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ANÁLISE DE OBRAS LITERÁRIAS MEMÓRIAS DE UM SARGENTO DE MILÍCIAS MANUEL ANTÔNIO DE ALMEIDA Rua General Celso de Mello Rezende, 301 – Tel.: (16) 3603·9700 CEP 14095-270 – Lagoinha – Ribeirão Preto-SP www.sistemacoc.com.br

Me Mori as Deum Sargento de Milic i As

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livro Memórias de um sargento de Milícias integral

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  • Anlise de obrAs literriAsmemrias de um

    sargento de milcias

    mAnuel Antnio de AlmeidA

    Rua General Celso de Mello Rezende, 301 Tel.: (16) 36039700CEP 14095-270 Lagoinha Ribeiro Preto-SP

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  • sumrio

    1. Contexto soCiAl e HistriCo .................................................... 7

    2. estilo literrio dA poCA ......................................................... 10

    3. o Autor ................................................................................................. 12

    4. A obrA .................................................................................................... 13

    5. exerCCios ........................................................................................... 23

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  • memrias de um sargento de milcias

    mAnuel Antnio de AlmeidA

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    1. Contexto soCial e HistRiCo

    A Histria nos revela que o governo portugus desobedeceu proibi-o de comerciar com a inglaterra e, por isso, napoleo ordenou a invaso de portugal, o que resultou na fuga do prncipe portugus d. Joo Vi para o brasil, em 1808.

    Acompanhado de cerca de 15 mil pessoas, d. Joo Vi instalou-se na capital do brasil, rio de Janeiro, causando um enorme impacto nessa cida-de, que tinha na poca 60 mil habitantes aproximadamente. uma srie de mudanas pde ento ser verificada: a rea da cidade foi ampliada, vias foram abertas para facilitar a circulao de pessoas e de mercadorias, jardins foram feitos ao redor das casas dos ricos. Alm disso, a imprensa rgia foi criada, o banco do brasil foi fundado, assim como a Casa da moeda, a Aca-demia militar e da marinha, o teatro real, o museu nacional, a Academia de belas-Artes, o Horto real e a biblioteca real.

    em 1792, s havia duas livrarias no rio de Janeiro. s em 1808, com a vinda da famlia real, justamente para atend-la, que a impresso no brasil foi autorizada. Com d. Joo Vi vieram cerca de 60 mil volumes da biblioteca real, o que transformou a vida cultural do rio de Janeiro.

    durante o perodo de quatorze anos de monoplio das impresses no rio, at o ano da abolio da censura (1921), foram produzidos mais de 1.000 itens, constitudos de documentos do governo, cartazes, volantes, sermes, panfletos etc. marlia de dirceu, do poeta rcade toms Antnio Gonzaga, foi a primeira obra de literatura brasileira publicada no brasil, em 1810.

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    Breve apanhado histrico1500 a 1822 brasil colonial

    1822 a 1889 brasil imperial

    1889 brasil republicano

    trs reinados

    1822 a 1831 primeiro reinado d. pedro i

    1831 a 1840 regncias trina provisria trina permanente

    1840 a 1889 segundo reinado d. pedro ii

    De 1822 a 1831

    Alguns governos e foras militares foram contrrios independncia e a favor das autoridades portuguesas, no se submetendo autoridade de d. pedro i. H, portanto, uma preocupao externa e outra interna.

    A inglaterra passou a ser a intermediria entre o brasil e os pases euro-peus.

    Com o pagamento de 2 milhes de libras esterlinas, foi assinado, em 29 de agosto de 1825, o tratado de paz e Amizade entre brasil e portugal.

    somente em 1826, o brasil teve reconhecida internacionalmente a sua in-dependncia.

    A primeira Constituio brasileira data de 25 de maro de 1824 e concentra o poder nas mos do imperador.

    Depois de vrios conflitos e da morte de D. Joo VI, D. Pedro foi proclamado seu sucessor. ele renunciou ao trono brasileiro a favor de pedro de Alcntara, ento com cinco anos de idade, e viajou para portugal em 7 de abril de 1831. Foi o fim da primeira etapa da monarquia brasileira.

    De 1831 a 1840 intensa agitao social e grande efervescncia em todas as provncias. Como d. pedro de Alcntara, prncipe herdeiro, s poderia assumir o go-

    verno aos 18 anos, o poder foi exercido por um conselho de trs regentes, eleitos pela Assembleia legislativa.

    A regncia trina provisria foi composta pelos senadores nicolau pereira de Campos Vergueiro e Jos Joaquim Carneiro de Campos e pelo brigadeiro Francisco de lima e silva, quando se aprovou a lei regencial.

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    o imprio passou a ser governado pela regncia trina permanente, que exerceria os mesmos poderes do imperador e cuja figura mais importante foi o ministro da Justia, o padre Diogo Antnio de Feij.

    Criou-se a fora armada paralela ao exrcito Guardas nacionais, pro-mulgao do Cdigo do processo Criminal, Ato Adicional Constituio de 1824.

    Elegeu-se o padre Diogo Antnio de Feij como Regente Uno. rebelio Farroupilha, no sul, e Cabanagem, no par. surgimento dos partidos liberal e Conservador, este ltimo com maioria

    na Assembleia, o que provocou a renncia de Feij. A Regncia Una passou a pedro de Arajo lima.

    De 1840 a 1889 entre a renncia de d. pedro i e o Golpe da maioridade, ocorreram muitos

    conflitos no pas: Cabanagem, Balaiada, Sabinada, Guerra dos Farrapos. Mas, apesar dos conflitos e das dificuldades econmicas, houve certo crescimento industrial. Verificaram-se, nesse perodo, a abolio da escra-vatura, a chegada dos imigrantes, a criao e o fortalecimento do partido republicano e a proclamao da repblica.

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    2. estilo liteRRio Da poCa

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    ser ou no ser: essa a questo?

    No h consenso quanto classificao de memrias de um sargento de mi-lcias. pergunta-se:

    texto RomntiCo?

    H idealizao das personagens?

    A observao dos fatos subjetiva?

    H ausncia das camadas inferiores da populao e presena das camadas superiores?

    H tenso entre bem e mal, heri e vilo?

    texto Realista?

    H anlise psicolgica que investiga os motivos das aes das persona-gens?

    A histria est centrada no presente?

    A narrativa lenta e minuciosa?

    Ao e enredo perdem importncia para a caracterizao das persona-gens?

    As personagens so impulsionadas por suas necessidades e seus interes-ses?

    H, portanto, todo esse questionamento em torno de memrias de um sargento de milcias, romance de costumes por representar os hbitos de uma sociedade numa determinada poca. o certo que a narrativa transita entre o romantismo e o realismo; porm, mais do que se preocupar com a sua exata classificao muito pertinente no contexto acadmico e crtico e menos para o ensino mdio e o pr-Vestibular , o que parece mesmo interessante ser capaz de ler e interpretar tal texto, identificando os elementos bsicos dessa narrativa, como a realidade social registrada e os comportamentos individuais. interes-sante, ainda, cotejar esse universo com o conjunto de obras literrias da poca, ainda que no se enquadre perfeitamente em um nico movimento literrio. H quem ainda afirme que a sua linguagem coloquial o posicionaria como precursor do modernismo, do incio do sculo xx.

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    3. o aUtoR

    manuel Antnio de Almeida, membro de uma famlia simples, nasceu no rio de Janeiro, em 1831.

    Frequentou aulas de desenho na escola de belas Artes e concluiu, em 1855, o curso de Medicina. Todavia, dedicou-se profisso de jornalista, inclusive do correio mercantil, jornal em que publicou seu nico romance, memrias de um sargento de milcias, sob o pseudnimo de um brasileiro.

    Quando funcionrio pblico, administrador da Tipografia Nacional, conhe-ceu machado de Assis, que ali foi trabalhar como aprendiz de tipgrafo.

    Chegou a escrever algumas crnicas, poemas, uma pea de teatro (dois amores, de 1861) e a fazer algumas tradues. todo esse material foi reunido no volume obra dispersa, da Graphia editorial, em 1991.

    morreu aos 30 anos, em 1861, em decorrncia do naufrgio do vapor Her-mes, em que estava.

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    4. a oBRa

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    o Resgate Do gaRoto espeRto e De Um BRasil Com sUas gentes e CostUmes

    do conhecimento de todos que memrias de um sargento de milcias no foi bem acolhido na ocasio de sua publicao. no de se estranhar tal reao de um pblico sedento por heris e heronas romnticos, com os quais se deliciavam, buscavam identificao e sonhavam.

    Quem, ento, resgatar essa obra? Qual o nome do prncipe que, aps enfrentar corajosamente todos os obstculos que se colocam sua frente, chega ao quarto da princesa e d-lhe um beijo de amor, despertando-a do sono profun-do? ningum menos que um grande estudioso do folclore e da cultura popular brasileiros, criador do que podemos entender como sntese de um presumido modo de ser brasileiro o heri sem nenhum carter macunama , mrio raul de morais de Andrade (1893-1945).

    Teria esse grande escritor modernista detectado algum elo de identificao en-tre esse seu anti-heri e leonardo, o primeiro malandro da literatura brasileira?

    Anos mais tarde, em 1993, em dialtica da malandragem, o crtico An-tonio Candido fez a seguinte afirmao a respeito da personagem Leonardo:

    Como os pcaros, ele vive um pouco ao sabor da sorte, sem planos nem reflexo; mas ao contrrio deles, nada aprende com a experincia. De fato, um elemento importante da picaresca essa espcie de aprendizagem que amadurece e faz o protagonista recapitular a vida luz de uma filosofia desencantada. Mais coerente com a vocao de fantoche, Leonardo nada conclui, nada aprende; e o fato de ser o livro narrado na terceira pessoa facilita essa inconstncia, pois cabe ao narrador fazer as poucas reflexes morais, no geral levemente cnicas e em todo o caso otimistas, ao contrrio do que ocorre com o sarcasmo cido e o relativo pessimismo dos romances picarescos. O malandro espanhol termina sempre, ou numa resignada mediocridade, aceita como abrigo depois de tanta agitao, ou mais miservel do que nunca, no universo do desengano e da desiluso (...). Curtido pela vida, acuado e batido, ele no tem sentimentos, mas apenas reflexos de ataque e defesa. Traindo os amigos, enganando os patres, no tem linha de conduta, no ama e, se vier a casar, casar por interesse, disposto inclusive s acomodaes mais foscas (...). O nosso Leonardo, embora desprovido de paixo, tem sentimentos mais sinceros neste terreno, e em parte o livro a histria do seu amor cheio de obstculos pela sonsa Luisinha (...). No sendo nenhum modelo de virtude, leal e chega a comprometer-se seriamente para no lesar o malandro Teotnio. Um antipcaro, portanto, nestas e noutras circunstncias, como a de no procurar e no agradar os superiores, que constituem a meta suprema do malandro espanhol. (Antonio Candido, dialtica da malandragem, o discurso e a cidade. so paulo: duas Cidades, 1993.).

    no d para deixar de reconhecer o arrojo de manuel Antnio de Almeida, que, aos 21 anos, teve a ousadia de apresentar o homem brasileiro tal qual ele culturalmente se configura: como aquele que quer levar vantagem, um malandro. essa coragem no se revela nas obras de seus contemporneos romnticos. por

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    exemplo, Jos de Alencar (1829-1877) exibiu o nosso ndio como o bom selva-gem, no canibal, no poligmico e cristo1; bernardo Guimares (1825-1884) exps vista de todos, de forma enebriante, uma escrava branca que fala francs e toca piano2.

    Alm de retratar o tpico homem brasileiro, o autor igualmente fotografa os costumes do rio de Janeiro na poca de d. Joo Vi. esto ali:

    a pisadela e o belisco: declarao de interesse amoroso;

    as festas religiosas e as festas ciganas;

    os ajustes matrimoniais;

    o acato e a venerao ao mestre de reza (aquele que ensinava as rezas s crianas e aos escravos);

    a castidade duvidosa dos padres;

    a atividade das parteiras;

    a palmatria;

    o agregado (aquele que vivia numa famlia como pessoa da casa).

    trs outras prticas da poca observadas na obra so:

    aplicao personalstica da justia;

    a relao social do jeitinho, do favor e da ajuda;

    os favorecimentos na administrao pblica diretamente relacionados atuao da polcia de ento, representada pelo major Vidigal. e quem era ele?

    o major Vidigal era o rei absoluto, o rbitro supremo de tudo que dizia respeito a esse ramo de administrao; era o juiz que julgava e distribua a pena, e ao mesmo tempo o guarda que dava caa aos criminosos; nas causas da sua imensa alada no havia testemunhas, nem provas, nem razes, nem processo; ele resumia tudo em si; a sua justia era infalvel; no havia apelao das sentenas que dava, fazia o que queria, e ningum lhe tomava contas. Exercia enfim uma espcie de inquirio policial. Entretanto, faamos-lhe justia; dados os descontos necessrios s ideias do tempo, em verdade no abusava ele muito de seu poder, e o empregava em certos casos muito bem empregado. (...) A sua sagacidade era proverbial, e por isso s o seu nome incutia grande terror em todos os que no tinham a conscincia muito pura a respeito de falcatruas. (captulo V)

    1 exemplo: o ndio peri, do livro o guarani (1857).2 referncia personagem isaura, do livro a escrava isaura (1875).

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    ele quem faz do prisioneiro leonardo um granadeiro e, atendendo s solicitaes da antiga amante maria regalada, perdoa-lhe todas as suas faltas, livra-o das chibatadas e o promove a soldado de linha para, em seguida, por achar o pedido muito justo, fazer dele um sargento de milcias.

    FlUxo naRRativo

    memrias de um sargento de milcias foi publicado semanalmente, em fasc-culos, no suplemento A pacotilha, do jornal correio mercantil, entre 27 de junho de 1852 e 31 de julho de 1853. somente em 1854 e 1855 foi lanado em livro, em dois volumes.

    o fato de lanar um captulo a cada 7 dias, totalizando 48 captulos ao final de treze meses (mais de um ano), exigiu que seu autor estabelecesse al-gumas estratgias na conduo da narrativa. Foi necessrio, por exemplo, criar expectativas em relao aos captulos seguintes, assim como, em determinados momentos, resgatar os acontecimentos do captulo anterior para que os leitores conseguissem se situar, o que pode causar estranhamento quele que entra em contato com a obra j em forma de livro.

    outrossim, no difcil perceber o ritmo acelerado da narrativa. podemos exemplificar tal constatao com a seguinte passagem do livro:

    leonardo despedido da ucharia3. Ao relatar o acontecido para a namorada Vidinha, esta vai tirar satisfaes

    da mulher do toma-largura, enquanto leonardo, ainda do lado de fora da casa, preso pelo major Vidigal.

    o toma-largura se encanta com a moa e a segue de longe para saber onde mora.

    logo comeam a namorar. A famlia da moa resolve, ento, fazer uma festa. toma-largura, alegre

    que estava, bebe demais e faz voar sobre a cabea dos convidados pratos, garrafas, copos e tudo o mais.

    eis que surge o major Vidigal e ordena a um de seus homens que detenha o bbado.

    Qual no a surpresa de todos ao reconhecerem no granadeiro o malandro leonardo.

    ou seja, a promoo do prisioneiro (captulo xxxix) a granadeiro (cap-tulo xli), passando da condio de fora da lei de defensor do exrcito, d-se com ligeireza to desabalada que como se tivesse acontecido da noite para o

    3 espcie de despensa em que se guardavam e se manipulavam carnes e outros alimentos para o consumo dos morado-res de um castelo.

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    dia. O mesmo j havia ocorrido na ocasio do fim do namoro com Luisinha e do despertar da paixo por Vidinha, no captulo xxx, remdio aos males. leo-nardo, que ainda pensava em luisinha, bastou ouvir, boquiaberto, a modinha que Vidinha cantava

    se os meus suspiros pudessem Aos teus ouvidos chegar, Verias que uma paixo Tem poder de assassinar. No so de zelos Os meus queixumes, nem de cime Abrasador; So das saudades Que me atormentam Na dura ausncia De meu amor.

    para depois disso nunca mais tirar os olhos de cima da cantora. trecho dessa modinha aparece na letra da msica memrias de um sargento

    de milcias de paulinho da Viola, interpretada tambm por martinho da Vila , samba-enredo da escola de samba portela, no carnaval de 1966, que vale a pena conhecermos:

    Era o tempo do rei quando aqui chegouUm modesto casal feliz pelo recente amorLeonardo, tornando-se meirinho,Deu Maria Hortalia novo lar,Um pouco de conforto e de carinhoDessa unio nasceu um lindo varoQue recebeu o mesmo nome do seu paiPersonagem central da histriaQue contamos neste carnavalMas um dia Maria fez a Leonardo uma ingratidoMostrando que no era uma boa companheiraProvocou a separaoFoi assim que o padrinho passou a ser do menino o tutorA quem lhe deu toda dedicao, sofrendo uma grande desilusoOutra figura importante em sua vida Foi a comadre parteira popularDiziam que benzia de quebranto a beata mais famosa do lugarHavia nesse tempo aqui no rio tipos que devemos mencionarChico Juca era mestre valentia e por todos se fazia respeitar

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    o reverendo amante da cigana, preso pelo Vidigal,O justiceiro, homem de grande autoridadeQue frente dos seus granadeirosera temido pelo povo da cidadeLuisinha, primeiro amor que Leonardo conheceue que dona maria a outro por esposa concedeuSomente foi feliz quando Jos Manuel morreuNosso heri novamente se apaixonouQuando com sua viola a mulata VidinhaEsta singela modinha cantou:se os meus suspiros pudessemAos seus ouvidos chegarVerias que uma paixo tem poder de assassinar

    espao

    Cidade do rio de Janeiro, portanto romance urbano.

    tempo

    Apesar de se tratar de memrias de fatos ocorridos no incio do sculo xix, elas seguem a linha do tempo.

    enReDo

    poca de d. Joo Vi, no incio do sculo xix, vem para o brasil o meirinho portugus leonardo pataca. no mesmo navio se encontra maria da Hortalia, quitandeira das praas de lisboa. eles se tornam namorados e leonardo vai morar com ela ao saltar em terra. sete meses depois, nasce o menino leonardo, filho de uma pisadela e de um belisco, personagem principal da histria. enjeitado pela me, que voltou para portugal, e pelo pai, que se arranjou com outra mulher, leonardo amparado pela madrinha, a parteira, e criado pelo padrinho, o barbeiro. As travessuras da infncia se verificaro tambm na ju-ventude. do romance com luisinha, que o troca por Jos manuel, s graas com Vidinha, ao casamento com a viva luisinha; de prisioneiro do major Vidigal a granadeiro, soldado de linha e finalmente sargento de milcias, o que se v uma srie de malandragens que norteia a histria do comeo ao seu final, feliz, diga-se de passagem.

    naRRaDoRApesar de se tratar de um livro de memrias, memrias de um sargento de

    milcias narrado em terceira pessoa, por um narrador que conhece todos os fatos, mas que deles no participa. por meio de uma linguagem mais prxima da fala que da escrita (pela primeira vez na literatura brasileira), vemos desfilar, tambm pela primeira vez, os representantes dos segmentos mais simples da sociedade do tempo do rei. Quem so eles?

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    peRsonagens

    So de camadas inferiores, como meirinhos (espcie de oficial de justia), barbeiro, parteira, saloia, algibebe, ciganos, padre, polcia, comadres e compadres, entre os quais destacamos:

    leonardo pataca (pai): chamavam assim a uma rotunda e gordssima persona-gem de cabelos brancos e caro avermelhado, que era o decano da corporao, o mais antigo dos meirinhos que viviam nesse tempo. A velhice tinha-o tornado moleiro e pachorrento; com sua vagareza atrasava o negcio das partes; no o procuravam; e por isso jamais saa da esquina; passava ali os dias sentado na sua cadeira, com as pernas estendidas e o queixo apoiado sobre uma grossa bengala, que depois dos cinquenta era a sua infalvel companhia. Do hbito que tinha de queixar-se a todo o instante de que s pagassem por sua citao a mdica quantia de 320 ris, lhe viera o apelido que juntavam ao seu nome. (captulo 1, p. 11).

    no navio que o trouxe ao brasil, conhece maria da Hortalia, com quem tem um filho, Leonardo. Trado por ela, abandona de uma vez para sempre a casa fatal onde tinha sofrido tamanha infelicidade.

    pouco tempo depois da fuga de maria, envolve-se com uma cigana, que, tambm como a primeira mulher, foge de casa. buscando nos meios sobrenatu-rais uma forma de recuper-la, numa das cerimnias misteriosas (proibidas na poca) surpreendido pelo major Vidigal, que o leva para a priso.

    mais adiante, com a morte do barbeiro, padrinho e tutor de leonardo, Leonardo Pataca se apresenta para tomar conta do filho, leva-o para a sua casa, mas a atual esposa, Chiquinha, comea a embirrar com o rapaz.

    depois de um tempo, sentido o efeito de uma fasca no barril de plvo-ra: eles se desentendem, leonardo pataca toma o partido da esposa e leonardo Filho abandona a casa.

    A partir da, a participao do pai na histria torna-se secundria, at que, no final, a sua morte anunciada.

    o Barbeiro (padrinho de leonardo): quem cuida do menino quando os pais o abandonam, sempre dourando suas diabruras. Quando jovem, tendo passado por mdico num navio, acabou conquistando a amizade e a confiana do capito, que, beira da morte, deixa com ele suas reservas a fim de que as entregasse a sua filha. Acontece que o barbeiro decidiu instituir-se herdeiro do capito, herana essa que, anos mais tarde, com o seu falecimento, repassada a leonardinho, seu nico herdeiro.

    a Comadre (parteira): era a comadre uma mulher baixa, excessivamente gorda, bonachona, ingnua ou tola at certo ponto, e finria at outro; vivia do ofcio de parteira, que adotara por curiosidade, e benzia de quebranto; todos a conheciam por muito beata e pela mais desabrida papa-missas da cidade. Era a folhinha mais exata de todas as festas

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    religiosas que aqui se faziam; sabia de cor dos dias em que se dizia missa em tal ou tal igreja, como a hora e at o nome do padre; era pontual ladainha, ao tero, novena, ao setenrio; no lhe escapava via-sacra, procisso, nem sermo; trazia o tempo habilmente distribudo e as horas combinadas, de maneira que nunca lhe aconteceu chegar igreja e achar j a missa no altar. De madrugada comeava pela missa da Lapa; apenas acabava ia das oito na S, e da saindo pilhava ainda a das nove em Santo Antnio. O seu traje habitual era, como o de todas as mulheres da sua condio e esfera, uma saia de lila preta, que se vestia sobre um vestido qualquer, um leno branco muito teso e engomado ao pes-coo, outro na cabea, um rosrio pendurado no cs da saia, um raminho de arruda atrs da orelha, tudo isto coberto por uma clssica mantilha, junto renda da qual se pregava uma pequena figa de ouro ou de osso. Nos dias dplices, em vez de leno cabea, o ca-belo era penteado, e seguro por um enorme pente cravejado de crislitas. (cap. 7, p. 24)

    madrinha de leonardo, para afastar o pretendente Jos manuel da casa de luisinha, tenta responsabilizar o rapaz pela fuga de uma moa do oratrio da pedra, um escndalo na poca, mas acaba derrotada, tanto que os dois, para sua infelicidade, contrairo matrimnio.

    mais tarde, com dona maria e maria regalada, ir interceder a favor do afilhado, que, alm de no levar as devidas chibatadas policiais por suas faltas, em decorrncia de uma nova interveno ser promovido de soldado de linha a sargento de milcias.

    Dona maria: era uma mulher velha, muito gorda; devia ter sido muito formosa no seu tempo, porm dessa formosura s lhe restavam o rosado das faces e alvura dos dentes. (...) Dona Maria tinha bom corao, era benfazeja, devota e amiga dos pobres, porm em compensao dessas virtudes tinha um dos piores vcios daquele tempo e da-queles costumes: era a mania das demandas. (cap. 17, p. 49)

    a tutora de luisinha e quem autorizar o namoro e o casamento da sobri-nha com Jos manuel e, depois, com leonardo. Fez parte da comitiva que inter-cedeu junto ao major Vidigal, duas vezes, a favor de leonardinho. nas ltimas linhas do livro, ser anunciada a sua morte, fazendo o ponto final da histria.

    maria Regalada: citada pela primeira vez no captulo 45 do livro, vai falar com o major Vidigal por causa de leonardo. A conversa inicial dos dois revela que tiveram, no passado, um relacionamento amoroso, do qual sentem saudade, e que terminou em segredo.

    no ltimo captulo, quando dona maria e a comadre vo casa nova de maria regalada, a primeira pessoa que lhes apareceu foi o major Vidigal: No se lembra, respondeu Maria Regalada, daquele segredo com que obtive o perdo do moo? Pois era isto! (cap. 48, p. 120)

    vidinha: a mulata Vidinha aparece no captulo 30, remdio aos males: era uma mulatinha de 18 a 20 anos, de altura regular, ombros largos, peito alteado, cin-

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    tura fina e ps pequeninos; tinha os olhos muito pretos e muito vivos, os lbios grossos e midos, os dentes alvssimos, a fala era um pouco descansada, doce e afinada. leonardo acabara de perder luisinha e logo se apaixonou por Vidinha, remdio para o mal que lhe acometera, conforme anunciou o ttulo do captulo. no demorou muito para que se separassem, por conta das gracinhas de leonardo com a mulher do toma-largura, o prximo namorado de Vidinha. sua famlia resolveu, ento, festejar o restabelecimento do sossego e, nessa festa, o toma-largura, bbado, promoveu uma algazarra infernal que s terminou com a interveno do major Vidigal, acompanhado de seus granadeiros, dentre eles leonardo, que pde assim ajustar as contas com o moo que lhe roubara a namorada.

    luisinha: assim nos apresentada: Era a sobrinha de Dona Maria j muito desenvolvida, porm que, tendo perdido as graas de menina, ainda no tinha adquirido a beleza de moa: era alta, magra, plida; andava com o queixo enterrado no peito, trazia as plpebras sempre baixas e olhava a furto; tinha os braos finos e compridos; o cabelo, cor-tado, dava-lhe apenas at o pescoo, e como andava mal penteada e trazia a cabea sempre baixa, uma grande poro lhe caa sobre a testa e olhos, como uma viseira. (cap. 18, p. 53) depois, nos ltimos captulos: Leonardo achou Luisinha uma moa espigada, airosa mesmo, olhos e cabelos pretos, tendo perdido todo aquele acanhamento fsico de outrora. (cap. 47, p. 118)

    incapaz de agir por conta prpria, conforme reza a cartilha romntica, casa-se com Jos manuel e, uma vez viva, na ltima passagem do livro, pela primeira vez se manifesta:

    um dia em que estava sua tia a rezar no seu rosrio, justamente num daqueles intervalos de padre-nosso e ave-maria de que acima falamos, Luisinha chegou a ela, e comunicou-lhe com confiana tudo que havia, fazendo preceder sua narrao da seguinte declarao, que cortava a questo pela raiz:

    Para lhe obedecer e fazer-lhe o gosto casei-me uma vez, e no fui feliz; quero ver agora se acerto melhor, fazendo por mim mesma nova escolha. (cap. 48, p. 120)

    leonardo Filho: em torno dele que a histria se desenvolve. As suas travessuras comeam na infncia e percorrem toda a juventude:

    a primeira noite fora de casa (cap. 6): o menino esquecido de tudo pelo prazer, assistiu festa enquanto pde; depois chegou-lhe o sono, e reunindo-se com os companheiros em um canto, adormeceram todos embalados pela viola e pelo sapateado. Quando amanheceu acordou sarapantado; chamou um dos companheiros e pediu que o levasse para casa. (p. 24);

    a entrada para a escola (cap. 12): No foi nada, no, senhor; foi porque entornei o tinteiro na cala de um menino que estava ao p de mim; o mestre ralhou comigo e eu comecei a rir muito... (p. 37);

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    como coroinha (cap. 13): Da a pouco colocaram-se os dous (Leonardo e outro coroinha) disfaradamente em distncia conveniente, e de maneira tal, que ela ficasse pouco mais ou menos com um deles atrs e outro adiante. Comearam ento os dous uma obra meritria: enquanto um, tendo enchido o turbulo de incenso , e balanando-se convenientemente, fazia com que os rolos de fumaa que se desprendiam fossem bater de cheio na cara da pobre mulher, o outro com a tocha despejava-lhe sobre as costas da mantilha a cada passo plastradas de cera derretida, olhando disfarado para o altar. (p. 39);

    ainda como ajudante do padre (cap. 14): fez com que ele quase per-desse o horrio do sermo, denunciando o seu envolvimento com a cigana, o que colocou o mestre de cerimnias numa situao compli-cada diante do povo;

    pior transtorno (cap. 29): depois de se desentender com a mulher de seu pai, Chiquinha, foi embora de casa;

    o agregado (cap. 33): um dos primos de Vidinha declarou guerra contra leonardo por ter percebido o envolvimento do hspede com a prima: lutaram os dous por algum tempo sem que disso resultasse acidente grave para nenhum deles, e afinal apartaram-se. (p. 87);

    malsinao (cap. 34): acusado de vadiagem pelos primos de Vidinha, leonardo preso pela primeira vez pelo major Vidigal: Ele no fez nem faz nada; mas mesmo por no fazer nada que isto lhe sucede. Leva, granadeiro. (p. 89);

    escapula (cap. 36): leonardo consegue fugir das garras do major Vidigal, o que significou ofend-lo em sua vaidade de bom comandante de polcia, e degrad-lo diante dos granadeiros (p. 92) e prometeu a si mesmo vingana;

    caldo entornado e cime (cap. 38 e 39): leonardo despedido da ucharia depois de se desentender com o toma-largura por causa de mais um devaneio do corao: O caso foi que da a pouco ouviu-se l por dentro barulho de pratos quebrados, de mveis atirados no cho, gritos, alarido; viu-se depois o Leonardo atravessar o ptio da ucharia carreria, e o Toma-Largura voltar com os gales da farda arrancados, e esta com uma aba de menos. No dia seguinte o Leonardo foi despedido da ucharia (p. 97). Ao voltar ao palcio em companhia da enfurecida Vidinha, agarrado pelo major Vidigal, que o leva preso;

    o granadeiro (cap. 42): a primeira diabrura praticada por leonardo depois de fardado se deu na representao do fado papai lel, secu-

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    lorum, em que ele, dispensando os demais granadeiros, foi participar da festa no papel de morto. eis que chega o major Vidigal a casa e apanhou tudo, como se costuma dizer, com a boca na botija;

    novas diabruras (cap. 43) e descoberta (cap. 44): leonardo livra teo-tnio, um banqueiro de uma roda de jogo, da priso e, quando isso vem tona, a voz do major Vidigal se faz ouvir: Recolha-se preso ao quartel.

    Com a interveno das trs comadres junto ao major Vidigal, leonardo se livra das chibatadas e da priso e promovido a sargento de milcias. Casa-se com luisinha.

    5. exeRCCios1. Fuvest-spConsidere o seguinte fragmento do antepe-nltimo captulo de memrias de um sargento de milcias, no qual se narra a visita que d. maria, Maria Regalada e a comadre fizeram ao Major Vidigal, para interceder por Leonardo (filho):

    O major recebeu-as de rodaque de chita e tamancos, no tendo a princpio suposto o quilate da visita; apenas porm reconheceu as trs, correu apressado camarinha vizinha, e envergou o mais depressa que pde a farda: como o tempo urgia, e era uma incivilidade deixar ss as senhoras, no completou o uniforme, e voltou de novo sala de farda, calas de enfiar, tamancos, e um leno de alcobaa sobre o ombro, segundo seu uso. A comadre, ao v-lo assim, apesar da aflio em que se achava, mal pde conter uma risada que lhe veio aos lbios.

    rodaque = espcie de casacoCamarinha = quartoCalas de enfiar = calas de uso domstico

    a) Considerando o fragmento no contexto da obra, interprete o contraste que se verifica entre as peas do vesturio com que o major voltou sala para conversar com as visitas.

    b) Qual a relao entre o referido vesturio do major e a sua deciso de favorecer Leonardo (filho), fazendo concesses quanto aplicao da lei?

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    2. UFpR

    Vii A Comadrecumpre-nos agora dizer alguma coisa a respeito de uma personagem que repre-

    sentar, no correr desta histria, um importante papel, e que o leitor apenas conhece, porque nela tocamos de passagem no primeiro captulo: a comadre, a parteira que, como dissemos, servira de madrinha ao nosso memorando.

    Era a comadre uma mulher baixa, excessivamente gorda, bonachona, ingnua ou tola at um certo ponto, e finria at outro; vivia do ofcio de parteira, que adotara por curiosidade, e benzia de quebranto; todos a conheciam por muito beata e pela mais desabrida papa-missas da cidade. Era a folhinha mais exata de todas as festas religiosas que aqui se faziam; sabia de cor os dias em que se dizia missa em tal ou tal igreja, como a hora e at o nome do padre; era pontual ladainha, ao tero, novena, ao setenrio; no lhe escapava via-sacra, procisso, nem sermo; trazia o tempo habilmente distribudo e as horas combinadas, de maneira que nunca lhe aconteceu chegar igreja e achar j a missa no altar. De madrugada comeava pela missa da Lapa; apenas acabava ia das 8 na S, e da saindo pilhava ainda a das 9 em Santo Antnio. O seu traje habitual era, como o de todas as mulheres da sua condio e esfera, uma saia de lila preta, que se vestia sobre um vestido qualquer, um leno branco muito teso e engomado ao pescoo, outro na cabea, um rosrio pendurado no cs da saia, um raminho de arruda atrs da orelha, tudo isto coberto por uma clssica mantilha, junto renda da qual se pregava uma pequena figa de ouro ou de osso. Nos dias dplices, em vez de leno cabea, o cabelo era penteado, e seguro por um enorme pente cravejado de crislitas.

    [...]a comadre continuou a aparecer da em diante por um motivo que mais tarde

    se saber.

    Por agora vamos continuar a contar o que era feito do Leonardo. AlmeidA, manuel Antnio de. memrias de um sargento de milcias. 25. ed. so paulo: tica, 1996.

    Sobre o texto, correto afirmar:( ) A acumulao de elementos que caracterizam a personagem, tanto quanto

    aparncia como quanto aos seus hbitos e temperamento, evidencia o de-talhismo fotogrfico e a preciso descritivista que inscrevem esse romance nos quadros do naturalismo.

    ( ) em se tratando de um livro de memrias, o romance adota estratgias de escrita tpicas de textos em que, na velhice, aps uma vida acidentada, a personagem principal, amadurecida e redimida de suas culpas, transmite aos mais jovens a sabedoria adquirida, em tom altivo e professoral.

    ( ) no que diz respeito composio da comadre, possvel estabelecer no trecho destacado uma correlao entre os seguintes pares de elementos, reveladores de seu carter hbrido: muito beata benzia de quebranto, rosrio pendurado no cs da saia raminho de arruda atrs da orelha.

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    ( ) A abertura e o fecho do captulo, transcritos acima, podem ser associa-dos ao fato de o livro ter sido originalmente publicado em folhetim, ou seja, captulo a captulo, devendo, portanto, estimular o leitor a manter o interesse pelos incidentes j publicados e suscitar curiosidade pelo que estivesse por vir.

    ( ) A aluso ao memorando, no primeiro pargrafo, remete-nos a um inci-dente tpico de enredos melodramticos da literatura oitocentista: a carta secreta, de cujos segredos dependero os destinos das personagens centrais do romance memrias de um sargento de milcias.

    3. Fuvest-spOs leitores estaro lembrados do que o compadre dissera quando estava a fa-

    zer castelos no ar a respeito do afilhado, e pensando em dar-lhe o mesmo ofcio que exercia, isto , daquele arranjei-me, cuja explicao prometemos dar. Vamos agora cumprir a promessa.

    se algum perguntasse ao compadre por seus pais, por seus parentes, por seu nas-cimento, nada saberia responder, porque nada sabia a respeito. Tudo de que se recordava de sua histria reduzia-se a bem pouco. Quando chegara idade de dar acordo da vida, achou-se em casa de um barbeiro que dele cuidava, porm que nunca lhe disse se era ou no seu pai ou seu parente, nem tampouco o motivo por que tratava da sua pessoa. Tambm nunca isso lhe dera cuidado, nem lhe veio a curiosidade de indag-lo.

    Esse homem ensinara-lhe o ofcio, e por inaudito milagre tambm a ler e a escrever. Enquanto foi aprendiz passou em casa do seu... mestre, em falta de outro nome, uma vida que, por um lado se parecia com a do fmulo, por outro, com a do filho, por outro, com a do agregado, e que afinal no era seno vida de enjeitado, que o leitor sem dvida j adivinhou que ele o era. A troco disso dava-lhe o mestre sustento e morada, e pagava-se do que por ele tinha j feito.

    Fmulo = empregado, criadomanuel Antnio de Almeida, memrias de um sargento de milcias

    nesse excerto, mostra-se que o compadre provinha de uma situao de famlia irregular e ambgua. no contexto do livro, as situaes desse tipo:a) caracterizam os costumes dos brasileiros, por oposio aos dos imigrantes

    portugueses.b) so apresentadas como consequncia da intensa mestiagem racial, prpria

    da colonizao.c) contrastam com os rgidos padres morais dominantes no rio de Janeiro

    oitocentista.d) ocorrem com frequncia no grupo social mais amplamente representado.e) comeam a ser corrigidas pela doutrina e pelos exemplos do clero catlico.

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    4. UFsm-RsAssinale a alternativa que completa corretamente as lacunas no perodo a seguir.o meirinho __________ e a alde __________, vindos juntos de portugal, tm um filho ilegtimo, __________, personagem central do livro __________.a) leonardo pataca maria da Hortalia leonardo memrias de um sargento

    de milciasb) olmpico de Jesus macaba olmpico de Jesus A hora da estrelac) Vidigal maria da Hortalia leonardo pataca memrias de um sargento de

    milciasd) rodrigo s. m. macaba olmpico de Jesus A hora da estrelae) miranda bertoleza Joo romo O cortio

    texto para as questes 5 e 6Sua histria tem pouca coisa de notvel. Fora Leonardo algibebe em Lisboa, sua

    ptria; aborrecera-se porm do negcio, e viera ao Brasil. Aqui chegando, no se sabe por proteo de quem, alcanou o emprego de que o vemos empossado, e que exercia, como dis-semos, desde tempos remotos. Mas viera com ele no mesmo navio, no sei fazer o qu, uma certa Maria da Hortalia, quitandeira das praas de Lisboa, saloia rechonchuda e bonitota. O Leonardo, fazendo-se-lhe justia, no era nesse tempo de sua mocidade mal apessoado, e sobretudo era magano. Ao sair do Tejo, estando a Maria encostada borda do navio, o Leonardo fingiu que passava distrado por junto dela, e com o ferrado sapato assentou- -lhe uma valente pisadela no p direito. A Maria, como se j esperasse por aquilo, sorriu-se como envergonhada do gracejo, e deu-lhe tambm em ar de disfarce um tremendo belisco nas costas da mo esquerda. Era isto uma declarao em forma, segundo os usos da terra: levaram o resto do dia de namoro cerrado; ao anoitecer passou-se a mesma cena de pisadela e belisco, com a diferena de serem desta vez um pouco mais fortes, e no dia seguinte estavam os dois amantes to extremosos e familiares, que pareciam s-lo de muitos anos.

    manuel Antnio de Almeida, Memrias de um sargento de milcias.

    Algibebe = mascate, vendedor ambulantesaloia = alde das imediaes de lisboamagano = brincalho, jovial, divertido

    5. Fuvest-spnesse excerto, o modo pelo qual relatado o incio do relacionamento entre leonardo e maria:a) manifesta os sentimentos antilusitanos do autor, que enfatiza a grosseria dos

    portugueses em oposio ao refinamento dos brasileiros.b) revela os preconceitos sociais do autor, que retrata de maneira cmica as

    classes populares, mas de maneira respeitosa a aristocracia e o clero.

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    c) reduz as relaes amorosas a seus aspectos sexuais e fisiolgicos, conforme os ditames do naturalismo.

    d) ope-se ao tratamento idealizante e sentimental das relaes amorosas, do-minante no romantismo.

    e) evidencia a brutalidade das relaes inter-raciais, prpria do contexto colo-nial-escravista.

    6. Fuvest-spno excerto, o narrador incorpora elementos da linguagem usada pela maioria das personagens da obra, como se verifica em:a) aborrecera-se porm do negcio. d)envergonhada do gracejo.b) de que o vemos empossado. e)amantes to extremosos.c) rechonchuda e bonitota.

    7. UFRnem relao a memrias de um sargento de milcias, de manuel Antnio de Almeida, pode-se afirmar que:a) o personagem central narra suas aventuras no rio de Janeiro poca de d.

    Joo Vi.b) o romance se distancia do carter idealizante que marcou a prosa romntica

    brasileira.c) o romance focaliza a trajetria de um militar empenhado em manter os

    ideais monrquicos.d) a obra pode ser vista como um romance ligado vida das elites brasileiras

    da poca.

    8. pUC-spDas alternativas abaixo, indique a que contraria as caractersticas mais significativas do romance memrias de um sargento de milcias, de manuel Antnio de Almeida.a) romance de costumes que descreve a vida da coletividade urbana do rio de

    Janeiro, na poca de d. Joo Vi.b) narrativa de malandragem, j que leonardo, personagem principal, encarna

    o tipo do malandro amoral que vive o presente, sem nenhuma preocupao com o futuro.

    c) livro que se liga aos romances de aventura, marcado por inteno crtica contra a hipocrisia, a venalidade, a injustia e a corrupo social.

    d) obra considerada de transio para um novo estilo de poca, ou seja, o rea-lismo/naturalismo.

    e) romance histrico que pretende narrar fatos de tonalidade heroica da vida brasileira, como os vividos pelo major Vidigal, ambientados no tempo do rei.

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    9. UFpe texto 1

    s filho de uma pisadela e de um belisco; mereces que um pontap te acabe a casta. (...) O menino suportou tudo com coragem de mrtir, apenas abriu ligeiramente a boca quando foi levantado pelas orelhas: mal caiu, ergueu-se, embarafustou pela porta fora, e em trs pulos estava dentro da loja do padrinho, e atracando-se-lhe s pernas. manuel A. de Almeida. memrias de um sargento de milcias.

    texto 2Algum tempo hesitei se deveria abrir estas memrias pelo princpio ou pelo fim, isto ,

    se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Eu no sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro bero; (...) Moiss, que tambm contou a sua morte, no a ps no introito, mas no cabo; diferena radical entre este livro e o Pentateuco. machado de Assis. Memrias pstumas de Brs Cubas.

    Aps a leitura atenta dos textos 1 e 2, assinale a alternativa correta.a) Apesar de ambos os romances intitularem-se memrias, o primeiro no

    contado em 1 pessoa e relata a vida do protagonista depois que se torna sargento de milcias; j o texto de machado traz um defunto autor.

    b) manuel de Almeida aproxima-se da linguagem coloquial falada no brasil de seu tempo, enquanto machado de Assis, no.

    c) o texto de manuel de Almeida, considerado precursor do realismo em nossas letras, e o de Machado traduzem o cientificismo dominante na poca.

    d) no texto 1, o autor descreve a forma de tratar as crianas na nobreza do rio de Janeiro de d. Joo Vi.

    e) caracterstica notria da obra de machado a ironia, trao que no apresen-tado no texto 2.

    10. ita-spAssinale a opo correta com relao obra memrias de um sargento de milcias, de manuel Antnio de Almeida.a) o livro trata da histria de um amor impossvel passada no sculo xix.b) A histria contada numa linguagem popular, da mesma maneira como foram

    escritas outras obras da poca.c) o livro trata das peripcias do protagonista, personagem cmico, pobre e sem

    nobreza de carter.d) A histria se passa num ambiente rural, tal como a histria de o sertanejo, de

    Jos de Alencar.e) A histria contada numa linguagem que segue os padres clssicos da poca.

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    11. mackenzie-spna segunda metade do sculo xix, surgiu um romance considerado de transi-o entre o romantismo e o realismo. tal obra documenta, com boas doses de humor, os usos, os costumes e a linguagem popular do rio de Janeiro da poca do reinado de d. Joo Vi.trata-se de:a) Senhora.b) memrias de um sargento de milcias.c) Inocncia.d) A moreninha.e) Helena.

    12. Fuvest-spindique a alternativa que se refere corretamente ao protagonista de memrias de um sargento de milcias, de manuel Antnio de Almeida.a) ele uma espcie de barro vital, ainda amorfo, a que o prazer e o medo vo

    mostrando os caminhos a seguir, at sua transformao final em smbolo sublimado.

    b) enquanto cnico, calcula friamente o carreirismo matrimonial; mas o sujeito moral sempre emerge, condenando o prprio cinismo ao inferno da culpa, do remorso e da expiao.

    c) A personalidade assumida de stiro a mscara de seu fundo lrico, genui-namente puro, a ilustrar a tese da bondade natural, adotada pelo autor.

    d) este heri de folhetim se d a conhecer sobretudo nos dilogos, nos quais revela ao mesmo tempo a malcia aprendida nas ruas e o idealismo romntico que busca ocultar.

    e) nele, como tambm em personagens menores, h o contnuo e divertido esfor-o de driblar o acaso das condies adversas e a avidez de gozar os intervalos da boa sorte.

    13. UFRgs-RsAssinale a alternativa que se refere a manuel Antnio de Almeida.a) a escrava isaura uma narrativa antiescravagista que, ao mesmo tempo, retrata

    aspectos pitorescos do modo de vida rural.b) em peas como Quem casa, quer casa e O juiz de paz na roa, o autor descreve

    com humor e ironia o convvio de tipos rurais com a sociedade urbana do rio de Janeiro, no sculo xix.

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    c) o romance iracema pertence vertente histrico-indianista do romantismo brasi-leiro, e nele o autor idealiza tanto a figura indgena quanto o perodo colonial.

    d) Com A moreninha, o autor inaugura o romance romntico no brasil, seguin-do os padres literrios europeus na criao do enredo e dos personagens e retratando de forma amena a burguesia carioca.

    e) o personagem leonardo, de memrias de um sargento de milcias, o anti-heri desta narrativa de costumes que retrata, com tintas realistas, as classes popu-lares do rio de Janeiro no incio do sculo xix.

    gaBaRito1. a) o uniforme incompleto do major a expresso do rebaixamento do mundo da ordem

    para o mundo da desordem. b) o fardamento incompleto representou a ruptura com os rgidos regulamentos que se im-

    punham aos militares.2. F F V V F3. d 4. A5. d 6. C7. b 8. e9. b 10. C11. b 12. e13. e