Upload
carolcanta
View
16
Download
1
Embed Size (px)
Citation preview
FILOSOFIA DA CIÊNCIA
Silvio Chibeni
FILOSOFIA E SUAS DISCIPLINAS
Hoje em dia costuma-se considerar pertencentes ao tronco
principal da filosofia as disciplinas da estética, lógica,
ética, epistemologia e metafísica, sendo que as duas
primeiras mostram tendência à autonomização. De forma
muitíssimo simplificada, pode-se dizer que a estética
examina abstratamente a beleza e a feiúra; a lógica
investiga o encadeamento formal das proposições; a ética
estuda questões relativas ao bem e ao mal, aos direitos e
deveres; a epistemologia ocupa-se do conhecimento, suas
origens, fundamentos e limites, enquanto que a metafísica
procura especular sobre a natureza última das coisas. Fora
esses ramos fundamentais, há ainda diversos outros que
resultam de suas interconexões e especializações, como por
exemplo a filosofia política, a filosofia da linguagem, a
filosofia da ciência, a teologia.
EPISTEMOLOGIA
A epistemolgia é o estudo ou ciência do conhecimento.
Dois dos grandes problemas da epistemologia são o das
origens e fundamentação do conhecimento (quais os processos
pelos quais o adquirimos, em que ele se fundamenta) e o dos
seus limites, ou extensão (quais as coisas que podem, em
princípio, ser conhecidas e quais as que não podem). Ao
longo da história da filosofia, esses dois problemas
epistemológicos quase nunca foram tratados separadamente,
já que há conexões entre eles. Porém, para fins de análise
a distinção é útil, e podemos classificar as doutrinas
epistemológicas em dois grupos principais, conforme se
ocupem de um ou de outro desses problemas.
No caso do problema das origens e fundamentação do
conhecimento, há essencialmente duas posições antagônicas:
i) Empirismo. Sustenta que o conhecimento se baseia e
se adquire através do que se apreende pelos sentidos.
Admite-se, além dos sentidos “externos” (visão, audição,
tato, olfato e paladar) a participação de um sentido
“interno” (introspecção), que nos informa acerca de nossos
sentimentos, estados de consciência e memória. Como quase
toda doutrina filosófica, o empirismo encontra raízes na
Grécia Antiga; ganhou novo ímpeto com a revolução
científica do século 17, e seus principais defensores no
período moderno foram Locke, Berkeley e Hume.
ii) Racionalismo. Mantém que as fontes do verdadeiro
conhecimento encontram-se não na experiência, mas na razão.
Como no caso do empirismo, também essa doutrina já era
defendida entre os gregos; na era moderna, seus principais
expoentes foram Descartes e Leibniz.
Naturalmente, é possível manter-se uma posição
empirista acerca de determinado tipo de conhecimento e
racionalista acerca de outro. De fato, é freqüente, por
exemplo, que empiristas com relação ao conhecimento do
mundo físico sejam racionalistas com relação ao
conhecimento matemático. E mesmo dentro de uma mesma área,
é cabível sustentar-se posições diferentes quanto à origem
do conhecimento, dependendo do tipo de proposição
envolvida. Esse é o caso da teoria epistemológica de Kant;
segundo ela, nosso conhecimento da física é parcialmente a
priori (como no caso das leis de Newton) e parcialmente
empírico, ou a posteriori (a lei de Boyle, por exemplo).
Não iremos aqui discutir e avaliar, ou mesmo apresentar
de forma sistemática, as múltiplas variantes dessas
doutrinas epistemológicas sobre a origem do conhecimento.
Notemos apenas que, como resultado das profundas
transformações sofridas pela física em nosso século (que,
entre outras conseqüências, levaram à descrença na verdade
universal das leis da dinâmica newtoniana, e à adoção de
geometrias não-euclideanas), o racionalismo com relação ao
conhecimento do mundo físico aparentemente perdeu muito de
sua plausibilidade.
Realismo e anti-realismo
Passemos agora à questão dos limites do conhecimento.
Aqui, a oposição principal se dá entre a doutrina
epistemológica do realismo e uma série de doutrinas com
nomes diversos, ditas genericamente anti-realistas.
Poucos conceitos filosóficos têm recebido
caracterizações tão diversas quanto o de realismo. Em um
sentido amplo, o termo realismo denota uma determinada
posição filosófica acerca de certas classes de objetos, ou
de proposições sobre esses objetos. Consideram-se, por
exemplo, os objetos matemáticos, os universais, os objetos
materiais ordinários, as entidades não-observáveis
postuladas pelas teorias científicas, etc.
Em uma formulação puramente metafísica, o realismo
sobre os objetos de uma dessas classes se caracteriza pela
afirmação de que os objetos em questão “realmente existem”,
ou “desfrutam de uma existência independente de qualquer
cognição”, ou “estão entre os constituintes últimos do
mundo real”. Pode-se pois ser realista com relação a uma
classe ou classes de objetos e anti-realista com relação a
outras. Outros filósofos preferem (por razões que não
examinaremos aqui) formular o realismo em termos
epistemológicos, dizendo, por exemplo, que por realismo se
deve entender a doutrina segundo a qual as proposições
sobre os objetos da classe em disputa possuem um valor de
verdade objetivo, independente de nossos meios para
conhecê-lo: são verdadeiras ou falsas em virtude de uma
realidade que existe independentemente de nós.
As posições anti-realistas por vezes recebem nomes
especiais, de acordo com a classe de objetos em questão.
Assim, o anti-realismo com relação às entidades matemáticas
é conhecido por construtivismo; com relação aos objetos
materiais ordinários por fenomenalismo; com relação aos
universais por nominalismo. O anti-realismo científico
questiona a possibilidade do conhecimento das entidades e
processos inobserváveis postulados pelas teorias
científicas; recebe várias denominações, dependendo de como
a tese do realismo científico é negada: instrumentalismo,
redutivismo, empirismo construtivo, relativismo, etc.
*VER REALISMO, CONSTRUÇÃO SOCIAL E RELATIVISMO
OBSERVAÇÕES SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE A CIÊNCIA E A FILOSOFIA
Seria quase desnecessário lembrar que, desde a sua origem,
o homem sempre cuidou de obter conhecimento sobre os
objetos que o cercam, pois disso depende sua sobrevivência.
Tal conhecimento histórica e biologicamente primitivo é,
pois, antes de tudo um saber como, um conhecimento motivado
por algo externo à atividade cognitiva propriamente dita: a
necessidade de controle dos fenômenos naturais.
A Grécia Antiga testemunhou, no entanto, o surgimento
de uma perspectiva cognitiva nova: a busca do conhecimento
pelo próprio conhecimento, por mera curiosidade
intelectual. Aqueles que cultivavam essa busca do saber
pelo saber foram chamados filósofos (traduzindo, “os que
amam ou buscam a sabedoria”).
Um dos mais importantes desses homens – talvez mesmo o
mais importante deles –, Aristóteles (c. 384-322 a.C.),
abre uma de suas obras fundamentais, a Metafísica,
justamente com a afirmação de que “por natureza, todo homem
deseja conhecer” (livro I, cap. 1). Em seguida traça, em um
texto que cativa tanto por sua eloqüência como por sua
precisão analítica, a distinção entre três tipos de saber,
ou talvez de etapas na busca do saber. Adaptando um pouco a
terminologia, temos:
(i) Conhecimento por experiência sensorial direta.
Restringe-se aos objetos e eventos individuais, e informa
simplesmente acerca do que é.
(ii) Conhecimento técnico. Engloba leis gerais, mas
dirige-se apenas à questão de como é. Basta, pelo menos num
primeiro momento, para dirigir nossas ações.
(iii) conhecimento teórico. Também de tipo geral,
procura responder a questão de por que é. Esse é o domínio
da ciência propriamente dita, no qual se investigam as
“causas” e “princípios” dos fenômenos. Vale a pena ver este
comentário do próprio Aristóteles:
“Aquele que é mais exato e mais capaz de ensinar as
causas é mais sábio, em todas as áreas do conhecimento. E
quanto às ciências, igualmente, aquilo que é desejável por
si mesmo e com vistas apenas ao conhecimento é mais próprio
da sabedoria do que aquilo que é desejável com vistas aos
seus resultados ...” (Metafísica, livro 1, cap. 2,
982a.10).
Esse cultivo do saber pelo saber talvez seja a principal
herança que recebemos dos gregos, e um dos traços mais
importantes da cultura ocidental. Chegou até nós não apenas
pela filosofia – hoje um tanto esquecida –, mas
principalmente por ter sido incorporado ao que hoje
chamamos ciência.
CIÊNCIA E A QUESTÃO DA UNIVERSALIDADE E DA CERTEZA
A utilização do termo ‘ciência’ no sentido
contemporâneo é bastante recente, consolidando-se somente
no século XX. Porém, a ciência – neste sentido do termo – é
mais antiga, remontando mais ou menos ao século XVII. No
meio tempo, era usualmente denominada filosofia natural.
Tal denominação reflete, é claro, a origem da ciência
naquela busca do saber pelo saber destacada pelos Antigos.
Eles não distinguiam ciência de filosofia; tudo era
filosofia. A palavra ‘ciência’, que já existia (em latim
scientia; em grego episteme), era usada para diferençar o
tipo especial de conhecimento a que Aristóteles cantou
louvores: o conhecimento universal e certo acerca dos 3
fenômenos naturais, dos números, das figuras geométricas,
etc., buscado sem preocupações práticas.
Esse ideal de universalidade e certeza foi incorporado
às ciências, no sentido contemporâneo da palavra, quando
começaram a surgir no século XVII. O impressionante sucesso
explicativo e preditivo das nascentes disciplinas foi
atribuído a um novo método de investigação, que
supostamente aliava a observação cuidadosa e, quando
possível, controlada dos fenômenos, ao crivo da razão. No
caso mais significativo, a física, a matematização foi
também um ingrediente importante nesse método.
A compreensão precisa do chamado “método científico”, das
características que distinguiriam as disciplinas
científicas das não-científicas, ou pseudo-científicas,
constituiu, desde então, um dos temas mais polêmicos da
filosofia da ciência, a área da filosofia que se ocupa da
análise do conhecimento científico. Não há espaço aqui para
sequer mencionar as principais teorias filosóficas sobre a
questão.
Há um ponto, porém, que gostaria de ressaltar. É que
embora ainda hoje o leigo e muitos cientistas continuem a
associar a noção de ciência à de certeza e infalibilidade,
as análises epistemológicas levaram, há muito, os filósofos
da ciência a reverem essa associação. No âmbito do chamado
“empirismo”, o questionamento desse ponto remonta pelo
menos a John Locke, no século XVII; no século seguinte, foi
aprofundado por David Hume, numa famosa crítica cética.
Curiosamente, foi apenas no século XX que houve um
reconhecimento mais geral de que a obtenção de conhecimento
universal e certo acerca dos processos naturais é um ideal
que, depois de dois milênios e meio, deve ser abandonado,
por inatingível.
Perdido esse traço quase que definitório da ciência, ficou
ainda mais difícil encontrar critérios de demarcação entre
ciência e não-ciência que sejam de aplicação geral. Há hoje
diversas propostas em análise, nenhuma isenta de objeções
mais ou menos graves. Muitos terão, por exemplo, ouvido
referências à concepção de ciência do já mencionado Karl
Popper.
Karl Popper
Mais, talvez, do que qualquer outro filósofo da ciência
contemporâneo ele enfatizou o caráter irredutivelmente
conjetural de todo o nosso conhecimento da matéria. Numa
expressão famosa, Popper sugeriu que entendêssemos o
conhecimento científico não como episteme (que requer
certeza), mas como doxa (opinião).
Segundo Popper, as leis e teorias científicas, mesmo as
mais bem estabelecidas, são sempre hipóteses, inventadas
livremente para predizer e explicar os fenômenos. O que as
tornaria científicas é sua falseabilidade, ou seja, o
poderem, em princípio, ser refutadas pela experiência. É
claro que as teorias de fato aceitas num dado momento não
podem já ter sido refutadas. Mas é importante que sejam
refutáveis, pois caso contrário não teriam potenciais
pontos de contato com a realidade. O progresso da ciência
seria, assim, o resultado de um processo constante de
conjeturas e refutações, de substituição de hipóteses
falseadas por hipóteses melhores e não falseadas, porém
sempre falseáveis.
Embora essa visão da ciência aparentemente rompa de forma
radical com a noção original, há um elemento importante no
ideal clássico que Popper procurou preservar e defender,
mediante uma argumentação cerrada: o realismo. Essa posição
filosófica é, em termos simples, a de que, embora falíveis,
as teorias científicas devem ser entendidas como tentativas
sérias, e cada vez melhores, de descrever uma realidade
objetiva, ainda quando transcenda o nível dos fenômenos, ou
seja, aquilo que é diretamente perceptível aos sentidos. O
empreendimento científico continua, nessa perspectiva
realista, dando vazão da melhor forma possível ao nosso
arraigado desejo de compreender o mundo real, de descobrir
como e por que funciona.
MÉTODO CIENTÍFICO
*PROBLEMAS DA INDUÇÃO, DEDUÇÃO E ADBUÇÃO
Constitui crença generalizada que o conhecimento fornecido
pela ciência é, de algum modo, superior relativamente aos
demais tipos de conhecimento, como o do homem comum.
Teorias, métodos, técnicas, produtos, contam com aprovação
geral quando considerados científicos. A autoridade da
ciência é evocada amplamente. Indústrias, por exemplo,
freqüentemente rotulam de científicos processos por meio
dos quais fabricam seus produtos, bem como os testes aos
quais os submetem. Atividades várias de pesquisa nascentes
se auto-qualificam científicas , buscando respeitabilidade.
Essa atitude quase que de veneração à ciência deve-se, em
boa parte, ao extraordinário sucesso prático alcançado pela
física, pela química, pela biologia e por suas
ramificações. Assume-se, implícita ou explicitamente, que
por detrás desse sucesso existe um método especial que,
quando seguido, redunda em conhecimento certo, seguro.
*relação entre conhecimento (epistemologia), e Poder: a
ciência tem autoridade porque tem método ou por uma questão
de poder, por uma questão política?
A questão de saber que método seria esse tem constituído
uma das principais preocupações dos filósofos, desde que a
ciência ingressou em uma nova era, no século XVII. Formou-
se em torno dela e de outras questões correlacionadas um
ramo especial da filosofia, a filosofia da ciência. Essa
disciplina passou por transformações importantes no século
XX, tendo, como conseqüência, chegado a uma visão do método
científico bem mais satisfatória, sob diversos aspectos, do
que a que prevaleceu, com algumas variações, nos três
séculos precedentes.
A tripartição aristotélica do conhecimento
*ver menção anterior a Aristóteles
Nessa acepção original, o termo .ciência. (episteme,
scientia) indica o ideal máximo do saber humano: a
apreensão completa e definitiva da realidade de um objeto
ou processo. A busca da ciência nesse sentido representava,
pois, um desafio imenso. De forma admirável, isso não
impediu que fosse aceito pela maioria dos filósofos durante
quase dois milênios. Paradoxalmente, foi somente quando a
investigação científica do mundo adentrou uma fase
particularmente fecunda, a partir do século XVII, que
começaram a surgir as primeiras suspeitas sistemáticas de
que, talvez, o ideal fosse alto demais. Nessa época, o
próprio avanço do saber determinou, entre outras coisas,
uma crescente especialização, que se traduziu num
desmembramento, relativamente ao tronco comum da filosofia,
que englobava quase todas as áreas do saber, de um
aglomerado de campos que viria, bem mais tarde, ser chamado
de ciência, numa acepção mais restrita do termo, e que é a
que prevalece hoje em dia.2
No tronco original permaneceram
diversas disciplinas, como a metafísica, a lógica, a
epistemologia, a ética e a estética.
*Neste ínterim, a questão da universalidade e da certeza
começam a ser questionadas: quais seriam as potencialidades
e os limites da razão e do conhecimento? Quanto a isso,
podemos destacar a filosofia de David Hume e de Kant.
Teorias fenomenológicas e teorias explicativas
uma distinção entre dois tipos de teorias científicas:
fenomenológicas e explicativas. Essa distinção diz respeito
à natureza das proposições da teoria.
proposições se refiram exclusivamente a propriedades e
relações empiricamente acessíveis entre os fenômenos são
ditas fenomenológicas (.fenômeno.: aquilo que aparece aos
sentidos). Teorias desse tipo têm como função descrever,
por suas leis, as correlações entre os fenômenos. Isso é o
suficiente para permitir a previsão da ocorrência de um
fenômeno a partir da ocorrência de outros. Exemplos
importantes de teorias fenomenológicas são a termodinâmica,
a teoria da relatividade especial e a teoria da seleção
natural de Darwin.
Porém a capacidade de predição de fenômenos é apenas o
primeiro dos dois grandes objetivos da ciência, no sentido
atual do termo. O outro objetivo é o de fornecer
explicações para os fenômenos, quer individualmente, quer
já concatenados por leis de tipo fenomenológico. Numa visão
tradicional (adotada daqui em diante), esse objetivo deve
ser buscado apontando-se as causas dos fenômenos. Teorias
que se proponham a especificar tais causas, a partir das
quais se compreenda as razões da ocorrência dos fenômenos,
são ditas teorias explicativas, ou construtivas. Esta
última denominação foi sugerida por Einstein, a partir da
observação de que as teorias deste segundo tipo envolvem
proposições referentes a entidades e processos inacessíveis
à observação direta, que são postulados com o objetivo de
explicar os fenômenos por sua .construção. a partir dessa
suposta estrutura fundamental subjacente (Einstein 1954, p.
228). Exemplos característicos desse tipo de teoria são a
mecânica quântica, a mecânica estatística, o
eletromagnetismo, a genética molecular e grande parte das
teorias químicas.
O problema da indução
Tanto as teorias fenomenológicas como as explicativas
envolvem, de forma essencial, proposições universais, entre
as quais destacam-se as que se classificam como leis. Tais
proposições englobam no seu âmbito todo o universo de
objetos ou processos de determinados tipos. No âmbito das
ciências naturais, essas proposições suscitam um problema
epistemológico importante: como podem ser fundamentadas, ou
justificadas? Em outros termos, que tipo de evidência pode
assegurar sua verdade?
Ao tratar desse problema, alguns filósofos, como Descartes,
Leibniz e Kant, tentaram uma via que em filosofia se
chama .racionalista., ou seja, que busca a fundamentação no
âmbito exclusivo do pensamento. Parece hoje claro, ao menos
para os filósofos da ciência, que essa tentativa não deu
certo. Qualquer conhecimento dos entes e processos naturais
deve, de alguma forma, apoiar-se na experiência, na
observação dos fatos, não na razão pura. Essa tese é
usualmente chamada de .empirismo., e teve em Locke, George
Berkeley (1685-1753) e David Hume (1711-1776) seus
principais defensores no período moderno. Pois bem: dado
que qualquer experiência é necessariamente particular, ou
seja, referente a objetos individuais, como pode essa
experiência constituir base adequada para as leis
científicas, que se referem ao universo inteiro de objetos?
Em outros termos, como se pode passar de observações
particulares para o caso geral? Esse problema
epistemológico é hoje conhecido como problema da indução.
Ceticismo – Hume:
simplesmente não há meios racionais ou empíricos de
assegurar, com certeza absoluta, a verdade das leis
científicas a partir da experiência ou de raciocínios
lógicos. Não considero adequada a interpretação comum de
que essa seria uma conclusão puramente cética.4
Parece-me que a lição principal a ser tirada dessas
análises é que temos de renunciar, de uma vez por todas, ao
ideal tradicional do conhecimento universal e certo sobre o
mundo. Todas as nossas afirmações universais sobre a
natureza são irredutivelmente falíveis. Nenhum conhecimento
científico minimamente complexo para envolver leis não pode
ser dito provado, no sentido estrito do termo.
Não obstante o caráter incontroverso dessa conclusão,
parece que não foi ainda assimilada nem pelo homem comum,
nem pelos próprios cientistas, que seguem pensando em
ciência como sinônimo de certeza. Para os filósofos da
ciência, trata-se de ponto pacífico há muito tempo. Nem por
isso, porém, deixa de ser para eles perturbador. Uma das
razões é que a certeza sempre foi vista como um traço quase
que definitório da ciência. Perdido, ficou mais difícil
encontrar critérios de demarcação entre ciência e não-
ciência que sejam de aplicação geral. Retomarei esse
problema da demarcação mais adiante.
Hipóteses e explicações científicas
Como já observei, as teorias científicas explicativas
buscam estabelecer os mecanismos causais dos fenômenos.
Tais mecanismos via de regra encontram-se além do nível
fenomenológico, ou seja, não podem ser determinados por
observação direta. Eles são, tipicamente, postulados como
hipóteses. A noção de hipótese é crucialmente importante na
ciência. Ao contrário do que pensa o homem comum, a ciência
não visa a eliminar as hipóteses, nem poderá fazê-lo, se
quiser preservar o ideal aristotélico da compreensão do
mundo. Não há um meio de, pela investigação, transformar
uma hipótese científica . ao menos do tipo relevante para a
presente discussão . em algo .provado., e portanto que não
seria mais uma hipótese.5
Diante disso, o que o cientista
tem de fazer é desenvolver uma série de critérios que
ajudem a determinar o estatuto epistemológico das
hipóteses, ou seja, que possibilitem a avaliação das
diversas hipóteses, enquanto pretendentes à verdade.
Em vista da predominância das teorias explicativas na
ciência, o problema que acaba de ser indicado é de grande
importância, e, em seus diversos desdobramentos, constitui
a parte mais expressiva das discussões epistemológicas
contemporâneas.
Realismo científico
Há, entre os epistemólogos, uma divisão em dois grupos
principais: os realistas científicos e os anti-realistas
científicos. Os primeiros são os que defendem que, embora
de forma falível, as hipóteses científicas sobre entes e
processos inobserváveis têm como propósito realmente
afirmar algo sobre esses entes, ou seja, são tentativas
genuínas de descobrir como a realidade das coisas é. Os
anti-realistas, por sua vez, ou propõem que elas não têm
esse objetivo, e devem ser entendidas de outro modo, por
exemplo como meros instrumentos formais que auxiliam na
concatenação teórica das leis fenomenológicas, mas sem
nenhuma pretensão à descrição da realidade subjacente aos
fenômenos.
Na perspectiva empirista favorecida hoje em dia, o maior
desafio para o realista científico é estabelecer ligações
entre suas hipóteses e a experiência direta.
Teste de hipóteses: refutações
Na avaliação das hipóteses, e, mais geralmente, dos
conjuntos estruturados de hipóteses a que chamamos teorias,
a atenção epistemológica tem que ser focalizada na
estrutura formal da relação entre hipótese e experiência.
Importância da refutação da hipótese:
Embora à primeira vista esse não seja um caso interessante,
essa impressão é errada, pois da refutação de uma hipótese
se aprende algo importante: que o mundo não é como a
hipótese diz ser. À falta de um acesso epistêmico direto,
isso já é alguma coisa, podendo, por exemplo, direcionar a
pesquisa para outras hipóteses melhores. Um dos mais
importantes filósofos da ciência contemporâneos, Karl
Popper, desenvolveu sua teoria da ciência em torno dessa
idéia: a ciência progride na direção de um melhor
conhecimento do mundo por um processo de conjeturas e
refutações. O conhecimento científico é irredutivelmente
hipotético, conjetural, mas as nossas hipóteses acerca do
mundo vão se aperfeiçoando ao longo do tempo pela
sistemática eliminação de hipóteses falsas.7
Questão da dermarcação entre ciência e não-ciência:
É apropriado neste ponto retomar brevemente a questão da
demarcação. Como a demarcação entre ciência não-ciência, ou
pseudo-ciência, não pode ser feita com base na existência
de um procedimento que garanta infalivelmente a verdade das
proposições científicas, Popper propôs que o que diferencia
a ciência é a falseabilidade de suas proposições básicas,
ou seja, o poderem em princípio ser refutadas pela
experiência. É claro que as hipóteses e teorias de fato
aceitas num dado momento não podem já ter sido refutadas ou
falseadas. Mas é importante que sejam falseáveis, pois caso
contrário não teriam potenciais pontos de contato com a
realidade.
Integração teórica
Mas a questão que se coloca, com Quine, é que se uma
hipótese é refutada – falseada pela experimentação, surgem
hipóteses auxiliares.
Assim como no caso do problema da indução, acredito que a
reação apropriada aqui não seja a de um ceticismo completo
quanto à possibilidade de refutação de hipóteses na
ciência. A lição importante a ser tirada dessa análise é a
de que o conhecimento científico tem caráter essencialmente
integrado: não consiste de aglomerados de proposições, cada
uma das quais possa ser avaliada independentemente das
demais. Quine expressou bem o ponto dizendo que .nossas
proposições sobre o mundo externo enfrentam o tribunal da
experiência sensível não individualmente, mas
corporativamente. (Quine 1953, seção 5). Voltarei a esse
assunto mais adiante. Diante de evidência desfavorável, o
cientista deverá apelar a critérios extra-lógicos, mais
sutis e difíceis de explicitar, sobre o que fazer com sua
teoria, sobre que partes modificar.
Teste de hipótese: confirmação
Apesar dessa limitação lógica séria, há uma
importante .intuição. por detrás de um argumento desse
tipo, e que talvez possa ser preservada. Parece natural
pensar que se a verdade das implicações experimentais de
uma hipótese for constatada experimentalmente, a hipótese
será de algum modo .confirmada. pela experiência. Pelo
menos, sabe-se que nesse caso a experiência não refutou a
hipótese, e isso já é alguma coisa.
O caminho mais promissor de levar adiante essa .intuição.
parece ser o que foi pela primeira vez explorado de forma
sistemática por Charles S. Peirce, filósofo americano do
final do século XIX. Ele propôs que temos aqui uma forma de
inferência não-lógica e não-indutiva que chamou de abdução.
limitar-me-ei a enumerar, de forma muito breve, alguns
aspectos que qualquer teorização científica deve apresentar
para que se credencie de forma mais robusta para enfrentar
o desafio de colocar-se como candidata a representação da
realidade.
Prossegue a questão: como demarcar o que é ciência e o
que não é? Balanço das posições apresentadas até aqui e
defesa da proposta de Lakatos:
A concepção lakatosiana de ciência envolve um novo critério
de demarcação entre ciência e não-ciência. O critério
tradicional, ainda hoje aceito por leigos, considera
científicas somente as teorias .provadas. empiricamente.
Tal critério é, como vimos, forte demais: não haveria,
segundo ele, nenhuma teoria genuinamente científica, pois
todo conhecimento do mundo exterior é falível. Também o
critério falseacionista, segundo o qual só são científicas
as teorias refutáveis, elimina demais: como nenhuma teoria
pode ser rigorosamente falseada, nenhuma poderia
classificar-se como científica.
Uma boa teoria científica precisa ter: Quantidade,
variedade e precisão da evidência empírica; simplicidade
teórica
- Quantidade: quanto mais implicações experimentais
verdadeiras a teoria tiver, melhor. Uma teoria capaz de
acomodar um número muito limitado de fatos abre-se
facilmente à suspeita de ser ad hoc, ou seja, feita tendo
em vista justamente dar conta desses fatos, não tendo,
portanto, boas credenciais epistêmicas. Mas o fator
numérico não é tudo aqui: mais importante ainda é a
variedade das conseqüências experimentais da teoria.
14
Variedade: A teoria deve cobrir uma área ampla de
fatos, ou seja, deve ser abrangente. Com isso, maximiza-se
sua exposição a possíveis falseações, o que, como vimos, é
uma virtude importante de uma boa teoria científica. Caso a
teoria sobreviva às tentativas de falseação em tantos casos
diversos, ganha-se segurança de que é verdadeira.
c3) Precisão: Quanto mais precisas as predições
experimentais da teoria, maior a sua falseabilidade.
Teorias vagas e imprecisas são imunes ao eventual veredicto
negativo dos testes a que seja submetida, e isso é séria
desvantagem, pois desestimula a busca de teorias melhores.
c4) Simplicidade teórica. Apresentando-se duas ou mais
teorias alternativas para dar conta de um certo conjunto de
fenômenos, devemos preferir a mais simples delas (supondo
que seus méritos quanto a outros fatores sejam iguais).
Muitos cientistas e alguns filósofos fazem a suposição de
que as verdadeiras leis da natureza são simples, e que
portanto a busca de teorias simples é, ao mesmo tempo, a
busca de teorias que se aproximam da verdade. Essa
associação entre simplicidade e verdade não é nada
evidente, e nem parece haver um caminho pelo qual possa ser
estabelecida. Por essa razão, os filósofos da vertente
anti-realista rejeitam a associação como .metafísica., e
portanto sem valor para a ciência ou mesmo para a
filosofia. No entanto, tem funcionado pelo menos como um
ideal regulador da ciência. Assim, a simplicidade pode
continuar sendo procurada, ao menos, por razões
heurísticas, ou pragmáticas.