Marxismo e Política Superior

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Marxismo e Política Superior

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  • III Encontro Norte/Nordeste Trabalho, Educao e Formao Humana

    Trabalho, Estado e Revoluo

    ANAIS

    Eixo 8 - Marxismo e polticas educacionais: ensino superior

  • Sumrio

    A IMPORTNCIA DO MTODO MARXISTA PARA AS CINCIAS SOCIAIS 2

    A PRODUO DO CONHECIMENTO NA UNIVERSIDADE PBLICA: UM OLHAR SOBRE ASPESQUISAS NAS CINCIAS SOCIAIS E NA ENGENHARIA DE TELEINFORMTICA DA UFC 9

    AS POLTICAS EDUCACIONAIS LUZ DO PENSAMENTO SOCIAL BRASILEIRO:CONTRIBUIES AO DEBATE SOBRE A POLTICA DE ASSISTNCIA ESTUDANTIL NASIFES 24

    CONTRARREFORMA UNIVERSITRIANO GOVERNO DO EX-PRESIDENTE LULA DA SILVA:IMPLICAES PARA O TRABALHO DOCENTE NAS IFES 36

    CONTRIBUIES DA SOCIOLOGIA NA FORMAO DO PEDAGOGO: REFLEXES ACERCADA EXPERINCIA COMO MONITORA DE ENSINO NA DISCIPLINA DE SOCIOLOGIA EEDUCAO I, NA UNEB-DEDC X 52

    EDUCAO SUPERIOR NO CONTEXTO DE CRISE DO CAPITAL: ENTRE AREESTRUTURAO E A PRECARIZAO DO CURSO DE PEDAGOGIA 63

    FORMAO INICIAL DE PROFESSORES E A CRISE DO CAPITAL 80

    INFLUNCIA DA INTENSIFICAO DO TRABALHO DOCENTE EM PS-GRADUAESSTRICTO SENSU NA UFS SOBRE O TEMPO LIVRE/LAZER 93

  • A IMPORTNCIA DO MTODO MARXISTA PARA AS CINCIAS SOCIAIS

    Danielle Alves [email protected]

    Graduanda em Servio Social pela Universidade Estadual do Cear

    Luciane Costa de [email protected]

    Graduanda em Servio Social pela Universidade Estadual do Cear

    Moamy Reis Santiago [email protected]

    Graduanda em Servio Social pela Universidade Estadual do Cear

    Tvila da Silva [email protected]

    Graduanda em Servio Social pela Universidade Estadual do Cear.

    RESUMO: O trabalho trata do estudo e entendimento acerca da teoria marxista e das Cincias Sociais. Assim, tem por objetivo analisar a importncia da teoria e metodologia prprias do pensamento marxista, detectando suas contribuies cientficas para as cincias que estudam os aspectos sociais do mundo humano. As Cincias Sociais constituem um conjunto de estudos aprofundados acerca do homem e do meio social em que este vive, e surgem num momento de transies econmicas e ideolgicas. O Renascimento trouxe consigo o despertar de ideais iluministas, dentro de um contexto no qual iria se desenvolver o antropocentrismo, com a afirmao de que o homem o autor e transformador de sua prpria histria. Mais tarde, surge o pensamento marxista, constitudo de importantes teorias sociais, vinculado a um pensamento filosfico acerca do ser social na sociedade burguesa e a seu processo de constituio e de reproduo. As teorias de Marx fundamentam-se na idia de que a evoluo histrica se d pelos confrontos entre diferentes classes sociais decorrentes da explorao do homem pelo homem. Os mtodos utilizados para a realizao do trabalho foram: pesquisa bibliogrfica e observao participante, esta obtida atravs da atuao como estudantes de cincias sociais aplicadas. Foram obtidos os seguintes resultados: O Marxismo possui grande importncia para as Cincias Sociais, pois significativo para o conhecimento e para o entendimento do ser humano, da sociedade e do mundo. A teoria de Marx no limita-se apenas a aspectos econmicos,com conceitos de lutas de classe, mais valia, etc., mas compreende uma questo bem maior e significativa a que todos esses estudos levam: um estudo crtico e dialtico da sociedade como um todo, de suas relaes, estmulos e respostas, trazendo o homem como ser social e sujeito da histria.

    Palavras-chave: Cincias Sociais. Marxismo. Homem.

    1. Introduo

    As Cincias Sociais constituem um conjunto de estudos aprofundados acerca do

    homem, surgindo num momento de transies econmicas e ideolgicas. O Renascimento

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  • trouxe consigo o despertar de ideais iluministas, que viriam tentar romper com as

    caractersticas feudais, as quais, antes, impunham uma aristocracia teolgica.

    Assim, no contexto de toda essa gama de mudanas de pensamentos iria se

    desenvolver o antropocentrismo, com a afirmao de que o homem o autor e transformador

    de sua prpria histria. Mais tarde, surge o pensamento marxista, constitudo de importantes

    teorias sociais, vinculado a um pensamento filosfico acerca do ser social na sociedade

    burguesa e a seu processo de constituio e de reproduo.

    no mbito da importncia terico-metodolgica do pensamento marxista que

    tentaremos explicar as suas contribuies cientficas para as Cincias Sociais, tentando

    responder a indagao: Quais as contribuies cientficas do mtodo marxista para as

    Cincias Sociais?.

    2. Desenvolvimento

    Partindo do pressuposto de que o movimento histrico da sociedade de produto de

    relaes sociais e de aes recprocas dos homens entre si, no complexo processo de

    reproduo social da vida, chegamos clara evidncia de que o mundo social um mundo de

    relaes, cujas caractersticas constituem o objeto de estudo das Cincias Sociais. Neste

    sentido, a vertente marxista e sua idia principal, que a insero do indivduo numa

    sociedade de classes, so de fundamental importncia para o estudo cientfico do objeto

    social.

    A teoria de Marx abrangente e faz a abordagem dos processos histricos de forma

    grandiosa. Marx estuda uma perspectiva histrica que cerca o objeto de conhecimento, atravs

    da compreenso de todas as suas mediaes. Como matriz terico-metodolgica, a teoria

    social de Marx apreende o ser social a partir das mediaes. Ou seja, parte da posio de que

    a natureza relacional do ser social no percebida em sua imediaticidade. Isso porque a

    estrutura de nossa sociedade, ao mesmo tempo, que pe o ser social como ser de relaes, no

    mesmo instante e pelo mesmo processo, oculta a natureza dessas relaes ao observador

    (NETTO apud TEIXEIRA, 1995).

    O pensamento marxista se fundamenta no materialismo histrico e dialtico. O

    materialismo histrico uma abordagem metodolgica ao estudo da sociedade, de economia e

    da histria. Defende-se, atravs deste, que a evoluo histrica, desde as sociedades mais

    remotas at atual, se d pelos confrontos entre diferentes classes sociais decorrentes da

    explorao do homem pelo homem.

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  • A teoria serve tambm como forma essencial para explicar as relaes entre sujeitos.

    Assim, como exemplos apontados por Marx, temos durante o Feudalismo os servos que

    teriam sido oprimidos pelos senhores, enquanto que no Capitalismo seria a classe operria

    pela burguesia.

    O Marxismo no limita-se apenas a teorias econmicas, com conceitos de lutas de

    classes, mais-valia, etc., o Marxismo compreende uma questo bem maior e significativa a

    que todos esses estudos levam: um estudo crtico e dialtico da sociedade e do seu todo, em

    suas relaes, estmulos e respostas. Um conjunto de idias de cunho filosfico, economista,

    social e poltico. Esse estudo da sociedade enfatiza a compreenso do homem como um ser

    social histrico, com mudanas tambm histricas.

    Para Marx, as relaes sociais permitem compreender e explicar as formas polticas. A

    partir dos relacionamentos interpessoais do indivduo que se pode analisar seu

    comportamento, o da sociedade e analisar a prpria sociedade. A teoria marxista tem como

    base as doutrinas oficiais utilizadas nos pases socialistas, nas sociedades ps-revolucionrias,

    mas acabou assumindo um papel to forte que passou a ser uma corrente poltico-terica

    respeitada e abrangente, influenciando pensadores, inclusive a poltica e a prtica sindical.

    O Materialismo Histrico fundamenta-se na observao da realidade a partir da anlise

    das estruturas e superestruturas que circundam um determinado modo de produo. Nesse

    sentido, a Histria est ligada ao mundo dos homens enquanto produtores de suas condies

    concretas de vida e, portanto, tem sua base fincada nas razes do mundo material, organizado

    por todos aqueles que compem a sociedade.

    Os modos de produo so histricos e devem ser interpretados como uma maneira de

    que os homens encontraram, em suas relaes, para se desenvolverem e dar continuidade

    sua espcie.

    O Materialismo Dialtico prope uma disputa que no seja mais baseada em

    coletividade, mas sim nos indivduos e nos interesses que tm. Bem como a relao destas faz

    gerar de forma dialtica a destruio dos novos modelos de sociedade, de produo, de

    pensamento, e de poder econmico e poltico.

    A partir disto, fica a dvida se pretende a dialtica um discurso prprio da Filosofia ou

    se ela pode ser vista tambm como um entre os vrios mtodos cientficos. H a necessidade

    clara de distino dos tipos de racionalidade e atravs deste caminho que podemos

    determinar a dialtica como paradigma de pensamento.

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  • A teoria marxista abrange uma viso apologtica de princpios axiomticos, ou seja,

    aqueles deduzidos de experincias consideradas universalmente vlidas. O seu objetivo final

    a no existncia de uma teleologia na Histria.

    A metodologia marxista, no tocante s relaes sociais de dominao e de explorao

    constitui verdadeira herana ao estudo social do homem. ratificada, ento, a natureza

    ontolgica do pensamento de Marx, tratando do ser enquanto ser. Porm, para Chasin:

    No h uma questo de mtodo no pensamento marxiano... Se por mtodo entendido uma arrumao operativa, a priori, da subjetividade, consubstanciada por um conjunto normativo de procedimentos, ditos cientficos, com os quais o investigador deve levar a cabo seu trabalho, ento, no h mtodo em Marx. (CHASIN apud TEIXEIRA, 1995, p.389)

    Este autor afirma ter rompido Marx com o mtodo lgico-especulativo para ir alm da

    fundamentao gnosiolgica. E esse ir mais alm possibilitou uma afirmao da ordem

    terico-estrutural da obra marxista, na qual possvel fragmentar sua elaborao em trs

    temas especficos e interligados: 1. A fundamentao onto-prtica do conhecimento, 2. A

    determinao social do pensamento e a presena histrica do objeto e 3. A teoria das

    abstraes.

    A partir destas trs perspectivas, em que se mesclam teoria e prtica, o pensamento

    sendo determinado pela sociedade, a existncia de um objeto, e a teoria das abstraes, de

    acordo novamente com Chasin apud Teixeira (1995) as formas do pensamento constituem-se

    como a expresso de relaes existentes entre os seres, cada um na sua individualidade, a

    conscincia e a linguagem nascendo da necessidade histrica, da carncia de intercmbio

    social.

    Pode-se perceber que tudo isso mistura-se perenemente nos estudos cientficos sociais,

    no havendo dvidas, nem para autores como Chasin, nem para estudiosos em geral, que a

    fundamentao marxista est presente nos referidos estudos.

    Mark define em sua teoria a tarefa do sujeito e rompe de vez com o pensamento

    especulativo, que a seu ver, somente um passo unilateral, na medida em que a meta

    cognitiva do sujeito replasmada por inteiro, sem que, todavia, o prprio sujeito seja

    redeterminado.

    At ento, sujeito e objeto, ainda que reivindicados em sua terrenalidade, ainda no

    eram distinguidos das acepes correntes ou tradicionais, aparecendo como faces simples de

    exterioridades. Eram categoricamente indeterminados, constituindo figuras substantificadas

    um tanto vagas em sua distino e autonomia.

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  • O tratamento diferenciado dos mesmos s veio a emergir, de modo mais explcito e

    elaborado, nas pginas dos Manuscritos de 44 e de A ideologia Alem. Os sujeitos, ento,

    sero determinados como os homens ativos e os objetos enquanto atividade sensvel.

    Em sua teoria, Marx define o trabalho como atividade geradora das relaes humanas.

    O trabalho um processo de produo do novo e de desenvolvimento do nvel de

    sociabilizao do indivduo. O nvel de sociabilizao ultrapassa o de individuao medida

    em que as relaes de trabalho se intensificam.

    O trabalho primitivo, que expressava as relaes homem x natureza, significava uma

    forma de subsistncia em que prevalecia o homem. O trabalho dentro da sociedade burguesa

    representa as relaes homem x mundo, dentro das quais prevalece o capital, num processo

    constante de alienao. Na sociedade do capital, o indivduo deixa de ser apenas um homem

    para se tornar um complexo, da a expresso complexo dos complexos, a qual se refere ao

    homem vivendo em sociedade.

    Srgio Lessa, ao explicar o fenmeno da alienao luz do pensamento de Lukcs, d

    um conceito mais geral ao termo, ao afirmar que ela a negao da essncia humana, no

    tendo nada de natural, sendo puramente social.

    Karl Marx, por sua vez, direciona mais seu entendimento acerca do fenmeno da

    alienao ao trabalho humano. Ele claro ao afirmar que, na sociedade capitalista, quanto

    mais o trabalhador produz, menos ele possui e menos pode ter domnio sobre o seu produto

    ou sobre o seu capital. Isso significa, basicamente, que quanto mais tempo o trabalhador passa

    trabalhando, mais poderoso e rico se torna o proprietrio dos meios de produo e mais pobre

    se torna aquele que produz a riqueza.

    Os dois autores, no entanto, se utilizam de alguns termos semelhantes para expressar

    que o processo de sociabilizao por meio do trabalho marcado profundamente pela

    alienao. A capacidade humana de construir um ambiente, ou seja, a possibilidade de se

    exteriorizar chamada por Lukcs e Lessa de devir-humano dos homens. Atravs dessa

    capacidade, os homens agem favoravelmente sociedade, de modo que possam contribuir

    para o seu desenvolvimento e o de si prprio. Porm, o ato de exteriorizar-se nem sempre

    possui carter positivo.

    O carter negativo da exteriorizao produz obstculos ao devir-humano dos homens,

    e essa negao que pode ser chamada de alienao. Fazendo um paralelo com o mundo

    atual, sabemos que as pessoas vivem ocupadas, cheias de coisas para fazer o tempo todo, com

    inmeras obrigaes. Tantas exigncias acabam por criar conseqncias na vida moderna,

    como o comprometimento psicolgico e mental.

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  • Lukcs, em seu estudo, considera o trabalho a categoria fundante do homem, o que

    d significado ao ser social, essencial para o agir e para as diferentes formas de atividades

    humano-sociais, uma necessidade prpria do mundo dos homens, de estar sempre criando o

    novo. As categorias poprias do trabalho so: prvia-ideao, objetivao, causalidade e

    exteriorizao.

    Mas, com o trabalho, tambm podemos citar a alienao. Lukcs chama esse processo

    de momentos de negatividade, que constituem obstculos, sociogenricos ao devir-humano

    dos homens (LESSA, p. 125). Marx classifica a interconexo essencial entre a propriedade

    privada, a ganncia, a separao de trabalho, capital e propriedade da terra, de troca e

    concorrncia, de valor e desvalorizao dos homens, de monoplio e concorrncia, etc.

    (MARX, p. 148) como toda alienao do sistema monetrio. Ainda na linha de pensamento de

    Marx, pode-se constatar que h uma espcie de inverso de conseqncias no sistema

    capital / trabalho: quanto mais riqueza produz, mais pobre o trabalhador se torna. H uma

    proporo direta entre a valorizao do mundo das coisas e a desvalorizao do mundo dos

    homens, o que faz com que o trabalhador valha menos que as mercadorias que ele prprio

    produz. um trabalho que produz a si mesmo e ao prprio trabalhador como mercadoria.

    Marx enfatiza que a alienao aparece na apropriao, na exteriorizao, assim como

    nos objetos produzidos pelo trabalhador, travando uma relao de quanto mais produo h,

    menos o trabalhador pode possuir e mais ele cai sob o domnio de seu produto, do capital.

    3. Concluso

    Como pudemos perceber, a importncia do Marxismo para as Cincias Sociais no foi

    algo simples, mas sim significativo para o conhecimento e para a percepo e entendimento

    do ser humano, da sociedade e do mundo.

    No decorrer do tempo, o Marxismo foi ganhando mais adeptos e mais aceitao,

    tendo, inclusive, entrado para a Histria. A forma de tratar e estudar o ser social, seu espao e

    relacionamentos serviu de direta referncia para as Cincias Sociais, a qual estuda a vida

    social e seus elementos.

    A metodologia criada por Marx assume um papel importante at nos dias atuais, por

    conter um vasto discurso sobre diversos assuntos, tornando-se relevante para o estudo e

    entendimento da sociedade.

    A teoria de Marx vem sendo exposta como um assunto didtico e teve, inclusive,

    influncia nas Cincias Sociais devido sua maneira de anlise do objeto de estudo o

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  • Homem. Conseqentemente, reflete tambm na sociedade, pois trata das questes que

    interferem diretamente no social, como por exemplo, as formas de trabalho e as formas de

    governo. O Marxismo pode se considerado uma referncia eterna.

    REFERNCIAS

    ANTUNES, Ricardo. Os Sentidos do Trabalho: Ensaio sobre a afirmao e a negao do trabalho. So Paulo: Boitempo, 2001.

    LESSA, Sergio. Para Compreender a Ontologia de Lukcs. Iju RS: Ed. Uniju, 2007.

    MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Histria. 3a Ed. So Paulo: Ed. tica, 1989.

    TEIXEIRA, Francisco Jos Soares. Pensando com Marx: uma leitura crtico-comentada de O Capital. So Paulo: Ensaio, 1995.

    LEFEBVRE, Henri. Sociologia de Marx. Forense: 1996.

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  • A PRODUO DO CONHECIMENTO NA UNIVERSIDADE PBLICA: UM OLHAR

    SOBRE AS PESQUISAS NAS CINCIAS SOCIAIS E NA ENGENHARIA DE

    TELEINFORMTICA DA UFC

    Jonas Menezes [email protected]

    Universidade Federal do Cear

    RESUMO: As reformas implementadas no ensino superior na ltima dcada possibilitaram, no caso das universidades pblicas, uma aproximao maior com a iniciativa privada. Essa aproximao vem consolidando um processo de privatizao interna, de perda do carter pblico e de compromisso social das universidades. Configura-se uma lgica mercantil nas universidades que perpassa a utilizao dos espaos, o trabalho docente, as atividades de ensino, pesquisa e extenso, a organizao administrativa, enfim, conformando-se um ethos mercadolgico nas universidades. Na metodologia utilizada, fiz um levantamento de todos os projetos de pesquisa do corpo docente do Departamento de Cincias Sociais e do Departamento de Engenharia de Teleinformtica da Universidade Federal do Cear, entre 2004 ano em que foi aprovado a Lei de Inovao Tecnolgica e 2011. A seguir, fiz a leitura de alguns projetos de pesquisas e, posteriormente, entrevistei os professores responsveis por esses projetos. Portanto, nesta pesquisa, levanto a hiptese de que a produo cientfica na universidade hoje expressa, por um lado, um processo de mercantilizao do conhecimento produzido e, por outro, o descompromisso com a superao do sistema do capital e a construo de outro modelo de sociedade.

    Palavras-chave: Pesquisa. Universidade. Mercantilizao.

    Introduo

    O artigo que apresento a seguir fruto de uma pesquisa para o trabalho de concluso

    do curso de Cincia Sociais da Universidade Federal do Cear. Trata-se de uma pesquisa,

    iniciada no final de 2010, ainda em fase de concluso. Nesse sentido, um desafio a mais

    buscar sintetizar nesse artigo um trabalho que ainda carece de uma maior reflexo.

    O meu tema de investigao analisar a produo do conhecimento na universidade

    pblica, mais especificamente, na Universidade Federal do Cear, tendo como eixo de anlise

    os trabalhos de pesquisa dos docentes, buscando compreender o carter e a relevncia social

    destas pesquisas.

    Para circunscrever a minha temtica em estudo, iniciei o meu percurso investigativo

    desenvolvendo uma pesquisa exploratria com o intuito de definir o meu lcus de estudo.

    Primeiramente, fiz um levantamento de todos os projetos de pesquisa, entre 2004 e 2011, de

    todos os professores do Departamento de Engenharia de Teleinformtica, por ter sido o

    departamento com o maior nmero de pesquisas financiadas por empresas no Centro de

    Tecnologia1, bem como de todos os projetos de pesquisa de todos os professores do

    1 Unidade acadmica da Universidade Federal do Cear.

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  • Departamento de Cincias Sociais no mesmo perodo. Justifico a minha escolha por ser o

    departamento ao qual realizei os meus estudos de graduao. A minha pretenso com essas

    escolhas era tentar englobar duas reas distintas, exatamente para ter uma perspectiva mais

    ampla da pesquisa na universidade.

    Em seguida, selecionei seis professores de cada departamento com o objetivo de

    realizar uma entrevista semi-estruturada com cada um deles. No caso do Departamento de

    Engenharia de Teleinformtica, os critrios estabelecidos foram: as fontes de financiamento

    dos projetos e a relevncia social das pesquisas. Com relao ao Departamento de Cincias

    Sociais, os critrios foram: as temticas de pesquisa, as unidades curriculares das Cincias

    Sociais - Sociologia, Antropologia e Cincia Poltica - e tambm as fontes de financiamento.

    Por uma questo de tica e tambm com a finalidade de preservar a identidade dos

    professores entrevistados, irei omitir o nome dos referidos sujeitos envolvidos na pesquisa.

    Dessa maneira, utilizo letras para me referir aos professores do Departamento de Cincias

    Sociais e utilizo nmeros para me referir aos professores do Departamento de Engenharia de

    Teleinformtica.

    Aps essa breve introduo, fao uma discusso acerca das transformaes ocorridas

    no ensino superior (RAMOS, 2010; LIMA, 2007; BARRETO, LEHER, 2008; SGUISSARDI,

    et al, 2010), especialmente no caso das universidades pblicas. A seguir, destaco as mudanas

    advindas a partir da Lei de Inovao Tecnolgica (NEVES; PRONKO; 2008) e prossigo,

    dando uma nfase o embate no mbito das Cincias Sociais entre o pensamento crtico e o

    pensamento ps-moderno, no qual fao uma interlocuo com Ruy Braga (2009) e Michel

    Buroway (2009). Finalmente, sintetizo o resultado da pesquisa de campo realizada seguida de

    uma breve concluso.

    A universidade sob a gide da lgica mercantil: formas e vias de privatizao

    A implementao de reformas no ensino superior parte da estratgia pensada pelo

    Banco Mundial para os pases perifricos como a nica alternativa para a reduo da

    pobreza. Difunde-se a noo de que o acesso a educao, por si s, seria o passaporte para a

    empregabilidade e, consequentemente, seria a soluo para o enfrentamento da pobreza.

    Omite-se, contudo, que no haver espao no mercado de trabalho para todos os

    trabalhadores, mesmo porque a existncia de um reserva de desempregados favorvel para

    reproduo do prprio sistema.

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  • Alm disso, a desigualdade econmica existente entre as naes ricas e pobres

    reduzida a uma mera lacuna cientfico-tecnolgica entre os pases, cuja soluo seria a

    formulao e execuo de uma poltica educacional ampla que privilegie a pesquisa, a cincia

    e a tecnologia. Na verdade, o que se configura so polticas de alvio a pobreza e que, na

    prtica, corroboram para a reproduo global do sistema (LIMA, 2007, p. 52).

    Se verdade que a execuo dessas reformas se deu sob imposio e interferncia

    direta desses rgos nas naes perifricas em contrapartida aos emprstimos econmicos

    fornecidos para amortizar o dficit financeiro desses pases; inegvel os interesses das foras

    polticas hegemnicas dos prprios pases em questo. Na realidade as polticas educacionais

    contemplam tanto a presso exercida pelos pases imperialistas, por meio dos organismos

    internacionais, quanto os interesses polticos e econmicos da burguesia e suas fraes que

    detm o poder nos pases perifricos (LIMA, 2005, p. 92).

    Desse modo, para expandir o ensino superior, mesmo reduzindo os gastos pblicos

    para a educao, a soluo encontrada essencialmente atravs da expanso das instituies

    particulares e da privatizao interna das instituies pblicas atravs das parcerias pblico-

    privadas ou por meio da cobrana de taxas e mensalidades (LIMA, 2007, p. 65). Trata-se,

    portanto, de uma ofensiva do capital sobre a educao, uma rea anteriormente caracterizada

    como um direito social, mas que hoje se caracteriza como um mercado altamente lucrativo.

    Percebe-se hoje nas instituies pblicas, a construo de uma lgica mercantil que

    ressignifica a sua funo social, desqualificando o seu carter pblico. Novos parmetros e

    medidas so utilizados para aferir a qualidade da universidade, de modo que noes

    recorrentes na esfera mercantil so transpostas para a universidade como: competitividade,

    empreendedorismo, eficincia, produtividade, flexibilidade, etc (ANDES, 2004, p. 43). Essas

    noes so acompanhadas de mudanas em diversos aspectos nas universidades como, por

    exemplo: mudanas curriculares ajustadas s exigncias do mercado, criao de cursos de

    curta durao ou que atendem a uma necessidade imediata do mercado, restrio utilizao

    dos espaos, transformaes no trabalho docente, mudanas no carter das atividades de

    pesquisa e extenso, etc.

    No caso dos professores, a exigncia constante por uma elevao na produtividade

    acarreta profundas mudanas no seu trabalho. Alm das atividades administrativas e de

    ensino, os professores sofrem cotidianamente a presso para: publicar artigos em peridicos

    nacionais e internacionais, participar de congressos, seminrios, conferncias, palestras,

    orientar alunos da graduao e ps-graduao, dentre outras atividades. Ressalte-se ainda as

    agncias estatais que controlam e avaliam todas as atividades docentes, atuando como um

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  • patro, condicionando o financiamento de verbas para as pesquisas aos resultados e notas

    obtidas nos programas de avaliao (SGUISSARDI, et al; 2010, p. 15). Adiciona-se ainda que

    na ltima dcada o aumento no nmero de estudantes se deu sem um aumento compatvel do

    nmero de professores, alm da reduo salarial dos professores e tambm dos servidores

    tcnico-administrativos.

    No instante em que assume um carter mercadolgico, a educao isenta-se do seu

    compromisso social e passa a ser regida pelas leis do mercado. Como afirma (RAMOS, 2010,

    p. 141):

    Se a universidade refora os seus vnculos com o mercado, a possibilidade de produo do conhecimento numa perspectiva crtica e transformadora da sociedade se desfaz e, por conseguinte, ela poder vir a constituir- se como a mediadora para a formao do trabalhador de novo tipo, flexvel, adequado ao funcionamento econmico em rede.

    Ao propor um conjunto de medidas com vistas integrao desses pases a essa nova

    ordem mundial espalhando-se nos pases avanados, esvazia-se de questionamentos o modo

    de organizao da sociedade capitalista. Naturaliza-se o modelo vigente como imutvel,

    suscetvel apenas a alguns ajustes e reformas. No se levanta nenhuma possibilidade de

    alterao radical. No mximo, aponta-se a educao como possibilidade de propiciar

    mudanas, porm esvazia-se a luta poltica concreta e a disputa de interesses divergentes em

    detrimento de reformas que buscam a conciliao, desconsiderando o que Marx apontava

    como a mola propulsora da sociedade que luta de classes.

    A pesquisa no contexto da Lei de Inovao Tecnolgica:

    O avano tecnolgico alcanado nas ltimas trs dcadas aliado ao aumento da

    concorrncia no mercado internacional tem exigido das principais economias do mundo um

    maior investimento das reas de Cincia, Tecnologia e Inovao. Para isso, necessrio

    investir na formao de cientistas, tcnicos e pesquisadores aptos a realizar pesquisa,

    desenvolvimento e inovao. O baixo investimento em C&T, apenas 1% do PIB, seria a

    explicao para a posio emergente do Brasil no cenrio internacional no campo cientfico e

    produtivo.

    Essa a anlise que embasou o Plano elaborado pelo Ministrio de Cincia e

    Tecnologia para o quadrinio 2007-2010. Nos objetivos gerais desse Plano est clara a

    parceria do Estado com o setor privado: Ampliar o apoio inovao e ao desenvolvimento

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  • tecnolgico das empresas, acelerando o desenvolvimento de tecnologias avanadas e de

    setores portadores de futuro. Alm disso, priorizam-se determinadas reas, chamadas de

    reas estratgicas, que so consideradas centrais para o desenvolvimento scio-econmico

    do Brasil: fortalecer as atividades de P&D e inovao em reas estratgicas para o

    crescimento e o desenvolvimento do pas, com nfase nas Tecnologias da Informao e

    Comunicao, Insumos para a Sade, Biocombustveis, Agronegcios e Programa Nuclear.

    Essa orientao poltica segue, segundo (NEVES; PRONKO, 2008, p. 136), as

    orientaes do Banco Mundial/UNESCO de priorizar a pesquisa aplicada em detrimento da

    pesquisa bsica e estimular a submisso da pesquisa acadmica a interesses diretamente

    empresariais.

    A Lei de Inovao Tecnolgica, aprovada em 2004, veio a atender as demandas do

    setor privado, que v na lei uma possibilidade de utilizar recursos pblicos de forma livre e

    sem o controle do Estado (SMAILI; 2005, p. 45).

    Nessas parcerias, como est definido no artigo 4 da referida lei, a universidade cede

    todo o seu aparato estrutural ao desenvolvimento de pesquisas para fins privados. Isto , h

    uma apropriao privada dos recursos pblicos. Ficam permitidas as instituies de:

    I - compartilhar seus laboratrios, equipamentos, instrumentos, materiais e demais instalaes com microempresas e empresas de pequeno porte em atividades voltadas inovao tecnolgica [...];II - permitir a utilizao de seus laboratrios, equipamentos, instrumentos, materiais e demais instalaes existentes em suas prprias dependncias por empresas nacionais e organizaes de direito privado sem fins lucrativos voltadas para atividades de pesquisa, [...].

    Alm disso, os ganhos obtidos das pesquisas so repartidos entre os diversos

    integrantes desta parceria de acordo com o capital investido, segundo definido no artigo 5:

    A propriedade intelectual sobre os resultados obtidos pertencer s instituies detentoras do

    capital social, na proporo da respectiva participao. Evidencia-se, portanto, a

    compreenso do conhecimento como uma mercadoria a ser vendida e cujos lucros sero

    divididos proporcionalmente entre os diversos scios envolvidos. Em geral, o ocorre que

    os benefcios advindos dessas atividades so repartidos entre pequenos grupos de pesquisa da

    universidade cujo foco do trabalho dirige-se as atividades de interesse dessas empresas

    envolvidas (ANDES-SN, p. 46).

    Outro ponto de destaque diz respeito ao Art. 12 que probe ao:

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  • [...] dirigente, ao criador ou a qualquer servidor, militar, empregado ou prestador de servios de ICT divulgar, noticiar ou publicar qualquer aspecto de criaes de cujo desenvolvimento tenha participado diretamente ou tomado conhecimento por fora de suas atividades, sem antes obter expressa autorizao da ICT.

    Esse artigo elucidativo para percebermos a agresso ao preceito institucional da

    autonomia didtico-cientfica das universidades, como tambm liberdade de expresso,

    produo e circulao do conhecimento. Cabe lembrar que todo o conhecimento, processo,

    tecnologia ou produto derivado de investimento pblico de patrimnio pblico, acessvel a

    todos e cujos benefcios devem servir para toda a sociedade.

    A autonomia cientfica tambm fica comprometida, na medida em que h no s uma

    apropriao dos resultados e usos do conhecimento produzido, mas tambm o que ser

    pesquisado fica submetido as determinaes das empresas, segundo o Art. 19:

    A Unio, as ICT e as agncias de fomento promovero e incentivaro o desenvolvimento de produtos e processos inovadores em empresas nacionais e nas entidades nacionais de direito privado sem fins lucrativos voltadas para atividades de pesquisa, mediante a concesso de recursos financeiros, humanos, materiais ou de infra-estrutura, a serem ajustados em convnios ou contratos especficos, destinados a apoiar atividades de pesquisa e desenvolvimento, para atender s prioridades da poltica industrial e tecnolgica nacional.

    Configura-se, portanto, numa desconstruo e numa ressignificao da funo social

    que a universidade deveria cumprir. Instaura-se um novo ethos acadmico no qual toda a

    pesquisa fica subordinada aos interesses privados com finalidades lucrativas. O financiamento

    em C&T deixado quase totalmente a cargo das empresas, transformando as universidades

    em prestadoras de servio; os escassos investimentos pblicos, por sua vez, so alocados - por

    meio das agncias de financiamento e fomento a pesquisa nas reas estratgicas para o

    desenvolvimento da nao e insero na ordem mundial. Privilegia-se a pesquisa com

    aplicabilidade imediata, inviabilizando a pesquisa bsica, nas reas sociais ou que no

    atendam diretamente ou indiretamente os interesses do mercado.

    No caso do financiamento pblico, podemos constatar que os principais rgos de

    financiamento pblico das pesquisas, quais sejam: CAPES (Coordenao de

    Aperfeioamento), o CNPq e a FUNCAP especificamente para o caso da UFC atuam como

    alicerces das grandes empresas, bem como servem de sustentao do Governo Federal ou do

    Governo Estadual, posto que as linhas definidas seguem e materializam as polticas para

    educao ou para cincia e tecnologia desses governos, estabelecendo o que so as

    prioridades para o desenvolvimento do pas. Seria ingnuo pensarmos que a composio dos

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  • rgos, com forte presena empresarial e uma vinculao com o governo bastante estreita, no

    influencie na definio de critrios e decises destes rgos.

    De forma alguma, acredito que o Brasil deva prescindir do investimento em cincia e

    tecnologia, entretanto, ao contrrio de assegurar uma perspectiva de cincia e tecnologia que

    esteja servio de buscar solues para os problemas sociais, a poltica econmica que serve

    como sustentao para o plano de ao na rea de C&T, na verdade, conforma o Pas a uma

    posio subalterna e dependente no sistema capitalista hoje. Proclama-se o investimento em

    determinadas reas estratgicas como a sada para o desenvolvimento scio-econmico do

    Pas, ao passo em que se reduz o investimento na pesquisa em reas sociais ou que no so de

    interesse imediato para o mercado.

    Segundo NEVES & PRONKO (2008, p. 145), no contexto das atividades de pesquisa

    e desenvolvimento, o destaque dado inovao tecnolgica2 aponta para um estreitamento

    nas relaes entre cincia, tecnologia e produo de bens e servios. Dessa maneira, a

    estratgia para insero do Brasil, assim como de outras naes ditas em desenvolvimento,

    seria atravs da produo de inovaes que, desenvolvidas localmente, possam ser

    aproveitadas globalmente (NEVES; PRONKO; 2008, p. 154). Portanto, a proposta do BM

    direciona para uma insero subordinada dos pases perifricos no atual estgio do

    capitalismo mundial, caracterizada pela: importao e adaptao da tecnologia desenvolvida

    nas naes centrais (NEVES; PRONKO; 2008, p. 149), bem como contribuir para a gerao

    de inovaes que venham agregar valor finana mundializada (NEVES; PRONKO; 2008,

    p. 165).

    Nesse sentido, a popularizao da ideologia de que estamos vivendo na sociedade da

    informao e do conhecimento e que, portanto, o acesso ao conhecimento e a informao so

    indispensveis para o desenvolvimento dos pases perifricos se constitui numa grande utopia,

    pois oculta o fato de que no h espao no atual estgio do capitalismo mundial para insero

    dos pases perifricos que no seja na condio subordinada e dependente das naes centrais.

    As Cincias Sociais hoje: o embate entre o pensamento crtico e o paradigma ps-

    moderno:

    Ao contrrio do pensamento de Burawoy (2009, p. 21) de que a sociologia estaria se

    deslocando numa direo crtica, acredito que os caminhos das cincias sociais, nas ltimas

    2 Por inovao tecnolgica, compreendo: [a] introduo no mercado de um produto ou de um processo produtivo tecnologicamente novo ou substancialmente aprimorado.

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  • duas dcadas, tm apontado numa direo descomprometida com a possibilidade de

    transformao social.

    sintomtico percebermos o abandono das contribuies tericas de Marx e dos

    grandes tericos marxistas do sculo XX nos textos debatidos em nas disciplinas e na

    utilizao como referencial terico para as diversas pesquisas, monografias, dissertaes ou

    teses. No entanto, apesar de todas as tentativas, o legado terico de Marx continua sendo to

    imprescindvel que ele continua a fazer parte do trip base das cincias sociais juntamente

    com Weber e Durkheim.

    Ruy Braga (2009, p. 75) fala de um movimento pendular na relao entre o marxismo

    com a sociologia acadmica. Traando uma separao cronolgica na histria da disciplina,

    observa-se um primeiro momento, de 1880 a 1945, de repulso a teoria de Marx; seguida por

    um segundo perodo, de 1945 at a dcada de 80, que h uma aproximao com as

    contribuies tericas marxistas; e uma terceira fase, que se inicia no final da dcada de 80 e

    perdura at os dias atuais, que se v uma negao e um desinteresse por toda contribuio que

    tenha referncia em Marx ou nos marxistas do sculo XX.

    A dialtica do progresso governa tanto nossas carreiras individuais como nossa disciplina coletiva. O antigo entusiasmo por justia social, igualdade econmica, direitos humanos, desenvolvimento sustentvel, liberdade poltica ou simplesmente por um mundo melhor entusiasmo que atraiu tantos de ns para a sociologia drenado para a busca de credenciais acadmicas. O progresso tornou-se essa bateria de tcnicas disciplinares: cursos padronizados, bibliografias validadas, hierarquias burocrticas, exames intensivos, resenhas de literatura, dissertaes padronizadas, julgamento de publicaes, o todo poderoso Curriculum Lattes, a procura por trabalho e por estabilidade no emprego; e da ento policiar todos os colegas e sucessores para garantir que marchemos no mesmo passo. (BURAWOY, 2009, p. 19)

    O anseio por se inserir no rol das cincias levou a sociologia, especialmente, a um

    fechamento para si e a um distanciamento para fora dos crculos acadmicos. Estamos em

    dilogo apenas com ns mesmos, nossas pesquisas visam a satisfazer e dar respostas

    exclusivamente a comunidade acadmica. A aceitao perante a intelectualidade torna-se o

    objetivo central. Da a obsesso pela tcnica, pela linguagem rebuscada, pela escolha de temas

    superficiais.

    Seguindo a diviso dos trabalhos proposta por Burawoy para a sociologia, acredito que

    existe atualmente uma predominncia nas cincias sociais pelas vertentes: Profissional e

    para Polticas Pblicas. A Sociologia para Polticas Pblicas se refere ao conhecimento

    produzido na forma de servio para um cliente especfico (ONGs, empresas ou fundaes

    privadas, governos municipais e estaduais, polticos, candidatos ou indivduos quaisquer),

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  • cujo objetivo pensar solues para problemas especficos apresentados ou legitimar

    cientificamente determinadas alternativas propostas (BURAWOY, 2009, p. 29). Sociologia

    Profissional compete fundamentar teorias e conceitos acerca da realidade. Legitima-se com

    base nas normas cientficas, fecha-se no seu nicho acadmico e distancia-se dos sujeitos a

    qual ela acredita representar atravs de suas teorias. No h um apontamento para uma

    insero prtica.

    Em resposta, Burawoy apresenta o seu conceito de Sociologia Pblica, que pode ser

    definido como:

    [...] um estilo de se fazer sociologia que poderamos qualificar de engajada e que no confunde a indispensvel busca da objetividade cientfica com todas as exigncias ticas e compromissos valorativos inerentes a essa busca com adoo ostensiva de uma neutralidade moral ou mesmo poltica. Ao contrrio, um estilo de fazer sociologia que procura iluminar os elos existentes entre os problemas privados e os desafios pblicos a partir da centralidade axiolgica dos conhecimentos dos subalternos. Trata-se, antes de tudo, de um estilo na medida em que supe uma maneira de escrever e de se comunicar com diferentes pblicos, alm de supor, tambm, uma modalidade determinada de engajamento intelectual. (BRAGA, 2009, p. 111)

    Apesar de concordar com a defesa pelo engajamento intelectual e a necessidade de

    dialogar com os conhecimentos marginalizados, o conceito pblico demasiado

    abrangente, no diz a que pblico se refere, para quem estamos produzindo conhecimento.

    Por ser a prpria sociedade civil um campo de disputa e pela multiplicidade de pblicos,

    preciso delimitar com quem pretendemos dialogar. Seria ingnuo pensarmos que no estamos

    num campo de disputas entre os setores mais conservadores e os setores oprimidos tentando

    impulsionar uma contra-hegemonia.

    Nesse sentido, recupero o conceito de intelectual orgnico de Gramsci, que amplia o

    termo a uma diversidade vasta de categorias de intelectuais. Segundo ele (GRAMSCI, 2010,

    p. 19):

    [...] em qualquer trabalho fsico, mesmo no mais mecnico e degradado, existe um mnimo de qualificao tcnica, isto , um mnimo de atividade intelectual criadora [...]. Por isso seria possvel dizer que todos os homens so intelectuais, mas nem todos os homens tm na sociedade a funo de intelectuais.

    Rompendo com distanciamento dos intelectuais tradicionais, ele valoriza o saber

    popular, o conhecimento da prtica cotidiana. A capacidade intelectual, crtica, reflexiva no

    monoplio de poucos, da a necessidade do dilogo as diversas categorias de intelectuais

    orgnicos. Pois, ainda que se distingam em diferentes categorias de intelectuais,

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  • (PORTELLI, 1997, p. 84): [...] todos tm em comum o vnculo mais ou menos estreito que

    os liga a uma classe determinada. Ou seja, ainda que se coloquem numa posio de

    neutralidade, alheios as disputas polticas, refugiando-se em crculos fechados da

    intelligentsia, a intelectualidade tradicional existente hoje atua, consciente ou no, a servio

    da manuteno do status quo, na medida em que o no-engajamento, a falsa neutralidade,

    corrobore com os interesses da classe dominante.

    Portanto, penso que vivemos hoje num perodo de resistncia do pensamento contra-

    hegemnico nas cincias sociais, crtico as bases estruturais do sistema, e engajado na luta

    pela transformao radical da sociedade. Naquilo que Florestan Fernandes definiu como uma

    sociologia crtica e militante, numa articulao orgnica da anlise objetiva da realidade

    com a participao ativa na ao transformadora.

    A pesquisa na UFC: um olhar sobre as Cincias Sociais e a Engenharia de

    Teleinformtica

    Tendo como recorte de anlise, os Departamentos de Cincias Sociais e de Engenharia

    de Teleinformtica, aponto trs elementos para anlise, extrados da pesquisa de campo

    realizada. O primeiro ponto diz respeito s condies de pesquisa atualmente. Apesar da

    maioria dos professores terem ressaltado um avano nas condies para realizar a pesquisa

    nos dias de hoje, houve opinies que expressavam um descontentamento com relao aos

    critrios elencados pelas agncias. Segundo afirmado por C, as pesquisas na rea das

    cincias humanas so desprestigiadas e tm menos apoio para se obter financiamento se

    comparado as pesquisas na rea das tecnologias:

    A pesquisa scio-antropolgica, qualitativa ainda muito secundarizada em relao as outras pesquisas que tem algum tipo de utilizao de gerar um produto, uma inovao tecnolgica, que a sim esse tipo de atividade de pesquisa facilmente encontra um meio de financiamento.

    Um indicativo o levantamento dos projetos de pesquisa, no qual pude constatar que o

    Departamento de Engenharia de Teleinformtica conta atualmente com 26 professores no seu

    corpo docente e teve um total de 134 projetos de pesquisa no perodo citado. No que se refere

    ao Departamento de Cincias Sociais, atualmente, o departamento conta com 35 professores e

    teve um total de 63 projetos de pesquisa no mesmo perodo (2004-2011). Mesmo com um

    nmero maior de professores, o nmero de projetos no departamento de Cincias Sociais

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  • praticamente a metade do nmero de projetos do departamento de Engenharia de

    Teleinformtica. Observa-se a discrepncia no nmero de projetos entre os dois

    departamentos. Esses dados so elucidativos do privilgio dado pelas agncias de fomento

    pblicas para determinadas reas, ditas estratgicas, em detrimento da pesquisa bsica na

    rea das cincias humanas.

    Mesmo dentro das cincias humanas, segundo B, existe um maior incentivo para

    determinados temas. Segundo B, h uma transposio para as cincias humanas da lgica

    advinda da rea das tecnologias de pesquisar para o que o mercado necessita:

    A gente comea mais a se aproximar de um modelo de produo para. Ento, para eles essa relao mais direta porque produo para o mercado [...]. A relao entre o produto e o uso do produto, ou seja, a transformao dele mesmo numa pea para o mercado mais rpida. A nossa no, mas a lgica comea a se tornar essa mesma. Ns estamos produzindo para. Se a gente for pegar os indicadores de financiamento nos ltimos cinco anos, se a gente for ver, dentro das temticas gerais das cincias sociais, quais so aquelas temticas que tem tido mais financiamento. Vo aparecer umas e no vo aparecer outras. Quais so as que vo aparecer? As [pesquisas] que tem um apelo imediato maior dos dramas sociais que a gente v acontecendo ao redor de ns [...].

    Outro aspecto ressaltado tambm a lgica competitiva imposta pelas agncias que

    priorizam os pesquisadores sniors, ao passo que os pesquisadores iniciantes acirram uma

    disputa pelo financiamento que resta. o que nos diz C:

    As agncias de fomento privilegiam os pesquisadores sniors, os pesquisadores mais novos entram numa disputa muito desigual com os mais antigos. Ento a lgica quem tem continua a ter e quem no tem ainda vai ter que ralar muito para chegar a ter uma bolsa de pesquisa do CNPq.

    Essa competio por angariar recursos para a pesquisa junto s agncias financiadoras,

    assim como a adequao aos temas pr-estabelecidos, altera tanto o carter da pesquisa

    quanto o trabalho do professor. Como afirma B, A pesquisa se enquadra na lgica do

    mercado e o professor se torna o negociador do seu produto que a pesquisa.

    A pesquisa est virando um negcio, s que a gente tem que ser tambm negociador do negcio que a gente est fazendo. Sobre essa questo do financiamento externo, queiramos ou no a gente acaba tendo uma predisposio sobre aquilo que vai ser financiado. [...] se quiser fazer parte desse sistema, voc tem que entrar nisso, essa que a verdade, mas num tem jeito no, a gente tem que entrar. [...] Hoje em dia professor tem que viver de edital tambm, se ele no quiser ser s um professor que d aula.

    Essa exigncia por publicao o cerne da lgica produtivista da universidade da qual

    os professores ficam sujeitos. A possibilidade ascenso na carreira docente, hoje, est

    19 de 107

  • subjugada diretamente a produo de conhecimento e, principalmente, a publicao em

    revistas, peridicos ou eventos acadmicos. Como afirma 3, no h alternativas para os

    professores que pela prpria condio so exigidos a se inserirem nessa lgica:

    [...] a sua carreira precisa de pesquisa, seno voc no progride, do ponto de vista da carreira docente. O docente s progride se ele fizer pesquisa. Chega um determinado ponto da carreira dele que ele pra, ele no passa para os nveis seguintes se ele no tiver feito pesquisa. Ento, ele precisa fazer pesquisa.

    Outro aspecto a ser destacado acerca da relao entre a universidade e as demandas

    da sociedade. No caso do Departamento de Engenharia de Teleinformtica, pude observar, a

    partir das entrevistas, que a produo para o mercado percebida praticamente como o nico

    meio vivel para que a universidade possa dar um retorno sociedade.

    As parcerias com as empresas privadas, no contexto no s da Engenharia de

    Teleinformtica, mas da universidade de uma forma geral, so bem recebidas, pois essas

    parcerias envolvem: a concesso de bolsas, aquisio de equipamentos e at a construo de

    salas e laboratrios. Isto , a responsabilidade pelo financiamento da universidade (melhoria

    da infra-estrutura fsica, concesso de bolsas, etc.) que deveria caber ao Estado transferida

    para a iniciativa privada.

    Portanto, a grande maioria dos professores considera natural e, mais ainda,

    necessria a parceria entre as universidades e as empresas. Segundo afirmao de 4, as

    parcerias so importantes no apenas como um mecanismo de financiamento das pesquisas,

    mas tambm como uma interlocuo da universidade com a sociedade.

    Eu acho que o conhecimento j na universidade no s pode como deve ser transferido e transformado em termos de tecnologia para que possa beneficiar toda a populao brasileira, inclusive as suas indstrias, porque afina de contas quem gera os empregos dessas pessoas. Por isso, eu acho que tem que haver uma aproximao, seno ns vamos estar gerando conhecimento pelo conhecimento [...].

    Afora essas parcerias, existe uma dificuldade em pensar como os resultados dos

    trabalhos produzidos podem trazer benefcios para a sociedade. A extenso - um dos pilares

    do trip universitrio - poderia ser, segundo o professor 5, uma forma de possibilitar uma

    interlocuo entre a universidade e a sociedade. Contudo, como citado por 5, a extenso

    desprestigiada e os professores no se sentem motivados para desenvolver tais atividades:

    O pesquisador que deseja realmente ver seu trabalho ter uma relevncia social precisa praticamente de um projeto que transforme essa idia, esse resultado em algo tangvel. Esse conhecimento precisa ser burilado, trabalhado, transformado. A vem um pouco a noo de

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  • extenso. [...] [Entretanto] o que d prestgio ao professor a pesquisa mais bsica. Ento nem todos os professores se sentem motivados para pegar suas pesquisas e dar esse passo adicional e levar a sociedade. No h reconhecimento. [...] A extenso nem sempre tem o mesmo peso, o prestgio da pesquisa.

    Quando questionados se h um direcionamento da pesquisa por parte das empresas, os

    professores acreditam que h um acordo em que se assegura tanto os interesses das empresas

    como da prpria universidade, isto , avaliam que de fato a empresa quer garantir seus

    interesses e obter vantagens, mas que a universidade tambm tem a ganhar com estas

    parcerias tambm. De acordo com 1:

    No caso de iniciativa privada um acordo bem bilateral mesmo. A gente se encontra com essas pessoas que so os pesquisadores das indstrias e a gente ouve os interesses deles e eles vem o que a gente t fazendo, e a gente tenta elaborar uma proposta baseada no interesse comum da indstria e da academia.

    Porm, se no h, como foi dito, um direcionamento direto na temtica envolvida, por

    outro lado, a qualificao dos alunos nos projetos financiados essencial para a formao de

    mo-de-obra que ser absorvida por essas empresas, como declara 3:

    Eles tm um interesse meramente didtico de formar os alunos, formar um corpo discente, que quando vier a sair da universidade seja detentor do conhecimento dos seus equipamentos. Porque aqui dentro do laboratrio tem equipamentos deles. Primeiro, eles esto sendo formados com equipamentos que vo ser utilizados quando eles sarem da universidade e forem arrumar os seus empregos, ento, vo ter os equipamentos l e eles vo ter que aprender a usar. Ento, se j aprenderam aqui, eles vo ser profissionais mais capacitados quando sarem. Ento, essa uma preocupao da prpria empresa que financia. A segunda preocupao econmica, mas no to clara talvez como essa sua pergunta. Qual a preocupao econmica que eu digo? A preocupao a seguinte: se aqui dentro foram formados profissionais que utilizam os equipamentos dessa empresa e esses profissionais quando formados vo para as indstrias, vo para o mercado, esses profissionais no mercado vo utilizar que equipamentos? Vo querer utilizar que equipamentos? Vo utilizar aqueles que eles usaram aqui dentro. Ento, quer queira quer no, quando eles estiverem na posio de decidir qual equipamento comprar? [...] Eles vo indicar o qu? Equipamentos que eles utilizaram e que so equipamentos de ponta de uma empresa reconhecida. Ento, o objetivo talvez de uma empresa quando financia seja de direcionar nesse aspecto.

    No caso das cincias sociais, acredito que h um fechamento dentro de um crculo

    fechado que a comunidade acadmica. Em geral, os resultados das pesquisas so publicados

    em captulos de livros, artigos cientficos ou apresentados em congressos ou encontros da

    rea. Ou seja, o pblico atingido extremamente limitado e, geralmente, restringe-se

    basicamente ao pblico ligado as universidades ou a esfera governamental.

    Percebi poucas iniciativas em divulgar os trabalhos em espaos coletivos mais amplos,

    como, por exemplo, atravs de seminrios e debates com movimentos sociais, o que j seria

    21 de 107

  • um avano frente ao distanciamento existente hoje. No entanto, penso que necessrio que os

    movimentos sociais e organizaes populares sejam protagonistas tambm das pesquisas, no

    apenas como objetos de estudo, mas sujeitos desse processo.

    Essa vinculao com os movimentos sociais importante, pois demarca o carter da

    pesquisa cientfica como uma atividade coletiva no somente no que se refere a sua

    execuo -, mas especialmente na sua vinculao com algum movimento social ou

    organizao popular, ou seja, uma pesquisa cuja funo no suprir um anseio individual,

    uma mera curiosidade do pesquisador ou at mesmo como meio para ascenso no cargo

    profissional. Ao contrrio, com uma funo social claramente voltada para os setores

    oprimidos da sociedade e, mais ainda, com uma perspectiva mais ampla de transformao

    dessa sociedade.

    Consideraes finais

    Tentou-se, neste trabalho, trazer uma reflexo crtica acerca da produo cientfica no

    contexto da universidade pblica nos dias de hoje. Observo que a pesquisa na universidade

    fica subjugada aos incertos financiamentos advindos ou das agncias de fomento que

    privilegiam determinadas reas ou temticas, ou de empresas privadas que buscam atravs das

    parceiras a formao de mo-de-obra qualificada, servios realizados dentro da prpria

    universidade ou produtos resultantes das pesquisas.

    A Lei de Inovao Tecnolgica impulsionou sobremaneira as parcerias entre a

    universidade e a iniciativa privada. Em conseqncia, a lgica mercantil se consolida nas

    universidades pblicas, de modo que para muitos professores, a produo para o mercado o

    veculo de interlocuo da universidade com a sociedade.

    No mbito das Cincias Sociais, h uma predominncia da pesquisa estritamente

    acadmica, fechada nos seus estreitos crculos, desvinculada dos dilemas sociais. Ressalto a

    necessidade de repensar tanto o carter como o prprio ato de pesquisar, apontado a

    necessidade (re)engajamento dos prprios pesquisadores e intelectuais.

    Este artigo se prope a contribuir para uma reflexo acerca dos rumos da universidade

    e se coloca na defesa por uma pesquisa pblica e voltada para as demandas sociais.

    REFERNCIAS

    22 de 107

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    SMAILI, Soraya. Cincia & Tecnologia na era Lula: retrica e prtica sucumbem poltica econmica. Revista Adusp, So Paulo, n. 39, p. 39 45, maio 2005.

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  • AS POLTICAS EDUCACIONAIS LUZ DO PENSAMENTO SOCIAL

    BRASILEIRO: CONTRIBUIES AO DEBATE SOBRE A POLTICA DE

    ASSISTNCIA ESTUDANTIL NAS IFES

    Clara Martins do NascimentoPrograma de Ps-graduao em Servio Social

    Universidade Federal de Pernambuco, CNPq

    RESUMO: A teoria da histria em Marx nos alerta que o movimento de apropriar-se da realidade social somente possvel se for considerado o fato de que no h uma relao de exterioridade na pesquisa do scio-histrico, h uma relao de autoimplicao, que no uma relao de identidade, mas uma relao de unidade 1. Tendo em vista que pensar as Polticas Educacionais de ensino superior na atualidade requer situ-las historicamente, a proposta do presente artigo a de incorporar discusso sobre as suas configuraes duas questes centrais abordadas nos clssicos do pensamento social brasileiro: o continusmo de seu sistema poltico do Brasil e a instaurao de seu Estado de modelo autocrtico burgus. Situar a Assistncia Estudantil nesta discusso questionar-se sobre: quais foram e so os pilares que sustentam as decises polticas no mbito da educao no Brasil? Sob que condies a pauta da educao superior ganhou centralidade na agenda poltica do pas? As caractersticas concernentes formao do Estado brasileiro e sua relao com os interesses internacionais perpassam o contedo das Polticas Educacionais no cenrio atual, e se relacionam diretamente com as decises polticas adotadas na histria da educao no pas. Assim, a educao expressa o resultado das relaes de fora presente na sociedade e traduz o projeto poltico que o Brasil empenhou-se em desenvolver. Tal movimento nos permite perceber que o papel da Assistncia Estudantil nas IFES2, para alm de contribuir para a democratizao da permanncia do estudante no ensino superior, da forma como est estruturada afirma tambm sua funcionalidade materializao das exigncias feitas pelos organismos multilaterais aos pases perifricos.

    Palavras-chaves: Polticas educacionais. Assistncia Estudantil. Estado.

    1. Introduo

    Analisando o movimento da burguesia no Brasil, nos sculo XIX e XX, a partir dos

    clssicos do pensamento social brasileiro, vemos que a sua natureza e funo se deu, nos

    diferentes momentos histricos, na tentativa de reafirmar e contribuir para reproduo da

    ordem do capital, possvel atravs da interao firmada entre a dominao burguesa e as

    transformaes capitalistas nos pases perifricos.

    Em busca da conquista do Estado Nacional brasileiro, a burguesia, tendo em vista a

    defesa de seus interesses, adapta-se as transformaes capitalistas em curso, inclusive atuando

    no oferecimento de condies ideais para que estas transformaes se reproduzissem com

    1Fala do Prof. Jos Paulo Netto no IV Seminrio Nacional de Estudos e Pesquisas "Histria, Sociedade e Educao no Brasil, 1997.

    2 Instituies Federais de Ensino Superior.

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  • (...) potencialidades estruturais e dinmicas para absorver e acompanhar os ritmos

    histricos das economias capitalistas centrais e hegemnicas. (FERNANDES, 1974: 309).

    A racionalidade burguesa apontada por Florestan Fernandes permitiu que (...) as classes

    burguesas procurassem compatibilizar revoluo nacional com capitalismo dependente e

    subdesenvolvimento relativo (...).

    Partindo de tais consideraes possvel perceber que as decises polticas adotadas

    no Brasil, esteve h sculos em consonncia com o modelo econmico instaurado, sendo

    assim, apropriar-se do movimento do sistema poltico do pas passo fundamental para o

    entendimento dos desafios postos a operacionalizao de suas Polticas Sociais. Apropriar-se

    do debate sobre a formao social do pas nos d subsdios para analisar certas tendncias e

    paradigmas presentes no mbito destas Polticas.

    Est a o foco da teoria da histria de Marx que nos mantm alerta para o equvoco da

    fragmentao do nosso olhar sobre o social. Ou seja, o movimento de apropriar-se da

    realidade social somente possvel se for considerado o fato de que no h uma relao de

    exterioridade na pesquisa do scio-histrico, h uma relao de autoimplicao, que no

    uma relao de identidade, mas uma relao de unidade. (Fala do Prof. Jos Paulo Netto no

    IV Seminrio Nacional de Estudos e Pesquisas "Histria, Sociedade e Educao no Brasil,

    1997).

    Pensar as Polticas Educacionais na atualidade significa situ-las historicamente, e isso

    implica partir das preocupaes fundamentais que perpassam o pensamento social do Brasil.

    Assim, a proposta do presente artigo a de incorporar discusso sobre as configuraes

    atuais destas Polticas duas questes que julgamos serem centrais abordadas nos clssicos do

    pensamento social brasileiro: o continusmo de seu sistema poltico e a instaurao de seu

    Estado de modelo autocrtico burgus3 comprometido com os interesses da ordem econmica

    vigente.

    Situar a Poltica de Assistncia Estudantil nesta discusso questionar-se sobre: quais

    foram e so os pilares que sustentam as decises polticas no mbito da educao no Brasil?

    Sob que condies a pauta da educao superior entrou com mais fora na agenda poltica

    brasileira? O que motivou a centralidade dada questo educacional na agenda brasileira?

    3Autocrtico aqui no quer dizer necessariamente ditatorial, muito embora, a ditadura tambm se expresse nos governos autocrticos. autocracia um conceito que diz respeito mais a forma de organizao do poder do que de exerccio do poder. Ou seja, autocracia no sinnimo de ditadura. Podem coincidir, mas ele diz respeito forma de organizao e no de exerccio do poder. A idia, enfim, est mais ligada ao usufruto privatista do poder. (http://www.achegas.net/numero/31/col_andre_31.pdf. Acesso em junho de 2011)

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  • Para o alcance de tais objetivos estruturamos nossas reflexes em dois momentos.

    Num primeiro momento sintetizamos a abordagem dos clssicos do pensamento social

    brasileiro e suas reflexes a cerca continusmo que se faz presente no sistema poltico

    brasileiro, orientado por um Estado de modelo autocrtico burgus, num segundo momento,

    traando um cenrio geral da Polticas Educacionais na atualidade, tentamos perceber como

    essas duas questes no pensamento social do Brasil contribuem para o entedimento dos rumos

    tomados pela educao superior no pas, e como pensar a Poltica de Assistncia Estudantil

    luz dessa discusso. O nosso marco histrico para compreenso da educao superior no

    Brasil o perodo ditatorial (1964 a 1969) em que houve a reformulao da Poltica

    Educacional de acordo com os interesses da autocracia burguesa, e dentro desse contexto

    registrou-se entraves ao acesso e permanncia dos estudantes a universidade.

    2. O pensamento social do Brasil e as polticas educacionais

    A um corpo renovador, expansivo e criador, se agregam em convivncia relutante,

    naes modernizadoras, em constante adaptao, mas dentro de projees de seu prprio passado,

    de sua histria lanada em outro rumo. (Raimundo Faoro, Os donos do Poder)

    interessante pensarmos sobre qual o trao mais marcante do sistema poltico

    brasileiro apontado na literatura dos grandes nomes do seu pensamento social. Neste ponto, se

    recorrermos aos clssicos desta literatura, tais como Fernandes (1974), Prado Jnior (1977),

    Raimundo Faoro (2000) e Chau (2000) veremos que mesmo diante de diferentes perspectivas

    tericas, os autores compartilham da idia de que o continusmo marca a histria do Brasil.

    E o que significa dizer isto?

    Significa afirmar que o sistema poltico brasileiro4 convive com os resqucios do seu

    passado enquanto colnia de explorao, tendo em vista que o sentido de sua colonizao

    foi orientado por interesses mercantis, voltado ao atendimento de objetivos exteriores. Foi sob

    tais condies que se organizou a sociedade e a economia brasileira. A colnia brasileira foi

    puramente produtora industrial. (PRADO JR, 1977).

    Nos argumentos de Raimundo Faoro (2000) percebemos a resistncia secular da

    estrutura brasileira na sua estrutura patrimonial medida que o autor considera que o

    patrimonialismo sempre esteve presente na histria do pas, incentivando a economia ou

    4 Entendemos o sistema poltico brasileiro no conjunto de suas relaes sociais, econmicas e polticas.

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  • interessado no desenvolvimento econmico sob o comando poltico. (FAORO, 2000).

    Considera que a instaurao do capitalismo moderno no pas ocorreu mediante sua

    acomodao ao antigo sistema poltico, no conseguindo rompeu sua estrutura anterior.

    No mesmo sentido que Chau (2000) constri suas reflexes a cerca das

    particularidades histricas brasileiras partindo da idia da presena de semiforos5 que

    permitiram a constante re-atualizao do passado histrico brasileiro sob novas roupagens.

    Realizando um resgate histrico da formao social do Brasil, a autora revela como a nossa

    idia de nao foi sendo construda orientada por interesses econmicos externos.

    Por esta via de pensamento, a concepo de que o entendimento do Brasil

    contemporneo se d a partir do entendimento do Brasil colonial tem fora at os dias atuais,

    sendo assim, o Brasil contemporneo se define em: o passado colonial que se balanceia e

    encerra com o sculo XVIII mais as transformaes que se sucederam no decorrer do

    centnio anterior e do atual. (JNIOR, 1977: 10). O trao do continusmo presente no

    sistema poltico brasileiro serviu aos interesses de seu Estado de modelo autocrtico burgus

    no seu processo de legitimao e manuteno da ordem.

    Ou seja, no que diz respeito s Revolues Nacionais que ocorreram no Brasil,

    Fernandes (1974), nos traz que as mesmas foram motivadas pelos interesses particularistas de

    sua autocracia burguesa empenhada na manuteno de um capitalismo dependente e

    subdesenvolvido. A Revoluo Institucional de 1964, assim como a Primeira Repblica, a

    revoluo liberal de 1930, o Estado Novo e os governos nacionalistas, Vargas, Kubitschek

    foram a base poltica das transformaes capitalistas no pas. Para o autor as revolues que

    ocorreram no pas foram todas no sentido de assegurar a consolidao da dominao

    burguesa ao nvel poltico, de modo a criar a base poltica necessria continuidade da

    transformao capitalista (...). (FERNANDES, 1974: 302).

    Por isso que o que entra em jogo na base poltica brasileira, no so compulses

    igualitrias de uma comunidade poltica nacional, mas sim o alcance de interesses de classe

    universalizados, impostos por mediao do estado a toda comunidade nacional de modo

    coercitivo e legtimo (...). (FERNANDES, 1974: 301). Esta definio do processo do sistema

    poltico brasileiro que se movimenta na direo da defesa de interesses particulares, de classe,

    tratados de forma universal, perpassa a prpria definio do Estado presente na teoria

    marxiana.

    5 O semiforo era a comunicao com o invisvel, um signo vindo do passado ou dos cus, carregando uma significao com conseqncias presentes e futuras para os homens. (CHAU, 2000: 8).

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  • Coutinho (2008) luz desta teoria nos apresenta o Estado como um Estado de

    classe, no como sendo a encarnao da razo universal, mas sim uma entidade particular

    que, em nome de um suposto interesse geral, defende os interesses comuns de uma classe

    particular. (COUTINHO, 2008: 19). Na sua interpretao da teoria marxiana o autor nos

    traz que:

    Marx e Engels no se limitam a mostrar a natureza de classe do Estado, indicam ainda como essa defesa dos interesses de uma classe particular se processa precisamente atravs do fato de que o Estado, numa sociedade dividida em classes assume o monoplio da representao de tudo o que comum (ou universal). (COUTINHO, 2008: 19).

    De tal modo, no podemos pensar as Polticas Sociais no Brasil sem antes fazer uma

    leitura crtica da estruturao de seu Estado, do seu povo, da sua economia. Tal como nos

    afirmou BEHRING (2009) que a condio histrica e social da poltica social deve ser

    extrada do movimento da sociedade burguesa, em geral e tambm dos nas manifestaes

    particulares nos Estados Nacionais. (BEHRINHG, 2009:304). A Poltica Social como

    processo reveladora da interao de um conjunto muito rico de determinaes

    econmicas, polticas e culturais. (BEHRINHG, 2009:303).

    primordial pensar que diferente das Polticas Sociais dos pases capitalista

    avanados, que nasceram livres da dependncia econmica e do domnio colonialista, o

    sistema de bem-estar brasileiro sempre expressou as limitaes decorrentes dessas

    injunes. (PEREIRA, 2008:125). Esta mesma autora, fazendo uma leitura de Esping-

    Andersen (1991), autor referncia nesta temtica, nos traz que as Polticas Sociais brasileiras

    foram guiadas por um Estado que se caracterizou por uma combinao de elementos:

    Por intervenes pblicas tpicas e seletivas, prprias dos modelos liberais, adoo de medidas autoritrias e conservadoras, tpicas dos modelos conservadores, e ainda, estabelecimento de esquemas universais e no contributivos de distribuio de benefcios e servios, caractersticos dos regimes social-democratas. (PEREIRA, 2008: 127).

    2.1 Expresses da autocracia e do continusmo nas Polticas Educacionais.

    No que cerne a Poltica de Educao, revisitando o histrico da educao superior no

    mundo, vemos que os pases desenvolvidos investiram nesta poltica somente no sculo XIX

    com a finalidade principal de atender as demandas de industrializao com a formao de

    mo de obra. No Brasil, somente na dcada de 1930 comea a se pensar a educao superior

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  • como questo nacional6 com o objetivo semelhante ao do contexto mundial: atender a

    demanda de industrializao do pas. Contudo, no perodo ditatorial (1964-1985) que as

    Polticas Educacionais de Ensino Superior assumem posio de destaque na agenda poltica

    brasileira, ao ser evidenciada sua funcionalidade a instaurao do sistema poltico vigente.

    Este perodo um marco para a estruturao e expanso destas Polticas.

    Netto (1997) ao comentar sobre a funo da educao superior na ditadura brasileira

    destaca a proposta do governo na sua tentativa de modelar atravs da Poltica Educacional,

    o sistema institucional de ensino, conforme as exigncias imediatas e estratgicas do projeto

    modernizador. (NETTO, 2007: 54). Nas palavras do autor:

    O regime autocrtico burgus, redefinindo-se na vertente do militar-fascismo, comea a instaurar o seu modelo educacional, congruente com a concretizao do seu modelo econmico. Estabelece-se, enfim, a compatibilizao funcional-operativa entre a poltica educacional e o conjunto da poltica social da ditadura. (NETTO, 2007: 59).

    Recuperar a funo que desempenharam as Polticas Educacionais neste perodo e a

    prpria concepo de educao superior que as orientava - tarefa fundamental para

    apropriar-se de suas configuraes atuais, uma vez que consideramos o continusmo como

    trao marcante na histria poltica brasileira. Sobre este ponto, o autor Prado Jr. (1977) na sua

    anlise sobre a formao do Brasil contemporneo ainda na dcada de 1940, j nos afirmou:

    Os problemas brasileiros de hoje, os fundamentais, pode-se dizer que j estavam definidos e postos em equao h 150 anos atrs e da soluo de muitos deles, para que nem sempre atentamos devidamente, que depende a de outros em que hoje nos esforamos inutilmente. (PRADO JR, 1977:12).

    Sendo o Brasil um pas que possibilita no mbito da sua formao social espao para

    convivncia entre o velho e novo, podemos afirmar com convico que as configuraes

    atuais das Polticas Educacionais apresentam traos de continuidade com a proposta posta a

    educao superior pelo Estado autocrtico burgus instaurado em 19607. Isso quer dizer que a

    Poltica Educacional, assim como no perodo ditatorial continua servindo a interesses

    econmicos. A mudana estrutural que se deu no mbito da educao no Brasil em

    consonncia com o projeto neoliberal que d o direcionamento da Poltica de educao no

    6 Em 1931, a Reforma Francisco Campos, partindo de um diagnstico da educao nacional props diretrizes para a construo de uma Poltica de Educao Superior.

    7 Sem desconsiderar as especificidades de seus respectivos momentos histrico.

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  • Brasil hoje tem em essncia o mesmo sentido da mudana que ocorreu no perodo ditatorial

    brasileiro, sendo este: atender aos interesses do grande capital.

    a que reside a centralidade da questo para o entendimento das Polticas Sociais no

    Brasil: o modelo de Poltica Educacional que temos hoje o modelo educacional da

    autocracia burguesa. Os esforos feitos na educao ainda fazem parte de um projeto de

    governo mais amplo, cujo objetivo o de elevar o Brasil a categoria de potncia emergente,

    para isso tendo que lidar com a intensificao da interferncia de Agncias Internacionais

    na definio de polticas sociais economicamente rentveis (...). (PEREIRA, 2008: 139). Tal

    como se caracterizou a Poltica Educacional do perodo ditatorial que teve como principal

    funo preparar recursos humanos para o desenvolvimento econmico.

    A mudana estrutural que ocorreu na educao com a ditadura foi uma resposta a

    necessidade de legitimao do modelo poltico econmico que se instaurava no pas, assim

    como hoje organizar a educao para estar de acordo com o contexto poltico econmico da

    conjuntura de um capitalismo mundializado. As polticas neoliberais que orientam as polticas

    sociais no Brasil tm em vista a insero do pas na dinmica do capitalismo contemporneo.

    Behring (2003) nos apresenta as linhas gerais destas polticas: (...) so marcadas pela busca

    da rentabilidade do capital por meio da reestruturao produtiva e da mundializao:

    atratividade, adaptao, flexibilidade e competitividade. (BEHRING, 2003:59).

    Dito isto, fica a questo: como pensar as configuraes da Poltica de Assistncia

    Estudantil enquanto Poltica Educacional hoje?

    3. O cenrio atual da poltica educacional de assistncia estudantil

    Falar de educao no Brasil dar nfase a discusso das reformas educacionais no

    pas, principalmente no que diz respeito ao ensino superior8. O contexto em que estas

    reformas se inserem congruente com um novo modelo de Estado - reduzido para o mundo

    do trabalho e maximizado para o capital9. Sua compreenso perpassa as discusses sobre a

    8 No mbito desta temtica chamamos ateno para as pertinentes contribuies trazidas pelo Sindicato Nacional dos Docentes das Instituies de Ensino Superior ANDES-SN movimento que tem como norte a defesa do ensino pblico e gratuito, atuando no sentido de fazer a crtica aos processos de mercantilizao do ensino superior.

    9Este novo modelo de Estado tem no projeto implementado pelo Ministro Bresser Pereira tem, na Emenda Constitucional n 19 de 1998, o seu momento emblemtico porque ali se consubstanciou a crescente mercantilizao das polticas pblicas e a privatizao do patrimnio pblico de propriedade do povo brasileiro. (...) A atualizao do objetivo primrio da acumulao capitalista foi garantida pela potencializao dos lucros e pela abertura de novos espaos para a valorizao do capital com a reforma do Estado. (ANDES, 2004: 10).

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  • Poltica Econmica financista e ancorada em altas taxas de juros vigente no Brasil, sob a

    qual este modelo de Estado responde. Neste sentido a principal crtica feita pelos movimentos

    sociais sobre a reforma da educao no Brasil na atualidade diz respeito a:

    (...) abertura do setor educacional, especialmente da educao superior, para a participao das empresas e grupos estrangeiros, estimulando a utilizao das novas tecnologias educacionais, por meio da educao superior distncia e, c) diversificao das fontes de financiamento da educao superior. (ANDES, 2004: 14).

    No que tange as Polticas Educacionais, destacamos o Programa Universidade para

    Todos - PROUNI10 que pode ser tomado como um seguro exemplo da transferncia dos

    recursos pblicos, por meio de largas isenes de impostos, s universidades particulares.

    (ANDES, 2004: 15), e o Programa de Reestruturao e Expanso das Universidades Federais

    REUNI cujo objetivo o de melhor aproveitar a estrutura fsica e os recursos humanos

    existentes nas IFES, a partir do estabelecimento de metas s universidades, porm recebe a

    crtica de no oferecer condies fundamentais ao seu cumprimento, como principais

    programas que exemplificam os rumos da reforma da educao hoje. Este o cenrio que a

    Poltica de Assistncia Estudantil est inserida.

    No que cerne a Assistncia Estudantil, a institucionalizao do Programa Nacional de

    Assistncia Estudantil - PNAES atravs do Decreto N 7.234 de 19.07.2010 um importante

    avano na luta pela garantia da permanncia do estudante que necessite de Assistncia no

    ensino superior, ao modo que incorpora a Assistncia Estudantil Poltica Educacional

    operacionalizada nas IFES (junto ao trip ensino, pesquisa e extenso). Este Programa entra

    na agenda de discusso sobre a democratizao do ensino superior ao modo que prev no s

    a garantia do acesso do estudante ao ensino superior, mas tambm o provimento das

    condies necessrias pelas IFES sua permanncia.

    Entretanto, a forma como a Poltica est estruturada no interior das IFES sofre

    influncia direta da concepo de educao presente no sistema poltico brasileiro, uma vez

    que o mesmo vem sendo orientado luz do discurso do novo desenvolvimentismo11. Neste

    10 Atravs do PROUNI o governo federal realiza a compra de vagas ociosas das universidades e faculdades particulares, garantindo gratuitamente o acesso dos estudantes de baixa renda ao ensino superior, mediante iseno de impostos a estas instituies de ensino.

    11O discurso do novo desenvolvimentismo reorienta as reformas sociais sob a gide da economia externa. No caso da educao superior, suas polticas educacionais organizam-se em torno das exigncias dos organismos multilaterais: Os organismos adeptos desse novo-desenvolvimentismo consideram que algumas polticas e aes so fundamentais para repor na agenda dos pases os mecanismos de distribuio de recursos, de modo a enfrentar a questo da desigualdade, agora com foco na discusso de oportunidade. (MOTTA ET ALL,

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  • sentido entender a forma como se materializa os objetivos da Poltica de Assistncia ao

    Estudante universitrio situ-la numa perspectiva de Estado que a enxerga tambm enquanto

    via necessria para dar respostas aos interesses do grande capital, uma vez que uma das

    principais exigncias do Banco Mundial o aumento dos ndices de escolaridade dos pases

    perifricos12. E a Poltica tem como um de seus objetivos principais a diminuio dos

    ndices de evaso e retenso universitria.

    Sem desconsiderar o fato de que a Poltica representa um avano para a educao

    superior, sendo fruto da grita de movimentos sociais comprometidos com a causa da educao

    no Brasil, o problema que sendo orientada pelo discurso do neo-desenvolvimentismo, a

    forma como o PNAES implementada nas IFES aproxima a Poltica da lgica dos mnimos

    sociais13, sob o argumento de ampliao do nmero de usurios mas que acontece de forma

    desarticulada da qualidade dos servios prestados. Sem contar o fato de que suas aes

    prevem maiores resultados custa de menores investimentos e a forma como a poltica se

    estrutura caminha na lgica das polticas pobres para os pobres!

    Por exemplo, quanto aos Programas de Moradia Estudantil, alvo de nossas

    investigaes, os estudantes usurios no tm suas necessidades atendidas de forma ampliada:

    o trip bolsa, trabalho e moradia, ainda o motor destes programas, no priorizando as aes

    de lazer, sade, acesso informtica etc. em grande parte das universidades brasileiras.

    Questo que tem haver com a apropriao que o discurso neoliberal faz da concepo de

    necessidades bsicas, e termina por direcionar a poltica sob critrios rgidos de seletividade,

    luz de argumentos como o da: insuficincia de recursos do Estado.

    Ter em mente tais consideraes significa entender que questes estruturais perpassam

    os desafios postos a operacionalizao da Polticas de Educao, em especial, a Poltica de

    Assistncia Estudantil enquanto estratgia que fortalea o exerccio da educao enquanto

    direito. Formular respostas para tais desafios situar as Polticas Sociais dentro de uma

    discusso mais ampla, que nos remonta ao pensamento social brasileiro: ao continusmo como

    trao marcante do sistema poltico brasileiro, que historicamente foi conduzido por uma

    autocracia burguesa comprometida com os interesses do grande capital. Desse modo somos

    2010:43).

    12Em 2001 o Plano Nacional de Educao estabeleceu a meta de, em 2011, o Brasil contar com 30% dos jovens de 17-24 anos na educao superior.

    13Tal concepo releva a discusso das necessidades humanas ao restrito espao das necessidades de sobrevivncia e manuteno.

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  • levados a pensar: como direcionar a Poltica de Assistncia Estudantil luz do conceito de

    necessidades humanas ampliadas num pas que carrega os ranos de seu passado colonial?

    4. Consideraes finais

    A concepo de educao presente nas Polticas Educacionais na atualidade distancia-

    se do objetivo da formao crtica que contribua para a emancipao humana, e constri

    laos estreitos com a perspectiva de educao presente no receiturio neoliberal14. A proposta

    de uma educao tecnocrtica voltada ao interesse da economia externa, fortalecida no

    perodo ditatorial se reafirma junto ao projeto neoliberal que direciona o ensino superior no

    Brasil mediante a mercantilizao da educao, pela privatizao das universidades e ingesto

    de verbas pblicas em instituies de ensino privadas, imposio dos currculos mnimos,

    entre outras medidas que comprometem fortemente a qualidade da formao superior.

    As caractersticas concernentes formao do Estado brasileiro e a relao

    estabelecida com o mbito internacional perpassam o contedo das Polticas Educacionais no

    cenrio atual. Assim a educao expressa o resultado das relaes de foras presentes na

    sociedade e traduz o projeto poltico que o Brasil empenhou-se em desenvolver.

    Formular respostas para os desafios postos a efetivao da Assistncia Estudantil sob o

    ponto de vista do direito educao superior de qualidade, situar tais polticas dentro de

    uma discusso mais ampla, que nos remonta ao pensamento social brasileiro e suas

    contribuies para o entendimento do continusmo como trao marcante do sistema poltico

    brasileiro, que historicamente foi conduzido por uma autocracia burguesa comprometida com

    os interesses do grande capital.

    O entendimento do processo de formao social do Brasil faz com que a luta por uma

    Assistncia Estudantil