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MARISTELA DA ROSA

ESCOLANOVISMO CATÓLICO BACKHEUSIANO: APROPRIAÇÕES E

REPRESENTAÇÕES DA ESCOLA NOVA TECIDAS EM MANUAIS PEDAGÓGICOS

(1930-1940)

Tese apresentada ao Curso de Pós-Graduação de

Doutorado em Educação, da Universidade do Estado de

Santa Catarina (UDESC), como requisito parcial para

obtenção do grau de Doutora em Educação.

Linha de Pesquisa: História e Historiografia da

Educação.

Orientadora: Drª. Gladys Mary Ghizoni Teive

FLORIANÓPOLIS

2017

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Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da UDESC

R788e

Rosa, Maristela da Escolanovismo católico Backheusiano: apropriações e representações

da Escola Nova tecidas em manuais pedagógicos (1930-1940) / Maristela da Rosa. - 2017.

255 p. :il. ; 29 cm

Orientadora: Gladys Mary Ghizoni Teive Bibliografia: p. 233-238 Tese (Doutorado) - Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro

de Ciências Humanas e da Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Florianópolis, 2017.

1. Educação - História. 2. Manuais técnicos. 3. Escola Nova. 4.

Everardo Adolpho Backheuser. I. Teive, Gladys Mary Ghizoni. II. Universidade do Estado de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Educação. III. Título.

CDD: 370.9 - 20. ed.

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Ao meu pai Antônio (in memoriam), tão

presente pela ausência, e à minha mãe,

Terezinha. Apesar do acesso restrito ao campo

escolar, ambos sempre incentivaram a

formação acadêmica das filhas e filho. Esta tese

seria para ele, e é para ela, um motivo de muito

orgulho e alegria.

Ao Marlon, meu grande amigo, parceiro de

vida, que há tempos caminha ao meu lado e é a

minha fonte de inspiração, alegria e energia.

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AGRADECIMENTOS

Nesses quatro anos de estudo, pesquisa, escrita e reclusão no meu “iglu intelectual”,

aprendi muito sobre a temática escolhida para a investigação, e aprendi também sobre

paciência, dedicação, paixão, autonomia, responsabilidade, companheirismo, disponibilidade,

generosidade, gratidão e solidão. Esta última, por vezes, se faz necessária. Então, agradeço...

À Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) e ao Programa de Pós-

Graduação em Educação da Linha de Pesquisa História e Historiografia da Educação, agradeço

por fazer parte desse terreno fértil, tão produtivo. E aos professores e professoras, por todas as

fagulhas acesas e as chamas espalhadas.

À Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (FAPESC)

pela concessão da bolsa de pesquisa durante os anos de curso.

Aos funcionários da Associação Brasileira de Educação e da Biblioteca Nacional que

me atenderam com muita atenção, tanto por e-mail quanto pessoalmente, fornecendo-me

materiais importantes para esta pesquisa. No Centro Dom Vital e no Centro de Pesquisa e

Documentação de História Contemporânea do Brasil não foram possíveis pesquisas presenciais,

mas, ambos os funcionários me atenderam à distância com prontidão.

À professora Drª. Gladys Mary Ghizoni Teive, minha querida “ori”, que desde a

graduação me contagiou com a sua paixão pela docência. E na pesquisa me incentivou a ir além

do que eu julgava exequível, ofertando-me uma espécie de liberdade guiada, ensinando sobre

autonomia e mostrando que é possível aliar o trabalho duro e sério com a leveza e a alegria de

fazer história com gosto, com prazer.

Ao professor Dr. Norberto Dallabrida, por ter me iniciado na vida acadêmica, primeiro

na Iniciação Científica e depois no mestrado. Os seus ensinamentos e o seu exemplo vêm

ressoando nas minhas práticas, e assim continuarão durante todos os meus dias, como

professora e como pesquisadora. Obrigada também pelas sugestões na ocasião do Exame de

Qualificação e durante todo o curso de doutoramento e, finalmente pela avaliação minuciosa na

banca final.

À professora Drª. Cristiani Bereta da Silva - autora de algumas das aulas expositivas

mais instigantes e hipnotizantes das quais participei no mestrado - pela leitura generosa ainda

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no texto de qualificação, pela presença e todas as contribuições naquele dia de inverno e, pela

rigorosa avaliação final.

Ao professor Dr. Mauro Castilho Gonçalves, pelo aceite em compor essa banca ainda

na época do Exame de Qualificação, e por todas as sugestões feitas no parecer escrito. Ademais,

agradeço a forma metódica e apurada com que avaliou o texto final.

Ao professor Dr. Cândido Moreira Rodrigues, pelo entusiasmo com que recebeu o meu

tema de tese quando lhe escrevi, em setembro de 2015, solicitando a indicação de algumas

referências, quando surpreendentemente fui presenteada com vários livros de sua autoria, os

quais contribuíram muito para o trabalho que realizei e ainda contribuirão para tecituras futuras.

Mais tarde, aceitou de pronto fazer parte da banca de defesa. Muito obrigada pelo rigor na

avaliação.

À professora Drª. Gisela Eggert Steindel, minha professora do mestrado, pela gentileza

de sempre e pelo aceite e a disponibilidade para suplência na banca de defesa da presente tese.

Não houve a necessidade da sua efetiva participação na banca, mas pude contar com a sua

presença na plateia e com dicas de ajustes formais na versão final da tese. Grata por tanto

cuidado.

À professora Maria Teresa Santos Cunha, apesar de não ter composto a banca de

avaliação, agradeço por todos os ensinamentos durante os cursos de mestrado e doutorado, pelo

reconhecimento, incentivo e olhar sensível sobre as minhas produções.

A alguns dos colegas de curso como Tania Cordova, Rosiane Marli Antonio Damázio e

Marcelo Mendes e, em especial à Deisi Cord, que, além de me presentear com textos

importantes, acreditou alegremente na relevância da minha pesquisa, porque compartilhamos o

gosto em investigar e escrever sobre gente e seus feitos; à Cibele Dalina Piva Ferrari, minha

querida Bele, que generosamente, acompanhou-me nas fases leves e também nas pesadas, e,

que esteve presente sempre, mesmo quando longe; e à Cristiane de Castro Ramos Abud, por

me ensinar com a sua experiência, se preocupar comigo e se fazer presente. Vocês me ensinaram

saberes muito além dos acadêmicos. Além das presenças de Deisi e Cibele no dia da defesa

pude contar ainda com Kamila Regina de Souza e Elizane de Andrade, muito obrigada,

queridas! O seu apoio tornou tudo ainda mais bonito.

À amiga Julia Vieira Tocchetto de Oliveira, porque foi com ela, numa viagem de ônibus

à Curitiba/Paraná, que os moldes dessa tese começaram a ser pensados.

Um agradecimento especial à querida amiga Juliana Topanotti dos Santos de Mello, pela

leitura atenta, criteriosa e generosa; pelas críticas e sugestões; pela interlocução e troca de

referências e bibliografias; pela empatia, paciência, carinho, companheirismo, estímulo e

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cuidado que sempre foram diários, muito antes dos últimos quatro anos, e que espero continuem

sendo, durante toda a nossa carreira acadêmica e para além dela. Obrigada também pela

presença na defesa de tese, o seu olhar generoso torna tudo melhor. Sempre juntas!

À Maria Fernanda Batista Faraco Werneck de Paula pela generosidade com que

compartilhou documentos como a Tabela sobre os comunicados feitos pelos professores dos

grupos escolares e das escolas isoladas para o Departamento de Educação nos anos 1946, 1948

e 1949 que ela organizou durante sua Iniciação Científica e também o Manual de Pedagogia

Moderna de 1948 que adquiriu em um sebo virtual.

À Miriam Mambrini Backheuser, neta do educador que escolhi trazer para dentro da

minha história. Pela disponibilidade com que atendeu aos meus chamados por e-mail e pelo

carinho e atenção com que me recebeu na sua cidade, na sua casa, e, contou-me sobre o seu

amado vovô. Eu sou grata especialmente pelos objetos que compartilhou comigo, os quais

foram transformados em fontes documentais e enriqueceram essa trama fabricada.

Aos meus pais serei grata eternamente. Especialmente à minha mãe, minha fortaleza,

pela mão sempre estendida, ouvidos disponíveis e pela presença fundamental que me estimula

a ser dedicada, forte e persistente, inclusive na trajetória acadêmica.

À minha irmã Marinês, a gratidão também é eterna porque me ensinou as primeiras

letras e me contagiou com o gosto pelo estudo e também pela docência. Além disso, agradeço

também por deixar a sala da defesa florida e colorida. A sua energia torna tudo mais leve e

bonito.

Ao meu irmão Paulo Cesar pela linda presença no dia da defesa. Os seus olhos, cheios

de orgulho, me trouxeram segurança e alegria. Obrigada, mano!

Ao meu querido companheiro Marlon, que me acompanha desde a primeira graduação

e esteve presente em todos os momentos de defesa da minha vida acadêmica. A sua confiança

e a sua presença foram essenciais em todos os dezessete anos de parceria. É com você e por

vocêque eu faço tudo com tanta alegria e dedicação. Obrigada por ser tão presente, paciente,

respeitoso e compreensivo.

Não poderia deixar de agradecer à minha Michaela, bolinha canina de pêlos que,

obviamente não lê, mas, merece o registro porque compreendeu e soube desempenhar muito

bem o seu papel nessa minha caminhada. Companheira fiel no processo de escrita, bálsamo nos

momentos de angústia e parceira nos dias de comemoração e alegria.

Muito obrigada a todos que se fizeram presentes e contribuíram para que eu ingressasse,

percorresse e concluísse esse percurso desafiante no qual vivenciei, narrei e fabriquei uma

história. Uma história que representa parte das apropriações que realizei durante a minha

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trajetória como estudante e das aprendizagens que em mim, produziram sentido e por isso

ficaram marcadas, e, que serão refratadas nas minhas próprias práticas como pessoa, estudiosa

e docente.

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“Não existe história possível se não se articulam as representações das

práticas e as práticas da representação”.

(Roger Chartier)

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RESUMO

A pesquisa trata da atuação de Everardo Adolpho Backheuser no campo educacional, disputado

por pioneiros e católicos, entre as décadas de 1930 e 1940 e das apropriações e representações

da Escola Nova nos seus manuais pedagógicos. O objetivo geral da pesquisa é situar

Backheuser no campo educacional brasileiro e compreender como se apropriou e representou

os princípios escolanovistas nos seus manuais pedagógicos. Os objetivos específicos são:

conhecer a trajetória de Backheuser, analisar o conteúdo dos manuais e identificar neles as

apropriações e as representações da Escola Nova. A fabricação deste artefato escriturístico se

alicerça na perspectiva epistemológica da Nova História Cultural e se ancora nas concepções

de campo de Pierre Bourdieu, apropriação e representação de Roger Chartier e estratégias e

táticas de Michel de Certeau. A pesquisa confere o estatuto de fontes documentais a dois

manuais pedagógicos intitulados Técnica da Pedagogia Moderna (Teoria e Prática da Escola

Nova) de 1934 e Manual de Pedagogia Moderna (Teoria e Prática) de 1948; a Encíclica Divini

Illius Magistri de Pio XI de 1929; o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932 e o

livro de Lourenço Filho intitulado Introdução ao Estudo da Escola Nova de 1930. Além destas,

o corpus documental conta com um questionário respondido pela neta de Backheuser; um livro

sobre a sua trajetória e um álbum de memórias; ambos organizados pela segunda mulher, Alcina

Moreira de Souza. A narrativa histórica se divide em cinco capítulos. Além do primeiro,

introdutório, e do último, conclusivo, constam três capítulos que atendem aos objetivos

específicos. Quando o campo educacional era movimentado pelas ações de estudiosos de

diversos matizes que acreditavam na reconstrução nacional a partir da escola, Backheuser,

engenheiro, professor, católico, entusiasta da Psicologia e da Escola Nova foi expoente de uma

pedagogia singular. Numa conjuntura de embate entre dois grupos que almejavam a dominação

desse campo, traçou uma “terceira via”, apropriando-se de elementos de um e de outro grupo e

edificando o seu próprio ideal de educação, a sua Escola Nova. Indícios desse projeto

educacional podem ser captados nos manuais pedagógicos que escreveu para a formação e

aperfeiçoamento do professorado primário naquela época. Propôs a educação integral como

queriam os pioneiros; no entanto, incluiu o Ensino Religioso e rechaçou laicidade, coeducação

e neutralidade. Fazendo uso da Psicologia, a qual chamou de “ciência da alma” e da Biologia,

a “ciência do corpo”, calcado na filosofia católica, provocou a interlocução entre ciência e

religião e erigiu o que alguns historiadores chamaram de escolanovismo católico e que aqui

recebe o seu sobrenome, o escolanovismo católico backheusiano.

Palavras-chave: História da Educação. Escolanovismo Católico. Manuais Pedagógicos.

Everardo Adolpho Backheuser.

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ABSTRACT

This research deals with work of Everardo Adolpho Backheuser in the educational field,

disputed by pioneers and Catholics between the 1930s and 1940s, and the appropriations and

representations of the New School in their pedagogical manuals. The main objective of this

research is to situate Backheuser in the educational brazilian field and comprehend how he

appropriate and represented the New School principles in his pedagogical manuals. The specific

objectives are to understand Backheuser’s path, analyze the manuals content and identify the

appropriations and representations of New School on it. The fabrication of this scriptural artifact

is based on the epistemological perspective of New Cultural History and is hold in the field

conceptions of Pierre Bourdieu, appropriation and representation of Roger Chartier and

strategies and tactics of Michel de Certeau. The research confers the status of documentary

sources to two pedagogical manuals entitled Técnica da Pedagogia Moderna (Teoria e Prática

da Escola Nova) of 1934 and Manual de Pedagogia Moderna(Teoria e Prática) of 1948; The

Encyclical Divini Illius Magistri of Pius XI of 1929; Manifesto dos Pioneiros da Educação

Nova of 1932 and the book of Lourenço Filho named Introdução ao Estudo da Escola Nova of

1930. Moreover, the documentary corpus has a questionnaire answered by Backheuser's

granddaughter; a book about his trajectory and an album of memories; both organized by his

second wife, Alcina Moreira de Souza. The historical narrative is divided into five chapters. In

addition to the first, introductory, and the last, conclusive, three chapters deal with the specific

objectives. Backheuser, engineer, teacher, catholic, enthusiast of Psychology and of the New

School, was an exponent of a singular pedagogy when the educational field was moved by the

actions of scholars of diverse lines who believed in the national reconstruction from the school.

In a conjuncture of clash between two groups that aimed at the domination of this field, he drew

a "third way", appropriating elements of one and another group building his own ideal of

education, his New School. Indications of this educational project can be observed in the

pedagogical manuals that he wrote for the formation and improvement of primary teachers at

that time. He proposed integral education as the pioneers wanted, however, he included

religious teaching and rejected secularism, coeducation and neutrality. Making use of

psychology, which he called "science of the soul" and biology “science of the body”, based on

Catholic philosophy, provoked the interlocution between science and religion and erected what

some historians called Catholic New School and that receives his surname here, Backeusian

Catholic New School.

Keywords: History of Education. Catholic New School. Pedagogic Manuals. Everardo

Adolpho Backheuser.

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RESUMEN

La investigación trata de la actuación de Everardo Adolpho Backheuser en el campo

educacional, pleiteado por pioneros y católicos, entre las décadas de 1930 y 1940 y las

apropiaciones y representaciones de la Escuela Nueva en sus manuales pedagógicos. El objetivo

general de la investigación es situar a Backheuser en el campo educativo brasileño y

comprender cómo se apropió y representó los principios escolanovistas en sus manuales

pedagógicos. Los objetivos específicos son: conocer la trayectoria de Backheuser, analizar el

contenido de los manuales e identificar en ellos las apropiaciones y las representaciones de la

Escuela Nueva. La fabricación de este artefacto de escriturístico se fundamenta en la

perspectiva epistemológica de la Nueva Historia Cultural y se basa en las concepciones de

campo de Pierre Bourdieu, apropiación y representación de Roger Chartier y estrategias y

tácticas de Michel de Certeau. La investigación le otorga el estatuto de fuentes documentales a

dos manuales pedagógicos intitulados Técnica da Pedagogia Moderna (Teoria e Prática da

Escola Nova) de 1934 y Manual de Pedagogia Moderna(Teoria e Prática) de 1948; la Encíclica

Divini Illius Magistri de Pio XI de 1929; el Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932

y el libro de Lourenço Filho intitulado Introdução ao Estudo da Escola Nova de 1930. Además

de estas, el corpus documental cuenta con un cuestionario respondido por la nieta de

Backheuser; un libro sobre su trayectoria y un álbum de memorias; ambos organizados por la

segunda mulher, Alcina Moreira de Souza.La narrativa histórica se divide en cinco capítulos.

Además del primero, introductorio, y del ultimo, conclusivo, constan tres capítulos que

cumplen los objetivos específicos. Cuando el campo educativo era movido por las acciones de

estudiosos de diversos matices que creían en la reconstrucción nacional a partir de la escuela,

Backheuser, ingeniero, profesor, católico, entusiasta de la Psicología y de la Escuela Nueva fue

un exponente de una pedagogía singular.En una coyuntura de embate entre dos grupos que

deseaban la dominación de ese campo, trazó una “tercera vía”, apropiándose de elementos de

uno y de otro grupo edificando su propio ideal de educación, su Escuela Nueva. Indicios de ese

proyecto educativo pueden captarse en los manuales pedagógicos que escribió para la

formación y perfeccionamiento del profesorado primario en esa época. Propuso la educación

integral como querían los pioneros, sin embargo, incluyó la Enseñanza Religiosa y rechazó la

laicidad, coeducación y neutralidad. Haciendo uso de la Psicología, a la que llamó "ciencia del

alma” y de la Biología, “ciencia del corpo”, siguiendo la filosofía católica, provocó la

interlocución entre ciencia y religión y erigió lo que algunos historiadores llamaron

escolanovismo católico y que aquí recibe su apellido, el escolanovismo católico

backheuseriano.

Palabras clave: Historia de la Educación. Escolanovismo Católico. Manuales Pedagógicos.

Everardo Adolpho Backheuser.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Everardo Adolpho Backheuser ................................................................................ 63

Figura 2 - As duas mães (Dona Quininha - à direita - e Tijá - à esquerda) .............................. 65

Figura 3 - Aluno do Colégio Pedro II ....................................................................................... 68

Figura 4 - Professor catedrático de Mineralogia e Geologia .................................................... 72

Figura 5 - Homenagens ao jubileu no magistério ..................................................................... 74

Figura 6 - Colação de grau de Engenheiros Geógrafos da Escola Politécnica em 1925 .......... 76

Figura 7 - Backheuser pede demissão da ABE......................................................................... 83

Figura 8 - Resposta da secretária ao pedido de demissão......................................................... 84

Figura 9 - Retorno de Backheuser sobre a recusa do pedido de demissão (Continua)............. 85

Figura 10 - Retorno de Backheuser sobre a recusa do pedido de demissão (Conclusão) ........ 86

Figura 11- Revista Brasileira de Pedagogia - Apresentação (1934) ......................................... 93

Figura 12 - A conversão de Backheuser ................................................................................... 96

Figura 13 - Folha de rosto de Técnica da Pedagogia Moderna (Teoria e Prática da Escola Nova),

1ª edição, 1934 ........................................................................................................................ 105

Figura 14 - Lombada de Técnica da Pedagogia Moderna (Teoria e Prática da Escola Nova), 1ª

edição, 1934 ............................................................................................................................ 106

Figura 15 - Cotejo: Escola Atual X Escola Ativa (Continua) ................................................ 120

Figura 16 - Cotejo: Escola Atual X Escola Ativa (Continuação) ........................................... 121

Figura 17 - Cotejo: Escola Atual X Escola Ativa (Continuação) ........................................... 122

Figura 18 - Cotejo: Escola Atual X Escola Ativa (Continuação) ........................................... 123

Figura 19 - Cotejo: Escola Atual X Escola Ativa (Continuação) ........................................... 124

Figura 20 - Cotejo: Escola Atual X Escola Ativa (Conclusão) .............................................. 125

Figura 21 - A Escola Nova “em triângulo” ............................................................................ 128

Figura 22 - Curvas do desenvolvimento de meninas e menino .............................................. 135

Figura 23 - Camadas de Estruturas ......................................................................................... 146

Figura 24 - Esquema do processo educativo .......................................................................... 156

Figura 25 - Plano organizado pela Professora Alcina Moreira de Souza Backheuser ........... 169

Figura 26 - Folha de rosto do Manual de Pedagogia Moderna (Teoria e Prática) - 4ª edição,

1948 ........................................................................................................................................ 183

Figura 27 - Lombada do Manual de Pedagogia Moderna (Teoria e Prática) - 4ª edição,

1948......................................... ............................................................................................... 184

Figura 28 - Teste Limiar (Continua)....................................................................................... 205

Figura 29 - Teste Limiar (Continuação) ................................................................................. 206

Figura 30 - Teste Limiar (Conclusão) .................................................................................... 207

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1- Sumário do Manual Técnica da Pedagogia Moderna............................................ 110

Quadro 2 - Autores mais citados no manual Técnica da Pedagogia Moderna ....................... 113

Quadro 3 - Sumário do Manual de Pedagogia Moderna ........................................................ 185

Quadro 4 - Autores mais citados no Manual de Pedagogia Moderna .................................... 190

Quadro 5 - Comparação entre os autores citados nos dois manuais ....................................... 194

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABE Associação Brasileira de Educação

AFA Arquivo Fernando de Azevedo

AIB Ação Integralista Brasileira

APC-DF Associação de Professores Católicos do Distrito Federal

BAPC Boletim da Associação dos Professores Católicos

CCBE Confederação Católica Brasileira de Educação

CPDOC-FGV Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da

Fundação Getúlio Vargas

FAPESC Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina

I.S Índice de escolaridade

IEB Instituto de Estudos Brasileiros

INEP Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos

LEC Liga Eleitoral Católica

MANES Centro de Investigación en Manuales Escolares

PRC Partido Republicano Conservador

RBP Revista Brasileira de Pedagogia

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SUMÁRIO

1 ALINHAVANDO OS PONTOS: INTRODUÇÃO .................................................... 27

2 CONECTANDO OS FIOS DA TRAMA: EMBATE ENTRE PIONEIROS

CATÓLICOS NO CAMPO EDUCACIONAL BRASILEIRO .................................... 51

2.1 ESTRATÉGIAS ESCOLANOVISTAS DOS PIONEIROS ......................................... 54

2.1.1 Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932).................................................. 54

2.2 ESTRATÉGIAS ESCOLANOVISTAS CATÓLICAS ................................................ 58

2.3 “O MAIS ESCOLANOVISTA DOS CATÓLICOS” ................................................... 61

2.3.1 Origem sociofamiliar e percursos escolares .............................................................. 64

2.3.2 Percurso profissional................................................................................................... 69

2.3.3 Conversão ao catolicismo............................................................................................ 94

2.4 MANUAIS PEDAGÓGICOS: ARTIFÍCIOS PARA A SEDUÇÃO DOS

PROFESSORES ........................................................................................................... 98

2.4.1 Manuais escritos por Backheuser: norteadores de um escolanovismo católico ...... 100

3 TÉCNICA DA PEDAGOGIA MODERNA ............................................................ 103

3.1 ASPECTOS ESTRUTURAIS ..................................................................................... 109

3.2 APROPRIAÇÕES E REPRESENTAÇÕES DA ESCOLA NOVA POR EVERARDO

BACKHEUSER .......................................................................................................... 115

3.2.1 Incoerência da expressão “Escola Nova” ................................................................ 117

3.2.2 Escola Nova X Escola Tradicional ........................................................................... 118

3.2.3 Princípios cardeais da Escola Nova ......................................................................... 127

3.2.4 A escola única ............................................................................................................ 131

3.2.5 Ciências fundamentais da educação ........................................................................ 139

3.2.6 Educação Integral ..................................................................................................... 148

3.2.7 Iniciativa ..................................................................................................................... 151

3.2.8 Cooperação ................................................................................................................ 159

3.2.9 Educar “para a vida e pela vida” ............................................................................. 163

3.2.10 O papel do mestre na Escola Nova ........................................................................... 164

3.2.11 Detalhes da técnica da Escola Nova ......................................................................... 166

4 MANUAL DE PEDAGOGIA MODERNA ............................................................. 177

4.1 ASPECTOS ESTRUTURAIS ..................................................................................... 181

4.2 INTERLOCUÇÕES ENTRE CIÊNCIA E RELIGIÃO CATÓLICA: A PSICOLOGIA

COMO CIÊNCIA DA ALMA .................................................................................... 196

4.2.1 Testes psicológicos: instrumentos de ação sobre a personalidade da criança ............ 202

4.2.2 Biotipologia: uma tentativa de desvendar a alma ....................................................... 210

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4.3 EDUCAÇÃO INTEGRAL DA PERSONALIDADE: CONHECER A

PERSONALIDADE PARA DESPERTAR O INTERESSE, DESPERTAR O

INTERESSE PARA MOLDAR CORPO E ALMA ................................................... 212

5 ARREMATES À GUISA DE CONCLUSÕES: ESCLARECENDO O

ESCOLANOVISMO CATÓLICO BACKHEUSIANO ............................................. 223

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 233

APÊNDICE A - QUESTIONÁRIO............................................................................ 239

APÊNDICE B - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ..... 245

APÊNDICE C - PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP ................................ 247

ANEXO A - ATA DO PEDIDO DE DEMISSÃO DE EVERARDO BACKHEUSER

DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO ............................................... 251

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1 ALINHAVANDO OS PONTOS: INTRODUÇÃO

A narrativa histórica que fabriquei está fundada sobre o corte entre um passado e um

presente. O passado está marcado pelo meu objeto de estudo, a atuação de Everardo Adolpho

Backheuser no campo educacional brasileiro entre as décadas de 1930 e 1940, e as apropriações

e representações da Escola Nova nos seus manuais pedagógicos. O presente é o lugar da minha

prática como “rendeira”, professora, pesquisadora do campo da História da Educação, e,

sobretudo, como quem se interessa em pesquisar e escrever sobre gente. Sobre gente e seus

feitos. E mais precisamente ainda, sobre professores e suas práticas.

Na dissertação de mestrado (ROSA, 2013) desenvolvi uma microanálise sócio-histórica,

que refletiu acerca da complexidade de um caso singular como um problema historiográfico.

Dei relevo à trajetória social e à prática docente de uma professora que contribuiu para a

qualificação da escola pública quando subverteu um currículo prescrito conservador em aulas

fundamentadas na perspectiva crítica advinda do materialismo histórico dialético. Minhas

lentes focaram Eglê Malheiros, catarinense, herdeira de uma família relativamente favorecida

quanto à questão financeira, que estudou em instituições educativas de qualidade, foi

modernista, militante comunista, Bacharel em Direito e escolheu ser professora de História. Eu

quis compreender como se deu a apropriação do currículo prescrito para o ensino de História

por parte de Eglê e levantar indícios de como isso foi expresso na forma de representações nas

suas práticas como professora.

Já no curso de doutoramento, como o projeto com o qual ingressei, sobre a

Generificação dos currículos dos Grupos Escolares Catarinenses, não seria desenvolvido, o

desafio inicial foi delimitar uma temática que tivesse relevância histórica e que atendesse, ao

mesmo tempo, aos interesses da orientadora e do seu viés de investigação, da linha de pesquisa

do programa e também aos meus. Temáticas afinadas com a Pedagogia, a História e Sociologia

despertam minha simpatia. Aquelas relacionadas a trajetórias sociais e a textos curriculares que

expressam projetos educacionais fazem brilhar os meus olhos. Essa última área dava a primeira

pista que tinha sido escolhida pela orientadora certa, uma grande curriculista, professora que

me inspira desde a graduação. Então, aceitei com alegria trilhar com ela, os caminhos da

pesquisa e dar início à tecitura desse texto.

À época do meu ingresso no curso, minha orientadora estava imersa no campo da

manualística, investigando, grosso modo, a circulação e a recepção de manuais escolanovistas

utilizados para a formação de professores primários catarinenses. Já naquela ocasião, falou-me

da temática geral e citou rapidamente os manuais e os autores que circularam nas escolas

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catarinenses e que haviam sido elencados por uma das suas bolsistas de Iniciação Científica,

interessava então, perceber como os professores se apropriaram daqueles manuais. Saí daquela

reunião num misto de alegria e euforia. No mesmo dia fiz uma busca em sebos virtuais e

encontrei alguns dos manuais e os comprei. Escolhi dois dos autores que a professora havia me

apresentado e adquiri os seus manuais.

Elaborando o primeiro estado da arte, verifiquei que um destes autores tinha sido mais

estudado que o outro. Guardei essa informação. A primeira descoberta sobre o autor pouco

estudado foi que se tratava de um “católico escolanovista”. Uma fagulha acendeu. Em uma

viagem de estudos, na qual participaria de um evento acadêmico, a temática da pesquisa foi o

assunto principal. Uma amiga, apaixonada por fontes históricas, por Currículo e por História da

Educação, acreditou na possibilidade de pesquisa que eu apontava, e, segundo ela, enxergou

nos meus olhos aquele brilho especial, quando juntas, chegamos ao segundo eixo que daria

corpo a essa tese. Porque o primeiro a orientadora já tinha sublinhado: a apropriação da Escola

Nova nos manuais que circularam nos Grupos Escolares de Santa Catarina1. Parecia

interessante garimpar sobre a trajetória desse tal católico escolanovista, como se posicionava

no campo educacional, como, tendo a influência da religião, havia conseguido se apropriar do

ideário renovador... Estava traçado o segundo eixo que nortearia a minha história. Ainda que

tenha permanecido dentro do grande leque apresentado pela orientadora, tomei posse da minha

autonomia intelectual e tracei o meu próprio caminho.

Contemplando os manuais, visualizei a linha produção/circulação/apropriação e fiquei

refletindo que, antes de compreender a Escola Nova representada nesses manuais e detectar a

recepção destes junto ao professorado em solo catarinense, seria muito interessante conhecer o

seu autor, as suas facetas, o seu ideal de educação para então entender a sua apropriação e como

representou aquele ideário. Novamente tramei para realçar a trajetória e as práticas de uma

pessoa muito atuante no campo educacional brasileiro, um professor. Enredada nas novas

abordagens historiográficas, outra vez eu quis dar destaque, não para eventos históricos, mas,

para um agente, um produtor de sentido, um compositor de história. Quis “ressuscitar” não

apenas um passado, mas, o passado de alguém, na relação das suas práticas e um contexto, um

campo. Tratei da elaboração de um projeto educacional expresso nos textos reguladores para

professores, como uma espécie de currículo prescrito.

1 Manuais escolanovistas, entre eles os de autoria de Everardo Backheuser circularam nos Grupos Escolares

Catarinenses, como mostra WERNECK DE PAULA, Maria Fernanda Batista Faraco. Tabela sobre os

comunicados feitos pelos professores dos grupos escolares e das escolas isoladas para o Departamento

de Educação nos anos 1946, 1948 e 1949. Florianópolis: UDESC, 2012. Mimeo. 64p.

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Dessa vez estiveram em jogo as apropriações e representações da Escola Nova

engendradas por Backheuser, de modo especial, nos manuais pedagógicos que escreveu, os

quais foram norteadores de um modelo pedagógico sui generis disseminado entre os professores

primários no Brasil. Dentre as incontáveis facetas deste agente, estrategicamente, enfatizei

aquela que se aproximou do meu próprio lugar social, a que refletiu a sua atuação no campo

educacional e, tornou possível a minha reflexão a partir da manualística, da historiografia,

especialmente da Nova História Cultural e, mais amplamente, da área da educação.

À moda certeauniana, compreendi a construção dessa tese como a tecitura de uma

urdidura e, então, usei metáforas relacionadas ao campo da costura para intitular os capítulos.

Os verbos alinhavar, conectar, tecer, tramar e arrematar deram a direção para que as minhas

intervenções, como autora, por meio das ferramentas de trabalho, as linhas e as agulhas, ou a

empiria e a teoria, entrassem em campo e tramassem o tecido confeccionado aqui.

As imagens utilizadas na capa tiveram as mais variadas fontes. Algumas estão

disponíveis no acervo virtual do Centro de Pesquisa e Documentação de História

Contemporânea do Brasil (CPDOC); algumas fazem parte do álbum de memórias como as que

trazem recortes de jornal; outras vieram de um álbum de fotografias fornecido pela neta, as

quais o trazem no campo familiar; aquela na qual ele está face a face com o filho e a que contém

um carro, onde está com a primeira mulher e novamente com o filho, estão disponíveis no livro

escrito por Santos (1989); por fim, outras são fotografias de algumas das fontes que

alimentaram essa construção, dos manuais pedagógicos e das cópias do álbum de memórias e

o livro sobre a trajetória dele, escrito pela segunda mulher, Alcina. A imagem de fundo foi o

último retrato antes do seu falecimento. O objetivo desse mosaico de imagens foi iniciar o texto

mostrando indícios da trajetória e das práticas multifacetadas desse professor tão ativo na

História da Educação brasileira.

***

Anos trinta do século vinte, em solo brasileiro, a disputa pela dominação do campo

educacional inflama-se. Grupos - antes convergentes - rompem, assumem novas posições, e,

fundamentados em diferentes claves filosóficas, se organizam e agem a partir de estratégias

distintas. Nessa conjuntura, a luta por dominação política resultou em uma batalha pelo controle

do campo. Nesse conflito, destacaram-se dois grupos de educadores - pioneiros e católicos - os

quais estabeleceriam relações consensuais no que se refere à educação como causa cívica de

redenção nacional, e de oposição quanto às estratégias por meio das quais os fins propostos

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seriam atingidos. Os enunciados relativos à reforma do sistema educacional estavam fortemente

relacionados à ideia de reconstrução nacional, como pode ser percebido no início do Manifesto

dos Pioneiros da Educação Nova (1932):

Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e

gravidade o da educação. Nem mesmo os de caráter econômico lhe podem disputar a

primazia nos planos de reconstrução nacional (AZEVEDO, 2010, p. 33).

De acordo com Carvalho (2003), a Associação Brasileira de Educação (ABE) - cujo

tema central era a remodelação e a reestruturação do sistema escolar com vistas à formulação e

implementação de uma política nacional de educação - foi, nas décadas de 1920 e 1930, a

principal instância de organização do chamado movimento de renovação educacional no Brasil.

Além disso, a ABE congregou na década de 1920, numa mesma campanha pela causa cívico-

educacional, grupos de educadores que se antagonizariam na década seguinte. Nos anos de 1930

a luta pelo controle do aparelho escolar tornou-se central, então, o campo de consenso

constituído no movimento educacional dos anos de 1920 passou a ser tensionado por estratégias

rivais dos grupos:

As nomeações designam, no caso do primeiro grupo, setores militantes do laicato

intelectual católico que haviam integrado a ABE nos anos vinte e que abandonam em

1932, passando a se articular na Associação dos Professores Católicos do Distrito

Federal e no Centro Dom Vital de São Paulo, inicialmente, e, a partir de 1934 na

Confederação Católica Brasileira de Educação. No caso do segundo, o nome designa

alguns dos signatários do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova que, - tendo

participado das Conferências Nacionais de Educação promovidas pela ABE e

ocupado postos governamentais, na qualidade de “técnicos” empenhados na reforma

dos sistemas estaduais de ensino, - assumiram o controle da Associação Brasileira de

Educação a partir de 1932 (CARVALHO, 2003, p. 89) (grifo da autora).

O embate entre católicos e pioneiros emergiu quando os ideais escolanovistas, a partir

de expoentes como Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo e Lourenço Filho, propuseram uma

instrução pública e laica, contrariando, portanto, uma instrução confessional baseada nos

preceitos da Igreja Católica, que buscava seu espaço no regime republicano instituído no Brasil.

Este embate doutrinário no campo pedagógico foi, para estes grupos, estrategicamente

fundamental na luta que se desenrolou na primeira metade da década de 1930, prolongando-se

até, pelo menos, a decretação do Estado Novo. Pioneiros e católicos acreditavam que na

educação estava a resposta para a reconstrução da sociedade. No entanto, os católicos

pretendiam dar à educação nacional um conteúdo espiritual consciente, considerando o atual

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como tradicionalista e convencional, enquanto que os pioneiros pretendiam imprimir à

educação nacional um sentido democrático e liberal (AMOROSO LIMA apud CURY, 1978).

A educação era o palco dessas disputas e lugar comum entre os opositores, pois a escola passava

a ser um lugar de conformação social que construiria as bases da nação, a alma nacional e

livraria o país dos males sociais a partir do derramamento da instrução (MONARCHA, 2009).

Para os católicos, a educação deveria ser tarefa da Igreja, incumbida de preparar as

consciências para a vida em sociedade e elevá-las à sua verdadeira destinação espiritual, a vida

eterna. Para os pioneiros, no mundo em crise, a educação, baseada em métodos apoiados nas

ciências, teria por fim integrar as gerações às novas condições de vida do mundo em mudança.

Princípios como obrigatoriedade, gratuidade, laicidade e coeducação passam a constituir as

bandeiras da luta dos educadores reformistas (CURY, 1978). A questão apresentou-se, de forma

especial, como disputa pelo Ensino Religioso dentro da escola pública. Entretanto, muito mais

estava em jogo. A principal questão estava entre a mentalidade laica da República e a

mentalidade dos líderes católicos que conservavam uma cultura fortemente religiosa. Nessa

época, a educação foi claramente valorizada, como instrumento político de controle social, o

que evidencia a existência de uma luta pelo poder no campo educacional (CARVALHO, 2003).

A ruptura entre esses dois grupos ocorreu na IV Conferência Nacional de Educação da

ABE, realizada no Distrito Federal2 em dezembro de 1931 (CARVALHO, 2003). O grupo dos

católicos ocupava a posição de dominantes na ABE desde 1929 e organizou a conferência em

torno de temas que defendiam: a manutenção da dualidade do sistema escolar (escolas públicas

e confessionais) e a orientação religiosa. No entanto, nesta conferência, apresentou-se um grupo

de resistência liderado por Nóbrega da Cunha, e o grupo de católicos não esperava o

questionamento de Cunha que arguiu o desvio da pauta, ou seja, a não-resposta à principal

questão da conferência: a definição das Diretrizes da Educação Popular. A intervenção de

Cunha desarticulou os planos daqueles que organizaram a Conferência e possibilitou postergar

a questão para a V Conferência, no ano seguinte (SGANDERLA; CARVALHO, 2008).

Com essa estratégia, o grupo dos pioneiros assumiu a posição de dominante no

subcampo da ABE e tomou a direção dos trabalhos e a responsabilidade de redigir um

documento para responder a questão solicitada. Nasceu, assim, o Manifesto dos Pioneiros da

Escola Nova, amplamente divulgado após a IV Conferência como um projeto político-

pedagógico para a educação brasileira, que defendia um sistema único de ensino, público, laico

e gratuito. O lançamento desse documento, meses após a IV Conferência, provocou a saída dos

2 Cabe lembrar ao/a leitor/leitora que o Distrito Federal na época, até 1960, era o município do Rio de Janeiro.

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militantes católicos da ABE os quais se reorganizariam anos depois na Confederação Católica

Brasileira de Educação (CCBE), para combater e também para ressignificar os pressupostos

firmados no Manifesto.

Ambos os grupos intentavam normatizar as práticas escolares e promover mudanças na

mentalidade dos professores, assegurando o controle da orientação doutrinária do sistema

educacional. O campo dos debates educacionais se reconfigurou. Deixado de lado o consenso

inicial em torno da causa cívico educacional (década de 1920), os dois grupos assumiram

posições divergentes no campo teórico/doutrinário da Pedagogia (década de 1930). Enquanto

os pioneiros levantam as bandeiras da educação nova: escola única, ensino público e laico, os

católicos se organizaram e lutaram por uma escola dual, de ensino particular e religioso. Pelo

controle do sistema educacional, ambos os grupos agiram no sentido de normatizar as práticas

escolares, o pensamento e a conduta dos professores, com estratégias distintas:

Os pioneiros atuaram de modo a enraizar os usos das expressões educação nova e

Escola Nova nas práticas de reorganização da cultura e da sociedade de que faziam

parte as políticas de remodelação da escola e de reforma estrutural do sistema escolar

a que se lançavam. Já os católicos agiram em direção oposta: procuraram confinar os

usos das expressões ao campo doutrinário da Pedagogia, de modo a instanciar o

enunciado pedagógico católico como juiz dos preceitos escolanovistas, evitando que

sua introdução nas escolas tivesse o impacto transformador pelos seus adversários

(CARVALHO, 2003, p. 95) (grifos da autora).

Carvalho (2003) traz à baila uma questão fundamental para esta tese: a cisão entre

pioneiros e católicos não foi tão profunda quanto mostram alguns estudos historiográficos3,

portanto, não deve ser tomada de forma tão absoluta. Ou seja, não se pode esquecer de que

ambos os grupos compartilhavam um objetivo comum - a educação como formação da

nacionalidade. No entanto, a autora não deixa de considerar que a luta pelo controle ideológico

da escola estava travada, e, nesta luta, a principal questão era ganhar a adesão do professorado,

“a preceitos pedagógicos capazes de fazer da escola um instrumento eficaz de ‘organização

nacional através da organização da cultura’ tal como diferencialmente postulavam os dois

grupos em confronto” (CARVALHO, 2003, p. 94).

Por isso é importante fazer uma ressalva sobre o uso dos termos católicos e pioneiros.

Este uso expressa uma forma abrangente e normalmente é utilizada para representar os dois

principais grupos envolvidos nos debates educacionais da época. Entretanto, essa ideia de grupo

deve ser matizada porque nenhum deles tinha uma coesão indiscutível acerca das questões

3 Cury (1978), por exemplo, ressalta de forma cortante essa cisão, ainda assim, a tese que elaborou foi de suma

importância para a compreensão do campo educacional brasileiro na década de 1930.

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educacionais. Os católicos contavam com membros leigos e eclesiásticos e seguiam diretrizes

comuns, como aquelas presentes na Encíclica Divini Illius Magistri4 do Papa Pio XI, e

defendiam o princípio de que a educação deve ser indissociável da religião católica, o que

possibilitava a reunião desses indivíduos como grupo. Porém, mesmo assim, apresentavam

diferenças entre si, como, por exemplo, acerca de sua posição em relação à Escola Nova. Já os

pioneiros congregavam na defesa de uma ideologia, de metodologias renovadas de ensino,

embora apresentassem especificidades em seus posicionamentos e apropriações de ideias

estrangeiras, observadas na visão educacional de cada educador, ainda que tenham assinado um

Manifesto em comum.

Para Carvalho (2003), a separação entre católicos e pioneiros é redutoramente

demarcada, porque camufla os pontos em comum do movimento do ideário escolanovista no

Brasil. Isso porque, segundo a autora ambos os grupos possuíam objetivos comuns, no sentido

de normatizar práticas escolares, promover a mudança na mentalidade do professorado,

conquistar o controle do campo educacional e, portanto, atuar na formação das elites e do povo.

O principal ponto divergente entre os dois grupos dava-se no campo das estratégias tomadas

para alcançar objetivos comuns. Porém, esta separação (pioneiros/católicos) serve agora de

forma a elucidar as cisões do movimento e as disputas que foram travadas em torno dele.

Este cenário de disputa pelo campo educacional promove alguns questionamentos, entre

os quais: a militância pedagógica católica exerceu apenas o papel de deter a propagação dos

ideais escolanovistas ou havia um enunciado católico sobre o escolanovismo? Inferi que ao

realçar a trajetória de um dos representantes do grupo católico seria possível identificar indícios

de uma espécie de “escolanovismo católico” (CARVALHO, 2003). Portanto, não se pode

deixar sem registro a apropriação realizada por alguns integrantes do grupo católico dos

pressupostos da chamada pedagogia da Escola Nova. Apropriação esta, calcada na filosofia

católica que servia de lente para o julgamento das novas pedagogias.

Nessa direção interessa dar a ver que, já na segunda metade da década de 1930, o tom

da disputa ainda era acirrado entre as partes, entretanto, as mudanças ocorridas na passagem

das décadas refletiam a abertura do ideal católico para obras que antes eram proibidas por se

configurarem como os excessos da pedagogia moderna (CARVALHO, 2003). Os católicos

passaram a filtrar esses excessos daquilo que não fosse compatível com as prescrições da

4 Carta Encíclica de Sua Santidade o Papa Pio XI acerca da Educação Cristã da Juventude, publicada em 1929.

Disponível em: <https://w2.vatican.va/content/pius-xi/pt/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_31121929_

divini-illius-magistri.html>. Acesso em: 8 ago. 2015. De acordo com Carvalho (2003), a Encíclica impunha

limites à “heterodoxia pedagógica” e regrava a sedução que o escolanovismo vinha causando nos meios

católicos.

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Encíclica e conciliar os escritos de Dewey, Claparède, Decroly e Kilpatrick, por exemplo, às

censuras do documento eclesiástico e de autores católicos expoentes como Everardo Adolpho

Backheuser.

Percebe-se então, que a militância católica não teve apenas ações reativas ao movimento

escolanovista em solo brasileiro. Embora conservassem a essência de seu ideário cristão,

procuravam colocar suas práticas de atuação em sintonia com o momento histórico em que

estavam inseridas. Esse grupo é responsável pela difusão da pedagogia da Escola Nova no

Brasil, em especial, no início da década de 1930, quando, utilizando-se de estratégias -

Associação de Professores Católicos do Distrito Federal (APC-DF); CCBE; congressos, cursos,

publicação de periódicos, entre os quais, a Revista Brasileira de Pedagogia (RBP) e o Boletim

da Associação de Professores Católicos (BAPC), manuais pedagógicos5, etc., - objetivavam

conquistar os professores de escolas confessionais e também públicas, normatizando as suas

condutas e orientando doutrinariamente as suas práticas escolares. De acordo com Carvalho

(2003, p. 106), ainda que algumas lideranças católicas fossem a favor de um combate “sem

tréguas à nova pedagogia, predominou a tendência de incorporá-la, depurando-a de tudo o que

contrariasse os preceitos católicos” (grifos da autora).

Dentro do grupo católico, destaco Everardo Adolpho Backheuser, um católico

escolanovista. Descendente de portugueses, alemães e franceses, nasceu em 1879 em Niterói

no Rio de Janeiro e faleceu no ano de 1951. Foi Engenheiro, Geógrafo e professor da Escola

Normal de Niterói e do Colégio Pedro II, entre outras instituições. Além dos cinquenta anos de

exercício no magistério, dedicou-se às atividades político-administrativas e jornalísticas.

Em 1924, participou da fundação da ABE, instituição com a qual rompeu em 1931. Em

1928, como numa homenagem póstuma, realizou o desejo de sua primeira mulher, convertendo-

se6 ao catolicismo no dia da sua missa de corpo presente. Errerias (2000) dá a entender que

Backheuser havia se afastado do catolicismo. Havia sido educado em uma família que não

seguia firmemente a religião, depois ingressou no Liceu onde conviveu com professores que

combatiam o catolicismo, o que acabou influenciando sua postura diante da religião. Após a

5 Quando se trata de manuais pedagógicos escolanovistas não se pode esquecer a obra LOURENÇO FILHO,

Manuel Bergstrom. Introdução ao Estudo da Escola Nova: bases, sistemas e diretrizes da pedagogia

contemporânea. 14. ed. Rio de janeiro: EdUERJ: Conselho Federal de Psicologia, 2002, fundamental na

estratégia de divulgação das novas bases educacionais assentadas em um conjunto de conhecimentos então

recentes, provenientes da Biologia, da Psicologia e da Sociologia. Fundamentos esses que dão origem a

princípios gerais da Escola Nova: atividade, interesse e motivação. Mais do que tratar dos princípios cardeais

da Escola Nova, o autor, Lourenço Filho, deixa explícito na obra que o principal objetivo é dar apoio aos

professores para que a mudança pedagógica ocorra dentro da sala de aula. 6 A seção 2.3.3 explica como aconteceu a conversão, a partir das fontes selecionadas.

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conversão, começou a atuar fortemente no movimento de agremiação de professores católicos

e da Campanha em prol do Ensino Religioso.

Logo que Backheuser se aposentou como professor, ficou interessado na reforma que

Fernando de Azevedo iniciara no Rio de Janeiro em 1927, e passou a colaborar com o mesmo.

Na Alemanha conheceu de forma mais profunda o ideário da Escola Nova, e, logo que voltou,

assumiu a direção de cinco escolas municipais do Distrito Federal para experimentar alguns

métodos e analisar os resultados. Nesta época, iniciou a Cruzada Pedagógica7 pela Escola Nova

e publicou o boletim A Escola Nova. Promoveu atividades como excursões programadas,

cinemateca, bibliotecas escolares, etc. Em 1929, promoveu uma Exposição Pedagógica com

trabalhos de alunos. Dois anos após o seu rompimento com a ABE tornou-se membro fundador

da CCBE (1933). Teve textos publicados em vários periódicos, como: revista Escola Nova;

Revista Brasileira de Pedagogia e Boletim dos Professores Católicos (BARREIRA, 1999).

A esta pesquisa, interessa situar Everardo Backheuser no campo educacional,

sintetizando a sua trajetória de militante católico e articulador político a partir da sua atuação

na ABE e na CCBE além de suas ações como jornalista por meio dos seus escritos na RBP e,

aprofundando de forma especial, a sua atuação como professor e as suas apropriações dos

pressupostos escolanovistas nos manuais que escreveu. O foco em sua trajetória social desperta

as seguintes questões: como Everardo Backheuser se situou no campo de embate entre católicos

e pioneiros? Como este professor, engenheiro e militante católico se apropriou dos postulados

do movimento da Escola Nova e os representou nos seus manuais?

Quando da realização do estado da arte para esta pesquisa, foram encontradas três

dissertações de mestrado e uma tese de doutoramento que trouxeram elementos importantes

para a análise proposta, além de motivar outros questionamentos e reforçar a relevância do tema

que se propõe.

Em 1997, Antonio Donizetti Sgarbi defendeu a sua dissertação intitulada “Igreja,

educação e modernidade na década de 30: Escolanovismo Católico construído na CCBE,

divulgado pela Revista Brasileira de Pedagogia” (SGARBI, 1997). Em seus escritos ele aborda

o movimento escolanovista e a atuação dos católicos no campo educacional brasileiro nas

décadas de 1920 e 1930, enfatizando os seus aspectos divulgados na RBP. Para tanto, o autor

discorre sobre a organização dos educadores católicos já a partir de 1928, a criação da CCBE

(1930) e as publicações na RBP de 1934 a 1938. Sendo assim, Sgarbi toma a CCBE como locus

construtivo de um escolanovismo católico liderado por Everardo Backheuser.

7 A seção 2.3.2 traz alguns detalhes de como esse movimento da Cruzada foi construído.

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Em 2000, Claudio Antonio Christante Errerias defendeu a dissertação “Catolicismo e

educação na década de 1930: o escolanovismo de Everardo Backheuser” (ERRERIAS, 2000).

Nela apresenta traços da trajetória do educador católico bem como as suas principais obras na

tentativa de contextualizá-lo na passagem dos anos 1920 para 1930, posicionando Backheuser

diante do movimento escolanovista. Além disso, o autor mostra como esse professor entendia

as ciências da educação e suas apropriações acerca da chamada “Psicologia Científica (Gestalt)”

no manual Técnica da Pedagogia Moderna (Teoria e Prática da Escola Nova).

Em 2008, Rodrigo Mota Narciso defendeu a dissertação “Ministro de Deus, portador da

luz: Ações e enunciados católicos de modelação docente na década de 1930” (NARCISO,

2008). Esta dissertação refletiu sobre as ações e os enunciados produzidos por educadores

católicos na década de 1930, situados nos debates intelectuais sobre a modernidade e a

construção da nação à época, focalizando a multiplicidade de representações de professor e de

formação docente construída. Foram analisadas as representações sobre a educação e os

modelos de professor desejado, assim como as estratégias conduzidas para a sua propagação,

tendo como base dois manuais (ambos de 1934): Tratado de Pedagogia, de Monsenhor Pedro

Anísio e Técnica da Pedagogia Moderna (Teoria e Prática da Escola Nova), de Everardo

Backheuser; e dois congressos católicos promovidos pela CCBE, em 1934 e 1937. Além disso,

Narcizo (2008a, p. 120) referiu-se a Everardo Backheuser como talvez “o mais escolanovista

dos católicos” expressão que inspirou um dos subcapítulos da tese em tela.

Além destas dissertações, foi encontrada a tese de doutoramento defendida em 2008 por

Bernadete de Lourdes Streisky Stang, intitulada “O Saber e o Credo: os intelectuais Católicos

e a Doutrina da Escola Nova (1924-1940)” (STANG, 2008). Nela, a autora intenta mostrar

como os educadores católicos se apropriaram da doutrina escolanovista dentro dos moldes da

sua fé e como traduziram nos seus enunciados a sua leitura de mundo e o modelo de educação

que defendiam, percebendo como estas apropriações aparecem no debate pedagógico publicado

em suas revistas. Apesar da proximidade temática, estas referências trouxeram - além de

algumas respostas e importantes referências de leitura - muitas indagações que desencadearam

novos caminhos para a pesquisa que aqui proponho.

De acordo com Certeau (2015), o primeiro trabalho na operação historiográfica é separar

e reunir certos objetos e transformá-los em documentos. Portanto, o historiador produz esses

documentos quando os recopia, transcreve ou fotografa esses objetos, porque ao agir sobre eles,

muda ao mesmo tempo o seu lugar e o seu estatuto. Assim, esses objetos recebem o estatuto de

documentos, de fontes. Para identificar as principais estratégias do grupo católico para a

dominação do campo educacional, em especial, por meio da atuação de Everardo Backheuser,

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tomei como objetos de análise e, privilegiei como fontes, dois manuais pedagógicos: Técnica

da Pedagogia Moderna8 (Teoria e Prática da Escola Nova) de 1934 e Manual de Pedagogia

Moderna de 1948, por ele escritos para a formação e aperfeiçoamento de professores primários.

Estes manuais foram produzidos na esteira do movimento escolanovista no Brasil, e,

agregam aspectos teóricos e orientações para a condução da prática docente, encadeando num

mesmo suporte material o campo doutrinário da pedagogia, as determinações legais e os

procedimentos necessários para sua execução (VALDEMARIN, 2008). Interessou-me

entrecruzar estes manuais e o documento que os norteia - a Encíclica - com os pressupostos

escolanovistas presentes no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova e o livro de Lourenço

Filho intitulado Introdução ao Estudo da Escola Nova9, os quais também tomei como fontes

desta pesquisa porque são documentos seminais do movimento escolanovista no Brasil.

Parte-se do princípio de que estes manuais prescrevem uma prática pedagógica

idealizada, e, portanto, apresentam elementos para a compreensão das estratégias utilizadas para

a formação de professores, da articulação entre questões de naturezas teórica e prática, e, de

forma mais específica, da articulação num enunciado coerente entre práticas consolidadas e

inovações pretendidas (VALDEMARIN, 2008). No intuito de compreender o processo de

materialização das concepções pedagógicas da Escola Nova nas prescrições - calcadas na

filosofia católica - para a prática pedagógica, tomei os dois manuais escritos por Everardo

Adolpho Backheuser. A pretensão foi então, questionar estes manuais como dispositivos de

normatização pedagógica e também como suportes materiais das práticas escolares tal qual

propõe Carvalho (2003).

Os manuais pedagógicos se constituem em fontes profícuas para os estudos de História

da Educação e do Currículo porque expressam conceitos, valores, conhecimentos, normas e

representações de uma determinada época. Portanto, representam objetos marcados por uma

sistematicidade e embebidos de uma intencionalidade e de uma especificidade referente à sua

produção e, consequentemente, à sua utilização, caracterizando-se como produtos culturais de

uma época. Os manuais possuem diversas funções, veiculam sistemas de pensamento, valores,

8 Além de aparecer nos títulos dos manuais, no seu interior a expressão “pedagogia moderna” também aparece,

ora como algo sinônimo de Escola Nova e ora associadas a elementos educacionais considerados renovadores.

Importa ressaltar a importância da matização de alguns indícios da continuidade da pedagogia moderna na

escola a qual se vinha chamando de “nova”. Proponho essa problematização, ainda que minimamente, na

introdução do capítulo 3. 9 O livro Introdução ao Estudo da Escola Nova: bases, sistemas e diretrizes da Pedagogia Contemporânea teve a

sua primeira edição publicada em 1930 e se tornou fonte de difusão das bases científicas e filosóficas da

perspectiva escolanovista. A primeira edição foi resultado se sínteses das aulas de pedagogia e psicologia

ministradas pelo autor na Escola Normal de São Paulo, por isso, configurou-se obra de impacto no subcampo

da Psicologia da educação (CAMPOS et al, 2002).

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ideologias, interferindo assim na mentalidade dos professores e nas práticas. O ato de voltar às

lentes de pesquisa para estes artefatos dentro da perspectiva da Nova História Cultural, que

tematiza as dimensões de produção, circulação e apropriação do impresso, fomenta, na

atualidade, um corpo de investigações que vem crescendo de forma significativa. Porque levar

em conta estas dimensões dentro da perspectiva epistemológica supracitada possibilita a

compreensão de questões associadas à veiculação de determinados enunciados, currículo,

identidade, metodologias e concepções ideológicas que guiam certas áreas de conhecimento.

Para Ossenbach e Somoza (2001) os livros escolares são textos que transcendem a

instituição escolar, porque mais que instrumentos didáticos e pedagógicos, são indícios da

circulação e apropriação de enunciados hegemônicos e contêm concepções ideológicas, morais,

religiosas, políticas, éticas e culturais:

Los libros escolares contituyen la condensación em um objeto de numerosos intereses,

intenciones, intervenciones y regulaciones. Son la resultante del trabajo y la

participación del autor, del editor, del diseñador, de la imprenta, del distribuidor, del

maestro, de las autoridades educativas, etc., y constituyen um fenômeno pedagógico,

pero también cultural, político, administrativo, técnico y econômico (OSSENBACH;

SOMOZA, 2001, p. 15).

Escolano Benito (2001) afirma que o livro escolar é a representação do modo de

conceber e praticar o ensino que expressa teorias pedagógicas implícitas e padrões de

comunicação, “um espejo que refleja em sus marcos materiales los rasgos de la sociedad que lo

produce, la cultura del entorno em que circula y la pedagogia que, a modo de sistema

autorreferente, regula suas prácticas de uso” (ESCOLANO BENITO, 2001, p. 35).

De acordo com Bufrem et al (2006), os manuais destinados aos professores podem ser

tomados como fontes para indagar sobre a presença de elementos que, em certos períodos

históricos, definiram as formas de pensar e de desenvolver o ensino. Portanto, é possível inquiri-

los como produtos e produtores de conhecimentos escolares; edificadores de modos de fazer a

escolarização; normatizadores de práticas pedagógicas escolares e por fim, construtores de

identidades e subjetivações.

Mesmo na contemporaneidade, com a infinidade de outras tecnologias educacionais, os

manuais permanecem presentes em sala de aula, revelando sua irrefutável relevância para

estudos historiográficos; incitando a criação de centros de estudo10 e dando origem a um novo

10 Como exemplo, cita-se o Centro de Investigación en Manuales Escolares MANES: fundado em Madri, na

Espanha, no início da década de 1990, por iniciativa do professor Federico Gómez Rodriguez de Castro, do

Departamento de Historia de la Educación y Educación Comparada, da Universidad Nacional de Educación a

Distancia - UNED. Desde o seu início, o Proyecto MANES contou com a participação dos professores Agustín

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campo de pesquisa histórico-educativa, cognominado pelo historiador espanhol Escolano

Benito de manualística. Este campo de conhecimento abrange os manuais escolares como

sintetizadores da cultura empírica da escola, suportes educativos, pedagógicos e históricos e,

ainda, como instrumentos de informação e seleção do conhecimento considerado científico,

portanto, legitimado. Os manuais representam objetos indiciários ou objetos-huella que podem

expor elementos acerca do jogo escolar (ESCOLANO BENITO, 2012)11.

Nos seus primórdios, a investigação sobre manuais escolares esteve centrada nos

conteúdos das disciplinas humanísticas, observando nestes um caráter ideológico de formação

das identidades nacionais. Com a renovação de metodologias e perspectivas teóricas, as

pesquisas começaram a abarcar todos os campos das disciplinas escolares, analisando além da

influência destas na formação das consciências individuais ou coletivas, e, agindo de forma a

realizar uma genealogia destas disciplinas, atentando para os fatores que influenciam na seleção

curricular; os autores de livros escolares; a história das editoras; a produção de manuais

escolares, etc.

Nessa perspectiva, podem-se acrescentar as pesquisas que tomam os manuais escolares

na sua materialidade, como objetos culturais produzidos por agentes específicos, a partir de

técnicas demarcadas em uma conjuntura econômica, ideológica, comercial e de organização da

produção que condiciona seu caráter social e histórico. Portanto, tomar os manuais enquanto

bens culturais que incorporam intenções, objetivos e regulações, significa tomá-los como fontes

que informam sobre os valores partilhados em um determinado contexto, as representações

sociais e as práticas escolares (ROCHA; SOMOZA, 2012).

No campo da manualística, Escolano Benito (2001, p. 14) advoga que os estudos sobre

a manualística servem para elucidar os modos de produção e apropriação dos materiais da

cultura da escola, não são apenas referentes às disciplinas acadêmicas, mas, “representaciones

que expresan, en sus mismas formalidades, y hasta en sus simulacros lingüísticos, toda una

semántica y una pedagogia”.

O mesmo autor assevera que os manuais escolares podem ser examinados como

representações de “las prácticas que prevé e induce, como un soporte en el que subyacen los

Escolano Benito, Antonio Viñao Frago, José Maria Hernandez Diaz, Maria Nieves Gómez, Mercedes Vico e

Julio Ruiz Berrio (TEIVE, 2015). 11 Possibilidades de pesquisa acerca dos manuais como objetos indiciários que podem contar sobre o jogo escolar

foram refletidas no artigo ROSA, Maristela da; TEIVE, Gladys Mary Ghizoni. Manuais didáticos como

patrimônio histórico-educativo: artefatos da cultura material escolar. Roteiro, Joaçaba, v. 41, n. 2, p. 407-430,

maio/ago. 2016. Esse artigo é fruto dessa tese.

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enunciados pedagógicos acerca de la acción escolar y como un objeto indiciario de los valores

en que se fundamenta la administración que lo regula” (ESCOLANO BENITO, 2012, p. 43).

Nesse sentido, os manuais são fontes da nova historiografia, e são também construções

culturais e educacionais que são codificadas de acordo com as especificidades de cada contexto

de produção e de circulação. Além de fontes que podem auxiliar no entendimento da educação

de determinada conjuntura, se configuram também como objetos de análise, como

configurações históricas, podendo ser analisados ao nível material e simbólico, como

representação de um ideal pedagógico porque neles estão contidas as estratégias pensadas para

a educação formal, o imaginário social e os métodos didáticos de determinada época.

Ossenbach (2010) defende os manuais como parte integrante do patrimônio histórico-

educativo, não somente como suportes da memória individual e coletiva, mas, também porque

constituem uma fonte imprescindível para a compreensão das práticas internas do universo

escolar. Para a autora, os manuais não constituem uma descrição ou um registro fotográfico de

uma determinada sociedade e sua cultura, mas podem configurar indícios de um:

[...] horizonte idealizado de saberes, propósitos y valoraciones, un conjunto de

interpretaciones y de posicionamientos que expresan visiones subjetivas del mundo

social, susceptibles, a su vez, de ser analizadas para tratar de comprender la historia

escolar y los procesos de transmisión cultural (OSSENBACH, 2010, p. 124).

Durante a revisão das literaturas utilizadas para a fundamentação do estudo que

proponho, percebi que estas, ora trazem a nomenclatura livros escolares, ora manuais escolares

ou ainda manuais didáticos ou manuais pedagógicos. Essa é uma espécie de “ambiguidade

terminológica” que exige uma caracterização mais cuidadosa dos manuais pedagógicos

(OSSENBACH; SOMOZA, 2001). Para Catani e Silva (2010, p. 1) os manuais pedagógicos

são:

[...] livros escolares que versam sobre questões de ensino e são escritos para formar

professores e/ou para auxiliá-los no aperfeiçoamento do seu trabalho. Os manuais

pedagógicos são atualmente chamados de livros didáticos e partilham, com todos os

livros desse tipo, o fato de concentrar em si noções essenciais da matéria específica

que representam e de apresentar linguagem e organização adequadas a um

entendimento fácil para os estudantes. No que diz respeito aos manuais pedagógicos,

ao resumirem os saberes e referências importantes na área da Pedagogia, podem ser

identificados como súmulas, compêndios, lições ou introduções. A palavra “manual”

remete ao propósito de “levar às mãos dos leitores”, de forma clara e acessível, os

saberes que fundamentam a prática docente.

Se o discurso trazido pelos manuais pedagógicos é distinto daquele que outros livros

didáticos trazem - porque constitui um corpo de saberes específicos para os professores

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(SILVA, 2005) - interessa ressaltar que nessa tese, tomei os manuais selecionados como uma

literatura direcionada à formação e ao aperfeiçoamento do professorado. Então, os livros de

Backheuser - fontes e objetos de análise desta tese - a partir da função definida pelo autor e

legitimada pela edição e pelos seus usos, são aqui nominados manuais pedagógicos.

O tempo-espaço definido para esta análise foi o período entre as décadas de 1930 e 1940

no Brasil. O marco inicial é a década das publicações do Manifesto dos Pioneiros da Educação

Nova (1932) e do primeiro manual escrito por Everardo Backheuser (1934). O marco final é a

década em que o educador católico publicou a nova versão do manual (1942), lembrando que a

edição utilizada na tese é a 4ª, de 1948.

O objetivo geral da pesquisa foi o de situar Everardo Backheuser no campo educacional

brasileiro e compreender como ele se apropriou dos postulados escolanovistas e os representou

nos manuais pedagógicos que escreveu. Para tanto, foram definidos os seguintes objetivos

específicos: conhecer a trajetória de Everardo Backheuser, em especial no campo educacional;

analisar o conteúdo dos manuais comparando as duas versões; perceber como o autor se

apropriou dos postulados escolanovistas e os ressignificou nos seus escritos.

Esta pesquisa foi desenvolvida na perspectiva teórico-metodológica da Nova História

Cultural. Entendo a narrativa que construí como uma representação sobre o passado, que teve

como foco a materialidade dos dispositivos construídos para serem modelos de ordenação

escolar das práticas educativas, os manuais, e a trajetória e as apropriações de um agente

específico, autor de alguns desses dispositivos como veículos que comunicaram, expressaram

um projeto educacional. À luz dessa vertente epistemológica, acredito que o texto aqui

materializado, se encontra no centro dos “novos” modos historiográficos que se preocupam não

apenas com a organização dos discursos sobre o tempo, mas também com a elucidação de como

os discursos têm construído e reconstruído as vidas e as realidades sociais das pessoas. Pois, na

busca pela compreensão de como as têm interpretado e reinterpretado seu mundo, como

circulam as representações nos indivíduos, como as experiências têm diferentes significados

para diferentes pessoas, o centro da atenção das investigações ancoradas na Nova História

Cultural têm se deslocado para as representações, as práticas criativas, e para as apropriações.

Para Certeau (2015) o trabalho do historiador se caracteriza pela fabricação de uma

narrativa, de um artefato escriturístico, dos acontecimentos do passado. A historiografia é o

produto de uma operação, de uma atividade de atribuição de sentido aos eventos do passado o

qual é produzido pelo historiador como um artefato. E este trabalho, entre outras facetas, exige

a destreza narrativa, a capacidade de elaborar boas tramas. Já Albuquerque Jr. (2009) diz que,

tal qual uma rendeira, o historiador deve saber conectar os fios, amarrar os nós e respeitar os

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vazios e os silêncios que também constituem o passado. Por meio de uma opção teórico-

metodológica o pesquisador da História constrói e confere sentido a um determinado evento

passado o qual visto fora do seu contexto, não nos apresentaria uma informação relevante. E

Ginzburg (1989) ensina que o historiador deve interagir com as fontes selecionadas tendo em

mente que esses documentos não são a essência de uma época, mas, as suas representações.

Assim, esses documentos podem ser tomados como pistas, indícios, pequenos fragmentos que

podem ser montados, escondidos ou realçados diante dos olhos daquele que os move como

peças de um grande quebra-cabeça: o pesquisador. Eis a forma com que as peças do quebra-

cabeça proposto por esta tese foram movidas:

Para sublinhar indícios da arena de embate entre pioneiros e católicos e suas estratégias

(com destaque para o último grupo), fiz revisão bibliográfica sobre a temática. Para esta parte

do empreendimento, ressalto a fundamentação nos estudos de Marta Maria Chagas de Carvalho

e Libânea Nacif Xavier.

Para realçar a trajetória social de Everardo Adolpho Backheuser situando-o no campo

educacional, precisei atentar para pequenos fragmentos: a sua origem sociofamiliar e os seus

percursos escolar e profissional. Isso foi possível por meio de revisão de literatura elencada no

Estado da Arte; coleta de dados em acervos cariocas como a ABE e a Biblioteca Nacional;

busca em acervos digitalizados como: o Centro Dom Vital e o Centro de Pesquisa e

Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC -

FGV); um questionário12, rol de pistas respondido pela neta de Backheuser, Miriam Mambrini;

e, finalmente, duas produções (CERTEAU, 2015) da sua segunda mulher, a professora primária

Alcina Moreira de Souza: um livro intitulado “Everardo Backheuser” que registra indícios das

suas multifacetas, desde a infância até a vida adulta, marcada pela militância no campo

pedagógico e um álbum de memórias intitulado “Personalidade de Everardo Backheuser” que

guarda dados biográficos, fotografias, fragmentos de livros, recortes de jornais e alguns textos13.

Ao produzir significados, Alcina fabricou história (CERTEAU, 2015) e forjou representações

(CHARTIER, 1990) de como Everardo marcou presença em várias áreas, sobretudo nas

trincheiras do magistério, onde ele contribuiu por mais de meio século, em sala de aula e fora

12 Dentro dos padrões do Comitê de Ética Miriam Mambrini assinou um termo de consentimento livre e

esclarecido. Tanto o questionário respondido e o termo constam respectivamente nos Apêndices A e B deste

documento. O parecer consubstanciado do Comitê de Ética ficou registrado sob o número 1.471.011 e pode

ser visualizado no Apêndice C. 13 Como este álbum (repleto de fotografias, dados biográficos, cópias de partes de livros, recortes de jornais,

guardado pela neta, guardiã da memória da família Backheuser) foi organizado in memoriam, infere-se que

seja datado da década de 1950, levando em conta o ano da morte de Backheuser, 1951.

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dela14. Miriam Backheuser Mambrini, neta do referido educador e guardiã das memórias da

família, possibilitou o acesso a tais documentos monumentos (LE GOFF, 1990). Monumentos

compreendidos como representantes de vestígios do passado, os quais, quando utilizados como

ferramentas de pesquisa, configuram-se documentos. Estes registros que aqui problematizo,

qualifico e legitimo como fontes/documentos, poderiam estar destinados à invisibilidade.

Entretanto, essas “escritas ordinárias” (FABRE, 1993, apud CUNHA; SOUZA, 2015, p. 17)15,

registros de experiências que foram conservadas e protegidas em um acervo pessoal e que

expressam a vontade de forjar uma glória e também de guardar os momentos mais significativos

além de trazer indícios de práticas e de representações, foram tomadas aqui como fontes

históricas.Alcina quis manter viva a memória do marido, dar voz a esses objetos auxilia nesse

empreendimento.

Para compreender como este professor se apropriou dos postulados escolanovistas e os

representou em seus manuais, realizei o entrecruzamento entre o repertório e os suportes

materiais de uma apropriação específica. Ou seja, entre o Manifesto dos Pioneiros da Educação

Nova e o livro Introdução ao Estudo da Escola Nova - documentos seminais da Escola Nova

no Brasil - e os manuais escritos por ele que teve como documento norteador da sua

representação, a Encíclica papal de 1929. Para tanto, foi necessário destacar aquelas peças

consideradas mais adequadas para resolver o desafio do jogo proposto.

As lentes teóricas e argumentativas eleitas para fundamentar epistemologicamente a

fabricação deste artefato escriturístico provocaram a interlocução entre Pierre Bourdieu, Roger

Chartier e Michel de Certeau. Destes autores, tomei emprestadas as concepções de campo;

apropriação e representação; e, estratégias e táticas, respectivamente. Ambas serviram de

condutoras para a compreensão do problema de pesquisa lançado; para a minha interação com

as fontes; para a atribuição de sentido de alguns eventos do passado tomados como

representações, bem como para conectar os fios de forma a tornar possível a transposição do

trabalho construído para esse texto como narrativa histórica.

Um dos conceitos centrais na obra de Bourdieu, campo é definido como:

[...] o universo no qual estão inseridos os agentes e as instituições que produzem,

reproduzem ou difundem a arte, a literatura ou a ciência. Esse universo é um mundo

social como os outros, mas que obedece a leis sociais mais ou menos específicas. A

14 Verificar ROSA, Maristela da. Vestígios de uma história: trajetória social do intelectual Everardo Adolpho

Backheuser sob a ótica de Alcina Moreira de Souza. In: IX Congresso de Pesquisa e Ensino de História da

Educação em Minas Gerais, 2017, Uberlândia, MG. Anais do IX Congresso de Pesquisa e Ensino de História

da Educação em Minas Gerais, 2017, Uberlândia, MG: EDUFU, 2017. p. 1-10. 15 As escritas ordinárias ou sem qualidades são aquelas realizadas pelas pessoas comuns e que se opõem aos

escritos prestigiados, elaborados com vontade específica de “fazer uma obra” para ser impressa.

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noção de campo está aí para designar esse espaço relativamente autônomo, esse

microcosmo dotado de suas leis próprias (BOURDIEU, 2004, p. 20).

Pode-se entender campo como um espaço estruturado de posições, onde dominantes e

dominados - por meio de estratégias - se enfrentam pela manutenção e pela obtenção de

determinados postos. Para além do espaço físico e geográfico, campo é um espaço constituído

por relações. O espaço social é constituído por vários campos (da moda, da religião, político,

cultural, científico, intelectual, educacional, etc.), e neles ocorrem as relações entre os

indivíduos e os grupos sociais, com uma dinâmica que estabelece leis e lógicas próprias. No

interior de cada campo, revela-se a disputa entre os representantes da “autoridade” - que detêm

maior acúmulo de capital e lutam para conservá-lo - e os denominados por Bourdieu (2003) de

“recém-chegados” ou “pretendentes” (que almejam o acúmulo do principal capital daquele

campo específico), dando origem então ao jogo16.

Munidos de mecanismos específicos, os campos possuem propriedades que lhes são

particulares, e se tornam microcosmos autônomos no interior do espaço social (macrocosmo).

Um campo específico possui uma estrutura própria, relativamente autônoma em relação aos

outros campos. Ainda que mantenham uma relação entre si, os diversos campos possuem

objetivos singulares, e, portanto, uma lógica particular de funcionamento e de estruturação.

Para Bourdieu (2003, p. 206), campo é “um espaço de jogo, um campo de relações

objetivas entre indivíduos ou instituições em competição em torno de uma parada em jogo

idêntica.” O campo indica uma rede, uma estrutura, um espaço em disputa no qual cada agente

joga em busca do acúmulo de certos capitais, sejam eles econômico, cultural, social, simbólico,

entre outros.

A posição no campo a ser ocupada por determinado agente/jogador depende diretamente

da quantidade e da qualidade dos capitais por ele acumulados, sendo que essa posição

determinará suas ações a serem forjadas pelo habitus17constituído. Assim, a estrutura de um

campo depende da concentração de capitais em cada um dos agentes envolvidos. Nesse sentido

a concepção bourdieusiana de campo se mostra importante para compreender as posições

16 Bernard Lahire (2002) oferece alguns elementos fundamentais e relativamente invariantes da definição de

“campo” que se pode extrair das diferentes obras e artigos de Pierre Bourdieu. 17 A concepção de habitus é imprescindível para o entendimento da trajetória social de um agente, pois sua

existência é definida pelo habitus, isto é, pelo conjunto de posições ligado às disposições pessoais

historicamente construídas (BOURDIEU, 2006). Essas disposições que fazem o agente ser capaz de agir e se

posicionar no campo social, indicando um sistema de esquemas de percepção, valores, juízos, apreciação e de

ação incorporado pelas experiências e que faz parte de uma estrutura. Para Bourdieu (2001, p. 61), o habitus

“indica a disposição incorporada, quase postural”. Para saber mais sobre o conceito de habitus ver BOURDIEU

(1983, p. 61). O capítulo 2 traz a definição baseada nessa referência.

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ocupadas por pioneiros e católicos e as estratégias utilizadas para consolidar-se no campo

educacional marcado pelos debates acerca da Escola Nova no Brasil.

Entendido o campo educacional, as disputas nele acirradas, as posições de cada grupo,

interessou entender as estratégias empreendidas por pioneiros e católicos, em especial, pelo

segundo grupo para se consolidar na posição de dominantes no campo educacional. Inclui-se

nesse conjunto de estratégias, a publicação de manuais para a formação de professores calcados

nos pressupostos da Escola Nova, ressignificados a partir da clave católica.

Assim, para compreender as apropriações de Everardo Backheuser - representante do

grupo católico - nos manuais que orientavam os docentes para as práticas escolanovistas, ou

seja, decifrar como Backheuser decodificou as prescrições presentes na literatura elencada e as

reapresentou em seus escritos didáticos, recorri às concepções de apropriação e representação,

concebidas na perspectiva de Chartier.

Para Chartier (1990, p. 24) a apropriação é um “processo por intermédio do qual é

historicamente produzido um sentido e diferenciadamente construída uma significação”. Essa

noção de apropriação “põe em relevo a pluralidade dos modos de emprego e a diversidade das

leituras”, sendo, portanto, considerado como a possibilidade de formas diferenciadas de

decodificação, interpretação e reapresentação. Nesse sentido, um texto é compreendido como

um bem cultural, uma produção de representações sociais e culturais. Dessa forma, um mesmo

texto aplica-se à situação do leitor e é recebido à maneira do receptor, ou seja, pode ser lido,

interpretado, ressignificado e apropriado de diferentes formas por diversos leitores em variados

contextos e lugares. Por meio da prática de apropriação se dá a operação de sentido por parte

do leitor. Como bens culturais, os textos são sempre produzidos de acordo com ordens, regras,

convenções e hierarquias específicas; portanto, o ato da criação inscreve-se numa relação de

dependência em face de regras, poderes e códigos de inteligibilidade. Contudo, o texto escapa

a tais dependências, justamente pelas diferenças de apropriação, pois ela é socialmente

determinada de maneira singular, segundo costumes, classes e inquietações que também serão

dependentes de princípios de organização e diferenciação socialmente compartilhados ou das

representações coletivas. Segundo Chartier (1990, p. 121), “face a um texto, é historicamente

produzido um sentido e diferenciadamente construída uma significação”. Considera-se a

apropriação como prática criativa, como atividade produtora de sentidos singulares e de

significações que não se reduzem apenas às intenções dos autores dos textos (CHARTIER,

1990).

A realidade social é construída, pensada e dada a ler em diferentes tempos e espaços.

Essa construção é permeada por individualidades organizadas em diferentes grupos que nessa

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dinâmica de ida e vinda da realidade micro para a realidade macro e vice-versa, constituem,

pensam e lêem as realidades sociais. As representações acerca da realidade social, os usos dos

textos, as escolhas e as omissões seguem um objetivo e em nenhum momento devem ser vistos

como imparciais, pois, as percepções do social não são enunciados neutros. Costumam produzir

estratégias e práticas específicas com a tendência de impor uma autoridade, legitimar um

projeto reformador ou justificar, para os sujeitos, as suas escolhas e condutas (CHARTIER,

1990).

Na perspectiva charteriana as práticas criativas de apropriação criam usos ou

representações. Para esse autor, a noção de representação apresenta dupla dimensão, por um

lado, faz ver uma ausência, por outro lado, apresenta uma presença. A primeira supõe uma

distinção clara entre o que representa e o que é representado e a segunda se refere à apresentação

pública de uma coisa ou de uma pessoa (CHARTIER, 1991). Nesse sentido, se a representação

reapresenta algo ausente, fazendo da ausência uma presença, entende-se aqui como a expressão

de apropriações criativas, inventivas. Parte-se da premissa de que os textos, como bens

culturais, são produzidos de acordo com regras, poderes e hierarquias específicas - mas que

ainda assim, escapam dessas dependências justamente pelas práticas diferenciadas de

apropriação - e propõe-se a compreensão de como um militante católico representou os

princípios escolanovistas nos seus escritos didáticos. Esta pesquisa tomou o próprio autor dos

manuais, agente produtor de sentido, como um leitor. Alguém que fez a leitura de um repertório,

textos específicos que traziam os princípios cardeais escolanovistas e, que a partir de suas

lentes, se apropriou taticamente desses escritos de forma sui generis, recriando-os a partir de

suas vivências, experiências e interesses, inventando novas leituras de um mesmo texto e

expressou nos seus manuais a representação da sua apropriação. Na perspectiva charteriana, a

história apenas existe se houver a articulação entre as representações das práticas e as práticas

da representação:

Ou seja, qualquer fonte documental que for mobilizada para qualquer tipo de história

nunca terá uma relação imediata e transparente com as práticas que designa. Sempre

a representação das práticas tem razões, códigos, finalidades e destinatários

particulares. Identificá-los é uma condição obrigatória para entender as situações ou

práticas que são o objeto da representação (CHARTIER, 2011, p. 16).

Para compreender os manuais pedagógicos de Backheuser como suportes materiais de

determinadas práticas de apropriação; e como dispositivos de configuração do campo da

pedagogia e de conformação das práticas escolares (CARVALHO, 2005) nos anos trinta e

quarenta do século XX no Brasil, além dos conceitos de campo, apropriação e representação -

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fundamentados em Bourdieu e Chartier respectivamente - foram mobilizados os conceitos

certeaunianos de estratégias e táticas.É importante destacar que, amparando-se na noção

bourdieusiana de campo já é possível vislumbrar as ações do grupo católico junto ao

professorado como uma estratégia para firmar posição no campo e nele, alcançar o domínio.

No entanto, a concepção certeauniana que também recebe a designação estratégias é

operacionalizada nessa tese porque, proposta nos termos de Certeau é definida da seguinte

maneira:

[...] o cálculo (ou a manipulação) das relações de forças que se torna possível a partir

do momento em que o sujeito de querer e poder (uma empresa, um exército, uma

cidade, uma instituição científica) pode ser isolado. A estratégia postula um lugar

suscetível de ser circunscrito como algo próprio e ser a base de onde podem gerir as

relações com uma exterioridade de alvos ou ameaças (os clientes, ou os concorrentes,

os inimigos, o campo em torno da cidade, os objetivos e objetos da pesquisa etc.)

(CERTEAU, 2014, p. 93) (grifo do autor).

Apesar de Certeau fazer oposição às táticas e estratégias, porque estas visam produzir,

mapear e impor enquanto aquelas originam diferentes maneiras/artes de fazer, quando, tomado

como prática que supõe um lugar de poder que lhe é próprio, pretendeu-se mobilizar o conceito

de estratégia para compreender as iniciativas do grupo católico engajado no movimento de

renovação educacional. Além de poderem ser tomados como estratégias, os manuais podem ser

considerados expressão de táticas na forma de enunciados escolanovistas dos educadores

católicos como apropriações “de um outro corpus discursivo constituído, pela análise, como

repertório” (CARVALHO, 2005, p. 2), ou seja, a literatura sobre Escola Nova selecionada: o

Manifesto e o livro de Lourenço Filho.

Os manuais escritos por Everardo Backheuser foram analisados como artefatos

impressos que contém estratégias discursivas, as quais lêem e se apropriam taticamente da

literatura sobre Escola Nova, aqui entendida como repertório, a partir de suas próprias lentes

filosóficas e epistemológicas, ressignificando os princípios que norteiam este documento,

legitimando e deslegitimando práticas e constituindo um campo singular de saberes

pedagógicos. Entendo que Backheuser foi alterando os objetos e os códigos contidos nos

documentos seminais da Escola Nova e estabelecendo uma apropriação e uma nova

representação deste ideário, criando, taticamente, novas artes de fazer a nova pedagogia.

Interessou então, identificar, no enunciado de Everardo Backheuser, a perspectiva

particular que nele assume a enunciação, em relação aos enunciados que produz, apontando a

posição assumida por ele no campo de luta supracitado. Dessa forma, esses manuais podem ser

compreendidos como estratégias porque foram destinados aos professores, e continham um

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enunciado intencionalmente arquitetado para a fabricação de um projeto educacional e também,

como formas de táticas, ou daquilo que Carvalho (2003) chamou de “apropriação tática” quando

pensados como expressão de uma apropriação muitíssimo específica da Escola Nova.

Entendendo que ambos os grupos - católicos e pioneiros - fizeram uso do repertório

escolanovista como estratégia para a reconfiguração do campo teórico/doutrinário da

pedagogia, investiguei o enunciado pedagógico escolanovista católico de um educador em

particular, também como estratégia de propagação dos ideais escolanovistas, os quais passaram

por uma releitura com base católica, por uma apropriação tática. Nesse contexto de pesquisa, a

operacionalização do conceito de estratégia, se mostra relevante, conforme afirma Carvalho

(2005, p. 2):

[...] se referido a práticas cujo exercício pressupõe um lugar de poder. Aplicado, por

exemplo, a uma história dos impressos destinados ao uso de professores, o conceito

põe em evidência dispositivos de imposição de saberes e normatização de práticas,

referidos a lugares de poder determinados: uma casa de edição; um departamento

governamental; uma instância eclesiástica; uma iniciativa de reforma educacional etc.

Organizado no seio da CCBE, o grupo dos católicos teve uma gama de iniciativas

editoriais. O impresso escolanovista católico integrou uma rede de artefatos como anais de

congressos, revistas e boletins os quais tinham como objetivo o controle pedagógico e

organizacional do professorado. Neste conjunto, destacou-se a RBP que irradiava os princípios

da CCBE, no entanto, há que se incluir na referida rede, os manuais pedagógicos, sobretudo

aqueles escritos por Backheuser. Porque já que o objetivo maior era a adesão dos professores à

Escola Nova adaptada pelos católicos, nada tão eficaz quanto agir no âmbito didático, lugar de

poder que possibilitava ao grupo católico desacreditar alguns dos princípios doutrinários e as

práticas escolanovistas dos pioneiros, como estratégia de constituição e legitimação de um

enunciado escolanovista católico.

Aproximando esta pesquisa ao corpus teórico selecionado, é possível perceber que ao

escrever tais manuais, no período de movimento da Escola Nova, os autores lançavam mão de

estratégias para convencer seus leitores sobre suas doutrinas, condutas e práticas escolares

idealizadas. Backheuser, por exemplo, se apropriou taticamente dos ideais escolanovistas

publicando os manuais como estratégias de conquista da adesão do professorado. Porque os

autores de manuais pedagógicos escrevem em defesa de seus interesses e convicções

representando enunciados a partir das suas lentes epistemológicas e filosóficas com o intuito de

inculcar no professorado orientações para condução de suas práticas pedagógicas.

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Para alcançar os objetivos propostos para esta pesquisa, o texto foi estruturado da

seguinte forma:

O capítulo dois conectou os fios da trama, ocupando-se, de forma especial, em

apresentar o campo educacional em disputa no contexto estudado e situar Everardo Adolpho

Backheuser neste campo sintetizando a sua trajetória social e sublinhando a sua atuação como

professor e militante católico. Foram citadas as suas atividades na ABE, na APC-DF e na

CCBE, além do seu trabalho junto à RBP. Identificar as práticas de Backheuser no campo

educacional deu pistas para a compreensão dos seus objetivos como autor de manuais

pedagógicos para a formação e aperfeiçoamento dos professores primários. Esses manuais

expressaram as suas apropriações e representações da Escola Nova e criaram um modelo

pedagógico muitíssimo particular como mostraram os capítulos seguintes desta tese.

Os capítulos três e quatro conferiram aos manuais o estatuto de documentos. Primeiro

apresentou-se e analisou-se Técnica da Pedagogia Moderna, na tentativa de compreender como

Backheuser representou sob as claves filosóficas católicas os postulados escolanovistas. E

depois, apresentou-se a analisou-se Manual de Pedagogia Moderna que é uma reformulação

da 1ª edição. Além das permanências e mudanças de uma edição para a outra, intentou-se

perceber indícios do projeto educacional tramado pelo autor a partir de dois eixos centrais, a

ênfase na Psicologia que marca a interlocução entre ciência e religião arquitetada por

Backheuser e a educação integral da personalidade, necessária para estimular o interesse da

criança. Nesses dois capítulos, o esforço empreendido foi no sentido de perceber nuances do

pensamento pedagógico do autor que apontavam para as aproximações e os distanciamentos

em relação ao pensamento escolanovista expresso no Manifesto, porque o objetivo maior era

compreender e definir o que foi denominado aqui de escolanovismo católico backheusiano.

Na última parte, o quinto capítulo traz arremates a partir de algumas amarrações entre

as nuances do escolanovismo católico backheusiano presentes em ambos os manuais com o

intuito de contribuir para o campo da historiografia e da História da Educação brasileira. E,

além disso, apresenta algumas possibilidades de estudos futuros e conclui com a retomada da

epígrafe escolhida para abrir a tese.

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2 CONECTANDO OS FIOS DA TRAMA: EMBATE ENTRE PIONEIROS E CATÓLICOS

NO CAMPO EDUCACIONAL BRASILEIRO

Nos anos 30 a efetivação de um sistema público, gratuito

e laico, tal como defenderam os pioneiros do Manifesto

de 1932, desencadearia um conflito inevitável com as

lideranças ligadas à Igreja Católica. Nessa época, a

discussão em torno da secularização do ensino suscitou a

mobilização de um conjunto de estratégias por parte dos

dois grupos em disputa (XAVIER, 1999, p. 45).

No cenário brasileiro dos anos de 1920, a intenção era erigir uma nação sobre os

alicerces da modernidade, e para este fim, a educação foi escolhida como a via mais eficaz.

Neste período a educação se constituiu como a bandeira da construção de um país moderno.

Esta corrente de pensamento contribuiu para a posterior criação do Ministério da Educação e

Saúde (1931) após a Revolução de 1930, no governo do Presidente Getúlio Vargas, quando o

campo educacional foi instituído como área de política setorial do Estado Nacional, cooptando

vários educadores voltados para esse setor (XAVIER, 1999).

A educação, durante muito tempo, esteve sob a égide da Igreja Católica,

fundamentando-se em dogmas religiosos. Com a afirmação do Estado laico pela Constituição

Republicana de 1891, a Igreja Católica foi afastada da esfera política do país, decisão que

atingiu o campo educacional. Assim, as escolas públicas permaneceram durante quatro décadas

sob um processo de laicização. Após a Revolução de 1930, com a promulgação do Decreto nº

19.941 de 30 de abril de 1931 (BRASIL, 1931), o Ensino Religioso tornou-se facultativo nessas

instituições.

Na conjuntura histórica da década de 1920, constituiu-se um movimento denominado

Reação Católica. Como parte da sociedade civil, tornou-se necessário para a Igreja,

desenvolver estratégias que a levassem a ações que garantissem a manutenção da sua posição

de instituição ideologicamente influente sobre a população, e a tornasse competitiva diante dos

novos movimentos ideológicos presentes no campo. Nessa direção, era fundamental a formação

de uma liderança católica que soubesse atuar e dialogar no campo em mudança. Esse

movimento objetivava então, restabelecer a legitimidade da Igreja perante a sociedade, além de

reconquistar o seu espaço junto ao centro de decisões políticas e instaurar um projeto de

reconstrução nacional, aspirando à dominação do campo educacional:

[...] a mobilização dos grupos católicos operou em diversas frentes, indo desde a

discussão de ideias e projetos que contemplassem as necessidades católicas, até a

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organização de forças na arena política, passando pela divulgação, principalmente por

meio da imprensa escrita, de seu ideário para a população [...] os intelectuais católicos

teriam a missão de confrontar as propostas dos intelectuais de orientação laica,

buscando, ao mesmo tempo, a expansão do ideário católico dentro da sociedade

(NARCIZO, 2008a, p. 25).

A Reação Católica ocorreu nos campos religioso, político, pedagógico e cultural e teve

como principal líder Alceu Amoroso Lima, que assumiu o comando do movimento leigo da

Igreja, após a morte de Jackson de Figueiredo18 - fundador da revista A Ordem (1921) e do

Centro Dom Vital (1922). Amoroso Lima teve o padre Leonel Franca como assistente espiritual

e contou também com o apoio do cardeal do Rio de Janeiro, Dom Sebastião Leme (SAVIANI,

2013).

No campo religioso, ressalta-se o desenvolvimento da Ação Católica que se expandiu

com o objetivo de aglutinar a juventude. No campo político, sublinha-se a criação da Liga

Eleitoral Católica (LEC) em 1932, a qual teve à frente o cardeal Dom Sebastião Leme, como

secretário geral, Amoroso Lima e como membros Aníbal Porto, Jonatas Serrano, Heitor da Silva

Costa, Plácido de Melo e Everardo Backheuser. A LEC congregou pensadores e segmentos da

classe média e teve expressiva participação nas eleições para a Assembleia Nacional

Constituinte em 1933, supervisionando, selecionando e recomendando candidatos ao

eleitorado. Muitos deputados, apoiados pela LEC, foram eleitos, entre os quais Luís Sucupira,

Anes Dias, Plínio Correia de Oliveira e Morais Andrade (CARNEIRO JUNIOR, 2000).

Nos campos pedagógico e cultural, a Reação buscou defender a primazia da Igreja no

exercício da função educativa e se preocupou com a formação de líderes a partir do espírito

católico. O líder do movimento participou então da fundação da Associação dos Universitários

Católicos, do Instituto Católico de Estudos Superiores (embrião das Faculdades Católicas e da

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) e de outras iniciativas.

Já no início da década de 1930, a principal bandeira dos católicos no campo educacional

foi o combate à laicização do ensino. Porque para eles a escola leiga, bandeira dos

escolanovistas, ao invés de educar, deseducava porque:

[...] estimulava o individualismo e neutralizava as normas morais, incitando atitudes

negadoras da convivência social e do espírito coletivo. Somente a escola católica seria

capaz de reformar espiritualmente as pessoas como condição e base indispensável à

reforma da sociedade (SAVIANI, 2013, p. 257).

18 Jackson de Figueiredo foi responsável pela conversão de Alceu Amoroso Lima ao catolicismo. Para conhecer

mais sobre a trajetória do último, conferir Rodrigues (2013).

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A publicação do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, ocorrida em 1932 logo

após a IV Conferência Nacional de Educação, incitou o conflito já existente entre os grupos. A

defesa prescrita no histórico documento, de uma escola pública laica, regida pelos princípios

de obrigatoriedade, gratuidade e coeducação, agravou a árdua querela teórica, ideológica e

política na qual, educadores de ambos os grupos agiam no sentido de exibir legitimidade e

competência para conduzir o aparato educacional do país.

A educação se tornou alvo daqueles que almejavam a dominação do campo. Seja por

estratégias pautadas na filosofia escolanovista, defendendo uma educação pública, gratuita e

laica ou por uma escola católica. Ambos acreditavam na educação como fator regenerador, ou

seja, que pela reconstrução educacional se efetivaria a reconstrução social e concebiam o

controle do sistema escolar como um elemento fundamental na disputa pelo campo educacional.

À época, educadores brasileiros das mais diversas áreas se incumbiram da tarefa de conduzir

os debates acerca do que era “novo, moderno e necessário” e, assumiram no campo, posições e

estratégias julgadas mais eficazes na divulgação das “suas argumentações em torno dos projetos

políticos nascentes que, supunha-se, transformariam a dura realidade do país e lhe dariam

visibilidade externa” (STANG, 2008, p. 10).

Uma parte considerável da historiografia brasileira tende a acentuar de forma demasiada

uma oposição inconciliável entre pioneiros e católicos. E traz representações dos primeiros

como modernos, vanguardistas, inovadores, propagadores de uma escola nova: laica, pública,

gratuita, democrática, e, dos segundos como reacionários e conservadores que desejavam uma

educação elitista, baseada nos moldes católicos, distante da escola democrática apresentada pela

filosofia dos pioneiros. Numa direção diferente - apoiada, de forma especial, nos estudos de

Marta Maria Chagas de Carvalho - este capítulo objetiva mostrar que ambos os grupos,

integrados por educadores de diversos matizes, com diferentes projetos de reconstrução

nacional, coexistiram e posicionaram-se num mesmo terreno de debate, num mesmo campo, e,

por meio de estratégias específicas, competiram pelo mesmo objetivo: a reforma educacional

sob a ótica da formação da nacionalidade. E ainda, a historiadora faz notar que houve, por parte

de alguns católicos, apropriações e representações dos princípios propagados pelo outro grupo.

De modo que é importante ressaltar que houve embate, mas, houve também diálogo.

Nesta pesquisa, interessou dar a ver que nem todos os educadores católicos se opuseram

de forma drástica aos ideais renovadores propostos pelos pioneiros, ao contrário, alguns

invocaram os princípios escolanovistas prescritos no Manifesto, no entanto, o fizeram a partir

das suas próprias lentes. Ao se apropriarem dos preceitos da Escola Nova a partir da clave

católica, este grupo criou estratégias para a dominação do campo educacional brasileiro. Como

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o foco desta pesquisa girou em torno do grupo católico, e, em especial, de um dos seus agentes,

além de compreender a posição e as principais estratégias deste grupo no campo, fez-se

necessário situar Everardo Adolpho Backheuser dentro do campo. Assim, apresento uma

síntese da sua trajetória social, sublinhando a sua atuação como professor, militante católico,

articulador político, jornalista e, enfatizando as suas atividades na ABE, na APC-DF e na

CCBE, além do seu trabalho junto à RBP.

A partir de lentes bourdieusianas, o subcapítulo a seguir tentou evidenciar, o sistema de

linhas de forças ou a estrutura do campo educacional - sobretudo na década de 1930 no Brasil

- marcada pelas estratégias de legitimação dos grupos e agentes que compuseram este campo e,

que nele, se agregaram e se opuseram, reafirmando suas identidades e sancionando as suas

competências específicas. Percebeu-se que a “vitória”, ainda que momentânea, de um dos

grupos, provocou uma remodelação na rede de relações uma vez instauradas no interior deste

campo, redefinindo assim as posições dos grupos em disputa, reconfigurando então, o campo

(XAVIER, 1999).

2.1 ESTRATÉGIAS ESCOLANOVISTAS DOS PIONEIROS

Carvalho (2005) afirma que, por meio dos impressos, os pioneiros criaram estratégias

para dominação do campo educacional e ressalta as editoriais, inscritas na esfera das iniciativas

de reforma escolar realizadas por eles como gestores dos sistemas públicos de ensino. Entre

elas cita as coleções pedagógicas que esses educadores organizaram para editoras como a

Companhia Editora Nacional e a Companhia Melhoramentos de São Paulo. No entanto, tomo

aqui - como principal estratégia impressa de conformação do campo educacional - a iniciativa

tomada na condição de grupo institucionalmente articulado na ABE, ou seja, a publicação do

Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova em 1932.

2.1.1 Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932)

Ora, se a educação está intimamente vinculada à filosofia

de cada época, que lhe define o caráter, rasgando sempre

novas perspectivas ao pensamento pedagógico, a

educação nova não pode deixar de ser uma reação

categórica, intencional e sistemática contra a velha

estrutura do serviço educacional, artificial e verbalista,

montada para uma concepção vencida (AZEVEDO,

2010, p. 40).

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É importante levar em conta a conjuntura em que o Manifesto veio à tona, ou seja, a

década de 1930. Xavier (2002a) chama atenção para indícios da reconfiguração pela qual

passou o campo educacional nessa época: a reorganização do Estado brasileiro após a

Revolução de 1930; a criação do Ministério da Educação e Saúde (1931); e o conjunto de

medidas governamentais, como o incentivo aos congressos promovidos pela ABE e o estímulo

às reformas educacionais implantadas pelo Governo Vargas. Em se tratando da ABE a autora

ressalta a importância de atentar para a reconfiguração do campo dentro desta instituição. À

época, acirrou-se a disputa entre os grupos internos existentes que se reposicionaram no campo

e se agruparam em dois grandes blocos: os conservadores no qual predominavam os católicos

e os renovadores ou pioneiros, educadores de perfil liberal. Essa disputa pela dominação do

campo no interior da ABE teve como estopim a IV Conferência Nacional de Educação realizada

no Rio de Janeiro, em 1931, como consequência imediata, a publicação do Manifesto.

Entretanto, o Manifesto correspondia ao posicionamento apenas de um dos grupos

filiados a ABE, dos liberais em detrimento aos conservadores, ainda que estes últimos

detivessem o controle político da Associação. Os signatários reivindicavam, com o documento,

a posição de dominantes dentro do campo, almejando a liderança na arquitetura das estratégias

para a condução do processo de modernização do país.

[...] o Manifesto era apresentado, então, como uma bandeira revolucionária a ser

empunhada por um grupo que, segundo seu redator, constituía o único grupo capaz de

coordenar as forças históricas e sociais do povo, seja pelos esforços já realizados,

seja pela consciência de sua missão social (XAVIER, 2002a, p. 9) (grifo da autora).

O projeto educacional dos pioneiros foi sistematizado no Manifesto, estratégia política

por meio da qual se buscou reafirmar a identidade do grupo que o assinava. Este documento

reflete, pois, o debate pedagógico dos anos de 1930, conjuntura marcada pela forte expectativa

de renovação e esperança advinda da elite intelectual de intervir na organização da sociedade

civil pelas vias da educação escolar. O documento resultou da solicitação do Governo para que

os educadores reunidos na IV Conferência Nacional de Educação fornecessem as bases da

política educacional da então Revolução de 30 (XAVIER, 2002a; 2002b; 1999).

Assinaram o documento, médicos, advogados, jornalistas e professores, os quais

constituíam um grupo19 heterogêneo com diferentes posições ideológicas que, objetivando a

19 Foram signatários do Manifesto: Fernando de Azevedo, Afrânio Peixoto, A. De Sampaio Dória, Anísio Spínola

Teixeira, M. Bergstrom Lourenço Filho, Edgard Roquette-Pinto, J. G. Frota Pessoa, Julio de Mesquita Filho,

Raul Briquet, Mário Casasanta C. Delgado de Carvalho, A. Ferreira de Almeida Jr., J. P. Fontenelle Roldão

Lopes de Barros, Noemy M. da Silveira, Hermes Lima, Attílio Vivacqua, Francisco Venêncio Filho, Paulo

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modernização da educação e da sociedade brasileira, naquele momento, selaram uma aliança.

Sobre as ideias expressas nesse documento histórico Xavier (1999) afirma que os pioneiros

acreditavam que a mudança de mentalidade que traria a modernização da sociedade dependia

de uma renovação educacional. O projeto desses agentes incluía então, a promoção da

laicização da educação, para torná-la, inclusive, mais nacional. Era preciso então, trazer os

parâmetros da racionalidade científica para o campo educacional como norteadores das práticas

educacionais.

Por isso este grupo propunha a intervenção racional do sistema educacional, ou seja, a

aplicação do conhecimento científico aos estudos pedagógicos, ao planejamento educacional e

também à administração do ensino escolar, tomando a ciência como chave para o progresso.

Assim, os pioneiros definiram a escola pública como campo de ação, no intuito de reconstruir

a educação e constituir uma escola democrática que funcionasse como centro irradiador de uma

nova forma de organizar a sociedade, ou seja, visavam à modernização. Ao elaborar um

Programa Nacional de Educação, o Manifesto prescreveu um conjunto de ações com o

propósito de criar um novo sistema educacional: único, laico, de base científica e sob a

responsabilidade do Estado, além de prever a coeducação.

É possível perceber no referido Manifesto forte carga doutrinária. O documento está

declaradamente filiado à Escola Nova, pois é atravessado pela perspectiva escolanovista. Além

de se inserir no movimento de renovação pela reconstrução do sistema escolar, ainda opõe-se à

chamada escola tradicional. Em algumas passagens do documento é possível verificar menções

a alguns dos pontos essenciais da Escola Nova como iniciativa/interesse e cooperação. Ouso

inferir, inclusive, que o Manifesto mantém afinidade e expressa apropriações e representações

da Educação Nova proposta por Dewey (2002, p. 40), para quem, “a criança converte-se no Sol

em volta do qual gravitam os instrumentos da educação; ela é o centro em torno do qual estes

se organizam”. Esta inferência tem como base o excerto do Manifesto no qual fica claro o foco

no interesse do educando:

O que distingue da escola tradicional a Escola Nova, não é, de fato, a predominância

dos trabalhos de base manual e corporal, mas a presença, em todas as suas atividades,

do fator psicobiológico do interesse, que é a primeira condição de uma atividade

espontânea e o estímulo constante ao educando (criança, adolescente ou jovem) a

buscar todos os recursos ao seu alcance, "graças à força de atração das necessidades

profundamente sentidas". É certo que, deslocando-se por esta forma, para a criança e

Maranhão, Cecília Meireles, Edgard Sussekind de Mendonça, Armanda Álvaro Alberto, Garcia de Rezende,

Nóbrega da Cunha, Paschoal Lemme e Raul Gomes (AZEVEDO, 2010, p. 66). Vários deles tiveram

participação ativa em associações de educadores em diferentes níveis, muitos deles tinham publicações sobre

temas diversos, entre os quais, os educacionais.

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para os seus interesses, móveis e transitórios, a fonte de inspiração das atividades

escolares, quebra-se a ordem que apresentavam os programas tradicionais, do ponto

de vista da lógica formal dos adultos, para os pôr de acordo com a "lógica

psicológica", isto é, com a lógica que se baseia na natureza e no funcionamento do

espírito infantil (AZEVEDO, 2010, p. 49).

Além de afirmar que a escola deve ter como base o interesse ou a iniciativa da criança,

Dewey (2002) também propõe que a escola assuma a feição de uma comunidade em miniatura,

ou embrionária, onde a criança aprenderá situações de comunicação, de cooperação,

conectando-se à vida social em geral. Indícios dessa apropriação do escolanovismo deweyano

neste enunciado podem ser vistos no seguinte fragmento:

Mas, para que a escola possa fornecer aos "impulsos interiores a ocasião e o meio de

realizar-se", e abrir ao educando à sua energia de observar, experimentar e criar todas

as atividades capazes de satisfazê-la, é preciso que ela seja reorganizada como um

"mundo natural e social embrionário", um ambiente dinâmico em íntima conexão com

a região e a comunidade (AZEVEDO, 2010, p. 50).

A tese deweyana de que a escola não é apenas a preparação para a vida, mas que é a

própria vida (DEWEY, 2002), também pode ser percebida no Manifesto:

[...] a escola, campo específico de educação, não é um elemento estranho à sociedade

humana, um elemento separado, mas "uma instituição social", um órgão feliz e vivo,

no conjunto das instituições necessárias à vida, o lugar onde vivem a criança, a

adolescência e a mocidade, de conformidade com os interesses e as alegrias profundas

de sua natureza. A educação, porém, não se faz somente pela escola, cuja ação é

favorecida ou contrariada, ampliada ou reduzida pelo jogo de forças inumeráveis que

concorrem ao movimento das sociedades modernas (AZEVEDO, 2010, p. 60).

Diante do exposto considero o Manifesto de 1932, além de um documento doutrinário

imbuído de uma política educacional, também como um instrumento ou uma estratégia de luta,

idealizado pelos pioneiros para conquista da dominação do campo educacional, além de

expressar a representação daquilo que estes entenderam por Escola Nova ao se apropriarem de

autores estrangeiros, como Dewey, por exemplo. O subcapítulo seguinte teve a intenção de

refletir sobre as estratégias do grupo católico com o mesmo objetivo.

2.2 ESTRATÉGIAS ESCOLANOVISTAS CATÓLICAS

Participando ativamente dos debates pedagógicos, os

pensadores católicos não se contentaram em

entrincheirar-se em seu até então sólido território

educacional, esquivando-se ou rebatendo as reformas

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educacionais em ebulição pelo mundo - perfil, aliás, que

seria incongruente com a combativa história do

catolicismo. Mais que uma recusa ao ideário

escolanovista, é certo que houve contato também desses

educadores com as inovações do pensamento científico e

com as novas proposições das disciplinas que estudavam

o homem e a sociedade. Não obstante possamos

reconhecer a postura marcadamente conservadora de

alguns intelectuais católicos, é importante destacar que

outros estiveram empenhados em traduzir à luz do

catolicismo a inegável presença da Modernidade

(ERRERIAS, 2002, p. 14).

A Constituição Republicana de 1891 ameaçou a dominação da Igreja Católica no campo

educacional porque determinou a separação entre Igreja e Estado. Passados anos de certa apatia,

a partir de 1920 a Igreja Católica brasileira, reagiu por meio de estratégias de conservação e

ampliação do seu alcance nos campos político, cultural e educacional. Entre as estratégias da

Reação Católica realça-se a publicação da revista A Ordem e a fundação do Centro Dom Vital.

A estratégia dos envolvidos era reaproximar a hierarquia eclesiástica dos leigos, para então

instaurar uma militância católica com vistas à recatolizar o país e as suas instituições. A ação

católica voltou-se para o ensino oficial, procurando “recuperar a influência da doutrina católica

na educação do povo brasileiro” (XAVIER, 1999, p. 40). As ações estratégicas centraram-se na

luta contra o ensino laico, insistindo pela introdução e manutenção do Ensino Religioso nas

escolas públicas; a subvenção dos poderes públicos às escolas confessionais e a criação de uma

universidade católica.

Estudos de Carvalho (2003), Sgarbi (1997), Errerias (2000) e Narcizo (2008) entre

outros, evidenciam que a intensa querela entre católicos e escolanovistas (devido,

especialmente, às diferentes concepções de educação que defendiam) pode levar à conclusão

apressada da ausência de convergência, pontos de diálogo, ou apropriação de ideias entre estes

dois grupos. No entanto, os discursos de alguns pensadores católicos da época demonstram que

a ideologia escolanovista repercutiu nos seus círculos, fomentou reflexões e debates e a

elaboração de estratégias para adequar a metodologia da Escola Nova aos interesses e objetivos

da doutrina católica. É possível falar então, em uma forma de “escolanovismo católico”

(CARVALHO, 2003).

Dentro do grupo dos católicos, houve quem empreendesse estratégias discursivas,

apropriando-se do novo (preceitos da Escola Nova) calcado em suas velhas lentes (filosofia

católica). E o principal alvo de suas estratégias foram os professores, tentando estruturar ou

reestruturar o seu habitus, para garantir a posição dos seus agentes e a conservação do grupo

no campo da disputa pela dominação política e filosófica da educação. Eles se apropriaram e

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representaram, estrategicamente, as concepções escolanovistas em seus enunciados para que os

professores se afastassem do ideal do grupo rival, fazendo com que a Igreja fosse compreendida

como a instituição mais adequada para se posicionar como dominante e conduzir o campo

educacional. Entre estas estratégias citam-se - não como as únicas, mas, como as que interessam

para a pesquisa em tela - a APC-DF, a CCBE, a RBP e, aprofunda-se a análise, de forma

especial, acerca dos manuais pedagógicos escritos por Everardo Backheuser.

Com a intenção de legitimar a sua posição no campo educacional, tentando atestar a sua

capacidade para conduzir os fins da educação, o grupo de educadores católicos valeu-se de

diferentes estratégias de difusão do seu ideal de educação. A campanha organizada por este

grupo visava, de forma especial, atrair os professores, conquistando a sua adesão aos seus

princípios, garantindo assim, a formação da população dentro do dogma católico. Com base

nos estudos de Costa (2006) é possível inferir - por meio de lentes bourdieusianas - que o

propósito desta expedição era continuar orquestrando o habitus dos professores de acordo com

os imperativos necessários à conservação do grupo e, consequentemente, a sua própria inserção

no entrave pelo domínio do campo educacional. Sendo assim, o habitus dos professores deveria

ser preservado das influências dos pioneiros. Para Bourdieu a concepção de habitus pode ser

compreendida como um conjunto de:

Sistemas de disposições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionar

como estruturas estruturantes, isto é, como princípio gerador e estruturador das

práticas e das representações que podem ser objetivamente "reguladas" e "regulares"

sem ser o produto da obediência a regras, objetivamente adaptadas a seu fim sem

supor a intenção consciente dos fins e o domínio expresso das operações necessárias

para atingi-los e coletivamente orquestradas, sem ser o produto da ação organizadora

de um regente (BOURDIEU, 1983, p. 61) (grifo do autor).

O habitus constitui então, a forma pela qual o indivíduo age no grupo do qual faz parte,

se fazendo presente nas ações e estratégias que este realiza para conservar a sua posição ou para

transformar-se ocupando outra posição no campo. Muito embora o habitus, seja entendido

como um sistema preconcebido no passado e orientado para uma ação no presente, é um sistema

em constante reformulação, o que, de certa forma, exige que diferentes estruturas sociais se

adaptem segundo as circunstâncias da realidade (BOURDIEU, 1983).

É no sistema teórico de Bourdieu, que se fundamenta a análise ao considerar que os

empreendimentos realizados pelo grupo católico podem ser tomados como estratégias20, isto é,

20 Mais adiante será possível perceber que o conceito de estratégias presente em Certeau também é instrumento

de análise para compreender a função dos manuais pedagógicos de Backheuser na difusão de um tipo muito

particular de pedagogia. Os capítulos III e IV se ocupam disso.

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mecanismos pelos quais buscavam conservar o habitus cristão de seus agentes (os professores).

Para Bourdieu (1990, p. 94), o sistema de estratégias pode ser entendido como uma série de

práticas sequenciadas, ordenadas e orientadas que os grupos empreendem para produzir-se

enquanto grupo, ou seja, as estratégias são:

[...] empregadas pelos grupos a fim de que possam se produzir ou se reproduzir, isto

é, para criar e perpetuar sua unidade, sua existência enquanto grupo, o que é quase

sempre, em todas as sociedades, a condição da perpetuação da sua posição no espaço

social (BOURDIEU, 1990, p. 94).

Ainda sob a ótica bourdieusiana, na querela travada no interior do campo educacional o

capital dominante é o cultural: códigos legítimos, culturalmente legitimados e socialmente

valorizados em um determinado momento histórico (BOURDIEU, 1983). Então, ao investigar

sobre as estratégias empreendidas pelos católicos, é preciso atentar para o nível de capital

cultural e simbólico que o grupo possuía e inseria estrategicamente na disputa como

instrumentos de lutas. Na disputa em questão, na qual o objetivo era a dominação do campo

educacional, estava em jogo o melhor projeto educacional. O grupo que apresentasse o melhor

projeto, e, cooptasse mais adeptos, ocuparia legitimamente a posição dominante no campo.

É possível afirmar então, que nesse território contestado, de olhares desconfiados em

relação a modernidade, por parte de representantes da Igreja, alguns educadores de viés católico

tentaram dialogar com as novas ideias, e é aí que Everardo Adolpho Backheuser emerge como

agente influente. A seguir intenta-se demonstrar indícios das estratégias do grupo católico, de

forma especial, a partir do empreendimento de um de seus agentes, considerado “o mais

escolanovista dos católicos” (NARCIZO, 2008a, p. 120).

2.3 “O MAIS ESCOLANOVISTA DOS CATÓLICOS”

Um homem de muitos interesses, uma inteligência

multifacetada.Tinha carisma suficiente para ser querido

pelos alunos e estofo intelectual para ser lembrado, até

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hoje, por seus livros, suas ideias e sua atuação

(MAMBRINI, 2015, p. 7)21.

Realçar a trajetória social de Everardo Adolpho Backheuser - educador atualmente

pouco conhecido, mas significativo em seu tempo - é um empreendimento historicamente

relevante, em especial, pela sua expressiva atuação no campo pedagógico brasileiro, sobretudo

nas décadas de 1920 e 1930.

Referências acerca de educadores católicos no Brasil, como Rodrigues (2013), Arduini

(2009), Cury (1978) e Soares (2014) dão pistas de que a Igreja Católica procurou historicamente

manter uma participação ativa na vida social do país. Alguns agentes engajados nesse fito são

comumente citados pela historiografia brasileira, como Dom Sebastião Leme (Cardeal

arcebispo do Rio de Janeiro) e Jackson de Figueiredo (fundador do Centro Dom Vital, onde

reuniu pensadores em torno da revista A Ordem). Nesta tese Backheuser é considerado como

um agente importante dentro desse grupo, que após a conversão ao catolicismo22 teve atuação

significativa no campo pedagógico onde propagou o que se convencionou chamar de

“escolanovismo católico”.

No início da década de 1930, emergiram, entre os católicos, discursos simpáticos em

relação a algumas ideias defendidas pelo movimento da Escola Nova. Entre aqueles que

partilhavam de tal posicionamento, Everardo Adolpho Backheuser (Figura 123) destacou-se

como um dos mais atuantes. No terreno de embate pela dominação do campo educacional

brasileiro, ele se posicionou ao lado do grupo católico, no entanto, suas ações não visavam

interceptar a difusão dos ideais do grupo oposto. Agiu de forma a dialogar com os preceitos

escolanovistas sem deixar de lado as lentes da orientação católica, valendo-se de estratégias

elaboradas no sentido de propagar entre os professores, um escolanovismo católico. Entre estas

estratégias, citam-se a sua atuação na APC-DF, na CCBE, na RBP, e, em especial a escrita de

manuais pedagógicos direcionados à formação e ao aperfeiçoamento dos professores primários

em um período de efervescência do movimento da Escola Nova no Brasil, questão desenvolvida

nos capítulos seguintes dessa tese. Os próximos subitens trazem fragmentos da trajetória social

deste multifacetado professor.

21 Miriam Backheuser Mambrini é uma escritora carioca formada em Letras. É também neta de Everardo

Backheuser. Ela contribuiu para esta pesquisa, respondendo a um questionário e fornecendo fontes inéditas

acerca da sua trajetória, como por exemplo, o livro sobre a sua biografia e um álbum de memórias, ambos

organizados pela mulher Alcina. 22 Fato explicado na seção seguinte (2.3.3). 23 Optei por apresentar as ilustrações em página inteira, por se tratarem de documentos antigos e para facilitar a

sua visualização/leitura.

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Figura 1 - Everardo Adolpho Backheuser

Fonte: A cultura opulenta de Everardo Backheuser, 1989.

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2.3.1 Origem sociofamiliar e percursos escolares

Everardo Adolpho Backheuser nasceu na cidade de Niterói no Estado do Rio de Janeiro,

em 23 de maio de 1879 e viveu até o ano de 1951. Faleceu aos 72 anos de idade. A viúva conta

que “até às vésperas do falecimento, ele leu, escreveu e meditou ainda que fosse torturado por

dores reumáticas” (BACKHEUSER, 1954, p. 25)24.

O seu avô paterno, Gustavo Backheuser, comerciante e fundador do Clube Germânico

de Santos, era de origem alemã enquanto que a sua avó, Leonor Catala Backheuser, era francesa.

Os avós maternos eram brasileiros, Ana Gouvêa e José Feliciano de Gouvêa que era funcionário

público. Os seus pais eram o santista João Carlos Backheuser, negociante educado na

Alemanha, e a carioca Joaquina Eugênia de Gouveia Gonçalves.

Everardo Backheuser passou a infância e a mocidade no local em que nasceu, a Chácara

Santa Rosa, a qual nas suas lembranças, “era larga e comprida. Em uma palavra, era ampla

vivenda patriarcal. Legítimo solar” (BACKHEUSER, 1994, p. 16). Perdeu o pai aos dois anos

de idade e foi criado pela mãe e por sua tia D. Lala a quem chamava de Tijá (Figura 2).

24 Neste livro, datilografado e não publicado, datado de 1954, a viúva Alcina Moreira de Souza conta sobre a

biografia do marido e assina apenas “Alcina Backheuser”.

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Figura 2 - As duas mães (Dona Quininha - à direita - e Tijá - à esquerda)

Fonte: Álbum de memórias, 1950.

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Criado num ambiente de economia e de trabalho, não tendo conhecido o pai a quem

perdera com menos de dois anos, a sua infância dependera do esforço de duas

mulheres: sua mãe e sua tia, a meiga Tijá. Bem pouco rendosa era a tarefa das

bondosas senhoras para proporcionar ao filho e sobrinho querido conforto e abastança.

A mesa da família - Deus louvado! - sempre se conservou farta, a casa - a “Chácara”

- era a mesma antiga mansão paterna, ampla, clara, saudável, mas os recursos

escasseavam (BACKHEUSER, 1954, p. 11).

Conta que o pai fora educado na Alemanha, e, frequentou um curso de humanidades.

Muito esmerado, era entusiasta da história natural. Já com muita antecedência pensava na

educação do filho, o qual havia preconcebidamente, destinado à Engenharia, uma das carreiras

mais próximas das ciências puras. Não o viu se tornar engenheiro e catedrático de ciências

naturais na Escola Politécnica. Sobre a mãe, conta que sorria mesmo diante de necessidades e

amarguras. Com um sorriso inigualável contagiava de alegria as crianças que estudavam na

escola da chácara e frequentavam a sua casa (BACKHEUSER, 1994).

A neta define Everardo Backheuser como um homem alegre e brincalhão, muito

dedicado à ciência, ao saber e à cultura, sempre mergulhado nos livros e nos estudos:

[...] os olhos azuis, a pele clara, o cavanhaque branco de kaiser, o sentido do dever e

o desinteresse por futilidades pertenciam à herança alemã, consolidada pelo

sobrenome que ninguém sabia pronunciar e precisa ser soletrado. [...]

Reconhecidamente um grande professor e uma inteligência aberta e polimorfa.

(MAMBRINI, 2008, p. 29).

Backheuser cursou o primário na Chácara Santa Rosa que alojava o Colégio de D.

Evelina e, mais tarde, o Colégio de F. Hermínia Ihmer. Entre 1890 e 1896 cursou os estudos

secundários exclusivamente no externato do Colégio Pedro II então chamado de Ginásio

Nacional, matriculando-se, em 1897 na Escola Politécnica do Rio de Janeiro.

Quando o menino terminou os estudos primários e iniciou os preparatórios, partia para

a sua viagem diária de Stª. Rosa - Niterói - ao Ginásio Nacional, hoje Colégio Pedro

II, no Rio, com os livros, a merenda, três tostões para o bonde, mais os passes da

Barca. No tocante à roupa, só duas mudas: uma no corpo outra na água. Por isso, mal

o ginasiano se tornou adolescente - tratou logo de ajudar em casa. Ainda estudante de

preparatórios, fez-se professor (BACKHEUSER, 1954, p. 12).

Dona Quininha primava pelos estudos do filho, acompanhava de perto e exigia dele

comprometimento com a escola. Todos os dias, ao chegar em casa, a mãe o fazia contar como

havia saído nas aulas, nos exames. Na primeira vez que soube de uma nota baixa do filho,

conversou e ameaçou uma surra caso voltasse a acontecer. Acreditando que ela facilitaria para

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ele, por ser o caçula e o único filho homem, conta que relaxou e teve uma segunda nota ruim.

Daí, chegando em casa:

A mãe, que sempre coroava a chegada com um beijo e com um “Deus te abençoe”

que fazia tanto bem à criança, desta vez não teve um momento de hesitação. - Já pra

cá. E o foi puxando. Entraram no quarto. E a boa e querida velha, sempre meiga, desta

vez desandou-lhe uma sova de bolos com as costas de uma escova. [...]. Não vadiei

mais nesse resto de ano e no fim, como coroamento, alcancei três distinções, uma para

cada matéria (BACKHEUSER, 1994, p. 31).

Entre 1890 e 1896 cursou os estudos secundários no Ginásio Nacional, sendo

classificado entre os seis primeiros alunos da classe no primeiro ano. Sobre o percurso nesta

instituição (ver Figura 3), onde se graduou bacharel em ciências e letras, conta:

Quase sem mudanças de hábitos foi o meu curso inteiro no Ginásio Nacional. O velho

e conceituado Colégio Pedro II. Durante sete anos, a mesma monótona existência de

idas e vindas com os mesmíssimos acidentes [...] durante sete anos a fio, que tantos

foram os do meu curso, realizado, aliás, sem nenhuma repetição de ano, fato esse que

não era muito frequente naqueles tempos de severidade escolar (BACKEHUSER,

1994, p. 187).

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Figura 3 - Aluno do Colégio Pedro II

Fonte: Álbum de memórias, 1950.

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Em 1897, matriculou-se na Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Em 1899 diplomou-se

Engenheiro Geógrafo, em 1901 formou-se Engenheiro Civil e Bacharel em Ciências Físicas e

Matemáticas e, finalmente, em 1913, diplomou-se doutor em Ciências Físicas e Naturais

(BARREIRA, 1999). Sobre a conclusão do curso de Engenharia, Alcina conta que:

E a turma de 39 alunos que em 1897 ingressara na Politécnica e de que fazia parte

Everardo Backheuser, terminou, em 1901, reduzida apenas a 7 engenheirandos entre

os quais esse estudante que, na declaração pública de seu colega Mario Valadares, foi,

durante o curso, o verdadeiro líder na antiga Escola (BACKHEUSER, 1954, p. 43).

Considerando os títulos conquistados por ele, pode-se perceber a importância dada ao

acúmulo de capital cultural e infere-se que sua maior herança tenha sido o interesse pelos

estudos “um dos meus maiores orgulhos é ter tido a mãe que tive. E por ela me eduquei no culto

a meu pai” (BACKHEUSER, 1994, p. 29).

Em 1903 casou-se pela primeira vez, com Ricarda Restier Gonçalves Backheuser,

professora fluminense, com quem teve dois filhos. O primeiro que recebeu seu nome, nasceu e

faleceu em 1904 e o segundo, João Carlos, que nasceu em 1905, formou-se engenheiro geógrafo

e civil e foi professor secundário. Enviuvou da primeira mulher em 1928 e casou-se pela

segunda vez em 1929, com Alcina Moreira de Souza Backheuser, professora carioca, com quem

não teve filhos.

2.3.2 Percurso profissional

Fiel ao princípio de “conhecer o seu dever e cumpri-lo” (BACKHEUSER, 1954, p. 13),

foi professor, e, além disso, atuou em outras instâncias como as político-administrativas, o

campo jornalístico e as campanhas político-sociais:

Everardo Backheuser, mais do que um líder, foi nitidamente, um pioneiro. Da

adolescência à velhice teve como característica a ação. Não, porém, para trabalhar

com aprazimento sob ordens de outrem, nem apenas, para, definidas as aspirações de

uma coletividade, espôsa-las, conduzindo-as e orientando-as. Ele próprio foi, sempre,

a sua ideia, a sua opinião, a sua resolução. [...] O pioneiro não é apenas um homem de

ação. É um homem que luta por uma iniciativa. É um combativo. Um batalhador.

Everardo Backheuser foi pioneiro (BACKHEUSER, 1954, p. 29) (grifos da autora).

a) O professor e outras facetas

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Didata por índole, espalhava as cintilações de sua cultura polimorfa em livros, artigos

e conferências, num estilo claro e ameno [...]. Era um batalhador... Na cátedra, na

tribuna, no jornal, no livro, combatia sempre. Pugnava rijamente por uma ideia - a sua

ideia - que defendia com toda a força do seu espírito e de seu coração. Seu entusiasmo

de pioneiro levou-o a muitas iniciativas generosas. Sua dedicação ao magistério fê-lo

orientador de muitas vocações. Mas foi a conversão à fé católica que o tornou, aos

poucos, mais sereno e compreensivo e lhe foi capaz de inspirar, em proveito de

outrem, palavras suaves de conforto, de paz e de conciliação (BACKHEUSER, 1954,

p. 8).

Aos 15 anos, em 1894, Backheuser começou a lecionar, oferecendo aulas particulares.

A viúva conta que:

Seu primeiro aluno foi um candidato à admissão no curso secundário, a quem

ministrava lições três vezes por semana, recebendo por elas dez mil réis mensais. [...]

Logo no ano seguinte, Backheuser se fez explicador de aritmética de uma aluna da

Escola Normal, bem mais velha do que ele. Tais lições passaram a constituir por largo

período o orgulho de sua vida de magistério e a elas fazia contínua alusão como uma

proeza pedagógica que lhe proporcionava o glorioso título de “explicador”

(BACKHEUSER, 1954, p. 158).

Alguns anos depois, por volta de 1898, resolveu, com um grupo de amigos, transformar

o seu grêmio literário em um curso preparatório. Então, na Matilha25, composta por Jonatas

Botelho (Alfa), Otávio Carneiro (Beta), Everardo Backheuser (Gama), Muniz Maia (Delta) e,

mais tarde, Filomeno Ribeiro (Ípsilon) - no princípio, com pretensões literárias - tomou gosto

e se consagrou pelo ensino.

A fama das excelentes aulas ministradas no Canil espalhou-se depressa. Os alunos

lhes faziam a reclame revelando grande aproveitamento, sendo todos aprovados com

boas notas nas bancas de exame e, alguns, alcançando aprovações distintas. A

distribuição das matérias de ensino, no Canil, era feita incumbindo-se cada

“catedrático”. De um grupo de conhecimentos, de acordo com as cadeiras que eles

então frequentavam nos cursos superiores, com inegável brilho, seja dita bem a

verdade. Backheuser, da Politécnica, encarregou-se de geometria e trigonometria

retilínea, física experimental, mineralogia e geologia e história natural

(BACKHEUSER, 1954, p. 160).

Em 1944, como parte das comemorações pelo seu jubileu no magistério, o amigo dos

tempos do Canil, Jonatas Botelho, em palestra, lembra:

25 O Grupo, conhecido como Canil, tomou o nome de A Matilha imitando o núcleo constituído pelos escritores

portugueses: Eça de Queiroz, Guerra Junqueira, Antero de Quental e Oliveira Martins. A Matilha fluminense

se instalou no Canil, uma pequena dependência na casa de um dos membros “do feitio de casa de cachorro:

pequeno chalet com larga porta de entrada, janelinha à direita e sem saída aos fundos” (BACKHEUSER, 1954,

p. 159).

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Estou a vê-lo no Canil, aí por volta de 1898, a dar aulas à meia dúzia de moços, com

firme convicção da sua responsabilidade, mas sem poso nem ademanes de mestre;

moço como os discípulos, alegre e vibrátil, mal terminava cada aula, brincava com

eles e com eles perambulava pelo centro da cidade ou abancava nos cafés, em tertúlias

de graça ou entouvadas tramoias contra o paco burguês. O burguês, o espantado

burguês, de fraque preto e calça branca, anéis e corrente de ouro maciço e na boca o

palito revelador do quimo iniciado, eis a figura magna dos pesadelos boêmios, o

símbolo de uma época e de um estado social, que os moços do tempo de Everardo

Backheuser queriam a todo custo, derrubar, suplantar, substituir (BOTELHO, 1944,

p. 131).

Ainda estudante, em 1896, Backheuser tornou-se preparador interino do curso de

Mineralogia na Escola Politécnica do Rio de Janeiro. No ano de 1903 ele se efetivou nessa

mesma instituição e alcançou, anos depois, a Cátedra de Mineralogia e Geologia (Figura 4).

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Figura 4 - Professor catedrático de Mineralogia e Geologia

Fonte: Álbum de memórias, 1950.

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Aposentou-se da cátedra em 1925. Entretanto, não abandonou o ensino. Em 1926

tornou-se professor do Curso Superior de Geografia da Sociedade de Geografia do Rio de

Janeiro. Como aprofundou os estudos em Geografia, logo passou a lecionar no Instituto

Católico de Ensino Superior em 1933 e na CCBE onde ministrava Medidas e Experiências

Pedagógicas. No ano de 1941 assumiu a cátedra em dois estabelecimentos católicos de ensino:

a Faculdade Católica de Filosofia onde lecionou Administração Escolar e Educação Comparada

e a Faculdade de Filosofia do Instituto de Santa Úrsula, onde foi professor de Geografia do

Brasil (BACKHEUSER, 1954).

Ao atuar no campo da Geologia, interessou-se também por Geografia, Física, Fisiografia

e Gemologia. Além destas áreas, se aproximou da Sociologia Aplicada despertando o interesse

pelos problemas sociais, políticos e econômicos do Brasil. Santos (1989) o descreve como um

patriota, atento e vigilante, sendo que produziu de forma abundante nesta área.

A carreira no magistério o levou às investigações acerca da educação, atuando em temas

como a Pedagogia Moderna, a Biotipologia Educacional, a Administração Escolar, a seleção

do magistério, o perfil do professor, etc. Foram cinquenta anos dedicados ao magistério, sobre

a carreira docente, ele conta: “Dediquei-me ao magistério um pouco por vocação outro tanto

por necessidade, pois nesse tempo tinha que auxiliar minha mãe. [...]. Entreguei-me ao

magistério de corpo e alma, o que faço com o maior prazer até hoje” (BACKHEUSER, 1944a,

p. 7-11).

A respeito do seu jubileu no magistério, muito festejado (ver Figura 5) a viúva afirma:

Cinquenta anos de magistério, são realmente, bem longa vida na carreira de professor.

Quando este, como aconteceu com Backheuser, começou a ensinar ainda adolescente

e, também como Backheuser, quando se despediu de seus discípulos em plena pujança

mental, e na mesma exuberância de entusiasmo no início, o espírito do mestre ainda

reflete toda a ardorosa vibração das aulas e destas ecoam ainda em seu coração todas

as alegrias. O cansaço não apareceu até esse momento. As desilusões, que as houve,

certamente, foram superadas pelos resultados felizes, pelo intercâmbio amistoso com

os alunos, pela gratidão da maioria deles. Mas afora era diferente. Agora, o jubileu de

magistério, nesse ano de 1944, estava a apontar ao professor o inadiável descanso.

Aproximava-se a despedida definitiva. Tudo o que, no presente constitui para o velho

mestre o objeto de suas atividades entraria, em breve, para o arquivo do passado. Seu

pensamento não se volveria, daqui por diante, para a sucessão vívida e sempre jovem

de seus ensinamentos e sim para o desenrolar do filme interminável da saudade. Assim

pensaria o professor Everardo Backheuser na sessão solene congratulatória. Tinha ali

presente os seus mais queridos. Rostos amigos lhe enviavam sorrisos prazenteiros. Na

sala apinhada seu olhar encontrava antigos alunos que há muito tempo não via. Agora

era preciso ter forças para defrontar emoções. Quantos outros, encouraçados ante os

embates de dor, não resistiram aos de alegria (BACKHEUSER, 1954, p. 174).

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Figura 5 - Homenagens ao jubileu no magistério

Fonte: Álbum de memórias, 1950.

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Nunca arrefeceu, até os últimos dias de vida, o entusiasmo de Everardo Backheuser

pela causa do ensino, campo permanente de suas atividades. Gostava imensamente de

estudar. Os conhecimentos que desejava ministrar eram por ele transmitidos com

surpreendente facilidade. Achava sempre meios e modos de proporcionar ao aluno

mais fácil e melhor assimilação, e tido lhe era suave e prazeroso por ser espontâneo e,

por assim dizer, inato (BACKHEUSER, 1954, p. 167).

De forma paralela às suas atividades docentes, ele desempenhou outras funções, entre

elas, as político-administrativas. Na Prefeitura do Distrito Federal, entre os anos de 1909 e 1937,

por exemplo, ocupou vários cargos como os de Engenheiro-chefe; secretário do Prefeito; Chefe

da Comissão de Levantamento da Carta Geológica do Distrito Federal; Chefe do Gabinete de

Experiências Físicas, Diretor do Museu Pedagógico Central (sob a gestão de Fernando de

Azevedo na Diretoria da Instrução Pública do Distrito Federal); Chefe da Divisão de Geologia

e Sondagens e Diretor do Instituto de Pesquisas Educacionais. Atuou também, ainda que por

pouco tempo, diretamente no cenário político, filiado ao Partido Republicano Conservador

(PRC), foi Deputado da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro em 1910 e 1915. Foi também

chefe dos Municípios de Cabo Frio, São Pedro da Aldeia, Araruama, Capivari e Rio Bonito.

Além disso, compôs a Comissão de Instrução, Saúde e Obras Públicas (BARREIRA, 1999).

Esteve preso durante o governo de Artur Bernardes, porque, na disputa pela sucessão

presidencial (1921/22), se opôs ao candidato que venceu Nilo Peçanha (BARREIRA, 1999).

Ele havia sido convidado para ser paraninfo da turma de Engenheiros e Geógrafos da Escola

Politécnica no ano de 1925. Preso, não pôde estar presente. A então mulher, D. Ricarda, foi

quem proferiu o discurso (ver Figura 6). Em homenagem, há uma foto de Backheuser no canto

superior direito. A viúva Alcina conta que:

Foram, rigorosamente, 102 dias de prisão. Primeiro, na Ilha Rasa, depois na Detenção.

[...] Findo o quadriênio Bernardes, o Professor Backheuser “quebrou sua pena

partidária”. Não se envolveu nas revoluções subsequentes nem contra Washington

Luiz, nem contra Getúlio Vargas. Não quis mais saber de lutas desse gênero. “A

política, dizia ele, mais tarde, não tenho a mínima saudade” (BACKHEUSER, 1954,

p. 150).

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Figura 6 - Colação de grau de Engenheiros Geógrafos da Escola Politécnica em 1925

Fonte: Álbum de memórias, 1950.

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Teve destaque também no campo jornalístico. Ainda com 16 anos deu início à sua

atuação no jornalismo político com a fundação do semanário O Brasileiro. Neste mesmo

contexto, foi redator de outros escritos como O Nacional (diário) e A Pátria (panfleto semanal

de educação cívica). Entre 1901 e 1930, colaborou com vários jornais: O Fluminense, A

Capital, O Estado, Jornal do Brasil e Correio da Manhã.

Além da atuação no campo do jornalismo político, Barreira (1999) destaca a sua atuação

no jornalismo especializado, seja acadêmico, educacional ou científico, ora como redator,

diretor ou colaborador. Teve uma trajetória marcante, de forma especial, nos periódicos: Revista

Didática da Escola Politécnica do Rio de Janeiro (1898-1911-1925), Revista de Ensino de SP

(1923), A Escola Nova (1929-1930), Boletim dos Professores Católicos (1932-1933)e RBP

(1934-1936), entre outros.

Ainda com base em Barreira (1999) ressalta-se a sua participação em campanhas

político-sociais, de forma especial, aquelas voltadas ao campo educacional, ocorridas a partir

de meados da década de 1920, destacando-se a Campanha em prol da educação (1924) quando

ao lado de Heitor Lyra da Silva, fundou a ABE. Em 1926 ele participou e liderou a Campanha

pela renovação do ensino de Geografia. Em 1927, ao lado de Fernando de Azevedo, atuou na

Campanha em prol da Escola Nova e a partir de 1928 - já convertido ao catolicismo - começou

a participar de forma ativa da Campanha em prol do Ensino Religioso. Errerias (2002) lista a

produção de Backheuser, a qual perpassa temas que vão das habitações operárias à educação

escolar, passando pela Geologia, Geopolítica, Antropogeografia, Linguística e Religião:

Habitações Operárias, de 1906; Brazilio, escrita em esperanto em 1909; a conferência

O Esperanto, proferida em 1914; a comédia Não me fale nisso... , de 1915; A Figura

Imponente do Kaiser e Os Cristais - Fatos e Hipóteses e Os Sambaquis do Distrito

Federal, ambas de 1916; A Faixa Litorânea do Brasil Meridional - Hoje e Ontem, de

1918; Reconhecimento de Rochas e Glossário de Termos Geológicos, publicada em

1924, seguida de Poesia, Ciência e Idealismo e Contribuição para a Geologia do

Distrito Federal, de 1925 e 1926, respectivamente; A Estrutura Política do Brasil:

Notas Prévias, de 1926; Problemas do Brasil: Estrutura Geopolítica e A Sedução do

Comunismo, ambas de 1933; a conferência Fatores da Unidade Nacional e La

Nouvelle Concepcion de la Geografie (edição de “Scientia”), em 1937 e O Livro do

Gênesis e das Cosmogonias Modernas, publicação de 1940 (ERRERIAS, 2002, p. 22).

b) Articulador político

Backheuser era, manifestadamente, um combativo. A luta não o fatigava. Servia-lhe

como um estimulante de energias, um incentivo, um propulsor para seu dinamismo

(BACKHEUSER, 1954, p. 54).

Teve participação em várias campanhas, entre as quais, citam-se: Campanha em prol

das habitações populares; Campanha em prol do Esperanto no Brasil; A nova concepção da

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Geografia à Geopolítica; Cruzada pela Escola Nova26 e Campanha em prol do Ensino Religioso

(BACKHEUSER, 1954).

Em 17 de janeiro de 1927, o educador Fernando de Azevedo assumiu a Diretoria Geral

de Instrução Pública do Distrito Federal e mobilizou esforços em torno do projeto de

organização de um sistema de ensino que fosse capaz de se constituir parte integrante do projeto

da reforma social do Brasil. Nos três anos que esteve à frente da Diretoria Geral de Instrução

Pública - de 1927 a 1930 - intencionou reestruturar a instrução pública estabelecendo, para

tanto, a renovação no interior da escola, na sua organização, nos seus métodos e nos princípios

que deveriam colocar em prática o ideário da Escola Nova. Na fase da “revisão dos métodos

pedagógicos em correspondência aos novos ideais” a colaboração prestada à Reforma Fernando

de Azevedo pelo Professor Everardo Backheuser se tornou altamente valiosa (BACKHEUSER,

1954, p. 110).

Foco das diretrizes postas pela Reforma Educacional em voga, a chamada Escola Nova

foi tema de interesse de Backheuser que estudou sobre ela em livros estrangeiros e logo depois

começou a escrever sobre o tema, porque na sua opinião, o professorado se via diante da

Reforma sem receber orientações especiais, estavam então, diante um campo aberto à

experimentação que o convocava a pôr em prática preceitos ainda não assimilados. Segundo

Alcina “Convidado por Fernando de Azevedo para incluir-se entre os que deveriam explicar ao

magistério primário os princípios cardeais da Escola Nova, suas palestras se destacaram pela

clareza de exposição e perfeito conhecimento do assunto” (BACKHEUSER, 1954, p. 110).

À época, ele havia recém chegado da Alemanha27, onde pôde observar o funcionamento

da Escola Nova e então, começou a publicar diversos artigos sobre os métodos e os processos

que tinha observado, chamando atenção especial para os princípios da iniciativa e da

cooperação. Backheuser começou a orientar cinco das mais importantes escolas do Distrito

Federal, depois se incorporaram a elas, outras duas escolas também renomadas. Propagando os

ideais escolanovistas nas referidas instituições, percebeu a necessidade de estreitar a

26 A partir do levantamento bibliográfico efetuado, considera-se que a atuação de Backheuser na Cruzada

Pedagógica pela Escola Nova e também à frente do Museu Central Pedagógico, foram temáticas pouco

exploradas pela historiografia da educação brasileira. Alguns textos mencionam os referidos temas, mas, não

foram encontradas produções específicas sobre estes assuntos. As considerações tecidas neste texto estão

fundamentadas, no manual Técnica da Pedagogia Moderna, e, de forma especial, no livro “Everardo

Backheuser”. 27 Miriam Mambrini (2008) conta que a estadia na Alemanha ocorreu por conta do interesse do seu pai, filho de

Backheuser, que recém-formado em Engenharia, desejava realizar um estágio na Europa. Os pais

acompanharam o filho na viagem. Infere-se que Backheuser aproveitou a viagem para se inteirar dos estudos

sobre Escola Nova. Infelizmente não foram encontradas fontes que revelem a relação entre a sua estadia na

Alemanha e os estudos/apropriações da Escola Nova em solo europeu.

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colaboração entre os demais professores para uma divulgação mais ampla dos estudos e das

experiências relacionadas ao novo ideal de educação.

Nasceu daí a ideia de uma associação de professores primários destinada a manter

esse intercâmbio. Foi assim que, em outubro de 1928, começou a existir a Cruzada

Pedagógica pela Escola Nova, ainda sob a denominação menos ampla de “Cruzada

em prol da Escola Ativa”. Sua finalidade precípua era a de estudar, praticar e propagar

a Escola Nova dentro do mais escrupuloso espírito de lealdade e mútuo auxílio

(BACKHEUSER, 1954, p. 112) (grifos da autora).

Às quartas-feiras o professorado comparecia às reuniões da Cruzada para conhecer

experiências de Escola Nova e também submeter ao debate e às críticas as suas próprias

experiências. No Preâmbulo do manual Técnica da Pedagogia Moderna, o autor se refere à

Cruzada como uma idealização sua e confere a fundação da associação à sua mulher Alcina

Moreira de Souza Backheuser. Entretanto, ela afiança: “Tudo, porém, girava em torno do

impulso animador que o Professor Everardo Backheuser imprimia às reuniões semanais”

(BACKHEUSER, 1954, p. 113). Para impulsionar ainda mais a propagação da Escola Nova,

ele criou o Boletim oficial da Cruzada chamado A Escola Nova.

As fontes tomadas para esta tese pouco contam sobre a Cruzada. Mediante pesquisa

sobre a temática, descobri um arquivo do educador Fernando de Azevedo. Trata-se do AFA28,

onde ele conta que a Cruzada, fundada e mantida pelo professorado interessado em aprender

sobre Escola Nova, tinha como fins principais:

Estudar, praticar e propagar a Escola Nova dentro do mais escrupuloso espírito de

lealdade e mútuo auxílio. Essa campanha é empreendida por todos aqueles que nesse

intuito se quiserem alistar, não havendo pagamento de joia ou mensalidade. A Cruzada

pela Escola Nova exerce sua ação, tomando para princípios básicos: a) a iniciativa e

espontaneidade dos alunos; b) a ação cooperativa da classe; c) a continuidade

permanente entre a vida e a escola. Considera, além disso, como meios valiosos de

realizar sua tarefa: o método de observação e expressão; o ensino associativo e os

chamados centros de interesse (AZEVEDO, 2000, p. 136).

Em dezembro de 1929, com o objetivo de demonstrar a eficiência da Reforma

Educacional de Fernando de Azevedo, a Cruzada inaugurou uma grande exposição pedagógica,

planejada e executada pela própria associação. E nessa exposição havia algo de novo:

28 O Arquivo Fernando de Azevedo (AFA) pertence ao acervo cultural do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB).

Foi doado em 2 de março de 1970 pelo próprio titular. O AFA conta com cerca de 16.000 documentos que

abrangem o período de 1915 a 1974. Inclui-se esta referência entre os poucos trabalhos encontrados para a

compreensão acerca da temática: Cruzada Pedagógica pela Escola Nova.

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Nas anteriores, efetuadas dentro do regime da escola antiga, escolhiam-se para serem

apresentados os melhores trabalhos dos alunos, atendendo-se ao ponto de vista de

beleza e correção. Nesta, não. O que era de essencial é que o trabalho demonstrasse

nitidamente a iniciativa do aluno ou da classe. Queria-se que a cooperação dos alunos

de uma classe ou de toda a escola ficasse bem expressa na realização de um “centro

de interesse” ou de um “projeto”. Desenhos, modelagens, construções revelavam aí a

mão ainda inexperiente da criança. Relatórios históricos exibidos testemunhavam

procedência infantil. Havia por toda parte o respeito ao esforço, embora esse esforço

nem sempre produzisse obra apreciável. Em tudo, uma grande renovação de

mentalidade de docentes e discentes - um sopro novo - como o desejava a Reforma

(BACKHEUSER, 1954, p. 114) (grifo nosso).

Em junho de 1930, meses após a tal exposição, foi inaugurado o Museu Pedagógico

Central, organizado e dirigido por Everardo Adolpho Backheuser. Sobre o museu, Alcina conta

que:

De conformidade com as instruções baixadas pela Sub Diretoria de Instrução, o

Museu Pedagógico Central seria “uma exposição permanente de caráter prático e não

simples coleção de objetos raros ou cientificamente curiosos”. Deveria ser feito com

a “colaboração constante de professores e alunos”. Permitiria aos alunos “aprender

por si, vendo, tocando, e até manipulando os objetos expostos, reduzindo o papel do

mestre ao mínimo indispensável de orientação”. Cada um dos objetos seria etiquetado

com indicação precisas e claras que deveriam tornar dispensáveis as explicações

verbais dos guias (BACKHEUSER, 1954, p. 115).

Esse museu teve, para a sua organização, a participação de professoras orientadas pelo

professor Backheuser que, seguindo os preceitos escolanovistas, conferia ao museu outros ares.

Deixando para trás o caráter estático e frio dos museus antigos e assumindo a função de

despertar o interesse da criança por meio do seu caráter de exposição permanente, viva e

movediça.

Em virtude da sua conversão ao catolicismo, Backheuser marcou presença nas

trincheiras de luta pela propagação da religião católica em todos os campos, inclusive, no

educacional por meio da reintrodução do Ensino Religioso nos currículos escolares, bandeira

defendida nas APCs29 e também na CCBE. Sobre a sua militância, a viúva conta que:

Fê-lo desde a primeira hora. Esta se apresentou a 25 de outubro de 1928, quando ele

subiu pela primeira vez à tribuna de uma Igreja Católica. Era por ocasião da imponente

“Semana do Chefe de Família” em cujo programa figurava uma série de conferências

na Catedral de Niterói. Backheuser inscrevera-se para falar sobre “A Influência da

Escola” (BACKHEUSER, 1954, p. 120).

Entre as diversas facetas desse professor, incluo a sua atuação como militante católico

e articulador político, realçando a sua trajetória no campo educacional para além da docência.

29 Mais detalhes na seção “d”.

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Como por exemplo, a sua participação na ABE - ainda no período em que estava afastado do

catolicismo - e na CCBE, quando militava pelo catolicismo e se mostrava aberto às novas ideias

difundidas pelo movimento da Escola Nova no Brasil. Como autor de vários artigos publicados

na RBP ele contribuiu para a irradiação dos ideais da CCBE.

c) Membro fundador da Associação Brasileira de Educação

Em outubro de 1924, um grupo de treze intelectuais cariocas fundou, em uma sala da

Escola Politécnica do Rio de Janeiro, a Associação Brasileira de Educação. A

iniciativa foi o resultado de entendimentos iniciados em março do mesmo ano, em

reunião promovida por Heitor Lyra da Silva. Aproveitando a passagem de Lysimacho

da Costa pelo Rio, programou um jantar no Hotel Glória, para o qual convidou

Everardo Backheuser, Edgar Sussekind de Mendonça e Francisco Venâncio Filho,

cuja finalidade era discutir a viabilidade de uma Federação de Associações de Ensino

(CARVALHO, 1998, p. 53)30.

Ainda na década de 1920, antes da sua conversão ao catolicismo e a sua consequente

militância dentro do grupo católico, Backheuser já se mostrava um professor preocupado em

participar da organização da sociedade civil e de militar no interior da ABE, Associação que,

junto com outros educadores31, ajudou a fundar. A criação da ABE foi fundamental para o

fortalecimento do pensamento pedagógico brasileiro alicerçado “em um projeto liberal, livre

das amarras predominantes até fins do século XIX” (FREIRE FILHO, 2002, p.10).

A ABE pode ser definida como uma sociedade civil, laica, sem fins lucrativos, de

utilidade pública, que uniu educadores de diversos matizes, empenhados em estudar e debater

assuntos ligados à educação e à cultura. Esta Associação, na condição de movimento, tinha nas

Conferências Nacionais de Educação as suas principais instâncias de organização

(CARVALHO, 1998). Neste subcampo ocorreram intensos debates acerca dos rumos da

educação, os educadores que dele fizeram parte, discutiram sobre mudanças na estrutura do

sistema de ensino, oferta de escola a todos, propostas pedagógicas, formação de professores,

etc. Aqui é importante enfatizar que, no seu princípio, a ABE era ocupada por um número

significativo de pensadores de tendência católica, os quais defendiam um projeto nacional de

30 Interessa a este empreendimento apenas sintetizar a existência da ABE e ressaltar Everardo Backheuser como

um dos seus fundadores. Um estudo profundo sobre tal Associação foi feito por Carvalho (1998). 31 Amerino Wanick, Antonio Cavalcanti de Albuquerque, Armanda Alvaro Alberto, Antonio Carneiro Leão,

Benevenuta Ribeiro, Berta Lutz, Branca Fialho, Candido de Mello Leitão, Carlos Américo Barbosa de Oliveira,

Carlos Delgado de Carvalho, Edgard Susekind de Mendonça, Eduardo Borgerth, Everardo Backheuser,

Ferdinando Labouriau Filho, Fernando Nerêo Sampaio, Fernando Raja Gabaglia, Francisco Venâncio Filho,

Gentil Ferreira de Souza, Heitor Lyra da Silva, Ignacio Azevedo do Amaral, J. Porto Carrero, Jurandir Paes

Leme, Laura Lacombe, Levi Fernandes Carneiro, Maria dos Reis Campos, Mário Paulo de Brito, Othon Henri

Leonardos, Pedro Deodato de Moraes, Vicente Licinio Cardoso, Victor Lacombe (FREIRE FILHO, 2002).

Grifo nosso.

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educação firmado nos propósitos da sua doutrina, além da defesa do Ensino Religioso nas

escolas. Enquanto o outro grupo defendia o ensino laico.

Essas posições ideológicas divergentes culminaram na cisão do grupo, e na disputa pela

dominação no campo educacional. A partir daí, iniciou-se uma acirrada querela entre projetos

alternativos de reconstrução nacional via educação. Em dezembro de 1932, meses após a

publicação do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (já citada em momento anterior), os

católicos (entre eles Backheuser), abandonaram a ABE e passaram a se articular, inicialmente,

na APC-DF a qual, em 1933, ao adotar um caráter nacional, foi transformada na CCBE. Com

esse rompimento, os pioneiros assumiram a direção e permaneceram na ABE.

Em 27 de outubro de 1931 Backheuser encaminhou à secretaria geral da ABE o seu

pedido de demissão32, tanto do Conselho Diretor quanto dos demais cargos que um dia ocupou

na instituição, Presidente da Seção do Ensino Primário e Biblioteca Pedagógica e membro da

Comissão Organizadora da 4ª Conferência Nacional de Educação. A sua justificativa foi falta

de tempo para se dedicar a ABE, como era necessário, por conta de todas as outras atividades

que vinha desenvolvendo no campo educacional. A secretária respondeu no dia 17 de novembro

do corrente ano manifestando a recusa do Conselho Diretor ao seu pedido de demissão

aproveitando para reforçar a importância das suas atividades dentro da Associação, desde a sua

fundação. A decisão pela recusa do pedido de exoneração foi unânime. Quatro dias depois

Backheuser enviou nova carta à secretária, agradecendo o reconhecimento da importância do

seu trabalho no interior da ABE, e reiterando que a sua decisão pela saída era definitiva (ver

figuras de 7 a 10).

32 O pedido de demissão de Backheuser consta da Ata da sessão do Conselho Diretor da ABE datada de 16 de

novembro de 1931 (páginas 130-134), conforme Anexo I.

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Figura 7 - Backheuser pede demissão da ABE

Fonte: Arquivo de correspondências recebidas - ABE.

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Figura 8 - Resposta da secretária ao pedido de demissão

Fonte: Arquivo de correspondências enviadas - ABE.

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Figura 9 - Retorno de Backheuser sobre a recusa do pedido de demissão (Continua)

Fonte: Arquivo de correspondências recebidas - ABE.

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Figura 10 - Retorno de Backheuser sobre a recusa do pedido de demissão (Conclusão)

Fonte: Arquivo de correspondências recebidas - ABE.

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Sobre o “êxodo católico” Sgarbi (1997) conta que a partir de 10 de dezembro de 1932,

28 membros enviaram ofício ao presidente da ABE manifestando descontentamento com as

suas novas posições e requerendo o afastamento da entidade. Tal documento foi divulgado pela

imprensa no auge da V Conferência Nacional de Educação, realizada em Niterói/Rio de Janeiro,

1932, e enumerou as mudanças que foram introduzidas na ABE em 1932, que desagradaram,

de forma especial, os educadores católicos. Entre estas mudanças - as quais causaram a

debandada do grupo católico - em artigo publicado no Jornal do Brasil em 04 de janeiro de

1933, intitulado A Conferência de Niterói, Backheuser cita: a atitude fortemente dominadora,

por parte da Associação, que não dava chance de participação aos associados, e a demasiada

centralização do poder nas mãos do Estado, defendida pelo grupo que ocupava a sua direção.

Embora Backheuser justifique o seu pedido de demissão/exoneração da Associação, por

excesso de atividades, ao comentar o pedido de demissão de Fernando Magalhães e de outros

educadores católicos, afirmou que a atuação da ABE estava totalmente fora de sintonia com os

ideais iniciais. Para ele, essas mudanças tinham uma agravante, pois a direção que a Associação

estava tomando feria os sentimentos religiosos da maioria da população. Para o autor a luta pela

laicização do ensino, bandeira de alguns membros da ABE, fazia com que a chancela

governamental tivesse que ser mais valorizada e, assim, enfraquecia a organização da ABE, que

tinha como princípio cardeal a autonomia frente ao governo. Seguem fragmentos do artigo:

Dessa atitude comunista da ABE, já há um protesto retumbante: a saída daquela

agremiação do ilustre Fernando de Magalhães, reitor da Universidade. Hoje saiu

Fernando Magalhães. Ontem dela se desligaram cerca de trinta sócios fundadores,

dentre os mais prestigiosos, inclusive quatro antigos presidentes. Mais antes, já outros

se haviam retirado. Amanhã desertarão outros. E por que essa debandada? Tudo é

fruto de não ser a ABE, depois que certo caruncho nela se intrometeu para destruí-la

em seus fundamentos, o que idealizaram os seus fundadores e principalmente o seu

excelso e nunca assaz glorificado iniciador [...] Disto precisa o público saber para dar

o justo valor as decisões e “sugestões” que aparecem em seu nome. Uns, os

fundadores, lhe criaram, à ABE, o renome de defender, fora da tutela governamental

os interesses superiores da educação dentro de um ardente desejo de manter e

fortalecer a unidade nacional. Outros - os atuais dirigentes - subordinando-se àquela

tutela, não demonstram outro interesse senão o de ferir os sentimentos religiosos da

maioria da população nacional, além de, por outros modos, fomentar os dissídios que

o regionalismo procria (BACKHEUSER, 1933, p. 1 apud SGARBI, 1997, p. 24).

Com a saída da ABE, o grupo de católicos se uniu a outros militantes da mesma

orientação filosófica, cujas associações começaram a surgir ainda a partir de 1928, e aceleraram

o processo organizativo destes educadores, como por exemplo, na APC-DF que, mais tarde, se

transformou na CCBE.

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d) Idealizador da Associação de Professores Católicos do Distrito Federal e primeiro

presidente da Confederação Católica Brasileira de Educação

Everardo Backheuser foi o idealizador da APC-DF, cuja primeira reunião33 aconteceu

no dia 17 de setembro de 1931 no Externato Sacré Cœur (SGARBI, 1997). Essa entidade visava

aglutinar professores cariocas com o propósito de debater sobre problemas pedagógicos e

formular propostas de ação. Ao que parece, estes educadores almejavam a criação de uma

Associação aos moldes daquelas já existentes nas cidades de São Paulo e Niterói. Além do

aperfeiçoamento dos professores-membros também tinha como objetivos, a união do

professorado católico sob o ponto de vista religioso social e a principal aspiração: a difusão do

Ensino Religioso nas escolas.

Foi rápido o crescimento da APC do DF. E, aumentando sempre o número de sócios,

impôs-se o ensejo de distribuir a atividade dos professores católicos, inscritos pelos

correspondentes graus de ensino: primário, secundário (público e particular) superior

e, bem assim, profissional, normal e artístico (BACKHEUSER, 1954, p. 124).

Em julho de 1932, foi criado o Boletim da Associação dos Professores Católicos do

Distrito Federal: “Modesta revista mensal, a princípio de dezesseis páginas apenas, sem capa,

impressa em papel também de modéstia qualidade. Toda riqueza, todo luxo se deveria encerrar

no teor da publicação” (BACKHEUSER, 1954, p. 126). O primeiro número deste periódico foi

publicado no mês de julho daquele ano. O Boletim - criado para ser um elo entre as APCs

existentes e as que viessem a existir - era distribuído gratuitamente entre os associados e os que

não ainda não o fossem podiam tê-lo mediante assinatura. Este periódico, que serviu de elo

entre os professores que tinham os mesmos ideais, publicava em suas páginas atividades sociais

e também artigos com assuntos de relevância para o campo da educação.

A Apresentação do Boletim que foi escrita por Backheuser e publicada na 1ª página do

1º exemplar, define sua finalidade. A viúva transcreveu este texto no seu livro

(BACKHEUSER, 1954, p. 126-128), o qual é reapresentado aqui justamente porque traz

indícios da filosofia adotada pelo escolanovista católico:

33 Neste primeiro encontro estavam presentes, dentre outros, Everardo Backheuser, o Padre Leonel Franca, as

inspetoras escolares Zélia Braune e Alba Nascimento; a professora catedrática Maria Leonice F. Anglada; a

diretora da Escola Profissional Rivadávia Corrêa, professora Benevenuta Monteiro; a diretora do curso

Jacobina, professora Laura Lacombe; e as professoras Cordelina de Alencastro, Maria Regina da Cruz Rangel,

Amélia de Araújo Cabrita e Maria Aurélia de Lavôr.

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Atravessamos uma era de efervescência pedagógica. Sobre os problemas da educação

concentram-se as reformas administrativas e as ansiosidades particulares. Depois de

registrar o fato, que não é só brasileiro, mas universal, Pio XI apronta-lhe a causa

profunda: “Os homens criados por Deus à sua imagem e semelhança, destinados para

Ele, perfeição infinita, sentem hoje mais que nunca, a insuficiência dos bens terrestres

para assegurar a verdadeira felicidade dos indivíduos e dos povos; e, por isso,

experimentam mais vivamente esta aspiração para uma perfeição mais elevada, que

Deus lhes infundiu na natureza nacional e procuram atingi-la principalmente pela

educação”. Não podíamos nós, professores católicos, quedar-nos indiferentes ante

este movimento reformador nem negar a contribuição dos nossos esforços sinceros

para melhorar a formação das gerações de amanhã. De um outro extremo do Brasil os

nossos colegas sentiram a urgência deste dever e, para coordenarem os seus trabalhos,

uniram-se em associações destinadas a um estudo mais profundo dos problemas

pedagógicos, à luz do cristianismo que, no dizer autorizado de Foester, constitui “o

maior acontecimento da história da educação” (L’école er Le caractere, p.130). No

interesse pelos problemas educativos não queremos ser segundos a ninguém.

Ninguém melhor do que nós deseja infundir uma alma elevada na nossa escola;

ninguém é menos refratário às inovações justas, sensatas e justificadas pelas

observações comprovadas de uma ciência cônscia de suas responsabilidades. No

intuito de coordenar melhor os nossos trabalhos e difundir mais amplamente os

resultados, julgamos conveniente fundar um Boletim, elo de união entre os

professores católicos e vínculo das suas associações já fundadas pelo Brasil. Este

Boletim que ora aparece como órgão da Associação dos Professores Católicos do

Distrito Federal, não só se destina a registrar o resultado dos seus esforços dos estudos

e trabalhos que levar a efeito, mas também a dar informações sobre quanto hajam

realizado as congêneres de outros pontos do país. Além disso, esperamos e confiamos

em Deus que há de ilustrar sempre as páginas desta modesta publicação, como neste

número acontece, a colaboração de especialistas autorizados, dos batalhadores da boa

causa, dos semeadores da boa semente.

Embora não se pretenda aprofundar a análise deste periódico, foram encontrados

indícios de que ele dialogava com a Escola Nova, como se pode constatar no excerto de um

artigo escrito pelo Padre Leonel Franca intitulado Progresso e Tradição em Pedagogia:

Na lealdade de um esforço reconstrutor tentaremos conciliar as justas exigências da

tradição e do progresso, ampliando incessantemente os tesouros do passado com as

novas riquezas do presente. É a nobre, pacífica e fecunda missão da pedagogia católica

(FRANCA, 1932, p. 2 apud SGARBI, 1997, p. 32).

Entendendo como missão desta Associação a reconstituição do habitus do professorado

dentro da filosofia católica e prestar esclarecimentos sobre a Escola Nova, evidenciando seus

prós e contras, Backheuser decide que o caminho mais eficaz é agir estrategicamente por meio

de Conferências. Sgarbi (1997) aponta que a APC promoveu no mês de junho de 1932, várias

conferências em torno do tema: A Pedagogia da Escola Nova, nas quais eram discutidas

temáticas como A Pedagogia Nova e a Vida Moderna; A Pedagogia Nova e a Escola

Tradicional; A Pedagogia Nova e a alma da criança, indícios de que esta Associação, contando

com a participação ativa de Backheuser, aprofundava o diálogo com a Escola Nova.

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Apesar de citar-se apenas a APC-DF, não se pode esquecer as diversas Associações de

professores católicos que se organizaram em várias partes do país. Só no ano de 1933 foram

fundadas oito. Desta multiplicação surgiu a ideia da criação da CCBE (1933-193834) que tinha

por objetivo formular uma política de educação fundamentada na doutrina católica. A ideia foi

lançada por Xavier de Mattos em 11 de maio de 1933, logo após a conferência do professor

Everardo Backheuser sobre a “sindicalização do professorado católico”, no Centro Dom Vital

de São Paulo. Enfatizando o “dever de associação”, Backheuser atacou a atitude de isolamento

e mostrou as possibilidades de uma união:

A congregação de esforços é, portanto, regra de elementar prudência. Unidos, os

professores auxiliar-se-ão no estudo; na solução das dúvidas; na resolução dos

problemas. Cada qual trará a contribuição das suas dúvidas e hesitações, de sua prática

e também de suas dúvidas e hesitações, porquanto dúvidas e hesitações auxiliam tanto

quanto os livros o encaminhamento feliz de boas soluções (BACKHEUSER, 1933, p.

78 apud SGARBI, 1997, p. 38).

Everardo Backheuser foi aclamado primeiro presidente da CCBE e as suas ações no

comando desta instituição nos dão pistas do diálogo dos educadores católicos com a

modernidade. A décima edição da RBP, de 1934 afirmava que nos estatutos da CCBE poder-

se-ia averiguar o seu grande objetivo:

Unir “todas as forças educacionais católicas do país”, de modo que em toda a Pátria

fosse abraçada uma “educação integral, de acordo com as diretrizes firmadas pela

Igreja”. Para alcançar tal meta, uma das estratégias era “difundir o pensamento dos

grandes mestres da pedagogia católica, combatendo as doutrinas sectárias, quer em

obra para os educadores, quer em manuais para educandos” e, por outro lado, publicar

“manuais genuinamente Católicos, das diversas matérias do ensino em todos os graus

e modalidade” (Revista Brasileira de Pedagogia, n. 10, p. 343, 1934 apud SGARBI,

1997, p. 108).

A estrutura da Confederação foi pensada para que atuasse como elemento centralizador

de toda uma rede de associações de professores católicos e estabelecimentos de ensino. Além

disso, a CCBE previa a representação de interesses a partir da organização de duas instâncias

de gestão, remetidas ao plano estadual e nacional. No âmbito dos Estados, as associações,

ordens religiosas e demais estabelecimentos particulares de ensino confederados, tinham direito

de assento nos Conselhos Regionais da instituição que, por sua vez, indicavam um representante

para somar-se ao Conselho Geral (NARCIZO, 2008a). A proposta principal da CCBE era reunir

34 Sobre o fim das atividades da CCBE e da RBP que datam de 1938, não foram encontradas fontes que

trouxessem indícios das causas deste fim.

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colégios católicos, congregações religiosas e professores de todo o país, além de estimular o

ingresso individual de professores em suas fileiras. A Confederação - por meio da RBP,

congressos e livros - constituiu uma estratégia muito profícua do grupo católico em se apropriar

dos preceitos escolanovistas e disseminar entre os professores, aquilo que julgava mais

adequado dentro do escolanovismo católico liderado por Everardo Backheuser.

e) Revista Brasileira de Pedagogia: irradiadora dos ideais da CCBE

Firmados que foram os objetivos da campanha, impôs-se a necessidade de um órgão

permanente e respeitável que lhe veiculasse os propósitos. O antigo e modesto Boletim

já não podia servir para a empresa de tão largo vulto. Foi-lhe sucessora a Revista

Brasileira de Pedagogia que, com menos de um ano de vida, é vitorioso

empreendimento, com leitores em todos os quadrantes do Brasil e edições esgotadas

apesar do aumento de tiragem. A nossa Revista correspondeu, de fato, a uma

necessidade e a um anseio. Arejada e elegante no aspecto material, ela o é também no

ponto de vista intelectual, pois que em seus sumários se acumulam não só artigos de

valor e segura orientação católica como outros ventilando assuntos de atualidade em

todos os ângulos da pedagogia, escritos por personalidades de relevo e competência.

Podemos dizer sem receio de erro que a Revista Brasileira de Pedagogia não tem

similar na iniciativa privada e mesmo emparelha e vence quase todas as publicações

do gênero editadas oficialmente pelos governos das várias unidades políticas do país

(BACKHEUSER, 1934, p. 329 apud SGARBI, 1997, p. 57).

O fragmento acima é parte do enunciado de saudação proferido pelo professor Everardo

Backheuser no 1º Congresso Católico Brasileiro de Educação realizado em 1934. A partir dele,

pode-se entender que o BAPC foi estrategicamente substituído pela RBP, com vistas a uma

circulação mais significativa e com objetivos bem claros. A viúva conta que o Boletim, velejava

em ondas mais elevadas, e assim passou a chamar-se Revista Brasileira de Pedagogia

(BACKHEUSER, 1954).

O 1º Congresso Católico de Educação promovido pela CCBE, ocorrido de 20 a 27 de

setembro de 1934, tinha como tema:

o catolicismo como base filosófica, como fundamento pedagógico, como laço social,

como solução dos problemas contemporâneos”; e, como finalidade: “estudar os

problemas educacionais à luz da doutrina católica e firmar as bases da política

educacional católica” (BACKHEUSER, 1954, p. 133).

De acordo com Carvalho (2005) a RBP - publicação oficial da CCBE - foi um periódico

especialmente dedicado ao debate doutrinário no campo da pedagogia, cujo intuito era o de

disseminar os princípios educacionais católicos que por sua vez constituíam os ideais da CCBE.

A RBP circulou entre os anos de 1934 e 1938 e teve 47 números publicados. Levando em conta

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seu principal objetivo, é possível classificar este periódico como uma das estratégias do grupo

responsável pela sua produção e circulação. Sobre a RBP, Carvalho (2005, p. 03) afirma:

Produto e resíduo de práticas, o impresso escolanovista católico integra uma rede de

objetos que se articulam enquanto produtos e instrumentos de práticas de aglutinação

do professorado na Confederação Católica Brasileira de Educação. Anais de

Congressos, Revistas e Boletins especializados em educação constituem uma rede de

impressos que é produto e instrumento dessas práticas de controle pedagógico e

organizacional do professorado católico, práticas fortemente respaldadas pela

estrutura e pela autoridade eclesiásticas. Nessa rede, destaca-se a Revista Brasileira

de Pedagogia, órgão da aludida Confederação, entidade que, além de prever a

associação individual de professores, tinha como sócios as instituições escolares

católicas.

Alguns dos artigos publicados na RBP confirmam a hipótese que norteia os estudos de

Carvalho, no sentido de que houve certa afinidade entre pedagogia católica e o ideário

escolanovista, ao contrário de muitas pesquisas que insistem em caracterizar o movimento do

grupo católico como rigidamente antagônico e reacionário em relação ao que propunham os

chamados pioneiros. Essa afinidade pode ser percebida logo na primeira página da RBP,

publicada na Apresentação, ano 1, n.1, em fevereiro de 1934 (ver Figura 11):

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Figura 11- Revista Brasileira de Pedagogia - Apresentação (1934)

Fonte: Igreja, educação e modernidade na década de 30, 1997.

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A partir do terceiro parágrafo, em especial, se pode perceber certa abertura no que se

refere à acolhida das práticas difundidas pelo movimento de renovação no campo educacional,

no entanto, recomenda-se cautela em relação à apropriação destas inovações. O periódico

contou com a seção Debates sobre a Escola Nova, mantida com frequência, principalmente

durante o ano de 193435, onde se pode evidenciar a intenção desse impresso funcionar como

estratégia de esclarecimento e orientação aos professores em relação aos princípios

escolanovistas.

Os artigos que compunham este periódico estabeleciam diálogos constantes com áreas

diversas de conhecimentos, como Saúde e Higiene, Sociologia, Psicologia e Filosofia, o que

demonstra certa proximidade com as novas tendências pedagógicas, porém, os princípios

católicos prevaleciam sobre os demais. Com o tal propósito, a RBP foi direcionada aos

professores filiados individualmente a CCBE e também às instituições confederadas: colégios

católicos, congregações religiosas, associações de professores e entidades similares por todo o

Brasil. Everardo Backheuser, idealizador, defensor e educador católico aguerrido em

ressignificar a Escola Nova, publicou vários artigos na RBP neste sentido. Todo o seu

dinamismo e entusiasmo estão muito bem representados no lema de Littré que, segundo a sua

mulher Alcina, ele seguia: “projetar como se vivesse cem anos; realizar como se vivesse um só

dia” (BACKHEUSER, 1954, p. 31).

2.3.3 Conversão ao catolicismo

Em 1928 Everardo Backheuser converteu-se ao catolicismo, apesar de ter se afastado

da Igreja desde a infância. A primeira mulher, D. Ricarda, muito religiosa, sempre insistiu, sem

sucesso, na conversão do marido. Numa viagem de família à Alemanha, a mulher faleceu e ele

decidiu trazer o corpo para ser enterrado em Niterói, onde moravam. D. Ricarda foi atropelada

por uma bicicleta, ao caminho de um teatro, teve uma parada cardíaca ao ser anestesiada para

uma cirurgia na perna quebrada pelo acidente e não resistiu. Ela foi embalsamada e teve feita a

sua máscara mortuária. Quando esperava o trem para voltar ao Brasil, Backheuser, até então

ateu, teve uma visão:

35 Infelizmente, em pesquisa presencial realizada na Biblioteca Nacional em abril de 2016, constatou-se que os

exemplares da RBP do ano de 1934 encontravam-se indisponíveis para a pesquisa porque estavam retidas para

restauração. Como há os exemplares físicos, estes não constam no acervo digital. E até a conclusão desta tese

não se teve acesso aos exemplares restaurados.

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De súbito, vejo no canto superior do quarto, batido pelo sol de Verão, formar-se, em

contornos nitidamente delineados, um grupo de nuvens, do qual surgia, sorridente, o

busto de Ricarda. Sobre seu ombro repousava o braço do eterno pai, conforme as

Bíblias Escolares o costumam representar, como homem de aspecto sério, de longa

barba branca. Senti-me arrebatado (BACKHEUSER apud SANTOS, 1989, p. 461).

Diante dessa experiência transcendental, ele decidiu se converter ao catolicismo36. As

fontes encontradas trazem indícios de que a sua conversão foi uma decisão pessoal, no entanto,

compreende-se que esta mudança de posição teve grande significado no campo pedagógico.

Pois, foi a partir daí, que ele ajustou as suas lentes teóricas e filosóficas e começou a militar de

forma entusiástica, no campo marcado pela contenda entre católicos e pioneiros, em busca de

um equilíbrio entre tradição e modernidade.

A sua conversão, em 25 de outubro de 1928 na Catedral de Niterói, foi um verdadeiro

evento. Em manchete do jornal O Globo (ver Figura 12), pode-se ver as palavras do Cônego

Mello Lula a respeito do ocorrido:

O Sr. Dr. Everardo Backheuser, catedrático da Escola Politécnica, homem de ciência,

acaba de fazer, recentemente, na Catedral de Niterói, a sua primeira comunhão. A

conversão do eminente brasileiro, acatado vulto dos nossos círculos científicos, é um

dos acontecimentos mais consoladores para o catolicismo militante em terras do

Brasil. O Dr. Everardo Backheuser é, hoje, um dos mais valorosos soldados de Jesus

Cristo, rei imortal dos séculos. [...] O catolicismo militante no Brasil está de parabéns.

A conversão do Dr. Everardo Backheuser é um dom do Senhor.

36 Talvez a conversão de Backheuser ao catolicismo possa ser compreendida a partir de uma perspectiva

macroanalítica, como um fenômeno relacionado a fatores sociais, políticos, históricos e culturais daquela

conjuntura, talvez até como uma estratégia dele para se posicionar no campo educacional. Infelizmente as

fontes que mobilizei para esta tese trazem apenas uma perspectiva mais micro porque tratam da conversão

como uma decisão do campo pessoal.

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Figura 12 - A conversão de Backheuser

Fonte: Álbum de memórias, 1950.

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Como os escritos didáticos de autoria do convertido Backheuser (alguns prefaciados

pelo Padre Leonel Franca, adepto à filosofia tomista), visavam à renovação da educação e

baseavam-se na Divini Illius Magistri do Papa Pio XI, Errerias (2000) infere que a sua

inspiração seja tomista37. No entanto, se Backheuser propõe uma terceira via entre o antigo e o

moderno, apropriando-se dos escritos de autores modernos, acredita-se que a sua inspiração

filosófica católica não seja tão tradicional quanto a tomista e esteja mais voltada ao

neotomismo38.

Backheuser movimentou-se no lado católico e no lado escolanovista. Empenhou-se na

luta pela Escola Nova; publicou artigos na revista A Ordem e ministrou um curso sobre Escola

Nova no Instituto Católico de Estudos Superiores, no Rio de Janeiro a pedido de Alceu

Amoroso Lima (cuja sistematização foi eternizada num manual pedagógico). Um estudo sobre

a sua rede de sociabilidade se mostra muito relevante atentando para a forma com que se

relacionou e travou disputas ideológicas com outros educadores católicos e escolanovistas do

seu campo/tempo.

Entretanto, para este espaço, entre as várias facetas - que na sua trajetória acumulou os

capitais cultural, social e simbólico - sublinha-se a sua atuação no campo pedagógico, para além

da docência, como propositor de um escolanovismo católico39, tentando perceber como as

disposições do seu habitus constituído foram sendo expressas no movimento da sua trajetória

neste campo. Pistas dessa terceira via entre tradição e modernidade no campo pedagógico,

podem ser percebidas no interior da CCBE e nas páginas da RBP. Todavia, para este

empreendimento, envidaram-se esforços para compreender o escolanovismo católico de

Backheuser representado nos seus manuais pedagógicos.

Esse era o lugar ocupado por Backheuser, o missionário que, tendo vivido entre os

pagãos, ingressava decidido nas hostes divinas para ser agora apóstolo entre gentios,

se não para catequizá-los, ao menos para coser suas crenças, como retalhos, ao manto

da Igreja (CUNHA; ERRERIAS, 2000, p. 35).

37 O tomismo é a linha de pensamento que procura manter as teses básicas da filosofia de São Tomás de Aquino

(SOARES, 2014). 38 O neotomismo traria “ares modernos” ao tradicionalismo do tomismo, sem rechaçar as suas bases filosóficas.

Soares (2014, p. 66) define o neotomismo como uma “corrente filosófica católica que procura, a partir da

filosofia de São Tomás de Aquino, elaborar novas conclusões e pressupostos filosóficos, inclusive a partir da

análise e adaptação de filósofos modernos”. 39 Tratei desse assunto, pela primeira vez, no artigo ROSA, Maristela da; TEIVE, Gladys Mary Ghizoni. Everardo

Adolpho Backheuser: expoente de um escolanovismo católico. Revista NUPEM, Campo Mourão, v. 8, n. 14,

jan./jun. 2016.

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97

2.4 MANUAIS PEDAGÓGICOS: ARTIFÍCIOS PARA A SEDUÇÃO DOS PROFESSORES

Os estudos que tomam como objetos/fontes os manuais pedagógicos vêm crescendo no

Brasil. Investigações dessa natureza contribuem para análises das culturas escolares, e, mais

especificamente, da circulação de ideias pedagógicas. Estas últimas norteiam, a partir de suas

diversas representações, as políticas públicas e as práticas docentes, principalmente no que

tange ao ensino normal e à instrução primária, auxiliando a construir historicamente tanto a

imagem do professor quanto a da própria educação no país. Pois, os discursos pedagógicos que

se dispõem materialmente como manuais pedagógicos “organizam e constituem o campo dos

saberes pedagógicos representados como necessários à prática docente” (CARVALHO, 2006,

p. 1).

Tomados como bens culturais datados e produzidos em circunstâncias marcadas por

estratégias políticas, pedagógicas e editoriais determinadas, esses Tratados - gênero

tradicionalmente didático - sintetizam teorias sobre um campo de saber específico e as expõem,

de forma analítica, por meio de argumentos de autoridade e exemplos (CARVALHO, 2006). A

partir deles, seus autores apresentam uma apropriação criativa de teorias que são difundidas

estrategicamente para suscitar novas práticas e adequar as velhas ao ideal de educação que se

pretende. Para Valdemarin (2010, p. 133):

Os manuais se inserem ora no campo das táticas (utilizam e alteram), ora no campo

das estratégias (produzem, mapeiam e impõem), dependendo da situação relacional.

Apropriando-se das referências contextuais e conjunturais, o autor elabora um produto

didático destinado a provocar mudanças no sistema investido da autoridade

proveniente da posição que ocupa nesse mesmo sistema - dirigente e conhecedor do

dia a dia escolar - que lhe permite, ao mesmo tempo acompanhar e afiançar a mudança.

Destinados à formação dos professores, esses artefatos são nucleares para investigar a

presença de elementos que, em determinados tempos/espaços, fixaram as formas de pensar e

de desenvolver o ensino no país. Os manuais pedagógicos adotados como fontes e tomados

como objetos de análise deste trabalho atendem e, em grande medida, são decorrentes,

principalmente, da solidificação do ideário pedagógico da Escola Nova em voga entre as

décadas de 1930 e 1960 no Brasil. De acordo com Valdemarin (2010, p. 131) estes manuais

desenvolveram um repertório pedagógico, sugerindo modos de uso do ideário em questão e

“operando num sistema prévio de ideias, [produzindo] versões praticáveis da teoria nas

condições específicas da escola brasileira daquele tempo”.

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98

Como artefatos de propagação do ideário escolanovista, os manuais pedagógicos

transformavam valores, princípios e objetivos em prescrições de práticas pedagógicas, fazendo

a intermediação entre o ideário e os seus desdobramentos (leis, decretos, programas de ensino)

e a prática do magistério. Funcionavam então, como dispositivos de configuração do campo da

pedagogia e de conformação das práticas escolares e, como artifícios para a sedução do

professorado. Nas linhas dos manuais, seus autores apresentam uma apropriação criativa

estrategicamente difundida criando assim uma rede de relações significativas. “Ao estabelecer

modos de emprego, fabricam novos sentidos que combinam modos de pensar com sua

utilização” (VALDEMARIN, 2010, p. 130).

As investigações de Marta Maria Chagas de Carvalho demonstram a pertinência dos

estudos acerca da disseminação do escolanovismo no Brasil por meio dos impressos. A

historiadora brasileira examina as formas pelas quais o impresso funcionou como dispositivo

de configuração do campo da pedagogia e como estratégia de conformação das práticas

escolares. A produção e a difusão dos discursos impressos se constituem a partir de um lugar

de poder cujo objetivo é seduzir e modelar o professor, tomando assim a forma de estratégias.

Estas eram empregadas por pioneiros e católicos com o objetivo de servir de instrumento de

organização e mobilização do seu professorado, conforme aponta Carvalho (2005), que também

destaca a importância estratégica do impresso no embate educacional da época:

E será nessa luta que o impresso desempenhará um papel fundamental. Na forma de

livro de estudo para a Escola Normal, de livro de formação integrante de uma

Biblioteca Pedagógica, de artigo de revista dirigida ao professor, de instrução

regulamentar endereçada às escolas, de artigo de polêmica em jornal de grande

circulação etc., o impresso será dispositivo de regulação e modelagem do discurso e

da prática pedagógica do professorado (CARVALHO, 2005, p. 2).

Enquanto a sociedade brasileira do início do século XX entrava em disputa por projetos

educacionais que sinalizassem o ideal de nação - tomando a educação como o lugar de

efetivação da tal modernidade; entre consonâncias e dissonâncias, os manuais pedagógicos são

legitimados, e, assumem o lugar de “verdade oficial”, configurando-se como sintetizadores da

articulação entre teorias e práticas que visavam à formação de uma nova nação. Ecoando os

discursos da substituição do velho pelo novo, os manuais pedagógicos vêm divulgar as recentes

descobertas no campo científico-educacional atuando como suportes, dispositivos para a tal

transformação, e, nessa vaga renovadora, emergem como protagonistas. Como “Tratados”

(CARVALHO, 2006), os manuais pedagógicos levam aos professores primários, o projeto

educacional nacionalista.

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99

Carvalho oferece pistas para a compreensão do entrave entre católicos e pioneiros para

a dominação do campo educacional, citando o impresso como estratégia utilizada por ambos os

grupos, e, ainda ressalta o empenho dos educadores católicos em disseminar o escolanovismo

a partir do viés católico. O conceito certeauniano de estratégia é uma ferramenta teórica

interessante para analisar os discursos dos educadores na década de 1930 e, de forma especial,

para compreender como se configurou e se empreendeu a difusão do ideário educacional

católico por meio de uma rede de impressos voltados à formação dos professores primários.

Dentro das estratégias católicas por meio dos impressos, destaca-se a produção e circulação de

manuais pedagógicos que:

[...] difundiram versões depuradas da nova pedagogia, conformadas ao dogma

católico [...] o impresso funcionou como regramento da conduta do professor através

de fórmulas e preceitos vazados em léxico escolanovista saturado de sentido religioso.

(CARVALHO, 2003, p.103).

2.4.1 Manuais escritos por Backheuser: norteadores de um escolanovismo católico

A posição católica em relação ao movimento escolanovista no Brasil foi reativa no

início, mas, passou por um processo de autorreformulação. As críticas duras feitas por

educadores ligados ao Centro Dom Vital e à Revista A Ordem foram sendo repensadas e deram

espaço para o desenvolvimento de um escolanovismo católico. Assim, na década de 1930, no

campo educacional brasileiro, surgiram discursos católicos simpáticos a alguns dos

pressupostos trazidos pelo movimento da Escola Nova. Entre os representantes desse

movimento destacaram-se dois educadores católicos, Jonathas Serrano e Everardo Backheuser.

Além de todas as estratégias elaboradas e executadas por Backheuser, tratadas no

subcapítulo 2.3, a partir de agora ajusto o foco nos manuais pedagógicos escritos por esse

professor que matizou o escolanovismo com as cores da filosofia católica. O primeiro manual

intitulado Técnica da Pedagogia Moderna (Teoria e Prática da Escola Nova) foi publicado em

1934. O segundo, Manual de Pedagogia Moderna (Teoria e Prática) foi publicado em 1942, e

surgiu como uma reformulação do primeiro.

Ambos os manuais são tomados aqui como norteadores de um escolanovismo católico

que seria uma espécie de terceira via entre o velho representado pela dita escola tradicional e o

novo representado pela modernidade trazida pela Escola Nova. A respeito do manual na sua

primeira edição, de 1934, o padre Leonel Franca afirma que:

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100

Entre estes dois extremos [tradição e modernidade] o Dr. Backheuser soube, com rara

felicidade, manter o equilíbrio ideal do justo meio: acolhimento agradecido de tudo o

que nos trazem, numa tradição respeitável, a experiência dos séculos e a colaboração

das gerações passadas; aceitação franca sincera e integral de toda contribuição

moderna que a sciencia tem posto a serviço da pedagogia. Alliança harmoniosa numa

só inteligência do vigor da mocidade com a experiência dos anos maduros. Com estes

dotes que constituem o mais precioso tesouro num mestre na arte de educar, o ilustre

presidente da Confederação Cattholica Brasileira de Educação veio acrescentar aos

seus inumeráveis merecimentos o de haver enriquecido a nossa literatura pedagógica

com um dos trabalhos mais informados, sérios e mais completo que possuímos

(FRANCA apud BACKHEUSER, 1934, p. 9).

Os capítulos seguintes trazem a descrição técnica dos manuais e, em seguida, a análise

do seu conteúdo. Algumas partes serão mais realçadas que outras no intuito de detectar nas suas

linhas, indícios da Escola Nova. Interessa compreender como o autor se apropriou de alguns

dos princípios desse ideário e como os representou nas páginas dos seus manuais.

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101

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102

3 TÉCNICA DA PEDAGOGIA MODERNA

Às famílias, aos professores, pessoas de fé a quem era

preciso traduzir a ciência da nova educação, fazia-se

necessária uma fala católica, a presença do pastor junto a

seu rebanho, a conduzi-lo com segurança por mais essa

travessia, enfim, alguém que fosse ao saber onisciente

para buscar as leis que guiariam o povo. Backheuser

dispôs-se a cumprir essa missão, tendo à sua frente um

país que, não obstante moderno, precisava permanecer

católico, e um professorado que era perigosamente

chamado a integrar as fileiras dos liberais (ERRERIAS,

2000, p. 89).

A começar, quando se atenta para o título do manual, Técnica da Pedagogia Moderna,

percebe-se que nesta obra, Pedagogia Moderna e Escola Nova são tratadas como sinônimos, o

que é um equívoco. A discussão acerca da Pedagogia Moderna, Tradicional e Nova ainda é

bastante incipiente no Brasil, com destaque para os estudos de Marta Carvalho e Gladys Teive.

Para Teive e Cunha (2015), no modelo de conhecimento defendido pela Pedagogia Moderna

ainda não havia lugar para o sujeito ativo, apenas para o ensino ativo, assim a defesa da ação,

da atividade e do interesse das crianças feita por esta Pedagogia, tinha um sentido diferente do

proclamado pela Escola Nova:

Atividade para os modernos era quase um sinônimo de exercício, de fazer coisas,

um movimento do ser para o exterior, longe, portanto, de produzir o que os

partidários da Escola Nova denominaram de subjetivação e objetivação, ou seja, a

transformação mútua do objeto e do sujeito, muito bem sintetizada no conceito de

“adaptação do organismo ao meio”. A Pedagogia Moderna e Psicologia Clássica

concebiam a inteligência como uma faculdade dada de uma vez para sempre e

suscetível de conhecer o real, bem como um sistema de associações

mecanicamente adquiridas mediante as lições de coisas. A Escola Nova e

Psicologia Experimental, por sua vez, reconheciam a existência de uma

inteligência que estaria acima das associações e lhe atribui uma atividade e não

exclusivamente a faculdade de saber (TEIVE; CUNHA, 2015, p. 372).

Carvalho (2000) fomenta a reflexão acerca do que chamou de “modelo pedagógico” e

mostra que, no período definido para a análise desta tese, houve no Brasil uma luta de

representação entre os modelos da Pedagogia Moderna e da Escola Nova. Para a historiadora,

embora ambos os modelos propusessem o ensino ativo, no campo normativo da Pedagogia

Moderna, estruturada sob o primado da visibilidade (método intuitivo) e da imitação de

modelos, a pedagogia era a arte de ensinar; por outro lado, a Escola Nova almejava sustentar a

prática docente a partir de um repertório de saberes específico e legitimado. Infere-se que, numa

conjuntura marcada pela luta do que representava o moderno como novo e o tradicional como

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103

velho, o autor acabou utilizando o adjetivo “moderno” para qualificar a Escola Nova, a qual se

contrapunha, em muitos sentidos, à chamada Pedagogia Moderna.

Este manual pedagógico é considerado um dos norteadores do escolanovismo católico

proposto por alguns educadores católicos, entre eles, Backheuser. Após a sua publicação, o

autor começou a propor uma educação fundamentada em referenciais científicos, mas, que não

fossem conflitantes com a filosofia da Igreja Católica. Cunha e Errerias (2000) afirmam que,

do ponto de vista de Backheuser, a concepção de homem deveria permanecer em consonância

com a da religião católica. No entanto, essa reflexão deveria estar em sintonia com a conjuntura

atual, marcada pelo advento da República. Naquele Brasil era preciso transitar pela ciência sem

ferir as premissas do catolicismo. Ao analisar o manual lançado em 1934 (ver Figuras 13 e 14),

pode-se perceber o interesse de Backheuser pela Escola Nova.

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104

Figura 13 - Folha de rosto de Técnica da Pedagogia Moderna (Teoria e Prática da Escola

Nova), 1ª edição, 193440

Fonte: Acervo pessoal de Maristela da Rosa (adquirido no sebo http://www.estantevirtual.com.br).

40 A capa do manual não é a original, e sim, uma capa dura. Por isso optei por trazer a folha de rosto.

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105

Figura 14 - Lombada de Técnica da Pedagogia Moderna (Teoria e Prática da Escola Nova), 1ª

edição, 1934

Fonte: Acervo pessoal de Maristela da Rosa (adquirido no sebo http://www.estantevirtual.com.br).

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106

Já no início do preâmbulo, ele explica que ao se aposentar da cátedra da Politécnica,

pôde finalmente, dedicar-se aos estudos relacionados à pedagogia primária. Afirmando que a

Escola Nova atraía a sua atenção, demonstra a sua curiosidade pelas literaturas alemã, norte-

americana e suíça sobre este assunto. Cita rapidamente as viagens41 que fez e nas quais pôde

conhecer experiências escolanovistas em diversos países onde, segundo a sua opinião, passou

o tempo suficiente para compreender a generalidade do sistema e a minúcia dos métodos:

Apossando-nos das ideias capitais da nova pedagogia, entusiasmamo-nos por elas. E

de volta ao Brasil não descansamos um só minuto em sua propaganda. Em artigos de

jornal e revistas; em conferências públicas; em “sessões de estudo” com o magistério;

em palestras diárias com professores e professoras que nos honravam com suas visitas;

de todo modo enfim, procuramos disseminar os princípios da Escola Nova

(BACKHEUSER, 1934, p. 11).

Backheuser conta que, a convite de Fernando de Azevedo (então diretor de Instrução no

Distrito Federal), organizou o Museu Central Pedagógico, além de mencionar a sua participação

na Cruzada Pedagógica pela Escola Nova, que, como já dito anteriormente, foi uma associação

de professores idealizada por ele mesmo e fundada pela professora Alcina Moreira de Souza.

No Museu Pedagógico e nas reuniões da Cruzada pela Escola Nova ensejaram-se-nos

ocasiões múltiplas não só de conhecer as necessidades de caráter pedagógico do

magistério como de recoltar muitas e úteis advertências que a prática lhe dava

(BACKHEUSER, 1934, p. 12).

Relembra que muitas das práticas dos estabelecimentos de ensino do Distrito Federal

sobre a Escola Nova tiveram início nas discussões da Cruzada. Ao mesmo tempo, demonstra

admiração pelo fato de que, em tão pouco tempo, pudessem ser notadas tantas doutrinas e

teorias sobre Escola Nova, numa grande confusão que chegara a atingir os próprios dirigentes

da Instrução Pública. Diante disso afirma que estava faltando um elemento essencial à

propaganda da Escola Nova, qual seja, sistematização42.

41 Registros sobre estas viagens seriam fontes importantíssimas que trariam indícios fundamentais para

compreender a sua apropriação da Escola Nova. Infelizmente não foram encontrados. 42 À época, Lourenço Filho já havia publicado o seu livro Introdução ao Estudo da Escola Nova (1930) também

com o objetivo de sistematizar as bases, os sistemas e as diretrizes no novo modelo pedagógico. Backheuser

chega a citá-lo em seu manual, entretanto já no preâmbulo deixa clara a necessidade de uma sistematização

mais elaborada, apesar de não fazer qualquer comparação entre seus escritos e os de Lourenço Filho. Além

destes dois autores, outros fizeram tentativas de sistematização da Escola Nova no Brasil como: Fernando de

Azevedo com Novos Caminhos e Novos Fins (1932); Jonathas Serrano com A Escola Nova (1932) e Anísio

Teixeira no seu livro intitulado Educação Progressista: uma introdução à filosofia da educação (1934).

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107

A ideia da sistematização foi concretizada em 1933, quando Backheuser, a pedido de

Alceu Amoroso Lima, ministrou um curso sobre Escola Nova no Instituto Católico de Estudos

Superiores, no Rio de Janeiro. No ano seguinte, este curso foi transformado no livro Técnica

da Pedagogia Moderna (Teoria e Prática da Escola Nova), eternizando-se desse modo, por

meio do texto impresso definido pelo seu próprio autor como sendo: “ao mesmo tempo uma

tribuna de proselitismo pela Escola Nova, um campo de polêmica sobre os inquinados

antagonismos entre a doutrina católica e a Escola Nova, e uma agência de informações variadas

de caráter prático” (BACKHEUSER, 1934, p. 13).

A crescente cientificização do campo educacional provocou a elaboração de impressos,

como os manuais pedagógicos que trazem um novo padrão de organização dos saberes. Nesse

contexto, o impresso é organizado com a pretensão de sistematizar, de forma doutrinatória, o

campo de saberes da Pedagogia, investindo-o de conhecimentos que advindos dos campos

filosófico e científico (CARVALHO, 2006). Nessa perspectiva, o esquema teórico proposto por

Chartier é interessante para pensar acerca da confecção dos manuais pedagógicos e de como

estes impressos são produzidos a partir da apropriação e representação de leituras realizadas e

experiências vividas pelos seus autores. Esse jogo de leitura/apropriação/representação é

expresso nos manuais pedagógicos escolanovistas, como o que é analisado aqui. Desde a

abertura do livro Backheuser tenta efetuar uma depuração sobre os diferentes tipos de Escola

Nova, esculpindo, a partir da sua leitura criativa de ideias de outros autores e educadores a fim

de validar, o seu próprio ideal de Escola Nova: uma educação integral calcada na filosofia

católica.

Técnica da Pedagogia Moderna, o seu primeiro manual pedagógico foi publicado em

1934, data posterior à publicação do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova e da sua saída

da ABE. Este manual é apontado como a principal referência que norteou as publicações da

RBP, responsável por irradiar as ideias e discussões desenvolvidas no âmbito da CCBE, órgão

que reunia educadores católicos empenhados em traduzir preceitos escolanovistas à luz do

catolicismo (ERRERIAS, 2000). Sobre o manual, Backheuser (1934, p. 14) diz que:

Quisemos abordar todos [os problemas teóricos e práticos da Escola Nova]; não

alardear nenhum. E abordá-los, embora fazendo-o sucintamente, em um duplo ponto

de vista: o da Escola Nova, em si, como é apresentada pelos tratadistas a-religiosos, e

o da Escola Nova em face da doutrina dos mestres acatados da pedagogia católica.

Pode-se observar que na 1ª edição do livro, o autor volta-se para a compreensão dos

pontos essenciais da Escola Nova com a intenção de esclarecer e demonstrar a aplicabilidade

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108

das orientações escolanovistas para os professores. Ele traz tanto o plano teórico acerca do

pensamento educacional escolanovista, quanto o plano prático no que diz respeito às

orientações didáticas ao professor. Nota-se a sua preocupação em, além de esclarecer os

princípios da Escola Nova ao seu público alvo - o professorado - possibilitar a sistematização

destes preceitos, ressaltando a metodologia que deveria ser empregada.

Chartier (1990) ressalta a importância das investigações sobre os “suportes do texto”,

ou seja, as disposições tipográficas, a organização das páginas, a apresentação das ilustrações e

outros tipos de recursos técnicos por meio dos quais os livros chegam aos leitores. Levando

isso em consideração avaliou-se necessário descrever, minimamente, as características

estruturais do manual em questão.

3.1 ASPECTOS ESTRUTURAIS

A 1ª edição datada de 1934 foi publicada pela Civilização Brasileira S.A. De acordo

com Narcizo (2008a) fez parte da Biblioteca Brasileira de Cultura, dirigida por Alceu Amoroso

Lima. Logo na primeira página do livro de 12cm de largura por 18cm de altura e com

encadernação do tipo brochura, o autor escreve uma dedicatória à sua mulher Alcina

Backheuser. Em seguida, apresenta o prefácio escrito pelo Padre Leonel Franca e o preâmbulo.

O sumário (ver Quadro 1) aparece no final da obra e apresenta dez capítulos43 assim intitulados:

43 Estes dez capítulos foram desenvolvidos até a página 311. A partir daí inicia-se novamente a contagem das

páginas, de 1 a 156 sob o título de "Aritmética na Escola Nova (a nova didática da aritmética)”. Esta segunda

parte não entrará na análise da tese de doutoramento, mas, como está presente na obra selecionada, considerou-

se importante citar. Datada de 1933 essa publicação traz como editora a Livraria Católica, apresenta índice e

preâmbulo do autor. Os capítulos são subdivididos da seguinte forma: A didática da aritmética à luz da

Psicologia; Variação da Psicologia infantil com a idade; Fim do período escolar primário; O ensino de

Aritmética no Brasil; Os fatores primordiais da didática da Aritmética; Conclusões (algumas sugestões

práticas/cálculo mental).

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109

Quadro 1- Sumário do Manual Técnica da Pedagogia Moderna CAPÍTULOS TEMÁTICAS Nº. DE

PÁGINAS

I

CONSIDERAÇ

ÕES GERAIS

Inconveniência da expressão “Escola Nova”

Escola Nova e Escola Tradicional

Esboço de cotejo entre as tendências fundamentais da Escola atual e as

da chamada “escola ativa”

A Escola e o Lar

Indivíduo e sociedade

20

II

PRINCÍPIOS

CARDEAIS DA

ESCOLA NOVA

Aspecto pedagógico

Há variedades de Escolas Novas?

Aspecto filosófico

Aspecto psicológico

Aspecto político

Pontos de dúvida

20

III

A ESCOLA

ÚNICA

Escola única como monopólio do ensino

Necessidade do ensino particular

Variedades de aspectos da escola única

Coeducação

Escola da democracia

Escola neutra e leiga

Escola única como escola anti-regional

Escola única como escola unitária

27

IV

A PEDAGOGIA

E AS CIÊNCIAS

CORRELATAS

Biologia

Psicologia

Psicologia estruturalista

Influência da educação na estrutura psicológica

Ética ou Moral

A Moral e a Religião

Filosofia

Os unilateralismos

Sociologia

Ciências, letras e artes

55

V

EDUCAÇÃO

INTEGRAL

Educação física

Educação manual

Educação científica

Educação artística

Educação econômica

Educação social e política

Educação moral e religiosa

31

VI

A INICIATIVA

Iniciativa do aluno

Iniciativa, interesse e atenção

Como despertar na escola o interesse da criança

Fazer perder a timidez à criança

Aproveitar as oportunidades do agrado da criança

Aguçar a curiosidade da criança

Os prêmios e o receio de castigos também despertam o interesse?

Impressão e expressão

Impressão e observação

Associações

Expressão

Oralmente

Manualmente

Moralmente

Iniciativa do professor

36

Fonte: Elaborada pela autora, 2014.

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110

Quadro 1 - Sumário do manual Técnica da Pedagogia Moderna (Conclusão) CAPÍTULOS TEMÁTICAS Nº. DE

PÁGINAS

VII

A COOPERAÇÃO

Cooperação entre pais e filhos

Cooperação entre professores e alunos

Cooperação entre escola e lar

O entendimento harmônico entre pais e professores

Deve-se processar normalmente dentro da vida da escola

Círculos de pais e professores

Acordo em torno dos princípios básicos de educação

Cooperação entre alunos

A colaboração como técnica educativa

Cooperação entre professores

A cooperação dos governos

32

VIII - EDUCAR

PARA A VIDA E

PELA VIDA

Que é educar?

O treino e a memória

A vida total

08

IX - O PAPEL DO

MESTRE NA

ESCOLA NOVA

*Não apresenta seções. O texto é corrido. 05

X

DETALHES DA

TÉNICA DA

ESCOLA NOVA

Excursões

Em que consiste uma excursão escolar?

Onde realizar as excursões?

De que modo efetuar as excursões?

Centros de interesse

Método de projetos

Alguns “planos” americanos e europeus

Platoon plan

Plano Winnetka e Plano Dalton

Plano Howard e Plano Lietz

Planos Wickersdorf e Odenwald

Plano Manheim

Dramatizações

Museus Escolares

Museu de classe e de escola

Taboleiro de areia

Concluindo

Autores mencionados

42

Fonte: Elaborada pela autora, 2014.

No capítulo I, em 20 (vinte) páginas, o autor comenta a incoerência da expressão Escola

Nova e as suas diferenças em relação à Escola Tradicional chamando a atenção para as

transformações necessárias nas escolas diante das mudanças ocorridas no meio social. Além

disso, trata dos lugares da família, da Igreja e do Estado na formação da criança.

O capítulo II versa, também em 20 (vinte) páginas, sobre os princípios cardeais da

Escola Nova nas esferas pedagógica, psicológica, filosófica e política. Em relação à esfera

pedagógica ele situa a iniciativa, a cooperação e o preparo para a vida pela vida, como

instrumentos para a educação nova. Cada um destes aspectos é abordado de forma aprofundada

em capítulos próprios. Ainda nessa parte, o autor cita a variedade de Escolas Novas existentes

e algumas dúvidas que emergem desta temática.

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111

Em 27 (vinte e sete) páginas, o capítulo III trata da escola única e apresenta a defesa do

ensino particular em oposição à ideia de monopólio estatal do ensino. O autor conceitua três

aspectos da escola única: coeducação, escola da democracia e escola neutra e laica. Baseado na

Biologia e na Psicologia o autor argumenta contra a coeducação e defende a escola da

democracia, uma escola pública e gratuita que seja acessível para todas as camadas sociais.

Como educador católico, faz a crítica à escola neutra e laica, afirmando que o Estado não é

neutro, uma vez que suas ações são decorrentes de escolhas pautadas em algum tipo de

princípio, filosofia ou ideologia. Da mesma forma a escola também não seria capaz de ser

completamente neutra. Backheuser encerra a sua exposição sobre a escola única, defendendo o

modelo da Einheitsschule alemã, constituído por um ciclo básico seguido por uma ramificação

de estudos, de acordo com o aluno, visando à universidade ou as escolas técnicas.

No capítulo IV, escreve 55 (cinquenta e cinco) páginas sobre a Pedagogia e as suas

ciências correlatas: Psicologia, Biologia, Filosofia e Sociologia. Trata também do lugar das

Ciências, das Artes e das Letras na formação e atuação do educador e aborda as relações entre

Ética, Moral e Religião. Sobre a Educação Moral e Religiosa o autor retoma a reflexão no

capítulo V a respeito da Educação Integral, onde, em 31 (trinta e uma) páginas, elege seis áreas

da educação que devem ser trabalhadas com o educando no seu cotidiano escolar: educação

física, científica, artística, econômica, social e política e, por fim, moral e religiosa.

Ressalta-se que nos capítulos VI, VII e VIII em, respectivamente 36 (trinta e seis), 32

(trinta e duas) e 8 (oito) páginas, o autor desenvolve os aspectos que classificou como “pontos

cardeais da Escola Nova”: Iniciativa, Cooperação e Educação para a Vida. O capítulo VI que

versa sobre a iniciativa, trata dos meios que podem ser empreendidos para motivar a criança e

despertar seu interesse pela escola. No capítulo VII, sobre cooperação, descreve como se pode

melhorar a articulação entre pais, alunos, professores, escola e lar. Backheuser entende que a

educação da criança é uma responsabilidade de três instituições: Igreja, família, escola. No

capítulo VIII, discorre sobre a finalidade da Escola Nova, e também da educação, defendendo

o conceito cunhado por Decroly: “a Escola Nova educa para vida e pela vida” e em sua

exposição ele critica fortemente Anísio Teixeira.

No capítulo IX, Backheuser define, em 5 (cinco) páginas, o papel do mestre na Escola

Nova. Primeiro, o autor defende a Escola Nova das críticas de que ela seria “a escola da

indisciplina” e o lugar onde a importância e autoridade do professor são apagadas em benefício

da valorização da iniciativa e da vontade da criança em aprender. Em 42 (quarenta e duas)

páginas, o capítulo X detalha a parte técnica da Escola Nova citando os centros de interesse, o

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112

taboleiro de areia, as excursões e os museus escolares. Nesse último capítulo cita rapidamente

alguns planos de educação europeus e americanos.

Para fundamentar os seus argumentos, Backheuser se apoia em autores renomados tanto

da pedagogia renovada quanto da pedagógica católica, e, fazendo críticas e se apropriando

desses autores vai justificando suas teses. O Quadro 244 mostra os autores mais citados no

manual de 1934:

Quadro 2 - Autores mais citados no manual Técnica da Pedagogia Moderna Nº. AUTORES RECORRÊNCIAS

01 De Hôvre 17

02 Decroly 15

03 Kerschensteiner 13

04 Claparède 12

05 Adler 11

06 John Dewey/Dewey 11

07 Anísio Teixeira 10

08 Freud 10

09 Dupanloup/Monsenhor Dupanloup 7

10 Kilpatrick 7

11 Jean-Jacques/ Jean-Jacques Rousseau/

Rousseau 7

12 Lourenço Filho 7

13 Pio XI/ Encíclica Divini Illius Magistri 7

14 Herbart 6

15 Pestalozzi 6

16 Yung 6

17 Delgado de Carvalho 5

18 Spalding 5

Fonte: Elaborada pela autora, 2016.

O autor mais citado, 17 (dezessete) vezes, é Franz De Hôvre, autor de livros como “Le

catholicisme, ses pédagogues, sa pédagogie”, que versa sobre o pensamento de diversos

educadores católicos europeus que foram referências para os educadores brasileiros. O Padre

Leonel Franca chegou a ser chamado de “De Hôvre brasileiro” (NARCIZO, 2008a).

Outros representantes da Pedagogia Católica foram citados 07 (sete) vezes cada: o bispo

Félix Antoine Philibert Dupanloup, teólogo, jornalista e político francês e a Encíclica Papal ou

seu autor, Pio XI. Spalding foi aludido 05 (cinco) vezes. Na maioria das vezes, Backheuser não

faz referência completa aos autores, mencionando apenas o sobrenome. Este último infere-se

tratar-se de John Lancaster Spalding, pedagogo católico norte-americano, cuja Pedagogia

44 Neste quadro compilei exatamente como Backheuser citou os autores. A tentativa foi de ser fiel a todas as

citações, entretanto, não se descarta a hipótese de uma ou outra recorrência ter escapado aos olhos. Importa

ressaltar que o quadro cumpre o objetivo de demonstrar os autores mais recorrentes na obra. Foram destacadas

as recorrências iguais ou superiores a cinco.

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113

centrava-se na educação moral - formação da consciência, do coração, do caráter e da vontade

(ROBALLO, 2007).

Dos representantes do movimento escolanovista em escala mundial, fez-se alusão a:

Johann Heinrich Pestalozzi, pedagogo suíço que tem como um de seus principais legados a

sistematização do método de ensino intuitivo e das lições de coisas e é lembrado

“psicologizado” a educação, citado 06 (seis) vezes; John Dewey, pedagogo norte-americano,

11 (onze) vezes; Jean-Ovide Decroly, médico e educador belga que defendia a ideia de que as

crianças apreendem o mundo com base em uma visão do todo, 15 (quinze) vezes; Georg Michel

Kerschensteiner, pedagogo alemão que criou a escola do trabalho, um dos métodos

desenvolvidos a partir de princípios da Escola Nova (DALLABRIDA, 2015), 13 (treze) vezes;

Édouard Claparède, cientista suíço, que inspirado na Psicologia e na Biologia, defendia a

necessidade de estudar o funcionamento da mente infantil e de estimular na criança um interesse

ativo pelo conhecimento, 12 (doze) vezes. William Heard Kilpatrick, filósofo norte-americano,

discípulo de Dewey, que cunhou o termo Método de projeto, argumentando que a aprendizagem

deve ter lugar num palco fora da escola e envolver esforços para identificar as necessidades

reais da comunidade e Jean-Jacques Rousseau foram citados 07 (sete) vezes.

Autores ligados à grande área da Psicologia também foram mencionados, como Johann

Friedrich Herbart, filósofo alemão do século XIX que inaugurou a análise sistemática da

educação e mostrou a importância da Psicologia na teorização do ensino, 06 (seis) vezes, bem

como Yung. No manual, a grafia é trazida assim “Yung”, entretanto, acredita-se tratar-se de

Carl Gustav Jung, psiquiatra e psicanalista suíço, fundador da escola analítica da Psicologia e

discípulo de Freud. Outro autor freudiano, Alfred Adner, médico e psicólogo austríaco foi

citado 11 (onze) vezes. E Sigmund Freud, 10 (dez) vezes.

Lourenço Filho foi aludido 07 (sete) vezes. Delgado de Carvalho, 05 (cinco) vezes. Esse

último nasceu em Paris, participou dos debates em torno da consolidação da ciência geográfica

no Brasil, e também forneceu elementos para mudar a prática do ensino da disciplina de

Geografia em nível secundário. Em seus livros e artigos, combateu o ensino da Geografia

puramente descritiva ou de mera nomenclatura de acidentes físicos e de topônimos, calcada na

mais pura memorização, empreendendo uma campanha metodológica em favor da Geografia

científica (PIRES, 2006). O seu manual, intitulado Sociologia Educacional, fez parte da Série

III Atualidades Pedagógicas, da Coleção Biblioteca Pedagógica Brasileira, dirigida por

Fernando de Azevedo, considerada o carro-chefe dos pioneiros na querela travada com os

católicos na constituição de um novo modelo educacional para o Brasil (TEIVE, 2015).

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114

Tanto para os representantes da psicanálise quanto para Dewey e seu principal seguidor

no Brasil, Anísio Teixeira, citado 10 (dez) vezes, Backheuser teceu críticas, as quais são

aludidas no decorrer deste capítulo.

A partir do esquema teórico charteriano, entende-se que o ato de criação inscreve-se

numa relação de dependência em face de regras, de poderes, de códigos de inteligibilidade e

que as representações sempre estão inseridas num campo de concorrências e de competições

cujos desafios se enunciam em termos de poder e dominação. Na perspectiva charteriana, a

representação das práticas sempre terá razões, códigos, finalidades e destinatários particulares.

Essa teorização fornece condições para compreender que a leitura que Backheuser fez da Escola

Nova e as produções de sentido que realizou a partir dessa leitura foram historicamente

construídas e determinadas por conflitos e interesses que tinha naquele momento. Investindo

seus interesses e o seu capital cultural ele se apropriou dos autores que julgou serem adequados

para fundamentar os seus argumentos na construção da sua representação da Escola Nova.

Portanto, este agente é tomado como um leitor que se apropriou de determinadas teses, de

autores estrategicamente selecionados para compor um novo texto, constituindo-se então, como

autor de uma nova representação instituída a partir dos seus esquemas teóricos e das suas

próprias práticas.

O empreendimento aqui realizado também consiste em um processo de apropriação e

de representação. À moda de Ginzburg (1989), para a montagem do grande quebra-cabeça que

representa o estudo proposto para esta tese, houve a minha interação (como pesquisadora) com

as fontes, cujas lentes focaram os pontos que julgaram necessários para a compreensão de como

Backheuser se apropriou dos preceitos da Escola Nova e os representou a partir da sua

inventividade calcada no arcabouço filosófico católico. Nessa direção essa tese constrói, em

última instância, uma representação ativa do grupo católico frente ao campo educacional

naquele contexto, destacando, sobretudo, a liderança do leigo Everardo Backheuser.

3.2 APROPRIAÇÕES E REPRESENTAÇÕES DA ESCOLA NOVA POR EVERARDO

BACKHEUSER

O manual analisado se insere na arena de disputa educacional vigente na primeira

metade da década de 1930, mas, além dos debates, traz também diálogos entre os católicos e

escolanovistas, a começar pelo prefácio do padre Leonel Franca, que indica elementos de tensão

e discussão sobre a educação. Backheuser fundamenta a sua argumentação a favor de uma

determinada concepção de Escola Nova fazendo referência a vários educadores, tanto

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escolanovistas quanto católicos. O autor concentra as suas críticas muito mais nas correntes

políticas e filosóficas - de modo especial às socialistas, comunistas e materialistas - do que

propriamente em autores específicos. Acerca da relação de Backheuser com educadores

escolanovistas, ressalta-se a diferença com que trata Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira45,

com o primeiro ele chegou a trabalhar e dedica elogios, ao segundo, tece algumas críticas.

Este impresso difundiu um discurso sobre a pedagogia da Escola Nova refratado pela

lente da tradição católica (DALLABRIDA, 2015), no sentido de que alguns dos enunciados

escolanovistas foram refutados enquanto outros foram ressignificados. Portanto, é relevante

compreender essa operação criativa de depuração como o processo que Carvalho (2003)

chamou de “apropriação tática”. Interpretando os enunciados escolanovistas a partir das suas

práticas inseridas em um “lugar social” (CERTEAU, 2015), Backheuser expressou, neste

manual, a sua própria representação (CHARTIER, 1990) de Escola Nova, o seu projeto

educacional.

Tal projeto tinha como base uma educação integral calcada na filosofia católica. A sua

concepção de educação significa formar também a dimensão espiritual do aluno, integrando

ciência e religião, razão e espiritualidade. É importante considerar que o pensamento católico

de Backheuser inspirou-se na filosofia de São Tomás de Aquino, e, essa referência ao tomismo

está associada à Encíclica Divini Illius Magistri de Pio XI, lente através da qual Backheuser

contemplou, se apropriou e representou a Escola Nova. Para o autor pode-se considerar a

Encíclica como “franco apoio aos princípios básicos de uma bem sucedida Escola Nova”

(BACKHEUSER, 1934, p. 46). Esse documento, cujo ponto crucial é a relação indissociável

entre educação e catolicismo, expressa os conceitos e princípios destinados a orientar a atuação

da Igreja Católica no campo da educação e, dessa forma, pode ser entendido como uma das

estratégias católicas para a disseminação do seu ideário no referido campo.

Backheuser, homem da ciência e da técnica, ao filtrar as teorias educacionais renovadas

por meio da filosofia católica sem deixar de reconhecer a necessidade de estabelecer diálogo

entre tradição e modernidade, tentou circunscrever a pedagogia contemporânea ao catolicismo,

e, defendeu a tese de que muitos dos pressupostos que embasavam as novas teorias educacionais

já estavam presentes na filosofia católica:

A educação integral é a finalidade mesma da Escola Nova como já o fora antes da

pedagogia tomista. Apenas na prática esteve interrompida a realização dessa

finalidade enquanto durou o brilho fugaz do cientismo espenceriano. Dizemo-lo na

45 Seria interessante uma investigação profunda acerca da rede de sociabilidade de Backheuser, identificando, por

exemplo, se após a sua conversão, foi mantida a afinidade com Fernando de Azevedo (militante pela laicidade

do ensino).

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116

prática, porque mesmo na teoria, ao escreverem sobre os escopos da educação, jamais

deixaram os partidários da psicologia científica de considerar o integralismo da

educação (BACKHEUSER, 1934, p. 42) (grifo do autor).

Errerias (2000, p. 38) refere-se ao manual de 1934 como uma sistematização que se

propôs “a separar o joio do trigo para que a Escola Nova continue a ser católica e para que a

escola católica possa ser nova”. Assim, o autor do manual circunscreveu alguns conceitos da

Escola Nova ao catolicismo e demonstrou que era legítimo ao professorado católico ser

escolanovista, porque “a parte boa” do escolanovismo emanava do catolicismo. Estabelecido

esse diálogo, a Igreja teria competência científica para continuar legislando sobre os fins da

educação.

Este capítulo examinará o conteúdo do manual, com os objetivos de demonstrar como

ele reuniu e sintetizou os saberes pedagógicos e compreender como o seu autor se apropriou

dos escritos sobre Escola Nova e representou este ideário. Quando possível, será realizado o

entrecruzamento entre as seguintes fontes documentais: o manual escrito em 1934, o Manifesto

de 1932, o livro de Lourenço Filho publicado em 1930 (aqui é utilizada a 14ª edição de 2002)

e a Encíclica publicada em 1929.

3.2.1 Incoerência da expressão “Escola Nova”

Backheuser abre o capítulo I do manual fazendo uma reflexão acerca da incoerência da

expressão “Escola Nova”. Para o autor essa expressão é ambígua e vaga e, portanto, pode ser

alvo de inúmeras interpretações, diferentes, antagônicas e até confusas. Nesse momento ele cita

Lourenço Filho e Jônatas Serrano como educadores que compartilham dessa preocupação. No

seu livro, Lourenço Filho (2002, p. 58), demonstra mesmo essa preocupação, afirmando que a

Escola Nova “não se refere a um só tipo de escola, ou sistema didático determinado, mas a todo

um conjunto de princípios tendentes a rever as formas tradicionais de ensino”. Para Backheuser

esse vocábulo equivale à “escola renovada” ou à “escola renovadora”, e o considera

inconveniente quando:

Destinado a um corpo de doutrina que se deseja instalar por muito tempo nos campos

educacionais, mas que, mesmo duradouro, não será eterno. Outro virá. E como se

designará então, no futuro, na história, essa Reforma que agora agita tão visceralmente

os estudiosos da pedagogia? Quererão para ela a triste sorte de certas “escolas

literárias” também pomposamente cognominadas de novas e diluídas no olvido do

tempo, sem terem sequer um nome de batismo? Com toda a repugnância que nos causa

o emprego de expressão dessa natureza, conservá-la-emos, todavia, porque está

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117

consagrada pelo uso. Não só pelo uso. Pelo abuso que dela se faz, com ou sem

oportunidade (BACKHEUSER, 1934, p. 18) (grifo do autor).

Ao pensar para além do adjetivo “nova” Backheuser analisa o substantivo “escola” para

o qual, em sua opinião, eram designadas coisas muito diversas. Afirma que escola não se refere

apenas à arquitetura, mas, ao conjunto de alunos que a compõem; é ainda uma doutrina, um

sistema. Nesse sentido, pondera que se deveria ter cuidado ao tomar a escola apenas no sentido

material acreditando que para executar a pedagogia nova deve-se ter uma arquitetura especial

e adequada aos objetivos traçados. Entre os próprios precursores do movimento escolanovista

Backheuser cita algumas confusões:

Assim para alguns dos seus partidários será Escola Nova tudo quanto tenha ares de

“novidade” recém-introduzida ou querendo se introduzir na psicologia, na pedagogia,

na metodologia, na didática: os testes, o trabalho manual, o taboleiro de areia, a

educação sexual; enquanto que para outros “praticar a Escola Nova” nada mais é do

que “desenvolver” (?) um “centro de interesse” (BACKHEUSER, 1934, p. 19) (grifo

do autor).

E o autor continua citando as mais variadas inconveniências decorrentes do uso e abuso

da expressão “Escola Nova”: como sinônimo de liberdade absoluta para a criança; arrumação

das carteiras em círculo; ênfase na arquitetura com várias salas especiais; como sinônimo de

escola ativa ou ainda, de escola única. Diante do que chama de “confusão”, ele afirma que, se

tivesse que adotar um novo termo para o movimento, escolheria a expressão “escola integral”.

E justifica a sua escolha afirmando que o escopo principal da “Escola Nova” é ofertar ao aluno

uma educação totalitária e não apenas a instrução científica característica da “pedagogia

antiga”. Sempre na tentativa de didatizar o tema em voga, o autor faz um cotejo entre a Escola

Nova e a Escola Tradicional.

3.2.2 Escola Nova X Escola Tradicional

De acordo com Backheuser o antagonismo entre a pedagogia nova e a pedagogia antiga

não se traduz somente aos adjetivos (nova/tradicional) que qualificam o substantivo (escola).

Para o autor essa diferença é indicada pela transformação de um “estabelecimento de ensino”

em um “instituto de educação”. Para pontuar as diferenças entre ambas as pedagogias, faz uso

de um quadro apresentado por Francisco Vianna numa Conferência, realizada na ABE em 1929,

intitulada “As modernas diretrizes do ensino primário”.

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118

O quadro foi reproduzido pelo autor e pode ser visualizado abaixo nas Figuras 14 a 19.

Percebe-se que, acompanhando o uso da época, o autor do quadro utiliza a expressão “escola

ativa”.

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Figura 15 - Cotejo: Escola Atual X Escola Ativa (Continua)

Fonte: Backheuser, 1934.

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Figura 16 - Cotejo: Escola Atual X Escola Ativa (Continuação)

Fonte: Backheuser, 1934.

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Figura 17 - Cotejo: Escola Atual X Escola Ativa (Continuação)

Fonte: Backheuser, 1934.

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Figura 18 - Cotejo: Escola Atual X Escola Ativa (Continuação)

Fonte: Backheuser, 1934.

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Figura 19 - Cotejo: Escola Atual X Escola Ativa (Continuação)

Fonte: Backheuser, 1934.

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Figura 20 - Cotejo: Escola Atual X Escola Ativa (Conclusão)

Fonte: Backheuser, 1934.

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125

Segundo o autor do manual, Vianna traz vários dos pontos divergentes entre escola

tradicional e ativa (ou nova). Dentre as diferenças apresentadas no quadro acima, destaca a

seguinte: a Escola Nova é essencialmente educativa e a escola tradicional é predominantemente

instrutiva. No entanto, ele afirma que se deve relativizar afirmando que a escola antiga não era

apenas instrutiva e que a Escola Nova não deve descuidar da instrução. Para ele, não deve haver

antagonismo entre educar e instruir.

Ainda refletindo sobre as diferenças entre pedagogia nova e tradicional, o autor realça

as questões: escola e lar; indivíduo e sociedade. Na pedagogia antiga, cada instituição tinha a

sua própria função: a escola ensinava e a família educava. Com os avanços da modernidade,

inserção da mulher no mercado de trabalho e daí novos arranjos familiares, a escola assume

outro papel na vida social moderna. Então, para ele, a família e a Igreja devem continuar com

os mesmos deveres educativos. No entanto, “a escola acresceu aos seus encargos

tradicionalmente de fisionomia instrutiva, uns tantos outros mais caracteristicamente

educacionais” (BACKHEUSER, 1934, p. 34). Nesse momento é possível perceber que o autor

defende a cooperação entre escola e lar (detalhes mais adiante). A escola além de ofertar a

instrução, vai educar e formar cidadãos preocupados não exclusivamente com os seus

interesses, mas, comprometidos com a sociedade.

Embora não seja citado por Backheuser, percebe-se que no Manifesto também aparece

uma comparação geral entre a pedagogia nova e a pedagogia tradicional:

A nova doutrina, que não considera a função educacional como uma função de

superposição ou de acréscimo, segundo a qual o educando é “modelado

exteriormente” (escola tradicional), mas uma função complexa de ações e reações em

que o espírito cresce de “dentro para fora”, substitui o mecanismo pela vida (atividade

funcional) e transfere para a criança e para o respeito de sua personalidade o eixo da

escola e o centro de gravidade do problema da educação (AZEVEDO, 2010, p. 49).

Além disso, o documento se refere à nova concepção de escola como uma reação contra

as tendências tão somente passivas, verbalistas e intelectualistas da dita escola tradicional. Na

base de todos os trabalhos na Escola Nova está a atividade, pois se está propondo uma educação

funcional ou ativa.

Lourenço Filho (2002) também não é aludido pelo autor do manual, mas em sua obra se

manifesta em relação às diferenças entre a Escola Nova (ativa) e a escola tradicional. Para ele,

enquanto esta se caracteriza por uma atitude de receptividade ou absoluta passividade por parte

dos alunos diante do professor que detém o conhecimento, aquela, ao contrário:

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126

Concebe a aprendizagem como um processo individual, segundo condições

personalíssimas de cada discípulo. Os alunos são levados a aprender observando,

pesquisando, perguntando, trabalhando, construindo, pensando e resolvendo situações

problemáticas que lhes sejam apresentadas, quer em relação a um ambiente de coisas,

de objetos e ações práticas, quer em situações de sentido social e moral, reais ou

simbólicas. [...] Desse modo, o ensino ativo transfere o mestre do centro de cena para

nele colocar o educando, visto que é este que importa em sua formação e ajustamento,

ou na expansão e desenvolvimento de sua personalidade (LOURENÇO FILHO, 2002,

p. 233).

Continuando o cotejo entre a Escola Nova e a tradicional, Backheuser se dedica a refletir

sobre os princípios cardeais da nova pedagogia.

3.2.3 Princípios cardeais da Escola Nova

Ainda com o escopo de confrontar os dois modelos pedagógicos, Backheuser traz o que

considera como as características essenciais ou princípios cardeais da Escola Nova,

apresentados como “aspectos”: pedagógico, filosófico, psicológico e político.

Para ele, a Escola Nova seria a executora de uma Educação Integral que teria como

instrumentos a iniciativa, a cooperação e o preparo para a vida pela vida, conforme a ilustração

abaixo (Figura 21). A ilustração, unida à afirmação a seguir, expressa a sua representação de

Escola Nova: “Num ponto ao menos há perfeito e completo acordo entre todos os adeptos da

Escola Nova: cumpre que a escola dê educação integral” (BACKHEUSER, 1934, p. 38, grifos

do autor). A partir da sua clave, acrescenta à educação integral, a preocupação com a educação

religiosa.

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127

Figura 21 - A Escola Nova “em triângulo”

Fonte: Backheuser, 1934.

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Levando em consideração o aspecto pedagógico, para ele qualquer educação então que

não seja integral ou que mesmo sendo não utilize esses três instrumentos não poderá ser

classificada como Escola Nova. E não basta cumprir apenas um deles, nem dois. Estes três

caminhos são os princípios cardeais da Escola Nova. Por isso esquematiza a sua representação

em um triângulo, “de cujos lados partem as forças das quais nasce a educação integral, escopo

central dos novos métodos pedagógicos” (BACKHEUSER, 1934, p. 40).

Acerca do aspecto filosófico, afirma que a Pedagogia deve caminhar em função da

Filosofia. Porque “esta, é um instrumento; aquela, o artífice que maneja a ferramenta. Má ou

boa será a execução, conforme a filosofia que adotar o pedagogo” (BACKHEUSER, 1934, p.

44). Descarta os vieses teórico-filosóficos socialistas e comunistas - entre os teóricos cita

Dewey - e individualistas - destaca Rousseau e Spencer, defendendo que somente a filosofia

católica proporciona o equilíbrio necessário. Na sua opinião, a perspectiva socialista e

comunista enfatiza de forma demasiada a cooperação e o desenvolvimento do instinto social do

aluno diminuindo e até aniquilando a sua personalidade. Enquanto que os individualistas

hipertrofiam a personalidade infantil e os seus sentimentos, esquecendo-se de cultivar a

solidariedade social:

Entre o exagero individualista e o exagero socialista - o ponderado meio termo

católico. O princípio cristão de “ama ao próximo como a ti mesmo” é de um

clarividente bom senso, só não apreciado por aqueles que não meditam a profundidade

do conceito. “Ama ao teu próximo”, sê solidário com ele, coopera com ele, mas não

esqueças “a ti próprio”, porque o teu aperfeiçoamento moral deve ser o primeiro

cuidado da tua vida (BACKHEUSER, 1934, p. 45).

Desse modo, postula que o pedagogo deve dosar a Escola Nova de forma equilibrada,

calcando-a na filosofia católica. A pedagogia nova deve pregar a vida em cooperação ativa, não

ser só ativo e nem só ajudar aos outros, a cooperação deve ser ativa e a atividade deve ser

realizada em cooperação.

Para pensar a influência da Psicologia na Pedagogia o autor se refere ao que chamou de

tipos psicológicos: auditivos, visuais e motores. Na sua concepção o exame destes tipos na

Escola Nova, e na antiga, serve para pinçar mais algumas diferenças entre esses dois modelos

pedagógicos. O excerto a seguir apresenta indícios da atenção que ele dispensa à Psicologia

quando pensa a Pedagogia: “O progresso da pedagogia é função do progresso da psicologia,

tanto é verdade que a psicologia é uma das pedras fundamentais da pedagogia”

(BACKHEUSER, 1934, p. 46).

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Para Backheuser, na escola antiga, o ensino era quase que completamente oral, pois os

pedagogos acreditavam sobremaneira nos meios auditivos. Os mestres ensinavam falando, os

alunos aprendiam ouvindo e demonstravam a aprendizagem também falando. Assim, a

memória auditiva predominava no processo pedagógico, inclusive o meio de verificação de

aprendizagem mais usado eram as sabatinas, nesse contexto “aprender de cor” era a

consequência esperada.

Com os estudos de Herbart os processos de observação foram popularizados e o tipo

visual ganhou evidência. No entanto, para o autor do manual não se pode centralizar apenas nos

tipos auditivo e visual, é preciso investir nos tipos motores porque utilizam o movimento e o

tato para a percepção dos conhecimentos. No seu entendimento, Kerschensteiner e outros

estudiosos valorizaram o trabalho, a atividade que preencheu a lacuna deixada pela ênfase nos

tipos psicológicos auditivos e visuais. O escolanovismo católico do manual propõe o equilíbrio

entre os diversos sentidos, sem enfatizar demasiadamente um ou outro:

O ensino feito racionalmente sobre base psicológica terá, pois, de considerar: 1) que

todo indivíduo embora adquira noções pelo três caminhos sensoriais mais importantes

- tato, vista e ouvido -, tem um deles acentuado; 2) que todas as classes escolares são

compostas de indivíduos pertencentes a vários desses tipos psicológicos; 3) que as

criaturas são, a princípio, predominantemente motoras (primeiro período primário),

depois visuais, e afinal auditivas, embora haja casos em que a qualidade essencial

conserva-se sempre como a dominante em todas as idades; 4) que o ensino não pode

ser feito exclusivamente de modo motor, ou visual, ou auditivo mas

concomitantemente atendendo às três pressões psicológicas (BACKHEUSER, 1934,

p. 48).

Por fim, em relação ao aspecto político, ele adverte que a Escola Nova foi entendida sob

os mais diversos prismas. Para alguns adeptos do escolanovismo, a educação nova é

essencialmente nacionalista, uma vez que deve formar o cidadão, com amor à Pátria e

consciência dos seus deveres cívicos. Para outros, sobretudo os russos, a escola é internacional.

Há ainda os estudiosos para quem a Escola Nova é a escola do trabalho. Dentre esses, alguns

supervalorizam o trabalho, vendo neste o caminho político de ascendência das classes

trabalhadoras; outros vêem no trabalho o caráter econômico e político, mas não consideram o

mais alto propósito da Escola Nova, que teria como finalidade principal o ensino da moral,

como pensam os escolanovistas católicos.

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3.2.4 A escola única

Para Backheuser, a escola única vinha recebendo várias acepções e, em torno dessa

expressão, fomentavam-se os debates e também algumas confusões. Alguns compreendiam a

escola única como escola oficial obrigatória. De acordo com essa linha de pensamento, o

Estado manteria o monopólio do ensino, investindo contra o ensino particular. Nessa escola,

não deveria haver distinção de religião, sexo, posição política ou de classes sociais.

Outros a entendiam como escola antirregional. E há os que considerassem a escola

única como escola unitária, que buscaria a unificação entre os diversos graus de ensino. Para o

autor, o ensino primário brasileiro não atendia a nenhum desses três aspectos. Em relação à

escola única como monopólio do Estado, diz:

Que o Estado deve dar ensino primário gratuito e obrigatório é doutrina pacífica em

filosofia pedagógica. Isto não quer dizer, porém, que se deva conceder ao Estado o

monopólio desse ensino. São coisas que não se podem confundir, pois o dever que o

Estado pede ao cidadão é o de se instruir (ensino obrigatório) e o direito que lhe deve

conceder, é o de adquiri-lo onde melhor lhe pareça, isto é, permitir o ensino particular

ao lado de ensino oficial (BACKHEUSER, 1934, p. 60) (grifo do autor).

No entanto, afirma que nem todos compartilhavam dessa posição. Para alguns somente

o poder público poderia ministrar o ensino argumentando que se não houvesse uma escola

única, oficial e obrigatória, as diferenças de classes seriam agravadas porque os desfavorecidos

iriam para a escola pública e gratuita enquanto os favorecidos frequentariam escolas

particulares. Neste grupo - que confere ao Estado oniciência e infalibilidade - Backheuser situou

comunistas e socialistas. Para outros ainda, não deveria haver monopólio total do Estado,

permitindo o funcionamento de escolas particulares ao lado das escolas públicas, desde que

obedecessem aos programas e métodos de ensino dentro do padrão oficial fixado pelo Estado.

Backheuser é um defensor ferrenho do ensino particular. Para argumentar a favor dessa

opção, cita o movimento escolanovista, de iniciativa privada. O autor lembra que Pestallozzi, a

quem chama de “precursor da Escola Nova”, atuou em estabelecimentos particulares. Cita

também as escolas inglesas, estadunidenses, alemãs e francesas, entre outras, que aderiram ao

modelo escolanovista, todas particulares. E conclui que, tendo sido feita pela iniciativa privada,

a Escola Nova deve defender a sua fonte de origem: “Os monopolistas do Estado não têm direito

de agora, na hora da vitória, virem a campo para, locupletando-se com o butin recolhido pela

iniciativa privada, manietá-la, entorpecê-la, absorvê-la, proibi-la” (BACKHEUSER, 1934, p.

63).

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Defende o ensino particular como uma necessidade, para ele “o colégio particular é

instrumento de salvação pública” (BACKHEUSER, 1934, p. 66). Essa afirmação se deve ao

fato de que as verbas disponibilizadas para a educação pública nem sempre são suficientes.

Nesse sentido, a escola particular seria necessária para dar conta do público discente. Cita um

fragmento46 do Manifesto e o qualifica como o melhor depoimento contra o monopólio do

Estado no Brasil:

Afastada a idéia do monopólio da educação pelo Estado num país, em que o Estado,

pela sua situação financeira não está ainda em condições de assumir a sua

responsabilidade exclusiva, e em que, portanto, se torna necessário estimular, sob sua

vigilância as instituições privadas idôneas, a “escola única” se entenderá, entre nós,

não como “uma conscrição precoce”, arrolando, da escola infantil à universidade,

todos os brasileiros, e submetendo-os durante o maior tempo possível a uma formação

idêntica, para ramificações posteriores em vista de destinos diversos, mas antes como

a escola oficial, única, em que todas as crianças, de 7 a 15, todas ao menos que, nessa

idade, sejam confiadas pelos pais à escola pública, tenham uma educação comum,

igual para todos (AZEVEDO, 2010, p. 44).

Na sua perspectiva, o Estado deve se limitar a fixar os objetivos do ensino nos

respectivos graus e, quando muito, definir, em linhas gerais, a grade das disciplinas e os limites

sobre os quais será dada a instrução física, intelectual e espiritual. Sobre a questão do monopólio

estatal do ensino, Backheuser (1934, p. 68) conclui que “politicamente para todas as nações,

política e financeiramente para o Brasil, está, assim, condenada a escola oficial obrigatória”.

Em relação ao papel Estado em face da Educação e à escola única, o Manifesto

proclama:

Assentado o princípio do direito biológico de cada indivíduo à sua educação integral,

cabe evidentemente ao Estado a organização dos meios de o tornar efetivo, por um

plano geral de educação, de estrutura orgânica, que torne a escola acessível, em todos

os seus graus, aos cidadãos a quem a estrutura social do país mantém em condições

de inferioridade econômica para obter o máximo de desenvolvimento de acordo com

as suas aptidões vitais. Chega-se, por esta forma, ao princípio da escola para todos,

“escola comum ou única”, que, tomado a rigor, só não ficará na contingência de sofrer

quaisquer restrições, em países em que as reformas pedagógicas estão intimamente

ligadas com a reconstrução fundamental das relações sociais (AZEVEDO, 2010, p.

44).

Ainda que não seja diretamente aludida por Backheuser, é importante trazer como se

pronuncia a Encíclica (1929, p. 22):

E não pode admitir-se para os católicos a escola mista (pior se única e obrigatória para

todos), na qual, dando-se-lhes em separado a instrução religiosa, eles recebem o resto

do ensino em comum com os alunos não católicos de professores acatólicos. Pois que

uma escola não se torna conforme aos direitos da Igreja e da família cristã e digna da

freqüência dos alunos católicos, pelo simples fato de que nela se ministra a instrução

religiosa, e muitas vezes com bastante parcimônia.

46 Aqui trazido na íntegra porque expressa também o entendimento dos pioneiros acerca da “escola única”.

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O autor do manual chama a atenção para o que denominou “aspectos da escola única”,

problemas que precisam ser debatidos. E acrescenta que o adjetivo (única) que qualifica o

substantivo (escola) se justifica pelo fato de que propõe os seguintes aspectos: a coeducação, o

caráter democrático, a neutralidade e a laicidade.

Coeducação

Enquanto o Manifesto afirma que:

A escola unificada não permite ainda, entre alunos de um e outro sexo outras

separações que não sejam as que aconselham as suas aptidões psicológicas e

profissionais, estabelecendo em todas as instituições “a educação em comum” ou

coeducação, que, pondo-os no mesmo pé de igualdade e envolvendo todo o processo

educacional, torna mais econômica a organização da obra escolar e mais fácil a sua

graduação (AZEVEDO, 2010, p. 45).

Na perspectiva de Backheuser, a coeducação é um princípio contrário à própria ciência,

haja vista que a Psicologia moderna adverte sobre o desigual desenvolvimento físico e

intelectual dos dois sexos. Para o autor, se as finalidades da vida são diferentes para cada um

dos sexos, também a forma de educar o deve ser. Ele acredita que aos 08 anos, há uma quase

coincidência no crescimento das crianças de ambos os sexos, então não há inconvenientes na

coeducação; entretanto, dos 09 aos 15 anos, as meninas desenvolvem-se mais; depois dos 15

são os meninos que se desenvolvem mais. Por essa razão a educação deve ser diferenciada.

Ademais, na sua compreensão, o que acontece com meninos e meninas anatômica e

fisiologicamente, se reproduz psicologicamente: aos 12 anos, uma menina é superior

mentalmente ao menino. Aos 18 anos, há a supremacia intelectual masculina.

Desta lei psicológica decorre a impossibilidade de haver jamais uma classe,

mentalmente uniforme, nos estabelecimentos de educação mixta onde haja meninos e

meninas entre 9 e 15. Esta idade corresponde mais ou menos à dos alunos dos nossos

ginásios. Em todos os colégios secundários e nas escolas normais, notar-se-á sempre

que as meninas têm, em média, melhor aproveitamento que os rapazes, alcançando

melhores notas, principalmente nos 3 ou 4 primeiros anos, isto é, quando tiverem entre

11 e 14 anos de idade. A partir daí, ou seja, nos últimos anos de cursos ginasiais e

normais, ou nos cursos superiores, invertem-se os termos da proporção; a indiscutível

superioridade será dos rapazes (BACKHEUSER, 1934, p. 71).

Para ilustrar a sua afirmação apresenta o quadro de observações do pedagogo prussiano

Matthias representado pela Figura 22 abaixo:

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Figura 22 - Curvas do desenvolvimento de meninas e menino

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Fonte: Backheuser, 1934.

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E explica que não quer com isso concluir que haja uma superioridade intrínseca do

homem sobre a mulher ou vice-versa. Acredita que haja uma falta de sintonia entre os sexos em

determinados períodos da vida, justamente porque são seres psicologicamente diferentes. Para

o autor a coeducação acaba por tirar de homens e de mulheres as qualidades que lhes são

próprias:

Para criar um ser mixto, sem nenhuma das boas características de cada um, fazendo

homens efeminados, e mulheres másculas: aleijões intelectuais, morais e psicológicos.

[...] os homens devem ser educados para serem homens, e as mulheres para serem

mulheres. [...] A coeducação não pode ser, pois, uma exigência da Escola Nova, como

dizem alguns partidários exaltados da escola única, confundindo coisas que nada tem

a ver entre si (BACKHEUSER, 1934, p. 73) (grifo do autor).

Embora não cite o documento que norteia o seu pensamento, é importante atentar para

a forma com que Encíclica (1929, p. 19) traz a questão da coeducação:

de modo semelhante [antes tratava da educação sexual], errôneo e pernicioso à

educação cristã é o chamado método da «co-educação», baseado também para muitos

no naturalismo negador do pecado original, e ainda para todos os defensores deste

método, sobre uma deplorável confusão de ideias que confunde a legítima

convivência humana com a promiscuidade e igualdade niveladora. O Criador ordenou

e dispôs a convivência perfeita dos dois sexos somente na unidade do matrimônio e

gradualmente distinta na família e na sociedade. Além disso não há na própria

natureza, que os faz diversos no organismo, nas inclinações e nas aptidões, nenhum

argumento donde se deduza que possa ou deva haver promiscuidade, e muito menos

igualdade na formação dos dois sexos. Estes, segundo os admiráveis desígnios do

Criador, são destinados a completar-se mutuamente na família e na sociedade,

precisamente pela sua diversidade, a qual, portanto, deve ser mantida e favorecida na

formação educativa, com a necessária distinção e correspondente separação,

proporcionada às diversas idades e circunstâncias. Apliquem-se estes princípios no

tempo e lugar oportunos, segundo as normas da prudência cristã, em todas as escolas,

nomeadamente no período mais delicado e decisivo da formação, qual é o da

adolescência; e nos exercícios ginásticos e desportivos, com particular preferência à

modéstia cristã na juventude feminina, à qual fica muito mal toda a exibição e

publicidade.

Escola democrática

Enquanto o Manifesto defende a gratuidade para todos:

A gratuidade extensiva a todas as instituições oficiais de educação é um princípio

igualitário que torna a educação, em qualquer de seus graus, acessível não a uma

minoria, por um privilégio econômico, mas a todos os cidadãos que tenham vontade

e estejam em condições de recebê-la. Aliás o Estado não pode tornar o ensino

obrigatório, sem torná-lo gratuito (AZEVEDO, 2010, p. 45).

Para Backheuser este não é um princípio cardeal intrínseco à Escola Nova, porque o

mesmo muda de acordo com o país onde se encontra o estabelecimento de ensino. O princípio

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da escola democrática é receber e atender crianças de todas as classes sociais, origens e credos,

entretanto, está diretamente ligado à política adotada pelo país. Então, se a política for

democrática, tanto o Estado como os cidadãos têm deveres recíprocos: a gratuidade do ensino

é dever do Estado e a obrigatoriedade da aprendizagem é dever do cidadão. Backheuser

considera ainda que a escola pública deve ser aberta, boa e adequada para todos que a

procurarem. Este deveria ser o seu ideal. Se todos pagam os impostos, a escola é direito de

todos. Mas se a escola pública ao invés de oficial fosse aberta e direcionada apenas aos pobres,

cairia no caráter antidemocrático.

Neutralidade e laicidade

Backheuser não acredita na possibilidade de uma escola neutra. Em nenhuma das suas

faces, seja política, filosófica, religiosa e nem mesmo na científica. Sempre existirá, sob a sua

ótica, a impossibilidade da neutralidade real, tanto na escola tradicional, como na Escola Nova.

Importa concentrar a interpretação do autor acerca da neutralidade da escola na face religiosa:

É impossível dar ensino sem uma certa orientação religiosa. Explícita ou implícita há

sempre essa orientação. Qualquer noção ministrada nas escolas, seja científica,

artística, econômica ou moral, pode ser feita supondo a existência de Deus ou negando

essa existência. Todos os conhecimentos humanos são, em uma palavra, guiados por

uma concepção espiritualista ou por uma concepção materialista do universo. A escola

agnóstica, a escola sem o conhecimento de Deus, é uma utopia, é uma maneira

capciosa de apresentar o problema, porque desconhecer Deus é negá-lo. A escola

agnóstica é uma escola religiosamente partidária (BACKHEUSER, 1934, p. 78).

A sua posição está afinada com o que traz a Encíclica (1929, p. 23):

Para este efeito é indispensável que todo o ensino e toda a organização da escola:

mestres, programas, livros, em todas as disciplinas, sejam regidos pelo espírito cristão,

sob a direção e vigilância maternal da Igreja católica, de modo que a Religião seja

verdadeiramente fundamento e coroa de toda a instrução, em todos os graus, não só

elementar, mas também média e superior.[...] Nem se diga ser impossível ao Estado,

numa nação dividida em várias crenças, prover à instrução pública por outro modo

que não seja a escola neutra ou a escola mista, devendo o Estado mais razoavelmente,

e podendo também mais facilmente, prover, deixando livre e favorecendo até com

subsídios a iniciativa e obra da Igreja e das famílias.

Backheuser defende o Ensino Religioso nos currículos escolares, ou seja, se posiciona

contra a laicidade da escola, a qual, no seu entendimento, constitui-se uma questão política. E,

foi uma das mais discutidas no período da existência da CCBE. O governo cedeu e facilitou a

entrada do Ensino Religioso na escola pública almejando receber o apoio político-ideológico

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da Igreja. Esta, por sua vez, elegeu, mediante o trabalho da LEC, muitos membros para a

Assembleia Nacional Constituinte de 1934 e conseguiu ter voz. Ele conclui que “não se pode

dizer que a Escola Nova é a escola neutral e laica, pois que então não existiria Escola Nova, de

vez que é impossível haver escola neutral” (BACKHEUSER, 1934, p. 83).

Em relação à esta questão, o Manifesto defende que, adotando esse princípio o ambiente

escolar se eleva acima de crenças e disputas religiosas e fica alheio a todo e qualquer

dogmatismo sectário, respeitando a integridade da personalidade em formação do educando e

subtraindo-o “da pressão perturbadora da escola quando utilizada como instrumento de

propaganda de seitas e doutrinas” (AZEVEDO, 2010, p. 45). Enquanto a Encíclica (1929)

defende que a escola neutra ou laica, por excluir a religião, se contrapõe aos princípios

fundantes da educação. Então, uma escola desse tipo é impossível porque é irreligiosa.

Para tratar a questão da escola única como escola antirregional, Backheuser é sucinto.

Para o autor, os que defendem a escola única como escola antirregional anseiam por um sistema

de ensino centralizado, sob a responsabilidade do governo federal. O seu “escolanovismo

católico” almeja a existência de sistemas escolares, que funcionem de acordo com as condições

locais, respeitando as particularidades de cada região. Desse modo, para ele, se a Escola Nova

quer ser a “escola da vida pela vida para a vida”, deve atentar para as condições locais, ciente

de que os interesses locais devem condicionar o ambiente escolar. Sendo o nosso país tão vasto,

as diferentes realidades merecem tratamentos diferenciados.

Sobre a descentralização, o Manifesto afirma que:

A organização da educação brasileira unitária sobre a base e os princípios do Estado,

no espírito da verdadeira comunidade popular e no cuidado da unidade nacional, não

implica um centralismo estéril e odioso, ao qual se opõem as condições geográficas

do país e a necessidade de adaptação crescente da escola aos interesses e às exigências

regionais. Unidade não significa uniformidade. A unidade pressupõe multiplicidade.

Por menos que pareça, à primeira vista, não é, pois, na centralização, mas na aplicação

da doutrina federativa e descentralizadora, que teremos de buscar o meio de levar a

cabo, em toda a República, uma obra metódica e coordenada, de acordo com um plano

comum, de completa eficiência, tanto em intensidade como em extensão. À União, na

capital, e aos estados, nos seus respectivos territórios, é que deve competir a educação

em todos os graus, dentro dos princípios gerais fixados na nova constituição, que deve

conter, com a definição de atribuições e deveres, os fundamentos da educação

nacional. Ao governo central, pelo Ministério da Educação, caberá vigiar sobre a

obediência a esses princípios, fazendo executar as orientações e os rumos gerais da

função educacional, estabelecidos na carta constitucional e em leis ordinárias,

socorrendo onde haja deficiência de meios, facilitando o intercâmbio pedagógico e

cultural dos Estados e intensificando por todas as formas as suas relações espirituais.

A unidade educativa, - essa obra imensa que a União terá de realizar sob pena de

perecer como nacionalidade, se manifestará então como uma força viva, um espírito

comum, um estado de ânimo nacional, nesse regime livre de intercâmbio,

solidariedade e cooperação que, levando os Estados a evitar todo desperdício nas suas

despesas escolares afim de produzir os maiores resultados com as menores despesas,

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abrirá margem a uma sucessão ininterrupta de esforços fecundos em criações e

iniciativas (AZEVEDO, 2010, p. 47).

Backheuser conclui este capítulo do manual tratando da escola única como escola

unitária. Para ele a escola única, compreendida como escola unitária, é a escola unificada ou a

escola em unidade, isto é, em que o aluno entra quando criança e segue até a universidade, sem

interrupções na sua vida escolar. Sob a sua ótica, no Brasil não existia essa continuidade: o

ginásio não era continuação do primário, que também não foi a continuação do jardim de

infância, e para se chegar ao secundário era preciso passar por um exame de admissão. Para o

ingresso no ensino superior, era preciso, como ainda hoje, passar pelo vestibular, “aqui os

compartimentos primário, secundário, profissional, técnico e superior são estanques. Não se

passa naturalmente de um para o outro” (BACKHEUSER, 1934, p. 84) (grifo do autor).

O princípio defendido pelo escolanovismo católico de Backheuser é o da Einheitsschule,

ou seja, da escola em unidade, unificada, conforme o significado da palavra alemã. Na

Einheitsschule há o jardim de infância seguido pelo 1º degrau de ensino básico, geral,

fundamental de 3, 4 ou 5 anos. A partir daí começam as ramificações de acordo com os cursos

aos que os alunos se destinam. Se o aluno vai para as carreiras liberais é levado aos ginásios,

mas, se preferir o ensino profissional será direcionado aos cursos prevocacionais. O primeiro

encaminha à universidade e o segundo aos cursos técnicos e às faculdades operárias. Em cada

país essa organização varia, mas, as linhas gerais dessa escola única são idênticas. Assim o

autor conclui:

Si se deve ser, como demonstrado, contra a escola única anti-regional,

anticonfessional, co-educativa e obrigatoriamente oficial ou oficializada, nada impede

de aplaudir e recomendar a escola única gratuita, aberta a todas as classes sociais,

abastadas ou pobres, e principalmente de aplaudir e recomendar a escola única com o

feitio unitário da Einheitsschule alemã (grifo do autor) (BACKHEUSER, 1934, p. 86).

3.2.5 Ciências fundamentais da educação

Backheuser diz que, se para educar o indivíduo é preciso conhecê-lo e adaptá-lo a certos

fins, a Pedagogia deve ter relação estreita com algumas áreas do conhecimento, fundamentais

para a educação. De um lado as que dizem respeito à adaptação do Homem às finalidades da

vida: Ciência, Artes e Letras; Filosofia e Sociologia. E de outro lado, as chamadas Ciências do

Homem: Ética; Biologia e Psicologia47.

47 A interpretação elaborada aqui inverte a ordem apresentada no manual, apenas porque percebe a ênfase na

Psicologia (descrita no fim da seção).

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No bloco das Ciências, Artes e Letras, ele inclui Matemática, Geografia, Ciências

Físicas e Naturais, História, Língua e Literatura, Música e Canto, Economia Doméstica,

Desenho, Trabalhos Manuais, e Modelagem, dentre outros conhecimentos relevantes para a

formação do professor. Um curso consistente de humanidades (que deverá preceder o ensino

normal) que oferte a devida formação cultural, artística e científica possibilita ao mestre atender

adequadamente a toda a estrutura psicológica da criança, sem privilegiar apenas aqueles com

inclinações científicas, econômicas, artísticas ou religiosas. “Os mestres primários precisam ter

certo enciclopedismo, já para com facilidade coordenar os vários elementos do ensino, já para

atender às consultas de toda ordem que os alunos lhes dirijam” (BACKHEUSER, 1934, p. 139).

O preparo cultural sólido do professor é, em grande medida, determinado pelos

princípios da Psicologia Estruturalista, os quais deverão orientar o preparo dos professores,

capacitando-os para a aquisição das disciplinas técnicas. O ensino e a prática da parte técnica

ou didática caberão então, ao Ensino Normal. Em relação à importância da aprendizagem das

Ciências, Artes e Letras para a formação do mestre da Escola Nova, ele se posiciona:

Na Escola Nova - ou principalmente, na Escola Nova, - o mestre precisa ter larga

cultura para atender às solicitações múltiplas com que o assedia a criançada. Mas, ao

mesmo tempo, deve ir para o seu trabalho com a lição delineada em linhas gerais bem

elásticas para se poderem adaptar às exigências do momento. O prévio preparo de uma

aula de Escola Nova demanda muito mais esforço e muito mais atenção do que similar

trabalho na escola antiga (BACKHEUSER, 1934, p. 142).

A Filosofia é considerada por Backheuser como pedra angular da Pedagogia, muito

embora, na sua avaliação, seja esquecida por muitos pedagogos. Só recentemente, segundo ele,

esta ciência tem recebido o devido reconhecimento de estudiosos que sobre ela se debruçam. E

propõe a seguinte questão, seguida de uma reflexão:

Como seria possível esquecer a filosofia? Quem educa, educa para um fim. Ninguém,

senão os insensatos, educa às tontas. Colima-se o fim e parte-se nessa direção. Sem

bússola, o navio se perde. Sem rumo certo, a educação se desorienta. Quem dá o rumo,

quem indica os fins da vida, é a filosofia. Cumpre que o educador os conheça para que

os possa trilhar. Há, portanto, uma filosofia da educação, ou antes, toda educação tem

a sua filosofia (BACKHEUSER, 1934, p. 122).

Ele não se prende, todavia, à reflexão acerca dos fundamentos da Filosofia, investindo

no caráter transcendental da vida e nas razões que, na sua perspectiva, esvaziam os argumentos

que defendem a conquista “do paraíso terreal” por meio, somente, da ciência. Se a definição do

sentido da vida cabe à Filosofia, esse sentido deve ser projetado na eternidade, posto que “o

paraíso é inatingível aqui”. É importante ressaltar que a preocupação do autor é a educação para

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a vida terrena, mas, em especial, para a vida eterna, para o sobrenatural, por isso ele afirma que

o paraíso é inalcançável na vida terrena. Ele considera a Filosofia agnóstica ou materialista

vazia, deixando oca a educação nela alicerçada. E conclui que “sem a concepção de uma

finalidade de vida a educação não tem sentido” (BACKHEUSER, 1934, p. 126) (grifo do

autor).

Então, cumpre à educação formar o sentido da vida, e à Filosofia, o sentido da educação.

Em síntese, Backheuser se preocupa em enfatizar a importância da Filosofia e, fazendo isso,

acaba por desqualificar qualquer outra que seja diferente da filosofia católica, opondo-se aos

seus principais adversários: socialistas e liberais. Condena os unilateralismos, tanto os

individualistas (exagerados em relação à iniciativa) quanto os socialistas (exagerados em

relação à cooperação), aos quais propõe opor o bom senso, o equilíbrio da Filosofia católica:

O individualismo acha que o homem é bom e a sociedade o perverte; o socialismo

proclama ao revés que só a sociedade é corretivo para o homem, este intrinsecamente

um ser mau. Para o cristianismo ao contrário o bem e o mal têm suas raízes no homem.

A sociedade vale o que valem os indivíduos, sendo impossível reformar aquela sem

começar por estes. A moral social é o reflexo da moral individual; mas esta é, em

contra corrente, influenciada por aquela. Estreita dependência contínua entre

indivíduo e a sociedade, entre a sociedade e o indivíduo. Sempre o lema básico “ama

a teu próximo como a ti mesmo”. “Teu próximo e “tu” formam um só”. E formam um

só porque tudo é feito por amor de Deus, este, sim, pairando acima de tudo, dos

homens e das sociedades. Esta é a filosofia fundamental. Sem ela, o erro individualista

e o erro comunista. Nela a verdade. Esta filosofia é a de Jesus “que é o Caminha, a

verdade e a Vida” (BACKHEUSER, 1934, p. 130).

Outra ciência, que no seu entendimento, também contribui para a adaptação do Homem

às finalidades da própria vida e vem obtendo singular destaque entre os “educadores

americanos” e “seus imitadores” em toda parte do mundo, inclusive em solo brasileiro, é a

Sociologia. Na sua opinião, essa Sociologia, chamada de Sociologia educacional para ser

diferenciada da geral, não tem quase nada a ver com a Sociologia comtista ou spenceriana. E

para ele, se não tem a ver com essa última, a qual considera uma ciência ou ao menos um esboço

de ciência, essa Sociologia nos moldes norte-americanos seria algo banal e rasteiro, e a esse

tipo, ele faz a crítica:

Desce a bem dizer a preceitos da vida social, com três ou quatro termozinhos novos

que os autores ianques e os tradutores indígenas repetem a todo propósito para

escurecer a vida do leitor. Apesar de assim rasteira, também pretende vestir-se com a

toga da ciência. Mas consegue apenas ficar ridícula. Si fora menos pretensiosa e si se

limitasse a divulgar conhecimentos úteis, seria mais respeitada (BACKHEUSER,

1934, p. 131).

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141

Apesar das críticas que faz, reconhece a importância da inclusão dessa matéria nos

cursos normais justamente porque, com alguns reparos, servirá para mostrar noções sobre a

finalidade social da educação, atuando na onda reativa contra as tendências pedagógicas

individualistas. Defendendo a tese aristotélica de que “o homem é um animal político”, afirma

que se “assim considerado, deve receber uma educação condizente com seus fins naturais. E

como os fins naturais indicam o homem como um ser social, a educação social é, portanto, da

maior e da mais evidente necessidade” (BACKHEUSER, 1934, p. 134).

Faz, entretanto, ressalvas para o perigo de ao refletir sobre a finalidade social da

educação, correr-se o risco de elevar o homem da sua condição de ser social para a condição

de elemento social. Argumenta que para a pedagogia católica o elemento social é a família,

enquanto que para as ideologias individualistas e comunistas, este elemento é o homem.

Proclama que a pedagogia perfeita está ancorada na estreita ligação e dependência entre escola

e lar enquanto o foco dos individualistas é o próprio indivíduo e para os comunistas, a

sociedade. Crê que: “a pedagogia católica coincide em plena congruência com a pedagogia

nova quanto às finalidades sociais, desde que a pedagogia nova não enverede violentamente

para as concepções individualistas ou para as doutrinas comunistas” (BACKHEUSER, 1934,

p. 135).

Ao refletir a respeito das Ciências do Homem, Backheuser ressalta a importância da

Ética na educação integral, afirmando que alguns escolanovistas - evidentemente, “não-

católicos” - se esquecem desta, que é uma das pedras fundamentais da Pedagogia. Como

exemplo destes escolanovistas “esquecidos” ele cita John Dewey que em uma das suas obras

afirma que “a escola fora de seu dever social, não tem um fim moral” (DEWEY apud

BACKHEUSER, 1934, p. 113).

O autor de Técnica da Pedagogia Moderna acredita que pouco a pouco essa ideologia

vai fazendo com que a educação se esqueça dos seus objetivos de formação moral e se atenha

somente às finalidades econômicas e científicas. Para ele, os que esquecem a ética são,

geralmente, os agnósticos e os materialistas. Ele defende, em seu manual, o ensino da moral:

O mestre é, sem dúvida, um compêndio vivo de Ética. Sua responsabilidade, enorme,

si não tiver conduta impecável sob todos os aspectos individuais e sociais. Mas não

basta o simples exemplo. Ao lado dele, é maior conveniência inculcar às crianças um

contacto mais íntimo com a moral pela repetição de exercícios adequados a fixar-lhes

na inteligência as regras respectivas. Aprendê-las praticamente é muito. Cumpre,

porém, enfeixá-las no ensino formal, com as outras matérias (BACKHEUSER, 1934,

p. 115).

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Ao defender o ensino da moral, no seu entendimento, um preceito divino, propõe como

melhor auxiliar para este fim o catecismo da doutrina cristã, para ele um “Código de Ética” que

deveria ser conhecido e aplicado. Percebe-se uma ligação estreita entre moral e religião:

Haverá, por certo, quem sugira a impossibilidade de tomar o catecismo cristão como

livro escolar, de vez que a escola tem de ser leiga e neutra. Mas esta alegação será

uma tangente à dificuldade, porque exatamente o que se evidencia de todo o exame

da pedagogia da Ética é a impossibilidade do ensino moral sem uma base religiosa

(BACKHEUSER, 1934, p. 117).

Acerca da Biologia, Backheuser (1934, p. 88) afirma que “sendo em última análise a

ciência do corpo, para ela há de atentar o professor que tiver a ânsia da educação integral” (grifo

do autor). Nessa perspectiva, a educação do corpo passa pelos exercícios físicos (que

proporcionam maior eficiência), os cuidados higiênicos (que garantem maior resistência) e pela

atividade (que oferece maior capacidade de trabalho mental). Entre estes deveres pedagógicos

em relação à parte biológica e ao corpo, o principal dever é o de proporcionar-lhe atividade,

não somente física, mas, e, principalmente, ligada a algum interesse: “Essa atividade fazendo

eclosão a toda hora é a essência mesma da escola ativa oposta assim à pedagogia tradicional

demasiado exigente no silêncio e imobilidade permanente da classe” (BACKHEUSER, 1934,

p. 89).

Para cumprir a função educativa, a atividade deve estar ligada a movimentos ginásticos

que desenvolvam a parte física e também intelectual da criança. Nesse caso o jogo é visto como

uma atividade educativa eficaz. Jogos orientados pelo professor auxiliam no desenvolvimento

da coordenação motora, da atenção, da percepção de fenômenos, da disciplina e da obediência.

De acordo com a sua percepção existe uma estreita ligação entre corpo e espírito, portanto, entre

Biologia e Psicologia:

Ora a atividade biológica está na dependência da situação psicológica, ora, ao

contrário, é esta que se subordina àquela. Uma criança doente não tem atividade. Não

tem atividade porque está doente, mas também, inversamente, si não tiver atividade

pode ficar doente. Cabe ao mestre perscrutar ambas as causas e corrigi-las para evitar

ambos os efeitos (BACKHEUSER, 1934, p. 90).

O excerto a seguir traz pistas que indicam que para Backheuser a Psicologia constituía-

se na ciência basilar da Pedagogia:

A PSICOLOGIA estuda a alma, quer se tome o vocábulo no sentido religioso, quer

se lhe dê a acepção materialista vulgarizada hoje em dia nos tratados dessa ciência.

Ocupa, portanto, lugar de relevo entre as ciências basilares da pedagogia. Sem seguros

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conhecimentos psicológicos, a pedagogia não caminha - tateia (BACKHEUSER,

1934, p. 92) (grifo do autor).

Ele defende que na escola, deve ser adotado um tipo específico de Psicologia. Para

explicar qual vertente psicológica deve ser adotada, reflete sobre alguns dos paradigmas

científicos que estavam em voga naquele contexto: a Psicologia Elementar de Wundt, o

Behaviorismo de Watson e a Psicanálise de Freud. Não serão detalhadas as críticas48 que

Backheuser faz a estas doutrinas e aos seus usos porque importa destacar que o autor

desqualifica a inclusão dessas teorias na formação do professorado para defender e realçar

aquela que acredita ser a mais adequada para o ambiente escolar: a Psicologia Estruturalista

(Gestalt)49 - por sua completude na abordagem do ser humano - por ele defendida como a única

teoria válida dentre as teorias da psiquê:

A Gestalt-psicologie esclarece que não somos um composto de elementos em

mosaico, nem o produto de uma ação única, mas, ao contrário, um complexo

harmonioso de várias estruturas entrelaçadas e solidamente presas em perpétua

correlação e interdependência (BACKHEUSER, 1934, p. 99).

Para Errerias (2000), a eleição da teoria da Gestalt, dentre as demais teorias psicológicas,

pode ser explicada por esta tratar-se de uma vertente da Psicologia Científica passível de ser

apropriada pelas concepções filosóficas católicas:

Sua escolha da Psicologia - e sua transposição da Gestalt, em particular - como ciência

fundamental da Educação deu-se não por ela propor um novo saber, mas por permitir

o resgate de um saber já antigo, por permitir traduzir a linguagem da fé e ainda assim

continuar sendo ciência. Para Backheuser, a educação que se exige científica pode sê-

lo sem deixar de referir-se à essência humana que transcende o natural (ERRERIAS,

2000, p. 89).

Para Backheuser há, na alma humana, uma urdidura e uma trama, como nos tecidos. A

trama é singular a cada indivíduo e é sobre ela que age a urdidura, ou, as influências externas

que por meio da educação e das experiências, moldam e modificam a trama. Trama e urdidura

cooperam reciprocamente e se misturam. Para o autor, somente um técnico, o bom psicólogo é

capaz de separá-las. Entrelaçadas, formam camadas (ver Figura 22):

48 A crítica ao Behaviorismo, ainda que rapidamente, é citada no subcapítulo 4.2 que cruza os ramos da Psicologia

usados por Backheuser e Lourenço Filho. 49 Os seus mais famosos praticantes foram Kurt Koffka, Wolfgang Köhler e Max Werteimer. Todos citados pelo

autor do manual.

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Figura 23 - Camadas de Estruturas

Fonte: Backheuser (1934, p. 107).

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Muitas serão essas camadas, que tendo uma para predominante, podem ser agrupadas,

para fins de exposição, em seis principais. Essas seis camadas ou Gebiete (regiões)

como lhe chamam também de hábito os tratadistas, são as seguintes: 1) teórica ou

científica; 2) artística ou fantasista; 3) econômica ou prática; 4) social; 5) política;

6) religiosa ou mística (BACKHEUSER, 1934, p. 101) (grifo do autor).

De acordo com Errerias (2000) essa compreensão do indivíduo como uma superposição

de camadas, um conjunto harmonioso de estruturas entrelaçadas, correlacionadas e

interdependentes, permite a Backheuser aproximar sua visão da Gestalt à sua interpretação da

Escolástica. O próprio autor do manual entende que a sua concepção de que o meio e a educação

podem modificar o indivíduo - conforme a sua atuação de convergência ou divergência à sua

“tendência predominante” - supõe uma significativa aproximação com a concepção vocacional

da antiga Psicologia Escolástica50.

Estas Gebiete (camadas) ocupariam uma posição determinante no comportamento, e

confeririam ao indivíduo um modo de ser e de pensar inato, inerente à sua condição humana.

Isso fica claro quando o autor se refere ao sentimento político e menciona que a sociedade deve

ser comandada pelos mais aptos, considerando então que alguns não têm essa competência

enquanto outros nascem para liderar. Backheuser acredita na influência do meio, mas defende

que esta ocorre sobre o indivíduo que já carrega determinadas inclinações, como herança ou

vocação.

Ao tratar da influência da educação na estrutura psicológica, ele lembra que quando

propõe a educação integral, o faz com base nessa concepção científica de Psicologia,

defendendo que ao educar devem-se respeitar as diferentes Gebiete sem sobrepor uma a outra

até que se manifeste a vocação “a educação tem, portanto, um papel de relevo: carrega ou esbate

[suaviza] as tintas” (BACKHEUSER, 1934, p.108). Então, não se pode dispensar o Ensino

Religioso. E alerta, se a escola tradicional falhou quando se ocupou apenas da esfera científica,

não pode falhar a Escola Nova desprezando a religiosidade.

Não se compreende que os Reformadores brasileiros filiados à orientação nova se

levantem contra o Ensino Religioso. De acordo com os princípios racionais da ciência

da Psicologia na sua feição mais avançada, ou seja, da Psicologia Estruturalista,

deveriam eles ser seus propugnadores e no entanto se munem de suas mais poderosas

armas para sitiarem com fogo de barragem a marcha do ensino da religião. São

ardegos campeões do ensino leigo, contra o qual a Psicologia Moderna lança seus

veredictos definitivos. Por quê? Baseados em quê? Baseados nos velhíssimos

50 É importante lembrar que a inspiração filosófica do pensamento católico de Backheuser é o tomismo. E a

escolástica foi influenciada pelos filósofos da Antiguidade, pela bíblia sagrada e autores do primeiro período

do Cristianismo, entre eles destaca-se Tomás de Aquino. Disponível em: <http://www.posugf.com.br/noticias/

todas/1676-qual-a-contribuicao-de-tomas-de-aquino-para-a-filosofia-escolastica>. Acesso em: 6 set. 2016.

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146

conceitos de uma ciência morta, de uma psicologia elementar agonizante

(BACKHEUSER, 1934, p. 112).

3.2.6 Educação Integral

O centro de convergência de toda renovação educacional

está no princípio cardinalíssimo da educação integral.

Este é o escopo de todo trabalho educativo. Formar o

homem, o homem completo, o homem integral, o famoso

“cidadão prestante” de KERSCHENSTEINER, e não

apenas o homem que sabe, o homem instruído

(BACKHEUSER, 1934, p. 143) (grifo do autor).

A Figura 20 mostrou que a representação de Escola Nova para Backheuser foi expressa

no triângulo que esquematiza a educação integral realizada a partir da iniciativa, da cooperação

e da educação da vida e pela vida. Esse ponto é comum entre todos os tratadistas da Escola

Nova, católicos ou não. No entanto, o escolanovismo católico sob os ecos da religiosidade,

defende a educação integral fundamentada na filosofia católica, um indício disso é o combate

ao currículo laico por meio da inclusão oficial do Ensino Religioso, o qual, para ele, é um dos

pontos principais da verdadeira educação integral. E define previamente a finalidade da

educação integral que defende a partir de um excerto do livro do Monsenhor Dupanloup que,

em 1851, escreveu:

Educação e instrução são duas coisas profundamente distintas. A educação

desenvolve as faculdades, a instrução dá o conhecimento. A educação eleva a alma; a

instrução provê o espírito. A educação faz o homem; a instrução faz os sábios. A

educação é o fim; a instrução não é senão os meios. A educação é, pois, singularmente

mais alta, mais profunda e mais extensa que a instrução. A educação abrange o homem

todo; a instrução, não. (DUPANLOUP, 1851 apud BACKHEUSER, 1934, p. 148).

Em síntese, a educação integral, ponto máximo da pedagogia renovada, pode ser

entendida como a formação completa da criança unindo a instrução e a educação. E para definir

o que está chamando de “educar integralmente”, novamente se reporta à Dupanloup:

Formar o homem inteligente, o homem bom, o homem com suas faculdades gerais e

suas faculdades especiais e individuais, tal como a sociedade e a religião exigem: o

homem antes de tudo, inteligência poderosa e pura em corpo vigoroso e são, mens

sana in coporte sano. (DUPANLOUP, 1851 apud BACKHEUSER, 1934, p. 149)

(grifo do autor).

Ainda na tentativa de definir a educação integral, que requer formação intelectual, física

e moral, Backheuser se refere à Kerschensteiner que diz que na escola do trabalho, tudo

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trabalha, desde a mão, o cérebro até o coração. Backheuser não aprofunda a proposta do

pedagogo alemão, mas Lourenço Filho (2002) traz os princípios da “escola do trabalho”

proposta por Kerschensteiner:

A escola do trabalho é uma mescla que enlaça tanto quanto possível sua atividade

educadora com as disposições individuais de seus alunos, e multiplica e desenvolve

em todas as direções possíveis suas inclinações e interesses, mediante uma atividade

constante nos respectivos campos de trabalho; A escola do trabalho é uma escola que

trata de conformar as forças morais do aluno dirigindo, e examinar constantemente

seus atos de trabalho para ver se estes exprimem com a maior plenitute possível o que

o indivíduo sentiu e pensou, experimentou e desejou, sem enganar-se a si mesmo a os

demais; A escola do trabalho é uma escola de comunidade de trabalho, em que os

alunos se aperfeiçoam, ajudam-se e apoiam-se reciprocamente e socialmente, a si

mesmos e aos fins da escola, para que cada indivíduo possa chegar à plenitude de que

é capaz por sua própria natureza (KERSCHENSTEINER, 1928apudLOURENÇO

FILHO, 2002, p. 236).

Pode-se afirmar então que há convergência entre renovadores e escolanovistas católicos

no que se refere à defesa do ensino ativo, porém, há sérias divergências em relação à questão

moral. Os primeiros a concebem como restrita ao campo das atividades sociais enquanto os

segundos acreditam que esta deve abranger também a educação religiosa, como Backheuser

(1934, p. 150), para quem a “religião é o alicerce de todo o edifício moral”:

Para que haja educação integral cumpre que na criança desabrochem

contrabalançadamente todas as estruturas da alma e também o corpo que é a base

física da alma. Apoiado neste princípio lógico e conhecidas as estruturas da alma,

temos que a educação integral abrange: a) a educação física; b) a educação científica;

c) a educação artística; d) a educação econômica; e) a educação social e política; f) a

educação moral e religiosa (BACKHEUSER, 1934, p. 151).

Compreende-se então, que a concepção de educação integral backheusiana comporta

um forte componente moralista e se consolida por meio de atividades formativas que levam em

consideração a totalidade do ser humano (suas possibilidades físicas, morais, cívicas,

intelectuais, artísticas e espirituais).

Voltando ao manual, ao tratar da Educação Física, o seu autor é categórico:

O catolicismo não condena a educação física. Os católicos, como qualquer pessoa de

bom senso, condenam - isso, sim - o seu excesso, a doentia preocupação de só se fazer

educação física, desprezando todos os demais aspectos educacionais. [...] Contra esses

excessos deve-se rebelar a Escola Nova (BACKHEUSER, 1934, p. 154) (grifo do

autor).

Sobre a Educação Científica, também faz ressalvas quanto aos excessos, mas a defende

porque “instruir é educar cientificamente” (BACKHEUSER, 1934, p. 158). Faz críticas à forma

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como a Educação Artística vinha sendo trabalhada no ensino primário, afirmando haver nas

escolas “menor educação do gosto”, trabalho de cópia mecânico e pouco espontâneo. Esse tipo

de orientação, em sua opinião, impediria a livre expressão dos sentimentos da criança, porque

“quando a criança garatuja e rabisca, ela põe aí sua alma autônoma” (BACKHEUSER, 1934,

p. 163).

Sobre a Educação Econômica, afirma que no Brasil, vem sendo esquecida pelo currículo

escolar primário, desde a escola antiga. E a Escola Nova vem lhe dar atenção:

Havendo em todo ser humano uma estrutura econômica não deve ser ela deixada sem

conveniente educação, abandonada a seus próprios instintos degenerará, de um lado,

em sordidez e, de outro, em um “desprendimento” incompatível com a vida. A

educação econômica é, portanto, uma exigência da psicologia estruturalista

(BACKHEUSER, 1934, p. 165).

Entretanto, aqui também, o autor recomenda cautela, afirmando que a educação

econômica não deve ter supremacia como querem, segundo ele, alguns tratadistas da Escola

Nova, simpáticos ao socialismo ou ao comunismo. Então, afirma:

Convém que as lições e compêndios sejam orientados de modo a dar ensino de caráter

econômico, sem desprezar, porém, o feliz encaminhamento da educação das outras

estruturas anímicas, tão dignas de apreço quanto a econômica (BACKHEUSER, 1934,

p. 166).

A respeito da Educação Social e Política, tema incluído no item sobre Sociologia, o

autor também pede que não haja exageros, e cita em especial, a questão social. Para ele há, por

parte de alguns escolanovistas, alguns excessos quando, por exemplo, transformam a escola em

um ambiente de associações e clubes. Essas estratégias de socialização - aos quais ele

acrescenta os jornais, os museus e as bibliotecas escolares - são defendidas pelo autor desde

que tenham fins instrutivos ou morais. Ele afirma que “evitados os desvios da linha de

equilíbrio, a educação social é para ser recomendada com insistência, de modo a impregnar de

socialização a atmosfera escolar” (BACKHEUSER, 1934, p. 170).

Quando trata da Educação Moral e Religiosa, em ressonância com a religiosidade

católica, Backheuser volta a defender a inclusão desta nos currículos escolares. Como já

afirmado inúmeras vezes, para ele não há a possibilidade de existir uma educação laica. Embora

tanto católicos quanto renovadores defendessem a educação integral, aqui fica ainda mais nítido

o ponto no qual ambos se distanciavam, e, quem explica é o próprio autor:

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A diferença que existe entre a orientação dos educadores católicos e os seus

antagonistas está apenas, portanto, em um ponto. Os católicos de acordo com os

próprios princípios cardeais da Escola Nova opinam por uma educação religiosa

completa - ao mesmo nível da educação cultural, da educação física, da educação

econômica. Os seus adversários querem uma Escola Nova manca, incompleta,

incongruente, não dando Ensino Religioso ou dele dando apenas umas tintas - aos

domingos - ou - de vez em quando (BACKHEUSER, 1934, p. 173).

Não poderia concluir este subitem a respeito da educação moral e religiosa sem trazer o

texto com o qual o próprio autor a defende, porque traz indícios da sua pedagogia calcada em

lentes católicas. Segue o excerto:

Entrelaçadas como estão as disciplinas na Escola Nova, todas elas fornecerão

elementos para educação moral e religiosa. A leitura de trechos escolhidos de bons

prosadores e poetas; o exame da evolução histórica da humanidade na qual o

cristianismo tem tão conspícuo papel; as ciências naturais com todos os seus mistérios

e toda a sua formosura; e tantos outros caminhos são vias larguíssimas abertas para

chegar ao Criador Supremo de todas as coisas, que também é o propulsor máximo do

grande maquinismo universal, cuja sabedoria orienta tudo quanto nos rodeia

(BACKHEUSER, 1934, p. 174).

Ao longo das prescrições contidas nesse manual, tanto na versão inicial quanto na

reformulada podem ser encontrados indícios da influência religiosa na educação proposta por

Backheuser. Ainda que mantenha alguns dos preceitos escolanovistas ele o faz a partir de

objetivos definidos os quais visam à formação do cidadão cristão para a vida terrena e para a

vida eterna. Iniciativa, cooperação e educação pela e para a vida são utilizadas

metodologicamente, mas, o fim do seu escolanovismo é, certamente, a transcendentalidade.

3.2.7 Iniciativa

A “iniciativa” é, como dissemos de início, um dos pontos

essenciais da “Escola Nova”. Esse espírito de iniciativa

há de haver tanto no aluno, quanto no mestre. Na escola

tradicional o centro de atração do ensino é o mestre. Na

Escola Nova o centro de atração há de ser a própria

criança. O mestre será como que o aluno mais velho, que

orienta a discussão, que coordena os pensamentos

infantis, que os molda em formas adequadas. Ao aluno

cabe papel proeminente, qual o de solicitar

esclarecimentos e não simplesmente de os receber, qual

o de investigar, o de descobrir, o de desvendar as

verdades (BACKHEUSER, 1934, p. 175) (grifo do

autor).

Backheuser demonstra a influência do pensamento escolanovista que remete à escola

ativa, onde os alunos trabalham ativamente e conquistam os conhecimentos pelo seu próprio

esforço e não pela imposição dos professores. Nesse sentido, pode-se perceber uma apropriação

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dele em relação ao sistema alemão de educação que, ao tratar de Escola Nova, pensa na escola

onde se trabalha em contraposição à escola onde apenas se aprende:

Nesta [escola tradicional], o modo de agir é um: o professor propõe determinada

questão, e a classe inteira, ou cada aluno de per si, a responder de modo mais ou menos

satisfatório, alcançando, então, uma nota, boa ou má, a ser computada na promoção.

Na escola moderna, ao contrário, o modo de agir há de ser outro: os problemas,

sugeridos pelos próprios alunos, terão de ser jeitosamente encaminhados pelo

professor de modo a fazer surgir certas pequenas dificuldades que as crianças

vencerão pouco a pouco, ou, mesmo, de modo a deixar quando isto não acarrete

demasiada perda de tempo, que a classe, por si mesma, a golpes de esforços e

cabeçadas, resolva as questões que ela própria tenha se criado (BACKHEUSER,

1934, p. 176).

Diferencia, todavia, o que pioneiros e católicos compreendem acerca da iniciativa do

aluno e ao fazê-lo coloca-se abertamente como um “renovador católico”:

A liberdade que a Escola Nova concede à iniciativa do aluno não é, evidentemente, a

de deixá-lo fazer tudo quanto lhe aprouver, mas apenas a de não obrigá-lo a coisas

contra sua inclinação. Essa diferença - só aparentemente sutil - marca todavia a linha

de demarcação entre os escolanovistas de tendências comunistas e os de orientação

conservadora. Aqueles pregam a nenhuma interferência do mestre, estátua impassível

(e afinal inútil) em face da individualidade da criança: estes, ao contrário, dão-lhe - ao

mestre - função nobre e importante embora discreta, porque aparentemente apagada.

Este problema - da interferência do mestre na educação - é o mais delicado em toda a

teoria da Escola Nova. Sobre ele se funda, como já vimos, um dissídio profundo entre

renovadores católicos e comunistas (BACKHEUSER, 1934, p. 252) (grifo do autor).

No Manifesto também há a defesa da iniciativa ou do interesse do educando como

principal diferença entre a escola tradicional e a Escola Nova:

O que distingue da escola tradicional a Escola Nova, não é, de fato, a predominância

dos trabalhos de base manual e corporal, mas a presença, em todas as suas atividades,

do fator psicobiológico do interesse, que é a primeira condição de uma atividade

espontânea e o estímulo constante ao educando (criança, adolescente ou jovem) a

buscar todos os recursos ao seu alcance, “graças à força de atração das necessidades

profundamente sentidas” (AZEVEDO, 2010, p. 49).

Iniciativa do aluno

A importância que “a Escola Nova” confere à iniciativa do aluno obriga, portanto, a

uma prisão mais estreita do mestre com a classe. Ele não “dá” apenas aos alunos o

fruto da sua experiência, dos seus conhecimentos, do seu saber, “colhe-os” junto com

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os discípulos. E “colhendo-os” juntos, as crianças sentir-se-ão mais solidariamente

ligadas a seu professor. Dar-lhe-ão acatamento, mas senti-lo-ão mais próximo a si

(BACKHEUSER, 1934, p. 224).

Backheuser afirma que a emergência da iniciativa está diretamente relacionada ao

interesse do aluno. E apoiando-se em Claparède, Herbart e em Dewey (que em outros momentos

recebe suas críticas) afirma concordar que para fazer com que a criança trabalhe é preciso,

despertar previamente o seu interesse, o seu desejo em realizar:

Sem que haja interesse da classe para o assunto da aula, não conseguirá o professor

manter a atenção. Quando esse interesse existe, a atenção está toda ela presa a aquilo

que se está fazendo ou se está ouvindo. Uma criança sem interesse na lição, fica

desatenta e, portanto, propensa a várias infrações: ou cochilará; ou brincará com os

vizinhos; ou a estes fará “implicâncias”, provocando protestos; ou a cada minuto

pedirá “saída”, ou não atenderá de pronto a perguntas feitas, por estar o “espírito” fora

do assunto. Daí a dificuldade de manter a disciplina nas aulas de “escola antiga”, e a

facilidade de ser ela atendida, plenamente nas de “Escola Nova” (BACKHEUSER,

1934, p. 179) (grifo do autor).

Baseando-se em um artigo datado de 1928, publicado na revista Escola Nova e escrito

pela professora primária Alcina Moreira de Souza51, Backheuser dá pistas de como despertar o

interesse da criança na escola. As sugestões podem ser resumidas assim: - criar para a criança

um ambiente familiar por meio de jogos, contação de histórias e atividades como desenhos,

ginástica, imitações e representações; - proporcionar contato com a natureza através de

excursões, cultivo de plantas e criação de animais; - apresentar à criança, o mundo do trabalho

em visitas a fábricas, lojas e outros estabelecimentos do tipo.

Ainda com base no artigo de Alcina, ele afirma no manual quer “o ambiente escolar em

aulas e recreios deverá ser tal que a escola seja realmente como lhe cumpre ‘o prolongamento

do lar’” (BACKHEUSER, 1934, p. 185). Estas sugestões têm como objetivo despertar o

interesse, fazer perder a timidez, aguçar a curiosidade e desenvolver na criança a criatividade,

observação, colaboração, impressão, expressão e a inspiração. Ainda dentro das sugestões da

professora Alcina, ele cita o “taboleiro de areia” em torno do qual nasce o:

Espírito de colaboração feito do agregamento de iniciativas individuais. Estimulando-

as pela sucessão dos trabalhos realizados, e pela facilidade com que se operam e se

desfazem, o taboleiro de areia mantém a emulação, e, consequentemente, a

intensidade do interesse (BACKHEUSER, 1934, p. 183).

51 Como já anunciado Alcina foi a segunda mulher de Everardo Backheuser e sua companheira nas trincheiras de

luta no campo educacional. Nas dedicatórias dos seus manuais recebe o sobrenome do marido.

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A primeira condição para alcançar o desenvolvimento do interesse da criança é fazer

com que a criança se sinta tão bem na escola quanto em casa e “que não seja assoberbada pela

timidez; pelo receio de castigo a qualquer movimento que faça, a qualquer atitude que tome”

(BACKHEUSER, 1934, p. 187).

Para Backheuser, a Escola Nova pede que os professores aproveitem as oportunidades,

com diretrizes orientadoras, deve-se, apesar das dificuldades, desenvolver um centro de

interesse desde cedo, e, nos primeiros anos, devem-se valer dos jogos, desenho, modelagem

etc. Nesse sentido, o meio mais propício para aguçar a curiosidade da criança é despertar o seu

interesse, “a curiosidade desempenha um papel pedagógico” (BACKHEUSER, 1934, p. 186).

Na sua opinião, os meios para aguçar a curiosidade fazem parte de três moldes que pertencem

aos tipos psicológicos: auditivo, motor e visual, resumidamente explicados abaixo:

- Os que atuam subjetivamente são os que se dão através do ouvido, por exemplo, as

narrativas:

A fantasia é indispensável à vida para suavizá-la quando a verdade se torna por demais

rude [...]. A professora aguçará portanto a curiosidade da classe contando-lhe uma

“história”, ou narrando-lhe, colorida e até certo ponto fantasiosamente, um fato

(BACKHEUSER, 1934, p. 187) (grifo do autor).

- Os jogos educativos, de movimentação.

Transformar os secos movimentos das aulas de ginástica em movimentos para

determinados objetivos é um dos recursos que os mestre têm em mão para que a classe

toda se agite na efetivação de certos desiderata [certas aspirações]. É compreensível,

assim, eu a excessiva imobilidade das crianças sentadas nas carteiras, horas a fio, não

seja de ordem a favorecer o desenvolvimento do interesse (BACKHEUSER, 1934, p.

188).

- Psicologia de feição objetiva: aguçar a curiosidade da criança fazendo-a descobrir

alguma coisa escondida.

Basta que o professor, desejoso de encaminhar a lição em certo sentido, mostrando

um embrulho, ou um envelope, ou simplesmente pondo às costas uma das mãos,

indague “que é que está aqui?” para que logo toda a classe tome interesse nessa

descoberta (BACKHEUSER, 1934, p. 189).

Ele chama a atenção para as excursões como estratégias para incentivar a curiosidade

dos alunos porque o deslocamento do seu ambiente normal para novos locais como museus,

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fábricas, jardins ou outras escolas é “uma verdadeira visão cinematográfica com uma repetida

chamada à atividade do instinto da curiosidade” (BACKHEUSER, 1934, p. 190). À esta altura

o autor menciona o ensino intuitivo52, no qual os objetos eram mostrados e não apenas descritos

oralmente.

Backheuser destaca também a questão dos prêmios e castigos em relação ao despertar

do interesse da criança, defendendo o prêmio como um dos incentivadores, mas, não o único.

A respeito do castigo afirma que:

Desde que não seja aviltante nada tem de anti-pedagógico. É corretivo que educador

algum pode dispensar. Na escola antiga ou na Escola Nova. Na escola antiga como os

alunos estavam condenados à imobilidade, sendo censuráveis os movimentos

espontâneos considerados de indisciplina, é evidente a necessidade de maior número

de punições porque como faltas eram considerados atos que a Escola Nova louva e

estimula. Mas mesmo na Escola Nova há a necessidade de castigos para todos que

não cumprem seus deveres de trabalho, de estudo, de aplicação. Apenas as

oportunidades de estabelecer prêmios ou de cominar castigos serão em menos número

(BACKHEUSER, 1934, p. 192).

Para ele, no processo educativo é importante atentar para as fases que o compõem:

recepção, associação, assimilação e expressão. O processo está ilustrado no esquema abaixo

(Figura 24):

Figura 24 - Esquema do processo educativo

52 O Método Intuitivo, marca da Pedagogia Moderna, tem como princípios a percepção, a sensação e a intuição.

A aprendizagem é produto da observação, ou seja, da percepção. A criança parte da observação de um objeto,

pelos sentidos alimenta a intuição de conteúdos, permitindo a construção de hipóteses, ou seja, a produção do

conhecimento. É chamado método intuitivo por que é a intuição a parte ativa da mente que atua sobre as

sensações, o material que vem dos sentidos, e a percepção, gerando o conhecimento. O ensino deve começar

pelo elemento mais simples e proceder, gradualmente, de acordo com o desenvolvimento da criança. O tempo

de ensino deve respeitar as diferenças de aprendizagem de cada aluno e assim alcançar o domínio do

conhecimento. Disponível em:<http://www.fae.ufmg.br/teoriaspedagogicas/teoriaspestalozzi.htm>. Acesso

em: 6 set. 2016.

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Fonte: Backheuser, 1934.

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A partir deste esquema trata das questões “impressão e observação”, “associações” e

“expressão”. Defende que em crianças, as impressões são fracas e de curta duração, por isso é

preciso, pedagogicamente, prolongá-las ou intensificá-las, daí a necessidade da repetição, do

exercício:

Para que a impressão perdure é preciso que, em virtude da sua força ou da sua duração,

o indivíduo tenha sido levado a uma certa observação. A observação é, em última

análise, uma impressão prolongada.[...] Tecnicamente deve o mestre provocar na

criança uma impressão e, graças a ela, conseguir observações. Não só provocar

observações como educá-las(BACKHEUSER, 1934, p. 196) (grifo do autor).

Com base nessas constatações, reforça que o mecanismo da observação é um processo

comparativo. Para justificar a afirmação rememora seus tempos de professor da Politécnica

quando pediu que grupos de três alunos visitassem certos locais do Distrito Federal para estudar

a sua geologia e petrografia. Os alunos voltaram desanimados contando que encontraram

apenas “barro” e “pedra ordinária”. O professor então os pôs em confronto com “outro barro”

e “outras pedras ordinárias” dos mostruários que tinham. Depois das comparações orientadas

feitas em laboratório, os alunos voltaram a campo e:

Já muito mais atilados, traziam “material” muito melhor e, ao final do curso, alguns

houve que conseguiram resultados científicos notáveis. Foi graças ao tino de

observação e zelo de trabalho dessas turmas de estudantes que conseguimos fazer o

mapa geológico do Distrito Federal (BACKHEUSER, 1934, p. 197).

A observação é para Everardo Backheuser a base do ensino e pressupõe o contato com

a realidade. A partir de comparações muito simples, evoluindo para outras mais complexas, seja

entre objetos ou ideias, aguça-se a curiosidade, o espírito crítico, a sagacidade e o interesse do

aluno, seja qual for a sua faixa etária.

Sobre as “associações” o autor afirma que, devidamente direcionadas e orientadas pelos

mestres, estimulam o espírito de observação da criança. Backheuser apresenta as associações

de caráter pedagógico: associações no espaço ou de caráter geográfico; associações no tempo

ou de caráter histórico; associações de caráter econômico: a partir da matéria prima e

associações causais: que levam do efeito à causa, correspondem aos “porquês” das crianças.

Em relação à “expressão”, apresenta os modos de exteriorizar o aprendido: oralmente

(pela linguagem, entonação, gestos e olhares); manualmente (pelo desenho, modelagem,

mímica, etc.); e moralmente. Sobre este último modo, tece um comentário interessante:

A expressão moral está em todos esses imperceptíveis detalhes a que vimos aludir.

Em todo o trabalho é sempre posto um pouco de alma. Sem ela nada se obtém. A alma

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se expressa em tudo quanto se faz e por vezes no que não se faz. Um olhar traduz um

estado d’alma. Um muchocho, um gesto meigo ou violento, uma atitude de reserva

são também expressões da alma. São estas expressões morais que indicam bem a

individualidade (BACKHEUSER, 1934, p. 205) (grifos do autor).

Iniciativa do professor

Não fôra de compreender a implantação da Escola Nova sem a iniciativa do professor.

Querer-se a iniciativa do aluno e impor-se um sistema ao mestre é uma incoerência

(BACKHEUSER, 1934, p. 205).

O autor de Técnica da Pedagogia Moderna faz sérias críticas ao modo como a

renovação educacional vinha se dando no Brasil. Ele conta que aqui aconteceu de forma

diferente da que ocorreu em outros países como Áustria e Alemanha, onde os mestres, reunidos

em grupos de estudos e associações de classe, depois de examinar questões pedagógicas e de

algumas experiências que realizaram:

[...] pediram a Reforma, ou antes, pediram permissão para experiências mais largas.

Findas estas, realizadas, assim, com a melhor boa vontade, foi afinal decretara a

Reforma. E, ainda assim, a título de ensaio. Era, portanto, uma Reforma nascida e já

vitoriosa, porque trazia suas velas pandas pelo vento da vontade firme do professorado

(BACKHEUSER, 1934, p. 206) (grifos do autor).

Nos Estados Unidos, na Bélgica, na França, na Inglaterra e em outros países a reforma

se deu como uma iniciativa particular, mas, os estabelecimentos públicos iam, aos poucos,

seguindo os exemplos. Cita a reforma que ocorreu na Rússia Soviética como o primeiro

exemplo que alterou os fundamentos tradicionais do modo de ensinar sem a anuência prévia do

magistério. E aí a crítica ao regime comunista que:

Empresta ao Poder Público a Oniciência. Tudo é feito pelo governo; provém dele; e a

ele se destina. Socialistas do Estado, como são, emprestam ao Estado virtudes

mirificas em antagonismo com as da iniciativa particular. Não lhe vê, porém, a

incoerência dos propósitos. Querem a iniciativa do aluno, porque o homem deve

procurar “pelas suas próprias mãos” a verdade onde quer que ela esteja, mas cerceiam

ou tolhem a iniciativa do mestre, manietam-lhe os movimentos, em uma palavra,

impõem-lhe ideias (BACKHEUSER, 1934, p. 206).

Na sua percepção, o modelo soviético estava sendo seguido pelos reformadores

brasileiros, numa imposição vertical da Escola Nova e então defende que fosse “livremente”

iniciado um movimento em prol da perspectiva pedagógica escolanovista, mas não dos

departamentos de educação e das diretorias de instrução, e sim do magistério, convencido das

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vantagens do novo sistema. Para ele esse convencimento do professorado só seria possível por

meio do estudo do ideário escolanovista, para tanto sugeriu um plano de combate com as

seguintes etapas: I Cursos de exposição integral sobre a Escola Nova; II Publicações

sistemáticas sobre a Escola Nova; III Círculo de estudos entre os professores; IV Círculos de

estudos de cada escola que tenha como consequência a associação de professores de cada

município; V Liberdade de experimentação do novo ideário; aqui claramente defende a ideia

do “aprender fazendo” e também o princípio da observação citado no item sobre a iniciativa;

VI Liberdade de programa. Ainda sobre esta questão Backheuser (1934, p. 209) faz a seguinte

observação: “Ninguém se pode tomar de amores por coisa que não conheça. Para conhecer os

métodos da Escola Nova só tem o magistério dois caminhos: ou vê-los praticados por outrem,

ou tentar cada professor por si a experimentação”.

3.2.8 Cooperação

A cooperação é tratada como um dos princípios cardeais da Escola Nova, e, ela deveria

estar presente entre todos aqueles que fazem parte da escola: alunos, professores, pais e

autoridades. Para facilitar a compreensão, o autor esquematiza os vários conjuntos de

cooperação necessários.

Em relação à cooperação entre pais e filhos, defende que não haja excessos por parte

dos pais. Nem “para menos” delegando à escola todo e qualquer tipo de educação e nem “para

mais” quando os pais acabam, na ânsia de ajudar os filhos, fazendo por eles as tarefas ou

deslegitimando o papel do professor no processo de ensino. Aproveita inclusive, para fazer a

defesa da autoridade do professor e do respeito a ele devido.

Sobre o conjunto cooperação entre professores e alunos, o autor afirma que, em certa

medida, a cooperação sempre houve. Mas faz uma ressalva afirmando que na escola tradicional

os alunos trabalham para o professor e não com o professor o que diminui a intensidade da

colaboração. Com a pedagogia nova, afirma ele, é que surge o trabalho em conjunto:

Em uma escola que funcione em obediência integral aos princípios cardeais da Escola

Nova, o mestre não assume feições ditatoriais. O mestre, usando embora do princípio

de autoridade, dele não abusara como dantes. Fa-lo-á prevalecer apenas nos casos em

que a isso seja forçado, ou por estarem as crianças na idade psicológica que tal exija,

ou por se haver travado debate que peça uma solução de “autoridade”. Fora isso, o

mestre terá, de ser, como já explicado, o aluno mais adiantado, “trabalhando junto”

com os demais, com toda a classe. Nestas condições haverá efetivamente uma

cooperação real entre mestres e alunos (BACKHEUSER, 1934, p. 223) (grifo do

autor).

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Já a cooperação entre a escola e o lar depende, minimamente, de duas condições: que

haja entendimento harmônico entre pais (lar) e professores (escola) e que cada um dos dois não

contrarie dos princípios básicos para a educação. Cada parte deve respeitar os ensinamentos

recebidos pela criança. Aqui o autor aproveita para defender o estreitamento da relação entre

família e escola. Pais, mães e/ou responsáveis devem participar da vida escolar da criança, não

apenas nas horas de dificuldade e solenidades:

[...] os pais precisam sentir, precisam vibrar, precisam se interessar com tudo quanto

se passa naquele ambiente onde os filhos permanecem algumas horas o dia recebendo

instrução e aperfeiçoando a educação. Para que possam estar de posse desses nobres

sentimentos, cumpre-lhes em primeiro lugar “conhecer a escola” (BACKHEUSER,

1934, p. 225).

E sugere que se instituam os círculos de pais onde os pais, e/ou responsáveis conheçam

a escola na sua vida normal, nas dificuldades, no seu funcionamento habitual:

O “círculo” seria um educandário de pais, sem que essas preleções das professoras

tomassem o ar pedante de “lição” ou a feição petulante de “conferência”, seriam de

fato uma e outra coisa e entreteriam realmente os pais que, em troca, trariam oportunos

adminículos à experiência pedagógica dos mestres pelas achegas fornecidas por este

outro campo de experiência pedagógica que é o lar (BACKHEUSER, 1934, p. 230).

Para o autor não deveria haver antagonismos entre escola e lar. A educação intelectual,

ou seja, os aspectos físicos, artísticos, científicos, etc., caberiam à escola enquanto que a

formação moral e econômica deveria ser da alçada predominante no lar: “A própria neutralidade

da escola, princípio cardeal da Escola Nova, exige, portanto, que o ensino moral seja dado na

conformidade com sentimento religioso dos pais e dos alunos” (BACKHEUSER, 1934, p. 233).

Ao defender o diálogo entre escola e lar, o autor aproveita para demonstrar seu olhar

crítico me relação à laicidade proposta no Manifesto:

Sem esta base de confraternização não pode haver entendimento entre a escola e o lar.

A pedagogia nova que preconiza, enaltece e exige esse entendimento, deve

logicamente chegar às suas justas consequências, e solicitar o Ensino Religioso nas

escolas públicas. É interessante ver que alguns dos mais fortes propugnadores da

“Escola Nova” se colocam no ponto de vista de quererem obrigatoriamente a “escola

sem Deus” mesmo que os pais de alunos sejam crentes. É uma incoerência. Si “a

escola deve ser, na frase de DEWEY, a continuação da família ideal”, não pode ser

logicamente contra aquilo que queira essa mesma família (BACKHEUSER, 1934, p.

233) (grifo do autor).

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Acerca da cooperação entre alunos (brincar de estudar) afirma que é o encanto máximo

da escola moderna porque assim a criança vai encontrar na sala de aula o que encontrava nas

brincadeiras, nos jogos. O princípio da cooperação está baseado na preocupação com o

desenvolvimento da estrutura social da criança. Ele cita Lourenço Filho para defender a escola

como “um centro de socialização”, uma comunidade, e acrescenta:

Assim sendo, não poderia a pedagogia nova, inspirada na psicologia infantil, deixar

de aproveitar, desenvolver e orientar o pendor natural da criança para a vida

associativa. Por isso, a pedagogia nova faz da cooperação entre os alunos um dos

esteios de sua didática (BACKHEUSER, 1934, p. 234).

Nesse sentido, a colaboração é tomada como técnica educativa, desenvolvida por meio

de algumas ferramentas como: os centros de interesse, os jogos, as excursões planejadas, ensino

de música (coral e/ou orquestra), a leitura e a escrita, a execução de projetos, os pelotões de

saúde, os clubes sociais, organização de jornais, etc. Ressalta também a necessidade da

cooperação entre professores e assevera:

Na prática, essa cooperação se realiza sempre que um professor leal e

prestimosamente expõe aos colegas o seu trabalho, ou, ainda, sempre que os

professores se reúnem para tratar de problemas pedagógicos, em cordial e animado

convívio. Isso obtido, tudo está em favorecer as oportunidades dessa demonstração de

trabalho ou desse contacto intelectual (BACKHEUSER, 1394, p. 240).

Com base nesse critério, a pedagogia nova incentiva visitas dos professores a outras

classes, ou a outras escolas, não ao acaso, sempre com critérios e objetivos definidos. Os

professores devem ir à busca de orientações para desenvolver o seu trabalho, favorecendo

assim, o intercâmbio entre o professorado. Reforça a defesa da importância dos círculos de

estudos entre professores e cita um exemplo vivenciado por ele próprio: a Cruzada Pedagógica

pela Escola Nova53, cujo lema era “Lealdade e mútuo auxílio”. Eram feitas reuniões semanais

nas quais eram lidos os relatórios de trabalhos executados nas escolas e discutiam-se pontos

acerca da Escola Nova ainda pouco esclarecidos. Entre os temas debatidos ele cita “A disciplina

na Escola moderna”; “Como desenvolver a iniciativa dos alunos”; “Que se entende por

dramatização?”; “Excursões”; “O uso do taboleiro de areia”; “Museus pedagógicos”, etc.

Entre os instrumentos de difusão da pedagogia nova que tiveram origem na Cruzada,

ele cita: a revista A Escola Nova e a Grande Exposição Pedagógica de 1929. Nessa exposição

53 Tema tratado na seção 2.3.2 desta tese.

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puderam ser apreciados trabalhos de modelagem, construções, taboleiros de areia, gráficos,

cartonagem, recortes, jogos educativos, museus, cadernos de vida das classes, correio escolar,

etc., tudo construído por professores e alunos, de forma colaborativa. A importância concedida

à colaboração seja entre alunos e professores ou entre os professores e seus pares nas Cruzadas

pode ser constatada no discurso feito pelo próprio Backheuser na inauguração da Exposição

Pedagógica:

Na CRUZADA não há hierarquias nem classes. Ninguém manda e ninguém é

constrangido a obedecer. O que todos fazem - é trabalhar. As suas sessões são, a bem

dizer, reuniões familiares e íntimas em cada qual expõe, sem vexame, as suas dúvidas

e solicita esclarecimentos que são dados sem vaidade ou falsa modéstia por todo

aquele que se julgue em condições de os poder fornecer (BACKHEUSER, 1934, p.

242).

Em relação à cooperação dos governos, o professor defende a atuação do poder público

em cooperação com a escola e a “Escola da democracia” como a “escola para todos”. Para ele

a escola é reflexo e fortalecimento da democracia: “não há verdadeira democracia em uma

população analfabeta. Será simulacro de democracia, rótulo de democracia, não essência”

(BACKHEUSER, 1394, p. 240). O governo deve cooperar então, de modo geral, oferecendo

uma legislação qualificada de ensino. E de modo particular, garantindo que as autoridades

competentes tomem as rédeas das diretorias, inspetorias e outros setores educacionais, além de

deslocar percentagens da despesa pública à instrução popular.

O Manifesto também valoriza a cooperação, considerando-a um “valor permanente”

como se pode ver no seguinte excerto:

A escola socializada, reconstituída sobre a base da atividade e da produção, em que

se considera o trabalho como a melhor maneira de estudar a realidade em geral

(aquisição ativa da cultura) e a melhor maneira de estudar o trabalho em si mesmo,

como fundamento da sociedade humana, se organizou para remontar a corrente e

restabelecer, entre os homens, o espírito de disciplina, solidariedade e cooperação,

por uma profunda obra social que ultrapassa largamente o quadro estreito dos

interesses de classes (AZEVEDO, 2010, p. 41) (grifo nosso).

3.2.9 Educar “para a vida e pela vida”

O professor Backheuser une o “educar para a vida e pela vida” aos princípios da

iniciativa e da cooperação como o tripé necessário para executar a educação integral por meio

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da didática nova. Nesse pilar ele tem por base os estudos de Decroly o qual afirma que “A

Escola Nova educa para a vida e pela vida” (DECROLY apud BACKHEUSER, 1934, p. 245),

máxima que analisa comparando a pedagogia antiga e a pedagogia moderna54. A sua análise é

iniciada com um questionando acerca do “o que é educar?” ao qual responde:

Ao passo que instruir é propiciar conhecimentos novos de não importa que sorte,

educar é fornecer ao homem elementos de aperfeiçoamento pessoal, porque a

perfeição, embora inatingível, é o limite para o qual tendem todos os nossos esforços.

Isto quer dizer que a educação visa sempre o ser futuro embora aplicada ao ser

presente, ou seja, preocupa-se com a formação do homem, embora venha de atuar

sobre a criança (BACKHEUSER, 1934, p. 245) (grifos do autor).

Defendendo, pois, que toda educação pressupõe um fim, e, portanto, uma filosofia.

Backheuser critica as apropriações que Anísio Teixeira teria feito dos escritos de Dewey a esse

respeito, apresentando o argumento de Teixeira que, no seu entendimento, teria uma concepção

materialista de educação:

Educar é crescer. E crescer é viver. Educação é assim vida no sentido mais autêntico

da palavra. [...] A educação é o processo de assegurar a continuidade do lado bom da

vida e de enriquecê-lo, alargá-lo e ampliá-lo cada vez mais (TEIXEIRA apud

BACKHEUSER, 1934, p. 248) (grifo do autor).

Tal concepção consistiria, em sua opinião, em uma interpretação errônea da máxima de

Decroly, que faria crer que “a criança deva crescer a seu bel prazer, sem controle ou retificação”

(BACKHEUSER, 1934, p. 248).

As muitas confusões, divergências e contradições dos adeptos da filosofia escolanovista,

no modo de perceber a educação deviam-se, na sua avaliação, ao fato de que alguns a concebiam

“como sendo simplesmente a vida” e outros como sendo “apenas um preparo para a vida”. Esta

última percepção, o professor atribui à pedagogia tradicional que: “desprezando a psicologia da

criança adstrita a seus interesses de momento, queria impor-lhe por antecipação conhecimentos

a serem aproveitados somente mais tarde, e não conhecimentos úteis à criança durante o período

infantil” (BACKHEUSER, 1948, p. 249).

E comenta também o outro extremo para o qual, na sua avaliação, haviam se bandeado

alguns seguidores do escolanovismo: “o de só ensinar às crianças coisa úteis à própria criança,

54 Como em outros momentos do manual, novamente o autor utiliza o termo “pedagogia moderna” como

sinônimo de “Escola Nova”.

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sem atender a que elas teriam de crescer, e que é durante todo o período adulto que o homem

precisa dos conhecimentos adquiridos na infância” (BACKHEUSER, 1948, p. 249).

Ele critica também a percepção daqueles que se haviam se inspirado na vertente norte-

americana representada por Dewey quando afirmam que “a educação é a vida e não a

preparação para a vida”. Para ele essa máxima é tão equivocada quanto à da pedagogia

tradicional que acredita que a educação é “apenas preparo para a vida”. E conclui:

Se ficarmos no exato equilíbrio que vem de ser indicado, praticaremos a Escola Nova

sem deixarmos em olvido as finalidades reais de toda educação: o preparo para a vida,

que é a vida do adulto e não a vida da criança. A fórmula de Decroly está certa. Erradas

apenas as interpretações de alguns (BACKHEUSER, 1934, p. 250).

Para compreender minimamente o pensamento backheusiano, deve-se lembrar de que

segundo ele, os conhecimentos humanos ou são guiados por uma concepção espiritualista ou

por uma concepção materialista do universo. Na acepção espiritualista, na qual ele alicerça a

sua educação integral, deve-se educar para a vida toda, tanto para a vida terrena quanto para a

vida eterna. O seu projeto educacional se aproxima ao dos pioneiros quando afirma que os fins

da educação estão para além dela mesma, mas, antagoniza-se quando supõe que estes fins

estejam na transcendentalidade do ser e não na sua historicidade.

3.2.10 O papel do mestre na Escola Nova

Ao analisar a questão da prática da Escola Nova, o papel reservado ao professor no

processo educativo, é um ponto fundamental a ser discutido. Para o autor, muitos escolanovistas

defendem que o professor não deve intervir no decorrer dos estudos para não atrapalhar a

iniciativa da criança. Para justificar a sua interpretação, cita Kilpatrick como alguém para quem

o professor deve ser cada vez mais desnecessário; o escritor alemão Friedrich Spielhagen para

quem o professor deve se apagar diante da classe, e, novamente, Anísio Teixeira, para quem a

própria pessoa se educa, o que tornaria a presença do professor, inútil. Em seguida assevera que

as afirmações destes e de outros tratadistas da Escola Nova podem levar à impressão de uma

campanha para o anulamento total do mestre. Porém, afirma que o “apagamento do mestre” é

apenas aparente, pois, “quando dissemos atrás que o mestre se anula, não significamos com isto

que ele desapareça” (LOURENÇO FILHO apud BACKHEUSER, 1934, p. 255).

Apoiado em Claparède, Backheuser afirma que o professor deve atuar como

colaborador e deve, sempre, suscitar problemas. E acrescenta:

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163

É ele o tribunal definitivo a que recorrem os alunos quando as dúvidas se tornam

insolúveis para a capacidade da classe. A sua autoridade é, portanto, muito maior. É

a autoridade não de quem fala sem talvez ser ouvido, mas de quem opina em última

instância perante “partes” em litígio. É a autoridade do juiz e não a do feitor.

(BACKHEUSER, 1934, p. 255).

Portanto, como professor, defende a importância fundamental do mestre55 e da sua

formação, porque de acordo com a concepção católica de educação, o magistério é dotado de

uma marca religiosa e o professor é elevado à condição de principal agente do processo de

disseminação da doutrina católica nas escolas. Além da formação integral dos mestres o autor

defende que as escolas normais inculcassem no professorado, zelo e entusiasmo pela sua

“missão” a qual ele associa ao sacerdócio:

A primeira preocupação de quem pretende transformar os velhos moldes rotineiros da

educação tem de ser a formação de um professorado novo, cônscio de sua

responsabilidade e cheio de nobres entusiasmos pelos ideais educativos porque, um

programa nada vale sem um espírito que o anime, o fecunde, e o faça frutificar.

(CLAPARÈDE apud BACKHEUSER, 1934, p. 259).

Para a Encíclica (1929, p. 27) deve o mestre formar o “verdadeiro cristão” que deve ser

o sujeito da educação católica:

Precisamente por isso a educação cristã abraça toda a extensão da vida humana,

sensível, espiritual, intelectual e moral, individual, doméstica e social, não para

diminuí-la de qualquer maneira, mas para a elevar, regular e aperfeiçoar segundo os

exemplos e doutrina de Cristo. Por isso o verdadeiro cristão, fruto da verdadeira

educação cristã, é o homem sobrenatural que pensa, julga e opera constantemente e

coerentemente, segundo a sã razão iluminada pela luz sobrenatural dos exemplos e

doutrina de Cristo; ou antes, servindo-nos da expressão, agora em uso, o verdadeiro e

completo homem de carácter.

3.2.11 Detalhes da técnica da Escola Nova

A metodologia da Escola Nova se movimenta, como já

tantas vezes caracterizada neste volume, dentro de uma

55 Em 1946 Backheuser publicou o livro “O professor”, o qual, segundo ele, na epígrafe, “não é um depoimento

sobre a minha vida de magistério; mas a expressão do que, em meu conceito, o verdadeiro professor deve ser”.

O livro está referenciado ao final do texto.

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área delimitada por estes três lados característicos:

iniciativa do aluno, espírito de cooperação da classe, e

sentimento da vida sob todos os seus aspectos:

higiênicos, econômicos, científicos, artísticos, sociais e

religiosos (BACKHEUSER, 1934, p. 261).

Partindo dessa premissa o autor apresenta alguns detalhes de execução da Escola Nova,

que deveriam servir para nortear, orientar a prática dos professores que se interessassem em

adotá-la. Os recursos didáticos apresentados pelo autor podem ser assim resumidos: excursões;

centros de interesse; método de projetos; organização de museus escolares.

Excursões

A excursão escolar é em pequeno o que a viagem é para os adultos. Será portanto um

excelente meio educativo, pois visa desenvolver nas crianças o espírito de observação

e a capacidade de expressão (BACKHEUSER, 1934, p. 263) (grifo do autor).

Tomando a excursão, não como uma simples viagem, mas, como um estudo, o professor

chama a atenção para que a viagem de estudo aconteça com todos “de olhos abertos”. Ou seja,

propõe que os “viajantes” tenham conhecimento prévio sobre a região a percorrer, seja lendo

sobre o local ou vendo fotografias. Chegando ao local, deve-se, mais que observar a natureza,

o comércio e a cultura, conviver com a sociedade local pelo tempo possível. Ao professor cabe

esta orientação. Deverá tecer comentários curtos e fazer sugestões, aguçando a curiosidade da

criança, será, pois, o companheiro da classe, “guiando sem parecer guia, auxiliando sem parecer

que auxilia” (BACKHEUSER, 1934, p. 265).

O autor faz observações acerca das excursões mais apropriadas de acordo com o nível

da classe e, salienta a necessidade de uma preparação prévia para a realização da viagem. Ele

divide essa preparação em três fases: preparo da excursão; realização; conclusões a tirar. Para

esta última fase sugere que sejam realizadas atividades que extraiam o máximo possível do que

foi objeto de observação, indagando sobre os detalhes, incentivando a classe a refletir, a

rememorar e a raciocinar.

Centros de interesse

É um assunto central aguçado pelo professor ou espontaneamente surgido em classe,

entorno do qual - sob a base do interesse por ele despertado - vai girar a aquisição de

conhecimentos (BACKHEUSER, 1934, p. 271).

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Para o professor Backheuser, qualquer tema pode se tornar um centro de interesse, mas,

cabe ao mestre aparar as arestas e orientar na definição das temáticas pensando num fim maior,

fim maior, portanto, defende “a necessidade de uma certa sistematização na escolha de centros

de interesse” (BACKHEUSER, 1934, p. 272). Para explicar como chegar a esta sistematização,

toma como base o sistema pensado por Decroly, que almejava encontrar temas gerais que

interessariam a qualquer criança, de qualquer lugar do mundo. Este sistema se assenta em quatro

necessidades principais as quais são transcritas aqui: de alimento (comida, bebida, respiração,

asseio); de lutar contra as intempéries (vestuário, habitação); de defesa (contra os perigos da

vida e ofensivas do meio); de ação e de trabalho (para comer, para vestir).

No entanto, para Backheuser, esse sistema é um tanto rígido, porque não se adéqua a

todos os lugares do mundo, por exemplo:

Nem sempre, principalmente nos países tropicais, os problemas da luta contra as

intempéries se apresentam com o forte colorido que têm nos países frios. Os

problemas de defesa, por exemplo, são visivelmente pouco interessantes para as

nossas crianças (BACKHEUSER, 1934, p. 274).

Após essa crítica, destaca o que considera a melhor parte do sistema de Decroly: o tripé

observação, associação e expressão, no que é acompanhado de Lourenço Filho (2002). Para o

pioneiro, a observação representa as lições de coisas, as lições elementares de ciências naturais,

a geometria, o cálculo; a associação, que no espaço e no tempo, substitui a História e a

Geografia, concebidas, ademais, de um ponto de vista mais amplo; a expressão que incentiva a

compreender todos os exercícios de linguagem, ortografia, lições de cor, trabalhos manuais,

desenho, canções e exercícios ginásticos. E acrescenta:

A higiêne e a moral estão naturalmente incluídas nos exercícios de observação e

associação, por isso que derivam diretamente de confronto de necessidades, das

exigências da vida individual e social, e dos conhecimentos que o meio proporcione.

Quanto ao cálculo, deverá a tudo ligar-se, sobretudo, na observação, primeiramente

sob a forma de exercícios de comparação; depois, de mensuração, com unidades

naturais, e, por fim, de medidas com unidades convencionais (LOURENÇO FILHO,

2002, p. 291).

No Brasil, Backheuser destaca algumas tentativas de implantar a Escola Nova por meio

de centros de interesse, como o Colégio Jacobina orientado por D. Laura Lacombe, a prefeitura

do Distrito Federal na administração de Fernando de Azevedo e o Estado de Minas quando

Francisco Campos foi secretário do interior. Para ele, no caso brasileiro, os centros de interesse

mais convenientes seriam os geográficos, com assuntos de “espaço”, variantes de lugar a lugar.

Porque o ambiente geográfico é sempre de interesse da criança. Primeiro a criança apenas na

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casa, depois, na escola, bairro, cidade, Estado, país, mundo. Nesta ordem serão agrupados

assuntos de interesse.

Como exemplo de uma tentativa de implantação de um centro de interesse no Brasil, ele

cita um projeto desenvolvido com crianças de um 1º ano que não passaram pelo jardim de

infância (ver Figura 2456) elaborado em 1929 pela sua, Alcina Moreira de Souza Backheuser,

durante a administração de Fernando de Azevedo:

Figura 25 - Plano organizado pela Professora Alcina Moreira de Souza Backheuser57

56 O projeto vem anexado ao manual, correspondendo às páginas 277 e 278 do referido impresso. 57 Para uma melhor visualização por apresentar o plano impresso em A3.

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Fonte: Backheuser, 1934.

O plano acima tem como tema central “a casa e a escola”. Foi elaborado para ser

desenvolvido durante as seis primeiras semanas de aula de uma classe de 1º ano que não cursou

o Jardim de Infância. Portanto, trata-se de um projeto pensado para o período de adaptação. O

centro de interesse em questão teve como tripé a observação, a associação e a expressão e como

conteúdos a serem trabalhados: linguagem; noções de caráter geográfico e histórico; educação

moral; conhecimento da natureza; aritmética; geometria; higiene; ginástica e música; desenho;

modelagem e recorte.

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Para a primeira semana, definiu-se como centro de interesse “a entrada na escola”; para

a segunda: “a mamãe e a professora”; terceira: “os irmãos e os colegas”; quarta: “em casa”;

quinta: “a sala de aula” e para a sexta e última semana “a merenda e a maleta”.

Para cada centro de interesse a professora apresenta a respectiva forma de apresentar o

centro e as formas de trabalhar os conteúdos, como por exemplo, em relação à educação moral,

na primeira semana deveriam ser trabalhados os “deveres de cortesia” (na escola); a saudação

coletiva e o cumprimento. No fim do plano, a professora faz uma observação (conforme Figura

24) melhor visível na transcrição abaixo:

O presente esquema serve como uma indicação de assuntos. Na prática a matéria há

de ser dada, tanto quanto possível, com o auxílio de histórias, de dramatizações, de

jogos, de brinquedos de “faz de conta”. Sendo este primeiro período apenas de

adaptação, deixa por isto de figurar parte de leitura e de escrita, que começarão a ser

ensinadas a partir do período seguinte (BACKHEUSER apud BACKHEUSER, 1934,

p. 277).

Método de projetos

No método de projetos a iniciativa do aluno e a cooperação da classe são, como nos

“centros de interesse”, habilmente despertadas pelo professor, mas será, como o nome

projeto o diz, prefixada, uma meta de realização. Os alunos projetam alguma coisa, e

tratam de executar o projetado. Assim é a vida para quem não anda às tontas. Na

menor coisa, cada indivíduo planeia o quer fazer e põe mãos à obra (BACKHEUSER,

1934, p. 279) (grifos do autor).

O início do processo se dá com a definição do tema devidamente orientada pelo mestre.

Determinado o tema - que interesse ao aluno e que seja instrutivo - e definido o objetivo a ser

alcançado com o seu estudo, cabe organizar-se um anteprojeto, um esquema com os passos

gerais a serem dados. Aqui o papel do professor é fundamental para orientar pedagogicamente

afastando as propostas que não forem adequadas ou oportunas. O anteprojeto servirá como uma

rede geral, passível a alterações, mas, fixada como uma base para a classe. Após essa primeira

fase dá-se a execução que tem como primeiro passo a documentação, a pesquisa de fontes em

relação ao tema escolhido. Concluídas essas fases iniciais, a classe poderá organizar o projeto,

dividida em grupos de trabalho. A organização em grupos é assim justificada por Backheuser:

Em primeiro lugar, é meio prático de mostrar a vantagem da cooperação, do mútuo

auxílio, da solidariedade social. Depois, há um controle recíproco; os mais ativos dão

entusiasmo aos tímidos; os diligentes fiscalizam (sem saber que o estão fazendo) os

vadios; os ordeiros ensinam método aos desordenados; em uma palavra, há um hábil

contra-balançamento de forças (BACKHEUSER, 1934, p. 280).

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Ele acredita que o trabalho de pesquisa, a aquisição de conhecimentos, as necessidades

que surgem durante o trabalho são características que distanciam o método dos projetos da

monotonia e o aproximam da vivacidade, da elasticidade e da sensação de realidade.

Apesar de Backheuser tecer críticas a Dewey classificando-o, de forma negativa,

inclusive, como comunista, ao defender o método dos projetos aproxima-se muito do

pensamento do pedagogo norte-americano. Embora não o cite como precursor desse método,

considera-se importante reconhecer que o método dos projetos foi desenvolvido na Escola

Experimental da Universidade de Chicago58 idealizada e posta em prática por Dewey.

Uma experiência que é enaltecida por Lourenço Filho (2002), considerada locus dos

primeiros ensaios e fundamentação teórica do sistema que almejava traçar uma nova teoria da

experiência que definisse a função dos interesses. Para o pioneiro o sistema de projetos

almejava pôr em relevo duas coisas: “a importância educativa de tarefas de execução livre em

casa, pelos alunos, e a necessidade de que suas atividades, na própria escola, atendessem a

propósitos, que ao trabalho dessem forma e direção”. (LOURENÇO FILHO, 2002, p. 295).

Antes de concluir esta seção, Backheuser discorre rapidamente sobre alguns “planos”

americanos e europeus que, em sua opinião, estariam vulgarizados, sendo que muitos deles nada

teriam “em comum com os princípios da Escola Nova, mas porque de importação, passam como

tal” (BACKHEUSER, 1934, p. 285).

Para ele, o Platoon plan foi idealizado para acudir a falta de espaço nas escolas na cidade

norte-americana a quem deve o seu nome. Para reduzir os gastos obtidos com a instalação de

múltiplas classes especiais como as de desenho, ginástica, música e outros, o plano em questão

sugeria salas de matéria com horários fixos: de linguagem, de cálculo, de história, etc., assim

as crianças se deslocariam para as respectivas salas, exterminando a figura do professor de

classe e o substituindo pelo professor de especialidade. Essa especialização, em especial no

ensino primário, dificultaria, sob a sua ótica, a execução da Escola Nova, porque poderia

58 Em janeiro de 1896, abriram-se as portas da Escola Experimental da Universidade de Chicago. Começou com

16 educandos e dois professores; mas, em 1903, já contava com 140 estudantes, 23 docentes e 10 assistentes

graduados. Fechou as portas em 1904 por conta da disputa pelo controle da instituição por parte de alguns que

nela trabalhavam (FERRARI, 2015). Nessa escola a metodologia voltava-se para a criança como centro de

interesse, para a sua experiência e sua expectativa, para a superação da memorização pela pesquisa prática,

enfim conciliando o saber teórico ao fazer prático. O currículo dessa escola-laboratório enfatizava a

“ocupação”, ou seja, atividades pelas quais as crianças, divididas em grupo, reproduziam um tipo de trabalho

realizado na vida social. Participavam na formulação de seus projetos, cuja execução se caracterizava por uma

divisão cooperativa do trabalho, e as funções de direção eram assumidas em rodízio. Além disso, fomentava-

se o espírito democrático, não somente entre os alunos, mas, também, entre os adultos que nela trabalhavam.

O trabalho dos professores se organizava de uma maneira muito parecida à das crianças. Semanalmente se

reuniam para planejar e avaliar o trabalho e, desempenhavam uma função ativa na elaboração do currículo.

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impedir o “desenvolvimento harmônico dos centros de interesses e dos projetos” e ou suprimir

por completo, “o ensino de oportunidades tão ao sabor da nova pedagogia” (BACKHEUSER,

1934, p. 286, grifos do autor).

O Plano Winnetka teve a sua origem em São Francisco, mas foi desenvolvido em

Winnetka, subúrbio de Chicago, e objetivava desenvolver a individualidade da criança e, ao

mesmo tempo, oferecer a ela a educação social. Nas escolas que seguem esse plano parece não

haver o ensino de classe, porque as crianças utilizam dos recursos pedagógicos de forma

individual, sem o auxílio dos colegas e às vezes, sem a orientação do mestre. A primeira parte

do dia é destinada ao trabalho individual, para desenvolver a iniciativa e a segunda parte, ao

trabalho em grupo, para desenvolver a cooperação.

No Plano Dalton, também chamado de Método Parkhurst - pelo fato de ter sido utilizado

pela primeira vez em 1920 por Helena Parkhurst, em classe de escola rural de Dalton, no Estado

de Massachussets - as salas de aula são transformadas em “laboratórios de educação”. Este

plano teria sido aplicado no Rio de Janeiro pela professora Alba Canizares Nascimento da

Escola Venceslau Braz. Backheuser vê semelhanças deste com o Plano Winnetka, pelo fato de

visarem ambos a individualização do ensino, a qual é por ele criticada quando em excesso:

Esse modo de ensino desenvolve bastante o sentimento da individualidade e da

responsabilidade, e o fará, até certo ponto, exageradamente quando não houver, como

no plano Winnetka, o corretivo do trabalho em conjunto (social) em outras horas ou

dias (BACKHEUSER, 1934, p. 289) (grifo do autor).

O Plano Howard, lançado por miss O’Brien Harris na Howard School em Londres, é

para Backheuser, uma adaptação inglesa do Plano Dalton, por isso o autor não entra em

detalhes. O Plano Lietz, por sua vez, visa, segundo ele, o total controle educativo dos alunos

com o estabelecimento de internatos educativos rurais onde é permitida maior liberdade. Esses

estabelecimentos tinham aspecto de cidades, ou repúblicas juvenis e, neles poderiam ser

estabelecidos serviços públicos permanentes e uma organização de autogoverno. Segundo

Backheuser, o campo foi escolhido como melhor espaço para tal fim por facilitar o ensino

intuitivo e de oficina e assim melhor preparar os alunos para uma vida de trabalho manual. Para

ele no Brasil teria havido uma experiência similar no Instituto João Pinheiro, em Belo

Horizonte, Minas Gerais, dirigido por Dr. Leon Renaud (Internato Gameleira).

Os Planos Wickersdorf e Odenwald seriam modalidades do sistema Lietz, com algumas

diferenças. No sistema Lietz, os alunos tem mais ou menos a mesma idade e são dirigidos por

um casal de professores. No Plano Wickersdorf, escolhiam-se os dirigentes por meio de

votação. Agia-se no sentido de diminuir o quanto possível a interferências dos professores.

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171

Backheuser entende que o Plano de Odenwald vai ainda mais longe, pois professores e alunos

têm os mesmos diretores no momento das eleições e mais decisões de caráter escolar. Nesse

internato, que aceita crianças desde o 1º ano do primário até os últimos anos ginasiais, não há

limites para a coeducação. Os processos de ensino nesses três planos também são diferentes: O

Lietz, por exemplo, se aproxima de um instituto profissional com educação artística e religiosa

e o Odenwald estabelece planos de ensino variáveis sem subordinação religiosa.

Por sua vez, o Plano Manheim, foi idealizado por A. Sickinger para uma organização

escolar que atendesse a alunos com diversidade na capacidade aquisitiva, para que fosse

ofertado a essas crianças um ensino de acordo com o seu desenvolvimento psicológico tido

como peculiar. Este plano teve aplicação na Alemanha:

Para os anormais, quer fracos mentais, quer com dificuldade de audição, e de

expressão, criando as clases auxiliares (Hilfsklassen) que tanto deram que falar pela

situação de parente inferioridade em que ficaram no conceito do corpo discente os

alunos delas inscritos (BACKHEUSER, 1934, p. 293) (grifo do autor).

Lourenço Filho em “Introdução a Escola Nova” também analisa de alguns desses

planos quando versa sobre as primeiras tentativas de implantação de “escolas novas” em nível

mundial. Dentre os ensaios precursores em solo europeu, ele destaca o Plano Lietz, na

Alemanha, além das escolas Wynneken, Wickersdorf e Odenwald. Quando discute a renovação

nos Estados Unidos, Lourenço Filho, como Backheuser, traz os planos Dalton e Winnetka, o

sistema de unidades didáticas de Morrison e os sistemas de “projetos” e de “unidades de

trabalho”.

Na Inglaterra, o pioneiro cita as escolas secundárias de Rugby e de Oundle, as quais não

foram citadas por Backheuser. Na primeira, sob a direção de Thomas Arnold os alunos eram

ensinados a trabalhar com o espírito solidário, sendo, por conta disso, organizados em grupos

que viviam em casas separadas, cada um sob a orientação de um professor e de membros da

sua própria família. Na segunda, dirigida por R. W. Sanderson59, os castigos físicos e o ensino

demasiadamente intelectualista eram combatidos, sendo estimulados à colaboração, o despertar

do interesse e a escola como uma sociedade em miniatura:

O diretor de Oundle desse modo esboçava o princípio da individualização do ensino,

ou de sua melhor adaptação às diferenças individuais, como também o princípio de

59 Lourenço se refere a Sanderson como um “moderno Pestalozzi”. Diz que não é suficientemente lembrado no

movimento renovador, mas, que suas observações abriram caminho para a organização escolar e para a

investigação psicológica.

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iguais oportunidades a todos. Visava também ao ideal da paz pela escola

(LOURENÇO FILHO, 2014, p. 244).

Diferente de Backheuser, Lourenço Filho destaca as primeiras aplicações da escola nova

no ensino público e cita a Reforma de Munique, onde Kerschensteiner defendia o despertar do

interesse e a atividade, na conhecida “escola do trabalho”. Esta experiência, segundo ele, teria

inspirado escolas de experimentação em Leipzig e em outras cidades como Berlim e Hamburgo,

dentre outras. Ele traz ainda a experiência do Plano de Iena, dirigido por Peter Petersen, na

Alemanha; a reforma educativa da Áustria sob a batuta de Otto Gloeckel, ministro da educação;

a experiência de Maria Montessori, na Itália; as iniciativas de Roger Cousinet, na França,

conhecidas pelo sistema de “trabalho por equipes”; os centros de interesse de Decroly, na

Bélgica e as experiências suíças de Ferriére e de Claparède, este último criador do Laboratório

de Psicologia da Universidade de Genebra.

No Brasil, Lourenço Filho destaca a experiência desenvolvida por Armanda Álvaro

Alberto - signatária do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova - na Escola Regional de

Meriti, no Rio de janeiro, por ele considerada a mais completa experiência de educação

renovadora no país, pela sua intenção socializadora, os seus procedimentos didáticos e a

compreensão e defesa da cooperação entre família e escola. Cita também como ensaio brasileiro

no ensino secundário, a experiência realizada no Instituto Cruzeiro Álvaro Neiva, onde era

desenvolvido um sistema de organização geral das atividades escolares sob a forma de

instituições: associações, núcleos, centros, academias, grêmios, oficinas, etc.

Organização de museus escolares

O museu escolar na Escola Nova não pode ser idêntico ao da escola tradicional. Nesta,

estando a escola preocupada essencialmente com o ensinar, o museu que interessava

era apenas o museu de história natural, com algumas pedras, alguns vegetais, alguns

animais. Figuravam nas etiquetas, ao lado do nome vulgar o nome científico em latim

(para crianças!), com indicação da localidade onde fora recolhida a amostra e, quando

muito, a indicação de suas possíveis utilizações. Só. Isto que está perfeitamente certo

para um museu de instituto superior ou talvez secundário é inócuo em um colégio

primário. O museu, assim feito, não interessa aos alunos. Passa-se por ele sem se

olhar. O museu da Escola Nova há de ser não apenas instrutivo mas educativo em suas

várias modalidades (BACKHEUSER, 1934, p. 295) (grifo do autor).

Na última parte de Técnica da Pedagogia Moderna o autor ressalta que o museu, sob a

égide da Escola Nova, deve ser educativo no tocante às modalidades científica, artística

econômica, cívica e moral e sintetiza as principais características que deveriam ser levadas em

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conta na sua organização, dentre elas: devem ser exposições permanentes de caráter prático e

não simples coleções; devem ter feição social e cívica sem prejuízo a parte científica e artística;

devem permitir que o aluno aprenda por si, observando, tocando e até manipulando os objetos;

devem ter caráter socialmente educativo porque serão organizados com a colaboração de

mestres e alunos; deverão existir três tipos de museu: da classe, da escola e o museu pedagógico

central; o museu de classe deverá ser organizado pelos alunos guiados pelo professor e conter

tudo o que os alunos selecionarem como interessantes; trará vivacidade e alegria ao ambiente

educativo; o museu da escola deverá ter sala própria, aberta aos alunos; deverá ser dirigido por

um professor.

Everardo Adolpho Backheuser conclui o seu manual enfatizando que em face do

detalhamento tanto dos problemas quanto das técnicas da Escola Nova ao longo da obra, julgava

estar dispensado de apresentar conclusões. Afirma apenas, a título conclusivo, que sua defesa

do estudo e da prática da Escola Nova se devia a crença de que se não a conhecerem - técnicos,

filósofos ou político -, não poderão executá-la, ao mesmo tempo que, se não examiná-la na

prática, não poderão julgá-la.

***

O manual analisado nesse capítulo foi compreendido como o resultado, a síntese do

processo de apropriação criativa realizada pelo seu autor, tanto do repertório escolanovista

presente no Manifesto quanto do repertório católico contido na Encíclica, e em outros textos de

autores escolanovistas, católicos e os ligados à Psicologia. A análise das prescrições teóricas e

técnicas do projeto educacional que este impresso comunica, traz indícios de como o

escolanovismo católico backheusiano tem como marca a interlocução da ciência com a religião

quando almeja uma educação integral baseada numa concepção espiritualista de homem, de

vida e de universo.

Ao expressar a sua representação de Escola Nova ele vai se distanciando dos autores

que denominou comunistas e ou socialistas, como Dewey e seu principal seguidor no Brasil,

Anísio Teixeira, porque, na sua opinião, se aproximavam de uma concepção de base

experimentalista e materialista, portanto, diferente da sua. Para fundamentar os seus argumentos

se apropriou de vários autores, apesar de muitas vezes não citá-los, tanto leigos quanto católicos

e, em especial, daqueles tratadistas da Escola Nova e os da área da Psicologia, essencialmente,

os ligados ao ramo psicológico que julgou mais adequado à perspectiva pedagógica que propôs.

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174

Dessa forma, incitou a interlocução entre ciência e religião, desde que aquela fosse

pensada à luz desta, acatando parte dos princípios escolanovistas e recusando os que não

considerava compatíveis com o seu pensamento, fortemente fundamentado no catolicismo. Foi

assim que privilegiou a Psicologia e também a Biologia em detrimento da Sociologia, porque

esta ciência pagã, no seu entendimento, concorria com Deus, porque ditava as finalidades da

vida frente ao indivíduo. Foi assim que assumiu a defesa de uma educação integral que partisse

do interesse da criança, ensinasse o princípio da colaboração e, incluindo o Ensino Religioso,

educasse para a vida terrena e para além dela, para o plano sobrenatural.

Depreende-se que para produzir esse bem cultural - o manual - Everardo Backheuser

transitou pelo campo educacional a partir de certas motivações e necessidades, movimentou

determinadas práticas (modos de fazer) e representações (modos de ver), as quais, com a

circulação deste impresso, foram difundidas alimentando e produzindo novas práticas, novas

leituras, novas apropriações e representações.

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175

4 MANUAL DE PEDAGOGIA MODERNA

Everardo Backheuser escreveu o seu primeiro manual pedagógico em 1934 e a partir da

sua 3ª edição, em 194260, o reformulou a pedido dos seus editores, alterando inclusive o título

do impresso. No período de publicação deste manual, o Brasil ainda estava sob a atmosfera

marcada pelas mãos e ações de Getúlio Vargas, primeiro com o governo provisório (1930-1934)

e depois com a instauração da sua ditadura, o Estado Novo (1937-1945). Essa conjuntura teve

influência direta no campo educacional, terreno contestado, disputado por pioneiros e católicos.

Entre as medidas capitaneadas pelo governo getulista na esfera educacional destacam-se: a

Reforma Francisco Campos; a Constituição de 1934; a criação do Instituto Nacional de Estudos

Pedagógicos - INEP; a Constituição de 1937 e as Reformas Capanema.

No primeiro semestre de 1931, como o primeiro a ocupar o cargo de Ministro da

Educação e Saúde Pública (fundado em 1930) do governo getulista, o escolanovista Francisco

Campos baixou um conjunto de sete decretos61 entre os quais aquele que reintroduziu o Ensino

Religioso facultativo nas escolas públicas oficiais. Para Cury (1978) essa inclusão foi uma

estratégia para a moralização individual pela doutrina católica.

A nova Constituição (BRASIL, 1934) foi aprovada no momento em que atuou

fortemente a Liga Eleitoral Católica (LEC)62. Houve fortes debates em torno desta Constituição

e dos rumos da educação nacional. Os princípios científicos e técnicos aplicados na educação

(na reforma empreendida por Anísio Teixeira e Pedro Ernesto no Distrito Federal) entraram em

confronto com a defesa da fé, da moralidade e da liberdade por parte de Alceu Amoroso Lima

(então presidente da LEC e grande nome do Centro Dom Vital). Este último atacou Anísio

Teixeira em artigos e exigiu, em carta ao então Ministro Capanema, o seu afastamento da pasta

de Educação do Distrito Federal em 1935, quando se estruturava a Universidade do Distrito

Federal (LEONARDI, 2016).

60 Infelizmente não foi possível encontrar nenhum exemplar da 3ª edição (primeira edição do manual reformulado)

datada de 1942. Para esta pesquisa foi estudada a 4ª edição, de 1948. Não foram encontradas fontes que

demonstrassem modificações em relação à edição de 1942. 61 Decreto nº. 19.850 de 1931 (Conselho Nacional de Educação); Decreto nº. 19.851 de 1931 (organização do

ensino superior e regime universitário); Decreto nº. 19.852 de 1931 (organização da Universidade do Rio de

Janeiro); Decreto nº. 19.890 de 1931 (organização do ensino secundário); Decreto nº. 19.941 de 1931

(restabeleceu Ensino Religioso nas escolas públicas); Decreto nº. 20.158 de 1931 (organiza o ensino comercial

e regulamenta a profissão de contador, entre outras providências) e o Decreto nº. 21.241 de 1932 (consolida as

disposições sobre a organização do ensino secundário) (SAVIANI, 2013). 62 Já se tratou da LEC no capítulo 2 desta tese. Importa lembrar que ela fomentou a mobilização do eleitorado

católico e provocou a entrada da Igreja na Constituinte com a maior parte de representantes dispostos a inserir

as suas teses na Constituição (CURY, 1978).

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176

Getúlio Vargas se dispôs a apoiar a inclusão de teses católicas nessa Constituição

recebendo em troca apoio político da Igreja. Esse acordo abriu espaço para a liderança de Alceu

Amoroso Lima na formulação da política educacional e também na indicação63 ou veto de

nomes para o exercício de cargos públicos e também para o magistério (SAVIANI, 2013).

O INEP foi criado, pela Lei n.º 378, no dia 13 de janeiro de 1937, sendo chamado

inicialmente de Instituto Nacional de Pedagogia (BRASIL, 1937). A partir de sua fundação

tornou-se o irradiador do pensamento educacional brasileiro nas décadas de 1940, 1950 e 1960,

além de subvencionar, com a produção de estudos e pesquisas sobre a realidade educacional do

país, as políticas voltadas para a educação. Em 1938, o órgão iniciou seus trabalhos de fato,

com a publicação do Decreto-Lei nº. 580 (BRASIL, 1938), regulamentando a organização e a

estrutura da instituição e tendo modificada a sua denominação. Lourenço Filho foi nomeado

para o cargo de diretor-geral64. Segundo o Decreto-Lei nº. 580 (BRASIL, 1938) cabia ao INEP:

organizar a documentação relativa à história e ao estado atual das doutrinas e técnicas

pedagógicas; manter intercâmbio com instituições nacionais e internacionais; promover

inquéritos e pesquisas; dar assistência técnica aos serviços estaduais, municipais e particulares

de educação, sobre problemas pedagógicos e divulgar os seus trabalhos. Além disso, cabia ao

órgão participar da orientação e seleção profissional dos funcionários públicos da União.

Em 10 de novembro de 1937 foi outorgada uma nova Constituição, no mesmo dia em

que, por meio de um golpe de Estado, era implantada no país a ditadura do Estado Novo. Foi

elaborada pelo jurista Francisco Campos, ministro da Justiça do novo regime, e obteve a

aprovação prévia de Vargas e do ministro da Guerra, general Eurico Dutra.

No início da década de 1940 o então Ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema,

fundamentado na nova Constituição, pôs em marcha uma legislação muito específica, que ficou

conhecida como “Reforma Capanema”, a qual foi baixada por meio de oito decretos-lei65. Entre

os decretos, houve aquele que reformou o Ensino Normal, o qual acabou dando ênfase à

publicação e à circulação dos manuais nas escolas normais, porque inseriu no currículo do

segundo e terceiro ano do curso de formação de professores primários, a disciplina de

Metodologia do Ensino Primário (3ª e 4ª séries) e Prática de Ensino (4ª série). Nestas aulas, o

63 Ressalta-se aqui que Backheuser ofereceu o curso que se eternizou em manual a convite de Amoroso Lima. 64 Na década de 1950, outro escolanovista assumiu a direção do INEP, à época Anísio Teixeira enfatizou o caráter

investigativo do órgão promovendo trabalhos de pesquisa. 65 Decretos-lei n.º 4.028 de 1942 (SENAI); Decreto-lei n.º 4.073 de 1942 (Lei Orgânica do Ensino Industrial);

Decreto-lei n.º 4.244 de 1942 (Lei Orgânica do Ensino Secundário); Decreto-lei nº. 6.141 de 1943 (Lei

Orgânica do Ensino Comercial); Decreto-lei nº. 8.259 de 1946 (Lei Orgânica do Ensino Primário); Decreto-lei

n.º 8.530 de 1946 (Lei Orgânica do Ensino Normal); Decreto-lei nº. 8.621 de 1946 (SENAC) e Decreto-lei nº.

9.613 de 1946 (Lei Orgânica do Ensino Agrícola) (SAVIANI, 2013).

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177

professor deveria realizar explicações sistemáticas sobre os programas de ensino primário, seus

objetivos, articulação da matéria, indicação dos processos e formas de ensino, e ainda a revisão

do conteúdo desses programas (BRASIL, 1946, p. 4). Talvez isso tenha influenciado o fato do

manual de Backheuser ter chegado à quarta edição em 1948 e à quinta em 1954.

O capítulo 2 da tese em tela possibilitou a compreensão de que nos anos 1930 no Brasil,

a educação ocupou lugar de destaque no projeto de constituição e fortalecimento de um Estado

Nacional, e foi compreendida como instrumento para a consolidação da nacionalidade.

Educadores ligados ao campo educacional, bem como ao governo, ocupavam-se do debate

acerca da cientificização do campo pedagógico. Para o estabelecimento de uma nova sociedade

e para a formação do cidadão ideal, o professor era considerado o principal agente, então, os

cursos de formação de professores deveriam se ocupar com os subsídios científicos para

fundamentar a atuação e intervenção dos professores no tecido social. Essa conjuntura adentra

os anos 1940.

Interessa saber que à época, o ideário educacional renovador fundamentava-se para a

educação em três áreas, a Sociologia, a Biologia e a Psicologia, isto é, a Pedagogia deveria

apoiar-se nessas fontes para erigir a educação nova. O campo de formação dos professores -

onde Backheuser atuava como docente e também por meio do manual pedagógico - foi

fortemente marcado pela inserção destas ciências consideradas “fontes para a educação”.

Circunscrito nesse contexto, ao atender ao pedido dos editores e reformular o manual, na nova

edição, Backheuser continua dando ênfase a estas fontes, e de maneira especial a duas delas: à

Psicologia e à Biologia. Articulando saberes teóricos e prescrições para a prática pedagógica,

este manual, meio de transformação de ideias, reúne saberes considerados necessários à prática

docente e é tomado como uma estratégia (CERTEAU, 2014) para incidir diretamente sobre a

formação dos professores, ou seja, para consolidar um habitus pedagógico (TEIVE, 2008)

específico, um modo de ser professor.

A partir de meados da década de 1940, pôde ser notada uma preocupação progressiva

com os aspectos práticos e metodológicos ao se pensar na formação dos professores. Nesse

sentido, foi comum os manuais sinalizarem as funções de “guia” (SILVA, 2009). Essa

característica, de compêndio, pode ser percebida nas abas da 5ª edição66 do manual de

Backheuser, datada de 1954, quando o autor, referindo-se a si mesmo na terceira pessoa,

classifica o seu impresso como uma enciclopédia e afirma que:

66 A edição estudada aqui, de 1948, trata-se de cópia digitalizada, então, não foi possível o acesso às abas. De

qualquer forma, infere-se não ter havido alterações de uma edição para outra.

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178

O antagonismo de concepções filosóficas, políticas e pedagógicas marca e abala a

nossa época, gerando ou aumentando os conflitos e incertezas que a caracterizam.

Têm, pois, a maior oportunidade, são aliás indispensáveis, as obras educacionais que,

como a presente, fazem uma exposição crítica imparciais das diferentes teorias que

lutam pelo predomínio, que exigem ser postas em prática. Já não basta sabermos o

que significam behavorismo, psicanálise, Psicologia estrutural, Escola Nova, etc. - é

mister que lhes conheçamos os defeitos e as vantagens, que possamos estudar a teoria

e a prática dos velhos e novos pedagogos. Este Manual de Pedagogia Moderna foi

concebido e escrito no sentido dessa exposição crítica. Em suas páginas, o Prof.

Everardo Backheuser, cuja vida tem sido dedicada ao estudo dos magnos problemas

de Pedagogia, ensina lições claras, precisas e importantes: - Trata exaustivamente da

conceituação da Educação e Pedagogia; mostra as íntimas relações entre a Pedagogia,

a Biologia, a Psicologia, a Filosofia e a Sociologia; estuda os diferentes fatores da

Educação; mostra o papel do mestre, da família e da sociedade na educação do

indivíduo; estabelece os princípios cardiais da Escola Nova e comenta os diferentes

problemas de Pedagogia Prática. Esta obra destina-se particularmente aos alunos e

alunas das escolas normais e institutos de educação, mas os seus lineamentos e lições

muito aproveitarão o professorado já em exercício. O Manual de Pedagogia Moderna

é também uma verdadeira enciclopédia de educação e está escrito em linguagem

acessível a todos, de sorte que muito se recomenda aos pais e mães interessados na

boa formação dos filhos e a quantos queiram documentar-se no cada vez mais

importante setor educacional (BACKHEUSER, 1954) (grifos do autor).

Para Silva (2005) de 1870 a 1930 os manuais enfatizaram diferentes polos do triângulo

didático. Primeiro se preocuparam com as atribuições do professor, depois com as questões

organizacionais da escola e, finalmente, inspirados no movimento escolanovista,

desenvolveram saberes relacionados à compreensão da infância. Mobilizando saberes no intuito

de compreender o desenvolvimento da criança, os manuais pedagógicos, afinados ao ideário

escolanovista, tiveram como referência trabalhos de pedagogos, médicos, psicólogos, biólogos,

sociólogos, filósofos, entre outros. Com o objetivo principal de ofertar a educação integral, o

foco esteve nas atitudes, nas disposições e no comportamento da criança. Entre 1940 e 1970,

os manuais se voltaram a outro elemento, os métodos didáticos. E nessa direção, privilegiaram

a explicação de como organizar os conteúdos, planejar as aulas, usar técnicas de ensino e avaliar

o rendimento dos educandos, tendência mundialmente conhecida como “tecnicização do

ensino”.

Voltando as lentes para o manual analisado no terceiro capítulo dessa tese, pode-se

perceber a preocupação com a edificação da educação integral, com o desenvolvimento da

criança e também com a exposição de algumas sugestões didáticas visando pôr em prática os

pressupostos do ideário renovador, depurados do que não fosse compatível com a religião

católica. No entanto, no manual reformulado no início da década de 1940, além de todas essas

questões permanecerem como mote, constata-se que o autor matiza a necessidade de conhecer

e compreender a personalidade da criança por meio da Psicologia e da Biologia, e, tendo como

filtro a filosofia católica, conciliar os preceitos escolanovistas com as práticas ditas tradicionais,

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já sedimentadas. Por conseguinte, o manual materializa algumas prescrições para tal

conciliação.

Os manuais pedagógicos escritos por Backheuser foram tomados aqui como estratégias

(CERTEAU, 2014), suportes de divulgação de uma Pedagogia muitíssimo particular.

Estratégias essas associadas às apropriações e às representações (CHARTIER, 1990) que o

autor fez do ideário escolanovista, avaliando as suas proposições e privilegiando as julgadas

como mais adequadas ao seu projeto educacional. Destarte, com o objetivo de analisar o

conteúdo deste manual detectando, de forma especial, as diferenças relacionadas à edição de

1934, e identificando pistas daquilo que aqui foi cognominado escolanovismo católico

backheusiano, a organização deste capítulo foi elaborada da seguinte forma: no primeiro

subcapítulo, são analisados os aspectos estruturais do manual, atentando para a nova

organização do texto, e, em especial para os acréscimos realizados; os subcapítulos

subsequentes são eixos de análise estrategicamente escolhidos para sintetizar o texto do manual,

bem como para caracterizar os pontos essenciais da Pedagogia nova backheusiana.

4.1 ASPECTOS ESTRUTURAIS

A 1ª edição desta obra data de 1934 e foi estudada no capítulo anterior. A 2ª data do ano

de 1936, texto que foi sendo desenvolvido durante o período de existência da CCBE e, em 1942,

foi reeditado com o título de Manual de Pedagogia moderna (Teoria e Prática). Na 3ª edição,

as modificações envolveram a atualização de dados, a reordenação dos antigos capítulos e a

inserção de alguns novos. Essa metamorfose, como esclarece o autor, teve o intuito de

transformar o livro em um compêndio de Pedagogia para uso das Escolas Normais e Institutos

de Educação. O manual foi publicado novamente em 1948 (4ª edição) e em 1954 (5ª edição).

A mudança anunciada pelo autor no prefácio da 3ª edição pode ser notada em todo o

livro, a começar pelo título. A organização do manual também é diferente, pois, deixa de contar

com 10 capítulos subdivididos em temáticas, e passa a apresentar 6 seções subdivididas em 15

capítulos e, o número de páginas é superior, de 311 passou para 409.

Na 4ª edição, mesmo tamanho da 1ª, de 12cm de largura por 18cm de altura, também

com encadernação do tipo brochura conforme Figuras 25 e 26, Backheuser faz tal qual na 1ª,

uma dedicatória à sua segunda mulher Alcina, apresenta o índice, e também um prefácio da 3ª

edição onde explica, resumidamente, as alterações realizadas:

Prefácio da 3ª edição:

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180

Êste livro que, em suas duas primeiras edições, apareceu sob o título de Técnica da

Pedagogia Moderna sofre agora modificações profundas, não só na atualização dos

informes como na própria coordenação dos antigos capítulos com a adição de outros

novos que não constavam daquelas edições. Procedemos a essa verdadeira

metamorfose com o objetivo, desejado pelos editôres, de torná-lo um compêndio de

Pedagogia para uso de escolas normais e institutos de educação. Essas circunstâncias

forçaram a mudança do título da obra (BACKHEUSER, 1948, p. 13).

Figura 26 - Folha de rosto do Manual de Pedagogia Moderna (Teoria e Prática) - 4ª edição,

194867

67 A capa do manual não é a original, e sim, uma capa dura. Por isso optei por trazer a folha de rosto.

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181

Fonte: Acervo pessoal de Maria Fernanda Batista Faraco Werneck de Paula (adquirido no sebo

www.estantevirtual.com.br).

Figura 27 - Lombada do Manual de Pedagogia Moderna (Teoria e Prática) - 4ª edição, 1948

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182

Fonte: Acervo pessoal de Maria Fernanda Batista Faraco Werneck de Paula (adquirido no sebo

www.estantevirtual.com.br).

O prefácio novamente é escrito pelo Padre Leonel Franca seguido de um Preâmbulo da

1ª edição escrito pelo próprio autor. As grandes seções são subdividas em 16 capítulos (ver

Quadro 3):

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183

Quadro 3 - Sumário do Manual de Pedagogia Moderna (Continua) SEÇÕES CAPÍTULOS Nº DE

PÁGINAS

I

CONCEITO DE

EDUCAÇÃO E DE

PEDAGOGIA

Capítulo I - Apresentação do problema

Educar para a vida total

A Pedagogia como arte e como ciência

Visão panorâmica da Pedagogia

15

II

CIÊNCIAS

BASILARES DA

PEDAGOGIA

Capítulo II - Ciências basilares e correlatas da Pedagogia

Biotipologia

Psicologia

Estruturalística

Biologia

Ética ou Moral

Filosofia

Sociologia

Ciências, letras e artes

49

III

FATORES DA

EDUCAÇÃO

Capítulo III - A personalidade

Exame pedagógico do corpo

Índice de robustez e deficiências físicas

Exame pedagógico das funções psíquicas

Exame pedagógico das estruturas psicológicas

Exame pedagógico das características temperamentais

Capítulo IV - Do mimetismo em Pedagogia

Aquisição de hábitos

Fixação de hábitos

Capítulo V - O interesse em Pedagogia

Conceitos gerais

O interesse segundo a idade

O interesse na técnica do ensino

Como despertar o interesse:

Fazer perder a timidez à criança

Aproveitar as oportunidades do agrado da criança

Aguçar a curiosidade da criança

Prêmio e castigo como estimuladores do interesse

Capítulo VI - O “meio” em Pedagogia

Projeção subjetiva do meio objetivo

Mios objetivos propriamente ditos

O meio natural

O meio cultural

O meio social

62

Fonte: Elaborada pela autora, 2014.

Quadro 3 - Sumário do Manual de Pedagogia Moderna (Continuação) SEÇÕES CAPÍTULOS Nº DE

PÁGINAS

IV Capítulo VII - Os educadores

O educador profissional 50

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184

OS EDUCADORES

E A EDUCAÇÃO

Seleção do magistério

O papel do mestre na Escola Nova

Educadores não profissionais

Capítulo VIII - Educação Integral

Educação Física

Educação Científica

Educação Artística

Educação Econômica

Educação Social e Política

Educação Moral e Religiosa

Educação Cívica

Educação Doméstica

Educação Manual

V

PRINCÍPIOS

CARDEAIS DA

ESCOLA NOVA

Capítulo IX - Considerações preliminares

Escola Nova e escola tradicional

Aspectos da Escola Nova

Aspecto pedagógico

Aspecto filosófico

Aspecto psicológico

Aspecto político

Pontos de dúvida

Capítulo X - A iniciativa

A iniciativa do aluno

Impressão e observação

Associação E Expressão

Iniciativa do professor

A iniciativa da escola urbana e na escola rural

Capítulo XI - A cooperação

Cooperação entre pais e filhos

Cooperação entre professores e alunos

Cooperação entre lar e escola

O entendimento harmônico entre pais e professores

Deve se processar normalmente dentro da via da escola

Círculos de pais e professores

Acordo em torno dos princípios básicos da educação

Cooperação entre alunos

A colaboração como técnica educativa

Cooperação entre professores

A cooperação dos governos

Capítulo XII - A escola única

Escola única como monopólio do ensino

Necessidade do ensino particular

Variedades de aspecto da escola única

Coeducação

Escola da democracia

Escola neutra e leiga

Escola única como escola anti-regional

Escola única como escola unitária

108

Fonte: Elaborada pela autora, 2014.

Quadro 3 - Sumário do Manual de Pedagogia Moderna (Conclusão) SEÇÕES CAPÍTULOS Nº DE

PÁGINAS

VI - PROBLEMAS

DE PEDAGOGIA

PRÁTICA

Capítulo XIII - Algumas técnicas modernas

Excursões

Centros de interesse

88

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185

Método de projetos

“Planos” americanos e europeus

Platoon plan

Plano Winnetka

Plano Dalton

Plano Howard

Plano Lietz

Planos Wickersdorf e Odenwald

Plano Manheim

Museus Escolares

O museu de classe e de escola

Dramatizações

Capítulo XIV - Da matrícula

Os questionários

A ficha de matrícula

A inscrição

Caderneta escolar

Idade escolar

Obrigação escolar

Capítulo XV - Da organização das classes

Critérios de homogeneização

Classes de analfabetos

Teste de Winckler (Leipzig)

Teste ABC

Nota

Teste Minas Gerais

A repetência

Classes de ajustamento

Homogeneização e equipes

Horários

Capítulo XVI - Julgamento e seleção de alunos

Critérios de julgamento

Processos subjetivos

Processos objetivos

Confecção dos testes

Aplicação dos testes

Apuração dos testes

Objeções ao valor dos testes

Escolha do critério de julgamento

Uma eloquente pesquisa

Testes

Mecanismos de testes

Seleção

Nota final

Fonte: Elaborada pela autora, 2014.

O manual de 1934 abre o seu conteúdo com 20 (vinte) páginas no capítulo I

Considerações Gerais, o qual versa sobre a expressão Escola Nova e os seus usos, aproveitando

para cotejá-la com a escola tradicional. Em 1948, a seção I Conceito de Educação e de

Pedagogia é composta pelo Capítulo I Apresentação do Problema que, em 15 páginas, aborda

uma visão geral da pedagogia como arte e como ciência e, também a questão de Educar para a

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vida total. Esse último assunto vem contemplar as 8 páginas que o primeiro manual dedicou a

Educar para a vida e pela a vida no capítulo VIII.

O capítulo IV, “A Pedagogia e as ciências correlatas” do primeiro manual, em 55

(cinquenta e cinco) páginas, dá ênfase à Biologia; Psicologia (Estruturalística); Ética ou Moral;

Filosofia, Sociologia e Ciências, Letras e Artes. No segundo manual, a temática aparece na

seção II Ciências Basilares da Pedagogia, no capítulo (II) de 49 (quarenta e nove) páginas

intitulado Ciências basilares e correlatas da pedagogia. Todas as citadas acima são novamente

aludidas. E aqui há a inclusão da Biotipologia.

Técnica da Pedagogia Moderna destinou os capítulos II, III, VI e VII para tratar

respectivamente em 20 (vinte) páginas dos Princípios Cardeais da Escola Nova entre os quais

os aspectos filosófico, psicológico e político; em 27 (vinte e sete) páginas, a questão da Escola

única; em 36 (trinta e seis) páginas sobre a Iniciativa; e em 32 (trinta e duas) páginas tratou da

Cooperação. Em Manual de Pedagogia Moderna, todos esses temas foram agrupados na seção

V intitulada Princípios Cardeais da Escola Nova. Então, em 108 (cento e oito) páginas tratou-

se novamente das mesmas questões divididas em capítulos: IX Considerações preliminares,

onde foram trazidos os aspectos da Escola Nova; X A iniciativa; XI A Cooperação e XII A

escola única.

Antes a questão do Papel do mestre na Escola Nova já permeava todo o texto, entretanto,

teve 05 (cinco) páginas e o capítulo IX especificamente destinado a ele. Depois essa temática,

que novamente permeou todo o conteúdo do manual, foi inserida na seção IV Os educadores e

a educação. Em 50 (cinquenta) páginas foram incluídos dois capítulos VII Os Educadores, onde

é tratada a função do professor e VIII Educação Integral. Neste último foram acrescentadas a

Educação Cívica e a Doméstica. No manual anterior, a Educação Integral foi tratada em 31

(trinta e uma) páginas, no capítulo V.

No primeiro manual o último capítulo (X) tratou dos Detalhes da Técnica da Escola

Nova. Em 42 (quarenta e duas) páginas, o autor tratou das Excursões; Centros de interesse;

Método de projetos; Planos americanos e europeus; Dramatizações e Museus escolares. Esses

mesmos assuntos aparecem no manual reformulado na VI seção correspondente aos capítulos

XIII, XIV, XV e XVI. Em 88 (oitenta e oito) páginas são incluídas também a questão da

Matrícula, da Organização das classes e do Julgamento e seleção dos alunos. É nessa parte que

Backheuser trata dos testes de homogeneização das classes, e, onde se pode notar a influência

da Psicologia. Esse tema é matizado no subcapítulo 4.2 da tese porque, tomando a Psicologia

como a ciência capaz de estudar e entender a alma do indivíduo, Backheuser demonstra a

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fundamental importância deste ramo científico juntamente com a Biotipologia para erigir o seu

projeto educacional.

Além da inclusão descrita no parágrafo acima, Manual de Pedagogia Moderna traz a

inclusão da seção III intitulada Fatores da Educação. Em 62 (sessenta e duas) páginas, o autor

aborda o Capítulo III A personalidade; Capítulo IV Do mimetismo em pedagogia; Capítulo V

O interesse em pedagogia e Capítulo VI O “meio” em pedagogia. A questão aludida no

conteúdo sobre a personalidade mostra o quanto o autor estava inserido no contexto que

reivindicava a inclusão da Psicologia na Pedagogia no sentido de compreender a infância para

agir sobre ela. Para Backheuser esta compreensão seria capaz de despertar o interesse da criança

para o aprendizado, a chave para a moldagem tanto do corpo quanto da alma do educando.

Trata-se disso com mais detalhes no subcapítulo 4.3 desta tese.

A análise dos sumários demonstra que o autor não excluiu as temáticas tratadas em

1934, elas foram novamente ressaltadas em 1948. Houve algumas reformulações,

reorganizações, porém, o que se destaca aqui são as principais inclusões (realçadas no quadro

3, com o fundo na cor vermelha e a fonte na cor branca). Backheuser continuou preocupado

com a explicação conceitual da Escola Nova, propondo metodologias inspiradas no movimento

renovador, apropriando-se de autores dos campos das pedagogias (renovadora e da católica), e,

em especial daqueles ligados à Psicologia e a Biotipologia, e defendendo o seu próprio ideal de

educação, tal qual o fez na 1ª edição de Técnica da Pedagogia Moderna.

Não obstante, em Manual de Pedagogia Moderna, reforça novamente a reintrodução da

religiosidade nos currículos escolares oficiais e, além de trazer a Educação Cívica e a Doméstica

para compor a educação integral que defende, advoga em favor da incorporação da Psicologia

e também da Biotipologia no campo educacional. Interessa então, matizar o quanto a questão

religiosa e essas ciências são importantes para Backheuser, no sentido de compreender a

personalidade da criança, despertar o seu interesse e edificar o projeto educacional, aqui

denominado escolanovismo católico backheusiano.

Ainda nesta edição, o autor faz uso do artifício visual trazendo imagens68 das

experiências escolanovistas realizadas como o “método de projetos realizado na Escola

Gonçalves Dias do Distrito Federal” e na “Escola Rural Alberto Torres no Recife". Traz

também algumas imagens de alguns dos autores que cita como: Kerschensteiner a quem define

como uma das Figuras da Pedagogia Nova na Alemanha; Dewey, Decroly, Claparède e

Kilpatrick como Pioneiros da Escola Nova; Francisco Campos e Fernando de Azevedo como

68 Por se tratar de uma cópia digitalizada, as imagens não são claras, por isso não foram reproduzidas aqui.

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188

Vanguardeiros da Escola Nova no Brasil; os Expoentes da Pedagogia moderna no Brasil entre

os quais cita Heitor Lira da Silva; Líderes da Pedagogia católica no Brasil como Padre Leonel

Franca e Alceu Amoroso Lima; Reformadores pedagógicos como Montessori e Froebel; entre

vários outros. O Quadro 469 elenca os autores mais citados nesta edição e a compara com a

anterior.

Quadro 4 - Autores mais citados no Manual de Pedagogia Moderna Nº. AUTORES RECORRÊNCIAS

01 Decroly 21

02 Kerschensteiner 21

03 De Hôvre 17

04 Claparède 17

05 John Dewey/Dewey 14

06 Freud 12

07 Adler 12

08 Lourenço Filho 9

09 Herbart 9

10 Kilpatrick 8

11 Yung/C. G Yung 8

12 Spalding 8

13 Jean-Jacques/ Jean-Jacques Rousseau/ Rousseau 7

14 Vertés 6

15 Pio XI/ Encíclica Divini Illius Magistri 6

16 Dupanloup/Monsenhor Dupanloup 6

17 Pestalozzi 6

18 Kretschmer70 6

19 Anísio Teixeira 5

20 Lechner71 5

21 Delgado de Carvalho 5

22 Spranger72 5

23 Spencer73 5

Fonte: Elaborada pela autora, 2016.

As interlocuções de Backheuser com estes autores de diversos matizes fundamentam o

discurso presente no seu manual e, por conseguinte, o seu projeto educacional. Dialogando com

representantes da Pedagogia da Escola Nova e também da Pedagogia Católica, com filósofos e,

69 Neste quadro compila-se exatamente como Backheuser citou os autores. A tentativa foi de ser fiel a todas as

citações, entretanto, não se descarta a hipótese de uma ou outra recorrência ter escapado aos olhos. Importa

ressaltar que o quadro cumpre o objetivo de demonstrar os autores mais recorrentes na obra. Foram destacadas

as recorrências iguais ou superiores a cinco. 70 Ernst Kretschmer, psiquiatra alemão, ligado aos estudos da Biotipologia. Disponível

em:<http://www.biografiasyvidas.com/biografia/k/kretschmer.htm Acesso em: 9 nov. 2016. 71 Norbert Lechner nasceu na Alemanha e foi pesquisador, cientista político e advogado. Disponível

em:<http://www.flacsochile.org/personajes/norbert-lechner/>. Acesso em: 9 nov. 2016. 72 Eduard Spranger foi um psicólogo, filósofo e pedagogo alemão. Disponível

em:<http://www.biografiasyvidas.com/biografia/s/spranger_eduard.htm>. Acesso em: 6 jul. 2016. 73 Herbert Spencer (1820-1903) foi um filósofo inglês, um dos maiores representantes do positivismo na

Inglaterra. É considerado o fundador da teoria do darwinismo social, onde as classes diferenciadas formariam

a seleção natural na sociedade. Teve grande influência em estudiosos como Durkheim. Disponível

em:<https://www.ebiografia.com/herbert_spencer/>. Acesso em: 9 nov. 2016.

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com autores da Psicologia e da Biotipologia ele vai tecendo os argumentos que edificam o seu

ideal de Escola Nova. Sobre alguns tece críticas como, por exemplo, a Anísio Teixeira a quem

cita 05 (cinco) vezes (desde o primeiro manual, critica as suas apropriações dos escritos

deweyanos como mostrado no item 3.1.9); a Dewey, considerado por ele como comunista, a

quem cita 14 (quatorze) vezes; a Rousseau e Spencer a quem considera como individualistas, o

primeiro aparece 07 (sete) vezes e o segundo, 05 (cinco) vezes.

A crítica dos educadores católicos, entre eles Backheuser, em relação a alguns tratadistas

da Escola Nova como Dewey e daqueles que se apropriaram desses tratados como Anísio

Teixeira, está profundamente relacionada à laicidade, preceito da tal renovação escolar - à

época, laicidade e comunismo eram tomados como sinônimos. Sob a ótica católica, a ausência

dos princípios religiosos nos currículos escolares oficiais favorecia a formação de uma

sociedade totalitária e comunista (CUNHA; COSTA, 2006).

A proposta educacional deweyana se preocupa com a experiência humana no mundo

real, um mundo em constante transformação o qual é aprendido no plano terreno, escolar, por

meio de uma pedagogia amparada na ciência. Toda a metodologia da escola deweyana percebe

a criança como ser social e psicológico inserido em determinada conjuntura e não como seres

transcendentais definidos no plano da sabedoria divina como quer a pedagogia católica

(CUNHA; COSTA, 2002). O sujeito da educação para o pensamento católico que orienta o

backheusiano está descrito na Encíclica (1929, p. 17): “Com efeito nunca deve perder-se de

vista que o sujeito da educação cristã é o homem, o homem todo, espírito unido ao corpo em

unidade de natureza, com todas as suas faculdades naturais e sobrenaturais [...]”.

Em síntese, a crítica de Backheuser a Dewey tem a ver com encaixá-lo na corrente

pragmática ou empirista a qual, para a doutrina católica, deriva do naturalismo e é constituída

por preceitos que não convergem com a filosófica católica:

O motivo dessa rejeição é que se trata de um pensamento que não considera valores

eternos e absolutos, pregando a inexistência de conceitos fixos e verdades eternas,

considerando todas as coisas como dotadas de uma natureza mutável, prática e

material (CUNHA; COSTA, 2006, p. 290).

No campo da educação, seguidores de Dewey são tomados pelos autores orientados pelo

catolicismo como defensores de uma educação total que despreza as questões espirituais porque

está voltada para os bens sociais e coletivos, os quais acarretam na formação de uma sociedade

socialista e laica. Compreende-se que para Backheuser, se não filtrada pela filosofia católica, a

Escola Nova pode conduzir a humanidade à negação da existência de Deus.

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Os pensadores brasileiros, conhecidos como pioneiros da educação nova, Lourenço

Filho e Fernando de Azevedo, também foram citados, neste caso, o mais citado é o primeiro,

foram 09 (nove) vezes; o segundo, 05 (cinco) vezes. Em relação aos pioneiros, nos dois

manuais, as críticas do autor se referem de forma contundente a Anísio Teixeira, o qual, na

opinião do autor do manual, segue à risca o pragmatismo deweyano. Lourenço Filho e Fernando

de Azevedo aparecem mais como referências escolanovistas para reforçar a tese do autor, ainda

que ao tratar dos testes psicológicos e ao ramo da Psicologia mais adequado ao campo

pedagógico, Backheuser se contraponha a Lourenço Filho. Fernando de Azevedo, por exemplo,

é lembrado como alguém que o convidou para algumas atividades, como a diretoria de algumas

escolas para ensinar e praticar a metodologia renovada.

Pensadores alemães voltados à Psicologia são recorrentemente citados: Kretschmer,

psiquiatra ligado aos estudos da Biotipologia, 06 (seis) vezes; e Spranger, relacionado à

Psicologia estruturalística 05 (cinco) vezes. Apesar de não terem sido encontrados os dados

biográficos de Vertés, citado por 06 (seis) vezes, infere-se que também seja um autor ligado à

área da Psicologia porque é referenciado no manual para tratar do meio objetivo e a projeção

subjetiva do meio objetivo em Pedagogia. Os representantes da Psicanálise também são

lembrados: Yung, 08 (oito) vezes; Adler e Freud, 12 (doze) vezes cada um (no item 4.2 pode-

se ver que Backheuser cita essa corrente da Psicologia de forma crítica).

Lechner, cientista político alemão também é citado 05 (cinco) vezes; e Herbart, filósofo

alemão que inaugurou a análise sistemática da educação e mostrou a importância da Psicologia

na teorização do ensino é citado 09 (nove) vezes.

Além de Dewey, outros pensadores ligados ao movimento escolanovista ao nível

mundial são citados várias vezes. Claparède74, citado 17 (dezessete) vezes foi um cientista

suíço, apaixonado pelas ciências naturais, interessado em Psicologia Pedagógica, Psicologia e

Pedagogia Funcional e Neurologia, e, representante da Psicologia influenciada pela Biologia,

se preocupou em compreender o funcionamento da mente infantil. Doutorou-se em Medicina e

depois abandonou os seus estudos de Neurologia e Psicologia animal para se dedicar

integramente à Psicologia da Infância (ARCE; SIMÃO, 2007).

Campeão de citações ao lado de Kerschensteiner, o médico e educador belga Decroly

foi citado 21 (vinte e uma) vezes. Especialista em Neurologia era entusiasta por experiências

laboratoriais e valorizou, em sua obra educacional, as condições do desenvolvimento infantil

74 Em 1930, Claparède visitou o Brasil, realizou duas conferências e entrou em contato com alguns educadores

brasileiros, entre eles: Lourenço Filho, Mário Casassanta, Francisco Venâncio Filho e outros (ARCE; SIMÃO,

2007).

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destacando o caráter global da atividade da criança e a função de globalização do ensino.

Decroly, tal qual Backheuser, almejou conciliar Psicologia e Pedagogia na prática educacional

que, para ele, não consistia numa preparação para a vida adulta, porque a criança deveria

preocupar-se com os problemas do tempo presente. Apoiado na Psicogênese acreditava que “a

criança não é nem um adulto em miniatura nem uma cera virgem. Ela é simplesmente um outro”

(DUBREUCQ, 2010, p. 18). E na sua concepção, a atividade é a chave do crescimento e a

educação, age sobre essa atividade, podendo detê-la ou dirigi-la em sentidos favoráveis e ou

desfavoráveis. Quanto mais estimulada for a atividade, o interesse, mais se favorece o

desenvolvimento das capacidades sensoriais, perceptivas, intelectuais e expressivas da criança.

Esse estímulo vai garantir a experiência que será material para as aprendizagens posteriores

(DUBREUCQ, 2010).

Kerschensteiner, vanguardista na ideia de uma educação ativa, da escola do trabalho,

onde a teoria e a prática se complementavam, também foi citado 21 (vinte e uma) vezes. O

pedagogo alemão, tanto quanto Backheuser, defendia que a vontade de aprender deveria partir

da criança, pois na sua tese, o aprendizado acontece de dentro para fora e não de fora para

dentro. De acordo com Dallabrida (2015), Kerschensteiner acreditava que era função da

educação a formação cívica e social dos alunos. Assim a escola deveria funcionar como uma

minissociedade que formaria cidadãos úteis ao Estado. Nessa direção, se a escola, baseada em

atividades, funcionasse como uma sociedade em miniatura, as crianças aprenderiam a viver,

conviver e “trabalhar” como numa sociedade. A escola idealizada por Kerschensteiner levava

em conta a individualidade de cada criança e nesse sentido os dons naturais de cada um eram

destacados. Ainda assim, a educação deveria se basear em atividades colaborativas, as crianças

deveriam trabalhar unidas, pois, na sua opinião, é preciso que todos os indivíduos estejam

dispostos a encontrar interesses em comum para então, trabalhá-los juntos (DALLABRIDA,

2015).

O filósofo norte-americano que cunhou o termo “Método de projetos”, Kilpatrick, é

citado 08 (oito) vezes e Pestalozzi, sistematizador do método de ensino intuitivo e, considerado

pelo autor do manual, como pioneiro da Escola Nova, 06 (seis) vezes. Também como

representante do movimento escolanovista, citou por 05 (cinco) vezes o precursor da Geografia

Moderna no Brasil, o francês Delgado de Carvalho.

Da Pedagogia católica, os mais citados foram Pio XI, autor da Encíclica Divini Illius

Magistri (06 vezes); o bispo, teólogo, jornalista e político francês Félix Antoine Philibert

Dupanloup (06 vezes) e Franz De Hôvre, citado 17 (dezessete) vezes, referência para brasileiros

como o Padre Leonel França. Spalding é citado por 08 (oito) vezes.

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O Quadro 5, a seguir, compara os autores mais citados nos manuais de 1934 e de 1948.

Quadro 575 - Comparação entre os autores citados nos dois manuais

Nº. AUTORES RECORRÊNCIAS

MANUAL 1

RECORRÊNCIAS

MANUAL 2

01 Ovide Decroly 15 21

02 Georg Michel Kerschensteiner 13 21

03 Franz De Hôvre 17 17

04 Edouard Claparède 12 17

05 John Dewey 11 14

06 Alfred Adler 11 12

07 Sigmund Freud 10 12

08 Lourenço Filho 7 9

09 Johann Friedrich Herbart 6 9

10 William Heard Kilpatrick 7 8

11 Yung 6 8

12 Spalding 5 8

13 Jean-Jacques Rousseau 7 7

14 Pio XI/ Encíclica Divini Illius Magistri 7 6

15 Félix Antoine Philibert Dupanloup 7 6

16 Johann Heinrich Pestalozzi 6 6

17 Vertes - 6

18 Ernst Kretschmer - 6

19 Anísio Teixeira 10 5

20 Delgado de Carvalho 5 5

21 Herbert Spencer 4 5

22 Eduard Spranger 1 5

23 Norbert Lechner - 5

24 Fernando de Azevedo 5 4 Fonte: Elaborada pela autora, 2016.

Os pioneiros da educação nova no Brasil foram citados em ambos os manuais. No

manual de 1934, Anísio Teixeira, Lourenço Filho e Fernando de Azevedo apareceram 10 (dez),

07 (sete) e 05 (cinco) vezes respectivamente. Na década seguinte apareceram 05 (cinco), 09

(nove) e 04 (quatro) vezes.

Pensadores ligados ao movimento escolanovista em escala mundial também aparecem

em ambos os manuais: Claparède 12 (doze) e 17 (dezessete), Dewey 11 (onze) e 14 (quatorze),

Herbart 06 (seis) e 09 (nove), Spencer 04 (quatro) e 05 (cinco), Kilpatrick 07 (sete) e 08 (oito)

e os novamente mais citados Decroly 15 (quinze) e 21 (vinte e uma) e Kerschensteiner, primeiro

13 (treze) e depois 21 (vinte e uma) vezes.

Aqueles ligados à Pedagogia católica também foram mantidos. De Hôvre, Dupanloup e

a Encíclica com o Papa Pio XI foram citados 17 (dezessete), 07 (sete) e 07 (sete) primeiro e

75 Foram elencadas as recorrências iguais ou superiores a cinco, no manual 1 e/ou no manual 2.

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depois 17 (dezessete), 06 (seis) e 08 (oito) vezes respectivamente. A tríade da Psicanálise

aparece novamente, Freud foi citado 10 (dez) e 12 (doze) vezes, Yung 06 (seis) e 08 (oito) e

finalmente, Adler 11 (onze) e 12 (doze) vezes. Pestalozzi e Rousseau também foram mantidos,

o primeiro foi lembrado 06 (seis) vezes nos dois manuais e o segundo 07 (sete) vezes nas duas

edições do manual. Delgado de Carvalho também apareceu 05 (cinco) vezes em cada. Spalding

apareceu mais no manual de 1948. Primeiro foi mencionado 05 (cinco) e depois 08 (oito) vezes.

Spranger foi citado apenas 01 (uma) vez no primeiro manual, já no segundo aparece 05 (cinco)

vezes. Foram notados três acréscimos de um manual para o outro: Kretschmer, Lechner e

Vertés, ambos foram referidos 06 (seis), 05 (cinco) e 06 (seis) vezes de modo respectivo. O

primeiro demonstra a presença da Biotipologia e o último da Psicologia na argumentação do

autor.

Na 1ª edição Backheuser estava empenhado na discussão dos princípios fundantes da

Escola Nova visando esclarecer e mostrar a aplicabilidade das orientações escolanovistas ao

seu público alvo, o professorado. Nas palavras dele, naquela edição formulou uma “campanha

metódica em prol da Escola Nova” (BACKHEUSER, 1948, p. 259). Para tanto, partiu das

discussões teóricas acerca do pensamento educacional indo até o papel do professor no processo

de ensino. Há nesta edição uma preocupação em esclarecer os princípios escolanovistas e em

sistematizar estes pressupostos além de advertir para o cuidado na execução, quando trata da

metodologia. Este manual é marcado pela intenção de fundamentar e sistematizar o

conhecimento sobre a Escola Nova e mostrar a aplicação prática de seus princípios.

Na edição de 1948, há ainda uma preocupação com a compreensão sobre Escola Nova,

e também com as orientações práticas sobre a ação docente. Contudo, há uma ênfase particular

na necessidade de compreender a personalidade da criança para agir sobre ela, por meio do

interesse. Nesse sentido, o autor destaca a Psicologia e a Biologia como essenciais para essa

compreensão e reforça possíveis interfaces que vislumbra entre a ciência e a religião, o que, por

meio da perspectiva charteriana podem ser compreendidas como indícios da apropriação que

fez dos pontos cardeais da Escola Nova.

Apesar dos temas se repetirem várias vezes, comparando as duas edições, percebe-se a

reformulação de alguns títulos e em alguns momentos, o próprio autor cita a diferença entre as

diferentes edições. Ele tece, inclusive, comentários acerca das conquistas referentes à

implantação dos princípios da Escola Nova nas instituições escolares. Na parte final, foram

acrescentadas informações específicas referentes à administração escolar, como, por exemplo,

sobre a matrícula do corpo discente. E, novas contribuições da Psicologia, particularmente dos

testes para avaliação, seleção, julgamento e classificação dos alunos.

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Diferente da organização estabelecida para a análise do primeiro manual, desta vez não

serão descritos todos os capítulos e subcapítulos seguindo a ordem do autor. Considerei mais

orgânico definir duas variáveis como eixos de análise do segundo manual. Nessa direção, os

subcapítulos finais desta tese, além de trazerem uma síntese do segundo manual são também

marcados pelo esforço de descortinar os diálogos estabelecidos pelo autor entre ciência e

religião católica (sobretudo pelo uso da Psicologia, dos testes psicológicos para a

homogeneização das classes e da Biotipologia para desvendar a alma da criança); e de

compreender o estudo da personalidade como chave para pôr em marcha uma educação integral

que visa à moldagem do corpo e da alma a partir do interesse.

As ferramentas teóricas selecionadas para fundamentar essa tese são importantes para,

a partir das duas variáveis citadas, buscar compreender a posição que Backheuser ocupou no

campo educacional e, como foi que utilizando os manuais pedagógicos como estratégias (para

divulgar o seu ideal de educação) e também como táticas (quando representaram a sua própria

apropriação de Escola Nova), conseguiu edificar o seu próprio projeto educacional.

4.2 INTERLOCUÇÕES ENTRE CIÊNCIA E RELIGIÃO CATÓLICA: A PSICOLOGIA

COMO CIÊNCIA DA ALMA

Backheuser tinha em vista um homem completo, não

atingido por mutilações na alma e nem limitado pela

fragmentação de teorias que o recortavam em sua

totalidade, em sua humanidade. Descartava, de início, as

proposições que excluíam a alma imortal, bem como

aquelas que afrontavam o sagrado. Em seguida,

posicionava-se partidário de uma teoria psicológica que,

mesmo não pressupondo uma alma católica, não a

excluía, a priori. Visitando as Psicologias, o autor

associava o processo de conhecer ao de classificar e

interpretar cada uma das teorias em pauta, buscando

aquela que mais se aproximasse, ou menos se

distanciasse, das sagradas escrituras (CUNHA;

ERRERIAS, 2000, p. 39).

Sendo uma das principais marcas desta nova versão do manual, a apropriação feita da

Psicologia e o uso desta ciência no campo pedagógico, o objetivo central deste subcapítulo é

matizar a interlocução feita entre ciência e religião católica a partir da defesa de uma Psicologia

integradora, com o intuito de contribuir para o campo pedagógico e, mais, diretamente, para o

seu projeto educacional. Pretendo pois, realçar o ramo da Psicologia eleito pelo autor como o

mais afinado ao seu ideal de educação. Para tanto, almejo desvelar indícios da importância da

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195

Psicologia para os projetos educacionais escolanovistas baseados numa Pedagogia Científica,

ressaltando o esboço backheusiano.

Pioneiros e católicos, ao disputar a dominação do campo educacional, se apropriaram

desta ciência. Interessa dar a ver como um ramo psicológico ou outro foi adotado por dois dos

principais representantes destes grupos em conflito. Primeiro, aponta-se pistas do uso da

Psicologia em Lourenço Filho, representante do grupo dos pioneiros, no seu livro Introdução

ao Estudo da Escola Nova e acerca dos Testes ABC; e, depois, mais detidamente, por Everardo

Backheuser, representante do grupo oponente, que, no manual de 1948 se apropriou do ramo

da Psicologia que julgou mais afinado com o seu projeto educacional. Ele, da mesma forma que

o pioneiro, defendeu a aplicação de testes para a padronização das turmas e a Psicologia como

pedra angular na compreensão da personalidade da criança.

Sganderla e Carvalho (2008) afirmam que a Psicologia contribuiu de forma significativa

para a constituição do campo educacional brasileiro. Ao lado da Sociologia e da Biologia, foi

uma das ciências que fundamentou a formação de professores e os debates educacionais, a partir

do início do século XX, no mesmo contexto em que o campo educacional forneceu importantes

elementos que respaldaram a sua constituição como campo científico reconhecido no país. A

defesa de uma pedagogia científica foi uma das características do movimento educacional da

década de 1930. Num contexto em que a educação era considerada a via mais eficaz para a

transformação da sociedade, cabendo à escola (nova) conduzir o indivíduo a um ideal de nação,

a Psicologia emergiu como ciência eficaz para a modelagem dos cidadãos esperados pelo

projeto republicano.

Nessa conjuntura fortalecia-se o movimento de aplicação da Psicologia à educação

através do uso dos testes e medidas. Para os psicólogos da época, os testes representavam a

cientificidade e objetividade necessárias para que a Pedagogia se firmasse como campo do

conhecimento. O chamado “Movimento dos testes” adquiriu uma grande proporção, tanto que

a Diretoria Geral da Instrução Pública do Distrito Federal organizou cursos sobre testes

psicológicos para diretores de escolas (MONARCHA, 2001).

Em vários Estados foram instituídos laboratórios de Psicologia aplicada, os quais

promoveram cursos sobre aplicação de testes. Um dos mais conhecidos foi o conjunto elaborado

por Lourenço Filho em 1933, os Testes ABC, que além de consistirem uma forma de aplicar

experimentalmente a psicologia no campo educacional, serviam para verificar a maturidade

necessária à aprendizagem da leitura e escrita. Segundo Sganderla e Carvalho (2008, p. 183):

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Esses testes visavam à classificação dos alunos que ingressavam na escola ou eram

repetentes quanto a sua maturidade para a aprendizagem da leitura e escrita,

propiciando um perfil individual e um perfil da classe. Dessa forma, permitia alcançar

o objetivo de homogeneização das classes quanto ao nível de maturidade dos

estudantes, separando-os em classes seletivas para a alfabetização, a fim de que

fossem consideradas as diferenças individuais e se alcançasse maior eficácia nos

resultados escolares.

Na concepção de Lourenço Filho, com base em Watson76, a educação consiste num

processo de condicionamento do comportamento. Ele defende a formação integral da criança,

processo no qual a aprendizagem depende tanto de fatores orgânicos como psicológicos e

sociais. Sendo assim o indivíduo pensa, age e se desenvolve a partir da necessidade de se

adaptar ao meio social no qual está inserido, e para o autor, esta adaptação ocorre de acordo

com a influência da motivação, aprendizagem e personalidade (fatores psicológicos). Esses

elementos se desenvolvem de acordo com características biológicas (orgânicas e hereditárias)

e individuais em interação com o meio (fatores sociais), dependente das relações com as pessoas

e com os objetos materiais. Portanto, na sua concepção, a aprendizagem consiste na variação

do comportamento por efeito da experiência desenvolvida na prática ou exercício em busca de

ajustamento individual.

Para Lourenço Filho as diferenças individuais no espaço da escola prejudicavam o

processo de ensino-aprendizagem, por isso era importante avaliar as crianças e agrupá-las pelas

semelhanças em classes homogêneas. Apesar de partir da individualidade, da diferença, o

objetivo maior deste projeto era a padronização. Aos Testes ABC, aplicados já na matrícula da

criança, cabia selecionar e nivelar em grupos de fortes, médios e fracos e à Psicologia cabia

fornecer “subsídios para a modificação, a alteração do comportamento do educando por meio

do entendimento de seu desenvolvimento psicológico, com base em um modelo explicativo

genético-funcional” (SGANDERLA; CARVALHO, 2010, p. 113).

O papel atribuído aos testes, portanto, era de permitir a intervenção do professor e evitar

práticas do senso comum, que não estivessem calcadas num paradigma científico de atuação.

Em suma, os Testes ABC se atêm a três pontos fundamentais: o diagnóstico das condições de

maturidade para aprender; o prognóstico do comportamento das crianças nas situações

sucessivas de ensino e à necessidade de uma maior atenção a determinados alunos, comumente

considerados “crianças-problema” (LOURENÇO FILHO, 1974). Pois, a identificação das

76 John B. Watson, doutor em Psicologia e suas ideias se tornaram um ponto de referência da Psicologia vigente

na época, sendo denominada de behaviorismo. Disponível em: <http://www.uniriotec.br/~pimentel/disciplinas

/ie2/infoeduc/teowatson.html>. Acesso em: 7 set. 2016.

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“crianças-problema” permitiria que a escola fosse mais eficiente no atendimento a esses alunos,

moldando seu comportamento.

No manual de 1934 Backheuser ensaiou rapidamente algumas críticas aos ramos da

Psicologia que, segundo ele, não são apropriados para a aplicação na Pedagogia. Entre esses

ramos, situam-se a Psicanálise de Freud e o Behaviorismo (ou Psicologia Comportamental) o

qual, como mostrado acima, foi defendido por Lourenço Filho, signatário do Manifesto e vulto

notável na história das ideias psicológicas no Brasil. Embora ambos se preocupassem com a

questão da personalidade, fizessem uso da Psicologia para conduzir as crianças ao seu sujeito

idealizado e usassem testes psicológicos para homogeneizar as turmas e padronizar os

indivíduos, cada um defendia um ramo específico dessa ciência.

De acordo com Cunha e Errerias (2000) Backheuser criticava a Psicanálise por entender

que, segundo ela, todas as formas de comportamento se baseiam na sexualidade, e, também

pela postura herética do seu fundador, Freud, a qual era incompatível com a doutrina católica.

Já acerca do Behaviorismo de Watson, a crítica backheusiana parte da compreensão de que,

para este ramo, a investigação psicológica deve se processar como um estudo da conduta, do

comportamento e não um exame introspectivo do espírito. Essa conduta se caracteriza pela

herança que o indivíduo traz na sua organização e pelo hábito que desenvolve em sua vida.

Nessa perspectiva, para Backheuser (1934, p. 94), a conduta se reduziria “a reações em face do

estímulo do meio”.

Em face de sua herança empirista, ele se contrapõe a esse ramo psicológico, afirmando

que a conduta, critério de avaliação do homem, pode provir de diversas causas:

Uma criança, por exemplo, que tira de um armário da casa certo objeto pode ter para

isto uma causa condenável ou uma causa nobre: pode tê-lo feito para se apossar

indevidamente do que lhe não pertencia - servir do objeto para compor um brinquedo,

ou seja, realizar certo trabalho. Como este, inúmeros outros fatos (BACKHEUSER,

1934, p. 94).

Errerias (2000) analisa a posição crítica de Backheuser diante do Behaviorismo e a julga

inconsistente. Ele afirma que, a partir da perspectiva católica, a crítica mais coerente seria à

“presunção” deste ramo da Psicologia de considerar o ser humano como tábula rasa, o que

entraria em confronto direto com a acepção de alma que é intrínseco à filosofia católica. Ainda

assim, seria preciso desenvolver esse argumento de uma forma mais sólida porque o

Behaviorismo não presume a inexistência de fatores subjetivos apenas a impossibilidade da

Psicologia estudá-los, já que não são acessíveis aos métodos das ciências naturais. E acrescenta:

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Em última instância, a razão pela qual Backheuser necessita distanciar-se da

Psicologia Comportamental [Behaviorismo] encontra-se na premência de introduzir a

religiosidade no âmbito educativo. Vem daí sua investida - levada a cabo de qualquer

maneira - para desqualificar qualquer tentativa de expurgar a alma da ciência da alma,

pois aí está a grande ameaça ao seu projeto educacional, no qual a Psicologia consta

como ciência basilar (ERRERIAS, 2000, p. 68) (grifo do autor).

Afora suas discordâncias com a Psicanálise e com o Behaviorismo, Backheuser defende

a Psicologia como uma das ciências basilares da Pedagogia, destacando-a como a principal

delas porque “estuda a alma”. E, dentre os vários ramos desta ciência, elege a Estruturalística

(da mesma corrente da Gestalt, defendida no manual de 1934) afirmando que para esta: “[...] a

alma não é um composto de elementos em mosaico, nem o produto de uma ação única, mas ao

contrário, um complexo harmonioso de várias estruturas entrelaçadas e solidamente presas em

perpétua ligação e interdependência recíproca” (BACKHEUSER, 1948, p. 52).

No seu entendimento, é nesse complexo harmonioso que o meio e a educação agem. É

na alma que se deve agir para modelar o indivíduo, para formar a sua personalidade. E como

ferramentas para agir sobre a personalidade da criança, ele cita vários testes psicológicos em

uso naquele contexto. Backheuser via na alma humana, a trama (aquilo que é peculiar ao

indivíduo) e a urdidura (o que provém das influências externas). No seu olhar sobre o ser

humano, trama e urdidura confundiam-se, ele mesmo diz que apenas um olhar técnico seria

capaz de distingui-las.

A sua concepção de homem afastava-se tanto das teorias que viam o indivíduo como

fruto exclusivo dos seus próprios instintos quanto das que o tratavam como mero resultado do

meio e ainda em relação àquelas teorias que tratavam o ser como simples consequência

hereditária. Para ele, em todo o indivíduo há a integração destas três influências. Por isso,

apropriou-se da Psicologia na Pedagogia como queria a Escola Nova, mas o fez defendendo o

ramo da Gestalt no manual da década de 1930, e continuou, na década de 1940, com ainda mais

ímpeto, quando incluiu a Estruturalística em seu manual. Tanto a tese backheusiana quanto esse

ramo psicológico pleiteiam uma compreensão integradora da realidade, do ser humano.

Na sua acepção, apenas este ramo específico - que contempla o mundo como um todo

integrado o qual não pode ser compreendido apenas como mera soma de elementos - não seria

ameaça ao seu projeto educacional, e, ainda, se tornaria a base de toda a sua Pedagogia. Os

fundamentos da Gestalt tornavam possível uma perspectiva de homem e de sociedade próximos

da tese backheusiana e dos propósitos do seu projeto educacional filtrado pela filosofia católica.

Conforme esse ramo psicológico estivesse em consonância com o catolicismo, ele o validava.

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O hiato entre Lourenço Filho e Everardo Backheuser, além da perspectiva psicológica

adotada, refere-se, sobretudo, ao sujeito que querem formar: enquanto o pioneiro, a partir de

um prisma mais sociológico, se ocupa da formação integral do indivíduo com o foco sobre o

seu comportamento, o seu ajustamento social; o católico, através de um ângulo metafísico, de

uma leitura cristã do mundo, se ocupa da formação integral do eu transcendental do indivíduo,

para a vida eterna, para o plano sagrado. Marcas da bagagem ideológica destes dois professores

que militaram no mesmo campo, e com estratégias diferentes, se apropriaram dos preceitos

escolanovistas e, nos seus escritos, discursos e práticas representaram, cada um à sua maneira,

a Escola Nova.

Para Cunha e Errerias (2000), o afastamento de Backheuser em relação à Sociologia

pode ser compreendido na medida em que esta ciência estava estreitamente ligada à adaptação

do homem às finalidades da vida. Assim, era uma ciência que concorreria com Deus, porque os

católicos esperavam que as finalidades educacionais fossem uma projeção direta do plano

sagrado. Essa aversão à Sociologia pode ser atrelada ao pensamento nacionalista que atacava

as influências estrangeiras, em especial ligadas às ideias liberais e comunistas porque ambas

eram contrárias ao catolicismo que “desde sempre foi o legislador da alma dessa terra, alma

esta que, por direito de herança e descendência, era e deveria continuar sendo católica”

(CUNHA; ERRERIAS, 2000, p. 37). A oposição instransponível entre Backheuser e Lourenço

Filho nesse quesito fica clara quando se entende que este via o fim da educação na sociedade

enquanto aquele via o transcendente como norteador único e fundamental para as práticas

educativas.

Assim, na concepção backheusiana, para pôr em marcha uma educação integral calcada

no escolanovismo católico seria preciso, além de ofertar um conteúdo espiritual, agir sobre a

personalidade da criança, não apenas para moldar o seu comportamento, mas para educar a sua

alma. E para esse fito os testes psicológicos se apresentavam como instrumentos fundamentais,

bem como o conhecimento de outro ramo da Psicologia que mergulha também na Biologia, a

Biotipologia, para então, desvelar a alma da criança.

4.2.1 Testes psicológicos: instrumentos de ação sobre a personalidade da criança

Apesar de sugerir o Índice de Escolaridade (I.S) para, de certo modo, substituir o critério

psicológico, considerar os Testes ABC como uma apropriação resumida dos testes Winckler, e,

tratar de forma mais detida os Testes Limiar - porque focalizam a verificação do saber social

das crianças - Backheuser defendia a aplicação deste instrumento, tal qual Lourenço Filho, com

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o objetivo de selecionar os alunos do ponto de vista do preparo escolar para então, poder

reagrupá-los em classes homogêneas.

Para pensar numa metodologia possível para organizar a classe, o autor propôs algumas

suposições e sugestões. Para uma situação, por exemplo, de uma escola pequena com um só

professor ou com poucos alunos, sugeria o método de projetos, porque agrupados em equipes,

os educandos conseguiriam resolver os problemas referentes ao nível de conhecimento porque

trabalhariam em conjunto, de forma harmônica em prol do mesmo objetivo, ou seja, da

execução do projeto. Numa situação que a quantidade de educandos permitisse, seria fixada

uma divisão em séries. Quando houvesse alunos novos e a necessidade de seriá-los mediante

conteúdo ou programa distinto da escola anterior, sugeria a realização de provas ou exames,

por meio dos quais seria possível detectar o nível do educando.

Imaginando a necessidade de subdividir uma mesma série, o autor apresentou os

seguintes critérios: psicológico, sociológico e pedagógico. Apesar de citar o critério

sociológico, não o recomendava porque a situação cultural das famílias, na maioria das vezes,

refletida pela situação econômica, poderia vir a ser um índice separador para homogeneização

das classes escolares, já que crianças que vivem num mesmo meio apresentam condições

similares para aprendizagem porque os seus conhecimentos sociais são, comumente, os

mesmos.

Em relação ao critério psicológico - para ele, o mais exato e seguro - seria necessária a

aplicação de testes de inteligência, o que também não seria exequível no Brasil porque:

Não adiantaria, de fato, uma rigorosa verificação de inteligência, permitindo, por ex.,

a classificação em três grupos (x, y, z), se, logo depois, fosse verificado (e este é o

caso real) que a quantidade de alunos x de cada série não bastava para formar uma

turma e que a dos z era tal que se tornava superabundante. Na classe dos x entrariam

alunos y e nesta alunos z. Como esta, outras hipóteses ocorreriam igualmente

embaraçosas. Os que têm tentado esse critério encontram-se, na prática, em face de

dificuldades insuperáveis, ladeadas com mais ou menos habilidade, mas sempre

revelando falhas no sistema (BACKHEUSER, 1948, p. 373).

Para, de certo modo, substituir o critério psicológico, Backheuser sugeriu tornar critério

de homogeneização das turmas, um índice de escolaridade “constituído por uma fração tendo

para numerador a nota de aprovação e para denominador a idade cronológica em meses”

(BACKHEUSER, 1948, p. 374). O I.S não fornece um quociente intelectual, mas oferece a

indicação de algo que é equivalente à maturidade escolar. Este índice leva em conta aquilo que

é recomendado pelos especialistas, o saber adquirido. E apresenta maior facilidade e

maleabilidade de aplicação nas escolas.

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201

O critério pedagógico77 era por ele indicado para subdividir as turmas da mesma forma

com que era usado para dividir os matriculados em séries a partir do adiantamento dos alunos.

Assim seriam criadas as classes dos “adiantados e atrasados” ou dos “adiantados, médios e

atrasados”. Nestas classes, designadas por esses nomes, ou por letras, ou ainda por algarismos

simbólicos, se uniriam as crianças que no ano anterior tivessem obtido notas de aprovação

aproximadamente iguais. A classificação poderia ser feita apenas pela nota de aprovação ou, a

partir de um maior rigor psicológico, poderia ser levada em conta a idade cronológica do aluno

na data da prova. Consideração esta que seria valiosa, porque “traduz[iria], em igualdade de

notas de aprovação, maior inteligência ou, pelo menos, maior capacidade de assimilação (que

é o que interessa em Pedagogia) nos mais jovens” (BACKHEUSER, 1948, p. 373).

O critério do I.S sugerido por Backheuser não poderia ser aplicado às classes de

analfabetos porque estes não teriam as notas de aprovação. Para estes casos seriam mais

adequados os testes de maturidade que poderiam ser individuais ou coletivos. Então, o autor

citou o mais conhecido dos testes coletivos: o de Printner e dos individuais: o de Winckler

(conhecido também como Lepzig por ter sigo organizado no famoso instituto de Psicologia

desta cidade alemã). O autor se concentrou mais no último teste que submetia o candidato a 17

provas.

Este conjunto de provas, sintetizado aqui, fixaria a maturidade do aluno para cursar a 1ª

série primária: 1. Combinação construtiva; 2. Reprodução de desenhos; 3. Memória acústica;

4. Memória motora; 5. Memória lógica; 6. Adaptação ao falar; 7. Prolação; 8. Compreensão de

números; 9. Memória visual; 10. Conhecimentos de coisas; 11. Fantasia; 12. Conhecimento de

cores; 13. Definições; 14. Observação; 15. Habilidade manual; 16. Capacidade de adaptação;

17. Pertinácia e capacidade de concentração.

Estes testes objetivavam obter indicações de caráter psicológico como a compreensão e

a memória, por exemplo, e também alcançar o nível de conhecimento da criança além de

algumas habilidades naturais como a expressão, por exemplo. Eram testes demorados e

dispendiosos que classificariam a criança em três graus: forte (3); médio (2) e fraco (1).

Backheuser apresentou ainda os testes “Minas Gerais” e “ABC”, afirmando que foi com o

intuito de aliviar as dificuldades práticas do teste de Winckler que Lourenço Filho o

ressignificou, cortando partes, adaptando outras e fazendo modificações nas técnicas, dando

77 Ainda que se trate de um manual pedagógico usado para a formação e o aperfeiçoamento de professores

primários, e, do autor admitir a necessidade de divisão das crianças em grupos a partir do grau de adiantamento,

e, da homogeneização das turmas, cita-se a ausência da indicação de estratégias didáticas para desenvolver o

trabalho educativo com ambas as turmas e as suas especificidades.

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origem aos Testes ABC, que foram utilizados no Distrito Federal, em São Paulo e em outros

locais. Estes testes possuem oito itens: 1. Reprodução de três figuras; 2. Repetição do nome de

07 objetos desenhados em uma cartolina apresentados à criança, e, depois, ocultados a seus

olhos; 3. Reprodução de movimentos; 4. Reprodução de palavras de várias sílabas; 5.

Reprodução de uma história; 6. Pronúncia de palavras polissílabas difíceis; 7. Recorte de um

desenho; 8. Persistência. A avaliação dos testes ABC é feita em três graus: forte (3), médio (2)

e fraco (1) e a soma das notas indica a colocação do aluno na classificação geral

(BACKHEUSER, 1948).

O Estado de Minas Gerais foi citado como um dos que ensaiaram vários testes como o

chamado Teste Limiar que, ao contrário dos testes de Winckler e ABC, estava mais preocupado

em verificar conhecimentos gerais e escolares, isto é, o saber social do aluno, conforme Figuras

26, 27 e 28, que reproduzem na íntegra, a constituição de tal teste.

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Figura 28 - Teste Limiar (Continua)

Fonte: Backheuser, 1948.

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Figura 29 - Teste Limiar (Continuação)

Fonte: Backheuser, 1948.

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Figura 30 - Teste Limiar (Conclusão)

Fonte: Backheuser, 1948.

Ao confrontar ambos os testes - Limiar e ABC - quando dirigia o Instituto de Pesquisas

Educacionais do Distrito Federal, Backheuser (1948, p. 382) afirma ter verificado que eram

equivalentes em seus efeitos de julgamento: “em 362 alunos a correlação atingiu 0.52 com um

desvio padrão de +- 0.03”. E aponta a importância de levar em consideração o fato da repetência

que complicaria a organização das classes. Para o autor não se deveria reunir numa mesma

classe os repetentes e os promovidos porque os primeiros podem ser estigmatizados, ficar

desanimados e ou desatentos. No entanto, também não seria produtivo formar uma turma

apenas com repetentes. Porque se as causas da repetência poderiam ser diversas: falta de

aplicação, carência de inteligência, doenças, etc., a turma também será composta, ou seja, no

seu entendimento, uma turma de repetentes seria naturalmente heterogênea, não atendendo

então o princípio da homogeneização das classes.

Na sua opinião, uma das tentativas para solucionar este problema seria a criação de

classes de reajustamento, destinadas também a outras “anomalias” que acometem os chamados

“alunos difíceis”:

Nas classes de reajustamento o número de alunos é pequeno de modo que o professor

a cujo cargo ela esteja possa cuidar individualmente de cada caso, verificando as

deficiências e falhas de um a um, a umas e outras dando o conveniente corretivo. Às

vezes algumas semanas são suficientes para colocar o aluno “em tratamento” ao nível

médio de sua turma, dando-se então, a volta, com vantagem, de novo élan de trabalho

(BACKHEUSER, 1948, p. 384).

Essas classes assemelham-se às classes de débeis e também se encarregam do ensino

daqueles “bem dotados”. A estes últimos Backheuser (1948, p. 384) afirma que “destacá-los da

classe a que pertencem para que em classes especiais lhes seja ministrado ensino condizente

com seu nível mental é o que de mais justo parece”. O autor conclui defendendo as vantagens

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da homogeneização das classes escolares. Para ele desníveis entre os alunos de uma mesma

turma prejudicariam a todos, tanto os superiores quanto os inferiores:

Os primeiros, vencendo sem grandes tropeços as tarefas escolares, e não encontrando

êmulos suficientemente aguerridos, deixam de se esforçar nos estudos e com isso

acabam eles próprios se prejudicando. Os colocados em camadas inferiores das

classes também não se esforçam porque qualquer trabalho lhes parece inútil para

disputar os primeiros lugares de tal modo distantes se encontram das cumeadas das

turmas. Por outro lado o professor a cada hora encontra embaraços ora porque

elevando o padrão das aulas não é acompanhado pelos fracos, ora porque o baixando

deixe de interessar os fortes (BACKHEUSER, 1948, p. 385).

Na sua opinião, em turmas homogêneas tanto o professor quanto os educandos poderiam

sentir-se à vontade, ainda que não houvesse uniformidade absoluta, porque existiriam sempre

desníveis entre os educandos, as explicações são facilitadas e a emulação é possível. Segundo

o autor, o professor poderia tirar vantagens desses pequenos desníveis organizando equipes nas

quais seriam formados grupos heterogêneos, juntando alunos mais dotados de iniciativa, por

exemplo, daqueles menos e mais tímidos; os apreciadores da pesquisa e da investigação junto

com os propensos à meditação ou à reprodução:

A equipe é um pelotão de grande mobilidade, com capacidade de realizar

empreendimentos que um aluno isoladamente jamais poderia tentar. Pelo trabalho em

equipes efetua-se, melhor do que por outro meio qualquer, a Pedagogia social. O

princípio de heterogeneidade intrínseca da equipe não destrói senão confirma a

vantagem da homogeneização das classes (BACKHEUSER, 1948, p. 385).

Além da questão dos testes psicológicos para homogeneização das turmas, o autor trata

da escolha dos critérios de julgamento e da seleção dos alunos via processos subjetivos e

objetivos. Esse julgamento teria como base observações que fossem registradas pelo professor,

as quais se refeririam desde a constituição física do educando até a formação moral, e, também

diriam respeito à ordem estrutural, os níveis de inteligência, as funções psíquicas e a conduta,

enfim, tudo que estiver relacionado ao estudante. No entanto, não apenas estas observações

deveriam ser registradas, mas também os testes e as experiências que porventura fossem

realizados com os discentes.

Backheuser ressalta que, neste manual de 1948, não havia a preocupação em tratar da

avaliação da inteligência do aluno ou de outros fatores psíquicos, mas, sim, dos problemas

pedagógicos. Portanto, o foco estava em compreender os critérios que deveriam ser levados em

conta para então, julgar o aluno em relação à sua promoção: critério subjetivo (opinião do

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professor; opinião de uma banca examinadora); critério objetivo (provas de resposta única;

testes). Dessa forma, trata mais detidamente destes processos.

A sua principal crítica em relação aos processos subjetivos estava no fato de não

apresentarem segurança e ou serem imparciais, uma vez que quem julga são professores, seres

humanos dotados de simpatias ou antipatias, entre outros sentimentos que os tornam passíveis

de erro. Ele chega a aludir sobre a possibilidade de haver suborno. Ademais, na sua opinião, as

bancas avaliadoras por conta da solenidade, da espera e do temor podem causar inibições,

fatores que podem prejudicar os que chama de “alunos bons”, que por conta disso podem prestar

maus exames enquanto que os “alunos inferiores” podem ser bem julgados porque se mostram

tranquilos na hora do exame.

Além destas duas formas de avaliação: simples pelo professor ou por exame da banca,

acrescenta a verificação do saber do aluno, em ambiente normal de classe, sem o peso da

solenidade e sem banca, nesse caso, o julgamento será feito por outro professor, que não o da

turma. E diante dessas três possibilidades de processos subjetivos, assim se posicionou:

Em resumo podemos dizer que o julgamento pelo só professor, desde que criterioso e

honesto, parece merecer, sem dúvida, a preferência dentre os processos subjetivos, e,

como dissemos acima, quando revestido dessas duas condições, honestidade e

ponderação, é mesmo tomado como o elemento seguro nas comparações para

validade dos testes de aproveitamento. O julgamento singular oferece ademais a

vantagem de ser econômico em dinheiro e rápido em tempo. De fato, não ocasiona

despesa alguma e não demanda tempo algum; o professor remete, no fim do ano, à

secretaria, a lista dos promovíveis e não promovíveis, ou a lista das notas, pois apenas

nesse singelo ato consiste o julgamento definitivo (BACKHEUSER, 1948, p. 391).

(grifo do autor).

Os processos objetivos - que se opõem aos subjetivos porque não são apoiados em

opiniões ou estimativas - permitem que os testes possam ser corrigidos por qualquer pessoa que

esteja de posse do gabarito. Backheuser afirma que o teste, essência dos processos objetivos, é

um ótimo instrumento desde que obedeça a alguns preceitos desde a sua confecção, aplicação

e apuração.

A importância concedida por Backheuser à aplicação de testes no âmbito escolar é

indício da importância que o uso da Psicologia na Pedagogia tinha para ele, tal como para os

pioneiros, muito especialmente Lourenço Filho. Do mesmo modo que este último, Backheuser

acreditava que os testes poderiam auxiliar na compreensão da personalidade da criança, na

detecção das dificuldades de aprendizagem e, desse modo, facilitar o processo educativo por

meio da homogeneização das classes.

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Não obstante, enquanto o pioneiro, influenciado pela Sociologia, fazia uso dos testes

preocupado em ajustar o comportamento do aluno, o católico, sobrepondo as perspectivas

psicológica, biológica e até religiosa, à sociológica, se preocupava também com a moldagem

da alma. Os testes seriam como ferramentas para o mestre chegar à essência do aluno e nela

agir. No empreendimento backheusiano a Biologia - a ciência do corpo - se aliaria à Psicologia

- a ciência da alma. Por conta disso, a sua defesa da Biotipologia.

4.2.2 Biotipologia: uma tentativa de desvendar a alma

A Biotipologia78 foi uma inovação em relação ao manual anterior. Trata-se, segundo

Backheuser, de um novo ramo da Psicologia que objetivava desvendar a alma medindo o corpo.

Como precursor deste novo ramo da Psicologia ele apresentou Kretschmer, psiquiatra alemão

que pôs em confronto algumas doenças psíquicas e determinadas medidas do tronco dos

pacientes. O psiquiatra teria constatado que a esquizofrenia, por exemplo, afetava em maior

número, pessoas de tronco alongado (os esquizotímicos) e que os sintomas da loucura circular

eram mais frequentes em pessoas baixas e gordas com o tronco mais largo na bacia do que no

tórax (os ciclotímicos).

Com o avanço de suas pesquisas, o psiquiatra teria visto crescer as estimativas que

correlacionavam os fenômenos anatômico e patológico e a partir daí começou a analisar

indivíduos saudáveis, além dos pacientes. Assim, teria percebido que as pessoas apresentavam

características comportamentais como alegria, sensibilidade, atividade ou retraimento, de

acordo com tipos específicos de esqueletos. “A ciência do corpo (Biologia) e a ciência da alma

(Psicologia) estavam assim, graças ao aparecimento da Biotipologia, em feliz consórcio, sem

subordinação de uma a outra, senão em perfeito equilíbrio de valores” (BACKHEUSER, 1948,

p. 60). Este consórcio, segundo ele, já havia sido indicado por filósofos da Igreja Católica muito

antes de ser aceito por biólogos e psicólogos. Os filósofos cristãos já teriam demonstrado que

não haveria entre corpo e alma qualquer subordinação de um em relação ao outro, mas um

intercâmbio, uma interdependência.

O autor citou Santo Tomaz de Aquino que afirmou “os diversos hábitos de trabalho da

alma provém de diversas disposições do corpo”. Para Backheuser, este fragmento oferece

indícios da Biotipologia moderna já na Idade Média. Para ele, os materialistas, tanto aqueles

78 No livro Ensaio de Biotipologia Educacional (Coleção Vida de Educação, Editora: Globo, ano: 1941) não

elencado para o estudo em tela, Backheuser aprofundou o estudo neste ramo da Psicologia aproximando-o do

campo educacional.

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ligados à Psicologia e à Biotipologia, se afastam dessa concepção dos filósofos cristãos e vem

se esforçando para mostrar que as funções da alma são subordinadas às funções do organismo

físico, esquecendo-se que as emoções podem influir no corpo físico.

No livro que escreveu em homenagem ao marido, a professora Alcina o classificou

como um cliclotímico, a partir dos estudos de Kretschmer acerca da Biotipologia:

De estatura mediana, menos alto do que baixo, as dimensões horizontais - do tronco

dominando as do sentido vertical - Everardo Backheuser enquadrava-se,

normalmente, no tipo físico a que correspondem - psicologicamente manifestações

ciclotímicas. Assinalava por isso como pertinentes a seu próprio temperamento as

desigualdades e as variações de gênio inerentes aos ciclotímicos: risonho e expansivo,

fechava-se às vezes num severo mutismo. Afetuoso e sociável era também, em razão

de sua extrema sensibilidade, muito fácil de se retrair e de se irritar (BACKHEUSER,

1954, p. 5).

O próprio Backheuser (1944b), no que chamou de “autorretrato de ordem psicológica a

partir de uma análise científica”, também tentou se auto-observar à luz das doutrinas

psicológicas modernas, do estruturalismo de Spranger e da Biotipologia de Kretschmer,

tentando verificar em si mesmo se essas doutrinas explicavam o seu comportamento individual

e social. E no manual salientou que a Biotipologia não se satisfaz apenas com a classificação

entre estes dois tipos citados por Kretschmer, assumindo que não é possível “fotografar a alma”

de um indivíduo apenas pela medição do seu tronco, mas, que esta perspectiva já tornou

possíveis esquemas psíquicos satisfatórios.

A relação entre a Biotipologia e o processo educativo, pode ser compreendida de forma

mais profunda no próximo item (4.3) porque para atingir o fim da educação backheusiana que

consiste na educação integral da personalidade seria preciso conhecer esta personalidade e agir

sobre ela, o que segundo o autor do manual, só seria possível através do despertar do interesse.

Apesar de admitir que as indicações biotipológicas não seriam suficientes para todo o

trabalho educacional, acredita que elas trazem consigo sugestões pedagógicas essenciais para

um primeiro tratamento didático. Sendo a finalidade da Pedagogia conhecer o aluno e a ele

oferecer a melhor educação possível, com uma direção definida, a Biotipologia ofereceria

alguns índices e mensurações do corpo do aluno, os quais poderiam ser úteis à educação da sua

inteligência e também do seu caráter. No seu entendimento, a Biotipologia auxiliaria o mestre

a “penetrar na Psicologia de seus alunos” (BACKHEUSER, 1948, p. 63), ou seja, a desvelar e

adentrar a sua alma.

Tal como já foi afirmado, na tese backheusiana, é tarefa da Pedagogia a educação

integral marcada pelo conteúdo espiritual. Comportamento e alma do educando precisariam ser

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moldados e, nessa direção, a Psicologia e a compreensão da personalidade da criança seriam as

chaves da educação integral por ele proposta. Mas, para compreender a personalidade do aluno

seria necessário despertar o seu interesse. Acordado o interesse do aluno seria possível esculpir

o seu corpo e modelar a sua alma, tarefas intimamente ligadas à Biotipologia.

4.3 EDUCAÇÃO INTEGRAL DA PERSONALIDADE: CONHECER A

PERSONALIDADE PARA DESPERTAR O INTERESSE, DESPERTAR O INTERESSE

PARA MOLDAR CORPO E ALMA

Numa seção nova em relação ao manual de 1934, Backheuser trata do que chamou de

“fatores da educação”, dentre os quais são tratados “a personalidade” e “o interesse”. Para ele,

para modelar o indivíduo e formar a sua personalidade, seria preciso agir sobre o corpo e sobre

a alma. O caminho para alcançar essa educação integral da personalidade seria despertar o

interesse do educando, um dos pilares da Escola Nova. Sendo o escopo da educação, a formação

da personalidade, defendia que seria para esse objetivo que deveriam se voltar os esforços dos

educadores. Na sua concepção, não existiria Pedagogia possível sem o completo conhecimento

da personalidade da criança em todos os seus aspectos: físicos, psíquicos, estruturais e

biotipológicos. Para ele, a personalidade é constituída de corpo e alma e, portanto, tem

faculdades intelectuais e espirituais. Desse modo, estando corpo e alma indissociavelmente

ligados entre si, também os processos educativos deveriam equilibrar a preocupação com o

corpo, com o espírito e com a inteligência, que dariam a essência da educação integral da

personalidade.

Para a compreensão da personalidade da criança sugeriu as ciências basilares da

Pedagogia, sobretudo a Biologia e Psicologia e enfatizou novamente o uso da Biotipologia.

Nessa direção, ressaltou a necessidade do estudo pedagógico da personalidade da criança

compreendida pelos exames pedagógicos: do corpo; das funções psíquicas e das estruturas

psicológicas ou anímicas. Para ele a personalidade se apresenta como:

[...] um conjunto de “formas” no tempo, um encadeamento de poses sucessivas, um

cenário ativo dentro do qual se desenrola um combate contínuo entre as forças

mesológicas que levam à formação de hábitos novos, e as forças próprias e

hereditárias procurando manter os hábitos ancestrais (instintos) e as tendências

particulares a cada ser (BACKHEUSER, 1948, p. 96).

Seria necessário aos professores conhecer, portanto, o corpo dos seus alunos, o tipo

morfológico, os índices de robustez e certas deformações orgânicas, para poder atuar diante da

educação física, da alimentação e também das ordens intelectual e moral do aluno, no sentido

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de ministrar os corretivos pedagógicos necessários. Na sua acepção, o tipo morfológico que dá

a tonalidade biotipológica do educando, seria um elemento essencial à educação. Graças a ele

o professor teria condições de diagnosticar as condições de saúde e temperamentais do aluno,

e, a partir daí, indicaria prescrições alimentares, normas de ginástica, treinos mais adequados

para os estudos e corretivos de ordem moral.

O autor apresenta os dois tipos morfológicos indicados pela Biotipologia de acordo com

o tamanho e a forma do tronco: longilíneo (que lembra cilindro esguio) e brevilíneo (que lembra

um tonel)79. O exame da cabeça e dos membros também serve de parâmetro para a análise do

tipo morfológico. Na sua compreensão, ao classificar o tipo morfológico do aluno, o professor

teria acesso a indicações de temperamento prováveis: os brevelíneos corresponderiam

psicologicamente aos ciclotímicos e os longilíneos aos esquizotímicos (pode-se perceber que

ele associa esses tipos àqueles de Kretschmer, já citados anteriormente). E explica:

Se o professor observa o que esses biótipos indicam evitará, no período primário,

exercícios que tendam a exagerá-los, antes dará atenção àqueles que buscam equilibrar

morfologicamente a criança, de modo a conseguir, se possível, venha ela a ter o tipo

normal, o tipo médio (BACKHEUSER, 1948, p. 98).

A atenção voltada aos índices de robustez e deficiências físicas também é por ele

ressaltada. Porque “crianças débeis, mal nutridas, sofrendo enfermidades insidiosas, são via de

regra, incapazes de esforços mentais de certo vulto” (BACKHEUSER, 1948, p. 99).

Para medir o tal índice, o autor sugere, na falta de médico na escola, que o professor se

guie pelo índice de Kaup (fornecido por uma fração onde o numerador é o peso da criança em

gramas e o denominador é a sua estatura em centímetros elevada ao quadrado). Assim, em

idades escolares (07 aos 15 anos), a criança deve estar dentro deste índice, se estiver abaixo

será considerada como portadora de debilidades físicas: “Para meninos, os índices são: de 7 a

10 anos -1,5; de 10 a 13 - 1,6; com 14 - 1,7; com 15 anos - 1,8. Para meninas de 7 a 10 anos -

1,5; de 11 a 12 - 1,6; com 13 - 1,7; de 14 a 15 anos - 1,8” (BACKHEUSER, 1948, p. 99) (grifos

do autor).

O estado de fraqueza indicado pelo índice de robustez e outras deficiências como surdez,

gagueira, miopia, verminose, defeitos na coluna, distúrbios do coração, entre outras, deveria ser

detectado pelo professor porque configurariam sérios obstáculos para a educação. O professor

79 Neste momento o autor utiliza as expressões brevilíneo e longilíneo, usadas pelo médico italiano Nicola Pende,

criador do termo Biotipologia. Disponível em:<http://www.scielo.br/pdf/bgoeldi/v7n3/a06v7n3.pdf>. Acesso

em: 7 jul. 2016.

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deveria se preocupar também com as funções psíquicas as quais, segundo Backheuser (1948,

p. 100) poderiam precisar de “retoques pedagógicos”.

No seu entendimento, as sensações externas, por meio dos órgãos de sentido,

adentrariam a personalidade que as elabora aproveitando-as dessa ou daquela maneira. Depois

de integradas em uma espécie e “sentido comum”, tais sensações chegariam ao intelecto em

forma de “conjunto” (Gestalt): “Recebida a impressão externa, ela é percebida e uma segunda

camada psíquica, na qual a ocorrência se faz notada, podendo ser, ou não, fixada. Até aí, até

essa anotação da sensação, tudo se passa como que exteriormente à personalidade”

(BACKHEUSER, 1948, p. 100) (grifos do autor).

Quando a sensação fosse notada se poderia dizer que lhe foi dada atenção e ela passaria

então, a ser elaborada pela alma em uma zona definida como fixação de sensações. Essa fixação

teria início na atenção seguida pela fase da observação. Depois disso a sensação poderia ser

utilizada pela inteligência, pela vontade, pelo sentimento ou então, seria guardada para

aproveitamento posterior. E essa sensação exterior poderia ser guardada na memória junto com

as noções já elaboradas pela alma. Backheuser defendeu a educação da memória para que não

ficasse sobrecarregada. Entre os artifícios para tal fim, ele citou a associação. Para ele, as

associações “são como que liames que prendem na retentiva fatos, e fenômenos, e pensamentos,

e emoções” (BACKHEUSER, 1948, p. 101).

A fantasia seria a zona entre a fixação das sensações e as partes mais profundas da alma:

inteligência, sentimento e vontade. Fantasiar consiste em adicionar, suprimir ou trocar posições

de ocorrências passadas e presentes, tem algo de objetivo, mas, é bastante dependente de

qualidades mais internas da alma. A fantasia é um princípio de abstração.

Em relação às partes mais profundas da alma, que mantém entre si uma

intercomunicação contínua, o autor afirma que constituem um assunto altamente relevante para

o campo pedagógico, e dele trataria a Psicologia educacional.

Dos elementos citados acima fariam parte a inteligência, o sentimento e a vontade, sendo

que da faculdade da inteligência fariam parte a capacidade de abstração, de julgamento e de

raciocínio. Relacionada à vontade, a inteligência poderia orientá-la ou se deixar conduzir por

ela. O sentimento seria caracterizado por manifestações afetivas e temperamentais, as quais não

dependeriam do caráter ou da inteligência, podendo sofrer suas influências assim como as do

meio exterior. Já as manifestações da vontade seriam instintivas, involuntárias. Para

Backheuser, as crianças deveriam ser educadas em relação a essas funções psíquicas.

Contudo, adverte que as escolas deveriam, além de cuidar o embelezamento da

“inteligência”, dar atenção particular à formação do caráter e ao aprimoramento de qualidades

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como bondade e santidade. Nesse sentido, defende a educação dos sentidos desde o jardim da

infância, que deveria ser continuada nos anos inicias da escola primária. Segundo o seu ponto

de vista, todo o setor da educação dos sentidos estaria estreitamente ligado ao interesse:

Conforme as circunstâncias, essa educação deve ser encaminhada de modo que os

alunos procurem concentrá-las sobre um objeto de estudo (atenção e observação

dispersas). Para isso far-se-á que o estímulo externo seja forte e único ou mais fraco

e repetido. A educação dessa faculdade deve ser orientada de modo a que a atenção

se torne cada vez mais voluntária, pois só assim será de fato vantajosa ao educando

(BACKHEUSER, 1948, p. 103).

No seu afã de ajudar os professores a compreender a alma de seus alunos para que

pudessem contribuir para a formação de sua personalidade, Backheuser busca auxílio na

Biotipologia, sobretudo em Spranger. Deseja com isso compreender as estruturas em que a alma

se subdivide: científica, artística, econômica, mística, social e de comando, as quais marcariam

a personalidade de maneira singular, e se manifestariam em todas as funções psíquicas, desde

as exteriores até as interiores.

Esse projeto de educação integral de Backheuser é fortemente estribado na necessidade

da educação religiosa e, por conta disso, ele defende a inclusão do Ensino Religioso nos

currículos escolares. Segundo suas próprias palavras:

Não cuidar da educação religiosa da infância e juventude constitui, pois, falha

anticientífica em que tem incidido exatamente os que mais se dizem árdegos

cavaleiros andantes da ciência. De acordo com os princípios racionais da doutrina

estruturalista, deixar em abandono a formação religiosa da criança, é preparar para a

sociedade aleijões psicológicos propensos a desatinos temperamentais. Felizmente

vencendo o fogo de barragem dos que quiseram sitiar, o Ensino Religioso vai seguindo

marcha vencedora no país, embora ainda longe da eficiência que se lhe pode, e deve

dar, em concordância com os veredictos definitivos da Psicologia moderna

(BACKHEUSER, 1948, p. 108).

No seu entendimento, seguir a religião católica seria um dos hábitos a serem inculcados

pela educação integral - responsável pela moldagem do corpo e da alma - uma vez que além de

ministrar conhecimentos, a educação deveria “provocar a aquisição de novos hábitos”

(BACKHEUSER, 1948, p. 116). E, para adquirir tais hábitos, a imitação seria o primeiro passo.

Para ele, tanto a imitação quanto o hábito seriam adquiridos por instinto (ação

inconsciente), por sugestão de terceiros (ação subconsciente), ou por vontade individual (ação

consciente). A educação estaria afinada com a aquisição por sugestões, posto que o primeiro

passo no processo educativo seria fazer com que o educando recebesse a sugestão. Essa etapa

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seria seguida pelo primeiro movimento de imitação. Na perspectiva do autor, pais, amigos e

colegas ou mesmo apenas conhecidos são, para a criança, fontes de imitação, modelos. O

professor é também um modelo e “por esta razão cumpre-lhe medir palavras e atitudes. A escola

reflete o mestre. Se este não sabe se impôr, a disciplina desaparece” (BACKHEUSER, 1948, p.

118).

Também como uma inovação em relação ao manual de 1934, neste o autor se debruça

sobre o meio como um universo exterior que pode refletir na personalidade do indivíduo. Para

ele haveria dois “mundos”, influenciando na personalidade do adulto e especialmente na

personalidade, em formação, da criança: o meio objetivo e a projeção subjetiva do meio

objetivo.

O meio objetivo seria subdividido em três: natural (fatores geopsíquicos); cultural

(fatores geopolíticos) e humano (fatores sociais). A projeção subjetiva do meio objetivo

formaria, segundo ele:

[...] um meio interno que é aquele que acaba afinal influindo decisivamente sobre a

personalidade. Essa projeção não é constituída pela memória ou consciência de

impressões objetivas, mas pelo vestígio, pela marca que essas impressões deixam

(BACKHEUSER, 1948, p. 142) (grifo do autor).

A soma destes vestígios seria responsável por tal projeção que atuaria na expressão do

indivíduo como um catalisador que provocaria novas reações psíquicas, indispensáveis para a

recepção de novas impressões. Para Backheuser (1948, p. 143) “a evolução do catalisador

psíquico constitui afinal uma verdadeira aclimatação da personalidade”. A educação, no seu

entendimento, seria a aclimatação da personalidade da criança a outros panoramas culturais

com os quais ela vai interagindo. Essa aclimatação seria processada com o auxílio do catalisador

psíquico citado acima.

E se a projeção subjetiva do meio seria facilitada quando impressões externas se

entranham nas estruturas psíquicas dominantes, em especial no meio pedagógico, para o autor,

seria fundamental o conhecimento prévio destas estruturas, tal como propôs Spranger. E nas

pegadas de Vertés, antes de versar sobre a classificação que faz do meio objetivo (natural,

cultural e humano), Backheuser imagina uma divisão do meio objetivo e da sua projeção

subjetiva: normal e anormal. Neste último estariam as pessoas com problemas de saúde física:

surdez e cegueira, por exemplo, e, de saúde intelectual (débeis mentais, apáticos, lunáticos,

etc.), as quais sentiriam o mundo de forma nebulosa, longe da realidade efetiva.

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Destaca, também, o que chama de meios adequados e inadequados para criança,

criticando o fato das crianças viverem rodeada apenas de adultos, o que acarretaria insatisfação

e dificuldades psíquicas. Defende como meio adequado à infância à comunidade escolar

baseada no auxílio recíproco entre as crianças. A defesa do preceito escolanovista da

“atividade” também fica nítido quando questiona se a escola é um meio adequado para a criança

e responde afirmando que:

Sim e não. Sim, porque é um meio social, a natureza infantil é fundamente sociável.

Especialmente para as crianças que não tem irmãos ou companheiros proximamente

de sua idade, o meio escolar é excelente, e por isso mesmo amado e desejado pelas

crianças. É a elas adequado. Por outro lado, porém, não o é, toda vez que na escola a

educação for ministrada por métodos pedagógicos que forcem o aluno à passividade,

por um ensino dado a contragosto, ao revés dos seus interesses imediatos. A escola,

em tais casos, será um meio inadequado à criança, em oposição ao lar onde ela goza

geralmente de espontânea atividade. Ao mestre incumbe emprestar ao meio escolar

caráter de adequabilidade, tornando-o ativo estimulante (BACKHEUSER, 1948, p.

145).

Para Backheuser, os fatores geopsíquicos do meio natural, geopolíticos do meio cultural

e sociais do meio humano - que comporiam o meio objetivo - influenciariam diretamente na

personalidade, em especial na infantil, cabendo ao educador controlar cientificamente o efeito

destes fatores sobre o educando.

Citando brevemente o meio natural, afirma que “A paisagem natural atua

indelevelmente sobre o corpo e sobre a alma, modificando-as ininterruptamente”

(BACKHEUSER, 1948, p. 147). Ele se baseia em Hellpach80 para defender a tese de que os

fenômenos meteorológicos (tempestades, trovões, altas e baixas temperaturas, umidade ou ar

seco, etc.) também exercem influência sobre o organismo psíquico.

O meio cultural, em Backheuser, pode ser examinado sob os aspectos geral e particular.

Do ponto de vista geral, cada meio cultural variaria de acordo com os contextos espacial e

temporal. A este aspecto que atua sobre todos os outros, o autor chama atenção para os de

caráter particular os quais divide em meio urbano e meio rural; meio de trabalho intelectual e

meio de trabalho manual; meio rico e meio pobre e isolamento social. Cada um deles exerceria

influência sobre as experiências da criança, e, portanto, deixaria nela as suas marcas, agindo

sobre as suas projeções subjetivas e sobre a sua personalidade.

80 Willy Hellpach, alemão, foi neuropsiquiatra, professor de Psicologia representante dos estudos da geopsíquica.

Disponível em: <http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15624264>. Acesso em: 7 jul. 2016.

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Em relação ao meio humano, o autor aproveita para defender a importância da

integração entre lar e escola, porque o primeiro poderia “atuar como elemento perturbador na

educação” (BACKHEUSER, 1948, p. 154), como por exemplo, nos casos em que os pais não

sejam oficialmente casados, que tenham amantes, que se desentendam com frequência, que

estejam separados apesar de viverem na mesma casa, que não deem a devida atenção aos filhos

ou que deem carinho demais.

Em relação às crianças, o autor acredita que os educadores devem ficar atentos quando

só tenham irmãos do mesmo sexo, seja o mais velho, o caçula ou filho único, nascido muito

depois dos outros ou ainda, seja gêmeo.

Quanto à escola, Backheuser ressalta a importância de analisar o caso de coeducação

nas primeiras séries, condenando-a nas séries mais avançadas por poder causar a efeminação

dos meninos, no caso do ensino ser feito por moças, e ou falta de carinho, quando o ensino for

ministrado por homens em colégio de meninas.

Todas estas questões deveriam contribuir, sob a ótica de Backheuser, para que o

professor pudesse conhecer a personalidade das crianças e, condition sine qua non, pudesse

despertar-lhe o interesse, questão central para a Pedagogia da Escola Nova e defendida tanto

pelos pioneiros quanto pelos católicos. A questão do Interesse não havia merecido muita

atenção no manual de 1934, sendo tratada como subtema da temática “Iniciativa”. No manual

de 1948 passa a ter um capítulo específico, no qual são apresentadas: a definição do termo, a

defesa de testes estruturalistas para detectar o interesse de cada criança, algumas propostas de

como classificar os interesses de acordo com as idades e a importância de despertar o interesse

no educando.

O autor de Manual de Pedagogia Moderna define o Interesse como “o móvel da vida”

(BACKHEUSER, 1948, p. 123) e se reportando a Claparède, entende-o como “o produto da

vontade estipulada por uma necessidade, ou seja, uma vontade quase inconsciente”

(BACKHEUSER, 1948, p. 124). O interesse se manifestaria, em sua opinião, de várias

maneiras, primeiro pela atenção, depois pela curiosidade e ânsia pelo conhecimento,

frequentemente presente nas crianças. Entretanto, o interesse se modificaria com a idade ou

mesmo em relação aos níveis social e intelectual de cada um.

Para reconhecer o interesse de cada educando, o professor deveria utilizar dois métodos:

o objetivo, verificando a conduta do sujeito e as suas atividades preferidas, e o subjetivo: por

inquérito a ser respondido pelo sujeito para verificar as suas preferências, desejos e ideais. Esse

último deveria ser preferencialmente utilizado em crianças. Backheuser propõe testes

estruturalistas a serem aplicados porque “a revelação da estrutura dominante é, afinal, a

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revelação do próprio interesse dominante. O interesse mede a estrutura e esta determina aquele”

(BACKHEUSER, 1948, p. 125).

Em relação ao interesse segundo a idade, afirma que quando a personalidade ainda não

está formada por completo, ou seja, nos primeiros anos, o interesse seria impulsionado, de

forma especial, pelo instinto. Já desenvolvida a personalidade é ela que impulsionaria o

interesse e na fase adulta interesses se tornariam predominantemente estruturais. Para auxiliar

na classificação dos interesses segundo as idades, ele sugere as experiências de Strumpf81, de

Kerschensteiner e de Claparède82, esta última por ele considerada a mais minuciosa e metódica.

De modo a avançar na discussão sobre a importância dos interesses para a sua

pedagogia, baseado na importância de formar a personalidade, Backheuser os classifica com

base em dois critérios gerais: o primeiro resultaria do maior ou menor predomínio da vontade

consciente e o segundo da maior ou menor influência da estrutura psíquica. Em decorrência

desse ponto de vista, cria uma classificação que está em harmonia com o interesse segundo a

idade: interesses da primeira infância (oriundos dos instintos/ subconscientes); interesses

impulsionados ao mesmo tempo pela vontade e pelo instinto (característico da adolescência);

interesses dos adultos, já tendo desenvolvido as estruturas e as vocações (oriundos da vontade

sob a influência da estrutura psíquica). E, na sua opinião, além da idade, o sexo também

diversificaria o interesse. Assim para o sexo masculino, os interesses seriam sempre mais

objetivos e mais impulsionados pela vontade, enquanto que para o sexo feminino, seriam mais

subjetivos e emocionais.

Entendendo que “sem interesse ninguém faz nada” e que “para realizar trabalho útil na

classe, seria preciso, antes de tudo, acordar o interesse do aluno” (BACKHEUSER, 1948, p.

131), apresenta exemplos de práticas pedagógicas que considera exitosas no sentido de aguçar

o interesse da classe, ponderando que:

Se quiserdes verificar, de modo fácil, o interesse dos alunos pela lição, penetrai de

surpresa em uma sala de aula. Se não se aperceberem de vossa entrada, é sinal seguro

de que estão com o interesse preso; se ao contrário, muito solícitos, se levantarem,

com sorriso nos lábios, em saudação disciplinar, ficai certos de que vossa entrada foi-

lhes benfazejo interregno para o cansaço que a aula lhes estava causando

(BACKHEUSER, 1948, p. 132).

***

81 Não foram encontrados dados biográficos sobre este (a) autor (a). 82 Este psicólogo suíço escreveu sobre o interesse educativo em Psychologie de lénfant, obra que Backheuser cita

em nota e indica a versão portuguesa de Ayres da Mata Machado Filho e Turiano Pereira (1930).

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Tal como em 1934, o manual reformulado a pedido dos editores no início da década de

1940, comunicou a representação de Escola Nova de Everardo Adolpho Backheuser. Como

mostrado no subcapítulo 4.1, algumas alterações foram feitas, na forma e no conteúdo. No

entanto, o objetivo maior do autor permaneceu o mesmo: orientar teórica e metodologicamente

os professores na direção daquilo que julgou uma “boa pedagogia”, aquela que bebia na

modernidade do escolanovismo, mas mantinha os pés bem fincados na tradição, a partir do

filtro da religião católica.

O manual reformulado era então, um compêndio, um veículo que expressou indícios do

escolanovismo católico backheusiano que já tínhamos visto no manual anterior. E para analisar

o seu conteúdo, optou-se por, ao invés de trazer todas as seções e os capítulos conforme o autor

organizou o impresso, eleger duas variáveis que, além de sintetizar o conteúdo de Manual da

Pedagogia Moderna, serviriam de eixos para o desentranhamento daquilo que, nesta tese,

recebeu o nome de escolanovismo católico backheusiano.

O subcapítulo intitulado “Interlocuções entre ciência e religião católica: a Psicologia

como ciência da alma” deu corpo ao primeiro eixo e foi escolhido frente à importância que

Backheuser deu à Psicologia e ao diálogo que provocou entre ciência e religião. Explicou-se,

inclusive, a opção de Backheuser por um ramo específico, a Gestalt, e a defesa que fez dos

testes psicológicos bem como dos conhecimentos biotipológicos para alcançar a personalidade

infantil, e, despertar nela, o interesse, a chave para a edificação da educação integral. Então, ele

advogou em favor da inserção da ciência no campo pedagógico, sobretudo, da Psicologia e da

Biotipologia, porque, ao seu ver, ambas eram compatíveis com a o pensamento católico.

O último subcapítulo da tese recebeu o seguinte título “Educação Integral da

Personalidade: conhecer a personalidade para despertar o interesse, despertar o interesse para

moldar o corpo e a alma” porque quis mostrar o objetivo maior da pedagogia arquitetada por

ele a educação integral da personalidade, a qual, sob a sua ótica, só seria possível se o interesse

da criança fosse despertado.

Além de identificar momentos de aproximação e distanciamento entre o pensamento

pedagógico dos pioneiros, sobretudo de Lourenço Filho e o pensamento pedagógico católico

de Backheuser, esses eixos mostraram que, na perspectiva do escolanovismo católico

backheusiano, que apropriou-se de diversos autores, leigos, católicos, escolanovistas e da

Psicologia e Biotipologia e buscou a conciliação entre ciência e religião por meio da Psicologia

Gestáltica, a personalidade é constituída de corpo e alma e, portanto, tem faculdades intelectuais

e espirituais. Desse modo, estando corpo e alma indissociavelmente ligados entre si, também

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os processos educativos deveriam equilibrar a preocupação com o corpo, com o espírito e com

a inteligência, que dariam a essência da educação integral da personalidade. Acredito que essas

variáveis contribuem para o esclarecimento do que chamei de escolanovismo católico

backheusiano, o qual sistematizo no último capítulo da tese, a seguir.

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5 ARREMATES À GUISA DE CONCLUSÕES: ESCLARECENDO O

ESCOLANOVISMO CATÓLICO BACKHEUSIANO

Numa conjuntura de luta de representações entre dois modelos pedagógicos

concorrentes, a Pedagogia dita tradicional e a Escola Nova, quando se pretendia implantar no

campo educacional brasileiro uma reforma marcada pelos princípios escolanovistas,

educadores de diversas raízes teóricas e ideológicas acreditavam que a educação poderia

garantir a reconstrução da sociedade. E pensando em alcançar esse objetivo, fizeram uma leitura

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criativa e singular da Escola Nova. Essas apropriações acerca desse modelo pedagógico foram

expressas em várias representações e diversos tipos de escolanovismos.

Nos capítulos anteriores desta tese foram apontados indícios das representações dos

pioneiros e, de forma mais detalhada, daquele que foi o “mais escolanovista dos católicos”. O

“escolanovismo católico”, expressão cunhada por Carvalho (2003), empreendeu diálogo com

as ideias modernas, tecendo críticas a elementos ideológicos da Pedagogia da Escola Nova,

considerados incompatíveis com os dogmas católicos, e, ao mesmo tempo, apropriou-se do que

julgou que pudesse ser aplicado no ensino. Dentre os educadores que representaram esse tipo

de Escola Nova, ressaltou-se aqui um em especial, responsável pela difusão de uma versão

depurada da nova pedagogia, conformada à filosofia católica; pela disseminação no discurso e

nas práticas da RBP, da CCBE, e, mais enfaticamente dos manuais, de um modelo pedagógico

muito particular que, nessa tese, foi batizado com o seu nome.

O escolanovismo católico backheusiano é aqui compreendido como a representação de

Everardo Backheuser sobre a Escola Nova. Uma espécie de terceira via entre o “velho”

representado pela chamada escola tradicional e o “novo” representado pela modernidade

escolanovista. Um projeto educacional que, ancorado na Encíclica Papal Divini IlliusMagistri,

depurou a Escola Nova daquilo que contrariasse os preceitos católicos e que buscou aliar razão

e espiritualidade, ciência e religião.

Sendo os manuais pedagógicos de autoria de Everardo Backheuser veículos que

comunicam essa representação, é importante lembrar Carvalho (2003, p.117) que, ao se referir

de forma geral ao uso dos impressos como estratégias católicas de conformação do campo

pedagógico, afirma que neles:

[...] a pedagogia da Escola Nova era pasteurizada num receituário pedagógico

saturado de sentido religioso e as questões cruciais para a renovação dos processos e

das relações pedagógicas eram neutralizadas, pois tinham seu sentido capturado nas

malhas do secular repertório eclesiástico (CARVALHO, 2003, p.117).

Se “o mais escolanovista dos católicos” compreendeu a Escola Nova a partir das lentes

do catolicismo, depurando os preceitos modernos, ressignificando alguns e recusando outros,

fica latente a seguinte questão: como os postulados da Escola Nova e do catolicismo foram por

ele apropriados e representados nos manuais aqui analisados?

Em relação ao primeiro item, entendo que ele se apropriou taticamente da Escola Nova

porque defendeu uma Pedagogia científica, advogando em favor da apropriação das ciências

fontes da educação mais adequadas à sua filosofia: a Psicologia e a Biologia, defendendo o uso

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da Gestalt e da Biotipologia como instrumentos a serem colocados em prática pelos professores

na edificação da sua proposta de educação integral.

Ele expressou a sua representação de Escola Nova apresentando uma ilustração em que

no centro está a educação integral, bandeira comum aos tratadistas escolanovistas, católicos ou

não, e em torno os seus instrumentos, quais sejam: a iniciativa, a cooperação e o preparo para

a vida pela vida. E defendeu detalhadamente a importância de cada um desses elementos para

o desenvolvimento da pedagogia nova.

Fundamentado nesse tripé, sugeriu a construção de uma escola ativa, que levasse em

conta o interesse da criança e que fomentasse a iniciativa e a atividade. Para tanto, forneceu

orientações metodológicas, sugerindo que os professores fizessem uso de recursos didáticos

diferenciados como o método de projetos, as excursões, os centros de interesse, a organização

de museus escolares, entre outros, apropriando-se de escolanovistas do quilate de Decroly,

Dewey, Claparède, Kilpatrick e Kerschensteiner e também de alguns ligados à Psicologia como

Kretschmer e Spranger.

Defensor entusiasmado da apropriação da Psicologia e da Biotipologia pela Pedagogia,

e, também, do estímulo ao interesse da criança, tratou de defender a importância do

conhecimento e da compreensão da personalidade infantil. Nessa direção, indicou o uso de

testes psicológicos para selecionar os alunos do ponto de vista do preparo escolar para agrupá-

los em classes homogêneas, e, também para conhecer a personalidade da criança e então, agir

sobre ela. E aqui, novamente, entra em sintonia com os pioneiros.

Como mostrado no subcapítulo 4.2, Backheuser defendia a aplicação dos testes, tal qual

Lourenço Filho, com o mesmo objetivo. A diferença entre eles é que a intenção do pioneiro

estava atrelada ao ajustamento do comportamento do aluno, enquanto que o católico, além do

comportamento, se preocupava também com a moldagem da alma. Para Backheuser, os testes

seriam como ferramentas para o mestre chegar à essência do aluno e nela agir. O que já nos dá

uma pista da bagagem ideológica do autor.

O fato de Everardo Backheuser partir de um ângulo metafísico de visão, fazer uma

leitura cristã do mundo, defender o diálogo e a cooperação entre família, escola e Igreja, tomar

o transcendente como o único norteador possível para as práticas pedagógicas e usar como lente

a filosofia católica para depurar os preceitos escolanovistas daquilo que, na sua opinião, não

fosse sagrado, dá pistas para a segunda parte da questão anteriormente posta.

Homem da ciência e da técnica, ao se converter ao catolicismo, se apropriou das ciências

que, no seu entendimento, eram válidas porque legitimavam as verdades de Deus. Nessa

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perspectiva, a Sociologia é secundarizada, por ser considerada uma ciência pagã, vazia de

sentido.

As concepções de educação e de homem por ele defendidas estão direcionadas para a

transcendentalidade e para o cidadão cristão, respectivamente. A escola, através de seus

conteúdos e práticas, deveria contribuir para formar a criança para a vida presente e também

para o plano sagrado.

A formação da personalidade infantil, entendida por ele como um conjunto de

faculdades intelectuais e espirituais, em todos os aspectos: físicos, psíquicos, estruturais e

biotipológicos, deveria ser projetada tanto para a vida terrena, como defendiam os pioneiros,

quanto para o plano eterno.

Em relação a esse último aspecto, apropriando-se de autores da Pedagogia Católica

como Dupanloup, De Hôvre e, muito especialmente, de Pio XI (Encíclica Papal), ele se

posicionou contrário a alguns dos princípios básicos presentes nos documentos seminais da

Escola Nova, como por exemplo, a coeducação, a laicidade e a neutralidade.

Para combater a coeducação buscou argumentos na Biologia. Para contrapor-se à

laicidade e à neutralidade alicerçou-se na necessidade imperiosa de uma orientação religiosa,

espiritual das crianças, defendendo a importância da educação moral por meio da inserção do

Ensino Religioso nos currículos escolares. Era o seu interesse um currículo transversalizado

pelo catolicismo.

Todos esses elementos acima elencados e outros mais apresentados ao longo dos

capítulos 3 e 4, convergem para aquilo que estou chamando de “escolanovismo católico

backheusiano”. Entretanto, para caracterizar essa representação de Escola Nova de forma mais

detida, com base nas variáveis analisadas no capítulo 4, destaco como ponto central a proposta

da educação integral, tão cara tanto para o grupo dos pioneiros quanto para o dos católicos.

Proposta que, em Everardo Backheuser, pode ser representada como um amálgama entre alguns

aspectos da pedagogia da Escola Nova, sobretudo os metodológicos: atividade e o interesse da

criança e aspectos do catolicismo, mais precisamente os filosóficos, por ele conciliados através

do uso da Psicologia Gestáltica.

Assim, pode-se atentar, de forma geral, para os pontos de convergência e de divergência

entre pioneiros e católicos, adensando então a compreensão de como Backheuser se apropriou

e representou a Escola Nova e, nesse jogo, criou o seu próprio projeto educacional, o seu

escolanovismo.

Se a proximidade de Backheuser com os pensadores liberais - e, com particular

contundência, com Lourenço Filho - é de certo modo inevitável, pois são todos

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modernos, é também impossível, porque em seu laicato Backheuser vive um celibato

teórico, que se de um lado permite-lhe o flerte com a modernidade, por outro impede-

lhe a corte (ERRERIAS, 2000, p. 37).

O centro de convergência de toda a renovação educacional que residiu na educação

integral, a qual seria alcançada através do citado tripé: iniciativa, cooperação e educação para e

pela a vida, aproximou o pensamento de Backheuser do projeto escolanovista dos pioneiros.

Ambos almejavam aliar instrução e educação para formar o homem completo, o homem

integral. Ambos defendiam uma escola ativa e enfatizavam a importância de despertar o

interesse da criança. Para tanto, os estudos sobre a infância e sobre a personalidade infantil eram

tidos como ferramentas úteis na busca de formas de estimular o interesse das crianças para a

atividade.

Todavia, para Backheuser, a finalidade da educação seria a formação integral do eu

transcendental, a preparação da criança para a vida eterna, para o plano sobrenatural. E essa é,

sem dúvida, uma das principais marcas do escolanovismo católico backheusiano. É por esse

viés que ele fazia a interlocução entre ciência e religião. E foi justamente essa interlocução que

deu o tom ao seu modelo pedagógico que se ocupou em agir sobre a personalidade e desvendar

a alma da criança, despertando o seu interesse e dando-lhe uma educação que visava a sua vida

em outro plano. Ao ancorar a prática pedagógica na filosofia católica, criou, nesse aspecto, um

abismo em relação à Pedagogia da Escola Nova porque, ao fazê-lo rechaçou alguns dos seus

princípios centrais.

Os preceitos escolanovistas, tanto os abraçados pelos pioneiros quanto os defendidos

por Backheuser, fundamentaram-se em concepções como desenvolvimento e maturidade,

apostaram na educação ativa, no ensino dinâmico e no trabalho em comunidade capaz de

propagar o hábito da cooperação. O Manifesto propôs, por exemplo, uma escola que levasse

em conta as aptidões naturais e o interesse dos educandos, enfatizando a iniciativa e a lógica da

psicologia infantil. Nisso há similitudes com o que Backheuser propôs.

Ambas as perspectivas também concordavam quanto à importância da colaboração entre

lar e escola no processo educacional, discordando, porém, em relação ao lugar de um e de outro

nesse processo. Se para os renovadores a família deveria (apenas) auxiliar o Estado educador,

para Backheuser, escola, família e Igreja teriam papeis fundamentais na educação da criança.

Outro ponto de concordância refere-se à convicção de que seria função da educação

contrabalançar indivíduo e sociedade, ou seja, disciplinar e orientar as forças que agem sobre o

ser humano. Que a educação deveria criar condições para o equilíbrio entre as tendências

egoístas e as altruísticas, ambos concordavam, entretanto, para Backheuser, nada disso era

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novo. Ao considerar esta uma tarefa da educação, a Escola Nova estaria retomando saberes

atemporais que já haviam sido expressos pela Igreja. Para ele, por vezes, os preceitos

escolanovistas apenas reeditavam aqueles que, para o catolicismo, são antigos.

Na transposição de saberes efetuada insinuava-se que o trabalho a ser realizado pelo

pensamento católico consistia em depurar o novo conhecimento naquilo que se

distanciava do catolicismo e pontuar em que medida o conhecimento científico

comprovava ou esclarecia o que já não era novo para a sabedoria sagrada

(ERRERIAS, 2000, p. 87).

Quando confrontados os projetos, outras discordâncias surgem, em especial, no que se

refere aos campos político e ideológico. Ambos se distanciam em relação à concepção de ser

humano, à finalidade da educação e também em relação à escola única. Enquanto os pioneiros

mostravam-se preocupados com a participação do indivíduo na vida pública e política da

sociedade, fundamentando-se para isso na Sociologia e na Antropologia, Backheuser adentrava

os planos filosófico e metafísico, buscando na S ociologia apenas questões relacionadas à

educação cívica, doméstica e manual.

Para os pioneiros, o fim da educação estava na historicidade do ser enquanto que para

Backheuser estava na sua transcendentalidade, sendo inconcebível que o objeto da educação

fosse o ser social. O escopo do seu projeto era a educação integral, defendia a educação da

alma, voltada para o sagrado e para a produção de uma sociedade comprometida com o

atemporal, visando formar o cidadão cristão.

Os pioneiros lutavam por um sistema único, público, laico, coeducativo, de base

científica e sob a responsabilidade do Estado, enquanto o escolanovismo católico backheusiano,

defendia o ensino privado e rechaçava o ensino laico e coeducativo, almejando uma educação

indissociável do catolicismo.

Tendo buscado responder as indagações acerca de como os postulados da Escola Nova

e do catolicismo foram apropriados e representados nos manuais aqui analisados, importa agora

enfatizar nuances do pensamento pedagógico desse educador expresso nos mesmos.

Everardo Adolpho Backheuser defendeu a cientifização do campo pedagógico e elegeu

a Psicologia como a pedra angular da sua pedagogia. Afinado com alguns elementos da Escola

Nova ele almejou a educação integral da criança que, na sua concepção, deveria desenvolver

todos os pendores do indivíduo, respeitando as diferentes Gebiete sem estimular a

preponderância de nenhuma até que se manifestasse a vocação do indivíduo. Essa perspectiva

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pedagógica atentava para todos os aspectos da personalidade, físicos, psíquicos, estruturais e

biotipológicos.

Defendendo o Ensino Religioso, almejava trasnversalizar o currículo escolar com o

catolicismo e visava não somente a educação do corpo, mas, também da alma e para

fundamentar cientificamente essa proposta, se apoiou na Gestalt e reintroduziu a religiosidade

no âmbito educacional para a formação integral da personalidade do educando. Nesse ponto se

afastou da Pedagogia tradicional, porque segundo o seu ponto de vista, esta estava

demasiadamente preocupada com o desenvolvimento da região científica do cérebro e se

afastou também da Escola Nova porque, para ele, não levava em conta a existência da alma do

indivíduo.

Num contexto em que o científico se apresentava como proposição da verdade, a

Psicologia Gestáltica como possibilidade de compreensão científica do ser humano acabou por

permitir-lhe “comungar” da ciência sem se afastar do transcendental. Ele apresentou esse ramo

psicológico como capaz de fornecer o embasamento para uma educação harmônica e integral,

que permitiria o despertar de todas as estruturas da alma e também do corpo, que, para ele, era

a base física da alma. Nesse sentido, a Psicologia se configurou um útil instrumento na sua luta

pela hegemonia do pensamento católico e para a edificação do seu escolanovismo.

Exemplar do pensamento pedagógico católico e expoente de um escolanovismo

singular, no território contestado de debates entre tradição e modernidade, Backheuser se

destacou como um dos educadores que se apropriou do “novo” calcado em “velhas” lentes.

Para pôr em marcha a educação integral para a transcendentalidade, circunscrita no

escolanovismo católico que idealizou, dialogou com autores de diversas áreas, sobretudo da

Pedagogia (tanto a escolanovista quanto a católica) e da Psicologia, especialmente dos ramos

da Gestalt e da Biotipologia.

Os subcapítulos 3.1 e 4.1 da tese apresentaram detalhes dessas apropriações, para as

quais tiveram peso significativo autores católicos e escolanovistas. Entre os primeiros destaque-

se De Hôvre, divulgador do pensamento católico europeu, que, ao lado da Encíclica, representa

uma das bases do pensamento católico de Backheuser. Entre os segundos, Decroly, de quem

ouso dizer que Backheuser se apropriou da ideia de que a criança apreende o mundo com base

na visão do todo, da junção entre Psicologia e Pedagogia, além, obviamente, da defesa dos

centros de interesse como um importante recurso didático na pedagogia nova. De

Kerschensteiner, pedagogo alemão, comungou da ideia de que a vontade de aprender deveria

partir da criança, porque o aprendizado aconteceria de dentro para fora, e, para tanto, se deveria

estimular a atividade, o trabalho. De Claparède, certamente herdou o interesse pela Psicologia

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e pela Biologia, no sentido de compreender a mente infantil para estimular o interesse. De

Dewey, na maioria das vezes criticado, e de seu discípulo Kilpatrick, se apropriou

especificamente do método de projetos. Destaque-se, ainda, a sua comunhão das ideias de

Spranger e de Kretschmer, voltadas à Psicologia Estruturalística ou Gestáltica e à Biotipologia.

O escopo da sua educação integral era a formação total da criança, em todas as

dimensões, inclusive a moral e religiosa, a partir do seu interesse. Para tanto, almejava incluir

nos currículos escolares um conteúdo espiritual, apesar de defender a importância da ciência no

processo educativo. O seu escolanovismo católico queria uma espécie de purificação, de

transposição que possibilitasse uma “ciência cooptada pelo catolicismo, lavrada ao sabor das

escrituras” (CUNHA; ERRERIAS, 2000, p. 34).

***

Durante o percurso de pesquisa, estudo e escritura, várias questões foram levantadas as

quais considero ricas possibilidades para pesquisas futuras, sejam elas na forma de artigos

científicos ou projetos mais amplos. Nesse espaço cito apenas algumas, com o intuito de que

esses meus arranjos e rearranjos fomentem nos leitores o interesse em realizá-las. Como, por

exemplo:

Investigar a rede de sociabilidade de Everardo, uma busca que pudesse identificar os

interlocutores brasileiros desse autor.

Buscar registros sobre a circulação de Everardo na Alemanha para analisar o processo

de apropriação realizado em solo europeu antes da produção dos manuais.

Conhecer e compreender o seu trânsito no subcampo da Politécnica, atentando para a

sua trajetória anterior à participação no movimento escolanovista.

Ainda a partir da ideia de investigar a sua trajetória pretérita, investigar o seu impacto

na cidade em que viveu e o impacto da cidade em seus percursos.

Analisar as representações de Backheuser sedimentadas nos escritos de outros

professores e ou na imprensa.

Investir na compreensão das suas apropriações de Decroly, o qual parece influenciar

mais o seu pensamento do que Dewey, por exemplo.

Pesquisar sobre a efetiva participação de Backheuser no movimento da Reação Católica,

compreendendo-o como um intelectual católico.

Deslindar as ações da Cruzada Pedagógica pela Escola Nova, movimento esquecido

pela historiografia.

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Investigar as apropriações de manuais escolanovistas como os de Backheuser nos

currículos das escolas públicas, como nos Grupos Escolares catarinenses, por exemplo.

Aprofundar a análise dos manuais escolanovistas como suportes de cultura, como

produtos de redes, de grupos específicos e dar ênfase também à questão do mercado editorial.

Estabelecer interfaces acerca dos usos das teorias psicológicas pelos representantes do

movimento escolanovista no Brasil.

Problematizar a luta de representação entre dois dos modelos pedagógicos concorrentes

implantados no campo educacional brasileiro, investigando que lugar ocupou a Pedagogia

Moderna diante da Escola Nova, pois, nos manuais aqui estudados percebi que ora o autor os

contrapõe, ora os cita como sinônimos e ora o primeiro é considerado sinônimo da Pedagogia

Tradicional.

Cotejar tanto as trajetórias de Everardo Backheuser e Lourenço Filho quanto os vieses

psicologizante e sociologizante respectivamente de ambos os educadores nas linhas dos seus

manuais pedagógicos.

E, finalmente, problematizar os objetos produzidos por Alcina Moreira de Souza como

fontes históricas, e, realçar a trajetória dela como professora e como fabricante de história.

***

A epígrafe escolhida para abrir minha tecitura versa sobre a importância de articular as

representações das práticas e as práticas da representação ao se fazer história. As representações

e as práticas possuem uma série de razões, códigos e finalidades e destinatários particulares,

identificá-los é a condição sine qua non para compreender as situações ou práticas que são

produtos, objetos da representação. Essas representações estão estreitamente relacionadas às

ações seja de indivíduos ou de grupos, e por isso só podem ser compreendidas a partir da tensão

que existe em relação às práticas.

Certamente, essa tese é em última instância, o produto de um lugar, uma leitura ou uma

interpretação do passado dirigida por uma leitura do presente, uma tentativa de “ressuscitar”

um passado a partir da história de um indivíduo, de pôr em cena um personagem, as suas

apropriações, práticas e representações. Ao tramar o que era geral - a representação de Escola

Nova - expresso pelo que foi singular - as apropriações de Backheuser - uma história, encarada

como operação, como prática, foi inventada, fabricada, tecida. Essa invenção, guiada pela

orientadora, e com o privilégio de uma autonomia fundamental, foi pensada por mim que, ao

eleger procedimentos, métodos de análise e suportes teóricos, criei esquemas de

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inteligibilidade, partindo de um lugar social muito específico. Portanto, é a minha tecitura de

uma escrita. Um texto que expressa a minha representação, a qual resultou da leitura criativa

que fiz, das apropriações que realizei acerca do escolanovismo católico backheusiano, com base

nas fontes que selecionei e, a partir das interpelações que fizemos, orientadora e eu, ao longo

deste percurso como “tecelãs do tempo”, como diria Durval Muniz Albuquerque Junior (2009).

Almejo que esta representação - seja como um holofote que deu ênfase à trajetória de

um educador tão multifacetado, expoente de um modelo pedagógico pouco conhecido; ou como

mais uma forma de fabricar história, na qual tentei acentuar as apropriações, representações e

práticas de um personagem muito importante da História da Educação brasileira - provoque

outras várias e inspire muitas investigações contribuindo então para o campo historiográfico, e

de forma mais abrangente, para o campo da educação.

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APÊNDICE A - QUESTIONÁRIO83

Relacionado à pesquisa de doutorado atualmente intitulada “ESTRATÉGIAS DE

DOMINAÇÃO DO CAMPO EDUCACIONAL BRASILEIRO NAS DÉCADAS DE 1930

E 1940: Apropriações da Escola Nova nos manuais didáticos de Everardo Adolpho

Backheuser.”

Pesquisa vinculada ao Programa de Pós Graduação Doutorado em Educação da Universidade

do Estado de Santa Catarina - PPGE/UDESC.

Remetente: Maristela da Rosa [email protected]

Destinatário: Miriam Backheuser Mambrini [email protected]

Data de envio por e-mail: 01 de dezembro de 2015

Data de retorno por e-mail: 07 de dezembro de 2015

TEMA: trajetória social de Everardo Adolpho Backheuser, com ênfase nos indicadores:

origem sociofamiliar e percursos: escolar e profissional.

Sobre a origem sociofamiliar84:

Maristela: Por favor, confirme o seu nome completo, local e data de nascimento e o seu nível

de parentesco com Everardo Adolpho Backheuser.

Miriam: Miriam Backheuser Mambrini

Rio de Janeiro, RJ

20/06/1938

Neta

Maristela: Quais os nomes dos avós (maternos e paternos) de Everardo? Onde nasceram?

Quais suas profissões? Quais seus níveis de escolaridade? Quantos filhos tiveram? Onde estes

filhos nasceram? Quais os níveis de escolaridade e as profissões dos filhos?

Miriam: Não sei. Talvez você encontre alguma informação nas notas do livro “Minha terra e

minha vida”, da autoria de meu avô.

Maristela: Quais os nomes dos pais de Everardo? Onde nasceram? Quais seus níveis de

escolaridade? Quais suas profissões? Quantos filhos tiveram? Onde estes filhos nasceram?

Quais os níveis de escolaridade e as profissões dos filhos?

Miriam: Mãe: Joaquina Eugênia de Gouveia Gonçalves (Quininha), nascida na cidade do Rio

de Janeiro em 27/06/1842. Pai: João Carlos Backheuser, nascido em Santos, SP e educado na

Alemanha. O pai era engenheiro.

Tiveram 3 filhas e por último o único homem, Everardo, todos nascidos em Niterói..

Maristela: Soube que Everardo perdeu o pai muito cedo, sendo criado pela mãe, com a ajuda

de uma tia. Quais as condições e disposições econômicas da família de Everardo?

83 Este instrumento de pesquisa, enviado por e-mail, está acompanhado do termo de consentimento livre e

esclarecido, em duas vias: uma delas ficará em poder da pesquisadora e a outra com o sujeito participante da

pesquisa, conforme exige o Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo seres humanos. 84 Reconhece-se que a primeira parte do questionário traz algumas perguntas repetitivas, mas, entende-se que

sejam fundamentais para a compreensão da origem sociofamiliar de Everardo Adolpho Backheuser.

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Miriam: Até a morte do pai, a situação financeira da família era muito boa, depois, se tornou

difícil. Dona Quininha costurava para fora. Sua cunhada Adelaide (Tijá) a ajudava.

Maristela: Sei que Everardo nasceu em Niterói, em 23 de maio de 1879 e faleceu em 10 de

outubro de 1951. Essas datas conferem? Qual a causa do óbito?

Miriam: Conferem. Não sei exatamente a causa da morte, mas ele sofria de artrite reumatoide,

e nos últimos tempos pouco saía da cama.

Maristela: A família de Everardo era religiosa? Soube que, por um tempo, Everardo afastou-

se da religião e depois da morte da primeira mulher, reconverteu-se ao catolicismo. No seu livro

(Maria Quitéria, 32), você fala de conversão ao catolicismo. Pode contar sobre isso?

Miriam: A família era católica, mas meu avô se afastara da religião. Por ocasião da morte de

Ricarda, primeira mulher, teve uma visão dela conduzida pela mão por Jesus. Isso o fez procurar

a religião, realizando um dos maiores desejos da mulher, que era sua volta à igreja.

Maristela: Everardo casou-se duas vezes. Primeiro com D. Ricarda com quem teve um filho e,

depois de viúvo, com D. Alcina. Ele não teve filhos no segundo casamento?

Miriam: Do primeiro casamento, teve dois filhos, o primogênito, Everardinho, morreu ainda

bebê. O segundo é meu pai, que sempre foi filho único, pois o irmão morreu antes de seu

nascimento.

Da segunda mulher não teve filhos.

Maristela: Qual o nome do filho de Everardo? Onde nasceu? Qual seu nível de escolaridade?

Qual sua profissão? Casou-se com quem? Teve quantos filhos? Onde estes filhos nasceram?

Quais os nomes destes filhos? Quais seus níveis de escolaridade e suas profissões?

Miriam: João Carlos Restier Backheuser. Nasceu em Niterói, era engenheiro e professor.

Fundou a Empresa Carioca de Engenharia Ltda, hoje Carioca Engenharia, e trabalhou em obras

públicas. Casou-se com Maria Pernambuco e teve dois filhos, ambos nascidos no Rio de

Janeiro. A mais velha sou eu, Miriam Pernambuco Backheuser de solteira, Backheuser

Mambrini de casada. Meu irmão, Ricardo Pernambuco Backheuser é engenheiro e deu

continuidade ao trabalho do pai na empresa. Eu me formei em Letras pela PUC do Rio, fui

professora do estado, trabalhei em programas sociais e hoje sou escritora.

Sobre os percursos escolares:

Maristela: Everardo acumulou muito capital cultural, frequentando diferentes instituições

escolares e conquistando vários títulos: cursou o ensino primário na Chácara Santa Rosa que

alojava o Externato Particular, conhecido como “Colégio de dona Evelina” (irmã dele) e, mais

tarde, o Colégio de F. Hermínia Ihmer; os estudos secundários no Ginásio Nacional onde se

graduou bacharel em Ciências e Letras; estudou também na Escola Politécnica do Rio de

Janeiro. Foi nesta última instituição que ele conquistou os títulos de Engenheiro Geógrafo,

Engenheiro Civil, Bacharel em Ciências Físicas e Matemáticas e, doutor em Ciências Físicas e

Naturais?

Miriam: Sim.

Maristela: Quais foram os motivos que o levaram a escolher tais áreas? Ele sempre apresentou

interesse por estes campos? Quais outros campos de interesse dele que você acha importante

mencionar?

Miriam: Quanto a suas razões para tais escolhas, não posso dizer nada. Mas sei que foi ele

quem iniciou o estudo da geopolítica no Brasil. Até algum tempo atrás, seu livro Geopolítica

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do Brasil era adotado na Escola Superior de Guerra. Também se interessava pelo Esperanto e

foi presidente da “liga esperantista”. Sei também que foi um grande professor, admirado e

amado por seus alunos. Meu avô era um homem de múltiplos interesses.

Maristela: Você acha que houve, por parte da família de Everardo, uma preocupação com o

investimento pedagógico? Quais seriam as formas de cultura escrita constituída no interior da

sua família?

Miriam: Talvez o fato da irmã ser professora e dona de um colégio tenha tido alguma influência

nisso, mas é apenas uma suposição.

Maristela: Em “Maria Quitéria, 32”, você conta que os seus avós valorizavam os estudos,

elogiavam o sucesso escolar e incentivavam premiando os netos com livros. Pode-se dizer que

eles foram mediadores importantes para o desenvolvimento do seu percurso profissional como

escritora, por exemplo?

Miriam: Sem dúvida. Minhas tardes de domingo entre os livros de sua enorme biblioteca são

lembranças vívidas até hoje. Ganhei dele meu primeiro livro de literatura: O tronco do Ipê de

José de Alencar. Minhas tentativas infantis de escrever poesia (embora nunca tenha conseguido

ser poeta) eram muito valorizadas, e eles (vovô e votó) me deram um álbum para que eu as

copiasse ali.

Sobre o percurso profissional:

Maristela: Everardo escolheu como formação superior uma área bem técnica e o percurso

profissional foi dentro de uma área humana (Educação). Ele atuou como engenheiro? Quais

seriam os motivos da sua escolha pela docência?

Miriam: Não creio que tenha atuado em engenharia por muito tempo, li umas referências sobre

um projeto de casas populares de que ele teria participado, mas como disse antes, foi como

professor que ele se destacou, a educação era sua vocação.

Maristela: Em quais instituições Everardo atuou como professor?

Miriam: Só me lembro da Politécnica e da Pontifícia Universidade Católica, da qual ele foi um

dos fundadores. Acho que chegou a ensinar no Colégio Jacobina, onde estudei, por indicação

dele a meus pais. Mas isso foi antes de eu ter entrado no colégio. Certamente lecionou em outras

instituições, uma delas possivelmente a Faculdade Santa Úrsula, no Rio, já que o Centro

Acadêmico de lá tinha o seu nome.

Maristela: Como foi a atuação de Everardo nas campanhas político-sociais no campo

educacional?

Miriam: Não tenho informações sobre isso.

Maristela: Soube que, em determinada época, Everardo fez uma espécie de estágio na

Alemanha, onde aprendeu sobre Escola Nova. Você saberia que dizer quando isso ocorreu e

como foi?

Miriam: Não sei.

Maristela: Saberia me dizer qual a relação que Everardo estabeleceu com educadores

conhecidos como Fernando de Azevedo, Jackson Figueiredo e Alceu Amoroso Lima?

Miriam: Creio que todos participavam do Centro Don Vital, mas também não tenho

informações sobre isso.

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Maristela: Além de professor, sei que Everardo atuou também no campo jornalístico. Pode me

contar sobre isso?

Miriam: Ainda no campo das suposições, acho que ele escrevia crônicas para um jornal de

Niterói e possivelmente também artigos de caráter político ou educacional. A suposição vem

do livro de sua autoria “Minha terra e minha vida”, onde teria juntado crônicas publicadas em

jornais.

Maristela: Como foi a atuação de Everardo no campo político? Ele teve filiação partidária e/ou

ideológica com algum grupo? Qual (is)?

Miriam: Não sei.

Outras questões...

Maristela: Soube que Everardo foi preso por motivos políticos. Você pode me esclarecer esta

questão? Quando, como e onde ocorreu a prisão? Quanto tempo ele ficou detido? Ele fez algum

relato escrito/oral sobre o tempo que passou na prisão? Será que após a prisão, houve mudanças

acerca do seu pensamento, comportamento, ideais?

Miriam: Só sei que ele esteve preso durante o governo de Artur Bernardes e que, enquanto

preso, foi escolhido como paraninfo por seus alunos da turma de engenheiros-geógrafos. Minha

avó Ricarda leu o discurso do marido na solenidade da formatura.

Maristela: Você guarda algo significativo dele consigo?

Miriam: Tenho uma medalha de ouro com a seguinte frase escrita atrás: “Conhecer o seu dever

e cumpri-lo”. Tenho ainda um grande relógio de bronze e um par de jarras, que hoje, na minha

casa, ficam em cima do mesmo móvel antigo em que ficavam na casa dele.

Maristela: Há algo sobre Everardo que não tenha sido divulgado e que você acha interessante

contar?

Miriam: Minhas recordações sobre ele estão em meu livro de memórias da infância “Maria

Quitéria, 32”. Fora disso, me lembro (coisa muito antiga), que pelo menos uma vez ele me levou

(eu teria 5 ou 6 anos) numa das excursões que fazia com os alunos, para ver aspectos geológicos

do Rio e sambaquis. Outra lembrança: muitos anos depois de sua morte, de vez em quando

encontrava uma ou outra senhora que tinha sido sua aluna, ou que o conhecera, e era inevitável

que me dissessem: “Minha filha, seu avô era um homem lindo!”

Maristela: Everardo escreveu algum diário? Ou teve guardadas anotações íntimas?

Miriam: Não, que eu saiba.

Maristela: Existe algum álbum de fotografias que registre aspectos da trajetória de Everardo?

Miriam: Tenho um álbum antiquíssimo, que vem da família dele. Não sei quem são os

personagens, mas as fotos são registros de família em piqueniques etc. Fora disso, só algumas

fotos esparsas.

Maristela: Como você definiria Everardo Adolpho Backheuser?

Miriam: Como um homem de muitos interesses, uma inteligência multifacetada. Tinha carisma

suficiente para ser querido pelos alunos e estofo intelectual para ser lembrado, até hoje, por seus

livros, suas ideias e sua atuação.

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APÊNDICE B - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

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APÊNDICE C - PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP

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ANEXO A - ATA DO PEDIDO DE DEMISSÃO DE EVERARDO BACKHEUSER DA

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO85

85 Ata da sessão do Conselho Diretor da ABE datada de 16 de novembro de 1931 (páginas 130-134), disponível

na Associação Brasileira de Educação situada à Rua México, 11 - Grupo 1402, Centro - Rio de Janeiro.

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