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ARTE, FILOSOFIA E CINEMA Maria de Lourdes Secorun Inácio * [email protected] Desde os primórdios da humanidade sempre houve um interesse inegável sobre as artes. Em todas as épocas, os pensadores, filósofos, teóricos refletiram sobre as relações entre a arte e a vida social e sobre a maneira pela qual os homens se comportavam diante das obras de arte submetidas a seus julgamentos. Procuravam determinar o lugar e a função das artes na sociedade e que sentimento despertava nos homens. Platão exerceu profunda influência no pensamento ocidental no tocante à estética. Para ele a arte desempenha um papel pedagógico para formar um homem reto e sábio e a se comprometer com a vida política. A arte deve submeter-se à filosofia e estar sobre constante vigilância do filósofo, somente ele sabe o que é bom para os cidadãos, conhece os meios que previnem a decadência dos homens e governos. Com a decadência moral e política e o caos instalado em Atenas à arte cabia o papel de combate à corrupção e o imoralismo, por isso era cabível o pensamento de Platão que deveria ser censurada, regulamentada e se necessário, excluída. Platão respeita a beleza, mas desconfia da arte. Ela só se torna um assunto maior quando controlada pela filosofia. Para Aristóteles a arte é benéfica tanto para o individuo como para a sociedade, mas permanece ligada ao projeto de organização política. O homem é um ser social e político por natureza que aspira viver em * Acadêmica do Curso de Filosofia Instituto de Filosofia Padre Berthier –Passo Fundo RS Telefone (54) 30455406 (54)33111838 - Endereço: Rua José Bonifácio, 230/ 501 - Bairro Rodrigues - Passo Fundo_RS - CEP-99-070-070.

Maria de Lourdes Secorun Inacio IFIBE

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ARTE, FILOSOFIA E CINEMA

Maria de Lourdes Secorun Inácio*

[email protected]

Desde os primórdios da humanidade sempre houve um interesse

inegável sobre as artes. Em todas as épocas, os pensadores, filósofos,

teóricos refletiram sobre as relações entre a arte e a vida social e sobre

a maneira pela qual os homens se comportavam diante das obras de

arte submetidas a seus julgamentos. Procuravam determinar o lugar e a

função das artes na sociedade e que sentimento despertava nos

homens.

Platão exerceu profunda influência no pensamento ocidental no tocante

à estética. Para ele a arte desempenha um papel pedagógico para

formar um homem reto e sábio e a se comprometer com a vida política.

A arte deve submeter-se à filosofia e estar sobre constante vigilância do

filósofo, somente ele sabe o que é bom para os cidadãos, conhece os

meios que previnem a decadência dos homens e governos. Com a

decadência moral e política e o caos instalado em Atenas à arte cabia o

papel de combate à corrupção e o imoralismo, por isso era cabível o

pensamento de Platão que deveria ser censurada, regulamentada e se

necessário, excluída. Platão respeita a beleza, mas desconfia da arte.

Ela só se torna um assunto maior quando controlada pela filosofia.

Para Aristóteles a arte é benéfica tanto para o individuo como para a

sociedade, mas permanece ligada ao projeto de organização política. O

homem é um ser social e político por natureza que aspira viver em

* Acadêmica do Curso de Filosofia Instituto de Filosofia Padre Berthier –Passo Fundo RS Telefone (54) 30455406 (54)33111838 - Endereço: Rua José Bonifácio, 230/ 501 - Bairro Rodrigues - Passo Fundo_RS - CEP-99-070-070.

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família, numa aldeia, numa sociedade civil, nessas comunidades a arte

se realiza.

Aristóteles divide as ciências em três classes: Teoria, Práxis e Poiesis. A

Teoria é a visão contemplativa da verdade e pertence à Filosofia.

Práxis é ação, ciências práticas que não ensinam a produzir, mas a agir.

São a Ética e a Política. Poiesis é criação, produção. São as ciências

produtivas que ensinam a fazer alguma coisa que ainda não existe

(fazer um arado, espada, poesia, música, estado, leis). A Arte é

produção e Aristóteles faz a distinção entre as artes mecânicas e as

artes liberais. A arte liberal é considerada como uma atividade

intelectual. Para Aristóteles a arte pode ter fim educativo como também

recreativo.

A mímese, ato de imitar, é segundo Aristóteles, uma tendência natural

e apreciada, pois traz prazer para ambos – artista e público. Numa

linguagem marcada por atrativos especiais, gestos, representações,

imitações que são feitas por personagens em ação suscitam emoções

diversas. Esse processo de identificação de emoções que levam o

espectador à purificação dá-se o nome de catarse. O espectador sai do

espetáculo purificado, apaziguado.

Aristóteles considera a Arte como superior à história. O objeto da arte

não é o que aconteceu uma vez – caso da história –mas, o que por

natureza deve, necessária e universalmente acontecer.

Deste seu conteúdo inteligível, universal, depende a eficácia espiritual,

pedagógica e purificadora da arte. A Arte é, pois, produção mediante

imitação e a diferença entre as várias artes é estabelecida com base no

objeto ou no instrumento de tal imitação.

Kant elaborou a primeira filosofia sistemática da estética e a primeira

exposição sistemática dos problemas lógicos nela envolvidos. A estética

kantiana esclarece e faz uma remodelagem da problemática da estética

até então, no que diz respeito às relações entre o sujeito e a realidade,

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às relações entre a arte e a natureza, ao papel de imitação nas belas

artes, ao papel intermediário da arte entre o conhecimento e a moral.

A apreciação da beleza é uma espécie de intuição imediata e apesar de

ser um juízo de gosto particular, pressupõe uma universalidade

baseado no senso comum, é um prazer desinteressado, onde não existe

elemento de desejo ou de inclinação privada, variando de homem para

homem. Os juízos estéticos são singulares, afirmam a beleza de um

objeto particular, não como membros de uma classe. Kant afirma que as

coisas podem adaptar-se a nossa capacidade de conhecimento, de

forma teórica, raciocínio, construção cientifica, ou em forma de

apreensão imediata, através da percepção sensual ou da intuição

intelectual. Quando captamos perceptivamente uma coisa independente

de qualquer raciocínio dela, ou de qualquer análise intelectual, fruímos

de uma experiência estética e chamamos bela a coisa.

A beleza livre pertence às coisas que julgamos sem qualquer conceito de

perfeição ou utilidade, como certas formas naturais e as artes não

representativas. Os juízos estéticos devem ser livres de interesse, o

objeto dessa satisfação livre de qualquer interesse, chama-se belo.

Kant exclui da atitude estética considerações de vantagem,

desvantagem, desejo de posse e uso, e também qualquer interesse pela

existência de uma coisa, imprimindo um feitio metafísico à doutrina.

As idéias estéticas são aquelas que põem em funcionamento uma série

de pensamentos e fantasias despertadas pelo sentimento emocional,

mas jamais serão traduzidas em conceitos.

Nossa faculdade de apreensão ou percepção dos objetos, a principio,

não variam de pessoa, são válidos para todas as pessoas. Não há

necessidade que tenhamos conhecimento prévio acerca da arte para que

possamos apreciá-la.

Hegel afirmará a autonomia da estética. Para ele arte inserida na

história é a revelação, o aparecimento do absoluto sob uma forma

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sensível. O sistema do espírito absoluto em Hegel obedece a uma

hierarquia composta pelas figuras da arte, da religião e da filosofia,

respectivamente. As três esferas do Espírito Absoluto são pensadas

como automediação da Idéia. O privilégio da arte está em manifestar-se

sob a forma da sensibilidade.

A arte é um produto que só pode ser feito pelo e para o homem, por

isso, a sua superioridade em relação à natureza. O belo da arte é fruto

do trabalho espiritual, e esta condição de espiritualidade é humana. A

Arte é a manifestação sensível, perceptível, do que os homens, os

povos, as civilizações conceberam graças a seus espíritos e exprimiram

graças à criação de obras de arte concretas.

Para Hegel a unificação entre o espiritual e o natural apenas pode se dar

no nível lógico do pensamento. Hegel afirma a superioridade do belo

artístico sobre o belo natural, o belo artístico é produção humana, que é

sempre superior ao belo da natureza, porque participa do espírito e

porque o espiritual é superior ao natural. No âmbito do natural, a

natureza se encontra no nível da não-liberdade, assim, o grau de

alienação do espírito na natureza varia de acordo com o

desenvolvimento da própria vida.

No caso da obra de arte, este é um produto de um trabalho que atende

ao interesse da subjetividade que se mostra como livre. É a superação

da arte sobre a natureza e sobre a vida prosaica na qualidade de

idealização da arte, ou seja, o conteúdo de liberdade e autonomia da

arte.

Para Hegel, o belo é a própria realidade concreta, apreendida em seu

desdobramento histórico. Quando esta realidade torna a forma sensível

do belo artístico, ela determina o Ideal do belo – e este aparece na

história sob três formas: - a arte simbólica, - a arte clássica, - a arte

romântica. Cada uma dessas artes traduz a maneira pela qual a

imaginação dos homens pensa poder dar forma a um conteúdo. Na arte

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simbólica, egípcia, a Idéia, ainda não encontrou sua expressão

verdadeira, ela é prisioneira da natureza exterior e da natureza

humana. No simbolismo egípcio o espiritual ainda não atingiu sua plena

liberdade. A arte clássica, grega, representa a perfeita adequação da

forma e conteúdo. A técnica é tão perfeita que domina completamente

a matéria sensível e a submete às ordens do Criador. É na arte

romântica que a espiritualidade atinge seu apogeu. É a arte romântica

de uma interioridade absoluta e a subjetividade consciente de sua

autonomia. Ela produz obras magníficas em pintura, música, literatura,

poesia. Hegel afirma que ela atinge seu apogeu e seu fim. Em sua

reflexão, o fim da arte romântica marca o inicio da arte e estética

modernas, dando continuidade ao processo histórico.

Para Marx, todas as nossas representações repousam sobre uma base

econômica determinada pela produção e pelo comércio material dos

homens. O mesmo acontece com a arte e a cultura: elas não são

emanações de um poder supra-sensível ou de uma faculdade

transcendente, menos ainda de uma vontade divina, são produtos de

uma sociedade organizada e estruturada pelos intercâmbios

econômicos, da mesma forma que a política, as leis, a religião, a

metafísica e a ética.

As atividades artísticas estão incluídas na ideologia, são forjadas por

uma sociedade num dado momento de sua história, segundo o estágio

de desenvolvimento material e econômico que tiver atingido. A obra de

arte é produto de um trabalho peculiar que produz um objeto útil que

satisfaz uma necessidade humana – a necessidade de se expressar,

afirmar e comunicar que sente o artista imprimindo determinada forma

a uma matéria. O homem produz obras de arte por uma necessidade, de

acordo com sua capacidade para satisfazer essa necessidade. Neste

sentido não existe a arte gratuita, o produto artístico tem um valor de

uso, uma utilidade. Não existe a arte pela arte, mas a arte em relação

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às necessidades humanas. Pelo seu valor de uso a obra de arte é o

produto de um trabalho concreto, específico, peculiar, cuja peculiaridade

se acha determinada pelo conteúdo que se quer fixar no objeto

concreto-sensível e pela forma que se deve imprimir a essa matéria

para poder expressar e objetivar esse conteúdo. Cada obra de arte é

única e irrepetível. Mesmo que para o capitalismo, a obra de arte só

interesse sob a forma de produção de mais valia, objeto de troca ou

produto para o mercado, o artista para Marx é um homem concreto,

com necessidades de manifestações vitais e onde não apenas a arte,

mas o próprio trabalho é a expressão da natureza criadora do homem.

Para Adorno, a arte não é mais algo espontâneo e, na sociedade atual,

sua existência está ameaçada. Mas a arte não pode ser ignorada em

seu potencial. É nela e através dela que o ser humano desenvolve sua

totalidade É onde a racionalidade é exercida de forma que o ser

humano atinge sua potencialidade e transforma-se numa espécie única.

A arte é o refugio da racionalidade.

Desde a antiguidade clássica a arte é analisada. Perpassando pelos

pensamentos de Platão, Sócrates, Kant, Hegel, Marx e culminando em

Adorno, deparamo-nos com visões diferentes sobre a arte, mas em

comum todas demonstram preocupação em definir o papel da arte e

sua influência sobre o homem e a sociedade. A evolução, mudança nas

respostas não chegou jamais a uma conclusão única. Hoje, mais

profundamente nos questionamos sobre a função da arte. Mais

especificamente sobre as artes visuais, em particular o cinema, visto

que nossa geração é predominantemente visual. A influência do cinema

é positiva ou negativa? Conseguimos criar uma sociedade crítica ou

sofremos a pressão exercida pelas grandes corporações que têm como

objetivo estimular o consumo, reproduzir um sistema de dominação

cultural, impor e homogeneizar costumes e hábitos, padronizar

comportamentos, tornar-nos uma grande massa homogênea, ou temos

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conseguido criar uma, ainda que pequena, mas significativa,

comunidade que exerce a atividade crítica, artistas preocupados em

elevar a arte a sua verdadeira significação?

A arte cinematográfica quando vista num horizonte amplo é percebida

como instrumento de dominação. Não se pode negar que a Indústria

Cultural visa o lucro, a confirmação da sociedade vigente, o

consumismo. Não há critérios outros que não sejam os resultados

rápidos, o estímulo ao consumo, etc. Tomando como exemplo o filme O

Dia da Independência, não há critérios lógicos na construção do roteiro.

Mas em contrapartida, temos filmes como 2001 uma Odisséia no

espaço. Considerada uma das maiores obras primas já produzidas no

cinema. A questão que levanto é: o homem é um ser livre. A arte como

manifestação do absoluto no homem, não é passível de

condicionamento. O homem quando capaz de desenvolver através da

racionalidade uma obra de arte, utiliza-se de senso crítico, estético, sua

obra de arte não visa interesses, ela é em si uma manifestação da

exteriorização de sua racionalidade. A verdadeira criação artística não se

agrilhoa a nenhum interesse.

O cinema pode penetrar nos recantos mais intimistas do ser, fustigando

as sensações, emoções e sentimentos mais profundos. Ele tem o poder

de entrelaçar as teias simbólicas das infinitas culturas tramadas ao

longo da história. Os livros fabulosos, as fábulas mais verossímeis, os

épicos arrebatadores, as tragédias insólitas e os afetos mais nobres,

filmes que atuam no imaginário coletivo como sinalizador das

experiências de êxtase, ternura, amor, ódio, perplexidade, são

materializados na visibilidade do cinema. São narrativas que condensam

as afetividades mais extremas dos seres humanos. Isto propicia uma

aproximação das fronteiras mais distintas, acalenta os desejos mais

profundos da humanidade. Não há como negar que na indústria

cinematográfica é elaborado estrategicamente um repertório persuasivo

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de informações, emoções, sentimentos prontos para serem consumidos

pelas massas. Existe um componente de dominação na ideologia do

cinema, por isso se faz necessário que esse componente seja lembrado

e atualizado e também o sejam as críticas. Mas, existem também

olhares ácidos sobre o consumismo, o individualismo e as segregações

étnicas, sócias, econômicas e sexistas, a sétima arte com um motor

para a fruição das experiências da estética, da poética e catarse.

A experiência cinematográfica funciona como uma grande atração que

une sensorialmente todos os seres humanos. É necessário lançar um

olhar sobre o cinema buscando ver além das dimensões organizacionais

e financeiras que estruturam essa indústria e contempla-lo como uma

expressão da sétima arte. O tema transita pelas interfaces da mídia,

sociedade, política, educação, mantendo conexões permanentes com a

ética e a estética. Faz-se necessário um olhar crítico para que se possa

discernir entre produtos da indústria cultural e arte propriamente dita. A

arte tem o poder de atingir o ser humano em sua subjetividade e é,

portanto um instrumento de libertação, conscientização e emancipação.

Portanto, o Cinema é a arte que integra todas as seis outras artes, a

saber: Música, Pintura, Escultura, Arquitetura, Literatura, Coreografia e,

neste sentido, pode contribuir com a formação cultural dos sujeitos.

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