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nova Economia_Belo Horizonte_16 (2)_327-341_maio-agosto de 2006 Marx e a Filosofia: elementos para a discussão ainda necessária Ester Vaisman Professora do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais Resumo O objetivo principal do artigo é resgatar uma velha questão polêmica entre os intérpretes de Marx: a relação do pensamento marxiano com a filosofia, e também com a questão me- todológica, mas sem pretensão de esgotar tal instigante assunto. Em verdade, trata-se de indicar alguns elementos para evidenciar que não se quer dizer que esse é um tema “esgo- tado”. Ao contrário. Assim, após esboçar a relação crítica de Marx com a tradição clás- sica alemã, responsável, talvez, pelo surgi- mento de tantos embaraços, o artigo procura esclarecer o modo como Marx entende e concebe as funções operativas da razão, bem como o estatuto que a objetividade possui em sua trajetória teórica. Ademais, proble- matiza-se o caráter mesmo que o saber assu- me em seu corpus teórico: seria um saber es- peculativo ou um saber da transformação? Por fim, intenta-se esclarecer o caráter do materialismo instaurado por Marx, como tam- bém referências feitas em O capital à dialé- tica hegeliana. Abstract The main objective of this article is to reexamine an old controversy between analysts of Marx: the relationship between Marxist thought and philosophy, as well as the issue of methodology. The purpose is not to reach a final conclusion on such an intriguing topic, but rather to point out some elements that will show that this topic is far from “worn out.” To the contrary. After outlining the critical relationship between Marx and the classical German tradition, which is perhaps responsible for so much confusion, the article seeks to clarify how Marx understands and conceives the operative functions of reason, as well as the role that objectivity plays in his theoretical path. In addition, this article raises the issue of the character that knowledge assumes in his theoretical corpus: is it speculative knowledge or the knowledge of transformation? Finally, the article examines the character of the materialism initiated by Marx, as well as references made in Capital to Hegelian dialectic. Palavras-chave filosofia marxiana, metodologia marxiana, marxismo e Filosofia. Classificação JEL B40, B51. Key words marxist philosophy, marxist methodology, marxism and Philosophy. JEL Classification B40, B51.

Marx e a Filosofia:

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Marx e a Filosofia:

elementos para a discussão ainda necessária

Ester VaismanProfessora do Departamento de Filosofiada Universidade Federal de Minas Gerais

Resumo

O objetivo principal do artigo é resgatar umavelha questão polêmica entre os intérpretesde Marx: a relação do pensamento marxianocom a filosofia, e também com a questão me-todológica, mas sem pretensão de esgotar talinstigante assunto. Em verdade, trata-se deindicar alguns elementos para evidenciar quenão se quer dizer que esse é um tema “esgo-tado”. Ao contrário. Assim, após esboçara relação crítica de Marx com a tradição clás-sica alemã, responsável, talvez, pelo surgi-mento de tantos embaraços, o artigo procuraesclarecer o modo como Marx entende econcebe as funções operativas da razão, bemcomo o estatuto que a objetividade possuiem sua trajetória teórica. Ademais, proble-matiza-se o caráter mesmo que o saber assu-me em seu corpus teórico: seria um saber es-peculativo ou um saber da transformação?Por fim, intenta-se esclarecer o caráter domaterialismo instaurado por Marx, como tam-bém referências feitas em O capital à dialé-tica hegeliana.

Abstract

The main objective of this article is to reexaminean old controversy between analysts of Marx: therelationship between Marxist thought andphilosophy, as well as the issue of methodology.The purpose is not to reach a final conclusion onsuch an intriguing topic, but rather to point outsome elements that will show that this topic isfar from “worn out.” To the contrary. Afteroutlining the critical relationship between Marxand the classical German tradition, which isperhaps responsible for so much confusion, thearticle seeks to clarify how Marx understandsand conceives the operative functions of reason,as well as the role that objectivity plays in histheoretical path. In addition, this article raisesthe issue of the character that knowledgeassumes in his theoretical corpus: is itspeculative knowledge or the knowledge oftransformation? Finally, the article examinesthe character of the materialism initiated byMarx, as well as references made in Capital toHegelian dialectic.

Palavras-chave

filosofia marxiana,metodologia marxiana,marxismo e Filosofia.

Classificação JEL B40, B51.

Key words

marxist philosophy, marxistmethodology, marxism andPhilosophy.

JEL Classification B40, B51.

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1_ Objetivo geral

O tema em pauta, ou seja, Marx e a Filo-sofia, mereceu e tem merecido a atençãode um sem-número de intérpretes, poden-do ser considerado, assim, uma das maispolêmicas discussões travadas em tornoda obra marxiana. Mas vale a pena lem-brar Gramsci (1972, p. 116) de modo su-cinto, com o objetivo de tornar claro oclima que orienta nossa exposição:

É preciso ser justo com os adversários,no sentido de que é necessário esforçar-sepor compreender o que estes quiseram di-zer realmente, e não se deter maliciosa-mente nos significados superficiais e ime-diatos de suas expressões.

Dito isso, é imperioso ressaltar queo nosso objetivo aqui não é o de esgotartal polêmico tema, mas, antes de tudo,chamar a atenção para alguns pontos,que, talvez, até hoje, não tenham sido le-vados devidamente em consideração nasacirradas disputas teóricas sobre o cará-ter da relação entre Marx e a Filosofia.O objetivo é, portanto, indicar algumaschaves analíticas, sem a preocupação detomar para exame crítico esse ou aqueleintérprete como objeto de contenda teó-rica. Considera-se que antes dessa tarefa,sem dúvida imprescindível, é necessárioindicar o perfil geral da questão.

2_ A relação crítica de Marxcom a tradição clássica alemã

Talvez a fonte de tantos dilemas tenha si-do a controvertida relação crítica de Marxcom a tradição clássica alemã, que resul-tou para alguns em uma extensão nãopercebida de parâmetros idealistas emsua propalada “fase juvenil”. Contudo,detendo-se com rigor nas obras de seuperíodo inicial, constataremos que a fa-se rigorosamente idealista não passa demeados de 1843. Ou seja, o acerto decontas, a rejeição da “substância mística”hegeliana, do seu “misticismo lógico, pan-teísta” se realiza nas afamadas Glosas deKreuznach. Já nesse período é possívelidentificar em seus contornos mais de-cisivos a opção gnosiológica de Marx,que rejeita qualquer tipo de construtivismoespeculativo, seja este resultante de algumatentativa de correção sofisticada – mas,sempre formalizante – dos limites dasciências do entendimento, seja ele – oque vem a ser tão unilateral e equivocado– qualquer tipo de edificação, por maiselevada ou tortuosa que seja, de algum co-gito transcendental. Esses dois caminhos equi-vocados não elidem, por mais diferentesque sejam entre si, a distância essencialque os separa da formulação marxiana,visto que ambos não ultrapassam a daçãode sentido pela razão, com a única distinçãocabível de um a priori para um a posteriori.

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Resumidamente, o construto mudasimplesmente de lugar: antecede ou sucede ogolpe de vista que se dirige ao mundo; dásentido à entificação antes ou depois de to-cá-la. Mas é sempre a razão a doadora designificação a um mundo, imanentemen-te carente de sentido. Condição mesmade existência de sentido, no primeiro ca-so; aproximação genérica, emulsão sig-nificativa em meio a um campo homo-geneizado, no segundo, ambos tomam aoperação mental como constituinte desentido, divergindo entre si na forma ena extensão com que tudo se realiza. Di-ferença importante, mas radicalmente di-versa daquela que opõe ambas à posiçãomarxiana: a razão descobre, reproduz –“na forma única pela qual a cabeça é ca-paz de fazê-lo” pelo conceito o sentidodas coisas.

3_ A posição de Marx a respeitodo estatuto da razão:seu caráter operativo

Ao revés, para os dois caminhos anteri-ormente apontados, em primeiro lugar,as coisas são desprovidas de sentido e,em segundo, a razão é, digamos, a oficinaou a linha de montagem do significado.

Para Marx, contudo, as coisas domundo humano têm elas mesmas um

sentido imanente; portanto, o métodoaqui tem a função de buscar e captar essesentido. A razão, em contrapartida, en-tendida como uma figura histórica e soci-almente constituída, reproduz esse mes-mo sentido. É, por isso, reprodutora desentido, e nunca sua usina originária, co-mo ocorre, na atualidade, em que se viveno interior de um verdadeiro imperialis-mo da subjetividade. O objeto que é pas-sado, conquanto concreto, a uma formade pensamento, ou seja, não é o pensa-mento que dá forma ao objeto, recortan-do-o na pletora caótica do mundo feno-mênico. Já, em artigo de finais de 1843,Marx se posiciona a respeito, ao demons-trar os limites da crítica à religião operadapor Feuerbach. Marx (1972, p. 2) afirmaque a “missão da filosofia a serviço da his-tória/.../ consiste em desmascarar a au-to-alienação em suas formas profanas”.

Em Teorias da mais-valia, por exem-plo, tem-se a presença dessa mesma posi-ção num momento mais adiantado do iti-nerário intelectual de Marx. CriticandoJames Mill, que pretende conferir a Ri-cardo coerência lógica, formal, é afirma-do o que se segue: “A contradição entre alei geral e os desenvolvimentos concre-tos têm de ser feita por meio da descobertados elos intermediários”. Ademais, pros-segue, Mill erra ao pretender a “subsun-

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ção direta e o ajustamento do concretoao abstrato” (Marx, 1985, p. 1142).

Vale dizer, é um erro afirmar, deacordo com Marx, o movimento autôno-mo dos conceitos, regidos simplesmentepor sua lógica interna. O procedimentocorreto é o movimento que vai do abstratoao concreto pela descoberta das determi-nações intermediárias do próprio movi-mento concreto. Tais elos intermediáriosdevem ser considerados como elos de es-pecificação, produzidos pela própria reali-dade e ainda não conhecidos, mas passíveisde cognição.

Reconhecendo o caráter operativoda razão, em Marx, no entanto, a razãonão comparece como critério de si mes-ma, pois, deixada a si – especula – o que étambém por seu turno uma determina-ção histórica – acabando por acolher,quando busca dar a encarnação do finito– as mazelas deste último.1

Em suma, uma razão doadora desentido oscila entre a aproximação gené-rica, vaga, unilateral e a imputação arbi-trária de significados. Oscila, portanto,entre um quase nada formal e um quasetudo suposto. Como pontos de partidade uma prática, podem ir num gradientedo nada ao tudo se pode. Depende, con-quanto epistemologia de direita, de queética será colada a elas; e a arbitrariedadeprincipia desde logo – a ética de qualquercor poderá vesti-las.

São variantes epistemológicas que,pela segunda vez, voltam as costas às pro-posituras marxianas: aqui em relação aum saber que se prova quando capaz deintenção transformadora. E isso não énenhum pragmatismo.

4_ O reconhecimento da objetividade

Trata-se, em verdade, de uma nova con-cepção de objetividade, que não guardanenhum parentesco nem com a soluçãokantiana nem com a hegeliana. Em pala-vras bem simples e diretas – como con-vém em determinados momentos –, nãose trata de organizar o mundo pela cabe-ça, mas organizar a cabeça pelo mundo.

A organização do mundo pela ca-beça, pela razão, pelo entendimento, oucoisa que o valha, seja em que variante for– de Kant a Husserl –, pode ser feita devários modos; em todas, no entanto, res-tará algo de fora do mundo – seja o nou-menon, seja uma opacidade intransponí-vel, e a cabeça organiza o mundo apenasem parte, restando ela própria limitada.

Marx reivindica a organização dacabeça regida pelo mundo, mas não omundo das notas ou manchas empíricas,mas como todo existente e significadopor si porque é (Não é o caso nesse mo-mento discutir a importante questão dagênese.). O pensamento deixa de falar

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1 A esse propósito, verMiséria da Filosofia.

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sobre si mesmo para falar sobre as coisas,ou seja, deixa que as coisas “falem” e “fa-çam” o pensamento, já que este, em Marx,é histórica e socialmente constituído, comoaludimos acima. Nesse sentido, a razãoé transcendida pelo mundo, condicionaa visão sobre ele, porque é condiciona-da antes pelo próprio mundo. Ou me-lhor, nesse processo, ora transcende, oraé transcendida – condiciona por ter sidocondicionada, isto é, quando o faz, já ofaz como resultado. Atente-se que, paraMarx, qualquer disjunção aqui é uma for-ma de renúncia da razão histórica e a for-ma pela qual ela pode ser edificada.

4_ Ciência “versus” Filosofiaou saber especulativo “versus”saber da transformação?

É necessário ressaltar, ainda, passandopara outro item, mas que guarda relaçãodireta com o anterior, que a contraposi-ção que se pode encontrar em Marx, bementendido, não é entre Ciência e Filoso-fia, como querem alguns, mas a contra-posição entre “saber” especulativo e sa-ber da transformação. Ou seja, um saberque saiba das coisas, para que estas pos-sam ser alteradas; portanto, não é umaciência anormativa, digamos, que ele rei-vindica por várias vezes e em vários mo-

mentos de sua obra. Poderíamos dizer queMarx, assim, se move, no campo originá-rio de significação da filosofia conquantoamor (carência) de saber. Logo, em lugardo saber, da filosofia especulativa, tem-seo saber, a filosofia transformadora.

Assim, a eliminação pura e sim-ples da filosofia do pensamento marxia-no, e a definição também pura e simplespor uma ciência, a aproximação de algu-ma versão kantiana do conhecimento, ouseja, a substituição – de novo – purae simples da complexa questão da causa-lidade, substituindo-a, de algum modo,pela mera interligação empírico/analíticada convergência ou não da empiria, aca-ba por desobrigar da revolução; esta pas-sa a ser um mero apelo desiderativo, enão uma necessidade real.

Num mundo inamovível e ondegraça a inamovibilidade, essa desobriga-ção conforta, um reconforto utópico sub-jetivo. Em outras palavras, quando o mun-do aparece incapaz de se mexer, e, emgrande medida não se mexe, a única coisaque se agita é o espírito. Aqui o espíritovolta a ser a revolução do mundo, tal co-mo os neohegelianos de quem Marx nosfala criticamente não apenas em A ideolo-gia alemã, mas também, como é sabido,em outras obras do mesmo período.

Quando a solução materialista nãoé capaz de dar conta do lado ativo, o idea-

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lismo assume a cena e se expande paraentusiasmo da maioria. Não é sobre ques-tões dessa ordem que Marx se pronunciana primeira tese Ad Feuerbach?

Mas, retornando ao tema centraldo presente artigo, depois desse necessá-rio volteio, é preciso que fique claro quemetodologia marxiana é objeto de umaantiga preocupação, cifrada, grosso mo-do, na dupla convicção de que se trata deum assunto decisivo, e de que é imperiososaldar um antigo débito: atingir a elevaçãode seu tratamento global e sistemático.

Não será ainda, é óbvio, desta vez.E não se trata de mera e simples limita-ção de fôlego ou de tempo dos intelectu-ais que se voltaram sobre a questão. Paraalém disso, é fato que deve ser assumidoem sua inteireza: versa sobre a reconheci-da complexidade do problema que, aolongo do tempo, só fez complicar-se.

5_ O materialismo marxiano:as teses Ad Feuerbach

Da promessa não cumprida de Marx, deum dia “escrever um breve estudo sobrea lógica de Hegel”, aos nossos dias, me-deia mais de um século de interpretações,imputações, polêmicas, ataques, contra-propostas, simbioses e tenebrosas sim-plificações, que acabaram por tomar conta

desse espaço de investigação, a tal pontoque se tornou quase assustador nele aden-trar, implicando, acima de tudo, uma pos-tura irredutivelmente ambígua, feita decautela e ousadia. Assim, estas notas cons-tituem esforço de circunstância(s), masde uma circunstância, em especial, davontade, até aqui muitas vezes contraria-da, de voltar-se longa e sistematicamentesobre o método de Marx. Sobre o tempo– inelástico – recai a responsabilidade,uma vez que o trabalho acadêmico e in-telectual tem sua própria lógica e urgên-cias; em especial, se o intelectual não po-de fazer de seu próprio paladar e prefe-rências a urgência maior. Daí porque,nessas notas, as questões apareçam, comodisse Sartre em Questão de método, “abor-dadas de viés”. Mas esse viés não é des-vio – com base em outro assunto tomadocomo centro – nem aproximação fortui-ta, imprópria ou casual – como um tro-peço acidental sob o empuxo do objetotratado –, mas, ao contrário, é propostade elevação imprescindível ao essencial,sem o que o que está sendo feito não sefaz. O viés é, pois, remissão ao decisivo,é o recolher-se, por um momento que se-ja, à pedra de toque que motiva, em su-ma, toda iniciativa intelectual de algumaseriedade, pois, valendo-me novamentedas palavras de Sartre:

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Toda filosofia é prática, mesmo aquelaque parece, de início, a mais contemplati-va; o método é uma arma social e política(Sartre, 1960, p. 10).

Bem, dito isso, tomemos para exa-me algumas referências diretas da obra deMarx em momentos diversos de seu iti-nerário intelectual: na X Tese Ad Feuer-bach, tem-se explicitamente que:

O ponto de vista [perspectiva, ponto de ob-servação] do velho materialismo é a socie-dade civil (bürgerliche Gessellschaft);o ponto de vista do novo é a sociedade hu-mana (menschliche Geesellschaft) oua humanidade social (gesellschaftlicheMenschheit) (Marx e Engels, 1976, p. 526).

Examine-se agora a IX Tese, jáque nela é caracterizado o teor e os limi-tes do ponto de vista da sociedade civil:

O máximo (Das Höchste) a que chega omaterialismo intuitivo (anschauende) [con-templativo, empírico], isto é, o materialis-mo que não apreende o sensível como ati-vidade prática (praktische Tätigkeit), éa intuição (Anschauung) dos indivíduosisolados [singulares] (einzelnen Individu-en) e da sociedade civil (bürgerliche Ge-sellschaft) (Marx e Engels, 1976, p. 527).

Os aspectos que devem ser sinte-ticamente ressaltados da citação acimasão os seguintes:

1. o ponto de vista, a perspectiva, oponto de observação, ou seja, aposição, a base ou plataforma é re-ferida pelo termo Standpunkt, noqual se tem o pretérito de stehen,isto é, estar de pé;

2. donde a posição do velho materia-lismo é a apreensão ou tem porbase os indivíduos isolados – assingularidades tomadas uma auma – e enquanto tais presentesna sociedade civil, lugar onde sedefrontam. Isto é, sem apreendera gênese histórica das individua-lidades e da sociedade civil, nãose apreende a individualidade hu-mana pela interatividade dos sin-gulares, não se alcança a indivi-dualidade social. Por isso, emFeuerbach, indivíduo e essênciahumana são naturais, “pressupon-do um indivíduo humano abstra-to, isolado” e “a essência só podeser compreendida como ‘gênero’,como generalidade interna, muda,que liga de modo natural os múlti-plos indivíduos” (Teses VI e ÍI)(Marx e Engels, 1976, p. 526-527).

Ter por base indivíduos isoladosque se defrontam – é partir da sociedadecivil, ou seja, acriticamente, da ordem hu-

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mano-societária do capital, sem compre-ender que esses indivíduos isolados sãoproduto da história, e “não sujeitos inde-pendentes por natureza”, que são toma-dos “como um ideal, que teria existidono passado”, ou seja, como expressão do“naturalismo que é a aparência das robin-sonadas /.../ uma antecipação da socieda-de burguesa” (Marx, 1974, p. 109).

Ao passo que o materialismo mar-xiano, o materialismo genético, proces-sual ou histórico, o materialismo históricoimanente parte do sujeito e objeto con-quanto atividade sensível, parte da intera-tividade sensível dos indivíduos, parte dotrabalho, por isso da “sociedade humana”ou “humanidade social”, isto é, da humani-dade como sociabilidade, para a qual essasduas dimensões são indissociáveis.

Em suma, o ponto de vista do ve-lho materialismo é a visão dos indivíduosisolados se contrapondo na arena de con-tradições da sociedade civil, ou seja, a so-ciabilidade é universalizada como o lugardos confrontos e choque de interessesparticulares dos indivíduos, isto é, a so-ciedade é um conjunto contraposto à in-dividualidade, a sociabilidade é exterior àindividualidade; numa palavra, no velhomaterialismo, indivíduo e sociedade sãoextrínsecos e contrapostos.

Ao passo que, no novo materialis-mo reivindicado por Marx, humano e so-

cial constituem uma relação fundante, sóhá homens em sociedade, e são as for-mas desta que constituem a essência doshomens: “A essência humana não é umaabstração inerente ao indivíduo singular.Em sua realidade, é o conjunto das rela-ções sociais” (Tese VI).

Numa palavra, “[...] o ser dos ho-mens é o seu processo de vida real” (Marxe Engels, 1974, p. 25).

6_ A resolução metodológicade Marx em “O capital”e em “A ideologia alemã”

A partir deste item, serão tomados paraanálise alguns fragmentos de O capital,bastante conhecidos, mas, na maioria dasvezes, apresentam alguns problemas detradução que podem vedar o acesso aoespírito da letra marxiana. Além disso, éimprescindível observar que as caracte-rísticas principais das afirmações que seseguem guardam estreita relação com acrítica dirigida à filosofia especulativa jáem meados de 1843, como foi ressaltadono início do artigo:

Por seu fundamento (Grundlage) meu mé-todo dialético não só se diferencia do hege-liano, mas também é seu oposto direto(direktes Gegenteil). Para Hegel, oprocesso de pensamento, que ele,

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sob o nome de idéia, transforma numsujeito autônomo, é o demiurgo doreal, real que constitui apenas a suamanifestação externa. Para mim, pelocontrário, o ideal não é nada maisque o material, transposto e tradu-zido na cabeça do homem (Marx, 1983,

p. 20; 1971, p. 27).

Note-se que “método dialético”não diz respeito a qualquer observaçãode caráter simplesmente gnosiológico, masa modos de conceber o real e o pensa-mento: quem é o demiurgo de quem?“Método dialético” pode ou deve ser com-preendido não pela letra da expressão,mas por seu conteúdo, como posição dialé-tica, e, como tal, como duas posiçõesopostas: a de Hegel e a de Marx.

A seguir, confirma a Crítica de Kre-uznach e desenvolve a argumentação:

[...] Há quase trinta anos (janeiro de73/meados de 43), numa época em queela ainda estava na moda, critiquei o ladomistificador da dialética hegeliana.

Essa afirmação de Marx endossaa crítica à especulação contida naqueletexto primígeno. Especulação para Marxsignifica, antes de qualquer coisa, con-verter o pensamento em “demiurgo doreal”, modo pelo qual esse é reduzido aser apenas a “manifestação externa” dopensamento”, isto é, aqui está em jogo

uma questão ontológica fundamental – oque é o verdadeiramente real, as coisasou o pensamento? e não um dilema me-todológico. E a resposta marxiana, comoé evidente, não deixa margens para dúvi-das. E a frase prossegue, narrando:

Quando elaborava o primeiro volume deO Capital, epígonos aborrecidos, arrogan-tes e medíocres que agora pontificam naAlemanha culta, se permitiam tratar He-gel /.../ como um cachorro morto. Porisso, confessei-me abertamente discípulodaquele grande pensador e, no capítulo so-bre o valor, até andei namorando (koket-tierte) aqui e acolá os seus modos pecu-liares de expressão.A mistificação que a dialética sofre nasmãos de Hegel não impede, de modo al-gum, que ele tenha sido o primeiro a exporas suas formas gerais de movimen-to, de maneira ampla e consciente. EmHegel a dialética está assentada (repousa,está posta) sobre a cabeça (Sie steht beiihm auf dem Kopf).

É importante notar que, na ediçãoda Abril Cultural, a última frase foi eli-minada, e, na edição da DIFEL/Civiliza-ção Brasileira, comparece na tradicional edistorcida versão pela qual temos que“em Hegel, a dialética está de cabeça parabaixo”. Esta última versão simplesmentetoma a frase como metáfora, apontandoabstrata e simplesmente para uma inver-

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são, sem dizer do que consiste e qual ésua natureza, o que é feito pela elimina-ção do conteúdo preciso da frase, qualseja – a de que a dialética hegeliana é uma dia-lética da cabeça, ou baseada na cabeça, do ou ba-seado no pensamento, razão, faculdade de pen-sar, entendimento, etc. Vale dizer, Marx nãorefere de imediato uma inversão, masaponta ou denuncia antes, criticamente,o caráter, ou melhor, o elemento do qualé extraída, melhor ainda, diz que a dialéti-ca hegeliana, repousando sobre a cabeça,seria uma exposição das “formas geraisdo movimento do pensamento”, e con-quanto tal se apresenta sob invólucromistificado. Na seqüência de seu raciocí-nio é que aparece uma proposta de inver-são, não propriamente uma constataçãode inversão: “É necessário virá-la, paradescobrir o caroço racional dentro doenvoltório místico” (Man muß sie umstül-pen, um den rationellen Kern in der mystischenHülle zu entdecken) (Marx, 1983, p. 21).

Passar da cabeça às coisas, eis aproposta de inversão; não se trata de fa-zer inversões [...] na dialética hegeliana,mas passar da plataforma do pensamento àplataforma das coisas para descobrir o caro-ço racional na dialética de Hegel; não éuma proposta de correção da dialéticahegeliana para a passagem do ideal para omaterial e real, mas, a partir deste, po-

de-se atinar com o caroço racional da-quela: pelo estudo das coisas se encontrao coágulo racional da lógica hegeliana, ouseja, “as formas gerais do movimento”,porque “no entendimento positivo doexistente /.../ [se] apreende cada formaexistente no fluxo do movimento” – ouseja, quando se apreende o movimentodas coisas pode-se expor “as formas ge-rais do movimento”. De modo que o queHegel supõe sejam os movimentos daidéia nada mais são do que os movimen-tos gerais das coisas, que ele expõe de mo-do mistificado, lógico, especulativo. Essamistificação, logicismo ou especulativida-de está em supor que seja do pensamentoaquilo que é das coisas, dos seres. A inver-são exigida por Marx é, portanto, de or-dem ontológica. E o verdadeiro territórioôntico se deixa ver pelos apontamentosda seqüência da exposição marxiana:

Em sua forma mistificada, a dialéti-ca foi moda alemã, porque ela parecia glo-rificar o existente. Em sua configura-ção racional é um incômodo e um horrorpara a burguesia e para os seus porta-vozesdoutrinários, porque, no entendimen-to positivo do existente (positivenVerständnis des Bestehenden), elainclui ao mesmo tempo o entendimento dasua negação, da sua desaparição inevitá-vel; porque apreende cada forma existenteno fluxo do movimento, portanto também

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com seu lado transitório; porque não se dei-xa impressionar por nada e é, em sua essên-cia, crítica e revolucionária (Marx, 1983, p. 21).

Note-se aqui a emergência a con-cepção de ser em sua dinâmica proces-sual, origem, desenvolvimento que desem-boca em sua “desaparição inevitável”, ouseja, em sua morte. Desaparição por con-ta da própria lógica ou dinâmica das coi-sas, não por um pretendido movimentodissolutivo da consciência como dialéti-ca negativa.2

Podem-se encontrar antecedentestextuais ao acima referido de crítica à es-peculatividade mistificadora de Hegel, porexemplo, em A ideologia alemã, nos se-guintes termos:

Toda essa aparência, a aparência de que adominação de uma classe determinada ésomente a dominação de certas idéias, de-saparece natural, por si mesma, tão logo adominação de classe deixe de ser a formada ordem social, tão logo não seja mais ne-cessário apresentar um interesse particu-lar como geral ou ‘o geral’ como domi-nante.3 Uma vez que as idéias dominan-tes tenham sido separadas dos indivíduosdominantes e, principalmente, das rela-ções que nascem de uma dada fase do modode produção, e que com isso se chegue ao re-sultado de que na história as idéias sem-pre dominam, é muito fácil abstrair dessasidéias ‘a idéia’ etc. como o dominante nahistória e nesta medida conceber todos es-

tes conceitos e idéias particulares como‘autodeterminação’ de o conceito que sedesenvolve na história. É então tambémnatural que todas as relações dos homenspossam ser deduzidas do conceito de ho-mem, do homem representado, da essênciado homem, de o homem. Assim proce-deu a filosofia especulativa. O pró-prio Hegel confessa no final da Filo-sofia da História (1830) que ‘só consi-dera o progresso do conceito’ e queexpõe na história a ‘verdadeira teo-dicéia’ (Marx e Engels, 1996, p. 76).

Na mesma obra, como reforço doexposto, sob o aspecto da recusa do espí-rito de sistema em Filosofia, tem-se o se-guinte fragmento:

Até em seus últimos esforços, a crítica ale-mã não abandonou o terreno da filosofia.Longe de examinar seus pressupostos filo-sóficos gerais, todas as suas questões bro-taram de um sistema filosófico determina-do, o sistema hegeliano. Não apenas em suasrespostas, mas já nas próprias questões ha-via uma mistificação. Essa dependência deHegel é a razão pela qual nenhum dessesnovos críticos tentou uma crítica de con-junto do sistema hegeliano, embora cadaum deles afirme ter ultrapassado Hegel.Em suas polêmicas contra Hegel, e entreeles a isto se limitavam, cada qual isolaum aspecto do sistema hegeliano e o volta,ao mesmo tempo, contra o sistema inteiro econtra os aspectos isolados pelos outros.Inicialmente, tomam-se categorias hegelia-

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2 O ser, portanto, não éeterno, nem imutável como nametafísica – substânciaaristotélica. É interessanteobservar que o “ser para amorte” é a exageração ouabsolutização do momento deextinção do ser mutável; nessatransgressão é conferida ao seruma essência de algo quandojá não é ser; o ser é destacadopelo momento em que deixa aforma de – ser, de serhumano, regredindo na escalado ser; o ser é ser pelo seudevir em não-ser. Em Hegelvai-se do nada ao ser; emHeiddegger, do ser ao nada.3 Como variante dessetrecho, poder-se-ia ter: deapresentar um interesseparticular, no plano prático,como interesse comum atodos e, no plano teórico,como interesse geral.

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nas puras, isentas de falsificação, taiscomo as de substância e autoconsciência;depois, as categorias são profanadas comnomes mais mundanos, tais como os deGênero, o Único, o Homem etc. (Marx e

Engels, 1996, p. 23-24).

E depois de denunciar de Strauss aStirner por se terem limitado à crítica dasrepresentações religiosas, que passaram aenglobar todas as formas de representa-ção, de tal sorte que “toda relação domi-nante era uma relação religiosa /.../ e omundo se viu canonizado”, Marx conduzuma reflexão particularmente significativa:

Os velhos hegelianos haviam compreen-dido tudo, desde que tudo fora reduzidoa uma categoria da lógica hegeliana. Os jo-vens hegelianos criticaram tudo, intro-duzindo sorrateiramente representações re-ligiosas por baixo de tudo ou proclamandotudo como algo teológico. Jovens e velhos he-gelianos concordavam na crença no domínioda religião, dos conceitos e do universal nomundo existente. A única diferença era queuns combatiam como usurpação o domínioque os outros aclamavam como legítimo.Desde que os jovens hegelianos considera-vam as representações, os pensamentos, osconceitos – em uma palavra, os produtosda consciência, por eles tornada autônoma– como os verdadeiros grilhões dos homens(exatamente da mesma maneira que os ve-lhos hegelianos neles viam os autênticos la-ços da sociedade humana), é evidente que

os jovens hegelianos têm que lutar apenascontra essas ilusões da consciência. Umavez que, segundo suas fantasias, as rela-ções humanas, toda a sua atividade, seusgrilhões e seus limites são produtos de suaconsciência, os jovens hegelianos, conse-qüentemente, propõem aos homens estepostulado moral: trocar sua consciênciaatual pela consciência humana, crítica ouegoísta, removendo com isso seus limites.Assim, exigir a transformação da cons-ciência vem a ser o mesmo que interpretardiferentemente o existente, isto é, reconhe-cê-lo mediante outra interpretação. /.../Os mais jovens dentre eles descobriram aexpressão exata para qualificar sua ativi-dade quando afirmam que lutam unica-mente contra ‘fraseologias’. Esquecemapenas que opõem a estas fraseologias nadamais do que fraseologias e que, ao comba-terem as fraseologias deste mundo, nãocombatem de forma alguma o mundo realexistente. /.../ A nenhum destes filósofosocorreu perguntar qual era a conexão en-tre a filosofia alemã e a realidade alemã, aconexão entre a sua crítica e o seu própriomeio material (Marx e Engels, 1996, p. 25-26).

Esse longo extrato faz lembrar daherança iluminista: contra o espírito desistema em Filosofia, contra a especulati-vidade e o propósito prático do saber,marcando uma posição teórica ativa eoperativa, que parte do reconhecimentodo mundo e para este se volta.

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No que diz respeito às relações en-tre conceito e categoria no universo dopensamento de Marx, é necessário adu-zir algumas palavras a respeito, baseadas,principalmente – mas não só –, em im-portantes passagens da chamada Intro-dução de 57, quando Marx, ao examinarcriticamente o método da Economia Po-lítica, fala-nos da necessidade do “cami-nho de volta”, inexistente, é claro, noprocedimento dos economistas ingleses.Ademais, é bom lembrar que, nesse mes-mo escrito, Marx volta a falar tambémcriticamente da posição especulativa he-geliana, ao salientar que:

No primeiro método [o dos economistasE.V.], a representação plena volatiza-seem determinações abstratas, no segundo [ocaminho de volta E.V.], as determinaçõesabstratas conduzem à reprodução do con-creto por meio do pensamento. Por isso éque Hegel caiu na ilusão de conceber o realcomo resultado do pensamento que se sin-tetiza em si, se aprofunda em si, e se movepor si mesmo; enquanto que o método queconsiste em elevar-se do abstrato ao concre-to não é senão a maneira de proce-der do pensamento para se apropriardo concreto, para reproduzi-lo em concretopensado. Mas este não é de modo ne-nhum o processo da gênese do próprioconcreto (Marx, 1974, p. 122-123).

7_ Conclusão

Levando em conta as considerações aci-ma, poder-se-ia afirmar, a título de umabreve aproximação, que:

1. O conceito, de um lado, afirma, es-tabelece, põe uma determinação;opera, pois, uma representação.

2. Simultaneamente, o conceito semantém como abstração, isto é,incompleto, aberto assim, para searticular com outros conceitos,formando assim, permitindo as-sim, ou ainda, “pedindo” assim,o concurso de outros conceitoscom os quais forma então um fei-xe de abstrações que possui afunção da determinação, da espe-cificação. Tal abertura e articula-ção não são “livres”, ou caóticas.O processo aqui é conjunto dosmomentos aproximativos, e o or-denamento remete à matrizaçãodo ser que ele busca tornar um“concreto pensado”.

Na medida em que cada categoriaé, pois, ao mesmo tempo, determinaçãoe abstração, isto é, conteúdo limitado eaberto, não é, pois, definição (no sentidode limitar e fechar), mas é determinaçãoque limita e abre: abre para – ganhandonovo conteúdo – ser novamente limita-

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da. Conquanto relação conceitual, pas-sam a ser indiscerníveis: concretam peloconceito o concreto real. Sem esse tipo,por assim dizer, de mútua flexibilidade,não pode haver concreção. Estão elimina-dos, portanto, quaisquer tipos de concei-to/categoria ou procedimento formais. Éevidente que se o método de que nos falaMarx é o método da concreção, suas ca-tegorias ou conceitos deverão mostrar-secapazes de promover esse processo de-terminativo e especificador, impensávelcomo combinatória de noções abstratas.De sorte que o dado empírico é dado pa-ra a superação pelo processo determina-tivo e especificador (a concreção), e nãopara ser enquadrado pela noção formal.A abstração aqui compreendida é o pri-meiro momento da concreção, não é umcontorno fixo, mas um nódulo elementarpronto a se transfigurar no roteiro espe-cificador, singularizador, o da concreção,como já referido. Não acolhe, por via deconseqüência, nem é posta para acolheros dados empíricos, mas é posta comoponto de partida significativo, fundindo-se com novas determinações que vão sen-do extraídas e estabelecidas a partir dopróprio real. Vale dizer, não se trata de umprocedimento regido por regras formaisou por uma normatividade arbitrária.

Portanto, método é meio, razãoporque, diante de cada objeto, tem de seredificado (Giannotti, 1972, p. 118).

Em suma, o pensamento de Marxnão é um modelo, uma vez que seu itine-rário filosófico-científico é a apreensãoda lógica objetiva dos seres e dos proces-sos, é a concreção conceitual da regênciaimanente das existências, e não a logifica-ção da pletora fenomênica pela adjudica-ção a ela de um nexo exterior a ela adrede-mente construído, não importante aqui seeste construto seja uma inferência a par-tir de uma saturação empírica, em face daqual, na seqüência, se independentiza.

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Referências biliográficas

Versão ampliada e modificadada Comunicação apresentadano GT Marx duranteo XI Encontro Nacionalda Associação Nacionalde Pós-Graduação em Filosofia(ANPOF), Salvador (BA),outubro de 2004.

Artigo recebido em janeiro de 2006

e aprovado em maio de 2006.

E-mail de contato da autora:

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