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de 4 a 10 de setembro de 2014 4 brasil 5 Bruno Pavan de São Paulo (SP) A SÉRIE de protestos que foram chama- dos de “Jornadas de junho” em 2013 ain- da é motivo para dezenas de análises. O que começou com um questionamento do transporte público nas capitais, pas- sou por uma solidariedade às vítimas de violência policial e desaguou numa crise de representatividade dos que estavam nas ruas contra os partidos políticos. As placas de “não me representam” to- maram conta das ruas por todo o Brasil chegando, inclusive, a fazer a presidenta Dilma Rousseff chamar uma rede nacio- nal para se posicionar e procurar dar res- posta às ruas. Em um dos cinco pontos levantados, a presidenta anunciou a con- vocação da criação de um plebiscito po- pular para uma Constituinte exclusiva do sistema político. Resumindo, o governo faria uma con- sulta em que questionaria a população de seu desejo de eleger um Congresso exclu- sivamente para traçar um novo sistema político no Brasil. Horas depois, deputa- dos, ministros e até o vice-presidente da República jogavam água fria na ideia da presidenta. Acontece que a sociedade aproveitou o espaço aberto na discussão para bo- tar seu bloco na rua. Cerca de 400 enti- dades entre movimentos, organizações, partidos e sindicatos lançaram a campa- nha do “Plebiscito Popular pela Consti- tuinte Exclusiva”, que está mobilizando todo o país. O Plebiscito pela Constituinte Exclu- siva vai às ruas fazer a coleta de votos em todo o Brasil na chamada “Sema- na da pátria”, a partir de 1º de setem- bro e termina dia 7, dia da Independên- Constituinte exclusiva para reforma política cia. As urnas coletarão os votos com a resposta à pergunta: “Você é a favor de uma constituinte exclusiva e soberana para o sistema política?”. Sem a pre- tensão de se tornar alguma lei de fa- to, os 10 milhões de “sim” que a cam- panha pretende captar quer pressionar o Congresso Nacional e os políticos pa- ra a vontade da população de mudan- ças estruturais. “Um Plebiscito Popular não tem va- lor legal, mas tem força política. A atual Constituição diz que somente o Con- gresso Nacional, com deputados e se- nadores, podem aprovar um Plebiscito Legal. Claro que jamais farão isso sem pressão popular”, afirma o advogado Ri- POLÍTICA As ruas pediram, Dilma tentou, mas são os movimentos sociais que encampam a bandeira da uma mudança estrutural na política brasileira de São Paulo (SP) As campanhas no Brasil ficam mais ca- ras a cada eleição. Em 2014, de acordo com as informações cedidas pelas cam- panhas dos candidatos ao Tribunal Su- perior Eleitoral (TSE), os gastos podem chegar perto de R$ 1 bilhão somente no primeiro turno e ultrapassar essa marca no segundo. Também segundo a primeira roda- da de contas prestadas ao TSE, somen- te três empresas: AMBEV, JBS e OAS doaram 65% de todo o dinheiro para as campanhas presidenciais. A campanha de reeleição de Dilma Rousseff declarou que toda a receita da primeira rodada foi oriunda de doações de empresas. Andre Singer critica o modelo atual de financiamento, pois, na sua visão, ele de- sequilibra a democracia para o lado do dinheiro e das grandes empresas. “Nessa realidade de eleições cada vez mais caras e sendo sustentadas pelas empresas, vo- cê entra numa condição em que o capital tem muita influência no processo demo- crático e o cidadão acaba tendo cada vez menos”, analisou. A proibição da doação de pessoas jurí- dicas para campanhas eleitorais foi alvo de uma ADIN (Ação Direta Institucional) da Ordem dos Advogados do Brasil, que está parada no Supremo Tribunal Fede- ral. Dos 11 ministros da casa, seis já ha- viam se posicionado a favor da proibição aprofundar a participação das mulheres na política”, afirma Maria Julia. Segundo ela, historicamente “fomos relegadas ao espaço privado, então há grandes empecilhos para a participação política das mulheres, para nossa inser- ção no espaço público. Com a Constituin- te, conseguiremos pensar novas regras para o jogo da política, que possibilitarão uma radicalização da democracia brasi- leira”, analisou. Conservadorismo Outro ponto que atinge em cheio os interesses das mulheres e dos negros no processo político hoje em dia é o au- mento do conservadorismo na socieda- de e, como reflexo, no Congresso Nacio- nal. Temas sensíveis como o da lei anti- -homofobia, o direito ao aborto e as vá- rias tentativas de se diminuir a maiorida- de penal no Brasil. Maria Julia vê com preocupação os avanços de que ela chama de “direita antipopular” que vem avançando contra direitos das mulheres, mas também se posiciona contra qualquer iniciativa que aumente a participação popular na so- ciedade. “Temos visto com preocupação um au- mento desse conservadorismo escanca- radamente conservador, que é contra o direito da população LGBT, da popula- ção negra, e das mulheres”, afirma. Segundo ela, essa direita, extrema- mente antipopular, tem aparecido mais e conseguido mais espaço na sociedade. Ele é contra qualquer tipo de participa- ção popular, qualquer tipo de direitos a mais que possam ser conquistados pela população. Para ambos, a mídia alimenta muito essa ascensão conservadora por meio de programas religiosos e noticiários sen- sacionalistas que “são incorporados pe- lo senso comum”, de acordo com Flavio Jorge. Maria Julia explica a importância dos movimentos sociais serem o contra- ponto desse processo, ganhando um ta- manho maior no debate. “Uma das principais tarefas dos movi- mentos organizados hoje é estimular a organização do povo, estimular o deba- te político, o debate crítico, para conse- guir driblar a grande mídia, que joga le- nha na fogueira desse conservadorismo”, argumenta. Para ela, é preciso realizar trabalho de base, organizar o povo, porque se os movimentos populares não fizerem isso, quem o fará serão os setores conserva- dores, pautando questões como a maior criminalização do aborto, diminuição da maioridade penal etc. (BP) quando Gilmar Mendes pediu vistas do processo e ainda não o devolveu ao ple- nário. O professor é a favor do financiamen- to exclusivamente de pessoas físicas e de um limite de gastos baixo para as campa- nhas, excluindo toda a “parafernália ci- nematográfica” e focando mais em pro- gramas simples centrados nas propostas. Dificuldades Alguns analistas criticam a alternati- va de proibição do financiamento pri- vado de campanha com o argumento de que ao invés de ajudar nos controles das doações, possam piorar ainda mais o sistema. Um exemplo seria que uma empresa ou organização pudesse fazer pagamen- tos aos funcionários e integrantes para que sejam repassados às campanhas. Singer acredita que esse não é um ar- gumento trivial, mas analisa que a socie- dade mobilizada poderá fazer o papel de fiscalizadora de qualquer ilegalidade. “Eu reconheço que mudar regras não é simples e que a gente precisa ter uma postura cautelosa. Mas é preciso con- vir que a sociedade tem que se mexer e tentar essas mudanças na direção da- quilo que lhe interessa. A maior garan- tia de que as novas regras poderão fun- cionar é se a sociedade estiver mobili- zada para fazer o papel de fiscalizado- ra”, explicou. (BP – Com informações de Joana Tavares) de São Paulo (SP) O Brasil é o país com mais negros fo- ra da África. As mulheres já representam mais da metade da população brasilei- ra e, consequentemente, mais da metade dos votos. Porém, a representação des- sas duas parcelas da sociedade brasilei- ra no Congresso Nacional está longe de ser a ideal. A participação das mulheres na Câma- ra dos Deputados se restringe a 45 dos 513 eleitos, ou 9% do total. No Senado, dos 81 senadores, somente oito são mu- lheres (10%). Em relação aos negros, a correlação é ainda pior. Somente 43 deputados e dois senadores se autodeclaram negros. En- quanto isso, 273 dos parlamentares elei- tos em 2010 se declararam empresários, 160 estão na bancada ruralista e 66, na banca evangélica. A correção dessas in- justiças é um ponto central da Consti- tuinte exclusiva. “Cabe ao Estado brasileiro reconhecer a desigualdade de condições sociais e de representação política entre brancos e não brancos e a necessidade de mudan- ças no sistema político, criando a possi- bilidade de alcançarmos a paridade en- tre negros e brancos e entre mulheres e homens, para a efetivação de uma socie- dade verdadeiramente democrática e ci- dadã”, afirmou Flávio Jorge dirigente da SOWETO Organização Negra. Maria Julia Monteiro, militante da Marcha Mundial das Mulheres, desta- ca que somente com uma ampliação do processo democrático no Brasil, com a criação de novos mecanismos populares de participação popular, é possível fazer avançar o número de mulheres e negros em cargos políticos. “Com a Constituinte conseguiremos discutir um novo sistema político, que é essencial para aprofundarmos a demo- cracia brasileira. Faltam mecanismos de participação popular, possibilidade de fazer avançar candidaturas populares e cardo Gebrim, da Consulta Popular. Se- gundo ele, a maioria dos parlamentares não quer acabar com as regras privile- giadas que os elegeram. Para Gebrim, os plebiscitos populares geram conquistas também. “Em 2002, quando queriam que o Brasil assinasse um acordo horrível com os Estados Uni- dos e o então presidente Fernando Hen- rique queria ceder o Território de Alcân- tara no Maranhão para virar uma base militar norte-americana, 10 milhões de brasileiros foram às urnas do Plebiscito Popular e tiveram força social para mu- dar essas propostas”, explicou. O cientista político e professor da USP Andre Singer vê com bons olhos a ini- ciativa dos movimentos pautar a agenda da reforma política no Brasil e conside- ra importante a pressão da sociedade pa- ra que aconteçam mudanças estruturais na democracia. “Esse movimento é uma das novida- des mais interessantes desse último pe- ríodo no país, pois ele aponta na direção de uma transformação necessária e posi- tiva. A democracia está sempre em movi- mento, não é uma obra acabada, ela po- de sofrer pressões para ser colonizada pelo capital, mas também pode ser rea- propriada pela própria população. Acre- dito que o movimento vai nessa segunda direção”, elogiou. A falta de representatividade O desinteresse na política é o que mais preocupa tanto ativistas quanto cientis- tas políticos. O poeta e membro do coleti- vo Perifatividade Ruivo Lopes alerta que a representatividade de sociedade civil na política ainda é muito nebulosa e aca- ba afastando boas parcelas dos cidadãos, como a juventude. “A política nacional hoje não é atraen- te para a juventude que não se vê repre- sentada por esse processo viciado. Ela está pedindo protagonismo, mas sem a necessidade de assumir vínculos com a política tradicional. Ela quer criar seus próprios processos políticos nas ruas, coletivos e movimentos e a entrada em cena dessa juventude é urgente”, frisou. O fenômeno do desinteresse na polí- tica, de acordo com Andre Singer, não ocorre somente no Brasil. Ele considera também vital um processo de democra- tização da democracia para que essa ten- dência se reverta. “A sociedade tem que tentar se mexer para encontrar um modelo que faça esse movimento de democratizar a democra- cia. No contrário, vai acontecer aquilo que muitos estudiosos já observam em diversos países do mundo, em que há um esvaziamento da democracia, uma percepção por parte dos eleitores que a política não tem nada a ver com ele, é uma instância que funciona descolada das aspirações da própria sociedade e com isso você acaba por esvaziar o pró- prio sentido da democracia”, explicou. Hylda Cavalcanti de Brasília (DF) É IMPROVÁVEL a apreciação breve da Ação Direta de Inconstitucionalida- de (ADI) 4.650, que avalia se é legal ou não o financiamento privado de cam- panhas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A Ordem dos Advogados do Bra- sil (OAB) chegou a solicitar formalmen- te pressa em relação ao tema e o minis- tro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, que pediu vista da maté- ria em abril, afirmou por duas vezes que levaria o voto ao plenário neste segundo semestre. No entanto, conforme informações de ministros de tribunais superiores e ma- gistrados ligados a Mendes, as chances de a discussão ser retomada são previs- tas, no mínimo, para o início de novem- bro, depois das eleições. Mesmo com o assunto constante- mente abordado pela mídia e por enti- dades da sociedade civil, o que continua em jogo é o intrincado relacionamento entre empresariado e políticos. A ADI proposta pelo Conselho Federal da OAB tem, na prática, o intuito de moralizar essas relações. A entidade pediu ao STF que avalie a Lei nº 9.504/1997 (legislação eleitoral brasileira) no item que permite às em- presas privadas fazer doações para cam- panhas, a partidos políticos e ao fundo partidário. A visão da Ordem é de que o sistema atual cria uma situação desigual ao permitir que pessoas jurídicas, que não são agentes diretos das eleições, te- nham um peso muito grande no proces- so, em detrimento das pessoas físicas, que são agentes diretos da política. A OAB solicitou, ainda, que o tribunal casse os dispositivos do texto que estabe- lecem um limite para as doações feitas por pessoas físicas e que o Congresso Na- cional seja instado a editar legislação so- bre o tema. Manobras e protelação A matéria já teve relatório favorável do ministro relator da ADI, Luiz Fux, votos favoráveis de seis ministros e um voto de divergência, aberto pelo ministro Teo- ri Zavascki. Quando faltava a posição de Gilmar Mendes, em abril, o ministro pe- diu vista, interrompendo o julgamento. Mendes disse, durante participação num evento do Judiciário, que não “é justo ser acusado de fazer manobras para tentar adiar a decisão com o ges- to”, para favorecer a tese das doações, sobretudo porque a campanha está em plena realização. “É uma irresponsabi- lidade ficarem fazendo esse tipo de pia- da”, observou. As críticas ao fato de o ministro Gil- mar Mendes ter segurado a matéria par- tiram, principalmente, das entidades que têm realizado manifestações pela realização de uma reforma política no país o quanto antes. Dão conta de que o magistrado tenta, com a iniciativa de protelar a questão, aguardar alguma po- sição relacionada a matéria legislati- va pelo Congresso Nacional, em aten- dimento a pedido feito a ele por alguns deputados e senadores, dentre os quais o líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ) – neste caso, a proposta se- ria de favorecer a manutenção do siste- ma atual, com forte peso das doações feitas por pessoas jurídicas. Em maio passado, voltou a ser forma- do um movimento entre parlamentares para idas ao STF em busca de conversas com Gilmar Mendes. O que se comenta em alguns gabinetes de lideranças na Câ- mara é que a preocupação se deu diante da possibilidade de que, a poucos me- ses do início das eleições, alguma deci- são dos ministros despertasse um clima acalorado que pudesse levar a questiona- mentos ou mesmo interrompesse previ- sões de financiamento nas eleições. Eduardo Cunha, que além de líder é um dos políticos que tem a missão den- tro do PMDB de receber doações que são rateadas entre os demais candidatos, não foi pessoalmente a nenhum desses en- contros. Contudo, teria enviado interme- diários, de acordo com um deputado da mesma legenda, segundo o qual “hou- ve preocupação latente em relação a is- so, sobretudo por parte do PMDB, PP e DEM”. Procurado, Cunha não retornou aos contatos da RBA. “O principal problema em relação a isso é o sistema político. Nosso siste- ma eleitoral é insustentável, baseado no abuso do poder econômico. Não pode- mos falar de impunidade, porque mui- tas coisas estão feitas de acordo com a lei. Há coisas que são toleradas e até es- timuladas pela legislação eleitoral. Daí a necessidade de mudança”, diz o juiz Marlon Reis, autor do projeto que resul- tou na Lei da Ficha Limpa e que lançou recentemente livro sobre as complexas relações entre políticos e financiadores. Os pedidos para que o ministro apre- sente logo o voto foram reforçados por meio de uma petição apresentada pelo presidente da OAB, Vinícius Furtado, no final de junho, ao relator da ADI no Supremo, ministro Luiz Fux. No docu- mento, Furtado Coelho, em nome da en- tidade, pede para que Fux use a função de relator para pressionar por celerida- de no julgamento. Marcus Vinícius Furtado Coelho des- tacou que o sistema de financiamento privado cria desigualdades no proces- so eleitoral e afasta os que não têm co- mo buscar recursos para campanhas. Is- so transforma as desigualdades econô- micas em desigualdades políticas, atra- palhando a democracia. “Pessoas jurídi- cas são entidades artificiais criadas pe- lo Direito para facilitar o tráfego social e não cidadãos com a legítima preten- são de participarem do processo políti- co-eleitoral”, destaca trecho do texto en- caminhado por ele a Fux. Preocupação parlamentar A sugestão da OAB é que passe a ser permitida apenas a doação por pessoas físicas, mediante limites a serem apre- sentados por meio de proposta legis- lativa a ser apreciada e aprovada pelo Congresso. “Para uma pessoa de rendi- mentos modestos, não há anormalida- de na doação de até 10% dos rendimen- to, mas, quando esse limite é transferi- do para um bilionário, o sistema se afi- gura excessivamente permissivo”, acen- tuou Furtado Coelho. Em voto, o relator Luiz Fux não apenas enfatizou que a permissão de doações de campanha propicia a interferência do poder econômico sobre o poder políti- co, processo que tem se aprofundado nos últimos anos, como também apresentou dados consistentes que comprovam isso. O ministro mostrou, no relatório, plani- lhas de valores gastos em campanhas no Brasil, segundo os quais, em 2002, foram gastos R$ 798 milhões. Já em 2012, o valor saltou a R$ 4,5 bi- lhões – um crescimento de 471%. Os da- dos apresentados pelo ministro, resulta- do de pesquisa em vários órgãos oficiais, principalmente o TSE, apontam que, na comparação com outros países, o gasto per capta do Brasil nas campanhas supe- ra os da França, Alemanha e Reino Uni- do. E, se considerada a proporção com o Produto Interno Bruto do Brasil, o gasto com doações é maior do que o observado nos Estados Unidos. Luiz Fux salientou, ainda, que o va- lor médio gasto por um deputado fede- ral eleito no Brasil em 2010 chegou a R$ 1,1 milhão. De um senador, R$ 4,5 mi- lhões. E que o financiamento das campa- nhas é feito por um universo pequeno de empresas, sendo que os dez maiores do- adores correspondem a 22% do total ar- recadado. “O exercício de direitos políticos é in- compatível com as contribuições po- líticas de pessoas jurídicas. Uma em- presa pode até defender causas polí- ticas, como direitos humanos, mas há uma grande distância para isso justifi- car sua participação no processo políti- co, investindo valores vultosos em cam- panhas”, argumentou. Com visão mais polida em relação ao tema, o ministro Marco Aurélio de Mello, que foi por duas vezes presidente do Tri- bunal Superior Eleitoral (TSE), votou fa- vorável ao pedido da ação da OAB, mas entendeu que o financiamento de pesso- as físicas pode ser feito também, embora com restrições e critérios, uma vez que se configura “um dos meios de cada cidadão participar da vida política”. Para Mello, ao contrário das pessoas fí- sicas, “não se pode acreditar no patrocí- nio desinteressado das pessoas jurídicas. Deve-se evitar que a riqueza tenha o con- trole do processo eleitoral em detrimen- to dos valores constitucionais comparti- lhados pela sociedade”. O ministro Ricardo Lewandowski, atual presidente do STF (prestes a ser empossado no cargo), por sua vez, de- clarou que o financiamento de partidos e campanhas por empresas privadas, do modo como é autorizado hoje pela legis- lação eleitoral, fere o equilíbrio dos plei- tos e deveriam ser regido “pelo princípio de que a cada cidadão deve corresponder a um voto, com igual peso e valor.” Aplicação da norma O que ficou em dúvida para a conclu- são da votação, após a entrega do voto de Gilmar Mendes, é quanto ao caráter da aplicação da norma após ser declarada a ilegalidade do financiamento privado de campanhas. Muitos dos ministros acreditam que a questão deverá ficar com o Congresso Nacional, como inclusive pediu a OAB, mas o relator da ADI, Luiz Fux, que tem o aval de outros ministros com o mesmo pensamento, é da opinião de que o tri- bunal pode determinar algumas regras temporárias até o Legislativo se manifes- tar sobre o caso, o que seria visto como forma de pressionar deputados e senado- res a acelerarem a tramitação e votação da matéria legislativa. Oficialmente, o presidente do Con- gresso, senador Renan Calheiros (PM- DB-AL), já informou, por meio de as- sessoria, que até o julgamento do STF chegar ao final não vai se manifestar a respeito. E enquanto a discussão mos- tra como será quente essa briga após o período da eleição, o financiamento privado de campanhas continua ditan- do as regras dos principais candidatos nestas eleições. “Não dá mais para falar em aguardar para ver. Agora, é escolher bem nossos candidatos e ir à luta para fazer com que essa prática perversa acabe de fato”, frisa o estudante de Direito da UnB e militan- te do Movimento pelas Eleições Livres, Rodrigo Amaral, que já programa a or- ganização de uma manifestação até a se- de do STF em outubro, para pedir a con- tinuidade do julgamento. Os números registrados até agora pe- lo TSE deixam claro que as doações es- tão a todo vapor, independentemente de partidos. Este ano, as empresas que mais financiaram candidatos, não ape- nas à presidência, como a governos es- taduais e a vagas na Câmara e Senado, foram a JBS Friboi, AmBev e a constru- tora OAS. Dentre os 11 candidatos à pre- sidência, o montante de financiamento privado recebido já ultrapassou R$ 30 milhões. E os dados são referentes ape- nas à primeira rodada de prestação de contas eleitorais. “O sistema político terminou se trans- formando, com o passar dos anos, na ex- pressão das vontades e anseios do gran- de empresariado, para que seus interes- ses sejam preservados. Desse modo, fi- ca difícil assegurar a democracia e man- ter projetos desenvolvimentistas para o país. Está na hora dos brasileiros traba- lharem para colocar um fim nessa práti- ca tão desproporcional”, avalia o cientis- ta político Antonio Camaro, da Universi- dade de Brasília (UnB). (RBA) Gilmar Mendes trava decisão sobre doações privadas STF Ministro do Supremo pediu vista em abril de ação da OAB que tenta barrar financiamento de campanha por empresas. Organizações avaliam se tratar de protelação para que Congresso garanta manutenção do jogo “O principal problema em relação a isso é o sistema político. Nosso sistema eleitoral é insustentável, baseado no abuso do poder econômico” O financiamento público de campanha Desigualdade e representação política Sub-representados no Congresso Nacional, mulheres e negros questionam ameaça conservadora à democracia brasileira “Temos visto com preocupação um aumento desse conservadorismo escancaradamente conservador, que é contra o direito da população LGBT, da população negra, e das mulheres” “A política nacional hoje não é atraente para a juventude que não se vê representada por esse processo viciado” “Esse movimento é uma das novidades mais interessantes desse último período no país, pois ele aponta na direção de uma transformação necessária e positiva” Jornadas de junho de 2013 evidenciaram a crise de representatividade dos partidos políticos O cientista político André Singer Marcha Contra o Genocídio do Povo Negro, em Brasília: sem representação no Congresso O ministro Gilmar Mendes em sessão do STF ABr Mídia Ninja STF

Matéria Constituinte

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de 4 a 10 de setembro de 20144 brasil 5

Bruno Pavan de São Paulo (SP)

A SÉRIE de protestos que foram chama-dos de “Jornadas de junho” em 2013 ain-da é motivo para dezenas de análises. O que começou com um questionamento do transporte público nas capitais, pas-sou por uma solidariedade às vítimas de violência policial e desaguou numa crise de representatividade dos que estavam nas ruas contra os partidos políticos.

As placas de “não me representam” to-maram conta das ruas por todo o Brasil chegando, inclusive, a fazer a presidenta Dilma Rousseff chamar uma rede nacio-nal para se posicionar e procurar dar res-posta às ruas. Em um dos cinco pontos levantados, a presidenta anunciou a con-vocação da criação de um plebiscito po-pular para uma Constituinte exclusiva do sistema político.

Resumindo, o governo faria uma con-sulta em que questionaria a população de seu desejo de eleger um Congresso exclu-sivamente para traçar um novo sistema político no Brasil. Horas depois, deputa-dos, ministros e até o vice-presidente da República jogavam água fria na ideia da presidenta.

Acontece que a sociedade aproveitou o espaço aberto na discussão para bo-tar seu bloco na rua. Cerca de 400 enti-dades entre movimentos, organizações, partidos e sindicatos lançaram a campa-nha do “Plebiscito Popular pela Consti-tuinte Exclusiva”, que está mobilizando todo o país.

O Plebiscito pela Constituinte Exclu-siva vai às ruas fazer a coleta de votos em todo o Brasil na chamada “Sema-na da pátria”, a partir de 1º de setem-bro e termina dia 7, dia da Independên-

Constituinte exclusiva para reforma política

cia. As urnas coletarão os votos com a resposta à pergunta: “Você é a favor de uma constituinte exclusiva e soberana para o sistema política?”. Sem a pre-tensão de se tornar alguma lei de fa-to, os 10 milhões de “sim” que a cam-panha pretende captar quer pressionar o Congresso Nacional e os políticos pa-ra a vontade da população de mudan-ças estruturais.

“Um Plebiscito Popular não tem va-lor legal, mas tem força política. A atual Constituição diz que somente o Con-gresso Nacional, com deputados e se-nadores, podem aprovar um Plebiscito Legal. Claro que jamais farão isso sem pressão popular”, afirma o advogado Ri-

POLÍTICA As ruas pediram, Dilma tentou, mas são os movimentos sociais que encampam a bandeira da uma mudança estrutural na política brasileira

de São Paulo (SP)

As campanhas no Brasil ficam mais ca-ras a cada eleição. Em 2014, de acordo com as informações cedidas pelas cam-panhas dos candidatos ao Tribunal Su-perior Eleitoral (TSE), os gastos podem chegar perto de R$ 1 bilhão somente no primeiro turno e ultrapassar essa marca no segundo.

Também segundo a primeira roda-da de contas prestadas ao TSE, somen-te três empresas: AMBEV, JBS e OAS doaram 65% de todo o dinheiro para as campanhas presidenciais. A campanha de reeleição de Dilma Rousseff declarou que toda a receita da primeira rodada foi oriunda de doações de empresas.

Andre Singer critica o modelo atual de financiamento, pois, na sua visão, ele de-sequilibra a democracia para o lado do dinheiro e das grandes empresas. “Nessa realidade de eleições cada vez mais caras e sendo sustentadas pelas empresas, vo-cê entra numa condição em que o capital tem muita influência no processo demo-crático e o cidadão acaba tendo cada vez menos”, analisou.

A proibição da doação de pessoas jurí-dicas para campanhas eleitorais foi alvo de uma ADIN (Ação Direta Institucional) da Ordem dos Advogados do Brasil, que está parada no Supremo Tribunal Fede-ral. Dos 11 ministros da casa, seis já ha-viam se posicionado a favor da proibição

aprofundar a participação das mulheres na política”, afirma Maria Julia.

Segundo ela, historicamente “fomos relegadas ao espaço privado, então há grandes empecilhos para a participação política das mulheres, para nossa inser-ção no espaço público. Com a Constituin-te, conseguiremos pensar novas regras para o jogo da política, que possibilitarão uma radicalização da democracia brasi-leira”, analisou.

ConservadorismoOutro ponto que atinge em cheio os

interesses das mulheres e dos negros no processo político hoje em dia é o au-mento do conservadorismo na socieda-de e, como reflexo, no Congresso Nacio-nal. Temas sensíveis como o da lei anti--homofobia, o direito ao aborto e as vá-rias tentativas de se diminuir a maiorida-de penal no Brasil.

Maria Julia vê com preocupação os avanços de que ela chama de “direita antipopular” que vem avançando contra

direitos das mulheres, mas também se posiciona contra qualquer iniciativa que aumente a participação popular na so-ciedade.

“Temos visto com preocupação um au-mento desse conservadorismo escanca-radamente conservador, que é contra o direito da população LGBT, da popula-ção negra, e das mulheres”, afirma.

Segundo ela, essa direita, extrema-mente antipopular, tem aparecido mais e conseguido mais espaço na sociedade. Ele é contra qualquer tipo de participa-ção popular, qualquer tipo de direitos a mais que possam ser conquistados pela população.

Para ambos, a mídia alimenta muito essa ascensão conservadora por meio de programas religiosos e noticiários sen-sacionalistas que “são incorporados pe-lo senso comum”, de acordo com Flavio Jorge. Maria Julia explica a importância dos movimentos sociais serem o contra-ponto desse processo, ganhando um ta-manho maior no debate.

“Uma das principais tarefas dos movi-mentos organizados hoje é estimular a organização do povo, estimular o deba-te político, o debate crítico, para conse-guir driblar a grande mídia, que joga le-nha na fogueira desse conservadorismo”, argumenta.

Para ela, é preciso realizar trabalho de base, organizar o povo, porque se os movimentos populares não fizerem isso, quem o fará serão os setores conserva-dores, pautando questões como a maior criminalização do aborto, diminuição da maioridade penal etc. (BP)

quando Gilmar Mendes pediu vistas do processo e ainda não o devolveu ao ple-nário.

O professor é a favor do financiamen-to exclusivamente de pessoas físicas e de um limite de gastos baixo para as campa-nhas, excluindo toda a “parafernália ci-nematográfica” e focando mais em pro-gramas simples centrados nas propostas.

Dificuldades Alguns analistas criticam a alternati-

va de proibição do financiamento pri-vado de campanha com o argumento de que ao invés de ajudar nos controles das doações, possam piorar ainda mais o sistema.

Um exemplo seria que uma empresa ou organização pudesse fazer pagamen-tos aos funcionários e integrantes para que sejam repassados às campanhas.

Singer acredita que esse não é um ar-gumento trivial, mas analisa que a socie-dade mobilizada poderá fazer o papel de fiscalizadora de qualquer ilegalidade.

“Eu reconheço que mudar regras não é simples e que a gente precisa ter uma postura cautelosa. Mas é preciso con-vir que a sociedade tem que se mexer e tentar essas mudanças na direção da-quilo que lhe interessa. A maior garan-tia de que as novas regras poderão fun-cionar é se a sociedade estiver mobili-zada para fazer o papel de fiscalizado-ra”, explicou. (BP – Com informações de Joana Tavares)

de São Paulo (SP)

O Brasil é o país com mais negros fo-ra da África. As mulheres já representam mais da metade da população brasilei-ra e, consequentemente, mais da metade dos votos. Porém, a representação des-sas duas parcelas da sociedade brasilei-ra no Congresso Nacional está longe de ser a ideal.

A participação das mulheres na Câma-ra dos Deputados se restringe a 45 dos 513 eleitos, ou 9% do total. No Senado, dos 81 senadores, somente oito são mu-lheres (10%).

Em relação aos negros, a correlação é ainda pior. Somente 43 deputados e dois senadores se autodeclaram negros. En-quanto isso, 273 dos parlamentares elei-tos em 2010 se declararam empresários, 160 estão na bancada ruralista e 66, na banca evangélica. A correção dessas in-justiças é um ponto central da Consti-tuinte exclusiva.

“Cabe ao Estado brasileiro reconhecer a desigualdade de condições sociais e de representação política entre brancos e não brancos e a necessidade de mudan-ças no sistema político, criando a possi-bilidade de alcançarmos a paridade en-tre negros e brancos e entre mulheres e homens, para a efetivação de uma socie-dade verdadeiramente democrática e ci-dadã”, afirmou Flávio Jorge dirigente da SOWETO Organização Negra.

Maria Julia Monteiro, militante da Marcha Mundial das Mulheres, desta-ca que somente com uma ampliação do processo democrático no Brasil, com a criação de novos mecanismos populares de participação popular, é possível fazer avançar o número de mulheres e negros em cargos políticos.

“Com a Constituinte conseguiremos discutir um novo sistema político, que é essencial para aprofundarmos a demo-cracia brasileira. Faltam mecanismos de participação popular, possibilidade de fazer avançar candidaturas populares e

cardo Gebrim, da Consulta Popular. Se-gundo ele, a maioria dos parlamentares não quer acabar com as regras privile-giadas que os elegeram.

Para Gebrim, os plebiscitos populares geram conquistas também. “Em 2002, quando queriam que o Brasil assinasse um acordo horrível com os Estados Uni-

dos e o então presidente Fernando Hen-rique queria ceder o Território de Alcân-tara no Maranhão para virar uma base militar norte-americana, 10 milhões de brasileiros foram às urnas do Plebiscito Popular e tiveram força social para mu-dar essas propostas”, explicou.

O cientista político e professor da USP Andre Singer vê com bons olhos a ini-ciativa dos movimentos pautar a agenda da reforma política no Brasil e conside-ra importante a pressão da sociedade pa-ra que aconteçam mudanças estruturais na democracia.

“Esse movimento é uma das novida-des mais interessantes desse último pe-ríodo no país, pois ele aponta na direção

de uma transformação necessária e posi-tiva. A democracia está sempre em movi-mento, não é uma obra acabada, ela po-de sofrer pressões para ser colonizada pelo capital, mas também pode ser rea-propriada pela própria população. Acre-dito que o movimento vai nessa segunda direção”, elogiou.

A falta de representatividadeO desinteresse na política é o que mais

preocupa tanto ativistas quanto cientis-tas políticos. O poeta e membro do coleti-vo Perifatividade Ruivo Lopes alerta que a representatividade de sociedade civil na política ainda é muito nebulosa e aca-ba afastando boas parcelas dos cidadãos, como a juventude.

“A política nacional hoje não é atraen-te para a juventude que não se vê repre-sentada por esse processo viciado. Ela está pedindo protagonismo, mas sem a necessidade de assumir vínculos com a política tradicional. Ela quer criar seus próprios processos políticos nas ruas, coletivos e movimentos e a entrada em cena dessa juventude é urgente”, frisou.

O fenômeno do desinteresse na polí-tica, de acordo com Andre Singer, não ocorre somente no Brasil. Ele considera também vital um processo de democra-tização da democracia para que essa ten-dência se reverta.

“A sociedade tem que tentar se mexer para encontrar um modelo que faça esse movimento de democratizar a democra-cia. No contrário, vai acontecer aquilo que muitos estudiosos já observam em diversos países do mundo, em que há um esvaziamento da democracia, uma percepção por parte dos eleitores que a política não tem nada a ver com ele, é uma instância que funciona descolada das aspirações da própria sociedade e com isso você acaba por esvaziar o pró-prio sentido da democracia”, explicou.

Hylda Cavalcanti de Brasília (DF)

É IMPROVÁVEL a apreciação breve da Ação Direta de Inconstitucionalida-de (ADI) 4.650, que avalia se é legal ou não o financiamento privado de cam-panhas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A Ordem dos Advogados do Bra-sil (OAB) chegou a solicitar formalmen-te pressa em relação ao tema e o minis-tro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, que pediu vista da maté-ria em abril, afirmou por duas vezes que levaria o voto ao plenário neste segundo semestre.

No entanto, conforme informações de ministros de tribunais superiores e ma-gistrados ligados a Mendes, as chances de a discussão ser retomada são previs-tas, no mínimo, para o início de novem-bro, depois das eleições.

Mesmo com o assunto constante-mente abordado pela mídia e por enti-dades da sociedade civil, o que continua em jogo é o intrincado relacionamento entre empresariado e políticos. A ADI proposta pelo Conselho Federal da OAB tem, na prática, o intuito de moralizar essas relações.

A entidade pediu ao STF que avalie a Lei nº 9.504/1997 (legislação eleitoral brasileira) no item que permite às em-presas privadas fazer doações para cam-panhas, a partidos políticos e ao fundo partidário. A visão da Ordem é de que o sistema atual cria uma situação desigual ao permitir que pessoas jurídicas, que não são agentes diretos das eleições, te-nham um peso muito grande no proces-so, em detrimento das pessoas físicas, que são agentes diretos da política.

A OAB solicitou, ainda, que o tribunal casse os dispositivos do texto que estabe-lecem um limite para as doações feitas por pessoas físicas e que o Congresso Na-cional seja instado a editar legislação so-bre o tema.

Manobras e protelaçãoA matéria já teve relatório favorável do

ministro relator da ADI, Luiz Fux, votos favoráveis de seis ministros e um voto de divergência, aberto pelo ministro Teo-ri Zavascki. Quando faltava a posição de Gilmar Mendes, em abril, o ministro pe-diu vista, interrompendo o julgamento.

Mendes disse, durante participação num evento do Judiciário, que não “é justo ser acusado de fazer manobras para tentar adiar a decisão com o ges-to”, para favorecer a tese das doações, sobretudo porque a campanha está em plena realização. “É uma irresponsabi-lidade ficarem fazendo esse tipo de pia-da”, observou.

As críticas ao fato de o ministro Gil-mar Mendes ter segurado a matéria par-tiram, principalmente, das entidades que têm realizado manifestações pela realização de uma reforma política no país o quanto antes. Dão conta de que o magistrado tenta, com a iniciativa de protelar a questão, aguardar alguma po-sição relacionada a matéria legislati-va pelo Congresso Nacional, em aten-dimento a pedido feito a ele por alguns deputados e senadores, dentre os quais o líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ) – neste caso, a proposta se-ria de favorecer a manutenção do siste-ma atual, com forte peso das doações feitas por pessoas jurídicas.

Em maio passado, voltou a ser forma-do um movimento entre parlamentares para idas ao STF em busca de conversas com Gilmar Mendes. O que se comenta em alguns gabinetes de lideranças na Câ-mara é que a preocupação se deu diante da possibilidade de que, a poucos me-ses do início das eleições, alguma deci-são dos ministros despertasse um clima acalorado que pudesse levar a questiona-mentos ou mesmo interrompesse previ-sões de financiamento nas eleições.

Eduardo Cunha, que além de líder é um dos políticos que tem a missão den-tro do PMDB de receber doações que são rateadas entre os demais candidatos, não foi pessoalmente a nenhum desses en-contros. Contudo, teria enviado interme-diários, de acordo com um deputado da mesma legenda, segundo o qual “hou-ve preocupação latente em relação a is-so, sobretudo por parte do PMDB, PP e DEM”. Procurado, Cunha não retornou aos contatos da RBA.

“O principal problema em relação a isso é o sistema político. Nosso siste-ma eleitoral é insustentável, baseado no abuso do poder econômico. Não pode-mos falar de impunidade, porque mui-tas coisas estão feitas de acordo com a lei. Há coisas que são toleradas e até es-timuladas pela legislação eleitoral. Daí a necessidade de mudança”, diz o juiz Marlon Reis, autor do projeto que resul-tou na Lei da Ficha Limpa e que lançou recentemente livro sobre as complexas relações entre políticos e financiadores.

Os pedidos para que o ministro apre-sente logo o voto foram reforçados por meio de uma petição apresentada pelo presidente da OAB, Vinícius Furtado, no final de junho, ao relator da ADI no Supremo, ministro Luiz Fux. No docu-mento, Furtado Coelho, em nome da en-tidade, pede para que Fux use a função de relator para pressionar por celerida-de no julgamento.

Marcus Vinícius Furtado Coelho des-tacou que o sistema de financiamento privado cria desigualdades no proces-so eleitoral e afasta os que não têm co-mo buscar recursos para campanhas. Is-so transforma as desigualdades econô-micas em desigualdades políticas, atra-palhando a democracia. “Pessoas jurídi-cas são entidades artificiais criadas pe-lo Direito para facilitar o tráfego social e não cidadãos com a legítima preten-são de participarem do processo políti-co-eleitoral”, destaca trecho do texto en-caminhado por ele a Fux.

Preocupação parlamentarA sugestão da OAB é que passe a ser

permitida apenas a doação por pessoas físicas, mediante limites a serem apre-sentados por meio de proposta legis-lativa a ser apreciada e aprovada pelo Congresso. “Para uma pessoa de rendi-mentos modestos, não há anormalida-de na doação de até 10% dos rendimen-to, mas, quando esse limite é transferi-do para um bilionário, o sistema se afi-gura excessivamente permissivo”, acen-tuou Furtado Coelho.

Em voto, o relator Luiz Fux não apenas enfatizou que a permissão de doações de campanha propicia a interferência do poder econômico sobre o poder políti-co, processo que tem se aprofundado nos últimos anos, como também apresentou dados consistentes que comprovam isso. O ministro mostrou, no relatório, plani-lhas de valores gastos em campanhas no Brasil, segundo os quais, em 2002, foram gastos R$ 798 milhões.

Já em 2012, o valor saltou a R$ 4,5 bi-lhões – um crescimento de 471%. Os da-dos apresentados pelo ministro, resulta-do de pesquisa em vários órgãos oficiais, principalmente o TSE, apontam que, na comparação com outros países, o gasto per capta do Brasil nas campanhas supe-ra os da França, Alemanha e Reino Uni-do. E, se considerada a proporção com o Produto Interno Bruto do Brasil, o gasto com doações é maior do que o observado nos Estados Unidos.

Luiz Fux salientou, ainda, que o va-lor médio gasto por um deputado fede-ral eleito no Brasil em 2010 chegou a R$ 1,1 milhão. De um senador, R$ 4,5 mi-lhões. E que o financiamento das campa-nhas é feito por um universo pequeno de empresas, sendo que os dez maiores do-adores correspondem a 22% do total ar-recadado.

“O exercício de direitos políticos é in-compatível com as contribuições po-líticas de pessoas jurídicas. Uma em-

presa pode até defender causas polí-ticas, como direitos humanos, mas há uma grande distância para isso justifi-car sua participação no processo políti-co, investindo valores vultosos em cam-panhas”, argumentou.

Com visão mais polida em relação ao tema, o ministro Marco Aurélio de Mello, que foi por duas vezes presidente do Tri-bunal Superior Eleitoral (TSE), votou fa-vorável ao pedido da ação da OAB, mas entendeu que o financiamento de pesso-as físicas pode ser feito também, embora com restrições e critérios, uma vez que se configura “um dos meios de cada cidadão participar da vida política”.

Para Mello, ao contrário das pessoas fí-sicas, “não se pode acreditar no patrocí-nio desinteressado das pessoas jurídicas. Deve-se evitar que a riqueza tenha o con-trole do processo eleitoral em detrimen-to dos valores constitucionais comparti-lhados pela sociedade”.

O ministro Ricardo Lewandowski, atual presidente do STF (prestes a ser empossado no cargo), por sua vez, de-clarou que o financiamento de partidos e campanhas por empresas privadas, do modo como é autorizado hoje pela legis-lação eleitoral, fere o equilíbrio dos plei-tos e deveriam ser regido “pelo princípio de que a cada cidadão deve corresponder a um voto, com igual peso e valor.”

Aplicação da normaO que ficou em dúvida para a conclu-

são da votação, após a entrega do voto de Gilmar Mendes, é quanto ao caráter da aplicação da norma após ser declarada a ilegalidade do financiamento privado de campanhas.

Muitos dos ministros acreditam que a questão deverá ficar com o Congresso Nacional, como inclusive pediu a OAB, mas o relator da ADI, Luiz Fux, que tem o aval de outros ministros com o mesmo pensamento, é da opinião de que o tri-bunal pode determinar algumas regras temporárias até o Legislativo se manifes-tar sobre o caso, o que seria visto como forma de pressionar deputados e senado-res a acelerarem a tramitação e votação da matéria legislativa.

Oficialmente, o presidente do Con-gresso, senador Renan Calheiros (PM-DB-AL), já informou, por meio de as-sessoria, que até o julgamento do STF chegar ao final não vai se manifestar a respeito. E enquanto a discussão mos-tra como será quente essa briga após o período da eleição, o financiamento privado de campanhas continua ditan-do as regras dos principais candidatos nestas eleições.

“Não dá mais para falar em aguardar para ver. Agora, é escolher bem nossos candidatos e ir à luta para fazer com que essa prática perversa acabe de fato”, frisa o estudante de Direito da UnB e militan-te do Movimento pelas Eleições Livres, Rodrigo Amaral, que já programa a or-ganização de uma manifestação até a se-de do STF em outubro, para pedir a con-tinuidade do julgamento.

Os números registrados até agora pe-lo TSE deixam claro que as doações es-tão a todo vapor, independentemente de partidos. Este ano, as empresas que mais financiaram candidatos, não ape-nas à presidência, como a governos es-taduais e a vagas na Câmara e Senado, foram a JBS Friboi, AmBev e a constru-tora OAS. Dentre os 11 candidatos à pre-sidência, o montante de financiamento privado recebido já ultrapassou R$ 30 milhões. E os dados são referentes ape-nas à primeira rodada de prestação de contas eleitorais.

“O sistema político terminou se trans-formando, com o passar dos anos, na ex-pressão das vontades e anseios do gran-de empresariado, para que seus interes-ses sejam preservados. Desse modo, fi-ca difícil assegurar a democracia e man-ter projetos desenvolvimentistas para o país. Está na hora dos brasileiros traba-lharem para colocar um fim nessa práti-ca tão desproporcional”, avalia o cientis-ta político Antonio Camaro, da Universi-dade de Brasília (UnB). (RBA)

Gilmar Mendes trava decisão sobre doações privadasSTF Ministro do Supremo pediu vista em abril de ação da OAB que tenta barrar financiamento de campanha por empresas. Organizações avaliam se tratar de protelação para que Congresso garanta manutenção do jogo

“O principal problema em relação a isso é o sistema político. Nosso sistema eleitoral é insustentável, baseado no abuso do poder econômico”

O financiamento público de campanha

Desigualdade e representação políticaSub-representados no Congresso Nacional, mulheres e negros questionam ameaça conservadora à democracia brasileira

“Temos visto com preocupação um aumento desse conservadorismo escancaradamente conservador, que é contra o direito da população LGBT, da população negra, e das mulheres”

“A política nacional hoje não é atraente para a juventude que não se vê representada por esse processo viciado”

“Esse movimento é uma das novidades mais interessantes desse último período no país, pois ele aponta na direção de uma transformação necessária e positiva”

Jornadas de junho de 2013 evidenciaram a crise de representatividade dos partidos políticos

O cientista político André Singer

Marcha Contra o Genocídio do Povo Negro, em Brasília: sem representação no Congresso

O ministro Gilmar Mendes em sessão do STF

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