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Maria Lúcia Franco Pardi

A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO

ARQUEOLÓGICO E O TURISMO

Nesta abordagem, pretendemos discorrer sobre a preservação do patrimônio arqueológico e os impactos motivados pela

pressão do desenvolvimento; sobre os aspectos antropológicos da área; a prática no exterior; a prática nacional; os modelos

e os problemas; os limites; o plano de gestão, que viabiliza abordagens construtivas; as políticas públicas; as possibilidades

e a relação com o desenvolvimento; os roteiros tentativos e as questões de identidade, para mostrar a complexidade do

tema e fomentar a regulamentação do setor.

Visitar sítios arqueológicos significa um sonho para grande número de pessoas, embora boa parte delas desconheça a questão

ou dela tenha uma visão romântica; podemos dizer que não desejariam contribuir para sua destruição, participando de visitas

irregulares a locais não previamente agenciados para esse fim. Falamos em destruição porque a arqueologia é uma ciência

social, que se desenvolve sobre um objeto fragmentário e bastante sensível. Dessa forma, no escopo de abordagens de

arqueologia pública, pós-processual e reflexiva, cabe-nos buscar maneiras seguras e construtivas de disponibilizar o uso de

sítios para turismo, visando garantir a sensibilização do cidadão, assim como a devolução do conhecimento produzido sobre

esses bens. O tema, entretanto, abrange campo de atuação vasto e muitas interfaces que envolvem discussões sobre pós-

modernismo, globalização, inclusão social entre outros.2 A discussão que queremos suscitar é sobre questões operacionais que

fomentem e estimulem boas práticas, por exemplo: como possibilitar o uso de sítios arqueológicos para turismo, garantindo a

preservação; como usar parte desse patrimônio, integrando-o às rotinas das comunidades e populações de forma a produzir

renda e inclusão; como devolver, nesse processo, o acesso a valores culturais aos quais o cidadão tem direito; se o processo

depende da iniciativa privada ou da ação do Estado; se é possível inserir um sítio em roteiro sem prévia pesquisa e

licenciamento; se pode ser cobrada entrada para visitação; como é o trato desses sítios quando inseridos nas Áreas e Locais de

Interesse Turístico (Lei n° 4.717/65); como essas questões são resolvidas no exterior; que tipo de políticas existe no setor; e o

que significa, afinal, preservar patrimônio arqueológico?

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O QUE É PRESERVAR

O PATRIMÔNIO ARQUEOLÓGICO?

No que tange ao Estado é garantir a execução dos

macros processos básicos que envolvem todos os

procedimentos necessários para a consecução da missão

do Iphan nesse setor, em atendimento às atribuições legais

que lhes são conferidas pela Constituição e pela legislação

complementar.3 Esses processos garantem a instalação de

serviços para o desenvolvimento de uma política de ação ativa e reativa, em resposta às demandas da sociedade. Como pode ser observado no quadro resumo (figura 1),

constituem-se de atividades de identificação,

documentação, proteção e promoção desses bens.

Preservar, então, pode significar identificar bens ainda

não conhecidos4 nas diferentes partes do território

nacional e registrá-los nos termos da Lei n° 3.924/61.5

Existe um modelo padrão de ficha6 acessível a qualquer

cidadão, que é co-responsável pela proteção física desses

bens. Preservar é também

selecionar os locais que representam

referências culturais e lhes fornecer outra

proteção jurídica selecionar os locais que

representam referências culturais e lhes

fornecer outra proteção jurídica através do

tombamento,

que aumenta sua visibilidade e o destaca como

objeto para ações de incentivos e de políticas

públicas. Preservar é manter um sistema de

informações informatizado aglutinando todo

conhecimento gerado pelo setor, operando para

fornecer indicadores e diretrizes de gestão, e

disponibilizado para uso da sociedade. Preservar

é avaliar o impacto

de um empreendimento que vai alterar

o solo e o subsolo e garantir a realização

de pesquisas prévias de qualidade, devidamente

licenciadas, para evitar o aumento do custo

social da obra e ampliar os benefícios

promovidos com as verbas, grande parte das

vezes, públicas! Preservar é, sobretudo, conhecer

o patrimônio, definir um planejamento e

estabelecer políticas preventivas que incluam a

participação dos Estados, municípios, dos

diversos segmentos afetos e do cidadão. A

missão do Iphan na área é preservar a herança

dos antepassados,

gerir o uso atual desse tipo de bens e legá-los de

forma qualitativa e quantitativamente

expressiva às gerações futuras, que têm direito a

construir e a reconstruir suas raízes conforme

seus próprios questionamentos

e com apoio do avanço tecnológico

do momento.

Entretanto, é necessária uma política forte e

ativa para proteger de forma orientada e

consciente esse patrimônio, para não se correr o

risco de os futuros arqueólogos possuírem apenas

arquivos e sítios eletrônicos para escavar. Assim,

preservar pode significar dezenas de coisas, um

leque que apenas

se amplia, mas, na presente questão, preservar

é pesquisar e abrir sítios e áreas para turismo, para

educação e lazer do cidadão, de maneira consciente, com o

uso de práticas orientadas que possam ir se aperfeiçoando,

sem incorrer na sua destruição física.

IMPACTOS GERADOS PELO

DESENVOLVIMENTO TURÍSTICO

Há décadas essa questão vem se delineando e

acontecendo de maneira informal como se essa atividade

não estivesse ocorrendo de forma que efetivamente o turista

captasse o significado e a importância da expressão ali

representada sobre um tipo de bem absolutamente sensível,

cuja destruição é irreversível, incalculável e não indenizável.

Ou seja, contraproducente para todos os envolvidos,

inclusive para a sociedade nacional. Sem grande pesquisa,

podemos arrolar situações nas quais foram provocados

impactos em sítios arqueológicos que sofreram visitação

informal, a maioria em locais que não estavam preparados,

sem pesquisa, infra-estrutura ou plano de gestão.

Podemos citar o manejo não monitorado em parques,

onde também se registra destruição, até pela simples

colocação

de placas sobre os sítios. O Quilombo

de Palmares (AL) sofreu o impacto da construção de

estacionamento, heliporto, residências e roças, para

adequar os espaços para as comemorações do Dia da

Consciência Negra e de um plano de financiamento

habitacional implantado depois que a área já havia sido

tombada.

No canal da cidade de São Sebastião (SP), é grande a quantidade de mergulhadores que em barcos

afundados revolvem os vestígios, provocando sua dispersão ou

ainda os coletam para obter souvenir ou vender para antiquários.

Aterros do Pantanal sofrem mutilação pela construção e uso das

pousadas. Numerosas cavernas de fácil acesso, como a Casa de

Pedra na Chapada dos Guimarães, têm seu valor arqueológico

integralmente destruído por coletas, escavações e grafites sobre

pinturas.

A despeito dos esquemas existentes, sítios em dunas têm

freqüentemente seu material coletado por visitantes desavisados,

como em Itaipu (R]) e Itaunas (ES), ou ainda passeios de

motocross e passeios de buggy em Genipabu ou nos sambaquis

(SC).

Diversas informações chegam de sítios da Amazônia, das

regiões de Marajó, Santarém, Marabá e Oriximiná. As culturas

complexas do Amazonas nos legaram cerâmicas de grande

beleza plástica, que infelizmente

têm valor de mercado e são objeto de interesse há várias

gerações.

Um tipo de turismo pouco sensível também alimenta o

comércio ilegal de peças e conseqüentemente a escavação

clandestina. Sítios com grafismos rupestres são alvos fáceis na

medida em que são identificáveis pelo leigo, como ocorreu em

dezenas de lugares como Matosinhos (MG), Seridó

(RN/ PB ) e o sítio conhecido como Sítio

das Araras. 7 Devido à grande repercussão nacional incluímos esse

tipo de dano no processo, que expôs a fragilidade do patrimônio

e, com a excessiva divulgação, expôs outros sítios. Já na época

falávamos que "o interesse turístico envolvido foi

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o catalisador das ações ( ... )" e concluíamos falando que

entendemos que se a comunidade, mesmo depois de

instrumentalizada, não pode arcar com sua responsabilidade

concorrente perante nosso patrimônio, o turismo cultural estaria

inviabilizado.

Como se pode observar, os impactos possuem uma grande

variedade de feições, inimagináveis para o leigo, o que torna

indispensável à participação de especialistas, sem os quais o

turismo em sítios fica sensivelmente prejudicado, se não

inviabilizado.8 Esse tipo de questão sempre nos chamou a

atenção em virtude da necessidade de regularização do

potencial de interlocução com a população e da necessidade

de preservação dos sítios

pelo uso disciplinado. Nesta abordagem pretendemos

apresentar a situação de forma mais abrangente que profunda

visando mapear e introduzir o leitor nesse campo.

A questão, entretanto, é bastante complexa e ampla com

interfaces em diversas áreas

do conhecimento, especialmente

a antropologia, da qual, entendo,

a arqueologia faz parte.

ASPECTOS

ANTROPOLÓGICOS

DO TURISMO

o fim maior e o melhor tipo de uso dessa herança

ancestral é melhorar a qualidade de vida da atual geração

e das gerações futuras e para essa finalidade

o turismo se constitui instrumento privilegiado. É

necessário que seja dado oportunidade de acesso ao cidadão

à sua

memória, ao resgate e (re)construção de sua identidade,

sobretudo em um país mestiço cuja característica nacional é a

diversidade. Para o senso geral, cultura é tida como a forma de

se falar de identidades coletivas, no contexto apresentado,

inúmeros são os conceitos válidos, mas no nosso entender

é necessário que com base nos dados,

a interpretação dê sentido aos bens, como um texto que possa

ser lido, nos termos de Geertz. A tônica comum entre eles

é o reconhecimento de sua relevância para o

desenvolvimento da humanidade.9

A compreensão da cultura é fundamental no turismo para

possibilitar a compreensão entre o visitante e aquilo que é

visitado, para que a cultura possa ser um recurso comercial (sob

reserva), que ajuda a mitigar impactos negativos nas culturas

anfitriãs ou nos bens visitados. O turismo cultural aqui será

entendido como abrangendo as interfaces com o turismo rural,

ecoturismo, turismo educativo, científico e étnico.

Como suporte teórico útil à questão, remetemo-nos a Burns,

que sistematiza e resume a abordagem estruturalista de Lévy-

Strauss como sendo fundamental para a análise mais

aprofundada do turismo por que nos fala "estados opostos do

ser", como estar trabalhando e estar de férias e do papel do

mito, nesse contexto, pois mesmo que literalmente não seja

verdadeiro, funciona em nível básico como história cultural a

despeito das restrições; o pensamento é livre. A maior parte dos

turistas de todo o mundo é gerada no ambiente urbano e pós-industrial no qual se verifica o afastamento da natureza e da espiritualidade em detrimento do mito da liberdade.

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Viagens e turismo mantêm vivo este mito particular e lhe

dão continuidade com a idéia de que a viagem é "a liberdade

perfeita" como a US Travel Administration afirma. 10

O autor nos convida ainda a pensar o turismo como um

sistema não apenas como um processo ou um conjunto de

fenômenos, assemelhando-se efetivamente a uma visão do

funcionalismo estrutural. O enfoque sistêmico leva o

turismo a ser pensado

em conexão com o processo cultural e

a sociedade não apenas com o processo econômico. 11 A

velha questão das escolas

de turismo como negócio (conjunto de indústrias

interligadas) ou como um problema (conjunto complexo de

fenômenos sociais). Essa questão reflete as tensões entre

diversos grupos que pensam e escrevem sobre turismo, daí

concordarmos

com o autor sobre a adequação de tratá-lo como um

conjunto de subsistemas, ou seja, como um sistema.

Entretanto, as ciências sociais apresentam os conceitos

que são mais utilizados como as contribuições de N.

Graburn (1977),

que entende o turismo como escapismo e busca do prazer;

D. Nash (1981), que fala das relações interculturais e as

transações que as afetam; J. Urry (1990), que o coloca

como um contraste com o cotidiano e o liga a uma prática

cultural do pós-modernismo; G. Dann (1997), que defende

a interlocução entre a academia e a indústria visando

contribuir com benefícios práticos e sua sustentação. E.

Cohen (1998) se preocupou com tipologia de turistas e com

a busca

por autenticidade e T. Selwyn (1994) que

"vê o turismo como um conjunto de relacionamentos nos

contextos econômicos,

políticos, social e cultural mais amplos possíveis". 12

Turismo também é visto como "a materialização dos

sonhos", o que nos remete a buscar aspectos psicológicos e

comportamentais sobre a motivação.

No que diz respeito aos determinantes psicológicos do

turismo arqueológico, quase todos podem ser válidos: a fuga

para local e tema bastante diferente do cotidiano ou como já

ouvi de turistas: "visitar esse sítio

é como entrar em uma dimensão paralela"; descontração de

um ambiente urbano cheio de convenções; reforço de laços

familiares

e interação social, porque novos dons e papéis podem ser

apresentados e servir de elemento de coesão; prestígio,

autosatisfação no sentido de realizar um sonho, fazer algo

original e raro, que dá status, enfim. Raciocínio semelhante

nos leva a inferir que esses bens também atendem

aos aspectos arrolados, embora fale mais do ser coletivo do

que do indivíduo, conforme a atual tendência pós-

modernista.

Nesse ramo não se pode falar de um turista genérico, mas é

fundamental considerar suas características

psicossociológicas e socioeconômicas, responsáveis por

sua motivação e comportamento.

Esses itens se articulam com os tipos de turistas vistos

de uma forma um pouco mais complexa do que a

classificação da Organização Mundial do Turismo (OMT):

turistas e excursionistas (aquele que viaja por um dia ou

menos). E. Cohen utiliza como critério o grau de uso dos

intermediários

da indústria do turismo, fixando categorias como: os

turistas de massa organizados, os turistas de massa

individuais, os exploradores e os alternativos; 13 de forma

geral, as viagens

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se baseiam nas instituições existentes,

tipos de personalidade e objetivos da viagem. À exceção dos

turistas de massa, todos

os tipos são adequados e necessários

para a arqueologia.

Entretanto, o foco do interesse para muitos que lidam com a

questão é o padrão de consumo dos turistas, e sobre isso T.

Selwin infere que, à medida que as tradições materiais e espirituais

interagem em um nível comercial com os turistas, a cultura passa por

um processo de mercantilização sob a influência de turistas

culturalmente impregnados pelo fetiche do consumo!4 ou ainda

como o "canibal simbólico"

de Mac Camell, o turista que consome os recursos e as próprias

culturas que usa para assimilar as características da vítima. Como

iniciativa, registramos a do Museu Goeldi que promoveu um

curso destinado aos artesãos, que os habilitariam a fazer réplicas

dos tipos de cerâmica arqueológica, alimentando um comércio

que se desenvolve há bastante tempo no bairro Paracuri, distrito

de Icoaraci (PA). A Fundação Museu do Homem Americano

(Fumdham), uma ONG que administra o Parque Nacional Serra

da Capivara, desenvolveu uma linha de louças com motivos da

arte rupestre e colocou à venda em todo o País. Outros produtos

também podem ser pensados, como a elaboração de maquetes de

sítios históricos, réplicas de artefatos de pedra lascada ou polida,

jogos com temas relacionados à rotina e à cultura do sítio, etc.

Embora já tenhamos registros de experiências com o Sebrae,

ο que foi observado é a necessidade de afinar o olhar empresarial

com valores do segmento cultural e a ética acadêmica referente

aos direitos autorais. O patrimônio é efetivamente

público, de direito comum e deve ser acessível ao cidadão.!5 O

arqueólogo licenciado tem o dever legal e moral de devolver

para o banco de memória os dados primários, o acervo

e o conhecimento produzido. Entretanto,

as interpretações elaboradas são de seu direito autoral, assim

como as fotos e demais materiais produzidos conforme seu

conhecimento e sensibilidade. Nesse sentido, deve haver um

acordo entre os envolvidos interessados, mediado pelo órgão

gestor dos bens sempre que necessário. O mercado de réplicas

também deve obedecer aos critérios internacionais, deve ser

fiel aos modelos originais resgatados pelo processo de pesquisa

e efetuados em tamanho mais reduzido, por exemplo, visando

respeitar os acordos internacionais firmados pelo Brasil.

Iniciativas de garantia de autenticidade também podem ser

avaliadas com a elaboração de uma marca, visando agregar

valor ao produto, além de garantir que a comunidade de origem

participe do negócio e tenha sempre direito

a uma parte dos lucros. Mas, nesse aspecto ainda temos muito

que caminhar, e o "canibal simbólico" necessita aguardar que

aumentem as opções e o aprimoramento deste item do cardápio

cultural.

o TURISMO

ARQUEOLÓGICO

NO EXTERIOR

Instrumento de referência internacional, a Carta de Turismo

Cultural do International Council on Monuments and Sites

(Icomos)16 foi editada em 1976, reconhecendo os efeitos

positivos e negativos sobre o

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patrimônio. Como postura básica, toma o turismo como feito irreversível que necessita ser estudado

cuidadosamente e ser objeto de política concentrada e efetiva

em todos os níveis, devido aos benefícios que comporta para

toda a população implicada. Define que qualquer que seja a

motivação,

o uso descontrolado e massivo dos sítios acarreta efeitos

nocivos. Para ser aceitável deve-se observar regras e o

respeito ao patrimônio mundial, cultural e natural é o que deve prevalecer sobre qualquer outra consideração por muito

justificada que esta se paute desde o ponto de vista social, político ou

econômico. Como base de atuação, apresenta a planificação dos

recursos dos estados,

das regiões e dos municípios, o respeito

às convenções internacionais; a confiança em que a OMT e a

Unesco protejam o gênero humano do turismo anárquico; a

facilitação da comunicação e educação de pessoas em direção

à formação de consciência universal; o planejamento do uso,

contemplar planos de desenvolvimento e equipamento

turístico, o respeito à proteção da autenticidade e diversidade

dos valores culturais. 17

Como exemplo de estudos de casos, observamos como

critério o modelo legal adotado no Brasil. Em todos os

países enfocados, os sítios são bens da União,

de direito público sob tutela do Estado.

O Peru (figura 2) foi um dos grandes centros de cultura do

mundo antigo, com grande diversidade étnica e ambiental

legou expressivo conhecimento e cultura material que

contribuiu bastante para que o colecionismo seja "um dos

males endêmicos das pesquisas arqueológicas em toda a

América" ( ... ) Os vestígios das

altas culturas18 provocaram saques e depredações

em centenas de tumbas, especialmente nos últimos

20 anos, deixando que milhares de hectares

ficassem totalmente arrasados por hordas de profanadores,

fazendo com que, vista do ar, a região pareça ter sido

bombardeada! Tudo isso para abastecer o mercado de

antiguidades dos EUA, Europa e Ásia.

A despeito da dificuldade em conter a destruição em

grande escala, são assumidos e mantidos pelo Estado

produtos oficiais como Cuzco e Machu Pichu , ícones de

nacionalidade e identidade. Ainda hoje o país conta com

atrativos mundialmente conhecidos e recursos culturais

com imensa possibilidade de se converter em recursos

turísticos, como foi o caso em Lambayeque,

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em que o fato ocorreu ainda durante o período de

escavações. O Senhor de Sipán virou símbolo de

revalorização do mundo indígena pela expressividade dos

achados e pela recepção de chefe de Estado que esses

restos mortais tiveram no aeroporto,

ao retornar da restauração no exterior.

A exposição está itinerando pelo mundo levantando

fundos e já propiciou a construção de um museu e de

réplica

da tumba. A iniciativa e a gestão foram integralmente

privadas. Em decorrência, os EUA editaram uma lei

para proteger

a entrada dessas peças no mercado.

Na França, o turismo representa 6,7%

do produto interno bruto e constitui um dos pilares da

economia. Um dos elementos essenciais para planejamento

são as estatísticas, que permitem acompanhar a evolução e

avaliar a oportunidade de novos empreendimentos. Em

termos de oferta, mais caracterizada como indústria, em

mais de 200 mil empresas, são oferecidos 750 mil empregos

assalariados. Como demanda,

em 2004, o turismo arrecadou mais de 10 milhões de euros

na balança de pagamentos. Esse foi o ano da virada positiva

da balança, em que se estima a circulação de cerca de

75 milhões de turistas não residentes,

o que coloca a França em primeiro lugar no mundo. 19 A

França é um dos países em que o interesse turístico foi

registrado desde tempos históricos, como no caso do Hotel

Lê Cro Magnon, instalado sobre sítio importante, em

região de grande concentração de sítios pré-históricos

mundialmente conhecidos. (figura 3)

Vimos recentemente exemplos de gestão de bens da

iniciativa privada, que efetuam

FIG 3

gestão dinâmica, integrando diferentes aspectos:

arquitetura conservada, paredes repintadas, salas com

mobiliário, jardins históricos conservados e

interpretados, com espécies raras de época, espaços

com

instalações que remetem à literatura conhecida, criando

atrativos que fazem

com que o visitante se identifique e desfrute de lazer e de magia.

Apesar da referência à realização de pesquisa arqueológica, nenhum

vestígio ou informação foi incorporado

ao projeto (figura 4).

Em diferentes tipos de empreendimentos a tônica é a criação de

atrações e a materialização do conhecimento que

se possui sobre os bens. É comum o uso

de interpretação, sinalização, maquetes, réplicas, manequins,

módulos interativos

e lembranças. A linguagem visual é intensamente utilizada,

inclusive em vídeos científicos que buscam demonstrar a

seqüência de gestos técnicos que foram usados para confecção de

artefatos, que são apresentados em vitrines com os originais e em

réplicas que podem ser manuseadas.

Alguns locais associam os atrativos arqueológicos com

parques e zoológicos, que apresentam os espécimes com a

vertente histórica de paleoambiente. Outros ainda realizam

festivais em que

a comunidade interpreta fatos históricos inspirados nos dados

conhecidos.

Grande ícone mundial, Lascaux também foi vítima da pressão

turística quando foi bombeado ar do bosque para o interior

da caverna, visando aumentar o número

de visitantes. Com isto, introduziu-se pólens e fungos que

propiciaram o crescimento de vegetação sobre as pinturas. O

governo, em projeto exemplar, investiu 12 anos na confecção de

uma réplica fidedigna, que em três anos de bilheteria pagou seus

custos. Lascaux II cumpre seu papel e emociona (figura 5).

FIG 4

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o México possui 220 mil sítios cadastrados

sendo 200 mil zonas arqueológicas,20 15%

identificadas e apenas 2% (cerca de 400) com

potencial turístico. O turismo cultural era, em 1996,

a terceira maior fonte de divisas do país, entretanto

em uma geração (45 anos) dizimou o patrimônio

monumental da região de Acapulco e Mezatlan, por

exemplo.21 O Fondo Nacional de Fomento aI Turismo

(Fonatur) condiciona créditos às iniciativas

preservacionistas do projeto e à valorização dos

bens. Nessa área histórica, o apoio depende do aval

do Instituto de Antropologia, responsável pelo

patrimônio do Estado e pela grande maioria das

pesquisas efetuadas. O patrimônio arqueológico,

segundo Salvador Aceves, sempre foi o fator mais

atrativo e sedutor para o turismo, tendo atuado na

conservação em conjuntos distantes das grandes

concentrações humanas onde melhorou as condições

de vida dos habitantes (Uxmal, Palenque). Os

demais sofrem com o desenvolvimento urbano

desenfreado, com a proliferação do comércio

estabelecido e informal que tem efeito corrosivo

sobre os bens e o entorno (Teotihuacam, Cholula).

Em Tulún, no Caribe, o impacto vem da própria

afluência desmedida dos visitantes. Até 1970 foi

permitida a construção de algumas instalações

turísticas, no entorno e até no interior de cidades

arqueológicas (Chichenitza, Teotihuacam) e tidas

como experiências desafortunadas, pois só se

conseguiu montar a integração visual que permitisse

o desfrute dos bens sem

interferências,22 sendo que ainda hoje

não foram pactuadas soluções com as diversas forças políticas

para o problema do comércio informal, mesmo com os

esforços econômicos que o Estado efetua com as zonas

arqueológicas. Efetuadas

a partir de 1993, essas ações envolvem

o aprofundamento das pesquisas, a socialização da

informação, a abertura

de novas áreas, a construção de centros

de serviços, museus de sítio integrados

à paisagem e com boa arquitetura. 23

Nos centros históricos adaptaram-se antigos edifícios para os

serviços turísticos, que foram modernamente caracterizados pela

construção de acondicionamentos discretos. Outro desafio legal

foi o

de normatizar as novas construções em terrenos baldios da área

histórica, que por muitos anos se caracterizou por imitações

históricas (excelentes falsificações segundo Aceves).

Atualmente buscam usar a criatividade, as possibilidades

arquitetônicas e o conceito de cultura para que as edificações

cumpram a sua função de forma harmoniosa e que demonstrem

serem do presente.

O governo federal4 possui 2.000 convênios colaboração e

assessoria já realizados com as prefeituras. Muitos possuem

planos de conservação e ordenamento25 que, combinados

com as análises topológicas dos edifícios obtidos dos

inventários, possibilitam a regulamentação das construções,

buscando a preservação da arquitetura e a trama urbana para

manter a imagem histórica em coerência com o marco

natural que reflete a individualidade, o estilo próprio do

sítio, ou seja, sua identidade. Existem centros,

empresários e operadores turísticos desvalorizam os

bens com uma ambição míope de lucro imediato

ignorando que

os atrativos estão na autenticidade cultural, na qualidade

ambiental, nos traços que diferenciam cada população e

na personalidade coletiva. O Conaculta - Conselho

Nacional para a Cultura

e as Artes - criou a Coordenação

de Patrimônio Cultural e Turismo

para atuar de forma interinstitucional, promovendo o

turismo e a preservação com criatividade cultural para

impulsionar o desenvolvimento do país.26

Em relação a políticas públicas, o México27 é o país

onde a gestão do turismo arqueológico está mais

desenvolvida, em termos de reflexão e de ação, de

vivências e experimentações. Essas realidades nos

remetem, no caso brasileiro, à necessidade de atuação

conjunta nos núcleos urbanos históricos. Um caso

recente foi o do sítio arqueológico urbano da cidade de

Goiás,28 local beneficiado com recursos federais por

décadas em função de parcerias com

a comunidade local. A candidatura a Patrimônio

Mundial provocou a realização de obras para retirada

dos postes e enterramento dos fios de eletricidade e de

telefones; rede de esgotos, propiciando a integração

visual e a melhoria do produto turístico pela qualidade

da fruição oferecida. Nesse processo, logrou-se

oportunizar apenas o monitoramento arqueológico das

obras,29 obtendo-se resultados expressivos. As

pesquisas, entretanto, ainda estão em curso, com

a expectativa e a possibilidade de criação

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de museu,30 ampliação dos atrativos e aumento da

permanência do turista,

assim como para divulgação do atestado

de autenticidade e antiguidade, como observou o

consultor Marley R. Brown III,31 durante o colóquio

promovido pelo Iphan e pela ABA - Associação

Brasileira de Antropologia. No Brasil, nessa categoria de

sítio arqueológico urbano, em situação de usufruir da

experiência e reflexão mexicana, podemos enquadrar

desde os Sete Povos das Missões do Sul (São Borja, São

Nicolau, São Luís Gonzaga, São Miguel, São Lourenço,

São João Batista, Santo Ângelo) e do Nordeste (Vila Flor)

como o de Amaro Leite,32 Pirenópolis, Olinda,

Tiradentes, Ouro Preto, Mariana

e tantos outros nomes ainda conhecidos apenas como

patrimônio histórico e arquitetônico.

A cultura é um elemento vital do desenvolvimento, e

a Unesco33 vem trabalhando em diversos países esses

aspectos culturais, tendo aberto uma linha de pesquisa em

indicadores culturais. Esses indicadores são vistos como

ferramentas de diálogo político, pois trazem informações

que vão além dos dados descritivos; elas servem para

avaliar. Sakiko Fukuda Parr34 assume que as dimensões

da cultura são muito complexas e que não podem ser

integralmente captadas apenas pelos indicadores. Devem

ser identificadas,

em relação ao desenvolvimento, em dois aspectos: os

resultado e os processos.

As dimensões-chave dos resultados são

a ética universal, a vitalidade cultural

e a diversidade; e a dos processos são

a participação na atividade criadora,

o acesso à cultura e o respeito à identidade cultural.

Os bens arqueológicos, devido ao seu caráter

ancestral e universal, perpassam por todos esses

aspectos. Ao observar as tabelas apresentadas

pudemos perceber a expressividade do Parque

Nacional Serra da Capivara (Pama), que é

responsável por estimativas bastante positivas em

termos

de turismo científico, com abertura ao

ecoturismo e turismo de aventura. 35

Em termos de trânsito com outros

países, os dados mostram o privilégio

das relações de vizinhança em regiões

que compartilham traços culturais e

a importância do Mercosul.

A PRÁTICA

NACIONAL

MODELOS E PROBLEMAS

No que tange às práticas, não podemos ser

apocalípticos e impedir o uso turístico dos bens

arqueológicos nos termos de Turner e Ash: O turismo

moderno é uma forma de imperialismo cultural, uma

perseguição interminável de diversão, sol e sexo, pelas hordas

douradas de adoradores de prazer que prejudicam as culturas

locais e poluem o mundo em suas buscas (. . .) O turismo é uma

invasão, pelos

centros metropolitanos altamente desenvolvidos, das

periferias "não civilizadas". Ele destrói

incompreensivelmente e inadvertidamente,

já que não podemos imputar más intenções a milhões de

pessoas ou mesmo a milhares de homens de neaócios e

empresários. 36 Mas tampouco podemos ter a

ingenuidade de alimentar o imaginário da

prosperidade súbita e ainda

acreditar na idéia que prevalecia na década de 1970, difundida

por organismos internacionais de desenvolvimento de que esta atividade

estava destinada a salvar as economias

do Terceiro Mundo, em visão meramente economicista.37

Conhecemos as teorias acadêmicas da área que dizem que

esse

tipo de ação deve nascer da iniciativa da comunidade,

aspecto que relativizamos

e buscamos adaptar, pois no caso do patrimônio arqueológico, que

possui tão baixa visibilidade, em país com ritmo de

desenvolvimento acentuado, esperar significa ver destruídos

testemunhos únicos,

sem nenhum tipo de uso ou construção

de conhecimento. Para atender esse quesito procuramos parceria

com os moradores que já demonstrem ter introjetado esse olhar.

Quando encontraremos a justa medida entre a teoria e a prática

para cada lugar e para cada momento? Cabe-nos pesquisar e

construir soluções plausíveis para cada contexto e nesse intuito

sempre inserimos

a questão do turismo nos projetos que desenvolvemos, como

pesquisas em preservação, com base em ecoturism038 regional,

educativo e seletivo. 39 Nossa meta foi sempre ter o turismo como

parceiro na preservação quando vimos destruição em sítios de ilhas

de São Paulo e Rio de Janeiro. Tentamos buscar visibilidade,

parcerias e saídas de grande escala para a preservação do

patrimônio arqueológico visando produzir benefícios para a o

cidadão, efetuamos diversas tentativas de inserir a questão nas

políticas públicas, em diferentes escalas,40 das quais destacamos

uma iniciativa de 1999.

Para responder à superexposição na mídia do impacto da

mutilação efetuada em

Serranópolis, que provocaria interesse pela busca de sítios

semelhantes, efetuamos estudos para promover ações

preventivas em área próxima, selecionada no banco de

dados.

A área cultural do complexo de Palestina

de Goiás41 já estava efetivamente sendo objeto de visitação

espontânea, em função do apelo estético de imagens com

cenas e perspectivas, correlacionadas à Tradição Nordeste.

Elaboramos o projeto de regularização do

uso turístico, colocamos no Plano de Ação

da regional do Iphan, obtivemos a verba necessária,

efetuamos contatos com grupos sensíveis da comunidade

local, selecionamos os sítios mais conhecidos e atingidos

pelo uso descontrolado. Propiciamos um diagnóstico das

pinturas, em cujo processo foi ministrado e executado o

treinamento e a higienização dos painéis, com auxilio dos

moradores (durante o qual foram descobertos novos

grafismos, como a seqüência reproduzida neste artigo).

Outro consultor propiciou

o estudo e o reflorestamento com espécies regionais para

repor a cerca vegetal que protege os paredões do sol.

Convidamos os pesquisadores que haviam trabalhado na

região para retornar e devolver o conhecimento produzido.

Todo o processo foi precedido de reuniões com a

comunidade, que conheceu e discutiu com os diversos

profissionais, sendo habilitados a participar da gestão para

a qual se criou uma associação. Aspecto fundamental do

processo foi a interpretação e sinalizaçã042 da qual depende

o patrimônio arqueológico como mediador (figura 6).

Não se pode pensar em visitação aos

bens arqueológicos sem esse tipo de projeto, pois A

interpretação é um elemento essencial à conservação e

gerenciamento do patrimônio

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uma vez que orienta o fluxo de visitantes visando também a

proteção do objeto da visita, é também um processo de adicionar

valor à experiência de um lugar, por meio da provisão de

informações

e representações que realcem sua história e suas

características culturais e ambientais. 43

Segundo John Veverka, o projeto deve ter um tema

interpretativo claramente definido para a sinalização,

aspecto que nutre as demais etapas, como o marketing e as

experiências vivenciais, ou seja,

as possibilidades de ler, sentir e fazer.44

O projeto deve também conter o planejamento da visita, para

explorar integralmente o sítio, para fornecer atrativos para o

retorno dos visitantes e propiciar um pacote de lembranças

que possa ser levado e que aumente a memória e a

significância da visita.

Embora bastante relevantes, as iniciativas citadas não

atingiram plenamente os objetivos almejados por diversos

motivos, que passam pelo ineditismo, falta de eco da vontade

e necessidades das comunidades, ausência ou insuficiência

de apoio governamental. Percebemos claramente que essas

atividades necessitam ser desenvolvidas no bojo de políticas

bem definidas que reflitam pacto social entre União, Estado,

município, empresa e cidadão, por meio de gestão

compartilhada para garantir uso desses bens, monitorando

sua preservação.

Essas iniciativas precisam prever e garantir

a longevidade do projeto, na medida em que, uma vez

conhecido o acesso a esses bens, eles devem ser monitorados

constantemente, em função da significância científica, da

expressividade socioeconômica e da proteção legal que

possuem.

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As práticas da arqueologia no Brasil nesse campo,

até onde se pode observar, possuem afinidades que nos

permitem formar três grupos, conforme os tipos de

projetos e iniciativas: o primeiro, podemos chamar

de Modelo de Grande Porte, de Dedicação Exclusiva ou

Modelo Niède Guidon iniciativas do Estado ou

ratificadas por ele, que envolvem áreas de projeto de

grande porte com centenas de sítios em ambiente

natural preservado, com aporte de capitais públicos e

privados, efetuado com proteção legal e gestão de

médio e longo prazos, apoio permanente de

profissionais especializados em arqueologia e da

comunidade. Este grupo envolve diversos atores

nacionais e internacionais fornecendo

retorno em qualidade de vida e se transforma em

referencia. Áreas onde se constrói

conhecimento, forma pessoal, interpreta os bens arqueológicos e lhes dá visibilidade nacional e

internacional. Exemplo único no Brasil: o Parque

Nacional Serra da Capivara no Piauí. Modelo pouco

acessível à grande maioria dos segmentos e

profissionais por se dedicarem concomitantemente a

múltiplas atividades com focos diversificados.

Em termos de gestão de patrimônio representa o

caso máximo de sucesso,

pois aumenta a qualidade de vida do cidadão, por

meio dos bens arqueológicos, preservando o

patrimônio.

O segundo é o Modelo de Médio Porte que envolve

iniciativas dos Estados e municípios ou ratificadas por

eles. A maior parte das iniciativas advém de parques

ambientais e de projetos compensatórios provenientes de

atividades de impacto ambiental. Abrange áreas de

projeto de

médio porte com dezenas de sítios em ambiente natural com

nível de intervenção satisfatório, com aporte de capitais

públicos e privados, efetuado com proteção legal e gestão de

curto e médio prazos, apoio periódico de profissionais

especializados em arqueologia e da comunidade, envolvendo

diversos atores nacionais e regionais, chegando a fornecer

retorno aos moradores e podendo se transformar em referência

regional ou nacional. Áreas onde se produz a pesquisa

científica ou se utiliza de material já produzido e que se

prestam a atividades práticas de formação nessas atividades.

Exemplos: Palestina de Goiás, Parque Nacional Cavernas do

Peruaçu (MG), Parque de Canudos (BA), Parque Histórico

Nacional de Guararapes (PE), Parque Estadual de Itaunas (ES),

Sete Cidades e Serra das Confusões (PI), Monte Alegre

e Andorinhas (PA), etc. Outros ainda em implantação: sítios

em Seridó (PB), os parques arqueológicos estaduais do

Amapá

e no Parque Arqueológico do Homem

do Planalto das Araucárias (RS).

O terceiro é o Modelo de Pequeno Porte que envolve

iniciativas dos municípios, comunidades, iniciativa privada e

pessoas físicas. Abrange áreas de projeto de pequeno porte com

um ou mais sítios com entorno ambiente com nível de

intervenção tolerável, com aporte de capitais eminentemente

privados efetuado com proteção legal e gestão de curto e médio

prazos, apoio eventual de profissionais especializados em

arqueologia e da comunidade; pode envolver diversos atores

regionais e locais. Áreas onde utilizam material já produzido e

que se prestam a

atividades práticas de formação em atividades de pesquisa.

Exemplos: Sítio Manuel Braga (Pousada das Araras,

Serranópolis, GO), Sambaqui da Beirada (RJ), Caverna do

Ódio em Iguape (SP), Parque Arqueológico Serra de Santo

Antônio (MG), Parque Ecológico de Goiânia, Vale dos

Sonhos (GO), parques arqueológicos estaduais do Amapá e

projetos diversos como Caverna de Brasilinha, Parque

Arqueológico do Homem do Planalto

das Araucárias (RS), Aldeia Tupi em Itaipu, Cidade Real

do Guairá (PR), Parque Municipal da Casca (RS), etc.

Observamos, de forma geral, que

o modelo mais bem-sucedido não tem condições de ser

aplicado como política pública, na medida em que exige

de forma continuada, motivação e dedicação invulgares.

No que tange aos demais casos existe um grande

diferencial no processo, que altera bastante os resultados -

a definição do gestor. A experiência mostra que a melhor

situação até o momento

foi quando o arqueólogo, pesquisador comprometido

com a região, demonstra empreendedorismo. Situações

em que

ο executivo municipal ou estadual foi o responsável

registraram problemas de solução de continuidade,

aspecto

que compromete a preservação. Quando

o gestor foi o empresário, a conservação foi preterida em

função do objetivo maior, o lucro. Mesmo quando efetuamos

uma parceria com cidadãos e os habilitamos a serem

coletivamente os gestores, a situação não se mostrou

eficiente como a teoria demonstra. Envolvimentos políticos

locais, com seus vícios e a falta de atitude

empreendedora não colaboram para a manutenção dos

projetos. Isso nos mostra que boas iniciativas

envolvem pessoal interdisciplinar de diversos

segmentos, formando um comitê gestor oficial que

administre, com base em planejamento, projetos e

orçamentos regulares.

Outra forma de classificação, mais voltada à questão

científica, para se observar a produção brasileira sobre

estes bens é a utilizada por

Jafari45 e adotada por autores

da antropologia do turismo. Esse modelo tem como

critério principal quatro tipos

de posturas: de defesa, advertência, adaptação e

conhecimento. A Plataforma

de Adaptação é aquela que envolve formas alternativas

de turismo que podem ter impacto menor que o turismo

de massa.

A Plataforma de Conhecimento é a que fornece

tratamento holístico ao turismo

na formação de um corpo científico do conhecimento

sobre o turismo, buscando desenvolver uma análise

mais ampla do turismo capaz de revelar sua natureza

e seu significado no contexto da sociedade ocidental

moderna e das comunidades pré-industriais em que

ocorre.

A Plataforma de Defesa é a que se refere a trabalhos que

possuem o discurso de agentes governamentais e

empreendedores do turismo e demonstram um grande

entusiasmo com os índices de crescimento

do setor. Finalmente, a Plataforma de Advertência

agrega trabalhos que tratam

de comunidades sem, contudo, ter no turismo suas

temáticas centrais, fornecendo uma visão parcial do

fenômeno; as culturas ocorrem sobre pressão das

circunstâncias

e a partir da própria dinâmica interna.

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Conforme o modelo de Jafari podemos enquadrar a

maioria dos trabalhos brasileiros de turismo

arqueológico

como de Defesa e Adaptação.46

Como questões a serem superadas identificamos os

aspectos relacionados a seguir: a baixa visibilidade

dos vestígios arqueológicos, ausência ou insuficiência

de planejamento, ausência ou insuficiência de

monitoramento para garantir a eficácia da iniciativa, o

pouco conhecimento científico produzido com base

interpretativa, o envolvimento e interesse insuficiente das

comunidades locais e sociedade em função da baixa

identificação com esses bens em se pesando que 98% das

áreas pesquisadas dependeriam de iniciativas de

preservação do cidadão, a solução de continuidade de

alguns projetos na medida em que apenas ao Estado

caberiam os projetos de longo prazo e cunho social,

a precariedade da vigilância dos sítios

nos moldes do uso definidos do projeto. Exposição

prematura dos sítios na mídia

no uso da interpretação e sinalização. Iniciativas isoladas

sem licenciamento prévio; falta de uma política ativa do

executivo em assumir de forma consciente seu papel no

fomento e regularização das práticas do setor;

desconhecimento e baixa sensibilidade dos envolvidos

no manejo

e conservação dos registros rupestres

desenvolvimentos de projetos sem a participação

de arqueólogos; a criação

de ambientes artificiais; guias estereotipados e

padronizações.

o PLANO DE GESTÃO

E AS POLÍTICAS

PÚBLICAS

A questão do uso turístico de sítios arqueológicos,

também chamado de socialização de sítio, tem

amadurecido, mas a falta de modelos viáveis é um

problema recorrente e observado em diversas regiões; já

foi discutida na Sociedade de Arqueologia Brasileira -

SAB e em encontros científicos no Sul, Nordeste e Norte,

levando à elaboração de um documento que revela aspectos

básicos da questão.

Em suma, a preservação do patrimônio arqueológico

realizada por intermédio da atividade do turismo representa

uma boa política e um caminho inevitável, uma vez que já

se encontra informalmente em operação em escala bastante

expressiva. Cabe-nos, então, procurar a melhor maneira de

atuar nesse setor de forma intensa e sem ignorar as etapas

necessárias. O empreendimento nesse campo

requer, antes de tudo, planejamento. Conhecimento sobre

a área é também essencial, pois é o que permite selecionar

locais já pesquisados ou propiciar a pesquisa científica nos

locais desejados.

O Iphan tem como uma de suas funções ser um banco de

memória para o que se produz diretamente e para o que se

recebe dos pesquisadores licenciados e dos cidadãos. Um

dos instrumentos, o CNSA,47 no seu atual estágio de

desenvolvimento do sistema, nos oferece possibilidades de

análise limitadas; com cerca de 13 mil sítios,

nos mostra o potencial efetivo disponível atualmente em

termos de sítios pesquisados.

Pouco mais da metade dos dados trata de sítios do tipo

pré-colonial (56,58%);

a minoria é constituída de sítios históricos

(7,26%) e de contato (1,04%). Tivemos coleta em

15,84%, grafismos em 3,69%

e escavação em 2,34% (305).48 Isso significa um número

muito pequeno de sítios efetivamente pesquisados com

maior profundidade, o que nos leva a inferir que, salvo

casos excepcionais, quem quiser investir em turismo em

sítios arqueológicos deverá prever sempre a necessidade

de propiciar a realização de pesquisas científicas.

Mesmo em sítios já

pesquisados, essas abordagens precisarão,

necessariamente, de adaptação aos

novos objetivos, de atualização ou complementação, o

que faz desse quesito uma constante nesse tipo de

projeto.

Em alguns casos, os próprios projetos de pesquisa dos

profissionais do setor indicam a possibilidade ou fazem

projetos para uso turístico, facilitando o processo e a

composição com os demais segmentos envolvidos na

questão.

A promoção de uma pesquisa passa

pela autorização prévia do Iphan; a fundamentação de um

projeto deve seguir os termos da Portaria Sphan 07/88 para

obter o licenciamento que tem de ser publicado no Diário

Oficial da União!9 Dependendo da visibilidade do sítio ou da

área escolhida, o projeto já deverá considerar a possibilidade

de musealização in situ dos vestígios a serem encontrados, o

que altera os procedimentos e métodos incorporando

também cuidados de conservação e profissionais de outras

especialidades. O conhecimento produzido necessita ser

interpretado para garantir

a comunicação com diferentes tipos de público, assim

como o sítio ou a área não podem prescindir de sinalização

adequada para possibilitar a fruição desses bens. Além da

interpretação e da sinalização, em geral outras obras são

requeridas para construir passarelas sobre os sítios, colocar

cercas vivas ou de alvenaria, guaritas, casas de visitantes,

toaletes, cantinas, estruturas para acessibilidade - sejam

elas sobre o sítio ou em seu entorno, precisam ser

projetadas

e previamente autorizadas. O impacto sobre o sítio ou a área

também deve ser estimado em função da mudança de uso do

local; dessa forma é necessário que se elaborem projetos em

que estejam previstos e avaliados todos os impactos e as

medidas de controle, conservação e monitoramento

necessários.

Em resumo, deve ser apresentado para fins de

licenciamento um plano de gestão que defina as

características do bem e do projeto, os problemas, objetivos,

a legislação e outros instrumentos específicos,

os cuidados com a conservação,

as metodologias, os estudos de capacidade de carga, as

formas de controle e de avaliação, os responsáveis pela

gestão, os atores públicos e privados envolvidos, assim

como a participação da comunidade local, além do

orçamento estimado para que se atinja a sustentabilidade

desejada. A questão assume, evidentemente, maior ou

menor nível de detalhe e exigência conforme a relevância,

o porte do bem selecionado,

e o âmbito de sua adequação com o produto turístico

cultural. Este produto turístico cultural também precisa ser

caracterizado em função de seu perfil científico, da forma

como eventualmente já foi apropriado,

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e segundo o potencial cultural que ainda possui para se

consolidar como referência cultural, levando em conta sua

carga e potencial simbólico. Os estudos devem estimar a

intensidade do uso em relação à capacidade de carga, o

potencial de visitação (local, regional) o período de visitação

(integral, sazonal), o público-alvo e a tônica da motivação

oferecida (cultura, lazer, aventura, esportes). O plano

precisa, enfim, avaliar as necessidades de gestão operacional

do empreendimento, informando sobre

o escopo das instituições e ou empresas envolvidas,

seus direitos e deveres e

os instrumentos a serem elaborados,

de cunho regulamentador, estratégico,

ou operacional. Em suma, um plano que avalia os

problemas, os meios e as perspectivas, como expõe Brito:

O plano de gestão como ferramenta operativa é

imprescindível, articulando os vários níveis de poder politico-

institucional e criando mecanismos de gestão compatíveis com a

complexidade da problemática a ser abordada, estabelecendo, no

caso, zonas de gestão especificas e considerando

o processo de planejamento como uma via para

a renegociação dos valores reconhecidos para atualizar o sitio na

dinâmica social, econômica

e cultural do momento. 50

A recepção dessas informações para o segmento do turismo

não deve trazer estranhamento na medida em que, em

324 o ENFOQUE PRESERVACIONISTA PARA UM TURISMO MELHOR........................................................................................................................................

PROTEGER - O que é natural e belo para o beneficio dos "nativos" e turistas.

REDUZIR - A densidade - não superlotar uma área com demasiados hotéis, lojas para turistas ou visitantes.

MELHORAR - A sensação de isolamento e privacidade, para preservar o "clima" da área e a psicologia que os viajantes desejam, isto é, um retiro e uma

fuga das preocupações do mundo.

BUSCAR - A qualidade o tempo todo, uma vez que isso incentiva a permanência dos turistas, faz com que voltem repetidas vezes e garante uma

vida mais longa para a área.

SALIENTAR - A diversidade - quanto mais atividades estiverem disponíveis, maior a probabilidade de que cada visitante encontre algo de

interesse, a cada dia.

RESTAURAR - O natural e o histórico, reter o senso de patrimônio, continuidade e comunidade.

VALORIZAR - A cultura local e tradições para proteger as populações locais, seu patrimônio e cultura.

INSTITUIR - Limites para alturas (com prédios de altura não superior, em geral, a três andares) para proteger paisagens e outros cenários.

NEGOCIAR - Para que áreas abertas ofereçam "pulmões verdes" que melhorem cada projeto.

OBTER - A aceitação da comunidade, de modo que as populações locais sejam aquelas a se beneficiarem mais do turismo (a casa é delas), em

parceria com empreendimentos comerciais.

Fonte: PLOG: 94 in Peter Burns, 2002:143

………………………………………………………………………………………………………………………………………

questão análoga, o processo é semelhante

ao do ecoturismo, que só pode ser desenvolvido por

empresas cadastradas (Decreto n° 5.406/2005), que

atendem

a certos padrões de exigência, e deve ser previamente

licenciado pelo Ibama, nos termos da legislação ambiental. 51

Os roteiros ecológicos devem, inclusive, ser submetidos à aprovação interinstitucional. Além desses procedimentos,

cabe observar, de forma geral, diretrizes, como as que Plog

registra, e que são aplicáveis e servem de referência de

comportamentos.

De forma mais específica, cabe também observar

recomendações que envolvam questões comportamentais

como, por exemplo, evitar a visitação isolada, a coleta de

material de qualquer espécie, o pisoteio dos solos sensíveis

ou as beiradas de poços de escavação, evitar preencher de

giz

ou jogar água ou outros produtos em petróglifos ou pinturas,

lascar material lítico sobre um sítio, não fazer fogueiras ou

fumar, evitar fotografar com flash pinturas pouco iluminadas e

outros conforme o contexto.

No que tange ao Estado, o governo também precisa se

aparelhar como tutor legal desses bens e regulamentar a

questão definindo espaços para discussão e formatação de

instrumentos administrativos específicos que se fazem

necessários para detalhar os procedimentos do uso de sítios

arqueológicos para fins turísticos. Entendemos como

necessário também

que sejam intensificadas as gestões com as parcerias naturais e

com grupos de interesse para ampliar esse espectro, na medida

em que a questão está difusa no bojo do patrimônio cultural,

que, como sabemos,

tem historicamente o olhar mais voltado para o

patrimônio edificado e não contempla as especificidades

do momento. Atualmente, entretanto, o interesse pelo

turismo vem crescendo também na área patrimonial,

como se pôde verificar na reunião de especialistas

internacionais que se propuseram a definir

procedimentos para planejamento

e gestão de sítios arqueológicos classificados como

patrimônio mundial, 52 cujas discussões avançam e

servem de parâmetro para reflexão de outros contextos.

Em termos de políticas públicas, constatamos que o

segmento do turismo passou a ganhar importância a

partir da década de 1990 de forma crescente até 2003,

quando foi criado o Ministério do Turismo. Numerosas

parcerias e programas foram criados além do Conselho

Nacional do Turismo. Foi definido oficialmente o marco

conceitual de "turismo cultural". A partir de 2003 foi

implantado o Plano Nacional de Turismo 2003-2007,

cujo programa estruturante, o Programa de

Regionalização do Turismo - Roteiros do Brasil,

implementou uma política descentralizada focada nas

regiões turísticas e no desenvolvimento de novos roteiros

turísticos. Nesse âmbito, a segmentação do turismo foi

definida como estratégia na elaboração dos roteiros. Para

subsidiar a estruturação dos segmentos prosseguiu-se

com a elaboração de marco conceitual e documentos

orientadores, dentre os quais, o "turismo cultural". As

orientações abrangem assuntos que permitem a

compreensão da essência

do segmento, das bases para seu desenvolvimento,

dos elementos básicos

para a estruturação de produtos e das

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questões afetas ao turismo cultural de mercado. 53 Os

princípios do turismo cultural envolvem o incentivo ao

descobrimento do sentido, símbolos e significados da cultura

para potencializar os atributos, o respeito à identidade e à

memória dos grupos formadores da cultura e sua dinâmica

própria e a valorização da autenticidade dos bens e das

experiências. Incluem também a proteção do patrimônio, a

promoção do encontro de culturas, impulsionando a

interpretação histórica e presente, o respeito às diversas

possibilidades de interpretação dos bens,

a viabilidade econômica da manutenção desses bens, a

humanização do patrimônio e o empenho na formação dos

atributos para facilitar a leitura. Falam ainda da

sustentabilidade de inclusão social,

dos produtos que oferecem experiências com apelo

educativo e emocional,

da necessidade de se evitar a banalização das

experiências da educação da comunidade para entender e

preservar,

da democratização do acesso e da gestão participativa.

Como diretrizes e estratégias são arrolados oito itens de

avaliação das questões legais, elaboração de marcos

técnicos, definição da capacidade

de suporte, identificação dos produtos e serviços de apoio à

integração dos bens. 54 Estamos efetuando gestões para

detalhar mais os procedimentos específicos relativos à

questão dos sítios arqueológicos para divulgar ao meio

turístico.

No Piauí, Estado onde a política está mais avançada, foi

elaborado um Plano Diretor de Desenvolvimento Turístico

Arqueológico,55 que efetua diagnóstico por região, define as

condições de acesso, a situação atual dos bens e a

contextualização sociopolítica-ambiental. Propõe os

roteiros e os circuitos turísticos,

as intervenções e as especificações das edificações, a

avaliação dos impactos, medidas mitigadoras, a

demanda, o público-alvo,

o perfil do turista, propostas de integração, a previsão

e os investimentos necessários .

O trabalho é bastante competente, entretanto ainda não

foi implementado.

POSSIBILIDADES,

DESENVOLVIMENTO,

ROTEIROS

E IDENTIDADE

A complexidade da questão não deve ser vista como

desestímulo, mas como desafio para um trabalho de

efetiva qualidade e alcance, pois fora desses parâmetros

não se pode falar em preservação, condição sine

qua non para que efetivamente se possa

dizer que o sítio está sendo utilizado com consciência

social a bem do cidadão e que está se promovendo sua

preservação através do uso turístico. Portanto, conforme

Margarita Barretto,56 só conhecendo as sociedades,

podemos minimizar os impactos negativos e otimizar os

positivos. No caso

da arqueologia, além de se conhecer a população que

vive na região do sítio, necessitamos conhecer as

características dos povos e das culturas que ocuparam a

região em diferentes momentos cronológicos,

além de conhecer as características dos sítios

arqueológicos que representam panorama bastante

diversificado. Para conhecer os sítios arqueológicos temos

de aumentar a interface

com outras áreas do conhecimento:

a geomorfologia para conhecer, por exemplo, a

pedogênese das cavernas;

a geologia para entender os vestígios de oficinas líticas

que podem ter servido

de referência para o padrão de assentamento de determinados

grupos; a química para entender as características naturais de

paredões que possuem grafismos rupestres

e as condições de conservação necessárias. 57

Dessa forma fica claro que existe um caminho que necessita

ser percorrido para que o país possa se sensibilizar como

Estado e como governo. Estruturas sólidas precisam ser

implantadas, no nosso entender, com base na responsabilidade

compartilhada, 58 como forma de gestão mais eficiente para a

área. Assim articulado, o governo federal, por meio do setor

responsável para a gestão do patrimônio arqueológico, estará

naturalmente atuando com os co-responsáveis e suas parcerias,

em espaços de discussão institucionalizados e mais

duradouros.

Esses fóruns poderão propiciar a durabilidade necessária

levando a questão

à sua maturidade. É fundamental que o setor seja

regulamentado e inserido nas políticas públicas, com diretrizes

definidas, planejamento estratégico, programa com lançamento

de editais, acompanhamento

e fomento contínuos. O público brasileiro

e internacional demanda e merece fluir

da beleza e do imaginário que os sítios arqueológicos

propiciam por meio do turismo cultural, que representa um

dos mais eficientes instrumentos da educação patrimonial.

O turismo cultural facilita ao cidadão o cumprimento de seu

papel na preservação desses bens, por entender os

sentidos, para se sentir identificado com este passado, para

ter orgulho desta memória e por compreender que esta

herança ancestral pode melhorar sua qualidade de vida

e a de seus descendentes.

Inúmeras são as possibilidades no Brasil

e no exterior; a questão está sendo analisada. O tema

"turismo, patrimônio e desenvolvimento" foi preocupação

recente no Centro Regional das Beiras,

da Universidade Católica Portuguesa,

no pólo de Viseu, que, em maio de 2006, promoveu

discussão com especialistas para reafirmar a importância

do patrimônio cultural como recurso turístico, e a do

turismo como fator de desenvolvimento

que não pode ser ignorado como setor estratégico. O

patrimônio foi ressaltado como forma de individualização e

qualificação da visita, ressalvada sua condição de bem

escasso e frágil a ser preservado.

De forma convergente, foi também levantada a questão da

inclusão da população local porque "( ... ) se não houver

pessoas

nos locais não há turismo que resista". Registrou-se ainda

a busca de estratégicas,

a necessidade de se "pensar global" a complementação

do turismo cultural com

o gastronômico e o perfil do "novo turista", como pessoas

cultas que procuram novos conhecimentos. Em 2006,

ocorreu,

em Barcelona, o Congresso Internacional de Turismo

Arqueológico, que enfocou a gestão de rotas, sítios e

monumentos, além de experiências inovadoras. "Interpret

Europe" (2002)59 é uma rede européia para interpretação

de patrimônio, cuja maior expressividade está na

visibilidade e na cooperação que fornece para o trato dos

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bens. Entendida como primeiro passo para a criação da

European Association for Heritage Interpretation,60 tem

como missão fomentar a cooperação e o

desenvolvimento

sustentável da herança natural e cultural

para as futuras gerações. A Itália criou um observatório

de turismo, em iniciativa pioneira, que envolve a

comunidade nos projetos e que mostra as tendências do

setor. Existe uma Rede Internacional de Políticas

Culturais da qual participam África do Sul, Suíça,

Canadá, Filipinas e México, que, em reunião virtual,

examinaram as diferentes possibilidades que o

patrimônio cultural pode oferecer para o

desenvolvimento econômico e social das nações. Além

de conhecer as características próprias de cada nação,

reconheceu-se que todas vêem o turismo como provedor

de recursos para

o desenvolvimento econômico e social

das comunidades. Tal conclusão se deu no processo de

busca do ponto de equilíbrio entre os aspectos sociais

e econômicos positivos do turismo cultural e a

exigência

de proteger o patrimônio. A África do Sul investiu na

criação de empregos através do desenvolvimento de

produtos artesanais como da comunidade de Khoi-San,

onde existem sítios de pinturas rupestres e cemitérios

que são parte da ata de recursos do patrimônio

nacional decretada em 1999. O Canadá busca a

preservação e o estímulo ao turismo, mas o apóia com

fundos públicos para que os atrativos se tornem

acessíveis e cumpram sua missão. Na França, o

turismo cultural é subsidiado. Dessa forma fica claro

que para atuar no setor turismo é fundamental a ação

do Estado. No Brasil temos muito a fazer: definir

instrumentos,

diretrizes e prioridades assim como criar

e desenvolver programas e ações de médio

e longo prazos, estruturar as instituições de turismo e de

cultura com setores que tratem especificamente de

arqueologia e turismo, respectivamente. É preciso que os

governos assumam sua parte, pois como nos diz Aceves:

La protecci6n de Ias manifestaciones materiales de Ia memoria

coIectiva y Ia salvaguarda del medio natural o del medio

armoniosamente antropizado, es una responsabilidad de Ia

naci6n, es una responsabilidad de Ia sociedad y del Estado,

quienes 1o deberán mantener por exigencia moral, por impulso

ético, con la mira de poner a salvo Ia ldentidad propia de cada

sitio y de transmitir su mensaje material a Ios hombres del futuro.

A ação do Estado, entretanto, passa pelas políticas

econômicas o que leva a questão

a ser inserida necessariamente nas discussões sobre

desenvolvimento. Atualmente vivemos um momento em

que a esmagadora maioria dos projetos de pesquisas

arqueológicas é efetuada de forma empresarial, no bojo

de projetos de impacto ambiental (usinas hidrelétricas,

rodovias, gasodutos, distritos industriais, loteamentos,

etc.); como a prioridade é a liberação da área, os prazos

são curtos e a pressão política e econômica é grande,

dificilmente um projeto cogita ou consegue inserir ou

executar iniciativas para abertura de sítios ou áreas para

turismo cultural. O potencial, porém, é grande e

o compromisso também, na medida em que envolve

projetos de educação patrimonial

e eventualmente compensações, cujas altas somas

podem ser aplicadas na construção de museus,

museus de sítio, centros culturais, casas de memória e

outros

equipamentos que efetivamente sirvam de referência para dar

visibilidade e fomentar

a preservação desses bens, assim como locais de reprodução e

produção de conhecimento, conforme o contexto em questão e a

posição do Iphan e do Ministério Público.

o entanto, para que o turismo esteja envolvido nesse processo

é necessário que seja integrado ao projeto de planejamento,

pois muda o enfoque da busca, avaliação

e trato dos bens na pesquisa científica.

Parte da luta da Unesco, complementando o que

colocamos

sobre os indicadores econômicos foi a

de relativizar a atenção fornecida pelos políticos ao PIB

(Produto Interno Bruto)

e criar e valorizar o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano),

enriquecendo o nível das análises, discussão e ação.

O desenvolvimento é visto como um aumento do número de opções

individuais e não como

o crescimento da produção material, a cultura é vista como o objetivo do

desenvolvimento e

I sua base social e não como estImulo ou impedimento para o

crescimento econômico.61 Como gabarito para ações internacionais,

o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas criou um

modelo sobre

a concepção das necessidades básicas e os paradigmas de

desenvolvimento para enfrentar o pensamento do crescimento

econômico.62 Esse contexto se impõe em qualquer iniciativa

com atrativos internacionais, que se constitui aspecto inerente à arqueologia na medida em

que estamos falando de bens anteriores

à constituição da nação brasileira,

de interesse para as demais nações,

em especial as vizinhas. Dessa forma fica

absolutamente claro que essa é uma atividade

de Estado, articulada e enriquecida pela

cooperação com os demais segmentos.

Como grande parte dos sítios arqueológicos

está longe dos centros urbanos, temos de arrolar

também aspectos sobre turismo rural e

desenvolvimento, nos reportando

a Froehlich, que fala de trabalhos que defendem o

"alavancamento" do desenvolvimento rural, via

serviços ao turismo63 como prática social, que

revaloriza o território e grupos sociais em abordagens

que beiram o generalismo e as superficialidades, com

pouco potencial reflexivo e progressivo. O entusiasmo

se deve à expectativa de um projeto redentor diante da

crise, projeto este que envolve

a grande maioria dos municípios, sendo

que dificilmente encontrarão mercado satisfatório para

todos. Questiona-se que grupos de interesse

efetivamente ganham nesse processo? Sobre a

abordagem do trickle down64 sempre "respinga" alguma

benesse para as camadas mais pobres da população.

Entretanto, a questão não seria apenas a de gerar

emprego e renda, mas

de redistribuir esta renda e diminuir as desigualdades

socioeconômicas. Sem perfil e capacidade de

endividamento65 dos agropecuaristas patronais e dos

agricultores familiares, apenas os "respingos" restariam

para os demais, como a venda de

artesanato de alguns tipos de produtos caseiros e o

trabalho sazonal.

Assim consideram que a atividade turística sustentável ou

integrante da possibilidade de desenvolvimento sustentável é apenas desviar os

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termos da questão sem analisar a complexidade de uma

atividade econômica que tem por base o consumo de

paisagens naturais exóticas ou a história passada.

Existe também a possibilidade e a necessidade

de se implementarem ações de fomento para

estimular a iniciativa à participação social, através

da realização de campanhas de divulgação e cursos

de habilitação, de estímulo à organização de ONGs,

através de mecanismos de isenção fiscal,

sensibilizando o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac) para esse tipo de demanda

específica, ou por meio do Imposto Predial e

Territorial Urbano (IPTU). Pode-se definir um

programa nacional de turismo arqueológico, no

qual sejam definidas diretrizes, premissas e

prioridades, assim como lançados editais com

linhas de financiamento para projetos regularizados

pelo Iphan.

Fica claro dessa forma, que necessitamos de

planejamento, estudos prévios aprofundados e uma

postura moderna que posicione as iniciativas em

plataformas de complementação de renda,

sustentabilidade, evitando gerar expectativas de

"desenvolvimento", trata-se, enfim, de processo

mais complexo. Necessita-se ainda de efetuar

abordagens de maior escala, que envolvam edição e

implementação continuada de políticas públicas

conscientes para o desenvolvimento de alguns pólos

que reflitam minimamente uma amostragem

do patrimônio arqueológico nacional no tempo,

no espaço e na sua diversidade cultural. Neste

caso, mesmo que fosse prioridade política

durante alguns

governos, a comunidade científica teria

de produzir muitas análises, convenções

e sínteses para disponibilizar ao consumo do governo e

grande público. Podemos e devemos, entretanto, a despeito

da situação embrionária, desenvolver o turismo e também

sonhar com roteiros nacionais.

De forma coletiva temos muito trabalho

a fazer, tendo, preferencialmente, como referência a

abordagem de conservação integrada e gestão

compartilhada.

Será maravilhoso o dia em que tivermos a opção de

realizar roteiros temáticos, nacionais e internacionais,

que incluam sítios de arqueologia histórica, de

etnoarqueologia, que falem sobre

a ocupação dos caçadores-coletores, dos pescadores-

coletores, dos raros

e ricos sítios de contato do litoral, dos sítios dos invisíveis

(negros, índios e outras minorias), das sociedades complexas

da Amazônia, que acompanhem a rota de migração dos tupi-

guaranis, as expressões dos grafismos rupestres deixados

voluntariamente em registros por todo o país.66 Para tal, seria

necessário um esforço integrado para se verificar o estado de

conservação dos sítios que foram objetos de pesquisas

densas e que teriam conhecimento a ser interpretado. Mas,

como seria sua visibilidade arqueológica, estariam em

condições favoráveis ao agenciamento para uso turístico

controlado? Seria possível agregar alguns aos roteiros já

existentes?

Em síntese, a preservação dos sítios arqueológicos por

meio do turismo é possível e irreversível. Já está

ocorrendo e promovendo impactos significativos no

patrimônio, na maioria das vezes, sem dar o devido

retorno ao cidadão e ao mercado. Para ser sustentável

precisa de projeto regular legal e competente que respeite

a capacidade de carga e possibilite ao público-alvo se

identificar com o perfil do sítio. É necessário o

desenvolvimento de pesquisas científicas voltadas para

esse fim, efetuadas sobre sítios ou áreas selecionadas

pela visibilidade, que sejam pesquisadas

ou escavadas visando à adequação de museu de sítio

abordando temas que sejam de interesse da população

contemporânea. Temas que envolvam, por exemplo:

saúde, fronteiras, conflitos armados etc.

O trabalho de pesquisa científica deve ser previamente

licenciado pelo Iphan e,

no caso de abertura do local para turismo, deve também

ter aprovadas as obras a serem edificadas na área ou nos

sítios assim como o plano de gestão. Esse plano define as

parcerias, critérios e o envolvimento

da comunidade. Periodicamente deve ser enviado

relatório para acompanhar o andamento das atividades e

da conservação dos sítios. O Estado brasileiro que ainda

não se responsabiliza, como o governo peruano, mas a

despeito de não ter sido pressionado, como o do México,

pela quantidade e monumentalidade de seus bens,

necessita assumir seu papel de investir na criação de

estruturas, regulamentação e programas de fomento,

como o Canadá e a França, para manter alguns atrativos

de base e possibilitar a captação de parcerias do

empresariado e da sociedade civil. No momento, o

exemplo mais bem-sucedido, que deu visibilidade

nacional e internacional à arqueologia

brasileira, que mudou o paradigma desta referência

cultural ancestral, a Serra da Capivara, está publicamente

anunciado que necessita de recursos de manutenção para

continuidade de um projeto que é mantido há mais de 30

anos. A legislação de base, igual para todos os países

citados, nos leva a tutelar esses bens na ótica da

responsabilidade pública com o bem coletivo; entretanto,

a prática está mais voltada às questões mercantilistas.

Assim cabe também ao Estado assumir a manutenção

básica da Lascaux brasileira assim como criar outras

referências.

Os arqueólogos e suas equipes interdisciplinares

precisam se sensibilizar com essa causa, planejar e

produzir mais conhecimento e alternativas para o uso

social desses bens, com possibilidades educativas e

recreativas. E, finalmente,

os empreendedores e empresários poderiam

especializar e profissionalizar seus serviços e pessoal

para otimizar os recursos investidos em iniciativas

conseqüentes e de médio e longo prazos, que forneçam

retorno social e sustentabilidade às regiões que têm

seu patrimônio impactado por obras de desenvolvimento,

aproveitando os valores e recursos culturais do país como

estímulo à preservação da memória, reafirmação e

valorização da identidade assim como de inclusão social.

Pelo exposto, espero ter deixado claro que é viável o uso

turístico de alguns bens arqueológicos, préselecionados

por critérios como visibilidade, conhecimento produzido

sobre o bem, a locação, o interesse e a participação da

população local e outros

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atores regionais; possibilidade de

integração às políticas públicas, condições de

conservação. Entretanto, esta atividade também depende

da vontade política e impacto sóciocomercial, regional e

nacional que inclua a comunidade próxima aos bens,

para fornecer segurança e longevidade à iniciativa, dando

o necessário retorno ao cidadão e garantindo a

preservação do bem.

Complementando a visão sobre o tema e a

importância de se desenvolver este campo, que

mostram como a questão

é profunda e complexa e como é fundamental seu

desenvolvimento, podemos ainda arrolar outro

aspecto fundamental, que envolve o turismo:

a questão da identidade, lembrando que a cultura pode

ser encenada para o turismo, mas essa encenação

também provoca o resgate e a manutenção da cultura.

A discussão envolve ainda questões da relação

dialética entre a cultura produto

e a cultura "autêntica", a cultura inventada que reinventa

a identidade. Talavera declara que embora mantendo seu

componente

simbólico, o uso turístico do patrimônio não contribui com a

questão identitária na medida em que a espetaculariza e serve

mais ao mercado que a comunidade.67 Compartilho,

entretanto, da visão que observa que

o turismo pode ser um dos fatores que desencadeiam o processo

entre passado e presente. Inicialmente visto como cultura

encenada, como tradição inventada para consumo turístico, acaba

penetrando os interstícios do tecido social e transformando-se em

movimento cultural do presente com interesse genuíno na

valorização e no conhecimento do próprio passado.68 Embora a

questão seja

controversa, pensamos que é melhor tentar melhorar

paulatinamente a qualidade dessas iniciativas do que

deixar os bens à mercê do inexorável processo de

destruição a que está submetido. Essa posição é

corroborada por Barretto que argumenta que, a despeito

de diversos aspectos negativos ( .. .), o turismo permite que a

comunidade, de alguma forma, engaje-se no processo de

recuperação da memória coletiva e de reconstrução da história

(2003:49), citando as experiências de revitalização de

centros históricos

e de implantação de museus. Deles também fala

Banducci, lembrando a necessidade de inclusão no

processo da população nativa e dos trabalhadores do

turismo, pois somente a abertura a todos propicia que a

viagem, vivenciada através dos registros do passado,

e o turismo como experiência da constituição permanente de

um relato futuro podem, nesse sentido, ser elementos

afirmadores da identidade na medida em que desencadeiam,

reforçam

e reproduzem impressões, sentimentos e conhecimentos dos

grupos nati vos sobre si mesmos e sobre o "outro". Inclusão

esta que garanta que eles tenham a oportunidade de

participar como agentes, dotados de autonomia e direitos,

e como "viajantes" eles próprios, como turistas

em busca de seu passado e de sua cultura. 69

NOTAS

1 Turismo é como fogo. Ele pode cozinhar sua comida ou queimar completamente sua casa. (trad. M.Lúcia) retirado do site da Unesco, do artigo "Le tourense durable - reencontré avec les experts". Disponível em http://whc.unesco.org/nwhc.fr/pages/ sites/main/ htm Acessado em 14/05/2002. 2 O turismo é um fenômeno extremamente

complexo, mutável, que opera de múltiplas formas e nas mais diversas circunstâncias, sendo difícil apreendê-lo, em sua totalidade, por meio de uma única perspectiva teórica ou mesmo de uma única ciência. A primeira preocupação dos antropólogos foi demonstrar o modo como o turismo interfere nas culturas locais e no ambiente em que ele opera, impondo mudanças significativas para a vida da população nativa. (Álvaro Banducci Jr. & Margarita Barretto. Turismo e identidade local. 2' ed. Campinas: Editora Papirus, 2001). 3 Para mais informações sobre a legislação ver Maria Lúcia Par di. "Informações sobre o órgão de preservação do patrimônio arqueológico brasileiro". Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia 1 USP, 4: 230-236. 4 Os sítios podem ser fortes, igrejas, fazendas coloniais, engenhos, senzalas, antigas aldeias indígenas, casas subterrâneas, oficinas líticas, sítios cerâmicas a céu aberto, registros rupestres, sambaquis, entre outros. 5 Essa lei dispõe sobre a preservação dos bens arqueológicos. 6 Definida como instrumento oficial, sistematizado e informatizado pela Portaria Iphan n° 241/200 e disponível no portal do Iphan. 7 GO-jA-OI Sítio Manoel Braga. Com estilo único e grande número de pinturas foi pesquisado e escolhido pelo patrimônio federal para realização de oficina-piloto nacional, para estudo e avaliação do turismo em sítios arqueológicos. O sítio era local de concentração de bandos para a realização dos rituais necessários à coesão social do grupo, com feições únicas, "estilo serranópolis", onde já se manipulava pigmento por volta de 11.000 anos atrás (em comunicação pessoal do arqueólogo Pedro Inácio Schitz, 2006). Até o momento, o processo criminal sobre o caso de Serranópolis continua tramitando na justiça federal. 8 Maria Lúcia Pardi. "Relatório de vistoria arqueológica e laudo de avaliação sobre os danos causados no sítio Go-JA-03/Serranópolis Goiás", 1999:25-26. 9 Apud Maria Lúcia Pardi. "Gestão de patrimônio arqueológico: documentação e política de preservação", 2002:72. 10 Peter M. Burns. Turismo e antropologia, uma introdução. São Paulo: Editora Chronos, 2002. p. 30. 11 Peter M. Bums. Op. cit., p. 55. 12 Peter M. Bums. Op. cito p. 104-5.

13 A classificação é do comportamento a cada viagem, não do individuo,

pois este poderá transitar por várias categorias. Valene Smith também

classifica

os turistas como exploradores de elite, excêntricos, incomuns, de massa, de massa especializados e turistas de vôo fretados, importante para estudos de impacto cultural e social (apud Peter M. Bums. Op. cit., p. 66). 14 T. Selwin (1996: 14) citado em Peter Bums. Op. cit., p. 66. 15 Essa questão define a razão pela qual não se deve restringir a visitação a esses bens da união com "cobrança de ingressos". Entretanto, podem ser comercializados serviços (guias, tradutores, transporte, uso de instalações privativas, espetáculos .. ) e produtos (fôlderes, postais, publicações, lembranças, refeições ... ) para auxiliar na sustentabilidade . 16 Convenção internacional para proteção mundial, cultural e natural, adotada em 16/11/71972 e a Recomendação de Nairobi. 17 O portal da Unesco demonstra preocupação com um turismo durável, com o rápido crescimento econômico do setor e sua oferta na preservação da integridade e sobrevi da desses bens. Enfoca ainda zoneamentos, educação, interpretação e linhas mestras de comportamento para turismo. Nele ainda se levanta a questão do rápido crescimento da atividade. 18 Como vestígio arqueológico, entendem-se os testemunhos anteriores à conquista européia. 19 Entretanto, é bom registrar que lá a questão é tratada de forma cada vez mais transversal. O Banco da França tem uma linha especial para viagens, apoio da ODIT-França (que trabalha com engenharia do turismo) e a Maison de France promove o país no exterior; instituições ligadas ao ministério do turismo. Parte do esforço efetuado para facilitar e estimular o turismo e a livre circulação está na abolição dos registros dos hotéis e nas fronteiras. 20 Considerando como arqueológico apenas o que existia antes da conquista e como histórico os bens dos séculos XVI a XX. 21 Como diagnóstico, Salvador Aceves diz que este processo se deve

à inconsistência dos instrumentos de planejamento territorial e urbano, à sua frágil conexão com as leis, à ambigüidade do regime de posse de terra e à debilidade técnica de autoridades locais. Um dos mais expressivos fatores de deformação física dos bens é a alteração do equilíbrio ecológico, entretanto, atua sobre os efeitos e não sobre as causas. 22 As intervenções em Cobac são registradas como toleráveis.

23 Monte Álban, Paquimé, La Quemda (Zacatecas), Sochicolco

(Morelos) e Chibichautún (Iucatáctam), próximo a Mérida. No Brasil,

essa ação poderia ser

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comparada a do Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí. 24 Nas gestões anteriores, o turismo cultural foi pouco desenvolvido . .Brasil. Meu negócio é turismo. Brasília: Ministério do Esporte e Turismo Embratur, 2001. 25 Planos que detalham a utilidade cadastral, a determinação da vocação, a potencialidade, a regulamentação dos usos, densidades e intensidades. 26 As metodologias e estratégias atuam em três vertentes: a) identificação dos bens, automaticamente protegidos pelas leis, b) controle das atividades particulares e estabelecimento de medidas de fomento como estímulo fiscal, e c) formação de agentes sociais e associações civis para atuar em parcerias por meio de licenciamentos, fiscalização e sanções. Entretanto, os gestores mexicanos do Conaculta e da Coordenação de Patrimônio carecem de parcerias comunitárias e acadêmicas, estabelecimento de normas técnicas específicas, planos de manejo, regulamento das zonas e a criação de um sistema de gestão do patrimônio cultural com espaço de discussão e análise de conselhos consultivos e de corpos de apoio técnico. Acreditam ainda que deve ser instrumentalizada uma política de descentralização e coordenação intergovernamental, incremento à participação da comunidade, à criação de opções de financiamento, programas integrais de proteção e de difusão, ferramentas de avaliação e redesenho da legislação. 27 O Instituto Nacional de Arqueologia e Humanidades (INAH, México) está com novas políticas com a visitação aos bens arqueológicos, a integração com o entorno natural e humano, a promoção de valores culturais diversificados, como o imaterial, conhecimentos, medicina, vivências e aventuras.

28 Registrado no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos - CNSA/Iphan. 29 Gislaine Valério de lIMA. "Cotidiano e Cultura Material em Vila Boa de Goiás nos Séculos XVIII e XIX". Anais XIII Congresso

Sociedade de Arqueologia Brasileira. Campo Grande, 2005. 30 A região foi objeto de diversos projetos, como a Casa da Fundição do Ouro (Catarina Eleonora Ferreira da Silva & Maria Lúcia Pardi. "A pesquisa arqueológica na Casa de Fundição do Ouro de Goiás, GO. Dédalo, 1989).

31 Diretor do Departamento de Pesquisa Arqueológica da The Colonial Williansburg Foundation, na Virgínia.

32 Ruínas, entreposto comercial, talvez do início do século XIX,

divisa com Goiás, ainda não pesquisado.

33 lriforme mundial sobre a cultura 2000 - Densidade cultural, conflito e pluralismo. Unesco-Ed. Moderna, 2004. 34 Sakiko Fukuda Parr. "Em busca de indicadores de cultura e desenvolvimento: avanços e propostas". Em lriforme mundial sobre a culturo

2000 - Densidade cultural, conflito e pluralismo. Op. cito 35 Informe mundial sobre a culturo 2000 - Densidade cultural, conflito e pluralismo. Op. cit., p. 362. 36 Turner e Ash (1975: I 29) citado em Peter Bums. Op. cit., p. 99. 37 Margarita Barretto. "O imprescindível aporte das ciências sociais para o planejamento e a compreensão do turismo". In: Horizontes

antropológicos: antropologia e turismo. Porto Alegre: PPGAS, 2003. p.16. 38 Esse tipo de turismo foi proposto pelo setor com modalidades de baixo impacto ambiental e grande retorno social para as comunidades receptoras. 39 O turismo seletivo pressupõe visitas controladas, com número restrito de visitantes. 40 Em 1989 desenvolvemos o projeto de resgate cultural bakairi, que tinha no seu bojo uma iniciativa de abrir a aldeia para que grupos de turistas pudessem receber aprendizado de diversas práticas além de outras vivências. No ano de 1990 elaboramos o projeto de Etnoarqueologia do Negro no Mato Grosso, que visava avaliar a base patrimonial para turismo étnico nas ruínas de sete arraiais de mineração que eram popularmente conhecidas como a Macchu Pichu Brasileira. Em 1991, participamos do Plano de Ordenamento do Parque Nacional da Chapada dos Guimarães efetuando amplo levantamento de sítios, classificando-os, entre outros, para disponibilizar os que poderiam ter uso turístico monitorado. Treinamos guias, incluímos os sítios e áreas con1

perfil para uso turístico em projetos pilotos de zoneamento que definem áreas de interesse arqueológico nos municípios de Montemor e Ouro este / SP (1999). Em gestões diversas elaboramos vistorias e diagnósticos de proteção de sítios abertos a turismo no Piauí e em Serranópolis. Elaboramos levantamentos, planejamento de parque arqueológico para uso turístico em Palestina de Goiás e no Amapá (de 1998 a 2005). 41 Mais conhecido na literatura como Caiapônia, o nome do antigo município, antes da divisão. 42 A sinalização foi especialmente projetada por nós para resistir à grande amplitude térmica verificada nesses abrigos, assim como à necessária convivência com diversos tipos de animais e a segurança contra furtos eventuais. A arte foi aplicada como adesivo

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impresso sobre chapas de acrílico colocadas sobre chapas de fibrocimento com fundo preparado, para estrutura e moldura usamos chapa galvanizada, pintada com tinta eletrostática. A montagem foi precedida de aplicação de substâncias vedantes devidamente tratadas com inseticidas, para cobrir a arte com uma segunda chapa de acrílico, que pode ser periodicamente trocada para manutenção. Para não afetar o solo arqueológico a fixação foi efetuada sobre sapatas de concreto, com cabos de aço e grandes cadeados, discretamente instalados e camuflados. 43 Murta e Goodey (1995), citado em Maria Lúcia Pardi. Op. cit., 2000. 44 John A. Veverka. "Interpretive planning for the next millennium - The product of the product outcome based planning and the experience economy". Disponível em http://www.ipg.uni-Créditos freiburg.del forschungl ap61 interpret-europe/navigation.htm. Acessado em 14/05/2002.

45. Jafari citado em Álvaro Banducci Jr. & Margarita Barretto. Turismo e antropologia no Brasil: estuda preliminar. 2' ed. Campinas: Papirus, 2001. p. 26-34. 46 Entre os quais podemos citar: Oliveira & Gomes Silva. "Pantanal: cultura e patrimônio histórico e arqueológico para o turismo cultural no Mato Grosso do Sul." I Gomes Silva. "Pantanal: o imaginário midiático e a educação patrimonial para fins turísticos." I Gomes dos Santos. "Plano de manejo para a visitação do Sítio Arqueológico MSMA-037. Aquidauana - MS." I Thomaz. "Turismo arqueológico no Rio de Janeiro: cultura, educação e lazer." I Ries. "Arqueologia: um potencial para o ecoturismo no Brasil." I Pereira & Silva: "Sítio Arqueológico do Morro da Queimada em Ouro Preto: periferização e esquecimento de uma paisagem turística." Camargo. "O aproveitamento dos vestígios arqueológicos para o turismo: potencialidades de Iguape (SP)." / Etchevarne. "Proposta para o aproveitamento turístico de áreas arqueológicas da Bahia." / Ghetti. "Reflexões acerca do conceito de capacidade de carga turística aplicada aos sítios rupestres: subsídios para a preservação do patrimônio arqueológico." 47 Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos, no qual, a partir de estatísticas efetuadas nas Fichas de Registro de Sítios Arqueológicos, constatamos a porcentagem dos campos preenchidos. 48 Embora este cadastro de dados oficiais possa ter o quantitativo bastante aumentado em função de atualizações periódicas, a informação de percentuais é válida como amostragem bastante significativa e representativa da atualidade. 49 O processo de licenciamento requer que a ação se

configure, de forma documentada, como uma pesquisa científica ao encargo de equipe especializada que possua condições de trabalho para iniciar o projeto com a apresentação de um problema, atravessando as etapas analíticas de gabinete, campo e laboratório, a garantia de guarda do acervo em instituições especializadas, a definição e proteção de blocos testemunhos e concluir o processo com a devolução do conhecimento à sociedade. 50 Marcelo Brito. Relatório de viagem ~ Granada/Espanha - Reunião de Especialistas Internacionais sobre Planejamento Turístico de Grandes Sítios Arqueológicos do Patrimônio Mundial, 2006. 51 Decreto 5.406/2005, capo IX artigo 40"D.o 17/02192 suplemento ao n. 33 e complementares. 52 Stonehenge, Tikal, Missões, Alhambra. 53 O Grupo Técnico- Temático classificou "turismo cultural" como o turismo étnico) místico, esotérico, religioso e cívico. 54 A informação e comunicação, a articulação, o incentivo, a capacitação, o envolvimento das comunidades, a infra-estrutura, a promoção e a comercialização. 55 Realizado em 2000 pelo Prodetur com apoio do Governo do Estado do Piauí e do Banco do Nordeste, tendo como consultora responsável a arqueóloga dra. Maria Conceição S. M. Lage. 56 Margarita Barretto."O imprescindível aporte das ciências sociais para O planejamento e a compreensão do turismo", 2003. 57 Para envolver aspectos turísticos nos projetos fazse necessário conhecer as sociedades, pois quando o trabalho tem base local é preciso conhecer o conceito de comunidade a fim de lidar com determinadas áreas de prestação de serviços (setor em que o turismo gera a maior parte dos empregos) para projetar o uso da mão-de-obra feminina, para se entender as relações de família e gênero. Deve-se ponderar sobre o impacto que gera quando os jovens ganham mais que os pais em comunidades patriarcais; para entender a resistência às mudanças é necessário conhecer as representações sociais que a população local tem sobre o outro, o rico ou o estrangeiro, pois podem justificar ações de negligência, descaso, má-fé, subserviência e outros comportamentos típicos de uma relação desigual. 58 Ver Maria Lúcia Franco Pardi. "Gestão de patrimônio arqueológico: documentação e política de preservação", 2002.

59 The Network Interpret Europe. Disponível em

http://www.ipg.unireiburg.de/forschung/ ap61 inter pret-

europe/netwok/network.htrn.

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60 World Heritage Center. "Tourism and world heritage". Interview with the Argentine Ambassador to Unesco. Em The World Heritage Newsletter. 6th Extraordinary Session of the World Heritage Committee. France: Unesco, 2003. 61 Sakiko Fukuda Parr. Op. cit, p. 286. 62 O Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas tem como princípios o foco nas pessoas, eliminação da pobreza, melhoria do acesso às oportunidades, a inclusão de setores rurais, a proteção do ambiente e a sustentabilidade, entre outros. Como itens do diagnóstico dos aspectos que excluem os países do Terceiro Mundo do desenvolvimento, estão destacadas as transferências de recursos dos países pobres para os ricos, a disputa pelos investimentos de organizações multinacionais, a concentração do poder nas organizações internacionais que servem majoritariamente aos países desenvolvidos, que também são privilegiados pelo sistema de transporte (Peter M. Burns, 2002: 169-174). 63 Mário Riedl & Joaquim Anécio Almeida (org.)."Apresentação". Em Turismo rural- ecologia, lazer e desenvolvimento, 2000, p. 7-8. 64 Abordagem desenvolvimentista já bastante conhecida, segundo a qual as camadas mais pobres receberão benefícios indiretos de grandes estratégias e projetos de investimento como melhoria de serviços públicos e infra-estrutura. 65 Os financiamentos dos segmentos turísticos estão voltados para as empresas estabeleci das. 66 Um panorama sobre a potencialidade dos bens arqueológicos para uso turístico pode ser verificado em M. Cristina Mineiro Scatamacchia (Turismo e arqueologia. São Paulo: Aleph, 2003), que fala sobre os sítios de alta visibilidade, os complexos culturais, as tradições de pinturas e gravuras, coleções e museus arqueológicos como veículo de divulgação do patrimônio, defendendo a possibilidade de uso sustentável desses bens. 67 Apud Álvaro Banducci Jr. "Turismo cultural e patrimônio: a memória pantaneira no curso do rio Paraguai". Em Horizontes antropológicos: antropologia e turismo. Porto alegre: PPGAS, 2003. 68 De forma semelhante se manifesta Banducci (2001): Se, como dizem Auge (1999) e Urry e Rojek

(1997), o turismo é uma atividade que conduz à produção de

interpretações, ao permitir e estimular que as populações

nativas vivenciem seu passado, seus valores e costumes

como turistas, tende a desencadear um diálogo das culturas

consigo mesmas, leituras e re-interpretações da história que

se enriquecem no diálogo inteter-regional e com as

culturas estrangeiras. Desse modo, o turismo desencadeia

nos grupos

locais um processo de reconhecimento de si e de abertura para o diálo80 com o «outro': com o turista estrangeiro atraído para a região pela possibilidade de deslumbrar a singularidade das culturas regionais tanto quanto as belezas naturais. Vale ressaltar, por fim, que a identidade, moldada pela vivência cotidiana, é um mecanismo em constante construção. (grifo meu) 69 No caso do Pantanal, especifica Banducci, o turismo cultural poderia constituir-se em instrumento de afirmação da identidade regional, na medida em que contribuísse para reavivar a história da gente pantaneira - o processo de ocupação, os contatos interétnicos, as relações de fronteira - e recuperar o vasto patrimônio arquitetônico e arqueológico que se encontra adormecido e abandonado às margens do rio Paraguai". (2003: 123)

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