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Marionetas Nota

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Notas Marionetas

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Page 1: Marionetas Nota

Origens

A origem das marionetas não é clara, e é objecto de discussão entre estu­

diosos e historiadores. A acção imprimida a um boneco com apenas uma arti­

culação, e que assim se transforma em algo que não estava previsto, pode ser

entendida como o primeiro espectáculo com marionetas. Tal pode ser o caso

de uma brincadeira de criança ou da adoração a um Deus.

A religião, como no teatro de actores da tragédia grega, terá contribuído

bastante para a formação e o desenvolvimento das marionetas. Os Egípcios

faziam procissões com falos gigantes movidos por cordas, havendo deuses que

mexiam a cabeça e os membros através de fios ou varas.

Sabemos que na índia as marionetas eram usadas em cerimonias religio­

sas há, pelo menos, 4000 anos. No teatro sânscrito indiano, o protagonista

chama-se Sutradhara, que significa «aquele que detém os fios», o que, apesar

de não ser uma evidência, atesta uma ligação clara ao mundo da manipulação.

Na Grécia, julga-se que as marionetas remontam a 800 a.C, embora

existam testemunhos de ser prática popular só por volta do séc. IV a.C. Eram

manipuladas com fios: a palavra grega para marioneta é neurospastos, e neu-

ron significa fio ou corda. Por outro lado, o facto de koree ser simultanea­

mente uma manga comprida e uma pequena estatueta, fornece pistas para a

existência de marionetas de luva.

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LUOO-6|SIU! WOJJ jeuueosLUBo Aq pejaiauen 1 6 8 MANUAL DE TLAIKU

• , ereeo do séc. II, na sua obra Deipnosophists, refere o

• J r " n X ° c o n h e c i d o , Potheinos, a propósito de um espectáculo

n T^tro Dioniso, em Atenas, no leatro L/ influenciadas pelos mimos doncos e pelas

As marionetas gregas sao

Hias de Phlyax, manifestações teatrais formadoras de personagens-tipo C ° m e

s tornavam populares. O universo simbólico dos mimos e das máscaras

orlta-se facilmente a ser adaptado às marionetas, que por vezes desempe­

nham um papel importante na divulgação e preservação das tradições popu-

lares George Speaight (v. Bibl.) chega a afirmar que ao longo da História elas

têm servido de elo de ligação entre as formas teatrais que decaem e as novas

q u e se instauram, transportando referências que anos ou séculos mais tarde

são repescadas, e que de outro modo se perderiam para sempre.

Quando cai o Império romano, no séc. V, há uma tradição de manifes­

tações teatrais e parateatrais (influenciadas também pelas farsas atelanas,

como os mimos, jograis e bobos) que se mantém até ao drama religioso da

Idade Média. Nesta altura, marionetistas ambulantes percorriam toda a

Europa e os bonecos eram usados para ilustrar as Escrituras e figurar em pre­

sépios animados.

No fim do séc. XIV surge uma nova forma teatral, a Commedia deWArte.

Não é clara a sua relação com as comédias antigas, mas ambas apresentam

fortes semelhanças. Deste novo gênero e da sua galeria de personagens tru­

culentos e histriónicos como o Arlechino, Pantalone e / / Dottore (entre

outros), nasce uma das mais importantes figuras do teatro de marionetas, o

Pulcinella. Fruto em grande parte do imaginário popular, aparece por volta

de 1600 em Nápoles, depressa se espalhando por toda a Europa e chegando

até aos nossos dias metamorfoseado nas mais variadas personagens, quase

sempre de cariz cômico. O gosto popular em qualquer parte do mundo ele­

geu as suas personagens próprias, que muitas vezes dão o nome a um tipo de

teatro marcadamente nacional: o Polichinelle (mais tarde Guignot) em França,

o Punch em Inglaterra, Don Cristóbal em Espanha, Petrouchka na Rússia ou

o Dom Roberto em Portugal.

Materiais e técnicas

do ser misturaT"1^35 ^ " ^ C m a t e r i a i s P^ra construir marionetas, poden-

E«e capítulTé °" ^ " ^ ^ ^ m a " e i r a P a r t ic"lar por determinado artista. apenas um breve levantamento das possibilidades clássicas c

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170 MANUAL DE TEATRO

onde, o que nem sempre acontece, os materiais e a manipulação são clara­

mente identificáveis.

As marionetas são tradicionalmente esculpidas em madeira, que deve ser

macia para facilitar o trabalho do escultor e ao mesmo tempo leve para per­

mitir uma manipulação precisa e sem esforço. As árvores de fruto ou a tília c

o amieiro correspondem a estas características.

Esculpir em madeira é um processo lento e que requer grande habilida­

de, daí que hoje em dia seja mais freqüente o uso de pasta de papel, poliesti-

reno ou a moldagem em barro e posterior tiragem em poliéster. Para efeitos

de elasticidade, temos a mousse de poliuretano ou a esponja, que pode ser

revestida com tecido ou látex.

As marionetas podem ser classificadas em quatro tipos básicos:

Marioneta de luva: vulgarmente conhecida como fantoche, tem as mãos

e a cabeça em madeira ou pasta de papel e o corpo em tecido. É manipulada

directamente pela mão (p. ex.: indicador e médio na cabeça, polegar na mão

esquerda, anelar e mindinho na mão direita). O marionetista esconde-se por

detrás de um biombo ou torre, que normalmente tem a boca de cena deco­

rada. É um gênero bastante popular, especialmente junto do público mais

jovem.

Marioneta de vara ou haste: é manipulada através de uma vara de

madeira ou arame que atravessa o corpo do boneco até à mão do marionetis­

ta; outras varas podem ser utilizadas para as mãos. Manipulada por baixo da

cena, os materiais em que é construída variam consoante o tipo de expressi­

vidade pretendida, podendo ser operada por mais de um manipulador.

Mar ioneta de fios: feita normalmente em madeira, pode ser completa- ££

mente articulada, assim leve maior quantidade de fios. Os fios são comanda- o

dos através de uma cruzeta, ligados às articulações ou a outros órgãos (boca, "c?5

olhos), permit indo uma manipulação bastante complexa e que por vezes se E

aproxima bastante dos movimentos humanos. o

Marioneta de sombras: figuras planas recortadas em cartão, tecido ou ^ . CD

materiais translúcidos como o acetato (nas sombras indianas consegue-se este c

efeito com couro), podendo ser coloridas. Funcionam contra uma tela bran- £3

ca iluminada e são manipuladas por detrás da tela com arames, varas de

madeira ou fios.

Cada tipo de marioneta não é melhor nem pior do que outro: cada um ^

tem as suas especificidades que devem ser aproveitadas mediante a direcção -o

dramatúrgica, o efeito pietórico ou o imaginário simbólico pretendido. cc (D C (D CD

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MARIONETAS F. FANTCKHES 171

A marioneta no Mundo

^

Em alguns países, as marionetas são autênticas in,m..; -. , , ,. «uicncicas instituições nacionais,

portadoras das mais antigas tradições ou veículo de arrojadas experiências

vanguardistas. Vamos aqui abordar alguns dos gêneros que, pela sua particu-

^ lar.dade, merecem um olhar a partir do país que lhes deu origem

^ N o Or ien te , o teatro de marionetas não vive separado do teatro de acto-

, res, sendo mesmo considerado mais eficaz na possibilidade de criar magia e

de se envolver em clima de grande religiosidade.

O tea t ro de sombras ind iano , de nome Wayang Kulit, tornou-se

popular a partir d o reinado de Vikramaditya (375-414). As sombras de

cartão ou couro (perfurado e trabalhado a ponto de permitir a transparên­

cia) são desenhadas de perfil e manipuladas como se descreveu atrás.

Alguns destes teatros itinerantes representavam-se nas festas religiosas, ; como rituais de fertilidade da terra ou curas de doenças. Os manipulado-

í res recitam e can tam, sob a luz tremula de lamparinas de óleo, ao longo de

1 espectáculos que du ram vários dias. Os temas são essencialmente religiosos

I e mitológicos, dest inados a provocar emoção através da harmonia entre o

prazer estético e a intensidade do drama épico, estado psicológico que tem

o nome de rasa. As personagens são tipos e símbolos conhecidos do públi­

co e o marionetista tem sempre uma margem para improvisar e inserir

temas actuais.

O teatro de marionetas de Osaka, no Japão, apareceu por volta de

1630. Mais conhec ido por teatro bunraku, devido ao trabalho de Vemura

Bunrakuken, que o popularizou na sua sala chamada Bunraku-za. Este

I teatro, musicado pelo shamisen ( instrumento de três cordas) tem um nar-

i rador que conta a história enquan to a marioneta é operada por três mani-

| puladores (o mestre move a cabeça e a mão direita, o primeiro ajudante a

i mão esquerda e o segundo move os pés), técnica inventada pelo mestre

Yoshida Bunzaburo (?-1760) em 1730. O nome correcto deste drama é

j Ningyo-Joruri, que teve no dramaturgo Chikamatsu (1653-1724) o seu

expoente máximo, em peças que duravam dez a doze horas, do nascer ao g

pôr do Sol. São-lhe atr ibuídos cerca de cento e setenta textos, disputando <£

' a preferência do pübl.co com o mais popular gênero dramático japonês, o g

K a b A E u r o p a de Leste constitui um caso único no panorama do teatro |

( de marionetas mundia l . Até ao séc. XX, a sua act.v.dade era esscnual-

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172 MANUAL DE TEATRO

t i r ^^ » nos temas regionais, mudando r*A;^ i mente baseada nas tradições e nos cem*» & uuo radicalmen­

te com a conjuntura socialista. A primeira man.festação de mecenato esta­

tal ocorreu após a revolução russa de O u t u b r o de 1917, no segu i n i C n t o

das políticas revolucionárias de propaganda. O s temas deixaram de ser

apenas tradicionais para terem também conteúdos sociais e políticos, com

vista a formar as novas consciências. Mas o mais importante foram as pos­

sibilidades de experimentação que os novos teatros nacionais permitiam,

com salas próprias para representação e grandes estruturas técnicas e artís­

ticas que mudaram definitivamente a arte da marioneta. O Teatro

Nacional Drak (República Checa) dirigido por Jan Dvorak, o Teatro

Central de Moscovo de Serge Obraztsov (um dos mais famosos marione-

tistas de sempre) ou o Teatro Central de Praga, são apenas alguns dos

exemplos de companhias que fizeram escola pelas arrojadas propostas que

apresentavam, tanto pela inovação nos materiais, como ao nível da mani­

pulação. Apenas como curiosidade, nos anos cinqüenta e sessenta conta­

vam-se às dezenas o número de teatros nacionais de marionetas: 190 na

URSS, 24 na Polônia, 21 na Romênia, 18 na Bulgária, entre outros que

não cabe aqui referir. A sua importância na vida cultural e na educação

levou a que em 1952 fosse criado o primeiro curso de marionetas na

Academia de Belas-Artes de Praga.

Na Europa Ocidental, entre 1550 e 1600, surgem em Itália as primei­

ras marionetas na tradição da Commedia delVArte. Alguns anos mais tarde,

em Nápoles, a personagem Pulcinella afirma-se definitivamente no imaginá­

rio popular italiano, concorrendo já no séc. XVIII com o teatro de actores,

devido à qualidade técnica e à excelência do seu repertório. São três os tipos |

de marionetas desta altura: os burrattini, que são de luva, prestando-se mais

a crítica social e funcionando numa linguagem encriptada para fugir à cen­

sura; a marionette, de fios, destinada a um público aristocrata e burguês e os

puppi, bonecos com uma vara de ferro à cabeça e um fio numa mão ou joe- 2

lhos, típicos da Sicília e famosos pelos dramas de cavalaria como o Orlando fc Furioso. c

í»ao os teatros itinerantes italianos que introduzem importantes figuras £

no resto da Europa. Chegaram a França no séc. XVII, onde mais tarde, em §

^808, o Pulcinella se transformou em Guignol pelas mãos de Laurent O

^ rgue t . Pietro Gimonde, de Bolonha, introduz o Pulcinella em Inglaterra, £

an o origem ao Punch, que assim foi representado pela primeira vez em ffi CoventCardena9deMaiodel662 %

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Page 6: Marionetas Nota

MARIONETAS E FANTOCHES 173

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* Portugal

É provável que as marionetas tenham sido introduzidas em Portugal por

companhias estrangeiras itinerantes, embora a documentação a esse nível seja

escassa.

No início do séc. XVIII, Lisboa dispunha apenas de dois teatros, o Pátio

das Arcas (fundado em 1591) e o Teatro da Mouraria, também conhecido

como Pátio da Bitesga, que desde 1594 se dedicava principalmente às comé­

dias de bonifrates (marionetas). É para este teatro que, em 1742, Afonso

Luiz, picheleiro de profissão, pede autorização para representar com os seus

títeres ao almoxarife do Real Hospital de Todos-os-Santos - regulador da 1 actividade teatral - por 2000 réis1. Os dois teatros desapareceram com o ter-

1 ramoto de 1755.

I Mas a mais importante figura da história da marioneta em Portugal é

| Antônio José da Silva, o Judeu. Nascido em 1705 no Brasil, vem para Lisboa

| em 1713, onde mais tarde vem a exercer advocacia. A sua actividade no

Teatro do Bairro Alto (ao cimo da Rua da Rosa, em Lisboa), desenvolve-se

j entre 1733 e 1738, altura em que faz representar as suas óperas «joco-sérias»

com bonecos. A primeira foi Vida do Grande D. Quixote de La Mancha e do

Gordo Sancho Pança, seguindo-se Esopaida, Os Encantos de Aíedeia, O

Anfitrião, entre outras. Infelizmente, pouco sabemos acerca das suas mario­

netas e da forma como eram manipuladas, embora seja certo o enorme

sucesso que as suas representações tinham junto do público lisboeta. O

Judeu é condenado à morte e «relaxado em carne na fogueira» a 18 de

Outubro de 1739, com a assistência de D. João V. As marionetas continua­

ram a representar-se no Teatro do Bairro Alto pelo menos até ao terramoto.

Frei Inácio Xavier do Couto, religioso da Ordem da Santíssima Trindade,

fez nesse teatro pelo menos duas óperas de sua autoria: Firmezas de Proteu

(em data desconhecida) e Endimião e Diana, em 1740, ambas provavel­

mente com bonecos.

Da fusão entre a tradição oitocentista européia dos teatros de presépio e

do teatro de títeres secular nascem, em meados do séc. XIX, os Bonecos de

Santo Aleixo. Oriundos da Vila de Santo Aleixo, em Estremoz, eram tam­

bém conhecidos como «Bonecos dos Wpromucenos» devido à família que os

animava, os Nepomucenos. Antónia Maria Nepomuceno é a mais antiga fan-

flnw " " " " • « " " documento exposto no Museu da Marioneta, em 1 isboa.

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