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MARISTELA DA ROSA
ESCOLANOVISMO CATÓLICO BACKHEUSIANO: APROPRIAÇÕES E
REPRESENTAÇÕES DA ESCOLA NOVA TECIDAS EM MANUAIS PEDAGÓGICOS
(1930-1940)
Tese apresentada ao Curso de Pós-Graduação de
Doutorado em Educação, da Universidade do Estado de
Santa Catarina (UDESC), como requisito parcial para
obtenção do grau de Doutora em Educação.
Linha de Pesquisa: História e Historiografia da
Educação.
Orientadora: Drª. Gladys Mary Ghizoni Teive
FLORIANÓPOLIS
2017
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da UDESC
R788e
Rosa, Maristela da Escolanovismo católico Backheusiano: apropriações e representações
da Escola Nova tecidas em manuais pedagógicos (1930-1940) / Maristela da Rosa. - 2017.
255 p. :il. ; 29 cm
Orientadora: Gladys Mary Ghizoni Teive Bibliografia: p. 233-238 Tese (Doutorado) - Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro
de Ciências Humanas e da Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Florianópolis, 2017.
1. Educação - História. 2. Manuais técnicos. 3. Escola Nova. 4.
Everardo Adolpho Backheuser. I. Teive, Gladys Mary Ghizoni. II. Universidade do Estado de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Educação. III. Título.
CDD: 370.9 - 20. ed.
Ao meu pai Antônio (in memoriam), tão
presente pela ausência, e à minha mãe,
Terezinha. Apesar do acesso restrito ao campo
escolar, ambos sempre incentivaram a
formação acadêmica das filhas e filho. Esta tese
seria para ele, e é para ela, um motivo de muito
orgulho e alegria.
Ao Marlon, meu grande amigo, parceiro de
vida, que há tempos caminha ao meu lado e é a
minha fonte de inspiração, alegria e energia.
AGRADECIMENTOS
Nesses quatro anos de estudo, pesquisa, escrita e reclusão no meu “iglu intelectual”,
aprendi muito sobre a temática escolhida para a investigação, e aprendi também sobre
paciência, dedicação, paixão, autonomia, responsabilidade, companheirismo, disponibilidade,
generosidade, gratidão e solidão. Esta última, por vezes, se faz necessária. Então, agradeço...
À Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) e ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Linha de Pesquisa História e Historiografia da Educação, agradeço
por fazer parte desse terreno fértil, tão produtivo. E aos professores e professoras, por todas as
fagulhas acesas e as chamas espalhadas.
À Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (FAPESC)
pela concessão da bolsa de pesquisa durante os anos de curso.
Aos funcionários da Associação Brasileira de Educação e da Biblioteca Nacional que
me atenderam com muita atenção, tanto por e-mail quanto pessoalmente, fornecendo-me
materiais importantes para esta pesquisa. No Centro Dom Vital e no Centro de Pesquisa e
Documentação de História Contemporânea do Brasil não foram possíveis pesquisas presenciais,
mas, ambos os funcionários me atenderam à distância com prontidão.
À professora Drª. Gladys Mary Ghizoni Teive, minha querida “ori”, que desde a
graduação me contagiou com a sua paixão pela docência. E na pesquisa me incentivou a ir além
do que eu julgava exequível, ofertando-me uma espécie de liberdade guiada, ensinando sobre
autonomia e mostrando que é possível aliar o trabalho duro e sério com a leveza e a alegria de
fazer história com gosto, com prazer.
Ao professor Dr. Norberto Dallabrida, por ter me iniciado na vida acadêmica, primeiro
na Iniciação Científica e depois no mestrado. Os seus ensinamentos e o seu exemplo vêm
ressoando nas minhas práticas, e assim continuarão durante todos os meus dias, como
professora e como pesquisadora. Obrigada também pelas sugestões na ocasião do Exame de
Qualificação e durante todo o curso de doutoramento e, finalmente pela avaliação minuciosa na
banca final.
À professora Drª. Cristiani Bereta da Silva - autora de algumas das aulas expositivas
mais instigantes e hipnotizantes das quais participei no mestrado - pela leitura generosa ainda
no texto de qualificação, pela presença e todas as contribuições naquele dia de inverno e, pela
rigorosa avaliação final.
Ao professor Dr. Mauro Castilho Gonçalves, pelo aceite em compor essa banca ainda
na época do Exame de Qualificação, e por todas as sugestões feitas no parecer escrito. Ademais,
agradeço a forma metódica e apurada com que avaliou o texto final.
Ao professor Dr. Cândido Moreira Rodrigues, pelo entusiasmo com que recebeu o meu
tema de tese quando lhe escrevi, em setembro de 2015, solicitando a indicação de algumas
referências, quando surpreendentemente fui presenteada com vários livros de sua autoria, os
quais contribuíram muito para o trabalho que realizei e ainda contribuirão para tecituras futuras.
Mais tarde, aceitou de pronto fazer parte da banca de defesa. Muito obrigada pelo rigor na
avaliação.
À professora Drª. Gisela Eggert Steindel, minha professora do mestrado, pela gentileza
de sempre e pelo aceite e a disponibilidade para suplência na banca de defesa da presente tese.
Não houve a necessidade da sua efetiva participação na banca, mas pude contar com a sua
presença na plateia e com dicas de ajustes formais na versão final da tese. Grata por tanto
cuidado.
À professora Maria Teresa Santos Cunha, apesar de não ter composto a banca de
avaliação, agradeço por todos os ensinamentos durante os cursos de mestrado e doutorado, pelo
reconhecimento, incentivo e olhar sensível sobre as minhas produções.
A alguns dos colegas de curso como Tania Cordova, Rosiane Marli Antonio Damázio e
Marcelo Mendes e, em especial à Deisi Cord, que, além de me presentear com textos
importantes, acreditou alegremente na relevância da minha pesquisa, porque compartilhamos o
gosto em investigar e escrever sobre gente e seus feitos; à Cibele Dalina Piva Ferrari, minha
querida Bele, que generosamente, acompanhou-me nas fases leves e também nas pesadas, e,
que esteve presente sempre, mesmo quando longe; e à Cristiane de Castro Ramos Abud, por
me ensinar com a sua experiência, se preocupar comigo e se fazer presente. Vocês me ensinaram
saberes muito além dos acadêmicos. Além das presenças de Deisi e Cibele no dia da defesa
pude contar ainda com Kamila Regina de Souza e Elizane de Andrade, muito obrigada,
queridas! O seu apoio tornou tudo ainda mais bonito.
À amiga Julia Vieira Tocchetto de Oliveira, porque foi com ela, numa viagem de ônibus
à Curitiba/Paraná, que os moldes dessa tese começaram a ser pensados.
Um agradecimento especial à querida amiga Juliana Topanotti dos Santos de Mello, pela
leitura atenta, criteriosa e generosa; pelas críticas e sugestões; pela interlocução e troca de
referências e bibliografias; pela empatia, paciência, carinho, companheirismo, estímulo e
cuidado que sempre foram diários, muito antes dos últimos quatro anos, e que espero continuem
sendo, durante toda a nossa carreira acadêmica e para além dela. Obrigada também pela
presença na defesa de tese, o seu olhar generoso torna tudo melhor. Sempre juntas!
À Maria Fernanda Batista Faraco Werneck de Paula pela generosidade com que
compartilhou documentos como a Tabela sobre os comunicados feitos pelos professores dos
grupos escolares e das escolas isoladas para o Departamento de Educação nos anos 1946, 1948
e 1949 que ela organizou durante sua Iniciação Científica e também o Manual de Pedagogia
Moderna de 1948 que adquiriu em um sebo virtual.
À Miriam Mambrini Backheuser, neta do educador que escolhi trazer para dentro da
minha história. Pela disponibilidade com que atendeu aos meus chamados por e-mail e pelo
carinho e atenção com que me recebeu na sua cidade, na sua casa, e, contou-me sobre o seu
amado vovô. Eu sou grata especialmente pelos objetos que compartilhou comigo, os quais
foram transformados em fontes documentais e enriqueceram essa trama fabricada.
Aos meus pais serei grata eternamente. Especialmente à minha mãe, minha fortaleza,
pela mão sempre estendida, ouvidos disponíveis e pela presença fundamental que me estimula
a ser dedicada, forte e persistente, inclusive na trajetória acadêmica.
À minha irmã Marinês, a gratidão também é eterna porque me ensinou as primeiras
letras e me contagiou com o gosto pelo estudo e também pela docência. Além disso, agradeço
também por deixar a sala da defesa florida e colorida. A sua energia torna tudo mais leve e
bonito.
Ao meu irmão Paulo Cesar pela linda presença no dia da defesa. Os seus olhos, cheios
de orgulho, me trouxeram segurança e alegria. Obrigada, mano!
Ao meu querido companheiro Marlon, que me acompanha desde a primeira graduação
e esteve presente em todos os momentos de defesa da minha vida acadêmica. A sua confiança
e a sua presença foram essenciais em todos os dezessete anos de parceria. É com você e por
vocêque eu faço tudo com tanta alegria e dedicação. Obrigada por ser tão presente, paciente,
respeitoso e compreensivo.
Não poderia deixar de agradecer à minha Michaela, bolinha canina de pêlos que,
obviamente não lê, mas, merece o registro porque compreendeu e soube desempenhar muito
bem o seu papel nessa minha caminhada. Companheira fiel no processo de escrita, bálsamo nos
momentos de angústia e parceira nos dias de comemoração e alegria.
Muito obrigada a todos que se fizeram presentes e contribuíram para que eu ingressasse,
percorresse e concluísse esse percurso desafiante no qual vivenciei, narrei e fabriquei uma
história. Uma história que representa parte das apropriações que realizei durante a minha
trajetória como estudante e das aprendizagens que em mim, produziram sentido e por isso
ficaram marcadas, e, que serão refratadas nas minhas próprias práticas como pessoa, estudiosa
e docente.
“Não existe história possível se não se articulam as representações das
práticas e as práticas da representação”.
(Roger Chartier)
RESUMO
A pesquisa trata da atuação de Everardo Adolpho Backheuser no campo educacional, disputado
por pioneiros e católicos, entre as décadas de 1930 e 1940 e das apropriações e representações
da Escola Nova nos seus manuais pedagógicos. O objetivo geral da pesquisa é situar
Backheuser no campo educacional brasileiro e compreender como se apropriou e representou
os princípios escolanovistas nos seus manuais pedagógicos. Os objetivos específicos são:
conhecer a trajetória de Backheuser, analisar o conteúdo dos manuais e identificar neles as
apropriações e as representações da Escola Nova. A fabricação deste artefato escriturístico se
alicerça na perspectiva epistemológica da Nova História Cultural e se ancora nas concepções
de campo de Pierre Bourdieu, apropriação e representação de Roger Chartier e estratégias e
táticas de Michel de Certeau. A pesquisa confere o estatuto de fontes documentais a dois
manuais pedagógicos intitulados Técnica da Pedagogia Moderna (Teoria e Prática da Escola
Nova) de 1934 e Manual de Pedagogia Moderna (Teoria e Prática) de 1948; a Encíclica Divini
Illius Magistri de Pio XI de 1929; o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932 e o
livro de Lourenço Filho intitulado Introdução ao Estudo da Escola Nova de 1930. Além destas,
o corpus documental conta com um questionário respondido pela neta de Backheuser; um livro
sobre a sua trajetória e um álbum de memórias; ambos organizados pela segunda mulher, Alcina
Moreira de Souza. A narrativa histórica se divide em cinco capítulos. Além do primeiro,
introdutório, e do último, conclusivo, constam três capítulos que atendem aos objetivos
específicos. Quando o campo educacional era movimentado pelas ações de estudiosos de
diversos matizes que acreditavam na reconstrução nacional a partir da escola, Backheuser,
engenheiro, professor, católico, entusiasta da Psicologia e da Escola Nova foi expoente de uma
pedagogia singular. Numa conjuntura de embate entre dois grupos que almejavam a dominação
desse campo, traçou uma “terceira via”, apropriando-se de elementos de um e de outro grupo e
edificando o seu próprio ideal de educação, a sua Escola Nova. Indícios desse projeto
educacional podem ser captados nos manuais pedagógicos que escreveu para a formação e
aperfeiçoamento do professorado primário naquela época. Propôs a educação integral como
queriam os pioneiros; no entanto, incluiu o Ensino Religioso e rechaçou laicidade, coeducação
e neutralidade. Fazendo uso da Psicologia, a qual chamou de “ciência da alma” e da Biologia,
a “ciência do corpo”, calcado na filosofia católica, provocou a interlocução entre ciência e
religião e erigiu o que alguns historiadores chamaram de escolanovismo católico e que aqui
recebe o seu sobrenome, o escolanovismo católico backheusiano.
Palavras-chave: História da Educação. Escolanovismo Católico. Manuais Pedagógicos.
Everardo Adolpho Backheuser.
ABSTRACT
This research deals with work of Everardo Adolpho Backheuser in the educational field,
disputed by pioneers and Catholics between the 1930s and 1940s, and the appropriations and
representations of the New School in their pedagogical manuals. The main objective of this
research is to situate Backheuser in the educational brazilian field and comprehend how he
appropriate and represented the New School principles in his pedagogical manuals. The specific
objectives are to understand Backheuser’s path, analyze the manuals content and identify the
appropriations and representations of New School on it. The fabrication of this scriptural artifact
is based on the epistemological perspective of New Cultural History and is hold in the field
conceptions of Pierre Bourdieu, appropriation and representation of Roger Chartier and
strategies and tactics of Michel de Certeau. The research confers the status of documentary
sources to two pedagogical manuals entitled Técnica da Pedagogia Moderna (Teoria e Prática
da Escola Nova) of 1934 and Manual de Pedagogia Moderna(Teoria e Prática) of 1948; The
Encyclical Divini Illius Magistri of Pius XI of 1929; Manifesto dos Pioneiros da Educação
Nova of 1932 and the book of Lourenço Filho named Introdução ao Estudo da Escola Nova of
1930. Moreover, the documentary corpus has a questionnaire answered by Backheuser's
granddaughter; a book about his trajectory and an album of memories; both organized by his
second wife, Alcina Moreira de Souza. The historical narrative is divided into five chapters. In
addition to the first, introductory, and the last, conclusive, three chapters deal with the specific
objectives. Backheuser, engineer, teacher, catholic, enthusiast of Psychology and of the New
School, was an exponent of a singular pedagogy when the educational field was moved by the
actions of scholars of diverse lines who believed in the national reconstruction from the school.
In a conjuncture of clash between two groups that aimed at the domination of this field, he drew
a "third way", appropriating elements of one and another group building his own ideal of
education, his New School. Indications of this educational project can be observed in the
pedagogical manuals that he wrote for the formation and improvement of primary teachers at
that time. He proposed integral education as the pioneers wanted, however, he included
religious teaching and rejected secularism, coeducation and neutrality. Making use of
psychology, which he called "science of the soul" and biology “science of the body”, based on
Catholic philosophy, provoked the interlocution between science and religion and erected what
some historians called Catholic New School and that receives his surname here, Backeusian
Catholic New School.
Keywords: History of Education. Catholic New School. Pedagogic Manuals. Everardo
Adolpho Backheuser.
RESUMEN
La investigación trata de la actuación de Everardo Adolpho Backheuser en el campo
educacional, pleiteado por pioneros y católicos, entre las décadas de 1930 y 1940 y las
apropiaciones y representaciones de la Escuela Nueva en sus manuales pedagógicos. El objetivo
general de la investigación es situar a Backheuser en el campo educativo brasileño y
comprender cómo se apropió y representó los principios escolanovistas en sus manuales
pedagógicos. Los objetivos específicos son: conocer la trayectoria de Backheuser, analizar el
contenido de los manuales e identificar en ellos las apropiaciones y las representaciones de la
Escuela Nueva. La fabricación de este artefacto de escriturístico se fundamenta en la
perspectiva epistemológica de la Nueva Historia Cultural y se basa en las concepciones de
campo de Pierre Bourdieu, apropiación y representación de Roger Chartier y estrategias y
tácticas de Michel de Certeau. La investigación le otorga el estatuto de fuentes documentales a
dos manuales pedagógicos intitulados Técnica da Pedagogia Moderna (Teoria e Prática da
Escola Nova) de 1934 y Manual de Pedagogia Moderna(Teoria e Prática) de 1948; la Encíclica
Divini Illius Magistri de Pio XI de 1929; el Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932
y el libro de Lourenço Filho intitulado Introdução ao Estudo da Escola Nova de 1930. Además
de estas, el corpus documental cuenta con un cuestionario respondido por la nieta de
Backheuser; un libro sobre su trayectoria y un álbum de memorias; ambos organizados por la
segunda mulher, Alcina Moreira de Souza.La narrativa histórica se divide en cinco capítulos.
Además del primero, introductorio, y del ultimo, conclusivo, constan tres capítulos que
cumplen los objetivos específicos. Cuando el campo educativo era movido por las acciones de
estudiosos de diversos matices que creían en la reconstrucción nacional a partir de la escuela,
Backheuser, ingeniero, profesor, católico, entusiasta de la Psicología y de la Escuela Nueva fue
un exponente de una pedagogía singular.En una coyuntura de embate entre dos grupos que
deseaban la dominación de ese campo, trazó una “tercera vía”, apropiándose de elementos de
uno y de otro grupo edificando su propio ideal de educación, su Escuela Nueva. Indicios de ese
proyecto educativo pueden captarse en los manuales pedagógicos que escribió para la
formación y perfeccionamiento del profesorado primario en esa época. Propuso la educación
integral como querían los pioneros, sin embargo, incluyó la Enseñanza Religiosa y rechazó la
laicidad, coeducación y neutralidad. Haciendo uso de la Psicología, a la que llamó "ciencia del
alma” y de la Biología, “ciencia del corpo”, siguiendo la filosofía católica, provocó la
interlocución entre ciencia y religión y erigió lo que algunos historiadores llamaron
escolanovismo católico y que aquí recibe su apellido, el escolanovismo católico
backheuseriano.
Palabras clave: Historia de la Educación. Escolanovismo Católico. Manuales Pedagógicos.
Everardo Adolpho Backheuser.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 - Everardo Adolpho Backheuser ................................................................................ 63
Figura 2 - As duas mães (Dona Quininha - à direita - e Tijá - à esquerda) .............................. 65
Figura 3 - Aluno do Colégio Pedro II ....................................................................................... 68
Figura 4 - Professor catedrático de Mineralogia e Geologia .................................................... 72
Figura 5 - Homenagens ao jubileu no magistério ..................................................................... 74
Figura 6 - Colação de grau de Engenheiros Geógrafos da Escola Politécnica em 1925 .......... 76
Figura 7 - Backheuser pede demissão da ABE......................................................................... 83
Figura 8 - Resposta da secretária ao pedido de demissão......................................................... 84
Figura 9 - Retorno de Backheuser sobre a recusa do pedido de demissão (Continua)............. 85
Figura 10 - Retorno de Backheuser sobre a recusa do pedido de demissão (Conclusão) ........ 86
Figura 11- Revista Brasileira de Pedagogia - Apresentação (1934) ......................................... 93
Figura 12 - A conversão de Backheuser ................................................................................... 96
Figura 13 - Folha de rosto de Técnica da Pedagogia Moderna (Teoria e Prática da Escola Nova),
1ª edição, 1934 ........................................................................................................................ 105
Figura 14 - Lombada de Técnica da Pedagogia Moderna (Teoria e Prática da Escola Nova), 1ª
edição, 1934 ............................................................................................................................ 106
Figura 15 - Cotejo: Escola Atual X Escola Ativa (Continua) ................................................ 120
Figura 16 - Cotejo: Escola Atual X Escola Ativa (Continuação) ........................................... 121
Figura 17 - Cotejo: Escola Atual X Escola Ativa (Continuação) ........................................... 122
Figura 18 - Cotejo: Escola Atual X Escola Ativa (Continuação) ........................................... 123
Figura 19 - Cotejo: Escola Atual X Escola Ativa (Continuação) ........................................... 124
Figura 20 - Cotejo: Escola Atual X Escola Ativa (Conclusão) .............................................. 125
Figura 21 - A Escola Nova “em triângulo” ............................................................................ 128
Figura 22 - Curvas do desenvolvimento de meninas e menino .............................................. 135
Figura 23 - Camadas de Estruturas ......................................................................................... 146
Figura 24 - Esquema do processo educativo .......................................................................... 156
Figura 25 - Plano organizado pela Professora Alcina Moreira de Souza Backheuser ........... 169
Figura 26 - Folha de rosto do Manual de Pedagogia Moderna (Teoria e Prática) - 4ª edição,
1948 ........................................................................................................................................ 183
Figura 27 - Lombada do Manual de Pedagogia Moderna (Teoria e Prática) - 4ª edição,
1948......................................... ............................................................................................... 184
Figura 28 - Teste Limiar (Continua)....................................................................................... 205
Figura 29 - Teste Limiar (Continuação) ................................................................................. 206
Figura 30 - Teste Limiar (Conclusão) .................................................................................... 207
LISTA DE QUADROS
Quadro 1- Sumário do Manual Técnica da Pedagogia Moderna............................................ 110
Quadro 2 - Autores mais citados no manual Técnica da Pedagogia Moderna ....................... 113
Quadro 3 - Sumário do Manual de Pedagogia Moderna ........................................................ 185
Quadro 4 - Autores mais citados no Manual de Pedagogia Moderna .................................... 190
Quadro 5 - Comparação entre os autores citados nos dois manuais ....................................... 194
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABE Associação Brasileira de Educação
AFA Arquivo Fernando de Azevedo
AIB Ação Integralista Brasileira
APC-DF Associação de Professores Católicos do Distrito Federal
BAPC Boletim da Associação dos Professores Católicos
CCBE Confederação Católica Brasileira de Educação
CPDOC-FGV Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da
Fundação Getúlio Vargas
FAPESC Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina
I.S Índice de escolaridade
IEB Instituto de Estudos Brasileiros
INEP Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos
LEC Liga Eleitoral Católica
MANES Centro de Investigación en Manuales Escolares
PRC Partido Republicano Conservador
RBP Revista Brasileira de Pedagogia
SUMÁRIO
1 ALINHAVANDO OS PONTOS: INTRODUÇÃO .................................................... 27
2 CONECTANDO OS FIOS DA TRAMA: EMBATE ENTRE PIONEIROS
CATÓLICOS NO CAMPO EDUCACIONAL BRASILEIRO .................................... 51
2.1 ESTRATÉGIAS ESCOLANOVISTAS DOS PIONEIROS ......................................... 54
2.1.1 Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932).................................................. 54
2.2 ESTRATÉGIAS ESCOLANOVISTAS CATÓLICAS ................................................ 58
2.3 “O MAIS ESCOLANOVISTA DOS CATÓLICOS” ................................................... 61
2.3.1 Origem sociofamiliar e percursos escolares .............................................................. 64
2.3.2 Percurso profissional................................................................................................... 69
2.3.3 Conversão ao catolicismo............................................................................................ 94
2.4 MANUAIS PEDAGÓGICOS: ARTIFÍCIOS PARA A SEDUÇÃO DOS
PROFESSORES ........................................................................................................... 98
2.4.1 Manuais escritos por Backheuser: norteadores de um escolanovismo católico ...... 100
3 TÉCNICA DA PEDAGOGIA MODERNA ............................................................ 103
3.1 ASPECTOS ESTRUTURAIS ..................................................................................... 109
3.2 APROPRIAÇÕES E REPRESENTAÇÕES DA ESCOLA NOVA POR EVERARDO
BACKHEUSER .......................................................................................................... 115
3.2.1 Incoerência da expressão “Escola Nova” ................................................................ 117
3.2.2 Escola Nova X Escola Tradicional ........................................................................... 118
3.2.3 Princípios cardeais da Escola Nova ......................................................................... 127
3.2.4 A escola única ............................................................................................................ 131
3.2.5 Ciências fundamentais da educação ........................................................................ 139
3.2.6 Educação Integral ..................................................................................................... 148
3.2.7 Iniciativa ..................................................................................................................... 151
3.2.8 Cooperação ................................................................................................................ 159
3.2.9 Educar “para a vida e pela vida” ............................................................................. 163
3.2.10 O papel do mestre na Escola Nova ........................................................................... 164
3.2.11 Detalhes da técnica da Escola Nova ......................................................................... 166
4 MANUAL DE PEDAGOGIA MODERNA ............................................................. 177
4.1 ASPECTOS ESTRUTURAIS ..................................................................................... 181
4.2 INTERLOCUÇÕES ENTRE CIÊNCIA E RELIGIÃO CATÓLICA: A PSICOLOGIA
COMO CIÊNCIA DA ALMA .................................................................................... 196
4.2.1 Testes psicológicos: instrumentos de ação sobre a personalidade da criança ............ 202
4.2.2 Biotipologia: uma tentativa de desvendar a alma ....................................................... 210
4.3 EDUCAÇÃO INTEGRAL DA PERSONALIDADE: CONHECER A
PERSONALIDADE PARA DESPERTAR O INTERESSE, DESPERTAR O
INTERESSE PARA MOLDAR CORPO E ALMA ................................................... 212
5 ARREMATES À GUISA DE CONCLUSÕES: ESCLARECENDO O
ESCOLANOVISMO CATÓLICO BACKHEUSIANO ............................................. 223
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 233
APÊNDICE A - QUESTIONÁRIO............................................................................ 239
APÊNDICE B - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ..... 245
APÊNDICE C - PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP ................................ 247
ANEXO A - ATA DO PEDIDO DE DEMISSÃO DE EVERARDO BACKHEUSER
DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO ............................................... 251
27
1 ALINHAVANDO OS PONTOS: INTRODUÇÃO
A narrativa histórica que fabriquei está fundada sobre o corte entre um passado e um
presente. O passado está marcado pelo meu objeto de estudo, a atuação de Everardo Adolpho
Backheuser no campo educacional brasileiro entre as décadas de 1930 e 1940, e as apropriações
e representações da Escola Nova nos seus manuais pedagógicos. O presente é o lugar da minha
prática como “rendeira”, professora, pesquisadora do campo da História da Educação, e,
sobretudo, como quem se interessa em pesquisar e escrever sobre gente. Sobre gente e seus
feitos. E mais precisamente ainda, sobre professores e suas práticas.
Na dissertação de mestrado (ROSA, 2013) desenvolvi uma microanálise sócio-histórica,
que refletiu acerca da complexidade de um caso singular como um problema historiográfico.
Dei relevo à trajetória social e à prática docente de uma professora que contribuiu para a
qualificação da escola pública quando subverteu um currículo prescrito conservador em aulas
fundamentadas na perspectiva crítica advinda do materialismo histórico dialético. Minhas
lentes focaram Eglê Malheiros, catarinense, herdeira de uma família relativamente favorecida
quanto à questão financeira, que estudou em instituições educativas de qualidade, foi
modernista, militante comunista, Bacharel em Direito e escolheu ser professora de História. Eu
quis compreender como se deu a apropriação do currículo prescrito para o ensino de História
por parte de Eglê e levantar indícios de como isso foi expresso na forma de representações nas
suas práticas como professora.
Já no curso de doutoramento, como o projeto com o qual ingressei, sobre a
Generificação dos currículos dos Grupos Escolares Catarinenses, não seria desenvolvido, o
desafio inicial foi delimitar uma temática que tivesse relevância histórica e que atendesse, ao
mesmo tempo, aos interesses da orientadora e do seu viés de investigação, da linha de pesquisa
do programa e também aos meus. Temáticas afinadas com a Pedagogia, a História e Sociologia
despertam minha simpatia. Aquelas relacionadas a trajetórias sociais e a textos curriculares que
expressam projetos educacionais fazem brilhar os meus olhos. Essa última área dava a primeira
pista que tinha sido escolhida pela orientadora certa, uma grande curriculista, professora que
me inspira desde a graduação. Então, aceitei com alegria trilhar com ela, os caminhos da
pesquisa e dar início à tecitura desse texto.
À época do meu ingresso no curso, minha orientadora estava imersa no campo da
manualística, investigando, grosso modo, a circulação e a recepção de manuais escolanovistas
utilizados para a formação de professores primários catarinenses. Já naquela ocasião, falou-me
da temática geral e citou rapidamente os manuais e os autores que circularam nas escolas
28
catarinenses e que haviam sido elencados por uma das suas bolsistas de Iniciação Científica,
interessava então, perceber como os professores se apropriaram daqueles manuais. Saí daquela
reunião num misto de alegria e euforia. No mesmo dia fiz uma busca em sebos virtuais e
encontrei alguns dos manuais e os comprei. Escolhi dois dos autores que a professora havia me
apresentado e adquiri os seus manuais.
Elaborando o primeiro estado da arte, verifiquei que um destes autores tinha sido mais
estudado que o outro. Guardei essa informação. A primeira descoberta sobre o autor pouco
estudado foi que se tratava de um “católico escolanovista”. Uma fagulha acendeu. Em uma
viagem de estudos, na qual participaria de um evento acadêmico, a temática da pesquisa foi o
assunto principal. Uma amiga, apaixonada por fontes históricas, por Currículo e por História da
Educação, acreditou na possibilidade de pesquisa que eu apontava, e, segundo ela, enxergou
nos meus olhos aquele brilho especial, quando juntas, chegamos ao segundo eixo que daria
corpo a essa tese. Porque o primeiro a orientadora já tinha sublinhado: a apropriação da Escola
Nova nos manuais que circularam nos Grupos Escolares de Santa Catarina1. Parecia
interessante garimpar sobre a trajetória desse tal católico escolanovista, como se posicionava
no campo educacional, como, tendo a influência da religião, havia conseguido se apropriar do
ideário renovador... Estava traçado o segundo eixo que nortearia a minha história. Ainda que
tenha permanecido dentro do grande leque apresentado pela orientadora, tomei posse da minha
autonomia intelectual e tracei o meu próprio caminho.
Contemplando os manuais, visualizei a linha produção/circulação/apropriação e fiquei
refletindo que, antes de compreender a Escola Nova representada nesses manuais e detectar a
recepção destes junto ao professorado em solo catarinense, seria muito interessante conhecer o
seu autor, as suas facetas, o seu ideal de educação para então entender a sua apropriação e como
representou aquele ideário. Novamente tramei para realçar a trajetória e as práticas de uma
pessoa muito atuante no campo educacional brasileiro, um professor. Enredada nas novas
abordagens historiográficas, outra vez eu quis dar destaque, não para eventos históricos, mas,
para um agente, um produtor de sentido, um compositor de história. Quis “ressuscitar” não
apenas um passado, mas, o passado de alguém, na relação das suas práticas e um contexto, um
campo. Tratei da elaboração de um projeto educacional expresso nos textos reguladores para
professores, como uma espécie de currículo prescrito.
1 Manuais escolanovistas, entre eles os de autoria de Everardo Backheuser circularam nos Grupos Escolares
Catarinenses, como mostra WERNECK DE PAULA, Maria Fernanda Batista Faraco. Tabela sobre os
comunicados feitos pelos professores dos grupos escolares e das escolas isoladas para o Departamento
de Educação nos anos 1946, 1948 e 1949. Florianópolis: UDESC, 2012. Mimeo. 64p.
29
Dessa vez estiveram em jogo as apropriações e representações da Escola Nova
engendradas por Backheuser, de modo especial, nos manuais pedagógicos que escreveu, os
quais foram norteadores de um modelo pedagógico sui generis disseminado entre os professores
primários no Brasil. Dentre as incontáveis facetas deste agente, estrategicamente, enfatizei
aquela que se aproximou do meu próprio lugar social, a que refletiu a sua atuação no campo
educacional e, tornou possível a minha reflexão a partir da manualística, da historiografia,
especialmente da Nova História Cultural e, mais amplamente, da área da educação.
À moda certeauniana, compreendi a construção dessa tese como a tecitura de uma
urdidura e, então, usei metáforas relacionadas ao campo da costura para intitular os capítulos.
Os verbos alinhavar, conectar, tecer, tramar e arrematar deram a direção para que as minhas
intervenções, como autora, por meio das ferramentas de trabalho, as linhas e as agulhas, ou a
empiria e a teoria, entrassem em campo e tramassem o tecido confeccionado aqui.
As imagens utilizadas na capa tiveram as mais variadas fontes. Algumas estão
disponíveis no acervo virtual do Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil (CPDOC); algumas fazem parte do álbum de memórias como as que
trazem recortes de jornal; outras vieram de um álbum de fotografias fornecido pela neta, as
quais o trazem no campo familiar; aquela na qual ele está face a face com o filho e a que contém
um carro, onde está com a primeira mulher e novamente com o filho, estão disponíveis no livro
escrito por Santos (1989); por fim, outras são fotografias de algumas das fontes que
alimentaram essa construção, dos manuais pedagógicos e das cópias do álbum de memórias e
o livro sobre a trajetória dele, escrito pela segunda mulher, Alcina. A imagem de fundo foi o
último retrato antes do seu falecimento. O objetivo desse mosaico de imagens foi iniciar o texto
mostrando indícios da trajetória e das práticas multifacetadas desse professor tão ativo na
História da Educação brasileira.
***
Anos trinta do século vinte, em solo brasileiro, a disputa pela dominação do campo
educacional inflama-se. Grupos - antes convergentes - rompem, assumem novas posições, e,
fundamentados em diferentes claves filosóficas, se organizam e agem a partir de estratégias
distintas. Nessa conjuntura, a luta por dominação política resultou em uma batalha pelo controle
do campo. Nesse conflito, destacaram-se dois grupos de educadores - pioneiros e católicos - os
quais estabeleceriam relações consensuais no que se refere à educação como causa cívica de
redenção nacional, e de oposição quanto às estratégias por meio das quais os fins propostos
30
seriam atingidos. Os enunciados relativos à reforma do sistema educacional estavam fortemente
relacionados à ideia de reconstrução nacional, como pode ser percebido no início do Manifesto
dos Pioneiros da Educação Nova (1932):
Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e
gravidade o da educação. Nem mesmo os de caráter econômico lhe podem disputar a
primazia nos planos de reconstrução nacional (AZEVEDO, 2010, p. 33).
De acordo com Carvalho (2003), a Associação Brasileira de Educação (ABE) - cujo
tema central era a remodelação e a reestruturação do sistema escolar com vistas à formulação e
implementação de uma política nacional de educação - foi, nas décadas de 1920 e 1930, a
principal instância de organização do chamado movimento de renovação educacional no Brasil.
Além disso, a ABE congregou na década de 1920, numa mesma campanha pela causa cívico-
educacional, grupos de educadores que se antagonizariam na década seguinte. Nos anos de 1930
a luta pelo controle do aparelho escolar tornou-se central, então, o campo de consenso
constituído no movimento educacional dos anos de 1920 passou a ser tensionado por estratégias
rivais dos grupos:
As nomeações designam, no caso do primeiro grupo, setores militantes do laicato
intelectual católico que haviam integrado a ABE nos anos vinte e que abandonam em
1932, passando a se articular na Associação dos Professores Católicos do Distrito
Federal e no Centro Dom Vital de São Paulo, inicialmente, e, a partir de 1934 na
Confederação Católica Brasileira de Educação. No caso do segundo, o nome designa
alguns dos signatários do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova que, - tendo
participado das Conferências Nacionais de Educação promovidas pela ABE e
ocupado postos governamentais, na qualidade de “técnicos” empenhados na reforma
dos sistemas estaduais de ensino, - assumiram o controle da Associação Brasileira de
Educação a partir de 1932 (CARVALHO, 2003, p. 89) (grifo da autora).
O embate entre católicos e pioneiros emergiu quando os ideais escolanovistas, a partir
de expoentes como Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo e Lourenço Filho, propuseram uma
instrução pública e laica, contrariando, portanto, uma instrução confessional baseada nos
preceitos da Igreja Católica, que buscava seu espaço no regime republicano instituído no Brasil.
Este embate doutrinário no campo pedagógico foi, para estes grupos, estrategicamente
fundamental na luta que se desenrolou na primeira metade da década de 1930, prolongando-se
até, pelo menos, a decretação do Estado Novo. Pioneiros e católicos acreditavam que na
educação estava a resposta para a reconstrução da sociedade. No entanto, os católicos
pretendiam dar à educação nacional um conteúdo espiritual consciente, considerando o atual
31
como tradicionalista e convencional, enquanto que os pioneiros pretendiam imprimir à
educação nacional um sentido democrático e liberal (AMOROSO LIMA apud CURY, 1978).
A educação era o palco dessas disputas e lugar comum entre os opositores, pois a escola passava
a ser um lugar de conformação social que construiria as bases da nação, a alma nacional e
livraria o país dos males sociais a partir do derramamento da instrução (MONARCHA, 2009).
Para os católicos, a educação deveria ser tarefa da Igreja, incumbida de preparar as
consciências para a vida em sociedade e elevá-las à sua verdadeira destinação espiritual, a vida
eterna. Para os pioneiros, no mundo em crise, a educação, baseada em métodos apoiados nas
ciências, teria por fim integrar as gerações às novas condições de vida do mundo em mudança.
Princípios como obrigatoriedade, gratuidade, laicidade e coeducação passam a constituir as
bandeiras da luta dos educadores reformistas (CURY, 1978). A questão apresentou-se, de forma
especial, como disputa pelo Ensino Religioso dentro da escola pública. Entretanto, muito mais
estava em jogo. A principal questão estava entre a mentalidade laica da República e a
mentalidade dos líderes católicos que conservavam uma cultura fortemente religiosa. Nessa
época, a educação foi claramente valorizada, como instrumento político de controle social, o
que evidencia a existência de uma luta pelo poder no campo educacional (CARVALHO, 2003).
A ruptura entre esses dois grupos ocorreu na IV Conferência Nacional de Educação da
ABE, realizada no Distrito Federal2 em dezembro de 1931 (CARVALHO, 2003). O grupo dos
católicos ocupava a posição de dominantes na ABE desde 1929 e organizou a conferência em
torno de temas que defendiam: a manutenção da dualidade do sistema escolar (escolas públicas
e confessionais) e a orientação religiosa. No entanto, nesta conferência, apresentou-se um grupo
de resistência liderado por Nóbrega da Cunha, e o grupo de católicos não esperava o
questionamento de Cunha que arguiu o desvio da pauta, ou seja, a não-resposta à principal
questão da conferência: a definição das Diretrizes da Educação Popular. A intervenção de
Cunha desarticulou os planos daqueles que organizaram a Conferência e possibilitou postergar
a questão para a V Conferência, no ano seguinte (SGANDERLA; CARVALHO, 2008).
Com essa estratégia, o grupo dos pioneiros assumiu a posição de dominante no
subcampo da ABE e tomou a direção dos trabalhos e a responsabilidade de redigir um
documento para responder a questão solicitada. Nasceu, assim, o Manifesto dos Pioneiros da
Escola Nova, amplamente divulgado após a IV Conferência como um projeto político-
pedagógico para a educação brasileira, que defendia um sistema único de ensino, público, laico
e gratuito. O lançamento desse documento, meses após a IV Conferência, provocou a saída dos
2 Cabe lembrar ao/a leitor/leitora que o Distrito Federal na época, até 1960, era o município do Rio de Janeiro.
32
militantes católicos da ABE os quais se reorganizariam anos depois na Confederação Católica
Brasileira de Educação (CCBE), para combater e também para ressignificar os pressupostos
firmados no Manifesto.
Ambos os grupos intentavam normatizar as práticas escolares e promover mudanças na
mentalidade dos professores, assegurando o controle da orientação doutrinária do sistema
educacional. O campo dos debates educacionais se reconfigurou. Deixado de lado o consenso
inicial em torno da causa cívico educacional (década de 1920), os dois grupos assumiram
posições divergentes no campo teórico/doutrinário da Pedagogia (década de 1930). Enquanto
os pioneiros levantam as bandeiras da educação nova: escola única, ensino público e laico, os
católicos se organizaram e lutaram por uma escola dual, de ensino particular e religioso. Pelo
controle do sistema educacional, ambos os grupos agiram no sentido de normatizar as práticas
escolares, o pensamento e a conduta dos professores, com estratégias distintas:
Os pioneiros atuaram de modo a enraizar os usos das expressões educação nova e
Escola Nova nas práticas de reorganização da cultura e da sociedade de que faziam
parte as políticas de remodelação da escola e de reforma estrutural do sistema escolar
a que se lançavam. Já os católicos agiram em direção oposta: procuraram confinar os
usos das expressões ao campo doutrinário da Pedagogia, de modo a instanciar o
enunciado pedagógico católico como juiz dos preceitos escolanovistas, evitando que
sua introdução nas escolas tivesse o impacto transformador pelos seus adversários
(CARVALHO, 2003, p. 95) (grifos da autora).
Carvalho (2003) traz à baila uma questão fundamental para esta tese: a cisão entre
pioneiros e católicos não foi tão profunda quanto mostram alguns estudos historiográficos3,
portanto, não deve ser tomada de forma tão absoluta. Ou seja, não se pode esquecer de que
ambos os grupos compartilhavam um objetivo comum - a educação como formação da
nacionalidade. No entanto, a autora não deixa de considerar que a luta pelo controle ideológico
da escola estava travada, e, nesta luta, a principal questão era ganhar a adesão do professorado,
“a preceitos pedagógicos capazes de fazer da escola um instrumento eficaz de ‘organização
nacional através da organização da cultura’ tal como diferencialmente postulavam os dois
grupos em confronto” (CARVALHO, 2003, p. 94).
Por isso é importante fazer uma ressalva sobre o uso dos termos católicos e pioneiros.
Este uso expressa uma forma abrangente e normalmente é utilizada para representar os dois
principais grupos envolvidos nos debates educacionais da época. Entretanto, essa ideia de grupo
deve ser matizada porque nenhum deles tinha uma coesão indiscutível acerca das questões
3 Cury (1978), por exemplo, ressalta de forma cortante essa cisão, ainda assim, a tese que elaborou foi de suma
importância para a compreensão do campo educacional brasileiro na década de 1930.
33
educacionais. Os católicos contavam com membros leigos e eclesiásticos e seguiam diretrizes
comuns, como aquelas presentes na Encíclica Divini Illius Magistri4 do Papa Pio XI, e
defendiam o princípio de que a educação deve ser indissociável da religião católica, o que
possibilitava a reunião desses indivíduos como grupo. Porém, mesmo assim, apresentavam
diferenças entre si, como, por exemplo, acerca de sua posição em relação à Escola Nova. Já os
pioneiros congregavam na defesa de uma ideologia, de metodologias renovadas de ensino,
embora apresentassem especificidades em seus posicionamentos e apropriações de ideias
estrangeiras, observadas na visão educacional de cada educador, ainda que tenham assinado um
Manifesto em comum.
Para Carvalho (2003), a separação entre católicos e pioneiros é redutoramente
demarcada, porque camufla os pontos em comum do movimento do ideário escolanovista no
Brasil. Isso porque, segundo a autora ambos os grupos possuíam objetivos comuns, no sentido
de normatizar práticas escolares, promover a mudança na mentalidade do professorado,
conquistar o controle do campo educacional e, portanto, atuar na formação das elites e do povo.
O principal ponto divergente entre os dois grupos dava-se no campo das estratégias tomadas
para alcançar objetivos comuns. Porém, esta separação (pioneiros/católicos) serve agora de
forma a elucidar as cisões do movimento e as disputas que foram travadas em torno dele.
Este cenário de disputa pelo campo educacional promove alguns questionamentos, entre
os quais: a militância pedagógica católica exerceu apenas o papel de deter a propagação dos
ideais escolanovistas ou havia um enunciado católico sobre o escolanovismo? Inferi que ao
realçar a trajetória de um dos representantes do grupo católico seria possível identificar indícios
de uma espécie de “escolanovismo católico” (CARVALHO, 2003). Portanto, não se pode
deixar sem registro a apropriação realizada por alguns integrantes do grupo católico dos
pressupostos da chamada pedagogia da Escola Nova. Apropriação esta, calcada na filosofia
católica que servia de lente para o julgamento das novas pedagogias.
Nessa direção interessa dar a ver que, já na segunda metade da década de 1930, o tom
da disputa ainda era acirrado entre as partes, entretanto, as mudanças ocorridas na passagem
das décadas refletiam a abertura do ideal católico para obras que antes eram proibidas por se
configurarem como os excessos da pedagogia moderna (CARVALHO, 2003). Os católicos
passaram a filtrar esses excessos daquilo que não fosse compatível com as prescrições da
4 Carta Encíclica de Sua Santidade o Papa Pio XI acerca da Educação Cristã da Juventude, publicada em 1929.
Disponível em: <https://w2.vatican.va/content/pius-xi/pt/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_31121929_
divini-illius-magistri.html>. Acesso em: 8 ago. 2015. De acordo com Carvalho (2003), a Encíclica impunha
limites à “heterodoxia pedagógica” e regrava a sedução que o escolanovismo vinha causando nos meios
católicos.
34
Encíclica e conciliar os escritos de Dewey, Claparède, Decroly e Kilpatrick, por exemplo, às
censuras do documento eclesiástico e de autores católicos expoentes como Everardo Adolpho
Backheuser.
Percebe-se então, que a militância católica não teve apenas ações reativas ao movimento
escolanovista em solo brasileiro. Embora conservassem a essência de seu ideário cristão,
procuravam colocar suas práticas de atuação em sintonia com o momento histórico em que
estavam inseridas. Esse grupo é responsável pela difusão da pedagogia da Escola Nova no
Brasil, em especial, no início da década de 1930, quando, utilizando-se de estratégias -
Associação de Professores Católicos do Distrito Federal (APC-DF); CCBE; congressos, cursos,
publicação de periódicos, entre os quais, a Revista Brasileira de Pedagogia (RBP) e o Boletim
da Associação de Professores Católicos (BAPC), manuais pedagógicos5, etc., - objetivavam
conquistar os professores de escolas confessionais e também públicas, normatizando as suas
condutas e orientando doutrinariamente as suas práticas escolares. De acordo com Carvalho
(2003, p. 106), ainda que algumas lideranças católicas fossem a favor de um combate “sem
tréguas à nova pedagogia, predominou a tendência de incorporá-la, depurando-a de tudo o que
contrariasse os preceitos católicos” (grifos da autora).
Dentro do grupo católico, destaco Everardo Adolpho Backheuser, um católico
escolanovista. Descendente de portugueses, alemães e franceses, nasceu em 1879 em Niterói
no Rio de Janeiro e faleceu no ano de 1951. Foi Engenheiro, Geógrafo e professor da Escola
Normal de Niterói e do Colégio Pedro II, entre outras instituições. Além dos cinquenta anos de
exercício no magistério, dedicou-se às atividades político-administrativas e jornalísticas.
Em 1924, participou da fundação da ABE, instituição com a qual rompeu em 1931. Em
1928, como numa homenagem póstuma, realizou o desejo de sua primeira mulher, convertendo-
se6 ao catolicismo no dia da sua missa de corpo presente. Errerias (2000) dá a entender que
Backheuser havia se afastado do catolicismo. Havia sido educado em uma família que não
seguia firmemente a religião, depois ingressou no Liceu onde conviveu com professores que
combatiam o catolicismo, o que acabou influenciando sua postura diante da religião. Após a
5 Quando se trata de manuais pedagógicos escolanovistas não se pode esquecer a obra LOURENÇO FILHO,
Manuel Bergstrom. Introdução ao Estudo da Escola Nova: bases, sistemas e diretrizes da pedagogia
contemporânea. 14. ed. Rio de janeiro: EdUERJ: Conselho Federal de Psicologia, 2002, fundamental na
estratégia de divulgação das novas bases educacionais assentadas em um conjunto de conhecimentos então
recentes, provenientes da Biologia, da Psicologia e da Sociologia. Fundamentos esses que dão origem a
princípios gerais da Escola Nova: atividade, interesse e motivação. Mais do que tratar dos princípios cardeais
da Escola Nova, o autor, Lourenço Filho, deixa explícito na obra que o principal objetivo é dar apoio aos
professores para que a mudança pedagógica ocorra dentro da sala de aula. 6 A seção 2.3.3 explica como aconteceu a conversão, a partir das fontes selecionadas.
35
conversão, começou a atuar fortemente no movimento de agremiação de professores católicos
e da Campanha em prol do Ensino Religioso.
Logo que Backheuser se aposentou como professor, ficou interessado na reforma que
Fernando de Azevedo iniciara no Rio de Janeiro em 1927, e passou a colaborar com o mesmo.
Na Alemanha conheceu de forma mais profunda o ideário da Escola Nova, e, logo que voltou,
assumiu a direção de cinco escolas municipais do Distrito Federal para experimentar alguns
métodos e analisar os resultados. Nesta época, iniciou a Cruzada Pedagógica7 pela Escola Nova
e publicou o boletim A Escola Nova. Promoveu atividades como excursões programadas,
cinemateca, bibliotecas escolares, etc. Em 1929, promoveu uma Exposição Pedagógica com
trabalhos de alunos. Dois anos após o seu rompimento com a ABE tornou-se membro fundador
da CCBE (1933). Teve textos publicados em vários periódicos, como: revista Escola Nova;
Revista Brasileira de Pedagogia e Boletim dos Professores Católicos (BARREIRA, 1999).
A esta pesquisa, interessa situar Everardo Backheuser no campo educacional,
sintetizando a sua trajetória de militante católico e articulador político a partir da sua atuação
na ABE e na CCBE além de suas ações como jornalista por meio dos seus escritos na RBP e,
aprofundando de forma especial, a sua atuação como professor e as suas apropriações dos
pressupostos escolanovistas nos manuais que escreveu. O foco em sua trajetória social desperta
as seguintes questões: como Everardo Backheuser se situou no campo de embate entre católicos
e pioneiros? Como este professor, engenheiro e militante católico se apropriou dos postulados
do movimento da Escola Nova e os representou nos seus manuais?
Quando da realização do estado da arte para esta pesquisa, foram encontradas três
dissertações de mestrado e uma tese de doutoramento que trouxeram elementos importantes
para a análise proposta, além de motivar outros questionamentos e reforçar a relevância do tema
que se propõe.
Em 1997, Antonio Donizetti Sgarbi defendeu a sua dissertação intitulada “Igreja,
educação e modernidade na década de 30: Escolanovismo Católico construído na CCBE,
divulgado pela Revista Brasileira de Pedagogia” (SGARBI, 1997). Em seus escritos ele aborda
o movimento escolanovista e a atuação dos católicos no campo educacional brasileiro nas
décadas de 1920 e 1930, enfatizando os seus aspectos divulgados na RBP. Para tanto, o autor
discorre sobre a organização dos educadores católicos já a partir de 1928, a criação da CCBE
(1930) e as publicações na RBP de 1934 a 1938. Sendo assim, Sgarbi toma a CCBE como locus
construtivo de um escolanovismo católico liderado por Everardo Backheuser.
7 A seção 2.3.2 traz alguns detalhes de como esse movimento da Cruzada foi construído.
36
Em 2000, Claudio Antonio Christante Errerias defendeu a dissertação “Catolicismo e
educação na década de 1930: o escolanovismo de Everardo Backheuser” (ERRERIAS, 2000).
Nela apresenta traços da trajetória do educador católico bem como as suas principais obras na
tentativa de contextualizá-lo na passagem dos anos 1920 para 1930, posicionando Backheuser
diante do movimento escolanovista. Além disso, o autor mostra como esse professor entendia
as ciências da educação e suas apropriações acerca da chamada “Psicologia Científica (Gestalt)”
no manual Técnica da Pedagogia Moderna (Teoria e Prática da Escola Nova).
Em 2008, Rodrigo Mota Narciso defendeu a dissertação “Ministro de Deus, portador da
luz: Ações e enunciados católicos de modelação docente na década de 1930” (NARCISO,
2008). Esta dissertação refletiu sobre as ações e os enunciados produzidos por educadores
católicos na década de 1930, situados nos debates intelectuais sobre a modernidade e a
construção da nação à época, focalizando a multiplicidade de representações de professor e de
formação docente construída. Foram analisadas as representações sobre a educação e os
modelos de professor desejado, assim como as estratégias conduzidas para a sua propagação,
tendo como base dois manuais (ambos de 1934): Tratado de Pedagogia, de Monsenhor Pedro
Anísio e Técnica da Pedagogia Moderna (Teoria e Prática da Escola Nova), de Everardo
Backheuser; e dois congressos católicos promovidos pela CCBE, em 1934 e 1937. Além disso,
Narcizo (2008a, p. 120) referiu-se a Everardo Backheuser como talvez “o mais escolanovista
dos católicos” expressão que inspirou um dos subcapítulos da tese em tela.
Além destas dissertações, foi encontrada a tese de doutoramento defendida em 2008 por
Bernadete de Lourdes Streisky Stang, intitulada “O Saber e o Credo: os intelectuais Católicos
e a Doutrina da Escola Nova (1924-1940)” (STANG, 2008). Nela, a autora intenta mostrar
como os educadores católicos se apropriaram da doutrina escolanovista dentro dos moldes da
sua fé e como traduziram nos seus enunciados a sua leitura de mundo e o modelo de educação
que defendiam, percebendo como estas apropriações aparecem no debate pedagógico publicado
em suas revistas. Apesar da proximidade temática, estas referências trouxeram - além de
algumas respostas e importantes referências de leitura - muitas indagações que desencadearam
novos caminhos para a pesquisa que aqui proponho.
De acordo com Certeau (2015), o primeiro trabalho na operação historiográfica é separar
e reunir certos objetos e transformá-los em documentos. Portanto, o historiador produz esses
documentos quando os recopia, transcreve ou fotografa esses objetos, porque ao agir sobre eles,
muda ao mesmo tempo o seu lugar e o seu estatuto. Assim, esses objetos recebem o estatuto de
documentos, de fontes. Para identificar as principais estratégias do grupo católico para a
dominação do campo educacional, em especial, por meio da atuação de Everardo Backheuser,
37
tomei como objetos de análise e, privilegiei como fontes, dois manuais pedagógicos: Técnica
da Pedagogia Moderna8 (Teoria e Prática da Escola Nova) de 1934 e Manual de Pedagogia
Moderna de 1948, por ele escritos para a formação e aperfeiçoamento de professores primários.
Estes manuais foram produzidos na esteira do movimento escolanovista no Brasil, e,
agregam aspectos teóricos e orientações para a condução da prática docente, encadeando num
mesmo suporte material o campo doutrinário da pedagogia, as determinações legais e os
procedimentos necessários para sua execução (VALDEMARIN, 2008). Interessou-me
entrecruzar estes manuais e o documento que os norteia - a Encíclica - com os pressupostos
escolanovistas presentes no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova e o livro de Lourenço
Filho intitulado Introdução ao Estudo da Escola Nova9, os quais também tomei como fontes
desta pesquisa porque são documentos seminais do movimento escolanovista no Brasil.
Parte-se do princípio de que estes manuais prescrevem uma prática pedagógica
idealizada, e, portanto, apresentam elementos para a compreensão das estratégias utilizadas para
a formação de professores, da articulação entre questões de naturezas teórica e prática, e, de
forma mais específica, da articulação num enunciado coerente entre práticas consolidadas e
inovações pretendidas (VALDEMARIN, 2008). No intuito de compreender o processo de
materialização das concepções pedagógicas da Escola Nova nas prescrições - calcadas na
filosofia católica - para a prática pedagógica, tomei os dois manuais escritos por Everardo
Adolpho Backheuser. A pretensão foi então, questionar estes manuais como dispositivos de
normatização pedagógica e também como suportes materiais das práticas escolares tal qual
propõe Carvalho (2003).
Os manuais pedagógicos se constituem em fontes profícuas para os estudos de História
da Educação e do Currículo porque expressam conceitos, valores, conhecimentos, normas e
representações de uma determinada época. Portanto, representam objetos marcados por uma
sistematicidade e embebidos de uma intencionalidade e de uma especificidade referente à sua
produção e, consequentemente, à sua utilização, caracterizando-se como produtos culturais de
uma época. Os manuais possuem diversas funções, veiculam sistemas de pensamento, valores,
8 Além de aparecer nos títulos dos manuais, no seu interior a expressão “pedagogia moderna” também aparece,
ora como algo sinônimo de Escola Nova e ora associadas a elementos educacionais considerados renovadores.
Importa ressaltar a importância da matização de alguns indícios da continuidade da pedagogia moderna na
escola a qual se vinha chamando de “nova”. Proponho essa problematização, ainda que minimamente, na
introdução do capítulo 3. 9 O livro Introdução ao Estudo da Escola Nova: bases, sistemas e diretrizes da Pedagogia Contemporânea teve a
sua primeira edição publicada em 1930 e se tornou fonte de difusão das bases científicas e filosóficas da
perspectiva escolanovista. A primeira edição foi resultado se sínteses das aulas de pedagogia e psicologia
ministradas pelo autor na Escola Normal de São Paulo, por isso, configurou-se obra de impacto no subcampo
da Psicologia da educação (CAMPOS et al, 2002).
38
ideologias, interferindo assim na mentalidade dos professores e nas práticas. O ato de voltar às
lentes de pesquisa para estes artefatos dentro da perspectiva da Nova História Cultural, que
tematiza as dimensões de produção, circulação e apropriação do impresso, fomenta, na
atualidade, um corpo de investigações que vem crescendo de forma significativa. Porque levar
em conta estas dimensões dentro da perspectiva epistemológica supracitada possibilita a
compreensão de questões associadas à veiculação de determinados enunciados, currículo,
identidade, metodologias e concepções ideológicas que guiam certas áreas de conhecimento.
Para Ossenbach e Somoza (2001) os livros escolares são textos que transcendem a
instituição escolar, porque mais que instrumentos didáticos e pedagógicos, são indícios da
circulação e apropriação de enunciados hegemônicos e contêm concepções ideológicas, morais,
religiosas, políticas, éticas e culturais:
Los libros escolares contituyen la condensación em um objeto de numerosos intereses,
intenciones, intervenciones y regulaciones. Son la resultante del trabajo y la
participación del autor, del editor, del diseñador, de la imprenta, del distribuidor, del
maestro, de las autoridades educativas, etc., y constituyen um fenômeno pedagógico,
pero también cultural, político, administrativo, técnico y econômico (OSSENBACH;
SOMOZA, 2001, p. 15).
Escolano Benito (2001) afirma que o livro escolar é a representação do modo de
conceber e praticar o ensino que expressa teorias pedagógicas implícitas e padrões de
comunicação, “um espejo que refleja em sus marcos materiales los rasgos de la sociedad que lo
produce, la cultura del entorno em que circula y la pedagogia que, a modo de sistema
autorreferente, regula suas prácticas de uso” (ESCOLANO BENITO, 2001, p. 35).
De acordo com Bufrem et al (2006), os manuais destinados aos professores podem ser
tomados como fontes para indagar sobre a presença de elementos que, em certos períodos
históricos, definiram as formas de pensar e de desenvolver o ensino. Portanto, é possível inquiri-
los como produtos e produtores de conhecimentos escolares; edificadores de modos de fazer a
escolarização; normatizadores de práticas pedagógicas escolares e por fim, construtores de
identidades e subjetivações.
Mesmo na contemporaneidade, com a infinidade de outras tecnologias educacionais, os
manuais permanecem presentes em sala de aula, revelando sua irrefutável relevância para
estudos historiográficos; incitando a criação de centros de estudo10 e dando origem a um novo
10 Como exemplo, cita-se o Centro de Investigación en Manuales Escolares MANES: fundado em Madri, na
Espanha, no início da década de 1990, por iniciativa do professor Federico Gómez Rodriguez de Castro, do
Departamento de Historia de la Educación y Educación Comparada, da Universidad Nacional de Educación a
Distancia - UNED. Desde o seu início, o Proyecto MANES contou com a participação dos professores Agustín
39
campo de pesquisa histórico-educativa, cognominado pelo historiador espanhol Escolano
Benito de manualística. Este campo de conhecimento abrange os manuais escolares como
sintetizadores da cultura empírica da escola, suportes educativos, pedagógicos e históricos e,
ainda, como instrumentos de informação e seleção do conhecimento considerado científico,
portanto, legitimado. Os manuais representam objetos indiciários ou objetos-huella que podem
expor elementos acerca do jogo escolar (ESCOLANO BENITO, 2012)11.
Nos seus primórdios, a investigação sobre manuais escolares esteve centrada nos
conteúdos das disciplinas humanísticas, observando nestes um caráter ideológico de formação
das identidades nacionais. Com a renovação de metodologias e perspectivas teóricas, as
pesquisas começaram a abarcar todos os campos das disciplinas escolares, analisando além da
influência destas na formação das consciências individuais ou coletivas, e, agindo de forma a
realizar uma genealogia destas disciplinas, atentando para os fatores que influenciam na seleção
curricular; os autores de livros escolares; a história das editoras; a produção de manuais
escolares, etc.
Nessa perspectiva, podem-se acrescentar as pesquisas que tomam os manuais escolares
na sua materialidade, como objetos culturais produzidos por agentes específicos, a partir de
técnicas demarcadas em uma conjuntura econômica, ideológica, comercial e de organização da
produção que condiciona seu caráter social e histórico. Portanto, tomar os manuais enquanto
bens culturais que incorporam intenções, objetivos e regulações, significa tomá-los como fontes
que informam sobre os valores partilhados em um determinado contexto, as representações
sociais e as práticas escolares (ROCHA; SOMOZA, 2012).
No campo da manualística, Escolano Benito (2001, p. 14) advoga que os estudos sobre
a manualística servem para elucidar os modos de produção e apropriação dos materiais da
cultura da escola, não são apenas referentes às disciplinas acadêmicas, mas, “representaciones
que expresan, en sus mismas formalidades, y hasta en sus simulacros lingüísticos, toda una
semántica y una pedagogia”.
O mesmo autor assevera que os manuais escolares podem ser examinados como
representações de “las prácticas que prevé e induce, como un soporte en el que subyacen los
Escolano Benito, Antonio Viñao Frago, José Maria Hernandez Diaz, Maria Nieves Gómez, Mercedes Vico e
Julio Ruiz Berrio (TEIVE, 2015). 11 Possibilidades de pesquisa acerca dos manuais como objetos indiciários que podem contar sobre o jogo escolar
foram refletidas no artigo ROSA, Maristela da; TEIVE, Gladys Mary Ghizoni. Manuais didáticos como
patrimônio histórico-educativo: artefatos da cultura material escolar. Roteiro, Joaçaba, v. 41, n. 2, p. 407-430,
maio/ago. 2016. Esse artigo é fruto dessa tese.
40
enunciados pedagógicos acerca de la acción escolar y como un objeto indiciario de los valores
en que se fundamenta la administración que lo regula” (ESCOLANO BENITO, 2012, p. 43).
Nesse sentido, os manuais são fontes da nova historiografia, e são também construções
culturais e educacionais que são codificadas de acordo com as especificidades de cada contexto
de produção e de circulação. Além de fontes que podem auxiliar no entendimento da educação
de determinada conjuntura, se configuram também como objetos de análise, como
configurações históricas, podendo ser analisados ao nível material e simbólico, como
representação de um ideal pedagógico porque neles estão contidas as estratégias pensadas para
a educação formal, o imaginário social e os métodos didáticos de determinada época.
Ossenbach (2010) defende os manuais como parte integrante do patrimônio histórico-
educativo, não somente como suportes da memória individual e coletiva, mas, também porque
constituem uma fonte imprescindível para a compreensão das práticas internas do universo
escolar. Para a autora, os manuais não constituem uma descrição ou um registro fotográfico de
uma determinada sociedade e sua cultura, mas podem configurar indícios de um:
[...] horizonte idealizado de saberes, propósitos y valoraciones, un conjunto de
interpretaciones y de posicionamientos que expresan visiones subjetivas del mundo
social, susceptibles, a su vez, de ser analizadas para tratar de comprender la historia
escolar y los procesos de transmisión cultural (OSSENBACH, 2010, p. 124).
Durante a revisão das literaturas utilizadas para a fundamentação do estudo que
proponho, percebi que estas, ora trazem a nomenclatura livros escolares, ora manuais escolares
ou ainda manuais didáticos ou manuais pedagógicos. Essa é uma espécie de “ambiguidade
terminológica” que exige uma caracterização mais cuidadosa dos manuais pedagógicos
(OSSENBACH; SOMOZA, 2001). Para Catani e Silva (2010, p. 1) os manuais pedagógicos
são:
[...] livros escolares que versam sobre questões de ensino e são escritos para formar
professores e/ou para auxiliá-los no aperfeiçoamento do seu trabalho. Os manuais
pedagógicos são atualmente chamados de livros didáticos e partilham, com todos os
livros desse tipo, o fato de concentrar em si noções essenciais da matéria específica
que representam e de apresentar linguagem e organização adequadas a um
entendimento fácil para os estudantes. No que diz respeito aos manuais pedagógicos,
ao resumirem os saberes e referências importantes na área da Pedagogia, podem ser
identificados como súmulas, compêndios, lições ou introduções. A palavra “manual”
remete ao propósito de “levar às mãos dos leitores”, de forma clara e acessível, os
saberes que fundamentam a prática docente.
Se o discurso trazido pelos manuais pedagógicos é distinto daquele que outros livros
didáticos trazem - porque constitui um corpo de saberes específicos para os professores
41
(SILVA, 2005) - interessa ressaltar que nessa tese, tomei os manuais selecionados como uma
literatura direcionada à formação e ao aperfeiçoamento do professorado. Então, os livros de
Backheuser - fontes e objetos de análise desta tese - a partir da função definida pelo autor e
legitimada pela edição e pelos seus usos, são aqui nominados manuais pedagógicos.
O tempo-espaço definido para esta análise foi o período entre as décadas de 1930 e 1940
no Brasil. O marco inicial é a década das publicações do Manifesto dos Pioneiros da Educação
Nova (1932) e do primeiro manual escrito por Everardo Backheuser (1934). O marco final é a
década em que o educador católico publicou a nova versão do manual (1942), lembrando que a
edição utilizada na tese é a 4ª, de 1948.
O objetivo geral da pesquisa foi o de situar Everardo Backheuser no campo educacional
brasileiro e compreender como ele se apropriou dos postulados escolanovistas e os representou
nos manuais pedagógicos que escreveu. Para tanto, foram definidos os seguintes objetivos
específicos: conhecer a trajetória de Everardo Backheuser, em especial no campo educacional;
analisar o conteúdo dos manuais comparando as duas versões; perceber como o autor se
apropriou dos postulados escolanovistas e os ressignificou nos seus escritos.
Esta pesquisa foi desenvolvida na perspectiva teórico-metodológica da Nova História
Cultural. Entendo a narrativa que construí como uma representação sobre o passado, que teve
como foco a materialidade dos dispositivos construídos para serem modelos de ordenação
escolar das práticas educativas, os manuais, e a trajetória e as apropriações de um agente
específico, autor de alguns desses dispositivos como veículos que comunicaram, expressaram
um projeto educacional. À luz dessa vertente epistemológica, acredito que o texto aqui
materializado, se encontra no centro dos “novos” modos historiográficos que se preocupam não
apenas com a organização dos discursos sobre o tempo, mas também com a elucidação de como
os discursos têm construído e reconstruído as vidas e as realidades sociais das pessoas. Pois, na
busca pela compreensão de como as têm interpretado e reinterpretado seu mundo, como
circulam as representações nos indivíduos, como as experiências têm diferentes significados
para diferentes pessoas, o centro da atenção das investigações ancoradas na Nova História
Cultural têm se deslocado para as representações, as práticas criativas, e para as apropriações.
Para Certeau (2015) o trabalho do historiador se caracteriza pela fabricação de uma
narrativa, de um artefato escriturístico, dos acontecimentos do passado. A historiografia é o
produto de uma operação, de uma atividade de atribuição de sentido aos eventos do passado o
qual é produzido pelo historiador como um artefato. E este trabalho, entre outras facetas, exige
a destreza narrativa, a capacidade de elaborar boas tramas. Já Albuquerque Jr. (2009) diz que,
tal qual uma rendeira, o historiador deve saber conectar os fios, amarrar os nós e respeitar os
42
vazios e os silêncios que também constituem o passado. Por meio de uma opção teórico-
metodológica o pesquisador da História constrói e confere sentido a um determinado evento
passado o qual visto fora do seu contexto, não nos apresentaria uma informação relevante. E
Ginzburg (1989) ensina que o historiador deve interagir com as fontes selecionadas tendo em
mente que esses documentos não são a essência de uma época, mas, as suas representações.
Assim, esses documentos podem ser tomados como pistas, indícios, pequenos fragmentos que
podem ser montados, escondidos ou realçados diante dos olhos daquele que os move como
peças de um grande quebra-cabeça: o pesquisador. Eis a forma com que as peças do quebra-
cabeça proposto por esta tese foram movidas:
Para sublinhar indícios da arena de embate entre pioneiros e católicos e suas estratégias
(com destaque para o último grupo), fiz revisão bibliográfica sobre a temática. Para esta parte
do empreendimento, ressalto a fundamentação nos estudos de Marta Maria Chagas de Carvalho
e Libânea Nacif Xavier.
Para realçar a trajetória social de Everardo Adolpho Backheuser situando-o no campo
educacional, precisei atentar para pequenos fragmentos: a sua origem sociofamiliar e os seus
percursos escolar e profissional. Isso foi possível por meio de revisão de literatura elencada no
Estado da Arte; coleta de dados em acervos cariocas como a ABE e a Biblioteca Nacional;
busca em acervos digitalizados como: o Centro Dom Vital e o Centro de Pesquisa e
Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC -
FGV); um questionário12, rol de pistas respondido pela neta de Backheuser, Miriam Mambrini;
e, finalmente, duas produções (CERTEAU, 2015) da sua segunda mulher, a professora primária
Alcina Moreira de Souza: um livro intitulado “Everardo Backheuser” que registra indícios das
suas multifacetas, desde a infância até a vida adulta, marcada pela militância no campo
pedagógico e um álbum de memórias intitulado “Personalidade de Everardo Backheuser” que
guarda dados biográficos, fotografias, fragmentos de livros, recortes de jornais e alguns textos13.
Ao produzir significados, Alcina fabricou história (CERTEAU, 2015) e forjou representações
(CHARTIER, 1990) de como Everardo marcou presença em várias áreas, sobretudo nas
trincheiras do magistério, onde ele contribuiu por mais de meio século, em sala de aula e fora
12 Dentro dos padrões do Comitê de Ética Miriam Mambrini assinou um termo de consentimento livre e
esclarecido. Tanto o questionário respondido e o termo constam respectivamente nos Apêndices A e B deste
documento. O parecer consubstanciado do Comitê de Ética ficou registrado sob o número 1.471.011 e pode
ser visualizado no Apêndice C. 13 Como este álbum (repleto de fotografias, dados biográficos, cópias de partes de livros, recortes de jornais,
guardado pela neta, guardiã da memória da família Backheuser) foi organizado in memoriam, infere-se que
seja datado da década de 1950, levando em conta o ano da morte de Backheuser, 1951.
43
dela14. Miriam Backheuser Mambrini, neta do referido educador e guardiã das memórias da
família, possibilitou o acesso a tais documentos monumentos (LE GOFF, 1990). Monumentos
compreendidos como representantes de vestígios do passado, os quais, quando utilizados como
ferramentas de pesquisa, configuram-se documentos. Estes registros que aqui problematizo,
qualifico e legitimo como fontes/documentos, poderiam estar destinados à invisibilidade.
Entretanto, essas “escritas ordinárias” (FABRE, 1993, apud CUNHA; SOUZA, 2015, p. 17)15,
registros de experiências que foram conservadas e protegidas em um acervo pessoal e que
expressam a vontade de forjar uma glória e também de guardar os momentos mais significativos
além de trazer indícios de práticas e de representações, foram tomadas aqui como fontes
históricas.Alcina quis manter viva a memória do marido, dar voz a esses objetos auxilia nesse
empreendimento.
Para compreender como este professor se apropriou dos postulados escolanovistas e os
representou em seus manuais, realizei o entrecruzamento entre o repertório e os suportes
materiais de uma apropriação específica. Ou seja, entre o Manifesto dos Pioneiros da Educação
Nova e o livro Introdução ao Estudo da Escola Nova - documentos seminais da Escola Nova
no Brasil - e os manuais escritos por ele que teve como documento norteador da sua
representação, a Encíclica papal de 1929. Para tanto, foi necessário destacar aquelas peças
consideradas mais adequadas para resolver o desafio do jogo proposto.
As lentes teóricas e argumentativas eleitas para fundamentar epistemologicamente a
fabricação deste artefato escriturístico provocaram a interlocução entre Pierre Bourdieu, Roger
Chartier e Michel de Certeau. Destes autores, tomei emprestadas as concepções de campo;
apropriação e representação; e, estratégias e táticas, respectivamente. Ambas serviram de
condutoras para a compreensão do problema de pesquisa lançado; para a minha interação com
as fontes; para a atribuição de sentido de alguns eventos do passado tomados como
representações, bem como para conectar os fios de forma a tornar possível a transposição do
trabalho construído para esse texto como narrativa histórica.
Um dos conceitos centrais na obra de Bourdieu, campo é definido como:
[...] o universo no qual estão inseridos os agentes e as instituições que produzem,
reproduzem ou difundem a arte, a literatura ou a ciência. Esse universo é um mundo
social como os outros, mas que obedece a leis sociais mais ou menos específicas. A
14 Verificar ROSA, Maristela da. Vestígios de uma história: trajetória social do intelectual Everardo Adolpho
Backheuser sob a ótica de Alcina Moreira de Souza. In: IX Congresso de Pesquisa e Ensino de História da
Educação em Minas Gerais, 2017, Uberlândia, MG. Anais do IX Congresso de Pesquisa e Ensino de História
da Educação em Minas Gerais, 2017, Uberlândia, MG: EDUFU, 2017. p. 1-10. 15 As escritas ordinárias ou sem qualidades são aquelas realizadas pelas pessoas comuns e que se opõem aos
escritos prestigiados, elaborados com vontade específica de “fazer uma obra” para ser impressa.
44
noção de campo está aí para designar esse espaço relativamente autônomo, esse
microcosmo dotado de suas leis próprias (BOURDIEU, 2004, p. 20).
Pode-se entender campo como um espaço estruturado de posições, onde dominantes e
dominados - por meio de estratégias - se enfrentam pela manutenção e pela obtenção de
determinados postos. Para além do espaço físico e geográfico, campo é um espaço constituído
por relações. O espaço social é constituído por vários campos (da moda, da religião, político,
cultural, científico, intelectual, educacional, etc.), e neles ocorrem as relações entre os
indivíduos e os grupos sociais, com uma dinâmica que estabelece leis e lógicas próprias. No
interior de cada campo, revela-se a disputa entre os representantes da “autoridade” - que detêm
maior acúmulo de capital e lutam para conservá-lo - e os denominados por Bourdieu (2003) de
“recém-chegados” ou “pretendentes” (que almejam o acúmulo do principal capital daquele
campo específico), dando origem então ao jogo16.
Munidos de mecanismos específicos, os campos possuem propriedades que lhes são
particulares, e se tornam microcosmos autônomos no interior do espaço social (macrocosmo).
Um campo específico possui uma estrutura própria, relativamente autônoma em relação aos
outros campos. Ainda que mantenham uma relação entre si, os diversos campos possuem
objetivos singulares, e, portanto, uma lógica particular de funcionamento e de estruturação.
Para Bourdieu (2003, p. 206), campo é “um espaço de jogo, um campo de relações
objetivas entre indivíduos ou instituições em competição em torno de uma parada em jogo
idêntica.” O campo indica uma rede, uma estrutura, um espaço em disputa no qual cada agente
joga em busca do acúmulo de certos capitais, sejam eles econômico, cultural, social, simbólico,
entre outros.
A posição no campo a ser ocupada por determinado agente/jogador depende diretamente
da quantidade e da qualidade dos capitais por ele acumulados, sendo que essa posição
determinará suas ações a serem forjadas pelo habitus17constituído. Assim, a estrutura de um
campo depende da concentração de capitais em cada um dos agentes envolvidos. Nesse sentido
a concepção bourdieusiana de campo se mostra importante para compreender as posições
16 Bernard Lahire (2002) oferece alguns elementos fundamentais e relativamente invariantes da definição de
“campo” que se pode extrair das diferentes obras e artigos de Pierre Bourdieu. 17 A concepção de habitus é imprescindível para o entendimento da trajetória social de um agente, pois sua
existência é definida pelo habitus, isto é, pelo conjunto de posições ligado às disposições pessoais
historicamente construídas (BOURDIEU, 2006). Essas disposições que fazem o agente ser capaz de agir e se
posicionar no campo social, indicando um sistema de esquemas de percepção, valores, juízos, apreciação e de
ação incorporado pelas experiências e que faz parte de uma estrutura. Para Bourdieu (2001, p. 61), o habitus
“indica a disposição incorporada, quase postural”. Para saber mais sobre o conceito de habitus ver BOURDIEU
(1983, p. 61). O capítulo 2 traz a definição baseada nessa referência.
45
ocupadas por pioneiros e católicos e as estratégias utilizadas para consolidar-se no campo
educacional marcado pelos debates acerca da Escola Nova no Brasil.
Entendido o campo educacional, as disputas nele acirradas, as posições de cada grupo,
interessou entender as estratégias empreendidas por pioneiros e católicos, em especial, pelo
segundo grupo para se consolidar na posição de dominantes no campo educacional. Inclui-se
nesse conjunto de estratégias, a publicação de manuais para a formação de professores calcados
nos pressupostos da Escola Nova, ressignificados a partir da clave católica.
Assim, para compreender as apropriações de Everardo Backheuser - representante do
grupo católico - nos manuais que orientavam os docentes para as práticas escolanovistas, ou
seja, decifrar como Backheuser decodificou as prescrições presentes na literatura elencada e as
reapresentou em seus escritos didáticos, recorri às concepções de apropriação e representação,
concebidas na perspectiva de Chartier.
Para Chartier (1990, p. 24) a apropriação é um “processo por intermédio do qual é
historicamente produzido um sentido e diferenciadamente construída uma significação”. Essa
noção de apropriação “põe em relevo a pluralidade dos modos de emprego e a diversidade das
leituras”, sendo, portanto, considerado como a possibilidade de formas diferenciadas de
decodificação, interpretação e reapresentação. Nesse sentido, um texto é compreendido como
um bem cultural, uma produção de representações sociais e culturais. Dessa forma, um mesmo
texto aplica-se à situação do leitor e é recebido à maneira do receptor, ou seja, pode ser lido,
interpretado, ressignificado e apropriado de diferentes formas por diversos leitores em variados
contextos e lugares. Por meio da prática de apropriação se dá a operação de sentido por parte
do leitor. Como bens culturais, os textos são sempre produzidos de acordo com ordens, regras,
convenções e hierarquias específicas; portanto, o ato da criação inscreve-se numa relação de
dependência em face de regras, poderes e códigos de inteligibilidade. Contudo, o texto escapa
a tais dependências, justamente pelas diferenças de apropriação, pois ela é socialmente
determinada de maneira singular, segundo costumes, classes e inquietações que também serão
dependentes de princípios de organização e diferenciação socialmente compartilhados ou das
representações coletivas. Segundo Chartier (1990, p. 121), “face a um texto, é historicamente
produzido um sentido e diferenciadamente construída uma significação”. Considera-se a
apropriação como prática criativa, como atividade produtora de sentidos singulares e de
significações que não se reduzem apenas às intenções dos autores dos textos (CHARTIER,
1990).
A realidade social é construída, pensada e dada a ler em diferentes tempos e espaços.
Essa construção é permeada por individualidades organizadas em diferentes grupos que nessa
46
dinâmica de ida e vinda da realidade micro para a realidade macro e vice-versa, constituem,
pensam e lêem as realidades sociais. As representações acerca da realidade social, os usos dos
textos, as escolhas e as omissões seguem um objetivo e em nenhum momento devem ser vistos
como imparciais, pois, as percepções do social não são enunciados neutros. Costumam produzir
estratégias e práticas específicas com a tendência de impor uma autoridade, legitimar um
projeto reformador ou justificar, para os sujeitos, as suas escolhas e condutas (CHARTIER,
1990).
Na perspectiva charteriana as práticas criativas de apropriação criam usos ou
representações. Para esse autor, a noção de representação apresenta dupla dimensão, por um
lado, faz ver uma ausência, por outro lado, apresenta uma presença. A primeira supõe uma
distinção clara entre o que representa e o que é representado e a segunda se refere à apresentação
pública de uma coisa ou de uma pessoa (CHARTIER, 1991). Nesse sentido, se a representação
reapresenta algo ausente, fazendo da ausência uma presença, entende-se aqui como a expressão
de apropriações criativas, inventivas. Parte-se da premissa de que os textos, como bens
culturais, são produzidos de acordo com regras, poderes e hierarquias específicas - mas que
ainda assim, escapam dessas dependências justamente pelas práticas diferenciadas de
apropriação - e propõe-se a compreensão de como um militante católico representou os
princípios escolanovistas nos seus escritos didáticos. Esta pesquisa tomou o próprio autor dos
manuais, agente produtor de sentido, como um leitor. Alguém que fez a leitura de um repertório,
textos específicos que traziam os princípios cardeais escolanovistas e, que a partir de suas
lentes, se apropriou taticamente desses escritos de forma sui generis, recriando-os a partir de
suas vivências, experiências e interesses, inventando novas leituras de um mesmo texto e
expressou nos seus manuais a representação da sua apropriação. Na perspectiva charteriana, a
história apenas existe se houver a articulação entre as representações das práticas e as práticas
da representação:
Ou seja, qualquer fonte documental que for mobilizada para qualquer tipo de história
nunca terá uma relação imediata e transparente com as práticas que designa. Sempre
a representação das práticas tem razões, códigos, finalidades e destinatários
particulares. Identificá-los é uma condição obrigatória para entender as situações ou
práticas que são o objeto da representação (CHARTIER, 2011, p. 16).
Para compreender os manuais pedagógicos de Backheuser como suportes materiais de
determinadas práticas de apropriação; e como dispositivos de configuração do campo da
pedagogia e de conformação das práticas escolares (CARVALHO, 2005) nos anos trinta e
quarenta do século XX no Brasil, além dos conceitos de campo, apropriação e representação -
47
fundamentados em Bourdieu e Chartier respectivamente - foram mobilizados os conceitos
certeaunianos de estratégias e táticas.É importante destacar que, amparando-se na noção
bourdieusiana de campo já é possível vislumbrar as ações do grupo católico junto ao
professorado como uma estratégia para firmar posição no campo e nele, alcançar o domínio.
No entanto, a concepção certeauniana que também recebe a designação estratégias é
operacionalizada nessa tese porque, proposta nos termos de Certeau é definida da seguinte
maneira:
[...] o cálculo (ou a manipulação) das relações de forças que se torna possível a partir
do momento em que o sujeito de querer e poder (uma empresa, um exército, uma
cidade, uma instituição científica) pode ser isolado. A estratégia postula um lugar
suscetível de ser circunscrito como algo próprio e ser a base de onde podem gerir as
relações com uma exterioridade de alvos ou ameaças (os clientes, ou os concorrentes,
os inimigos, o campo em torno da cidade, os objetivos e objetos da pesquisa etc.)
(CERTEAU, 2014, p. 93) (grifo do autor).
Apesar de Certeau fazer oposição às táticas e estratégias, porque estas visam produzir,
mapear e impor enquanto aquelas originam diferentes maneiras/artes de fazer, quando, tomado
como prática que supõe um lugar de poder que lhe é próprio, pretendeu-se mobilizar o conceito
de estratégia para compreender as iniciativas do grupo católico engajado no movimento de
renovação educacional. Além de poderem ser tomados como estratégias, os manuais podem ser
considerados expressão de táticas na forma de enunciados escolanovistas dos educadores
católicos como apropriações “de um outro corpus discursivo constituído, pela análise, como
repertório” (CARVALHO, 2005, p. 2), ou seja, a literatura sobre Escola Nova selecionada: o
Manifesto e o livro de Lourenço Filho.
Os manuais escritos por Everardo Backheuser foram analisados como artefatos
impressos que contém estratégias discursivas, as quais lêem e se apropriam taticamente da
literatura sobre Escola Nova, aqui entendida como repertório, a partir de suas próprias lentes
filosóficas e epistemológicas, ressignificando os princípios que norteiam este documento,
legitimando e deslegitimando práticas e constituindo um campo singular de saberes
pedagógicos. Entendo que Backheuser foi alterando os objetos e os códigos contidos nos
documentos seminais da Escola Nova e estabelecendo uma apropriação e uma nova
representação deste ideário, criando, taticamente, novas artes de fazer a nova pedagogia.
Interessou então, identificar, no enunciado de Everardo Backheuser, a perspectiva
particular que nele assume a enunciação, em relação aos enunciados que produz, apontando a
posição assumida por ele no campo de luta supracitado. Dessa forma, esses manuais podem ser
compreendidos como estratégias porque foram destinados aos professores, e continham um
48
enunciado intencionalmente arquitetado para a fabricação de um projeto educacional e também,
como formas de táticas, ou daquilo que Carvalho (2003) chamou de “apropriação tática” quando
pensados como expressão de uma apropriação muitíssimo específica da Escola Nova.
Entendendo que ambos os grupos - católicos e pioneiros - fizeram uso do repertório
escolanovista como estratégia para a reconfiguração do campo teórico/doutrinário da
pedagogia, investiguei o enunciado pedagógico escolanovista católico de um educador em
particular, também como estratégia de propagação dos ideais escolanovistas, os quais passaram
por uma releitura com base católica, por uma apropriação tática. Nesse contexto de pesquisa, a
operacionalização do conceito de estratégia, se mostra relevante, conforme afirma Carvalho
(2005, p. 2):
[...] se referido a práticas cujo exercício pressupõe um lugar de poder. Aplicado, por
exemplo, a uma história dos impressos destinados ao uso de professores, o conceito
põe em evidência dispositivos de imposição de saberes e normatização de práticas,
referidos a lugares de poder determinados: uma casa de edição; um departamento
governamental; uma instância eclesiástica; uma iniciativa de reforma educacional etc.
Organizado no seio da CCBE, o grupo dos católicos teve uma gama de iniciativas
editoriais. O impresso escolanovista católico integrou uma rede de artefatos como anais de
congressos, revistas e boletins os quais tinham como objetivo o controle pedagógico e
organizacional do professorado. Neste conjunto, destacou-se a RBP que irradiava os princípios
da CCBE, no entanto, há que se incluir na referida rede, os manuais pedagógicos, sobretudo
aqueles escritos por Backheuser. Porque já que o objetivo maior era a adesão dos professores à
Escola Nova adaptada pelos católicos, nada tão eficaz quanto agir no âmbito didático, lugar de
poder que possibilitava ao grupo católico desacreditar alguns dos princípios doutrinários e as
práticas escolanovistas dos pioneiros, como estratégia de constituição e legitimação de um
enunciado escolanovista católico.
Aproximando esta pesquisa ao corpus teórico selecionado, é possível perceber que ao
escrever tais manuais, no período de movimento da Escola Nova, os autores lançavam mão de
estratégias para convencer seus leitores sobre suas doutrinas, condutas e práticas escolares
idealizadas. Backheuser, por exemplo, se apropriou taticamente dos ideais escolanovistas
publicando os manuais como estratégias de conquista da adesão do professorado. Porque os
autores de manuais pedagógicos escrevem em defesa de seus interesses e convicções
representando enunciados a partir das suas lentes epistemológicas e filosóficas com o intuito de
inculcar no professorado orientações para condução de suas práticas pedagógicas.
49
Para alcançar os objetivos propostos para esta pesquisa, o texto foi estruturado da
seguinte forma:
O capítulo dois conectou os fios da trama, ocupando-se, de forma especial, em
apresentar o campo educacional em disputa no contexto estudado e situar Everardo Adolpho
Backheuser neste campo sintetizando a sua trajetória social e sublinhando a sua atuação como
professor e militante católico. Foram citadas as suas atividades na ABE, na APC-DF e na
CCBE, além do seu trabalho junto à RBP. Identificar as práticas de Backheuser no campo
educacional deu pistas para a compreensão dos seus objetivos como autor de manuais
pedagógicos para a formação e aperfeiçoamento dos professores primários. Esses manuais
expressaram as suas apropriações e representações da Escola Nova e criaram um modelo
pedagógico muitíssimo particular como mostraram os capítulos seguintes desta tese.
Os capítulos três e quatro conferiram aos manuais o estatuto de documentos. Primeiro
apresentou-se e analisou-se Técnica da Pedagogia Moderna, na tentativa de compreender como
Backheuser representou sob as claves filosóficas católicas os postulados escolanovistas. E
depois, apresentou-se a analisou-se Manual de Pedagogia Moderna que é uma reformulação
da 1ª edição. Além das permanências e mudanças de uma edição para a outra, intentou-se
perceber indícios do projeto educacional tramado pelo autor a partir de dois eixos centrais, a
ênfase na Psicologia que marca a interlocução entre ciência e religião arquitetada por
Backheuser e a educação integral da personalidade, necessária para estimular o interesse da
criança. Nesses dois capítulos, o esforço empreendido foi no sentido de perceber nuances do
pensamento pedagógico do autor que apontavam para as aproximações e os distanciamentos
em relação ao pensamento escolanovista expresso no Manifesto, porque o objetivo maior era
compreender e definir o que foi denominado aqui de escolanovismo católico backheusiano.
Na última parte, o quinto capítulo traz arremates a partir de algumas amarrações entre
as nuances do escolanovismo católico backheusiano presentes em ambos os manuais com o
intuito de contribuir para o campo da historiografia e da História da Educação brasileira. E,
além disso, apresenta algumas possibilidades de estudos futuros e conclui com a retomada da
epígrafe escolhida para abrir a tese.
50
51
2 CONECTANDO OS FIOS DA TRAMA: EMBATE ENTRE PIONEIROS E CATÓLICOS
NO CAMPO EDUCACIONAL BRASILEIRO
Nos anos 30 a efetivação de um sistema público, gratuito
e laico, tal como defenderam os pioneiros do Manifesto
de 1932, desencadearia um conflito inevitável com as
lideranças ligadas à Igreja Católica. Nessa época, a
discussão em torno da secularização do ensino suscitou a
mobilização de um conjunto de estratégias por parte dos
dois grupos em disputa (XAVIER, 1999, p. 45).
No cenário brasileiro dos anos de 1920, a intenção era erigir uma nação sobre os
alicerces da modernidade, e para este fim, a educação foi escolhida como a via mais eficaz.
Neste período a educação se constituiu como a bandeira da construção de um país moderno.
Esta corrente de pensamento contribuiu para a posterior criação do Ministério da Educação e
Saúde (1931) após a Revolução de 1930, no governo do Presidente Getúlio Vargas, quando o
campo educacional foi instituído como área de política setorial do Estado Nacional, cooptando
vários educadores voltados para esse setor (XAVIER, 1999).
A educação, durante muito tempo, esteve sob a égide da Igreja Católica,
fundamentando-se em dogmas religiosos. Com a afirmação do Estado laico pela Constituição
Republicana de 1891, a Igreja Católica foi afastada da esfera política do país, decisão que
atingiu o campo educacional. Assim, as escolas públicas permaneceram durante quatro décadas
sob um processo de laicização. Após a Revolução de 1930, com a promulgação do Decreto nº
19.941 de 30 de abril de 1931 (BRASIL, 1931), o Ensino Religioso tornou-se facultativo nessas
instituições.
Na conjuntura histórica da década de 1920, constituiu-se um movimento denominado
Reação Católica. Como parte da sociedade civil, tornou-se necessário para a Igreja,
desenvolver estratégias que a levassem a ações que garantissem a manutenção da sua posição
de instituição ideologicamente influente sobre a população, e a tornasse competitiva diante dos
novos movimentos ideológicos presentes no campo. Nessa direção, era fundamental a formação
de uma liderança católica que soubesse atuar e dialogar no campo em mudança. Esse
movimento objetivava então, restabelecer a legitimidade da Igreja perante a sociedade, além de
reconquistar o seu espaço junto ao centro de decisões políticas e instaurar um projeto de
reconstrução nacional, aspirando à dominação do campo educacional:
[...] a mobilização dos grupos católicos operou em diversas frentes, indo desde a
discussão de ideias e projetos que contemplassem as necessidades católicas, até a
52
organização de forças na arena política, passando pela divulgação, principalmente por
meio da imprensa escrita, de seu ideário para a população [...] os intelectuais católicos
teriam a missão de confrontar as propostas dos intelectuais de orientação laica,
buscando, ao mesmo tempo, a expansão do ideário católico dentro da sociedade
(NARCIZO, 2008a, p. 25).
A Reação Católica ocorreu nos campos religioso, político, pedagógico e cultural e teve
como principal líder Alceu Amoroso Lima, que assumiu o comando do movimento leigo da
Igreja, após a morte de Jackson de Figueiredo18 - fundador da revista A Ordem (1921) e do
Centro Dom Vital (1922). Amoroso Lima teve o padre Leonel Franca como assistente espiritual
e contou também com o apoio do cardeal do Rio de Janeiro, Dom Sebastião Leme (SAVIANI,
2013).
No campo religioso, ressalta-se o desenvolvimento da Ação Católica que se expandiu
com o objetivo de aglutinar a juventude. No campo político, sublinha-se a criação da Liga
Eleitoral Católica (LEC) em 1932, a qual teve à frente o cardeal Dom Sebastião Leme, como
secretário geral, Amoroso Lima e como membros Aníbal Porto, Jonatas Serrano, Heitor da Silva
Costa, Plácido de Melo e Everardo Backheuser. A LEC congregou pensadores e segmentos da
classe média e teve expressiva participação nas eleições para a Assembleia Nacional
Constituinte em 1933, supervisionando, selecionando e recomendando candidatos ao
eleitorado. Muitos deputados, apoiados pela LEC, foram eleitos, entre os quais Luís Sucupira,
Anes Dias, Plínio Correia de Oliveira e Morais Andrade (CARNEIRO JUNIOR, 2000).
Nos campos pedagógico e cultural, a Reação buscou defender a primazia da Igreja no
exercício da função educativa e se preocupou com a formação de líderes a partir do espírito
católico. O líder do movimento participou então da fundação da Associação dos Universitários
Católicos, do Instituto Católico de Estudos Superiores (embrião das Faculdades Católicas e da
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) e de outras iniciativas.
Já no início da década de 1930, a principal bandeira dos católicos no campo educacional
foi o combate à laicização do ensino. Porque para eles a escola leiga, bandeira dos
escolanovistas, ao invés de educar, deseducava porque:
[...] estimulava o individualismo e neutralizava as normas morais, incitando atitudes
negadoras da convivência social e do espírito coletivo. Somente a escola católica seria
capaz de reformar espiritualmente as pessoas como condição e base indispensável à
reforma da sociedade (SAVIANI, 2013, p. 257).
18 Jackson de Figueiredo foi responsável pela conversão de Alceu Amoroso Lima ao catolicismo. Para conhecer
mais sobre a trajetória do último, conferir Rodrigues (2013).
53
A publicação do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, ocorrida em 1932 logo
após a IV Conferência Nacional de Educação, incitou o conflito já existente entre os grupos. A
defesa prescrita no histórico documento, de uma escola pública laica, regida pelos princípios
de obrigatoriedade, gratuidade e coeducação, agravou a árdua querela teórica, ideológica e
política na qual, educadores de ambos os grupos agiam no sentido de exibir legitimidade e
competência para conduzir o aparato educacional do país.
A educação se tornou alvo daqueles que almejavam a dominação do campo. Seja por
estratégias pautadas na filosofia escolanovista, defendendo uma educação pública, gratuita e
laica ou por uma escola católica. Ambos acreditavam na educação como fator regenerador, ou
seja, que pela reconstrução educacional se efetivaria a reconstrução social e concebiam o
controle do sistema escolar como um elemento fundamental na disputa pelo campo educacional.
À época, educadores brasileiros das mais diversas áreas se incumbiram da tarefa de conduzir
os debates acerca do que era “novo, moderno e necessário” e, assumiram no campo, posições e
estratégias julgadas mais eficazes na divulgação das “suas argumentações em torno dos projetos
políticos nascentes que, supunha-se, transformariam a dura realidade do país e lhe dariam
visibilidade externa” (STANG, 2008, p. 10).
Uma parte considerável da historiografia brasileira tende a acentuar de forma demasiada
uma oposição inconciliável entre pioneiros e católicos. E traz representações dos primeiros
como modernos, vanguardistas, inovadores, propagadores de uma escola nova: laica, pública,
gratuita, democrática, e, dos segundos como reacionários e conservadores que desejavam uma
educação elitista, baseada nos moldes católicos, distante da escola democrática apresentada pela
filosofia dos pioneiros. Numa direção diferente - apoiada, de forma especial, nos estudos de
Marta Maria Chagas de Carvalho - este capítulo objetiva mostrar que ambos os grupos,
integrados por educadores de diversos matizes, com diferentes projetos de reconstrução
nacional, coexistiram e posicionaram-se num mesmo terreno de debate, num mesmo campo, e,
por meio de estratégias específicas, competiram pelo mesmo objetivo: a reforma educacional
sob a ótica da formação da nacionalidade. E ainda, a historiadora faz notar que houve, por parte
de alguns católicos, apropriações e representações dos princípios propagados pelo outro grupo.
De modo que é importante ressaltar que houve embate, mas, houve também diálogo.
Nesta pesquisa, interessou dar a ver que nem todos os educadores católicos se opuseram
de forma drástica aos ideais renovadores propostos pelos pioneiros, ao contrário, alguns
invocaram os princípios escolanovistas prescritos no Manifesto, no entanto, o fizeram a partir
das suas próprias lentes. Ao se apropriarem dos preceitos da Escola Nova a partir da clave
católica, este grupo criou estratégias para a dominação do campo educacional brasileiro. Como
54
o foco desta pesquisa girou em torno do grupo católico, e, em especial, de um dos seus agentes,
além de compreender a posição e as principais estratégias deste grupo no campo, fez-se
necessário situar Everardo Adolpho Backheuser dentro do campo. Assim, apresento uma
síntese da sua trajetória social, sublinhando a sua atuação como professor, militante católico,
articulador político, jornalista e, enfatizando as suas atividades na ABE, na APC-DF e na
CCBE, além do seu trabalho junto à RBP.
A partir de lentes bourdieusianas, o subcapítulo a seguir tentou evidenciar, o sistema de
linhas de forças ou a estrutura do campo educacional - sobretudo na década de 1930 no Brasil
- marcada pelas estratégias de legitimação dos grupos e agentes que compuseram este campo e,
que nele, se agregaram e se opuseram, reafirmando suas identidades e sancionando as suas
competências específicas. Percebeu-se que a “vitória”, ainda que momentânea, de um dos
grupos, provocou uma remodelação na rede de relações uma vez instauradas no interior deste
campo, redefinindo assim as posições dos grupos em disputa, reconfigurando então, o campo
(XAVIER, 1999).
2.1 ESTRATÉGIAS ESCOLANOVISTAS DOS PIONEIROS
Carvalho (2005) afirma que, por meio dos impressos, os pioneiros criaram estratégias
para dominação do campo educacional e ressalta as editoriais, inscritas na esfera das iniciativas
de reforma escolar realizadas por eles como gestores dos sistemas públicos de ensino. Entre
elas cita as coleções pedagógicas que esses educadores organizaram para editoras como a
Companhia Editora Nacional e a Companhia Melhoramentos de São Paulo. No entanto, tomo
aqui - como principal estratégia impressa de conformação do campo educacional - a iniciativa
tomada na condição de grupo institucionalmente articulado na ABE, ou seja, a publicação do
Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova em 1932.
2.1.1 Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932)
Ora, se a educação está intimamente vinculada à filosofia
de cada época, que lhe define o caráter, rasgando sempre
novas perspectivas ao pensamento pedagógico, a
educação nova não pode deixar de ser uma reação
categórica, intencional e sistemática contra a velha
estrutura do serviço educacional, artificial e verbalista,
montada para uma concepção vencida (AZEVEDO,
2010, p. 40).
55
É importante levar em conta a conjuntura em que o Manifesto veio à tona, ou seja, a
década de 1930. Xavier (2002a) chama atenção para indícios da reconfiguração pela qual
passou o campo educacional nessa época: a reorganização do Estado brasileiro após a
Revolução de 1930; a criação do Ministério da Educação e Saúde (1931); e o conjunto de
medidas governamentais, como o incentivo aos congressos promovidos pela ABE e o estímulo
às reformas educacionais implantadas pelo Governo Vargas. Em se tratando da ABE a autora
ressalta a importância de atentar para a reconfiguração do campo dentro desta instituição. À
época, acirrou-se a disputa entre os grupos internos existentes que se reposicionaram no campo
e se agruparam em dois grandes blocos: os conservadores no qual predominavam os católicos
e os renovadores ou pioneiros, educadores de perfil liberal. Essa disputa pela dominação do
campo no interior da ABE teve como estopim a IV Conferência Nacional de Educação realizada
no Rio de Janeiro, em 1931, como consequência imediata, a publicação do Manifesto.
Entretanto, o Manifesto correspondia ao posicionamento apenas de um dos grupos
filiados a ABE, dos liberais em detrimento aos conservadores, ainda que estes últimos
detivessem o controle político da Associação. Os signatários reivindicavam, com o documento,
a posição de dominantes dentro do campo, almejando a liderança na arquitetura das estratégias
para a condução do processo de modernização do país.
[...] o Manifesto era apresentado, então, como uma bandeira revolucionária a ser
empunhada por um grupo que, segundo seu redator, constituía o único grupo capaz de
coordenar as forças históricas e sociais do povo, seja pelos esforços já realizados,
seja pela consciência de sua missão social (XAVIER, 2002a, p. 9) (grifo da autora).
O projeto educacional dos pioneiros foi sistematizado no Manifesto, estratégia política
por meio da qual se buscou reafirmar a identidade do grupo que o assinava. Este documento
reflete, pois, o debate pedagógico dos anos de 1930, conjuntura marcada pela forte expectativa
de renovação e esperança advinda da elite intelectual de intervir na organização da sociedade
civil pelas vias da educação escolar. O documento resultou da solicitação do Governo para que
os educadores reunidos na IV Conferência Nacional de Educação fornecessem as bases da
política educacional da então Revolução de 30 (XAVIER, 2002a; 2002b; 1999).
Assinaram o documento, médicos, advogados, jornalistas e professores, os quais
constituíam um grupo19 heterogêneo com diferentes posições ideológicas que, objetivando a
19 Foram signatários do Manifesto: Fernando de Azevedo, Afrânio Peixoto, A. De Sampaio Dória, Anísio Spínola
Teixeira, M. Bergstrom Lourenço Filho, Edgard Roquette-Pinto, J. G. Frota Pessoa, Julio de Mesquita Filho,
Raul Briquet, Mário Casasanta C. Delgado de Carvalho, A. Ferreira de Almeida Jr., J. P. Fontenelle Roldão
Lopes de Barros, Noemy M. da Silveira, Hermes Lima, Attílio Vivacqua, Francisco Venêncio Filho, Paulo
56
modernização da educação e da sociedade brasileira, naquele momento, selaram uma aliança.
Sobre as ideias expressas nesse documento histórico Xavier (1999) afirma que os pioneiros
acreditavam que a mudança de mentalidade que traria a modernização da sociedade dependia
de uma renovação educacional. O projeto desses agentes incluía então, a promoção da
laicização da educação, para torná-la, inclusive, mais nacional. Era preciso então, trazer os
parâmetros da racionalidade científica para o campo educacional como norteadores das práticas
educacionais.
Por isso este grupo propunha a intervenção racional do sistema educacional, ou seja, a
aplicação do conhecimento científico aos estudos pedagógicos, ao planejamento educacional e
também à administração do ensino escolar, tomando a ciência como chave para o progresso.
Assim, os pioneiros definiram a escola pública como campo de ação, no intuito de reconstruir
a educação e constituir uma escola democrática que funcionasse como centro irradiador de uma
nova forma de organizar a sociedade, ou seja, visavam à modernização. Ao elaborar um
Programa Nacional de Educação, o Manifesto prescreveu um conjunto de ações com o
propósito de criar um novo sistema educacional: único, laico, de base científica e sob a
responsabilidade do Estado, além de prever a coeducação.
É possível perceber no referido Manifesto forte carga doutrinária. O documento está
declaradamente filiado à Escola Nova, pois é atravessado pela perspectiva escolanovista. Além
de se inserir no movimento de renovação pela reconstrução do sistema escolar, ainda opõe-se à
chamada escola tradicional. Em algumas passagens do documento é possível verificar menções
a alguns dos pontos essenciais da Escola Nova como iniciativa/interesse e cooperação. Ouso
inferir, inclusive, que o Manifesto mantém afinidade e expressa apropriações e representações
da Educação Nova proposta por Dewey (2002, p. 40), para quem, “a criança converte-se no Sol
em volta do qual gravitam os instrumentos da educação; ela é o centro em torno do qual estes
se organizam”. Esta inferência tem como base o excerto do Manifesto no qual fica claro o foco
no interesse do educando:
O que distingue da escola tradicional a Escola Nova, não é, de fato, a predominância
dos trabalhos de base manual e corporal, mas a presença, em todas as suas atividades,
do fator psicobiológico do interesse, que é a primeira condição de uma atividade
espontânea e o estímulo constante ao educando (criança, adolescente ou jovem) a
buscar todos os recursos ao seu alcance, "graças à força de atração das necessidades
profundamente sentidas". É certo que, deslocando-se por esta forma, para a criança e
Maranhão, Cecília Meireles, Edgard Sussekind de Mendonça, Armanda Álvaro Alberto, Garcia de Rezende,
Nóbrega da Cunha, Paschoal Lemme e Raul Gomes (AZEVEDO, 2010, p. 66). Vários deles tiveram
participação ativa em associações de educadores em diferentes níveis, muitos deles tinham publicações sobre
temas diversos, entre os quais, os educacionais.
57
para os seus interesses, móveis e transitórios, a fonte de inspiração das atividades
escolares, quebra-se a ordem que apresentavam os programas tradicionais, do ponto
de vista da lógica formal dos adultos, para os pôr de acordo com a "lógica
psicológica", isto é, com a lógica que se baseia na natureza e no funcionamento do
espírito infantil (AZEVEDO, 2010, p. 49).
Além de afirmar que a escola deve ter como base o interesse ou a iniciativa da criança,
Dewey (2002) também propõe que a escola assuma a feição de uma comunidade em miniatura,
ou embrionária, onde a criança aprenderá situações de comunicação, de cooperação,
conectando-se à vida social em geral. Indícios dessa apropriação do escolanovismo deweyano
neste enunciado podem ser vistos no seguinte fragmento:
Mas, para que a escola possa fornecer aos "impulsos interiores a ocasião e o meio de
realizar-se", e abrir ao educando à sua energia de observar, experimentar e criar todas
as atividades capazes de satisfazê-la, é preciso que ela seja reorganizada como um
"mundo natural e social embrionário", um ambiente dinâmico em íntima conexão com
a região e a comunidade (AZEVEDO, 2010, p. 50).
A tese deweyana de que a escola não é apenas a preparação para a vida, mas que é a
própria vida (DEWEY, 2002), também pode ser percebida no Manifesto:
[...] a escola, campo específico de educação, não é um elemento estranho à sociedade
humana, um elemento separado, mas "uma instituição social", um órgão feliz e vivo,
no conjunto das instituições necessárias à vida, o lugar onde vivem a criança, a
adolescência e a mocidade, de conformidade com os interesses e as alegrias profundas
de sua natureza. A educação, porém, não se faz somente pela escola, cuja ação é
favorecida ou contrariada, ampliada ou reduzida pelo jogo de forças inumeráveis que
concorrem ao movimento das sociedades modernas (AZEVEDO, 2010, p. 60).
Diante do exposto considero o Manifesto de 1932, além de um documento doutrinário
imbuído de uma política educacional, também como um instrumento ou uma estratégia de luta,
idealizado pelos pioneiros para conquista da dominação do campo educacional, além de
expressar a representação daquilo que estes entenderam por Escola Nova ao se apropriarem de
autores estrangeiros, como Dewey, por exemplo. O subcapítulo seguinte teve a intenção de
refletir sobre as estratégias do grupo católico com o mesmo objetivo.
2.2 ESTRATÉGIAS ESCOLANOVISTAS CATÓLICAS
Participando ativamente dos debates pedagógicos, os
pensadores católicos não se contentaram em
entrincheirar-se em seu até então sólido território
educacional, esquivando-se ou rebatendo as reformas
58
educacionais em ebulição pelo mundo - perfil, aliás, que
seria incongruente com a combativa história do
catolicismo. Mais que uma recusa ao ideário
escolanovista, é certo que houve contato também desses
educadores com as inovações do pensamento científico e
com as novas proposições das disciplinas que estudavam
o homem e a sociedade. Não obstante possamos
reconhecer a postura marcadamente conservadora de
alguns intelectuais católicos, é importante destacar que
outros estiveram empenhados em traduzir à luz do
catolicismo a inegável presença da Modernidade
(ERRERIAS, 2002, p. 14).
A Constituição Republicana de 1891 ameaçou a dominação da Igreja Católica no campo
educacional porque determinou a separação entre Igreja e Estado. Passados anos de certa apatia,
a partir de 1920 a Igreja Católica brasileira, reagiu por meio de estratégias de conservação e
ampliação do seu alcance nos campos político, cultural e educacional. Entre as estratégias da
Reação Católica realça-se a publicação da revista A Ordem e a fundação do Centro Dom Vital.
A estratégia dos envolvidos era reaproximar a hierarquia eclesiástica dos leigos, para então
instaurar uma militância católica com vistas à recatolizar o país e as suas instituições. A ação
católica voltou-se para o ensino oficial, procurando “recuperar a influência da doutrina católica
na educação do povo brasileiro” (XAVIER, 1999, p. 40). As ações estratégicas centraram-se na
luta contra o ensino laico, insistindo pela introdução e manutenção do Ensino Religioso nas
escolas públicas; a subvenção dos poderes públicos às escolas confessionais e a criação de uma
universidade católica.
Estudos de Carvalho (2003), Sgarbi (1997), Errerias (2000) e Narcizo (2008) entre
outros, evidenciam que a intensa querela entre católicos e escolanovistas (devido,
especialmente, às diferentes concepções de educação que defendiam) pode levar à conclusão
apressada da ausência de convergência, pontos de diálogo, ou apropriação de ideias entre estes
dois grupos. No entanto, os discursos de alguns pensadores católicos da época demonstram que
a ideologia escolanovista repercutiu nos seus círculos, fomentou reflexões e debates e a
elaboração de estratégias para adequar a metodologia da Escola Nova aos interesses e objetivos
da doutrina católica. É possível falar então, em uma forma de “escolanovismo católico”
(CARVALHO, 2003).
Dentro do grupo dos católicos, houve quem empreendesse estratégias discursivas,
apropriando-se do novo (preceitos da Escola Nova) calcado em suas velhas lentes (filosofia
católica). E o principal alvo de suas estratégias foram os professores, tentando estruturar ou
reestruturar o seu habitus, para garantir a posição dos seus agentes e a conservação do grupo
no campo da disputa pela dominação política e filosófica da educação. Eles se apropriaram e
59
representaram, estrategicamente, as concepções escolanovistas em seus enunciados para que os
professores se afastassem do ideal do grupo rival, fazendo com que a Igreja fosse compreendida
como a instituição mais adequada para se posicionar como dominante e conduzir o campo
educacional. Entre estas estratégias citam-se - não como as únicas, mas, como as que interessam
para a pesquisa em tela - a APC-DF, a CCBE, a RBP e, aprofunda-se a análise, de forma
especial, acerca dos manuais pedagógicos escritos por Everardo Backheuser.
Com a intenção de legitimar a sua posição no campo educacional, tentando atestar a sua
capacidade para conduzir os fins da educação, o grupo de educadores católicos valeu-se de
diferentes estratégias de difusão do seu ideal de educação. A campanha organizada por este
grupo visava, de forma especial, atrair os professores, conquistando a sua adesão aos seus
princípios, garantindo assim, a formação da população dentro do dogma católico. Com base
nos estudos de Costa (2006) é possível inferir - por meio de lentes bourdieusianas - que o
propósito desta expedição era continuar orquestrando o habitus dos professores de acordo com
os imperativos necessários à conservação do grupo e, consequentemente, a sua própria inserção
no entrave pelo domínio do campo educacional. Sendo assim, o habitus dos professores deveria
ser preservado das influências dos pioneiros. Para Bourdieu a concepção de habitus pode ser
compreendida como um conjunto de:
Sistemas de disposições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionar
como estruturas estruturantes, isto é, como princípio gerador e estruturador das
práticas e das representações que podem ser objetivamente "reguladas" e "regulares"
sem ser o produto da obediência a regras, objetivamente adaptadas a seu fim sem
supor a intenção consciente dos fins e o domínio expresso das operações necessárias
para atingi-los e coletivamente orquestradas, sem ser o produto da ação organizadora
de um regente (BOURDIEU, 1983, p. 61) (grifo do autor).
O habitus constitui então, a forma pela qual o indivíduo age no grupo do qual faz parte,
se fazendo presente nas ações e estratégias que este realiza para conservar a sua posição ou para
transformar-se ocupando outra posição no campo. Muito embora o habitus, seja entendido
como um sistema preconcebido no passado e orientado para uma ação no presente, é um sistema
em constante reformulação, o que, de certa forma, exige que diferentes estruturas sociais se
adaptem segundo as circunstâncias da realidade (BOURDIEU, 1983).
É no sistema teórico de Bourdieu, que se fundamenta a análise ao considerar que os
empreendimentos realizados pelo grupo católico podem ser tomados como estratégias20, isto é,
20 Mais adiante será possível perceber que o conceito de estratégias presente em Certeau também é instrumento
de análise para compreender a função dos manuais pedagógicos de Backheuser na difusão de um tipo muito
particular de pedagogia. Os capítulos III e IV se ocupam disso.
60
mecanismos pelos quais buscavam conservar o habitus cristão de seus agentes (os professores).
Para Bourdieu (1990, p. 94), o sistema de estratégias pode ser entendido como uma série de
práticas sequenciadas, ordenadas e orientadas que os grupos empreendem para produzir-se
enquanto grupo, ou seja, as estratégias são:
[...] empregadas pelos grupos a fim de que possam se produzir ou se reproduzir, isto
é, para criar e perpetuar sua unidade, sua existência enquanto grupo, o que é quase
sempre, em todas as sociedades, a condição da perpetuação da sua posição no espaço
social (BOURDIEU, 1990, p. 94).
Ainda sob a ótica bourdieusiana, na querela travada no interior do campo educacional o
capital dominante é o cultural: códigos legítimos, culturalmente legitimados e socialmente
valorizados em um determinado momento histórico (BOURDIEU, 1983). Então, ao investigar
sobre as estratégias empreendidas pelos católicos, é preciso atentar para o nível de capital
cultural e simbólico que o grupo possuía e inseria estrategicamente na disputa como
instrumentos de lutas. Na disputa em questão, na qual o objetivo era a dominação do campo
educacional, estava em jogo o melhor projeto educacional. O grupo que apresentasse o melhor
projeto, e, cooptasse mais adeptos, ocuparia legitimamente a posição dominante no campo.
É possível afirmar então, que nesse território contestado, de olhares desconfiados em
relação a modernidade, por parte de representantes da Igreja, alguns educadores de viés católico
tentaram dialogar com as novas ideias, e é aí que Everardo Adolpho Backheuser emerge como
agente influente. A seguir intenta-se demonstrar indícios das estratégias do grupo católico, de
forma especial, a partir do empreendimento de um de seus agentes, considerado “o mais
escolanovista dos católicos” (NARCIZO, 2008a, p. 120).
2.3 “O MAIS ESCOLANOVISTA DOS CATÓLICOS”
Um homem de muitos interesses, uma inteligência
multifacetada.Tinha carisma suficiente para ser querido
pelos alunos e estofo intelectual para ser lembrado, até
61
hoje, por seus livros, suas ideias e sua atuação
(MAMBRINI, 2015, p. 7)21.
Realçar a trajetória social de Everardo Adolpho Backheuser - educador atualmente
pouco conhecido, mas significativo em seu tempo - é um empreendimento historicamente
relevante, em especial, pela sua expressiva atuação no campo pedagógico brasileiro, sobretudo
nas décadas de 1920 e 1930.
Referências acerca de educadores católicos no Brasil, como Rodrigues (2013), Arduini
(2009), Cury (1978) e Soares (2014) dão pistas de que a Igreja Católica procurou historicamente
manter uma participação ativa na vida social do país. Alguns agentes engajados nesse fito são
comumente citados pela historiografia brasileira, como Dom Sebastião Leme (Cardeal
arcebispo do Rio de Janeiro) e Jackson de Figueiredo (fundador do Centro Dom Vital, onde
reuniu pensadores em torno da revista A Ordem). Nesta tese Backheuser é considerado como
um agente importante dentro desse grupo, que após a conversão ao catolicismo22 teve atuação
significativa no campo pedagógico onde propagou o que se convencionou chamar de
“escolanovismo católico”.
No início da década de 1930, emergiram, entre os católicos, discursos simpáticos em
relação a algumas ideias defendidas pelo movimento da Escola Nova. Entre aqueles que
partilhavam de tal posicionamento, Everardo Adolpho Backheuser (Figura 123) destacou-se
como um dos mais atuantes. No terreno de embate pela dominação do campo educacional
brasileiro, ele se posicionou ao lado do grupo católico, no entanto, suas ações não visavam
interceptar a difusão dos ideais do grupo oposto. Agiu de forma a dialogar com os preceitos
escolanovistas sem deixar de lado as lentes da orientação católica, valendo-se de estratégias
elaboradas no sentido de propagar entre os professores, um escolanovismo católico. Entre estas
estratégias, citam-se a sua atuação na APC-DF, na CCBE, na RBP, e, em especial a escrita de
manuais pedagógicos direcionados à formação e ao aperfeiçoamento dos professores primários
em um período de efervescência do movimento da Escola Nova no Brasil, questão desenvolvida
nos capítulos seguintes dessa tese. Os próximos subitens trazem fragmentos da trajetória social
deste multifacetado professor.
21 Miriam Backheuser Mambrini é uma escritora carioca formada em Letras. É também neta de Everardo
Backheuser. Ela contribuiu para esta pesquisa, respondendo a um questionário e fornecendo fontes inéditas
acerca da sua trajetória, como por exemplo, o livro sobre a sua biografia e um álbum de memórias, ambos
organizados pela mulher Alcina. 22 Fato explicado na seção seguinte (2.3.3). 23 Optei por apresentar as ilustrações em página inteira, por se tratarem de documentos antigos e para facilitar a
sua visualização/leitura.
62
Figura 1 - Everardo Adolpho Backheuser
Fonte: A cultura opulenta de Everardo Backheuser, 1989.
63
2.3.1 Origem sociofamiliar e percursos escolares
Everardo Adolpho Backheuser nasceu na cidade de Niterói no Estado do Rio de Janeiro,
em 23 de maio de 1879 e viveu até o ano de 1951. Faleceu aos 72 anos de idade. A viúva conta
que “até às vésperas do falecimento, ele leu, escreveu e meditou ainda que fosse torturado por
dores reumáticas” (BACKHEUSER, 1954, p. 25)24.
O seu avô paterno, Gustavo Backheuser, comerciante e fundador do Clube Germânico
de Santos, era de origem alemã enquanto que a sua avó, Leonor Catala Backheuser, era francesa.
Os avós maternos eram brasileiros, Ana Gouvêa e José Feliciano de Gouvêa que era funcionário
público. Os seus pais eram o santista João Carlos Backheuser, negociante educado na
Alemanha, e a carioca Joaquina Eugênia de Gouveia Gonçalves.
Everardo Backheuser passou a infância e a mocidade no local em que nasceu, a Chácara
Santa Rosa, a qual nas suas lembranças, “era larga e comprida. Em uma palavra, era ampla
vivenda patriarcal. Legítimo solar” (BACKHEUSER, 1994, p. 16). Perdeu o pai aos dois anos
de idade e foi criado pela mãe e por sua tia D. Lala a quem chamava de Tijá (Figura 2).
24 Neste livro, datilografado e não publicado, datado de 1954, a viúva Alcina Moreira de Souza conta sobre a
biografia do marido e assina apenas “Alcina Backheuser”.
64
Figura 2 - As duas mães (Dona Quininha - à direita - e Tijá - à esquerda)
Fonte: Álbum de memórias, 1950.
65
Criado num ambiente de economia e de trabalho, não tendo conhecido o pai a quem
perdera com menos de dois anos, a sua infância dependera do esforço de duas
mulheres: sua mãe e sua tia, a meiga Tijá. Bem pouco rendosa era a tarefa das
bondosas senhoras para proporcionar ao filho e sobrinho querido conforto e abastança.
A mesa da família - Deus louvado! - sempre se conservou farta, a casa - a “Chácara”
- era a mesma antiga mansão paterna, ampla, clara, saudável, mas os recursos
escasseavam (BACKHEUSER, 1954, p. 11).
Conta que o pai fora educado na Alemanha, e, frequentou um curso de humanidades.
Muito esmerado, era entusiasta da história natural. Já com muita antecedência pensava na
educação do filho, o qual havia preconcebidamente, destinado à Engenharia, uma das carreiras
mais próximas das ciências puras. Não o viu se tornar engenheiro e catedrático de ciências
naturais na Escola Politécnica. Sobre a mãe, conta que sorria mesmo diante de necessidades e
amarguras. Com um sorriso inigualável contagiava de alegria as crianças que estudavam na
escola da chácara e frequentavam a sua casa (BACKHEUSER, 1994).
A neta define Everardo Backheuser como um homem alegre e brincalhão, muito
dedicado à ciência, ao saber e à cultura, sempre mergulhado nos livros e nos estudos:
[...] os olhos azuis, a pele clara, o cavanhaque branco de kaiser, o sentido do dever e
o desinteresse por futilidades pertenciam à herança alemã, consolidada pelo
sobrenome que ninguém sabia pronunciar e precisa ser soletrado. [...]
Reconhecidamente um grande professor e uma inteligência aberta e polimorfa.
(MAMBRINI, 2008, p. 29).
Backheuser cursou o primário na Chácara Santa Rosa que alojava o Colégio de D.
Evelina e, mais tarde, o Colégio de F. Hermínia Ihmer. Entre 1890 e 1896 cursou os estudos
secundários exclusivamente no externato do Colégio Pedro II então chamado de Ginásio
Nacional, matriculando-se, em 1897 na Escola Politécnica do Rio de Janeiro.
Quando o menino terminou os estudos primários e iniciou os preparatórios, partia para
a sua viagem diária de Stª. Rosa - Niterói - ao Ginásio Nacional, hoje Colégio Pedro
II, no Rio, com os livros, a merenda, três tostões para o bonde, mais os passes da
Barca. No tocante à roupa, só duas mudas: uma no corpo outra na água. Por isso, mal
o ginasiano se tornou adolescente - tratou logo de ajudar em casa. Ainda estudante de
preparatórios, fez-se professor (BACKHEUSER, 1954, p. 12).
Dona Quininha primava pelos estudos do filho, acompanhava de perto e exigia dele
comprometimento com a escola. Todos os dias, ao chegar em casa, a mãe o fazia contar como
havia saído nas aulas, nos exames. Na primeira vez que soube de uma nota baixa do filho,
conversou e ameaçou uma surra caso voltasse a acontecer. Acreditando que ela facilitaria para
66
ele, por ser o caçula e o único filho homem, conta que relaxou e teve uma segunda nota ruim.
Daí, chegando em casa:
A mãe, que sempre coroava a chegada com um beijo e com um “Deus te abençoe”
que fazia tanto bem à criança, desta vez não teve um momento de hesitação. - Já pra
cá. E o foi puxando. Entraram no quarto. E a boa e querida velha, sempre meiga, desta
vez desandou-lhe uma sova de bolos com as costas de uma escova. [...]. Não vadiei
mais nesse resto de ano e no fim, como coroamento, alcancei três distinções, uma para
cada matéria (BACKHEUSER, 1994, p. 31).
Entre 1890 e 1896 cursou os estudos secundários no Ginásio Nacional, sendo
classificado entre os seis primeiros alunos da classe no primeiro ano. Sobre o percurso nesta
instituição (ver Figura 3), onde se graduou bacharel em ciências e letras, conta:
Quase sem mudanças de hábitos foi o meu curso inteiro no Ginásio Nacional. O velho
e conceituado Colégio Pedro II. Durante sete anos, a mesma monótona existência de
idas e vindas com os mesmíssimos acidentes [...] durante sete anos a fio, que tantos
foram os do meu curso, realizado, aliás, sem nenhuma repetição de ano, fato esse que
não era muito frequente naqueles tempos de severidade escolar (BACKEHUSER,
1994, p. 187).
67
Figura 3 - Aluno do Colégio Pedro II
Fonte: Álbum de memórias, 1950.
68
Em 1897, matriculou-se na Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Em 1899 diplomou-se
Engenheiro Geógrafo, em 1901 formou-se Engenheiro Civil e Bacharel em Ciências Físicas e
Matemáticas e, finalmente, em 1913, diplomou-se doutor em Ciências Físicas e Naturais
(BARREIRA, 1999). Sobre a conclusão do curso de Engenharia, Alcina conta que:
E a turma de 39 alunos que em 1897 ingressara na Politécnica e de que fazia parte
Everardo Backheuser, terminou, em 1901, reduzida apenas a 7 engenheirandos entre
os quais esse estudante que, na declaração pública de seu colega Mario Valadares, foi,
durante o curso, o verdadeiro líder na antiga Escola (BACKHEUSER, 1954, p. 43).
Considerando os títulos conquistados por ele, pode-se perceber a importância dada ao
acúmulo de capital cultural e infere-se que sua maior herança tenha sido o interesse pelos
estudos “um dos meus maiores orgulhos é ter tido a mãe que tive. E por ela me eduquei no culto
a meu pai” (BACKHEUSER, 1994, p. 29).
Em 1903 casou-se pela primeira vez, com Ricarda Restier Gonçalves Backheuser,
professora fluminense, com quem teve dois filhos. O primeiro que recebeu seu nome, nasceu e
faleceu em 1904 e o segundo, João Carlos, que nasceu em 1905, formou-se engenheiro geógrafo
e civil e foi professor secundário. Enviuvou da primeira mulher em 1928 e casou-se pela
segunda vez em 1929, com Alcina Moreira de Souza Backheuser, professora carioca, com quem
não teve filhos.
2.3.2 Percurso profissional
Fiel ao princípio de “conhecer o seu dever e cumpri-lo” (BACKHEUSER, 1954, p. 13),
foi professor, e, além disso, atuou em outras instâncias como as político-administrativas, o
campo jornalístico e as campanhas político-sociais:
Everardo Backheuser, mais do que um líder, foi nitidamente, um pioneiro. Da
adolescência à velhice teve como característica a ação. Não, porém, para trabalhar
com aprazimento sob ordens de outrem, nem apenas, para, definidas as aspirações de
uma coletividade, espôsa-las, conduzindo-as e orientando-as. Ele próprio foi, sempre,
a sua ideia, a sua opinião, a sua resolução. [...] O pioneiro não é apenas um homem de
ação. É um homem que luta por uma iniciativa. É um combativo. Um batalhador.
Everardo Backheuser foi pioneiro (BACKHEUSER, 1954, p. 29) (grifos da autora).
a) O professor e outras facetas
69
Didata por índole, espalhava as cintilações de sua cultura polimorfa em livros, artigos
e conferências, num estilo claro e ameno [...]. Era um batalhador... Na cátedra, na
tribuna, no jornal, no livro, combatia sempre. Pugnava rijamente por uma ideia - a sua
ideia - que defendia com toda a força do seu espírito e de seu coração. Seu entusiasmo
de pioneiro levou-o a muitas iniciativas generosas. Sua dedicação ao magistério fê-lo
orientador de muitas vocações. Mas foi a conversão à fé católica que o tornou, aos
poucos, mais sereno e compreensivo e lhe foi capaz de inspirar, em proveito de
outrem, palavras suaves de conforto, de paz e de conciliação (BACKHEUSER, 1954,
p. 8).
Aos 15 anos, em 1894, Backheuser começou a lecionar, oferecendo aulas particulares.
A viúva conta que:
Seu primeiro aluno foi um candidato à admissão no curso secundário, a quem
ministrava lições três vezes por semana, recebendo por elas dez mil réis mensais. [...]
Logo no ano seguinte, Backheuser se fez explicador de aritmética de uma aluna da
Escola Normal, bem mais velha do que ele. Tais lições passaram a constituir por largo
período o orgulho de sua vida de magistério e a elas fazia contínua alusão como uma
proeza pedagógica que lhe proporcionava o glorioso título de “explicador”
(BACKHEUSER, 1954, p. 158).
Alguns anos depois, por volta de 1898, resolveu, com um grupo de amigos, transformar
o seu grêmio literário em um curso preparatório. Então, na Matilha25, composta por Jonatas
Botelho (Alfa), Otávio Carneiro (Beta), Everardo Backheuser (Gama), Muniz Maia (Delta) e,
mais tarde, Filomeno Ribeiro (Ípsilon) - no princípio, com pretensões literárias - tomou gosto
e se consagrou pelo ensino.
A fama das excelentes aulas ministradas no Canil espalhou-se depressa. Os alunos
lhes faziam a reclame revelando grande aproveitamento, sendo todos aprovados com
boas notas nas bancas de exame e, alguns, alcançando aprovações distintas. A
distribuição das matérias de ensino, no Canil, era feita incumbindo-se cada
“catedrático”. De um grupo de conhecimentos, de acordo com as cadeiras que eles
então frequentavam nos cursos superiores, com inegável brilho, seja dita bem a
verdade. Backheuser, da Politécnica, encarregou-se de geometria e trigonometria
retilínea, física experimental, mineralogia e geologia e história natural
(BACKHEUSER, 1954, p. 160).
Em 1944, como parte das comemorações pelo seu jubileu no magistério, o amigo dos
tempos do Canil, Jonatas Botelho, em palestra, lembra:
25 O Grupo, conhecido como Canil, tomou o nome de A Matilha imitando o núcleo constituído pelos escritores
portugueses: Eça de Queiroz, Guerra Junqueira, Antero de Quental e Oliveira Martins. A Matilha fluminense
se instalou no Canil, uma pequena dependência na casa de um dos membros “do feitio de casa de cachorro:
pequeno chalet com larga porta de entrada, janelinha à direita e sem saída aos fundos” (BACKHEUSER, 1954,
p. 159).
70
Estou a vê-lo no Canil, aí por volta de 1898, a dar aulas à meia dúzia de moços, com
firme convicção da sua responsabilidade, mas sem poso nem ademanes de mestre;
moço como os discípulos, alegre e vibrátil, mal terminava cada aula, brincava com
eles e com eles perambulava pelo centro da cidade ou abancava nos cafés, em tertúlias
de graça ou entouvadas tramoias contra o paco burguês. O burguês, o espantado
burguês, de fraque preto e calça branca, anéis e corrente de ouro maciço e na boca o
palito revelador do quimo iniciado, eis a figura magna dos pesadelos boêmios, o
símbolo de uma época e de um estado social, que os moços do tempo de Everardo
Backheuser queriam a todo custo, derrubar, suplantar, substituir (BOTELHO, 1944,
p. 131).
Ainda estudante, em 1896, Backheuser tornou-se preparador interino do curso de
Mineralogia na Escola Politécnica do Rio de Janeiro. No ano de 1903 ele se efetivou nessa
mesma instituição e alcançou, anos depois, a Cátedra de Mineralogia e Geologia (Figura 4).
71
Figura 4 - Professor catedrático de Mineralogia e Geologia
Fonte: Álbum de memórias, 1950.
72
Aposentou-se da cátedra em 1925. Entretanto, não abandonou o ensino. Em 1926
tornou-se professor do Curso Superior de Geografia da Sociedade de Geografia do Rio de
Janeiro. Como aprofundou os estudos em Geografia, logo passou a lecionar no Instituto
Católico de Ensino Superior em 1933 e na CCBE onde ministrava Medidas e Experiências
Pedagógicas. No ano de 1941 assumiu a cátedra em dois estabelecimentos católicos de ensino:
a Faculdade Católica de Filosofia onde lecionou Administração Escolar e Educação Comparada
e a Faculdade de Filosofia do Instituto de Santa Úrsula, onde foi professor de Geografia do
Brasil (BACKHEUSER, 1954).
Ao atuar no campo da Geologia, interessou-se também por Geografia, Física, Fisiografia
e Gemologia. Além destas áreas, se aproximou da Sociologia Aplicada despertando o interesse
pelos problemas sociais, políticos e econômicos do Brasil. Santos (1989) o descreve como um
patriota, atento e vigilante, sendo que produziu de forma abundante nesta área.
A carreira no magistério o levou às investigações acerca da educação, atuando em temas
como a Pedagogia Moderna, a Biotipologia Educacional, a Administração Escolar, a seleção
do magistério, o perfil do professor, etc. Foram cinquenta anos dedicados ao magistério, sobre
a carreira docente, ele conta: “Dediquei-me ao magistério um pouco por vocação outro tanto
por necessidade, pois nesse tempo tinha que auxiliar minha mãe. [...]. Entreguei-me ao
magistério de corpo e alma, o que faço com o maior prazer até hoje” (BACKHEUSER, 1944a,
p. 7-11).
A respeito do seu jubileu no magistério, muito festejado (ver Figura 5) a viúva afirma:
Cinquenta anos de magistério, são realmente, bem longa vida na carreira de professor.
Quando este, como aconteceu com Backheuser, começou a ensinar ainda adolescente
e, também como Backheuser, quando se despediu de seus discípulos em plena pujança
mental, e na mesma exuberância de entusiasmo no início, o espírito do mestre ainda
reflete toda a ardorosa vibração das aulas e destas ecoam ainda em seu coração todas
as alegrias. O cansaço não apareceu até esse momento. As desilusões, que as houve,
certamente, foram superadas pelos resultados felizes, pelo intercâmbio amistoso com
os alunos, pela gratidão da maioria deles. Mas afora era diferente. Agora, o jubileu de
magistério, nesse ano de 1944, estava a apontar ao professor o inadiável descanso.
Aproximava-se a despedida definitiva. Tudo o que, no presente constitui para o velho
mestre o objeto de suas atividades entraria, em breve, para o arquivo do passado. Seu
pensamento não se volveria, daqui por diante, para a sucessão vívida e sempre jovem
de seus ensinamentos e sim para o desenrolar do filme interminável da saudade. Assim
pensaria o professor Everardo Backheuser na sessão solene congratulatória. Tinha ali
presente os seus mais queridos. Rostos amigos lhe enviavam sorrisos prazenteiros. Na
sala apinhada seu olhar encontrava antigos alunos que há muito tempo não via. Agora
era preciso ter forças para defrontar emoções. Quantos outros, encouraçados ante os
embates de dor, não resistiram aos de alegria (BACKHEUSER, 1954, p. 174).
73
Figura 5 - Homenagens ao jubileu no magistério
Fonte: Álbum de memórias, 1950.
74
Nunca arrefeceu, até os últimos dias de vida, o entusiasmo de Everardo Backheuser
pela causa do ensino, campo permanente de suas atividades. Gostava imensamente de
estudar. Os conhecimentos que desejava ministrar eram por ele transmitidos com
surpreendente facilidade. Achava sempre meios e modos de proporcionar ao aluno
mais fácil e melhor assimilação, e tido lhe era suave e prazeroso por ser espontâneo e,
por assim dizer, inato (BACKHEUSER, 1954, p. 167).
De forma paralela às suas atividades docentes, ele desempenhou outras funções, entre
elas, as político-administrativas. Na Prefeitura do Distrito Federal, entre os anos de 1909 e 1937,
por exemplo, ocupou vários cargos como os de Engenheiro-chefe; secretário do Prefeito; Chefe
da Comissão de Levantamento da Carta Geológica do Distrito Federal; Chefe do Gabinete de
Experiências Físicas, Diretor do Museu Pedagógico Central (sob a gestão de Fernando de
Azevedo na Diretoria da Instrução Pública do Distrito Federal); Chefe da Divisão de Geologia
e Sondagens e Diretor do Instituto de Pesquisas Educacionais. Atuou também, ainda que por
pouco tempo, diretamente no cenário político, filiado ao Partido Republicano Conservador
(PRC), foi Deputado da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro em 1910 e 1915. Foi também
chefe dos Municípios de Cabo Frio, São Pedro da Aldeia, Araruama, Capivari e Rio Bonito.
Além disso, compôs a Comissão de Instrução, Saúde e Obras Públicas (BARREIRA, 1999).
Esteve preso durante o governo de Artur Bernardes, porque, na disputa pela sucessão
presidencial (1921/22), se opôs ao candidato que venceu Nilo Peçanha (BARREIRA, 1999).
Ele havia sido convidado para ser paraninfo da turma de Engenheiros e Geógrafos da Escola
Politécnica no ano de 1925. Preso, não pôde estar presente. A então mulher, D. Ricarda, foi
quem proferiu o discurso (ver Figura 6). Em homenagem, há uma foto de Backheuser no canto
superior direito. A viúva Alcina conta que:
Foram, rigorosamente, 102 dias de prisão. Primeiro, na Ilha Rasa, depois na Detenção.
[...] Findo o quadriênio Bernardes, o Professor Backheuser “quebrou sua pena
partidária”. Não se envolveu nas revoluções subsequentes nem contra Washington
Luiz, nem contra Getúlio Vargas. Não quis mais saber de lutas desse gênero. “A
política, dizia ele, mais tarde, não tenho a mínima saudade” (BACKHEUSER, 1954,
p. 150).
75
Figura 6 - Colação de grau de Engenheiros Geógrafos da Escola Politécnica em 1925
Fonte: Álbum de memórias, 1950.
76
Teve destaque também no campo jornalístico. Ainda com 16 anos deu início à sua
atuação no jornalismo político com a fundação do semanário O Brasileiro. Neste mesmo
contexto, foi redator de outros escritos como O Nacional (diário) e A Pátria (panfleto semanal
de educação cívica). Entre 1901 e 1930, colaborou com vários jornais: O Fluminense, A
Capital, O Estado, Jornal do Brasil e Correio da Manhã.
Além da atuação no campo do jornalismo político, Barreira (1999) destaca a sua atuação
no jornalismo especializado, seja acadêmico, educacional ou científico, ora como redator,
diretor ou colaborador. Teve uma trajetória marcante, de forma especial, nos periódicos: Revista
Didática da Escola Politécnica do Rio de Janeiro (1898-1911-1925), Revista de Ensino de SP
(1923), A Escola Nova (1929-1930), Boletim dos Professores Católicos (1932-1933)e RBP
(1934-1936), entre outros.
Ainda com base em Barreira (1999) ressalta-se a sua participação em campanhas
político-sociais, de forma especial, aquelas voltadas ao campo educacional, ocorridas a partir
de meados da década de 1920, destacando-se a Campanha em prol da educação (1924) quando
ao lado de Heitor Lyra da Silva, fundou a ABE. Em 1926 ele participou e liderou a Campanha
pela renovação do ensino de Geografia. Em 1927, ao lado de Fernando de Azevedo, atuou na
Campanha em prol da Escola Nova e a partir de 1928 - já convertido ao catolicismo - começou
a participar de forma ativa da Campanha em prol do Ensino Religioso. Errerias (2002) lista a
produção de Backheuser, a qual perpassa temas que vão das habitações operárias à educação
escolar, passando pela Geologia, Geopolítica, Antropogeografia, Linguística e Religião:
Habitações Operárias, de 1906; Brazilio, escrita em esperanto em 1909; a conferência
O Esperanto, proferida em 1914; a comédia Não me fale nisso... , de 1915; A Figura
Imponente do Kaiser e Os Cristais - Fatos e Hipóteses e Os Sambaquis do Distrito
Federal, ambas de 1916; A Faixa Litorânea do Brasil Meridional - Hoje e Ontem, de
1918; Reconhecimento de Rochas e Glossário de Termos Geológicos, publicada em
1924, seguida de Poesia, Ciência e Idealismo e Contribuição para a Geologia do
Distrito Federal, de 1925 e 1926, respectivamente; A Estrutura Política do Brasil:
Notas Prévias, de 1926; Problemas do Brasil: Estrutura Geopolítica e A Sedução do
Comunismo, ambas de 1933; a conferência Fatores da Unidade Nacional e La
Nouvelle Concepcion de la Geografie (edição de “Scientia”), em 1937 e O Livro do
Gênesis e das Cosmogonias Modernas, publicação de 1940 (ERRERIAS, 2002, p. 22).
b) Articulador político
Backheuser era, manifestadamente, um combativo. A luta não o fatigava. Servia-lhe
como um estimulante de energias, um incentivo, um propulsor para seu dinamismo
(BACKHEUSER, 1954, p. 54).
Teve participação em várias campanhas, entre as quais, citam-se: Campanha em prol
das habitações populares; Campanha em prol do Esperanto no Brasil; A nova concepção da
77
Geografia à Geopolítica; Cruzada pela Escola Nova26 e Campanha em prol do Ensino Religioso
(BACKHEUSER, 1954).
Em 17 de janeiro de 1927, o educador Fernando de Azevedo assumiu a Diretoria Geral
de Instrução Pública do Distrito Federal e mobilizou esforços em torno do projeto de
organização de um sistema de ensino que fosse capaz de se constituir parte integrante do projeto
da reforma social do Brasil. Nos três anos que esteve à frente da Diretoria Geral de Instrução
Pública - de 1927 a 1930 - intencionou reestruturar a instrução pública estabelecendo, para
tanto, a renovação no interior da escola, na sua organização, nos seus métodos e nos princípios
que deveriam colocar em prática o ideário da Escola Nova. Na fase da “revisão dos métodos
pedagógicos em correspondência aos novos ideais” a colaboração prestada à Reforma Fernando
de Azevedo pelo Professor Everardo Backheuser se tornou altamente valiosa (BACKHEUSER,
1954, p. 110).
Foco das diretrizes postas pela Reforma Educacional em voga, a chamada Escola Nova
foi tema de interesse de Backheuser que estudou sobre ela em livros estrangeiros e logo depois
começou a escrever sobre o tema, porque na sua opinião, o professorado se via diante da
Reforma sem receber orientações especiais, estavam então, diante um campo aberto à
experimentação que o convocava a pôr em prática preceitos ainda não assimilados. Segundo
Alcina “Convidado por Fernando de Azevedo para incluir-se entre os que deveriam explicar ao
magistério primário os princípios cardeais da Escola Nova, suas palestras se destacaram pela
clareza de exposição e perfeito conhecimento do assunto” (BACKHEUSER, 1954, p. 110).
À época, ele havia recém chegado da Alemanha27, onde pôde observar o funcionamento
da Escola Nova e então, começou a publicar diversos artigos sobre os métodos e os processos
que tinha observado, chamando atenção especial para os princípios da iniciativa e da
cooperação. Backheuser começou a orientar cinco das mais importantes escolas do Distrito
Federal, depois se incorporaram a elas, outras duas escolas também renomadas. Propagando os
ideais escolanovistas nas referidas instituições, percebeu a necessidade de estreitar a
26 A partir do levantamento bibliográfico efetuado, considera-se que a atuação de Backheuser na Cruzada
Pedagógica pela Escola Nova e também à frente do Museu Central Pedagógico, foram temáticas pouco
exploradas pela historiografia da educação brasileira. Alguns textos mencionam os referidos temas, mas, não
foram encontradas produções específicas sobre estes assuntos. As considerações tecidas neste texto estão
fundamentadas, no manual Técnica da Pedagogia Moderna, e, de forma especial, no livro “Everardo
Backheuser”. 27 Miriam Mambrini (2008) conta que a estadia na Alemanha ocorreu por conta do interesse do seu pai, filho de
Backheuser, que recém-formado em Engenharia, desejava realizar um estágio na Europa. Os pais
acompanharam o filho na viagem. Infere-se que Backheuser aproveitou a viagem para se inteirar dos estudos
sobre Escola Nova. Infelizmente não foram encontradas fontes que revelem a relação entre a sua estadia na
Alemanha e os estudos/apropriações da Escola Nova em solo europeu.
78
colaboração entre os demais professores para uma divulgação mais ampla dos estudos e das
experiências relacionadas ao novo ideal de educação.
Nasceu daí a ideia de uma associação de professores primários destinada a manter
esse intercâmbio. Foi assim que, em outubro de 1928, começou a existir a Cruzada
Pedagógica pela Escola Nova, ainda sob a denominação menos ampla de “Cruzada
em prol da Escola Ativa”. Sua finalidade precípua era a de estudar, praticar e propagar
a Escola Nova dentro do mais escrupuloso espírito de lealdade e mútuo auxílio
(BACKHEUSER, 1954, p. 112) (grifos da autora).
Às quartas-feiras o professorado comparecia às reuniões da Cruzada para conhecer
experiências de Escola Nova e também submeter ao debate e às críticas as suas próprias
experiências. No Preâmbulo do manual Técnica da Pedagogia Moderna, o autor se refere à
Cruzada como uma idealização sua e confere a fundação da associação à sua mulher Alcina
Moreira de Souza Backheuser. Entretanto, ela afiança: “Tudo, porém, girava em torno do
impulso animador que o Professor Everardo Backheuser imprimia às reuniões semanais”
(BACKHEUSER, 1954, p. 113). Para impulsionar ainda mais a propagação da Escola Nova,
ele criou o Boletim oficial da Cruzada chamado A Escola Nova.
As fontes tomadas para esta tese pouco contam sobre a Cruzada. Mediante pesquisa
sobre a temática, descobri um arquivo do educador Fernando de Azevedo. Trata-se do AFA28,
onde ele conta que a Cruzada, fundada e mantida pelo professorado interessado em aprender
sobre Escola Nova, tinha como fins principais:
Estudar, praticar e propagar a Escola Nova dentro do mais escrupuloso espírito de
lealdade e mútuo auxílio. Essa campanha é empreendida por todos aqueles que nesse
intuito se quiserem alistar, não havendo pagamento de joia ou mensalidade. A Cruzada
pela Escola Nova exerce sua ação, tomando para princípios básicos: a) a iniciativa e
espontaneidade dos alunos; b) a ação cooperativa da classe; c) a continuidade
permanente entre a vida e a escola. Considera, além disso, como meios valiosos de
realizar sua tarefa: o método de observação e expressão; o ensino associativo e os
chamados centros de interesse (AZEVEDO, 2000, p. 136).
Em dezembro de 1929, com o objetivo de demonstrar a eficiência da Reforma
Educacional de Fernando de Azevedo, a Cruzada inaugurou uma grande exposição pedagógica,
planejada e executada pela própria associação. E nessa exposição havia algo de novo:
28 O Arquivo Fernando de Azevedo (AFA) pertence ao acervo cultural do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB).
Foi doado em 2 de março de 1970 pelo próprio titular. O AFA conta com cerca de 16.000 documentos que
abrangem o período de 1915 a 1974. Inclui-se esta referência entre os poucos trabalhos encontrados para a
compreensão acerca da temática: Cruzada Pedagógica pela Escola Nova.
79
Nas anteriores, efetuadas dentro do regime da escola antiga, escolhiam-se para serem
apresentados os melhores trabalhos dos alunos, atendendo-se ao ponto de vista de
beleza e correção. Nesta, não. O que era de essencial é que o trabalho demonstrasse
nitidamente a iniciativa do aluno ou da classe. Queria-se que a cooperação dos alunos
de uma classe ou de toda a escola ficasse bem expressa na realização de um “centro
de interesse” ou de um “projeto”. Desenhos, modelagens, construções revelavam aí a
mão ainda inexperiente da criança. Relatórios históricos exibidos testemunhavam
procedência infantil. Havia por toda parte o respeito ao esforço, embora esse esforço
nem sempre produzisse obra apreciável. Em tudo, uma grande renovação de
mentalidade de docentes e discentes - um sopro novo - como o desejava a Reforma
(BACKHEUSER, 1954, p. 114) (grifo nosso).
Em junho de 1930, meses após a tal exposição, foi inaugurado o Museu Pedagógico
Central, organizado e dirigido por Everardo Adolpho Backheuser. Sobre o museu, Alcina conta
que:
De conformidade com as instruções baixadas pela Sub Diretoria de Instrução, o
Museu Pedagógico Central seria “uma exposição permanente de caráter prático e não
simples coleção de objetos raros ou cientificamente curiosos”. Deveria ser feito com
a “colaboração constante de professores e alunos”. Permitiria aos alunos “aprender
por si, vendo, tocando, e até manipulando os objetos expostos, reduzindo o papel do
mestre ao mínimo indispensável de orientação”. Cada um dos objetos seria etiquetado
com indicação precisas e claras que deveriam tornar dispensáveis as explicações
verbais dos guias (BACKHEUSER, 1954, p. 115).
Esse museu teve, para a sua organização, a participação de professoras orientadas pelo
professor Backheuser que, seguindo os preceitos escolanovistas, conferia ao museu outros ares.
Deixando para trás o caráter estático e frio dos museus antigos e assumindo a função de
despertar o interesse da criança por meio do seu caráter de exposição permanente, viva e
movediça.
Em virtude da sua conversão ao catolicismo, Backheuser marcou presença nas
trincheiras de luta pela propagação da religião católica em todos os campos, inclusive, no
educacional por meio da reintrodução do Ensino Religioso nos currículos escolares, bandeira
defendida nas APCs29 e também na CCBE. Sobre a sua militância, a viúva conta que:
Fê-lo desde a primeira hora. Esta se apresentou a 25 de outubro de 1928, quando ele
subiu pela primeira vez à tribuna de uma Igreja Católica. Era por ocasião da imponente
“Semana do Chefe de Família” em cujo programa figurava uma série de conferências
na Catedral de Niterói. Backheuser inscrevera-se para falar sobre “A Influência da
Escola” (BACKHEUSER, 1954, p. 120).
Entre as diversas facetas desse professor, incluo a sua atuação como militante católico
e articulador político, realçando a sua trajetória no campo educacional para além da docência.
29 Mais detalhes na seção “d”.
80
Como por exemplo, a sua participação na ABE - ainda no período em que estava afastado do
catolicismo - e na CCBE, quando militava pelo catolicismo e se mostrava aberto às novas ideias
difundidas pelo movimento da Escola Nova no Brasil. Como autor de vários artigos publicados
na RBP ele contribuiu para a irradiação dos ideais da CCBE.
c) Membro fundador da Associação Brasileira de Educação
Em outubro de 1924, um grupo de treze intelectuais cariocas fundou, em uma sala da
Escola Politécnica do Rio de Janeiro, a Associação Brasileira de Educação. A
iniciativa foi o resultado de entendimentos iniciados em março do mesmo ano, em
reunião promovida por Heitor Lyra da Silva. Aproveitando a passagem de Lysimacho
da Costa pelo Rio, programou um jantar no Hotel Glória, para o qual convidou
Everardo Backheuser, Edgar Sussekind de Mendonça e Francisco Venâncio Filho,
cuja finalidade era discutir a viabilidade de uma Federação de Associações de Ensino
(CARVALHO, 1998, p. 53)30.
Ainda na década de 1920, antes da sua conversão ao catolicismo e a sua consequente
militância dentro do grupo católico, Backheuser já se mostrava um professor preocupado em
participar da organização da sociedade civil e de militar no interior da ABE, Associação que,
junto com outros educadores31, ajudou a fundar. A criação da ABE foi fundamental para o
fortalecimento do pensamento pedagógico brasileiro alicerçado “em um projeto liberal, livre
das amarras predominantes até fins do século XIX” (FREIRE FILHO, 2002, p.10).
A ABE pode ser definida como uma sociedade civil, laica, sem fins lucrativos, de
utilidade pública, que uniu educadores de diversos matizes, empenhados em estudar e debater
assuntos ligados à educação e à cultura. Esta Associação, na condição de movimento, tinha nas
Conferências Nacionais de Educação as suas principais instâncias de organização
(CARVALHO, 1998). Neste subcampo ocorreram intensos debates acerca dos rumos da
educação, os educadores que dele fizeram parte, discutiram sobre mudanças na estrutura do
sistema de ensino, oferta de escola a todos, propostas pedagógicas, formação de professores,
etc. Aqui é importante enfatizar que, no seu princípio, a ABE era ocupada por um número
significativo de pensadores de tendência católica, os quais defendiam um projeto nacional de
30 Interessa a este empreendimento apenas sintetizar a existência da ABE e ressaltar Everardo Backheuser como
um dos seus fundadores. Um estudo profundo sobre tal Associação foi feito por Carvalho (1998). 31 Amerino Wanick, Antonio Cavalcanti de Albuquerque, Armanda Alvaro Alberto, Antonio Carneiro Leão,
Benevenuta Ribeiro, Berta Lutz, Branca Fialho, Candido de Mello Leitão, Carlos Américo Barbosa de Oliveira,
Carlos Delgado de Carvalho, Edgard Susekind de Mendonça, Eduardo Borgerth, Everardo Backheuser,
Ferdinando Labouriau Filho, Fernando Nerêo Sampaio, Fernando Raja Gabaglia, Francisco Venâncio Filho,
Gentil Ferreira de Souza, Heitor Lyra da Silva, Ignacio Azevedo do Amaral, J. Porto Carrero, Jurandir Paes
Leme, Laura Lacombe, Levi Fernandes Carneiro, Maria dos Reis Campos, Mário Paulo de Brito, Othon Henri
Leonardos, Pedro Deodato de Moraes, Vicente Licinio Cardoso, Victor Lacombe (FREIRE FILHO, 2002).
Grifo nosso.
81
educação firmado nos propósitos da sua doutrina, além da defesa do Ensino Religioso nas
escolas. Enquanto o outro grupo defendia o ensino laico.
Essas posições ideológicas divergentes culminaram na cisão do grupo, e na disputa pela
dominação no campo educacional. A partir daí, iniciou-se uma acirrada querela entre projetos
alternativos de reconstrução nacional via educação. Em dezembro de 1932, meses após a
publicação do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (já citada em momento anterior), os
católicos (entre eles Backheuser), abandonaram a ABE e passaram a se articular, inicialmente,
na APC-DF a qual, em 1933, ao adotar um caráter nacional, foi transformada na CCBE. Com
esse rompimento, os pioneiros assumiram a direção e permaneceram na ABE.
Em 27 de outubro de 1931 Backheuser encaminhou à secretaria geral da ABE o seu
pedido de demissão32, tanto do Conselho Diretor quanto dos demais cargos que um dia ocupou
na instituição, Presidente da Seção do Ensino Primário e Biblioteca Pedagógica e membro da
Comissão Organizadora da 4ª Conferência Nacional de Educação. A sua justificativa foi falta
de tempo para se dedicar a ABE, como era necessário, por conta de todas as outras atividades
que vinha desenvolvendo no campo educacional. A secretária respondeu no dia 17 de novembro
do corrente ano manifestando a recusa do Conselho Diretor ao seu pedido de demissão
aproveitando para reforçar a importância das suas atividades dentro da Associação, desde a sua
fundação. A decisão pela recusa do pedido de exoneração foi unânime. Quatro dias depois
Backheuser enviou nova carta à secretária, agradecendo o reconhecimento da importância do
seu trabalho no interior da ABE, e reiterando que a sua decisão pela saída era definitiva (ver
figuras de 7 a 10).
32 O pedido de demissão de Backheuser consta da Ata da sessão do Conselho Diretor da ABE datada de 16 de
novembro de 1931 (páginas 130-134), conforme Anexo I.
82
Figura 7 - Backheuser pede demissão da ABE
Fonte: Arquivo de correspondências recebidas - ABE.
83
Figura 8 - Resposta da secretária ao pedido de demissão
Fonte: Arquivo de correspondências enviadas - ABE.
84
Figura 9 - Retorno de Backheuser sobre a recusa do pedido de demissão (Continua)
Fonte: Arquivo de correspondências recebidas - ABE.
85
Figura 10 - Retorno de Backheuser sobre a recusa do pedido de demissão (Conclusão)
Fonte: Arquivo de correspondências recebidas - ABE.
86
Sobre o “êxodo católico” Sgarbi (1997) conta que a partir de 10 de dezembro de 1932,
28 membros enviaram ofício ao presidente da ABE manifestando descontentamento com as
suas novas posições e requerendo o afastamento da entidade. Tal documento foi divulgado pela
imprensa no auge da V Conferência Nacional de Educação, realizada em Niterói/Rio de Janeiro,
1932, e enumerou as mudanças que foram introduzidas na ABE em 1932, que desagradaram,
de forma especial, os educadores católicos. Entre estas mudanças - as quais causaram a
debandada do grupo católico - em artigo publicado no Jornal do Brasil em 04 de janeiro de
1933, intitulado A Conferência de Niterói, Backheuser cita: a atitude fortemente dominadora,
por parte da Associação, que não dava chance de participação aos associados, e a demasiada
centralização do poder nas mãos do Estado, defendida pelo grupo que ocupava a sua direção.
Embora Backheuser justifique o seu pedido de demissão/exoneração da Associação, por
excesso de atividades, ao comentar o pedido de demissão de Fernando Magalhães e de outros
educadores católicos, afirmou que a atuação da ABE estava totalmente fora de sintonia com os
ideais iniciais. Para ele, essas mudanças tinham uma agravante, pois a direção que a Associação
estava tomando feria os sentimentos religiosos da maioria da população. Para o autor a luta pela
laicização do ensino, bandeira de alguns membros da ABE, fazia com que a chancela
governamental tivesse que ser mais valorizada e, assim, enfraquecia a organização da ABE, que
tinha como princípio cardeal a autonomia frente ao governo. Seguem fragmentos do artigo:
Dessa atitude comunista da ABE, já há um protesto retumbante: a saída daquela
agremiação do ilustre Fernando de Magalhães, reitor da Universidade. Hoje saiu
Fernando Magalhães. Ontem dela se desligaram cerca de trinta sócios fundadores,
dentre os mais prestigiosos, inclusive quatro antigos presidentes. Mais antes, já outros
se haviam retirado. Amanhã desertarão outros. E por que essa debandada? Tudo é
fruto de não ser a ABE, depois que certo caruncho nela se intrometeu para destruí-la
em seus fundamentos, o que idealizaram os seus fundadores e principalmente o seu
excelso e nunca assaz glorificado iniciador [...] Disto precisa o público saber para dar
o justo valor as decisões e “sugestões” que aparecem em seu nome. Uns, os
fundadores, lhe criaram, à ABE, o renome de defender, fora da tutela governamental
os interesses superiores da educação dentro de um ardente desejo de manter e
fortalecer a unidade nacional. Outros - os atuais dirigentes - subordinando-se àquela
tutela, não demonstram outro interesse senão o de ferir os sentimentos religiosos da
maioria da população nacional, além de, por outros modos, fomentar os dissídios que
o regionalismo procria (BACKHEUSER, 1933, p. 1 apud SGARBI, 1997, p. 24).
Com a saída da ABE, o grupo de católicos se uniu a outros militantes da mesma
orientação filosófica, cujas associações começaram a surgir ainda a partir de 1928, e aceleraram
o processo organizativo destes educadores, como por exemplo, na APC-DF que, mais tarde, se
transformou na CCBE.
87
d) Idealizador da Associação de Professores Católicos do Distrito Federal e primeiro
presidente da Confederação Católica Brasileira de Educação
Everardo Backheuser foi o idealizador da APC-DF, cuja primeira reunião33 aconteceu
no dia 17 de setembro de 1931 no Externato Sacré Cœur (SGARBI, 1997). Essa entidade visava
aglutinar professores cariocas com o propósito de debater sobre problemas pedagógicos e
formular propostas de ação. Ao que parece, estes educadores almejavam a criação de uma
Associação aos moldes daquelas já existentes nas cidades de São Paulo e Niterói. Além do
aperfeiçoamento dos professores-membros também tinha como objetivos, a união do
professorado católico sob o ponto de vista religioso social e a principal aspiração: a difusão do
Ensino Religioso nas escolas.
Foi rápido o crescimento da APC do DF. E, aumentando sempre o número de sócios,
impôs-se o ensejo de distribuir a atividade dos professores católicos, inscritos pelos
correspondentes graus de ensino: primário, secundário (público e particular) superior
e, bem assim, profissional, normal e artístico (BACKHEUSER, 1954, p. 124).
Em julho de 1932, foi criado o Boletim da Associação dos Professores Católicos do
Distrito Federal: “Modesta revista mensal, a princípio de dezesseis páginas apenas, sem capa,
impressa em papel também de modéstia qualidade. Toda riqueza, todo luxo se deveria encerrar
no teor da publicação” (BACKHEUSER, 1954, p. 126). O primeiro número deste periódico foi
publicado no mês de julho daquele ano. O Boletim - criado para ser um elo entre as APCs
existentes e as que viessem a existir - era distribuído gratuitamente entre os associados e os que
não ainda não o fossem podiam tê-lo mediante assinatura. Este periódico, que serviu de elo
entre os professores que tinham os mesmos ideais, publicava em suas páginas atividades sociais
e também artigos com assuntos de relevância para o campo da educação.
A Apresentação do Boletim que foi escrita por Backheuser e publicada na 1ª página do
1º exemplar, define sua finalidade. A viúva transcreveu este texto no seu livro
(BACKHEUSER, 1954, p. 126-128), o qual é reapresentado aqui justamente porque traz
indícios da filosofia adotada pelo escolanovista católico:
33 Neste primeiro encontro estavam presentes, dentre outros, Everardo Backheuser, o Padre Leonel Franca, as
inspetoras escolares Zélia Braune e Alba Nascimento; a professora catedrática Maria Leonice F. Anglada; a
diretora da Escola Profissional Rivadávia Corrêa, professora Benevenuta Monteiro; a diretora do curso
Jacobina, professora Laura Lacombe; e as professoras Cordelina de Alencastro, Maria Regina da Cruz Rangel,
Amélia de Araújo Cabrita e Maria Aurélia de Lavôr.
88
Atravessamos uma era de efervescência pedagógica. Sobre os problemas da educação
concentram-se as reformas administrativas e as ansiosidades particulares. Depois de
registrar o fato, que não é só brasileiro, mas universal, Pio XI apronta-lhe a causa
profunda: “Os homens criados por Deus à sua imagem e semelhança, destinados para
Ele, perfeição infinita, sentem hoje mais que nunca, a insuficiência dos bens terrestres
para assegurar a verdadeira felicidade dos indivíduos e dos povos; e, por isso,
experimentam mais vivamente esta aspiração para uma perfeição mais elevada, que
Deus lhes infundiu na natureza nacional e procuram atingi-la principalmente pela
educação”. Não podíamos nós, professores católicos, quedar-nos indiferentes ante
este movimento reformador nem negar a contribuição dos nossos esforços sinceros
para melhorar a formação das gerações de amanhã. De um outro extremo do Brasil os
nossos colegas sentiram a urgência deste dever e, para coordenarem os seus trabalhos,
uniram-se em associações destinadas a um estudo mais profundo dos problemas
pedagógicos, à luz do cristianismo que, no dizer autorizado de Foester, constitui “o
maior acontecimento da história da educação” (L’école er Le caractere, p.130). No
interesse pelos problemas educativos não queremos ser segundos a ninguém.
Ninguém melhor do que nós deseja infundir uma alma elevada na nossa escola;
ninguém é menos refratário às inovações justas, sensatas e justificadas pelas
observações comprovadas de uma ciência cônscia de suas responsabilidades. No
intuito de coordenar melhor os nossos trabalhos e difundir mais amplamente os
resultados, julgamos conveniente fundar um Boletim, elo de união entre os
professores católicos e vínculo das suas associações já fundadas pelo Brasil. Este
Boletim que ora aparece como órgão da Associação dos Professores Católicos do
Distrito Federal, não só se destina a registrar o resultado dos seus esforços dos estudos
e trabalhos que levar a efeito, mas também a dar informações sobre quanto hajam
realizado as congêneres de outros pontos do país. Além disso, esperamos e confiamos
em Deus que há de ilustrar sempre as páginas desta modesta publicação, como neste
número acontece, a colaboração de especialistas autorizados, dos batalhadores da boa
causa, dos semeadores da boa semente.
Embora não se pretenda aprofundar a análise deste periódico, foram encontrados
indícios de que ele dialogava com a Escola Nova, como se pode constatar no excerto de um
artigo escrito pelo Padre Leonel Franca intitulado Progresso e Tradição em Pedagogia:
Na lealdade de um esforço reconstrutor tentaremos conciliar as justas exigências da
tradição e do progresso, ampliando incessantemente os tesouros do passado com as
novas riquezas do presente. É a nobre, pacífica e fecunda missão da pedagogia católica
(FRANCA, 1932, p. 2 apud SGARBI, 1997, p. 32).
Entendendo como missão desta Associação a reconstituição do habitus do professorado
dentro da filosofia católica e prestar esclarecimentos sobre a Escola Nova, evidenciando seus
prós e contras, Backheuser decide que o caminho mais eficaz é agir estrategicamente por meio
de Conferências. Sgarbi (1997) aponta que a APC promoveu no mês de junho de 1932, várias
conferências em torno do tema: A Pedagogia da Escola Nova, nas quais eram discutidas
temáticas como A Pedagogia Nova e a Vida Moderna; A Pedagogia Nova e a Escola
Tradicional; A Pedagogia Nova e a alma da criança, indícios de que esta Associação, contando
com a participação ativa de Backheuser, aprofundava o diálogo com a Escola Nova.
89
Apesar de citar-se apenas a APC-DF, não se pode esquecer as diversas Associações de
professores católicos que se organizaram em várias partes do país. Só no ano de 1933 foram
fundadas oito. Desta multiplicação surgiu a ideia da criação da CCBE (1933-193834) que tinha
por objetivo formular uma política de educação fundamentada na doutrina católica. A ideia foi
lançada por Xavier de Mattos em 11 de maio de 1933, logo após a conferência do professor
Everardo Backheuser sobre a “sindicalização do professorado católico”, no Centro Dom Vital
de São Paulo. Enfatizando o “dever de associação”, Backheuser atacou a atitude de isolamento
e mostrou as possibilidades de uma união:
A congregação de esforços é, portanto, regra de elementar prudência. Unidos, os
professores auxiliar-se-ão no estudo; na solução das dúvidas; na resolução dos
problemas. Cada qual trará a contribuição das suas dúvidas e hesitações, de sua prática
e também de suas dúvidas e hesitações, porquanto dúvidas e hesitações auxiliam tanto
quanto os livros o encaminhamento feliz de boas soluções (BACKHEUSER, 1933, p.
78 apud SGARBI, 1997, p. 38).
Everardo Backheuser foi aclamado primeiro presidente da CCBE e as suas ações no
comando desta instituição nos dão pistas do diálogo dos educadores católicos com a
modernidade. A décima edição da RBP, de 1934 afirmava que nos estatutos da CCBE poder-
se-ia averiguar o seu grande objetivo:
Unir “todas as forças educacionais católicas do país”, de modo que em toda a Pátria
fosse abraçada uma “educação integral, de acordo com as diretrizes firmadas pela
Igreja”. Para alcançar tal meta, uma das estratégias era “difundir o pensamento dos
grandes mestres da pedagogia católica, combatendo as doutrinas sectárias, quer em
obra para os educadores, quer em manuais para educandos” e, por outro lado, publicar
“manuais genuinamente Católicos, das diversas matérias do ensino em todos os graus
e modalidade” (Revista Brasileira de Pedagogia, n. 10, p. 343, 1934 apud SGARBI,
1997, p. 108).
A estrutura da Confederação foi pensada para que atuasse como elemento centralizador
de toda uma rede de associações de professores católicos e estabelecimentos de ensino. Além
disso, a CCBE previa a representação de interesses a partir da organização de duas instâncias
de gestão, remetidas ao plano estadual e nacional. No âmbito dos Estados, as associações,
ordens religiosas e demais estabelecimentos particulares de ensino confederados, tinham direito
de assento nos Conselhos Regionais da instituição que, por sua vez, indicavam um representante
para somar-se ao Conselho Geral (NARCIZO, 2008a). A proposta principal da CCBE era reunir
34 Sobre o fim das atividades da CCBE e da RBP que datam de 1938, não foram encontradas fontes que
trouxessem indícios das causas deste fim.
90
colégios católicos, congregações religiosas e professores de todo o país, além de estimular o
ingresso individual de professores em suas fileiras. A Confederação - por meio da RBP,
congressos e livros - constituiu uma estratégia muito profícua do grupo católico em se apropriar
dos preceitos escolanovistas e disseminar entre os professores, aquilo que julgava mais
adequado dentro do escolanovismo católico liderado por Everardo Backheuser.
e) Revista Brasileira de Pedagogia: irradiadora dos ideais da CCBE
Firmados que foram os objetivos da campanha, impôs-se a necessidade de um órgão
permanente e respeitável que lhe veiculasse os propósitos. O antigo e modesto Boletim
já não podia servir para a empresa de tão largo vulto. Foi-lhe sucessora a Revista
Brasileira de Pedagogia que, com menos de um ano de vida, é vitorioso
empreendimento, com leitores em todos os quadrantes do Brasil e edições esgotadas
apesar do aumento de tiragem. A nossa Revista correspondeu, de fato, a uma
necessidade e a um anseio. Arejada e elegante no aspecto material, ela o é também no
ponto de vista intelectual, pois que em seus sumários se acumulam não só artigos de
valor e segura orientação católica como outros ventilando assuntos de atualidade em
todos os ângulos da pedagogia, escritos por personalidades de relevo e competência.
Podemos dizer sem receio de erro que a Revista Brasileira de Pedagogia não tem
similar na iniciativa privada e mesmo emparelha e vence quase todas as publicações
do gênero editadas oficialmente pelos governos das várias unidades políticas do país
(BACKHEUSER, 1934, p. 329 apud SGARBI, 1997, p. 57).
O fragmento acima é parte do enunciado de saudação proferido pelo professor Everardo
Backheuser no 1º Congresso Católico Brasileiro de Educação realizado em 1934. A partir dele,
pode-se entender que o BAPC foi estrategicamente substituído pela RBP, com vistas a uma
circulação mais significativa e com objetivos bem claros. A viúva conta que o Boletim, velejava
em ondas mais elevadas, e assim passou a chamar-se Revista Brasileira de Pedagogia
(BACKHEUSER, 1954).
O 1º Congresso Católico de Educação promovido pela CCBE, ocorrido de 20 a 27 de
setembro de 1934, tinha como tema:
o catolicismo como base filosófica, como fundamento pedagógico, como laço social,
como solução dos problemas contemporâneos”; e, como finalidade: “estudar os
problemas educacionais à luz da doutrina católica e firmar as bases da política
educacional católica” (BACKHEUSER, 1954, p. 133).
De acordo com Carvalho (2005) a RBP - publicação oficial da CCBE - foi um periódico
especialmente dedicado ao debate doutrinário no campo da pedagogia, cujo intuito era o de
disseminar os princípios educacionais católicos que por sua vez constituíam os ideais da CCBE.
A RBP circulou entre os anos de 1934 e 1938 e teve 47 números publicados. Levando em conta
91
seu principal objetivo, é possível classificar este periódico como uma das estratégias do grupo
responsável pela sua produção e circulação. Sobre a RBP, Carvalho (2005, p. 03) afirma:
Produto e resíduo de práticas, o impresso escolanovista católico integra uma rede de
objetos que se articulam enquanto produtos e instrumentos de práticas de aglutinação
do professorado na Confederação Católica Brasileira de Educação. Anais de
Congressos, Revistas e Boletins especializados em educação constituem uma rede de
impressos que é produto e instrumento dessas práticas de controle pedagógico e
organizacional do professorado católico, práticas fortemente respaldadas pela
estrutura e pela autoridade eclesiásticas. Nessa rede, destaca-se a Revista Brasileira
de Pedagogia, órgão da aludida Confederação, entidade que, além de prever a
associação individual de professores, tinha como sócios as instituições escolares
católicas.
Alguns dos artigos publicados na RBP confirmam a hipótese que norteia os estudos de
Carvalho, no sentido de que houve certa afinidade entre pedagogia católica e o ideário
escolanovista, ao contrário de muitas pesquisas que insistem em caracterizar o movimento do
grupo católico como rigidamente antagônico e reacionário em relação ao que propunham os
chamados pioneiros. Essa afinidade pode ser percebida logo na primeira página da RBP,
publicada na Apresentação, ano 1, n.1, em fevereiro de 1934 (ver Figura 11):
92
Figura 11- Revista Brasileira de Pedagogia - Apresentação (1934)
Fonte: Igreja, educação e modernidade na década de 30, 1997.
93
A partir do terceiro parágrafo, em especial, se pode perceber certa abertura no que se
refere à acolhida das práticas difundidas pelo movimento de renovação no campo educacional,
no entanto, recomenda-se cautela em relação à apropriação destas inovações. O periódico
contou com a seção Debates sobre a Escola Nova, mantida com frequência, principalmente
durante o ano de 193435, onde se pode evidenciar a intenção desse impresso funcionar como
estratégia de esclarecimento e orientação aos professores em relação aos princípios
escolanovistas.
Os artigos que compunham este periódico estabeleciam diálogos constantes com áreas
diversas de conhecimentos, como Saúde e Higiene, Sociologia, Psicologia e Filosofia, o que
demonstra certa proximidade com as novas tendências pedagógicas, porém, os princípios
católicos prevaleciam sobre os demais. Com o tal propósito, a RBP foi direcionada aos
professores filiados individualmente a CCBE e também às instituições confederadas: colégios
católicos, congregações religiosas, associações de professores e entidades similares por todo o
Brasil. Everardo Backheuser, idealizador, defensor e educador católico aguerrido em
ressignificar a Escola Nova, publicou vários artigos na RBP neste sentido. Todo o seu
dinamismo e entusiasmo estão muito bem representados no lema de Littré que, segundo a sua
mulher Alcina, ele seguia: “projetar como se vivesse cem anos; realizar como se vivesse um só
dia” (BACKHEUSER, 1954, p. 31).
2.3.3 Conversão ao catolicismo
Em 1928 Everardo Backheuser converteu-se ao catolicismo, apesar de ter se afastado
da Igreja desde a infância. A primeira mulher, D. Ricarda, muito religiosa, sempre insistiu, sem
sucesso, na conversão do marido. Numa viagem de família à Alemanha, a mulher faleceu e ele
decidiu trazer o corpo para ser enterrado em Niterói, onde moravam. D. Ricarda foi atropelada
por uma bicicleta, ao caminho de um teatro, teve uma parada cardíaca ao ser anestesiada para
uma cirurgia na perna quebrada pelo acidente e não resistiu. Ela foi embalsamada e teve feita a
sua máscara mortuária. Quando esperava o trem para voltar ao Brasil, Backheuser, até então
ateu, teve uma visão:
35 Infelizmente, em pesquisa presencial realizada na Biblioteca Nacional em abril de 2016, constatou-se que os
exemplares da RBP do ano de 1934 encontravam-se indisponíveis para a pesquisa porque estavam retidas para
restauração. Como há os exemplares físicos, estes não constam no acervo digital. E até a conclusão desta tese
não se teve acesso aos exemplares restaurados.
94
De súbito, vejo no canto superior do quarto, batido pelo sol de Verão, formar-se, em
contornos nitidamente delineados, um grupo de nuvens, do qual surgia, sorridente, o
busto de Ricarda. Sobre seu ombro repousava o braço do eterno pai, conforme as
Bíblias Escolares o costumam representar, como homem de aspecto sério, de longa
barba branca. Senti-me arrebatado (BACKHEUSER apud SANTOS, 1989, p. 461).
Diante dessa experiência transcendental, ele decidiu se converter ao catolicismo36. As
fontes encontradas trazem indícios de que a sua conversão foi uma decisão pessoal, no entanto,
compreende-se que esta mudança de posição teve grande significado no campo pedagógico.
Pois, foi a partir daí, que ele ajustou as suas lentes teóricas e filosóficas e começou a militar de
forma entusiástica, no campo marcado pela contenda entre católicos e pioneiros, em busca de
um equilíbrio entre tradição e modernidade.
A sua conversão, em 25 de outubro de 1928 na Catedral de Niterói, foi um verdadeiro
evento. Em manchete do jornal O Globo (ver Figura 12), pode-se ver as palavras do Cônego
Mello Lula a respeito do ocorrido:
O Sr. Dr. Everardo Backheuser, catedrático da Escola Politécnica, homem de ciência,
acaba de fazer, recentemente, na Catedral de Niterói, a sua primeira comunhão. A
conversão do eminente brasileiro, acatado vulto dos nossos círculos científicos, é um
dos acontecimentos mais consoladores para o catolicismo militante em terras do
Brasil. O Dr. Everardo Backheuser é, hoje, um dos mais valorosos soldados de Jesus
Cristo, rei imortal dos séculos. [...] O catolicismo militante no Brasil está de parabéns.
A conversão do Dr. Everardo Backheuser é um dom do Senhor.
36 Talvez a conversão de Backheuser ao catolicismo possa ser compreendida a partir de uma perspectiva
macroanalítica, como um fenômeno relacionado a fatores sociais, políticos, históricos e culturais daquela
conjuntura, talvez até como uma estratégia dele para se posicionar no campo educacional. Infelizmente as
fontes que mobilizei para esta tese trazem apenas uma perspectiva mais micro porque tratam da conversão
como uma decisão do campo pessoal.
95
Figura 12 - A conversão de Backheuser
Fonte: Álbum de memórias, 1950.
96
Como os escritos didáticos de autoria do convertido Backheuser (alguns prefaciados
pelo Padre Leonel Franca, adepto à filosofia tomista), visavam à renovação da educação e
baseavam-se na Divini Illius Magistri do Papa Pio XI, Errerias (2000) infere que a sua
inspiração seja tomista37. No entanto, se Backheuser propõe uma terceira via entre o antigo e o
moderno, apropriando-se dos escritos de autores modernos, acredita-se que a sua inspiração
filosófica católica não seja tão tradicional quanto a tomista e esteja mais voltada ao
neotomismo38.
Backheuser movimentou-se no lado católico e no lado escolanovista. Empenhou-se na
luta pela Escola Nova; publicou artigos na revista A Ordem e ministrou um curso sobre Escola
Nova no Instituto Católico de Estudos Superiores, no Rio de Janeiro a pedido de Alceu
Amoroso Lima (cuja sistematização foi eternizada num manual pedagógico). Um estudo sobre
a sua rede de sociabilidade se mostra muito relevante atentando para a forma com que se
relacionou e travou disputas ideológicas com outros educadores católicos e escolanovistas do
seu campo/tempo.
Entretanto, para este espaço, entre as várias facetas - que na sua trajetória acumulou os
capitais cultural, social e simbólico - sublinha-se a sua atuação no campo pedagógico, para além
da docência, como propositor de um escolanovismo católico39, tentando perceber como as
disposições do seu habitus constituído foram sendo expressas no movimento da sua trajetória
neste campo. Pistas dessa terceira via entre tradição e modernidade no campo pedagógico,
podem ser percebidas no interior da CCBE e nas páginas da RBP. Todavia, para este
empreendimento, envidaram-se esforços para compreender o escolanovismo católico de
Backheuser representado nos seus manuais pedagógicos.
Esse era o lugar ocupado por Backheuser, o missionário que, tendo vivido entre os
pagãos, ingressava decidido nas hostes divinas para ser agora apóstolo entre gentios,
se não para catequizá-los, ao menos para coser suas crenças, como retalhos, ao manto
da Igreja (CUNHA; ERRERIAS, 2000, p. 35).
37 O tomismo é a linha de pensamento que procura manter as teses básicas da filosofia de São Tomás de Aquino
(SOARES, 2014). 38 O neotomismo traria “ares modernos” ao tradicionalismo do tomismo, sem rechaçar as suas bases filosóficas.
Soares (2014, p. 66) define o neotomismo como uma “corrente filosófica católica que procura, a partir da
filosofia de São Tomás de Aquino, elaborar novas conclusões e pressupostos filosóficos, inclusive a partir da
análise e adaptação de filósofos modernos”. 39 Tratei desse assunto, pela primeira vez, no artigo ROSA, Maristela da; TEIVE, Gladys Mary Ghizoni. Everardo
Adolpho Backheuser: expoente de um escolanovismo católico. Revista NUPEM, Campo Mourão, v. 8, n. 14,
jan./jun. 2016.
97
2.4 MANUAIS PEDAGÓGICOS: ARTIFÍCIOS PARA A SEDUÇÃO DOS PROFESSORES
Os estudos que tomam como objetos/fontes os manuais pedagógicos vêm crescendo no
Brasil. Investigações dessa natureza contribuem para análises das culturas escolares, e, mais
especificamente, da circulação de ideias pedagógicas. Estas últimas norteiam, a partir de suas
diversas representações, as políticas públicas e as práticas docentes, principalmente no que
tange ao ensino normal e à instrução primária, auxiliando a construir historicamente tanto a
imagem do professor quanto a da própria educação no país. Pois, os discursos pedagógicos que
se dispõem materialmente como manuais pedagógicos “organizam e constituem o campo dos
saberes pedagógicos representados como necessários à prática docente” (CARVALHO, 2006,
p. 1).
Tomados como bens culturais datados e produzidos em circunstâncias marcadas por
estratégias políticas, pedagógicas e editoriais determinadas, esses Tratados - gênero
tradicionalmente didático - sintetizam teorias sobre um campo de saber específico e as expõem,
de forma analítica, por meio de argumentos de autoridade e exemplos (CARVALHO, 2006). A
partir deles, seus autores apresentam uma apropriação criativa de teorias que são difundidas
estrategicamente para suscitar novas práticas e adequar as velhas ao ideal de educação que se
pretende. Para Valdemarin (2010, p. 133):
Os manuais se inserem ora no campo das táticas (utilizam e alteram), ora no campo
das estratégias (produzem, mapeiam e impõem), dependendo da situação relacional.
Apropriando-se das referências contextuais e conjunturais, o autor elabora um produto
didático destinado a provocar mudanças no sistema investido da autoridade
proveniente da posição que ocupa nesse mesmo sistema - dirigente e conhecedor do
dia a dia escolar - que lhe permite, ao mesmo tempo acompanhar e afiançar a mudança.
Destinados à formação dos professores, esses artefatos são nucleares para investigar a
presença de elementos que, em determinados tempos/espaços, fixaram as formas de pensar e
de desenvolver o ensino no país. Os manuais pedagógicos adotados como fontes e tomados
como objetos de análise deste trabalho atendem e, em grande medida, são decorrentes,
principalmente, da solidificação do ideário pedagógico da Escola Nova em voga entre as
décadas de 1930 e 1960 no Brasil. De acordo com Valdemarin (2010, p. 131) estes manuais
desenvolveram um repertório pedagógico, sugerindo modos de uso do ideário em questão e
“operando num sistema prévio de ideias, [produzindo] versões praticáveis da teoria nas
condições específicas da escola brasileira daquele tempo”.
98
Como artefatos de propagação do ideário escolanovista, os manuais pedagógicos
transformavam valores, princípios e objetivos em prescrições de práticas pedagógicas, fazendo
a intermediação entre o ideário e os seus desdobramentos (leis, decretos, programas de ensino)
e a prática do magistério. Funcionavam então, como dispositivos de configuração do campo da
pedagogia e de conformação das práticas escolares e, como artifícios para a sedução do
professorado. Nas linhas dos manuais, seus autores apresentam uma apropriação criativa
estrategicamente difundida criando assim uma rede de relações significativas. “Ao estabelecer
modos de emprego, fabricam novos sentidos que combinam modos de pensar com sua
utilização” (VALDEMARIN, 2010, p. 130).
As investigações de Marta Maria Chagas de Carvalho demonstram a pertinência dos
estudos acerca da disseminação do escolanovismo no Brasil por meio dos impressos. A
historiadora brasileira examina as formas pelas quais o impresso funcionou como dispositivo
de configuração do campo da pedagogia e como estratégia de conformação das práticas
escolares. A produção e a difusão dos discursos impressos se constituem a partir de um lugar
de poder cujo objetivo é seduzir e modelar o professor, tomando assim a forma de estratégias.
Estas eram empregadas por pioneiros e católicos com o objetivo de servir de instrumento de
organização e mobilização do seu professorado, conforme aponta Carvalho (2005), que também
destaca a importância estratégica do impresso no embate educacional da época:
E será nessa luta que o impresso desempenhará um papel fundamental. Na forma de
livro de estudo para a Escola Normal, de livro de formação integrante de uma
Biblioteca Pedagógica, de artigo de revista dirigida ao professor, de instrução
regulamentar endereçada às escolas, de artigo de polêmica em jornal de grande
circulação etc., o impresso será dispositivo de regulação e modelagem do discurso e
da prática pedagógica do professorado (CARVALHO, 2005, p. 2).
Enquanto a sociedade brasileira do início do século XX entrava em disputa por projetos
educacionais que sinalizassem o ideal de nação - tomando a educação como o lugar de
efetivação da tal modernidade; entre consonâncias e dissonâncias, os manuais pedagógicos são
legitimados, e, assumem o lugar de “verdade oficial”, configurando-se como sintetizadores da
articulação entre teorias e práticas que visavam à formação de uma nova nação. Ecoando os
discursos da substituição do velho pelo novo, os manuais pedagógicos vêm divulgar as recentes
descobertas no campo científico-educacional atuando como suportes, dispositivos para a tal
transformação, e, nessa vaga renovadora, emergem como protagonistas. Como “Tratados”
(CARVALHO, 2006), os manuais pedagógicos levam aos professores primários, o projeto
educacional nacionalista.
99
Carvalho oferece pistas para a compreensão do entrave entre católicos e pioneiros para
a dominação do campo educacional, citando o impresso como estratégia utilizada por ambos os
grupos, e, ainda ressalta o empenho dos educadores católicos em disseminar o escolanovismo
a partir do viés católico. O conceito certeauniano de estratégia é uma ferramenta teórica
interessante para analisar os discursos dos educadores na década de 1930 e, de forma especial,
para compreender como se configurou e se empreendeu a difusão do ideário educacional
católico por meio de uma rede de impressos voltados à formação dos professores primários.
Dentro das estratégias católicas por meio dos impressos, destaca-se a produção e circulação de
manuais pedagógicos que:
[...] difundiram versões depuradas da nova pedagogia, conformadas ao dogma
católico [...] o impresso funcionou como regramento da conduta do professor através
de fórmulas e preceitos vazados em léxico escolanovista saturado de sentido religioso.
(CARVALHO, 2003, p.103).
2.4.1 Manuais escritos por Backheuser: norteadores de um escolanovismo católico
A posição católica em relação ao movimento escolanovista no Brasil foi reativa no
início, mas, passou por um processo de autorreformulação. As críticas duras feitas por
educadores ligados ao Centro Dom Vital e à Revista A Ordem foram sendo repensadas e deram
espaço para o desenvolvimento de um escolanovismo católico. Assim, na década de 1930, no
campo educacional brasileiro, surgiram discursos católicos simpáticos a alguns dos
pressupostos trazidos pelo movimento da Escola Nova. Entre os representantes desse
movimento destacaram-se dois educadores católicos, Jonathas Serrano e Everardo Backheuser.
Além de todas as estratégias elaboradas e executadas por Backheuser, tratadas no
subcapítulo 2.3, a partir de agora ajusto o foco nos manuais pedagógicos escritos por esse
professor que matizou o escolanovismo com as cores da filosofia católica. O primeiro manual
intitulado Técnica da Pedagogia Moderna (Teoria e Prática da Escola Nova) foi publicado em
1934. O segundo, Manual de Pedagogia Moderna (Teoria e Prática) foi publicado em 1942, e
surgiu como uma reformulação do primeiro.
Ambos os manuais são tomados aqui como norteadores de um escolanovismo católico
que seria uma espécie de terceira via entre o velho representado pela dita escola tradicional e o
novo representado pela modernidade trazida pela Escola Nova. A respeito do manual na sua
primeira edição, de 1934, o padre Leonel Franca afirma que:
100
Entre estes dois extremos [tradição e modernidade] o Dr. Backheuser soube, com rara
felicidade, manter o equilíbrio ideal do justo meio: acolhimento agradecido de tudo o
que nos trazem, numa tradição respeitável, a experiência dos séculos e a colaboração
das gerações passadas; aceitação franca sincera e integral de toda contribuição
moderna que a sciencia tem posto a serviço da pedagogia. Alliança harmoniosa numa
só inteligência do vigor da mocidade com a experiência dos anos maduros. Com estes
dotes que constituem o mais precioso tesouro num mestre na arte de educar, o ilustre
presidente da Confederação Cattholica Brasileira de Educação veio acrescentar aos
seus inumeráveis merecimentos o de haver enriquecido a nossa literatura pedagógica
com um dos trabalhos mais informados, sérios e mais completo que possuímos
(FRANCA apud BACKHEUSER, 1934, p. 9).
Os capítulos seguintes trazem a descrição técnica dos manuais e, em seguida, a análise
do seu conteúdo. Algumas partes serão mais realçadas que outras no intuito de detectar nas suas
linhas, indícios da Escola Nova. Interessa compreender como o autor se apropriou de alguns
dos princípios desse ideário e como os representou nas páginas dos seus manuais.
101
102
3 TÉCNICA DA PEDAGOGIA MODERNA
Às famílias, aos professores, pessoas de fé a quem era
preciso traduzir a ciência da nova educação, fazia-se
necessária uma fala católica, a presença do pastor junto a
seu rebanho, a conduzi-lo com segurança por mais essa
travessia, enfim, alguém que fosse ao saber onisciente
para buscar as leis que guiariam o povo. Backheuser
dispôs-se a cumprir essa missão, tendo à sua frente um
país que, não obstante moderno, precisava permanecer
católico, e um professorado que era perigosamente
chamado a integrar as fileiras dos liberais (ERRERIAS,
2000, p. 89).
A começar, quando se atenta para o título do manual, Técnica da Pedagogia Moderna,
percebe-se que nesta obra, Pedagogia Moderna e Escola Nova são tratadas como sinônimos, o
que é um equívoco. A discussão acerca da Pedagogia Moderna, Tradicional e Nova ainda é
bastante incipiente no Brasil, com destaque para os estudos de Marta Carvalho e Gladys Teive.
Para Teive e Cunha (2015), no modelo de conhecimento defendido pela Pedagogia Moderna
ainda não havia lugar para o sujeito ativo, apenas para o ensino ativo, assim a defesa da ação,
da atividade e do interesse das crianças feita por esta Pedagogia, tinha um sentido diferente do
proclamado pela Escola Nova:
Atividade para os modernos era quase um sinônimo de exercício, de fazer coisas,
um movimento do ser para o exterior, longe, portanto, de produzir o que os
partidários da Escola Nova denominaram de subjetivação e objetivação, ou seja, a
transformação mútua do objeto e do sujeito, muito bem sintetizada no conceito de
“adaptação do organismo ao meio”. A Pedagogia Moderna e Psicologia Clássica
concebiam a inteligência como uma faculdade dada de uma vez para sempre e
suscetível de conhecer o real, bem como um sistema de associações
mecanicamente adquiridas mediante as lições de coisas. A Escola Nova e
Psicologia Experimental, por sua vez, reconheciam a existência de uma
inteligência que estaria acima das associações e lhe atribui uma atividade e não
exclusivamente a faculdade de saber (TEIVE; CUNHA, 2015, p. 372).
Carvalho (2000) fomenta a reflexão acerca do que chamou de “modelo pedagógico” e
mostra que, no período definido para a análise desta tese, houve no Brasil uma luta de
representação entre os modelos da Pedagogia Moderna e da Escola Nova. Para a historiadora,
embora ambos os modelos propusessem o ensino ativo, no campo normativo da Pedagogia
Moderna, estruturada sob o primado da visibilidade (método intuitivo) e da imitação de
modelos, a pedagogia era a arte de ensinar; por outro lado, a Escola Nova almejava sustentar a
prática docente a partir de um repertório de saberes específico e legitimado. Infere-se que, numa
conjuntura marcada pela luta do que representava o moderno como novo e o tradicional como
103
velho, o autor acabou utilizando o adjetivo “moderno” para qualificar a Escola Nova, a qual se
contrapunha, em muitos sentidos, à chamada Pedagogia Moderna.
Este manual pedagógico é considerado um dos norteadores do escolanovismo católico
proposto por alguns educadores católicos, entre eles, Backheuser. Após a sua publicação, o
autor começou a propor uma educação fundamentada em referenciais científicos, mas, que não
fossem conflitantes com a filosofia da Igreja Católica. Cunha e Errerias (2000) afirmam que,
do ponto de vista de Backheuser, a concepção de homem deveria permanecer em consonância
com a da religião católica. No entanto, essa reflexão deveria estar em sintonia com a conjuntura
atual, marcada pelo advento da República. Naquele Brasil era preciso transitar pela ciência sem
ferir as premissas do catolicismo. Ao analisar o manual lançado em 1934 (ver Figuras 13 e 14),
pode-se perceber o interesse de Backheuser pela Escola Nova.
104
Figura 13 - Folha de rosto de Técnica da Pedagogia Moderna (Teoria e Prática da Escola
Nova), 1ª edição, 193440
Fonte: Acervo pessoal de Maristela da Rosa (adquirido no sebo http://www.estantevirtual.com.br).
40 A capa do manual não é a original, e sim, uma capa dura. Por isso optei por trazer a folha de rosto.
105
Figura 14 - Lombada de Técnica da Pedagogia Moderna (Teoria e Prática da Escola Nova), 1ª
edição, 1934
Fonte: Acervo pessoal de Maristela da Rosa (adquirido no sebo http://www.estantevirtual.com.br).
106
Já no início do preâmbulo, ele explica que ao se aposentar da cátedra da Politécnica,
pôde finalmente, dedicar-se aos estudos relacionados à pedagogia primária. Afirmando que a
Escola Nova atraía a sua atenção, demonstra a sua curiosidade pelas literaturas alemã, norte-
americana e suíça sobre este assunto. Cita rapidamente as viagens41 que fez e nas quais pôde
conhecer experiências escolanovistas em diversos países onde, segundo a sua opinião, passou
o tempo suficiente para compreender a generalidade do sistema e a minúcia dos métodos:
Apossando-nos das ideias capitais da nova pedagogia, entusiasmamo-nos por elas. E
de volta ao Brasil não descansamos um só minuto em sua propaganda. Em artigos de
jornal e revistas; em conferências públicas; em “sessões de estudo” com o magistério;
em palestras diárias com professores e professoras que nos honravam com suas visitas;
de todo modo enfim, procuramos disseminar os princípios da Escola Nova
(BACKHEUSER, 1934, p. 11).
Backheuser conta que, a convite de Fernando de Azevedo (então diretor de Instrução no
Distrito Federal), organizou o Museu Central Pedagógico, além de mencionar a sua participação
na Cruzada Pedagógica pela Escola Nova, que, como já dito anteriormente, foi uma associação
de professores idealizada por ele mesmo e fundada pela professora Alcina Moreira de Souza.
No Museu Pedagógico e nas reuniões da Cruzada pela Escola Nova ensejaram-se-nos
ocasiões múltiplas não só de conhecer as necessidades de caráter pedagógico do
magistério como de recoltar muitas e úteis advertências que a prática lhe dava
(BACKHEUSER, 1934, p. 12).
Relembra que muitas das práticas dos estabelecimentos de ensino do Distrito Federal
sobre a Escola Nova tiveram início nas discussões da Cruzada. Ao mesmo tempo, demonstra
admiração pelo fato de que, em tão pouco tempo, pudessem ser notadas tantas doutrinas e
teorias sobre Escola Nova, numa grande confusão que chegara a atingir os próprios dirigentes
da Instrução Pública. Diante disso afirma que estava faltando um elemento essencial à
propaganda da Escola Nova, qual seja, sistematização42.
41 Registros sobre estas viagens seriam fontes importantíssimas que trariam indícios fundamentais para
compreender a sua apropriação da Escola Nova. Infelizmente não foram encontrados. 42 À época, Lourenço Filho já havia publicado o seu livro Introdução ao Estudo da Escola Nova (1930) também
com o objetivo de sistematizar as bases, os sistemas e as diretrizes no novo modelo pedagógico. Backheuser
chega a citá-lo em seu manual, entretanto já no preâmbulo deixa clara a necessidade de uma sistematização
mais elaborada, apesar de não fazer qualquer comparação entre seus escritos e os de Lourenço Filho. Além
destes dois autores, outros fizeram tentativas de sistematização da Escola Nova no Brasil como: Fernando de
Azevedo com Novos Caminhos e Novos Fins (1932); Jonathas Serrano com A Escola Nova (1932) e Anísio
Teixeira no seu livro intitulado Educação Progressista: uma introdução à filosofia da educação (1934).
107
A ideia da sistematização foi concretizada em 1933, quando Backheuser, a pedido de
Alceu Amoroso Lima, ministrou um curso sobre Escola Nova no Instituto Católico de Estudos
Superiores, no Rio de Janeiro. No ano seguinte, este curso foi transformado no livro Técnica
da Pedagogia Moderna (Teoria e Prática da Escola Nova), eternizando-se desse modo, por
meio do texto impresso definido pelo seu próprio autor como sendo: “ao mesmo tempo uma
tribuna de proselitismo pela Escola Nova, um campo de polêmica sobre os inquinados
antagonismos entre a doutrina católica e a Escola Nova, e uma agência de informações variadas
de caráter prático” (BACKHEUSER, 1934, p. 13).
A crescente cientificização do campo educacional provocou a elaboração de impressos,
como os manuais pedagógicos que trazem um novo padrão de organização dos saberes. Nesse
contexto, o impresso é organizado com a pretensão de sistematizar, de forma doutrinatória, o
campo de saberes da Pedagogia, investindo-o de conhecimentos que advindos dos campos
filosófico e científico (CARVALHO, 2006). Nessa perspectiva, o esquema teórico proposto por
Chartier é interessante para pensar acerca da confecção dos manuais pedagógicos e de como
estes impressos são produzidos a partir da apropriação e representação de leituras realizadas e
experiências vividas pelos seus autores. Esse jogo de leitura/apropriação/representação é
expresso nos manuais pedagógicos escolanovistas, como o que é analisado aqui. Desde a
abertura do livro Backheuser tenta efetuar uma depuração sobre os diferentes tipos de Escola
Nova, esculpindo, a partir da sua leitura criativa de ideias de outros autores e educadores a fim
de validar, o seu próprio ideal de Escola Nova: uma educação integral calcada na filosofia
católica.
Técnica da Pedagogia Moderna, o seu primeiro manual pedagógico foi publicado em
1934, data posterior à publicação do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova e da sua saída
da ABE. Este manual é apontado como a principal referência que norteou as publicações da
RBP, responsável por irradiar as ideias e discussões desenvolvidas no âmbito da CCBE, órgão
que reunia educadores católicos empenhados em traduzir preceitos escolanovistas à luz do
catolicismo (ERRERIAS, 2000). Sobre o manual, Backheuser (1934, p. 14) diz que:
Quisemos abordar todos [os problemas teóricos e práticos da Escola Nova]; não
alardear nenhum. E abordá-los, embora fazendo-o sucintamente, em um duplo ponto
de vista: o da Escola Nova, em si, como é apresentada pelos tratadistas a-religiosos, e
o da Escola Nova em face da doutrina dos mestres acatados da pedagogia católica.
Pode-se observar que na 1ª edição do livro, o autor volta-se para a compreensão dos
pontos essenciais da Escola Nova com a intenção de esclarecer e demonstrar a aplicabilidade
108
das orientações escolanovistas para os professores. Ele traz tanto o plano teórico acerca do
pensamento educacional escolanovista, quanto o plano prático no que diz respeito às
orientações didáticas ao professor. Nota-se a sua preocupação em, além de esclarecer os
princípios da Escola Nova ao seu público alvo - o professorado - possibilitar a sistematização
destes preceitos, ressaltando a metodologia que deveria ser empregada.
Chartier (1990) ressalta a importância das investigações sobre os “suportes do texto”,
ou seja, as disposições tipográficas, a organização das páginas, a apresentação das ilustrações e
outros tipos de recursos técnicos por meio dos quais os livros chegam aos leitores. Levando
isso em consideração avaliou-se necessário descrever, minimamente, as características
estruturais do manual em questão.
3.1 ASPECTOS ESTRUTURAIS
A 1ª edição datada de 1934 foi publicada pela Civilização Brasileira S.A. De acordo
com Narcizo (2008a) fez parte da Biblioteca Brasileira de Cultura, dirigida por Alceu Amoroso
Lima. Logo na primeira página do livro de 12cm de largura por 18cm de altura e com
encadernação do tipo brochura, o autor escreve uma dedicatória à sua mulher Alcina
Backheuser. Em seguida, apresenta o prefácio escrito pelo Padre Leonel Franca e o preâmbulo.
O sumário (ver Quadro 1) aparece no final da obra e apresenta dez capítulos43 assim intitulados:
43 Estes dez capítulos foram desenvolvidos até a página 311. A partir daí inicia-se novamente a contagem das
páginas, de 1 a 156 sob o título de "Aritmética na Escola Nova (a nova didática da aritmética)”. Esta segunda
parte não entrará na análise da tese de doutoramento, mas, como está presente na obra selecionada, considerou-
se importante citar. Datada de 1933 essa publicação traz como editora a Livraria Católica, apresenta índice e
preâmbulo do autor. Os capítulos são subdivididos da seguinte forma: A didática da aritmética à luz da
Psicologia; Variação da Psicologia infantil com a idade; Fim do período escolar primário; O ensino de
Aritmética no Brasil; Os fatores primordiais da didática da Aritmética; Conclusões (algumas sugestões
práticas/cálculo mental).
109
Quadro 1- Sumário do Manual Técnica da Pedagogia Moderna CAPÍTULOS TEMÁTICAS Nº. DE
PÁGINAS
I
CONSIDERAÇ
ÕES GERAIS
Inconveniência da expressão “Escola Nova”
Escola Nova e Escola Tradicional
Esboço de cotejo entre as tendências fundamentais da Escola atual e as
da chamada “escola ativa”
A Escola e o Lar
Indivíduo e sociedade
20
II
PRINCÍPIOS
CARDEAIS DA
ESCOLA NOVA
Aspecto pedagógico
Há variedades de Escolas Novas?
Aspecto filosófico
Aspecto psicológico
Aspecto político
Pontos de dúvida
20
III
A ESCOLA
ÚNICA
Escola única como monopólio do ensino
Necessidade do ensino particular
Variedades de aspectos da escola única
Coeducação
Escola da democracia
Escola neutra e leiga
Escola única como escola anti-regional
Escola única como escola unitária
27
IV
A PEDAGOGIA
E AS CIÊNCIAS
CORRELATAS
Biologia
Psicologia
Psicologia estruturalista
Influência da educação na estrutura psicológica
Ética ou Moral
A Moral e a Religião
Filosofia
Os unilateralismos
Sociologia
Ciências, letras e artes
55
V
EDUCAÇÃO
INTEGRAL
Educação física
Educação manual
Educação científica
Educação artística
Educação econômica
Educação social e política
Educação moral e religiosa
31
VI
A INICIATIVA
Iniciativa do aluno
Iniciativa, interesse e atenção
Como despertar na escola o interesse da criança
Fazer perder a timidez à criança
Aproveitar as oportunidades do agrado da criança
Aguçar a curiosidade da criança
Os prêmios e o receio de castigos também despertam o interesse?
Impressão e expressão
Impressão e observação
Associações
Expressão
Oralmente
Manualmente
Moralmente
Iniciativa do professor
36
Fonte: Elaborada pela autora, 2014.
110
Quadro 1 - Sumário do manual Técnica da Pedagogia Moderna (Conclusão) CAPÍTULOS TEMÁTICAS Nº. DE
PÁGINAS
VII
A COOPERAÇÃO
Cooperação entre pais e filhos
Cooperação entre professores e alunos
Cooperação entre escola e lar
O entendimento harmônico entre pais e professores
Deve-se processar normalmente dentro da vida da escola
Círculos de pais e professores
Acordo em torno dos princípios básicos de educação
Cooperação entre alunos
A colaboração como técnica educativa
Cooperação entre professores
A cooperação dos governos
32
VIII - EDUCAR
PARA A VIDA E
PELA VIDA
Que é educar?
O treino e a memória
A vida total
08
IX - O PAPEL DO
MESTRE NA
ESCOLA NOVA
*Não apresenta seções. O texto é corrido. 05
X
DETALHES DA
TÉNICA DA
ESCOLA NOVA
Excursões
Em que consiste uma excursão escolar?
Onde realizar as excursões?
De que modo efetuar as excursões?
Centros de interesse
Método de projetos
Alguns “planos” americanos e europeus
Platoon plan
Plano Winnetka e Plano Dalton
Plano Howard e Plano Lietz
Planos Wickersdorf e Odenwald
Plano Manheim
Dramatizações
Museus Escolares
Museu de classe e de escola
Taboleiro de areia
Concluindo
Autores mencionados
42
Fonte: Elaborada pela autora, 2014.
No capítulo I, em 20 (vinte) páginas, o autor comenta a incoerência da expressão Escola
Nova e as suas diferenças em relação à Escola Tradicional chamando a atenção para as
transformações necessárias nas escolas diante das mudanças ocorridas no meio social. Além
disso, trata dos lugares da família, da Igreja e do Estado na formação da criança.
O capítulo II versa, também em 20 (vinte) páginas, sobre os princípios cardeais da
Escola Nova nas esferas pedagógica, psicológica, filosófica e política. Em relação à esfera
pedagógica ele situa a iniciativa, a cooperação e o preparo para a vida pela vida, como
instrumentos para a educação nova. Cada um destes aspectos é abordado de forma aprofundada
em capítulos próprios. Ainda nessa parte, o autor cita a variedade de Escolas Novas existentes
e algumas dúvidas que emergem desta temática.
111
Em 27 (vinte e sete) páginas, o capítulo III trata da escola única e apresenta a defesa do
ensino particular em oposição à ideia de monopólio estatal do ensino. O autor conceitua três
aspectos da escola única: coeducação, escola da democracia e escola neutra e laica. Baseado na
Biologia e na Psicologia o autor argumenta contra a coeducação e defende a escola da
democracia, uma escola pública e gratuita que seja acessível para todas as camadas sociais.
Como educador católico, faz a crítica à escola neutra e laica, afirmando que o Estado não é
neutro, uma vez que suas ações são decorrentes de escolhas pautadas em algum tipo de
princípio, filosofia ou ideologia. Da mesma forma a escola também não seria capaz de ser
completamente neutra. Backheuser encerra a sua exposição sobre a escola única, defendendo o
modelo da Einheitsschule alemã, constituído por um ciclo básico seguido por uma ramificação
de estudos, de acordo com o aluno, visando à universidade ou as escolas técnicas.
No capítulo IV, escreve 55 (cinquenta e cinco) páginas sobre a Pedagogia e as suas
ciências correlatas: Psicologia, Biologia, Filosofia e Sociologia. Trata também do lugar das
Ciências, das Artes e das Letras na formação e atuação do educador e aborda as relações entre
Ética, Moral e Religião. Sobre a Educação Moral e Religiosa o autor retoma a reflexão no
capítulo V a respeito da Educação Integral, onde, em 31 (trinta e uma) páginas, elege seis áreas
da educação que devem ser trabalhadas com o educando no seu cotidiano escolar: educação
física, científica, artística, econômica, social e política e, por fim, moral e religiosa.
Ressalta-se que nos capítulos VI, VII e VIII em, respectivamente 36 (trinta e seis), 32
(trinta e duas) e 8 (oito) páginas, o autor desenvolve os aspectos que classificou como “pontos
cardeais da Escola Nova”: Iniciativa, Cooperação e Educação para a Vida. O capítulo VI que
versa sobre a iniciativa, trata dos meios que podem ser empreendidos para motivar a criança e
despertar seu interesse pela escola. No capítulo VII, sobre cooperação, descreve como se pode
melhorar a articulação entre pais, alunos, professores, escola e lar. Backheuser entende que a
educação da criança é uma responsabilidade de três instituições: Igreja, família, escola. No
capítulo VIII, discorre sobre a finalidade da Escola Nova, e também da educação, defendendo
o conceito cunhado por Decroly: “a Escola Nova educa para vida e pela vida” e em sua
exposição ele critica fortemente Anísio Teixeira.
No capítulo IX, Backheuser define, em 5 (cinco) páginas, o papel do mestre na Escola
Nova. Primeiro, o autor defende a Escola Nova das críticas de que ela seria “a escola da
indisciplina” e o lugar onde a importância e autoridade do professor são apagadas em benefício
da valorização da iniciativa e da vontade da criança em aprender. Em 42 (quarenta e duas)
páginas, o capítulo X detalha a parte técnica da Escola Nova citando os centros de interesse, o
112
taboleiro de areia, as excursões e os museus escolares. Nesse último capítulo cita rapidamente
alguns planos de educação europeus e americanos.
Para fundamentar os seus argumentos, Backheuser se apoia em autores renomados tanto
da pedagogia renovada quanto da pedagógica católica, e, fazendo críticas e se apropriando
desses autores vai justificando suas teses. O Quadro 244 mostra os autores mais citados no
manual de 1934:
Quadro 2 - Autores mais citados no manual Técnica da Pedagogia Moderna Nº. AUTORES RECORRÊNCIAS
01 De Hôvre 17
02 Decroly 15
03 Kerschensteiner 13
04 Claparède 12
05 Adler 11
06 John Dewey/Dewey 11
07 Anísio Teixeira 10
08 Freud 10
09 Dupanloup/Monsenhor Dupanloup 7
10 Kilpatrick 7
11 Jean-Jacques/ Jean-Jacques Rousseau/
Rousseau 7
12 Lourenço Filho 7
13 Pio XI/ Encíclica Divini Illius Magistri 7
14 Herbart 6
15 Pestalozzi 6
16 Yung 6
17 Delgado de Carvalho 5
18 Spalding 5
Fonte: Elaborada pela autora, 2016.
O autor mais citado, 17 (dezessete) vezes, é Franz De Hôvre, autor de livros como “Le
catholicisme, ses pédagogues, sa pédagogie”, que versa sobre o pensamento de diversos
educadores católicos europeus que foram referências para os educadores brasileiros. O Padre
Leonel Franca chegou a ser chamado de “De Hôvre brasileiro” (NARCIZO, 2008a).
Outros representantes da Pedagogia Católica foram citados 07 (sete) vezes cada: o bispo
Félix Antoine Philibert Dupanloup, teólogo, jornalista e político francês e a Encíclica Papal ou
seu autor, Pio XI. Spalding foi aludido 05 (cinco) vezes. Na maioria das vezes, Backheuser não
faz referência completa aos autores, mencionando apenas o sobrenome. Este último infere-se
tratar-se de John Lancaster Spalding, pedagogo católico norte-americano, cuja Pedagogia
44 Neste quadro compilei exatamente como Backheuser citou os autores. A tentativa foi de ser fiel a todas as
citações, entretanto, não se descarta a hipótese de uma ou outra recorrência ter escapado aos olhos. Importa
ressaltar que o quadro cumpre o objetivo de demonstrar os autores mais recorrentes na obra. Foram destacadas
as recorrências iguais ou superiores a cinco.
113
centrava-se na educação moral - formação da consciência, do coração, do caráter e da vontade
(ROBALLO, 2007).
Dos representantes do movimento escolanovista em escala mundial, fez-se alusão a:
Johann Heinrich Pestalozzi, pedagogo suíço que tem como um de seus principais legados a
sistematização do método de ensino intuitivo e das lições de coisas e é lembrado
“psicologizado” a educação, citado 06 (seis) vezes; John Dewey, pedagogo norte-americano,
11 (onze) vezes; Jean-Ovide Decroly, médico e educador belga que defendia a ideia de que as
crianças apreendem o mundo com base em uma visão do todo, 15 (quinze) vezes; Georg Michel
Kerschensteiner, pedagogo alemão que criou a escola do trabalho, um dos métodos
desenvolvidos a partir de princípios da Escola Nova (DALLABRIDA, 2015), 13 (treze) vezes;
Édouard Claparède, cientista suíço, que inspirado na Psicologia e na Biologia, defendia a
necessidade de estudar o funcionamento da mente infantil e de estimular na criança um interesse
ativo pelo conhecimento, 12 (doze) vezes. William Heard Kilpatrick, filósofo norte-americano,
discípulo de Dewey, que cunhou o termo Método de projeto, argumentando que a aprendizagem
deve ter lugar num palco fora da escola e envolver esforços para identificar as necessidades
reais da comunidade e Jean-Jacques Rousseau foram citados 07 (sete) vezes.
Autores ligados à grande área da Psicologia também foram mencionados, como Johann
Friedrich Herbart, filósofo alemão do século XIX que inaugurou a análise sistemática da
educação e mostrou a importância da Psicologia na teorização do ensino, 06 (seis) vezes, bem
como Yung. No manual, a grafia é trazida assim “Yung”, entretanto, acredita-se tratar-se de
Carl Gustav Jung, psiquiatra e psicanalista suíço, fundador da escola analítica da Psicologia e
discípulo de Freud. Outro autor freudiano, Alfred Adner, médico e psicólogo austríaco foi
citado 11 (onze) vezes. E Sigmund Freud, 10 (dez) vezes.
Lourenço Filho foi aludido 07 (sete) vezes. Delgado de Carvalho, 05 (cinco) vezes. Esse
último nasceu em Paris, participou dos debates em torno da consolidação da ciência geográfica
no Brasil, e também forneceu elementos para mudar a prática do ensino da disciplina de
Geografia em nível secundário. Em seus livros e artigos, combateu o ensino da Geografia
puramente descritiva ou de mera nomenclatura de acidentes físicos e de topônimos, calcada na
mais pura memorização, empreendendo uma campanha metodológica em favor da Geografia
científica (PIRES, 2006). O seu manual, intitulado Sociologia Educacional, fez parte da Série
III Atualidades Pedagógicas, da Coleção Biblioteca Pedagógica Brasileira, dirigida por
Fernando de Azevedo, considerada o carro-chefe dos pioneiros na querela travada com os
católicos na constituição de um novo modelo educacional para o Brasil (TEIVE, 2015).
114
Tanto para os representantes da psicanálise quanto para Dewey e seu principal seguidor
no Brasil, Anísio Teixeira, citado 10 (dez) vezes, Backheuser teceu críticas, as quais são
aludidas no decorrer deste capítulo.
A partir do esquema teórico charteriano, entende-se que o ato de criação inscreve-se
numa relação de dependência em face de regras, de poderes, de códigos de inteligibilidade e
que as representações sempre estão inseridas num campo de concorrências e de competições
cujos desafios se enunciam em termos de poder e dominação. Na perspectiva charteriana, a
representação das práticas sempre terá razões, códigos, finalidades e destinatários particulares.
Essa teorização fornece condições para compreender que a leitura que Backheuser fez da Escola
Nova e as produções de sentido que realizou a partir dessa leitura foram historicamente
construídas e determinadas por conflitos e interesses que tinha naquele momento. Investindo
seus interesses e o seu capital cultural ele se apropriou dos autores que julgou serem adequados
para fundamentar os seus argumentos na construção da sua representação da Escola Nova.
Portanto, este agente é tomado como um leitor que se apropriou de determinadas teses, de
autores estrategicamente selecionados para compor um novo texto, constituindo-se então, como
autor de uma nova representação instituída a partir dos seus esquemas teóricos e das suas
próprias práticas.
O empreendimento aqui realizado também consiste em um processo de apropriação e
de representação. À moda de Ginzburg (1989), para a montagem do grande quebra-cabeça que
representa o estudo proposto para esta tese, houve a minha interação (como pesquisadora) com
as fontes, cujas lentes focaram os pontos que julgaram necessários para a compreensão de como
Backheuser se apropriou dos preceitos da Escola Nova e os representou a partir da sua
inventividade calcada no arcabouço filosófico católico. Nessa direção essa tese constrói, em
última instância, uma representação ativa do grupo católico frente ao campo educacional
naquele contexto, destacando, sobretudo, a liderança do leigo Everardo Backheuser.
3.2 APROPRIAÇÕES E REPRESENTAÇÕES DA ESCOLA NOVA POR EVERARDO
BACKHEUSER
O manual analisado se insere na arena de disputa educacional vigente na primeira
metade da década de 1930, mas, além dos debates, traz também diálogos entre os católicos e
escolanovistas, a começar pelo prefácio do padre Leonel Franca, que indica elementos de tensão
e discussão sobre a educação. Backheuser fundamenta a sua argumentação a favor de uma
determinada concepção de Escola Nova fazendo referência a vários educadores, tanto
115
escolanovistas quanto católicos. O autor concentra as suas críticas muito mais nas correntes
políticas e filosóficas - de modo especial às socialistas, comunistas e materialistas - do que
propriamente em autores específicos. Acerca da relação de Backheuser com educadores
escolanovistas, ressalta-se a diferença com que trata Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira45,
com o primeiro ele chegou a trabalhar e dedica elogios, ao segundo, tece algumas críticas.
Este impresso difundiu um discurso sobre a pedagogia da Escola Nova refratado pela
lente da tradição católica (DALLABRIDA, 2015), no sentido de que alguns dos enunciados
escolanovistas foram refutados enquanto outros foram ressignificados. Portanto, é relevante
compreender essa operação criativa de depuração como o processo que Carvalho (2003)
chamou de “apropriação tática”. Interpretando os enunciados escolanovistas a partir das suas
práticas inseridas em um “lugar social” (CERTEAU, 2015), Backheuser expressou, neste
manual, a sua própria representação (CHARTIER, 1990) de Escola Nova, o seu projeto
educacional.
Tal projeto tinha como base uma educação integral calcada na filosofia católica. A sua
concepção de educação significa formar também a dimensão espiritual do aluno, integrando
ciência e religião, razão e espiritualidade. É importante considerar que o pensamento católico
de Backheuser inspirou-se na filosofia de São Tomás de Aquino, e, essa referência ao tomismo
está associada à Encíclica Divini Illius Magistri de Pio XI, lente através da qual Backheuser
contemplou, se apropriou e representou a Escola Nova. Para o autor pode-se considerar a
Encíclica como “franco apoio aos princípios básicos de uma bem sucedida Escola Nova”
(BACKHEUSER, 1934, p. 46). Esse documento, cujo ponto crucial é a relação indissociável
entre educação e catolicismo, expressa os conceitos e princípios destinados a orientar a atuação
da Igreja Católica no campo da educação e, dessa forma, pode ser entendido como uma das
estratégias católicas para a disseminação do seu ideário no referido campo.
Backheuser, homem da ciência e da técnica, ao filtrar as teorias educacionais renovadas
por meio da filosofia católica sem deixar de reconhecer a necessidade de estabelecer diálogo
entre tradição e modernidade, tentou circunscrever a pedagogia contemporânea ao catolicismo,
e, defendeu a tese de que muitos dos pressupostos que embasavam as novas teorias educacionais
já estavam presentes na filosofia católica:
A educação integral é a finalidade mesma da Escola Nova como já o fora antes da
pedagogia tomista. Apenas na prática esteve interrompida a realização dessa
finalidade enquanto durou o brilho fugaz do cientismo espenceriano. Dizemo-lo na
45 Seria interessante uma investigação profunda acerca da rede de sociabilidade de Backheuser, identificando, por
exemplo, se após a sua conversão, foi mantida a afinidade com Fernando de Azevedo (militante pela laicidade
do ensino).
116
prática, porque mesmo na teoria, ao escreverem sobre os escopos da educação, jamais
deixaram os partidários da psicologia científica de considerar o integralismo da
educação (BACKHEUSER, 1934, p. 42) (grifo do autor).
Errerias (2000, p. 38) refere-se ao manual de 1934 como uma sistematização que se
propôs “a separar o joio do trigo para que a Escola Nova continue a ser católica e para que a
escola católica possa ser nova”. Assim, o autor do manual circunscreveu alguns conceitos da
Escola Nova ao catolicismo e demonstrou que era legítimo ao professorado católico ser
escolanovista, porque “a parte boa” do escolanovismo emanava do catolicismo. Estabelecido
esse diálogo, a Igreja teria competência científica para continuar legislando sobre os fins da
educação.
Este capítulo examinará o conteúdo do manual, com os objetivos de demonstrar como
ele reuniu e sintetizou os saberes pedagógicos e compreender como o seu autor se apropriou
dos escritos sobre Escola Nova e representou este ideário. Quando possível, será realizado o
entrecruzamento entre as seguintes fontes documentais: o manual escrito em 1934, o Manifesto
de 1932, o livro de Lourenço Filho publicado em 1930 (aqui é utilizada a 14ª edição de 2002)
e a Encíclica publicada em 1929.
3.2.1 Incoerência da expressão “Escola Nova”
Backheuser abre o capítulo I do manual fazendo uma reflexão acerca da incoerência da
expressão “Escola Nova”. Para o autor essa expressão é ambígua e vaga e, portanto, pode ser
alvo de inúmeras interpretações, diferentes, antagônicas e até confusas. Nesse momento ele cita
Lourenço Filho e Jônatas Serrano como educadores que compartilham dessa preocupação. No
seu livro, Lourenço Filho (2002, p. 58), demonstra mesmo essa preocupação, afirmando que a
Escola Nova “não se refere a um só tipo de escola, ou sistema didático determinado, mas a todo
um conjunto de princípios tendentes a rever as formas tradicionais de ensino”. Para Backheuser
esse vocábulo equivale à “escola renovada” ou à “escola renovadora”, e o considera
inconveniente quando:
Destinado a um corpo de doutrina que se deseja instalar por muito tempo nos campos
educacionais, mas que, mesmo duradouro, não será eterno. Outro virá. E como se
designará então, no futuro, na história, essa Reforma que agora agita tão visceralmente
os estudiosos da pedagogia? Quererão para ela a triste sorte de certas “escolas
literárias” também pomposamente cognominadas de novas e diluídas no olvido do
tempo, sem terem sequer um nome de batismo? Com toda a repugnância que nos causa
o emprego de expressão dessa natureza, conservá-la-emos, todavia, porque está
117
consagrada pelo uso. Não só pelo uso. Pelo abuso que dela se faz, com ou sem
oportunidade (BACKHEUSER, 1934, p. 18) (grifo do autor).
Ao pensar para além do adjetivo “nova” Backheuser analisa o substantivo “escola” para
o qual, em sua opinião, eram designadas coisas muito diversas. Afirma que escola não se refere
apenas à arquitetura, mas, ao conjunto de alunos que a compõem; é ainda uma doutrina, um
sistema. Nesse sentido, pondera que se deveria ter cuidado ao tomar a escola apenas no sentido
material acreditando que para executar a pedagogia nova deve-se ter uma arquitetura especial
e adequada aos objetivos traçados. Entre os próprios precursores do movimento escolanovista
Backheuser cita algumas confusões:
Assim para alguns dos seus partidários será Escola Nova tudo quanto tenha ares de
“novidade” recém-introduzida ou querendo se introduzir na psicologia, na pedagogia,
na metodologia, na didática: os testes, o trabalho manual, o taboleiro de areia, a
educação sexual; enquanto que para outros “praticar a Escola Nova” nada mais é do
que “desenvolver” (?) um “centro de interesse” (BACKHEUSER, 1934, p. 19) (grifo
do autor).
E o autor continua citando as mais variadas inconveniências decorrentes do uso e abuso
da expressão “Escola Nova”: como sinônimo de liberdade absoluta para a criança; arrumação
das carteiras em círculo; ênfase na arquitetura com várias salas especiais; como sinônimo de
escola ativa ou ainda, de escola única. Diante do que chama de “confusão”, ele afirma que, se
tivesse que adotar um novo termo para o movimento, escolheria a expressão “escola integral”.
E justifica a sua escolha afirmando que o escopo principal da “Escola Nova” é ofertar ao aluno
uma educação totalitária e não apenas a instrução científica característica da “pedagogia
antiga”. Sempre na tentativa de didatizar o tema em voga, o autor faz um cotejo entre a Escola
Nova e a Escola Tradicional.
3.2.2 Escola Nova X Escola Tradicional
De acordo com Backheuser o antagonismo entre a pedagogia nova e a pedagogia antiga
não se traduz somente aos adjetivos (nova/tradicional) que qualificam o substantivo (escola).
Para o autor essa diferença é indicada pela transformação de um “estabelecimento de ensino”
em um “instituto de educação”. Para pontuar as diferenças entre ambas as pedagogias, faz uso
de um quadro apresentado por Francisco Vianna numa Conferência, realizada na ABE em 1929,
intitulada “As modernas diretrizes do ensino primário”.
118
O quadro foi reproduzido pelo autor e pode ser visualizado abaixo nas Figuras 14 a 19.
Percebe-se que, acompanhando o uso da época, o autor do quadro utiliza a expressão “escola
ativa”.
119
Figura 15 - Cotejo: Escola Atual X Escola Ativa (Continua)
Fonte: Backheuser, 1934.
120
Figura 16 - Cotejo: Escola Atual X Escola Ativa (Continuação)
Fonte: Backheuser, 1934.
121
Figura 17 - Cotejo: Escola Atual X Escola Ativa (Continuação)
Fonte: Backheuser, 1934.
122
Figura 18 - Cotejo: Escola Atual X Escola Ativa (Continuação)
Fonte: Backheuser, 1934.
123
Figura 19 - Cotejo: Escola Atual X Escola Ativa (Continuação)
Fonte: Backheuser, 1934.
124
Figura 20 - Cotejo: Escola Atual X Escola Ativa (Conclusão)
Fonte: Backheuser, 1934.
125
Segundo o autor do manual, Vianna traz vários dos pontos divergentes entre escola
tradicional e ativa (ou nova). Dentre as diferenças apresentadas no quadro acima, destaca a
seguinte: a Escola Nova é essencialmente educativa e a escola tradicional é predominantemente
instrutiva. No entanto, ele afirma que se deve relativizar afirmando que a escola antiga não era
apenas instrutiva e que a Escola Nova não deve descuidar da instrução. Para ele, não deve haver
antagonismo entre educar e instruir.
Ainda refletindo sobre as diferenças entre pedagogia nova e tradicional, o autor realça
as questões: escola e lar; indivíduo e sociedade. Na pedagogia antiga, cada instituição tinha a
sua própria função: a escola ensinava e a família educava. Com os avanços da modernidade,
inserção da mulher no mercado de trabalho e daí novos arranjos familiares, a escola assume
outro papel na vida social moderna. Então, para ele, a família e a Igreja devem continuar com
os mesmos deveres educativos. No entanto, “a escola acresceu aos seus encargos
tradicionalmente de fisionomia instrutiva, uns tantos outros mais caracteristicamente
educacionais” (BACKHEUSER, 1934, p. 34). Nesse momento é possível perceber que o autor
defende a cooperação entre escola e lar (detalhes mais adiante). A escola além de ofertar a
instrução, vai educar e formar cidadãos preocupados não exclusivamente com os seus
interesses, mas, comprometidos com a sociedade.
Embora não seja citado por Backheuser, percebe-se que no Manifesto também aparece
uma comparação geral entre a pedagogia nova e a pedagogia tradicional:
A nova doutrina, que não considera a função educacional como uma função de
superposição ou de acréscimo, segundo a qual o educando é “modelado
exteriormente” (escola tradicional), mas uma função complexa de ações e reações em
que o espírito cresce de “dentro para fora”, substitui o mecanismo pela vida (atividade
funcional) e transfere para a criança e para o respeito de sua personalidade o eixo da
escola e o centro de gravidade do problema da educação (AZEVEDO, 2010, p. 49).
Além disso, o documento se refere à nova concepção de escola como uma reação contra
as tendências tão somente passivas, verbalistas e intelectualistas da dita escola tradicional. Na
base de todos os trabalhos na Escola Nova está a atividade, pois se está propondo uma educação
funcional ou ativa.
Lourenço Filho (2002) também não é aludido pelo autor do manual, mas em sua obra se
manifesta em relação às diferenças entre a Escola Nova (ativa) e a escola tradicional. Para ele,
enquanto esta se caracteriza por uma atitude de receptividade ou absoluta passividade por parte
dos alunos diante do professor que detém o conhecimento, aquela, ao contrário:
126
Concebe a aprendizagem como um processo individual, segundo condições
personalíssimas de cada discípulo. Os alunos são levados a aprender observando,
pesquisando, perguntando, trabalhando, construindo, pensando e resolvendo situações
problemáticas que lhes sejam apresentadas, quer em relação a um ambiente de coisas,
de objetos e ações práticas, quer em situações de sentido social e moral, reais ou
simbólicas. [...] Desse modo, o ensino ativo transfere o mestre do centro de cena para
nele colocar o educando, visto que é este que importa em sua formação e ajustamento,
ou na expansão e desenvolvimento de sua personalidade (LOURENÇO FILHO, 2002,
p. 233).
Continuando o cotejo entre a Escola Nova e a tradicional, Backheuser se dedica a refletir
sobre os princípios cardeais da nova pedagogia.
3.2.3 Princípios cardeais da Escola Nova
Ainda com o escopo de confrontar os dois modelos pedagógicos, Backheuser traz o que
considera como as características essenciais ou princípios cardeais da Escola Nova,
apresentados como “aspectos”: pedagógico, filosófico, psicológico e político.
Para ele, a Escola Nova seria a executora de uma Educação Integral que teria como
instrumentos a iniciativa, a cooperação e o preparo para a vida pela vida, conforme a ilustração
abaixo (Figura 21). A ilustração, unida à afirmação a seguir, expressa a sua representação de
Escola Nova: “Num ponto ao menos há perfeito e completo acordo entre todos os adeptos da
Escola Nova: cumpre que a escola dê educação integral” (BACKHEUSER, 1934, p. 38, grifos
do autor). A partir da sua clave, acrescenta à educação integral, a preocupação com a educação
religiosa.
127
Figura 21 - A Escola Nova “em triângulo”
Fonte: Backheuser, 1934.
128
Levando em consideração o aspecto pedagógico, para ele qualquer educação então que
não seja integral ou que mesmo sendo não utilize esses três instrumentos não poderá ser
classificada como Escola Nova. E não basta cumprir apenas um deles, nem dois. Estes três
caminhos são os princípios cardeais da Escola Nova. Por isso esquematiza a sua representação
em um triângulo, “de cujos lados partem as forças das quais nasce a educação integral, escopo
central dos novos métodos pedagógicos” (BACKHEUSER, 1934, p. 40).
Acerca do aspecto filosófico, afirma que a Pedagogia deve caminhar em função da
Filosofia. Porque “esta, é um instrumento; aquela, o artífice que maneja a ferramenta. Má ou
boa será a execução, conforme a filosofia que adotar o pedagogo” (BACKHEUSER, 1934, p.
44). Descarta os vieses teórico-filosóficos socialistas e comunistas - entre os teóricos cita
Dewey - e individualistas - destaca Rousseau e Spencer, defendendo que somente a filosofia
católica proporciona o equilíbrio necessário. Na sua opinião, a perspectiva socialista e
comunista enfatiza de forma demasiada a cooperação e o desenvolvimento do instinto social do
aluno diminuindo e até aniquilando a sua personalidade. Enquanto que os individualistas
hipertrofiam a personalidade infantil e os seus sentimentos, esquecendo-se de cultivar a
solidariedade social:
Entre o exagero individualista e o exagero socialista - o ponderado meio termo
católico. O princípio cristão de “ama ao próximo como a ti mesmo” é de um
clarividente bom senso, só não apreciado por aqueles que não meditam a profundidade
do conceito. “Ama ao teu próximo”, sê solidário com ele, coopera com ele, mas não
esqueças “a ti próprio”, porque o teu aperfeiçoamento moral deve ser o primeiro
cuidado da tua vida (BACKHEUSER, 1934, p. 45).
Desse modo, postula que o pedagogo deve dosar a Escola Nova de forma equilibrada,
calcando-a na filosofia católica. A pedagogia nova deve pregar a vida em cooperação ativa, não
ser só ativo e nem só ajudar aos outros, a cooperação deve ser ativa e a atividade deve ser
realizada em cooperação.
Para pensar a influência da Psicologia na Pedagogia o autor se refere ao que chamou de
tipos psicológicos: auditivos, visuais e motores. Na sua concepção o exame destes tipos na
Escola Nova, e na antiga, serve para pinçar mais algumas diferenças entre esses dois modelos
pedagógicos. O excerto a seguir apresenta indícios da atenção que ele dispensa à Psicologia
quando pensa a Pedagogia: “O progresso da pedagogia é função do progresso da psicologia,
tanto é verdade que a psicologia é uma das pedras fundamentais da pedagogia”
(BACKHEUSER, 1934, p. 46).
129
Para Backheuser, na escola antiga, o ensino era quase que completamente oral, pois os
pedagogos acreditavam sobremaneira nos meios auditivos. Os mestres ensinavam falando, os
alunos aprendiam ouvindo e demonstravam a aprendizagem também falando. Assim, a
memória auditiva predominava no processo pedagógico, inclusive o meio de verificação de
aprendizagem mais usado eram as sabatinas, nesse contexto “aprender de cor” era a
consequência esperada.
Com os estudos de Herbart os processos de observação foram popularizados e o tipo
visual ganhou evidência. No entanto, para o autor do manual não se pode centralizar apenas nos
tipos auditivo e visual, é preciso investir nos tipos motores porque utilizam o movimento e o
tato para a percepção dos conhecimentos. No seu entendimento, Kerschensteiner e outros
estudiosos valorizaram o trabalho, a atividade que preencheu a lacuna deixada pela ênfase nos
tipos psicológicos auditivos e visuais. O escolanovismo católico do manual propõe o equilíbrio
entre os diversos sentidos, sem enfatizar demasiadamente um ou outro:
O ensino feito racionalmente sobre base psicológica terá, pois, de considerar: 1) que
todo indivíduo embora adquira noções pelo três caminhos sensoriais mais importantes
- tato, vista e ouvido -, tem um deles acentuado; 2) que todas as classes escolares são
compostas de indivíduos pertencentes a vários desses tipos psicológicos; 3) que as
criaturas são, a princípio, predominantemente motoras (primeiro período primário),
depois visuais, e afinal auditivas, embora haja casos em que a qualidade essencial
conserva-se sempre como a dominante em todas as idades; 4) que o ensino não pode
ser feito exclusivamente de modo motor, ou visual, ou auditivo mas
concomitantemente atendendo às três pressões psicológicas (BACKHEUSER, 1934,
p. 48).
Por fim, em relação ao aspecto político, ele adverte que a Escola Nova foi entendida sob
os mais diversos prismas. Para alguns adeptos do escolanovismo, a educação nova é
essencialmente nacionalista, uma vez que deve formar o cidadão, com amor à Pátria e
consciência dos seus deveres cívicos. Para outros, sobretudo os russos, a escola é internacional.
Há ainda os estudiosos para quem a Escola Nova é a escola do trabalho. Dentre esses, alguns
supervalorizam o trabalho, vendo neste o caminho político de ascendência das classes
trabalhadoras; outros vêem no trabalho o caráter econômico e político, mas não consideram o
mais alto propósito da Escola Nova, que teria como finalidade principal o ensino da moral,
como pensam os escolanovistas católicos.
130
3.2.4 A escola única
Para Backheuser, a escola única vinha recebendo várias acepções e, em torno dessa
expressão, fomentavam-se os debates e também algumas confusões. Alguns compreendiam a
escola única como escola oficial obrigatória. De acordo com essa linha de pensamento, o
Estado manteria o monopólio do ensino, investindo contra o ensino particular. Nessa escola,
não deveria haver distinção de religião, sexo, posição política ou de classes sociais.
Outros a entendiam como escola antirregional. E há os que considerassem a escola
única como escola unitária, que buscaria a unificação entre os diversos graus de ensino. Para o
autor, o ensino primário brasileiro não atendia a nenhum desses três aspectos. Em relação à
escola única como monopólio do Estado, diz:
Que o Estado deve dar ensino primário gratuito e obrigatório é doutrina pacífica em
filosofia pedagógica. Isto não quer dizer, porém, que se deva conceder ao Estado o
monopólio desse ensino. São coisas que não se podem confundir, pois o dever que o
Estado pede ao cidadão é o de se instruir (ensino obrigatório) e o direito que lhe deve
conceder, é o de adquiri-lo onde melhor lhe pareça, isto é, permitir o ensino particular
ao lado de ensino oficial (BACKHEUSER, 1934, p. 60) (grifo do autor).
No entanto, afirma que nem todos compartilhavam dessa posição. Para alguns somente
o poder público poderia ministrar o ensino argumentando que se não houvesse uma escola
única, oficial e obrigatória, as diferenças de classes seriam agravadas porque os desfavorecidos
iriam para a escola pública e gratuita enquanto os favorecidos frequentariam escolas
particulares. Neste grupo - que confere ao Estado oniciência e infalibilidade - Backheuser situou
comunistas e socialistas. Para outros ainda, não deveria haver monopólio total do Estado,
permitindo o funcionamento de escolas particulares ao lado das escolas públicas, desde que
obedecessem aos programas e métodos de ensino dentro do padrão oficial fixado pelo Estado.
Backheuser é um defensor ferrenho do ensino particular. Para argumentar a favor dessa
opção, cita o movimento escolanovista, de iniciativa privada. O autor lembra que Pestallozzi, a
quem chama de “precursor da Escola Nova”, atuou em estabelecimentos particulares. Cita
também as escolas inglesas, estadunidenses, alemãs e francesas, entre outras, que aderiram ao
modelo escolanovista, todas particulares. E conclui que, tendo sido feita pela iniciativa privada,
a Escola Nova deve defender a sua fonte de origem: “Os monopolistas do Estado não têm direito
de agora, na hora da vitória, virem a campo para, locupletando-se com o butin recolhido pela
iniciativa privada, manietá-la, entorpecê-la, absorvê-la, proibi-la” (BACKHEUSER, 1934, p.
63).
131
Defende o ensino particular como uma necessidade, para ele “o colégio particular é
instrumento de salvação pública” (BACKHEUSER, 1934, p. 66). Essa afirmação se deve ao
fato de que as verbas disponibilizadas para a educação pública nem sempre são suficientes.
Nesse sentido, a escola particular seria necessária para dar conta do público discente. Cita um
fragmento46 do Manifesto e o qualifica como o melhor depoimento contra o monopólio do
Estado no Brasil:
Afastada a idéia do monopólio da educação pelo Estado num país, em que o Estado,
pela sua situação financeira não está ainda em condições de assumir a sua
responsabilidade exclusiva, e em que, portanto, se torna necessário estimular, sob sua
vigilância as instituições privadas idôneas, a “escola única” se entenderá, entre nós,
não como “uma conscrição precoce”, arrolando, da escola infantil à universidade,
todos os brasileiros, e submetendo-os durante o maior tempo possível a uma formação
idêntica, para ramificações posteriores em vista de destinos diversos, mas antes como
a escola oficial, única, em que todas as crianças, de 7 a 15, todas ao menos que, nessa
idade, sejam confiadas pelos pais à escola pública, tenham uma educação comum,
igual para todos (AZEVEDO, 2010, p. 44).
Na sua perspectiva, o Estado deve se limitar a fixar os objetivos do ensino nos
respectivos graus e, quando muito, definir, em linhas gerais, a grade das disciplinas e os limites
sobre os quais será dada a instrução física, intelectual e espiritual. Sobre a questão do monopólio
estatal do ensino, Backheuser (1934, p. 68) conclui que “politicamente para todas as nações,
política e financeiramente para o Brasil, está, assim, condenada a escola oficial obrigatória”.
Em relação ao papel Estado em face da Educação e à escola única, o Manifesto
proclama:
Assentado o princípio do direito biológico de cada indivíduo à sua educação integral,
cabe evidentemente ao Estado a organização dos meios de o tornar efetivo, por um
plano geral de educação, de estrutura orgânica, que torne a escola acessível, em todos
os seus graus, aos cidadãos a quem a estrutura social do país mantém em condições
de inferioridade econômica para obter o máximo de desenvolvimento de acordo com
as suas aptidões vitais. Chega-se, por esta forma, ao princípio da escola para todos,
“escola comum ou única”, que, tomado a rigor, só não ficará na contingência de sofrer
quaisquer restrições, em países em que as reformas pedagógicas estão intimamente
ligadas com a reconstrução fundamental das relações sociais (AZEVEDO, 2010, p.
44).
Ainda que não seja diretamente aludida por Backheuser, é importante trazer como se
pronuncia a Encíclica (1929, p. 22):
E não pode admitir-se para os católicos a escola mista (pior se única e obrigatória para
todos), na qual, dando-se-lhes em separado a instrução religiosa, eles recebem o resto
do ensino em comum com os alunos não católicos de professores acatólicos. Pois que
uma escola não se torna conforme aos direitos da Igreja e da família cristã e digna da
freqüência dos alunos católicos, pelo simples fato de que nela se ministra a instrução
religiosa, e muitas vezes com bastante parcimônia.
46 Aqui trazido na íntegra porque expressa também o entendimento dos pioneiros acerca da “escola única”.
132
O autor do manual chama a atenção para o que denominou “aspectos da escola única”,
problemas que precisam ser debatidos. E acrescenta que o adjetivo (única) que qualifica o
substantivo (escola) se justifica pelo fato de que propõe os seguintes aspectos: a coeducação, o
caráter democrático, a neutralidade e a laicidade.
Coeducação
Enquanto o Manifesto afirma que:
A escola unificada não permite ainda, entre alunos de um e outro sexo outras
separações que não sejam as que aconselham as suas aptidões psicológicas e
profissionais, estabelecendo em todas as instituições “a educação em comum” ou
coeducação, que, pondo-os no mesmo pé de igualdade e envolvendo todo o processo
educacional, torna mais econômica a organização da obra escolar e mais fácil a sua
graduação (AZEVEDO, 2010, p. 45).
Na perspectiva de Backheuser, a coeducação é um princípio contrário à própria ciência,
haja vista que a Psicologia moderna adverte sobre o desigual desenvolvimento físico e
intelectual dos dois sexos. Para o autor, se as finalidades da vida são diferentes para cada um
dos sexos, também a forma de educar o deve ser. Ele acredita que aos 08 anos, há uma quase
coincidência no crescimento das crianças de ambos os sexos, então não há inconvenientes na
coeducação; entretanto, dos 09 aos 15 anos, as meninas desenvolvem-se mais; depois dos 15
são os meninos que se desenvolvem mais. Por essa razão a educação deve ser diferenciada.
Ademais, na sua compreensão, o que acontece com meninos e meninas anatômica e
fisiologicamente, se reproduz psicologicamente: aos 12 anos, uma menina é superior
mentalmente ao menino. Aos 18 anos, há a supremacia intelectual masculina.
Desta lei psicológica decorre a impossibilidade de haver jamais uma classe,
mentalmente uniforme, nos estabelecimentos de educação mixta onde haja meninos e
meninas entre 9 e 15. Esta idade corresponde mais ou menos à dos alunos dos nossos
ginásios. Em todos os colégios secundários e nas escolas normais, notar-se-á sempre
que as meninas têm, em média, melhor aproveitamento que os rapazes, alcançando
melhores notas, principalmente nos 3 ou 4 primeiros anos, isto é, quando tiverem entre
11 e 14 anos de idade. A partir daí, ou seja, nos últimos anos de cursos ginasiais e
normais, ou nos cursos superiores, invertem-se os termos da proporção; a indiscutível
superioridade será dos rapazes (BACKHEUSER, 1934, p. 71).
Para ilustrar a sua afirmação apresenta o quadro de observações do pedagogo prussiano
Matthias representado pela Figura 22 abaixo:
133
Figura 22 - Curvas do desenvolvimento de meninas e menino
134
Fonte: Backheuser, 1934.
135
E explica que não quer com isso concluir que haja uma superioridade intrínseca do
homem sobre a mulher ou vice-versa. Acredita que haja uma falta de sintonia entre os sexos em
determinados períodos da vida, justamente porque são seres psicologicamente diferentes. Para
o autor a coeducação acaba por tirar de homens e de mulheres as qualidades que lhes são
próprias:
Para criar um ser mixto, sem nenhuma das boas características de cada um, fazendo
homens efeminados, e mulheres másculas: aleijões intelectuais, morais e psicológicos.
[...] os homens devem ser educados para serem homens, e as mulheres para serem
mulheres. [...] A coeducação não pode ser, pois, uma exigência da Escola Nova, como
dizem alguns partidários exaltados da escola única, confundindo coisas que nada tem
a ver entre si (BACKHEUSER, 1934, p. 73) (grifo do autor).
Embora não cite o documento que norteia o seu pensamento, é importante atentar para
a forma com que Encíclica (1929, p. 19) traz a questão da coeducação:
de modo semelhante [antes tratava da educação sexual], errôneo e pernicioso à
educação cristã é o chamado método da «co-educação», baseado também para muitos
no naturalismo negador do pecado original, e ainda para todos os defensores deste
método, sobre uma deplorável confusão de ideias que confunde a legítima
convivência humana com a promiscuidade e igualdade niveladora. O Criador ordenou
e dispôs a convivência perfeita dos dois sexos somente na unidade do matrimônio e
gradualmente distinta na família e na sociedade. Além disso não há na própria
natureza, que os faz diversos no organismo, nas inclinações e nas aptidões, nenhum
argumento donde se deduza que possa ou deva haver promiscuidade, e muito menos
igualdade na formação dos dois sexos. Estes, segundo os admiráveis desígnios do
Criador, são destinados a completar-se mutuamente na família e na sociedade,
precisamente pela sua diversidade, a qual, portanto, deve ser mantida e favorecida na
formação educativa, com a necessária distinção e correspondente separação,
proporcionada às diversas idades e circunstâncias. Apliquem-se estes princípios no
tempo e lugar oportunos, segundo as normas da prudência cristã, em todas as escolas,
nomeadamente no período mais delicado e decisivo da formação, qual é o da
adolescência; e nos exercícios ginásticos e desportivos, com particular preferência à
modéstia cristã na juventude feminina, à qual fica muito mal toda a exibição e
publicidade.
Escola democrática
Enquanto o Manifesto defende a gratuidade para todos:
A gratuidade extensiva a todas as instituições oficiais de educação é um princípio
igualitário que torna a educação, em qualquer de seus graus, acessível não a uma
minoria, por um privilégio econômico, mas a todos os cidadãos que tenham vontade
e estejam em condições de recebê-la. Aliás o Estado não pode tornar o ensino
obrigatório, sem torná-lo gratuito (AZEVEDO, 2010, p. 45).
Para Backheuser este não é um princípio cardeal intrínseco à Escola Nova, porque o
mesmo muda de acordo com o país onde se encontra o estabelecimento de ensino. O princípio
136
da escola democrática é receber e atender crianças de todas as classes sociais, origens e credos,
entretanto, está diretamente ligado à política adotada pelo país. Então, se a política for
democrática, tanto o Estado como os cidadãos têm deveres recíprocos: a gratuidade do ensino
é dever do Estado e a obrigatoriedade da aprendizagem é dever do cidadão. Backheuser
considera ainda que a escola pública deve ser aberta, boa e adequada para todos que a
procurarem. Este deveria ser o seu ideal. Se todos pagam os impostos, a escola é direito de
todos. Mas se a escola pública ao invés de oficial fosse aberta e direcionada apenas aos pobres,
cairia no caráter antidemocrático.
Neutralidade e laicidade
Backheuser não acredita na possibilidade de uma escola neutra. Em nenhuma das suas
faces, seja política, filosófica, religiosa e nem mesmo na científica. Sempre existirá, sob a sua
ótica, a impossibilidade da neutralidade real, tanto na escola tradicional, como na Escola Nova.
Importa concentrar a interpretação do autor acerca da neutralidade da escola na face religiosa:
É impossível dar ensino sem uma certa orientação religiosa. Explícita ou implícita há
sempre essa orientação. Qualquer noção ministrada nas escolas, seja científica,
artística, econômica ou moral, pode ser feita supondo a existência de Deus ou negando
essa existência. Todos os conhecimentos humanos são, em uma palavra, guiados por
uma concepção espiritualista ou por uma concepção materialista do universo. A escola
agnóstica, a escola sem o conhecimento de Deus, é uma utopia, é uma maneira
capciosa de apresentar o problema, porque desconhecer Deus é negá-lo. A escola
agnóstica é uma escola religiosamente partidária (BACKHEUSER, 1934, p. 78).
A sua posição está afinada com o que traz a Encíclica (1929, p. 23):
Para este efeito é indispensável que todo o ensino e toda a organização da escola:
mestres, programas, livros, em todas as disciplinas, sejam regidos pelo espírito cristão,
sob a direção e vigilância maternal da Igreja católica, de modo que a Religião seja
verdadeiramente fundamento e coroa de toda a instrução, em todos os graus, não só
elementar, mas também média e superior.[...] Nem se diga ser impossível ao Estado,
numa nação dividida em várias crenças, prover à instrução pública por outro modo
que não seja a escola neutra ou a escola mista, devendo o Estado mais razoavelmente,
e podendo também mais facilmente, prover, deixando livre e favorecendo até com
subsídios a iniciativa e obra da Igreja e das famílias.
Backheuser defende o Ensino Religioso nos currículos escolares, ou seja, se posiciona
contra a laicidade da escola, a qual, no seu entendimento, constitui-se uma questão política. E,
foi uma das mais discutidas no período da existência da CCBE. O governo cedeu e facilitou a
entrada do Ensino Religioso na escola pública almejando receber o apoio político-ideológico
137
da Igreja. Esta, por sua vez, elegeu, mediante o trabalho da LEC, muitos membros para a
Assembleia Nacional Constituinte de 1934 e conseguiu ter voz. Ele conclui que “não se pode
dizer que a Escola Nova é a escola neutral e laica, pois que então não existiria Escola Nova, de
vez que é impossível haver escola neutral” (BACKHEUSER, 1934, p. 83).
Em relação à esta questão, o Manifesto defende que, adotando esse princípio o ambiente
escolar se eleva acima de crenças e disputas religiosas e fica alheio a todo e qualquer
dogmatismo sectário, respeitando a integridade da personalidade em formação do educando e
subtraindo-o “da pressão perturbadora da escola quando utilizada como instrumento de
propaganda de seitas e doutrinas” (AZEVEDO, 2010, p. 45). Enquanto a Encíclica (1929)
defende que a escola neutra ou laica, por excluir a religião, se contrapõe aos princípios
fundantes da educação. Então, uma escola desse tipo é impossível porque é irreligiosa.
Para tratar a questão da escola única como escola antirregional, Backheuser é sucinto.
Para o autor, os que defendem a escola única como escola antirregional anseiam por um sistema
de ensino centralizado, sob a responsabilidade do governo federal. O seu “escolanovismo
católico” almeja a existência de sistemas escolares, que funcionem de acordo com as condições
locais, respeitando as particularidades de cada região. Desse modo, para ele, se a Escola Nova
quer ser a “escola da vida pela vida para a vida”, deve atentar para as condições locais, ciente
de que os interesses locais devem condicionar o ambiente escolar. Sendo o nosso país tão vasto,
as diferentes realidades merecem tratamentos diferenciados.
Sobre a descentralização, o Manifesto afirma que:
A organização da educação brasileira unitária sobre a base e os princípios do Estado,
no espírito da verdadeira comunidade popular e no cuidado da unidade nacional, não
implica um centralismo estéril e odioso, ao qual se opõem as condições geográficas
do país e a necessidade de adaptação crescente da escola aos interesses e às exigências
regionais. Unidade não significa uniformidade. A unidade pressupõe multiplicidade.
Por menos que pareça, à primeira vista, não é, pois, na centralização, mas na aplicação
da doutrina federativa e descentralizadora, que teremos de buscar o meio de levar a
cabo, em toda a República, uma obra metódica e coordenada, de acordo com um plano
comum, de completa eficiência, tanto em intensidade como em extensão. À União, na
capital, e aos estados, nos seus respectivos territórios, é que deve competir a educação
em todos os graus, dentro dos princípios gerais fixados na nova constituição, que deve
conter, com a definição de atribuições e deveres, os fundamentos da educação
nacional. Ao governo central, pelo Ministério da Educação, caberá vigiar sobre a
obediência a esses princípios, fazendo executar as orientações e os rumos gerais da
função educacional, estabelecidos na carta constitucional e em leis ordinárias,
socorrendo onde haja deficiência de meios, facilitando o intercâmbio pedagógico e
cultural dos Estados e intensificando por todas as formas as suas relações espirituais.
A unidade educativa, - essa obra imensa que a União terá de realizar sob pena de
perecer como nacionalidade, se manifestará então como uma força viva, um espírito
comum, um estado de ânimo nacional, nesse regime livre de intercâmbio,
solidariedade e cooperação que, levando os Estados a evitar todo desperdício nas suas
despesas escolares afim de produzir os maiores resultados com as menores despesas,
138
abrirá margem a uma sucessão ininterrupta de esforços fecundos em criações e
iniciativas (AZEVEDO, 2010, p. 47).
Backheuser conclui este capítulo do manual tratando da escola única como escola
unitária. Para ele a escola única, compreendida como escola unitária, é a escola unificada ou a
escola em unidade, isto é, em que o aluno entra quando criança e segue até a universidade, sem
interrupções na sua vida escolar. Sob a sua ótica, no Brasil não existia essa continuidade: o
ginásio não era continuação do primário, que também não foi a continuação do jardim de
infância, e para se chegar ao secundário era preciso passar por um exame de admissão. Para o
ingresso no ensino superior, era preciso, como ainda hoje, passar pelo vestibular, “aqui os
compartimentos primário, secundário, profissional, técnico e superior são estanques. Não se
passa naturalmente de um para o outro” (BACKHEUSER, 1934, p. 84) (grifo do autor).
O princípio defendido pelo escolanovismo católico de Backheuser é o da Einheitsschule,
ou seja, da escola em unidade, unificada, conforme o significado da palavra alemã. Na
Einheitsschule há o jardim de infância seguido pelo 1º degrau de ensino básico, geral,
fundamental de 3, 4 ou 5 anos. A partir daí começam as ramificações de acordo com os cursos
aos que os alunos se destinam. Se o aluno vai para as carreiras liberais é levado aos ginásios,
mas, se preferir o ensino profissional será direcionado aos cursos prevocacionais. O primeiro
encaminha à universidade e o segundo aos cursos técnicos e às faculdades operárias. Em cada
país essa organização varia, mas, as linhas gerais dessa escola única são idênticas. Assim o
autor conclui:
Si se deve ser, como demonstrado, contra a escola única anti-regional,
anticonfessional, co-educativa e obrigatoriamente oficial ou oficializada, nada impede
de aplaudir e recomendar a escola única gratuita, aberta a todas as classes sociais,
abastadas ou pobres, e principalmente de aplaudir e recomendar a escola única com o
feitio unitário da Einheitsschule alemã (grifo do autor) (BACKHEUSER, 1934, p. 86).
3.2.5 Ciências fundamentais da educação
Backheuser diz que, se para educar o indivíduo é preciso conhecê-lo e adaptá-lo a certos
fins, a Pedagogia deve ter relação estreita com algumas áreas do conhecimento, fundamentais
para a educação. De um lado as que dizem respeito à adaptação do Homem às finalidades da
vida: Ciência, Artes e Letras; Filosofia e Sociologia. E de outro lado, as chamadas Ciências do
Homem: Ética; Biologia e Psicologia47.
47 A interpretação elaborada aqui inverte a ordem apresentada no manual, apenas porque percebe a ênfase na
Psicologia (descrita no fim da seção).
139
No bloco das Ciências, Artes e Letras, ele inclui Matemática, Geografia, Ciências
Físicas e Naturais, História, Língua e Literatura, Música e Canto, Economia Doméstica,
Desenho, Trabalhos Manuais, e Modelagem, dentre outros conhecimentos relevantes para a
formação do professor. Um curso consistente de humanidades (que deverá preceder o ensino
normal) que oferte a devida formação cultural, artística e científica possibilita ao mestre atender
adequadamente a toda a estrutura psicológica da criança, sem privilegiar apenas aqueles com
inclinações científicas, econômicas, artísticas ou religiosas. “Os mestres primários precisam ter
certo enciclopedismo, já para com facilidade coordenar os vários elementos do ensino, já para
atender às consultas de toda ordem que os alunos lhes dirijam” (BACKHEUSER, 1934, p. 139).
O preparo cultural sólido do professor é, em grande medida, determinado pelos
princípios da Psicologia Estruturalista, os quais deverão orientar o preparo dos professores,
capacitando-os para a aquisição das disciplinas técnicas. O ensino e a prática da parte técnica
ou didática caberão então, ao Ensino Normal. Em relação à importância da aprendizagem das
Ciências, Artes e Letras para a formação do mestre da Escola Nova, ele se posiciona:
Na Escola Nova - ou principalmente, na Escola Nova, - o mestre precisa ter larga
cultura para atender às solicitações múltiplas com que o assedia a criançada. Mas, ao
mesmo tempo, deve ir para o seu trabalho com a lição delineada em linhas gerais bem
elásticas para se poderem adaptar às exigências do momento. O prévio preparo de uma
aula de Escola Nova demanda muito mais esforço e muito mais atenção do que similar
trabalho na escola antiga (BACKHEUSER, 1934, p. 142).
A Filosofia é considerada por Backheuser como pedra angular da Pedagogia, muito
embora, na sua avaliação, seja esquecida por muitos pedagogos. Só recentemente, segundo ele,
esta ciência tem recebido o devido reconhecimento de estudiosos que sobre ela se debruçam. E
propõe a seguinte questão, seguida de uma reflexão:
Como seria possível esquecer a filosofia? Quem educa, educa para um fim. Ninguém,
senão os insensatos, educa às tontas. Colima-se o fim e parte-se nessa direção. Sem
bússola, o navio se perde. Sem rumo certo, a educação se desorienta. Quem dá o rumo,
quem indica os fins da vida, é a filosofia. Cumpre que o educador os conheça para que
os possa trilhar. Há, portanto, uma filosofia da educação, ou antes, toda educação tem
a sua filosofia (BACKHEUSER, 1934, p. 122).
Ele não se prende, todavia, à reflexão acerca dos fundamentos da Filosofia, investindo
no caráter transcendental da vida e nas razões que, na sua perspectiva, esvaziam os argumentos
que defendem a conquista “do paraíso terreal” por meio, somente, da ciência. Se a definição do
sentido da vida cabe à Filosofia, esse sentido deve ser projetado na eternidade, posto que “o
paraíso é inatingível aqui”. É importante ressaltar que a preocupação do autor é a educação para
140
a vida terrena, mas, em especial, para a vida eterna, para o sobrenatural, por isso ele afirma que
o paraíso é inalcançável na vida terrena. Ele considera a Filosofia agnóstica ou materialista
vazia, deixando oca a educação nela alicerçada. E conclui que “sem a concepção de uma
finalidade de vida a educação não tem sentido” (BACKHEUSER, 1934, p. 126) (grifo do
autor).
Então, cumpre à educação formar o sentido da vida, e à Filosofia, o sentido da educação.
Em síntese, Backheuser se preocupa em enfatizar a importância da Filosofia e, fazendo isso,
acaba por desqualificar qualquer outra que seja diferente da filosofia católica, opondo-se aos
seus principais adversários: socialistas e liberais. Condena os unilateralismos, tanto os
individualistas (exagerados em relação à iniciativa) quanto os socialistas (exagerados em
relação à cooperação), aos quais propõe opor o bom senso, o equilíbrio da Filosofia católica:
O individualismo acha que o homem é bom e a sociedade o perverte; o socialismo
proclama ao revés que só a sociedade é corretivo para o homem, este intrinsecamente
um ser mau. Para o cristianismo ao contrário o bem e o mal têm suas raízes no homem.
A sociedade vale o que valem os indivíduos, sendo impossível reformar aquela sem
começar por estes. A moral social é o reflexo da moral individual; mas esta é, em
contra corrente, influenciada por aquela. Estreita dependência contínua entre
indivíduo e a sociedade, entre a sociedade e o indivíduo. Sempre o lema básico “ama
a teu próximo como a ti mesmo”. “Teu próximo e “tu” formam um só”. E formam um
só porque tudo é feito por amor de Deus, este, sim, pairando acima de tudo, dos
homens e das sociedades. Esta é a filosofia fundamental. Sem ela, o erro individualista
e o erro comunista. Nela a verdade. Esta filosofia é a de Jesus “que é o Caminha, a
verdade e a Vida” (BACKHEUSER, 1934, p. 130).
Outra ciência, que no seu entendimento, também contribui para a adaptação do Homem
às finalidades da própria vida e vem obtendo singular destaque entre os “educadores
americanos” e “seus imitadores” em toda parte do mundo, inclusive em solo brasileiro, é a
Sociologia. Na sua opinião, essa Sociologia, chamada de Sociologia educacional para ser
diferenciada da geral, não tem quase nada a ver com a Sociologia comtista ou spenceriana. E
para ele, se não tem a ver com essa última, a qual considera uma ciência ou ao menos um esboço
de ciência, essa Sociologia nos moldes norte-americanos seria algo banal e rasteiro, e a esse
tipo, ele faz a crítica:
Desce a bem dizer a preceitos da vida social, com três ou quatro termozinhos novos
que os autores ianques e os tradutores indígenas repetem a todo propósito para
escurecer a vida do leitor. Apesar de assim rasteira, também pretende vestir-se com a
toga da ciência. Mas consegue apenas ficar ridícula. Si fora menos pretensiosa e si se
limitasse a divulgar conhecimentos úteis, seria mais respeitada (BACKHEUSER,
1934, p. 131).
141
Apesar das críticas que faz, reconhece a importância da inclusão dessa matéria nos
cursos normais justamente porque, com alguns reparos, servirá para mostrar noções sobre a
finalidade social da educação, atuando na onda reativa contra as tendências pedagógicas
individualistas. Defendendo a tese aristotélica de que “o homem é um animal político”, afirma
que se “assim considerado, deve receber uma educação condizente com seus fins naturais. E
como os fins naturais indicam o homem como um ser social, a educação social é, portanto, da
maior e da mais evidente necessidade” (BACKHEUSER, 1934, p. 134).
Faz, entretanto, ressalvas para o perigo de ao refletir sobre a finalidade social da
educação, correr-se o risco de elevar o homem da sua condição de ser social para a condição
de elemento social. Argumenta que para a pedagogia católica o elemento social é a família,
enquanto que para as ideologias individualistas e comunistas, este elemento é o homem.
Proclama que a pedagogia perfeita está ancorada na estreita ligação e dependência entre escola
e lar enquanto o foco dos individualistas é o próprio indivíduo e para os comunistas, a
sociedade. Crê que: “a pedagogia católica coincide em plena congruência com a pedagogia
nova quanto às finalidades sociais, desde que a pedagogia nova não enverede violentamente
para as concepções individualistas ou para as doutrinas comunistas” (BACKHEUSER, 1934,
p. 135).
Ao refletir a respeito das Ciências do Homem, Backheuser ressalta a importância da
Ética na educação integral, afirmando que alguns escolanovistas - evidentemente, “não-
católicos” - se esquecem desta, que é uma das pedras fundamentais da Pedagogia. Como
exemplo destes escolanovistas “esquecidos” ele cita John Dewey que em uma das suas obras
afirma que “a escola fora de seu dever social, não tem um fim moral” (DEWEY apud
BACKHEUSER, 1934, p. 113).
O autor de Técnica da Pedagogia Moderna acredita que pouco a pouco essa ideologia
vai fazendo com que a educação se esqueça dos seus objetivos de formação moral e se atenha
somente às finalidades econômicas e científicas. Para ele, os que esquecem a ética são,
geralmente, os agnósticos e os materialistas. Ele defende, em seu manual, o ensino da moral:
O mestre é, sem dúvida, um compêndio vivo de Ética. Sua responsabilidade, enorme,
si não tiver conduta impecável sob todos os aspectos individuais e sociais. Mas não
basta o simples exemplo. Ao lado dele, é maior conveniência inculcar às crianças um
contacto mais íntimo com a moral pela repetição de exercícios adequados a fixar-lhes
na inteligência as regras respectivas. Aprendê-las praticamente é muito. Cumpre,
porém, enfeixá-las no ensino formal, com as outras matérias (BACKHEUSER, 1934,
p. 115).
142
Ao defender o ensino da moral, no seu entendimento, um preceito divino, propõe como
melhor auxiliar para este fim o catecismo da doutrina cristã, para ele um “Código de Ética” que
deveria ser conhecido e aplicado. Percebe-se uma ligação estreita entre moral e religião:
Haverá, por certo, quem sugira a impossibilidade de tomar o catecismo cristão como
livro escolar, de vez que a escola tem de ser leiga e neutra. Mas esta alegação será
uma tangente à dificuldade, porque exatamente o que se evidencia de todo o exame
da pedagogia da Ética é a impossibilidade do ensino moral sem uma base religiosa
(BACKHEUSER, 1934, p. 117).
Acerca da Biologia, Backheuser (1934, p. 88) afirma que “sendo em última análise a
ciência do corpo, para ela há de atentar o professor que tiver a ânsia da educação integral” (grifo
do autor). Nessa perspectiva, a educação do corpo passa pelos exercícios físicos (que
proporcionam maior eficiência), os cuidados higiênicos (que garantem maior resistência) e pela
atividade (que oferece maior capacidade de trabalho mental). Entre estes deveres pedagógicos
em relação à parte biológica e ao corpo, o principal dever é o de proporcionar-lhe atividade,
não somente física, mas, e, principalmente, ligada a algum interesse: “Essa atividade fazendo
eclosão a toda hora é a essência mesma da escola ativa oposta assim à pedagogia tradicional
demasiado exigente no silêncio e imobilidade permanente da classe” (BACKHEUSER, 1934,
p. 89).
Para cumprir a função educativa, a atividade deve estar ligada a movimentos ginásticos
que desenvolvam a parte física e também intelectual da criança. Nesse caso o jogo é visto como
uma atividade educativa eficaz. Jogos orientados pelo professor auxiliam no desenvolvimento
da coordenação motora, da atenção, da percepção de fenômenos, da disciplina e da obediência.
De acordo com a sua percepção existe uma estreita ligação entre corpo e espírito, portanto, entre
Biologia e Psicologia:
Ora a atividade biológica está na dependência da situação psicológica, ora, ao
contrário, é esta que se subordina àquela. Uma criança doente não tem atividade. Não
tem atividade porque está doente, mas também, inversamente, si não tiver atividade
pode ficar doente. Cabe ao mestre perscrutar ambas as causas e corrigi-las para evitar
ambos os efeitos (BACKHEUSER, 1934, p. 90).
O excerto a seguir traz pistas que indicam que para Backheuser a Psicologia constituía-
se na ciência basilar da Pedagogia:
A PSICOLOGIA estuda a alma, quer se tome o vocábulo no sentido religioso, quer
se lhe dê a acepção materialista vulgarizada hoje em dia nos tratados dessa ciência.
Ocupa, portanto, lugar de relevo entre as ciências basilares da pedagogia. Sem seguros
143
conhecimentos psicológicos, a pedagogia não caminha - tateia (BACKHEUSER,
1934, p. 92) (grifo do autor).
Ele defende que na escola, deve ser adotado um tipo específico de Psicologia. Para
explicar qual vertente psicológica deve ser adotada, reflete sobre alguns dos paradigmas
científicos que estavam em voga naquele contexto: a Psicologia Elementar de Wundt, o
Behaviorismo de Watson e a Psicanálise de Freud. Não serão detalhadas as críticas48 que
Backheuser faz a estas doutrinas e aos seus usos porque importa destacar que o autor
desqualifica a inclusão dessas teorias na formação do professorado para defender e realçar
aquela que acredita ser a mais adequada para o ambiente escolar: a Psicologia Estruturalista
(Gestalt)49 - por sua completude na abordagem do ser humano - por ele defendida como a única
teoria válida dentre as teorias da psiquê:
A Gestalt-psicologie esclarece que não somos um composto de elementos em
mosaico, nem o produto de uma ação única, mas, ao contrário, um complexo
harmonioso de várias estruturas entrelaçadas e solidamente presas em perpétua
correlação e interdependência (BACKHEUSER, 1934, p. 99).
Para Errerias (2000), a eleição da teoria da Gestalt, dentre as demais teorias psicológicas,
pode ser explicada por esta tratar-se de uma vertente da Psicologia Científica passível de ser
apropriada pelas concepções filosóficas católicas:
Sua escolha da Psicologia - e sua transposição da Gestalt, em particular - como ciência
fundamental da Educação deu-se não por ela propor um novo saber, mas por permitir
o resgate de um saber já antigo, por permitir traduzir a linguagem da fé e ainda assim
continuar sendo ciência. Para Backheuser, a educação que se exige científica pode sê-
lo sem deixar de referir-se à essência humana que transcende o natural (ERRERIAS,
2000, p. 89).
Para Backheuser há, na alma humana, uma urdidura e uma trama, como nos tecidos. A
trama é singular a cada indivíduo e é sobre ela que age a urdidura, ou, as influências externas
que por meio da educação e das experiências, moldam e modificam a trama. Trama e urdidura
cooperam reciprocamente e se misturam. Para o autor, somente um técnico, o bom psicólogo é
capaz de separá-las. Entrelaçadas, formam camadas (ver Figura 22):
48 A crítica ao Behaviorismo, ainda que rapidamente, é citada no subcapítulo 4.2 que cruza os ramos da Psicologia
usados por Backheuser e Lourenço Filho. 49 Os seus mais famosos praticantes foram Kurt Koffka, Wolfgang Köhler e Max Werteimer. Todos citados pelo
autor do manual.
144
Figura 23 - Camadas de Estruturas
Fonte: Backheuser (1934, p. 107).
145
Muitas serão essas camadas, que tendo uma para predominante, podem ser agrupadas,
para fins de exposição, em seis principais. Essas seis camadas ou Gebiete (regiões)
como lhe chamam também de hábito os tratadistas, são as seguintes: 1) teórica ou
científica; 2) artística ou fantasista; 3) econômica ou prática; 4) social; 5) política;
6) religiosa ou mística (BACKHEUSER, 1934, p. 101) (grifo do autor).
De acordo com Errerias (2000) essa compreensão do indivíduo como uma superposição
de camadas, um conjunto harmonioso de estruturas entrelaçadas, correlacionadas e
interdependentes, permite a Backheuser aproximar sua visão da Gestalt à sua interpretação da
Escolástica. O próprio autor do manual entende que a sua concepção de que o meio e a educação
podem modificar o indivíduo - conforme a sua atuação de convergência ou divergência à sua
“tendência predominante” - supõe uma significativa aproximação com a concepção vocacional
da antiga Psicologia Escolástica50.
Estas Gebiete (camadas) ocupariam uma posição determinante no comportamento, e
confeririam ao indivíduo um modo de ser e de pensar inato, inerente à sua condição humana.
Isso fica claro quando o autor se refere ao sentimento político e menciona que a sociedade deve
ser comandada pelos mais aptos, considerando então que alguns não têm essa competência
enquanto outros nascem para liderar. Backheuser acredita na influência do meio, mas defende
que esta ocorre sobre o indivíduo que já carrega determinadas inclinações, como herança ou
vocação.
Ao tratar da influência da educação na estrutura psicológica, ele lembra que quando
propõe a educação integral, o faz com base nessa concepção científica de Psicologia,
defendendo que ao educar devem-se respeitar as diferentes Gebiete sem sobrepor uma a outra
até que se manifeste a vocação “a educação tem, portanto, um papel de relevo: carrega ou esbate
[suaviza] as tintas” (BACKHEUSER, 1934, p.108). Então, não se pode dispensar o Ensino
Religioso. E alerta, se a escola tradicional falhou quando se ocupou apenas da esfera científica,
não pode falhar a Escola Nova desprezando a religiosidade.
Não se compreende que os Reformadores brasileiros filiados à orientação nova se
levantem contra o Ensino Religioso. De acordo com os princípios racionais da ciência
da Psicologia na sua feição mais avançada, ou seja, da Psicologia Estruturalista,
deveriam eles ser seus propugnadores e no entanto se munem de suas mais poderosas
armas para sitiarem com fogo de barragem a marcha do ensino da religião. São
ardegos campeões do ensino leigo, contra o qual a Psicologia Moderna lança seus
veredictos definitivos. Por quê? Baseados em quê? Baseados nos velhíssimos
50 É importante lembrar que a inspiração filosófica do pensamento católico de Backheuser é o tomismo. E a
escolástica foi influenciada pelos filósofos da Antiguidade, pela bíblia sagrada e autores do primeiro período
do Cristianismo, entre eles destaca-se Tomás de Aquino. Disponível em: <http://www.posugf.com.br/noticias/
todas/1676-qual-a-contribuicao-de-tomas-de-aquino-para-a-filosofia-escolastica>. Acesso em: 6 set. 2016.
146
conceitos de uma ciência morta, de uma psicologia elementar agonizante
(BACKHEUSER, 1934, p. 112).
3.2.6 Educação Integral
O centro de convergência de toda renovação educacional
está no princípio cardinalíssimo da educação integral.
Este é o escopo de todo trabalho educativo. Formar o
homem, o homem completo, o homem integral, o famoso
“cidadão prestante” de KERSCHENSTEINER, e não
apenas o homem que sabe, o homem instruído
(BACKHEUSER, 1934, p. 143) (grifo do autor).
A Figura 20 mostrou que a representação de Escola Nova para Backheuser foi expressa
no triângulo que esquematiza a educação integral realizada a partir da iniciativa, da cooperação
e da educação da vida e pela vida. Esse ponto é comum entre todos os tratadistas da Escola
Nova, católicos ou não. No entanto, o escolanovismo católico sob os ecos da religiosidade,
defende a educação integral fundamentada na filosofia católica, um indício disso é o combate
ao currículo laico por meio da inclusão oficial do Ensino Religioso, o qual, para ele, é um dos
pontos principais da verdadeira educação integral. E define previamente a finalidade da
educação integral que defende a partir de um excerto do livro do Monsenhor Dupanloup que,
em 1851, escreveu:
Educação e instrução são duas coisas profundamente distintas. A educação
desenvolve as faculdades, a instrução dá o conhecimento. A educação eleva a alma; a
instrução provê o espírito. A educação faz o homem; a instrução faz os sábios. A
educação é o fim; a instrução não é senão os meios. A educação é, pois, singularmente
mais alta, mais profunda e mais extensa que a instrução. A educação abrange o homem
todo; a instrução, não. (DUPANLOUP, 1851 apud BACKHEUSER, 1934, p. 148).
Em síntese, a educação integral, ponto máximo da pedagogia renovada, pode ser
entendida como a formação completa da criança unindo a instrução e a educação. E para definir
o que está chamando de “educar integralmente”, novamente se reporta à Dupanloup:
Formar o homem inteligente, o homem bom, o homem com suas faculdades gerais e
suas faculdades especiais e individuais, tal como a sociedade e a religião exigem: o
homem antes de tudo, inteligência poderosa e pura em corpo vigoroso e são, mens
sana in coporte sano. (DUPANLOUP, 1851 apud BACKHEUSER, 1934, p. 149)
(grifo do autor).
Ainda na tentativa de definir a educação integral, que requer formação intelectual, física
e moral, Backheuser se refere à Kerschensteiner que diz que na escola do trabalho, tudo
147
trabalha, desde a mão, o cérebro até o coração. Backheuser não aprofunda a proposta do
pedagogo alemão, mas Lourenço Filho (2002) traz os princípios da “escola do trabalho”
proposta por Kerschensteiner:
A escola do trabalho é uma mescla que enlaça tanto quanto possível sua atividade
educadora com as disposições individuais de seus alunos, e multiplica e desenvolve
em todas as direções possíveis suas inclinações e interesses, mediante uma atividade
constante nos respectivos campos de trabalho; A escola do trabalho é uma escola que
trata de conformar as forças morais do aluno dirigindo, e examinar constantemente
seus atos de trabalho para ver se estes exprimem com a maior plenitute possível o que
o indivíduo sentiu e pensou, experimentou e desejou, sem enganar-se a si mesmo a os
demais; A escola do trabalho é uma escola de comunidade de trabalho, em que os
alunos se aperfeiçoam, ajudam-se e apoiam-se reciprocamente e socialmente, a si
mesmos e aos fins da escola, para que cada indivíduo possa chegar à plenitude de que
é capaz por sua própria natureza (KERSCHENSTEINER, 1928apudLOURENÇO
FILHO, 2002, p. 236).
Pode-se afirmar então que há convergência entre renovadores e escolanovistas católicos
no que se refere à defesa do ensino ativo, porém, há sérias divergências em relação à questão
moral. Os primeiros a concebem como restrita ao campo das atividades sociais enquanto os
segundos acreditam que esta deve abranger também a educação religiosa, como Backheuser
(1934, p. 150), para quem a “religião é o alicerce de todo o edifício moral”:
Para que haja educação integral cumpre que na criança desabrochem
contrabalançadamente todas as estruturas da alma e também o corpo que é a base
física da alma. Apoiado neste princípio lógico e conhecidas as estruturas da alma,
temos que a educação integral abrange: a) a educação física; b) a educação científica;
c) a educação artística; d) a educação econômica; e) a educação social e política; f) a
educação moral e religiosa (BACKHEUSER, 1934, p. 151).
Compreende-se então, que a concepção de educação integral backheusiana comporta
um forte componente moralista e se consolida por meio de atividades formativas que levam em
consideração a totalidade do ser humano (suas possibilidades físicas, morais, cívicas,
intelectuais, artísticas e espirituais).
Voltando ao manual, ao tratar da Educação Física, o seu autor é categórico:
O catolicismo não condena a educação física. Os católicos, como qualquer pessoa de
bom senso, condenam - isso, sim - o seu excesso, a doentia preocupação de só se fazer
educação física, desprezando todos os demais aspectos educacionais. [...] Contra esses
excessos deve-se rebelar a Escola Nova (BACKHEUSER, 1934, p. 154) (grifo do
autor).
Sobre a Educação Científica, também faz ressalvas quanto aos excessos, mas a defende
porque “instruir é educar cientificamente” (BACKHEUSER, 1934, p. 158). Faz críticas à forma
148
como a Educação Artística vinha sendo trabalhada no ensino primário, afirmando haver nas
escolas “menor educação do gosto”, trabalho de cópia mecânico e pouco espontâneo. Esse tipo
de orientação, em sua opinião, impediria a livre expressão dos sentimentos da criança, porque
“quando a criança garatuja e rabisca, ela põe aí sua alma autônoma” (BACKHEUSER, 1934,
p. 163).
Sobre a Educação Econômica, afirma que no Brasil, vem sendo esquecida pelo currículo
escolar primário, desde a escola antiga. E a Escola Nova vem lhe dar atenção:
Havendo em todo ser humano uma estrutura econômica não deve ser ela deixada sem
conveniente educação, abandonada a seus próprios instintos degenerará, de um lado,
em sordidez e, de outro, em um “desprendimento” incompatível com a vida. A
educação econômica é, portanto, uma exigência da psicologia estruturalista
(BACKHEUSER, 1934, p. 165).
Entretanto, aqui também, o autor recomenda cautela, afirmando que a educação
econômica não deve ter supremacia como querem, segundo ele, alguns tratadistas da Escola
Nova, simpáticos ao socialismo ou ao comunismo. Então, afirma:
Convém que as lições e compêndios sejam orientados de modo a dar ensino de caráter
econômico, sem desprezar, porém, o feliz encaminhamento da educação das outras
estruturas anímicas, tão dignas de apreço quanto a econômica (BACKHEUSER, 1934,
p. 166).
A respeito da Educação Social e Política, tema incluído no item sobre Sociologia, o
autor também pede que não haja exageros, e cita em especial, a questão social. Para ele há, por
parte de alguns escolanovistas, alguns excessos quando, por exemplo, transformam a escola em
um ambiente de associações e clubes. Essas estratégias de socialização - aos quais ele
acrescenta os jornais, os museus e as bibliotecas escolares - são defendidas pelo autor desde
que tenham fins instrutivos ou morais. Ele afirma que “evitados os desvios da linha de
equilíbrio, a educação social é para ser recomendada com insistência, de modo a impregnar de
socialização a atmosfera escolar” (BACKHEUSER, 1934, p. 170).
Quando trata da Educação Moral e Religiosa, em ressonância com a religiosidade
católica, Backheuser volta a defender a inclusão desta nos currículos escolares. Como já
afirmado inúmeras vezes, para ele não há a possibilidade de existir uma educação laica. Embora
tanto católicos quanto renovadores defendessem a educação integral, aqui fica ainda mais nítido
o ponto no qual ambos se distanciavam, e, quem explica é o próprio autor:
149
A diferença que existe entre a orientação dos educadores católicos e os seus
antagonistas está apenas, portanto, em um ponto. Os católicos de acordo com os
próprios princípios cardeais da Escola Nova opinam por uma educação religiosa
completa - ao mesmo nível da educação cultural, da educação física, da educação
econômica. Os seus adversários querem uma Escola Nova manca, incompleta,
incongruente, não dando Ensino Religioso ou dele dando apenas umas tintas - aos
domingos - ou - de vez em quando (BACKHEUSER, 1934, p. 173).
Não poderia concluir este subitem a respeito da educação moral e religiosa sem trazer o
texto com o qual o próprio autor a defende, porque traz indícios da sua pedagogia calcada em
lentes católicas. Segue o excerto:
Entrelaçadas como estão as disciplinas na Escola Nova, todas elas fornecerão
elementos para educação moral e religiosa. A leitura de trechos escolhidos de bons
prosadores e poetas; o exame da evolução histórica da humanidade na qual o
cristianismo tem tão conspícuo papel; as ciências naturais com todos os seus mistérios
e toda a sua formosura; e tantos outros caminhos são vias larguíssimas abertas para
chegar ao Criador Supremo de todas as coisas, que também é o propulsor máximo do
grande maquinismo universal, cuja sabedoria orienta tudo quanto nos rodeia
(BACKHEUSER, 1934, p. 174).
Ao longo das prescrições contidas nesse manual, tanto na versão inicial quanto na
reformulada podem ser encontrados indícios da influência religiosa na educação proposta por
Backheuser. Ainda que mantenha alguns dos preceitos escolanovistas ele o faz a partir de
objetivos definidos os quais visam à formação do cidadão cristão para a vida terrena e para a
vida eterna. Iniciativa, cooperação e educação pela e para a vida são utilizadas
metodologicamente, mas, o fim do seu escolanovismo é, certamente, a transcendentalidade.
3.2.7 Iniciativa
A “iniciativa” é, como dissemos de início, um dos pontos
essenciais da “Escola Nova”. Esse espírito de iniciativa
há de haver tanto no aluno, quanto no mestre. Na escola
tradicional o centro de atração do ensino é o mestre. Na
Escola Nova o centro de atração há de ser a própria
criança. O mestre será como que o aluno mais velho, que
orienta a discussão, que coordena os pensamentos
infantis, que os molda em formas adequadas. Ao aluno
cabe papel proeminente, qual o de solicitar
esclarecimentos e não simplesmente de os receber, qual
o de investigar, o de descobrir, o de desvendar as
verdades (BACKHEUSER, 1934, p. 175) (grifo do
autor).
Backheuser demonstra a influência do pensamento escolanovista que remete à escola
ativa, onde os alunos trabalham ativamente e conquistam os conhecimentos pelo seu próprio
esforço e não pela imposição dos professores. Nesse sentido, pode-se perceber uma apropriação
150
dele em relação ao sistema alemão de educação que, ao tratar de Escola Nova, pensa na escola
onde se trabalha em contraposição à escola onde apenas se aprende:
Nesta [escola tradicional], o modo de agir é um: o professor propõe determinada
questão, e a classe inteira, ou cada aluno de per si, a responder de modo mais ou menos
satisfatório, alcançando, então, uma nota, boa ou má, a ser computada na promoção.
Na escola moderna, ao contrário, o modo de agir há de ser outro: os problemas,
sugeridos pelos próprios alunos, terão de ser jeitosamente encaminhados pelo
professor de modo a fazer surgir certas pequenas dificuldades que as crianças
vencerão pouco a pouco, ou, mesmo, de modo a deixar quando isto não acarrete
demasiada perda de tempo, que a classe, por si mesma, a golpes de esforços e
cabeçadas, resolva as questões que ela própria tenha se criado (BACKHEUSER,
1934, p. 176).
Diferencia, todavia, o que pioneiros e católicos compreendem acerca da iniciativa do
aluno e ao fazê-lo coloca-se abertamente como um “renovador católico”:
A liberdade que a Escola Nova concede à iniciativa do aluno não é, evidentemente, a
de deixá-lo fazer tudo quanto lhe aprouver, mas apenas a de não obrigá-lo a coisas
contra sua inclinação. Essa diferença - só aparentemente sutil - marca todavia a linha
de demarcação entre os escolanovistas de tendências comunistas e os de orientação
conservadora. Aqueles pregam a nenhuma interferência do mestre, estátua impassível
(e afinal inútil) em face da individualidade da criança: estes, ao contrário, dão-lhe - ao
mestre - função nobre e importante embora discreta, porque aparentemente apagada.
Este problema - da interferência do mestre na educação - é o mais delicado em toda a
teoria da Escola Nova. Sobre ele se funda, como já vimos, um dissídio profundo entre
renovadores católicos e comunistas (BACKHEUSER, 1934, p. 252) (grifo do autor).
No Manifesto também há a defesa da iniciativa ou do interesse do educando como
principal diferença entre a escola tradicional e a Escola Nova:
O que distingue da escola tradicional a Escola Nova, não é, de fato, a predominância
dos trabalhos de base manual e corporal, mas a presença, em todas as suas atividades,
do fator psicobiológico do interesse, que é a primeira condição de uma atividade
espontânea e o estímulo constante ao educando (criança, adolescente ou jovem) a
buscar todos os recursos ao seu alcance, “graças à força de atração das necessidades
profundamente sentidas” (AZEVEDO, 2010, p. 49).
Iniciativa do aluno
A importância que “a Escola Nova” confere à iniciativa do aluno obriga, portanto, a
uma prisão mais estreita do mestre com a classe. Ele não “dá” apenas aos alunos o
fruto da sua experiência, dos seus conhecimentos, do seu saber, “colhe-os” junto com
151
os discípulos. E “colhendo-os” juntos, as crianças sentir-se-ão mais solidariamente
ligadas a seu professor. Dar-lhe-ão acatamento, mas senti-lo-ão mais próximo a si
(BACKHEUSER, 1934, p. 224).
Backheuser afirma que a emergência da iniciativa está diretamente relacionada ao
interesse do aluno. E apoiando-se em Claparède, Herbart e em Dewey (que em outros momentos
recebe suas críticas) afirma concordar que para fazer com que a criança trabalhe é preciso,
despertar previamente o seu interesse, o seu desejo em realizar:
Sem que haja interesse da classe para o assunto da aula, não conseguirá o professor
manter a atenção. Quando esse interesse existe, a atenção está toda ela presa a aquilo
que se está fazendo ou se está ouvindo. Uma criança sem interesse na lição, fica
desatenta e, portanto, propensa a várias infrações: ou cochilará; ou brincará com os
vizinhos; ou a estes fará “implicâncias”, provocando protestos; ou a cada minuto
pedirá “saída”, ou não atenderá de pronto a perguntas feitas, por estar o “espírito” fora
do assunto. Daí a dificuldade de manter a disciplina nas aulas de “escola antiga”, e a
facilidade de ser ela atendida, plenamente nas de “Escola Nova” (BACKHEUSER,
1934, p. 179) (grifo do autor).
Baseando-se em um artigo datado de 1928, publicado na revista Escola Nova e escrito
pela professora primária Alcina Moreira de Souza51, Backheuser dá pistas de como despertar o
interesse da criança na escola. As sugestões podem ser resumidas assim: - criar para a criança
um ambiente familiar por meio de jogos, contação de histórias e atividades como desenhos,
ginástica, imitações e representações; - proporcionar contato com a natureza através de
excursões, cultivo de plantas e criação de animais; - apresentar à criança, o mundo do trabalho
em visitas a fábricas, lojas e outros estabelecimentos do tipo.
Ainda com base no artigo de Alcina, ele afirma no manual quer “o ambiente escolar em
aulas e recreios deverá ser tal que a escola seja realmente como lhe cumpre ‘o prolongamento
do lar’” (BACKHEUSER, 1934, p. 185). Estas sugestões têm como objetivo despertar o
interesse, fazer perder a timidez, aguçar a curiosidade e desenvolver na criança a criatividade,
observação, colaboração, impressão, expressão e a inspiração. Ainda dentro das sugestões da
professora Alcina, ele cita o “taboleiro de areia” em torno do qual nasce o:
Espírito de colaboração feito do agregamento de iniciativas individuais. Estimulando-
as pela sucessão dos trabalhos realizados, e pela facilidade com que se operam e se
desfazem, o taboleiro de areia mantém a emulação, e, consequentemente, a
intensidade do interesse (BACKHEUSER, 1934, p. 183).
51 Como já anunciado Alcina foi a segunda mulher de Everardo Backheuser e sua companheira nas trincheiras de
luta no campo educacional. Nas dedicatórias dos seus manuais recebe o sobrenome do marido.
152
A primeira condição para alcançar o desenvolvimento do interesse da criança é fazer
com que a criança se sinta tão bem na escola quanto em casa e “que não seja assoberbada pela
timidez; pelo receio de castigo a qualquer movimento que faça, a qualquer atitude que tome”
(BACKHEUSER, 1934, p. 187).
Para Backheuser, a Escola Nova pede que os professores aproveitem as oportunidades,
com diretrizes orientadoras, deve-se, apesar das dificuldades, desenvolver um centro de
interesse desde cedo, e, nos primeiros anos, devem-se valer dos jogos, desenho, modelagem
etc. Nesse sentido, o meio mais propício para aguçar a curiosidade da criança é despertar o seu
interesse, “a curiosidade desempenha um papel pedagógico” (BACKHEUSER, 1934, p. 186).
Na sua opinião, os meios para aguçar a curiosidade fazem parte de três moldes que pertencem
aos tipos psicológicos: auditivo, motor e visual, resumidamente explicados abaixo:
- Os que atuam subjetivamente são os que se dão através do ouvido, por exemplo, as
narrativas:
A fantasia é indispensável à vida para suavizá-la quando a verdade se torna por demais
rude [...]. A professora aguçará portanto a curiosidade da classe contando-lhe uma
“história”, ou narrando-lhe, colorida e até certo ponto fantasiosamente, um fato
(BACKHEUSER, 1934, p. 187) (grifo do autor).
- Os jogos educativos, de movimentação.
Transformar os secos movimentos das aulas de ginástica em movimentos para
determinados objetivos é um dos recursos que os mestre têm em mão para que a classe
toda se agite na efetivação de certos desiderata [certas aspirações]. É compreensível,
assim, eu a excessiva imobilidade das crianças sentadas nas carteiras, horas a fio, não
seja de ordem a favorecer o desenvolvimento do interesse (BACKHEUSER, 1934, p.
188).
- Psicologia de feição objetiva: aguçar a curiosidade da criança fazendo-a descobrir
alguma coisa escondida.
Basta que o professor, desejoso de encaminhar a lição em certo sentido, mostrando
um embrulho, ou um envelope, ou simplesmente pondo às costas uma das mãos,
indague “que é que está aqui?” para que logo toda a classe tome interesse nessa
descoberta (BACKHEUSER, 1934, p. 189).
Ele chama a atenção para as excursões como estratégias para incentivar a curiosidade
dos alunos porque o deslocamento do seu ambiente normal para novos locais como museus,
153
fábricas, jardins ou outras escolas é “uma verdadeira visão cinematográfica com uma repetida
chamada à atividade do instinto da curiosidade” (BACKHEUSER, 1934, p. 190). À esta altura
o autor menciona o ensino intuitivo52, no qual os objetos eram mostrados e não apenas descritos
oralmente.
Backheuser destaca também a questão dos prêmios e castigos em relação ao despertar
do interesse da criança, defendendo o prêmio como um dos incentivadores, mas, não o único.
A respeito do castigo afirma que:
Desde que não seja aviltante nada tem de anti-pedagógico. É corretivo que educador
algum pode dispensar. Na escola antiga ou na Escola Nova. Na escola antiga como os
alunos estavam condenados à imobilidade, sendo censuráveis os movimentos
espontâneos considerados de indisciplina, é evidente a necessidade de maior número
de punições porque como faltas eram considerados atos que a Escola Nova louva e
estimula. Mas mesmo na Escola Nova há a necessidade de castigos para todos que
não cumprem seus deveres de trabalho, de estudo, de aplicação. Apenas as
oportunidades de estabelecer prêmios ou de cominar castigos serão em menos número
(BACKHEUSER, 1934, p. 192).
Para ele, no processo educativo é importante atentar para as fases que o compõem:
recepção, associação, assimilação e expressão. O processo está ilustrado no esquema abaixo
(Figura 24):
Figura 24 - Esquema do processo educativo
52 O Método Intuitivo, marca da Pedagogia Moderna, tem como princípios a percepção, a sensação e a intuição.
A aprendizagem é produto da observação, ou seja, da percepção. A criança parte da observação de um objeto,
pelos sentidos alimenta a intuição de conteúdos, permitindo a construção de hipóteses, ou seja, a produção do
conhecimento. É chamado método intuitivo por que é a intuição a parte ativa da mente que atua sobre as
sensações, o material que vem dos sentidos, e a percepção, gerando o conhecimento. O ensino deve começar
pelo elemento mais simples e proceder, gradualmente, de acordo com o desenvolvimento da criança. O tempo
de ensino deve respeitar as diferenças de aprendizagem de cada aluno e assim alcançar o domínio do
conhecimento. Disponível em:<http://www.fae.ufmg.br/teoriaspedagogicas/teoriaspestalozzi.htm>. Acesso
em: 6 set. 2016.
154
Fonte: Backheuser, 1934.
155
A partir deste esquema trata das questões “impressão e observação”, “associações” e
“expressão”. Defende que em crianças, as impressões são fracas e de curta duração, por isso é
preciso, pedagogicamente, prolongá-las ou intensificá-las, daí a necessidade da repetição, do
exercício:
Para que a impressão perdure é preciso que, em virtude da sua força ou da sua duração,
o indivíduo tenha sido levado a uma certa observação. A observação é, em última
análise, uma impressão prolongada.[...] Tecnicamente deve o mestre provocar na
criança uma impressão e, graças a ela, conseguir observações. Não só provocar
observações como educá-las(BACKHEUSER, 1934, p. 196) (grifo do autor).
Com base nessas constatações, reforça que o mecanismo da observação é um processo
comparativo. Para justificar a afirmação rememora seus tempos de professor da Politécnica
quando pediu que grupos de três alunos visitassem certos locais do Distrito Federal para estudar
a sua geologia e petrografia. Os alunos voltaram desanimados contando que encontraram
apenas “barro” e “pedra ordinária”. O professor então os pôs em confronto com “outro barro”
e “outras pedras ordinárias” dos mostruários que tinham. Depois das comparações orientadas
feitas em laboratório, os alunos voltaram a campo e:
Já muito mais atilados, traziam “material” muito melhor e, ao final do curso, alguns
houve que conseguiram resultados científicos notáveis. Foi graças ao tino de
observação e zelo de trabalho dessas turmas de estudantes que conseguimos fazer o
mapa geológico do Distrito Federal (BACKHEUSER, 1934, p. 197).
A observação é para Everardo Backheuser a base do ensino e pressupõe o contato com
a realidade. A partir de comparações muito simples, evoluindo para outras mais complexas, seja
entre objetos ou ideias, aguça-se a curiosidade, o espírito crítico, a sagacidade e o interesse do
aluno, seja qual for a sua faixa etária.
Sobre as “associações” o autor afirma que, devidamente direcionadas e orientadas pelos
mestres, estimulam o espírito de observação da criança. Backheuser apresenta as associações
de caráter pedagógico: associações no espaço ou de caráter geográfico; associações no tempo
ou de caráter histórico; associações de caráter econômico: a partir da matéria prima e
associações causais: que levam do efeito à causa, correspondem aos “porquês” das crianças.
Em relação à “expressão”, apresenta os modos de exteriorizar o aprendido: oralmente
(pela linguagem, entonação, gestos e olhares); manualmente (pelo desenho, modelagem,
mímica, etc.); e moralmente. Sobre este último modo, tece um comentário interessante:
A expressão moral está em todos esses imperceptíveis detalhes a que vimos aludir.
Em todo o trabalho é sempre posto um pouco de alma. Sem ela nada se obtém. A alma
156
se expressa em tudo quanto se faz e por vezes no que não se faz. Um olhar traduz um
estado d’alma. Um muchocho, um gesto meigo ou violento, uma atitude de reserva
são também expressões da alma. São estas expressões morais que indicam bem a
individualidade (BACKHEUSER, 1934, p. 205) (grifos do autor).
Iniciativa do professor
Não fôra de compreender a implantação da Escola Nova sem a iniciativa do professor.
Querer-se a iniciativa do aluno e impor-se um sistema ao mestre é uma incoerência
(BACKHEUSER, 1934, p. 205).
O autor de Técnica da Pedagogia Moderna faz sérias críticas ao modo como a
renovação educacional vinha se dando no Brasil. Ele conta que aqui aconteceu de forma
diferente da que ocorreu em outros países como Áustria e Alemanha, onde os mestres, reunidos
em grupos de estudos e associações de classe, depois de examinar questões pedagógicas e de
algumas experiências que realizaram:
[...] pediram a Reforma, ou antes, pediram permissão para experiências mais largas.
Findas estas, realizadas, assim, com a melhor boa vontade, foi afinal decretara a
Reforma. E, ainda assim, a título de ensaio. Era, portanto, uma Reforma nascida e já
vitoriosa, porque trazia suas velas pandas pelo vento da vontade firme do professorado
(BACKHEUSER, 1934, p. 206) (grifos do autor).
Nos Estados Unidos, na Bélgica, na França, na Inglaterra e em outros países a reforma
se deu como uma iniciativa particular, mas, os estabelecimentos públicos iam, aos poucos,
seguindo os exemplos. Cita a reforma que ocorreu na Rússia Soviética como o primeiro
exemplo que alterou os fundamentos tradicionais do modo de ensinar sem a anuência prévia do
magistério. E aí a crítica ao regime comunista que:
Empresta ao Poder Público a Oniciência. Tudo é feito pelo governo; provém dele; e a
ele se destina. Socialistas do Estado, como são, emprestam ao Estado virtudes
mirificas em antagonismo com as da iniciativa particular. Não lhe vê, porém, a
incoerência dos propósitos. Querem a iniciativa do aluno, porque o homem deve
procurar “pelas suas próprias mãos” a verdade onde quer que ela esteja, mas cerceiam
ou tolhem a iniciativa do mestre, manietam-lhe os movimentos, em uma palavra,
impõem-lhe ideias (BACKHEUSER, 1934, p. 206).
Na sua percepção, o modelo soviético estava sendo seguido pelos reformadores
brasileiros, numa imposição vertical da Escola Nova e então defende que fosse “livremente”
iniciado um movimento em prol da perspectiva pedagógica escolanovista, mas não dos
departamentos de educação e das diretorias de instrução, e sim do magistério, convencido das
157
vantagens do novo sistema. Para ele esse convencimento do professorado só seria possível por
meio do estudo do ideário escolanovista, para tanto sugeriu um plano de combate com as
seguintes etapas: I Cursos de exposição integral sobre a Escola Nova; II Publicações
sistemáticas sobre a Escola Nova; III Círculo de estudos entre os professores; IV Círculos de
estudos de cada escola que tenha como consequência a associação de professores de cada
município; V Liberdade de experimentação do novo ideário; aqui claramente defende a ideia
do “aprender fazendo” e também o princípio da observação citado no item sobre a iniciativa;
VI Liberdade de programa. Ainda sobre esta questão Backheuser (1934, p. 209) faz a seguinte
observação: “Ninguém se pode tomar de amores por coisa que não conheça. Para conhecer os
métodos da Escola Nova só tem o magistério dois caminhos: ou vê-los praticados por outrem,
ou tentar cada professor por si a experimentação”.
3.2.8 Cooperação
A cooperação é tratada como um dos princípios cardeais da Escola Nova, e, ela deveria
estar presente entre todos aqueles que fazem parte da escola: alunos, professores, pais e
autoridades. Para facilitar a compreensão, o autor esquematiza os vários conjuntos de
cooperação necessários.
Em relação à cooperação entre pais e filhos, defende que não haja excessos por parte
dos pais. Nem “para menos” delegando à escola todo e qualquer tipo de educação e nem “para
mais” quando os pais acabam, na ânsia de ajudar os filhos, fazendo por eles as tarefas ou
deslegitimando o papel do professor no processo de ensino. Aproveita inclusive, para fazer a
defesa da autoridade do professor e do respeito a ele devido.
Sobre o conjunto cooperação entre professores e alunos, o autor afirma que, em certa
medida, a cooperação sempre houve. Mas faz uma ressalva afirmando que na escola tradicional
os alunos trabalham para o professor e não com o professor o que diminui a intensidade da
colaboração. Com a pedagogia nova, afirma ele, é que surge o trabalho em conjunto:
Em uma escola que funcione em obediência integral aos princípios cardeais da Escola
Nova, o mestre não assume feições ditatoriais. O mestre, usando embora do princípio
de autoridade, dele não abusara como dantes. Fa-lo-á prevalecer apenas nos casos em
que a isso seja forçado, ou por estarem as crianças na idade psicológica que tal exija,
ou por se haver travado debate que peça uma solução de “autoridade”. Fora isso, o
mestre terá, de ser, como já explicado, o aluno mais adiantado, “trabalhando junto”
com os demais, com toda a classe. Nestas condições haverá efetivamente uma
cooperação real entre mestres e alunos (BACKHEUSER, 1934, p. 223) (grifo do
autor).
158
Já a cooperação entre a escola e o lar depende, minimamente, de duas condições: que
haja entendimento harmônico entre pais (lar) e professores (escola) e que cada um dos dois não
contrarie dos princípios básicos para a educação. Cada parte deve respeitar os ensinamentos
recebidos pela criança. Aqui o autor aproveita para defender o estreitamento da relação entre
família e escola. Pais, mães e/ou responsáveis devem participar da vida escolar da criança, não
apenas nas horas de dificuldade e solenidades:
[...] os pais precisam sentir, precisam vibrar, precisam se interessar com tudo quanto
se passa naquele ambiente onde os filhos permanecem algumas horas o dia recebendo
instrução e aperfeiçoando a educação. Para que possam estar de posse desses nobres
sentimentos, cumpre-lhes em primeiro lugar “conhecer a escola” (BACKHEUSER,
1934, p. 225).
E sugere que se instituam os círculos de pais onde os pais, e/ou responsáveis conheçam
a escola na sua vida normal, nas dificuldades, no seu funcionamento habitual:
O “círculo” seria um educandário de pais, sem que essas preleções das professoras
tomassem o ar pedante de “lição” ou a feição petulante de “conferência”, seriam de
fato uma e outra coisa e entreteriam realmente os pais que, em troca, trariam oportunos
adminículos à experiência pedagógica dos mestres pelas achegas fornecidas por este
outro campo de experiência pedagógica que é o lar (BACKHEUSER, 1934, p. 230).
Para o autor não deveria haver antagonismos entre escola e lar. A educação intelectual,
ou seja, os aspectos físicos, artísticos, científicos, etc., caberiam à escola enquanto que a
formação moral e econômica deveria ser da alçada predominante no lar: “A própria neutralidade
da escola, princípio cardeal da Escola Nova, exige, portanto, que o ensino moral seja dado na
conformidade com sentimento religioso dos pais e dos alunos” (BACKHEUSER, 1934, p. 233).
Ao defender o diálogo entre escola e lar, o autor aproveita para demonstrar seu olhar
crítico me relação à laicidade proposta no Manifesto:
Sem esta base de confraternização não pode haver entendimento entre a escola e o lar.
A pedagogia nova que preconiza, enaltece e exige esse entendimento, deve
logicamente chegar às suas justas consequências, e solicitar o Ensino Religioso nas
escolas públicas. É interessante ver que alguns dos mais fortes propugnadores da
“Escola Nova” se colocam no ponto de vista de quererem obrigatoriamente a “escola
sem Deus” mesmo que os pais de alunos sejam crentes. É uma incoerência. Si “a
escola deve ser, na frase de DEWEY, a continuação da família ideal”, não pode ser
logicamente contra aquilo que queira essa mesma família (BACKHEUSER, 1934, p.
233) (grifo do autor).
159
Acerca da cooperação entre alunos (brincar de estudar) afirma que é o encanto máximo
da escola moderna porque assim a criança vai encontrar na sala de aula o que encontrava nas
brincadeiras, nos jogos. O princípio da cooperação está baseado na preocupação com o
desenvolvimento da estrutura social da criança. Ele cita Lourenço Filho para defender a escola
como “um centro de socialização”, uma comunidade, e acrescenta:
Assim sendo, não poderia a pedagogia nova, inspirada na psicologia infantil, deixar
de aproveitar, desenvolver e orientar o pendor natural da criança para a vida
associativa. Por isso, a pedagogia nova faz da cooperação entre os alunos um dos
esteios de sua didática (BACKHEUSER, 1934, p. 234).
Nesse sentido, a colaboração é tomada como técnica educativa, desenvolvida por meio
de algumas ferramentas como: os centros de interesse, os jogos, as excursões planejadas, ensino
de música (coral e/ou orquestra), a leitura e a escrita, a execução de projetos, os pelotões de
saúde, os clubes sociais, organização de jornais, etc. Ressalta também a necessidade da
cooperação entre professores e assevera:
Na prática, essa cooperação se realiza sempre que um professor leal e
prestimosamente expõe aos colegas o seu trabalho, ou, ainda, sempre que os
professores se reúnem para tratar de problemas pedagógicos, em cordial e animado
convívio. Isso obtido, tudo está em favorecer as oportunidades dessa demonstração de
trabalho ou desse contacto intelectual (BACKHEUSER, 1394, p. 240).
Com base nesse critério, a pedagogia nova incentiva visitas dos professores a outras
classes, ou a outras escolas, não ao acaso, sempre com critérios e objetivos definidos. Os
professores devem ir à busca de orientações para desenvolver o seu trabalho, favorecendo
assim, o intercâmbio entre o professorado. Reforça a defesa da importância dos círculos de
estudos entre professores e cita um exemplo vivenciado por ele próprio: a Cruzada Pedagógica
pela Escola Nova53, cujo lema era “Lealdade e mútuo auxílio”. Eram feitas reuniões semanais
nas quais eram lidos os relatórios de trabalhos executados nas escolas e discutiam-se pontos
acerca da Escola Nova ainda pouco esclarecidos. Entre os temas debatidos ele cita “A disciplina
na Escola moderna”; “Como desenvolver a iniciativa dos alunos”; “Que se entende por
dramatização?”; “Excursões”; “O uso do taboleiro de areia”; “Museus pedagógicos”, etc.
Entre os instrumentos de difusão da pedagogia nova que tiveram origem na Cruzada,
ele cita: a revista A Escola Nova e a Grande Exposição Pedagógica de 1929. Nessa exposição
53 Tema tratado na seção 2.3.2 desta tese.
160
puderam ser apreciados trabalhos de modelagem, construções, taboleiros de areia, gráficos,
cartonagem, recortes, jogos educativos, museus, cadernos de vida das classes, correio escolar,
etc., tudo construído por professores e alunos, de forma colaborativa. A importância concedida
à colaboração seja entre alunos e professores ou entre os professores e seus pares nas Cruzadas
pode ser constatada no discurso feito pelo próprio Backheuser na inauguração da Exposição
Pedagógica:
Na CRUZADA não há hierarquias nem classes. Ninguém manda e ninguém é
constrangido a obedecer. O que todos fazem - é trabalhar. As suas sessões são, a bem
dizer, reuniões familiares e íntimas em cada qual expõe, sem vexame, as suas dúvidas
e solicita esclarecimentos que são dados sem vaidade ou falsa modéstia por todo
aquele que se julgue em condições de os poder fornecer (BACKHEUSER, 1934, p.
242).
Em relação à cooperação dos governos, o professor defende a atuação do poder público
em cooperação com a escola e a “Escola da democracia” como a “escola para todos”. Para ele
a escola é reflexo e fortalecimento da democracia: “não há verdadeira democracia em uma
população analfabeta. Será simulacro de democracia, rótulo de democracia, não essência”
(BACKHEUSER, 1394, p. 240). O governo deve cooperar então, de modo geral, oferecendo
uma legislação qualificada de ensino. E de modo particular, garantindo que as autoridades
competentes tomem as rédeas das diretorias, inspetorias e outros setores educacionais, além de
deslocar percentagens da despesa pública à instrução popular.
O Manifesto também valoriza a cooperação, considerando-a um “valor permanente”
como se pode ver no seguinte excerto:
A escola socializada, reconstituída sobre a base da atividade e da produção, em que
se considera o trabalho como a melhor maneira de estudar a realidade em geral
(aquisição ativa da cultura) e a melhor maneira de estudar o trabalho em si mesmo,
como fundamento da sociedade humana, se organizou para remontar a corrente e
restabelecer, entre os homens, o espírito de disciplina, solidariedade e cooperação,
por uma profunda obra social que ultrapassa largamente o quadro estreito dos
interesses de classes (AZEVEDO, 2010, p. 41) (grifo nosso).
3.2.9 Educar “para a vida e pela vida”
O professor Backheuser une o “educar para a vida e pela vida” aos princípios da
iniciativa e da cooperação como o tripé necessário para executar a educação integral por meio
161
da didática nova. Nesse pilar ele tem por base os estudos de Decroly o qual afirma que “A
Escola Nova educa para a vida e pela vida” (DECROLY apud BACKHEUSER, 1934, p. 245),
máxima que analisa comparando a pedagogia antiga e a pedagogia moderna54. A sua análise é
iniciada com um questionando acerca do “o que é educar?” ao qual responde:
Ao passo que instruir é propiciar conhecimentos novos de não importa que sorte,
educar é fornecer ao homem elementos de aperfeiçoamento pessoal, porque a
perfeição, embora inatingível, é o limite para o qual tendem todos os nossos esforços.
Isto quer dizer que a educação visa sempre o ser futuro embora aplicada ao ser
presente, ou seja, preocupa-se com a formação do homem, embora venha de atuar
sobre a criança (BACKHEUSER, 1934, p. 245) (grifos do autor).
Defendendo, pois, que toda educação pressupõe um fim, e, portanto, uma filosofia.
Backheuser critica as apropriações que Anísio Teixeira teria feito dos escritos de Dewey a esse
respeito, apresentando o argumento de Teixeira que, no seu entendimento, teria uma concepção
materialista de educação:
Educar é crescer. E crescer é viver. Educação é assim vida no sentido mais autêntico
da palavra. [...] A educação é o processo de assegurar a continuidade do lado bom da
vida e de enriquecê-lo, alargá-lo e ampliá-lo cada vez mais (TEIXEIRA apud
BACKHEUSER, 1934, p. 248) (grifo do autor).
Tal concepção consistiria, em sua opinião, em uma interpretação errônea da máxima de
Decroly, que faria crer que “a criança deva crescer a seu bel prazer, sem controle ou retificação”
(BACKHEUSER, 1934, p. 248).
As muitas confusões, divergências e contradições dos adeptos da filosofia escolanovista,
no modo de perceber a educação deviam-se, na sua avaliação, ao fato de que alguns a concebiam
“como sendo simplesmente a vida” e outros como sendo “apenas um preparo para a vida”. Esta
última percepção, o professor atribui à pedagogia tradicional que: “desprezando a psicologia da
criança adstrita a seus interesses de momento, queria impor-lhe por antecipação conhecimentos
a serem aproveitados somente mais tarde, e não conhecimentos úteis à criança durante o período
infantil” (BACKHEUSER, 1948, p. 249).
E comenta também o outro extremo para o qual, na sua avaliação, haviam se bandeado
alguns seguidores do escolanovismo: “o de só ensinar às crianças coisa úteis à própria criança,
54 Como em outros momentos do manual, novamente o autor utiliza o termo “pedagogia moderna” como
sinônimo de “Escola Nova”.
162
sem atender a que elas teriam de crescer, e que é durante todo o período adulto que o homem
precisa dos conhecimentos adquiridos na infância” (BACKHEUSER, 1948, p. 249).
Ele critica também a percepção daqueles que se haviam se inspirado na vertente norte-
americana representada por Dewey quando afirmam que “a educação é a vida e não a
preparação para a vida”. Para ele essa máxima é tão equivocada quanto à da pedagogia
tradicional que acredita que a educação é “apenas preparo para a vida”. E conclui:
Se ficarmos no exato equilíbrio que vem de ser indicado, praticaremos a Escola Nova
sem deixarmos em olvido as finalidades reais de toda educação: o preparo para a vida,
que é a vida do adulto e não a vida da criança. A fórmula de Decroly está certa. Erradas
apenas as interpretações de alguns (BACKHEUSER, 1934, p. 250).
Para compreender minimamente o pensamento backheusiano, deve-se lembrar de que
segundo ele, os conhecimentos humanos ou são guiados por uma concepção espiritualista ou
por uma concepção materialista do universo. Na acepção espiritualista, na qual ele alicerça a
sua educação integral, deve-se educar para a vida toda, tanto para a vida terrena quanto para a
vida eterna. O seu projeto educacional se aproxima ao dos pioneiros quando afirma que os fins
da educação estão para além dela mesma, mas, antagoniza-se quando supõe que estes fins
estejam na transcendentalidade do ser e não na sua historicidade.
3.2.10 O papel do mestre na Escola Nova
Ao analisar a questão da prática da Escola Nova, o papel reservado ao professor no
processo educativo, é um ponto fundamental a ser discutido. Para o autor, muitos escolanovistas
defendem que o professor não deve intervir no decorrer dos estudos para não atrapalhar a
iniciativa da criança. Para justificar a sua interpretação, cita Kilpatrick como alguém para quem
o professor deve ser cada vez mais desnecessário; o escritor alemão Friedrich Spielhagen para
quem o professor deve se apagar diante da classe, e, novamente, Anísio Teixeira, para quem a
própria pessoa se educa, o que tornaria a presença do professor, inútil. Em seguida assevera que
as afirmações destes e de outros tratadistas da Escola Nova podem levar à impressão de uma
campanha para o anulamento total do mestre. Porém, afirma que o “apagamento do mestre” é
apenas aparente, pois, “quando dissemos atrás que o mestre se anula, não significamos com isto
que ele desapareça” (LOURENÇO FILHO apud BACKHEUSER, 1934, p. 255).
Apoiado em Claparède, Backheuser afirma que o professor deve atuar como
colaborador e deve, sempre, suscitar problemas. E acrescenta:
163
É ele o tribunal definitivo a que recorrem os alunos quando as dúvidas se tornam
insolúveis para a capacidade da classe. A sua autoridade é, portanto, muito maior. É
a autoridade não de quem fala sem talvez ser ouvido, mas de quem opina em última
instância perante “partes” em litígio. É a autoridade do juiz e não a do feitor.
(BACKHEUSER, 1934, p. 255).
Portanto, como professor, defende a importância fundamental do mestre55 e da sua
formação, porque de acordo com a concepção católica de educação, o magistério é dotado de
uma marca religiosa e o professor é elevado à condição de principal agente do processo de
disseminação da doutrina católica nas escolas. Além da formação integral dos mestres o autor
defende que as escolas normais inculcassem no professorado, zelo e entusiasmo pela sua
“missão” a qual ele associa ao sacerdócio:
A primeira preocupação de quem pretende transformar os velhos moldes rotineiros da
educação tem de ser a formação de um professorado novo, cônscio de sua
responsabilidade e cheio de nobres entusiasmos pelos ideais educativos porque, um
programa nada vale sem um espírito que o anime, o fecunde, e o faça frutificar.
(CLAPARÈDE apud BACKHEUSER, 1934, p. 259).
Para a Encíclica (1929, p. 27) deve o mestre formar o “verdadeiro cristão” que deve ser
o sujeito da educação católica:
Precisamente por isso a educação cristã abraça toda a extensão da vida humana,
sensível, espiritual, intelectual e moral, individual, doméstica e social, não para
diminuí-la de qualquer maneira, mas para a elevar, regular e aperfeiçoar segundo os
exemplos e doutrina de Cristo. Por isso o verdadeiro cristão, fruto da verdadeira
educação cristã, é o homem sobrenatural que pensa, julga e opera constantemente e
coerentemente, segundo a sã razão iluminada pela luz sobrenatural dos exemplos e
doutrina de Cristo; ou antes, servindo-nos da expressão, agora em uso, o verdadeiro e
completo homem de carácter.
3.2.11 Detalhes da técnica da Escola Nova
A metodologia da Escola Nova se movimenta, como já
tantas vezes caracterizada neste volume, dentro de uma
55 Em 1946 Backheuser publicou o livro “O professor”, o qual, segundo ele, na epígrafe, “não é um depoimento
sobre a minha vida de magistério; mas a expressão do que, em meu conceito, o verdadeiro professor deve ser”.
O livro está referenciado ao final do texto.
164
área delimitada por estes três lados característicos:
iniciativa do aluno, espírito de cooperação da classe, e
sentimento da vida sob todos os seus aspectos:
higiênicos, econômicos, científicos, artísticos, sociais e
religiosos (BACKHEUSER, 1934, p. 261).
Partindo dessa premissa o autor apresenta alguns detalhes de execução da Escola Nova,
que deveriam servir para nortear, orientar a prática dos professores que se interessassem em
adotá-la. Os recursos didáticos apresentados pelo autor podem ser assim resumidos: excursões;
centros de interesse; método de projetos; organização de museus escolares.
Excursões
A excursão escolar é em pequeno o que a viagem é para os adultos. Será portanto um
excelente meio educativo, pois visa desenvolver nas crianças o espírito de observação
e a capacidade de expressão (BACKHEUSER, 1934, p. 263) (grifo do autor).
Tomando a excursão, não como uma simples viagem, mas, como um estudo, o professor
chama a atenção para que a viagem de estudo aconteça com todos “de olhos abertos”. Ou seja,
propõe que os “viajantes” tenham conhecimento prévio sobre a região a percorrer, seja lendo
sobre o local ou vendo fotografias. Chegando ao local, deve-se, mais que observar a natureza,
o comércio e a cultura, conviver com a sociedade local pelo tempo possível. Ao professor cabe
esta orientação. Deverá tecer comentários curtos e fazer sugestões, aguçando a curiosidade da
criança, será, pois, o companheiro da classe, “guiando sem parecer guia, auxiliando sem parecer
que auxilia” (BACKHEUSER, 1934, p. 265).
O autor faz observações acerca das excursões mais apropriadas de acordo com o nível
da classe e, salienta a necessidade de uma preparação prévia para a realização da viagem. Ele
divide essa preparação em três fases: preparo da excursão; realização; conclusões a tirar. Para
esta última fase sugere que sejam realizadas atividades que extraiam o máximo possível do que
foi objeto de observação, indagando sobre os detalhes, incentivando a classe a refletir, a
rememorar e a raciocinar.
Centros de interesse
É um assunto central aguçado pelo professor ou espontaneamente surgido em classe,
entorno do qual - sob a base do interesse por ele despertado - vai girar a aquisição de
conhecimentos (BACKHEUSER, 1934, p. 271).
165
Para o professor Backheuser, qualquer tema pode se tornar um centro de interesse, mas,
cabe ao mestre aparar as arestas e orientar na definição das temáticas pensando num fim maior,
fim maior, portanto, defende “a necessidade de uma certa sistematização na escolha de centros
de interesse” (BACKHEUSER, 1934, p. 272). Para explicar como chegar a esta sistematização,
toma como base o sistema pensado por Decroly, que almejava encontrar temas gerais que
interessariam a qualquer criança, de qualquer lugar do mundo. Este sistema se assenta em quatro
necessidades principais as quais são transcritas aqui: de alimento (comida, bebida, respiração,
asseio); de lutar contra as intempéries (vestuário, habitação); de defesa (contra os perigos da
vida e ofensivas do meio); de ação e de trabalho (para comer, para vestir).
No entanto, para Backheuser, esse sistema é um tanto rígido, porque não se adéqua a
todos os lugares do mundo, por exemplo:
Nem sempre, principalmente nos países tropicais, os problemas da luta contra as
intempéries se apresentam com o forte colorido que têm nos países frios. Os
problemas de defesa, por exemplo, são visivelmente pouco interessantes para as
nossas crianças (BACKHEUSER, 1934, p. 274).
Após essa crítica, destaca o que considera a melhor parte do sistema de Decroly: o tripé
observação, associação e expressão, no que é acompanhado de Lourenço Filho (2002). Para o
pioneiro, a observação representa as lições de coisas, as lições elementares de ciências naturais,
a geometria, o cálculo; a associação, que no espaço e no tempo, substitui a História e a
Geografia, concebidas, ademais, de um ponto de vista mais amplo; a expressão que incentiva a
compreender todos os exercícios de linguagem, ortografia, lições de cor, trabalhos manuais,
desenho, canções e exercícios ginásticos. E acrescenta:
A higiêne e a moral estão naturalmente incluídas nos exercícios de observação e
associação, por isso que derivam diretamente de confronto de necessidades, das
exigências da vida individual e social, e dos conhecimentos que o meio proporcione.
Quanto ao cálculo, deverá a tudo ligar-se, sobretudo, na observação, primeiramente
sob a forma de exercícios de comparação; depois, de mensuração, com unidades
naturais, e, por fim, de medidas com unidades convencionais (LOURENÇO FILHO,
2002, p. 291).
No Brasil, Backheuser destaca algumas tentativas de implantar a Escola Nova por meio
de centros de interesse, como o Colégio Jacobina orientado por D. Laura Lacombe, a prefeitura
do Distrito Federal na administração de Fernando de Azevedo e o Estado de Minas quando
Francisco Campos foi secretário do interior. Para ele, no caso brasileiro, os centros de interesse
mais convenientes seriam os geográficos, com assuntos de “espaço”, variantes de lugar a lugar.
Porque o ambiente geográfico é sempre de interesse da criança. Primeiro a criança apenas na
166
casa, depois, na escola, bairro, cidade, Estado, país, mundo. Nesta ordem serão agrupados
assuntos de interesse.
Como exemplo de uma tentativa de implantação de um centro de interesse no Brasil, ele
cita um projeto desenvolvido com crianças de um 1º ano que não passaram pelo jardim de
infância (ver Figura 2456) elaborado em 1929 pela sua, Alcina Moreira de Souza Backheuser,
durante a administração de Fernando de Azevedo:
Figura 25 - Plano organizado pela Professora Alcina Moreira de Souza Backheuser57
56 O projeto vem anexado ao manual, correspondendo às páginas 277 e 278 do referido impresso. 57 Para uma melhor visualização por apresentar o plano impresso em A3.
167
Fonte: Backheuser, 1934.
O plano acima tem como tema central “a casa e a escola”. Foi elaborado para ser
desenvolvido durante as seis primeiras semanas de aula de uma classe de 1º ano que não cursou
o Jardim de Infância. Portanto, trata-se de um projeto pensado para o período de adaptação. O
centro de interesse em questão teve como tripé a observação, a associação e a expressão e como
conteúdos a serem trabalhados: linguagem; noções de caráter geográfico e histórico; educação
moral; conhecimento da natureza; aritmética; geometria; higiene; ginástica e música; desenho;
modelagem e recorte.
168
Para a primeira semana, definiu-se como centro de interesse “a entrada na escola”; para
a segunda: “a mamãe e a professora”; terceira: “os irmãos e os colegas”; quarta: “em casa”;
quinta: “a sala de aula” e para a sexta e última semana “a merenda e a maleta”.
Para cada centro de interesse a professora apresenta a respectiva forma de apresentar o
centro e as formas de trabalhar os conteúdos, como por exemplo, em relação à educação moral,
na primeira semana deveriam ser trabalhados os “deveres de cortesia” (na escola); a saudação
coletiva e o cumprimento. No fim do plano, a professora faz uma observação (conforme Figura
24) melhor visível na transcrição abaixo:
O presente esquema serve como uma indicação de assuntos. Na prática a matéria há
de ser dada, tanto quanto possível, com o auxílio de histórias, de dramatizações, de
jogos, de brinquedos de “faz de conta”. Sendo este primeiro período apenas de
adaptação, deixa por isto de figurar parte de leitura e de escrita, que começarão a ser
ensinadas a partir do período seguinte (BACKHEUSER apud BACKHEUSER, 1934,
p. 277).
Método de projetos
No método de projetos a iniciativa do aluno e a cooperação da classe são, como nos
“centros de interesse”, habilmente despertadas pelo professor, mas será, como o nome
projeto o diz, prefixada, uma meta de realização. Os alunos projetam alguma coisa, e
tratam de executar o projetado. Assim é a vida para quem não anda às tontas. Na
menor coisa, cada indivíduo planeia o quer fazer e põe mãos à obra (BACKHEUSER,
1934, p. 279) (grifos do autor).
O início do processo se dá com a definição do tema devidamente orientada pelo mestre.
Determinado o tema - que interesse ao aluno e que seja instrutivo - e definido o objetivo a ser
alcançado com o seu estudo, cabe organizar-se um anteprojeto, um esquema com os passos
gerais a serem dados. Aqui o papel do professor é fundamental para orientar pedagogicamente
afastando as propostas que não forem adequadas ou oportunas. O anteprojeto servirá como uma
rede geral, passível a alterações, mas, fixada como uma base para a classe. Após essa primeira
fase dá-se a execução que tem como primeiro passo a documentação, a pesquisa de fontes em
relação ao tema escolhido. Concluídas essas fases iniciais, a classe poderá organizar o projeto,
dividida em grupos de trabalho. A organização em grupos é assim justificada por Backheuser:
Em primeiro lugar, é meio prático de mostrar a vantagem da cooperação, do mútuo
auxílio, da solidariedade social. Depois, há um controle recíproco; os mais ativos dão
entusiasmo aos tímidos; os diligentes fiscalizam (sem saber que o estão fazendo) os
vadios; os ordeiros ensinam método aos desordenados; em uma palavra, há um hábil
contra-balançamento de forças (BACKHEUSER, 1934, p. 280).
169
Ele acredita que o trabalho de pesquisa, a aquisição de conhecimentos, as necessidades
que surgem durante o trabalho são características que distanciam o método dos projetos da
monotonia e o aproximam da vivacidade, da elasticidade e da sensação de realidade.
Apesar de Backheuser tecer críticas a Dewey classificando-o, de forma negativa,
inclusive, como comunista, ao defender o método dos projetos aproxima-se muito do
pensamento do pedagogo norte-americano. Embora não o cite como precursor desse método,
considera-se importante reconhecer que o método dos projetos foi desenvolvido na Escola
Experimental da Universidade de Chicago58 idealizada e posta em prática por Dewey.
Uma experiência que é enaltecida por Lourenço Filho (2002), considerada locus dos
primeiros ensaios e fundamentação teórica do sistema que almejava traçar uma nova teoria da
experiência que definisse a função dos interesses. Para o pioneiro o sistema de projetos
almejava pôr em relevo duas coisas: “a importância educativa de tarefas de execução livre em
casa, pelos alunos, e a necessidade de que suas atividades, na própria escola, atendessem a
propósitos, que ao trabalho dessem forma e direção”. (LOURENÇO FILHO, 2002, p. 295).
Antes de concluir esta seção, Backheuser discorre rapidamente sobre alguns “planos”
americanos e europeus que, em sua opinião, estariam vulgarizados, sendo que muitos deles nada
teriam “em comum com os princípios da Escola Nova, mas porque de importação, passam como
tal” (BACKHEUSER, 1934, p. 285).
Para ele, o Platoon plan foi idealizado para acudir a falta de espaço nas escolas na cidade
norte-americana a quem deve o seu nome. Para reduzir os gastos obtidos com a instalação de
múltiplas classes especiais como as de desenho, ginástica, música e outros, o plano em questão
sugeria salas de matéria com horários fixos: de linguagem, de cálculo, de história, etc., assim
as crianças se deslocariam para as respectivas salas, exterminando a figura do professor de
classe e o substituindo pelo professor de especialidade. Essa especialização, em especial no
ensino primário, dificultaria, sob a sua ótica, a execução da Escola Nova, porque poderia
58 Em janeiro de 1896, abriram-se as portas da Escola Experimental da Universidade de Chicago. Começou com
16 educandos e dois professores; mas, em 1903, já contava com 140 estudantes, 23 docentes e 10 assistentes
graduados. Fechou as portas em 1904 por conta da disputa pelo controle da instituição por parte de alguns que
nela trabalhavam (FERRARI, 2015). Nessa escola a metodologia voltava-se para a criança como centro de
interesse, para a sua experiência e sua expectativa, para a superação da memorização pela pesquisa prática,
enfim conciliando o saber teórico ao fazer prático. O currículo dessa escola-laboratório enfatizava a
“ocupação”, ou seja, atividades pelas quais as crianças, divididas em grupo, reproduziam um tipo de trabalho
realizado na vida social. Participavam na formulação de seus projetos, cuja execução se caracterizava por uma
divisão cooperativa do trabalho, e as funções de direção eram assumidas em rodízio. Além disso, fomentava-
se o espírito democrático, não somente entre os alunos, mas, também, entre os adultos que nela trabalhavam.
O trabalho dos professores se organizava de uma maneira muito parecida à das crianças. Semanalmente se
reuniam para planejar e avaliar o trabalho e, desempenhavam uma função ativa na elaboração do currículo.
170
impedir o “desenvolvimento harmônico dos centros de interesses e dos projetos” e ou suprimir
por completo, “o ensino de oportunidades tão ao sabor da nova pedagogia” (BACKHEUSER,
1934, p. 286, grifos do autor).
O Plano Winnetka teve a sua origem em São Francisco, mas foi desenvolvido em
Winnetka, subúrbio de Chicago, e objetivava desenvolver a individualidade da criança e, ao
mesmo tempo, oferecer a ela a educação social. Nas escolas que seguem esse plano parece não
haver o ensino de classe, porque as crianças utilizam dos recursos pedagógicos de forma
individual, sem o auxílio dos colegas e às vezes, sem a orientação do mestre. A primeira parte
do dia é destinada ao trabalho individual, para desenvolver a iniciativa e a segunda parte, ao
trabalho em grupo, para desenvolver a cooperação.
No Plano Dalton, também chamado de Método Parkhurst - pelo fato de ter sido utilizado
pela primeira vez em 1920 por Helena Parkhurst, em classe de escola rural de Dalton, no Estado
de Massachussets - as salas de aula são transformadas em “laboratórios de educação”. Este
plano teria sido aplicado no Rio de Janeiro pela professora Alba Canizares Nascimento da
Escola Venceslau Braz. Backheuser vê semelhanças deste com o Plano Winnetka, pelo fato de
visarem ambos a individualização do ensino, a qual é por ele criticada quando em excesso:
Esse modo de ensino desenvolve bastante o sentimento da individualidade e da
responsabilidade, e o fará, até certo ponto, exageradamente quando não houver, como
no plano Winnetka, o corretivo do trabalho em conjunto (social) em outras horas ou
dias (BACKHEUSER, 1934, p. 289) (grifo do autor).
O Plano Howard, lançado por miss O’Brien Harris na Howard School em Londres, é
para Backheuser, uma adaptação inglesa do Plano Dalton, por isso o autor não entra em
detalhes. O Plano Lietz, por sua vez, visa, segundo ele, o total controle educativo dos alunos
com o estabelecimento de internatos educativos rurais onde é permitida maior liberdade. Esses
estabelecimentos tinham aspecto de cidades, ou repúblicas juvenis e, neles poderiam ser
estabelecidos serviços públicos permanentes e uma organização de autogoverno. Segundo
Backheuser, o campo foi escolhido como melhor espaço para tal fim por facilitar o ensino
intuitivo e de oficina e assim melhor preparar os alunos para uma vida de trabalho manual. Para
ele no Brasil teria havido uma experiência similar no Instituto João Pinheiro, em Belo
Horizonte, Minas Gerais, dirigido por Dr. Leon Renaud (Internato Gameleira).
Os Planos Wickersdorf e Odenwald seriam modalidades do sistema Lietz, com algumas
diferenças. No sistema Lietz, os alunos tem mais ou menos a mesma idade e são dirigidos por
um casal de professores. No Plano Wickersdorf, escolhiam-se os dirigentes por meio de
votação. Agia-se no sentido de diminuir o quanto possível a interferências dos professores.
171
Backheuser entende que o Plano de Odenwald vai ainda mais longe, pois professores e alunos
têm os mesmos diretores no momento das eleições e mais decisões de caráter escolar. Nesse
internato, que aceita crianças desde o 1º ano do primário até os últimos anos ginasiais, não há
limites para a coeducação. Os processos de ensino nesses três planos também são diferentes: O
Lietz, por exemplo, se aproxima de um instituto profissional com educação artística e religiosa
e o Odenwald estabelece planos de ensino variáveis sem subordinação religiosa.
Por sua vez, o Plano Manheim, foi idealizado por A. Sickinger para uma organização
escolar que atendesse a alunos com diversidade na capacidade aquisitiva, para que fosse
ofertado a essas crianças um ensino de acordo com o seu desenvolvimento psicológico tido
como peculiar. Este plano teve aplicação na Alemanha:
Para os anormais, quer fracos mentais, quer com dificuldade de audição, e de
expressão, criando as clases auxiliares (Hilfsklassen) que tanto deram que falar pela
situação de parente inferioridade em que ficaram no conceito do corpo discente os
alunos delas inscritos (BACKHEUSER, 1934, p. 293) (grifo do autor).
Lourenço Filho em “Introdução a Escola Nova” também analisa de alguns desses
planos quando versa sobre as primeiras tentativas de implantação de “escolas novas” em nível
mundial. Dentre os ensaios precursores em solo europeu, ele destaca o Plano Lietz, na
Alemanha, além das escolas Wynneken, Wickersdorf e Odenwald. Quando discute a renovação
nos Estados Unidos, Lourenço Filho, como Backheuser, traz os planos Dalton e Winnetka, o
sistema de unidades didáticas de Morrison e os sistemas de “projetos” e de “unidades de
trabalho”.
Na Inglaterra, o pioneiro cita as escolas secundárias de Rugby e de Oundle, as quais não
foram citadas por Backheuser. Na primeira, sob a direção de Thomas Arnold os alunos eram
ensinados a trabalhar com o espírito solidário, sendo, por conta disso, organizados em grupos
que viviam em casas separadas, cada um sob a orientação de um professor e de membros da
sua própria família. Na segunda, dirigida por R. W. Sanderson59, os castigos físicos e o ensino
demasiadamente intelectualista eram combatidos, sendo estimulados à colaboração, o despertar
do interesse e a escola como uma sociedade em miniatura:
O diretor de Oundle desse modo esboçava o princípio da individualização do ensino,
ou de sua melhor adaptação às diferenças individuais, como também o princípio de
59 Lourenço se refere a Sanderson como um “moderno Pestalozzi”. Diz que não é suficientemente lembrado no
movimento renovador, mas, que suas observações abriram caminho para a organização escolar e para a
investigação psicológica.
172
iguais oportunidades a todos. Visava também ao ideal da paz pela escola
(LOURENÇO FILHO, 2014, p. 244).
Diferente de Backheuser, Lourenço Filho destaca as primeiras aplicações da escola nova
no ensino público e cita a Reforma de Munique, onde Kerschensteiner defendia o despertar do
interesse e a atividade, na conhecida “escola do trabalho”. Esta experiência, segundo ele, teria
inspirado escolas de experimentação em Leipzig e em outras cidades como Berlim e Hamburgo,
dentre outras. Ele traz ainda a experiência do Plano de Iena, dirigido por Peter Petersen, na
Alemanha; a reforma educativa da Áustria sob a batuta de Otto Gloeckel, ministro da educação;
a experiência de Maria Montessori, na Itália; as iniciativas de Roger Cousinet, na França,
conhecidas pelo sistema de “trabalho por equipes”; os centros de interesse de Decroly, na
Bélgica e as experiências suíças de Ferriére e de Claparède, este último criador do Laboratório
de Psicologia da Universidade de Genebra.
No Brasil, Lourenço Filho destaca a experiência desenvolvida por Armanda Álvaro
Alberto - signatária do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova - na Escola Regional de
Meriti, no Rio de janeiro, por ele considerada a mais completa experiência de educação
renovadora no país, pela sua intenção socializadora, os seus procedimentos didáticos e a
compreensão e defesa da cooperação entre família e escola. Cita também como ensaio brasileiro
no ensino secundário, a experiência realizada no Instituto Cruzeiro Álvaro Neiva, onde era
desenvolvido um sistema de organização geral das atividades escolares sob a forma de
instituições: associações, núcleos, centros, academias, grêmios, oficinas, etc.
Organização de museus escolares
O museu escolar na Escola Nova não pode ser idêntico ao da escola tradicional. Nesta,
estando a escola preocupada essencialmente com o ensinar, o museu que interessava
era apenas o museu de história natural, com algumas pedras, alguns vegetais, alguns
animais. Figuravam nas etiquetas, ao lado do nome vulgar o nome científico em latim
(para crianças!), com indicação da localidade onde fora recolhida a amostra e, quando
muito, a indicação de suas possíveis utilizações. Só. Isto que está perfeitamente certo
para um museu de instituto superior ou talvez secundário é inócuo em um colégio
primário. O museu, assim feito, não interessa aos alunos. Passa-se por ele sem se
olhar. O museu da Escola Nova há de ser não apenas instrutivo mas educativo em suas
várias modalidades (BACKHEUSER, 1934, p. 295) (grifo do autor).
Na última parte de Técnica da Pedagogia Moderna o autor ressalta que o museu, sob a
égide da Escola Nova, deve ser educativo no tocante às modalidades científica, artística
econômica, cívica e moral e sintetiza as principais características que deveriam ser levadas em
173
conta na sua organização, dentre elas: devem ser exposições permanentes de caráter prático e
não simples coleções; devem ter feição social e cívica sem prejuízo a parte científica e artística;
devem permitir que o aluno aprenda por si, observando, tocando e até manipulando os objetos;
devem ter caráter socialmente educativo porque serão organizados com a colaboração de
mestres e alunos; deverão existir três tipos de museu: da classe, da escola e o museu pedagógico
central; o museu de classe deverá ser organizado pelos alunos guiados pelo professor e conter
tudo o que os alunos selecionarem como interessantes; trará vivacidade e alegria ao ambiente
educativo; o museu da escola deverá ter sala própria, aberta aos alunos; deverá ser dirigido por
um professor.
Everardo Adolpho Backheuser conclui o seu manual enfatizando que em face do
detalhamento tanto dos problemas quanto das técnicas da Escola Nova ao longo da obra, julgava
estar dispensado de apresentar conclusões. Afirma apenas, a título conclusivo, que sua defesa
do estudo e da prática da Escola Nova se devia a crença de que se não a conhecerem - técnicos,
filósofos ou político -, não poderão executá-la, ao mesmo tempo que, se não examiná-la na
prática, não poderão julgá-la.
***
O manual analisado nesse capítulo foi compreendido como o resultado, a síntese do
processo de apropriação criativa realizada pelo seu autor, tanto do repertório escolanovista
presente no Manifesto quanto do repertório católico contido na Encíclica, e em outros textos de
autores escolanovistas, católicos e os ligados à Psicologia. A análise das prescrições teóricas e
técnicas do projeto educacional que este impresso comunica, traz indícios de como o
escolanovismo católico backheusiano tem como marca a interlocução da ciência com a religião
quando almeja uma educação integral baseada numa concepção espiritualista de homem, de
vida e de universo.
Ao expressar a sua representação de Escola Nova ele vai se distanciando dos autores
que denominou comunistas e ou socialistas, como Dewey e seu principal seguidor no Brasil,
Anísio Teixeira, porque, na sua opinião, se aproximavam de uma concepção de base
experimentalista e materialista, portanto, diferente da sua. Para fundamentar os seus argumentos
se apropriou de vários autores, apesar de muitas vezes não citá-los, tanto leigos quanto católicos
e, em especial, daqueles tratadistas da Escola Nova e os da área da Psicologia, essencialmente,
os ligados ao ramo psicológico que julgou mais adequado à perspectiva pedagógica que propôs.
174
Dessa forma, incitou a interlocução entre ciência e religião, desde que aquela fosse
pensada à luz desta, acatando parte dos princípios escolanovistas e recusando os que não
considerava compatíveis com o seu pensamento, fortemente fundamentado no catolicismo. Foi
assim que privilegiou a Psicologia e também a Biologia em detrimento da Sociologia, porque
esta ciência pagã, no seu entendimento, concorria com Deus, porque ditava as finalidades da
vida frente ao indivíduo. Foi assim que assumiu a defesa de uma educação integral que partisse
do interesse da criança, ensinasse o princípio da colaboração e, incluindo o Ensino Religioso,
educasse para a vida terrena e para além dela, para o plano sobrenatural.
Depreende-se que para produzir esse bem cultural - o manual - Everardo Backheuser
transitou pelo campo educacional a partir de certas motivações e necessidades, movimentou
determinadas práticas (modos de fazer) e representações (modos de ver), as quais, com a
circulação deste impresso, foram difundidas alimentando e produzindo novas práticas, novas
leituras, novas apropriações e representações.
175
4 MANUAL DE PEDAGOGIA MODERNA
Everardo Backheuser escreveu o seu primeiro manual pedagógico em 1934 e a partir da
sua 3ª edição, em 194260, o reformulou a pedido dos seus editores, alterando inclusive o título
do impresso. No período de publicação deste manual, o Brasil ainda estava sob a atmosfera
marcada pelas mãos e ações de Getúlio Vargas, primeiro com o governo provisório (1930-1934)
e depois com a instauração da sua ditadura, o Estado Novo (1937-1945). Essa conjuntura teve
influência direta no campo educacional, terreno contestado, disputado por pioneiros e católicos.
Entre as medidas capitaneadas pelo governo getulista na esfera educacional destacam-se: a
Reforma Francisco Campos; a Constituição de 1934; a criação do Instituto Nacional de Estudos
Pedagógicos - INEP; a Constituição de 1937 e as Reformas Capanema.
No primeiro semestre de 1931, como o primeiro a ocupar o cargo de Ministro da
Educação e Saúde Pública (fundado em 1930) do governo getulista, o escolanovista Francisco
Campos baixou um conjunto de sete decretos61 entre os quais aquele que reintroduziu o Ensino
Religioso facultativo nas escolas públicas oficiais. Para Cury (1978) essa inclusão foi uma
estratégia para a moralização individual pela doutrina católica.
A nova Constituição (BRASIL, 1934) foi aprovada no momento em que atuou
fortemente a Liga Eleitoral Católica (LEC)62. Houve fortes debates em torno desta Constituição
e dos rumos da educação nacional. Os princípios científicos e técnicos aplicados na educação
(na reforma empreendida por Anísio Teixeira e Pedro Ernesto no Distrito Federal) entraram em
confronto com a defesa da fé, da moralidade e da liberdade por parte de Alceu Amoroso Lima
(então presidente da LEC e grande nome do Centro Dom Vital). Este último atacou Anísio
Teixeira em artigos e exigiu, em carta ao então Ministro Capanema, o seu afastamento da pasta
de Educação do Distrito Federal em 1935, quando se estruturava a Universidade do Distrito
Federal (LEONARDI, 2016).
60 Infelizmente não foi possível encontrar nenhum exemplar da 3ª edição (primeira edição do manual reformulado)
datada de 1942. Para esta pesquisa foi estudada a 4ª edição, de 1948. Não foram encontradas fontes que
demonstrassem modificações em relação à edição de 1942. 61 Decreto nº. 19.850 de 1931 (Conselho Nacional de Educação); Decreto nº. 19.851 de 1931 (organização do
ensino superior e regime universitário); Decreto nº. 19.852 de 1931 (organização da Universidade do Rio de
Janeiro); Decreto nº. 19.890 de 1931 (organização do ensino secundário); Decreto nº. 19.941 de 1931
(restabeleceu Ensino Religioso nas escolas públicas); Decreto nº. 20.158 de 1931 (organiza o ensino comercial
e regulamenta a profissão de contador, entre outras providências) e o Decreto nº. 21.241 de 1932 (consolida as
disposições sobre a organização do ensino secundário) (SAVIANI, 2013). 62 Já se tratou da LEC no capítulo 2 desta tese. Importa lembrar que ela fomentou a mobilização do eleitorado
católico e provocou a entrada da Igreja na Constituinte com a maior parte de representantes dispostos a inserir
as suas teses na Constituição (CURY, 1978).
176
Getúlio Vargas se dispôs a apoiar a inclusão de teses católicas nessa Constituição
recebendo em troca apoio político da Igreja. Esse acordo abriu espaço para a liderança de Alceu
Amoroso Lima na formulação da política educacional e também na indicação63 ou veto de
nomes para o exercício de cargos públicos e também para o magistério (SAVIANI, 2013).
O INEP foi criado, pela Lei n.º 378, no dia 13 de janeiro de 1937, sendo chamado
inicialmente de Instituto Nacional de Pedagogia (BRASIL, 1937). A partir de sua fundação
tornou-se o irradiador do pensamento educacional brasileiro nas décadas de 1940, 1950 e 1960,
além de subvencionar, com a produção de estudos e pesquisas sobre a realidade educacional do
país, as políticas voltadas para a educação. Em 1938, o órgão iniciou seus trabalhos de fato,
com a publicação do Decreto-Lei nº. 580 (BRASIL, 1938), regulamentando a organização e a
estrutura da instituição e tendo modificada a sua denominação. Lourenço Filho foi nomeado
para o cargo de diretor-geral64. Segundo o Decreto-Lei nº. 580 (BRASIL, 1938) cabia ao INEP:
organizar a documentação relativa à história e ao estado atual das doutrinas e técnicas
pedagógicas; manter intercâmbio com instituições nacionais e internacionais; promover
inquéritos e pesquisas; dar assistência técnica aos serviços estaduais, municipais e particulares
de educação, sobre problemas pedagógicos e divulgar os seus trabalhos. Além disso, cabia ao
órgão participar da orientação e seleção profissional dos funcionários públicos da União.
Em 10 de novembro de 1937 foi outorgada uma nova Constituição, no mesmo dia em
que, por meio de um golpe de Estado, era implantada no país a ditadura do Estado Novo. Foi
elaborada pelo jurista Francisco Campos, ministro da Justiça do novo regime, e obteve a
aprovação prévia de Vargas e do ministro da Guerra, general Eurico Dutra.
No início da década de 1940 o então Ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema,
fundamentado na nova Constituição, pôs em marcha uma legislação muito específica, que ficou
conhecida como “Reforma Capanema”, a qual foi baixada por meio de oito decretos-lei65. Entre
os decretos, houve aquele que reformou o Ensino Normal, o qual acabou dando ênfase à
publicação e à circulação dos manuais nas escolas normais, porque inseriu no currículo do
segundo e terceiro ano do curso de formação de professores primários, a disciplina de
Metodologia do Ensino Primário (3ª e 4ª séries) e Prática de Ensino (4ª série). Nestas aulas, o
63 Ressalta-se aqui que Backheuser ofereceu o curso que se eternizou em manual a convite de Amoroso Lima. 64 Na década de 1950, outro escolanovista assumiu a direção do INEP, à época Anísio Teixeira enfatizou o caráter
investigativo do órgão promovendo trabalhos de pesquisa. 65 Decretos-lei n.º 4.028 de 1942 (SENAI); Decreto-lei n.º 4.073 de 1942 (Lei Orgânica do Ensino Industrial);
Decreto-lei n.º 4.244 de 1942 (Lei Orgânica do Ensino Secundário); Decreto-lei nº. 6.141 de 1943 (Lei
Orgânica do Ensino Comercial); Decreto-lei nº. 8.259 de 1946 (Lei Orgânica do Ensino Primário); Decreto-lei
n.º 8.530 de 1946 (Lei Orgânica do Ensino Normal); Decreto-lei nº. 8.621 de 1946 (SENAC) e Decreto-lei nº.
9.613 de 1946 (Lei Orgânica do Ensino Agrícola) (SAVIANI, 2013).
177
professor deveria realizar explicações sistemáticas sobre os programas de ensino primário, seus
objetivos, articulação da matéria, indicação dos processos e formas de ensino, e ainda a revisão
do conteúdo desses programas (BRASIL, 1946, p. 4). Talvez isso tenha influenciado o fato do
manual de Backheuser ter chegado à quarta edição em 1948 e à quinta em 1954.
O capítulo 2 da tese em tela possibilitou a compreensão de que nos anos 1930 no Brasil,
a educação ocupou lugar de destaque no projeto de constituição e fortalecimento de um Estado
Nacional, e foi compreendida como instrumento para a consolidação da nacionalidade.
Educadores ligados ao campo educacional, bem como ao governo, ocupavam-se do debate
acerca da cientificização do campo pedagógico. Para o estabelecimento de uma nova sociedade
e para a formação do cidadão ideal, o professor era considerado o principal agente, então, os
cursos de formação de professores deveriam se ocupar com os subsídios científicos para
fundamentar a atuação e intervenção dos professores no tecido social. Essa conjuntura adentra
os anos 1940.
Interessa saber que à época, o ideário educacional renovador fundamentava-se para a
educação em três áreas, a Sociologia, a Biologia e a Psicologia, isto é, a Pedagogia deveria
apoiar-se nessas fontes para erigir a educação nova. O campo de formação dos professores -
onde Backheuser atuava como docente e também por meio do manual pedagógico - foi
fortemente marcado pela inserção destas ciências consideradas “fontes para a educação”.
Circunscrito nesse contexto, ao atender ao pedido dos editores e reformular o manual, na nova
edição, Backheuser continua dando ênfase a estas fontes, e de maneira especial a duas delas: à
Psicologia e à Biologia. Articulando saberes teóricos e prescrições para a prática pedagógica,
este manual, meio de transformação de ideias, reúne saberes considerados necessários à prática
docente e é tomado como uma estratégia (CERTEAU, 2014) para incidir diretamente sobre a
formação dos professores, ou seja, para consolidar um habitus pedagógico (TEIVE, 2008)
específico, um modo de ser professor.
A partir de meados da década de 1940, pôde ser notada uma preocupação progressiva
com os aspectos práticos e metodológicos ao se pensar na formação dos professores. Nesse
sentido, foi comum os manuais sinalizarem as funções de “guia” (SILVA, 2009). Essa
característica, de compêndio, pode ser percebida nas abas da 5ª edição66 do manual de
Backheuser, datada de 1954, quando o autor, referindo-se a si mesmo na terceira pessoa,
classifica o seu impresso como uma enciclopédia e afirma que:
66 A edição estudada aqui, de 1948, trata-se de cópia digitalizada, então, não foi possível o acesso às abas. De
qualquer forma, infere-se não ter havido alterações de uma edição para outra.
178
O antagonismo de concepções filosóficas, políticas e pedagógicas marca e abala a
nossa época, gerando ou aumentando os conflitos e incertezas que a caracterizam.
Têm, pois, a maior oportunidade, são aliás indispensáveis, as obras educacionais que,
como a presente, fazem uma exposição crítica imparciais das diferentes teorias que
lutam pelo predomínio, que exigem ser postas em prática. Já não basta sabermos o
que significam behavorismo, psicanálise, Psicologia estrutural, Escola Nova, etc. - é
mister que lhes conheçamos os defeitos e as vantagens, que possamos estudar a teoria
e a prática dos velhos e novos pedagogos. Este Manual de Pedagogia Moderna foi
concebido e escrito no sentido dessa exposição crítica. Em suas páginas, o Prof.
Everardo Backheuser, cuja vida tem sido dedicada ao estudo dos magnos problemas
de Pedagogia, ensina lições claras, precisas e importantes: - Trata exaustivamente da
conceituação da Educação e Pedagogia; mostra as íntimas relações entre a Pedagogia,
a Biologia, a Psicologia, a Filosofia e a Sociologia; estuda os diferentes fatores da
Educação; mostra o papel do mestre, da família e da sociedade na educação do
indivíduo; estabelece os princípios cardiais da Escola Nova e comenta os diferentes
problemas de Pedagogia Prática. Esta obra destina-se particularmente aos alunos e
alunas das escolas normais e institutos de educação, mas os seus lineamentos e lições
muito aproveitarão o professorado já em exercício. O Manual de Pedagogia Moderna
é também uma verdadeira enciclopédia de educação e está escrito em linguagem
acessível a todos, de sorte que muito se recomenda aos pais e mães interessados na
boa formação dos filhos e a quantos queiram documentar-se no cada vez mais
importante setor educacional (BACKHEUSER, 1954) (grifos do autor).
Para Silva (2005) de 1870 a 1930 os manuais enfatizaram diferentes polos do triângulo
didático. Primeiro se preocuparam com as atribuições do professor, depois com as questões
organizacionais da escola e, finalmente, inspirados no movimento escolanovista,
desenvolveram saberes relacionados à compreensão da infância. Mobilizando saberes no intuito
de compreender o desenvolvimento da criança, os manuais pedagógicos, afinados ao ideário
escolanovista, tiveram como referência trabalhos de pedagogos, médicos, psicólogos, biólogos,
sociólogos, filósofos, entre outros. Com o objetivo principal de ofertar a educação integral, o
foco esteve nas atitudes, nas disposições e no comportamento da criança. Entre 1940 e 1970,
os manuais se voltaram a outro elemento, os métodos didáticos. E nessa direção, privilegiaram
a explicação de como organizar os conteúdos, planejar as aulas, usar técnicas de ensino e avaliar
o rendimento dos educandos, tendência mundialmente conhecida como “tecnicização do
ensino”.
Voltando as lentes para o manual analisado no terceiro capítulo dessa tese, pode-se
perceber a preocupação com a edificação da educação integral, com o desenvolvimento da
criança e também com a exposição de algumas sugestões didáticas visando pôr em prática os
pressupostos do ideário renovador, depurados do que não fosse compatível com a religião
católica. No entanto, no manual reformulado no início da década de 1940, além de todas essas
questões permanecerem como mote, constata-se que o autor matiza a necessidade de conhecer
e compreender a personalidade da criança por meio da Psicologia e da Biologia, e, tendo como
filtro a filosofia católica, conciliar os preceitos escolanovistas com as práticas ditas tradicionais,
179
já sedimentadas. Por conseguinte, o manual materializa algumas prescrições para tal
conciliação.
Os manuais pedagógicos escritos por Backheuser foram tomados aqui como estratégias
(CERTEAU, 2014), suportes de divulgação de uma Pedagogia muitíssimo particular.
Estratégias essas associadas às apropriações e às representações (CHARTIER, 1990) que o
autor fez do ideário escolanovista, avaliando as suas proposições e privilegiando as julgadas
como mais adequadas ao seu projeto educacional. Destarte, com o objetivo de analisar o
conteúdo deste manual detectando, de forma especial, as diferenças relacionadas à edição de
1934, e identificando pistas daquilo que aqui foi cognominado escolanovismo católico
backheusiano, a organização deste capítulo foi elaborada da seguinte forma: no primeiro
subcapítulo, são analisados os aspectos estruturais do manual, atentando para a nova
organização do texto, e, em especial para os acréscimos realizados; os subcapítulos
subsequentes são eixos de análise estrategicamente escolhidos para sintetizar o texto do manual,
bem como para caracterizar os pontos essenciais da Pedagogia nova backheusiana.
4.1 ASPECTOS ESTRUTURAIS
A 1ª edição desta obra data de 1934 e foi estudada no capítulo anterior. A 2ª data do ano
de 1936, texto que foi sendo desenvolvido durante o período de existência da CCBE e, em 1942,
foi reeditado com o título de Manual de Pedagogia moderna (Teoria e Prática). Na 3ª edição,
as modificações envolveram a atualização de dados, a reordenação dos antigos capítulos e a
inserção de alguns novos. Essa metamorfose, como esclarece o autor, teve o intuito de
transformar o livro em um compêndio de Pedagogia para uso das Escolas Normais e Institutos
de Educação. O manual foi publicado novamente em 1948 (4ª edição) e em 1954 (5ª edição).
A mudança anunciada pelo autor no prefácio da 3ª edição pode ser notada em todo o
livro, a começar pelo título. A organização do manual também é diferente, pois, deixa de contar
com 10 capítulos subdivididos em temáticas, e passa a apresentar 6 seções subdivididas em 15
capítulos e, o número de páginas é superior, de 311 passou para 409.
Na 4ª edição, mesmo tamanho da 1ª, de 12cm de largura por 18cm de altura, também
com encadernação do tipo brochura conforme Figuras 25 e 26, Backheuser faz tal qual na 1ª,
uma dedicatória à sua segunda mulher Alcina, apresenta o índice, e também um prefácio da 3ª
edição onde explica, resumidamente, as alterações realizadas:
Prefácio da 3ª edição:
180
Êste livro que, em suas duas primeiras edições, apareceu sob o título de Técnica da
Pedagogia Moderna sofre agora modificações profundas, não só na atualização dos
informes como na própria coordenação dos antigos capítulos com a adição de outros
novos que não constavam daquelas edições. Procedemos a essa verdadeira
metamorfose com o objetivo, desejado pelos editôres, de torná-lo um compêndio de
Pedagogia para uso de escolas normais e institutos de educação. Essas circunstâncias
forçaram a mudança do título da obra (BACKHEUSER, 1948, p. 13).
Figura 26 - Folha de rosto do Manual de Pedagogia Moderna (Teoria e Prática) - 4ª edição,
194867
67 A capa do manual não é a original, e sim, uma capa dura. Por isso optei por trazer a folha de rosto.
181
Fonte: Acervo pessoal de Maria Fernanda Batista Faraco Werneck de Paula (adquirido no sebo
www.estantevirtual.com.br).
Figura 27 - Lombada do Manual de Pedagogia Moderna (Teoria e Prática) - 4ª edição, 1948
182
Fonte: Acervo pessoal de Maria Fernanda Batista Faraco Werneck de Paula (adquirido no sebo
www.estantevirtual.com.br).
O prefácio novamente é escrito pelo Padre Leonel Franca seguido de um Preâmbulo da
1ª edição escrito pelo próprio autor. As grandes seções são subdividas em 16 capítulos (ver
Quadro 3):
183
Quadro 3 - Sumário do Manual de Pedagogia Moderna (Continua) SEÇÕES CAPÍTULOS Nº DE
PÁGINAS
I
CONCEITO DE
EDUCAÇÃO E DE
PEDAGOGIA
Capítulo I - Apresentação do problema
Educar para a vida total
A Pedagogia como arte e como ciência
Visão panorâmica da Pedagogia
15
II
CIÊNCIAS
BASILARES DA
PEDAGOGIA
Capítulo II - Ciências basilares e correlatas da Pedagogia
Biotipologia
Psicologia
Estruturalística
Biologia
Ética ou Moral
Filosofia
Sociologia
Ciências, letras e artes
49
III
FATORES DA
EDUCAÇÃO
Capítulo III - A personalidade
Exame pedagógico do corpo
Índice de robustez e deficiências físicas
Exame pedagógico das funções psíquicas
Exame pedagógico das estruturas psicológicas
Exame pedagógico das características temperamentais
Capítulo IV - Do mimetismo em Pedagogia
Aquisição de hábitos
Fixação de hábitos
Capítulo V - O interesse em Pedagogia
Conceitos gerais
O interesse segundo a idade
O interesse na técnica do ensino
Como despertar o interesse:
Fazer perder a timidez à criança
Aproveitar as oportunidades do agrado da criança
Aguçar a curiosidade da criança
Prêmio e castigo como estimuladores do interesse
Capítulo VI - O “meio” em Pedagogia
Projeção subjetiva do meio objetivo
Mios objetivos propriamente ditos
O meio natural
O meio cultural
O meio social
62
Fonte: Elaborada pela autora, 2014.
Quadro 3 - Sumário do Manual de Pedagogia Moderna (Continuação) SEÇÕES CAPÍTULOS Nº DE
PÁGINAS
IV Capítulo VII - Os educadores
O educador profissional 50
184
OS EDUCADORES
E A EDUCAÇÃO
Seleção do magistério
O papel do mestre na Escola Nova
Educadores não profissionais
Capítulo VIII - Educação Integral
Educação Física
Educação Científica
Educação Artística
Educação Econômica
Educação Social e Política
Educação Moral e Religiosa
Educação Cívica
Educação Doméstica
Educação Manual
V
PRINCÍPIOS
CARDEAIS DA
ESCOLA NOVA
Capítulo IX - Considerações preliminares
Escola Nova e escola tradicional
Aspectos da Escola Nova
Aspecto pedagógico
Aspecto filosófico
Aspecto psicológico
Aspecto político
Pontos de dúvida
Capítulo X - A iniciativa
A iniciativa do aluno
Impressão e observação
Associação E Expressão
Iniciativa do professor
A iniciativa da escola urbana e na escola rural
Capítulo XI - A cooperação
Cooperação entre pais e filhos
Cooperação entre professores e alunos
Cooperação entre lar e escola
O entendimento harmônico entre pais e professores
Deve se processar normalmente dentro da via da escola
Círculos de pais e professores
Acordo em torno dos princípios básicos da educação
Cooperação entre alunos
A colaboração como técnica educativa
Cooperação entre professores
A cooperação dos governos
Capítulo XII - A escola única
Escola única como monopólio do ensino
Necessidade do ensino particular
Variedades de aspecto da escola única
Coeducação
Escola da democracia
Escola neutra e leiga
Escola única como escola anti-regional
Escola única como escola unitária
108
Fonte: Elaborada pela autora, 2014.
Quadro 3 - Sumário do Manual de Pedagogia Moderna (Conclusão) SEÇÕES CAPÍTULOS Nº DE
PÁGINAS
VI - PROBLEMAS
DE PEDAGOGIA
PRÁTICA
Capítulo XIII - Algumas técnicas modernas
Excursões
Centros de interesse
88
185
Método de projetos
“Planos” americanos e europeus
Platoon plan
Plano Winnetka
Plano Dalton
Plano Howard
Plano Lietz
Planos Wickersdorf e Odenwald
Plano Manheim
Museus Escolares
O museu de classe e de escola
Dramatizações
Capítulo XIV - Da matrícula
Os questionários
A ficha de matrícula
A inscrição
Caderneta escolar
Idade escolar
Obrigação escolar
Capítulo XV - Da organização das classes
Critérios de homogeneização
Classes de analfabetos
Teste de Winckler (Leipzig)
Teste ABC
Nota
Teste Minas Gerais
A repetência
Classes de ajustamento
Homogeneização e equipes
Horários
Capítulo XVI - Julgamento e seleção de alunos
Critérios de julgamento
Processos subjetivos
Processos objetivos
Confecção dos testes
Aplicação dos testes
Apuração dos testes
Objeções ao valor dos testes
Escolha do critério de julgamento
Uma eloquente pesquisa
Testes
Mecanismos de testes
Seleção
Nota final
Fonte: Elaborada pela autora, 2014.
O manual de 1934 abre o seu conteúdo com 20 (vinte) páginas no capítulo I
Considerações Gerais, o qual versa sobre a expressão Escola Nova e os seus usos, aproveitando
para cotejá-la com a escola tradicional. Em 1948, a seção I Conceito de Educação e de
Pedagogia é composta pelo Capítulo I Apresentação do Problema que, em 15 páginas, aborda
uma visão geral da pedagogia como arte e como ciência e, também a questão de Educar para a
186
vida total. Esse último assunto vem contemplar as 8 páginas que o primeiro manual dedicou a
Educar para a vida e pela a vida no capítulo VIII.
O capítulo IV, “A Pedagogia e as ciências correlatas” do primeiro manual, em 55
(cinquenta e cinco) páginas, dá ênfase à Biologia; Psicologia (Estruturalística); Ética ou Moral;
Filosofia, Sociologia e Ciências, Letras e Artes. No segundo manual, a temática aparece na
seção II Ciências Basilares da Pedagogia, no capítulo (II) de 49 (quarenta e nove) páginas
intitulado Ciências basilares e correlatas da pedagogia. Todas as citadas acima são novamente
aludidas. E aqui há a inclusão da Biotipologia.
Técnica da Pedagogia Moderna destinou os capítulos II, III, VI e VII para tratar
respectivamente em 20 (vinte) páginas dos Princípios Cardeais da Escola Nova entre os quais
os aspectos filosófico, psicológico e político; em 27 (vinte e sete) páginas, a questão da Escola
única; em 36 (trinta e seis) páginas sobre a Iniciativa; e em 32 (trinta e duas) páginas tratou da
Cooperação. Em Manual de Pedagogia Moderna, todos esses temas foram agrupados na seção
V intitulada Princípios Cardeais da Escola Nova. Então, em 108 (cento e oito) páginas tratou-
se novamente das mesmas questões divididas em capítulos: IX Considerações preliminares,
onde foram trazidos os aspectos da Escola Nova; X A iniciativa; XI A Cooperação e XII A
escola única.
Antes a questão do Papel do mestre na Escola Nova já permeava todo o texto, entretanto,
teve 05 (cinco) páginas e o capítulo IX especificamente destinado a ele. Depois essa temática,
que novamente permeou todo o conteúdo do manual, foi inserida na seção IV Os educadores e
a educação. Em 50 (cinquenta) páginas foram incluídos dois capítulos VII Os Educadores, onde
é tratada a função do professor e VIII Educação Integral. Neste último foram acrescentadas a
Educação Cívica e a Doméstica. No manual anterior, a Educação Integral foi tratada em 31
(trinta e uma) páginas, no capítulo V.
No primeiro manual o último capítulo (X) tratou dos Detalhes da Técnica da Escola
Nova. Em 42 (quarenta e duas) páginas, o autor tratou das Excursões; Centros de interesse;
Método de projetos; Planos americanos e europeus; Dramatizações e Museus escolares. Esses
mesmos assuntos aparecem no manual reformulado na VI seção correspondente aos capítulos
XIII, XIV, XV e XVI. Em 88 (oitenta e oito) páginas são incluídas também a questão da
Matrícula, da Organização das classes e do Julgamento e seleção dos alunos. É nessa parte que
Backheuser trata dos testes de homogeneização das classes, e, onde se pode notar a influência
da Psicologia. Esse tema é matizado no subcapítulo 4.2 da tese porque, tomando a Psicologia
como a ciência capaz de estudar e entender a alma do indivíduo, Backheuser demonstra a
187
fundamental importância deste ramo científico juntamente com a Biotipologia para erigir o seu
projeto educacional.
Além da inclusão descrita no parágrafo acima, Manual de Pedagogia Moderna traz a
inclusão da seção III intitulada Fatores da Educação. Em 62 (sessenta e duas) páginas, o autor
aborda o Capítulo III A personalidade; Capítulo IV Do mimetismo em pedagogia; Capítulo V
O interesse em pedagogia e Capítulo VI O “meio” em pedagogia. A questão aludida no
conteúdo sobre a personalidade mostra o quanto o autor estava inserido no contexto que
reivindicava a inclusão da Psicologia na Pedagogia no sentido de compreender a infância para
agir sobre ela. Para Backheuser esta compreensão seria capaz de despertar o interesse da criança
para o aprendizado, a chave para a moldagem tanto do corpo quanto da alma do educando.
Trata-se disso com mais detalhes no subcapítulo 4.3 desta tese.
A análise dos sumários demonstra que o autor não excluiu as temáticas tratadas em
1934, elas foram novamente ressaltadas em 1948. Houve algumas reformulações,
reorganizações, porém, o que se destaca aqui são as principais inclusões (realçadas no quadro
3, com o fundo na cor vermelha e a fonte na cor branca). Backheuser continuou preocupado
com a explicação conceitual da Escola Nova, propondo metodologias inspiradas no movimento
renovador, apropriando-se de autores dos campos das pedagogias (renovadora e da católica), e,
em especial daqueles ligados à Psicologia e a Biotipologia, e defendendo o seu próprio ideal de
educação, tal qual o fez na 1ª edição de Técnica da Pedagogia Moderna.
Não obstante, em Manual de Pedagogia Moderna, reforça novamente a reintrodução da
religiosidade nos currículos escolares oficiais e, além de trazer a Educação Cívica e a Doméstica
para compor a educação integral que defende, advoga em favor da incorporação da Psicologia
e também da Biotipologia no campo educacional. Interessa então, matizar o quanto a questão
religiosa e essas ciências são importantes para Backheuser, no sentido de compreender a
personalidade da criança, despertar o seu interesse e edificar o projeto educacional, aqui
denominado escolanovismo católico backheusiano.
Ainda nesta edição, o autor faz uso do artifício visual trazendo imagens68 das
experiências escolanovistas realizadas como o “método de projetos realizado na Escola
Gonçalves Dias do Distrito Federal” e na “Escola Rural Alberto Torres no Recife". Traz
também algumas imagens de alguns dos autores que cita como: Kerschensteiner a quem define
como uma das Figuras da Pedagogia Nova na Alemanha; Dewey, Decroly, Claparède e
Kilpatrick como Pioneiros da Escola Nova; Francisco Campos e Fernando de Azevedo como
68 Por se tratar de uma cópia digitalizada, as imagens não são claras, por isso não foram reproduzidas aqui.
188
Vanguardeiros da Escola Nova no Brasil; os Expoentes da Pedagogia moderna no Brasil entre
os quais cita Heitor Lira da Silva; Líderes da Pedagogia católica no Brasil como Padre Leonel
Franca e Alceu Amoroso Lima; Reformadores pedagógicos como Montessori e Froebel; entre
vários outros. O Quadro 469 elenca os autores mais citados nesta edição e a compara com a
anterior.
Quadro 4 - Autores mais citados no Manual de Pedagogia Moderna Nº. AUTORES RECORRÊNCIAS
01 Decroly 21
02 Kerschensteiner 21
03 De Hôvre 17
04 Claparède 17
05 John Dewey/Dewey 14
06 Freud 12
07 Adler 12
08 Lourenço Filho 9
09 Herbart 9
10 Kilpatrick 8
11 Yung/C. G Yung 8
12 Spalding 8
13 Jean-Jacques/ Jean-Jacques Rousseau/ Rousseau 7
14 Vertés 6
15 Pio XI/ Encíclica Divini Illius Magistri 6
16 Dupanloup/Monsenhor Dupanloup 6
17 Pestalozzi 6
18 Kretschmer70 6
19 Anísio Teixeira 5
20 Lechner71 5
21 Delgado de Carvalho 5
22 Spranger72 5
23 Spencer73 5
Fonte: Elaborada pela autora, 2016.
As interlocuções de Backheuser com estes autores de diversos matizes fundamentam o
discurso presente no seu manual e, por conseguinte, o seu projeto educacional. Dialogando com
representantes da Pedagogia da Escola Nova e também da Pedagogia Católica, com filósofos e,
69 Neste quadro compila-se exatamente como Backheuser citou os autores. A tentativa foi de ser fiel a todas as
citações, entretanto, não se descarta a hipótese de uma ou outra recorrência ter escapado aos olhos. Importa
ressaltar que o quadro cumpre o objetivo de demonstrar os autores mais recorrentes na obra. Foram destacadas
as recorrências iguais ou superiores a cinco. 70 Ernst Kretschmer, psiquiatra alemão, ligado aos estudos da Biotipologia. Disponível
em:<http://www.biografiasyvidas.com/biografia/k/kretschmer.htm Acesso em: 9 nov. 2016. 71 Norbert Lechner nasceu na Alemanha e foi pesquisador, cientista político e advogado. Disponível
em:<http://www.flacsochile.org/personajes/norbert-lechner/>. Acesso em: 9 nov. 2016. 72 Eduard Spranger foi um psicólogo, filósofo e pedagogo alemão. Disponível
em:<http://www.biografiasyvidas.com/biografia/s/spranger_eduard.htm>. Acesso em: 6 jul. 2016. 73 Herbert Spencer (1820-1903) foi um filósofo inglês, um dos maiores representantes do positivismo na
Inglaterra. É considerado o fundador da teoria do darwinismo social, onde as classes diferenciadas formariam
a seleção natural na sociedade. Teve grande influência em estudiosos como Durkheim. Disponível
em:<https://www.ebiografia.com/herbert_spencer/>. Acesso em: 9 nov. 2016.
189
com autores da Psicologia e da Biotipologia ele vai tecendo os argumentos que edificam o seu
ideal de Escola Nova. Sobre alguns tece críticas como, por exemplo, a Anísio Teixeira a quem
cita 05 (cinco) vezes (desde o primeiro manual, critica as suas apropriações dos escritos
deweyanos como mostrado no item 3.1.9); a Dewey, considerado por ele como comunista, a
quem cita 14 (quatorze) vezes; a Rousseau e Spencer a quem considera como individualistas, o
primeiro aparece 07 (sete) vezes e o segundo, 05 (cinco) vezes.
A crítica dos educadores católicos, entre eles Backheuser, em relação a alguns tratadistas
da Escola Nova como Dewey e daqueles que se apropriaram desses tratados como Anísio
Teixeira, está profundamente relacionada à laicidade, preceito da tal renovação escolar - à
época, laicidade e comunismo eram tomados como sinônimos. Sob a ótica católica, a ausência
dos princípios religiosos nos currículos escolares oficiais favorecia a formação de uma
sociedade totalitária e comunista (CUNHA; COSTA, 2006).
A proposta educacional deweyana se preocupa com a experiência humana no mundo
real, um mundo em constante transformação o qual é aprendido no plano terreno, escolar, por
meio de uma pedagogia amparada na ciência. Toda a metodologia da escola deweyana percebe
a criança como ser social e psicológico inserido em determinada conjuntura e não como seres
transcendentais definidos no plano da sabedoria divina como quer a pedagogia católica
(CUNHA; COSTA, 2002). O sujeito da educação para o pensamento católico que orienta o
backheusiano está descrito na Encíclica (1929, p. 17): “Com efeito nunca deve perder-se de
vista que o sujeito da educação cristã é o homem, o homem todo, espírito unido ao corpo em
unidade de natureza, com todas as suas faculdades naturais e sobrenaturais [...]”.
Em síntese, a crítica de Backheuser a Dewey tem a ver com encaixá-lo na corrente
pragmática ou empirista a qual, para a doutrina católica, deriva do naturalismo e é constituída
por preceitos que não convergem com a filosófica católica:
O motivo dessa rejeição é que se trata de um pensamento que não considera valores
eternos e absolutos, pregando a inexistência de conceitos fixos e verdades eternas,
considerando todas as coisas como dotadas de uma natureza mutável, prática e
material (CUNHA; COSTA, 2006, p. 290).
No campo da educação, seguidores de Dewey são tomados pelos autores orientados pelo
catolicismo como defensores de uma educação total que despreza as questões espirituais porque
está voltada para os bens sociais e coletivos, os quais acarretam na formação de uma sociedade
socialista e laica. Compreende-se que para Backheuser, se não filtrada pela filosofia católica, a
Escola Nova pode conduzir a humanidade à negação da existência de Deus.
190
Os pensadores brasileiros, conhecidos como pioneiros da educação nova, Lourenço
Filho e Fernando de Azevedo, também foram citados, neste caso, o mais citado é o primeiro,
foram 09 (nove) vezes; o segundo, 05 (cinco) vezes. Em relação aos pioneiros, nos dois
manuais, as críticas do autor se referem de forma contundente a Anísio Teixeira, o qual, na
opinião do autor do manual, segue à risca o pragmatismo deweyano. Lourenço Filho e Fernando
de Azevedo aparecem mais como referências escolanovistas para reforçar a tese do autor, ainda
que ao tratar dos testes psicológicos e ao ramo da Psicologia mais adequado ao campo
pedagógico, Backheuser se contraponha a Lourenço Filho. Fernando de Azevedo, por exemplo,
é lembrado como alguém que o convidou para algumas atividades, como a diretoria de algumas
escolas para ensinar e praticar a metodologia renovada.
Pensadores alemães voltados à Psicologia são recorrentemente citados: Kretschmer,
psiquiatra ligado aos estudos da Biotipologia, 06 (seis) vezes; e Spranger, relacionado à
Psicologia estruturalística 05 (cinco) vezes. Apesar de não terem sido encontrados os dados
biográficos de Vertés, citado por 06 (seis) vezes, infere-se que também seja um autor ligado à
área da Psicologia porque é referenciado no manual para tratar do meio objetivo e a projeção
subjetiva do meio objetivo em Pedagogia. Os representantes da Psicanálise também são
lembrados: Yung, 08 (oito) vezes; Adler e Freud, 12 (doze) vezes cada um (no item 4.2 pode-
se ver que Backheuser cita essa corrente da Psicologia de forma crítica).
Lechner, cientista político alemão também é citado 05 (cinco) vezes; e Herbart, filósofo
alemão que inaugurou a análise sistemática da educação e mostrou a importância da Psicologia
na teorização do ensino é citado 09 (nove) vezes.
Além de Dewey, outros pensadores ligados ao movimento escolanovista ao nível
mundial são citados várias vezes. Claparède74, citado 17 (dezessete) vezes foi um cientista
suíço, apaixonado pelas ciências naturais, interessado em Psicologia Pedagógica, Psicologia e
Pedagogia Funcional e Neurologia, e, representante da Psicologia influenciada pela Biologia,
se preocupou em compreender o funcionamento da mente infantil. Doutorou-se em Medicina e
depois abandonou os seus estudos de Neurologia e Psicologia animal para se dedicar
integramente à Psicologia da Infância (ARCE; SIMÃO, 2007).
Campeão de citações ao lado de Kerschensteiner, o médico e educador belga Decroly
foi citado 21 (vinte e uma) vezes. Especialista em Neurologia era entusiasta por experiências
laboratoriais e valorizou, em sua obra educacional, as condições do desenvolvimento infantil
74 Em 1930, Claparède visitou o Brasil, realizou duas conferências e entrou em contato com alguns educadores
brasileiros, entre eles: Lourenço Filho, Mário Casassanta, Francisco Venâncio Filho e outros (ARCE; SIMÃO,
2007).
191
destacando o caráter global da atividade da criança e a função de globalização do ensino.
Decroly, tal qual Backheuser, almejou conciliar Psicologia e Pedagogia na prática educacional
que, para ele, não consistia numa preparação para a vida adulta, porque a criança deveria
preocupar-se com os problemas do tempo presente. Apoiado na Psicogênese acreditava que “a
criança não é nem um adulto em miniatura nem uma cera virgem. Ela é simplesmente um outro”
(DUBREUCQ, 2010, p. 18). E na sua concepção, a atividade é a chave do crescimento e a
educação, age sobre essa atividade, podendo detê-la ou dirigi-la em sentidos favoráveis e ou
desfavoráveis. Quanto mais estimulada for a atividade, o interesse, mais se favorece o
desenvolvimento das capacidades sensoriais, perceptivas, intelectuais e expressivas da criança.
Esse estímulo vai garantir a experiência que será material para as aprendizagens posteriores
(DUBREUCQ, 2010).
Kerschensteiner, vanguardista na ideia de uma educação ativa, da escola do trabalho,
onde a teoria e a prática se complementavam, também foi citado 21 (vinte e uma) vezes. O
pedagogo alemão, tanto quanto Backheuser, defendia que a vontade de aprender deveria partir
da criança, pois na sua tese, o aprendizado acontece de dentro para fora e não de fora para
dentro. De acordo com Dallabrida (2015), Kerschensteiner acreditava que era função da
educação a formação cívica e social dos alunos. Assim a escola deveria funcionar como uma
minissociedade que formaria cidadãos úteis ao Estado. Nessa direção, se a escola, baseada em
atividades, funcionasse como uma sociedade em miniatura, as crianças aprenderiam a viver,
conviver e “trabalhar” como numa sociedade. A escola idealizada por Kerschensteiner levava
em conta a individualidade de cada criança e nesse sentido os dons naturais de cada um eram
destacados. Ainda assim, a educação deveria se basear em atividades colaborativas, as crianças
deveriam trabalhar unidas, pois, na sua opinião, é preciso que todos os indivíduos estejam
dispostos a encontrar interesses em comum para então, trabalhá-los juntos (DALLABRIDA,
2015).
O filósofo norte-americano que cunhou o termo “Método de projetos”, Kilpatrick, é
citado 08 (oito) vezes e Pestalozzi, sistematizador do método de ensino intuitivo e, considerado
pelo autor do manual, como pioneiro da Escola Nova, 06 (seis) vezes. Também como
representante do movimento escolanovista, citou por 05 (cinco) vezes o precursor da Geografia
Moderna no Brasil, o francês Delgado de Carvalho.
Da Pedagogia católica, os mais citados foram Pio XI, autor da Encíclica Divini Illius
Magistri (06 vezes); o bispo, teólogo, jornalista e político francês Félix Antoine Philibert
Dupanloup (06 vezes) e Franz De Hôvre, citado 17 (dezessete) vezes, referência para brasileiros
como o Padre Leonel França. Spalding é citado por 08 (oito) vezes.
192
O Quadro 5, a seguir, compara os autores mais citados nos manuais de 1934 e de 1948.
Quadro 575 - Comparação entre os autores citados nos dois manuais
Nº. AUTORES RECORRÊNCIAS
MANUAL 1
RECORRÊNCIAS
MANUAL 2
01 Ovide Decroly 15 21
02 Georg Michel Kerschensteiner 13 21
03 Franz De Hôvre 17 17
04 Edouard Claparède 12 17
05 John Dewey 11 14
06 Alfred Adler 11 12
07 Sigmund Freud 10 12
08 Lourenço Filho 7 9
09 Johann Friedrich Herbart 6 9
10 William Heard Kilpatrick 7 8
11 Yung 6 8
12 Spalding 5 8
13 Jean-Jacques Rousseau 7 7
14 Pio XI/ Encíclica Divini Illius Magistri 7 6
15 Félix Antoine Philibert Dupanloup 7 6
16 Johann Heinrich Pestalozzi 6 6
17 Vertes - 6
18 Ernst Kretschmer - 6
19 Anísio Teixeira 10 5
20 Delgado de Carvalho 5 5
21 Herbert Spencer 4 5
22 Eduard Spranger 1 5
23 Norbert Lechner - 5
24 Fernando de Azevedo 5 4 Fonte: Elaborada pela autora, 2016.
Os pioneiros da educação nova no Brasil foram citados em ambos os manuais. No
manual de 1934, Anísio Teixeira, Lourenço Filho e Fernando de Azevedo apareceram 10 (dez),
07 (sete) e 05 (cinco) vezes respectivamente. Na década seguinte apareceram 05 (cinco), 09
(nove) e 04 (quatro) vezes.
Pensadores ligados ao movimento escolanovista em escala mundial também aparecem
em ambos os manuais: Claparède 12 (doze) e 17 (dezessete), Dewey 11 (onze) e 14 (quatorze),
Herbart 06 (seis) e 09 (nove), Spencer 04 (quatro) e 05 (cinco), Kilpatrick 07 (sete) e 08 (oito)
e os novamente mais citados Decroly 15 (quinze) e 21 (vinte e uma) e Kerschensteiner, primeiro
13 (treze) e depois 21 (vinte e uma) vezes.
Aqueles ligados à Pedagogia católica também foram mantidos. De Hôvre, Dupanloup e
a Encíclica com o Papa Pio XI foram citados 17 (dezessete), 07 (sete) e 07 (sete) primeiro e
75 Foram elencadas as recorrências iguais ou superiores a cinco, no manual 1 e/ou no manual 2.
193
depois 17 (dezessete), 06 (seis) e 08 (oito) vezes respectivamente. A tríade da Psicanálise
aparece novamente, Freud foi citado 10 (dez) e 12 (doze) vezes, Yung 06 (seis) e 08 (oito) e
finalmente, Adler 11 (onze) e 12 (doze) vezes. Pestalozzi e Rousseau também foram mantidos,
o primeiro foi lembrado 06 (seis) vezes nos dois manuais e o segundo 07 (sete) vezes nas duas
edições do manual. Delgado de Carvalho também apareceu 05 (cinco) vezes em cada. Spalding
apareceu mais no manual de 1948. Primeiro foi mencionado 05 (cinco) e depois 08 (oito) vezes.
Spranger foi citado apenas 01 (uma) vez no primeiro manual, já no segundo aparece 05 (cinco)
vezes. Foram notados três acréscimos de um manual para o outro: Kretschmer, Lechner e
Vertés, ambos foram referidos 06 (seis), 05 (cinco) e 06 (seis) vezes de modo respectivo. O
primeiro demonstra a presença da Biotipologia e o último da Psicologia na argumentação do
autor.
Na 1ª edição Backheuser estava empenhado na discussão dos princípios fundantes da
Escola Nova visando esclarecer e mostrar a aplicabilidade das orientações escolanovistas ao
seu público alvo, o professorado. Nas palavras dele, naquela edição formulou uma “campanha
metódica em prol da Escola Nova” (BACKHEUSER, 1948, p. 259). Para tanto, partiu das
discussões teóricas acerca do pensamento educacional indo até o papel do professor no processo
de ensino. Há nesta edição uma preocupação em esclarecer os princípios escolanovistas e em
sistematizar estes pressupostos além de advertir para o cuidado na execução, quando trata da
metodologia. Este manual é marcado pela intenção de fundamentar e sistematizar o
conhecimento sobre a Escola Nova e mostrar a aplicação prática de seus princípios.
Na edição de 1948, há ainda uma preocupação com a compreensão sobre Escola Nova,
e também com as orientações práticas sobre a ação docente. Contudo, há uma ênfase particular
na necessidade de compreender a personalidade da criança para agir sobre ela, por meio do
interesse. Nesse sentido, o autor destaca a Psicologia e a Biologia como essenciais para essa
compreensão e reforça possíveis interfaces que vislumbra entre a ciência e a religião, o que, por
meio da perspectiva charteriana podem ser compreendidas como indícios da apropriação que
fez dos pontos cardeais da Escola Nova.
Apesar dos temas se repetirem várias vezes, comparando as duas edições, percebe-se a
reformulação de alguns títulos e em alguns momentos, o próprio autor cita a diferença entre as
diferentes edições. Ele tece, inclusive, comentários acerca das conquistas referentes à
implantação dos princípios da Escola Nova nas instituições escolares. Na parte final, foram
acrescentadas informações específicas referentes à administração escolar, como, por exemplo,
sobre a matrícula do corpo discente. E, novas contribuições da Psicologia, particularmente dos
testes para avaliação, seleção, julgamento e classificação dos alunos.
194
Diferente da organização estabelecida para a análise do primeiro manual, desta vez não
serão descritos todos os capítulos e subcapítulos seguindo a ordem do autor. Considerei mais
orgânico definir duas variáveis como eixos de análise do segundo manual. Nessa direção, os
subcapítulos finais desta tese, além de trazerem uma síntese do segundo manual são também
marcados pelo esforço de descortinar os diálogos estabelecidos pelo autor entre ciência e
religião católica (sobretudo pelo uso da Psicologia, dos testes psicológicos para a
homogeneização das classes e da Biotipologia para desvendar a alma da criança); e de
compreender o estudo da personalidade como chave para pôr em marcha uma educação integral
que visa à moldagem do corpo e da alma a partir do interesse.
As ferramentas teóricas selecionadas para fundamentar essa tese são importantes para,
a partir das duas variáveis citadas, buscar compreender a posição que Backheuser ocupou no
campo educacional e, como foi que utilizando os manuais pedagógicos como estratégias (para
divulgar o seu ideal de educação) e também como táticas (quando representaram a sua própria
apropriação de Escola Nova), conseguiu edificar o seu próprio projeto educacional.
4.2 INTERLOCUÇÕES ENTRE CIÊNCIA E RELIGIÃO CATÓLICA: A PSICOLOGIA
COMO CIÊNCIA DA ALMA
Backheuser tinha em vista um homem completo, não
atingido por mutilações na alma e nem limitado pela
fragmentação de teorias que o recortavam em sua
totalidade, em sua humanidade. Descartava, de início, as
proposições que excluíam a alma imortal, bem como
aquelas que afrontavam o sagrado. Em seguida,
posicionava-se partidário de uma teoria psicológica que,
mesmo não pressupondo uma alma católica, não a
excluía, a priori. Visitando as Psicologias, o autor
associava o processo de conhecer ao de classificar e
interpretar cada uma das teorias em pauta, buscando
aquela que mais se aproximasse, ou menos se
distanciasse, das sagradas escrituras (CUNHA;
ERRERIAS, 2000, p. 39).
Sendo uma das principais marcas desta nova versão do manual, a apropriação feita da
Psicologia e o uso desta ciência no campo pedagógico, o objetivo central deste subcapítulo é
matizar a interlocução feita entre ciência e religião católica a partir da defesa de uma Psicologia
integradora, com o intuito de contribuir para o campo pedagógico e, mais, diretamente, para o
seu projeto educacional. Pretendo pois, realçar o ramo da Psicologia eleito pelo autor como o
mais afinado ao seu ideal de educação. Para tanto, almejo desvelar indícios da importância da
195
Psicologia para os projetos educacionais escolanovistas baseados numa Pedagogia Científica,
ressaltando o esboço backheusiano.
Pioneiros e católicos, ao disputar a dominação do campo educacional, se apropriaram
desta ciência. Interessa dar a ver como um ramo psicológico ou outro foi adotado por dois dos
principais representantes destes grupos em conflito. Primeiro, aponta-se pistas do uso da
Psicologia em Lourenço Filho, representante do grupo dos pioneiros, no seu livro Introdução
ao Estudo da Escola Nova e acerca dos Testes ABC; e, depois, mais detidamente, por Everardo
Backheuser, representante do grupo oponente, que, no manual de 1948 se apropriou do ramo
da Psicologia que julgou mais afinado com o seu projeto educacional. Ele, da mesma forma que
o pioneiro, defendeu a aplicação de testes para a padronização das turmas e a Psicologia como
pedra angular na compreensão da personalidade da criança.
Sganderla e Carvalho (2008) afirmam que a Psicologia contribuiu de forma significativa
para a constituição do campo educacional brasileiro. Ao lado da Sociologia e da Biologia, foi
uma das ciências que fundamentou a formação de professores e os debates educacionais, a partir
do início do século XX, no mesmo contexto em que o campo educacional forneceu importantes
elementos que respaldaram a sua constituição como campo científico reconhecido no país. A
defesa de uma pedagogia científica foi uma das características do movimento educacional da
década de 1930. Num contexto em que a educação era considerada a via mais eficaz para a
transformação da sociedade, cabendo à escola (nova) conduzir o indivíduo a um ideal de nação,
a Psicologia emergiu como ciência eficaz para a modelagem dos cidadãos esperados pelo
projeto republicano.
Nessa conjuntura fortalecia-se o movimento de aplicação da Psicologia à educação
através do uso dos testes e medidas. Para os psicólogos da época, os testes representavam a
cientificidade e objetividade necessárias para que a Pedagogia se firmasse como campo do
conhecimento. O chamado “Movimento dos testes” adquiriu uma grande proporção, tanto que
a Diretoria Geral da Instrução Pública do Distrito Federal organizou cursos sobre testes
psicológicos para diretores de escolas (MONARCHA, 2001).
Em vários Estados foram instituídos laboratórios de Psicologia aplicada, os quais
promoveram cursos sobre aplicação de testes. Um dos mais conhecidos foi o conjunto elaborado
por Lourenço Filho em 1933, os Testes ABC, que além de consistirem uma forma de aplicar
experimentalmente a psicologia no campo educacional, serviam para verificar a maturidade
necessária à aprendizagem da leitura e escrita. Segundo Sganderla e Carvalho (2008, p. 183):
196
Esses testes visavam à classificação dos alunos que ingressavam na escola ou eram
repetentes quanto a sua maturidade para a aprendizagem da leitura e escrita,
propiciando um perfil individual e um perfil da classe. Dessa forma, permitia alcançar
o objetivo de homogeneização das classes quanto ao nível de maturidade dos
estudantes, separando-os em classes seletivas para a alfabetização, a fim de que
fossem consideradas as diferenças individuais e se alcançasse maior eficácia nos
resultados escolares.
Na concepção de Lourenço Filho, com base em Watson76, a educação consiste num
processo de condicionamento do comportamento. Ele defende a formação integral da criança,
processo no qual a aprendizagem depende tanto de fatores orgânicos como psicológicos e
sociais. Sendo assim o indivíduo pensa, age e se desenvolve a partir da necessidade de se
adaptar ao meio social no qual está inserido, e para o autor, esta adaptação ocorre de acordo
com a influência da motivação, aprendizagem e personalidade (fatores psicológicos). Esses
elementos se desenvolvem de acordo com características biológicas (orgânicas e hereditárias)
e individuais em interação com o meio (fatores sociais), dependente das relações com as pessoas
e com os objetos materiais. Portanto, na sua concepção, a aprendizagem consiste na variação
do comportamento por efeito da experiência desenvolvida na prática ou exercício em busca de
ajustamento individual.
Para Lourenço Filho as diferenças individuais no espaço da escola prejudicavam o
processo de ensino-aprendizagem, por isso era importante avaliar as crianças e agrupá-las pelas
semelhanças em classes homogêneas. Apesar de partir da individualidade, da diferença, o
objetivo maior deste projeto era a padronização. Aos Testes ABC, aplicados já na matrícula da
criança, cabia selecionar e nivelar em grupos de fortes, médios e fracos e à Psicologia cabia
fornecer “subsídios para a modificação, a alteração do comportamento do educando por meio
do entendimento de seu desenvolvimento psicológico, com base em um modelo explicativo
genético-funcional” (SGANDERLA; CARVALHO, 2010, p. 113).
O papel atribuído aos testes, portanto, era de permitir a intervenção do professor e evitar
práticas do senso comum, que não estivessem calcadas num paradigma científico de atuação.
Em suma, os Testes ABC se atêm a três pontos fundamentais: o diagnóstico das condições de
maturidade para aprender; o prognóstico do comportamento das crianças nas situações
sucessivas de ensino e à necessidade de uma maior atenção a determinados alunos, comumente
considerados “crianças-problema” (LOURENÇO FILHO, 1974). Pois, a identificação das
76 John B. Watson, doutor em Psicologia e suas ideias se tornaram um ponto de referência da Psicologia vigente
na época, sendo denominada de behaviorismo. Disponível em: <http://www.uniriotec.br/~pimentel/disciplinas
/ie2/infoeduc/teowatson.html>. Acesso em: 7 set. 2016.
197
“crianças-problema” permitiria que a escola fosse mais eficiente no atendimento a esses alunos,
moldando seu comportamento.
No manual de 1934 Backheuser ensaiou rapidamente algumas críticas aos ramos da
Psicologia que, segundo ele, não são apropriados para a aplicação na Pedagogia. Entre esses
ramos, situam-se a Psicanálise de Freud e o Behaviorismo (ou Psicologia Comportamental) o
qual, como mostrado acima, foi defendido por Lourenço Filho, signatário do Manifesto e vulto
notável na história das ideias psicológicas no Brasil. Embora ambos se preocupassem com a
questão da personalidade, fizessem uso da Psicologia para conduzir as crianças ao seu sujeito
idealizado e usassem testes psicológicos para homogeneizar as turmas e padronizar os
indivíduos, cada um defendia um ramo específico dessa ciência.
De acordo com Cunha e Errerias (2000) Backheuser criticava a Psicanálise por entender
que, segundo ela, todas as formas de comportamento se baseiam na sexualidade, e, também
pela postura herética do seu fundador, Freud, a qual era incompatível com a doutrina católica.
Já acerca do Behaviorismo de Watson, a crítica backheusiana parte da compreensão de que,
para este ramo, a investigação psicológica deve se processar como um estudo da conduta, do
comportamento e não um exame introspectivo do espírito. Essa conduta se caracteriza pela
herança que o indivíduo traz na sua organização e pelo hábito que desenvolve em sua vida.
Nessa perspectiva, para Backheuser (1934, p. 94), a conduta se reduziria “a reações em face do
estímulo do meio”.
Em face de sua herança empirista, ele se contrapõe a esse ramo psicológico, afirmando
que a conduta, critério de avaliação do homem, pode provir de diversas causas:
Uma criança, por exemplo, que tira de um armário da casa certo objeto pode ter para
isto uma causa condenável ou uma causa nobre: pode tê-lo feito para se apossar
indevidamente do que lhe não pertencia - servir do objeto para compor um brinquedo,
ou seja, realizar certo trabalho. Como este, inúmeros outros fatos (BACKHEUSER,
1934, p. 94).
Errerias (2000) analisa a posição crítica de Backheuser diante do Behaviorismo e a julga
inconsistente. Ele afirma que, a partir da perspectiva católica, a crítica mais coerente seria à
“presunção” deste ramo da Psicologia de considerar o ser humano como tábula rasa, o que
entraria em confronto direto com a acepção de alma que é intrínseco à filosofia católica. Ainda
assim, seria preciso desenvolver esse argumento de uma forma mais sólida porque o
Behaviorismo não presume a inexistência de fatores subjetivos apenas a impossibilidade da
Psicologia estudá-los, já que não são acessíveis aos métodos das ciências naturais. E acrescenta:
198
Em última instância, a razão pela qual Backheuser necessita distanciar-se da
Psicologia Comportamental [Behaviorismo] encontra-se na premência de introduzir a
religiosidade no âmbito educativo. Vem daí sua investida - levada a cabo de qualquer
maneira - para desqualificar qualquer tentativa de expurgar a alma da ciência da alma,
pois aí está a grande ameaça ao seu projeto educacional, no qual a Psicologia consta
como ciência basilar (ERRERIAS, 2000, p. 68) (grifo do autor).
Afora suas discordâncias com a Psicanálise e com o Behaviorismo, Backheuser defende
a Psicologia como uma das ciências basilares da Pedagogia, destacando-a como a principal
delas porque “estuda a alma”. E, dentre os vários ramos desta ciência, elege a Estruturalística
(da mesma corrente da Gestalt, defendida no manual de 1934) afirmando que para esta: “[...] a
alma não é um composto de elementos em mosaico, nem o produto de uma ação única, mas ao
contrário, um complexo harmonioso de várias estruturas entrelaçadas e solidamente presas em
perpétua ligação e interdependência recíproca” (BACKHEUSER, 1948, p. 52).
No seu entendimento, é nesse complexo harmonioso que o meio e a educação agem. É
na alma que se deve agir para modelar o indivíduo, para formar a sua personalidade. E como
ferramentas para agir sobre a personalidade da criança, ele cita vários testes psicológicos em
uso naquele contexto. Backheuser via na alma humana, a trama (aquilo que é peculiar ao
indivíduo) e a urdidura (o que provém das influências externas). No seu olhar sobre o ser
humano, trama e urdidura confundiam-se, ele mesmo diz que apenas um olhar técnico seria
capaz de distingui-las.
A sua concepção de homem afastava-se tanto das teorias que viam o indivíduo como
fruto exclusivo dos seus próprios instintos quanto das que o tratavam como mero resultado do
meio e ainda em relação àquelas teorias que tratavam o ser como simples consequência
hereditária. Para ele, em todo o indivíduo há a integração destas três influências. Por isso,
apropriou-se da Psicologia na Pedagogia como queria a Escola Nova, mas o fez defendendo o
ramo da Gestalt no manual da década de 1930, e continuou, na década de 1940, com ainda mais
ímpeto, quando incluiu a Estruturalística em seu manual. Tanto a tese backheusiana quanto esse
ramo psicológico pleiteiam uma compreensão integradora da realidade, do ser humano.
Na sua acepção, apenas este ramo específico - que contempla o mundo como um todo
integrado o qual não pode ser compreendido apenas como mera soma de elementos - não seria
ameaça ao seu projeto educacional, e, ainda, se tornaria a base de toda a sua Pedagogia. Os
fundamentos da Gestalt tornavam possível uma perspectiva de homem e de sociedade próximos
da tese backheusiana e dos propósitos do seu projeto educacional filtrado pela filosofia católica.
Conforme esse ramo psicológico estivesse em consonância com o catolicismo, ele o validava.
199
O hiato entre Lourenço Filho e Everardo Backheuser, além da perspectiva psicológica
adotada, refere-se, sobretudo, ao sujeito que querem formar: enquanto o pioneiro, a partir de
um prisma mais sociológico, se ocupa da formação integral do indivíduo com o foco sobre o
seu comportamento, o seu ajustamento social; o católico, através de um ângulo metafísico, de
uma leitura cristã do mundo, se ocupa da formação integral do eu transcendental do indivíduo,
para a vida eterna, para o plano sagrado. Marcas da bagagem ideológica destes dois professores
que militaram no mesmo campo, e com estratégias diferentes, se apropriaram dos preceitos
escolanovistas e, nos seus escritos, discursos e práticas representaram, cada um à sua maneira,
a Escola Nova.
Para Cunha e Errerias (2000), o afastamento de Backheuser em relação à Sociologia
pode ser compreendido na medida em que esta ciência estava estreitamente ligada à adaptação
do homem às finalidades da vida. Assim, era uma ciência que concorreria com Deus, porque os
católicos esperavam que as finalidades educacionais fossem uma projeção direta do plano
sagrado. Essa aversão à Sociologia pode ser atrelada ao pensamento nacionalista que atacava
as influências estrangeiras, em especial ligadas às ideias liberais e comunistas porque ambas
eram contrárias ao catolicismo que “desde sempre foi o legislador da alma dessa terra, alma
esta que, por direito de herança e descendência, era e deveria continuar sendo católica”
(CUNHA; ERRERIAS, 2000, p. 37). A oposição instransponível entre Backheuser e Lourenço
Filho nesse quesito fica clara quando se entende que este via o fim da educação na sociedade
enquanto aquele via o transcendente como norteador único e fundamental para as práticas
educativas.
Assim, na concepção backheusiana, para pôr em marcha uma educação integral calcada
no escolanovismo católico seria preciso, além de ofertar um conteúdo espiritual, agir sobre a
personalidade da criança, não apenas para moldar o seu comportamento, mas para educar a sua
alma. E para esse fito os testes psicológicos se apresentavam como instrumentos fundamentais,
bem como o conhecimento de outro ramo da Psicologia que mergulha também na Biologia, a
Biotipologia, para então, desvelar a alma da criança.
4.2.1 Testes psicológicos: instrumentos de ação sobre a personalidade da criança
Apesar de sugerir o Índice de Escolaridade (I.S) para, de certo modo, substituir o critério
psicológico, considerar os Testes ABC como uma apropriação resumida dos testes Winckler, e,
tratar de forma mais detida os Testes Limiar - porque focalizam a verificação do saber social
das crianças - Backheuser defendia a aplicação deste instrumento, tal qual Lourenço Filho, com
200
o objetivo de selecionar os alunos do ponto de vista do preparo escolar para então, poder
reagrupá-los em classes homogêneas.
Para pensar numa metodologia possível para organizar a classe, o autor propôs algumas
suposições e sugestões. Para uma situação, por exemplo, de uma escola pequena com um só
professor ou com poucos alunos, sugeria o método de projetos, porque agrupados em equipes,
os educandos conseguiriam resolver os problemas referentes ao nível de conhecimento porque
trabalhariam em conjunto, de forma harmônica em prol do mesmo objetivo, ou seja, da
execução do projeto. Numa situação que a quantidade de educandos permitisse, seria fixada
uma divisão em séries. Quando houvesse alunos novos e a necessidade de seriá-los mediante
conteúdo ou programa distinto da escola anterior, sugeria a realização de provas ou exames,
por meio dos quais seria possível detectar o nível do educando.
Imaginando a necessidade de subdividir uma mesma série, o autor apresentou os
seguintes critérios: psicológico, sociológico e pedagógico. Apesar de citar o critério
sociológico, não o recomendava porque a situação cultural das famílias, na maioria das vezes,
refletida pela situação econômica, poderia vir a ser um índice separador para homogeneização
das classes escolares, já que crianças que vivem num mesmo meio apresentam condições
similares para aprendizagem porque os seus conhecimentos sociais são, comumente, os
mesmos.
Em relação ao critério psicológico - para ele, o mais exato e seguro - seria necessária a
aplicação de testes de inteligência, o que também não seria exequível no Brasil porque:
Não adiantaria, de fato, uma rigorosa verificação de inteligência, permitindo, por ex.,
a classificação em três grupos (x, y, z), se, logo depois, fosse verificado (e este é o
caso real) que a quantidade de alunos x de cada série não bastava para formar uma
turma e que a dos z era tal que se tornava superabundante. Na classe dos x entrariam
alunos y e nesta alunos z. Como esta, outras hipóteses ocorreriam igualmente
embaraçosas. Os que têm tentado esse critério encontram-se, na prática, em face de
dificuldades insuperáveis, ladeadas com mais ou menos habilidade, mas sempre
revelando falhas no sistema (BACKHEUSER, 1948, p. 373).
Para, de certo modo, substituir o critério psicológico, Backheuser sugeriu tornar critério
de homogeneização das turmas, um índice de escolaridade “constituído por uma fração tendo
para numerador a nota de aprovação e para denominador a idade cronológica em meses”
(BACKHEUSER, 1948, p. 374). O I.S não fornece um quociente intelectual, mas oferece a
indicação de algo que é equivalente à maturidade escolar. Este índice leva em conta aquilo que
é recomendado pelos especialistas, o saber adquirido. E apresenta maior facilidade e
maleabilidade de aplicação nas escolas.
201
O critério pedagógico77 era por ele indicado para subdividir as turmas da mesma forma
com que era usado para dividir os matriculados em séries a partir do adiantamento dos alunos.
Assim seriam criadas as classes dos “adiantados e atrasados” ou dos “adiantados, médios e
atrasados”. Nestas classes, designadas por esses nomes, ou por letras, ou ainda por algarismos
simbólicos, se uniriam as crianças que no ano anterior tivessem obtido notas de aprovação
aproximadamente iguais. A classificação poderia ser feita apenas pela nota de aprovação ou, a
partir de um maior rigor psicológico, poderia ser levada em conta a idade cronológica do aluno
na data da prova. Consideração esta que seria valiosa, porque “traduz[iria], em igualdade de
notas de aprovação, maior inteligência ou, pelo menos, maior capacidade de assimilação (que
é o que interessa em Pedagogia) nos mais jovens” (BACKHEUSER, 1948, p. 373).
O critério do I.S sugerido por Backheuser não poderia ser aplicado às classes de
analfabetos porque estes não teriam as notas de aprovação. Para estes casos seriam mais
adequados os testes de maturidade que poderiam ser individuais ou coletivos. Então, o autor
citou o mais conhecido dos testes coletivos: o de Printner e dos individuais: o de Winckler
(conhecido também como Lepzig por ter sigo organizado no famoso instituto de Psicologia
desta cidade alemã). O autor se concentrou mais no último teste que submetia o candidato a 17
provas.
Este conjunto de provas, sintetizado aqui, fixaria a maturidade do aluno para cursar a 1ª
série primária: 1. Combinação construtiva; 2. Reprodução de desenhos; 3. Memória acústica;
4. Memória motora; 5. Memória lógica; 6. Adaptação ao falar; 7. Prolação; 8. Compreensão de
números; 9. Memória visual; 10. Conhecimentos de coisas; 11. Fantasia; 12. Conhecimento de
cores; 13. Definições; 14. Observação; 15. Habilidade manual; 16. Capacidade de adaptação;
17. Pertinácia e capacidade de concentração.
Estes testes objetivavam obter indicações de caráter psicológico como a compreensão e
a memória, por exemplo, e também alcançar o nível de conhecimento da criança além de
algumas habilidades naturais como a expressão, por exemplo. Eram testes demorados e
dispendiosos que classificariam a criança em três graus: forte (3); médio (2) e fraco (1).
Backheuser apresentou ainda os testes “Minas Gerais” e “ABC”, afirmando que foi com o
intuito de aliviar as dificuldades práticas do teste de Winckler que Lourenço Filho o
ressignificou, cortando partes, adaptando outras e fazendo modificações nas técnicas, dando
77 Ainda que se trate de um manual pedagógico usado para a formação e o aperfeiçoamento de professores
primários, e, do autor admitir a necessidade de divisão das crianças em grupos a partir do grau de adiantamento,
e, da homogeneização das turmas, cita-se a ausência da indicação de estratégias didáticas para desenvolver o
trabalho educativo com ambas as turmas e as suas especificidades.
202
origem aos Testes ABC, que foram utilizados no Distrito Federal, em São Paulo e em outros
locais. Estes testes possuem oito itens: 1. Reprodução de três figuras; 2. Repetição do nome de
07 objetos desenhados em uma cartolina apresentados à criança, e, depois, ocultados a seus
olhos; 3. Reprodução de movimentos; 4. Reprodução de palavras de várias sílabas; 5.
Reprodução de uma história; 6. Pronúncia de palavras polissílabas difíceis; 7. Recorte de um
desenho; 8. Persistência. A avaliação dos testes ABC é feita em três graus: forte (3), médio (2)
e fraco (1) e a soma das notas indica a colocação do aluno na classificação geral
(BACKHEUSER, 1948).
O Estado de Minas Gerais foi citado como um dos que ensaiaram vários testes como o
chamado Teste Limiar que, ao contrário dos testes de Winckler e ABC, estava mais preocupado
em verificar conhecimentos gerais e escolares, isto é, o saber social do aluno, conforme Figuras
26, 27 e 28, que reproduzem na íntegra, a constituição de tal teste.
203
Figura 28 - Teste Limiar (Continua)
Fonte: Backheuser, 1948.
204
Figura 29 - Teste Limiar (Continuação)
Fonte: Backheuser, 1948.
205
Figura 30 - Teste Limiar (Conclusão)
Fonte: Backheuser, 1948.
Ao confrontar ambos os testes - Limiar e ABC - quando dirigia o Instituto de Pesquisas
Educacionais do Distrito Federal, Backheuser (1948, p. 382) afirma ter verificado que eram
equivalentes em seus efeitos de julgamento: “em 362 alunos a correlação atingiu 0.52 com um
desvio padrão de +- 0.03”. E aponta a importância de levar em consideração o fato da repetência
que complicaria a organização das classes. Para o autor não se deveria reunir numa mesma
classe os repetentes e os promovidos porque os primeiros podem ser estigmatizados, ficar
desanimados e ou desatentos. No entanto, também não seria produtivo formar uma turma
apenas com repetentes. Porque se as causas da repetência poderiam ser diversas: falta de
aplicação, carência de inteligência, doenças, etc., a turma também será composta, ou seja, no
seu entendimento, uma turma de repetentes seria naturalmente heterogênea, não atendendo
então o princípio da homogeneização das classes.
Na sua opinião, uma das tentativas para solucionar este problema seria a criação de
classes de reajustamento, destinadas também a outras “anomalias” que acometem os chamados
“alunos difíceis”:
Nas classes de reajustamento o número de alunos é pequeno de modo que o professor
a cujo cargo ela esteja possa cuidar individualmente de cada caso, verificando as
deficiências e falhas de um a um, a umas e outras dando o conveniente corretivo. Às
vezes algumas semanas são suficientes para colocar o aluno “em tratamento” ao nível
médio de sua turma, dando-se então, a volta, com vantagem, de novo élan de trabalho
(BACKHEUSER, 1948, p. 384).
Essas classes assemelham-se às classes de débeis e também se encarregam do ensino
daqueles “bem dotados”. A estes últimos Backheuser (1948, p. 384) afirma que “destacá-los da
classe a que pertencem para que em classes especiais lhes seja ministrado ensino condizente
com seu nível mental é o que de mais justo parece”. O autor conclui defendendo as vantagens
206
da homogeneização das classes escolares. Para ele desníveis entre os alunos de uma mesma
turma prejudicariam a todos, tanto os superiores quanto os inferiores:
Os primeiros, vencendo sem grandes tropeços as tarefas escolares, e não encontrando
êmulos suficientemente aguerridos, deixam de se esforçar nos estudos e com isso
acabam eles próprios se prejudicando. Os colocados em camadas inferiores das
classes também não se esforçam porque qualquer trabalho lhes parece inútil para
disputar os primeiros lugares de tal modo distantes se encontram das cumeadas das
turmas. Por outro lado o professor a cada hora encontra embaraços ora porque
elevando o padrão das aulas não é acompanhado pelos fracos, ora porque o baixando
deixe de interessar os fortes (BACKHEUSER, 1948, p. 385).
Na sua opinião, em turmas homogêneas tanto o professor quanto os educandos poderiam
sentir-se à vontade, ainda que não houvesse uniformidade absoluta, porque existiriam sempre
desníveis entre os educandos, as explicações são facilitadas e a emulação é possível. Segundo
o autor, o professor poderia tirar vantagens desses pequenos desníveis organizando equipes nas
quais seriam formados grupos heterogêneos, juntando alunos mais dotados de iniciativa, por
exemplo, daqueles menos e mais tímidos; os apreciadores da pesquisa e da investigação junto
com os propensos à meditação ou à reprodução:
A equipe é um pelotão de grande mobilidade, com capacidade de realizar
empreendimentos que um aluno isoladamente jamais poderia tentar. Pelo trabalho em
equipes efetua-se, melhor do que por outro meio qualquer, a Pedagogia social. O
princípio de heterogeneidade intrínseca da equipe não destrói senão confirma a
vantagem da homogeneização das classes (BACKHEUSER, 1948, p. 385).
Além da questão dos testes psicológicos para homogeneização das turmas, o autor trata
da escolha dos critérios de julgamento e da seleção dos alunos via processos subjetivos e
objetivos. Esse julgamento teria como base observações que fossem registradas pelo professor,
as quais se refeririam desde a constituição física do educando até a formação moral, e, também
diriam respeito à ordem estrutural, os níveis de inteligência, as funções psíquicas e a conduta,
enfim, tudo que estiver relacionado ao estudante. No entanto, não apenas estas observações
deveriam ser registradas, mas também os testes e as experiências que porventura fossem
realizados com os discentes.
Backheuser ressalta que, neste manual de 1948, não havia a preocupação em tratar da
avaliação da inteligência do aluno ou de outros fatores psíquicos, mas, sim, dos problemas
pedagógicos. Portanto, o foco estava em compreender os critérios que deveriam ser levados em
conta para então, julgar o aluno em relação à sua promoção: critério subjetivo (opinião do
207
professor; opinião de uma banca examinadora); critério objetivo (provas de resposta única;
testes). Dessa forma, trata mais detidamente destes processos.
A sua principal crítica em relação aos processos subjetivos estava no fato de não
apresentarem segurança e ou serem imparciais, uma vez que quem julga são professores, seres
humanos dotados de simpatias ou antipatias, entre outros sentimentos que os tornam passíveis
de erro. Ele chega a aludir sobre a possibilidade de haver suborno. Ademais, na sua opinião, as
bancas avaliadoras por conta da solenidade, da espera e do temor podem causar inibições,
fatores que podem prejudicar os que chama de “alunos bons”, que por conta disso podem prestar
maus exames enquanto que os “alunos inferiores” podem ser bem julgados porque se mostram
tranquilos na hora do exame.
Além destas duas formas de avaliação: simples pelo professor ou por exame da banca,
acrescenta a verificação do saber do aluno, em ambiente normal de classe, sem o peso da
solenidade e sem banca, nesse caso, o julgamento será feito por outro professor, que não o da
turma. E diante dessas três possibilidades de processos subjetivos, assim se posicionou:
Em resumo podemos dizer que o julgamento pelo só professor, desde que criterioso e
honesto, parece merecer, sem dúvida, a preferência dentre os processos subjetivos, e,
como dissemos acima, quando revestido dessas duas condições, honestidade e
ponderação, é mesmo tomado como o elemento seguro nas comparações para
validade dos testes de aproveitamento. O julgamento singular oferece ademais a
vantagem de ser econômico em dinheiro e rápido em tempo. De fato, não ocasiona
despesa alguma e não demanda tempo algum; o professor remete, no fim do ano, à
secretaria, a lista dos promovíveis e não promovíveis, ou a lista das notas, pois apenas
nesse singelo ato consiste o julgamento definitivo (BACKHEUSER, 1948, p. 391).
(grifo do autor).
Os processos objetivos - que se opõem aos subjetivos porque não são apoiados em
opiniões ou estimativas - permitem que os testes possam ser corrigidos por qualquer pessoa que
esteja de posse do gabarito. Backheuser afirma que o teste, essência dos processos objetivos, é
um ótimo instrumento desde que obedeça a alguns preceitos desde a sua confecção, aplicação
e apuração.
A importância concedida por Backheuser à aplicação de testes no âmbito escolar é
indício da importância que o uso da Psicologia na Pedagogia tinha para ele, tal como para os
pioneiros, muito especialmente Lourenço Filho. Do mesmo modo que este último, Backheuser
acreditava que os testes poderiam auxiliar na compreensão da personalidade da criança, na
detecção das dificuldades de aprendizagem e, desse modo, facilitar o processo educativo por
meio da homogeneização das classes.
208
Não obstante, enquanto o pioneiro, influenciado pela Sociologia, fazia uso dos testes
preocupado em ajustar o comportamento do aluno, o católico, sobrepondo as perspectivas
psicológica, biológica e até religiosa, à sociológica, se preocupava também com a moldagem
da alma. Os testes seriam como ferramentas para o mestre chegar à essência do aluno e nela
agir. No empreendimento backheusiano a Biologia - a ciência do corpo - se aliaria à Psicologia
- a ciência da alma. Por conta disso, a sua defesa da Biotipologia.
4.2.2 Biotipologia: uma tentativa de desvendar a alma
A Biotipologia78 foi uma inovação em relação ao manual anterior. Trata-se, segundo
Backheuser, de um novo ramo da Psicologia que objetivava desvendar a alma medindo o corpo.
Como precursor deste novo ramo da Psicologia ele apresentou Kretschmer, psiquiatra alemão
que pôs em confronto algumas doenças psíquicas e determinadas medidas do tronco dos
pacientes. O psiquiatra teria constatado que a esquizofrenia, por exemplo, afetava em maior
número, pessoas de tronco alongado (os esquizotímicos) e que os sintomas da loucura circular
eram mais frequentes em pessoas baixas e gordas com o tronco mais largo na bacia do que no
tórax (os ciclotímicos).
Com o avanço de suas pesquisas, o psiquiatra teria visto crescer as estimativas que
correlacionavam os fenômenos anatômico e patológico e a partir daí começou a analisar
indivíduos saudáveis, além dos pacientes. Assim, teria percebido que as pessoas apresentavam
características comportamentais como alegria, sensibilidade, atividade ou retraimento, de
acordo com tipos específicos de esqueletos. “A ciência do corpo (Biologia) e a ciência da alma
(Psicologia) estavam assim, graças ao aparecimento da Biotipologia, em feliz consórcio, sem
subordinação de uma a outra, senão em perfeito equilíbrio de valores” (BACKHEUSER, 1948,
p. 60). Este consórcio, segundo ele, já havia sido indicado por filósofos da Igreja Católica muito
antes de ser aceito por biólogos e psicólogos. Os filósofos cristãos já teriam demonstrado que
não haveria entre corpo e alma qualquer subordinação de um em relação ao outro, mas um
intercâmbio, uma interdependência.
O autor citou Santo Tomaz de Aquino que afirmou “os diversos hábitos de trabalho da
alma provém de diversas disposições do corpo”. Para Backheuser, este fragmento oferece
indícios da Biotipologia moderna já na Idade Média. Para ele, os materialistas, tanto aqueles
78 No livro Ensaio de Biotipologia Educacional (Coleção Vida de Educação, Editora: Globo, ano: 1941) não
elencado para o estudo em tela, Backheuser aprofundou o estudo neste ramo da Psicologia aproximando-o do
campo educacional.
209
ligados à Psicologia e à Biotipologia, se afastam dessa concepção dos filósofos cristãos e vem
se esforçando para mostrar que as funções da alma são subordinadas às funções do organismo
físico, esquecendo-se que as emoções podem influir no corpo físico.
No livro que escreveu em homenagem ao marido, a professora Alcina o classificou
como um cliclotímico, a partir dos estudos de Kretschmer acerca da Biotipologia:
De estatura mediana, menos alto do que baixo, as dimensões horizontais - do tronco
dominando as do sentido vertical - Everardo Backheuser enquadrava-se,
normalmente, no tipo físico a que correspondem - psicologicamente manifestações
ciclotímicas. Assinalava por isso como pertinentes a seu próprio temperamento as
desigualdades e as variações de gênio inerentes aos ciclotímicos: risonho e expansivo,
fechava-se às vezes num severo mutismo. Afetuoso e sociável era também, em razão
de sua extrema sensibilidade, muito fácil de se retrair e de se irritar (BACKHEUSER,
1954, p. 5).
O próprio Backheuser (1944b), no que chamou de “autorretrato de ordem psicológica a
partir de uma análise científica”, também tentou se auto-observar à luz das doutrinas
psicológicas modernas, do estruturalismo de Spranger e da Biotipologia de Kretschmer,
tentando verificar em si mesmo se essas doutrinas explicavam o seu comportamento individual
e social. E no manual salientou que a Biotipologia não se satisfaz apenas com a classificação
entre estes dois tipos citados por Kretschmer, assumindo que não é possível “fotografar a alma”
de um indivíduo apenas pela medição do seu tronco, mas, que esta perspectiva já tornou
possíveis esquemas psíquicos satisfatórios.
A relação entre a Biotipologia e o processo educativo, pode ser compreendida de forma
mais profunda no próximo item (4.3) porque para atingir o fim da educação backheusiana que
consiste na educação integral da personalidade seria preciso conhecer esta personalidade e agir
sobre ela, o que segundo o autor do manual, só seria possível através do despertar do interesse.
Apesar de admitir que as indicações biotipológicas não seriam suficientes para todo o
trabalho educacional, acredita que elas trazem consigo sugestões pedagógicas essenciais para
um primeiro tratamento didático. Sendo a finalidade da Pedagogia conhecer o aluno e a ele
oferecer a melhor educação possível, com uma direção definida, a Biotipologia ofereceria
alguns índices e mensurações do corpo do aluno, os quais poderiam ser úteis à educação da sua
inteligência e também do seu caráter. No seu entendimento, a Biotipologia auxiliaria o mestre
a “penetrar na Psicologia de seus alunos” (BACKHEUSER, 1948, p. 63), ou seja, a desvelar e
adentrar a sua alma.
Tal como já foi afirmado, na tese backheusiana, é tarefa da Pedagogia a educação
integral marcada pelo conteúdo espiritual. Comportamento e alma do educando precisariam ser
210
moldados e, nessa direção, a Psicologia e a compreensão da personalidade da criança seriam as
chaves da educação integral por ele proposta. Mas, para compreender a personalidade do aluno
seria necessário despertar o seu interesse. Acordado o interesse do aluno seria possível esculpir
o seu corpo e modelar a sua alma, tarefas intimamente ligadas à Biotipologia.
4.3 EDUCAÇÃO INTEGRAL DA PERSONALIDADE: CONHECER A
PERSONALIDADE PARA DESPERTAR O INTERESSE, DESPERTAR O INTERESSE
PARA MOLDAR CORPO E ALMA
Numa seção nova em relação ao manual de 1934, Backheuser trata do que chamou de
“fatores da educação”, dentre os quais são tratados “a personalidade” e “o interesse”. Para ele,
para modelar o indivíduo e formar a sua personalidade, seria preciso agir sobre o corpo e sobre
a alma. O caminho para alcançar essa educação integral da personalidade seria despertar o
interesse do educando, um dos pilares da Escola Nova. Sendo o escopo da educação, a formação
da personalidade, defendia que seria para esse objetivo que deveriam se voltar os esforços dos
educadores. Na sua concepção, não existiria Pedagogia possível sem o completo conhecimento
da personalidade da criança em todos os seus aspectos: físicos, psíquicos, estruturais e
biotipológicos. Para ele, a personalidade é constituída de corpo e alma e, portanto, tem
faculdades intelectuais e espirituais. Desse modo, estando corpo e alma indissociavelmente
ligados entre si, também os processos educativos deveriam equilibrar a preocupação com o
corpo, com o espírito e com a inteligência, que dariam a essência da educação integral da
personalidade.
Para a compreensão da personalidade da criança sugeriu as ciências basilares da
Pedagogia, sobretudo a Biologia e Psicologia e enfatizou novamente o uso da Biotipologia.
Nessa direção, ressaltou a necessidade do estudo pedagógico da personalidade da criança
compreendida pelos exames pedagógicos: do corpo; das funções psíquicas e das estruturas
psicológicas ou anímicas. Para ele a personalidade se apresenta como:
[...] um conjunto de “formas” no tempo, um encadeamento de poses sucessivas, um
cenário ativo dentro do qual se desenrola um combate contínuo entre as forças
mesológicas que levam à formação de hábitos novos, e as forças próprias e
hereditárias procurando manter os hábitos ancestrais (instintos) e as tendências
particulares a cada ser (BACKHEUSER, 1948, p. 96).
Seria necessário aos professores conhecer, portanto, o corpo dos seus alunos, o tipo
morfológico, os índices de robustez e certas deformações orgânicas, para poder atuar diante da
educação física, da alimentação e também das ordens intelectual e moral do aluno, no sentido
211
de ministrar os corretivos pedagógicos necessários. Na sua acepção, o tipo morfológico que dá
a tonalidade biotipológica do educando, seria um elemento essencial à educação. Graças a ele
o professor teria condições de diagnosticar as condições de saúde e temperamentais do aluno,
e, a partir daí, indicaria prescrições alimentares, normas de ginástica, treinos mais adequados
para os estudos e corretivos de ordem moral.
O autor apresenta os dois tipos morfológicos indicados pela Biotipologia de acordo com
o tamanho e a forma do tronco: longilíneo (que lembra cilindro esguio) e brevilíneo (que lembra
um tonel)79. O exame da cabeça e dos membros também serve de parâmetro para a análise do
tipo morfológico. Na sua compreensão, ao classificar o tipo morfológico do aluno, o professor
teria acesso a indicações de temperamento prováveis: os brevelíneos corresponderiam
psicologicamente aos ciclotímicos e os longilíneos aos esquizotímicos (pode-se perceber que
ele associa esses tipos àqueles de Kretschmer, já citados anteriormente). E explica:
Se o professor observa o que esses biótipos indicam evitará, no período primário,
exercícios que tendam a exagerá-los, antes dará atenção àqueles que buscam equilibrar
morfologicamente a criança, de modo a conseguir, se possível, venha ela a ter o tipo
normal, o tipo médio (BACKHEUSER, 1948, p. 98).
A atenção voltada aos índices de robustez e deficiências físicas também é por ele
ressaltada. Porque “crianças débeis, mal nutridas, sofrendo enfermidades insidiosas, são via de
regra, incapazes de esforços mentais de certo vulto” (BACKHEUSER, 1948, p. 99).
Para medir o tal índice, o autor sugere, na falta de médico na escola, que o professor se
guie pelo índice de Kaup (fornecido por uma fração onde o numerador é o peso da criança em
gramas e o denominador é a sua estatura em centímetros elevada ao quadrado). Assim, em
idades escolares (07 aos 15 anos), a criança deve estar dentro deste índice, se estiver abaixo
será considerada como portadora de debilidades físicas: “Para meninos, os índices são: de 7 a
10 anos -1,5; de 10 a 13 - 1,6; com 14 - 1,7; com 15 anos - 1,8. Para meninas de 7 a 10 anos -
1,5; de 11 a 12 - 1,6; com 13 - 1,7; de 14 a 15 anos - 1,8” (BACKHEUSER, 1948, p. 99) (grifos
do autor).
O estado de fraqueza indicado pelo índice de robustez e outras deficiências como surdez,
gagueira, miopia, verminose, defeitos na coluna, distúrbios do coração, entre outras, deveria ser
detectado pelo professor porque configurariam sérios obstáculos para a educação. O professor
79 Neste momento o autor utiliza as expressões brevilíneo e longilíneo, usadas pelo médico italiano Nicola Pende,
criador do termo Biotipologia. Disponível em:<http://www.scielo.br/pdf/bgoeldi/v7n3/a06v7n3.pdf>. Acesso
em: 7 jul. 2016.
212
deveria se preocupar também com as funções psíquicas as quais, segundo Backheuser (1948,
p. 100) poderiam precisar de “retoques pedagógicos”.
No seu entendimento, as sensações externas, por meio dos órgãos de sentido,
adentrariam a personalidade que as elabora aproveitando-as dessa ou daquela maneira. Depois
de integradas em uma espécie e “sentido comum”, tais sensações chegariam ao intelecto em
forma de “conjunto” (Gestalt): “Recebida a impressão externa, ela é percebida e uma segunda
camada psíquica, na qual a ocorrência se faz notada, podendo ser, ou não, fixada. Até aí, até
essa anotação da sensação, tudo se passa como que exteriormente à personalidade”
(BACKHEUSER, 1948, p. 100) (grifos do autor).
Quando a sensação fosse notada se poderia dizer que lhe foi dada atenção e ela passaria
então, a ser elaborada pela alma em uma zona definida como fixação de sensações. Essa fixação
teria início na atenção seguida pela fase da observação. Depois disso a sensação poderia ser
utilizada pela inteligência, pela vontade, pelo sentimento ou então, seria guardada para
aproveitamento posterior. E essa sensação exterior poderia ser guardada na memória junto com
as noções já elaboradas pela alma. Backheuser defendeu a educação da memória para que não
ficasse sobrecarregada. Entre os artifícios para tal fim, ele citou a associação. Para ele, as
associações “são como que liames que prendem na retentiva fatos, e fenômenos, e pensamentos,
e emoções” (BACKHEUSER, 1948, p. 101).
A fantasia seria a zona entre a fixação das sensações e as partes mais profundas da alma:
inteligência, sentimento e vontade. Fantasiar consiste em adicionar, suprimir ou trocar posições
de ocorrências passadas e presentes, tem algo de objetivo, mas, é bastante dependente de
qualidades mais internas da alma. A fantasia é um princípio de abstração.
Em relação às partes mais profundas da alma, que mantém entre si uma
intercomunicação contínua, o autor afirma que constituem um assunto altamente relevante para
o campo pedagógico, e dele trataria a Psicologia educacional.
Dos elementos citados acima fariam parte a inteligência, o sentimento e a vontade, sendo
que da faculdade da inteligência fariam parte a capacidade de abstração, de julgamento e de
raciocínio. Relacionada à vontade, a inteligência poderia orientá-la ou se deixar conduzir por
ela. O sentimento seria caracterizado por manifestações afetivas e temperamentais, as quais não
dependeriam do caráter ou da inteligência, podendo sofrer suas influências assim como as do
meio exterior. Já as manifestações da vontade seriam instintivas, involuntárias. Para
Backheuser, as crianças deveriam ser educadas em relação a essas funções psíquicas.
Contudo, adverte que as escolas deveriam, além de cuidar o embelezamento da
“inteligência”, dar atenção particular à formação do caráter e ao aprimoramento de qualidades
213
como bondade e santidade. Nesse sentido, defende a educação dos sentidos desde o jardim da
infância, que deveria ser continuada nos anos inicias da escola primária. Segundo o seu ponto
de vista, todo o setor da educação dos sentidos estaria estreitamente ligado ao interesse:
Conforme as circunstâncias, essa educação deve ser encaminhada de modo que os
alunos procurem concentrá-las sobre um objeto de estudo (atenção e observação
dispersas). Para isso far-se-á que o estímulo externo seja forte e único ou mais fraco
e repetido. A educação dessa faculdade deve ser orientada de modo a que a atenção
se torne cada vez mais voluntária, pois só assim será de fato vantajosa ao educando
(BACKHEUSER, 1948, p. 103).
No seu afã de ajudar os professores a compreender a alma de seus alunos para que
pudessem contribuir para a formação de sua personalidade, Backheuser busca auxílio na
Biotipologia, sobretudo em Spranger. Deseja com isso compreender as estruturas em que a alma
se subdivide: científica, artística, econômica, mística, social e de comando, as quais marcariam
a personalidade de maneira singular, e se manifestariam em todas as funções psíquicas, desde
as exteriores até as interiores.
Esse projeto de educação integral de Backheuser é fortemente estribado na necessidade
da educação religiosa e, por conta disso, ele defende a inclusão do Ensino Religioso nos
currículos escolares. Segundo suas próprias palavras:
Não cuidar da educação religiosa da infância e juventude constitui, pois, falha
anticientífica em que tem incidido exatamente os que mais se dizem árdegos
cavaleiros andantes da ciência. De acordo com os princípios racionais da doutrina
estruturalista, deixar em abandono a formação religiosa da criança, é preparar para a
sociedade aleijões psicológicos propensos a desatinos temperamentais. Felizmente
vencendo o fogo de barragem dos que quiseram sitiar, o Ensino Religioso vai seguindo
marcha vencedora no país, embora ainda longe da eficiência que se lhe pode, e deve
dar, em concordância com os veredictos definitivos da Psicologia moderna
(BACKHEUSER, 1948, p. 108).
No seu entendimento, seguir a religião católica seria um dos hábitos a serem inculcados
pela educação integral - responsável pela moldagem do corpo e da alma - uma vez que além de
ministrar conhecimentos, a educação deveria “provocar a aquisição de novos hábitos”
(BACKHEUSER, 1948, p. 116). E, para adquirir tais hábitos, a imitação seria o primeiro passo.
Para ele, tanto a imitação quanto o hábito seriam adquiridos por instinto (ação
inconsciente), por sugestão de terceiros (ação subconsciente), ou por vontade individual (ação
consciente). A educação estaria afinada com a aquisição por sugestões, posto que o primeiro
passo no processo educativo seria fazer com que o educando recebesse a sugestão. Essa etapa
214
seria seguida pelo primeiro movimento de imitação. Na perspectiva do autor, pais, amigos e
colegas ou mesmo apenas conhecidos são, para a criança, fontes de imitação, modelos. O
professor é também um modelo e “por esta razão cumpre-lhe medir palavras e atitudes. A escola
reflete o mestre. Se este não sabe se impôr, a disciplina desaparece” (BACKHEUSER, 1948, p.
118).
Também como uma inovação em relação ao manual de 1934, neste o autor se debruça
sobre o meio como um universo exterior que pode refletir na personalidade do indivíduo. Para
ele haveria dois “mundos”, influenciando na personalidade do adulto e especialmente na
personalidade, em formação, da criança: o meio objetivo e a projeção subjetiva do meio
objetivo.
O meio objetivo seria subdividido em três: natural (fatores geopsíquicos); cultural
(fatores geopolíticos) e humano (fatores sociais). A projeção subjetiva do meio objetivo
formaria, segundo ele:
[...] um meio interno que é aquele que acaba afinal influindo decisivamente sobre a
personalidade. Essa projeção não é constituída pela memória ou consciência de
impressões objetivas, mas pelo vestígio, pela marca que essas impressões deixam
(BACKHEUSER, 1948, p. 142) (grifo do autor).
A soma destes vestígios seria responsável por tal projeção que atuaria na expressão do
indivíduo como um catalisador que provocaria novas reações psíquicas, indispensáveis para a
recepção de novas impressões. Para Backheuser (1948, p. 143) “a evolução do catalisador
psíquico constitui afinal uma verdadeira aclimatação da personalidade”. A educação, no seu
entendimento, seria a aclimatação da personalidade da criança a outros panoramas culturais
com os quais ela vai interagindo. Essa aclimatação seria processada com o auxílio do catalisador
psíquico citado acima.
E se a projeção subjetiva do meio seria facilitada quando impressões externas se
entranham nas estruturas psíquicas dominantes, em especial no meio pedagógico, para o autor,
seria fundamental o conhecimento prévio destas estruturas, tal como propôs Spranger. E nas
pegadas de Vertés, antes de versar sobre a classificação que faz do meio objetivo (natural,
cultural e humano), Backheuser imagina uma divisão do meio objetivo e da sua projeção
subjetiva: normal e anormal. Neste último estariam as pessoas com problemas de saúde física:
surdez e cegueira, por exemplo, e, de saúde intelectual (débeis mentais, apáticos, lunáticos,
etc.), as quais sentiriam o mundo de forma nebulosa, longe da realidade efetiva.
215
Destaca, também, o que chama de meios adequados e inadequados para criança,
criticando o fato das crianças viverem rodeada apenas de adultos, o que acarretaria insatisfação
e dificuldades psíquicas. Defende como meio adequado à infância à comunidade escolar
baseada no auxílio recíproco entre as crianças. A defesa do preceito escolanovista da
“atividade” também fica nítido quando questiona se a escola é um meio adequado para a criança
e responde afirmando que:
Sim e não. Sim, porque é um meio social, a natureza infantil é fundamente sociável.
Especialmente para as crianças que não tem irmãos ou companheiros proximamente
de sua idade, o meio escolar é excelente, e por isso mesmo amado e desejado pelas
crianças. É a elas adequado. Por outro lado, porém, não o é, toda vez que na escola a
educação for ministrada por métodos pedagógicos que forcem o aluno à passividade,
por um ensino dado a contragosto, ao revés dos seus interesses imediatos. A escola,
em tais casos, será um meio inadequado à criança, em oposição ao lar onde ela goza
geralmente de espontânea atividade. Ao mestre incumbe emprestar ao meio escolar
caráter de adequabilidade, tornando-o ativo estimulante (BACKHEUSER, 1948, p.
145).
Para Backheuser, os fatores geopsíquicos do meio natural, geopolíticos do meio cultural
e sociais do meio humano - que comporiam o meio objetivo - influenciariam diretamente na
personalidade, em especial na infantil, cabendo ao educador controlar cientificamente o efeito
destes fatores sobre o educando.
Citando brevemente o meio natural, afirma que “A paisagem natural atua
indelevelmente sobre o corpo e sobre a alma, modificando-as ininterruptamente”
(BACKHEUSER, 1948, p. 147). Ele se baseia em Hellpach80 para defender a tese de que os
fenômenos meteorológicos (tempestades, trovões, altas e baixas temperaturas, umidade ou ar
seco, etc.) também exercem influência sobre o organismo psíquico.
O meio cultural, em Backheuser, pode ser examinado sob os aspectos geral e particular.
Do ponto de vista geral, cada meio cultural variaria de acordo com os contextos espacial e
temporal. A este aspecto que atua sobre todos os outros, o autor chama atenção para os de
caráter particular os quais divide em meio urbano e meio rural; meio de trabalho intelectual e
meio de trabalho manual; meio rico e meio pobre e isolamento social. Cada um deles exerceria
influência sobre as experiências da criança, e, portanto, deixaria nela as suas marcas, agindo
sobre as suas projeções subjetivas e sobre a sua personalidade.
80 Willy Hellpach, alemão, foi neuropsiquiatra, professor de Psicologia representante dos estudos da geopsíquica.
Disponível em: <http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15624264>. Acesso em: 7 jul. 2016.
216
Em relação ao meio humano, o autor aproveita para defender a importância da
integração entre lar e escola, porque o primeiro poderia “atuar como elemento perturbador na
educação” (BACKHEUSER, 1948, p. 154), como por exemplo, nos casos em que os pais não
sejam oficialmente casados, que tenham amantes, que se desentendam com frequência, que
estejam separados apesar de viverem na mesma casa, que não deem a devida atenção aos filhos
ou que deem carinho demais.
Em relação às crianças, o autor acredita que os educadores devem ficar atentos quando
só tenham irmãos do mesmo sexo, seja o mais velho, o caçula ou filho único, nascido muito
depois dos outros ou ainda, seja gêmeo.
Quanto à escola, Backheuser ressalta a importância de analisar o caso de coeducação
nas primeiras séries, condenando-a nas séries mais avançadas por poder causar a efeminação
dos meninos, no caso do ensino ser feito por moças, e ou falta de carinho, quando o ensino for
ministrado por homens em colégio de meninas.
Todas estas questões deveriam contribuir, sob a ótica de Backheuser, para que o
professor pudesse conhecer a personalidade das crianças e, condition sine qua non, pudesse
despertar-lhe o interesse, questão central para a Pedagogia da Escola Nova e defendida tanto
pelos pioneiros quanto pelos católicos. A questão do Interesse não havia merecido muita
atenção no manual de 1934, sendo tratada como subtema da temática “Iniciativa”. No manual
de 1948 passa a ter um capítulo específico, no qual são apresentadas: a definição do termo, a
defesa de testes estruturalistas para detectar o interesse de cada criança, algumas propostas de
como classificar os interesses de acordo com as idades e a importância de despertar o interesse
no educando.
O autor de Manual de Pedagogia Moderna define o Interesse como “o móvel da vida”
(BACKHEUSER, 1948, p. 123) e se reportando a Claparède, entende-o como “o produto da
vontade estipulada por uma necessidade, ou seja, uma vontade quase inconsciente”
(BACKHEUSER, 1948, p. 124). O interesse se manifestaria, em sua opinião, de várias
maneiras, primeiro pela atenção, depois pela curiosidade e ânsia pelo conhecimento,
frequentemente presente nas crianças. Entretanto, o interesse se modificaria com a idade ou
mesmo em relação aos níveis social e intelectual de cada um.
Para reconhecer o interesse de cada educando, o professor deveria utilizar dois métodos:
o objetivo, verificando a conduta do sujeito e as suas atividades preferidas, e o subjetivo: por
inquérito a ser respondido pelo sujeito para verificar as suas preferências, desejos e ideais. Esse
último deveria ser preferencialmente utilizado em crianças. Backheuser propõe testes
estruturalistas a serem aplicados porque “a revelação da estrutura dominante é, afinal, a
217
revelação do próprio interesse dominante. O interesse mede a estrutura e esta determina aquele”
(BACKHEUSER, 1948, p. 125).
Em relação ao interesse segundo a idade, afirma que quando a personalidade ainda não
está formada por completo, ou seja, nos primeiros anos, o interesse seria impulsionado, de
forma especial, pelo instinto. Já desenvolvida a personalidade é ela que impulsionaria o
interesse e na fase adulta interesses se tornariam predominantemente estruturais. Para auxiliar
na classificação dos interesses segundo as idades, ele sugere as experiências de Strumpf81, de
Kerschensteiner e de Claparède82, esta última por ele considerada a mais minuciosa e metódica.
De modo a avançar na discussão sobre a importância dos interesses para a sua
pedagogia, baseado na importância de formar a personalidade, Backheuser os classifica com
base em dois critérios gerais: o primeiro resultaria do maior ou menor predomínio da vontade
consciente e o segundo da maior ou menor influência da estrutura psíquica. Em decorrência
desse ponto de vista, cria uma classificação que está em harmonia com o interesse segundo a
idade: interesses da primeira infância (oriundos dos instintos/ subconscientes); interesses
impulsionados ao mesmo tempo pela vontade e pelo instinto (característico da adolescência);
interesses dos adultos, já tendo desenvolvido as estruturas e as vocações (oriundos da vontade
sob a influência da estrutura psíquica). E, na sua opinião, além da idade, o sexo também
diversificaria o interesse. Assim para o sexo masculino, os interesses seriam sempre mais
objetivos e mais impulsionados pela vontade, enquanto que para o sexo feminino, seriam mais
subjetivos e emocionais.
Entendendo que “sem interesse ninguém faz nada” e que “para realizar trabalho útil na
classe, seria preciso, antes de tudo, acordar o interesse do aluno” (BACKHEUSER, 1948, p.
131), apresenta exemplos de práticas pedagógicas que considera exitosas no sentido de aguçar
o interesse da classe, ponderando que:
Se quiserdes verificar, de modo fácil, o interesse dos alunos pela lição, penetrai de
surpresa em uma sala de aula. Se não se aperceberem de vossa entrada, é sinal seguro
de que estão com o interesse preso; se ao contrário, muito solícitos, se levantarem,
com sorriso nos lábios, em saudação disciplinar, ficai certos de que vossa entrada foi-
lhes benfazejo interregno para o cansaço que a aula lhes estava causando
(BACKHEUSER, 1948, p. 132).
***
81 Não foram encontrados dados biográficos sobre este (a) autor (a). 82 Este psicólogo suíço escreveu sobre o interesse educativo em Psychologie de lénfant, obra que Backheuser cita
em nota e indica a versão portuguesa de Ayres da Mata Machado Filho e Turiano Pereira (1930).
218
Tal como em 1934, o manual reformulado a pedido dos editores no início da década de
1940, comunicou a representação de Escola Nova de Everardo Adolpho Backheuser. Como
mostrado no subcapítulo 4.1, algumas alterações foram feitas, na forma e no conteúdo. No
entanto, o objetivo maior do autor permaneceu o mesmo: orientar teórica e metodologicamente
os professores na direção daquilo que julgou uma “boa pedagogia”, aquela que bebia na
modernidade do escolanovismo, mas mantinha os pés bem fincados na tradição, a partir do
filtro da religião católica.
O manual reformulado era então, um compêndio, um veículo que expressou indícios do
escolanovismo católico backheusiano que já tínhamos visto no manual anterior. E para analisar
o seu conteúdo, optou-se por, ao invés de trazer todas as seções e os capítulos conforme o autor
organizou o impresso, eleger duas variáveis que, além de sintetizar o conteúdo de Manual da
Pedagogia Moderna, serviriam de eixos para o desentranhamento daquilo que, nesta tese,
recebeu o nome de escolanovismo católico backheusiano.
O subcapítulo intitulado “Interlocuções entre ciência e religião católica: a Psicologia
como ciência da alma” deu corpo ao primeiro eixo e foi escolhido frente à importância que
Backheuser deu à Psicologia e ao diálogo que provocou entre ciência e religião. Explicou-se,
inclusive, a opção de Backheuser por um ramo específico, a Gestalt, e a defesa que fez dos
testes psicológicos bem como dos conhecimentos biotipológicos para alcançar a personalidade
infantil, e, despertar nela, o interesse, a chave para a edificação da educação integral. Então, ele
advogou em favor da inserção da ciência no campo pedagógico, sobretudo, da Psicologia e da
Biotipologia, porque, ao seu ver, ambas eram compatíveis com a o pensamento católico.
O último subcapítulo da tese recebeu o seguinte título “Educação Integral da
Personalidade: conhecer a personalidade para despertar o interesse, despertar o interesse para
moldar o corpo e a alma” porque quis mostrar o objetivo maior da pedagogia arquitetada por
ele a educação integral da personalidade, a qual, sob a sua ótica, só seria possível se o interesse
da criança fosse despertado.
Além de identificar momentos de aproximação e distanciamento entre o pensamento
pedagógico dos pioneiros, sobretudo de Lourenço Filho e o pensamento pedagógico católico
de Backheuser, esses eixos mostraram que, na perspectiva do escolanovismo católico
backheusiano, que apropriou-se de diversos autores, leigos, católicos, escolanovistas e da
Psicologia e Biotipologia e buscou a conciliação entre ciência e religião por meio da Psicologia
Gestáltica, a personalidade é constituída de corpo e alma e, portanto, tem faculdades intelectuais
e espirituais. Desse modo, estando corpo e alma indissociavelmente ligados entre si, também
219
os processos educativos deveriam equilibrar a preocupação com o corpo, com o espírito e com
a inteligência, que dariam a essência da educação integral da personalidade. Acredito que essas
variáveis contribuem para o esclarecimento do que chamei de escolanovismo católico
backheusiano, o qual sistematizo no último capítulo da tese, a seguir.
220
5 ARREMATES À GUISA DE CONCLUSÕES: ESCLARECENDO O
ESCOLANOVISMO CATÓLICO BACKHEUSIANO
Numa conjuntura de luta de representações entre dois modelos pedagógicos
concorrentes, a Pedagogia dita tradicional e a Escola Nova, quando se pretendia implantar no
campo educacional brasileiro uma reforma marcada pelos princípios escolanovistas,
educadores de diversas raízes teóricas e ideológicas acreditavam que a educação poderia
garantir a reconstrução da sociedade. E pensando em alcançar esse objetivo, fizeram uma leitura
221
criativa e singular da Escola Nova. Essas apropriações acerca desse modelo pedagógico foram
expressas em várias representações e diversos tipos de escolanovismos.
Nos capítulos anteriores desta tese foram apontados indícios das representações dos
pioneiros e, de forma mais detalhada, daquele que foi o “mais escolanovista dos católicos”. O
“escolanovismo católico”, expressão cunhada por Carvalho (2003), empreendeu diálogo com
as ideias modernas, tecendo críticas a elementos ideológicos da Pedagogia da Escola Nova,
considerados incompatíveis com os dogmas católicos, e, ao mesmo tempo, apropriou-se do que
julgou que pudesse ser aplicado no ensino. Dentre os educadores que representaram esse tipo
de Escola Nova, ressaltou-se aqui um em especial, responsável pela difusão de uma versão
depurada da nova pedagogia, conformada à filosofia católica; pela disseminação no discurso e
nas práticas da RBP, da CCBE, e, mais enfaticamente dos manuais, de um modelo pedagógico
muito particular que, nessa tese, foi batizado com o seu nome.
O escolanovismo católico backheusiano é aqui compreendido como a representação de
Everardo Backheuser sobre a Escola Nova. Uma espécie de terceira via entre o “velho”
representado pela chamada escola tradicional e o “novo” representado pela modernidade
escolanovista. Um projeto educacional que, ancorado na Encíclica Papal Divini IlliusMagistri,
depurou a Escola Nova daquilo que contrariasse os preceitos católicos e que buscou aliar razão
e espiritualidade, ciência e religião.
Sendo os manuais pedagógicos de autoria de Everardo Backheuser veículos que
comunicam essa representação, é importante lembrar Carvalho (2003, p.117) que, ao se referir
de forma geral ao uso dos impressos como estratégias católicas de conformação do campo
pedagógico, afirma que neles:
[...] a pedagogia da Escola Nova era pasteurizada num receituário pedagógico
saturado de sentido religioso e as questões cruciais para a renovação dos processos e
das relações pedagógicas eram neutralizadas, pois tinham seu sentido capturado nas
malhas do secular repertório eclesiástico (CARVALHO, 2003, p.117).
Se “o mais escolanovista dos católicos” compreendeu a Escola Nova a partir das lentes
do catolicismo, depurando os preceitos modernos, ressignificando alguns e recusando outros,
fica latente a seguinte questão: como os postulados da Escola Nova e do catolicismo foram por
ele apropriados e representados nos manuais aqui analisados?
Em relação ao primeiro item, entendo que ele se apropriou taticamente da Escola Nova
porque defendeu uma Pedagogia científica, advogando em favor da apropriação das ciências
fontes da educação mais adequadas à sua filosofia: a Psicologia e a Biologia, defendendo o uso
222
da Gestalt e da Biotipologia como instrumentos a serem colocados em prática pelos professores
na edificação da sua proposta de educação integral.
Ele expressou a sua representação de Escola Nova apresentando uma ilustração em que
no centro está a educação integral, bandeira comum aos tratadistas escolanovistas, católicos ou
não, e em torno os seus instrumentos, quais sejam: a iniciativa, a cooperação e o preparo para
a vida pela vida. E defendeu detalhadamente a importância de cada um desses elementos para
o desenvolvimento da pedagogia nova.
Fundamentado nesse tripé, sugeriu a construção de uma escola ativa, que levasse em
conta o interesse da criança e que fomentasse a iniciativa e a atividade. Para tanto, forneceu
orientações metodológicas, sugerindo que os professores fizessem uso de recursos didáticos
diferenciados como o método de projetos, as excursões, os centros de interesse, a organização
de museus escolares, entre outros, apropriando-se de escolanovistas do quilate de Decroly,
Dewey, Claparède, Kilpatrick e Kerschensteiner e também de alguns ligados à Psicologia como
Kretschmer e Spranger.
Defensor entusiasmado da apropriação da Psicologia e da Biotipologia pela Pedagogia,
e, também, do estímulo ao interesse da criança, tratou de defender a importância do
conhecimento e da compreensão da personalidade infantil. Nessa direção, indicou o uso de
testes psicológicos para selecionar os alunos do ponto de vista do preparo escolar para agrupá-
los em classes homogêneas, e, também para conhecer a personalidade da criança e então, agir
sobre ela. E aqui, novamente, entra em sintonia com os pioneiros.
Como mostrado no subcapítulo 4.2, Backheuser defendia a aplicação dos testes, tal qual
Lourenço Filho, com o mesmo objetivo. A diferença entre eles é que a intenção do pioneiro
estava atrelada ao ajustamento do comportamento do aluno, enquanto que o católico, além do
comportamento, se preocupava também com a moldagem da alma. Para Backheuser, os testes
seriam como ferramentas para o mestre chegar à essência do aluno e nela agir. O que já nos dá
uma pista da bagagem ideológica do autor.
O fato de Everardo Backheuser partir de um ângulo metafísico de visão, fazer uma
leitura cristã do mundo, defender o diálogo e a cooperação entre família, escola e Igreja, tomar
o transcendente como o único norteador possível para as práticas pedagógicas e usar como lente
a filosofia católica para depurar os preceitos escolanovistas daquilo que, na sua opinião, não
fosse sagrado, dá pistas para a segunda parte da questão anteriormente posta.
Homem da ciência e da técnica, ao se converter ao catolicismo, se apropriou das ciências
que, no seu entendimento, eram válidas porque legitimavam as verdades de Deus. Nessa
223
perspectiva, a Sociologia é secundarizada, por ser considerada uma ciência pagã, vazia de
sentido.
As concepções de educação e de homem por ele defendidas estão direcionadas para a
transcendentalidade e para o cidadão cristão, respectivamente. A escola, através de seus
conteúdos e práticas, deveria contribuir para formar a criança para a vida presente e também
para o plano sagrado.
A formação da personalidade infantil, entendida por ele como um conjunto de
faculdades intelectuais e espirituais, em todos os aspectos: físicos, psíquicos, estruturais e
biotipológicos, deveria ser projetada tanto para a vida terrena, como defendiam os pioneiros,
quanto para o plano eterno.
Em relação a esse último aspecto, apropriando-se de autores da Pedagogia Católica
como Dupanloup, De Hôvre e, muito especialmente, de Pio XI (Encíclica Papal), ele se
posicionou contrário a alguns dos princípios básicos presentes nos documentos seminais da
Escola Nova, como por exemplo, a coeducação, a laicidade e a neutralidade.
Para combater a coeducação buscou argumentos na Biologia. Para contrapor-se à
laicidade e à neutralidade alicerçou-se na necessidade imperiosa de uma orientação religiosa,
espiritual das crianças, defendendo a importância da educação moral por meio da inserção do
Ensino Religioso nos currículos escolares. Era o seu interesse um currículo transversalizado
pelo catolicismo.
Todos esses elementos acima elencados e outros mais apresentados ao longo dos
capítulos 3 e 4, convergem para aquilo que estou chamando de “escolanovismo católico
backheusiano”. Entretanto, para caracterizar essa representação de Escola Nova de forma mais
detida, com base nas variáveis analisadas no capítulo 4, destaco como ponto central a proposta
da educação integral, tão cara tanto para o grupo dos pioneiros quanto para o dos católicos.
Proposta que, em Everardo Backheuser, pode ser representada como um amálgama entre alguns
aspectos da pedagogia da Escola Nova, sobretudo os metodológicos: atividade e o interesse da
criança e aspectos do catolicismo, mais precisamente os filosóficos, por ele conciliados através
do uso da Psicologia Gestáltica.
Assim, pode-se atentar, de forma geral, para os pontos de convergência e de divergência
entre pioneiros e católicos, adensando então a compreensão de como Backheuser se apropriou
e representou a Escola Nova e, nesse jogo, criou o seu próprio projeto educacional, o seu
escolanovismo.
Se a proximidade de Backheuser com os pensadores liberais - e, com particular
contundência, com Lourenço Filho - é de certo modo inevitável, pois são todos
224
modernos, é também impossível, porque em seu laicato Backheuser vive um celibato
teórico, que se de um lado permite-lhe o flerte com a modernidade, por outro impede-
lhe a corte (ERRERIAS, 2000, p. 37).
O centro de convergência de toda a renovação educacional que residiu na educação
integral, a qual seria alcançada através do citado tripé: iniciativa, cooperação e educação para e
pela a vida, aproximou o pensamento de Backheuser do projeto escolanovista dos pioneiros.
Ambos almejavam aliar instrução e educação para formar o homem completo, o homem
integral. Ambos defendiam uma escola ativa e enfatizavam a importância de despertar o
interesse da criança. Para tanto, os estudos sobre a infância e sobre a personalidade infantil eram
tidos como ferramentas úteis na busca de formas de estimular o interesse das crianças para a
atividade.
Todavia, para Backheuser, a finalidade da educação seria a formação integral do eu
transcendental, a preparação da criança para a vida eterna, para o plano sobrenatural. E essa é,
sem dúvida, uma das principais marcas do escolanovismo católico backheusiano. É por esse
viés que ele fazia a interlocução entre ciência e religião. E foi justamente essa interlocução que
deu o tom ao seu modelo pedagógico que se ocupou em agir sobre a personalidade e desvendar
a alma da criança, despertando o seu interesse e dando-lhe uma educação que visava a sua vida
em outro plano. Ao ancorar a prática pedagógica na filosofia católica, criou, nesse aspecto, um
abismo em relação à Pedagogia da Escola Nova porque, ao fazê-lo rechaçou alguns dos seus
princípios centrais.
Os preceitos escolanovistas, tanto os abraçados pelos pioneiros quanto os defendidos
por Backheuser, fundamentaram-se em concepções como desenvolvimento e maturidade,
apostaram na educação ativa, no ensino dinâmico e no trabalho em comunidade capaz de
propagar o hábito da cooperação. O Manifesto propôs, por exemplo, uma escola que levasse
em conta as aptidões naturais e o interesse dos educandos, enfatizando a iniciativa e a lógica da
psicologia infantil. Nisso há similitudes com o que Backheuser propôs.
Ambas as perspectivas também concordavam quanto à importância da colaboração entre
lar e escola no processo educacional, discordando, porém, em relação ao lugar de um e de outro
nesse processo. Se para os renovadores a família deveria (apenas) auxiliar o Estado educador,
para Backheuser, escola, família e Igreja teriam papeis fundamentais na educação da criança.
Outro ponto de concordância refere-se à convicção de que seria função da educação
contrabalançar indivíduo e sociedade, ou seja, disciplinar e orientar as forças que agem sobre o
ser humano. Que a educação deveria criar condições para o equilíbrio entre as tendências
egoístas e as altruísticas, ambos concordavam, entretanto, para Backheuser, nada disso era
225
novo. Ao considerar esta uma tarefa da educação, a Escola Nova estaria retomando saberes
atemporais que já haviam sido expressos pela Igreja. Para ele, por vezes, os preceitos
escolanovistas apenas reeditavam aqueles que, para o catolicismo, são antigos.
Na transposição de saberes efetuada insinuava-se que o trabalho a ser realizado pelo
pensamento católico consistia em depurar o novo conhecimento naquilo que se
distanciava do catolicismo e pontuar em que medida o conhecimento científico
comprovava ou esclarecia o que já não era novo para a sabedoria sagrada
(ERRERIAS, 2000, p. 87).
Quando confrontados os projetos, outras discordâncias surgem, em especial, no que se
refere aos campos político e ideológico. Ambos se distanciam em relação à concepção de ser
humano, à finalidade da educação e também em relação à escola única. Enquanto os pioneiros
mostravam-se preocupados com a participação do indivíduo na vida pública e política da
sociedade, fundamentando-se para isso na Sociologia e na Antropologia, Backheuser adentrava
os planos filosófico e metafísico, buscando na S ociologia apenas questões relacionadas à
educação cívica, doméstica e manual.
Para os pioneiros, o fim da educação estava na historicidade do ser enquanto que para
Backheuser estava na sua transcendentalidade, sendo inconcebível que o objeto da educação
fosse o ser social. O escopo do seu projeto era a educação integral, defendia a educação da
alma, voltada para o sagrado e para a produção de uma sociedade comprometida com o
atemporal, visando formar o cidadão cristão.
Os pioneiros lutavam por um sistema único, público, laico, coeducativo, de base
científica e sob a responsabilidade do Estado, enquanto o escolanovismo católico backheusiano,
defendia o ensino privado e rechaçava o ensino laico e coeducativo, almejando uma educação
indissociável do catolicismo.
Tendo buscado responder as indagações acerca de como os postulados da Escola Nova
e do catolicismo foram apropriados e representados nos manuais aqui analisados, importa agora
enfatizar nuances do pensamento pedagógico desse educador expresso nos mesmos.
Everardo Adolpho Backheuser defendeu a cientifização do campo pedagógico e elegeu
a Psicologia como a pedra angular da sua pedagogia. Afinado com alguns elementos da Escola
Nova ele almejou a educação integral da criança que, na sua concepção, deveria desenvolver
todos os pendores do indivíduo, respeitando as diferentes Gebiete sem estimular a
preponderância de nenhuma até que se manifestasse a vocação do indivíduo. Essa perspectiva
226
pedagógica atentava para todos os aspectos da personalidade, físicos, psíquicos, estruturais e
biotipológicos.
Defendendo o Ensino Religioso, almejava trasnversalizar o currículo escolar com o
catolicismo e visava não somente a educação do corpo, mas, também da alma e para
fundamentar cientificamente essa proposta, se apoiou na Gestalt e reintroduziu a religiosidade
no âmbito educacional para a formação integral da personalidade do educando. Nesse ponto se
afastou da Pedagogia tradicional, porque segundo o seu ponto de vista, esta estava
demasiadamente preocupada com o desenvolvimento da região científica do cérebro e se
afastou também da Escola Nova porque, para ele, não levava em conta a existência da alma do
indivíduo.
Num contexto em que o científico se apresentava como proposição da verdade, a
Psicologia Gestáltica como possibilidade de compreensão científica do ser humano acabou por
permitir-lhe “comungar” da ciência sem se afastar do transcendental. Ele apresentou esse ramo
psicológico como capaz de fornecer o embasamento para uma educação harmônica e integral,
que permitiria o despertar de todas as estruturas da alma e também do corpo, que, para ele, era
a base física da alma. Nesse sentido, a Psicologia se configurou um útil instrumento na sua luta
pela hegemonia do pensamento católico e para a edificação do seu escolanovismo.
Exemplar do pensamento pedagógico católico e expoente de um escolanovismo
singular, no território contestado de debates entre tradição e modernidade, Backheuser se
destacou como um dos educadores que se apropriou do “novo” calcado em “velhas” lentes.
Para pôr em marcha a educação integral para a transcendentalidade, circunscrita no
escolanovismo católico que idealizou, dialogou com autores de diversas áreas, sobretudo da
Pedagogia (tanto a escolanovista quanto a católica) e da Psicologia, especialmente dos ramos
da Gestalt e da Biotipologia.
Os subcapítulos 3.1 e 4.1 da tese apresentaram detalhes dessas apropriações, para as
quais tiveram peso significativo autores católicos e escolanovistas. Entre os primeiros destaque-
se De Hôvre, divulgador do pensamento católico europeu, que, ao lado da Encíclica, representa
uma das bases do pensamento católico de Backheuser. Entre os segundos, Decroly, de quem
ouso dizer que Backheuser se apropriou da ideia de que a criança apreende o mundo com base
na visão do todo, da junção entre Psicologia e Pedagogia, além, obviamente, da defesa dos
centros de interesse como um importante recurso didático na pedagogia nova. De
Kerschensteiner, pedagogo alemão, comungou da ideia de que a vontade de aprender deveria
partir da criança, porque o aprendizado aconteceria de dentro para fora, e, para tanto, se deveria
estimular a atividade, o trabalho. De Claparède, certamente herdou o interesse pela Psicologia
227
e pela Biologia, no sentido de compreender a mente infantil para estimular o interesse. De
Dewey, na maioria das vezes criticado, e de seu discípulo Kilpatrick, se apropriou
especificamente do método de projetos. Destaque-se, ainda, a sua comunhão das ideias de
Spranger e de Kretschmer, voltadas à Psicologia Estruturalística ou Gestáltica e à Biotipologia.
O escopo da sua educação integral era a formação total da criança, em todas as
dimensões, inclusive a moral e religiosa, a partir do seu interesse. Para tanto, almejava incluir
nos currículos escolares um conteúdo espiritual, apesar de defender a importância da ciência no
processo educativo. O seu escolanovismo católico queria uma espécie de purificação, de
transposição que possibilitasse uma “ciência cooptada pelo catolicismo, lavrada ao sabor das
escrituras” (CUNHA; ERRERIAS, 2000, p. 34).
***
Durante o percurso de pesquisa, estudo e escritura, várias questões foram levantadas as
quais considero ricas possibilidades para pesquisas futuras, sejam elas na forma de artigos
científicos ou projetos mais amplos. Nesse espaço cito apenas algumas, com o intuito de que
esses meus arranjos e rearranjos fomentem nos leitores o interesse em realizá-las. Como, por
exemplo:
Investigar a rede de sociabilidade de Everardo, uma busca que pudesse identificar os
interlocutores brasileiros desse autor.
Buscar registros sobre a circulação de Everardo na Alemanha para analisar o processo
de apropriação realizado em solo europeu antes da produção dos manuais.
Conhecer e compreender o seu trânsito no subcampo da Politécnica, atentando para a
sua trajetória anterior à participação no movimento escolanovista.
Ainda a partir da ideia de investigar a sua trajetória pretérita, investigar o seu impacto
na cidade em que viveu e o impacto da cidade em seus percursos.
Analisar as representações de Backheuser sedimentadas nos escritos de outros
professores e ou na imprensa.
Investir na compreensão das suas apropriações de Decroly, o qual parece influenciar
mais o seu pensamento do que Dewey, por exemplo.
Pesquisar sobre a efetiva participação de Backheuser no movimento da Reação Católica,
compreendendo-o como um intelectual católico.
Deslindar as ações da Cruzada Pedagógica pela Escola Nova, movimento esquecido
pela historiografia.
228
Investigar as apropriações de manuais escolanovistas como os de Backheuser nos
currículos das escolas públicas, como nos Grupos Escolares catarinenses, por exemplo.
Aprofundar a análise dos manuais escolanovistas como suportes de cultura, como
produtos de redes, de grupos específicos e dar ênfase também à questão do mercado editorial.
Estabelecer interfaces acerca dos usos das teorias psicológicas pelos representantes do
movimento escolanovista no Brasil.
Problematizar a luta de representação entre dois dos modelos pedagógicos concorrentes
implantados no campo educacional brasileiro, investigando que lugar ocupou a Pedagogia
Moderna diante da Escola Nova, pois, nos manuais aqui estudados percebi que ora o autor os
contrapõe, ora os cita como sinônimos e ora o primeiro é considerado sinônimo da Pedagogia
Tradicional.
Cotejar tanto as trajetórias de Everardo Backheuser e Lourenço Filho quanto os vieses
psicologizante e sociologizante respectivamente de ambos os educadores nas linhas dos seus
manuais pedagógicos.
E, finalmente, problematizar os objetos produzidos por Alcina Moreira de Souza como
fontes históricas, e, realçar a trajetória dela como professora e como fabricante de história.
***
A epígrafe escolhida para abrir minha tecitura versa sobre a importância de articular as
representações das práticas e as práticas da representação ao se fazer história. As representações
e as práticas possuem uma série de razões, códigos e finalidades e destinatários particulares,
identificá-los é a condição sine qua non para compreender as situações ou práticas que são
produtos, objetos da representação. Essas representações estão estreitamente relacionadas às
ações seja de indivíduos ou de grupos, e por isso só podem ser compreendidas a partir da tensão
que existe em relação às práticas.
Certamente, essa tese é em última instância, o produto de um lugar, uma leitura ou uma
interpretação do passado dirigida por uma leitura do presente, uma tentativa de “ressuscitar”
um passado a partir da história de um indivíduo, de pôr em cena um personagem, as suas
apropriações, práticas e representações. Ao tramar o que era geral - a representação de Escola
Nova - expresso pelo que foi singular - as apropriações de Backheuser - uma história, encarada
como operação, como prática, foi inventada, fabricada, tecida. Essa invenção, guiada pela
orientadora, e com o privilégio de uma autonomia fundamental, foi pensada por mim que, ao
eleger procedimentos, métodos de análise e suportes teóricos, criei esquemas de
229
inteligibilidade, partindo de um lugar social muito específico. Portanto, é a minha tecitura de
uma escrita. Um texto que expressa a minha representação, a qual resultou da leitura criativa
que fiz, das apropriações que realizei acerca do escolanovismo católico backheusiano, com base
nas fontes que selecionei e, a partir das interpelações que fizemos, orientadora e eu, ao longo
deste percurso como “tecelãs do tempo”, como diria Durval Muniz Albuquerque Junior (2009).
Almejo que esta representação - seja como um holofote que deu ênfase à trajetória de
um educador tão multifacetado, expoente de um modelo pedagógico pouco conhecido; ou como
mais uma forma de fabricar história, na qual tentei acentuar as apropriações, representações e
práticas de um personagem muito importante da História da Educação brasileira - provoque
outras várias e inspire muitas investigações contribuindo então para o campo historiográfico, e
de forma mais abrangente, para o campo da educação.
230
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239
APÊNDICE A - QUESTIONÁRIO83
Relacionado à pesquisa de doutorado atualmente intitulada “ESTRATÉGIAS DE
DOMINAÇÃO DO CAMPO EDUCACIONAL BRASILEIRO NAS DÉCADAS DE 1930
E 1940: Apropriações da Escola Nova nos manuais didáticos de Everardo Adolpho
Backheuser.”
Pesquisa vinculada ao Programa de Pós Graduação Doutorado em Educação da Universidade
do Estado de Santa Catarina - PPGE/UDESC.
Remetente: Maristela da Rosa [email protected]
Destinatário: Miriam Backheuser Mambrini [email protected]
Data de envio por e-mail: 01 de dezembro de 2015
Data de retorno por e-mail: 07 de dezembro de 2015
TEMA: trajetória social de Everardo Adolpho Backheuser, com ênfase nos indicadores:
origem sociofamiliar e percursos: escolar e profissional.
Sobre a origem sociofamiliar84:
Maristela: Por favor, confirme o seu nome completo, local e data de nascimento e o seu nível
de parentesco com Everardo Adolpho Backheuser.
Miriam: Miriam Backheuser Mambrini
Rio de Janeiro, RJ
20/06/1938
Neta
Maristela: Quais os nomes dos avós (maternos e paternos) de Everardo? Onde nasceram?
Quais suas profissões? Quais seus níveis de escolaridade? Quantos filhos tiveram? Onde estes
filhos nasceram? Quais os níveis de escolaridade e as profissões dos filhos?
Miriam: Não sei. Talvez você encontre alguma informação nas notas do livro “Minha terra e
minha vida”, da autoria de meu avô.
Maristela: Quais os nomes dos pais de Everardo? Onde nasceram? Quais seus níveis de
escolaridade? Quais suas profissões? Quantos filhos tiveram? Onde estes filhos nasceram?
Quais os níveis de escolaridade e as profissões dos filhos?
Miriam: Mãe: Joaquina Eugênia de Gouveia Gonçalves (Quininha), nascida na cidade do Rio
de Janeiro em 27/06/1842. Pai: João Carlos Backheuser, nascido em Santos, SP e educado na
Alemanha. O pai era engenheiro.
Tiveram 3 filhas e por último o único homem, Everardo, todos nascidos em Niterói..
Maristela: Soube que Everardo perdeu o pai muito cedo, sendo criado pela mãe, com a ajuda
de uma tia. Quais as condições e disposições econômicas da família de Everardo?
83 Este instrumento de pesquisa, enviado por e-mail, está acompanhado do termo de consentimento livre e
esclarecido, em duas vias: uma delas ficará em poder da pesquisadora e a outra com o sujeito participante da
pesquisa, conforme exige o Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo seres humanos. 84 Reconhece-se que a primeira parte do questionário traz algumas perguntas repetitivas, mas, entende-se que
sejam fundamentais para a compreensão da origem sociofamiliar de Everardo Adolpho Backheuser.
240
Miriam: Até a morte do pai, a situação financeira da família era muito boa, depois, se tornou
difícil. Dona Quininha costurava para fora. Sua cunhada Adelaide (Tijá) a ajudava.
Maristela: Sei que Everardo nasceu em Niterói, em 23 de maio de 1879 e faleceu em 10 de
outubro de 1951. Essas datas conferem? Qual a causa do óbito?
Miriam: Conferem. Não sei exatamente a causa da morte, mas ele sofria de artrite reumatoide,
e nos últimos tempos pouco saía da cama.
Maristela: A família de Everardo era religiosa? Soube que, por um tempo, Everardo afastou-
se da religião e depois da morte da primeira mulher, reconverteu-se ao catolicismo. No seu livro
(Maria Quitéria, 32), você fala de conversão ao catolicismo. Pode contar sobre isso?
Miriam: A família era católica, mas meu avô se afastara da religião. Por ocasião da morte de
Ricarda, primeira mulher, teve uma visão dela conduzida pela mão por Jesus. Isso o fez procurar
a religião, realizando um dos maiores desejos da mulher, que era sua volta à igreja.
Maristela: Everardo casou-se duas vezes. Primeiro com D. Ricarda com quem teve um filho e,
depois de viúvo, com D. Alcina. Ele não teve filhos no segundo casamento?
Miriam: Do primeiro casamento, teve dois filhos, o primogênito, Everardinho, morreu ainda
bebê. O segundo é meu pai, que sempre foi filho único, pois o irmão morreu antes de seu
nascimento.
Da segunda mulher não teve filhos.
Maristela: Qual o nome do filho de Everardo? Onde nasceu? Qual seu nível de escolaridade?
Qual sua profissão? Casou-se com quem? Teve quantos filhos? Onde estes filhos nasceram?
Quais os nomes destes filhos? Quais seus níveis de escolaridade e suas profissões?
Miriam: João Carlos Restier Backheuser. Nasceu em Niterói, era engenheiro e professor.
Fundou a Empresa Carioca de Engenharia Ltda, hoje Carioca Engenharia, e trabalhou em obras
públicas. Casou-se com Maria Pernambuco e teve dois filhos, ambos nascidos no Rio de
Janeiro. A mais velha sou eu, Miriam Pernambuco Backheuser de solteira, Backheuser
Mambrini de casada. Meu irmão, Ricardo Pernambuco Backheuser é engenheiro e deu
continuidade ao trabalho do pai na empresa. Eu me formei em Letras pela PUC do Rio, fui
professora do estado, trabalhei em programas sociais e hoje sou escritora.
Sobre os percursos escolares:
Maristela: Everardo acumulou muito capital cultural, frequentando diferentes instituições
escolares e conquistando vários títulos: cursou o ensino primário na Chácara Santa Rosa que
alojava o Externato Particular, conhecido como “Colégio de dona Evelina” (irmã dele) e, mais
tarde, o Colégio de F. Hermínia Ihmer; os estudos secundários no Ginásio Nacional onde se
graduou bacharel em Ciências e Letras; estudou também na Escola Politécnica do Rio de
Janeiro. Foi nesta última instituição que ele conquistou os títulos de Engenheiro Geógrafo,
Engenheiro Civil, Bacharel em Ciências Físicas e Matemáticas e, doutor em Ciências Físicas e
Naturais?
Miriam: Sim.
Maristela: Quais foram os motivos que o levaram a escolher tais áreas? Ele sempre apresentou
interesse por estes campos? Quais outros campos de interesse dele que você acha importante
mencionar?
Miriam: Quanto a suas razões para tais escolhas, não posso dizer nada. Mas sei que foi ele
quem iniciou o estudo da geopolítica no Brasil. Até algum tempo atrás, seu livro Geopolítica
241
do Brasil era adotado na Escola Superior de Guerra. Também se interessava pelo Esperanto e
foi presidente da “liga esperantista”. Sei também que foi um grande professor, admirado e
amado por seus alunos. Meu avô era um homem de múltiplos interesses.
Maristela: Você acha que houve, por parte da família de Everardo, uma preocupação com o
investimento pedagógico? Quais seriam as formas de cultura escrita constituída no interior da
sua família?
Miriam: Talvez o fato da irmã ser professora e dona de um colégio tenha tido alguma influência
nisso, mas é apenas uma suposição.
Maristela: Em “Maria Quitéria, 32”, você conta que os seus avós valorizavam os estudos,
elogiavam o sucesso escolar e incentivavam premiando os netos com livros. Pode-se dizer que
eles foram mediadores importantes para o desenvolvimento do seu percurso profissional como
escritora, por exemplo?
Miriam: Sem dúvida. Minhas tardes de domingo entre os livros de sua enorme biblioteca são
lembranças vívidas até hoje. Ganhei dele meu primeiro livro de literatura: O tronco do Ipê de
José de Alencar. Minhas tentativas infantis de escrever poesia (embora nunca tenha conseguido
ser poeta) eram muito valorizadas, e eles (vovô e votó) me deram um álbum para que eu as
copiasse ali.
Sobre o percurso profissional:
Maristela: Everardo escolheu como formação superior uma área bem técnica e o percurso
profissional foi dentro de uma área humana (Educação). Ele atuou como engenheiro? Quais
seriam os motivos da sua escolha pela docência?
Miriam: Não creio que tenha atuado em engenharia por muito tempo, li umas referências sobre
um projeto de casas populares de que ele teria participado, mas como disse antes, foi como
professor que ele se destacou, a educação era sua vocação.
Maristela: Em quais instituições Everardo atuou como professor?
Miriam: Só me lembro da Politécnica e da Pontifícia Universidade Católica, da qual ele foi um
dos fundadores. Acho que chegou a ensinar no Colégio Jacobina, onde estudei, por indicação
dele a meus pais. Mas isso foi antes de eu ter entrado no colégio. Certamente lecionou em outras
instituições, uma delas possivelmente a Faculdade Santa Úrsula, no Rio, já que o Centro
Acadêmico de lá tinha o seu nome.
Maristela: Como foi a atuação de Everardo nas campanhas político-sociais no campo
educacional?
Miriam: Não tenho informações sobre isso.
Maristela: Soube que, em determinada época, Everardo fez uma espécie de estágio na
Alemanha, onde aprendeu sobre Escola Nova. Você saberia que dizer quando isso ocorreu e
como foi?
Miriam: Não sei.
Maristela: Saberia me dizer qual a relação que Everardo estabeleceu com educadores
conhecidos como Fernando de Azevedo, Jackson Figueiredo e Alceu Amoroso Lima?
Miriam: Creio que todos participavam do Centro Don Vital, mas também não tenho
informações sobre isso.
242
Maristela: Além de professor, sei que Everardo atuou também no campo jornalístico. Pode me
contar sobre isso?
Miriam: Ainda no campo das suposições, acho que ele escrevia crônicas para um jornal de
Niterói e possivelmente também artigos de caráter político ou educacional. A suposição vem
do livro de sua autoria “Minha terra e minha vida”, onde teria juntado crônicas publicadas em
jornais.
Maristela: Como foi a atuação de Everardo no campo político? Ele teve filiação partidária e/ou
ideológica com algum grupo? Qual (is)?
Miriam: Não sei.
Outras questões...
Maristela: Soube que Everardo foi preso por motivos políticos. Você pode me esclarecer esta
questão? Quando, como e onde ocorreu a prisão? Quanto tempo ele ficou detido? Ele fez algum
relato escrito/oral sobre o tempo que passou na prisão? Será que após a prisão, houve mudanças
acerca do seu pensamento, comportamento, ideais?
Miriam: Só sei que ele esteve preso durante o governo de Artur Bernardes e que, enquanto
preso, foi escolhido como paraninfo por seus alunos da turma de engenheiros-geógrafos. Minha
avó Ricarda leu o discurso do marido na solenidade da formatura.
Maristela: Você guarda algo significativo dele consigo?
Miriam: Tenho uma medalha de ouro com a seguinte frase escrita atrás: “Conhecer o seu dever
e cumpri-lo”. Tenho ainda um grande relógio de bronze e um par de jarras, que hoje, na minha
casa, ficam em cima do mesmo móvel antigo em que ficavam na casa dele.
Maristela: Há algo sobre Everardo que não tenha sido divulgado e que você acha interessante
contar?
Miriam: Minhas recordações sobre ele estão em meu livro de memórias da infância “Maria
Quitéria, 32”. Fora disso, me lembro (coisa muito antiga), que pelo menos uma vez ele me levou
(eu teria 5 ou 6 anos) numa das excursões que fazia com os alunos, para ver aspectos geológicos
do Rio e sambaquis. Outra lembrança: muitos anos depois de sua morte, de vez em quando
encontrava uma ou outra senhora que tinha sido sua aluna, ou que o conhecera, e era inevitável
que me dissessem: “Minha filha, seu avô era um homem lindo!”
Maristela: Everardo escreveu algum diário? Ou teve guardadas anotações íntimas?
Miriam: Não, que eu saiba.
Maristela: Existe algum álbum de fotografias que registre aspectos da trajetória de Everardo?
Miriam: Tenho um álbum antiquíssimo, que vem da família dele. Não sei quem são os
personagens, mas as fotos são registros de família em piqueniques etc. Fora disso, só algumas
fotos esparsas.
Maristela: Como você definiria Everardo Adolpho Backheuser?
Miriam: Como um homem de muitos interesses, uma inteligência multifacetada. Tinha carisma
suficiente para ser querido pelos alunos e estofo intelectual para ser lembrado, até hoje, por seus
livros, suas ideias e sua atuação.
243
APÊNDICE B - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
244
245
APÊNDICE C - PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP
246
247
248
249
ANEXO A - ATA DO PEDIDO DE DEMISSÃO DE EVERARDO BACKHEUSER DA
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO85
85 Ata da sessão do Conselho Diretor da ABE datada de 16 de novembro de 1931 (páginas 130-134), disponível
na Associação Brasileira de Educação situada à Rua México, 11 - Grupo 1402, Centro - Rio de Janeiro.
250
251
252
253