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1 UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR MATERIAIS Notas de Aula Vol 1 – capítulos I, II, III e IV Introdução, Estruturas e Defeitos Cristalinos, Diagramas de Fase Prof. Dr. Tessaleno C. Devezas

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UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR

MATERIAIS

Notas de Aula

Vol 1 – capítulos I, II, III e IV

Introdução, Estruturas e Defeitos Cristalinos, Diagramas de Fase

Prof. Dr. Tessaleno C. Devezas

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I- INTRODUÇÃO (vol 1) I.1 - Materiais e Civilização I.2 - Engenharia e Ciência dos Materiais I.3 - Tipos de Materiais e suas Propriedades I.4 - Tendências Futuras

II - ESTRUTURAS CRISTALINAS (vol. 1) II.1 – Células Unitárias e Sistemas Cristalinos II.2 - Estruturas Cúbicas II.3 - Estruturas Hexagonais II.4 – Determinação da Densidade dos Materiais

III - DEFEITOS CRISTALINOS (vol. 1) III.1 - Soluções Sólidas III.2 - Compostos Não-Estequiométricos III.3 - Defeitos Pontuais III.4 - Defeitos de Linha III.5 - Defeitos Bidimensionais

IV - EQUILÍBRIO DE FASES (vol. 1) IV.1 - Regra das Fases IV.2 - Diagramas Binários IV.3 - Regra da Alavanca IV.4 - Reacções Invariantes IV.5 - Diagramas Seleccionados IV.6 - Diagramas Ternários

V - METAIS E LIGAS (vol. 2) V.1 – Características Gerais V.2 – Ferros Fundidos V.3 – Aços Carbono e Aços Inoxidáveis V.4 – Outras ligas importantes V.5 – Generalidades sobre tratamentos térmicos

VI - MATERIAIS CERÂMICOS (vol. 3) VI.1 - Introdução e Definições VI.2 - Silicatos VI.3 - Argilas VI.4 – Processamento Cerâmico VI.5 – Cerâmicas Técnicas e Avançadas VI.6 – Cerâmicas Electroelectrónicas VI.7 – Vidros VII – POLÍMEROS e COMPÓSITOS (vol. 4) VII.1 – Introdução VII.2 – Termoplásticos VII.3 – Termoendurecíveis VII.4 – Materiais Compósitos

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I – INTRODUÇÃO I.1 - MATERIAIS E CIVILIZAÇÃO O que é engenharia? O que faz o engenheiro? Segundo a definição adoptada pelo Accreditation Board for Engineering and Technology (USA) observa-se a destacada posição do conceito de materiais dentro da concepção das actividades em engenharia: "Engenharia é a profissão em que os conhecimentos adquiridos das ciências naturais e matemática através de estudos, experiência e prática, são aplicados com bom senso para encontrar formas de utilizar os Materiais e Forças da Natureza para o benefício da humanidade". Desta forma, a função do engenheiro é fundamentalmente a de adaptar Materiais e Energia para as necessidades da sociedade. Materiais → componentes fundamentais da civilização e cultura humana. A evolução da cultura humana é condicionada pelos materiais que o homem é capaz de manipular; tem-se assim: pré-cerâmico (nómada) - Idade da Pedra cerâmico (agricultura) - Idade do Bronze - Idade do Ferro Os primeiros assentamentos humanos (povoados) estão ligados, desde a Idade da Pedra, às ocorrências e depósitos de pedras e argilas. Tal fato acentuou-se ainda mais durante a Idade do Bronze (ocorrências de estanho e cobre) e do Ferro. O desenvolvimento do aço marcou o início de uma nova era, permitindo o advento da revolução industrial, que se iniciou na Inglaterra no início do século XIX. Pode-se falar da simbiose: tecnologia de materiais x transformações sócio-económicas Ex: aço x malhas ferroviárias cimento portland x construção civil silício x telecomunicações - Hoje já não se vive mais uma era com um único material predominante. Embora o aço ainda seja de grande expressão económica, tem-se um papel bastante relevante de outros materiais, como plásticos e cerâmicas, bem como de outros metais, tais como cobre, alumínio, silício, titânio, níquel, etc....

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- Na verdade, vivemos desde o último quarto do século XX uma Era de Alta Tecnologia, para a qual se faz necessário cada vez mais o desenvolvimento contínuo de novos e sofisticados materiais. Ex: Computadores, aviões, automóveis, sistemas de telecomunicação, etc. são altamente dependentes de novos materiais para melhoria do seu desempenho. I.2 - ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS A produção e o processamento de materiais, e a sua transformação em bens de consumo constitui, par a par com a produção energética, um dos maiores segmentos da economia global. Como todos os bens de consumo requerem materiais para a sua produção, os engenheiros devem adquirir conhecimentos sobre a sua estrutura interna e propriedades, de maneira a serem capazes de: 1- seleccionar os materiais mais adequados para uma determinada aplicação; 2- desenvolver melhores métodos de processamento e produção; 3- encontrar soluções para problemas tecnológicos que venham a exigir

um novo material ou material alternativo. Desta forma, para o estudo dos materiais usados em engenharia, deve-se seguir uma sequência lógica de conhecimentos sobre: elementos químicos

ligações atómicas estruturas cristalinas ou não

propriedades seguindo assim uma sequência de escala micro macro dimensional. As actividades envolvendo materiais podem ser visualizadas segundo três grupos bastante relacionados (ou mesmo sobrepostos) entre si: 1- Engenheiros de Investigação e Desenvolvimento + Físicos e Químicos → criação de novos materiais ou modificação das propriedades de materiais já existentes: "Ciência dos Materiais", inserida no panorama científico mundial a partir dos anos 1960. Neste campo tem-se a procura por conhecimento básico sobre a estrutura interna, propriedades e processamento de materiais. 2- Engenheiros de Aplicação → uso dos materiais existentes ou exigência de novos materiais para as aplicações ou sistemas específicos.

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Ex: engenheiro mecânicoàautomóveis, sistemas de geração de potência " elétricoàsistemas de distribuição de energia, circuitos " navalànavios, sistemas de transporte marítimo " químicoàrefinarias de petróleo, plantas de redução,... " civilàconstrução civil, pontes, urbanização " aeroespacial àaeronaves, veículos espaciais Em todas essas aplicações, o desenvolvimento tecnológico exige o uso de materiais cada vez mais sofisticados. 3- Entre esses dois extremos tem-se o campo relativamente recente da "Engenharia dos Materiais", que se ocupa com o uso de conhecimentos básicos e aplicados sobre a estrutura e propriedades dos materiais, de modo que esses materiais possam ser convertidos em produtos necessários ou desejados pela sociedade. De um modo geral, é muito difícil encontrar-se uma linha divisória clara entre a "Ciência dos Materiais" e a "Engenharia dos Materiais"; desta forma é bastante comum encontrarmos esses dois campos associados como "Engenharia e Ciência dos Materiais".

III...3 – TIPOS DE MATERIAIS E SUAS PROPRIEDADES Como é sabido, os chamados elementos químicos da tabela periódica podem ser divididos, com relação à sua configuração electrónica, em pelo menos dois grandes grupos:

Elementos metálicos Elementos não metálicos

1) têm poucos electrões nos 1) têm 4 ou mais electrões nos seus orbitais mais externos nos seus orbitais mais (3 ou menos) externos 2) formam catiões pela 2) formam aniões, ganhando perda desses electrões electrões que completam seus

orbitais mais externos 3) baixa electronegatividade 3) alta electronegatividade (Electronegatividade: uma medida da capacidade de atrair electrões e incorporá-los na camada mais externa, de modo a completá-la)

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Breve revisão sobre os tipos de ligações atómicas As ligações químicas entre os átomos ocorrem sempre que haja uma diminuição da energia potencial dos electrões no estado ligado. Fisicamente este fenómeno ocorrerá através da transferência de electrões entre os orbitais atómicos, podendo ocorrer uma transferência completa ou uma comparticipação dos electrões na camada mais externa (camada de valência). As ligações atómicas e moleculares são em geral divididas em dois grupos principais: Å Ligações primárias ou ligações fortes: Ligações iónicas Ligações covalentes Ligações metálicas. Ç Ligações secundárias ou ligações fracas: Ligações de dipolo permanente (moleculares) Ligações de dipolo flutuante. Ligações iónicas As ligações iónicas envolvem elementos altamente electropositivos (metálicos) e elementos altamente electronegativos (não metálicos). Os elementos metálicos altamente electropositivos possuem em geral electrões de orbitais s fracamente ligados, enquanto que os elementos não metálicos possuem orbitais p não completamente preenchidos. Quando postos em contacto pode haver uma transferência completa dos electrões dos orbitais s do elemento metálico (gerando um ião positivo ou catião) para os orbitais p incompletos do elemento não metálico (gerando um ião negativo ou anião). Como consequência, uma forte interacção de atracção electrostática aparecerá entre esses dois iões. Uma característica importante das ligações iónicas é que elas possuem um carácter não-direccional, pois a atracção electrostática entre cargas simétricas é independente da orientação espacial. Deve-se lembrar também que ao variar o número de electrões ao redor do núcleo atómico, o tamanho do átomo (ou ião) muda. Os catiões são menores que os átomos neutros e os aniões são maiores. A tabela 1 a seguir mostra a variação no tamanho de alguns átomos neutros e iões:

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Tabela 1: Tamanho comparativo de alguns aniões e catiões

Elemento Raio atómico (nm) Raio iónico (nm)

Hidrogénio 0.046 ( H- ) 0.208 Iodo 0.136 ( I- ) 0.216 Enxofre 0.104 ( S-2 ) 0.184 Oxigénio 0.060 ( O-2 ) 0.140 Sódio 0.192 ( Na+ ) 0.095 Cálcio 0.197 ( Ca+2 ) 0.099 Bário 0.217 ( Ba+2 ) 0.135

Ligações covalentes

As ligações covalentes ocorrem entre átomos que possuem valores de electronegatividade semelhantes, ou mesmo entre átomos de um mesmo elemento. Os elementos que normalmente participam em ligações covalentes são não-metálicos. Ao contrário das ligações iónicas, as ligações covalentes são "direccionais", ou seja, têm uma orientação espacial definida. Isso ocorre porque átomos com pouca ou nenhuma diferença de electronegatividade tendem a compartilhar electrões das camadas mais externas (orbitais s ou p), atingindo assim a configuração electrónica de um gás nobre (orbitais preenchidos).

Ligações metálicas

As ligações metálicas ocorrem exclusivamente entre elementos metálicos, formando os sólidos metálicos. Como os elementos metálicos possuem seus electrões de valência fracamente ligados, ocorre a formação de uma estrutura cristalina relativamente rígida, na qual os electrões de valência são compartilhados entre muitos átomos vizinhos, formando uma rede de iões positivos, circundada por uma nuvem electrónica de baixa densidade ou "gás electrónico" (gás de Fermi). A ligação metálica é, portanto, não direccional e os electrões de valência têm liberdade para movimentarem-se através do sólido. Por esta razão estes electrões são em geral denominados electrões livres e são responsáveis pela alta conductividade eléctrica e térmica dos metais. A forma mais simples de se visualizar a estrutura de um sólido metálico é imaginar uma rede de núcleos positivos ligados entre si por uma nuvem ou gás de carga negativa, que funcionaria como uma "cola" tridimensional.

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A figura 1 mostra um desenho esquemático bidimensional de um sólido metálico:

Figura 1: representação esquemática de uma estrutura metálica. Tipos de materiais Em consequência dos diferentes tipos de ligações envolvendo os átomos, os diferentes tipos de materiais poderão apresentar propriedades e estruturas muito distintas entre si. Os materiais costumam ser classificados em pelo menos três grandes grupos, a saber:

Materiais metálicos (Metais) Materiais cerâmicos (Cerâmicas) Materiais poliméricos (Polímeros)

Existe ainda uma quarta categoria de materiais, os materiais compósitos, que resultam da combinação não química entre estes três grupos de materiais e não dos tipos de ligações atómicas envolvidas. Nas duas tabelas que se seguem estão apresentadas de uma forma resumida as principais características (Tabela 2) e respectivas propriedades (Tabela 3) dos três principais grupos de materiais. Tabela 2 – Características dos diferentes tipos de materiais Metais Cerâmicas Polímeros

• Elementos metálicos (diversos grupos*)

• Elementos metálicos e não-metálicos ou semimetálicos

• Elementos não-metálicos

• “Fracas” ligações metálicas

• Fortes ligações iónicas ou iónicas/ covalentes

• Fortes ligações covalentes

• Estruturas cristalinas tridimensionais

• Estruturas cristalinas tridimensionais

• Não têm estruturas cristalinas (cadeias poliméricas)

• Electrões livres (ligação não direccional)

• Electrões “presos” (ligação não direccional)

• Electrões “presos” (ligação direccional)

*- metais alcalinos e alcalinos-terrosos, metais de transição, lantanídeos (“terras-raras”), actinídeos.

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Tabela 3 – Propriedades principais dos diferentes tipos de materiais

Metais Cerâmicas Polímeros

• Bons condutores térmicos e eléctricos

• Isolantes • Isolantes

• Reflectem a luz • Não reflectem a luz (podem ser transparentes)

• Não reflectem a luz (podem ser transparentes)

• Pontos de fusão “intermédios” *:

Mg(650ºC),Al(660ºC), Fe(1535ºC), Ti(1668ºC)

• Pontos de fusão elevados: Al2O3(2050ºC), CW (2850ºC), TiC(3120ºC)

• Pontos de fusão muito baixos (< 200ºC)

• Densidade média a elevada: Al(2,7g/cm3),Fe(7,9g/cm3),

Au(19,3 g/cm3)

• Densidade baixa a média: Al2O3 (3,85 g/cm3) SiC (3,1 g/cm3)

• Densidade baixa: Poliester (1,3 g/cm3) Epoxy (1,2 g/cm3) PVC (1,5 g/cm3)

• Dúcteis e tenazes

• Duros e frágeis • Dúcteis e elásticos

• Deformam-se elástica e plasticamente (módulo elástico intermédio)

• Apenas têm deformação elástica

(elevado módulo elástico)

• Grande deformação elástica e plástica

*- de facto existe uma grande dispersão dos valores de temperatura de fusão, podendo haver valores muito baixos ( Hg - -39ºC) ou muito elevados (W – 3410ºC), devido à anomalias nas ligações electrónicas envolvendo os electrões das camadas 3d, 4d e 5d). Como pode ser verificado pela tabela 3, os diferentes tipos de materiais distinguem-se também pelas suas propriedades mecânicas, ou seja, podem apresentar diferentes tipos de mecanismos de deformação. A caracterização mecânica dos materiais costuma ser feita através da determinação das suas curvas tensão x deformação, como a mostrada na figura 2 a seguir, através das quais determina-se o módulo elástico E de um material.

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S

ε Figura 2: curva tensão x deformação de um material e determinação do seu módulo elástico.

Todos os materiais apresentam, de início, um comportamento elástico de deformação, ou seja, uma deformação linear (ou elástica). Por deformação linear entende-se que para um certo aumento da tensão aplicada há um igual aumento da deformação. Continuando, entretanto, a aplicação da tensão, muitos materiais começarão a deformar-se de maneira não linear e mais intensamente, quando dizemos então que temos uma deformação plástica. O módulo elástico E (módulo de Young) corresponde assim a uma medida da deformação elástica de um material. Quanto maior a inclinação da recta (maior α), maior será o módulo elástico. Como visto na tabela 3 (última linha), os diferentes tipos de materiais apresentam comportamentos diferentes de deformação. Estas diferenças podem ser visualizadas através dos seus diferentes comportamentos em uma curva tensão x deformação, como mostrado na figura 3.

εα

StanE ==

α

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Figura 3 – Aspecto geral das curvas tensão x deformação para os diferentes tipos de materiais.

Observações importantes: • As cerâmicas são materiais frágeis (não sofrem deformação plástica). • Os metais e polímeros são materiais dúcteis (sofrem deformação plástica

antes da fractura ou rotura final). • Os materiais cerâmicos são em geral mais rígidos do que os metais, que

por sua vez são mais rígidos do que os polímeros, ou seja:

Ecer > Emetal > Epol A tenacidade de um material qualquer é proporcional à área sob a curva tensão X deformação, ou seja, é proporcional à quantidade de trabalho necessário para levá-lo à rotura final. Exercício: Analise e responda à pergunta abaixo - Por que os metais dobram, a borracha estica e as cerâmicas partem?

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III...4 – TENDÊNCIAS FUTURAS Conforme já foi citado anteriormente, vivemos uma era na qual não existe mais um único material dominante. Embora exista ainda a nível mundial um grande consumo de aço, madeira e cimento, alguns outros materiais tais como alumínio e polímeros, vêm mostrando um crescimento significativo. Esse crescimento, é claro, dá-se às custas de uma lenta substituição dos materiais clássicos por materiais mais recentes. A figura 4, embora não actualizada, transmite-nos uma ideia deste fenómeno de substituição nos EUA (que como a mais importante economia do planeta serve como sinalizadora da tendência a nível mundial).

Figura 4 - Competição entre os 6 principais materiais (USA)

Um exemplo evidente da competição entre materiais (e portanto também da substituição!), é visto na indústria automóvel: 1950 - peso > 2000 kg - 80% ferro e aço 10% plásticos 3% alumínio 1978 - peso = 1800 kg - 60% ferro e aço 20% plásticos 5% alumínio

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1985 - peso = 1400 kg - 50% ferro e aço 20% plásticos 10% alumínio 1990 - peso = 1150 kg - 40% ferro e aço 30% plásticos 10% alumínio 2 % cerâmicas 2000 – peso ~1000 kg - 50% plásticos 30% ferro e aço 15% alumínio 3% cerâmicas Esta evolução (substituição) depende fortemente dos custos de produção. Deve ser levado em conta, por outro lado, que para certas aplicações específicas (indústria aeroespacial), onde há a exigência de alto desempenho, os custos de produção assumem um papel secundário em relação ao desempenho do material. É o caso, por exemplo, das turbinas dos aviões, onde é necessário o uso de materiais sofisticados, tais como as superligas à base de níquel ou ligas de aço recobertas com óxidos cerâmicos, que são materiais caros, mas que atendem às exigências de melhor desempenho em temperaturas elevadas de trabalho, apesar do seu custo bem mais elevado. De acordo com a evolução histórica no consumo dos materiais e as pesquisas actualmente em curso, podemos fazer algumas projecções quanto às tendências de demanda futura para os diferentes tipos de materiais: Metais: para os próximos 20 anos, de acordo com a tendência observada nas últimas décadas, é esperado que o consumo mundial dos metais básicos ( ferro, aço, alumínio, cobre, zinco, magnésio, etc...) siga as tendências da economia mundial, mantendo um nível de consumo praticamente constante ( descendo ou crescendo de acordo com o nível de actividade da economia mundial). Qualquer mudança que venha a acontecer deverá ser apenas ao nível do desempenho, principalmente devido à evolução de novas formas de processamento ( por exemplo, metalurgia do pó ⇒ prensagem isostática à quente ). Polímeros: historicamente foi o grupo de materiais que mais rápido cresceu nos últimos 60 anos (a partir dos anos 30), segundo uma taxa anual de ± 10%. Para os próximos anos é esperada a continuação deste crescimento a uma taxa menor, aproximadamente 5% ao ano, principalmente devido às crescentes aplicações dos plásticos de engenharia nos sectores automobilístico e aeroespacial (compósitos!).

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Cerâmicas: o crescimento histórico das materiais cerâmicos tradicionais ( argilas, vidros, louças e porcelanas ) mostrou, a nível mundial, uma taxa de crescimento de ± 4% ao ano, ao longo das últimas décadas. É esperado para os próximos anos uma taxa menor de crescimento desse sector, de cerca de ± 2% ao ano. Deve-se no entanto ressaltar que apareceu neste sector ( a partir dos anos 80 ) um novo segmento de materiais avançados que vem experimentando desde então uma das maiores taxas de crescimento já registadas na história da economia mundial. É o campo das chamadas cerâmicas avançadas ( advanced ceramics, ou fine ceramics, special ceramics, engineering ceramics ), que pode ser dividido em: Å Cerâmicas funcionais - circuitos integrados ( IC- packages) substratos electrónicos capacitores piezoelétricos sensores de gases outras aplicações electro-electrónicas. Ç Cerâmicas estruturais - suportes para catalisadores isolantes térmicos ferramentas de corte abrasivos refractários especiais Tem-se hoje um mercado mundial para essas cerâmicas de cerca de US$ 15

x 109, sendo que Å representa ± 84% desse total, com os restantes 16% sendo ocupados pelas cerâmicas do tipo Ç. O segmento como um todo experimentou taxas de crescimento de ± 19% ao ano, nomeadamente no caso Å. Espera-se até o ano 2020 um crescimento expressivo (± 15% ao ano ) desse sector das cerâmicas avançadas, com um mercado mundial estimado na

faixa dos US$ 100 x 109. O maior crescimento esperado é nas cerâmicas estruturais para aplicações em máquinas de combustão interna ( motores, turbinas a gás para automóveis, centrais de geração de energia, turbinas aeronáuticas, etc...). Espera-se ainda uma autêntica revolução neste campo, caso se concretize nesse período o uso em larga escala das chamadas "cerâmicas supercondutoras de alta temperatura"

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Resumindo: pode-se dizer que os diferentes tipos de materiais competem entre si pelos mercados existentes e também por novos mercados que são constantemente criados. Como factores determinantes na substituição de um material por outro tem-se: Å A disponibilidade de matérias primas. Ç Os custos de produção. É O desenvolvimento de novos processos e novos materiais. Ñ Exigências quanto ao desempenho dos materiais Nota-se que as exigências em termos de "alto desempenho" são cada vez mais visíveis no panorama técnico-científico internacional, e forçam o desenvolvimento contínuo de novos materiais. Esses novos materiais tendem inicialmente a possuir um custo muito elevado. À medida, entretanto, que é forçada a sua entrada no mercado por razões técnicas, observa-se que a relação custo/benefício, associada a um árduo trabalho de optimização e à produção em larga escala, acabam por fazer baixar os custos de produção e consequentemente levam à adopção generalizada (Exemplos recentes: materiais compósitos de matriz polimérica, fibras de carbono, fibras ópticas). Futuros “breakthroughs” – é de ressaltar, entretanto, a enorme revolução na engenharia dos materiais (e consequentemente em toda a nossa ‘tecnosfera’!) que se avizinha com o desenvolvimento dos materiais inteligentes (“smart materials” – “intelligent structures”) e dos nanomateriais (e nanotecnologia) que virão a transformar por completo a nossa visão dos materiais usados em engenharia (apresentações em powerpoint).

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II - ESTRUTURAS CRISTALINAS II.1 – CÉLULAS UNITÁRIAS E SISTEMAS CRISTALINOS Os metais, a grande maioria dos materiais cerâmicos e alguns polímeros cristalizam-se durante o processo de solidificação, ou seja, assumem uma estrutura cristalina. No estudo dos materiais o termo cristal implica a existência de periodicidade estrutural, e consequentemente ordem de longo alcance. No interior dos sólidos existe um ordenamento local dos átomos, que formam um volume unitário chamado de célula unitária, que se repete indefinidamente nas três dimensões. A figura 5 mostra quatro possíveis unidades básicas que quando colocadas lado a lado formariam uma rede de átomos (bidimensional). A unidade mais simples é a célula unitária (sombreada na figura). célula unitária ↓

Figura 5 – representação hipotética de uma célula unitária para uma distribuição plana ordenada de pontos.

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A figura 6 abaixo mostra uma célula unitária cúbica e uma pequena porção da estrutura cristalina de um sólido hipotético formado pela repetição dessa unidade básica:

Célula unitária

Cristal

Figura 6 – representação hipotética de um sólido cristalino tridimensional e sua respectiva célula unitária.

Na figura 7 que se segue pode-se observar um exemplo de estrutura cristalina encontrada em um sólido iónico bastante comum: o cloreto de sódio (principal componente do sal de cozinha). Note que a figura foi "expandida" para facilitar a visualização; no sólido real os iões não estão separados uns dos outros.

Cloro

Sódio

(-1)

(+1)

Figura 7 – Estrutura cristalina (expandida) do Cloreto de Sódio.

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Observe-se os seguintes aspectos importantes desta estrutura:

- No NaCl cada ião de Na+ tem apenas iões de Cl- como vizinhos mais próximos e vice-versa.

- Todos os Cl- estão localizados nos vértices do cubo e no centro das faces.

- Os Na+ estão localizados no meio das arestas e no centro dos cubos. - Isso gera uma unidade estrutural com simetria cúbica, com 14

átomos de Cl- e 13 de Na+. A célula unitária do NaCl possuirá assim 4 pares NaCl, pois deve-se levar em conta que: - cada ião no vértice do cubo contribui para 8 células - cada ião nas arestas contribui para 4 células

- cada ião nas faces contribui para 2 células.

Então: para o Na+ ⇒ 12 × 1/4 + 1 = 4

e para o Cl- ⇒ 8 × 1/8 + 6 × 1/2 = 4). A figura 8 abaixo mostra de forma esquemática um ião colocado numa das arestas do cubo. Pode-se observar que nessa posição ele faz parte de quatro células unitárias adjacentes:

Figura 8 – Ião posicionado na aresta de um cubo, contribuindo assim para 4 células vizinhas

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Considerando que em uma estrutura ‘real’ do cloreto de sódio os iões estão em contacto, neste caso o tamanho da aresta do cubo, a, será igual a:

2x(rcatião + ranião) = 2(0.097 + 0.181) nm = 0.556nm

A figura 9 mostra uma das faces da célula unitária do NaCl:

Na

-

+

Cl

r

2r

r

a

Figura 9 – Face da célula unitária do cloreto de sódio. Sistemas cristalinos De acordo com os estudos de cristalografia, pode-se demonstrar que a periodicidade tridimensional (que é a principal característica dos cristais) pode ser realizada de sete maneiras distintas. Uma delas, que foi mostrada para o caso do NaCl, é o sistema cúbico. Neste sistema, temos as três arestas iguais (a), com ângulos de 90 graus entre si. Os outros possíveis sistemas cristalinos podem ser obtidos variando-se os ângulos α, β e γ entre os eixos da célula unitária e as dimensões a, b e c das arestas, conforme mostrado no diagrama a seguir:

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x

y

z

a

b

c

α β

γ

Figura 10 – Sistema tridimensional com três arestas a, b e c posicionadas sobre os eixos x, y e z respectivamente, que formam entre si os ângulos α, β e γ.

SISTEMA EIXOS ÂNGULOS AXIAIS 1) Cúbico a=b=c α β γ= = = 90º

2) Tetragonal a=b≠c α β γ= = = 90º

3) Ortorrômbico a≠b≠c α β γ= = = 90º

4) Hexagonal a=b≠c α β γ= = =90 120º º

5) Monoclínico a≠b≠c α γ β= = ≠90º

6) Triclínico a≠b≠c α β γ≠ ≠ ≠ 90º

7) Romboédrico a=b=c α β γ= = ≠ 90º

Na figura 11 são mostradas as geometrias típicas para os 7 possíveis sistemas cristalinos. Deve ser salientado que, para além do sistema cúbico, os sistemas 2, 3 e 4 são os mais simples e de ocorrência mais comum.

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a

aa

c

aa

c

ba

1 - CÚBICO 2 - TETRAGONAL 3 – ORTORRÔMBICO

a

a

aa

c

γ

a

b

c

β

4 - ROMBOÉDRICO 5 - HEXAGONAL 6 - MONOCLÍNICO

a

b

c

αβγ

7 - TRICLÍNICO

Figura 11 – Representação espacial dos 7 possíveis sistemas cristalinos

A razão pela qual na natureza são observados apenas 7 sistemas cristalinos prende-se ao facto de que esses são os únicos sólidos geométricos com que se pode preencher totalmente o espaço (por empilhamento). Consistente com esses sistemas existem ainda 14 padrões de pontos de rede, que são as chamadas Redes de Bravais. Em outras palavras, as Redes de Bravais são geradas através da atribuição de pontos de rede aos vértices e às faces dos sólidos geométricos que formam os sistemas cristalinos. Todos os sólidos cristalinos podem ser descritos por esse conjunto de 14 redes.

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a

aa

a

aa

a

aa

Cúbica simples Cúbica de corpo Cúbica de face centrado (b.c.c.) centrada (f.c.c.)

c

a

a

c

a

a

c

ba

Tetragonal simples Tetragonal de Ortorrômbica simples corpo centrado

c

ba

c

ba

c

ba

Ortorrômbica de Ortorrômbica de Ortorrômbica de base centrada face centrada corpo centrado

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a

b

a

b

a

b

c

αβ

γ

Monoclínica Monoclínica de Triclínica simples base centrada

a

a

a

a

c

γ

Romboédrica Hexagonal Figura 12 – Representação espacial das Redes de Bravais. É importante notar que nos pontos de rede poderão estar localizados átomos, iões ou mesmo moléculas. Na figura a seguir é mostrada a estrutura fcc do metano (CH4) abaixo de 20

K.

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Figura 13 – Estrutura cristalina (fcc) do metano abaixo de 20K.

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II.2 – ESTRUTURAS CÚBICAS Metais bcc (cúbico de corpo centrado) Muitos metais cristalizam-se segundo essa estrutura; como exemplo podemos citar o Fe, Cr, W, metais alcalinos, etc....Nessas estruturas cada átomo metálico está cercado por 8 átomos adjacentes, conforme pode ser observado na figura abaixo; haverão sempre 2 átomos por célula unitária (8 x 1/8 + 1 = 2).

nº de coordenação = 8 Figura 14 – estrutura de um metal do tipo bcc (“body centered cubic”)

O tamanho da aresta (a) da célula unitária bcc pode ser calculado em função do raio atómico, considerando-se que nesta estrutura os átomos têm todos o mesmo tamanho (metais) e que estão em contacto ao longo da diagonal do cubo, conforme mostrado na figura abaixo:

4 r

a

a

a

Figura 15 – representação esquemática para o cálculo do tamanho de uma célula unitária de um metal do tipo bcc. Assim sendo, temos:

( ) ( )4 2 32 2 2 2r a a abcc bcc bcc= + =

ar

onde r raio do átomobcc = =4

3

a

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26

Tabela 4 – Raios atómicos e respectivos parâmetros de rede para alguns metais com estrutura bcc (à temperatura ambiente – 20ºC) Metal (NA) Raio atómico (nm) Parâmetro de rede

(nm) Crómio (24) 0,125 0,289 Ferro (26) 0,124 0,287 Molibdénio (42) 0,136 0,315 Potássio (19) 0,231 0,533 Sódio (11) 0,186 0,429 Tântalo (73) 0,143 0,330 Tungsténio (74) 0,137 0,316 Vanádio (23) 0,132 0,304 Um parâmetro importante no estudo das estruturas cristalinas é o factor de empacotamento, que nos permite saber a quantidade de espaço realmente preenchida por matéria dentro da estrutura. No caso da estrutura bcc, o factor de empacotamento (f) será dado por:

céluladavolume

átomosdosvolumef =

3

3

bcca

r3

4x2

= = 0,68

Exercício: Sabendo que o raio do átomo de Fe é de 0.124 nm e sua massa atómica igual a 55,85 g/mol, calcule a sua densidade e determine quantos átomos de ferro haverão em um volume de 1cm3 do material (compare os números obtidos com o nº de átomos em 1mm3 e com a densidade atómica linear). (Obs – em 1 mol existem 6,023 x 1023 átomos – Nº de Avogadro) Metais fcc (cúbico de face centrada) Alguns outros metais cristalizam-se também segundo um padrão de simetria cúbica, porem com uma disposição diferente dos átomos, o chamado arranjo fcc, em que existirão átomos nos vértices dos cubos e no centro das faces. Nessa estrutura não existirão átomos no centro dos cubos e cada átomo terá 12 vizinhos mais próximos. Haverão 4 átomos por célula unitária ( 8 x 1/8 + 6 x 1/2 = 4 ).

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27

nº de coordenação = 12

Figura 16 – estrutura de um metal do tipo fcc (“face centered cubic”) Relações geométricas em estruturas do tipo fcc:

(4r)2 = afcc

2 + afcc2

ar

fcc =4

2

Figura 17 – representação esquemática para o cálculo do tamanho de uma célula unitária de um metal do tipo fcc.

O factor de empacotamento será dado por:

6

2

2

4

3

44

3

3

ππ

=

=r

r

fccf

4 r

a

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28

f fcc = 0 74.

O factor empacotamento é maior do que no arranjo bcc, o que era de se esperar, pois existem mais átomos por célula unitária. Vários metais cristalizam-se segundo essa estrutura. Alguns dos exemplos mais comuns são: Al, Cu, Pb, Ag e Ni. Tabela 5 – Raios atómicos e respectivos parâmetros de rede para alguns metais com estrutura fcc (à temperatura ambiente – 20ºC) Metal (NA) Raio atómico (nm) Parâmetro de rede (nm) Alumínio (13) 0,143 0,405 Cobre (29) 0,128 0,361 Ouro (79) 0,144 0,408 Chumbo (82) 0,175 0,495 Níquel (28) 0,125 0,352 Platina (78) 0,139 0,393 Prata (47) 0,144 0,408 Exercício: Sabendo que o raio do átomo de Al é de 0.143 nm e sua massa atómica igual a 26,98 g/mol, calcule a sua densidade Outras estruturas fcc Muitos outros materiais podem cristalizar-se segundo uma estrutura fcc. Um importante grupo de materiais que também apresenta essa estrutura são as cerâmicas do tipo AX (1 catião A e um anião X), também conhecidos como estruturas do tipo NaCl (ver figura 7). Há que se considerar, no entanto, algumas diferenças em relação aos metais fcc. As estruturas tipo NaCl podem ser visualizadas como tendo os grandes

aniões Cl- nos vértices e no centro das faces dos cubos; entre eles, no meio

das arestas e no centro dos cubos estarão localizados os catiões Na+. Consequentemente, existirão as seguintes diferenças com relação aos metais fcc: Å O tamanho da célula unitária não mais será dado pela expressão dos metais fcc, mas sim por: afcc = 2 ( rcat + ran ).

Ç A coordenação iónica será diferente da coordenação metálica. Neste caso, cada ião apresenta N=6, ou seja, ele toca 6 aniões; É Há total equivalência entre considerar os pontos da rede fcc ocupados

pelos aniões ou catiões. Tem-se na verdade 2 redes fcc entrelaçadas. Ñ Existem 8 átomos por célula unitária, ou melhor, 4 AX (um par NaCl

por ponto da rede).

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29

Solidificam-se segundo essa estrutura os óxidos dos metais alcalino-terrosos (MgO, CaO, etc.), o MnO, FeO, NiO e a maioria dos haletos alcalinos (compostos de halogéneos e metais alcalinos), com excepção do CsCl e CsBr. Exercício: determine a densidade do cloreto de sódio, sabendo que os raios iónicos do Na+ e Cl- são iguais a 0,102nm e 0,181nm respectivamente, e que as massas atómicas são iguais a: Na (22,99 g/mol) e Cl (35,45 g/mol). Estruturas sc (cúbicas simples) Pode parecer paradoxal à primeira vista, mas a palavra simples nessas estruturas não tem o sentido de simplicidade. No contexto cristalográfico, "simples" quer dizer uma estrutura que só pode ser replicada através da translação de uma célula unitária inteira. Deve ser lembrado que as estruturas bcc podem ser replicadas nos vértices e no centro dos cubos, enquanto que as estruturas fcc podem ser replicadas nos vértices e nos centro das faces dos cubos. Um exemplo típico de estrutura sc é o cloreto de césio (CsCl) mostrado na figura 18

Cl -

Cs+

Figura 18 – estrutura típica de um cristal do tipo sc (“simple cubic”) Esse composto (do tipo AX, como o NaCl) não é bcc, pois o ião central é diferente do ião dos vértices!

O tamanho da célula unitária será: diagonal do cubo = 2( )r rCs Cl+

( ){ } 2232 arr ClCs =+

⇒ a = 0,404 nm (rCs=0,169nm e rCl = 0,181nm)

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30

Apresentarão essa estrutura (com coordenação octaédrica) todos os sólidos iónicos com uma diferença de tamanho entre os iões dada pela expressão:

0 414 0 732. .≤ <r

rcatião

anião

Estrutura fcc do diamante Outra importante estrutura fcc é a do diamante, que deve ser também diferenciada das duas anteriores (metais fcc e sólidos iónicos do tipo AX). Neste caso existirão 2 átomos para cada ponto da rede fcc (como na estrutura AX), só que o posicionamento desse segundo átomo será diferente; o segundo átomo do ponto de rede é o carbono do centro das unidades tetraédricas. Também aqui haverão 8 átomos por célula unitária (ver figura abaixo).

Figura 19 – Estrutura cúbica de face centrada do diamante. Sabe-se que o comprimento das ligações C-C é 0.154 nm; como pode ser visto na figura 20 abaixo, a diagonal da célula unitária equivale a 4 ligações C-C.

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31

Figura 20 – Célula unitária da estrutura fcc do diamante, destacando à esquerda em baixo uma das unidades tetraédricas formadas por 4 átomos de carbono.

Pode-se então calcular as dimensões de célula unitária do diamante conforme mostrado no esquema da figura 21:

a

aa

4(C C)2

( )

Figura 21 – Representação esquemática da célula unitária do diamante para efeito do cálculo da dimensão (a) em função do comprimento da ligação C-C.

{ } 22222 34 a)aa(a)CC( =++=−

aC C

=−

=×4

3

4 0 154

3

( ) .

a nm= 0 356.

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32

Também o silício (o componente fundamental dos semicondutores), o estanho e o germânio cristalizam-se segundo a mesma estrutura do diamante. Exercício: sabendo que a massa atómica do átomo de carbono é igual a 12,011 g/mol determine a densidade do diamante e a quantidade de átomos de carbono contida em um diamante de 1 quilate (1 ‘carat’ = 200 mg). Também o latão β' (50% Cu + 50% Zn) cristaliza-se segundo uma rede cúbica simples, sendo arbitrário o posicionamento do Zn ou Cu nos vértices dos cubos, pois cada átomo de um tipo é coordenado por oito do outro tipo.

Cu

Zn

Latão β'

Figura 22 – Estrutura cúbica simples do latão β'.

Outra importante família de substâncias que apresentam uma estrutura cúbica simples é a da perovskite (CaTiO3, titanato de cálcio), cuja célula unitária é mostrada na figura abaixo:

Ti

Ca

O

+4

-2

+2

Perovskita

( CaTiO )3

Figura 23 – Célula unitária da perovskite.

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II.3 – ESTRUTURAS HEXAGONAIS A estrutura não cúbica mais comum é a chamada estrutura hexagonal compacta (hcp ⇒ “hexagonal close packed”). Essa estrutura é chamada de compacta (“close packed”) porque seu factor de empacotamento é idêntico ao da estrutura fcc (f = 0.74). Ambas as estruturas são mais compactas do que a estrutura bcc (f = 0.68). As estruturas fcc e hcp são o resultado do empilhamento "mais eficiente" possível (mais compacto) de esferas no espaço. Se tentarmos preencher um plano com circunferências, a forma mais compacta possível é a mostrada na figura abaixo. Supondo que estas circunferências são as secções rectas de um plano de esferas, vamos designar esse plano de esferas de camada A:

Figura 24 – camada plana de esferas distribuídas de forma a preencher eficientemente (com menos espaços vazios!) o espaço.

Ao colocarmos uma segunda camada compacta B de esferas sobre a camada A, devemos coloca-la nos espaços vazios deixados pelas esferas da primeira, como mostrado na figura 25 a seguir, de forma a manter o empacotamento denso:

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34

AB

Figura 24 – sobreposição de uma segunda camada plana (B) de esferas sobre a camada da figura anterior (A), de modo a garantir um mínimo de espaços vazios (empacotamento eficiente).

Agora, ao colocarmos uma terceira camada e mantendo o mesmo critério para um preenchimento máximo do espaço, teremos duas opções: å Colocando-a exactamente sobreposta à primeira, será obtida a estrutura hcp (que corresponde ao empilhamento ABABAB...):

AB

A

Figura 25 – opção para a colocação de uma terceira camada, exactamente sobreposta à primeira, de forma a gerar uma estrutura hexagonal compacta (hcp).

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35

ç Colocando-se a terceira camada na segunda opção de espaços vazios, teremos a estrutura fcc (que corresponde ao empilhamento ABCABC...).

AB

C

Figura 25 – opção para a colocação de uma terceira camada, não sobreposta à primeira, de forma a gerar uma estrutura cúbica de face centrada (fcc).

É importante observar que nestes empacotamentos compactos existem dois tipos de interstícios (ou posições intersticiais), que são os espaços vazios entre as esferas: os interstícios tetraédricos e os octaédricos. Metais com estrutura hcp (hexagonal compacta) Alguns metais, tais como o magnésio, cobalto, titânio e zinco assumem essa estrutura ao solidificarem-se.

a

c

Figura 26 – representação esquemática (expandida) da célula unitária de uma estrutura hexagonal compacta.

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Nessa estrutura cada átomo metálico tem 6 átomos vizinhos em seu próprio plano e três em cada plano adjacente. A célula unitária terá então 6 átomos (12 x 1/6 + 2 x 1/2 + 3). A relação entre a dimensão c (altura do prisma) e o lado da base a (razão c/a) é igual a 1.633 para um empacotamento compacto perfeito. Observa-se, entretanto, que a maioria dos metais apresentam um desvio deste empacotamento perfeito, como pode ser visto na tabela que se segue. Tabela 6 – desvios da razão c/a para alguns metais com estrutura hexagonal compacta. Metal a (nm) c (nm) c/a % desvio cádmio 0.2973 0.5618 1.890 + 15.7 zinco 0.2665 0.4947 1.856 + 13.6 magnésio 0.3209 0.5209 1.623 - 0.66 cobalto 0.2507 0.4069 1.623 - 0.66 zircónio 0.3231 0.5148 1.593 - 2.45 titânio 0.2950 0.4683 1.587 - 2.81 berilo 0.2286 0.3584 1.568 - 3.98 Observa-se que apenas o Mg e o Co apresentam uma estrutura hcp quase perfeita, enquanto que, por um lado o Cd e o Zn apresentam um acentuado alongamento, e por outro lado o Zr, Ti e o Be apresentam um encurtamento. Cerâmicas com estrutura hcp Como foi visto acima, o empilhamento compacto de átomos resulta em duas estruturas distintas: hcp e fcc, que apresentam dois tipos de interstícios: octaédricos e tetraédricos. A maioria das cerâmicas tem estruturas de um desses dois tipos. Os pontos de rede são normalmente ocupados pelos aniões (que nos óxidos são os

aniões O2-) e os catiões distribuem-se entre os interstícios octaédricos e tetraédricos, de modo a manter a neutralidade eléctrica. A razão de tamanhos rcat / ran é que ditará que tipo de interstício será

ocupado pelos catiões. Dois exemplos típicos de cerâmicas hcp são a alumina (Al2O3) e o rutilo (TiO2):

Al2O3:

== 4140

1400

0580.

nm.

nm.

r

r

O

Al

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37

A alumina tem os catiões Al3+ ocupando 2/3 dos interstícios octaédricos, que

existem em número de 6 por célula unitária. Como existem 6 O2- por célula unitária ( 3 + 12 x 1/6 + 2 x 1/2 = 6 ), somente poderão ser ocupados 4 dos seis interstícios octaédricos, de forma a manter a neutralidade eléctrica ( 4 x

3+ = 6 x 2- ).

TiO2:

== 4380

1400

0610.

nm.

nm.

r

r

O

Ti

O rutilo, por outro lado, tem os catiões Ti4+ ocupando 50% dos interstícios

octaédricos (6 x 2- = 3 x 4+), ou seja, 3 em cada 6 interstícios estarão

ocupados por Ti4+. Exercício: determine as densidades dos seguintes materiais com estrutura hexagonal compacta – os metais magnésio e zinco (massas atómicas igual a 24,31 g/mol e 65,37 g/mol; use os dados da tabela 6 para achar as dimensões do prisma hexagonal) e a alumina (massa atómica do Al = 26,98 g/mol e do oxigénio = 15,99 g/mol).

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II.4 – DETERMINAÇÃO DA DENSIDADE DE UM MATERIAL Uma forma de identificarmos um material, ou pelo menos, termos uma ideia sobre o grupo de materiais a que pertence, é através da medida da sua densidade. Por definição, a densidade de um corpo material (ou também massa específica) é igual ao quociente da sua massa pelo volume ocupado por esta massa, ou seja:

V

m

volume

massad ==

que geralmente é expressa nas unidades g/cm3, ou kg/dm3, ou kg/m3. Para a determinação prática da densidade pelo método volumétrico (d=m/V) torna-se às vezes muito difícil, ou pouco prático, medir o volume ocupado por uma dada massa (que pode ser medido geometricamente ou pelo volume de água deslocado). A maneira mais precisa de determinar-se a densidade de um corpo material é através da pesagem em ar e na água em uma balança de precisão (balança suspensa), usando-se a fórmula:

águaar

águaáguaarar

PP

d.Pd.Pd

−=

sendo dar = 0,0012 g/cm3 e dágua = 0,998019 g/cm3, ambos a 21ºC. Para efeitos práticos pode-se considerar a densidade da água como igual a 1 g/cm3. Exercício: Sabendo que a densidade do ouro é igual à 19,31 g/cm3 determine a massa de uma barra de ouro com 23 cm de comprimento cuja secção recta é um trapézio com uma altura de 6cm e lados iguais a 6cm e 12cm. Conforme foi visto através da série de exercícios da secção anterior (II.3) pode-se determinar a densidade teórica de um material a partir do conhecimento da sua estrutura cristalina, ou seja, da forma como os seus átomos estão distribuídos no espaço. Observe-se que para o cálculo da densidade teórica faz-se necessário o conhecimento preciso das seguintes características do material: ← a massa atómica dos átomos envolvidos na estrutura; ↑ a estrutura cristalina do material; → a(s) dimensão (-ões) da célula unitária.

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III - DEFEITOS CRISTALINOS As estruturas cristalinas estudadas até este ponto foram consideradas "perfeitas"; na realidade, imperfeições cristalinas de algum tipo estarão sempre presentes em qualquer material, quer na forma de defeitos, quer como impurezas. Embora o número de defeitos existentes num cristal "puro" seja em geral muito pequeno ( ± um defeito em 106- 1010 átomos!) esses defeitos podem exercer uma grande influência na conductividade eléctrica dos semicondutores, na ductilidade e na resistência mecânica dos metais e suas ligas, no processamento dos materiais e até mesmo nas suas cores! III.1 – SOLUÇÕES SÓLIDAS Soluções sólidas em metais Existe um número muito restrito de aplicações onde os metais são usados na forma "pura" ( ≥ 99.99 % de pureza ). Como exemplos podem ser citados o cobre usado em circuitos electrónicos (elevada condutividade) e o alumínio usado em espelhos de alto desempenho (elevada reflectividade). Esses materiais com alto grau de pureza são muito caros e o seu uso não é justificado na maioria das aplicações mais comuns. Os metais normalmente utilizados em aplicações de engenharia têm sempre impurezas remanescentes do processamento dos minérios; além disso, eles são frequentemente combinados com outros metais ou não-metais para formar ligas metálicas com melhores propriedades (por exemplo: maior resistência mecânica, maior resistência à corrosão, maior dureza, etc...) que o material original. O tipo mais simples de liga é obtido através de uma solução sólida, onde dois ou mais elementos formam um material com uma única fase. Podem ser verificadas dois tipos de soluções sólidas: as substitucionais e as intersticiais. Soluções sólidas substitucionais Em algumas ligas binárias (formadas por dois elementos) é possível que um elemento (soluto) venha a substituir o outro nas posições da rede cristalina sem alterar sua estrutura original. Existem diversos exemplos de soluções sólidas substitucionais; algumas muito comuns são: - Ag - Cu (prata de lei : 92,5 % Ag + 7,5 % Cu → estrutura fcc) - Cu - Zn (latão : fcc até ± 38 % Zn; Zn puro é hcp) - Cu - Sn (bronze - ± 3 % Sn) - Cu - Ni (cuproníquel - não há limite de solubilidade!)

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A figura abaixo mostra um dos planos compactos da estrutura cristalina do cobre com átomos de zinco substituindo átomos de cobre em algumas posições:

Cu (80%)

Zn (20%)

Latão

Figura 27 – Solução sólida de zinco no cobre (latão). Quanto mais semelhantes forem os tamanhos dos átomos e as estruturas originais dos elementos, mais fácil será a formação de soluções sólidas substitucionais. A distribuição de átomos do soluto poderá ser desordenada (aleatória), como mostrado na figura acima, ou ordenada como no caso do latão β' (50%Cu - 50%Zn) à temperatura ambiente, mostrado na figura 22 (capítulo II). Acima de 460ºC o latão com essa mesma composição apresenta uma distribuição de átomos de Zn desordenada (latão β). A percentagem de átomos de um metal que pode ser dissolvida em outro pode variar muito, dependendo de um conjunto de condições de natureza físico-química e geométricas. Para que dois elementos apresentem completa solubilidade sólida, deverão preencher os seguintes requisitos, conhecidos como Regras de Hume-Rothery: Å - As estruturas cristalinas de cada elemento da solução sólida devem ser idênticas; Ç - O tamanho dos átomos dos elementos não deverá diferir mais do que 15%; É - Os elementos não devem formar compostos entre si, ou seja, não devem apresentar grandes diferenças de electronegatividade; Ñ - Os elementos deverão ter a mesma valência.

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As duas primeiras condições (de natureza geométrica) são preponderantes, visto que a estrutura cristalina de um material pode apenas suportar uma quantidade limitada de contracção ou expansão devido às substituições. Deve-se também observar que o limite de solubilidade sólida é fortemente dependente da temperatura (por razões também de natureza geométrica – expansão e/ou contracção da rede cristalina) , como veremos durante o estudo dos diagramas de fase (Cap. IV). Um exemplo de aplicação das regras discutidas acima pode ser visto na tabela a seguir, que mostra o limite de solubilidade de diversos elementos no cobre, bem como os parâmetros mais importantes para prever o grau de solubilidade esperada: Tabela 7 – Grau de solubilidade de alguns elementos no cobre: Elemento

Diferença de tamanho (%)

Diferença de eletronega-tividade

Valência

Estrutura cristalina

Grau de solução sólida esperado

Solubilidade máxima observada* (%at.)

Cu ------ ------ +2 fcc ------ ------

Zn + 3.9 - 0.1 +2 hcp alto 38.3

Pb + 36.7 - 0.2 +2,+4 fcc baixíssimo

0.1

Si - 8.6 0 +4 diamante médio 11.2

Ni - 2.3 0 +2 fcc altíssimo 100

Al + 11.7 - 0.3 +3 fcc médio 19.6

Be - 10.9 - 0.3 +2 hcp médio 16.4 (*) – no capítulo 4 aprenderemos como determinar o grau de solubilidade usando os diagramas de fase. Soluções sólidas intersticiais Outro tipo de solução sólida é a solução sólida intersticial, em que átomos de um elemento vão ocupar os espaços vazios na estrutura de outro elemento. As soluções sólidas intersticiais são formadas quando o soluto é um átomo muito menor que o solvente. Esse requisito é importante, porque os vazios existentes na maioria das estruturas cristalinas são relativamente pequenos.

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Vamos calcular, por exemplo, o tamanho do maior interstício (r) existente na estrutura fcc de um metal de raio R :

( ) 2222 2422 aaaR;arR =+==+

RaaR 2224 =⇒=

∴ ( )RrRrR 122222 −=⇒=+

R.r 4140=

Figura 28 – cálculo do tamanho do interstício em uma estrutura cristalina do tipo fcc. Um exemplo muito importante de solução sólida intersticial ocorre nos aços: a solução de C no Fefcc.

O raio atómico do ferro é de 0.129 nm, e a sua estrutura cristalina entre 912ºC e 1394ºC é fcc. O tamanho do maior interstício na estrutura fcc do ferro será igual a 0.414 x 0.129 nm = 0.053 nm (ver figura acima). O raio atómico do carbono é de 0.075 nm (maior que o raio do interstício na estrutura fcc do ferro), mas mesmo assim podem ser acomodados até 2.08 % de C nessa estrutura.

R 2r R

4Ra

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43

A figura abaixo mostra um desenho esquemático da estrutura fcc do ferro, com átomos de carbono dissolvidos intersticialmente:

Fe

C

Fe

sob compressão

Figura 29 – Representação esquemática de uma solução sólida intersticial de carbono no ferro fcc. Já no caso do ferro bcc, que é a forma estável a temperaturas mais baixas, o tamanho do maior interstício é de apenas 0.036 nm e como consequência, apenas 0.025 % de carbono pode ser dissolvido intersticialmente. Essa diferença de solubilidade do carbono nas diferentes estruturas cristalinas do ferro é muito importante, pois permite que possamos efectuar uma série de tratamentos térmicos que causam grandes mudanças no comportamento mecânico dos aços (que será tratado no Cap. V).

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Soluções sólidas em cristais iónicos Nos sólidos iónicos também podem ocorrer soluções sólidas. Assim como nos metais, o tamanho relativo dos iões é um importante factor a ser considerado. No caso dos sólidos iónicos, porém, a valência do ião a ser dissolvido na estrutura é tão importante quanto o seu tamanho (neutralidade eléctrica). A figura abaixo mostra um exemplo de solução sólida iónica substitucional:

Mg 2+

O2-

Fe2+

MgO Figura 30 – Exemplo de solução sólida iónica substitucional, representando esquematicamente a solução de alguns iões de Mg2+ na estrutura cúbica do MgO.

No MgO, os iões Mg2+ são facilmente substituídos pelos iões Fe2+, pois além de possuírem raios bastante similares (0.066 nm e 0.074 nm respectivamente), os dois possuem carga +2.

Assim como nos metais, se tentássemos substituir o Mg+2 do MgO por Ca+2

(raio = 0.099 nm), a quantidade dissolvida seria muito pequena, devido à grande diferença de tamanhos.

O mesmo problema ocorreria em relação ao Li+, pois embora o seu raio

iónico seja igual ao do Mg+2, haveria uma deficiência de cargas no sólido cristalino.

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45

III.2 – COMPOSTOS NÃO-ESTEQUIOMÉTRICOS Compostos como o MgO, Al2O3, SiO2, Fe3C, etc. possuem uma razão fixa

entre os seus componentes, e essa razão pode ser expressa em termos de números inteiros. Esses são exemplos de compostos estequiométricos. Existem, no entanto, outros compostos nos quais a razão entre os seus componentes desvia-se dessa razão fixa baseada em números inteiros. Esses compostos são denominados não-estequiométricos. Um exemplo de composto não-estequiométrico é o FeO. Nesse óxido, a porcentagem molar de oxigénio varia entre 51 e 53 %. O desvio da

estequiometria é devido à presença de iões Fe3+, que sempre substituem

alguns dos iões Fe2+ na estrutura do FeO. Como consequência dessa substituição, haverá sempre mais do que 50 % de

oxigénio no material, pois cada par de iões Fe3+ introduzido na estrutura

deve causar o aparecimento de uma lacuna catiónica (um ião Fe2+ deve ser retirado do cristal). Na verdade, a forma mais correcta de escrever a fórmula do FeO é Fe1-xO,

com x variando entre 0.04 e 0.12. A figura abaixo mostra a estrutura fcc do

FeO, com substituição parcial de Fe2+ por Fe3+.

.

2+

O2-

Fe3+

Fe O1-x

Fe

Lacuna

Figura 31 – Representação esquemática da não-estequiometria do Fe1-xO.

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46

III.3 – DEFEITOS PONTUAIS Quando as imperfeições cristalinas envolvem apenas um átomo ou alguns poucos átomos elas são denominadas defeitos pontuais. Existem outros tipos de imperfeições que podem se desenvolver linearmente através dos cristais; são os chamados defeitos de linha. E finalmente há imperfeições bidimensionais que envolvem superfícies (externas) ou contornos de grão (internos). Estes serão discutidos nas secções III.4 e III.5 respectivamente. O defeito pontual mais simples é a lacuna, já mencionada no item anterior, quando foi mostrada a estrutura do Fe1-xO.

As lacunas podem ser causadas por empacotamento imperfeito durante a cristalização original do material, ou podem decorrer das vibrações térmicas dos átomos a temperaturas elevadas. A concentração de lacunas (assim como de qualquer outro defeito existente num cristal) aumenta com a elevação da temperatura.

Lacunas num material metálico

x

x

Lacuna dupla

Figura 32 – Exemplos de lacunas simples e lacunas associadas em materiais metálicos.

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47

As lacunas envolvendo um par de iões (chamadas defeitos de Schottky) são comuns em compostos iónicos, onde o balanço de cargas deve ser mantido. Esse tipo de defeito envolve sempre pares de iões de cargas opostas.

x

x

Defeito de Schottky

+ -

Figura 33 – Representação esquemática de um defeito de Schottky envolvendo um par de iões em um sólido iónico. Um átomo extra pode ser colocado num dos espaços vazios da estrutura cristalina, especialmente se o factor de empacotamento for baixo. Esse tipo de defeito introduz uma distorção na estrutura e é chamado de defeito intersticial.

Defeito intersticial

Figura 34 – Representação esquemática de um defeito intersticial.

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Um outro tipo de defeito que tende a ocorrer mais frequentemente em estruturas iónicas mais abertas é o chamado defeito de Frenkel, que consiste em um ião deslocado de sua posição na rede para um espaço intersticial.

x

Defeito de Frenkel Figura 35 – Representação esquemática de um defeito de Frenkel em um sólido iónico.

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III.4 – DEFEITOS DE LINHA A figura abaixo mostra uma discordância (ou deslocação) em cunha. Esse tipo de defeito pode ser descrito como um plano extraordinário de átomos (ou, alternativamente, a sua ausência!) na estrutura cristalina.

Discordância em cunha

Figura 36 – Representação esquemática no plano de um defeito de linha do tipo deslocação ou discordância em cunha.

Zonas de compressão e de tracção estarão sempre associadas a uma deslocação em cunha. O símbolo ⊥ é normalmente utilizado para identificar esse tipo de defeito e indicar a posição do plano extraordinário de átomos (ou a ausência deste).

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Os defeitos do tipo deslocação ou discordância podem também apresentar-se a três dimensões, quando têm-se as chamadas deslocações em espiral, mostrada na figura abaixo:

Figura 37 – Representação esquemática de uma deslocação em espiral.

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É muito comum o facto das deslocações em cunha e em espiral aparecerem associadas nos materiais, principalmente provocadas por tensões de cisalhamento, como ilustrado na figura 38. Esta associação de deslocações são conhecidas como deslocações mistas.

Figura 38 – Representação esquemática de uma deslocação mista. A deslocação é em espiral na direcção de A e em cunha na direcção de B. A maioria das deslocações existentes num material sob tensão será desse tipo. É importante salientar-se o facto de que os principais mecanismos responsáveis pela deformação plástica dos materiais envolvem a propagação de defeitos (pontuais ou deslocações) através da sua estrutura cristalina. O movimento das deslocações é o responsável pela ductilidade e tenacidade observada nos metais, enquanto que nos materiais cerâmicos, em que o movimento das deslocações é muito mais difícil, os mecanismos de deformação plástica (em temperaturas elevadas) envolvem o movimento de lacunas e defeitos de Schottki e Frenkel.

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III.5 – DEFEITOS BIDIMENSIONAIS Convém destacar que um defeito de linha como a discordância, embora seja definida como um defeito unidimensional, constitui na verdade, quanto ao seu efeito na estrutura, um defeito bidimensional, pois como pode ser verificado pela figura 36, a presença de (ou, alternativamente, a ausência de…) uma linha extra de átomos deforma toda a estrutura do plano de átomos em torno da mesma. Da mesma forma, a discordância em espiral, representada na figura 37, representa um defeito tridimensional, como já afirmado anteriormente. Existem, entretanto, outros defeitos importantes nos materiais relacionados à sua microestrutura e regiões limítrofes. Estes defeitos, como será visto adiante, poderão ser interpretados como defeitos bi- ou tridimensionais, dependendo do facto de a região a ser analisada constituir uma área ou um volume. Por exemplo, a própria superfície de um material pode ser considerada como uma região defeituosa do cristal. Neste caso então estamos a olhar para uma área e temos um defeito bidimensional. Mas, por quê a superfície é um defeito? Como pode ser visto na figura 39, os átomos da superfície terão sempre um número de coordenação diferente dos átomos do interior do sólido. Em muitos casos, os átomos superficiais terão também ligações químicas não satisfeitas e estarão mais fracamente ligados que os átomos internos. Por esta razão os átomos na superfície de um material podem ser facilmente removidos por acção química ou mecânica (fricção, pancadas, etc…).

superfície

Figura 39 – Representação esquemática da superfície de um material cristalino. A deformação apresentada nos átomos da ‘superfície’ não representa uma situação real, mas pretende apenas ilustrar o facto de que estes átomos possuem ligações químicas não satisfeitas e encontram-se em uma situação instável.

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Assim como todos os outros tipos de defeitos estruturais, a superfície de um material é portanto uma região de maior energia. É muito importante destacar-se o facto de que a superfície dos materiais representa um aspecto muito importante dos mesmos e das suas propriedades. Todos os fenómenos de corrosão e reactividade com o meio envolvente (que também afectam por vezes as suas propriedades mecânicas) dependem do comportamento dos átomos da superfície. Pode-se mesmo dizer que o estudo das superfícies dos materiais constitui uma disciplina científica em si (Física das Superfícies). Contornos de grão A grande maioria dos materiais com aplicações em engenharia, principalmente metais e cerâmicas, não são constituídos por um único cristal. Se observarmos sua superfície com o auxílio de uma lupa ou microscópio, veremos uma microestrutura formada por grãos, chamada também microestrutura policristalina. Durante o resfriamento de um metal líquido, por exemplo, os átomos do metal começam a se agregar e formar pequenos núcleos que servem como "embriões" para o crescimento de cristais (solidificação).

molde

metal líquido

núcleos

Figura 40 – representação esquemática da formação de ‘embriões’ cristalinos durante o arrefecimento de um metal em fusão.

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À medida que os cristais vão crescendo, eles começam a encontrar outros cristais também em crescimento, o que restringe o tamanho máximo e a forma de cada um dos cristais individuais. Quando todo o material passar para o estado sólido a sua microestrutura consistirá de uma massa compacta de cristais com orientação aleatória, como mostrado na figura 41.

metal sólido

grãos

Figura 41 – microestrutura final do metal resfriado, após completar o processo representado na figura 40. Os cristais individuais em um material policristalino são normalmente denominados grãos, e a fronteira entre dois grãos adjacentes é chamada de contorno de grão. Os contornos de grão são regiões muito "estreitas" entre dois cristais; a espessura dos contornos é de apenas 2 a 5 diâmetros atómicos. Nessas regiões haverá desordem estrutural, pois os grãos crescem com orientações aleatórias; consequentemente, o empacotamento atómico nos contornos de grão será menor que no interior dos cristais. Apesar das suas pequenas dimensões, os contornos de grão podem ser vistos ao microscópio após um ataque químico ou térmico da superfície do material, pois sendo uma região de alta energia, o ataque será mais intenso nos contornos de grão do que no resto do material.

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Na figura 42 é mostrada a microestrutura da superfície de uma cerâmica (alumina – Al2O3), revelada após ataque térmico (1 minuto a 1300ºC!).

Figura 42 – Microestrutura policristalina de uma cerâmica de alumina (Al2O3) vista com uma aumento de ~2000x através de um microscópio electrónico de varrimento. O tamanho médio de grão nesta microestrutura é de ~3µm. Os grãos de um material policristalino podem ser muito pequenos (fracção de µm - 1µm = 10-3mm) ou relativamente grandes (alguns mm), quando podem até ser visualizados a olho desarmado. Convém não esquecer do facto de que cada grão individual apresenta em seu interior uma estrutura cristalina, onde os átomos estão distribuídos de uma forma ordenada, conforme mostrado na figura 43 a seguir.

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Figura 43 – microestrutura hipotética mostrando a região limítrofe entre 3 grãos (contornos de grão) e a estrutura cristalina destes grãos. Para finalizar é importante destacar que o contorno de grão é uma região de alta energia onde as ligações atómicas sofrem um processo de descontinuidade, pois estão ‘rompidas’. Por esta razão quando um material sofre um processo de rotura (fractura) este acontecerá preferencialmente através destes contornos, o que chamamos de fractura intercristalina. Mas também em muitos casos, quando o percurso da ‘trinca’ ou ‘fissura’ o exigir, os grãos podem partir-se e temos então a fractura transcristalina.

(contorno de grão)

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IV – EQUILÍBRIO DE FASES Diagramas de fases são representações gráficas que nos permitem saber quais fases estão presentes num determinado sistema sob diversas condições de temperatura, pressão e composição. A maioria dos diagramas de fases são construídos sob condições de equilíbrio (variações de temperatura muito lentas, longos períodos de permanência a uma dada temperatura). Esses diagramas são usados pelos engenheiros e cientistas para compreender e prever muitos aspectos importantes do comportamento térmico dos materiais, além de permitir a obtenção de uma série de outras informações úteis, tais como: å- O limite de solubilidade sólida de um elemento ou composto em outro, sob diferentes condições de temperatura; ç- A temperatura na qual um material resfriado lentamente começa a solidificar e a faixa de temperaturas na qual a solidificação ocorre; é- A temperatura na qual as diferentes fases presentes começam a fundir; è- A composição de cada fase presente sob as mais diversas condições de temperatura e composição Finalmente, deve ser observado que os diagramas de fases são o resultado de observações empíricas. Embora seja possível muitas vezes prever o comportamento de dois ou mais elementos ou substâncias quando combinados, esta é uma tarefa de difícil execução. Os diagramas de fase hoje conhecidos são o resultado de observações experimentais exaustivas acumuladas pela metalurgia e ciência dos materiais ao longo dos últimos 150 anos. Diagramas de fases de substâncias puras Os diagramas de fases mais simples que podemos encontrar são aqueles que envolvem apenas um componente sob diferentes condições de temperatura e pressão.

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Um exemplo bastante familiar é o da água, mostrado na figura abaixo:

Figura 44 – Diagrama de fases da água. Trata-se de um diagrama monofásico em que são apresentadas as diferentes fases (estados físicos) da água em função da temperatura e da pressão. No diagrama de fases da água da figura 44 as variáveis são pressão (ordenada) e temperatura (abcissa). Existem três regiões (ou campos) no diagrama, que indicam as condições necessárias para obter-se a água nos seus diferentes estados físicos. Separando os três campos temos as linhas de congelamento, vaporização e sublimação que indicam as condições de temperatura e pressão nas quais podemos encontrar duas fases em equilíbrio. O ponto triplo desse diagrama,

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situado a 4.579 torr (ou mmHg) e 0.0098 ºC é o único ponto onde as três fases coexistem em equilíbrio. Outro exemplo de diagrama de fases para uma substância pura (neste caso, um metal) é o diagrama do ferro, mostrado na figura abaixo.

Figura 45 – Diagrama de fases do ferro.

Observe-se neste diagrama que não existe uma região com um único sólido, mas sim três regiões de sólidos, que correspondem às diferentes fases sólidas do ferro (α, γ, δ). Observe-se que as linhas entre as regiões de sólidos e também a linha sólido (δ) – líquido são paralelas à abcissa, o que significa uma independência da transformação sólido-sólido e da transformação sólido-líquido com relação à pressão. Esta propriedade, que será referida na próxima secção, é parcialmente também verificada para a água, pois observa-se na figura 44 um ‘quase’ paralelismo da linha de congelamento com relação à ordenada.

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Outro ponto importante a destacar é a existência de três pontos triplos, que indicam a coexistência de cada uma das três possíveis fases sólidas com as fases do líquido e vapor. IV.1 – REGRA DAS FASES (Regra de Gibbs) A partir de considerações termodinâmicas o físico americano J. W. Gibbs derivou uma equação que nos permite determinar o número de fases que devem coexistir em equilíbrio em um dado sistema. Essa equação é:

P F C+ = + 2

Onde: P → número de fases que coexistem num dado sistema. C → número de componentes do sistema. F → número de graus de liberdade O número de graus de liberdade é o número de variáveis (pressão, temperatura, composição) que podem ser alteradas independentemente sem alterar o número de fases em equilíbrio. Vamos utilizar o diagrama de fases da água para ilustrar o significado da regra de Gibbs: No ponto triplo (4.579 torr e 0.01ºC) teremos P = 3 (3 fases em equilíbrio) e C = 1 (um só componente), logo:

3 + F = 1 + 2 ⇒ F = 0 Isto significa que para coexistirem as 3 fases em equilíbrio nenhuma das variáveis pode ser alterada. Assim um ponto triplo é também chamado ponto invariante. Ao longo da linha de fusão sempre existirão 2 fases em equilíbrio, então:

2 + F = 1 + 2 ⇒ F = 1 o que significa que pode haver variação independente ou da pressão ou da temperatura. O mesmo ocorrerá ao longo da linha de vaporização. Nos campos onde existe apenas uma fase ter-se-á:

1 + F = 1 +2 ⇒ F = 2 ou seja, a pressão e a temperatura poderão ser variadas simultaneamente e ainda assim existirá somente uma fase em equilíbrio.

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Nos sistemas binários ( C = 2 ) que serão estudados na próxima secção, a pressão é normalmente mantida constante (usualmente a 1atm = 760 torr), de modo que existe um grau de liberdade a menos e os diagramas restringem-se a composição x temperatura. Neste caso tem-se a regra das fases condensada:

P F C+ = + 1

IV.2 – DIAGRAMAS DE FASES BINÁRIOS A figura abaixo mostra um exemplo de diagrama de fase com dois componentes ( H2O e NaCl ).

Figura 46 – Diagrama de fases binário do sistema água - cloreto de sódio (apenas para a região rica em água – máx. 30% NaCl.

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Pode-se observar neste diagrama, entre outras coisas, que: å- O limite de solubilidade do NaCl na salmoura diminui com a diminuição da temperatura; ç- O limite de solubilidade do H2O na salmoura também diminui com a

diminuição da temperatura; é- As composições intermediárias têm temperaturas de fusão inferiores às dos componentes puros (H2O = 0 ºC; NaCl = 800.4 ºC). Na verdade, elas não

fundem completamente a uma dada temperatura, mas sim em uma faixa de temperaturas è- Existe apenas uma composição no diagrama (com excepção dos componentes puros) em que se tem a transformação directa do estado líquido (salmoura) para o sólido (gelo + sal) ê- Essa composição ( 23.3 % NaCl + 76.7 % H2O ) é a que tem a mais baixa

temperatura de fusão (-21 ºC). Na secção IV.4 será visto que este é um ponto invariante em que se verifica uma reacção eutéctica.

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Diagramas binários isomorfos O diagrama de fases mais simples, envolvendo apenas dois componentes, é obtido quando esses componentes apresentam completa solubilidade sólida. A figura a seguir mostra um exemplo de diagrama desse tipo (isomorfo). Como vimos no capítulo anterior, o níquel pode ser dissolvido na estrutura fcc do cobre de uma forma ilimitada, ou seja, sem limite de solubilidade, substituindo o mesmo nas posições da rede cristalina.

Figura 47 – Diagrama de fases binário do sistema Cobre – Níquel

A curva superior do diagrama, denominada linha liquidus, delimita a região de estabilidade da fase líquida (situada acima dela) para qualquer composição do sistema. A curva inferior (linha solidus) delimita a região onde haverá apenas uma fase sólida em equilíbrio, situada abaixo da curva.

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A região entre as linhas liquidus e solidus representa a coexistência de duas fases (líquida e sólida). Nos dois extremos do diagrama essas linhas se encontram, indicando as temperaturas de fusão dos componentes puros. Na região de estabilidade da fase sólida (solução sólida α) o ponto a, por exemplo, indica uma solução contendo 80 % de cobre e 20 % de níquel à temperatura de 1050 ºC. A microestrutura da solução α nesse ponto seria semelhante à do cobre puro, ou seja, a única característica visível num microscópio seriam os contornos de grão. No entanto, uma liga com a composição do ponto a tem propriedades distintas das do cobre puro (resistência mecânica e resistividade elétrica superiores, por exemplo). Na região bifásica do diagrama (entre as linhas solidus e liquidus) a quantidade de cada fase presente depende da temperatura e da composição química da liga. Para determinarmos a composição de cada uma das fases presentes em qualquer ponto de qualquer região bifásica a uma dada temperatura, devemos traçar uma linha horizontal paralela à abcissa passando pelo ponto em questão; quando essa linha encontrar as fronteiras da região, traçamos linhas verticais até encontrarmos o eixo horizontal de composição. A intersecção dessas linhas com o eixo indicará a composição das respectivas fases. Exemplo: vejam no diagrama Cu - Ni a liga com composição média 53 % Ni + 43 % Cu, a 1300 ºC:

- a fase líquida terá 45 % de Ni + 55 % de Cu - a fase sólida terá 58 % de Ni + 42 % de Cu

(deve-se notar que nenhuma dessas duas fases tem uma composição igual à composição média da liga) Diagramas de fase binários envolvendo componentes mutuamente solúveis em quaisquer proporções podem ser construídos a partir de uma série de curvas de resfriamento, conforme mostrado nas figuras da página seguinte para o sistema Cu - Ni. Construção de um diagrama binário isomorfo Durante todo o processo de solidificação dos metais puros a temperatura permanece constante, conforme indicado nos segmentos AB e CD da figura 48a.

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No caso das soluções sólidas, ocorrem mudanças de inclinação nas curvas de resfriamento quando começa (L1, L2 e L3) e quando termina a

solidificação (S1, S2 e S3), ou seja, nas linhas solidus e liquidus.

(b)

Figura 48 – (a) Curvas de arrefecimento do sistema Cu – Ni para diferentes composições (0%, 20%, 50%, 80% e 100% Ni); (b) diagrama isomorfo

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construído a partir das curvas de arrefecimento unindo os pontos L1, L2, L3 e S1, S2, S3. IV.3 – REGRA DA ALAVANCA Em qualquer diagrama binário, nas regiões onde coexistem duas fases pode-se calcular o percentual em peso de cada uma dessas fases usando-se a "regra da alavanca". Vejamos como exemplo um diagrama binário do tipo em que há solubilidade completa, conforme mostrado na figura abaixo:

Figura 49 – Diagrama isomorfo hipotético para o cálculo da regra da alavanca.

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Neste sistema A - B vamos considerar um material com a composição w0 a

uma temperatura T onde coexistem duas fases: sólido + líquido. Sejam: xl - fração em peso da fase líquida

xs - fração em peso da fase sólida

wl - fração em peso de B na fase líquida

ws - fração em peso de B na fase sólida

wo - fração em peso de B na mistura de fases

Como temos apenas duas fases (líquida e sólida), então:

x xl s+ = 1

A quantidade de B na liga deve ser igual à quantidade de B no líquido mais a quantidade de B no sólido; portanto temos:

w x w x wl l s s0 = +

Combinando essas duas expressões, temos:

w0 = (1-xs). wl + xsws

⇒ w w x w x wl s l s s0 = − +

Rearranjando essa expressão ⇒ x w x w w ws s s l l− = −0

A fracção em peso de fase sólida (xs) será dada por:

xw w

w ws

l

s l

=−

−0

De forma análoga, podemos calcular a fracção em peso de fase líquida (xl)

através da expressão:

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xw w

w wl

s

s l

=−

−0

Exemplo: Uma liga cobre-níquel contém 47 % Cu + 53 % Ni (% em peso). Determine, para essa liga, à temperatura de 1300ºC: a) qual a percentagem em peso de líquido e de sólido. b) qual é a composição de cada uma dessas fases

a):

x

x

l

s

=−

−= ⇒

=−

−= ⇒

58 53

58 450 38 38

53 45

58 450 62 62

. %

. %

é líquido

é sólido

b) as composições das fases podem ser lidas directamente no diagrama (nas extremidades da alavanca):

fase líquida: 45 % em peso de Ni + 55 % em peso de Cu fase sólida: 58 % em peso de Ni + 42 % em peso de Cu

IV.4 – REACÇÕES INVARIANTES Eutéctica Na secção IV.2, quando analisamos o diagrama binário H2O – NaCl, já tivemos a oportunidade de ver uma reacção eutéctica, ou seja, uma reacção invariante (que ocorre em um ponto triplo) durante a qual um líquido transforma-se em dois sólidos e vice-versa (pois estas reacções são sempre termodinamicamente reversíveis. A palavra eutéctica vem do grego e significa “fusão fácil”. A reacção eutéctica é em geral representada da forma:

L ⇔S1 + S2 Em que L representa o líquido, e S1 e S2 os dois sólidos formados. No caso do sistema H2O – NaCl, a equação completa seria: -21ºC

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Salmoura (23,3%) ⇔ Gêlo + Sal (NaCl)

No diagrama Pb-Sn, mostrado na figura 50, há uma temperatura eutéctica (183 ºC) na qual ocorre também uma reacção eutéctica.

A reacção eutéctica pode ser expressa da seguinte forma:

L Sn Sn SnoC( . % ) ( . % ) ( . % )61 9 19 2 97 5183← → +α β

Esta é uma reacção invariante no sentido em que ocorre a uma determinada temperatura e composição, sob condições de equilíbrio.

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Durante a reacção eutéctica a temperatura permanece constante enquanto o líquido solidifica-se nas fases α e β. Tomemos como exemplo agora uma liga Pb-Sn com uma composição de 60% Pb + 40% Sn, sendo resfriada de 300ºC até a temperatura ambiente, como mostrado na figura 50 (liga - alloy 2). Seguindo a linha tracejada, teremos em cada um dos pontos assinalados: a) 300ºC ⇒ 100% líquido b) aproximadamente 250ºC ⇒ começa a solidificação de uma fase "proeutéctica" α, contendo 12% Sn. c) 230ºC ⇒ 76% líquido + 24% α proeutéctico. d) 183ºC + ∆T ⇒ 49% líquido + 51% α proeutéctico. e) 183ºC - ∆T ⇒ 100 % de sólido composto por duas fases: α e β, sendo que parte da quantidade total de α presente será α proeutéctica e parte será α eutéctica. A totalidade de β será formada na temperatura eutéctica. Na figura abaixo é mostrado o gráfico temperatura x tempo, durante o resfriamento dessa liga:

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100

200

300

T (ºC)

Tempo

100 % líquido

250

183

proeutético solidificandoα

eutético solidificando

Liga 60 % Pb - 40 % Sn

Figura 51 – Curva de arrefecimento para uma liga Pb-40% Sn

Peritéctica Outra reacção invariante muito frequente em sistemas binários é a reacção peritéctica, onde uma fase líquida reage com uma fase sólida formando uma fase sólida diferente da original. Tal reacção pode ser descrita por:

Líquido resfriamento+ →α β

As reacções peritécticas geralmente ocorrem em diagramas binários mais complexos, onde as temperaturas de fusão dos componentes são muito diferentes. Na figura 52 abaixo é mostrada a região peritéctica do diagrama Fe-Ni:

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Figura 52 – Região peritéctica do diagrama Fe – Ni

Nesse diagrama existem duas fases sólidas ( δ e γ ) e uma fase líquida. A fase δ é uma solução sólida de Ni em Febcc e a fase γ é uma solução sólida

de Ni em Fefcc.

Na temperatura peritéctica de 1517 ºC e composição peritéctica de 4.3 % em peso de Ni (ponto c) ocorre a reação peritéctica :

Líquido Ni Ni NiC( . % ) ( . % ) ( . % )º5 4 4 0 4 31517+ ← →δ γ

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Outro exemplo de diagrama binário que apresenta uma reacção peritéctica é o diagrama do sistema Pt-Ag, mostrado na figura 53 abaixo:

Figura 53: Diagrama de fases binário Pt - Ag

No ponto representado pela composição 42.4 % Ag a 1186 ºC tem-se a reacção:

Líquido Ag Ag AgC( . % ) ( . % ) ( . % )º66 3 10 5 42 41186+ ← →α β

As reacções peritécticas envolvem um fenómeno conhecido como fusão incongruente, no sentido de que se trata de um fenómeno completamente distinto de uma fusão dita ‘normal’. Em uma fusão normal observa-se a transformação simples de um líquido em um sólido (e vice-versa), enquanto que em uma fusão incongruente o que é observado é a transformação de um sólido com uma dada composição em um líquido com uma composição diferente e outro sólido (também com uma composição distinta da do sólido original).

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A palavra peritéctica vem também do grego e significa tão somente “fusão diferente”. Monotéctica As reacções monotécticas ocorrem em sistemas onde existe uma faixa de composições com imiscibilidade líquida, ou seja, onde existe uma enorme diferença entre os respctivos pontos de fusão dos componentes. Um exemplo de diagrama de fase que exibe uma reacção invariante do tipo monotéctica é mostrado na figura 54 a seguir, que apresenta o diagrama de fases Cu – Pb.

No ponto monotéctico do diagrama Cu - Pb, situado a 955 ºC e 36 % de Pb ocorre a seguinte reacção:

L Pb Cu L PbC1

955236 100 87( % ) ( % ) ( % )º← → +α

O fenómeno que se observa é um líquido com uma dada composição a transformar-se em um sólido de composição única (metal puro) e outro líquido de composição distinta.

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Figura 54 – Diagrama de fases binário do sistema Cu – Pb

Observe-se que neste diagrama, para alem de mostrar no eixo da abcissa a composição em peso %, é apresentado também na parte superior a composição molar, sobre a qual serão também feitos alguns exercícios.

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Eutectóide Até agora vimos três casos de reacções invariantes que envolvem fases líquidas e sólidas. Existem ainda dois outros casos de reacções invariantes que envolvem apenas fases sólidas. Uma delas é a reacção eutectóide que é muito semelhante à reacção eutéctica, com a diferença de que não há fase líquida envolvida – o fenómeno envolvido é o da transformação (ou decomposição) de uma dada fase sólida em duas outras fases sólidas. Um exemplo importantíssimo deste fenómeno ocorre no diagrama de fases Fe – C apresentado na figura 55 abaixo.

Figura 55 – Parte do diagrama de fases binário Fe – C.

No ponto eutectóide (0.77 % C, 727 ºC) ocorre a seguinte reacção:

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Fe Fe Fe CC

γ α727

3º← → +

Deve-se notar que nessa figura existem também um ponto eutéctico e um ponto peritéctico. Exercício: identificar estes pontos e escrever as equações das respectivas reacções. Peritectóide A reacção peritectóide é similar à reacção peritéctica, porém envolve apenas fases sólidas. A figura 56 abaixo mostra o exemplo do diagrama de fases do importante sistema de ligas metálicas Al - Ni onde ocorre uma reacção peritectóide:

Figura 56 – Diagrama de fases do sistema de ligas metálicas Al – Ni A reacção peritectóide que ocorre no diagrama Al - Ni pode ser escrita como:

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Al Ni Al Ni Al NiC+ ← →3700

3 5º

Nesse diagrama ocorrem também duas reacções eutécticas e três reacções peritécticas. Exercício: identificar estes pontos e escrever as equações das respectivas reacções. IV.5 – DIAGRAMAS SELECCIONADOS A seguir (figuras 57 a 60) serão apresentados alguns diagramas de fases seleccionados de importantes sistemas binários usados em engenharia de materiais, com a finalidade de serem feitos em aula exercícios diversos sobre:

- aplicação da Regra de Gibbs - aplicação da regra da alavanca - identificação das diversas reacções invariantes - transformação de composição em peso para composição molar e vice-

versa

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Figura 57 – Diagrama de fases binário eutéctico do sistema Ag – Cu

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Figura 58 – Diagrama de fases binário do sistema Mg – Ni

É importante observar-se neste sistema a existência das chamadas fases intermédias (ou compostos intermédios), como o Mg2Ni e MgNi2.

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Figura 59 – Diagrama de fases binário do sistema SiO2 – Al2O3

Neste exemplo temos o caso do importante diagrama de fases binário cerâmico do sistema sílica – alumínio, que são os constituintes básicos de diversos materiais refractários e que serão estudados em mais detalhe no Capítulo VI. Também neste diagrama aparecem compostos intermédios.

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Para finalizar apresentamos um diagrama de fases binário bastante complexo, com diversas reacções invariantes.

Figura 60 – Diagrama de fases binário do sistema Cu – Zn (latão) Neste diagrama aparecem cinco pontos invariantes peritécticos e um ponto eutectóide.

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IV.6 – DIAGRAMAS TERNÁRIOS Para sistemas com três componentes são usados os diagramas ternários, que têm como base um triângulo equilátero cujos vértices representam os elementos ou substâncias puras. São normalmente construídos à pressão constante de 1 atm e a temperatura é considerada constante em todo o diagrama, que é chamado também de secção isotérmica (existem também os diagramas ternários tridimensionais em que o eixo vertical perpendicular ao triângulo representa a temperatura).

Figura 61 – Secção isotérmica de um diagrama ternário hipotético entre três metais A – B – C.

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Na figura 61 é mostrada a secção isotérmica de uma liga metálica hipotética de três metais A, B e C. As ligas binárias AB, BC e AC estão representadas nas três arestas do triângulo. Nessa figura, por exemplo, a composição de uma liga indicada pelo ponto x é obtida pela leitura das intersecções das paralelas às arestas que passam pelo ponto x. Desta forma a composição da liga x é: 40%A, 40%B e 20%C. Os diagramas ternários são muito importantes para o estudo das cerâmicas, onde frequentemente existem compostos com 3 ou mais componentes. Na figura 62 é mostrado o triângulo para o diagrama ternário cerâmico Quartzo-Argila-Feldspato, que é de fundamental importância para o estudo das cerâmicas, como será visto no capítulo VI.

Quartzo

Argila Feldspato Aln(SiO4)(OH)p (Na,K)AlSi3O8 Ex: Caulino� Al2(Si2O5)(OH)4 ou CaAl2Si2O8

Figura 62 - Diagrama ternário cer�mico Quartzo-Argila-Feldspato

Exercício: determine o ponto para a chamada “porcelana dura” cuja composi��o é 30% quartzo, 40% caulino, 30% feldspato. Obs: Quartzo � constituinte refratário Argila � constituinte plástico Feldspato � constituinte de fluxo