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Marxismo e Política Superior
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III Encontro Norte/Nordeste Trabalho, Educao e Formao Humana
Trabalho, Estado e Revoluo
ANAIS
Eixo 8 - Marxismo e polticas educacionais: ensino superior
Sumrio
A IMPORTNCIA DO MTODO MARXISTA PARA AS CINCIAS SOCIAIS 2
A PRODUO DO CONHECIMENTO NA UNIVERSIDADE PBLICA: UM OLHAR SOBRE ASPESQUISAS NAS CINCIAS SOCIAIS E NA ENGENHARIA DE TELEINFORMTICA DA UFC 9
AS POLTICAS EDUCACIONAIS LUZ DO PENSAMENTO SOCIAL BRASILEIRO:CONTRIBUIES AO DEBATE SOBRE A POLTICA DE ASSISTNCIA ESTUDANTIL NASIFES 24
CONTRARREFORMA UNIVERSITRIANO GOVERNO DO EX-PRESIDENTE LULA DA SILVA:IMPLICAES PARA O TRABALHO DOCENTE NAS IFES 36
CONTRIBUIES DA SOCIOLOGIA NA FORMAO DO PEDAGOGO: REFLEXES ACERCADA EXPERINCIA COMO MONITORA DE ENSINO NA DISCIPLINA DE SOCIOLOGIA EEDUCAO I, NA UNEB-DEDC X 52
EDUCAO SUPERIOR NO CONTEXTO DE CRISE DO CAPITAL: ENTRE AREESTRUTURAO E A PRECARIZAO DO CURSO DE PEDAGOGIA 63
FORMAO INICIAL DE PROFESSORES E A CRISE DO CAPITAL 80
INFLUNCIA DA INTENSIFICAO DO TRABALHO DOCENTE EM PS-GRADUAESSTRICTO SENSU NA UFS SOBRE O TEMPO LIVRE/LAZER 93
A IMPORTNCIA DO MTODO MARXISTA PARA AS CINCIAS SOCIAIS
Danielle Alves [email protected]
Graduanda em Servio Social pela Universidade Estadual do Cear
Luciane Costa de [email protected]
Graduanda em Servio Social pela Universidade Estadual do Cear
Moamy Reis Santiago [email protected]
Graduanda em Servio Social pela Universidade Estadual do Cear
Tvila da Silva [email protected]
Graduanda em Servio Social pela Universidade Estadual do Cear.
RESUMO: O trabalho trata do estudo e entendimento acerca da teoria marxista e das Cincias Sociais. Assim, tem por objetivo analisar a importncia da teoria e metodologia prprias do pensamento marxista, detectando suas contribuies cientficas para as cincias que estudam os aspectos sociais do mundo humano. As Cincias Sociais constituem um conjunto de estudos aprofundados acerca do homem e do meio social em que este vive, e surgem num momento de transies econmicas e ideolgicas. O Renascimento trouxe consigo o despertar de ideais iluministas, dentro de um contexto no qual iria se desenvolver o antropocentrismo, com a afirmao de que o homem o autor e transformador de sua prpria histria. Mais tarde, surge o pensamento marxista, constitudo de importantes teorias sociais, vinculado a um pensamento filosfico acerca do ser social na sociedade burguesa e a seu processo de constituio e de reproduo. As teorias de Marx fundamentam-se na idia de que a evoluo histrica se d pelos confrontos entre diferentes classes sociais decorrentes da explorao do homem pelo homem. Os mtodos utilizados para a realizao do trabalho foram: pesquisa bibliogrfica e observao participante, esta obtida atravs da atuao como estudantes de cincias sociais aplicadas. Foram obtidos os seguintes resultados: O Marxismo possui grande importncia para as Cincias Sociais, pois significativo para o conhecimento e para o entendimento do ser humano, da sociedade e do mundo. A teoria de Marx no limita-se apenas a aspectos econmicos,com conceitos de lutas de classe, mais valia, etc., mas compreende uma questo bem maior e significativa a que todos esses estudos levam: um estudo crtico e dialtico da sociedade como um todo, de suas relaes, estmulos e respostas, trazendo o homem como ser social e sujeito da histria.
Palavras-chave: Cincias Sociais. Marxismo. Homem.
1. Introduo
As Cincias Sociais constituem um conjunto de estudos aprofundados acerca do
homem, surgindo num momento de transies econmicas e ideolgicas. O Renascimento
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trouxe consigo o despertar de ideais iluministas, que viriam tentar romper com as
caractersticas feudais, as quais, antes, impunham uma aristocracia teolgica.
Assim, no contexto de toda essa gama de mudanas de pensamentos iria se
desenvolver o antropocentrismo, com a afirmao de que o homem o autor e transformador
de sua prpria histria. Mais tarde, surge o pensamento marxista, constitudo de importantes
teorias sociais, vinculado a um pensamento filosfico acerca do ser social na sociedade
burguesa e a seu processo de constituio e de reproduo.
no mbito da importncia terico-metodolgica do pensamento marxista que
tentaremos explicar as suas contribuies cientficas para as Cincias Sociais, tentando
responder a indagao: Quais as contribuies cientficas do mtodo marxista para as
Cincias Sociais?.
2. Desenvolvimento
Partindo do pressuposto de que o movimento histrico da sociedade de produto de
relaes sociais e de aes recprocas dos homens entre si, no complexo processo de
reproduo social da vida, chegamos clara evidncia de que o mundo social um mundo de
relaes, cujas caractersticas constituem o objeto de estudo das Cincias Sociais. Neste
sentido, a vertente marxista e sua idia principal, que a insero do indivduo numa
sociedade de classes, so de fundamental importncia para o estudo cientfico do objeto
social.
A teoria de Marx abrangente e faz a abordagem dos processos histricos de forma
grandiosa. Marx estuda uma perspectiva histrica que cerca o objeto de conhecimento, atravs
da compreenso de todas as suas mediaes. Como matriz terico-metodolgica, a teoria
social de Marx apreende o ser social a partir das mediaes. Ou seja, parte da posio de que
a natureza relacional do ser social no percebida em sua imediaticidade. Isso porque a
estrutura de nossa sociedade, ao mesmo tempo, que pe o ser social como ser de relaes, no
mesmo instante e pelo mesmo processo, oculta a natureza dessas relaes ao observador
(NETTO apud TEIXEIRA, 1995).
O pensamento marxista se fundamenta no materialismo histrico e dialtico. O
materialismo histrico uma abordagem metodolgica ao estudo da sociedade, de economia e
da histria. Defende-se, atravs deste, que a evoluo histrica, desde as sociedades mais
remotas at atual, se d pelos confrontos entre diferentes classes sociais decorrentes da
explorao do homem pelo homem.
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A teoria serve tambm como forma essencial para explicar as relaes entre sujeitos.
Assim, como exemplos apontados por Marx, temos durante o Feudalismo os servos que
teriam sido oprimidos pelos senhores, enquanto que no Capitalismo seria a classe operria
pela burguesia.
O Marxismo no limita-se apenas a teorias econmicas, com conceitos de lutas de
classes, mais-valia, etc., o Marxismo compreende uma questo bem maior e significativa a
que todos esses estudos levam: um estudo crtico e dialtico da sociedade e do seu todo, em
suas relaes, estmulos e respostas. Um conjunto de idias de cunho filosfico, economista,
social e poltico. Esse estudo da sociedade enfatiza a compreenso do homem como um ser
social histrico, com mudanas tambm histricas.
Para Marx, as relaes sociais permitem compreender e explicar as formas polticas. A
partir dos relacionamentos interpessoais do indivduo que se pode analisar seu
comportamento, o da sociedade e analisar a prpria sociedade. A teoria marxista tem como
base as doutrinas oficiais utilizadas nos pases socialistas, nas sociedades ps-revolucionrias,
mas acabou assumindo um papel to forte que passou a ser uma corrente poltico-terica
respeitada e abrangente, influenciando pensadores, inclusive a poltica e a prtica sindical.
O Materialismo Histrico fundamenta-se na observao da realidade a partir da anlise
das estruturas e superestruturas que circundam um determinado modo de produo. Nesse
sentido, a Histria est ligada ao mundo dos homens enquanto produtores de suas condies
concretas de vida e, portanto, tem sua base fincada nas razes do mundo material, organizado
por todos aqueles que compem a sociedade.
Os modos de produo so histricos e devem ser interpretados como uma maneira de
que os homens encontraram, em suas relaes, para se desenvolverem e dar continuidade
sua espcie.
O Materialismo Dialtico prope uma disputa que no seja mais baseada em
coletividade, mas sim nos indivduos e nos interesses que tm. Bem como a relao destas faz
gerar de forma dialtica a destruio dos novos modelos de sociedade, de produo, de
pensamento, e de poder econmico e poltico.
A partir disto, fica a dvida se pretende a dialtica um discurso prprio da Filosofia ou
se ela pode ser vista tambm como um entre os vrios mtodos cientficos. H a necessidade
clara de distino dos tipos de racionalidade e atravs deste caminho que podemos
determinar a dialtica como paradigma de pensamento.
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A teoria marxista abrange uma viso apologtica de princpios axiomticos, ou seja,
aqueles deduzidos de experincias consideradas universalmente vlidas. O seu objetivo final
a no existncia de uma teleologia na Histria.
A metodologia marxista, no tocante s relaes sociais de dominao e de explorao
constitui verdadeira herana ao estudo social do homem. ratificada, ento, a natureza
ontolgica do pensamento de Marx, tratando do ser enquanto ser. Porm, para Chasin:
No h uma questo de mtodo no pensamento marxiano... Se por mtodo entendido uma arrumao operativa, a priori, da subjetividade, consubstanciada por um conjunto normativo de procedimentos, ditos cientficos, com os quais o investigador deve levar a cabo seu trabalho, ento, no h mtodo em Marx. (CHASIN apud TEIXEIRA, 1995, p.389)
Este autor afirma ter rompido Marx com o mtodo lgico-especulativo para ir alm da
fundamentao gnosiolgica. E esse ir mais alm possibilitou uma afirmao da ordem
terico-estrutural da obra marxista, na qual possvel fragmentar sua elaborao em trs
temas especficos e interligados: 1. A fundamentao onto-prtica do conhecimento, 2. A
determinao social do pensamento e a presena histrica do objeto e 3. A teoria das
abstraes.
A partir destas trs perspectivas, em que se mesclam teoria e prtica, o pensamento
sendo determinado pela sociedade, a existncia de um objeto, e a teoria das abstraes, de
acordo novamente com Chasin apud Teixeira (1995) as formas do pensamento constituem-se
como a expresso de relaes existentes entre os seres, cada um na sua individualidade, a
conscincia e a linguagem nascendo da necessidade histrica, da carncia de intercmbio
social.
Pode-se perceber que tudo isso mistura-se perenemente nos estudos cientficos sociais,
no havendo dvidas, nem para autores como Chasin, nem para estudiosos em geral, que a
fundamentao marxista est presente nos referidos estudos.
Mark define em sua teoria a tarefa do sujeito e rompe de vez com o pensamento
especulativo, que a seu ver, somente um passo unilateral, na medida em que a meta
cognitiva do sujeito replasmada por inteiro, sem que, todavia, o prprio sujeito seja
redeterminado.
At ento, sujeito e objeto, ainda que reivindicados em sua terrenalidade, ainda no
eram distinguidos das acepes correntes ou tradicionais, aparecendo como faces simples de
exterioridades. Eram categoricamente indeterminados, constituindo figuras substantificadas
um tanto vagas em sua distino e autonomia.
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O tratamento diferenciado dos mesmos s veio a emergir, de modo mais explcito e
elaborado, nas pginas dos Manuscritos de 44 e de A ideologia Alem. Os sujeitos, ento,
sero determinados como os homens ativos e os objetos enquanto atividade sensvel.
Em sua teoria, Marx define o trabalho como atividade geradora das relaes humanas.
O trabalho um processo de produo do novo e de desenvolvimento do nvel de
sociabilizao do indivduo. O nvel de sociabilizao ultrapassa o de individuao medida
em que as relaes de trabalho se intensificam.
O trabalho primitivo, que expressava as relaes homem x natureza, significava uma
forma de subsistncia em que prevalecia o homem. O trabalho dentro da sociedade burguesa
representa as relaes homem x mundo, dentro das quais prevalece o capital, num processo
constante de alienao. Na sociedade do capital, o indivduo deixa de ser apenas um homem
para se tornar um complexo, da a expresso complexo dos complexos, a qual se refere ao
homem vivendo em sociedade.
Srgio Lessa, ao explicar o fenmeno da alienao luz do pensamento de Lukcs, d
um conceito mais geral ao termo, ao afirmar que ela a negao da essncia humana, no
tendo nada de natural, sendo puramente social.
Karl Marx, por sua vez, direciona mais seu entendimento acerca do fenmeno da
alienao ao trabalho humano. Ele claro ao afirmar que, na sociedade capitalista, quanto
mais o trabalhador produz, menos ele possui e menos pode ter domnio sobre o seu produto
ou sobre o seu capital. Isso significa, basicamente, que quanto mais tempo o trabalhador passa
trabalhando, mais poderoso e rico se torna o proprietrio dos meios de produo e mais pobre
se torna aquele que produz a riqueza.
Os dois autores, no entanto, se utilizam de alguns termos semelhantes para expressar
que o processo de sociabilizao por meio do trabalho marcado profundamente pela
alienao. A capacidade humana de construir um ambiente, ou seja, a possibilidade de se
exteriorizar chamada por Lukcs e Lessa de devir-humano dos homens. Atravs dessa
capacidade, os homens agem favoravelmente sociedade, de modo que possam contribuir
para o seu desenvolvimento e o de si prprio. Porm, o ato de exteriorizar-se nem sempre
possui carter positivo.
O carter negativo da exteriorizao produz obstculos ao devir-humano dos homens,
e essa negao que pode ser chamada de alienao. Fazendo um paralelo com o mundo
atual, sabemos que as pessoas vivem ocupadas, cheias de coisas para fazer o tempo todo, com
inmeras obrigaes. Tantas exigncias acabam por criar conseqncias na vida moderna,
como o comprometimento psicolgico e mental.
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Lukcs, em seu estudo, considera o trabalho a categoria fundante do homem, o que
d significado ao ser social, essencial para o agir e para as diferentes formas de atividades
humano-sociais, uma necessidade prpria do mundo dos homens, de estar sempre criando o
novo. As categorias poprias do trabalho so: prvia-ideao, objetivao, causalidade e
exteriorizao.
Mas, com o trabalho, tambm podemos citar a alienao. Lukcs chama esse processo
de momentos de negatividade, que constituem obstculos, sociogenricos ao devir-humano
dos homens (LESSA, p. 125). Marx classifica a interconexo essencial entre a propriedade
privada, a ganncia, a separao de trabalho, capital e propriedade da terra, de troca e
concorrncia, de valor e desvalorizao dos homens, de monoplio e concorrncia, etc.
(MARX, p. 148) como toda alienao do sistema monetrio. Ainda na linha de pensamento de
Marx, pode-se constatar que h uma espcie de inverso de conseqncias no sistema
capital / trabalho: quanto mais riqueza produz, mais pobre o trabalhador se torna. H uma
proporo direta entre a valorizao do mundo das coisas e a desvalorizao do mundo dos
homens, o que faz com que o trabalhador valha menos que as mercadorias que ele prprio
produz. um trabalho que produz a si mesmo e ao prprio trabalhador como mercadoria.
Marx enfatiza que a alienao aparece na apropriao, na exteriorizao, assim como
nos objetos produzidos pelo trabalhador, travando uma relao de quanto mais produo h,
menos o trabalhador pode possuir e mais ele cai sob o domnio de seu produto, do capital.
3. Concluso
Como pudemos perceber, a importncia do Marxismo para as Cincias Sociais no foi
algo simples, mas sim significativo para o conhecimento e para a percepo e entendimento
do ser humano, da sociedade e do mundo.
No decorrer do tempo, o Marxismo foi ganhando mais adeptos e mais aceitao,
tendo, inclusive, entrado para a Histria. A forma de tratar e estudar o ser social, seu espao e
relacionamentos serviu de direta referncia para as Cincias Sociais, a qual estuda a vida
social e seus elementos.
A metodologia criada por Marx assume um papel importante at nos dias atuais, por
conter um vasto discurso sobre diversos assuntos, tornando-se relevante para o estudo e
entendimento da sociedade.
A teoria de Marx vem sendo exposta como um assunto didtico e teve, inclusive,
influncia nas Cincias Sociais devido sua maneira de anlise do objeto de estudo o
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Homem. Conseqentemente, reflete tambm na sociedade, pois trata das questes que
interferem diretamente no social, como por exemplo, as formas de trabalho e as formas de
governo. O Marxismo pode se considerado uma referncia eterna.
REFERNCIAS
ANTUNES, Ricardo. Os Sentidos do Trabalho: Ensaio sobre a afirmao e a negao do trabalho. So Paulo: Boitempo, 2001.
LESSA, Sergio. Para Compreender a Ontologia de Lukcs. Iju RS: Ed. Uniju, 2007.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Histria. 3a Ed. So Paulo: Ed. tica, 1989.
TEIXEIRA, Francisco Jos Soares. Pensando com Marx: uma leitura crtico-comentada de O Capital. So Paulo: Ensaio, 1995.
LEFEBVRE, Henri. Sociologia de Marx. Forense: 1996.
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A PRODUO DO CONHECIMENTO NA UNIVERSIDADE PBLICA: UM OLHAR
SOBRE AS PESQUISAS NAS CINCIAS SOCIAIS E NA ENGENHARIA DE
TELEINFORMTICA DA UFC
Jonas Menezes [email protected]
Universidade Federal do Cear
RESUMO: As reformas implementadas no ensino superior na ltima dcada possibilitaram, no caso das universidades pblicas, uma aproximao maior com a iniciativa privada. Essa aproximao vem consolidando um processo de privatizao interna, de perda do carter pblico e de compromisso social das universidades. Configura-se uma lgica mercantil nas universidades que perpassa a utilizao dos espaos, o trabalho docente, as atividades de ensino, pesquisa e extenso, a organizao administrativa, enfim, conformando-se um ethos mercadolgico nas universidades. Na metodologia utilizada, fiz um levantamento de todos os projetos de pesquisa do corpo docente do Departamento de Cincias Sociais e do Departamento de Engenharia de Teleinformtica da Universidade Federal do Cear, entre 2004 ano em que foi aprovado a Lei de Inovao Tecnolgica e 2011. A seguir, fiz a leitura de alguns projetos de pesquisas e, posteriormente, entrevistei os professores responsveis por esses projetos. Portanto, nesta pesquisa, levanto a hiptese de que a produo cientfica na universidade hoje expressa, por um lado, um processo de mercantilizao do conhecimento produzido e, por outro, o descompromisso com a superao do sistema do capital e a construo de outro modelo de sociedade.
Palavras-chave: Pesquisa. Universidade. Mercantilizao.
Introduo
O artigo que apresento a seguir fruto de uma pesquisa para o trabalho de concluso
do curso de Cincia Sociais da Universidade Federal do Cear. Trata-se de uma pesquisa,
iniciada no final de 2010, ainda em fase de concluso. Nesse sentido, um desafio a mais
buscar sintetizar nesse artigo um trabalho que ainda carece de uma maior reflexo.
O meu tema de investigao analisar a produo do conhecimento na universidade
pblica, mais especificamente, na Universidade Federal do Cear, tendo como eixo de anlise
os trabalhos de pesquisa dos docentes, buscando compreender o carter e a relevncia social
destas pesquisas.
Para circunscrever a minha temtica em estudo, iniciei o meu percurso investigativo
desenvolvendo uma pesquisa exploratria com o intuito de definir o meu lcus de estudo.
Primeiramente, fiz um levantamento de todos os projetos de pesquisa, entre 2004 e 2011, de
todos os professores do Departamento de Engenharia de Teleinformtica, por ter sido o
departamento com o maior nmero de pesquisas financiadas por empresas no Centro de
Tecnologia1, bem como de todos os projetos de pesquisa de todos os professores do
1 Unidade acadmica da Universidade Federal do Cear.
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Departamento de Cincias Sociais no mesmo perodo. Justifico a minha escolha por ser o
departamento ao qual realizei os meus estudos de graduao. A minha pretenso com essas
escolhas era tentar englobar duas reas distintas, exatamente para ter uma perspectiva mais
ampla da pesquisa na universidade.
Em seguida, selecionei seis professores de cada departamento com o objetivo de
realizar uma entrevista semi-estruturada com cada um deles. No caso do Departamento de
Engenharia de Teleinformtica, os critrios estabelecidos foram: as fontes de financiamento
dos projetos e a relevncia social das pesquisas. Com relao ao Departamento de Cincias
Sociais, os critrios foram: as temticas de pesquisa, as unidades curriculares das Cincias
Sociais - Sociologia, Antropologia e Cincia Poltica - e tambm as fontes de financiamento.
Por uma questo de tica e tambm com a finalidade de preservar a identidade dos
professores entrevistados, irei omitir o nome dos referidos sujeitos envolvidos na pesquisa.
Dessa maneira, utilizo letras para me referir aos professores do Departamento de Cincias
Sociais e utilizo nmeros para me referir aos professores do Departamento de Engenharia de
Teleinformtica.
Aps essa breve introduo, fao uma discusso acerca das transformaes ocorridas
no ensino superior (RAMOS, 2010; LIMA, 2007; BARRETO, LEHER, 2008; SGUISSARDI,
et al, 2010), especialmente no caso das universidades pblicas. A seguir, destaco as mudanas
advindas a partir da Lei de Inovao Tecnolgica (NEVES; PRONKO; 2008) e prossigo,
dando uma nfase o embate no mbito das Cincias Sociais entre o pensamento crtico e o
pensamento ps-moderno, no qual fao uma interlocuo com Ruy Braga (2009) e Michel
Buroway (2009). Finalmente, sintetizo o resultado da pesquisa de campo realizada seguida de
uma breve concluso.
A universidade sob a gide da lgica mercantil: formas e vias de privatizao
A implementao de reformas no ensino superior parte da estratgia pensada pelo
Banco Mundial para os pases perifricos como a nica alternativa para a reduo da
pobreza. Difunde-se a noo de que o acesso a educao, por si s, seria o passaporte para a
empregabilidade e, consequentemente, seria a soluo para o enfrentamento da pobreza.
Omite-se, contudo, que no haver espao no mercado de trabalho para todos os
trabalhadores, mesmo porque a existncia de um reserva de desempregados favorvel para
reproduo do prprio sistema.
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Alm disso, a desigualdade econmica existente entre as naes ricas e pobres
reduzida a uma mera lacuna cientfico-tecnolgica entre os pases, cuja soluo seria a
formulao e execuo de uma poltica educacional ampla que privilegie a pesquisa, a cincia
e a tecnologia. Na verdade, o que se configura so polticas de alvio a pobreza e que, na
prtica, corroboram para a reproduo global do sistema (LIMA, 2007, p. 52).
Se verdade que a execuo dessas reformas se deu sob imposio e interferncia
direta desses rgos nas naes perifricas em contrapartida aos emprstimos econmicos
fornecidos para amortizar o dficit financeiro desses pases; inegvel os interesses das foras
polticas hegemnicas dos prprios pases em questo. Na realidade as polticas educacionais
contemplam tanto a presso exercida pelos pases imperialistas, por meio dos organismos
internacionais, quanto os interesses polticos e econmicos da burguesia e suas fraes que
detm o poder nos pases perifricos (LIMA, 2005, p. 92).
Desse modo, para expandir o ensino superior, mesmo reduzindo os gastos pblicos
para a educao, a soluo encontrada essencialmente atravs da expanso das instituies
particulares e da privatizao interna das instituies pblicas atravs das parcerias pblico-
privadas ou por meio da cobrana de taxas e mensalidades (LIMA, 2007, p. 65). Trata-se,
portanto, de uma ofensiva do capital sobre a educao, uma rea anteriormente caracterizada
como um direito social, mas que hoje se caracteriza como um mercado altamente lucrativo.
Percebe-se hoje nas instituies pblicas, a construo de uma lgica mercantil que
ressignifica a sua funo social, desqualificando o seu carter pblico. Novos parmetros e
medidas so utilizados para aferir a qualidade da universidade, de modo que noes
recorrentes na esfera mercantil so transpostas para a universidade como: competitividade,
empreendedorismo, eficincia, produtividade, flexibilidade, etc (ANDES, 2004, p. 43). Essas
noes so acompanhadas de mudanas em diversos aspectos nas universidades como, por
exemplo: mudanas curriculares ajustadas s exigncias do mercado, criao de cursos de
curta durao ou que atendem a uma necessidade imediata do mercado, restrio utilizao
dos espaos, transformaes no trabalho docente, mudanas no carter das atividades de
pesquisa e extenso, etc.
No caso dos professores, a exigncia constante por uma elevao na produtividade
acarreta profundas mudanas no seu trabalho. Alm das atividades administrativas e de
ensino, os professores sofrem cotidianamente a presso para: publicar artigos em peridicos
nacionais e internacionais, participar de congressos, seminrios, conferncias, palestras,
orientar alunos da graduao e ps-graduao, dentre outras atividades. Ressalte-se ainda as
agncias estatais que controlam e avaliam todas as atividades docentes, atuando como um
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patro, condicionando o financiamento de verbas para as pesquisas aos resultados e notas
obtidas nos programas de avaliao (SGUISSARDI, et al; 2010, p. 15). Adiciona-se ainda que
na ltima dcada o aumento no nmero de estudantes se deu sem um aumento compatvel do
nmero de professores, alm da reduo salarial dos professores e tambm dos servidores
tcnico-administrativos.
No instante em que assume um carter mercadolgico, a educao isenta-se do seu
compromisso social e passa a ser regida pelas leis do mercado. Como afirma (RAMOS, 2010,
p. 141):
Se a universidade refora os seus vnculos com o mercado, a possibilidade de produo do conhecimento numa perspectiva crtica e transformadora da sociedade se desfaz e, por conseguinte, ela poder vir a constituir- se como a mediadora para a formao do trabalhador de novo tipo, flexvel, adequado ao funcionamento econmico em rede.
Ao propor um conjunto de medidas com vistas integrao desses pases a essa nova
ordem mundial espalhando-se nos pases avanados, esvazia-se de questionamentos o modo
de organizao da sociedade capitalista. Naturaliza-se o modelo vigente como imutvel,
suscetvel apenas a alguns ajustes e reformas. No se levanta nenhuma possibilidade de
alterao radical. No mximo, aponta-se a educao como possibilidade de propiciar
mudanas, porm esvazia-se a luta poltica concreta e a disputa de interesses divergentes em
detrimento de reformas que buscam a conciliao, desconsiderando o que Marx apontava
como a mola propulsora da sociedade que luta de classes.
A pesquisa no contexto da Lei de Inovao Tecnolgica:
O avano tecnolgico alcanado nas ltimas trs dcadas aliado ao aumento da
concorrncia no mercado internacional tem exigido das principais economias do mundo um
maior investimento das reas de Cincia, Tecnologia e Inovao. Para isso, necessrio
investir na formao de cientistas, tcnicos e pesquisadores aptos a realizar pesquisa,
desenvolvimento e inovao. O baixo investimento em C&T, apenas 1% do PIB, seria a
explicao para a posio emergente do Brasil no cenrio internacional no campo cientfico e
produtivo.
Essa a anlise que embasou o Plano elaborado pelo Ministrio de Cincia e
Tecnologia para o quadrinio 2007-2010. Nos objetivos gerais desse Plano est clara a
parceria do Estado com o setor privado: Ampliar o apoio inovao e ao desenvolvimento
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tecnolgico das empresas, acelerando o desenvolvimento de tecnologias avanadas e de
setores portadores de futuro. Alm disso, priorizam-se determinadas reas, chamadas de
reas estratgicas, que so consideradas centrais para o desenvolvimento scio-econmico
do Brasil: fortalecer as atividades de P&D e inovao em reas estratgicas para o
crescimento e o desenvolvimento do pas, com nfase nas Tecnologias da Informao e
Comunicao, Insumos para a Sade, Biocombustveis, Agronegcios e Programa Nuclear.
Essa orientao poltica segue, segundo (NEVES; PRONKO, 2008, p. 136), as
orientaes do Banco Mundial/UNESCO de priorizar a pesquisa aplicada em detrimento da
pesquisa bsica e estimular a submisso da pesquisa acadmica a interesses diretamente
empresariais.
A Lei de Inovao Tecnolgica, aprovada em 2004, veio a atender as demandas do
setor privado, que v na lei uma possibilidade de utilizar recursos pblicos de forma livre e
sem o controle do Estado (SMAILI; 2005, p. 45).
Nessas parcerias, como est definido no artigo 4 da referida lei, a universidade cede
todo o seu aparato estrutural ao desenvolvimento de pesquisas para fins privados. Isto , h
uma apropriao privada dos recursos pblicos. Ficam permitidas as instituies de:
I - compartilhar seus laboratrios, equipamentos, instrumentos, materiais e demais instalaes com microempresas e empresas de pequeno porte em atividades voltadas inovao tecnolgica [...];II - permitir a utilizao de seus laboratrios, equipamentos, instrumentos, materiais e demais instalaes existentes em suas prprias dependncias por empresas nacionais e organizaes de direito privado sem fins lucrativos voltadas para atividades de pesquisa, [...].
Alm disso, os ganhos obtidos das pesquisas so repartidos entre os diversos
integrantes desta parceria de acordo com o capital investido, segundo definido no artigo 5:
A propriedade intelectual sobre os resultados obtidos pertencer s instituies detentoras do
capital social, na proporo da respectiva participao. Evidencia-se, portanto, a
compreenso do conhecimento como uma mercadoria a ser vendida e cujos lucros sero
divididos proporcionalmente entre os diversos scios envolvidos. Em geral, o ocorre que
os benefcios advindos dessas atividades so repartidos entre pequenos grupos de pesquisa da
universidade cujo foco do trabalho dirige-se as atividades de interesse dessas empresas
envolvidas (ANDES-SN, p. 46).
Outro ponto de destaque diz respeito ao Art. 12 que probe ao:
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[...] dirigente, ao criador ou a qualquer servidor, militar, empregado ou prestador de servios de ICT divulgar, noticiar ou publicar qualquer aspecto de criaes de cujo desenvolvimento tenha participado diretamente ou tomado conhecimento por fora de suas atividades, sem antes obter expressa autorizao da ICT.
Esse artigo elucidativo para percebermos a agresso ao preceito institucional da
autonomia didtico-cientfica das universidades, como tambm liberdade de expresso,
produo e circulao do conhecimento. Cabe lembrar que todo o conhecimento, processo,
tecnologia ou produto derivado de investimento pblico de patrimnio pblico, acessvel a
todos e cujos benefcios devem servir para toda a sociedade.
A autonomia cientfica tambm fica comprometida, na medida em que h no s uma
apropriao dos resultados e usos do conhecimento produzido, mas tambm o que ser
pesquisado fica submetido as determinaes das empresas, segundo o Art. 19:
A Unio, as ICT e as agncias de fomento promovero e incentivaro o desenvolvimento de produtos e processos inovadores em empresas nacionais e nas entidades nacionais de direito privado sem fins lucrativos voltadas para atividades de pesquisa, mediante a concesso de recursos financeiros, humanos, materiais ou de infra-estrutura, a serem ajustados em convnios ou contratos especficos, destinados a apoiar atividades de pesquisa e desenvolvimento, para atender s prioridades da poltica industrial e tecnolgica nacional.
Configura-se, portanto, numa desconstruo e numa ressignificao da funo social
que a universidade deveria cumprir. Instaura-se um novo ethos acadmico no qual toda a
pesquisa fica subordinada aos interesses privados com finalidades lucrativas. O financiamento
em C&T deixado quase totalmente a cargo das empresas, transformando as universidades
em prestadoras de servio; os escassos investimentos pblicos, por sua vez, so alocados - por
meio das agncias de financiamento e fomento a pesquisa nas reas estratgicas para o
desenvolvimento da nao e insero na ordem mundial. Privilegia-se a pesquisa com
aplicabilidade imediata, inviabilizando a pesquisa bsica, nas reas sociais ou que no
atendam diretamente ou indiretamente os interesses do mercado.
No caso do financiamento pblico, podemos constatar que os principais rgos de
financiamento pblico das pesquisas, quais sejam: CAPES (Coordenao de
Aperfeioamento), o CNPq e a FUNCAP especificamente para o caso da UFC atuam como
alicerces das grandes empresas, bem como servem de sustentao do Governo Federal ou do
Governo Estadual, posto que as linhas definidas seguem e materializam as polticas para
educao ou para cincia e tecnologia desses governos, estabelecendo o que so as
prioridades para o desenvolvimento do pas. Seria ingnuo pensarmos que a composio dos
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rgos, com forte presena empresarial e uma vinculao com o governo bastante estreita, no
influencie na definio de critrios e decises destes rgos.
De forma alguma, acredito que o Brasil deva prescindir do investimento em cincia e
tecnologia, entretanto, ao contrrio de assegurar uma perspectiva de cincia e tecnologia que
esteja servio de buscar solues para os problemas sociais, a poltica econmica que serve
como sustentao para o plano de ao na rea de C&T, na verdade, conforma o Pas a uma
posio subalterna e dependente no sistema capitalista hoje. Proclama-se o investimento em
determinadas reas estratgicas como a sada para o desenvolvimento scio-econmico do
Pas, ao passo em que se reduz o investimento na pesquisa em reas sociais ou que no so de
interesse imediato para o mercado.
Segundo NEVES & PRONKO (2008, p. 145), no contexto das atividades de pesquisa
e desenvolvimento, o destaque dado inovao tecnolgica2 aponta para um estreitamento
nas relaes entre cincia, tecnologia e produo de bens e servios. Dessa maneira, a
estratgia para insero do Brasil, assim como de outras naes ditas em desenvolvimento,
seria atravs da produo de inovaes que, desenvolvidas localmente, possam ser
aproveitadas globalmente (NEVES; PRONKO; 2008, p. 154). Portanto, a proposta do BM
direciona para uma insero subordinada dos pases perifricos no atual estgio do
capitalismo mundial, caracterizada pela: importao e adaptao da tecnologia desenvolvida
nas naes centrais (NEVES; PRONKO; 2008, p. 149), bem como contribuir para a gerao
de inovaes que venham agregar valor finana mundializada (NEVES; PRONKO; 2008,
p. 165).
Nesse sentido, a popularizao da ideologia de que estamos vivendo na sociedade da
informao e do conhecimento e que, portanto, o acesso ao conhecimento e a informao so
indispensveis para o desenvolvimento dos pases perifricos se constitui numa grande utopia,
pois oculta o fato de que no h espao no atual estgio do capitalismo mundial para insero
dos pases perifricos que no seja na condio subordinada e dependente das naes centrais.
As Cincias Sociais hoje: o embate entre o pensamento crtico e o paradigma ps-
moderno:
Ao contrrio do pensamento de Burawoy (2009, p. 21) de que a sociologia estaria se
deslocando numa direo crtica, acredito que os caminhos das cincias sociais, nas ltimas
2 Por inovao tecnolgica, compreendo: [a] introduo no mercado de um produto ou de um processo produtivo tecnologicamente novo ou substancialmente aprimorado.
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duas dcadas, tm apontado numa direo descomprometida com a possibilidade de
transformao social.
sintomtico percebermos o abandono das contribuies tericas de Marx e dos
grandes tericos marxistas do sculo XX nos textos debatidos em nas disciplinas e na
utilizao como referencial terico para as diversas pesquisas, monografias, dissertaes ou
teses. No entanto, apesar de todas as tentativas, o legado terico de Marx continua sendo to
imprescindvel que ele continua a fazer parte do trip base das cincias sociais juntamente
com Weber e Durkheim.
Ruy Braga (2009, p. 75) fala de um movimento pendular na relao entre o marxismo
com a sociologia acadmica. Traando uma separao cronolgica na histria da disciplina,
observa-se um primeiro momento, de 1880 a 1945, de repulso a teoria de Marx; seguida por
um segundo perodo, de 1945 at a dcada de 80, que h uma aproximao com as
contribuies tericas marxistas; e uma terceira fase, que se inicia no final da dcada de 80 e
perdura at os dias atuais, que se v uma negao e um desinteresse por toda contribuio que
tenha referncia em Marx ou nos marxistas do sculo XX.
A dialtica do progresso governa tanto nossas carreiras individuais como nossa disciplina coletiva. O antigo entusiasmo por justia social, igualdade econmica, direitos humanos, desenvolvimento sustentvel, liberdade poltica ou simplesmente por um mundo melhor entusiasmo que atraiu tantos de ns para a sociologia drenado para a busca de credenciais acadmicas. O progresso tornou-se essa bateria de tcnicas disciplinares: cursos padronizados, bibliografias validadas, hierarquias burocrticas, exames intensivos, resenhas de literatura, dissertaes padronizadas, julgamento de publicaes, o todo poderoso Curriculum Lattes, a procura por trabalho e por estabilidade no emprego; e da ento policiar todos os colegas e sucessores para garantir que marchemos no mesmo passo. (BURAWOY, 2009, p. 19)
O anseio por se inserir no rol das cincias levou a sociologia, especialmente, a um
fechamento para si e a um distanciamento para fora dos crculos acadmicos. Estamos em
dilogo apenas com ns mesmos, nossas pesquisas visam a satisfazer e dar respostas
exclusivamente a comunidade acadmica. A aceitao perante a intelectualidade torna-se o
objetivo central. Da a obsesso pela tcnica, pela linguagem rebuscada, pela escolha de temas
superficiais.
Seguindo a diviso dos trabalhos proposta por Burawoy para a sociologia, acredito que
existe atualmente uma predominncia nas cincias sociais pelas vertentes: Profissional e
para Polticas Pblicas. A Sociologia para Polticas Pblicas se refere ao conhecimento
produzido na forma de servio para um cliente especfico (ONGs, empresas ou fundaes
privadas, governos municipais e estaduais, polticos, candidatos ou indivduos quaisquer),
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cujo objetivo pensar solues para problemas especficos apresentados ou legitimar
cientificamente determinadas alternativas propostas (BURAWOY, 2009, p. 29). Sociologia
Profissional compete fundamentar teorias e conceitos acerca da realidade. Legitima-se com
base nas normas cientficas, fecha-se no seu nicho acadmico e distancia-se dos sujeitos a
qual ela acredita representar atravs de suas teorias. No h um apontamento para uma
insero prtica.
Em resposta, Burawoy apresenta o seu conceito de Sociologia Pblica, que pode ser
definido como:
[...] um estilo de se fazer sociologia que poderamos qualificar de engajada e que no confunde a indispensvel busca da objetividade cientfica com todas as exigncias ticas e compromissos valorativos inerentes a essa busca com adoo ostensiva de uma neutralidade moral ou mesmo poltica. Ao contrrio, um estilo de fazer sociologia que procura iluminar os elos existentes entre os problemas privados e os desafios pblicos a partir da centralidade axiolgica dos conhecimentos dos subalternos. Trata-se, antes de tudo, de um estilo na medida em que supe uma maneira de escrever e de se comunicar com diferentes pblicos, alm de supor, tambm, uma modalidade determinada de engajamento intelectual. (BRAGA, 2009, p. 111)
Apesar de concordar com a defesa pelo engajamento intelectual e a necessidade de
dialogar com os conhecimentos marginalizados, o conceito pblico demasiado
abrangente, no diz a que pblico se refere, para quem estamos produzindo conhecimento.
Por ser a prpria sociedade civil um campo de disputa e pela multiplicidade de pblicos,
preciso delimitar com quem pretendemos dialogar. Seria ingnuo pensarmos que no estamos
num campo de disputas entre os setores mais conservadores e os setores oprimidos tentando
impulsionar uma contra-hegemonia.
Nesse sentido, recupero o conceito de intelectual orgnico de Gramsci, que amplia o
termo a uma diversidade vasta de categorias de intelectuais. Segundo ele (GRAMSCI, 2010,
p. 19):
[...] em qualquer trabalho fsico, mesmo no mais mecnico e degradado, existe um mnimo de qualificao tcnica, isto , um mnimo de atividade intelectual criadora [...]. Por isso seria possvel dizer que todos os homens so intelectuais, mas nem todos os homens tm na sociedade a funo de intelectuais.
Rompendo com distanciamento dos intelectuais tradicionais, ele valoriza o saber
popular, o conhecimento da prtica cotidiana. A capacidade intelectual, crtica, reflexiva no
monoplio de poucos, da a necessidade do dilogo as diversas categorias de intelectuais
orgnicos. Pois, ainda que se distingam em diferentes categorias de intelectuais,
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(PORTELLI, 1997, p. 84): [...] todos tm em comum o vnculo mais ou menos estreito que
os liga a uma classe determinada. Ou seja, ainda que se coloquem numa posio de
neutralidade, alheios as disputas polticas, refugiando-se em crculos fechados da
intelligentsia, a intelectualidade tradicional existente hoje atua, consciente ou no, a servio
da manuteno do status quo, na medida em que o no-engajamento, a falsa neutralidade,
corrobore com os interesses da classe dominante.
Portanto, penso que vivemos hoje num perodo de resistncia do pensamento contra-
hegemnico nas cincias sociais, crtico as bases estruturais do sistema, e engajado na luta
pela transformao radical da sociedade. Naquilo que Florestan Fernandes definiu como uma
sociologia crtica e militante, numa articulao orgnica da anlise objetiva da realidade
com a participao ativa na ao transformadora.
A pesquisa na UFC: um olhar sobre as Cincias Sociais e a Engenharia de
Teleinformtica
Tendo como recorte de anlise, os Departamentos de Cincias Sociais e de Engenharia
de Teleinformtica, aponto trs elementos para anlise, extrados da pesquisa de campo
realizada. O primeiro ponto diz respeito s condies de pesquisa atualmente. Apesar da
maioria dos professores terem ressaltado um avano nas condies para realizar a pesquisa
nos dias de hoje, houve opinies que expressavam um descontentamento com relao aos
critrios elencados pelas agncias. Segundo afirmado por C, as pesquisas na rea das
cincias humanas so desprestigiadas e tm menos apoio para se obter financiamento se
comparado as pesquisas na rea das tecnologias:
A pesquisa scio-antropolgica, qualitativa ainda muito secundarizada em relao as outras pesquisas que tem algum tipo de utilizao de gerar um produto, uma inovao tecnolgica, que a sim esse tipo de atividade de pesquisa facilmente encontra um meio de financiamento.
Um indicativo o levantamento dos projetos de pesquisa, no qual pude constatar que o
Departamento de Engenharia de Teleinformtica conta atualmente com 26 professores no seu
corpo docente e teve um total de 134 projetos de pesquisa no perodo citado. No que se refere
ao Departamento de Cincias Sociais, atualmente, o departamento conta com 35 professores e
teve um total de 63 projetos de pesquisa no mesmo perodo (2004-2011). Mesmo com um
nmero maior de professores, o nmero de projetos no departamento de Cincias Sociais
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praticamente a metade do nmero de projetos do departamento de Engenharia de
Teleinformtica. Observa-se a discrepncia no nmero de projetos entre os dois
departamentos. Esses dados so elucidativos do privilgio dado pelas agncias de fomento
pblicas para determinadas reas, ditas estratgicas, em detrimento da pesquisa bsica na
rea das cincias humanas.
Mesmo dentro das cincias humanas, segundo B, existe um maior incentivo para
determinados temas. Segundo B, h uma transposio para as cincias humanas da lgica
advinda da rea das tecnologias de pesquisar para o que o mercado necessita:
A gente comea mais a se aproximar de um modelo de produo para. Ento, para eles essa relao mais direta porque produo para o mercado [...]. A relao entre o produto e o uso do produto, ou seja, a transformao dele mesmo numa pea para o mercado mais rpida. A nossa no, mas a lgica comea a se tornar essa mesma. Ns estamos produzindo para. Se a gente for pegar os indicadores de financiamento nos ltimos cinco anos, se a gente for ver, dentro das temticas gerais das cincias sociais, quais so aquelas temticas que tem tido mais financiamento. Vo aparecer umas e no vo aparecer outras. Quais so as que vo aparecer? As [pesquisas] que tem um apelo imediato maior dos dramas sociais que a gente v acontecendo ao redor de ns [...].
Outro aspecto ressaltado tambm a lgica competitiva imposta pelas agncias que
priorizam os pesquisadores sniors, ao passo que os pesquisadores iniciantes acirram uma
disputa pelo financiamento que resta. o que nos diz C:
As agncias de fomento privilegiam os pesquisadores sniors, os pesquisadores mais novos entram numa disputa muito desigual com os mais antigos. Ento a lgica quem tem continua a ter e quem no tem ainda vai ter que ralar muito para chegar a ter uma bolsa de pesquisa do CNPq.
Essa competio por angariar recursos para a pesquisa junto s agncias financiadoras,
assim como a adequao aos temas pr-estabelecidos, altera tanto o carter da pesquisa
quanto o trabalho do professor. Como afirma B, A pesquisa se enquadra na lgica do
mercado e o professor se torna o negociador do seu produto que a pesquisa.
A pesquisa est virando um negcio, s que a gente tem que ser tambm negociador do negcio que a gente est fazendo. Sobre essa questo do financiamento externo, queiramos ou no a gente acaba tendo uma predisposio sobre aquilo que vai ser financiado. [...] se quiser fazer parte desse sistema, voc tem que entrar nisso, essa que a verdade, mas num tem jeito no, a gente tem que entrar. [...] Hoje em dia professor tem que viver de edital tambm, se ele no quiser ser s um professor que d aula.
Essa exigncia por publicao o cerne da lgica produtivista da universidade da qual
os professores ficam sujeitos. A possibilidade ascenso na carreira docente, hoje, est
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subjugada diretamente a produo de conhecimento e, principalmente, a publicao em
revistas, peridicos ou eventos acadmicos. Como afirma 3, no h alternativas para os
professores que pela prpria condio so exigidos a se inserirem nessa lgica:
[...] a sua carreira precisa de pesquisa, seno voc no progride, do ponto de vista da carreira docente. O docente s progride se ele fizer pesquisa. Chega um determinado ponto da carreira dele que ele pra, ele no passa para os nveis seguintes se ele no tiver feito pesquisa. Ento, ele precisa fazer pesquisa.
Outro aspecto a ser destacado acerca da relao entre a universidade e as demandas
da sociedade. No caso do Departamento de Engenharia de Teleinformtica, pude observar, a
partir das entrevistas, que a produo para o mercado percebida praticamente como o nico
meio vivel para que a universidade possa dar um retorno sociedade.
As parcerias com as empresas privadas, no contexto no s da Engenharia de
Teleinformtica, mas da universidade de uma forma geral, so bem recebidas, pois essas
parcerias envolvem: a concesso de bolsas, aquisio de equipamentos e at a construo de
salas e laboratrios. Isto , a responsabilidade pelo financiamento da universidade (melhoria
da infra-estrutura fsica, concesso de bolsas, etc.) que deveria caber ao Estado transferida
para a iniciativa privada.
Portanto, a grande maioria dos professores considera natural e, mais ainda,
necessria a parceria entre as universidades e as empresas. Segundo afirmao de 4, as
parcerias so importantes no apenas como um mecanismo de financiamento das pesquisas,
mas tambm como uma interlocuo da universidade com a sociedade.
Eu acho que o conhecimento j na universidade no s pode como deve ser transferido e transformado em termos de tecnologia para que possa beneficiar toda a populao brasileira, inclusive as suas indstrias, porque afina de contas quem gera os empregos dessas pessoas. Por isso, eu acho que tem que haver uma aproximao, seno ns vamos estar gerando conhecimento pelo conhecimento [...].
Afora essas parcerias, existe uma dificuldade em pensar como os resultados dos
trabalhos produzidos podem trazer benefcios para a sociedade. A extenso - um dos pilares
do trip universitrio - poderia ser, segundo o professor 5, uma forma de possibilitar uma
interlocuo entre a universidade e a sociedade. Contudo, como citado por 5, a extenso
desprestigiada e os professores no se sentem motivados para desenvolver tais atividades:
O pesquisador que deseja realmente ver seu trabalho ter uma relevncia social precisa praticamente de um projeto que transforme essa idia, esse resultado em algo tangvel. Esse conhecimento precisa ser burilado, trabalhado, transformado. A vem um pouco a noo de
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extenso. [...] [Entretanto] o que d prestgio ao professor a pesquisa mais bsica. Ento nem todos os professores se sentem motivados para pegar suas pesquisas e dar esse passo adicional e levar a sociedade. No h reconhecimento. [...] A extenso nem sempre tem o mesmo peso, o prestgio da pesquisa.
Quando questionados se h um direcionamento da pesquisa por parte das empresas, os
professores acreditam que h um acordo em que se assegura tanto os interesses das empresas
como da prpria universidade, isto , avaliam que de fato a empresa quer garantir seus
interesses e obter vantagens, mas que a universidade tambm tem a ganhar com estas
parcerias tambm. De acordo com 1:
No caso de iniciativa privada um acordo bem bilateral mesmo. A gente se encontra com essas pessoas que so os pesquisadores das indstrias e a gente ouve os interesses deles e eles vem o que a gente t fazendo, e a gente tenta elaborar uma proposta baseada no interesse comum da indstria e da academia.
Porm, se no h, como foi dito, um direcionamento direto na temtica envolvida, por
outro lado, a qualificao dos alunos nos projetos financiados essencial para a formao de
mo-de-obra que ser absorvida por essas empresas, como declara 3:
Eles tm um interesse meramente didtico de formar os alunos, formar um corpo discente, que quando vier a sair da universidade seja detentor do conhecimento dos seus equipamentos. Porque aqui dentro do laboratrio tem equipamentos deles. Primeiro, eles esto sendo formados com equipamentos que vo ser utilizados quando eles sarem da universidade e forem arrumar os seus empregos, ento, vo ter os equipamentos l e eles vo ter que aprender a usar. Ento, se j aprenderam aqui, eles vo ser profissionais mais capacitados quando sarem. Ento, essa uma preocupao da prpria empresa que financia. A segunda preocupao econmica, mas no to clara talvez como essa sua pergunta. Qual a preocupao econmica que eu digo? A preocupao a seguinte: se aqui dentro foram formados profissionais que utilizam os equipamentos dessa empresa e esses profissionais quando formados vo para as indstrias, vo para o mercado, esses profissionais no mercado vo utilizar que equipamentos? Vo querer utilizar que equipamentos? Vo utilizar aqueles que eles usaram aqui dentro. Ento, quer queira quer no, quando eles estiverem na posio de decidir qual equipamento comprar? [...] Eles vo indicar o qu? Equipamentos que eles utilizaram e que so equipamentos de ponta de uma empresa reconhecida. Ento, o objetivo talvez de uma empresa quando financia seja de direcionar nesse aspecto.
No caso das cincias sociais, acredito que h um fechamento dentro de um crculo
fechado que a comunidade acadmica. Em geral, os resultados das pesquisas so publicados
em captulos de livros, artigos cientficos ou apresentados em congressos ou encontros da
rea. Ou seja, o pblico atingido extremamente limitado e, geralmente, restringe-se
basicamente ao pblico ligado as universidades ou a esfera governamental.
Percebi poucas iniciativas em divulgar os trabalhos em espaos coletivos mais amplos,
como, por exemplo, atravs de seminrios e debates com movimentos sociais, o que j seria
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um avano frente ao distanciamento existente hoje. No entanto, penso que necessrio que os
movimentos sociais e organizaes populares sejam protagonistas tambm das pesquisas, no
apenas como objetos de estudo, mas sujeitos desse processo.
Essa vinculao com os movimentos sociais importante, pois demarca o carter da
pesquisa cientfica como uma atividade coletiva no somente no que se refere a sua
execuo -, mas especialmente na sua vinculao com algum movimento social ou
organizao popular, ou seja, uma pesquisa cuja funo no suprir um anseio individual,
uma mera curiosidade do pesquisador ou at mesmo como meio para ascenso no cargo
profissional. Ao contrrio, com uma funo social claramente voltada para os setores
oprimidos da sociedade e, mais ainda, com uma perspectiva mais ampla de transformao
dessa sociedade.
Consideraes finais
Tentou-se, neste trabalho, trazer uma reflexo crtica acerca da produo cientfica no
contexto da universidade pblica nos dias de hoje. Observo que a pesquisa na universidade
fica subjugada aos incertos financiamentos advindos ou das agncias de fomento que
privilegiam determinadas reas ou temticas, ou de empresas privadas que buscam atravs das
parceiras a formao de mo-de-obra qualificada, servios realizados dentro da prpria
universidade ou produtos resultantes das pesquisas.
A Lei de Inovao Tecnolgica impulsionou sobremaneira as parcerias entre a
universidade e a iniciativa privada. Em conseqncia, a lgica mercantil se consolida nas
universidades pblicas, de modo que para muitos professores, a produo para o mercado o
veculo de interlocuo da universidade com a sociedade.
No mbito das Cincias Sociais, h uma predominncia da pesquisa estritamente
acadmica, fechada nos seus estreitos crculos, desvinculada dos dilemas sociais. Ressalto a
necessidade de repensar tanto o carter como o prprio ato de pesquisar, apontado a
necessidade (re)engajamento dos prprios pesquisadores e intelectuais.
Este artigo se prope a contribuir para uma reflexo acerca dos rumos da universidade
e se coloca na defesa por uma pesquisa pblica e voltada para as demandas sociais.
REFERNCIAS
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AS POLTICAS EDUCACIONAIS LUZ DO PENSAMENTO SOCIAL
BRASILEIRO: CONTRIBUIES AO DEBATE SOBRE A POLTICA DE
ASSISTNCIA ESTUDANTIL NAS IFES
Clara Martins do NascimentoPrograma de Ps-graduao em Servio Social
Universidade Federal de Pernambuco, CNPq
RESUMO: A teoria da histria em Marx nos alerta que o movimento de apropriar-se da realidade social somente possvel se for considerado o fato de que no h uma relao de exterioridade na pesquisa do scio-histrico, h uma relao de autoimplicao, que no uma relao de identidade, mas uma relao de unidade 1. Tendo em vista que pensar as Polticas Educacionais de ensino superior na atualidade requer situ-las historicamente, a proposta do presente artigo a de incorporar discusso sobre as suas configuraes duas questes centrais abordadas nos clssicos do pensamento social brasileiro: o continusmo de seu sistema poltico do Brasil e a instaurao de seu Estado de modelo autocrtico burgus. Situar a Assistncia Estudantil nesta discusso questionar-se sobre: quais foram e so os pilares que sustentam as decises polticas no mbito da educao no Brasil? Sob que condies a pauta da educao superior ganhou centralidade na agenda poltica do pas? As caractersticas concernentes formao do Estado brasileiro e sua relao com os interesses internacionais perpassam o contedo das Polticas Educacionais no cenrio atual, e se relacionam diretamente com as decises polticas adotadas na histria da educao no pas. Assim, a educao expressa o resultado das relaes de fora presente na sociedade e traduz o projeto poltico que o Brasil empenhou-se em desenvolver. Tal movimento nos permite perceber que o papel da Assistncia Estudantil nas IFES2, para alm de contribuir para a democratizao da permanncia do estudante no ensino superior, da forma como est estruturada afirma tambm sua funcionalidade materializao das exigncias feitas pelos organismos multilaterais aos pases perifricos.
Palavras-chaves: Polticas educacionais. Assistncia Estudantil. Estado.
1. Introduo
Analisando o movimento da burguesia no Brasil, nos sculo XIX e XX, a partir dos
clssicos do pensamento social brasileiro, vemos que a sua natureza e funo se deu, nos
diferentes momentos histricos, na tentativa de reafirmar e contribuir para reproduo da
ordem do capital, possvel atravs da interao firmada entre a dominao burguesa e as
transformaes capitalistas nos pases perifricos.
Em busca da conquista do Estado Nacional brasileiro, a burguesia, tendo em vista a
defesa de seus interesses, adapta-se as transformaes capitalistas em curso, inclusive atuando
no oferecimento de condies ideais para que estas transformaes se reproduzissem com
1Fala do Prof. Jos Paulo Netto no IV Seminrio Nacional de Estudos e Pesquisas "Histria, Sociedade e Educao no Brasil, 1997.
2 Instituies Federais de Ensino Superior.
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(...) potencialidades estruturais e dinmicas para absorver e acompanhar os ritmos
histricos das economias capitalistas centrais e hegemnicas. (FERNANDES, 1974: 309).
A racionalidade burguesa apontada por Florestan Fernandes permitiu que (...) as classes
burguesas procurassem compatibilizar revoluo nacional com capitalismo dependente e
subdesenvolvimento relativo (...).
Partindo de tais consideraes possvel perceber que as decises polticas adotadas
no Brasil, esteve h sculos em consonncia com o modelo econmico instaurado, sendo
assim, apropriar-se do movimento do sistema poltico do pas passo fundamental para o
entendimento dos desafios postos a operacionalizao de suas Polticas Sociais. Apropriar-se
do debate sobre a formao social do pas nos d subsdios para analisar certas tendncias e
paradigmas presentes no mbito destas Polticas.
Est a o foco da teoria da histria de Marx que nos mantm alerta para o equvoco da
fragmentao do nosso olhar sobre o social. Ou seja, o movimento de apropriar-se da
realidade social somente possvel se for considerado o fato de que no h uma relao de
exterioridade na pesquisa do scio-histrico, h uma relao de autoimplicao, que no
uma relao de identidade, mas uma relao de unidade. (Fala do Prof. Jos Paulo Netto no
IV Seminrio Nacional de Estudos e Pesquisas "Histria, Sociedade e Educao no Brasil,
1997).
Pensar as Polticas Educacionais na atualidade significa situ-las historicamente, e isso
implica partir das preocupaes fundamentais que perpassam o pensamento social do Brasil.
Assim, a proposta do presente artigo a de incorporar discusso sobre as configuraes
atuais destas Polticas duas questes que julgamos serem centrais abordadas nos clssicos do
pensamento social brasileiro: o continusmo de seu sistema poltico e a instaurao de seu
Estado de modelo autocrtico burgus3 comprometido com os interesses da ordem econmica
vigente.
Situar a Poltica de Assistncia Estudantil nesta discusso questionar-se sobre: quais
foram e so os pilares que sustentam as decises polticas no mbito da educao no Brasil?
Sob que condies a pauta da educao superior entrou com mais fora na agenda poltica
brasileira? O que motivou a centralidade dada questo educacional na agenda brasileira?
3Autocrtico aqui no quer dizer necessariamente ditatorial, muito embora, a ditadura tambm se expresse nos governos autocrticos. autocracia um conceito que diz respeito mais a forma de organizao do poder do que de exerccio do poder. Ou seja, autocracia no sinnimo de ditadura. Podem coincidir, mas ele diz respeito forma de organizao e no de exerccio do poder. A idia, enfim, est mais ligada ao usufruto privatista do poder. (http://www.achegas.net/numero/31/col_andre_31.pdf. Acesso em junho de 2011)
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Para o alcance de tais objetivos estruturamos nossas reflexes em dois momentos.
Num primeiro momento sintetizamos a abordagem dos clssicos do pensamento social
brasileiro e suas reflexes a cerca continusmo que se faz presente no sistema poltico
brasileiro, orientado por um Estado de modelo autocrtico burgus, num segundo momento,
traando um cenrio geral da Polticas Educacionais na atualidade, tentamos perceber como
essas duas questes no pensamento social do Brasil contribuem para o entedimento dos rumos
tomados pela educao superior no pas, e como pensar a Poltica de Assistncia Estudantil
luz dessa discusso. O nosso marco histrico para compreenso da educao superior no
Brasil o perodo ditatorial (1964 a 1969) em que houve a reformulao da Poltica
Educacional de acordo com os interesses da autocracia burguesa, e dentro desse contexto
registrou-se entraves ao acesso e permanncia dos estudantes a universidade.
2. O pensamento social do Brasil e as polticas educacionais
A um corpo renovador, expansivo e criador, se agregam em convivncia relutante,
naes modernizadoras, em constante adaptao, mas dentro de projees de seu prprio passado,
de sua histria lanada em outro rumo. (Raimundo Faoro, Os donos do Poder)
interessante pensarmos sobre qual o trao mais marcante do sistema poltico
brasileiro apontado na literatura dos grandes nomes do seu pensamento social. Neste ponto, se
recorrermos aos clssicos desta literatura, tais como Fernandes (1974), Prado Jnior (1977),
Raimundo Faoro (2000) e Chau (2000) veremos que mesmo diante de diferentes perspectivas
tericas, os autores compartilham da idia de que o continusmo marca a histria do Brasil.
E o que significa dizer isto?
Significa afirmar que o sistema poltico brasileiro4 convive com os resqucios do seu
passado enquanto colnia de explorao, tendo em vista que o sentido de sua colonizao
foi orientado por interesses mercantis, voltado ao atendimento de objetivos exteriores. Foi sob
tais condies que se organizou a sociedade e a economia brasileira. A colnia brasileira foi
puramente produtora industrial. (PRADO JR, 1977).
Nos argumentos de Raimundo Faoro (2000) percebemos a resistncia secular da
estrutura brasileira na sua estrutura patrimonial medida que o autor considera que o
patrimonialismo sempre esteve presente na histria do pas, incentivando a economia ou
4 Entendemos o sistema poltico brasileiro no conjunto de suas relaes sociais, econmicas e polticas.
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interessado no desenvolvimento econmico sob o comando poltico. (FAORO, 2000).
Considera que a instaurao do capitalismo moderno no pas ocorreu mediante sua
acomodao ao antigo sistema poltico, no conseguindo rompeu sua estrutura anterior.
No mesmo sentido que Chau (2000) constri suas reflexes a cerca das
particularidades histricas brasileiras partindo da idia da presena de semiforos5 que
permitiram a constante re-atualizao do passado histrico brasileiro sob novas roupagens.
Realizando um resgate histrico da formao social do Brasil, a autora revela como a nossa
idia de nao foi sendo construda orientada por interesses econmicos externos.
Por esta via de pensamento, a concepo de que o entendimento do Brasil
contemporneo se d a partir do entendimento do Brasil colonial tem fora at os dias atuais,
sendo assim, o Brasil contemporneo se define em: o passado colonial que se balanceia e
encerra com o sculo XVIII mais as transformaes que se sucederam no decorrer do
centnio anterior e do atual. (JNIOR, 1977: 10). O trao do continusmo presente no
sistema poltico brasileiro serviu aos interesses de seu Estado de modelo autocrtico burgus
no seu processo de legitimao e manuteno da ordem.
Ou seja, no que diz respeito s Revolues Nacionais que ocorreram no Brasil,
Fernandes (1974), nos traz que as mesmas foram motivadas pelos interesses particularistas de
sua autocracia burguesa empenhada na manuteno de um capitalismo dependente e
subdesenvolvido. A Revoluo Institucional de 1964, assim como a Primeira Repblica, a
revoluo liberal de 1930, o Estado Novo e os governos nacionalistas, Vargas, Kubitschek
foram a base poltica das transformaes capitalistas no pas. Para o autor as revolues que
ocorreram no pas foram todas no sentido de assegurar a consolidao da dominao
burguesa ao nvel poltico, de modo a criar a base poltica necessria continuidade da
transformao capitalista (...). (FERNANDES, 1974: 302).
Por isso que o que entra em jogo na base poltica brasileira, no so compulses
igualitrias de uma comunidade poltica nacional, mas sim o alcance de interesses de classe
universalizados, impostos por mediao do estado a toda comunidade nacional de modo
coercitivo e legtimo (...). (FERNANDES, 1974: 301). Esta definio do processo do sistema
poltico brasileiro que se movimenta na direo da defesa de interesses particulares, de classe,
tratados de forma universal, perpassa a prpria definio do Estado presente na teoria
marxiana.
5 O semiforo era a comunicao com o invisvel, um signo vindo do passado ou dos cus, carregando uma significao com conseqncias presentes e futuras para os homens. (CHAU, 2000: 8).
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Coutinho (2008) luz desta teoria nos apresenta o Estado como um Estado de
classe, no como sendo a encarnao da razo universal, mas sim uma entidade particular
que, em nome de um suposto interesse geral, defende os interesses comuns de uma classe
particular. (COUTINHO, 2008: 19). Na sua interpretao da teoria marxiana o autor nos
traz que:
Marx e Engels no se limitam a mostrar a natureza de classe do Estado, indicam ainda como essa defesa dos interesses de uma classe particular se processa precisamente atravs do fato de que o Estado, numa sociedade dividida em classes assume o monoplio da representao de tudo o que comum (ou universal). (COUTINHO, 2008: 19).
De tal modo, no podemos pensar as Polticas Sociais no Brasil sem antes fazer uma
leitura crtica da estruturao de seu Estado, do seu povo, da sua economia. Tal como nos
afirmou BEHRING (2009) que a condio histrica e social da poltica social deve ser
extrada do movimento da sociedade burguesa, em geral e tambm dos nas manifestaes
particulares nos Estados Nacionais. (BEHRINHG, 2009:304). A Poltica Social como
processo reveladora da interao de um conjunto muito rico de determinaes
econmicas, polticas e culturais. (BEHRINHG, 2009:303).
primordial pensar que diferente das Polticas Sociais dos pases capitalista
avanados, que nasceram livres da dependncia econmica e do domnio colonialista, o
sistema de bem-estar brasileiro sempre expressou as limitaes decorrentes dessas
injunes. (PEREIRA, 2008:125). Esta mesma autora, fazendo uma leitura de Esping-
Andersen (1991), autor referncia nesta temtica, nos traz que as Polticas Sociais brasileiras
foram guiadas por um Estado que se caracterizou por uma combinao de elementos:
Por intervenes pblicas tpicas e seletivas, prprias dos modelos liberais, adoo de medidas autoritrias e conservadoras, tpicas dos modelos conservadores, e ainda, estabelecimento de esquemas universais e no contributivos de distribuio de benefcios e servios, caractersticos dos regimes social-democratas. (PEREIRA, 2008: 127).
2.1 Expresses da autocracia e do continusmo nas Polticas Educacionais.
No que cerne a Poltica de Educao, revisitando o histrico da educao superior no
mundo, vemos que os pases desenvolvidos investiram nesta poltica somente no sculo XIX
com a finalidade principal de atender as demandas de industrializao com a formao de
mo de obra. No Brasil, somente na dcada de 1930 comea a se pensar a educao superior
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como questo nacional6 com o objetivo semelhante ao do contexto mundial: atender a
demanda de industrializao do pas. Contudo, no perodo ditatorial (1964-1985) que as
Polticas Educacionais de Ensino Superior assumem posio de destaque na agenda poltica
brasileira, ao ser evidenciada sua funcionalidade a instaurao do sistema poltico vigente.
Este perodo um marco para a estruturao e expanso destas Polticas.
Netto (1997) ao comentar sobre a funo da educao superior na ditadura brasileira
destaca a proposta do governo na sua tentativa de modelar atravs da Poltica Educacional,
o sistema institucional de ensino, conforme as exigncias imediatas e estratgicas do projeto
modernizador. (NETTO, 2007: 54). Nas palavras do autor:
O regime autocrtico burgus, redefinindo-se na vertente do militar-fascismo, comea a instaurar o seu modelo educacional, congruente com a concretizao do seu modelo econmico. Estabelece-se, enfim, a compatibilizao funcional-operativa entre a poltica educacional e o conjunto da poltica social da ditadura. (NETTO, 2007: 59).
Recuperar a funo que desempenharam as Polticas Educacionais neste perodo e a
prpria concepo de educao superior que as orientava - tarefa fundamental para
apropriar-se de suas configuraes atuais, uma vez que consideramos o continusmo como
trao marcante na histria poltica brasileira. Sobre este ponto, o autor Prado Jr. (1977) na sua
anlise sobre a formao do Brasil contemporneo ainda na dcada de 1940, j nos afirmou:
Os problemas brasileiros de hoje, os fundamentais, pode-se dizer que j estavam definidos e postos em equao h 150 anos atrs e da soluo de muitos deles, para que nem sempre atentamos devidamente, que depende a de outros em que hoje nos esforamos inutilmente. (PRADO JR, 1977:12).
Sendo o Brasil um pas que possibilita no mbito da sua formao social espao para
convivncia entre o velho e novo, podemos afirmar com convico que as configuraes
atuais das Polticas Educacionais apresentam traos de continuidade com a proposta posta a
educao superior pelo Estado autocrtico burgus instaurado em 19607. Isso quer dizer que a
Poltica Educacional, assim como no perodo ditatorial continua servindo a interesses
econmicos. A mudana estrutural que se deu no mbito da educao no Brasil em
consonncia com o projeto neoliberal que d o direcionamento da Poltica de educao no
6 Em 1931, a Reforma Francisco Campos, partindo de um diagnstico da educao nacional props diretrizes para a construo de uma Poltica de Educao Superior.
7 Sem desconsiderar as especificidades de seus respectivos momentos histrico.
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Brasil hoje tem em essncia o mesmo sentido da mudana que ocorreu no perodo ditatorial
brasileiro, sendo este: atender aos interesses do grande capital.
a que reside a centralidade da questo para o entendimento das Polticas Sociais no
Brasil: o modelo de Poltica Educacional que temos hoje o modelo educacional da
autocracia burguesa. Os esforos feitos na educao ainda fazem parte de um projeto de
governo mais amplo, cujo objetivo o de elevar o Brasil a categoria de potncia emergente,
para isso tendo que lidar com a intensificao da interferncia de Agncias Internacionais
na definio de polticas sociais economicamente rentveis (...). (PEREIRA, 2008: 139). Tal
como se caracterizou a Poltica Educacional do perodo ditatorial que teve como principal
funo preparar recursos humanos para o desenvolvimento econmico.
A mudana estrutural que ocorreu na educao com a ditadura foi uma resposta a
necessidade de legitimao do modelo poltico econmico que se instaurava no pas, assim
como hoje organizar a educao para estar de acordo com o contexto poltico econmico da
conjuntura de um capitalismo mundializado. As polticas neoliberais que orientam as polticas
sociais no Brasil tm em vista a insero do pas na dinmica do capitalismo contemporneo.
Behring (2003) nos apresenta as linhas gerais destas polticas: (...) so marcadas pela busca
da rentabilidade do capital por meio da reestruturao produtiva e da mundializao:
atratividade, adaptao, flexibilidade e competitividade. (BEHRING, 2003:59).
Dito isto, fica a questo: como pensar as configuraes da Poltica de Assistncia
Estudantil enquanto Poltica Educacional hoje?
3. O cenrio atual da poltica educacional de assistncia estudantil
Falar de educao no Brasil dar nfase a discusso das reformas educacionais no
pas, principalmente no que diz respeito ao ensino superior8. O contexto em que estas
reformas se inserem congruente com um novo modelo de Estado - reduzido para o mundo
do trabalho e maximizado para o capital9. Sua compreenso perpassa as discusses sobre a
8 No mbito desta temtica chamamos ateno para as pertinentes contribuies trazidas pelo Sindicato Nacional dos Docentes das Instituies de Ensino Superior ANDES-SN movimento que tem como norte a defesa do ensino pblico e gratuito, atuando no sentido de fazer a crtica aos processos de mercantilizao do ensino superior.
9Este novo modelo de Estado tem no projeto implementado pelo Ministro Bresser Pereira tem, na Emenda Constitucional n 19 de 1998, o seu momento emblemtico porque ali se consubstanciou a crescente mercantilizao das polticas pblicas e a privatizao do patrimnio pblico de propriedade do povo brasileiro. (...) A atualizao do objetivo primrio da acumulao capitalista foi garantida pela potencializao dos lucros e pela abertura de novos espaos para a valorizao do capital com a reforma do Estado. (ANDES, 2004: 10).
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Poltica Econmica financista e ancorada em altas taxas de juros vigente no Brasil, sob a
qual este modelo de Estado responde. Neste sentido a principal crtica feita pelos movimentos
sociais sobre a reforma da educao no Brasil na atualidade diz respeito a:
(...) abertura do setor educacional, especialmente da educao superior, para a participao das empresas e grupos estrangeiros, estimulando a utilizao das novas tecnologias educacionais, por meio da educao superior distncia e, c) diversificao das fontes de financiamento da educao superior. (ANDES, 2004: 14).
No que tange as Polticas Educacionais, destacamos o Programa Universidade para
Todos - PROUNI10 que pode ser tomado como um seguro exemplo da transferncia dos
recursos pblicos, por meio de largas isenes de impostos, s universidades particulares.
(ANDES, 2004: 15), e o Programa de Reestruturao e Expanso das Universidades Federais
REUNI cujo objetivo o de melhor aproveitar a estrutura fsica e os recursos humanos
existentes nas IFES, a partir do estabelecimento de metas s universidades, porm recebe a
crtica de no oferecer condies fundamentais ao seu cumprimento, como principais
programas que exemplificam os rumos da reforma da educao hoje. Este o cenrio que a
Poltica de Assistncia Estudantil est inserida.
No que cerne a Assistncia Estudantil, a institucionalizao do Programa Nacional de
Assistncia Estudantil - PNAES atravs do Decreto N 7.234 de 19.07.2010 um importante
avano na luta pela garantia da permanncia do estudante que necessite de Assistncia no
ensino superior, ao modo que incorpora a Assistncia Estudantil Poltica Educacional
operacionalizada nas IFES (junto ao trip ensino, pesquisa e extenso). Este Programa entra
na agenda de discusso sobre a democratizao do ensino superior ao modo que prev no s
a garantia do acesso do estudante ao ensino superior, mas tambm o provimento das
condies necessrias pelas IFES sua permanncia.
Entretanto, a forma como a Poltica est estruturada no interior das IFES sofre
influncia direta da concepo de educao presente no sistema poltico brasileiro, uma vez
que o mesmo vem sendo orientado luz do discurso do novo desenvolvimentismo11. Neste
10 Atravs do PROUNI o governo federal realiza a compra de vagas ociosas das universidades e faculdades particulares, garantindo gratuitamente o acesso dos estudantes de baixa renda ao ensino superior, mediante iseno de impostos a estas instituies de ensino.
11O discurso do novo desenvolvimentismo reorienta as reformas sociais sob a gide da economia externa. No caso da educao superior, suas polticas educacionais organizam-se em torno das exigncias dos organismos multilaterais: Os organismos adeptos desse novo-desenvolvimentismo consideram que algumas polticas e aes so fundamentais para repor na agenda dos pases os mecanismos de distribuio de recursos, de modo a enfrentar a questo da desigualdade, agora com foco na discusso de oportunidade. (MOTTA ET ALL,
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sentido entender a forma como se materializa os objetivos da Poltica de Assistncia ao
Estudante universitrio situ-la numa perspectiva de Estado que a enxerga tambm enquanto
via necessria para dar respostas aos interesses do grande capital, uma vez que uma das
principais exigncias do Banco Mundial o aumento dos ndices de escolaridade dos pases
perifricos12. E a Poltica tem como um de seus objetivos principais a diminuio dos
ndices de evaso e retenso universitria.
Sem desconsiderar o fato de que a Poltica representa um avano para a educao
superior, sendo fruto da grita de movimentos sociais comprometidos com a causa da educao
no Brasil, o problema que sendo orientada pelo discurso do neo-desenvolvimentismo, a
forma como o PNAES implementada nas IFES aproxima a Poltica da lgica dos mnimos
sociais13, sob o argumento de ampliao do nmero de usurios mas que acontece de forma
desarticulada da qualidade dos servios prestados. Sem contar o fato de que suas aes
prevem maiores resultados custa de menores investimentos e a forma como a poltica se
estrutura caminha na lgica das polticas pobres para os pobres!
Por exemplo, quanto aos Programas de Moradia Estudantil, alvo de nossas
investigaes, os estudantes usurios no tm suas necessidades atendidas de forma ampliada:
o trip bolsa, trabalho e moradia, ainda o motor destes programas, no priorizando as aes
de lazer, sade, acesso informtica etc. em grande parte das universidades brasileiras.
Questo que tem haver com a apropriao que o discurso neoliberal faz da concepo de
necessidades bsicas, e termina por direcionar a poltica sob critrios rgidos de seletividade,
luz de argumentos como o da: insuficincia de recursos do Estado.
Ter em mente tais consideraes significa entender que questes estruturais perpassam
os desafios postos a operacionalizao da Polticas de Educao, em especial, a Poltica de
Assistncia Estudantil enquanto estratgia que fortalea o exerccio da educao enquanto
direito. Formular respostas para tais desafios situar as Polticas Sociais dentro de uma
discusso mais ampla, que nos remonta ao pensamento social brasileiro: ao continusmo como
trao marcante do sistema poltico brasileiro, que historicamente foi conduzido por uma
autocracia burguesa comprometida com os interesses do grande capital. Desse modo somos
2010:43).
12Em 2001 o Plano Nacional de Educao estabeleceu a meta de, em 2011, o Brasil contar com 30% dos jovens de 17-24 anos na educao superior.
13Tal concepo releva a discusso das necessidades humanas ao restrito espao das necessidades de sobrevivncia e manuteno.
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levados a pensar: como direcionar a Poltica de Assistncia Estudantil luz do conceito de
necessidades humanas ampliadas num pas que carrega os ranos de seu passado colonial?
4. Consideraes finais
A concepo de educao presente nas Polticas Educacionais na atualidade distancia-
se do objetivo da formao crtica que contribua para a emancipao humana, e constri
laos estreitos com a perspectiva de educao presente no receiturio neoliberal14. A proposta
de uma educao tecnocrtica voltada ao interesse da economia externa, fortalecida no
perodo ditatorial se reafirma junto ao projeto neoliberal que direciona o ensino superior no
Brasil mediante a mercantilizao da educao, pela privatizao das universidades e ingesto
de verbas pblicas em instituies de ensino privadas, imposio dos currculos mnimos,
entre outras medidas que comprometem fortemente a qualidade da formao superior.
As caractersticas concernentes formao do Estado brasileiro e a relao
estabelecida com o mbito internacional perpassam o contedo das Polticas Educacionais no
cenrio atual. Assim a educao expressa o resultado das relaes de foras presentes na
sociedade e traduz o projeto poltico que o Brasil empenhou-se em desenvolver.
Formular respostas para os desafios postos a efetivao da Assistncia Estudantil sob o
ponto de vista do direito educao superior de qualidade, situar tais polticas dentro de
uma discusso mais ampla, que nos remonta ao pensamento social brasileiro e suas
contribuies para o entendimento do continusmo como trao marcante do sistema poltico
brasileiro, que historicamente foi conduzido por uma autocracia burguesa comprometida com
os interesses do grande capital.
O entendimento do processo de formao social do Brasil faz com que a luta por uma
Assistncia Estudantil