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Luís Marques Mendes, 58 anos, é um dos políticos com mais tempo no poder em democracia. Diz que daqui a oito anos pode "pensar" nas presidenciais. É "viciado em política". Leia a entrevista de vida. Luís Marques Mendes é um dos homens que mais tempo passou em funções governativas. Aos 58 anos, dois dias antes de ir de férias, aceitou falar ao Observador da sua vida e das suas memórias políticas. Faz 59 no dia 5 de setembro. A conversa de duas horas, realizada no escritório da Abreu Advogados, onde é consultor, foi feita numa sala com vista para a sede do PCP na Soeiro Pereira Gomes. Numa entrevista de vida onde faz algumas revelações, Marques Mendes admite que entrar para o Governo aos 28 anos o impediu de ver os dois filhos mais velhos crescer (o terceiro já nasceu no fim do cavaquismo). Também confessa que a sua imagem nos Governos de Cavaco Silva era “péssima”, uma espécie de “Yes Minister”. Mesmo no fim (na última pergunta), assume que daqui a oito anos, quando Marcelo Rebelo de Sousa entrar na reta final do seu (eventual) segundo mandato, pode “pensar” nas eleições presidenciais. É um “viciado em política”. Conta que começou no Governo minoritário de Cavaco Silva, em 1985, e depois de duas recusas, com “um medo louco”. Reconhece que já recusou empregos “incompatíveis com os comentários” políticos que agora faz na SIC, mas recusa dizer de onde surgiram. Marques Mendes recorda como começou no PREC, a discursar pelo PPD com longos cabelos e calças à boca sino, lembra as conspirações para Cavaco chegar ao poder e diz que era um atrasado crónico nos Conselhos de Ministros. Conta como se relacionou com Marcelo Rebelo de Sousa, critica o amigo Passos Coelho e fala da influência do pai e da mãe. Leia esta longa e rara entrevista de vida. É das pessoas que, durante a democracia, esteve mais anos no 1 of 18

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Luís Marques Mendes, 58 anos, é um dos políticos com maistempo no poder em democracia. Diz que daqui a oito anos

pode "pensar" nas presidenciais. É "viciado em política". Leiaa entrevista de vida.

Luís Marques Mendes é um dos homens que mais tempo passou emfunções governativas. Aos 58 anos, dois dias antes de ir de férias,aceitou falar ao Observador da sua vida e das suas memórias políticas.Faz 59 no dia 5 de setembro. A conversa de duas horas, realizada noescritório da Abreu Advogados, onde é consultor, foi feita numa salacom vista para a sede do PCP na Soeiro Pereira Gomes. Numa entrevistade vida onde faz algumas revelações, Marques Mendes admite queentrar para o Governo aos 28 anos o impediu de ver os doisfilhos mais velhos crescer (o terceiro já nasceu no fim docavaquismo). Também confessa que a sua imagem nos Governos deCavaco Silva era “péssima”, uma espécie de “Yes Minister”.

Mesmo no fim (na última pergunta), assume que daqui a oito anos,quando Marcelo Rebelo de Sousa entrar na reta final do seu(eventual) segundo mandato, pode “pensar” nas eleiçõespresidenciais. É um “viciado em política”. Conta que começou noGoverno minoritário de Cavaco Silva, em 1985, e depois de duasrecusas, com “um medo louco”. Reconhece que já recusou empregos“incompatíveis com os comentários” políticos que agora faz na SIC, masrecusa dizer de onde surgiram.

Marques Mendes recorda como começou no PREC, a discursar peloPPD com longos cabelos e calças à boca sino, lembra asconspirações para Cavaco chegar ao poder e diz que era um atrasadocrónico nos Conselhos de Ministros. Conta como se relacionou comMarcelo Rebelo de Sousa, critica o amigo Passos Coelho e fala dainfluência do pai e da mãe. Leia esta longa e rara entrevista de vida.

É das pessoas que, durante a democracia, esteve mais anos no

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Governo em Portugal. A política vicia?Talvez a uns mais que a outros, mas não deixa de ter algumacomponente de vício. As pessoas habituam-se a um conjunto decomportamentos e até mordomias. Vi muita gente que depois tevemuitíssima dificuldade em cortar. Nunca foi, felizmente, o meu caso,porque cortei várias vezes. Pouca gente se recorda, mas fui, porexemplo, líder parlamentar [1996-99], eleito pelos seus pares como omelhor líder parlamentar da legislatura. Toda a gente me pedia paraficar, mas saí. Também saí da liderança do partido, depois de umaderrota eleitoral autárquica em Lisboa, em que decidi pôr a minhaliderança em xeque. Mas há pessoas que têm dificuldade em fazer umcorte…

Há duas formas de colocar a questão: se o poder vicia e sentiuisso; e depois há o lado de ser tão viciado que nunca conseguedesligar dessa realidade.As hipóteses que coloca são todas possíveis na vida política. No meucaso, acho que só se aplica a segunda hipótese: sou, com cargos ou semcargos, um viciado em política. Não é na política, mas em política.Continuo a gostar de uma boa discussão política, de uma tertúliapolítica, gosto de emitir opinião. Nesse sentido geral, sou viciado empolítica.

Há pessoas que fazem essa autocrítica, de assumirem que acerta altura estavam viciados no poder.Isso comigo nunca aconteceu porque tenho “n” exemplos ao logo daminha vida de tomar a iniciativa de sair. De uma forma geral, toda agente se acotovela para entrar, e tomei várias vezes a iniciativa de sair.Depois, há outra parte: há o vício que conduz a atitudes condenáveiscomo a corrupção e outros. Mas de um modo geral, no que se me aplica,sou um animal político, no sentido que, estando fora ou dentro, gosto depolítica. E hoje devo dizer que não tenho nenhuma saudade de cargospolíticos. Gosto de fazer, de vez em quando, uma participação, aindaque curta, numa campanha eleitoral. Sempre adorei campanhaseleitorais e continuo a gostar imenso, sobretudo na componente docontacto popular.

Quem acompanha as campanhas, como um jornalista político,pensa como é que é possível aguentar aquilo. Como seaguenta um ritmo daqueles?Quem corre por gosto não cansa. É preciso gostar-se para não se sentircansado e saturado com uma campanha eleitoral. Vou dar um exemplo:sempre fui bastante influenciado na vida política pelo meu pai. Já antesdo 25 de abril se respirava e falava de política em casa e issoinfluenciou-me muito. Todavia, há desde logo uma diferença essencial.O meu pai não gostava de fazer campanhas eleitorais. Era a parte queele menos apreciava na política. Preferia o trabalho de gabinete. Apesarde influenciado para a vida política por ele, toda a vida fui exatamenteao contrário.

Quando é que o seu pai o começa a influenciar politicamente?O meu pai foi um grande advogado durante muitos anos e, ao mesmotempo, também teve uma carreira política longa: já fazia vida políticaantes do 25 de abril. Naquele período, que antecede o 25 de abril, emque eu próprio estou a acabar o liceu, o meu pai tem conversas sobrepolítica. Recordo sobretudo as centradas na ala liberal da AssembleiaNacional (Sá Carneiro, Miller Guerra, Balsemão, Magalhães Mota).Lembro-me de um livro que corria lá por casa, que era sobre SáCarneiro: ser ou não ser deputado, e a renúncia dele ao cargo dedeputado na antiga Assembleia Nacional. Tudo isso teve uma influênciagrande. Tive sempre uma ligação afetiva muito forte com o meu pai, porum lado, e depois o exemplo dele condicionou-me positivamente. Achoque fui advogado por causa do meu pai e, em grande medida, fui político

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por causa do meu pai.

A seguir ao 25 de abril, aquela fotografia do jovem LuísMarques Mendes com cabelo comprido, era uma imagem queas pessoas não associam ao ar certinho e engravatado. Quemera o Marques Mendes revolucionário?Sempre fui bastante menos certinho do que aquilo que se convencionou.O cabelo comprido era o que se usava na altura. De resto, havia duascoisas que se usavam muito em 1975: o cabelo compridíssimo e aschamadas calças à boca de sino. Também usava. No resto estou igual: jáera pequenino à época e continuo hoje. Não há aí diferençassubstantivas.

Não cresceu com a política.Não, pelo contrário. Até há quem diga que a política desgasta e que souum exemplo disso. Mas voltando à parte séria: usava-se cabelocomprido e usava-o assim, nesses tempos em que fazia intervençãopolítica pelo PPD. Essa fotografia tem essa curiosidade, dos comíciosque andava a fazer. Mas a maior é que nessa altura fazia comícios aapelar ao voto quando não tinha idade de votar. Só votei nas eleições de1976. Nas de 1975 participei em campanhas, falava em nome da JSD.

Era o quê? Líder da JSD de Fafe?Não, era uma espécie de coordenador. As coisas não eram muitoformais. Era uma espécie de coordenador da JSD no distrito de Braga.Portanto, nos concelhos do distrito de Braga, fazia esse tipo deintervenções.

Nessa época, os partidos eram mais à esquerda do que sãohoje e no distrito de Braga havia um contexto específico,tendencialmente mais à direita e com lutas muito fortes como PCP.Era um distrito sui generis, porque tem um setor muito conservador edepois porque tinha uma forte implantação de movimentos de extrema-esquerda. Não era só o PCP. A FEC-ML [Frente Eleitoral Comunista –Marxista Leninista] tinha uma grande presença em Braga e comíciosmuito aguerridos.

Andou à pancada?Não, à pancada não andei, mas tive comícios interrompidos porque tudocomeçou à pancada. O distrito de Braga foi, nesse plano, muito violento.A política, na época, estava muitíssimo mais à esquerda do que hoje: oPSD falava de socialismo democrático, e da social-democracia como viapara o socialismo.

E em autogestão de empresas e coisas desse género…Era sobretudo a componente da “cogestão” no nosso programa, mastambém havia afloramentos de autogestão. Mas era o período em quetodos nos batíamos para que o PSD entrasse na Internacional Socialista,coisa que nunca conseguimos alcançar porque o PS e Mário Soaresvetaram sempre.

O que dizia nos comícios? Coisas de esquerda?

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Tentava dizer as coisas certas e relativamente sensatas, mas tudo aquiloera uma novidade.

Era um miúdo.Tive a grande vantagem de poder participar em cursos de formaçãopolítica quer cá dentro quer no estrangeiro. O PSD facultou muito isso.

Fez onde? Na Alemanha?Sim, com a Fundação Naumann e outras. Até aos anos 80, tive estapossibilidade o que é, para um jovem daquela idade, uma mais-valiainquestionável. Tudo aquilo era uma aprendizagem. Com base nasnossas linhas programáticas, fazíamos a apologia daqueles valores.Desse tempo vem uma coisa que me marca para a vida inteira: tinha porhábito escrever os discursos — sempre gostei muito de escrever –, masveio desse tempo ter conseguido começar a falar sem papel, deimproviso. E quem teve influência nisso foi a minha mãe.

Porquê?Como tinha orgulho no filho — ela é que diz, não sou eu — ia assistir avários comícios, mas colocava-se no meio do povo. E um dia disse-me:“Tu tens de falar sem papel”. Porque ela ouvia as pessoas a dizer: “Elefala bem, mas quem escreveu aquilo foi certamente o pai”. A referênciaera o meu pai, em toda aquela região. Eu era um ilustre desconhecido.Portanto, a minha mãe, que foi professora e é muito intuitiva, dizia:“Tens de falar sem papel, tens de falar de improviso. Que é a únicaforma de as pessoas acreditarem que és tu mesmo o autor daquilo queestás a dizer”. Assimilei essa recomendação, ganhei o hábito, e aindahoje por regra fale de improviso. Só por exceção é que escrevo.

Disse que o seu pai o marcou muito do ponto de vista políticoe profissional. E a sua mãe? A relação era diferente?Se tivesse conhecido o meu pai e a minha mãe, olhando para mim vê-selogo. A componente de boa disposição, de um certo espíritoextrovertido, de algum sentido de humor consigo próprio — eu sou apessoa que mais brinco com a minha estatura e acho isso divertidíssimoe não me incomoda nada quando alguém brinca com isso — este espíritodevo-o à minha mãe. O meu pai era o contrário: sério, introvertido,muito racional. Tive a sorte de herdar do meu pai o lado mais racional,que tenho conciliado com uma boa disposição e um otimismo que, nãosendo “irritante”, ajuda a vencer muitas dificuldades.

E em miúdo? Era um miúdo certinho? Disse que não, mascomo era na escola? Andou na escola em que a sua mãe davaaulas?Não, nunca fui aluno da minha mãe. Nem andava na escola onde elaandava aulas. Mas andei na escola da aldeia onde nasci e depois andeina escola da cidade e andei num colégio particular, que era o único deensino secundário que havia na minha terra, em Fafe. Depois, fiz os doisúltimos anos do liceu público, em Guimarães.

Era bom aluno, o filho do senhor doutor?Fui sempre um aluno razoavelmente bom, com uma claríssimatendência para disciplinas para o lado das letras e menos ligado àMatemática. No antigo 6º e 7º ano, tinha Latim, que era obrigatóriopara Direito. Gostei sempre muito de Latim, e tive média de 19. Há atéquem diga que só não tinha 20 porque de vez em quando chegavaatrasado às aulas e tinha de ser penalizado. Mas o professor diziasempre que o Latim era a Matemática das letras. Quem tivesse quedapara a Matemática, tinha para o Latim e vice-versa. Eu dizia que erauma exceção. Era um grande aluno a Latim e a Matemática, não sendomau aluno, não tinha o brilhantismo que tinha a Latim. Mas de modogeral fui sempre bom aluno.

Como é que era como jovem? Era certinho ou não?Não sei se era assim tão certinho. Fazia muito desporto…

Não jogava basquete…Não, a estatura não me permitiu isso… Mas joguei futebol e andebolfederado. Fui guarda-redes de futebol e fui guarda-redes de andebol.Ocupava muito dos meus tempos livres com o desporto e o cinema. Hojetenho imensa pena de não ir tanto à sala de cinema quanto gostaria.Sobretudo em Guimarães, que era o centro da região. Eram coisasnormais. Depois, a faculdade foi diferente: já a faço em regime deestudante-trabalhador.

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Não fez a vida normal do estudante universitário.Praticamente só ia a Coimbra para fazer frequências ou exames. Nãoestava lá em permanência, porque estava a exercer cargos políticos: ouno Governo Civil de Braga ou na Câmara de Fafe. Fui fazendo o curso aomesmo tempo, mas consegui fazê-lo sem chumbar um único ano,conciliando uma coisa e outra. Foi talvez dos conflitos mais saudáveis(de dois ou três) que tive com o meu pai. Ele foi sempre contra a ideia deacumular o curso com a vida política. E eu, que gostava muito depolítica, aceitei o convite do engenheiro Eurico de Melo para ser adjuntodele [no Governo Civil]. Ao fim de um ano, tive o convite para sernúmero dois da Câmara de Fafe. Quis provar a mim próprio que eracapaz de fazer uma coisa e outra. Tive tempo para estudar semchumbar, para exercer os cargos que exerci — modéstia à parte, achoque não exerci mal –, tive tempo para namorar, tive tempo para fazer oque um jovem faz.

Já conhecia a sua mulher nesta altura?Sim. Começámos a namorar logo ali no 25 de abril, pouco tempo depois.Estudávamos ambos no liceu em Guimarães, conhecemo-nos aí, e, doistrês meses depois da Revolução, começámos a namorar. Um produto daera da liberdade.

O que fez sanear o então reitor do liceu?Achávamos que era alguém ligado ao regime anterior e que tinha desair. O reitor, por quem hoje tenho uma enorme estima — e que temuma enorme qualidade intelectual –, era na altura deputado daAssembleia Nacional. Achávamos que era preciso dar um outro rumoàquela escola. Por isso, participei nesse processo revolucionário. São ascoisas que se fazem. Fiz aquilo que imensa gente fez nessa ocasião, aúnica que não fiz foi começar na extrema-esquerda e acabar na extrema-direita. Nisso mantive-me mais ou menos sempre no mesmo sítio.

Acompanhou o processo de saída do seu pai do PSD, com asOpções Inadiáveis, uma visão pela esquerda contra SáCarneiro. Esteve de acordo com ele? Ou concordava mais comSá Carneiro do que com o seu pai?Aí tivemos uma divergência. De resto, não foi a única. Eu era presidenteda Concelhia de Fafe do PSD e fui muito crítico de todos os quetomaram essa decisão. Eram duas visões de natureza estratégicarelativamente à forma de exercício do poder, que nada tinham a ver comesquerda ou direita. Pouco tempo depois, parte deles voltou ao partido.Estava muito mais do lado de Sá Carneiro. Estive do lado contrário aomeu pai e só fiquei satisfeito quando, dois anos depois, ele reconsideroue voltou.

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A sua imagem, justa ou injustamente, é de uma pessoaunidimensional. Para além da política, o que é a sua vida?É normal, porque fiz muitos anos de vida política consecutiva. Só noplano nacional fiz 22 anos de vida política nacional consecutiva. Masantes de ser uma figura conhecida, fiz a minha vida profissional. Fuiadvogado antes de ser secretário de Estado, deputado, ministro e essascoisas todas. O meu pai sempre achou interessante a ideia de eu fazervida política, mas sempre me chamou à atenção que era muitoimportante na retaguarda ter uma profissão. A única coisa que nospermite na vida política sermos independentes, pensar pela nossacabeça, dizer “não” ao chefe quando se entende, é ter a retaguarda de teruma profissão. E vi tanta gente na vida política que tinha de atuar deforma oposta porque nunca cuidou a montante de ter uma profissão. Ese acho isso importante no passado, acho cada vez mais importante nopresente e no futuro. Conheço muito boa gente na vida política que é deuma qualidade intelectual invulgar, grande cultura geral e política, comintuição, mas em que muitas vezes falta a coragem de dizer “não”. E issovem dessa independência de uma pessoa poder dizer: hoje estou eamanhã não estou. Por isso comecei a fazer a minha vida profissional esó por um acaso é que no final de 1985, um convite do professor CavacoSilva, me faz mudar de vida.

O seu pai também era contra ir para o Governo aos 28 anos…No primeiro momento não reagiu bem. Recusei a primeira vez. Fuiconvidado a segunda e voltei a recusar. Só à terceira é que aceitei. E jáera com Cavaco Silva, que não é propriamente um exemplo de umapessoa muito flexível. Tinha de fazer uma mudança de vida radical. Parajá, é preciso situar no tempo. Estamos a falar no fim de 1985. Vivia noNorte, e era uma mudança radical de vida em dois planos: deixar deviver no Norte para viver em Lisboa, deixar a advocacia para fazerpolítica a tempo inteiro.

Foi diretamente Cavaco Silva que o convidou?Foi. Não faço ideia se o Eurico de Melo teve alguma sugestão nessesentido, mas julgo que não. Foi diretamente o professor Cavaco Silva.

Como é que ele chega a si?Eu já fazia parte da Comissão Política Nacional dele. Isto foi poucosmeses depois do congresso da Figueira da Foz, em que houve a ruturado Bloco Central, eleições antecipadas e a vitória de Cavaco Silva comuma maioria relativa. Na Figueira da Foz entrei para a Comissão PolíticaNacional. Aí sim, entrei sob influência de duas pessoas com quem tinhatrabalhado: Eurico de Melo e Alberto Ribeiro da Silva. Trabalhei com osdois no Governo Civil e mais até, com Ribeiro da Silva — ainda hoje umgrande amigo meu — que foi sempre muito próximo de Cavaco Silva eque me recomendou para a Comissão Política Nacional (CPN). CavacoSilva mal me conhecia. A partir daí passou a conhecer-me, pois vinha de15 em 15 dias às reuniões. A prova de que não me queria envolver navida política é que fui a única pessoa da CPN que não aceitou sercandidato a deputado. Mas, depois das eleições, ele chamou-me econvidou-me.

Chamou-o a Lisboa?Sim, coincidiu com uma reunião da CPN, e convidou-me. Fiqueisurpreendidíssimo. Convidou-me para vir para o Governo, parasecretário de Estado. Pedi umas horas para pensar, mas respondidizendo que não podia. Para minha surpresa, ele insistiu e pedi mais umdia para pensar. Julgo que o surpreendi, porque pensava que eu ia dizer

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que sim e voltei a dizer-lhe que não. Ele colocou aquele ar hirto, deautoridade, e perguntou-me se tinha alguma coisa contra ele. Disse-lheque não, que tinha apenas um problema de natureza pessoal, neste caso,profissional. E ele pediu-me que revisitasse essas questões, que falassecom o meu pai. O meu pai, nessa ocasião, flexibilizou a sua oposição eaté me estimulou a ir para o Governo. Foi à terceira que aceitei. E sódepois me disse qual era o cargo: secretário de Estado da ComunicaçãoSocial. Antes tinha-me falado de uma coisa vaga, de ligação do partidoao Governo. Secretário de Estado da Comunicação Social, no primeiromomento, foi um choque, porque todos os meus antecessores se tinhamqueimado. Achei que era um convite para ser rapidamente incinerado.Mas depois correu bem.

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A RTP era sempre controlada pelos Governos. No seu caso,também se dizia que telefonava para a RTP e que faziaalinhamentos dos Telejornais. Como é que era?Dizia-se de toda a gente. Não vou dizer que nunca falei para a RTP.Agora, houve uma mudança grande. Seguramente que todos osgovernantes têm nesse domínio os seus pecados ou pecadilhos.

Pode confessar os seus?Não. Não tenho nada para confessar. Mas todos têm essa tendência, equem disser o contrário está a fugir um bocadinho à verdade. Agora,houve uma mudança grande de atitude nessa ocasião e o mérito não étanto meu. O professor Cavaco Silva ditou um conjunto de regrasrigorosas para a generalidade dos ministros. Queria uma grandeseparação das águas. Ele fazia gala, mesmo em Conselho de Ministros,de dizer que esta notícia foi melhor, aquela pior. “Mas atenção: a gentepode criticar, mas respeita”. Ele fez esta pedagogia. Adorei esse período.Comecei essa experiência com um medo louco: um antecessor tinha-sedemitido, uns anos antes, pois tinha tentado fazer a fusão das agênciasde noticias vetada pelo general Eanes. Fiz a fusão da NP com a ANOP[que dá origem à Agência Lusa]. E iniciei o processo de privatização dosjornais.

Agora está a experimentar o outro lado, como comentador.Há uma grande diferença entre o poder de influência e opoder efetivo? Discorda de Marcelo Rebelo de Sousa, queantes de ser eleito disse ter mais poder como comentador doque muitos políticos?Claro que um comentador tem poder, mais nuns momentos quenoutros. Apesar de tudo, essa ideia de que um comentador tem maispoder que um ministro…

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Se calhar tem mais que muitos deputados…Os deputados, vamos ser francos: têm um poder reduzidíssimo e cadavez menos, por várias razões algumas das quais por culpa delespróprios. Mas quando se fala de poder de influência relativamente a umGoverno, as coisas não se colocam nesses termos. É uma afirmação umpouco destituída de fundamento. O poder real, o poder de mudar, opoder de transformar, o poder de tomar decisões e de influenciar a vidadas pessoas… Mas há ministros e ministros. Essa é outra questão.

Sente que tem esse poder de influência através docomentário?Admito que sim, em alguns momentos. Não vou dizer que não. Julgoque é importante fazer comentários sem ter uma agenda. Se uma pessoativer uma agenda, as pessoas percebem perfeitamente.

No seu caso não é uma agenda, mas um estilo…Não tenho agenda nenhuma…

Que é a dar notícias.Não, não…

Dar noticias não lhe dá um poder reforçado?O comentário que faço na SIC, e que já fazia na TVI24, tem essacomponente. Mas não é sempre.

Faz sempre esse esforço para dar a notícia.Às vezes faço o esforço em sentido contrário, para me conter e não dartantas notícias como as que poderia dar. Faço alguma contenção. Senão,a dada altura, habitua-se demasiado as pessoas e isso também não podeser. O meu papel não é ser jornalista. Gosto de descodificar assuntos,apresentar aquilo a que chamo quadros informativos, que é oaprofundamento de algumas questões.

Há muitos políticos que têm o secreto desejo de serjornalistas. Nunca teve essa tentação?Não, e até lhe digo mais. Quando era miúdo dizia que queria seradvogado e político. E já fui.

Não queria ser bombeiro nem astronauta?Não, não me recordo dessa parte. Mas também devo ter tido isso, aípelos cinco anos. Mas que me recorde…

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Que impacto é que a vida que levou na política teve nasua vida familiar, sobretudo nos seus filhos?Para já teve um impacto profilático. Nenhum dos meus três filhos foipara a política, nem sequer lhes passa pela cabeça. Nesse plano ficaramvacinados. A vida política é muito exigente do ponto de vista do tempo,sobretudo a governativa. Costumo dizer que, mesmo um governante quenão seja um grande exemplo de competência, só a dedicação que tem deter ao cargo já merece um enorme respeito. Quem passa por essasfunções sabe que é uma vida muito exigente. Não se tem fins de semana,trabalha-se 12 ou 14 horas e a família paga essa fatura.

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Sentiu isso…Extraordinária foi a minha mulher. Ela é que merece uma estátua nãosou eu. Foi mãe, pai e mais sei lá o quê durante anos a fio. Digo isto semorgulho e mesmo com alguma mágoa: não vi sobretudo os meus doisfilhos mais velhos crescer. De repente, quando saio do Governo e tenhoum bocadinho mais de tempo já tinham oito, nove ou 10 anos. Isto jánão se recupera. Dois meses depois de entrar para o Governo, aos 28anos, estava a nascer o meu filho mais velho. Pensava que estaria umano e meio e três anos no Governo — que eram de curtíssima duração —e apanhei um ciclo de 10 anos. Fui das cinco pessoas que estiveram doprimeiro ao último dia com Cavaco Silva no Governo.

Em relação aos seus filhos, o que é que isso lhes causou?Não causou nada. Não foi nenhum drama, mas por causa da minhamulher. Ela supriu em grande medida a lacuna da minha ausência. Nãopoder ter tempo para ir à escola quando há a festa de fim de ano ouquando há a festa do Natal e noutros momentos, ela supriu tudo isto.Não mereço estátua nenhuma. Reconheço que a minha era baratinhaface à minha estatura, portanto, não era um grande investimento, masnão mereço. De outra forma, os meus filhos teriam sido muito marcadosnegativamente. Claro que sentiram a ausência do pai, que viam muito acorrer, e queixavam-se.

O que fazem eles?Estão todos a trabalhar. O mais velho é advogado. Isto é uma família deadvogados. A minha filha que é a segunda, é educadora de infância. Noinício pensava em ir para Arquitetura, ainda fez um ano, e era umabelíssima aluna, mas tem uma grande queda para as crianças. O maisnovo é economista e vai começar a trabalhar agora em setembro. Jáacabou a licenciatura e o mestrado. Estão todos com a vida orientada.Esta já é uma fase para mim bastante mais tranquila do que foi nopassado.

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Acompanhou as cartas abertas de Eurico de Melo a CavacoSilva contra Balsemão no início dos anos 80, a pedirem que sedemitisse do Governo?Acompanhei e até de muito perto, neste caso do lado de Eurico de Meloporque tive uma grande ligação a ele desde muito cedo…

Era o seu padrinho político.Foi. Estava na JSD, e o primeiro cargo que tive foi junto dele, com 18anos, no Governo Civil em Braga. Ficou uma grande relação pessoal, de

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amizade. Depois, quando fui para o Governo, não fui Secretário deEstado dele, mas continuei a manter uma grande relação.

Nessas cartas, pediam a demissão do Governo de Balsemão.Estamos a falar do período de 1981-82, do Governo de Pinto Balsemão.E havia uma espécie de movimento liderado por Cavaco Silva e Euricode Melo, que era minoritário…

Apoiado na distrital de Lisboa por Santana Lopes e HelenaRoseta…Sim. Essas cartas tinham uma grande visibilidade, com críticas aBalsemão. Também acompanhei, e um dia espero contar isso empormenor, tudo aquilo que foram os bastidores que antecederam asubida de Cavaco Silva à liderança do partido no Congresso da Figueirada Foz [em 1985].

A história da rodagem do Citroen?Admito que a rodagem do carro também tenha existido. Mas não foi arodagem que o fez ascender à liderança do partido. É uma imageminteressante para nos recordarmos desse momento, mas tudo isso foimeticulosamente preparado. Como vice-presidente da distrital deBraga, participei em várias reuniões distritais do partido, realizadas emvários pontos do país, uma das quais foi em Braga, outra foi emCoimbra, uma outra em Lisboa. Nessas reuniões, pensava-se em comoresolver a liderança no Congresso que estava marcado para a Figueirada Foz. Num primeiro momento, ainda em vida de Carlos Mota Pinto.Depois, as reuniões que tiveram que ser aceleradas por causa da suamorte, que ocorreu muito em cima do Congresso. De facto, o nome quemobilizava várias dessas estruturas era Cavaco Silva…

Cavaco Silva estava perfeitamente informado sobre quemeram as tropas que iam estar lá ao lado dele…Admito que sim, mas não posso provar. Nessa altura, mal o conhecia.Não tive com ele nenhum contacto. Admito que outros tenham tido.Mas sei muito bem o que se passava nas reuniões. Sei muito bem o quese discutia. Fui testemunha presencial desses momentos. Sei como foi.

Para a eleição de Cavaco na Figueira da Foz foi fundamental aviragem de Fernando Nogueira e da Distrital de Coimbra. Eda Nova Esperança de Marcelo Rebelo de Sousa…Juntaram-se dois ou três fatores. Tudo se resolveu, apesar de já haverum ambiente que enquadrava favoravelmente uma eventualcandidatura de Cavaco Silva à liderança do partido. Mas tudo se decidiuno Congresso. O principal fator foi o mérito da intervenção de Cavaco

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Silva. Chegou ao Congresso e fez uma intervenção como o partidoaprecia. Sabe que o PSD é um partido especial? O PSD aprecia gente decoragem. O PSD não gosta de gente de “meias tintas”, não há volta adar. Depois podem ser mais liberais, menos liberais, mais de centro-esquerda, mais de centro-direita, mais políticos, mais ligados àeconomia. Mas há uma coisa que o PSD aprecia, independentementedestas características: gente corajosa, gente que corta a direito, genteque fala com convicção. Cavaco Silva chegou ao Congresso, disse coisasaté à época politicamente incorretas.

Como o apoio a Freitas do Amaral como candidatopresidencial…Exatamente. Mas com uma coragem, uma convicção e umadeterminação que na cabeça de uma parte grande dos congressistaspassou a ideia de termos ali o segundo Sá Carneiro. Para uma grandeparte das bases do partido, aquilo era uma espécie de segundo SáCarneiro: na forma de agir, de comunicar, de romper. Este foi oprimeiro grande momento que catapultou Cavaco Silva para a liderança.Foi uma condição necessária, mas talvez não fosse suficiente. Houveoutro elemento decisivo: a negociação em pleno congresso com ochamado grupo de Mota Pinto…

Os “mota-pintistas” de Coimbra.Sim. Liderados em grande medida por Fernando Nogueira, que estavarelativamente não-alinhado, e que no inicio do congresso talvez tivessemais virado para apoiar João Salgueiro [o concorrente de Cavaco Silva,balsemista, dado como vencedor antecipado]. A negociação que existiufez com que o grupo apoiasse Cavaco Silva. Isso foi decisivo: CavacoSilva poderia não ganhar sem isto.

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Gostava de ouvir a descrever a imagem pública que tinhadurante o cavaquismo.A imagem que eu tinha? Ah, a imagem que tinha era péssima. Pensa quenão sei fazer a minha autocrítica? Sei, era péssima. Era um pouco aimagem, do “Yes, Minister?”. Era a imagem de quem não tinha vozprópria, pensamento próprio, que pensava, agia, falava, comunicavatudo em função do líder, que era quase uma marioneta.

Correspondia à verdade?No essencial, era uma mentira pegada. Alguns alimentaram essa ideia etambém não tive muito mérito a desfazê-la. Portanto, tenho imensaculpa nisso. Também nunca me incomodou particularmente.

“O Independente” tinha uma especial implicância consigo.Tinha a ver com o facto de ser um advogado de província. Issoincomodava-o?Não. Essas coisas nunca me incomodaram muito. O poder gera ciúme ea capacidade de estar próximo do chefe e do líder gera ciúme e inveja, edepois a circunstância de ser ligado ao chamado grupo nogueirista, nãoera o exemplo mais politicamente correto. E algumas pessoas passavammais tempo nessa intriga, do que propriamente a trabalhar dentro doGoverno. Poucos meses depois do fim do cavaquismo, alguém escreveuum artigo a dizer que o Marques Mendes tinha acabado. Ainda fui líderparlamentar, candidato à liderança, e a seguir, apesar de ser adversáriode Durão Barroso fui convidado para ir para o Governo dele, coisa quepara mim foi estranhíssima.

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A propósito dos seus atrasos crónicos, conta-se a história deque mandava a sua secretária pôr o casaco na cadeira doConselho de Ministros para quando Cavaco Silva chegasse dara ideia de que já lá tinha estado.Essa história é inventada. Conta-se, mas essa não é é verdadeira.

Os seus atrasos eram míticos, pelo menos isso é verdade?Sim, a parte de verdade são os meus atrasos. Não é uma coisa de que meorgulhe. Mas não era um grande cumpridor de horários. Depois, maistarde, fui-me corrigindo.

O professor Cavaco Silva não achava muita graça a isso…Ah, imagino que não. Mas mesmo assim, nunca me remodelou e estivelá com ele do principio ao fim.

Nunca o avisou?Não, nunca me disse nada. Julgo que ele não gostava de duas coisas: apontualidade e o tabaco. Agora já não fumo, como toda a gente sabe.Mas na altura fumava imenso. Isso significava que tinha outrasqualidades. Corrigi-me quando passei a ser líder parlamentar. Quemdirige reuniões tem de dar o exemplo de chegar a horas.

Nessa época fumava imenso e tinha de sair do Conselho deMinistros para ir fumar. Era nesse momento que havia osfamosos telefonemas para “O Independente”…Ah, isso não sei. Você é que saberá. Não tinha esse hábito.

Percebia de quem eram as fugas de informação?Não é preciso tirar um curso. Basta ver quais eram os membrosaltamente elogiados e quais eram as vítimas. Tem de se saber viver comisso. Os políticos falam com os jornalistas. Uns passam informaçãoverdadeira, outros passam informação menos verdadeira…

A certa altura, Cavaco Silva mandou marcar as páginas daagenda do Conselho de Ministros para aquilo deixar deaparecer no jornal.Acho que sim. Ma sabe, acho que isso já não foi comigo. Foi quandodeixei de ser secretário de Estado. As fugas de informação de umConselho de Ministros nunca são uma coisa fantástica para umGoverno. Acho que um Conselho de Ministros deve funcionar sem quede facto haja fugas de informação, se não as coisas não correm bem e olíder fica, evidentemente, preocupado, porque há uma perda deautoridade. Mas julgo que, tentar resolver problemas políticos de formaadministrativa, não dá. Isto é um problema político. Se começa a haverfugas de informação, por alguma razão tem que ser. E se é de naturezapolítica, resolve-se politicamente. Não se resolve por via administrativa.Por isso é que essas questões nunca resolveram nada. O professorCavaco Silva tem imensas qualidades, acho que foi um grande primeiro-ministro, mas também não acertou sempre.

Quando é que percebe que o cavaquismo está a começar aruir?Acho que se percebe em 1993. Esse já foi um ano difícil. As autárquicasforam muito complicadas. Ainda não tinha acontecido o episódio da

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ponte, que se dá no ano seguinte. O episódio da ponte não é uma causa,é consequência do desgaste que gera, a dada altura, picos de arrogância,picos de algum distanciamento em relação às pessoas.

Quem estava lá dentro percebia isso?Diria que nem todos. Aqueles que estavam mais ligados, digamos assim,à componente política do Governo, sim.

No seu caso, portanto…Não direi apenas o meu caso. Seria eu mais quatro ou cinco. Aquelesque estavam em áreas setoriais talvez não se tenham apercebido damesma forma, mas isto é sempre assim. Havia sinais enormes deesgotamento normal. Tinham passado oito anos de uma intensidadeenorme, profundamente reformistas. Muitos portugueses até podemdiscordar do sentido de muitas das reformas, mas é difícil ignorar queelas existiram. Os grandes sinais de esgotamento são as fugas deinformação, que retratam intrigas, problemas entre membros doGoverno. O segundo sinal são gestos de arrogância e de autoritarismo,um sinal claríssimo de esgotamento. Quando se começa a ver umpolítico a queixar-se dos comentadores e da comunicação social, está noprincipio do fim. São, na minha opinião, de uma forma claríssima ostrês grandes sinais de esgotamento. Quando está a dizer mal doscomentadores ou da comunicação social, um líder acha que está a fazerum grande número. Claro que se ele quer os aplausos dos “tiffosi”, estágarantido. Mas esse é o número de maior fraqueza, que conheço.

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Sabe que Passos Coelho, na última reunião do ConselhoNacional, fez uma crítica aos comentadores….Acho que ele já fez “n” vezes…

Mas agora voltou a fazer. Terá dito que as pessoas do partidodeviam era defender o partido e não estar sistematicamente aapontar os erros do PSD. Encaixa no seu perfil. Isso é o sinalde alguma coisa?Passos Coelho já faz isso há tanto tempo que já acho completamentebanal. Ele próprio já banalizou isso. Já vem de há tanto tempo…

Esse é um sinal de fraqueza política?Isso aplica-se a Passos Coelho como a toda a gente na política. Todo odirigente político que sente necessidade de dizer mal dos comentadorese da comunicação social exibe um sinal de fraqueza. Só faz isso quandoestá em dificuldades, que é para agradar aos “tiffosi”. Os seus “tiffosi” doaparelho, em vez de o criticarem pelas falhas que tem, aplaudem por elecriticar os outros. É sempre a questão da mensagem e do mensageiro. Éum enorme sinal de fraqueza, mas Passos Coelho já faz isso há bastantetempo. Ele julga ficar forte, mas pronto, é a vida.

Foi Passos Coelho que o aproximou de Marcelo Rebelo deSousa. Vocês não se conheciam muito bem, aliás tratam-seformalmente por doutor, professor…Sim, foi. Mas já conhecia o professor Marcelo Rebelo de Sousa, emboradeva dizer que, no caso da família Rebelo Sousa, conheci primeiro o paiBaltazar e depois o filho, por causa da relação com Braga, e com Fafe emparticular. Conheci-o quando estive na Câmara e fiz uma deslocação aoBrasil e ele estava exilado. Devo dizer que o achei uma pessoaencantadora. Quando estava no Governo e o pai Baltazar já tinharegressado do Brasil, convidava-me para almoçar de forma periódica. Sómais tarde, só quase a partir do fim do cavaquismo, é que começo aconhecer melhor o professor Marcelo.

Como é que Passos Coelho vos aproximou?Na altura havia uma grande relação, veja-se bem — em função do queacontece hoje –, entre Marcelo Rebelo Sousa e Passos Coelho. E haviauma péssima relação entre Passos Coelho e Cavaco Silva. Veja bem as

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voltas que o mundo dá. Eu ao menos tento manter uma certa, linha paranão andar a fazer permanentes desvios. Nessa altura, Pedro PassosCoelho era muito ligado a Marcelo Rebelo de Sousa. Quando se dá oinício da preparação do Congresso de Santa Maria da Feira, de facto,Pedro Passos Coelho fala várias vezes do professor Marcelo eaproxima-nos. É a partir daí que começa a existir uma relação maisintensa entre nós que depois se aprofunda muito, muito, no período emque fui líder parlamentar.

A seguir, iniciam uma relação feliz, sobretudo nas horas quepassam a falar e a conspirar, a partir das duas da manhã aotelefone.Sim. Conhecíamo-nos muito mal. O professor Marcelo conhecia-mepessimamente e eu também o conhecia mal. Julgo que ambos tínhamosreservas em relação ao outro, embora, diplomaticamente, não odisséssemos. Ao fim de poucos meses, ambos percebemos que a imagemque tínhamos um do outro não correspondia exatamente à verdade. Efizemos uma grande relação de amizade que dura até hoje. Em poucotempo, forjámos uma grande relação de amizade. Devo dizer que foitalvez o cargo que mais gostei de exercer.

Outra das suas funções na liderança de Marcelo Rebelo deSousa era o papel de travão dos excessos do líder.Essa é a componente da intriga…

Do excesso do voluntarismo do líder, vamos dizer isto assim.Não, acho que não. Não vou entrar em pormenores, mas acho que temosuma relação fantástica.

Houve uma fase em que as coisas não correram bem.Fase difícil não houve propriamente. Mas não estivemos de acordo emtudo, como é evidente, como também não estive com Cavaco Silva oucom Durão Barroso. Eu tinha convivido muito com um líder muitodiferente e gostei imenso de trabalhar com Marcelo.

Cavaco Silva não telefonava às 3 nem às 4 da manhã.Não, não, isso não. Acho que à noite, de um modo geral, não falava.Como se sabe, sou noctívago, sempre fui.

Com um olhar lúdico sobre a politica, os dois juntos…Nesse plano, tinha características mais próximas de Marcelo porque sounoctívago, sempre me habituei a estudar à noite, ainda hoje textos deresponsabilidade gosto de escrever à noite. Depois, tenho o lado lúdicoda política. Chegámos a combinar coisas importantes de madrugada,enquanto o engenheiro Guterres dormia. Nem ele imaginava que,enquanto ele dormia, tranquilamente o sono dos justos…

…Vocês estavam a planear tudo taticamente para o diaseguinte.Sim, sim. Claro era o nosso papel. O nosso papel não era descansar, eratrabalhar num combate.

É verdade que a revisão Constitucional foi fechada assim demadrugada? Já a desgastar fisicamente o adversário paraconseguir…Também teve importância. O último ato é uma reunião que começa àstrês da tarde e acaba às cinco da madrugada, com um pequeníssimointervalo de uma hora para jantar. É uma violência, como imagina. Masdevo dizer que, na vida política — isso é outra lição que também se tira— é preciso ter uma resistência física enorme. Não é só psicológica oumoral. É também física. Se numa reunião uma pessoa está mais frescaque a outra a capacidade negocial é ligeiramente melhor.

Se a outra pessoa for alérgica a tabaco, como Jorge Lacão, e sea pessoa tiver consigo a fumar durante essas horas todastambém desgasta.Claro, também ajuda. Mas devo dizer que fiquei com uma enormeestima e admiração por duas pessoas que foram dois adversários firmes,exigentes: Jorge Lacão e António Vitorino. Duas pessoas radicalmentediferentes, mas que foram adversários de grande qualidade e de grandelealdade. E valeu a pena. Sabe por que sublinho isto? Por uma coisa quehoje em dia está muito atual: a ideia dos consensos. Neste caso, da faltadeles. Elogiei Balsemão há dias porque, na homenagem a Mário Soares,ele falou muito dos conflitos que ambos tiveram enquanto líderespartidários, mas tiveram capacidade de fazer a revisão da Constituiçãode 1982, a do fim do Conselho de Revolução.

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E Soares fez isso contra o ex-secretariado…Exatamente. Modéstia à parte, fiz isso quando fui líder do PSD. Oúltimo grande pacto de regime foi feito há 11 anos. Fiz com o engenheiroSócrates três entendimentos que considero estratégicos: um pacto paraa justiça, a lei de limitação dos mandatos autárquicos — que há mais de15 anos se prometia — e uma mexida pontual na Constituição parapermitir referendos europeus. Toda a gente sabe que a minha relaçãocom o engenheiro Sócrates era péssima no plano pessoal. Mas fomoscapazes de nos entender em três matérias essenciais. O mérito é dosdois. Acho que isso se perdeu e é muito mau.

Tem mais a ver com as personalidades dos líderes ou com ocontexto atual?Tem muito a ver com a personalidade. Os contextos são todos elesdiferentes. Tem a ver com as personalidades, com os ecos. Tem a vercom os ecos, tem a ver com a circunstância de os políticos hoje terem sóa dimensão tática da política, não terem a dimensão, de um modo geral,estratégica. Acho que as duas são essenciais.

Está a falar mais de António Costa ou de Passos Coelho?Não, nesse plano estou a falar dos dois. Quer dizer, António Costa fez osacordos à esquerda, mas noutros planos não fez. Passos Coelho tambémpodia ter dado passos maiores nesse sentido. Acho que Passos Coelhotem responsabilidades em não ter havido mais diálogo e maisentendimentos no passado. António José Seguro, que lá esteve, temenormes responsabilidades e António Costa também. Sobretudo, estão ahabituar o país a uma ideia que parece normal, mas que é anormal. Oque seria normal era os líderes divergirem, mas ao mesmo tempo seremcapazes de salvaguardar espaços e pontos de entendimento. A política éconvergência e divergência. Nuns momentos, a coragem é maisimportante para acentuar a divergência, mas noutros a coragem ésobretudo importante para marcar a convergência. Acho que se estátransformar em normalidade a anormalidade de estar sempre a dizermal dos outros.

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Passou longas horas a conspirar com Pedro Passos Coelho norestaurante Comilão contra Durão Barroso, a quem faziaoposição interna. Acha que Pedro Passos Coelho mudoumuito com o poder?Ah, isso é natural. As pessoas, evidentemente, mudam, e ele tambémmudou. Mas isso não me parece que seja um defeito. Numas coisas terámudado para melhor, noutras terá mudado para pior. Sou amigo hátrinta anos de Pedro Passos Coelho e isso mantém-se. Já disse que elefez um trabalho altamente patriótico nas condições que teve.Independentemente do que acontecer no futuro, aquele períodogranjeou-lhe um lugar na história, ponto! Quanto a isso não tenhodúvidas. Pode-se depois concordar, discordar, achar que devia ter sidomais assim ou mais assado… Mas não sou obrigado a concordar com eleem tudo. Como nunca concordei com tudo relativamente a nenhumlíder.

Ele também não concordou consigo em tudo, tanto que sedemitiu da sua direção a certa altura.Exatamente. É tudo assim perfeitamente natural, as pessoas pensampela sua cabeça ponto final parágrafo e ainda bem.

Em 2000, candidata-se à liderança do partido contra Durão

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Barroso e Pedro Santana Lopes. Desde quando é que tinhaessa ideia de querer ser líder do PSD?Não sei, até lhe devo dizer o seguinte: era uma questão muito recenteporque, quando saí, cinco anos antes, do Governo de Cavaco Silva, issonem me passava pela cabeça nem tinha sequer condições para isso.

Só depois de ser líder parlamentar…Foi um conjunto de circunstâncias. Não sei, nem sei precisar no tempo.Aconteceu em função dos factos. Aquelas eleições de 1999 foram muitotraumatizantes para o partido. O partido não estava bem e a prova é queteve três candidatos à liderança. Durão Barroso iniciou o Congresso [deViseu, em 2000] quase com 70% ou mais e acabou ali no limiar dos50%. Não estava bem.

Ficou surpreendido quando Durão Barroso o convidou paraministro?Muito.

Como dizem os manuais: vá buscar o adversário interno parao obrigar a estar todos os dias a dizer bem de si noParlamento, como ministro dos Assuntos Parlamentares.Não me parece que tenha sido essa a razão. Primeiro, não sei se alguémo influenciou, pela razão simples de que não houve intermediário. Foiele diretamente que me falou. Também devo dizer que se repetiu a cenade uns anos antes: disse-lhe que não uma vez, disse-lhe que nãosegunda vez e só aceitei à terceira, num dia de Páscoa. Lembro-me bem.

É o homem que nunca diz “não” três vezes.Ou é o homem que nunca diz que sim à primeira ou à segunda… Nãogosto de dizer que sim logo. A questão não é essa. Fiquei sensibilizadopelo convite. Mas disse ao Durão Barroso que o partido e o país podiamnão perceber muito bem como é que duas pessoas que tinham sidoadversárias até há pouco tempo de repente se juntavam no Governo. Eledisse-me uma coisa com graça, tenho que lhe tirar o chapéu: “Se euconsigo fazer um acordo com Paulo Portas que é de outro partido e comquem me guerreei bastante nos últimos tempos, como é que eu nãoconsigo fazer um acordo consigo que apesar de tudo somos do mesmopartido?” Tenho que reconhecer que o argumento foi inteligente eapelativo e aceitei. Devo dizer que gostei de trabalhar com ele. Nãoconcordo com ele em muitas coisas e temos formas de agir muitodiferentes, mas fiquei com uma enorme estima e consideração, respeitoe amizade por ele.

Desiludiu-o pela forma como saiu do Governo para ir para aComissão Europeia?Essa parte já é pública. Não é uma parte que goste de abordar, porquefoi talvez o único momento menos simpático que tivemos.

Durão Barroso não foi leal?Não. Foi lealíssimo. Eu é que discordei abertamente. Devo ter sido oúnico membro do Governo que discordou em público. Então há duascoisas distintas: uma é a saída dele para Bruxelas, outra é a forma comoele promoveu a sucessão. Discordei de ambas. Achava mesmo que elenão devia ter ido para Bruxelas. Quando me diziam que ser presidenteda Comissão Europeia era muito importante, eu dizia que ser primeiro-ministro de Portugal também era. Depois, discordei da forma dasucessão, porque um líder deve ser escolhido em Congresso e o líder quese sucedeu a Durão Barroso não foi escolhido em Congresso. Não tenhonada contra Santana Lopes, tenho quanto ao método. Não acho que umlíder deva ser escolhido em Conselho Nacional. Fui talvez o únicomembro do Governo que disse a Durão Barroso, em Conselho deMinistros, que não achava bem a ida dele para Bruxelas. Não era nadapessoal. Não foi um momento fácil, mas não tenho o hábito de mandarrecados pelos jornais.

A seguir à queda de Santana Lopes, segue-se a sua liderança.A sua maior frustração é nunca ter sido primeiro-ministro?Ah, não tenho frustração nenhuma. Sim, claro gostava de ter sido.Alguém que quer ser líder do PSD…

O seu maior desgosto na sua vida partidária…

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Não, não, estou de muitíssimo bem com a vida.

No fundo, não chegou lá.Não cheguei, paciência. Já fui um privilegiado. Exerci quase todos oscargos possíveis em Portugal. No partido, exerci todos os cargospossíveis da base ao topo. No país, praticamente todos. Não ter sidoprimeiro-ministro… ah gostava. Gostava no sentido de que um líder doPSD, evidentemente, ambiciona isso. Mas acha que fico traumatizado?Não fico traumatizado com nada. Saí da vida política tranquilo ebem-disposto. Só não sou otimista “irritante” só para marcar adiferença. Sou um otimista sempre tranquilo, bem-disposto.

Nunca se deprimiu?Não, nunca. Um grande amigo meu já falecido…

O comandante Azevedo Soares?Sim. Costumava dizer que era a única pessoa na vida que tinhaencontrado que nunca tinha angústias. Nunca vivo angustiado comnada.

Foi por causa dele que deixou de fumar?Foi, mas não queria falar disso. Marcou-me muito a morte dele. Erauma pessoa encantadora, fantástica, como pessoa, como político. Aqueledesenlace marcou-me muito, sim.

Foi aí que deixou de fumar?Foi no dia seguinte.

Mas ainda fuma um charuto de vez em quando.Sim, de vez em quando. Mas não considero isso propriamente um vícioporque se tiver que não fumar, não fumo. Portanto, nunca mais pegueinum cigarro e fumava três maços por dia. Não era propriamente umapessoa muito prudente.

Hoje ganha muito dinheiro? Está a recuperar o que perdeuquando teve a vida política?Não. Tudo é relativo. Comparado com a vida política ganha-se bastantemais. Que eu ganhe de forma exagerada, um milionário, isso nempensar. É da ficção científica. Agora, comparada com os péssimosvencimentos da vida política, com certeza que não me queixo.

O que faz? É jurista, advogado, facilitador?Não, não. Jurista, sempre. Fui advogado antes de entrar na política.Voltei à advocacia depois da política. Não fui para nenhum cargo, nempara o Estado nem fora do Estado. Tirando uma passagem episódica poruma pequenina empresa, voltei à minha atividade. Foi para isso que mereformei.

O centro do seu trabalho é como jurista ou é como pessoa queconhece toda a gente e que tem todos os contactos e que fazlobby?Não, não faço lobby coisíssima nenhuma. Essa ideia dava para outraentrevista. Acho muito interessante: é quase como também dizer que osjornalistas são isto e aquilo. Essas coisas não se podem generalizar. Soujurista, com muito gosto.

Não tem uma componente de ir sabendo o que se passa,antecipando…Não. Essa parte do saber o que se passa tem mais a ver com o meuhobby no comentário político. Hoje divido a minha vida por três coisas:sou advogado, faço comentário político e faço aquilo que considero umaatividade cívica de cidadania, com imensas conferências e palestras pelo

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país sobretudo em instituições e escolas. Até lhe posso dizer o seguinte:justamente por causa de manter alguns critérios da minha vida e evitaralgumas incompatibilidades com os comentários, já recusei um ou outroemprego e esses sim, é que eram empregos de qualidade. Mas poderiatrazer alguma incompatibilidade com os meus comentários.

Está a falar de quê?Não, não são públicos.

Cargos em empresas?Sim, e nunca os irei divulgar. Só meia dúzia de amigos é que sabem. Issopoderia introduzir incompatibilidades com os meus comentários, não écom o passado da minha vida política. Gosto de estar livre para fazercomentários.

Quando ou em que circunstância é que voltará à politica?Nun…

Ia dizer “nunca” mas arrependeu-se…Só não digo nunca, porque nunca uso essa expressão. Mas não achominimamente provável voltar.

Nem uma eleição para deputado para vir a ser presidente daAssembleia da República?Já fui convidado e já disse que não, nem pensar. Não é provável. Já tiveesse convite e já recusei e devo dizer que não é minimamente provável.Quase diria que aí podia escrever garantidamente que não.

E ser Presidente da República?Então um presidente acaba de iniciar mandato e você já está à espera desucessor?

Ainda é novo… Vai fazer 60 anos para o ano.Ah sim, isso sou. Vou fazer 59 anos. Não me esteja a fazer mais velho.Não sei, um dia daqui a oito anos talvez pense nisso. O Presidente emprincípio faz 10 anos e, portanto, começa-se a pensar nisso dois anosantes. Um dia poderei pensar nisso, apenas e só. Não mais que isso. Nãoestá nada nos meus horizontes. Estou lindamente com a vida que tenho.Acho que basta conversar comigo para perceber que estou feliz comaquilo que faço.

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