0 0
+ 25 a 30 anos 0 0
+ 30 a 35 anos 2 40
+ 35 a 40 anos 1 20
+ 40 anos 2 40
3. Sexo: Feminino = 5 = 100%
4. Estado civil Freqüência %
Solteira 3 60
Casada 1 20
Outra 1 20
5. Nº de filhos Freqüência %
Nenhum 2 40
1 2 40
2 a 3 1 20
+ de 3 0 0
6. Escolaridade Freqüência % Especificação
Superior completo 2 40 C. Sociais; Pedagogia
Pós graduação 3 60 Metod. Ensino Superior; Educ. Especial; Literatura
7. Tempo de exercício docente Freqüência %
- 2 anos 0 0
2 a - 5 anos 1 20
5 a - 10 anos 1 20
+ de 10 anos 3 60
8. Ingresso no Seja Freqüência %
1989-1992 0 0
1993-1995 5 100
9. Regime de contrato Freqüência %
Concursado/estável 3 60
Não concursado/contratado 1 20
Não concursado/estável47 1 20
10. Experiência anterior em EBJA Freqüência %
Sim 0 0
Não 5 100
11. Outras ativ. prof. Freqüência % Especificação
Sim 5 100 Ed. especial 40 h; Ens. regular (2) 60h/20h; CAT 20h
Técnico hospitalar 30 h;
Não 0 0
12. Principais livros e autores que influenciaram formação
Autores mencionados48 Menções % Menções % Respondentes Obras citadas
Paulo Freire 5 27,77 100
Jean Piaget 4 22,22 80
Emília Ferreiro 2 11,11 40
Ana Teberoski 2 11,11 40
Lev Vygotsky 1 5,55 20
Luria 1 5,55 20
Carl Rogers 1 5,55 20
Moacir Gadotti 1 5,55 20
Alexandre Dumas 1 5,55 20 David Coperfield
Total 18 - -
13. Fatores que influenciaram a opção por EBJA:
Oportunidade de vivenciar novas experiências/ Experiência com outra faixa etária/ Havia
decidido deixar de trabalhar com pré escola, educação de adultos era a 2ª opção e foi
uma surpresa agradável/
Um trabalho pertinente com minhas concepções sobre educação
Trabalho importante para o desenvolvimento sócio-cultural do Brasil
47 Esta alternativa não existia no questionário. Entretanto, a SMED de Porto Alegre efetivou professores
não concursados, o que gerou a situação acima descrita. 48 Não houve menção a obras, apenas a autores.
14. Atividades que desenvolve Sempr
e
% Às
vezes
% Rara/e % Nunca %
Planejamento de aulas 5 100 0 0 0 0 0\ 0
Reuniões pedagógicas c/ grupos de profs. 5 100 0 0 0 0 0 0
Preparação de materiais didáticos 4 80 1 20 0 0 0 0
Leituras individuais 4 80 1 20 0 0 0 0
Reuniões pedagógicas gerais dos professores 3 60 2 40 0 0 0 0
Cursos de atualização 3 60 2 40 0 0 0 0
Pesquisa de meios auxiliares de ensino 3 60 1 20 0 0 1 20
Atividades comunitárias 3 60 0 0 1 20 1 20
Preparação de eventos (torneios, festas) 0 0 4 80 1 20 0 0
Resolução de problemas disciplinares alunos 1 20 1 20 1 20 2 40
Atividades de secretaria 0 0 2 40 2 40 1 20
Resolução de problemas de infra estrutura 0 0 2 40 1 20 2 40
Resolução de problemasde merenda 0 0 1 20 2 40 2 40
Outros: participação no Conselho Escolar (2); trabalhos extra-classe -visitas, passeios (1); participação na
Constituinte Escolar (1).
Anexo 9 - PERFIL DA EQUIPE TÉCNICA (GAP)
Total de entrevistados = 8 = 100%
1. Local de moradia: Porto Alegre = 8 = 100%
2. Idade Nº %
- 25 anos 1 12,5
25 a 30 anos 3 37,5
30 a 35 anos 3 37,5
35 a 40 anos 0 -
+ 40 anos 1 12,5
3. Sexo: Feminino = 8 = 100%
4. Estado civil Freqüência %
Solteiras 1 12,5
Casadas 7 87,5
5. Nº de Filhos Freqüência %
Nenhum 4 50
1 2 25
2 a 3 2 25
+ de 3 0 -
6. Escolaridade Freqüência % Cursos citados
Superior completo 1 12,5 Pedagogia, Letras, C. Sociais
Pós graduação incompleto 1 12,5 Letras
Pós graduação completo 6 75 Educ. Adultos 3; Alfab 2; Adm. Escolar
1
7. Tempo de exercício docente Freqüência %
- 2 anos 0 -
2 a - 5 anos 0 -
5 a - 10 anos 4 50%
10 anos e + 4 50%
8. Período de ingresso no SEJA Freqüência %
1989-1992 5 62,5
1993-1995 3 37,5
9. Função no ingresso: Docente = 8 = 100%
10. Experiência anterior em EDA Freqüência % Tipo
Não 6 75
Sim 2 25 CES, assessoria ao movimento
popular
11. Outras ativ. profis. Freqüência % Tipos
Não 4 50
Sim 4 50 Docência escola regular 20h; coordenação
pedagógica escola regular 20h; assessoria
pedagógica SMED 20h; rede estadual
Trata-se de um grupo exclusivamente feminino, com idades predominando entre os 25 e os
35 anos e, ainda que a ampla maioria esteja casada, metade dela não têm filhos. Possuem
elevada escolaridade, sendo que 3/4 já concluiu curso de pós graduação e mais de 1/3 fez
especialização em educação de jovens e adultos, embora apenas 25% delas tenha tido
experiência anterior nesta modalidade de ensino. Ainda que algumas tenham especialização
em alguma das áreas do conhecimento, a maioria são pedagogas. São docentes experientes,
todas com mais de 5 anos de magistério e metade delas com mais de 10 anos de exercício
docente. A maioria ingressou no Seja já na primeira gestão e metade delas acumula a
jornada no Seja com outra atividade de ensino ou pedagógica nas redes públicas municipal
ou estadual.
12. Atividades que desenvolve Habitual % Ocasional % Rara % Nunca %
Visita às salas de aula 7 87,5 1 12,5 0 0 0 0
Orientação individual dos professores 7 87,5 1 12,5 0 0 0 0
Reuniões pedagógicas c/ grupos de profs. 8 100 0 0 0 0 0 0
Reuniões pedagógicas gerais dos profs. 8 100 0 0 0 0 0 0
Leituras individuais 7 87,5 1 12,5 0 0 0 0
Reuniões da equipe técnica 8 100 0 0 0 0 0 0
Preparação de subsídios teóricos p/ profs. 5 62,5 2 25 0 0 1 12,5
Preparação de materiais didáticos 2 25 1 12,5 0 0 5 62,5
Provim/o de meios auxiliares de ensino 5 62,5 3 37,5 0 0 0 0
Preparação de eventos (torneios, festas) 2 25 0 0 4 50 2 25
Controle administrativo dos professores 1 12,5 7 87,5 0 0 0 0
Atividades de secretaria 0 0 0 0 7 87,5 1 12,5
Resolução problemas disciplinares
alunos
1 12,5 5 62,5 1 12,5 1 12,5
Resolução de problemas c/ funcionários 2 25 1 12,5 3 37,5 2 25
Resolução de problemas infra estrutura 2 25 5 62,5 1 12,5 0 0
Resolução de problemas de merenda 0 0 2 25 5 62,5 1 12,5
Percebe-se uma forte concentração em atividades especificamente pedagógicas, ainda que
lhes caiba freqüentemente o controle administrativo dos professores e eventualmente
assumam outros encargos administrativos. Dentre as tarefas de orientação pedagógica,
entretanto, não é comum que o GAP assuma a preparação de materiais didáticos.
13. Especialização Freqüência % Áreas do Conhecimento
Não 5 62,5
Sim 3 37,5 Língua Portuguesa (2), Ciências Sociais (1)
14. Autores49 Menções % Menções % Respondentes
Paulo Freire/ Emília Ferreiro 8 14,54 100
Jean Piaget 7 12,72 87,5
Vygotsky/ Ana Teberoski/ Miguel Arroio 4 7,27 50
Madalena Freire 3 5,45 37,5
Alícia Fernandez/ Antonio Gramsci/
Baktin/ Bertold Brecht/ Carlos Brandão/
Constance Kammii/ Eni Orlandi/ Friedrich
Engels/ Gnerre/ Henri Giroux/ Karl Marx/
Márcia Resende/ Mariano Enguita/
Sniders/
2 3,63 25
Total 55 (55) (8)
Na formação destas educadoras, é nítida a dupla influência das matrizes da educação
popular, expressa pela referência unânime a Paulo Freire (e, com menor incidência, a Carlos
Brandão), e da psicologia cognitiva, expressa pelas referências a Emília Ferreiro, Ana
Teberosky, Jean Piaget e Lev Vygotsky. Dentre os nomes menos citados, misturam-se
sociólogos da educação, lingüistas, clássicos do marxismo.
15. Fatores que influíram na opção de trabalho por EBJA:
Por opção política/ Por minha ideologia política e pedagógica / Compromisso político-
pedagógico / Desafio de colaborar com proposta político-pedagógica na qual acredito /
Opção filosófica e político-pedagógica/ A proposta municipal de educação de adultos
Contribuir para que a sociedade possa ser diferente, mais justa, onde todos participem e
sejam considerados realmente cidadãos / Qualificar as classes populares e ser por elas
qualificada pela troca de saberes, no sentido de construir outras referências solidárias,
fraternas, socialmente justas.
Não houve menção a obras, apenas a autores.
Identificação com as classes populares / Identificação com o grupo formado por
trabalhadores / Opção por trabalhar com as classes populares / Trabalho com as classes
populares
Desafio cotidiano / Um novo desafio como pessoa e profissional
Conciliar trabalho (profissão) com participação (atuante)
O curso de Pós Graduação em Educação de Adultos
O trabalho deu nova dimensão à opção pela educação
Inicialmente, foi curiosidade
A elevada motivação para o trabalho com educação de adultos é claramente permeada por
uma intencionalidade política de formação para a cidadania e para a transformação social e
revela forte identidade com os educandos provenientes das classes populares, aos quais se
atribui a posse de um saber válido.