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Anais do XXIII Congresso Internacional da Associação Brasileira de Professores de Literatura Portuguesa (ABRAPLIP) ISBN 978-85-7862-215-2 771 PAISAGEM COM MULHER E MAR AO FUNDO: UMA LEITURA FILOSÓFICO-LITERÁRIA DA OBRA DE TEOLINDA GERSÃO 1 Maria Elvira Brito Campos 2 Francisca Marciely Alves Dantas 3 Geisiane Dias Queiroz 4 Rafael Gonçalves Freire 5 Analisar um romance de Teolinda Gersão implica imergir nos diversos campos do saber aos quais a escritora nos leva, a começar pelo estudo da teoria do romance tradicional, tendo em vista que a obra Paisagem com mulher e mar ao fundo, publicado em 1982, nos remete à técnica narrativa que se convencionou chamar Nouveau Roman, principalmente no tocante à unidade estrutural da obra, pois, como nos afirma Lucien Goldmann (1976), há um desaparecimento mais ou menos radical do personagem e de um reforço correlativo não menos considerável da autonomia dos objetos” (1976, p. 174; grifo do autor). Teolinda Gersão é uma escritora que vivenciou um contexto histórico permeado de mudanças no cenário literário português, que propiciou uma maior liberdade na construção romanesca. A observação das personagens nos encaminha, também, aos estudos existencialistas da linha sartriana, a partir dos seus postulados acerca da consciência da existência e de 1 O presente artigo é fruto das discussões engendradas pelos membros do Grupo de Estudos de Literatura Portuguesa Contemporânea GELPC, o qual faz parte de um projeto denominado Do Existencialismo na Literatura Portuguesa Contemporânea: uma leitura em andamento, desenvolvido pelos mesmos e tem como objetivo delimitar os resquícios existencialistas nas obras de autores portugueses da contemporaneidade. 2 Professora Doutora da Universidade Federal do Piauí, orientadora de Iniciação Científica, coordenadora do GELPC - [email protected]. 3 Graduanda do curso de Letras da Universidade Federal do Piauí, bolsista de PIBIC e membro do GELPC - [email protected]. 4 Graduanda do curso de Letras da Universidade Federal do Piauí, bolsista de PIBIC e membro do GELPC - [email protected]. 5 Graduando do curso de Letras da Universidade Federal do Piauí, participante do ICV e membro do GELPC - [email protected].

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PAISAGEM COM MULHER E MAR AO FUNDO: UMA LEITURA

FILOSÓFICO-LITERÁRIA DA OBRA DE TEOLINDA GERSÃO1

Maria Elvira Brito Campos2 Francisca Marciely Alves Dantas3

Geisiane Dias Queiroz4 Rafael Gonçalves Freire5

Analisar um romance de Teolinda Gersão implica imergir nos diversos campos do

saber aos quais a escritora nos leva, a começar pelo estudo da teoria do romance

tradicional, tendo em vista que a obra Paisagem com mulher e mar ao fundo, publicado em 1982,

nos remete à técnica narrativa que se convencionou chamar Nouveau Roman, principalmente

no tocante à unidade estrutural da obra, pois, como nos afirma Lucien Goldmann (1976),

há um desaparecimento mais ou menos radical do personagem e de um reforço correlativo não menos

considerável da autonomia dos objetos” (1976, p. 174; grifo do autor). Teolinda Gersão é uma

escritora que vivenciou um contexto histórico permeado de mudanças no cenário literário

português, que propiciou uma maior liberdade na construção romanesca.

A observação das personagens nos encaminha, também, aos estudos existencialistas

da linha sartriana, a partir dos seus postulados acerca da consciência da existência e de

1 O presente artigo é fruto das discussões engendradas pelos membros do Grupo de Estudos de Literatura Portuguesa Contemporânea – GELPC, o qual faz parte de um projeto denominado Do Existencialismo na Literatura Portuguesa Contemporânea: uma leitura em andamento, desenvolvido pelos mesmos e tem como objetivo delimitar os resquícios existencialistas nas obras de autores portugueses da contemporaneidade. 2 Professora Doutora da Universidade Federal do Piauí, orientadora de Iniciação Científica, coordenadora do GELPC - [email protected]. 3 Graduanda do curso de Letras da Universidade Federal do Piauí, bolsista de PIBIC e membro do GELPC - [email protected]. 4 Graduanda do curso de Letras da Universidade Federal do Piauí, bolsista de PIBIC e membro do GELPC - [email protected]. 5 Graduando do curso de Letras da Universidade Federal do Piauí, participante do ICV e membro do GELPC - [email protected].

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como isso é mostrado na narrativa. Considerando isso, a escrita da referida autora nos

permite trazer à reflexão a condição humana em sua complexidade. Tema discutido desde a

Antiguidade, partindo da concepção socrática, o romance Paisagem com mulher e mar ao fundo

consubstancia em suas entrelinhas os conceitos e categorias ontológicas relacionadas ao

pensamento acerca da existência.

Assim, a problematização existencial e a angústia de existir podem ser visualizadas

no estudo das personagens e, sobretudo, do narrador, sendo este o condutor do enlevo

existencial na trama narrativa. Os desdobramentos frente às atitudes dos sujeitos ficcionais

revelam um estado pertencente ao ser humano: a condição do Dasein6. A fim de se alcançar

tal objetivo, buscamos nesse estudo aporte teórico no pensamento existencialista de Jean-

Paul Sartre, cujas obras O existencialismo é um humanismo (1987) e O ser e o nada (2007) do

referido filósofo fundamentam o estudo aqui proposto. Os conceitos de morte, finitude,

angústia, má-fé, dentre outros, são o cerne da expressão da condição humana que a obra

nos remete. Assim, o desconcerto de mundo camoniano dialoga com a temática

existencialista.

Em Paisagem com mulher e mar ao fundo (1996) nos deparamos com uma narrativa que,

a partir de sua fragmentação textual, nos retrata a extrema melancolia dos personagens, ao

mesmo tempo em que demonstra uma época vivida sob regime ditatorial. Vidas quebradas

e estilhaçadas, sentimentos transpostos para a superfície do texto de maneira bem

arranjada. Como nos revela a autora no prefácio: “O resto do texto também não é meu. De

6 Heidegger considera que somente o homem é susceptível de se interrogar e de lhe dar a capacidade de “ser-aí”. Em outros termos, o Dasein é a própria possibilidade para o homem de interrogar o ser, ao mesmo tempo em que a condição para que o ser esteja presente e seja interpretável. Cf. HEIDEGGER, M. Ser e tempo. Tradução de Márcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes/Bragança Paulista: Ed. Univ. São Francisco, 2002, Parte I, especialmente o §4, pp. 38-39. (HUISMAN, Denis. História do existencialismo. São Paulo: EDUSC, 2001. p.103)

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diversos modos foi dito, gritado, sonhado, vivido por muitas pessoas, e por isso o devolvo,

apenas um pouco mais organizado debaixo desta capa de papel, a quem o reconheça como

coisa sua” (GERSÃO, 1996, p.9). Assim, Teolinda emerge como uma escritora que soube

delinear com perfeição, porém, sem perder a delicadeza e a sensibilidade, a construção dos

seus personagens dentro da tessitura narrativa.

O romance em questão é intensamente marcado pela presença de duas mulheres,

Hortense e Clara, que sofrem profundamente por terem perdido pessoas importantes em

suas vidas, em decorrência do cenário político português. O fascismo serve como pano de

fundo para se construir o romance, o qual é referenciado pela sigla O.S. (Oliveira Salazar),

que provocou a morte dos personagens Horácio e Pedro. Num drama político sufocante, o

fascismo cerca toda a narrativa “[...] levantando-se acima de todas as coisas, fazendo parar

o país, parar o tempo, retroceder séculos atrás [...]” (GERSÃO, 1996, p.88) e, se entrelaça à

história de vivência humana de Hortense e Clara.

O enredo é articulado numa malha de ações que vão e vem, no qual passado e

presente estão em constante movimento. As lembranças de Hortense, narradora principal,

fazem com que esta mergulhe em incerteza e angústia, levando-a a refletir sobre sua vida e

a realidade a qual se encontra. Assim, o discurso literário moderno se concretiza como um

processo dinâmico que permite fundir imagens poéticas diversas, fazendo menção tanto à

memória quanto ao contexto real dos personagens. Este mesmo discurso condensa na

narrativa o que poderíamos caracterizar como uma quebra do tempo ficcional, a qual ilustra

a descontinuidade da consciência humana, advinda da irreversibilidade do tempo.

Partindo disso, a morte do marido Horácio e do filho Pedro, ambos arquitetos,

deixam Hortense totalmente desnorteada e sem rumo, apenas com um “[...] pequeno

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coração mecânico batendo” [...] (GERSÃO, 1996, p.24). O sofrimento da perda vivenciado

por ela a conduz ao fundo de sua existência, fazendo com que ela se afogue nas próprias

dores, tentando se reconstruir a partir de sua memória: “Quero o homem que eu amei e

quero o meu filho – Horácio debruçado sobre os desenhos, quando ela entrasse em casa,

chamaria Pedro da janela [...]” (GERSÃO, 1996, p.158). Momentos vividos e

experimentados que dão à mesma a oportunidade de conhecer a si própria e descobrir até

onde vai o limite de suas forças.

Situações que cruzam conflito existencial e busca de resposta: “[...] ela andava em

todos os sentidos do vento e continuava emparedada, como vento andando em roda,

dentro de muros, enrodilhando-se, enovelando-se sobre si mesmo [...]7” (GERSÃO, 1996,

p.17). A comparação feita textualmente revela o estado de subjetividade intensa suportado

por Hortense, num movimento de desconfiguração que a leva ao confronto consigo

mesma. Esse mesmo confronto nos faz lembrar a compreensão filosófica socrática,

recomendada na proposição “Conhece-te a ti mesmo” 8, a qual revela um convite ao

conhecimento do eu, do extremo cuidado de entender os valores humanos, ainda que seja

num momento trágico da existência.

O esvaziamento existencial, por causa da morte do marido e do filho, transforma

Hortense em um ser em total estado de divagação, como “[...] um qualquer objeto leve

lançado ao sabor do vento, sem rumo próprio, sem vontade, sem peso, não hajo, não

desejo, não tenho finalidade, nada mais quero do que ficar aqui [...]” (GERSÃO, 1996, p.

14). O desgarramento de si, a partir da negação total de sua vida, põe em questão seu

próprio ser, afastando-a do mundo e aproximando-a dos seus questionamentos existenciais.

7 Todos os exemplos citados foram retirados conforme o texto original. 8 HUISMAN, Denis. História do existencialismo. Bauru/SP: EDUSC, 2001, p.16.

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A experiência do momento vivenciada por Hortense a carrega, de maneira dolorosa

e sofrida, ao seu passado. Dessa maneira, o limite temporal entre passado e presente que

encerra a vida humana e molda a existência leva o eu - lírico da narrativa a sentir a dor e o

peso de sua existência. A fragmentação do eu, a qual desvenda o sujeito do romance,

demonstra o sentimento de estranheza do homem em relação a si mesmo. Nesse sentido, o

não reconhecimento de um “eu” no presente e a saudade incessante de um “eu” que ficou

para trás são percepções que provocam no homem o encontro profundo com os seus

anseios e consternações. Sentimentos que perpassam na consciência em determinadas

circunstâncias da vida e faz com que o homem reflita sobre a sua condição existencial,

porquanto que “o tempo separa as coisas de si mesmas, fazendo que se tornem outras, e

também separa o ser humano de si mesmo – de suas dores e de suas alegrias” (SILVA,

2004), cabe ao ser humano aprender a conviver com isso.

Assim, as vivências íntimas propiciadas por sua memória, deixam Hortense

desiludida em relação ao momento presente: “todos os dias são de festa em minha vida,

pensou trazendo mais vinho da cozinha e rasgando o vestido de flores que se prendeu na

porta, ela era feliz e não desejava talvez mais nada, tudo o que sonhara ela tinha [...]”

(GERSÃO, 1996, p. 85). Percebe-se como a voz da narrativa entra em confronto com a

voz feminina, apontando de maneira bem marcada para o passado de Hortense, como

profundo conhecedor dos seus desvairamentos e devaneios.

Dessa maneira, o desconcerto de mundo nos é apresentado no desconforto

aparente do convívio entre sogra e nora. Numa das situações que ilustram esse

desequilíbrio, temos metafórica imagem da mala por ser desfeita, representando a

possibilidade de fuga da nora, a mala fechada, os guardados, as lembranças:

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E aquela forma leve de viver no provisório, a maneira experimental que eles [Pedro e Clara] tinham de viver as coisas, como se fosse possível não sofrer se um dia um deles descesse sem ruído as escadas e não voltasse mais [...] e a vida assim vivida ao de leve, com todas as portas abertas, os ia ligando insensivelmente mais e mais (GERSÃO, 1996, p. 44).

Para Suely Fadul, em O Leitor e o Labirinto (1997), na ficção portuguesa

contemporânea “se sobressai a voz polarizada do narrador, concentrando em si toda a

problemática e as visões das outras figuras do romance”, tendo esta uma percepção de

mundo que às vezes sufoca o personagem na narrativa. No entanto, isso possibilita uma

reflexão da subjetividade psicológica do ser ficcional, a partir do olhar enigmático do

narrador, dando margem ao caráter da alteridade humana.

Considerando isso, a personagem de Teolinda se encontra despedaçada, totalmente

exaurida em si mesma, não há mais um sentimento de espera que a faça existir de forma

plena, pois, essa “[...] acorda numa casa vazia levanta-se devagar, porque também o seu dia

é longo e por nenhuma coisa preenchido” (GERSÃO, 1996, p.38). Então, ela procura

quietamento e solução na própria morte, a fim de acalmar seu desespero existencial. Em

Paisagem com mulher e mar ao fundo o enredo se constrói nesta luta insuportável entre

Hortense e a morte. O próprio título sugere essa significação, o confronto entre a mulher e

o mar: “Contra o seu infinito a minha finitude” (GERSÃO, 1996, p.79), ou seja, a

pequenez humana e limitada diante do espectro misterioso da morte.

Assim, os desejos e perspectivas de Hortense já não existem mais, nada faz sentido

“[...] porque já não tinha a perder coisa alguma, pensou com o rosto encostado aos vidros.

Morrer era fácil e poderia morrer se quisesse. A partir de agora dominava inteiramente a

sua vida, poderia escolher uma hora no mostrador do relógio e morrer nessa hora [...]”

(GERSÃO, 1996, p.14). A compreensão do sentido da morte por Hortense assume outra

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significação, porque antes de perder seus entes queridos, ela não se impressionava com

isso:

Sorriu, procurando no armário: um dia morreria, morreriam, mas era um pensamento sem angústia. Também as plantas morrem, mas continuam noutras, frutificam. Não há nada de irremediável no abrir e fechar dos ciclos. Continuam sempre, recomeçam. Por que não envelhecer também, passar. Era uma ideia tranquila e quase doce. Porque nada se perdia, estavam sempre nascendo. Descobrindo. (GERSÃO, 1996, p.83)

No entanto, agora tenta tirar a própria vida, enxergando na morte um horizonte

possível. O que lhe parece contudo, é que “a morte jamais é aquilo que dá à vida seu

sentido: pelo contrário, é aquilo que, por princípio, suprime da vida toda significação”

(SARTRE, 2007, p.661), pois o ser humano só encontra contentamento no próprio ser.

Hortense quer preencher aquilo que lhe falta com a morte, pois se encontra “sem palavra

alguma, porque quando deixava de acreditar numa coisa ela caía para o caos ou para o

nada, deixando atrás de si a sua imagem vazia. Serem acreditadas era a força das coisas, mas

ela deixara de acreditar e por isso o mundo era só transparente” (GERSÃO, 1996, p.19).

Em uma visão que se norteie pela proposta existencialista, o ser humano vive

buscando uma maneira de preencher o vazio que existe em seu interior, pois, para ele há

sempre algo a se buscar, nada está totalmente acabado. Todavia, esse mesmo homem se

apavora nos momentos de desespero e busca, de forma equivocada, a morte como a única

saída. No romance, Hortense tem total consciência da escolha pretendida e é livre para

decidir: “Nenhum poder do mundo a obrigaria a viver, se ela não quisesse, e isso era

incrivelmente fácil (...) a partir desse ponto, fácil como deixar cair das mãos uma coisa de

vidro, que se iria despedaçar contra o chão” (GERSÃO, 1996, p.19).

A agonia de ter que escolher deixa Hortense ainda mais perdida em si mesma, pois

“a angústia faz que me coloque já no meu futuro, sem nada saber dele; faz que eu me veja a

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partir do meu passado, sem que possa me apoiar nele” (SILVA, 2004, p.74). Sendo assim,

os acontecimentos vividos ficam para trás, se petrificam num dado momento chamado

pretérito e não podem ser revividos, ficam apenas na memória.

Dessa maneira, o ser humano é um eterno ser-em-situação, está sempre a escolher.

Mesmo “se não escolher, assim mesmo estarei escolhendo” (SARTRE, 1970, p.17), pois a

realidade temporal obriga o homem a se escolher frente às várias possibilidades que lhe são

impostas. Ainda que seja uma existência forçada e sufocante, Hortense precisa realizar

escolhas, pois “[...] o tempo sai dos seus trilhos e enovela-se em confusos nós vertiginosos”

(GERSÃO, 1996, p.62), que precisam ser definidos. Atentemo-nos na maneira como o

narrador, num instante espontâneo, se posiciona dentro da narrativa a respeito da vida de

Hortense, tentando mostrar-lhe o caráter de facticidade que envolve a condição humana:

Sua vida parada à beira mar. A areia deserta, a maré baixa, o recuo das ondas. A vida era isso, uma pulsação, uma alternância de vazio e pleno. Tempos houvera em que estivera tão dentro de si que era uma sensação vertiginosa ouvir o seu próprio coração batendo. Mas agora a vida ficava longe, como um rumor difuso [...] (GERSÃO, 1996, p.53).

Reportando-nos à facticidade, em Paisagem com mulher e mar ao fundo temos, de início, o

enfrentamento das personagens ante o inelutável, o inadmissível: a morte dos dois entes,

marido e filho, a angústia de ambas. Horácio, arquiteto e professor, foi assassinado. A

família de Hortense se acostumou a viver desconfiada: qualquer pessoa nova no círculo

exigia alguma investigação, desconfiança, já que esta poderia ser espiã do governo fascista e

poderia pôr em risco as pessoas de seu grupo, ativistas.

As três personagens, Horácio, Pedro e Clara se mostram em grande parte da obra

conscientes de sua existência e das possibilidades de escolha: eles são cientes de sua

liberdade. Após a morte de Horácio, Hortense, em seu luto, rememora:

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(...) mas os outros, os outros, existe um mundo, além de nós, dissera Pedro, e também Clara, quando Horácio morrera, é preciso não se fechar em si próprio como se se fosse a única pessoa a sofrer no mundo e nada mais existisse, porque é em ti mesma que tem que existir o teu próprio centro, a tua revelação com o mundo tem de ser directa, sem alibis nem subterfúgios, não podes viver através de ninguém a tua vida, onde existes tu mesma para além das imagens que nos dás te ti, das imagens falsas (GERSÃO, 1996, p. 54).

Clara e Pedro acentuam que a opção de escolha deve partir dela, Hortense. É ela

quem escolhe se deseja sofrer ou aceitar o fato ocorrido e viver apesar de. Segundo Sartre, os

acontecimentos são finitos, o que já ocorreu está no passado e lá deve ficar, cabe a nós

superarmos, transpor este passado e nos projetarmos para um futuro, próximo ou distante,

mas tendo sempre a consciência de que o que passou jamais poderá ser mudado.

(...) mas os outros, os outros, dissera Pedro, e também Clara, mas as muitas possibilidades das coisas, disseram, porque nada está nunca terminado enquanto se está vivo e é sempre possível recomeçar de outro modo, de repente estender a mão e inverter os termos da relação com o mundo, porque a vida se faz com as mãos, disse Clara, é apenas uma questão de desejar com força, de sonhar com força [...] e de súbito há um outro horizonte possível, porque o mundo está ainda muito imperfeitamente inventado (GERSÃO, 1996, p. 56).

Chega então o momento da partida de Pedro, e já é sabido por Clara e Hortense que

é uma partida sem volta. Pedro vai para a Guerra Colonial em África9 e pede que nenhuma

das duas veja-o embarcando no navio. Como esperado, não se tem notícias de sua chegada

e resta então imaginar como será sua morte: “que tua morte seja ao menos instantânea,

fulminante, uma queda vertical no escuro, quanto tempo esperaste ainda pela morte,

quanto tempo ainda, depois de cair por terra” (GERSÃO, 1996, p. 66).

9 Denomina-se Guerra Colonial (1961 – 25 abril 1974) o período em que as Forças Armadas Portuguesas lutaram contra as forças organizadas de libertação de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau.

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Já pelo nome, o romance nos sugere a ideia de um quadro, uma fotografia, uma

pintura: uma Paisagem com mulher e mar ao fundo. Ao apresentar a narradora-personagem,

apresenta o retrato de Portugal num momento de repressão, de perda/retenção/apreensão

da liberdade de um povo pelo ditador Oliveira Salazar. Quando perde a família, Hortense

entra em estado de total introspecção. O romance ora narrado em terceira ora narrado em

primeira pessoa revela o estado da personagem e mostra uma evolução em sua condição

introspectiva. No início do romance todo o ambiente é infértil, os objetos são formados

por restos, como se observa no primeiro parágrafo. Note-se também que a escritora

permanece fiel à ideia de quadro, proposta no título do romance:

O que se via da janela: um campo com árvores dispersas, alguns telhados emergindo de onde em onde, um chão amarelo de restolho, clareiras de terra nua. Escasseava, portanto, o verde, e quando se olhava assim de longe, de dentro da casa, numa manhã de neblina, a cor das árvores, na linha do horizonte, era igual à do céu, apenas ligeiramente mais escura (GERSÃO, 1996, p. 11).

No estudo comparativo das categorias ontológicas de Sartre que sinalizam o ser-em-

si, ser-para-si, ser-para-o-outro10 e Paisagem com mulher e mar ao fundo, interpreta-se este,

dividido em três partes, como o processo de tomada de consciência. Na parte primeira,

10 Existir, para Sartre, é ter consciência dessa “existência”, de um ser “existente”. Sem consciência, não há existência propriamente dita. O “para-si” designa ao mesmo tempo a consciência de si, a consciência pura e a consciência de alguma coisa. (...) “O para-si” se opõe ao “em-si” como o homem às coisas, o ser aos objetos, a reflexão à materialidade. Existir “em-si”, para o homem, é viver privado de consciência, sem interioridade (...), como puro objeto. O “para-si” é um sujeito; o “em-si” não o é. Desta elaboração inicial, tem-se a expansão desta consciência em-si-para-si para a exterioridade de si mesma, no encontro com o outro. Alcança-se o momento em que surge a terceira categoria: para-outrem. É nela que se estabelecem as possibilidades infinitas de uma compreensão de que todos os atos humanos, embora individualmente dados como fatos, são, na verdade, atos de toda a humanidade. HUISMAN, Denis. História do existencialismo. Bauru/SP: EDUSC, 2001, p.129 e 130)

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quando se faz confusa a definição do foco narrativo, Hortense é mostrada como um

objeto, sem consciência de seu ser, ou seja, a primeira parte representa o ser-sem-si:

De repente não havia tempo, ela apenas respirava, sufocada, sobre um fio, que poderia estalar a cada instante. Então sairia a porta e perder-se-ia lá fora, entre as árvores, deixar-se cair, exausta numa sombra. Porque lá fora não havia atmosfera. Era uma paisagem lunar, reparou melhor, olhando através da janela, apenas por alguma razão cresciam árvores sobre a lua (GERSÃO, 1996, p. 12).

Pouco depois, a personagem fala com o mundo, numa aparente má-fé, que configura

um dos postulados sartrianos, como resultado das escolhas para que “ele” a deixe, para que

as coisas se resolvam por si só, ela nada fazendo. Este mundo pode ser ela mesma:

[...] eu não existo, mundo, eu não existo, sou apenas uma folha de árvore, uma pena de pássaro, um qualquer objeto leve balançando ao sabor do vento, sem rumo próprio, sem vontade, sem peso, não ajo, não desejo, não tenho finalidade, nada mais quero do que ficar aqui, sem ser agredida, enquanto durar este minuto [...] (GERSÃO, 1996, p. 14).

A personagem se descobre livre e deseja utilizar esta liberdade no ato extremo do

suicídio:

Mas de certo modo, agora, estava travado o último combate e nada mais poderia acontecer-lhe. Era livre e solta e invulnerável, porque já não tinha a perder coisa alguma, pensou com o rosto encostado aos vidros. Morrer era fácil e poderia morrer se quisesse. [...] tinha tanto poder de repente e estava tão longe do alcance do mundo, não haveria mais qualquer batalha, à primeira ameaça ela diria não e dessa vez, dessa única vez, ganharia (GERSÃO, 1996, p. 14). [...] Nenhum poder no mundo a obrigaria a viver, se ela não quisesse, e isso era de repente uma força (GERSÃO, 1996, p. 19). (Grifo nosso)

A ansiedade e angústia de Hortense são percebidas quando também esta afirma

“oscilar o dia inteiro entre a janela e a porta” (GERSÃO, 1996, p. 17). A janela representa a

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visão de quem olha apenas para comentar, mas sem coragem de agir. A porta são as

possibilidades que a vida oferece, que se tem de se jogar de cabeça, sendo autêntico. Estar

entre a janela e a porta é aqui interpretado como uma indecisão tremenda de ser livre.

Nesse sentido, Hortense vive intensamente o seu desespero pela perda de seus

entes queridos, nesse momento, ela cai em pleno estado de má-fé, este é caracterizado

como uma atribuição das responsabilidades das nossas escolhas ao outro. Segundo Sartre

(1987, p.13) “o homem nada mais é do que o seu projeto; só existe na medida em que se

realiza; não é nada além do conjunto de seus atos, nada mais que sua vida”, então quando

esse homem se recusa a existir no sentido pleno da palavra, ou seja, ser livre, responsável e

sem desculpas, cai instantaneamente num estado de má-fé.

Sendo assim, o momento em que a personagem permanece mais claramente em

má-fé, se configura quando ela se depara com a sua maior facticidade. Esta se define,

segundo Gary Cox (2007), como “o mundo ao redor de uma pessoa, representado por

tudo aquilo que apresenta uma resistência constante às suas ações e projetos – dificuldades,

obstáculos, embaraços etc.” e que proporciona ao ser fazer escolhas, diante de tais

empecilhos que a vida coloca. É exatamente esta facticidade que coloca Hortense em má-

fé.

Então, Hortense em seu desespero “escolhe” sofrer e não assume a

responsabilidade desse ato, passando a atribuir toda a sua dor e sofrimento à perda de seu

marido e do seu filho: “a saudade viva do teu corpo como uma dor funda ressoando em

cada gesto (...) como se sempre partisses para o mar e me deixasses sozinha numa cama

estreita em que tua ausência tornou demasiado grande” (GERSÃO, 1996, p.16). Sendo

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assim, a maior facticidade da obra se caracteriza pela superação da dor causado pela perda

de seus entes.

Outro momento em que Hortense se coloca em má-fé, se mostra quando esta

rememora a sua vida, que por sua vez é caracterizada por um flashback na obra. As

lembranças narradas revelam momentos em que a personagem vive seus dias mais felizes

ao lado do marido e de seu filho, apesar de Portugal está vivenciando o período áureo da

ditadura salazarista.

Vivendo sob o terror do governo de Salazar Oliveira, Hortense consegue viver

muito tempo ao lado de seu marido sem sentir a tirania da ditadura: “Mas por vezes ela

quase esquecera O.S. Durante vinte anos da sua vida sempre de novo tentara criar um

espaço onde a sua lei não tinha poder algum” (GERSÃO, 1996, p.92), sempre atribuindo o

motivo de sua felicidade a Horácio, vivendo em estado de má-fé:

De algum modo ele partilhava a revolta, a angústia, a luta que havia nesse rosto, e porque a entendia como também sua, ele a apagava, e o rosto que ficava a descoberto era doce e harmônico e sorria. Ele o criava, talvez, com as suas mãos, e os tumultuosos caminhos volvidos ficavam definitivamente para trás. (GERSÃO, 1996, p. 96).

Dessa maneira, Hortense passa a atribuir o motivo de sua plenitude e satisfação ao

seu marido, como se isso fosse oferecido por ele: uma felicidade que é “despertada” por

Horácio. Contudo, no existencialismo sartriano, essa felicidade é caracterizada como uma

escolha da própria personagem, ou seja, ela escolheu ser feliz. Mas Hortense põe essa

responsabilidade de escolha ao seu marido, o que a transforma em um ser inautêntico.

Na narrativa de Teolinda, Hortense sempre culpa o governo ditador da época pela

morte de Horácio e Pedro. Analisando esse fato pelo viés existencialista, a morte prematura

de Horácio e Pedro reflete as consequências advindas das escolhas feitas por eles. Horácio

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era um ativista, que lutava contra os mandamentos de Salazar e Pedro foi convocado para

ir à guerra e escolheu aceitar. Então, a culpa que Hortense atribui à tirania do salazarismo

assume um caráter de alívio e conformismo diante de sua dor, tentando buscar um

caminho mais simples para conviver com isso, ao invés de arcar com as consequências

impostas pelas escolhas. Assumindo, dessa forma, uma postura inautêntica diante do

factível, do inevitável: a morte de seus amores.

Hortense vive sua vida em devaneios, mas também demonstra querer superar o

luto e viver momentos de autenticidade:

[…] este ódio ao cais, às despedidas lancinantes, por que não gritar alto, assumir este cais e estas cenas, estão na nossa vida desde há séculos, este cais de desastre, esta amargura, é melhor assumi-lo até ao fundo e gritar com os outro de puro desespero, em vez de se iludir de falsa esperança, o que quer que aconteça é culpa minha, sou culpada deste navio e deste cais, porque nós preferimos culpar o destino, como se o destino existisse, e aqui estamos há séculos de pés e mãos atados, embarcando, partindo para fora de nós mesmos, no barco da loucura, um povo sem força nem vontade, apenas embarcando […] (GERSÃO, 1982, p. 65).

Outrora, Hortense age de forma autêntica, pois passa a assumir a própria culpa do

seu sofrimento e de suas ansiedades. Então, ela confronta a realidade e encara a verdade de

que é um ser livre, sem limites: “a pessoa autêntica não só reconhece isso, bem como luta

para lidar com o fato e até tratá-lo como uma fonte de valores”. (COX, 2007, p. 174). A

personagem supera toda a sua dor e sofrimento e encara seu ser-em-situação, superando

sua facticidade. O desejo de Hortense em viver a sua liberdade, sem culpa e sem revolta,

em que ela se permite não ter uma existência sofrida demonstra uma decisão que marca um

processo de tomada de consciência diante do inevitável. A possibilidade de escolha revela

as respostas autênticas que afirmam a sua liberdade e sua responsabilidade:

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Dias como um choro, um abandono, um tempo veloz e perturbado com qualquer salvação obscura no limite, tocar o fundo do mar e voltar à superfície, ser a mesma e ser outra, de algum modo nunca mais igual, despir uma vida, um corpo, e continuar para além disso, respirando [...](GERSÃO, 1982, p. 164).

Nessa passagem percebe-se que Hortense supera os desvarios que estava

passando. Assume sua dor e seu sofrimento e os supera. Ela reconhece que na situação em

que se encontrava não existem desculpas para justificar seus devaneios e sofrimentos, pois

foi ela mesma quem escolheu viver assim. Hortense passou a buscar respostas que

afirmavam sua liberdade e responsabilidade, ao invés de caminhos que sinalizam um voo de

fuga, a fim de escapar do caráter factual condicionado à vida.

Percebe-se durante todo o romance uma mescla de ser-em-si, ser-para-si e ser-para-

o-outro, sendo este último visto na passagem em que Hortense toma consciência de sua

existência, lembra-se de sua nora Clara e de que é preciso seguir em frente, mesmo sem

seus entes queridos, que é preciso escolher viver apesar de tudo e põe-se a tentar ajudar

Clara: “Clara, pensou, numa luz súbita e frouxa. Clara estaria talvez lutando por sobreviver,

sobreviver apenas, como se tentasse atravessar o mar, lutariam juntas, disse, debatendo-se,

esforçando-se por acordar e caindo mais fundo para dentro da noite” (GERSÃO, 1996, p.

23). É essa angústia de estar, figurativamente, no fundo do mar, que proporciona a

Hortense a vontade e necessidade de ir em busca da nora e do neto, ainda em seu ventre:

[...] não parar, não parar nunca, correr sempre, aguentar, ofegante, exausta, os olhos ardendo, a boca devorada pela sede, a fogueira por dentro, empurrar-se para a frente rompendo passagem através do ar como um braseiro, os pés queimando-se na areia, a luz como armadilha, como o lugar onde a consciência se perde, se dilui, estilhaça, empurrar-se para a frente contra o dia quente e parado, encharcado de sol, deixar-se cair finalmente, quando não era possível avançar mais, os olhos, a boca, soterrados pela areia, a sede no corpo, rolar mais, empurrar-se de nojo até o mar, atirar-se para as ondas, mergulhar até ao fundo, submergir-se, ser de novo atirada para a praia [...] (GERSÃO, 1996, p. 32-33; grifo nosso).

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Hortense e Clara, duas mulheres marcadas com a morte prematura de outrem,

vivenciam a morte imaginada como absoluta falta de escolha. Contudo, a consciência da

finitude da vida a fazem triunfar sobre o desejo angustiante de morrer. Hortense percebeu

“[...] um modo diferente de existir, (...) um tempo breve, limitado pela morte”, pois assim é

“a morte, a revelação do limite” e ela aceita: “mas eu aceito a morte, o amor transitório, o

corpo passageiro, se puder dizer por um breve instante: estou viva” (GERSÃO, 1982,

p.34). Hortense toma consciência de que a existência precede a essência.

A personagem feminina passa a entender e aceitar a vida como uma linha finita que

possui duas extremidades: o nascimento e a morte e, que nesse pequeno espaço entre os

dois eixos, é preciso viver o suficiente para se sentir viva e isso depende das suas escolhas.

Nessa concepção, a escolha faz do homem artífice de seu projeto, pois numa apreensão

nietzschiana “a vida não tem sentido a priori: cabe a cada um, vivendo, dar-lhe sentido”

(HUISMAN, 2001, p.31).

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_________________. O Ser e o nada. Ensaio de Ontologia Fenomenológica. Tradução de Paulo Perdigão. Petrópolis: Vozes, 2007.