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Mas passo esta matéria perigosa, por Guilherme Conde

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Guilherme Conde, autor de "mas passo esta matéria perigosa" (la bodeguita, 2016), nasceu em 15 de junho de 1995, num embate entre tigre, búfalo, cavalo e javali, morou a maior parte da vida em Cachoeiro de Itapemirim no Espírito Santo, cidade quente e conservadora, se mudou em 2013 para o Rio de Janeiro a fim de estudar letras, coleciona bonecas e mangás, mestra rpgs, é o sétimo humano mais forte do planeta, com um soco que ultrapassa a velocidade do som, publicou, em 2015, seu primeiro livro “Caderno de Segunda Mãe” pelo coletivo editorial Garupa. Link p/ seu blog pessoal::: https://hiroshimamacherie.wordpress.com/

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Page 1: Mas passo esta matéria perigosa, por Guilherme Conde

mas

passo

esta

matéria

perigosa

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mas passo esta matéria perigosa

(por guilherme conde)

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Page 5: Mas passo esta matéria perigosa, por Guilherme Conde

1.

é importante

apoiar-se nos palitos

de dente

ao se ver o noticiário

e lembrar dos pequenos mutilados

porque

pode ser que um dia

infelizmente

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2. Queremos tanto a Bilinda

2.1

dormindo

enquanto te olho

ou quando cai de cara no chão

os olhos dominados por um rosa, ou vermelho, que

[embaça a visão

ou quando arranhando a lataria dos carros com um

[caco de vidro

você não percebe

é tua mão que sangra

é preciso remontar todos os filmes

recompor todas as músicas

reescrever tudo e, então,

de novo

2.2

look in a mirror, she's not there

where she won't care somewhere

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2.3

little girls in their party dresses

didn't like anything there

exceto uma

que vestiu sapatinhos vermelhos

e dançou dançou dançou dançou sem parar

e continuou dançando pelo mundo

dançou até começar a chorar de dor nas pernas

até comer seus próprios braços em desespero

(não conseguia comer as pernas porque dançavam, e

[é difícil

comer o que dança)

dançou até a morte

e depois de morta, com os sapatinhos vermelhos

[ainda calçados

continuou a dançar

o cadáver dançante era extremamente difícil de ser

[colocado

no caixãozinho cor-de-rosa

Page 8: Mas passo esta matéria perigosa, por Guilherme Conde

então resolveram

cremar

e aos poucos se reduziu a cinzas

dançando

e há quem diga que mesmo as cinzas

não se puderam guardar em uma urna

porque dançaram e dançaram pelo ar

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3.

quando (nunca)

(quase nunca)

alguém toca a campainha

da casa atarracada

e o cadáver se abre em

autopsia e veem todos os restos

de alguém

o gosto de coca-cola e o mesmo disco os lobisomens

[e os pássaros

o tempo o dilúvio de luz a proximidade

a outra visita o cineasta que só grava com

o que tem à mão e espera o tempo inteiro

pela oportunidade enquanto lê algo do Tezuka as

[coisas passam

e tudo

tudo passa sobre a terra

e é sempre madrugada quando olha

e vê a terra em um globo tão pequeno

onde fogem os instantes e tudo roda

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tudo gira e nada passa na distância

não há prosódia que sobreviva

no espaço

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4. Raul Pompeia

Era um som de engrenagem

enquanto os cupins

devoravam o invisível interior

da árvore de natal

Era um som de engrenagem, maquinário,

os longos galhos se estendiam em

uma forte graça,

talvez

de cabra do Tibet, crescendo a

cada segundo, traçando

o ar e a terra,

Era um som de engrenagem, maquinário, travava um

pouco, às vezes

O rastro que devorava e

fazia escorrer um filete de sangue pelo tronco,

ou seria linha

vermelha, lã, seda?

Era um som de engrenagem, maquinário, travava um

pouco, às vezes, faiscava, acelerava, freava,

Page 12: Mas passo esta matéria perigosa, por Guilherme Conde

rebobinava, movia seus blocos internos, se ordenava,

desordenava,

na base junto às raízes

se enfileiravam as

minúsculas pessoinhas

de chumbo

do grande mundo

se moviam de forma bisonha, como se fugissem

umas das outras,

numa prova de força,

escapando dessa monstruosa invenção fraca

a que se chama bravura

seus movimentos estruturados

pareciam carecer

e ameaçavam

em um relâmpago

de Damasco

sempre

o equilíbrio da

máquina dos ideais, que era todo um mundo

Page 13: Mas passo esta matéria perigosa, por Guilherme Conde

Nunca é possível dormir em paz,

mas fica uma amostra do enxofre.

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la bodeguita edições –março de 2016

“la cocaina no es buena para su salud”

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