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Mauricio estava totalmente imerso no texto que …€¦ · — É. É foda mesmo. No começo a gente fica na unha do carcará — Toni disse pensativamente. ... chamou a imprensa

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Paulo Lucas

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Diálogos Satânicos

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Copyright®2013 by Paulo Lucas

Todos os direitos reservados

Capa Paulo Lucas - Photophosp CS6

Revisão Paulo Lucas

Editoração eletrônica PerSe Editora

Publicação PerSe Editora

www.perse.com.br

1ª Edição

129 Pgs

Lucas, Paulo

Diálogos Satânicos/Paulo Lucas Campinas-SP

PerSe 2013

1-Ficção Científica 2-Aventura 3-Futurismo

PerSe 2013

Esta é uma obra de ficção. Todos os personagens, organizações,

e eventos mostrados nesta novela são produtos da imaginação do

autor ou são usados de forma fictícia.

Paulo Lucas

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Cap.01.....................................................................................06

Cap.02.....................................................................................17

Cap.03.....................................................................................22

Cap.04.....................................................................................27

Cap.05.....................................................................................31

Cap.06.....................................................................................36

Cap.07.....................................................................................40

Cap.08….................................................................................46

Cap.09.....................................................................................53

Cap.10.....................................................................................58

Cap.11.....................................................................................64

Cap.12….................................................................................70

Cap.13.....................................................................................81

Cap.14.....................................................................................87

Cap.15.....................................................................................91

Cap.16….................................................................................99

Cap.17...................................................................................104

Cap.18...................................................................................113

Cap.19...................................................................................118

Diálogos Satânicos

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Dedicatória

Dedico este livro a minha Amada companheira de todos os

momentos da vida: Cida Ribeiro. Realmente uma mulher

amorosa e compreensiva. Pois ela tem muita paciência com

minhas esquisitices.

Eu a amo de todo o meu coração.

Paulo Lucas

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Capítulo 1

Mauricio estava totalmente imerso no texto que digitava em

seu terminal de computador. Tinha que terminar a matéria para

que fosse impressa no jornal de amanhã. Seus dedos se moviam

rapidamente no teclado. Era um exímio digitador, os caracteres

surgiam como passe de mágica no editor de texto. Fazendo uma

ligeira pausa no que estava fazendo, a mão direita dele foi ávida

para o bolso da camisa social em busca de um cigarro. Estava

louco por uma tragada.

Sandra riu gostosamente e olhou para o colega de trabalho.

Era uma morena linda com os cabelos curtos e cacheados.

Vestia uma camiseta e uma calça jeans azul que realçava as

curvas generosas.

— Eu não te disse que você não ia aguentar? Quer um

cigarro? — ela zombou.

— Não. Eu tô parando mesmo — Mauricio disse com

firmeza, mas todo o seu corpo gritava pela merda de um cigarro.

Devolveu um olhar irritado para Sandra.

— Se caso começar a tremer as mãos é só pedir um. Dizem

que a abstinência pode causar taquicardia...

— Porra Sandra, dá um tempo!

Sem demonstrar chateação com a irritação do colega, Sandra

disse. — Ai que merda! Parece que a Alice tá fazendo falta

mesmo, não é?

Mauricio desviou o olhar da tela do computador. Os olhos

dele chispavam fogo de raiva quando encarou Sandra.

— Mais que saco eim? Hoje você tirou o dia pra me chutar às

bolas mesmo, não é? Você não tem nada pra fazer não? Se não

tem, vai procurar alguma coisa pra fazer.

Diálogos Satânicos

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Sorrindo o tempo todo, Sandra se inclinou junto à mesa dele.

— Eu vou, mas antes você tem que prometer que vai jantar

comigo. Que tal? A gente pode ir depois do trabalho.

— Não sei não. Acho que vou pensar — disse ele ainda meio

irritado. O nervosismo era mais pela vontade de fumar do que

outra coisa.

Sandra ficou séria. — Eu sei que não é da minha conta, Mau,

mas você tem que se divertir um pouco. Sei que uma separação

não é fácil. Você sabe que eu já passei por isso. Eu sei do que tô

falando. Quando o Pedro me deixou por causa daquela

lambisgóia, eu fiquei arrasada. Achei que o meu mundo tinha

acabado. No fim a gente sempre supera.

Mauricio se virou totalmente para ela. Parecia mais calmo

agora. — Aquela doida me deixou com um vazio aqui dentro, —

ele colocou a mão no peito — não sei se vou sair dessa.

Sandra colocou a mão no ombro do amigo. — Você vai sair

dessa com certeza. Eu estava nessa aí, mas acabei descobrindo

que há vida depois da separação.

O redator-chefe Antônio Almeida se aproximou dos dois.

Usava uma camisa social azul clara com gravata vermelha, sua

calça cinza era muito bem passada e com vincos. O homem

gostava de se vestir com esmero. Antônio era um homem de

baixa estatura. Tinha uma compleição atarracada com um ventre

ligeiramente avantajado. Possuía braços fortes, talvez de

trabalhos braçais anteriores. Viera de Alagoas ainda muito

jovem, e ralara muito para chegar onde estava agora.

Trabalhando de dia e estudando a noite, conseguira se formar

em jornalismo. Entrou no jornal e depois de alguns anos chegara

a redator-chefe de o “Notícia do Dia”. O Notícia era um dos

mais importantes jornais de Campinas, com expressiva tiragem

diária. O grupo que o controlava também possuía uma emissora

de TV na cidade. O redator era um homem extrovertido e muito

Paulo Lucas

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querido pelos seus subordinados. Era diferente dos chefes

ranzinzas que causavam azia nas pessoas. Antônio era padrinho

de batizado do menino de Sandra, e o adorava como se fosse seu

próprio filho.

— E aí Mau? Como tá a matéria sobre a casa assombrada do

Campos Elíseos?

Mauricio coçou uma das sobrancelhas. — Estou quase

acabando Toni. Já estou nos últimos parágrafos.

Antônio que para os mais chegados era o Toni, deu uma

risadinha. — Você tá com uma cara danada hoje, eim? Que

bicho te mordeu, cara?

— O Mau tá doido pra dá uma tragada num cigarro, Toni —

Sandra explicou sorrindo.

Tôni arqueou as sobrancelhas e se virou para Sandra. — Ele

não disse que ia parar?

— Ele disse. Mas você sabe como é.

— É. É foda mesmo. No começo a gente fica na unha do

carcará — Toni disse pensativamente. — E a matéria sobre o tal

do Paulão do bairro Santa Lúcia? O cara atirou naquela gente do

bar mesmo?

Isso era com Sandra que cobria as matérias policiais da

cidade.

— Eu passei a manhã toda no bairro Santa Lúcia

entrevistando as pessoas e coletando dados para a matéria. O

pessoal disse que o Paulão era um usuário de farinha e muito

encrenqueiro. Disseram que ele arrumava uma briga quase todos

os dias. Era um tipo valentão que andava armado. Parece que

tinha uma treta com o Juca do bar por causa de uma mulata.

— E ele tentou resolver essa treta atirando na turma que tava

tomando uma no bar? — Mauricio perguntou.

— Foi assim mesmo. Parece que a mulata tinha passado um

tempo com o Juca dono bar. Depois que conheceu o Paulão, ela

Diálogos Satânicos

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decidiu deixar o Juca por ele. Parece que o Juca tava ameaçando

o Paulão já algum tempo. O homem resolveu tirar isso a limpo

antes que a coisa ficasse pior. Aí resolveu sapecar não só o Juca,

como todo mundo que tava dentro do boteco — Sandra

explicou.

— Ótimo. Isso realmente é muito bom. Eu quero a matéria na

segunda página e com destaque. O Bira tirou alguma foto boa

dos presuntos lá no boteco? — os olhos de Toni brilharam. Ele

adorava essas matérias de matança, isso fazia o jornal vender

bastante.

— Tem uma braçada pra você escolher Toni.

— Tem alguma do tal do Juca cheio de azeitona?

Sandra riu da morbidez do chefe. Para ela tinha sido horrível

ver as dantescas cenas daquelas pessoas mortas dentro do

botequim. O Paulão tinha sapecado meio-mundo com uma

pistola 380.

— O Bira tirou uma muito boa do sujeito caído perto da mesa

de bilhar.

— Então vai ser essa mesmo. Ela vai dar destaque à matéria.

Toni se voltou para Mauricio. — E a tal da casa, Mau? Era

realmente assombrada?

Mauricio ajeitou a postura na cadeira. — Pelo o que pude

apurar até agora, parece que os moradores começaram ver umas

sombras escuras passando pelos cômodos à noite. Ruídos como

que de corrente se arrastando são ouvidos constantemente, como

também vozes chamando. A dona da casa quase teve um ataque

quando algo a apertou contra o colchão durante o sono. Segundo

o que ela me falou, era como se uma pessoa tivesse subido em

cima dela, chegando a quase fazer o estrado da cama se quebrar.

O marido acordou com os terríveis gritos dela.

— Nossa que coisa terrível! Olha aqui gente, tô toda

arrepiada — Sandra esticou um dos braços.

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Maurício continuou. — O casal andou chamando uns

pastores pra benzer a casa.

— Benzer não Mau. Os evangélicos não dizem benzer, eles

dizem orar. — Toni acrescentou. — Vê se coloca orar e não

benzer na matéria. Está bem?

— Que seja Toni. Pra mim tanto faz se é benzer, orar ou que

merda que seja. Eu não acredito nessas baboseiras de espíritos

desencarnados, almas ou extraterrestres. Acho tudo isso uma

tremenda duma baboseira. Essa gente enche a barriga de

churrasco e cerveja, depois fica dizendo que tá vendo coisa.

— Eu acho que devem existir essas coisas, Mau. Você sabe

que a literatura mostra muitos casos que a ciência não consegue

explicar até hoje. Você deve ter ouvido falar do caso daquela

alemã que ficou endemoniada... Como é mesmo nome dela

Toni? — Sandra encarou Toni.

— Annealiase... Eu acho que era Annealiase Michel. É isso

mesmo, ela se chamava Annealiase Michel. Fizeram até um

filme assustador sobre esse caso de possessão demoníaca. A

moça morreu com o padre tentando tirar o caboclo de cima dela

— Toni sorriu.

— Foi isso mesmo. O caso repercutiu muito na imprensa da

Alemanha, principalmente no julgamento do padre. Ele foi

acusado de ter assassinado a moça — Sandra emendou.

— Eu de minha parte, andei pelo quintal da casa, fui à edícula

dos fundos e não percebi nada de diferente — Mauricio explicou

entediado.

— Chegou a verificar dentro dos cômodos? Viu alguma coisa

de diferente dentro da casa? — Toni arqueou as sobrancelhas.

— Claro que verifiquei. Eu já disse isso. — Mau ficou

carrancudo — Completamente sozinho, eu andei pelos cômodos

para ver se via alguma coisa. Cheguei até a ficar duas horas

sentado dentro de um dos quartos e no escuro.

Diálogos Satânicos

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— E o que sentiu lá dentro? — Sandra tinha um brilho de

curiosidade nos olhos escuros.

Mauricio fez uma demorada pausa de efeito para aumentar o

suspense.

Toni quase explodiu de curiosidade. — Vamos cabra

desembucha! Que tu viu lá dentro? Sentiu algo de diferente?

— Claro que eu senti — disse Mauricio com a cara mais lisa

do mundo.

— O que você sentiu lá dentro? — Sandra estava ansiosa.

— Na verdade senti um baita dum tédio, quase caí no sono

dentro daquele quarto escuro. Gente, lá não tinha nada de

fantasma ou qualquer coisa de espírito. Eu acho que o casal

chamou a imprensa só pra fazer uma média. Acho que tão

querendo aparecer. Estão querendo ficar famosos.

— Tu não devias brincar com essas coisas não “home”. Sei

que tu além de jornalista, é formado em psicologia, mas não

brinca com isso não.

Mauricio olhou para Sandra e depois para o chefe. Sorriu

achando graça do temor dele.

— Pô Toni, vai me dizer que você acredita nesse monte de

baboseira?

Toni ajeitou a cinta da calça. — Não sei não Mau. Você foi

criado aqui no sul e nunca viu nada de diferente, rapaz. Já no

meu caso, eu venho do nordeste e lá a gente tem a nossa cultura.

Só acho que nesse universo existem coisas que a ciência não

conseguiu explicar até hoje. Eu prefiro não abusar disso.

— Eu concordo com o Toni. Eu li certa vez que desde a

antiga Suméria já existiam casos terríveis de assombração,

possessão e outras manifestações paranormais. — Sandra disse.

Mauricio riu. — Tá certo. Seria algo como aquela estátua feia

que aparece no filme Exorcista? Dá um tempo Sandra. Tudo

mundo sabe como o folclore dos povos mesopotâmicos era

Paulo Lucas

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riquíssimo. Vocês dois deviam ler o livro do Carl Sagan que fala

justamente sobre essas superstições tolas.

— O astrônomo americano era um cientista e um cético, não

acreditava nessas coisas. É evidente que ele acabaria escrevendo

algo sobre isso. Vocês devem ter visto a série televisiva dele.

Aquela que se chamava Cosmo. Foi muito famosa na época, eu

me lembro muito bem. — Toni disse.

— Como você mesmo disse Toni, eu sou formado em

psicologia. A gente sabe como a mente humana pode criar

coisas imaginárias. Ela pode criar situações fantasiosas. Existem

inúmeros fatores que podem causar alucinações, principalmente

se o gatilho for o estresse ou o uso de drogas. De repente o casal

pode estar passando por um período de dificuldade na relação.

Vai se saber, né?

— Mas você não disse que alguns vizinhos também viram

coisas lá dentro da casa? Que alguns deles saíram correndo e

disseram que até foram agredidos por algo. — Sandra

acrescentou.

— Espero que você tenha colocado isso na matéria também.

Eu quero os nossos leitores presos do começo ao fim na matéria.

Você sabe como isso faz com as vendas, não é?

— Claro que eu sei Toni... Eu sei disso. Só acho que

deveríamos colocar alguns especialistas explicando que tudo

isso pode ser também outra coisa qualquer, e não fantasmas.

Acho que o povo merece ouvir o outro lado também.

Sandra balançou a cabeça negativamente em ver como Mau

era cético mesmo.

Uma ruga de irritação surgiu na testa de Toni. — O povo...

Você fala o povo. Mau, você acha mesmo que essa gente que

pega ônibus lotado de manhã, e carrega marmita cheia de zoião

tá a fim de ler papo de especialistas? Você acha que o povão tá a

fim de ler explicações de um bando de bichas refinadas? Você

Diálogos Satânicos

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acha mesmo que o Zé Povinho perde tempo lendo coisas que

essas bichinhas cheias de salamaleques escrevem?

Sandra olhou preocupada em volta e colocou uma mão no

ombro do chefe. — Vê se pega leve com esses comentários

homofóbicos Toni. Você sabe que isso é antiético.

Toni ajeitou nervosamente a gravata. — Me desculpe Sandra.

É esse meu jeito desbocado de nordestino. — ele se voltou

novamente para Mauricio. — É isso mesmo meu chapa. O

povão quer ver sangue; é isso que vende jornal meu amigo. O

povão quer ler sobre os campeonatos de futebol e matança.

— Por isso que esse país tá nessa merda que tá. Acho que a

mídia poderia aumentar o nível intelectual das pessoas, só isso

— Maurício acrescentou. Era do tipo pirracento e sabia que isso

fazia com que Toni ficasse eloquente. No fundo ele pensava

como o chefe. Sabia que o que importava era vender jornal, nada

mais. No fundo só tava de sacanagem.

— Tu precisa andar mais pelas ruas meu chapa. Se você acha

que esse bando de garotas que andam pelos bairros com

shortinho enfiado no rabo, tá preocupado com uma boa leitura?

Acredita mesmo que essas vagabundas perdem tempo com a

cara enfiada num livro?

— Nossa Toni, que horror! — Sandra exclamou.

— É isso mesmo Sandra. Sei que os meus comentários são

medonhos, sei disso. O governo federal gasta milhões com a

educação, para que esse pessoal da classe pobre seja alguém na

vida. Mas os “fi-de-rapariga” só vão para as escolas pra fumar

baseado e pra transar. Isso é lamentável de se dizer, mas é a

mais pura realidade. A grande maioria só passa de ano porque

agora não se repete mais. são automaticamente aprovados. Os

desgraçados nem sabem ler direito e quando lêem, não sabem

interpretar o que estão lendo. A maioria daquelas antas de shorts

enfiado no cú, só sabe fazer filho pra ganhar Bolsa-Família. As

Paulo Lucas

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infelizes nem sabem falar direito. Sempre mantém algo dentro

da boca e vocês sabem o que é.

Sandra estava horrorizada com os comentários de Toni. Ela

sabia da infância muito difícil dele. Que ele passara muita

necessidade, apanhando muito nas mãos de um pai bêbado.

Depois de conquistar uma situação econômica muito

confortável, provavelmente Toni via os pobres das favelas como

culpados da maioria dos males do país.

Ela disse a ele. — Calma Toni. Uma hora você vai arrumar

confusão com esses seus comentários. Você é um jornalista e

não devia falar desse jeito. Realmente acho que isso não fica

bem pra você. Nas ruas existem milhares de pessoas que gostam

de uma boa leitura, que sabem ler muito bem. Não devemos

generalizar.

Toni olhou para Mauricio e o viu de olhos estreitados quase

rindo.

— Seu grande filho da mãe! — ele se virou para Sandra. —

Você está vendo isso Sandra? Esse cara sabe o meu ponto fraco.

Sabe como eu explodo numa verborréia quando o assunto é o

povão.

— Chefe, você tem paixão quando fala. Já pensou em se

candidatar a um cargo político?— Mau disse.

— Vê se pára de babar no meu ovo e termina logo essa

matéria. E vê se coloca emoção na coisa. Você sabe como um

suspense ajuda enriquecer a matéria. Procura priorizar as

sombras escuras e as vozes na casa. Você sabe que uma matéria

jornalística é como massa de bolo, quanto mais fermento se põe,

mais a massa cresce.

— Pode deixar chefia. Você vai gostar de ler.

— Brincadeiras à parte e independente de você me fazer

vender muito jornal, você não devia abusar das coisas do outro

Diálogos Satânicos

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mundo Mau. Você acreditando ou não, elas existem e estão por

aí.

— Tudo bem. Já que diz isso... Mas continuo achando que

deve haver uma explicação científica pra tudo. Acho lamentável

que em pleno século 21 as pessoas continuem acreditando

nessas bobagens de misticismos, espíritos e outras coisas

quaisquer.

Enquanto começou a se afastar, Toni disse. — Espero que

você tenha razão meu chapa. Espero que nunca veja nada.

Espero mesmo.

Depois que o chefe partiu, Sandra disse. — Você viu o rosto

do Toni quando ele disse aquilo? Estranho. Fez um cara como se

já tivesse visto alguma coisa mal assombrada.

Mauricio se virou para trás e olhou enquanto Toni voltava

para a sala dele.

— Bobagem. Você sabe como os nordestinos são cheios de

crendices e lendas. Ainda acreditam em lobisomens, mula-sem-

cabeça e Saci Pererê. Coisas do folclore, nada mais.

Sandra voltou para a mesa dela. Enquanto Mauricio ficou só

com seus pensamentos enquanto terminava de escrever a

matéria. Começou a pensar em aceitar o convite de Sandra para

jantar. Bem, até que poderia ser uma boa — ele pensou. Tinha

notado como a colega de trabalho estava mostrando certo

interesse ultimamente. Ele já tinha tido muita amargura com a

ex-esposa Alice, não estava querendo arrumar mais encrenca

nenhuma. Sabia que tudo começava com uma jantar ou até

mesmo um almoço. Para logo vir à cama e em seguida as

inevitáveis cobranças de compromisso.

Droga! Que se dane tudo! — ele disse a si mesmo

mentalmente. Decidiu aceitar o convite dela para jantar.

Voltando a prestar atenção na tela do computador, ele

finalizou a matéria sobre a casa mal assombrada do Jardim

Paulo Lucas

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Campos Elísios. Suspirou profundamente e disse para si mesmo

que tudo não passava de uma grande bobagem. Tolice de gente

crédula.

Mau sempre fora um cético e achava que seria para sempre.

Para ele os fenômenos paranormais ou coisas espirituais eram

nada mais do que coisas usadas por charlatães para enganar os

incautos.

Diálogos Satânicos

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Capítulo 2

Sempre no mês de julho, Campinas apresenta um típico

inverno seco. Com temperaturas altas pelo dia, à noite a

costumando cair um pouco. O prédio de sete andares do jornal

Notícia do Dia era novo. Ficava na Avenida Tancredo Neves,

muito próximo ao bairro Vila Rica. Já era início de noite e um

vento frio fazia com que as copas das árvores perto do edifício

balançassem suavemente. Por cima o céu estava limpo e

estrelado. Na avenida os carros passavam apressadamente. Seus

donos estavam ansiosos para chegar em casa. Ver suas famílias

e ter o merecido descanso.

Mauricio Lemos saiu com o seu Fiat Pálio do modelo novo

da garagem subterrânea da empresa. Por um momento, ficou

esperando uma brecha para entrar na avenida. Dentro do carro a

voz lamuriosa da defunta Amy Winehouse soava em volume,

alto: The Love is losing game! Ele estava numa fase meia deprê

e músicas como aquela era o prato do dia para ele. Alice o

deixara por causa de um cara, que ela conheceu numa viagem

para a Espanha. Voltara de lá dizendo que não o amava mais.

Que a relação dos dois tinha esfriado, e que o melhor a fazer era

dar um tempo na relação. O “dar um tempo” na concepção dela,

tinha sido um pequeno caminhão de mudanças parado na frente

do prédio para recolher as caixas com seus pertences. Mauricio

simplesmente ficou observando a partida dela e não disse uma

palavra sequer. Mas se dissesse, será que adiantaria alguma

coisa? — era isso que rodava dentro da mente dele enquanto o

carro avançava pela Avenida das Amoreiras.

Antes que ela partisse, ele deixou o orgulho de macho de

lado, e disse a ela que a amava e não queria perdê-la. Disse que

poderiam tentar reviver a relação combalida. Ela simplesmente o

encarou com os frios olhos azuis e a resposta foi: Eu não te amo

Paulo Lucas

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mais Mauricio. Estou gostando de outra pessoa — Foi o que

disse e nada mais. Naquele dia ele chegou a acreditar que podia

aguentar o tranco, que suportaria ouvir isso na lata. Todavia,

sentiu como se um bolo gelado tivesse entrado por sua garganta.

Sentiu como se seu interior fosse se esfriando lentamente. Como

poderia ser quando se sente morrer lentamente.

Já na altura do viaduto da rodovia Anhanguera, um

motoqueiro entrou no meio do carro de Mauricio e de outro

cidadão. Por um breve instante ele chegou a pensar que o cara

arrancaria a lateral de seu carro. Por um triz o motoboy não se

esborracha no asfalto. O susto lhe ajudou a sair daqueles

pensamentos sombrios sobre o termino da relação com Alice.

Na verdade, lhe fez lembrar que tinha aceitado jantar com

Sandra. Todos os seus neurônios lhe gritavam que Sandra não

era Alice. E isto o fez sentir um grande vazio interior. Com um

olhar vazio, ele leu mecanicamente o grande letreiro do

Atacadão Tendas. Era como se aquilo pudesse ajudá-lo em

alguma coisa.

Quando chegou à rua lateral ao Hospital Dr. Mário Gatti, ele

sentiu um forte desejo de dar o cano em Sandra, e passar o resto

da noite zoando na zona do bairro Itatinga. Era como se uma

forte compulsão martelasse sua mente. Guiando-o para encher a

cara e lançá-lo nos braços de uma garota de programa de rosto

anônimo. Por um momento sentiu um frêmito de excitação.

Chegou a passar a língua nos lábios, como se tivesse vendo um

prato delicioso a sua frente. Com forte força de vontade, disse a

si mesmo para deixar de pensar naquilo. Que mantivesse a

mente no jantar que teria logo adiante com Sandra.

Vários minutos mais tarde, ele chegou ao seu prédio na

Avenida Júlio de Mesquita no centro. Estacionou o carro em sua

vaga e subiu para seu apartamento. Depois que Alice partira, ele

estava pensando em alugar uma casa ou até mesmo um

Diálogos Satânicos

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apartamento mais simples. O aluguel no centro de Campinas

estava proibitivo para ele, e teria urgentemente de remediar a

situação. Quando abriu a porta do apartamento, se deparou com

as correspondências que o porteiro Bento deixara por baixo da

porta. Sujeito bom de bola — Mauricio pensou. Nas folgas o

cara gostava de jogar futsal no clube, e sempre convidava

Mauricio para bater uma bola. Nesses momentos de futebol e

descontração, os dois colegas acabavam conversando sobre

diversos assuntos, inclusive sobre Alice. Bento dizia que em se

tratando de mulher que vai embora, o remédio era arrumar outra

pra esquecer o assunto. Você tem que partir pro ataque brou —

dizia Bento — em vez de ficar nessa choradeira porque ela foi

embora. Senão mermão, tu vai se descobrir um dia cheio de

cabelo branco e que a vida passou. Já te disse. Você tem que

partir pro ataque. Sorrindo. Mauricio teve que concordar com o

cara. Achava que devia aproveitar que Sandra tinha uma

quedinha por ele, e cair de cara.

Com um olhar para o interior do apartamento, teve a certeza

que devia mudar daqui imediatamente. Tudo lembrava Alice. O

cheiro dela ainda estava por toda parte. Sentiu que enquanto

permanecesse neste lugar, seria difícil de esquecê-la de verdade.

Antes de tirar a roupa para tomar uma ducha, deu uma passada

de olhos nas correspondências. Grande parte delas não passava

de baboseira de propaganda e algumas cartas de candidatos

pedindo votos para a próxima eleição municipal. Mas um

envelope branco lhe despertou a atenção. Na face estava escrito:

Bragança e Silva Associados. Escritório de Advocacia.

Com certo temor de que Alice tivesse lhe colocado no pau,

ele abriu o envelope com as mãos trêmulas. Só me faltava

àquela desgraçada ter me colocado na justiça! — ele pensou

enquanto engolia em seco. Porém, a carta dizia o seguinte:

Ilmo. Senhor Maurício Lemos.